filosofia resumo global

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Precisamos de argumentos para mostrar que os problemas que estamos a estudar no

    so meras iluses e confuses. Por exemplo, ser que o problema do sentido da vida faz

    sentido? Porqu?

    Precisamos de argumentos para avaliar as respostas que os filsofos e ns prprios

    damos aos problemas da filosofia. Por exemplo, ser que a resposta que Plato d ao

    problema da imortalidade da alma boa?

    E precisamos de saberavaliar argumentosporque os filsofos passam grande parte

    do seu tempo a apresentar argumentos a favor das suas ideias e contra as ideias que eles

    acham que esto erradas. Por exemplo, ser que o argumento de Santo Anselmo a favor

    da existncia de Deus bom?

    Porque a filosofia uma actividade critica, avalia cuidadosamente os nossos preconceitos

    mais bsicos.

    O objectivo do estudo da filosofia no repetir o que diz o professor ou o manual. O

    objectivo aprender a pensar sobre os problemas, as teorias e os argumentos da

    filosofia.

    Em filosofia, o estudante tem a liberdade de defender o que quiser, mas tem de adoptar

    uma atitude crtica:

    Tem de sustentar o que defende com bons argumentos;

    Tem de aceitar discutir os seus argumentos.

    Ser crtico no dizer mal. Ser crtico olhar com imparcialidade para todas as

    ideias para podermos avaliar se so verdadeiras ou no.

    Ser crtico no ser extravagante. Ser crtico no dizer No s para marcar a

    diferena. Ser crtico dizer Sim, No, ou at Talvez, mas com base em bons

    argumentos.

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    A filosofia uma actividade dialogante: consiste em trocar e discutir ideias. A

    diferena entre uma discusso filosfica e uma gritaria, por exemplo, esta: em

    filosofia discutimos para chegar verdade das coisas, independentemente de saber

    quem ganha a discusso; numa gritaria discute-se para ganhar a discusso,independentemente de saber de que lado est a verdade.

    O pensamento filosfico consequente. Ser consequente aceitar as consequncias

    das nossas ideias.

    Somos livres para defender as posies que queremos; mas teremos de ser

    responsveis pelas consequncias do que defendemos. Se defendemos que toda a vida

    sagrada e que isso quer dizer que nunca devemos matar um ser vivo, no podemos ao

    mesmo tempo defender que se pode comer salada de alface. Se defendemos que tudo

    relativo e que no h verdades, no podemos defender que esta ideia verdadeira.

    Os trs elementos centrais da filosofia:

    Problemas

    Teorias

    Argumentos

    Os filsofos, ao longo dos sculos, tm proposto teorias que tentam resolver os

    problemas filosficos. Essas teorias apoiam-se em argumentos.

    O nosso papel perante os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia duplo:

    1. Saber formul-los claramente.

    2. Saber discuti-los com rigor.

    Os problemas da filosofia no se resolvem olhando para o mundo para recolher

    informao. por isso que dizemos que a filosofia um estudo a prioriou conceptual.

    Queremos dizer que a filosofia se faz unicamente com o pensamento.

    Conhecimento empricoou aposteriori:baseia-se na experincia.

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Exemplos: para saber se h vida em Marte necessrio enviar sondas e fazer observaes.

    Para saber qual a natureza da SIDA necessrio fazer observaes e experincias

    laboratoriais.

    Conhecimento conceptualou a priori:baseia-se no pensamento apenas.

    Exemplos: para saber se 7 um nmero par basta dividi-lo por dois e ver se o resultado

    um nmero inteiro. Para saber se todos os objectos verdes tm cor basta pensar no

    conceito de verde e de cor.

    O estudo filosfico a priori, mas temos de ter informaes sobre tudo o que for

    importante para a soluo dos problemas que estamos a tratar.

    A filosofia inevitvel porque no mais do que a procura sistemtica de

    justificaes sensatas para as nossas ideias mais bsicas.

    A filosofia ope-se ao dogmatismoporque nenhuma ideia tem o direito de suplantar

    quaisquer outras ideias, enquanto no mostrar que realmente melhor do que as outras.

    A filosofia diferente da sua histria. Em histria da filosofia estudamos o que osfilsofos dizem s para saber o que eles dizem. Na filosofia estudamos o que os filsofos

    dizem para discutir as suas ideias.

    Estudar filosofia como estudar msica e estudar histria da filosofia como estudar

    histria da msica. Num caso, aprendemos a tocar um instrumento ou a compor peas

    musicais; no outro, aprendemos apenas a apreciar a msica do passado. Num caso,

    aprendemos a discutir ideias e a propor ideias e a defend-las; no outro, aprendemos

    apenas a formular as ideias dos outros.

    Para que serve a filosofia?

    A filosofia serve para alargar a nossa compreenso das coisas, como as cincias, as

    artes e as religies.

    A filosofia serve para mudar as nossas vidas, como as cincias, as artes e as religies.

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Exemplos:

    John Stuart Mill,A Submisso das Mulheres (1869)

    Peter Singer,Libertao Animal(1975).

    Comparaes de utilidade:

    A religio til porque fornece orientao e conforto espiritual aos seus crentes. A

    filosofia fornece orientao a qualquer pessoa.

    A cincia til porque nos ensina a curar a tuberculose, por exemplo. A filosofia

    ensina-nos a enfrentar os problemas morais levantados pela cincia.

    As artesso teis porque produzem obras que nos inspiram e maravilham. A filosofia

    produz ideias e argumentos que nos inspiram e maravilham, e pe a descoberto problemas

    que nos convidam a dar o nosso melhor para tentar resolv-los.

    As razes pelas quais a filosofia serve para alguma coisa so a razes pelas quais as artes,

    as cincias e as religies servem para alguma coisa.

    Muitos dos problemas, teorias e argumentos da filosofia no tm qualquer utilidade

    prtica.

    Mas tambm a maior parte do que constitui as religies, as artes e as cincias no tem

    qualquer utilidade prtica.

    E as coisas sem utilidade prtica podem ter valor porque o conhecimento algo

    suficientemente importante para ter valor em si.

    Mesmo que s as coisas teis tivessem valor, nunca poderamos saber partida quais

    das nossas ideias se viriam a revelar teis.

    A filosofia til para a vida pblica de um pas porque nos ensina a pensar melhor

    sobre qualquer assunto, desde que se disponha da informao adequada.

    Quem sabe argumentar bem toma melhores decises, porque as decises que tomamos

    so baseadas em argumentos. A filosofia ajuda a tomar melhores decises.

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    II. A aco humana e os valores

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    1. A aco humana anlise e compreenso do agir

    1.1. A rede conceptual da aco

    A Filosofia da Aco uma rea interdisciplinar que colhe contributos da

    Metafsica, da Filosofia da Mente, da Psicologia e da moderna Teoria da Deciso.

    O objecto de estudo da Filosofia da Aco a justificao da crena na

    racionalidade da aco humana.

    Distingue-se da tica por no considerar os aspectos morais do agir, analisando

    apenas o que est na base da aco crenas,desejos, intenes, motivos e causas.

    O seu mtodo consiste na anlise das frases de aco, mediante as quais os agentes

    descrevem e explicam o que fazem:

    Por quefizeste X? - Fiz Xporque __________

    O problema central da Filosofia da Aco o de saber:

    Como compatibilizar a crena de que somos seres racionais com o facto de agirmos

    frequentemente de formairracional?

    Exemplos de problemas discutidos em Filosofia da Aco:

    1. O que so aces? Que acontecimentos contam enquanto aces?

    2. Como individuar ou distinguir as aces umas das outras?

    3. Como explicar a existncia de preferncias irracionais?

    4. Como compreender o fenmeno da acrasia?

    Para compreender o que est em causa quando perguntamos O que uma aco?,

    analisemos o seguinte exemplo:

    1. Joo deseja herdar uma fortuna e cr que o melhor a fazer para satisfazer o seu desejo

    matar o seu pai abastado. Mas este pensamento pe-no to nervoso que, ao conduzir

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    2. Os membros de uma famlia esto sentados mesa a comer uma feijoada. Esto todos

    a fazer a mesma aco ou aces diferentes?

    Por um lado, podemos dizer que todos os familiares esto a comer a mesmacoisa, no

    mesmo local e mesma hora;

    Por outro lado, cada pessoa poder possuir intenes diferentes ao comer (apenas

    matar a fome, regozijar-se com o sabor dos feijes, etc.) e os seus movimentos fsicos no

    so inteiramente coincidentes nem no espao nem no tempo.

    Existem, ento, duas respostas possveis para aquela pergunta:

    1.Diremos sim se considerarmos a aco comer uma feijoada como sendo um acto

    genrico definido como ingesto de feijes.

    2.Diremos no se considerarmos a aco comer uma feijoada como algo realizado

    concretamente por algum, nalgum lugar, a alguma hora e com movimentos fsicos

    individualizados.

    Cada uma destas respostas traduz duas concepes filosficas diferentes da aco:

    1. A aco como uma entidade genrica e abstracta; para os filsofos que, como

    Jaegwon Kim, a concebem deste modo, uma aco algo meramente ideal (tal como a

    ideia de Tringulo) e que pode ser exemplificado cada vez que um agente a perfaz (tal

    como exemplificamos a ideia de Tringulo ao desenharmos uma figura triangular);

    2.A aco como acontecimento concreto; para filsofos que, como Donald Davidson, a

    concebem deste modo, as aces so acontecimentos localizados no espao e no tempo

    (tm lugar num certo stio e a uma dada hora) e so individualmente realizados

    (feitas por algum);

    Qual destas concepes consideras correcta?Porqu?

