resumo de direito do urbanismo

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RESUMO DE DIREITO DO URBANISMO Manuais: Profs. Drs. Fernando Alves Correia e André Folque Regente: Prof. Dr. João Miranda por FILIPE BRAZ MIMOSO e PATRÍCIA GANHÃO 2012/2013 OS ACTOS DE CONTROLO PRÉVIO DAS OPERAÇÕES URBANÍSTICAS É no âmbito do controlo prévio das operações urbanísticas que se procuram harmonizar, no respeito das normas jurídicas urbanísticas, todos os interesses individuais, comunitários e sociais conexos com a ocupação, uso e transformação do solo. De facto, aos interesses individuais do proprietário privado contrapõem-se múltiplas exigências colectivas respeitantes à tutela do ambiente e do património cultural e à necessidade de uma adequada localização das estruturas residenciais e produtivas e às correspondentes infra- estruturas urbanísticas. O controlo prévio das operações urbanísticas constitui, assim, um mecanismo indispensável para garantir o respeito das normas jurídicas urbanísticas no momento em que têm lugar as transformações urbanísticas do solo e para garantir a harmonização entre todos os interesses conflituantes coenvolvidos nas acções de ocupação, uso e transformação daquele bem. Daí que a generalidade do ordenamentos jurídicos urbanísticos consagrem a regra geral de sujeição a controlo prévio das operações urbanísticas, dada a insuficiência do controlo a posteriori realizado pela Administração . A disciplina jurídica dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas está condensada no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, e modificado, por último, pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março (tendo a Lei n.º 28/ /2010, de 2 de Setembro, alterado, por apreciação parlamentar, o ar- tigo 13.° do RJUE, na versão deste último diploma legal), no Regime Geral das Edificações Urbanas (RGEU) e, ainda, nos regulamentos municipais de urbanização e ou de edificação, bem como nos regu- lamentos municipais relativos ao lançamento e liquidação das taxas e prestação de caução que, nos termos da lei, sejam devidas pela realização de operações urbanísticas, uns e outros emitidos pelos municípios “no exercício do seu poder regulamentar próprio” (artigos 3.°, n. 05 1 e 2, e 116.° e 117.° do RJUE). Os referidos regulamentos devem ter como objectivo a concre- tização e execução do RJUE, não podendo contrariar o nele disposto, designadamente quanto ao procedimento de controlo prévio a que as 1

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Resumo de Direito do Urbanismo.Regente: Prof. Dr. João MirandaFDL, 2012/2013por: Filipe Braz Mimoso e Patrícia Ganhão

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RESUMO DE DIREITO DO URBANISMO Manuais: Profs. Drs. Fernando Alves Correia e André Folque

Regente: Prof. Dr. João Mirandapor FILIPE BRAZ MIMOSO e PATRÍCIA GANHÃO

2012/2013

OS ACTOS DE CONTROLO PRÉVIO DAS OPERAÇÕES URBANÍSTICAS

É no âmbito do controlo prévio das operações urbanísticas que se procuram harmonizar, no respeito das normas jurídicas urbanísticas, todos os interesses individuais, comunitários e sociais conexos com a ocupação, uso e transformação do solo. De facto, aos interesses individuais do proprietário privado contrapõem-se múltiplas exigências colectivas respeitantes à tutela do ambiente e do património cultural e à necessidade de uma adequada localização das estruturas residenciais e produtivas e às correspondentes infra-estruturas urbanísticas. O controlo prévio das operações urbanísticas constitui, assim, um mecanismo indispensável para garantir o respeito das normas jurídicas urbanísticas no momento em que têm lugar as transformações urbanísticas do solo e para garantir a harmonização entre todos os interesses conflituantes coenvolvidos nas acções de ocupação, uso e transformação daquele bem. Daí que a generalidade do ordenamentos jurídicos urbanísticos consagrem a regra geral de sujeição a controlo prévio das operações urbanísticas, dada a insuficiência do controlo a posteriori realizado pela Administração .

A disciplina jurídica dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas está condensada no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, e modificado, por último, pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março (tendo a Lei n.º 28/ /2010, de 2 de Setembro, alterado, por apreciação parlamentar, o artigo 13.° do RJUE, na versão deste último diploma legal), no Regime Geral das Edificações Urbanas (RGEU) e, ainda, nos regulamentos municipais de urbanização e ou de edificação, bem como nos regulamentos municipais relativos ao lançamento e liquidação das taxas e prestação de caução que, nos termos da lei, sejam devidas pela realização de operações urbanísticas, uns e outros emitidos pelos municípios “no exercício do seu poder regulamentar próprio” (artigos 3.°, n.05 1 e 2, e 116.° e 117.° do RJUE).

Os referidos regulamentos devem ter como objectivo a concretização e execução do RJUE, não podendo contrariar o nele disposto, designadamente quanto ao procedimento de controlo prévio a que as operações urbanísticas estão submetidas, e devem fixar os montantes das taxas a cobrar nos casos de admissão de comunicação prévia e de deferimento tácito, não podendo estes valores exceder os previstos para o licenciamento ou acto expresso (artigo 3.°, n.º 2, do RJUE). Os projectos destes regulamentos são submetidos a discussão pública, por prazo não inferior a 30 dias, antes da sua aprovação pelos órgãos municipais, sendo publicados na 2.a série do Diário da República, sem prejuízo das demais formas de publicidade previstas na lei (artigos 3.°, n.os 3 e 4, e 116.°, n.° 5, do RJUE).