    Para compreender o que est em causa quando perguntamos Como explicar a

    existncia de preferncias irracionais?, analisemos o seguinte exemplo:

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    3. Uma pessoa afirma que prefere osLimp BizkitaNorah Jones e esta cantora aBach. No

    entanto, diz preferirBach aosLimp Bizkit. Comoexplicar esta irracionalidade das suas

    preferncias?

    Dizemos que as suas preferncias so irracionaisporque so no transitivas.

    O que a transitividade? uma propriedade de relaes: se uma entidade X tem

    uma certa relao com uma entidade Y e se esta entidade Y tem o mesmo tipo de relao

    com uma entidade Z, ento a entidade X est nesse tipo de relao com a entidade Z.

    Exemplos:

    1.O Z mais alto do que o Chico; o Chico mais alto do que o Quim. Logo, o Z

    mais alto do que o Quim. A relaoser mais alto do que transitiva.

    2.O Guilherme o pai do Pedro; o Pedro o pai da Joana. Mas o Guilherme no o pai

    da Joana! A relaoser pai de no transitiva.

    Ora, as aces so objecto de preferncias e as nossas preferncias, se forem

    racionais, devero sertransitivas:

    Se preferes comer feijoada a comer filetes de pescada

    e se preferes comer filetes de pescada a comer Nestum,

    o que ser racionalque prefiras feijoada ou Nestum?

    legtimo pensar que qualquer comportamento racional ter de se conformar

    transitividade das preferncias. Mas os estudos empricos da Psicologia mostram que

    isto nem sempre acontece, o que intriga muito os filsofos.

    Como explicar a irracionalidade das preferncias?

    Chama-se acrasia a uma falta de fora de vontade. Um agente tem falta de fora de

    vontade se tiver o desejo de produzir um certo efeito e tiver a crena de que uma dada

    aco a melhor forma de produzir esse efeito e, no entanto, norealizar esta aco.

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Para compreender o que est em causa quando perguntamos Como compreender o

    fenmeno da acrasia?, analisemos o seguinte exemplo:

    Se desejas verdadeiramente respeitar os direitos dos animais e se acreditas que a melhor

    maneira de o fazer deixando de comer carne, peixe, leite ou ovos, como compreender

    que o continues a comer tudo isto?

    Aristteles reflectiu sobre a acrasia e pensou que a explicao das aces acrticas s

    poderia ser feita se dispusesse de um modelo de explicao de aces racionais. Esse

    modelo explicativo ficou conhecido como silogismo prtico:

    1. O agente tem o desejo de produzir um efeito E.

    2. O agente cr que fazer a aco A o melhor modo de alcanar E.

    3. Logo, o agente faz A

    Neste modelo as premissas 1 e 2 so a justificao racional da aco enunciada na

    concluso, em 3. Se os agentes forem racionais, devero poder explicar as suas aces

    com base nos seus desejos e crenas, com os quais as aces devem sercoerentes.

    Numa aco acrtica, isto no acontece. Vejamos o exemplo do fumar como

    resultado de fraqueza irracional da vontade:

    1. O Antnio tem o desejo de ser saudvel.

    2. O Antnio acredita que no fumar a melhor maneira de ser saudvel.

    3. No entanto, o Antnio fuma.

    Assim conclumos que para falar de aco, implica falar de um agente, uma inteno e

    uma motivao.

    Sendo resumido neste quadro:

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Definio dos conceitos nucleares

    Aco: uma interferncia consciente e voluntria de um ser humano (o agente), dotado

    de razo e de vontade, no normal decurso das coisas, que sem a sua inferncia seguiriam

    um caminho distinto;

    Agente: o ser humano que realiza consciente e voluntariamente uma aco;

    Inteno: o para qu, isto , o propsito que o agente quer atingir;

    Motivo: a razo pela qual ele age.

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    Inteno Motivo Agente o mesmo que projecto,

    isto , aquilo que nos

    propomos fazer ou o

    propsito da aco (implica a

    tomada de conscincia do

    sentido dos nossos actos);

    o sentido da aco, isto ,

    o significado atribudo a uma

    aco, identificado atravs da

    resposta pergunta o qu?;

    o objecto da deciso e aestratgia escolhida para o

    concretizar.

    identifica aquilo que explica e

    permite compreender a inteno,

    isto , as suas razes;

    refere-se ao porqu da inteno,

    ou seja, o que que levou A a

    fazer X;

    distingue-se do conceito de

    causa, porque ao identificarmos os

    motivos no podemos considerar

    que existe sempre entre eles e a

    inteno uma relao necessria; hque ter em conta a interveno da

    vontade. A causa faria ocorrer a

    aco independentemente da

    vontade do agente.

    o autor da inteno e da

    aco ,isto , o que pratica a

    aco;

    identifica aquele que, por

    sua iniciativa (livre e

    voluntariamente), produz

    alteraes no decorrer

    normal das coisas;

    por ser o autor, isto ,

    aquele que pratica uma aco

    intencionalmente, aquele aquem se atribui a

    responsabilidade da aco,

    isto , aquele que responde

    por ela.

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    II.A aco humana e os valores

    1. A aco humana anlise e compreenso do agir

    1.2. Determinismo e liberdade na aco humana

    A liberdade de aco um importante tpico discutido em Filosofia. Na tradio

    ocidental moral, religiosa e jurdica, conceitos como os de responsabilidade, culpa e

    imputabilidade esto vinculados ao de liberdade.

    Nessa tradio, um agente responsabilizvelpor uma aco apenas no caso de ter

    sidolivrepara agir como agiu. Por exemplo, um indivduo culpadoaos olhos de Deus

    se tiver pecado quando podia no o ter feito; um criminoso imputvel aos olhos da

    Justia se tiver cometido um crime quando podia evit-lo.

    Mas se algum forado a agir de uma certa forma, ser legtimo responsabiliz-lo

    pela sua aco?

    Que foras condicionam as nossas aces? Podemos reconhecer trs tipos decondicionantes da aco:

    1. Fsicas: as aces dependem da estrutura anatmica e fisiolgica do agente e das leis

    naturais que regem os fenmenos do mundo;

    2. Psicolgicas: a personalidade, o carcter, a fora de vontade ou a falta dela, os

    estmulos e as motivaes so aspectos que influenciam o tipo de aces que

    empreendemos;

    3. Culturais: as vivncias, as normas, as tradies, os hbitos e costumes, e todas as

    circunstncias polticas, econmicas e sociais que, enquanto agentes, nos relacionam com

    outros agentes, condicionam claramente as nossas aces.

    Ser que as condicionantes da aco impossibilitam a liberdade de aco? Seremos

    realmente livres ou a ser a liberdadeapenas uma iluso?

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Para compreendermos o significado desta pergunta, teremos de dominar uma noo

    essencial a de causalidade.

    Uma cadeia causal uma sucesso de acontecimentos na qual cada um deles causa

    do acontecimento que lhe sucede e cada um deles efeito do acontecimento que o

    antecede:

    Uma concepo deterministada aco salienta que as aces so acontecimentos que

    tm lugar no mundo e que, portanto, esto integradas em cadeias causais: ora so efeitosde acontecimentos anteriores (mentais ou fsicos); ora so causas de acontecimentos

    posteriores.

    Por outro lado, pensamos que devemos responder por muitos dos nossos actos, de que

    somos responsveis em consequncia da nossa liberdade. Esta uma viso no

    deterministada aco.

    Isto gera um dilema, conhecido como dilema de Hume:

    Se o determinismo for verdadeiro, ento as nossas aces so causadas por

    acontecimentos remotos que no controlamos, tornando-se inevitveis, no sendo ns

    responsabilizveis pelo que fazemos; se o determinismo for falso, ento as nossas

    aces so aleatrias, pelo que tambm no somos responsabilizveis por elas.

    Concluso: em qualquer caso, no h livre arbtrio nem responsabilidade.

    O problema do livre arbtriopode agora ser precisamente formulado:

    Como compatibilizar a crena de que todos os acontecimentos, incluindo as aces, so

    causalmente determinados, segundo as leis da natureza, com a crena de que o Homem

    livre e responsvelpelas aces?

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    As respostas tradicionais ao problema do livre-arbtrio podem ser divididas em

    teoriascompatibilistase teoriasincompatibilistas.

    As primeiras defendem que o livre-arbtrio compatvel com o determinismo; as

    segundas defendem que o livre-arbtrio no compatvelcom o determinismo.

    Teorias que respondem ao problema do livre-arbtrio:

    Exemplo do problema do livre-arbtrio

    O problema do livre-arbtrio, um dos mais antigos e intratveis da filosofia, comea

    com uma certa inadequao terminolgica. A expresso portuguesa "livre-arbtrio", assim

    como a expresso "liberdade da vontade", que traduo do ingls "freedom of the will",

    so enganosas, pois nem o juzo nem a vontade so os factores preponderantes. Menos

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    comprometida seria a expresso "liberdade de deciso" ou "liberdade de escolha" ou,

    melhor ainda (posto que mais abrangente), "liberdade de aco".

    Feita essa advertncia terminolgica, passemos exposio do problema. Ele diz

    respeito ao conflito existente entre a liberdade que temos ao agir e o determinismo causal.