Ver artigo 10.º, n.os 8 e 9, do RJUE na redacção do Decreto-Lei n.º 26/2010.

Conceito de operações urbanísticas

Objecto de controlo prévio por parte do município são, por via de regra, todas as operações urbanísticas, as quais são definidas na alínea j) do artigo 2.° do RJUE como “as operações materiais de urbanização, de edificação, utilização dos edifícios ou do solo desde que, neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água”. Segundo esta noção, não são operações urbanísticas as utilizações ou usos do solo para fins exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água, mas são-no as obras de urbanização e de edificação destinadas a esses fins, pelo que estão as mesmas sujeitas ao controlo prévio definido no RJUE.

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O conceito de operações urbanísticas fornecido pela alínea j) do artigo 2.° é um conceito tendencialmente conglomerador de todos os usos artificiais do solo sujeitos a controlo prévio do município. Todavia, o legislador, com o objectivo de definir o tipo de controlo prévio a que está sujeita cada uma das específicas modalidades de operações urbanísticas, não deixou de apresentar, no artigo 2.° do RJUE, vários conceitos de usos e ocupações artificiais do solo integradores do conceito abrangente de operação urbanística. Assim sucede com as noções de edificação, obras de construção, obras de reconstrução sem preservação das fachadas, obras de ampliação, obras de alteração, obras de conservação obras de demolição, obras de urbanização, operações de loteamento, trabalhos de remodelação dos terrenos, obras de escassa relevância urbanística e obras de reconstrução com preservação das fachadas .

Vale a pena enunciar, agora, as referidas noções, deixando para mais tarde os esclarecimentos complementares relativos às operações de loteamento e às obras de urbanização.

Assim, a edificação é definida como “a actividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência” [artigo 2.°, alínea a)]. Por seu lado, obras de construção são caracterizadas como “as obras de criação de novas edificações” [artigo 2.°, alínea b)].

Embora, sob o ponto de vista técnico e lógico, a noção de obras de construção seja mais ampla do que a de obras de edificação, já que as primeiras abrangem “os conjuntos erigidos pelo homem, com quaisquer materiais, reunidos e ligados artificialmente ao solo ou a um imóvel com carácter de permanência, com individualidade própria e distinta dos seus elementos”, enquanto as segundas dizem respeito à construção de edifícios, isto é, de prédios urbanos destinados ao uso dos homens, para fins de habitação ou outros, o RJUE utiliza, em sentido contrário, o termo edificação como tendo um sentido mais amplo do que o de construção, uma vez que integra nele não só as construções relativas a edifícios, mas todas as construções que se incorporem no solo com carácter de permanência.

Obras de reconstrução sem preservação das fachadas são “as obras de construção subsequentes à demolição total ou parcial de uma edificação existente, das quais resulte a reconstituição da estrutura das fachadas, da cércea e do número de pisos” [artigo 2.°, alínea c)]. Por sua vez, obras de ampliação são “as obras de que resulte o aumento da área de pavimento ou de implantação, da cércea ou do volume de uma edificação existente” [artigo 2.°, alínea d)]. O que distingue as obras de reconstrução, no caso da alínea c) do artigo 2.° do RJUE, sem preservação das fachadas, das obras de ampliação é que, nas primeiras, o prédio reconstruído continua a ser o mesmo, embora com reconstituição da estrutura das fachadas, com a mesma área, cércea e número de pisos, ainda que, eventualmente com materiais diferentes, ao passo que, nas segundas, verifica-se um aumento da área de construção, traduzido no aumento da área de pavimento ou de implantação, da cércea ou do volume da edificação existente.Obras de alteração são “as obras de que resulte a modificação das características físicas de uma edificação existente ou sua fracção, designadamente a respectiva estrutura resistente, o número de fogos ou divisões interiores, ou a natureza e cor dos materiais de revestimento exterior, sem aumento da área de pavimento ou de implantação ou da cércea” [artigo 2.°, alínea e)]. Pelo que respeita às obras de conservação, são “as obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, conservação ou limpeza” [artigo 2.°, alínea f)]. Verifica-se da definição destas duas modalidades de operações urbanísticas que as benfeitorias correspondentes às obras de alteração são mais profundas do que as relacionadas com as obras de conservação, mas ambas têm como limite a manutenção da área de pavimento ou de implantação ou da cércea das edificações objecto das referidas obras.

Obras de demolição são “as obras de destruição, total ou parcial, de uma edificação existente” [artigo 2.°, alínea g)]. Como veremos infra, as obras de demolição de edificações podem ser realizadas isoladamente ou estar previstas em licenças de obras de reconstrução do edifício total ou

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parcialmente demolido, sendo, então, diferente o tipo de controlo prévio aplicável.Obras de urbanização são “as obras de criação e remodelação de infra-estruturas destinadas a

servir directamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, electricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva” [artigo 2.°, alínea h)]. No tocante às operações de loteamento, são elas “as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento” [artigo 2.°, alínea i)].

Trabalhos de remodelação dos terrenos são “as operações urbanísticas não compreendidas nas alíneas anteriores que impliquem a destruição do revestimento vegetal, a alteração do relevo natural e das camadas de solo arável ou o derrube de árvores de alto porte ou em maciço para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais ou mineiros” [artigo 2.°, alínea l)]. Com a sujeição a controlo prévio desta modalidade de operações urbanísticas — cuja origem se pode encontrar no artigo 1.° do RGEU, no artigo 1.°, N.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril, e no artigo 1.°, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro — visa-se colocar sob controlo das câmaras municipais todos os trabalhos de destruição do revestimento vegetal, de derrube de árvores de alto porte ou em maciço, de escavação e de aterro que, não sendo realizados para fins exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais ou mineiros, tenham como consequência a alteração da topografia local, evitando-se, assim, “que livremente se modifiquem, em locais naturalmente destinados à construção urbana, as condições de edificabilidade ou a estética dessas zonas”.

Obras de escassa relevância urbanística são “as obras de edificação ou demolição que, pela sua natureza, dimensão ou localização, tenham escasso impacto urbanístico” [artigo 2.°, alínea m)]. Estas obras — que estão isentas de qualquer controlo prévio — são as definidas no artigo6.°-A, n.º 1, do RJUE, bem como outras, como tal qualificadas em regulamento municipal.

Por último, obras de reconstrução com preservação das fachadas são “ as obras de construção subsequentes à demolição de parte de uma edificação existente, preservando as fachadas principais com todos seus elementos não dissonantes e dos quais não resulte edificação com cércea superior à das edificações confinantes mais elevadas” [artig0 2.°, alínea n)]. Convém sublinhar que a obra de reconstrução com preservação da fachada pode configurar uma verdadeira obra de ampliação, na medida em que a mesma pode traduzir-se num aumento da obra até às cérceas das edificações confinantes. Apesar disso, a obra de reconstrução com preservação das fachadas estará sempre sujeita ao procedimento de comunicação prévia — e não ao de licença —, ainda que ela coenvolva uma ampliação da obra objecto de reconstrução.Antes de encerrarmos este ponto relativo ao conceito de operações urbanísticas, importa deixar registadas duas notas. A primeira diz respeito ao facto de o RJUE, apesar de se aplicar tendencialmente a todas as operações urbanísticas, conter a disciplina material de apenas algumas delas, porventura as mais importantes, quais sejam as operações de loteamento (artigos 41.° a 52.°), as obras de urbanização (artigos 53.° a 56.°), as obras de edificação (artigos 57.° a 61.°) e a utilização de edifícios e respectivas fracções (artigos 62.° a 66.°), omitindo as condições específicas de licenciamento ou comunicação prévia das restantes operações urbanísticas, definidas na alínea j) do artigo 2.° do RJUE, incluindo as obras de demolição [alínea g) do artigo 2.°] e os trabalhos de remodelação dos terrenos [alínea l) do artigo 2.°]. Esta circunstância reforça a importância dos regulamentos municipais de urbanização e ou de edificação como elementos integradores das omissões ou das lacunas da disciplina constante do RJUE.

A segunda nota tem a ver com a circunstância de haver operações urbanísticas que estão sujeitas a um regime especial de controlo prévio, ainda que, por vezes, esse regime particular comungue de várias características do regime constante do RJUE. Circunscrevendo-nos tão-só a dois exemplos, é o que sucede com o licenciamento dos postos de abastecimentos de combustíveis e com o licenciamento das redes e estações de radiocomunicações.

As mencionadas operações urbanísticas encontram-se, nos termos do n.º 2 do artigo 5.° do

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Decreto-Lei n.º 267/2002, submetidas ao RJUE, sem prejuízo das especificidades estabelecidas pelo primeiro diploma. Assim, de acordo com alínea c) do n.º 2 do artigo 4.° do RJUE, está sujeita a licença administrativa a realização de obras de construção, ampliação ou alteração em área não abrangida por alvará de loteamento ou por plano de pormenor que contenha os elementos referidos nas alíneas c), d) e f) do n.º 1 do artigo 91.° do RJIGT. O procedimento tendente à emissão da licença de construção, regulado pelos artigos 8.° e seguintes, e 18.° e seguintes do RJUE, é constituído por duas fases: a primeira, dirigida à apreciação do projecto de arquitectura; a segunda (que tem lugar quando aquela termina com a aprovação do projecto), destinada à apreciação dos projectos de especialidades. O acto final do procedimento — a licença da operação urbanística — confere ao seu titular a faculdade de realizar, dentro de determinado lapso temporal, as obras de construção, ampliação ou alteração solicitadas, nos termos e condições fixados no acto.