    Podemos introduzi-lo considerando as trs proposies seguintes:

    1. Todo o evento causado.

    2. As nossas aces so livres.

    3. Aces livres no so causadas.

    A proposio 1 parece geralmente verdadeira: cremos que no mundo em que vivemos

    para todo evento deve haver uma causa. A proposio 2 tambm parece verdadeira:

    quando nos observamos a ns mesmos, parece bvio que as nossas decises e aces so

    frequentemente livres. Tambm a proposio 3 parece verdadeira: se as nossas aces

    fossem causalmente determinadas, elas no poderiam ser livres.

    O problema do livre-arbtrio surge quando percebemos que as trs proposies acima

    formam um conjunto inconsistente, ou seja: no possvel que todas elas sejam

    verdadeiras! Se admitimos que todo evento causado e que a aco livre no

    causalmente determinada (que as proposies 1 e 3 so verdadeiras), ento no somos

    livres, posto que as nossas aces so eventos (a proposio 2 falsa). Se admitimos que

    as nossas aces so livres e que como tais elas no so causalmente determinadas (que 2

    e 3 so proposies verdadeiras), ento no verdade que todo o evento seja causado (a

    proposio 1 fa1sa). E se admitimos que todo o evento causado e que somos livres

    (que as proposies 1 e 2 so verdadeiras), ento deve haver a1go de errado com a ideia

    de liberdade expressa na proposio 3.

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  • 7/31/2019 Filosofia Resumo Global

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Cada uma dessas alternativas possui um nome e foi classicamente defendida. A

    primeira delas chamada de determinismo; ela consiste em negar a verdade da proposio

    2, ou seja, que somos realmente livres. Ela foi mantida por filsofos como Espinosa,

    Schopenhauer e Henri d'Holbach. A segunda alternativa chama-se libertismo: ela no tem

    problemas em admitir que o mundo ao nosso redor causalmente determinado, mas abre

    uma excepo para muitas de nossas decises e aces, que sendo livres escapam

    determinao causal. Com isso o libertismo rejeita a validade universal do determinismo

    expressa pela proposio 1. Essa a posio de Agostinho, Kant e Fichte. Finalmente h

    o compatibilismo, que tenta mostrar que a liberdade de aco perfeitamente compatvel

    com o determinismo, rejeitando a ideia de liberdade expressa na proposio 3.

    Historicamente, Hobbes, Hume e Mill foram famosos defensores do compatibilismo. No

    que se segue, quero considerar isoladamente cada uma dessas solues, argumentando

    finalmente a favor do compatibilismo.

    1. Determinismo

    O determinismo parte da considerao de que, da mesma forma que podemos sempre

    encontrar causas para os eventos fsicos que nos cercam, podemos sempre encontrar

    causas para as nossas aces, sejam elas quais forem. Com efeito, sendo como somos

    produtos de um processo de evoluo natural, seria surpreendente se as nossas aces no

    fossem causadas do mesmo modo que o so outros eventos biolgicos, tais como amigrao dos pssaros e o fototropismo das plantas. Mesmo que o princpio da

    causalidade no seja garantido e que no mundo da microfsica ele tenha sido inclusive

    colocado em dvida, no mundo humano, constitudo pelas nossas aces, pensamentos,

    decises, vontades, esse princpio parece manter-se plenamente aceitvel. De facto,

    admitimos que as decises ou aces humanas so causadas. Alguns podero dizer que

    Napoleo invadiu a Rssia por livre deciso da sua vontade. Mas os historiadores

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    consideram parte do seu ofcio encontrar as causas, procurando esclarecer as motivaes e

    circunstncias que o induziram a tomar essa funesta deciso. Na determinao das nossas

    aces, as causas imediatas podem ser externas (algum decide parar o carro diante de um

    sinal vermelho) ou internas (algum resolve tomar um refrigerante), sendo geralmente

    mltiplas e por vezes muito difceis de serem rastreadas. No entanto, teorias biolgicas e

    psicolgicas (especialmente. a psicanlise) sugerem que as nossas aces so sempre

    causadas; "Fiz isso sem nenhuma razo" raramente aceite como desculpa.

    Com base em consideraes como essas, a concluso do filsofo determinista a de

    que o livre-arbtrio na verdade no existe, posto que se a aco fosse realmente livre ela

    no seria determinada por outros factores independentes dela mesma. A liberdade que

    parecemos ter ao tomarmos as nossas decises pura iluso, produzida por uma

    insuficiente conscincia das suas causas. Mesmo quando pensamos que poderamos ter

    agido de outro modo, o que queremos dizer no que ramos realmente livres para agir

    de outro modo, mas simplesmente que teramos agido de outro modo se o sentimento

    mais forte tivesse sido outro, se soubssemos aquilo que agora sabemos etc. O argumento

    a favor do determinismo pode ser assim esquematizado:

    1. Todo o evento causado.

    2. As aces humanas so eventos.

    3. Portanto, todas as aces humanas so causadas.

    4. As aces humanas s so livres quando no so causadas.

    5. Portanto, as aces humanas no so livres.

    A posio determinista encontra, porm, dificuldades. No s o sentimento de que

    somos livres que perde a validade. Tambm o sentimento de arrependimento ou remorso

    parece perder o sentido, pois como se justifica que ns possamos arrepender-nos das

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    nossas aces, se no fomos livres para escolh-las? Tambm a responsabilidade moral

    perde a validade. Se nas nossas aces somos to determinados como uma pedra que cai

    ao ser solta no ar, faz to pouco sentido responsabilizar uma pessoa pelos seus actos

    quanto faz sentido responsabilizar a pedra por ter cado. Tais dificuldades levam-nos a

    considerar a posio oposta.

    2. Libertismo

    O libertista rejeita o determinismo por considerar as concluses acima inaceitveis.

    Ele tambm rejeita a primeira premissa do argumento determinista. O princpio da

    causalidade, enuncivel como "Todo o evento tem uma causa", no parece ter a sua

    validade universal garantida. Certamente, esse princpio extremamente til, valendo em

    geral para o mundo que nos circunda e mesmo para muitas de nossas aces. Mas nada

    nele garante que a sua validade seja universal. No podemos pensar que A = ~A ou que 1

    + 1 = 3, mas podemos perfeitamente conceber um evento no universo surgindo sem

    nenhuma causa. A isso o libertarista poder adicionar que ns simplesmentesabemos que

    somos livres. H uma grande diferena entre um comportamento reflexo e um

    comportamento resultante da deciso da vontade. Nssentimos que no ltimo caso somos

    livres, que podemos decidir sempre de outro modo.

    Para justificar essa posio, o libertista costuma lanar mo de uma teoria da aco, tal

    como foi defendida por Richard Taylor ou por Roderick Chisholm. Segundo essa teoria s

    vezes, ao menos, o agente causa os seus actos sem qualquer mudana essencial em si

    mesmo, no necessitando de condies antecedentes que sejamsuficientes para justificar

    a aco. Isso acontece porque o eu uma entidade peculiar, capaz de iniciar uma aco

    sem ser causado por condies antecedentes suficientes! Voc poder perguntar-se como

    isso possvel. A resposta geralmente oferecida que no pode haver explicao. Para

    responder a uma pergunta como essa teramos de interrogar o prprio eu, considerando-o

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    objectivamente. Mas, como quem deve considerar objectivamente o eu s pode ser aqui o

    prprio eu, isso impossvel. Tentar interrogar o prprio eu tentar, como o baro de

    Mnchausen, alar-se sobre si mesmo pondo os ps sobre a prpria cabea. O eu da teoria

    da aco um eu esquivo [...]. Ele um eu autodeterminador, capaz de iniciar aces sem

    ser causado. Somos, quando agimos, semelhantes ao deus aristotlico: somos causas no

    causadas, motores imveis. O argumento que conduz teoria da aco tem a forma:

    1. No certo que todo o evento causado.

    2. Sabemos que as nossas aces so frequentemente livres.

    3. As aces humanas livres no podem ser causadas.

    4. Portanto, a aco humana no precisa de ser causada.

    Embora essa soluo preserve a noo de livre agncia, ela tem o inconveniente de

    explicar o obscuro pelo que mais obscuro ainda, que um mistrio a ser aceite sem

    questionamento. A pergunta que permanece se no h uma soluo mais satisfatria. A

    soluo que veremos a seguir, o compatibilismo, hoje a mais aceite, sendo uma maneira

    de tentar preservar as vantagens das outras duas sem as correspondentes desvantagens.

    3.Compatibilismo: definies

    Segundo o compatibilismo, tambm chamado de determinismo moderado ou

    reconciliatrio, ns permanecemos livres e responsveis, mesmo sendo causalmentedeterminados nas nossas aces. O raciocnio que conduz ao compatibilismo tem a forma:

    1. Todo o evento causado.

    2. As aces humanas so eventos.

    3. Portanto, todas as aces humanas so causadas.

    4. Sabemos que as nossas aces so s vezes livres.

    5. Portanto, as aces livres so causadas.

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    Um bom exemplo de argumento em defesa do compatibilismo o de Walter Stace,

    para quem ns confundimos o significado da noo de liberdade na sua conexo com o

    determinismo. Segundo Stace, o determinista acredita que a liberdade da vontade o

    mesmo que a capacidade de produzir acessem que elas sejam determinadas por causas.