6. OBRAS DE EDIFICAÇÃO (ANDRÉ FOLQUE)6.1.Critérios de classificação

As obras de edificação, entendeu o legislador classificar em obras de construção, de reconstrução, de ampliação, de alteração e de simples conservação (artigo 2.°, alínea a)), categorias estas que, por sua vez, têm um papel importantíssimo na definição do procedimento administrativo de controlo, na sua isenção ou dispensa e determinam a aplicação de normas especiais. Mas não é apenas pela natureza e resultado dos trabalhos levados a cabo que se qualificam, para este efeito, as obras de edificação. Tal como em relação às demais operações urbanísticas, as obras de edificação subordinam-se a outras classificações:

a) a relevância urbanística, tanto que pode levar à isenção por regulamento municipal (artigo 6°, n.° 2);

b) a densidade das regras de gestão territorial aplicáveis ao local; e

c) a localização da operação, com particularidades para as operações que tenham lugar:i. em imóveis classificados ou em vias de classificação e zonas de protecção respectivas (artigo 4.°, n.° 2, alínea d));ii. em áreas sujeitas a servidão administrativa ou a restrição de utilidade pública (artigo 4.°, n.° 2, alínea d));iii. no interior de edifícios, tratando-se de obras ordinárias (artigo 6.°, n.° 1, alínea b));

Como já houve oportunidade de reconhecer-se, o legislador veio estabelecer uma ligação incindível entre a edificação — como actividade (trabalhos de construção civil) ou como resultado (o edifício) — e a incorporação no solo com carácter de permanência.

Esta característica só não releva quando a actividade ou o resultado se encontrem orientados finalisticamente para a utilização humana. Então, em tal hipótese, mesmo que a operaçao leve a uma incorporação precária, continuará a haver edificação (v. g. casas desmontáveis). Já uma simples vedação rural que consista apenas na instalação alinhada de estacas de madeira, por exemplo, para delimitar um aparcamento de gado, não é uma obra de edificação.

E não há edificação sem obras. De obras que podem ser de conservação (não alterara a substância nem a aparência), de ampliação (alteram quantitativamente a substância e a aparência), de reconstrução (não alteram a substância nem a aparência, mas pressupõem a prévia demolição do existente) ou de alteração (modificações de natureza essencialmente qualitativa, preservando elementos quantitativos determinantes da substância — a área de pavimento, a área de

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implantação, o número de pisos e a cércea).Mas é bem de ver que nem todas as obras são de edificação: as obras de demolição, por um

lado, as obras de urbanização, por outro. Num e noutro caso, falta a utilidade directa e imediata para o ingresso e permanência das pessoas ou dos bens que satisfazem outras necessidades individuais ou colectivas.

Para compreender a distinção entre as várias espécies de obras de edificação importa começar por delimitar alguns conceitos, próprios da arquitectura e do urbanismo, que o direito recebe, conferindo-lhes, aqui e ali, nomeadamente nos instrumentos de gestão urbanística, algumas adaptações.

6.2. Obras de construção

Assim, as obras de construção, no essencial, obtêm a sua qualificação pelo resultado: uma nova edificação, um edifício de maior ou menor porte que surge ex novo. Mesmo na hipótese de sobre o mesmo prédio ter existido uma outra edificação, caso o promotor não se limite a manter a estrutura das fachadas, a cércea e o número de pisos, haverá uma nova edificação e estaremos perante um caso de construção.

Deve recordar-se que ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação não interessam todas as obras de construção, mas apenas aquelas que sejam de subsumir ao conceito de obras de edificação, o que inculca necessariamente a utilização humana ou, pelo menos, a incorporação no solo com carácter de permanência.

A construção tem de ter um volume próprio. Por conseguinte, os trabalhos de pavimentação ou de alteração do relevo natural não podem, por definição, ser considerados obras de construção.

É delicada porventura a situação de algumas obras que parecem preencher concorrentemente as categorias de construção e de ampliação. Até que ponto um anexo ou uma garagem no logradouro adjacente a uma edificação devem considerar-se resultado de uma nova edificação. Julga-se qüe o critério deve passar pela autonomia funcional. Na hipótese de o anexo ou garagem possuírem ligação interna à edificação primitiva, não é de excluir tratar-se de uma ampliação. Já, ao invés, se apesar da relação de acessoriedade, não ocorrer ligação funcional nenhuma, a obra deve ser tida como de construção.

No entanto, de qualquer modo, obras de construção e obras de ampliação subordinam-se quase sempre ao mesmo tipo de controlo urbanístico preliminar: licença (artigo 4.°, n.° 2, alínea cj), no caso de o local não estar compreendido em operação de loteamento nem sob aplicação de plano de pormenor qualificado; autorização (artigo 4.°, n.° 3, alínea cj) se, pelo contrário, for verificado algum destes pressupostos.

6.3.Obras de reconstrução

Temos, pois, que as obras de reconstrução pressupõem uma pré-existência que será recuperada ou reconstituída nos seus traços essenciais, depois de uma demolição ou da ruína. A anterior edificação pode ter sido demolida — voluntaria ou coercivamente — como pode ter simplesmente ruído ou colapsado, por acidente da natureza ou por acto humano.

Manter ou reconstituir as fachadas são duas variantes admissíveis, cada uma, porém, com as suas características. A preservação da fachada — contida por estruturas que a sustentam no decurso dos trabalhos — dá-se, nomeadamente quando as fachadas apresentem elementos arquitectónicos infungíveis e com significado histórico, etnográfico ou artístico (v. g. painéis de azulejos, estatuária, frontões, fustes e colunas, carrancas, pinturas). Nem sempre é técnica ou economicamente viável este meio, situação em que — não havendo elementos classificados — o promotor reconstitui a fachada nos seus termos estruturais. Há-de manter as proporções entre os vãos, o mesmo tipo de revestimento, mas certamente poderá alterar a qualidade dos materiais, as cores, a forma dos caixilhos, tudo o que, no conjunto da fachada, não seja estrutural.

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6.4. Obras de ampliação

Seguem-se as obras de ampliação. Estas, assim como as de reconstrução, têm como pressuposto uma edificação existente. Se nas de reconstrução a edificação há-de ter sido demolida ou ruído no todo ou em parte, já nas obras de ampliação ocorre uma modificação quantitativa (positiva), mas sem quebra do existente.

A área de implantação (superfície que constitui projecção horizontal da edificação, a área de pavimento (soma das superfícies interiores de cada um dos pisos, a cércea ou a volumetria (espaço ocupado por uma edificação, expresso em m3, por cálculo da altura, largura e profundidade) sofrem necessariamente uma variação positiva. Basta que um destes factores seja aumentado, mesmo quando um dos demais sofra uma redução (v. g. aumento da cércea, embora com redução da área de implantação).

6.5. Obras de alteração

Por seu turno, as obras de alteração importam, no essencial, uma variação qualitativa, mantendo ou reduzindo os standards que definem a obra de ampliação. Este é, por assim dizer, o seu pressuposto prévio. Alterar é, no mais, mudar as restantes características físicas: o número de fogos ou de compartimentos interiores destes (o que fará variar a densidade da utilização), a natureza ou cor dos revestimentos exteriores, o que se traduz numa vicissitude sobretudo estética (76) (vidro, madeira, alvenaria, cantaria, ferro, etc.) ou a estrutura resistente (a arqueação que confere solidez e estabilidade), importando uma variação nada despicienda nas condições de segurança. Ao enunciado exemplificati vo, podemos certamente acrescentar as modificações na cobertura, a abertura de novos vãos (portas e janelas), a instalação de varandas, balcões e terraços ou ainda de elementos decorativos ou acessórios nas fachadas.

6.6. Obras de conservação

Por fim, obras de conservação são aquelas que nada alteram substancialmente — nem em qualidade nem em quantidade — as características da edificação, podendo compreender obras de conservação ordinária, de conservação extraordinária ou de beneficiação.

De conservação ordinária são aquelas que se limitam à limpeza da edificação e à manutenção dos materiais, prevenindo o seu perecimento ou interrompendo o agravamento do mesmo: «remediar as deficiências do uso normal e (...) manter em boas condições de utilização», tal como resultava do disposto no artigo 9.° do RGEU, hoje revogado, mas que corresponde à obrigação periódica de conservação instituída no artigo 89.°, n.° 1, do RJUE. Encontrando-se, ou não, a edificação com sinais de deterioração, o proprietário providencia pela sua boa utilização, presente e futura.

De conservação extraordinária, por seu turno, são as obras que resultam de uma prévia verificação de más condições de salubridade, embora com reduzido alcance. O proprietário deve executá-las por iniciativa própria, logo que tome conhecimento da sua necessidade. Não o fazendo, poderá a câmara municipal intimá-lo, sem necessidade de vistoria, nos termos do disposto no artigo 12.° do RGEU: obras relativas a roturas, obstruções ou outras formas de mau funcionamento, tanto das canalizações interiores e exteriores de água e esgotos, como das instalações sanitárias, obras relativas a deficiências das coberturas ou ao mau estado das fossas.No mais, entramos no campo das obras de beneficiação, sem as quais a edificação deixa de poder ser utilizada. São obras que se destinam a devolver à edificação as suas características originárias, como é próprio das obras de conservação, importando contudo reparações na estrutura resistente, na estrutura das fachadas, na cobertura. A imposição municipal tem lugar, assim que vistoriada a edificação (artigo 90.°, n.° 1), oficiosamente ou a requerimento de titular de interesse directo (v. g.

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inquilino, vizinho) e se conclua pela justificação das mesmas (artigo 89.°, n.° 2). São obras de recupe-ração que, por não alterarem nem as qualidades nem o impacte urbanístico da edificação, não integram os conceitos de obra de alteração nem de ampliação. Na hipótese de colapso, de demolição total ou parcial, haverá obras de reconstrução e não simplesmente de beneficiação. (FIM do André Folque)

Tipologia e campo de aplicação dos actos de controlo prévio

O RJUE prevê, nos artigos 4.° a 6.°-A, em relação à generalidade das operações urbanísticas, três tipos de títulos habilitativos de realização de operações urbanísticas: a licença, a comunicação prévia e a autorização.