    Mas isso falso. Se assim fosse, uma pessoa que se comportasse arbitrariamente, mesmo

    que contra a sua prpria vontade, seria um exemplo de pessoa livre. Mas o

    comportamento arbitrrio no visto como um comportamento livre. A diferena entre a

    vontade livre e a vontade no-livre no deve residir, pois, no facto de a segunda ser

    causalmente determinada e a primeira no. Alm disso, tanto no caso de aces livres

    como no caso de aces no-livres, ns costumamos encontrar determinaes causais,

    como mostram os seguintes exemplos, os trs primeiros tomados do texto de Stace:

    A. Actos livres B. Actos no-livres

    1. Gandi passa fome porque quer libertar a

    ndia.

    Um homem passa fome num deserto porque

    no h comida.

    2. Uma pessoa rouba um po porque est

    com fome.

    Uma pessoa rouba porque o seu patro a

    obrigou.

    3. Uma pessoa assina uma confisso

    porque quer dizer a verdade.

    Uma pessoa assina uma confisso porque

    foi submetida a tortura.

    4. Uma pessoa decide abrir uma garrafa de

    champanhe porque quer brindar ao Ano

    Novo.

    Uma pessoa toma uma dose de aguardente,

    mesmo contra a sua vontade, porque

    alcolica.

    Note-se que a palavra "porque", que denota causalidade, comum a ambas as colunas.

    Assim, a coluna A no difere da coluna B pelo facto de no podermos encontrar causas

    das aces, decises e volies dos agentes. E s causas apresentadas podemos adicionar

    ainda outras, como razes psicolgicas e biogrficas de Gandi, o costume de brindar ao

    Ano Novo abrindo uma garrafa de champanhe etc. Mesmo nos casos de decises

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    arbitrrias (como quando algum decide lanar uma moeda no ar para que a sorte decida o

    que deve fazer), a deciso de escolher arbitrariamente tambm possui alguma causa.

    A diferena notada por Stace entre as aces livres da coluna A e as no-livres da

    coluna B que as primeiras so voluntrias, enquanto as segundas no. Da que ele defina

    a diferena entre a vontade livre e no-livre como residindo no facto de que as aces

    derivadas da vontade livre so voluntrias, enquanto as aces derivadas da vontade no-

    livre so involuntrias, no sentido de se oporem nossa vontade ou de serem

    independentes dela. Se Gandi passa fome para libertar a ndia, se algum rouba um po

    por estar com fome, essas so aces livres, posto que voluntrias; mas se uma pessoa

    assina uma confisso sob tortura ou toma uma dose de aguardente contra a sua vontade,

    essas so aces que se opem vontade dos agentes, por isso mesmo no so livres.

    Embora a explicao de Stace seja geralmente bem-sucedida, ela no se aplica

    satisfatoriamente a alguns casos. Considere os seguintes:

    A. Actos livres B. Actos no-livres

    5. Uma pessoa abre a janela porque faz

    calor.

    Uma pessoa abre a janela por efeito de

    sugesto ps-hipntica.

    6. Um membro de uma equipa de cinema

    explode uma bomba para efeitos de

    filmagem.

    Um psicopata explode uma bomba porque

    ouve vozes que o convenceram a realizar essa

    aco.

    No exemplo B-5 a pessoa abre a janela porque o hipnotizador lhe disse que meia hora

    aps ser acordada da hipnose deveria abrir a janela, sem se lembrar de que faz isso por

    deciso do hipnotizador (curiosamente, se interrogada, a pessoa submetida a esse tipo de

    experincia costuma fornecer uma razo qualquer, como a de que est sentindo calor).

    Nesse caso a pessoa realiza a aco voluntariamente, pensando que o faz por livre e

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    espontnea vontade, embora na verdade o faa seguindo a instruo de quem a

    hipnotizou. No exemplo B-6, o psicopata tambm age voluntariamente, e o mesmo

    poderamos dizer de casos de fanticos, de neurticos e, em geral, de pessoas presas a

    valores e padres de conduta excessivamente rgidos, que sofrem por isso limitaes na

    capacidade de livre deliberao, apesar de agirem voluntariamente. A aco livre deve

    aproximar-se de um ideal de racionalidade plena, o que aqui est longe de ser o caso.

    Na minha opinio a diferena mais importante entre os casos apresentados, nas

    colunas A e B que em B, em que a aco no livre, o agente age sob restrio,

    coero ou limitao externa (exemplos 1, 2, 3 e 5) ou interna (exemplos 4 e 6),

    enquanto nos casos da coluna A, em que a aco livre, o agente age motivado por razes

    no-limitadoras ou "plenas". difcil explicar o que sejam razes no-limitadoras, mas a

    ideia intuitiva: considere a diferena entre as razes de Gandi e as razes de quem age

    por sugesto ps-hipntica, por fora de um delrio psictico ou de uma crena fantica;

    mesmo no-admiradores de Gandi admitiriam que as suas razes so comparativamente

    menos limitadoras, menos restritivas, mais legtimas. Admitindo essa distino de grau

    entre razes limitadoras e no-limitadoras, chegamos a uma definio inerentemente

    negativa da aco livre, que mais abrangente do que a de Stace:

    A aco livre aquela em que o agente no restringido fisicamente, nem

    coagido na sua vontade, nem limitado na sua racionalidade ao realiz-la.

    Livre-arbtrio versus determinismo

    O problema do livre-arbtrio versus determinismo surge devido a uma aparentecontradio entre duas ideias plausveis. A primeira a ideia de que os seres humanos tm

    liberdade para fazer ou no fazer o que queiram (obviamente, dentro de certos limites

    ningum acredita que possamos voar apenas por querermos faz-lo). Esta a ideia de que

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    os seres humanos tm vontade livre ou livre-arbtrio. A segunda a ideia (...) de que

    tudo o que acontece neste universo causado, ou determinado, por acontecimentos ou

    circunstncias anteriores. Diz-se de aqueles que aceitam esta ideia que acreditam no

    princpio do determinismo e chama-se-lhes deterministas. (De aqueles que negam esta

    segunda ideia diz-se que so indeterministas.)

    Pensa-se frequentemente que estas duas ideias conflituam porque parece que nopodemos ter livre-arbtrio as nossas escolhas no podem ser livres se so

    determinadas por acontecimentos ou circunstncias anteriores.

    Definio dos conceitos nucleares

    Determinismo:princpio segundo o qual todo o fenmeno rigorosamente determinado

    por aqueles que o precederam ou acompanham, (leis da natureza: fsicas e biolgicas) ou

    (plano sobrenatural: vontade de Deus, fora do destino) sendo a sua ocorrncia necessria

    e no dependente da vontade do agente;

    Liberdade: ter a possibilidade de escolher e de decidir o que fazer de ns prprios, que

    tipo de pessoa nos propomos construir tendo em conta todos os factores econdicionalismos circunstanciais que o contexto vivencial nos proporciona e que so

    simultaneamente limitaes e desafios;

    Liberdade humana: capacidade de auto-determinao, ou seja, a possibilidade e a

    necessidade de sermos ns a orientar a nossa aco e, desse modo, a definir e a moldar a

    nossa personalidade, tendo em conta as condicionantes da aco;

    Causalidade: acontecimento que sucede cadeia causal;

    Finalidade: acontecimento que antecede cadeia causal.

    II.A aco humana e os valores

    2. Os valores Analise e compreenso da experincia valorativa

    2.1. Valores e valorao a questo dos critrios valorativos

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    Os valores so qualidades que se atribuem aos objectos. Estes orientam a nossa aco,

    isto , a nossa aco determinada pelos valores; pelo que considerado justo/injusto;

    correcto/incorrecto pelo sujeito.

    Os valores no existem efectivamente nos objectos, ou seja, no so caractersticas dos

    objectos. Orientam as nossas aces; agimos em funo daquilo que gostamos e achamos

    correcto.

    Caractersticas dos valores

    Os valores so:

    Subjectivos quando dependem do sujeito, isto , dois sujeitos perante um objecto

    podem ter opinies diferentes acerca do mesmo. (Ex.: uma pessoa pode achar o objecto

    bonito e outra feio).

    No so coisas nem caractersticas sensveis dessas mesmas coisas

    So hierarquizveis no tm todos a mesma importncia, cada sujeito tem a sua

    prpria hierarquia.

    Existem em plos opostos existem valores positivos e valores negativos. (Ex.:

    beleza fealdade).

    Valor-fim e valores-meio:

    Valor-fim so aqueles que valem por si mesmo (encontram-se no topo da

    hierarquia);

    Valores-meio so aqueles que nos permitem alcanar o valor-fim.

    Valores espirituais e valores materiais produzem prazer sensvel

    Valores ticos/morais

    Valores religiosos produzem prazer espiritual

    Valores estticos

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    So relativos variam de poca para poca; de cultura para cultura, no quer dizer

    que uns sejam mais correctos que outros.

    So perenes no morrem, apesar da sua subjectividade e da sua relatividade estes

    continuaro a determinar a viso que o homem tem do mundo e as suas aces.

    Critrio Valorativo: Juzos e Factos

    Facto o aspecto da realidade, aspecto esse que pode ser descrito de uma forma

    objectiva. Quando queremos descrever objectivamente um facto, elaboramos os juzos de

    facto.

    Juzo enunciado onde se afirma ou nega uma coisa de outra coisa.

    Os Juzos de facto so proposies onde se descrevem objectivamente os aspectos da

    realidade (factos). Descrevem a realidade tal como ela , fornecendo assim informao

    sobre o mundo. So objectivos pois no dependem da perspectiva do sujeito que os

    enuncia, dependendo exclusivamente do objecto ou do facto.

    Pelo facto de eles serem objectivos possuem valor de verdade. Quando o contedo do

    juzo corresponde verdadeiramente aos factos, verdadeiro; quando, pelo contrrio, no

    corresponde, falso.

    Os juzos de facto so os nicos que aparecem nas cincias (Ex.: leis cientficas)

    Estes so descritivos, descrevendo certos aspectos da realidade.

    Os Juzos de valor servem para expressar/traduzir/mostrar a avaliao, positiva ou

    negativa, que cada um de ns faz da realidade.

    Contrariamente aos juzos de facto que so objectivos, os juzos de valor so subjectivos,

    porque dependem exclusivamente da avaliao que cada sujeito faz da realidade.

    Ao fazer a sua avaliao, o sujeito pretende influenciar os outros, levando-os a fazer o

    mesmo tipo de avaliao de um acontecimento sendo, por isso, parcialmente, normativos.

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    Assim temos:

    Exemplos:

    Osjuzos morais so os juzos de valor mais discutidos pelos filsofos.

    Estas so duas questes importantes sobre a natureza desses juzos:

    1.Os juzos morais tm valor de verdade?

    2.Se tm valor de verdade, so verdadeiros ou falsos independentemente da perspectiva

    de quaisquer sujeitos?

    As teorias objectivistas respondem afirmativamente a ambas as questes.

    Vamos examinar apenas teorias que no so objectivistas.

    Subjectivismo

    Subjectivismo: Os juzos morais tm valor de verdade, mas o seu valor de verdade

    depende da perspectiva do sujeito que faz o juzo.

    Existem factos morais, mas estes so subjectivos, pois s dizem respeito s atitudes de

    aprovao ou reprovao das pessoas.

    Duas razes para ser subjectivista:

    Se as distines entre o certo e o errado no forem fruto dos sentimentos de cada

    pessoa, ento sero imposies exteriores que limitam as possibilidades de aco de cada

    indivduo. O subjectivismo preserva a liberdade individual.

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    Quando percebemos que as distines entre o certo e o errado dependem dos

    sentimentos de cada pessoa e que os sentimentos de uma no so melhores nem piores

    que os de outra, tornamo-nos mais capazes de aceitar as aces contrrias s nossas

    preferncias.

    O subjectivismo promove a tolerncia entre indivduos.

    Objeces ao subjectivismo:

    O subjectivismo permite que qualquerjuzo moral seja verdadeiro.

    Por exemplo, se uma pessoa pensa que devemos torturar inocentes, ento para essa pessoa

    verdade que devemos torturar inocentes.

    O subjectivismo compromete-nos com uma educao moral que consiste apenas em

    ensinar que devemos agir de acordo com os nossos sentimentos.

    O subjectivismo tira todo o sentido ao debate moral. Torna absurdo qualquer esforo

    racional para encontrar os melhores princpios ticose fundament-los perante os outros.

    Para aprofundar esta ltima objeco, vejamos como o subjectivista entende os casos de

    desacordo moral:

    Se a traduo do subjectivista correcta, ento no h qualquer desacordo genuno

    entre o Joo e a Maria. Mas h um desacordo genuno entre o Joo e a Maria. Logo, a

    traduo do subjectivista no correcta. (Portanto, o subjectivismo falso.)

    Emotivismo

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    A afirmao do valoruniversal da tolerncia incompatvel com o relativismo.

    Um relativista teria de aprovar atitudes de extrema intolerncia se estas fossem

    consideradas boas no interior de uma dada sociedade.

    A teoria dos mandamentos divinos

    Teoria dos mandamentos divinos: Os juzos morais tm valor de verdade, ou seja,

    so verdadeiros ou falsos. Por isso, existem factos morais.

    A verdade ou falsidade dos juzos morais depende da vontade de

    Deus.

    O certo e o errado, o bem e o mal morais, so convenes estabelecidas por Deus.

    O dilema de utifron

    A relao entre a diversidade cultural, o relativismo e a tolerncia

    Os valores so simultaneamente absolutos e relativos. So absolutos porque existem

    em todas as sociedades e porque h valores universalmente aceites, tais como os valores

    consignados na Declarao Universal dos Direitos do Homem. So relativos porque

    variam as qualidades que tm de possuir para poderem ser consideradas bens. De facto,

    todas as sociedades distinguem o bem do mal, considerando o bem um valor positivo e o

    mal um valor negativo ou contra valor. Porem, o conceito de bem e de mal definido

    culturalmente; os valores tm um carcter histrico e mudam medida que a sociedade e

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    3. Dimenses da aco humana e dos valores

    3.1. A dimenso tico-politica Anlise e compreenso da experincia vivencial

    3.1.1. Inteno tica e norma moral

    Os conceitos de tica e moral so usualmente utilizados indiferentemente, para nos

    referirmos a um cdigo ou a um conjunto de princpios que as pessoas seguem na sua

    vida.

    A tica, deriva do grego ethos, que designava os comportamentos habituais, os

    costumes, aquilo que permite ao ser humano construir uma segunda natureza, referindo-

    se, pois, sua interioridade.

    Assim a tica, mantendo o significado mais prximo daquele que o prprio conceito

    grego de ethos, remete mais para uma reflexo acerca dos princpios que devem orientar a

    aco humana, para uma fundamentao das normas do agir, e tambm para a definio

    dos fins orientadores da existncia de cada um, tendo em vista a autoconstruo de si na

    prossecuo duma vida boa e feliz. Interroga-se sobre o que d sentido ou valor

    existncia humana. A tica remete, portanto, para uma sabedoria de vida, algo que aponta

    j para uma certa espiritualidade e realizao pessoal autnoma.

    A moral utiliza-se hojepara designar o mbito da formao das normas obrigatrias,

    da sua hierarquizao e aplicao a casos concretos no interior duma comunidade

    humana. Assim a Moral constitui, portanto, um conjunto de imperativos e de interditos,

    traduzindo o sentido de obrigatoriedade, o conjunto dos deveres do ser humano, isto ,

    uma deontologia, as normas validas no interior de um grupo. Desenvolve-se na pratica

    social, no contexto de uma cultura, no seio da qual os valores, os hbitos e os costume

    geram as leis ou cdigos que definem o que desejvel e o que permitido ou proibido,

    distinguindo o bem do mal. Apresenta-se, portanto, com uma funo normativa, isto , de

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    institucionalizao de normas que regulam a conduta. A Moral responde-nos, pois, s

    questes: Que devo fazer? Como correcto agir em tal circunstncia?

    Apesar desta distino, quer a tica quer a Moral so importantes guias da aco

    humana, no sentido em que relacionam com uma vida com projectos e ideais a alcanar.

    O sentido da palavra desmoralizado ajuda-nos a compreender bem, embora pela

    negativa, a sua importncia: diz-se desmoralizado de algum a que perdeu a orientao

    e o interesse pela vida ou pelos seus objectivos. E a Moral e a tica apelam exactamente

    para a realizao pessoal do indivduo. Apesar desta distino conceptual, muitos autores

    continuam a usar os dois conceitos como sinnimos.

    Definio dos conceitos nucleares

    tica:(do conceito grego ethos) o domnio da reflexo terica sobre esses princpios

    e normas tendo em vista a sua definio e, sobretudo, a sua justificao racional. tica

    diz ainda respeito a definio dos fins universais que devero orientar a aco humana na

    auto-construo de cada indivduo tendo em vista tornar-se pessoa. A tica pode ento ser

    entendida como fundamentao das normas morais do agir ou como definio dos finsorientadores da existncia de cada um.

    Moral: (do latim mores) designa o mbito da formao das normas, da hierarquizao

    e aplicao a casos concretos, traduzindo o conjunto dos deveres do ser humano.

    II.A aco humana e os valores

    3. Dimenses da aco humana e dos valores

    3.1. A dimenso tico-politica Anlise e compreenso da experincia vivencial

    3.1.2. A dimenso pessoal e social da tica o si mesmo, o outro e as instituies

    A responsabilidade a capacidade de responder e prestar contas pelos actos praticados.

    A responsabilidade tem duas vertentes: a responsabilidade civil, prestar contas pelas

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    consequncias perante terceiros, e a responsabilidade moral, prestar conta perante a nossa

    conscincia pelos actos e intenes dos mesmos.

    A responsabilidade exige que se assuma esta autoria dos actos praticados; assumir esta

    autoria implica uma reflexo prvia que pode e deve conduzir a uma opo livre de

    constrangimentos, isto , autnoma; esta autonomia ou liberdade condio para se ser

    pessoa. A responsabilidade implica maturidade moral.

    A existncia humana uma existncia partilhada, isto , vivida em coexistncia com

    os outros ou, dito de outro modo, o ser humano um ser eminentemente social. Como nos

    diz F. Savater ningum chega a tornar-se humano se est s: tornamo-nos humanos uns

    aos outros.

    Os Gregos foram os primeiros a salientar a importncia desta dimenso social e

    politica do ser humano, como vsivel na definio apresentada por Aristteles ao afirmar

    o Homem um animal poltico; aquele que vive s ou um deus ou um louco, sendo

    por isso que a pena mais cruel infligida a um indivduo era a condenao ao ostracismo,

    isto , a condenao a viver isolado dos outros.

    Sendo assim, a dimenso tica implica que no se considerem exclusivamente os

    interesses individuais e se avaliem as situaes tendo em conta tambm os interesses dos

    outros.