Nas mesmas disposições legais, são contempladas algumas operações urbanísticas isentas de qualquer controlo prévio e, por isso, livres, no sentido de que não estão submetidas ao controlo prévio do município. Estão, porém, as mesmas, como é compreensível, submetidas à observância das normas jurídicas urbanísticas e a fiscalização administrativa, como resulta claramente do artigo 93.° do RJUE. E, no artigo 7.°, condensa o RJUE um regime especial para as operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública.

Nas linhas subsequentes, vamos adiantar algumas considerações sobre estes pontos.

A licença

A licença administrativa constitui o acto de controlo prévio mais exigente e rigoroso das operações urbanísticas.

A licença de operações urbanísticas pode ser definida como um acto administrativo autorizativo, por meio do qual a Admnistração realiza um controlo prévio da actividade dos administrados, traduzida, em geral, na realização de transformações urbanísticas do solo, com vista a verificar se ela se ajusta, ou não, às exigências do interesse público urbanístico, tal como se encontra plasmado no ordenamento jurídico vigente.

Pensada, inicialmente, como um controlo prévio das obras de construção e de alteração e, posteriormente, das operações de loteamento e das obras de urbanização, a licença estendeu-se a todas as operações urbanísticas. Além disso, ampliou-se o alcance do controlo operado pela licença: com ela não se controla apenas a observância das regras técnicas e jurídicas do direito administrativo da construção, mas também o respeito pelas normas disciplinadoras da ocupação, uso e transformação do solo, em especial as decorrentes dos planos urbanísticos.

Debruçando-nos sobre o campo de aplicação da licença, importa sublinhar que o artigo 4.°, n.° 2, do RJUE enumera, nas suas alíneas a) a f), as operações urbanísticas que estão sujeitas a licença administrativa. São elas as seguintes: as operações de loteamento; as obras de urbanização e os trabalhos de remodelação de terrenos em área não abrangida por operação de loteamento; as obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor que contenha os elementos referidos nas alíneas c), d) e f) do n.° 1 do artigo 91.° do RJIGT (isto é, o desenho urbano, exprimindo a definição dos espaços públicos, de circulação viária e pedonal, de estacionamento, bem como do respectivo tratamento, alinhamento, implantações, modelação do terreno, distribuição volumétrica, bem como a localização dos equipamentos e zonas verdes; a distribuição de funções e a definição de parâmetros urbanísticos, designadamente índices, densidade de fogos, número de pisos e cérceas; e as operações de demolição, conservação e reabilitação das construções existentes); as obras de reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição de imóveis classificados ou em vias de classificação, bem como dos imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em vias de classificação, e

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as obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração exterior ou demolição de imóveis situados em zonas de protecção de imóveis classificados ou em vias de classificação; as obras de reconstrução sem preservação das fachadas; e as obras de demolição das edificações que não se encontrem previstas em licença de obras de reconstrução.Na definição do campo de aplicação da licença administrativa, o legislador guiou-se por três critérios, que surgem estreitamente conjugados. São eles os seguintes: o tipo da operação urbanística a realizar tendo em conta a sua elevada relevância urbanística; a localização da operação urbanística, particularmente visível quando se tratar de obras em imóveis situados em zonas de protecção de imóveis classificados ou em vias de classificação; e a inexistência de uma operação de loteamento licenciada, cujo alvará defina os parâmetros das obras de urbanização e dos trabalhos de remodelação de terrenos, bem como das obras de construção, de alteração e de ampliação de edifícios, e ainda, no que respeita às obras de construção, de alteração ou de ampliação, a inexistência de um plano de pormenor dotado de elevada densidade, ou seja, que contenha os elementos acima referidos, designadamente a definição dos parâmetros urbanísticos. De qualquer modo, um entendimento adequado do campo de aplicação da licença das operações urbanísticas não pode dispensar uma tarefa cuidadosa de conjugação do artigo 4.°, n.º 2, com o artigo 4.°, n.º 4, que define o elenco das operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia, e com o artigo 6.°, onde são contempladas as operações urbanísticas isentas de controlo prévio.

No tocante à competência para a concessão da licença das operações urbanísticas, rege o artigo 5.°, N.º 1, do RJUE.

A comunicação prévia

O artigo 4.°, n.º 4, do RJUE elenca um naipe de operações urbanísticas que estão sujeitas a um controlo prévio mais simples e mais célere que o da licença, que é o da comunicação prévia.

Estão submetidas a este tipo de controlo prévio as seguintes operações urbanísticas: as obras de reconstrução com preservação das fachadas; as obras de urbanização e os trabalhos de remodelação de terrenos em área abrangida por operação de loteamento; as obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor que contenha os elementos referidos nas alíneas c), d) e f) do n.º 1 do artigo 91.° do RJIGT; as obras de construção, de alteração ou de ampliação em zona urbana consolidada que respeitem os planos municipais e das quais não resulte edificação com cércea superior à altura mais frequente das fachadas da frente edificada do lado do arruamento onde se integra a nova edificação, no troço de rua compreendido entre as duas transversais mais próximas para um e outro lado; as obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição nas seguintes áreas sujeitas a servidão administrativa ou restrição de utilidade pública (zonas de protecção dos perímetros de protecção de águas minerais naturais, definidas nos termos do Decreto-Lei n.° 90/90, de 16 de Março; a edificação de piscinas associadas a edificação principal; as alterações à utilização dos edifícios que envolvam a realização de obras não isentas de controlo prévio ou que careçam da realização de consultas externas; e as demais operações urbanísticas que não estejam isentas de controlo prévio, nos termos do RJUE [artigo 4.°, n.º 4, alíneas a) a h)].