    A relao eu-outro implica, portanto, que os nossos juzos avaliativos adoptem um

    ponto de vista no qual considerem igualmente os interesses de todos os que so afectados

    pelas nossas aces, isto , implica que nos coloquemos numa perspectiva de

    universalidade do agir. A aco tica exige que ultrapassemos o nosso ponto de vista

    pessoal e nos coloquemos, na medida do possvel, no lugar do outro (entendendo-se por

    outro todos os seres com quem nos relacionamos). Em vez do egosmo a tica valoriza o

    altrusmo e a solidariedade. Em vez do benefcio pessoal, a tica promove, elogia e

    estimula a considerao de valores comuns aos membros duma comunidade.

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Valorizando os comportamentos comuns, a tica procura assim promover a realizao

    da vida social, em que a existncia individual ganha sentido na vivncia partilhada com os

    outros.

    A relao com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa auto-construo,

    evidenciando que a realizao de cada um supe tambm a realizao dos outros, numa

    convergncia de vontades particulares tendo em vista a realizao de fins comuns. Mas o

    antagonismo e a conflituosidade entre os interesses individuais nem sempre se conseguem

    compatibilizar e, por isso, as diferentes formas de relacionamento social expressas quer

    em competio/solidariedade, que em cooperao/hostilidade, exigem o estabelecimento

    de regras de conduta, de normas e leis que definam os direitos e deveres de cada um num

    espao de convivncia.

    Esta convivncia com os outros no deve ser determinada por uma fora instintiva ou

    biolgica, antes se estabelece no interior duma comunidade, em funo de objectivos,

    valores e opes livremente definidos por cada sociedade. esta convergncia de ideais

    que procura dar sentido existncia da sociedade e de cada indivduo.

    Nesta interaco social forma-se em cada um de ns uma instncia interior de

    orientao e de critica do nosso agir, a que chamamos conscincia moral.

    Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da conscincia moral,

    costumamos compar-la a uma espcie de juiz interior que julga o que fazemos,

    provocando-nos, em certas situaes, aquilo a que chamamos remorsos por termos

    praticado uma aco considerada m (ter a conscincia pesada, ou ter um peso na

    conscincia), ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos

    bem (estar de conscincia tranquila).

    O conceito de conscincia moral inclui, ento:

    Um sentido apelativo, para valores e normas ideais a que no devemos renunciar (uma

    bssola orientadora do sentido da aco);

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Um sentido imperativo (obrigao), que nos ordena uma aco compatvel com os

    valores que defendemos (index);

    Um sentido judicativo, pois assume-se como instncia julgadora dos nossos actos e das

    prprias intenes do agente, conforme esto ou no de acordo com os valores e ideais a

    que aderimos (judex);

    Um sentido de censura e de remorso, ou de elogio e satisfao, conforme a nossa

    vivncia obedece ou no aos ideais e valores assumidos (vindex).

    Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que pertencemos, a

    conscincia moral constitui-se na conjugao de duas orientaes:

    CONSCINCIA MORAL Por um lado, cresce medida que o

    indivduo interioriza as regras e padres

    do grupo (heteronomia).

    Por outro, amadurece e assume-se como

    uma dimenso pessoal no sentido em que

    cada um se autodetermina por princpios

    racionalmente justificados (autonomia).

    H pois, uma interaco entre as estruturas do indivduo e as influencias do meio

    social, uma articulao do querer individual com os padres sociais, que conduz

    transformao do indivduo em pessoa.

    Noo de pessoa

    Por pessoa entende-se o individuo humano que:

    Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigaes, para consigo mesmo,para com os outros e para com as instituies;

    Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social;

    Assume o carcter racional da sua autonomia e, portanto, a capacidade de agir livre e

    responsavelmente, isto , em nome prprio;

    Tem conscincia do carcter inter-relacional da sua autonomia, uma vez que autonomia

    no significa auto-suficincia nem indiferena pelos outros;

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Assume a dignidade como atributo essencial do Homem, dignidade que se expressa

    numa exigncia perante si mesmo, perante os outros e perante as instituies.

    Podemos dizer ento que ser pessoa exige viver em sociedade, reconhecer e respeitar

    princpios universais de relao com os outros, reconhecer-se como sujeito de direitos e

    deveres, estar aberto aos outros.

    Neste sentido foram fundadas, ao longo dos tempos, instituies polticas e sociais que

    visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e

    que demonstram a aceitao pelas sociedades da personalidade humana.

    Definio dos conceitos nucleares

    Responsabilidade:deriva etimologicamente da palavra latina respondere, que significa

    responder pelos actos e ter a obrigao de prestar contas pelos actos praticados. A

    responsabilidade pode assumir diferentes formas: responsabilidade civil referindo-se ao

    compromisso de ter de responder perante a autoridade social; responsabilidade moral

    referindo-se obrigao de responder perante a nossa prpria conscincia.

    II.A aco humana e os valores

    3. Dimenses da aco humana e dos valores

    3.1. A dimenso tico-politica Anlise e compreenso da experincia vivencial

    3.1.3. A necessidade de fundamentao da moral anlise comparativa de duasperspectivas filosficas

    tica utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 d.C)

    Filsofo e economista, considerado o mais importante representante do utilitarismo

    ingls. Embora mantenha a identificao base do utilitarismo da felicidade com prazer,

    Stuart Mill classifica os prazeres segundo um critrio qualitativo, considerando em

    primeiro lugar a dignidade do Homem, e defende que o fim das nossas aces deve ser

    uma utilidade altrusta e no meramente egosta.

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Duas objeces ao utilitarismo

    O utilitarismo no funciona na prtica, pois exige que estejamos sempre a calcular as

    consequncias das nossas aces.

    O utilitarismo, como no leva em conta as normas ou regras morais comuns,

    predispe-nos a fazer frequentemente coisas erradas comomentir, roubar ou matar.

    Uma resposta s objeces

    O utilitarismo primariamente uma teoria sobre o que torna as aces certas ou erradas.

    O utilitarismo no uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decises.

    Por isso, o utilitarismo no implica que:

    1.Temos de tomar todas as decises calculando as consequncias provveis dos nossos

    actos.

    2.Temos de ser indiferentes s normas morais comuns quando decidimos o que fazer.

    O utilitarista dir que se tomssemos todas as decises calculando as suas consequncias

    acabaramos por no promover o bem.O utilitarista dir que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decises que, de

    uma maneira geral, sero boas.

    Dois nveis de pensamento moral

    Nvel intuitivo: Como o nosso conhecimento muito limitado, tomamos as nossas

    decises quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos, obedecendo s

    inclinaes do nosso carcter, sem aplicar o princpio utilitarista.

    Nvel crtico: Aplicamos o princpio utilitarista para (1) tomar decises em situaes

    em que as regras morais comuns no nos permitem saber o que fazer, (2) avaliar

    criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou no o bem-estar.

    Duas objeces ao utilitarismo que no afectam as teorias deontolgicas:

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    1)O utilitarismo obriga-nos a realizar certos actos que no so moralmente obrigatrios.

    por isso, em certos aspectos, uma teoria moral demasiado exigente.

    2)O utilitarismo permite ou consente certos actos que no so moralmente permissveis.

    por isso, noutros aspectos, uma teoria moral demasiado permissiva.

    Integridade

    A excessiva exigncia do utilitarismo ameaa a nossa integridade pessoal: para agir em

    conformidade com o utilitarismo, teramos que abdicar de quase todos os nossos projectos

    e compromissos pessoais.

    Respeito e direitos

    A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos

    morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao servio do fim do

    bem geral.

    Dois egosmos

    Egosmo psicolgico: As pessoas agem sempre apenas em funo do seu interesse

    pessoal.

    Egosmo tico: As pessoas devem agir sempre apenas em funo do seu interesse

    pessoal.

    Somos todos egostas?

    Dois argumentos a favor do egosmo psicolgico:

    1.Quando agimos voluntariamente, fazemos sempre aquilo que mais desejamos. Por isso,

    somos todos egostas.

    2.Sempre que fazemos bem aos outros, isso d-nos prazer. Por isso, s fazemos bem aos

    outros para sentirmos prazer. Ora, isso o mesmo que dizer que somos todos egostas.

    Em ambos os argumentos, a premissa no sustenta a concluso:

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Mesmo que seja verdade que em todos os actos voluntrios as pessoas se limitam a

    fazer aquilo que mais desejam, da no se segue que todos esses actos sejam egostas.

    Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros, isso no quer dizer que a

    expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da aco.

    Devemos ser egostas?

    Trs objeces ao egosmo tico:

    O egosmo tico tira todo o sentido a uma parte importante da tica, que consiste na

    actividade de aconselhar e julgar.

    O egosmo tico moralmente inconsistente: no pode ser adoptado universalmente.

    O egosmo tico derrota-se a si prprio: se uma pessoa optar por agir de forma egosta,

    ter uma vida pior do que teria se no fosse egosta.

    Utilitarismo

    J. S. Mill defendeu o princpio utilitarista da maior felicidade: As aces esto certas

    na medida em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a

    produzir o reverso da felicidade.

    O utilitarismo, tal como o egosmo tico, uma perspectiva consequencialista.

    Segundo o consequencialismo, agir moralmente apenas uma questo de produzir

    bons resultados.

    O egosta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si prprio.

    O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles

    que podero ser afectados pela sua conduta.

    Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de aco aquele que apresentada a

    maiorutilidade esperada.

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Para determinar a utilidade esperada de um curso de aco, temos de pensar nas suas

    vrias consequncias possveis e na probabilidade de essas consequncias se

    verificarem.

    Hedonismo

    Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa?

    Hedonismo: O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausncia de dor.

    Hedonismo quantitativo de Bentham: Cada um dos diversos prazeres e dores da vida

    das pessoas tem um certo valor, que em ltima anlise determinado apenas pela

    durao e intensidade.

    Hedonismo quantitativo de Mill: Alguns tipos de prazeres so, em virtude da sua

    natureza, intrinsecamente superiores a outros. Para vivermos melhor devemos dar uma

    forte preferncia aos prazeres superiores, recusando-nos a troc-los por uma quantidade

    idntica ou mesmo maior de prazeres inferiores.

    O argumento da mquina de experincias contra o hedonismo:

    A mquina de experincias um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma

    vida insuperavelmente aprazvel.

    Se o hedonismo verdadeiro, ento seria melhor ligarmo-nos para sempre mquina

    de experincias. Mas melhor no nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real.

    Logo, o hedonismo falso.

    Satisfao de preferncias

    Uma perspectiva alternativa ao hedonismo:

    O bem-estar consiste unicamente na satisfao dos desejos ou preferncias.

    Os utilitaristas de preferncias defendem esta teoria do bem-estar.

    Sustentam que a melhor maneira de agir maximizar a satisfao das preferncias

    daqueles que podero ser afectados pela nossa conduta.

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    O argumento da maioria fantica contra o utilitarismo de preferncias:

    Uma maioria fantica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva.

    Se o utilitarismo de preferncias verdadeiro, seria bom exterminar a minoria

    inofensiva. Mas profundamente errado exterminar minorias inofensivas. Logo, o

    utilitarismo de preferncias falso.

    tica deontolgica de Kant

    Clebre filsofo alemo, um dos mais importantes filsofos da poca moderna europeia.

    As mais notveis das suas obras so a Crtica da Razo Pura (sobre gnoseologia), a

    Crtica da Razo Prtica (sobre tica) e a Crtica da Faculdade de Julgar (sobre

    esttica).

    Teorias deontolgicas

    Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontolgicas colocando duas questes:

    1.O que torna as nossas aces certas ou erradas?

    2.Quando que nossas aces so certas ou erradas?

    No que diz respeito primeira questo, temos estas respostas:

    Utilitarismo: Apenas as consequncias das nossas aces as tornam certas ou erradas.

    As nossas aces so certas ou erradas apenas em virtude de promoverem imparcialmente

    o bem-estar.

    Deontologia:Nem s as consequncias das nossas aces as tornam certas ou erradas.

    Muitas aces so intrinsecamente erradas, ou seja, erradas independentemente das suas

    consequncias. Podemos dizer, alis, que todos temos de respeitar certos deveres que

    probem a realizao dessas aces.

    No que diz respeito segunda questo, temos estas respostas:

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    Utilitarismo: Uma aco certa apenas quando maximiza o bem-estar, ou seja,

    quando promove tanto quanto possvel o bem-estar. Qualquer aco que no maximize o

    bem-estar errada.

    Deontologia: Uma aco errada quando com ela infringimos intencionalmente

    algum dos nossos deveres. Qualquer aco que no sejacontrria a esses deveres no tem

    nada de errado.

    Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas:

    Fidelidade:Mantm as tuas promessas.

    Reparao:Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito.

    Gratido:Retribui fazendo bem queles que te fizeram bem.

    Justia: Ope-te s distribuies de felicidade que no estejam de acordo com o

    mrito.

    Desenvolvimento pessoal:Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento.

    Beneficncia:Faz bem aos outros.

    No-maleficncia:No prejudiques os outros.

    Deontologia

    naFundamentao da Metafsica dos Costumes e na Crtica da Razo Prtica, que

    Kant procura esclarecer as bases tericas em que assenta a aco moral.

    Na Fundamentao da Metafsica dos Costumes, Kant afirma a necessidade de se

    estabelecer uma filosofia moral pura, isto , estabelecida a partir da anlise da prpria

    racionalidade humana e, deste modo, independentemente de tudo o que seja baseado na

    experincia. A razo a autoridade final para a moralidade e esta no pode ter

    fundamento, isto , no pode ser estabelecida e justificada, na observao dos costumes

    ou modos habituais e culturais de agir com os humanos. Todas as aces precisam ser

    determinadas por um sentido de dever ditado pela razo, e nenhuma aco realizada por

    interesse ou somente por obedincia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada

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    como moral. A aco moralmente boa a que obedece exclusivamente lei moral em si

    mesma. A moral Kantiana , assim concebida como independente de todos os impulsos e

    tendncias naturais ou sensveis e est centrada sobre a noo de dever e no na noo de

    virtude e felicidade como em Aristteles.

    Kant faz distino entre o bem e o agradvel. O bem funo da lei moral, no deve,

    pois, ser determinado antes da lei moral, mas s depois dela e mediante ela.

    Alm disso, para classificar uma aco como moralmente boa no basta observar o que

    o Homem faz efectivamente mas aquilo que ele quer fazer. Por isso, se diz que a moral

    Kantiana uma moral de inteno. Assim, nada bom ou mau em si mesmo; Kant afirma

    que a nica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo a vontade humana.

    A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem no simplesmente racional.

    Ele , simultaneamente, racional e natural/sensvel, esprito e corpo, razo e desejo, por

    isso, a vida moral uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma obrigao,

    como uma certa coaco, que a sua parte racional ter de exercer sobre a sua parte

    sensvel. O dever obriga, fora-nos a fazer o que talvez no quisssemos ou que pelo

    menos no nos agradaria, porque o homem no perfeito e sim dual. Assim, a moralidade

    aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma, uma lei cuja

    autoridade no est fora do Homem mas representa a voz da razo, a que o sujeito moral

    deve obedecer. Ento, para que cumpra integralmente a lei moral, preciso que o domnio

    da vontade livre (vontade no submetida a nenhuma lei a no ser a sua prpria) sobre a

    vontade psicolgica seja cada vez mais ntegro e completo. Kant chama vontade santa

    vontade que dominou por completo toda a influncia e determinao oriunda dos

    fenmenos concretos, fsicos, fisiolgicos e psicolgicos, para sujeit-la lei moral.

    Para uma vontade desse tipo no haveria distino entre razo e inclinao. Um ser

    possudo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e no haveria lugar

    para o conceito de dever e de obrigao moral, os quais somente tm sentido e existncia

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    Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10/ 11 anos

    porque o Homem dual, razo e desejo, e estes encontram-se em oposio. por isso que

    o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento um imperativo

    categrico (categrico porque ordena incondicionalmente): Age de tal modo que a

    mxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princpio de uma

    legislao universal. Kant reconhece que esta apenas uma frmula e a nica

    regra segura para podermos agir.

    Como imperativo categrico, Kant forneceu-nos, na prtica, um critrio para o agir

    moral.

    Se queres agir moralmente, (isto , para Kant, racionalmente) o que alis tu tens de

    fazer age ento de uma maneira realmente universalizvel. A universalizao das nossas

    mximas (em si subjectivas) o critrio moral. O imperativo categrico afirma a

    autonomia da vontade porque fornece o nico princpio de todas as leis morais.

    A liberdade condio da moralidade

    A condio necessria para que seja possvel apenas a razo determinar a aco a

    liberdade. A vida moral somente possvel, para Kant, na medida em que a razo

    estabelea, por si s, aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral, o que s

    possvel pressupondo que o Homem um ser dotado de liberdade.

    As ideias ticas de Kant so um resultado lgico da sua crena na liberdade

    fundamental do indivduo. Esta liberdade no sinnimo de ausncia de leis ou de

    anarquia; significa, antes, autogoverno, a liberdade de poder realizar o que a razo ordena,

    isto , obedecer ao imperativo categrico.

    Poder realizar significa: causar por vontade prpria um efeito no mundo, tal como as

    causas naturais produzem um efeito na natureza. O homem, neste sentido, livre,

    legislador e membro de uma sociedade tica: legislador porque ele que determina o

    que deve ser feito, e membro ou sbdito porque obedece aos deveres que a sua prpria

    razo frmula. Neste sentido, ele no tem um preo, mas uma dignidade, e por isso que

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    a segunda frmula do imperativo categrico diz para agirmos de modo a no tratar jamais

    a humanidade, em ns ou nos outros, como um meio, mas sempre como um fim em si. A

    tica Kantiana uma tica do respeito pessoa. A tica Kantiana moderna porque

    confia no homem, na sua razo e na sua liberdade, condena todas as situaes sociais de

    instrumentalizao do Homem (a escravatura, a prostituio, o trafico de pessoas, etc.) e

    reconhece sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que sejam expresso da

    lei moral racional.

    A felicidade no o bem supremo

    Kant tambm reflecte sobre a felicidade e a virtude, mas subordina-as ao dever. Para

    Kant a felicidade do domnio do sensvel; um desejo que est presente em todos os

    seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjectivamente. Ora se a lei

    moral tem origem na razo (a condio da sua objectividade e universalidade) e se cada

    ser humano no concebe sempre do mesmo modo aquilo que ser feliz, alcanar a

    felicidade no pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificao. A

    moralidade auto-justifica-se na natureza racional do ser humano e a felicidade e a virtude

    so apenas as consequncias do esforo humano para praticar actos moralmente bons. A

    felicidade de que Kant fala a da conscincia do dever cumprido, a tranquilidade da boa

    conscincia. Temos obrigao de fazermos tudo para sermos felizes. A nica condio

    que tudo o que fizermos possa ser universalizvel. No a felicidade a qualquer preo.