A competência para a admissão ou rejeição da comunicação prévia é da competência do presidente da câmara municipal, podendo ser delegada nos vereadores, com faculdade de subdelegação, ou nos dirigentes dos serviços municipais (artigo 5.°, n.º 2, do RJUE).

O esclarecimento do perímetro de aplicação da comunicação prévia de operações urbanísticas impõe-nos três notas complementares. A primeira relaciona-se com a eventual colisão entre a norma do n.º 5 do artigo 4.° do RJUE, que submete a autorização a utilização dos edifícios ou suas fracções, bem como as alterações da utilização dos mesmos - e a que nos referiremos mais abaixo, quando nos debruçarmos sobre o terceiro tipo de títulos habilitativos de operações urbanísticas - e a alínea g) do n.º 4 do artigo 4.° do RJUE, que sujeita a comunicação prévia “as alterações à utilização dos edifícios que envolvam a realização de obras não isentas de controlo prévio ou que careçam da

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realização de consultas externas”.Cremos, no entanto, que, em direitas contas, uma tal colisão não se verifica. De facto, da

conjugação entre as normas da alínea g) do n.º 4 do artigo 4.° e do n.º 5 do mesmo artigo do RJUE ressalta que todas as alterações à utilização dos edifícios ou suas fracções estão sujeitas a autorização, devendo, além disso, a realização de obras não isentas de controlo prévio implicadas nas alterações à utilização de edifícios ser objecto de comunicação prévia. Ao fim e ao cabo, não são verdadeiramente as alterações à utilização de edifícios referidas na alínea g) do n.º 4 do artigo 4.° do RJUE que estão sujeitas a comunicação previa, mas as obras nelas coenvolvidas não isentas de controlo prévio.

De igual modo, como vimos, a norma da alínea g) do n.º 4 do artigo 4.° do RJUE impõe um procedimento de comunicação prévia nos casos em que as alterações à utilização dos edifícios careçam da realização de consultas externas ao município.

A segunda nota refere-se aos critérios de determinação das operações urbanísticas submetidas ao regime de comunicação prévia. São eles, para além do tipo da operação urbanística a realizar e da localização da operação urbanística a concretizar, claramente expressa, por exemplo, na sua localização em zona urbana consolidada, a existência de instrumentos definidores dos parâmetros da operação urbanística em alvará de loteamento ou em plano de pormenor que contenha determinadas especificações.

A terceira nota conexiona-se com a circunstância de as alíneas a) a h) do n.° 4 do artigo 4.° do RJUE não esgotarem o elenco de operações urbanísticas submetidas a comunicação prévia. Assim sucede com os casos que resultam da conjugação dos artigos 17.° e 14.°, n.° 2, do RJUE. De harmonia com o disposto neste último preceito, o interessado pode requerer que a informação prévia respeitante a operação de loteamento, em área não abrangida por plano de pormenor, ou a obra de construção, ampliação ou alteração em área não abrangida por plano de pormenor ou operação de loteamento contemple especificamente certos aspectos (a volumetria, alinhamento, cércea e implantação da edificação e dos muros de vedação; condicionantes para um adequado relacionamento formal e funcional com a envolvente; programa de utilização das edificações, incluindo a área bruta de construção a afectar aos diversos usos e o número de fogos e outras unidades de utilização; infra-estruturas locais e ligação às infra-estruturas gerais; estimativa de encargos urbanísticos devidos; e áreas de cedência destinadas a implantação de espaços verdes, equipamentos de utilização colectiva e infra-estruturas viárias). São aquelas operações urbanísticas que, por via de regra, estão sujeitas a licença. Todavia, a informação prévia favorável — instituto a que nos referiremos infra — sobre o pedido apresentado naqueles termos tem, de acordo com o n.º 1 do artigo 17.° do RJUE, “por efeito a sujeição da operação urbanística em causa, a efectuar nos exactos termos em que foi apreciada, ao regime de comunicação prévia e dispensa a realização de novas consultas externas”. De igual modo, seguem o procedimento de comunicação prévia: as alterações à operação de loteamento que tenha sido objecto de comunicação prévia, nos termos da mencionada conjugação dos artigos 14.°, n.º 2, e 17.°, n.º 1, do RJUE (artigo 48.°-A deste diploma); as alterações ao projecto aprovado, durante a execução das obras, nos termos e nas condições referidos no artigo 83.° do RJUE53; e a conclusão de obras inacabadas, isto é, de obras que já tenham atingido um estado avançado de execução, mas a licença ou admissão de comunicação prévia haja caducado, nos termos e condições definidos no artigo 88.° do RJUE54.