    Ser feliz , assim, uma aspirao que o homem concretiza atravs do seu mrito, mas

    mesmo que esse aspirao existisse ou a felicidade no fosse concretizvel e atingvel

    atravs da moralidade, mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigao moral ou o

    dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categrico.

    Em concluso de Kant:

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    imperativo categrico;

    O imperativo categrico, ao impor leis

    universais, constitui o fundamento da

    autonomia humana;

    O agir moral autnomo confere-nos

    dignidade.

    universais;

    O utilitarismo um reflexo da

    tecnicizao da produo e da sociedade

    ps moderna.

    II.A aco humana e os valores

    3. Dimenses da aco humana e dos valores

    3.1. A dimenso tico-politica Anlise e compreenso da experincia vivencial

    3.1.4. tica, direito e politica liberdade e justia social; igualdade e diferenas;justia e equidade

    O que legitima a autoridade do estado Respostas de Aristteles e de Locke

    A justificao aristotlica do estado

    Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristteles

    (384-322 a. C.) num livro intitulado Poltica. Neste livro, Aristteles estuda os

    fundamentos e a organizao da cidade (polis, em grego, que deu origem ao termo

    poltica). Naquele tempo, as principais cidades gregas eram estados independentes

    tinham os seus prprios governos e exrcitos, alm de leis e tribunais prprios. Por isso

    lhes chamamos cidades-estado.

    Assim, ao falar da origem da cidade, Aristteles est a falar da origem do estado.

    Aristteles defende que a cidade-estado existe por natureza. Os seres humanos sempre

    procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado simplesmente impensvel.

    Viver numa sociedade governada pelo poder poltico faz parte da natureza humana. Quem

    conseguir viver margem da cidade-estado no um ser humano: uma besta ou um

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    deus, diz Aristteles. Por isso se diz que a sua teoria da origem e justificao do estado

    naturalista.

    O argumento central de Aristteles o seguinte:

    Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades.

    Essas faculdades s podero ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

    comunidade (cidade-estado).

    Logo, faz parte da natureza humana viver na cidade-estado.

    Fora da cidade-estado seramos, pois, incapazes de desenvolver a nossa natureza. Isso

    torna-se claro, pensa Aristteles, quando verificamos que os seres humanos no se

    limitaram a formar pares de macho e fmea para procriar, ao contrrio dos outros animais.

    Constituram tambm comunidades de famlias (as aldeias) e estabeleceram a diviso

    entre governantes e sbditos, com vista autopreservao. Mas a comunidade mais

    completa, que contm todas as outras, a cidade-estado. Esta auto-suficiente e no

    existe apenas para preservar a vida, mas sobretudo para assegurar a vida boa, que o

    desejo de todos os seres racionais. por isso que a cidade-estado a comunidade mais

    perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tm tendncia para se tornarem

    estados.

    Ou seja, a finalidade de todas as comunidades tornarem-se estados.

    Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristteles: que a

    natureza de uma coisa a sua finalidade. Assim, a finalidade dos seres humanos viver

    na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que h um impulso

    natural dos seres humanos para passar da vida em famlia para a vida em pequenas

    comunidades de lares, e destas para a comunidade mais alargada e auto-suficiente da

    cidade-estado. Da Aristteles afirmar que o homem , por natureza, um animal

    poltico.

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    Outra ideia importante para Aristteles que o todo anterior parte, no sentido em

    que fora do todo orgnico a que pertence, a parte no seria o que . O que o leva a dizer

    que a cidade estado por natureza anterior ao indivduo, pois no h indivduos auto-

    -suficientes e, portanto, nem sequer existiriam fora dela. Tal como uma mo no funciona

    separada do resto do corpo, tambm no h realmente seres humanos isolados da

    comunidade.

    Algum que viva fora da sociedade sem estado no chega a ser um ser humano

    ( uma besta) ou mais do que um ser humano ( um deus).

    Assim, submetemo-nos autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

    tornamos adultos. Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si. Da que, para

    Aristteles, o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado melhor

    para garantir a vida boa.

    Crticas ao naturalismo aristotlico

    A principal crtica ao naturalismo que a noo aristotlica de natureza incoerente

    e enganadora. Aristteles encara a natureza das coisas como uma espcie de princpio

    interno de movimento ou repouso que se encontra nelas. Neste sentido, a natureza da

    cidade-estado seria comparvel natureza das plantas e de outros organismos vivos, que

    se desenvolvem a partir do embrio at atingirem a maturidade. Este desenvolvimento

    meramente biolgico, sem qualquer interveno da racionalidade.

    Contudo, a finalidade da vida na cidade permitir uma vida boa. Mas o desejo de ter

    uma vida boa um desejo racional, na medida em que uma aspirao de seres racionais

    como ns at porque no se verifica nos outros animais. Assim, este desejo fruto da

    deliberao racional dos seres humanos e no simplesmente de um impulso biolgico ou

    natural.

    A justificao contratualista de Locke

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    Uma justificao do estado bastante mais influente do que a de Aristteles dada por

    John Locke (1632-1704). Este filsofo defende que o estado tem origem numa espcie

    de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se autoridade de um

    governo civil. Locke considera que esse contrato d origem transio do estado de

    natureza para a sociedade civil. Por isso se diz que a teoria da justificao do estado de

    Locke contratualista.

    Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato? Vejamos, em primeiro

    lugar, como eram as coisas antes do contrato, isto , como eram as coisas antes de haver

    estado quando ningum detinha o poder poltico e no havia governo nem tribunais nem

    polcias.

    A lei natural e o estado de natureza

    No estado de natureza as pessoas viviam, segundo Locke, em perfeita liberdade: cada

    um era senhor absoluto da sua pessoa e bens, no tendo de prestar contas nem depender

    da vontade de seja quem for. As pessoas viviam tambm num estado de completa

    igualdade, no havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra. Alm disso, viviam

    segundo a lei natural, a qual dispe que ningum infrinja os direitos de outrem e que as

    pessoas no se ofendam mutuamente.

    Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razo natural, pelo que

    comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenes humanas. Deste

    modo, Locke distinguia a lei natural das chamadas leis positivas da sociedade civil.

    As leis positivas so leis que resultam das convenes humanas; so as leis que

    realmente existem nas sociedades organizadas em estados.

    Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tm acima de si a no ser a lei natural, na

    sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se autoridade de um governo. A

    nica lei que vigora no estado de natureza , pois, a lei natural. Locke distingue a lei

    natural da lei positiva, mas tambm da lei divina:

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    Locke no encara a lei natural como uma lei cientfica que descreve o funcionamento

    efectivo da natureza. Locke defende que a lei natural normativa: determina como as

    pessoas racionais devem agir e no como de facto agem. Por outro lado, a lei natural e a

    lei divina, apesar de no serem a mesma coisa, no podem ser incompatveis, pois Deus

    a origem de ambas.

    Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural, tm os

    direitos decorrentes da aplicao dessa lei. Assim:

    1. Todas as pessoas so iguais, pois tm exactamente o mesmo conjunto de direitos

    naturais;2.Todas as pessoas tm o direito de ajuizar por si que aces esto ou no de acordo com

    a lei natural, pois ningum tem acesso privilegiado lei natural nem autoridade especial

    para julgar pelos outros;

    3.Todas as pessoas tm individualmente o direito de se defender usando a fora, se

    necessrio daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural, pois

    esta existiria em vo se ningum a fizesse cumprir;

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    4.Todas as pessoas tm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

    lei natural, assim como direito de aplicar essa pena, dado que num estado de perfeita

    igualdade a legitimidade para faz-lo rigorosamente a mesma para todos.

    O estado de natureza no s diferente da sociedade civil como, segundo Locke, do

    estado de guerra, pois neste no h lei que vigore e as pessoas no tm direitos.

    Locke caracteriza o estado de natureza como uma situao de abundncia de recursos e

    em que cada pessoa livre de se apropriar das terras e bens disponveis, atravs do seu

    trabalho e esforo. Sendo assim, que razes teriam as pessoas para abandonar o estado de

    natureza, aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tm de se

    submeter?

    O contrato social e a origem do governo

    Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas exceptuando os casos de

    auto-defesa ou de execuo da lei natural s legtimo se tiver o seu consentimento.

    Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos naturais.

    Assim, a existncia de um poder poltico s pode ter tido origem num acordo, ou

    contrato, entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil. E esse

    acordo s faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso.

    Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

    perfeito, no deixa de reconhecer alguns inconvenientes que, mais cedo ou mais tarde,

    iriam tornar a vida demasiado instvel e insegura. Isto porque h sempre quem, movido

    pelo interesse, pela ganncia ou pela ignorncia, se recuse a observar a lei natural,

    ameaando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia. Locke d o

    nome genrico de propriedade no apenas aos bens materiais das pessoas, mas a tudo o

    que lhes pertence, incluindo as suas vidas e liberdades.

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    Assim, parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteco e

    estabilidade que s o governo pode garantir. Locke torna esta ideia mais precisa indicando

    trs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder poltico est em

    condies de garantir:

    1.Falta uma lei estabelecida, conhecida e aceite por consentimento, que sirva de padro

    comum para decidir os desacordos sobre aspectos par