53 De acordo com o artigo 83.° do RJUE, as alterações ao projecto, durante a execução da obra, que impliquem a realização de obras de ampliação ou de alterações à implantação das edificações estão sujeitas ao procedimento de licença ou de comunicação prévia, consoante a aprovação do projecto tenha seguido o pri-meiro ou o segundo procedimento (n.° 3). As restantes alterações ao projecto estão submetidas a comunicação prévia, desde que essa comunicação seja efectuada com antecedência necessária para que as obras estejam concluídas antes da apresentação do pedido de autorização de utilização do edifício ou suas fracções autónomas (n.° 1), excepto se as alterações em obra corresponderem a operações urbanísticas não sujeitas a controlo prévio (n.° 2).

54 De harmonia com o artigo 88.° do RJUE, a conclusão das obras inacabadas pode ser feita

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mediante a concessão de uma licença especial ou admissão de comunicação prévia, aplicando-se o disposto no artigo 60.°, que consagra, como já sabemos, a garantia da existência (o que significa que a licença especial ou a admissão de comunicação prévia não poderá ser recusada com fundamento em normas legais ou regulamentares supervenientes).

2. COMUNICAÇÃO PRÉVIA (ANDRÉ FOLQUE)

Trata-se de um procedimento expedito de que beneficiam as obras previstas no artigo 6.°, n.° 1, alínea b) — algumas obras de alteração interiores e em alguns edifícios — e no n.° 2 — a delimitar, como possuindo escassa relevância urbanística por regula- mênto municipal, ora em função da sua natureza (v. g. anexos para arrumos, telheiros) ora de acordo com a dimensão e impacte (v. g. área de impermeabilização, área de construção, altura), ora ainda »segundo a localização (v. g. fora dos perímetros urbanos).

Em alguns regulamentos municipais deparamo-nos com um frequente vício de incompetência negativa. O órgão autor do regulamento, em lugar de concretizar, de densificar o conceito impreciso de escassa relevância urbanística, limita-se a reproduzir os enunciados legislativos. Ao fim e ao cabo, renuncia ao exercício de uma competência — do poder regulamentar — o que não pode deixar de importar a nulidade de tais normas, de acordo com o disposto no artigo 29°, n.° 2, do Código do Pro-cedimento Administrativo.

Tortuosos são os caminhos do legislador. Obras que seriam sujeitas a licença ou a autorização passam a estar dispensadas por regulamento municipal, para, no fim, estarem subordinadas a comunicação prévia.

Esta, a que poderíamos chamar declaração prévia, tem este nomen juris do lado do particular, pois a sua natureza jurídica, do lado da Administração Pública, deve considerar-se um nihil obstat ou um veto.

Se, ao fim deJ30 dias, nada for oposto pelo presidente da câmara municipal, o particular que declarou as obras e trabalhos pode tomar o silêncio administrativo, não como um deferimento tácíto, mas como um nihil obstat.

O deferimento tácito, como acto administrativo que é, pode ser revogado ou declarado nulo, mas já não o simples silêncio perante a comunicação prévia. É um poder de veto, cujo exercício caduca ao fim de 20 dias (art. 36º/1).

Levanta-se o problema de saber se não pode o presidente da câmara municipal ordenar o embargo e a demolição de uma obra que, embora comunicada previamente, sempre estaria sujeita a licença ou a autorização, expirado que seja o prazo para a poder impedir.

O particular "viu constituído na sua esfera jurídica o direito a construir de acordo com as características previstas na comunicação prévia, mesmo contra a lei ou contra um plano?

Não. O particular viu constituído na sua esfera jurídica o direito a construir de acordo com as normas aplicáveis (artigo 6.°, n.° 8).e, por isso, toda e a qualquer infracção — até por não estarem as obras amparadas por licença nem por autorização - podem dar lugar à aplicação de sanções e à adopção de medidas de polícia administrativa.

As razões que podem motivar o veto são de duas ordens distintas.A primeira leva a um veto meramente suspensivo e tem um efeito impediente, mas não

dirimente — a obra, pelas suas características, extravasa o âmbito da comunicação prévia e, sem que se mostre definitivamente malograda a sua execução, terá de submeter-se a licença ou a autorização (artigo 36.°, n.° 2).

A segunda ordem de razões leva, não já a um veto impediente, mas absolutamente dirimente — é manifesto que a obra se revela ilegal no plano substantivo.

Importa não esquecer, de todo o modo, que a falta de oposição à comunicação prévia não exime o dono da obra, seu preposto ou comi- tido de observar as prescrições legais e regulamentares próprias do local e da natureza da obra (artigo 6.°, n.° 8) nem isenta os trabalhos de fiscalização

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municipal no seu decurso (artigo 93.°). (FIM ANDRÉ FOLQUE)

A autorização

Com as alterações introduzidas ao RJUE pela Lei n.° 60/2007, a autorização passou a ter um campo de aplicação muito reduzido. Estão sujeitas a autorização somente a utilização dos edifícios ou suas fracções, bem como as alterações da utilização dos mesmos (artigo 4.°, n.º 5, do RJUE). É nos artigos 62.° a 66.° do RJUE que encontramos o travejamento jurídico básico da autorização.

Segundo o artigo 62.°, n.° 1, a autorização de utilização de edifícios ou suas fracções autónomas destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projecto de arquitectura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do licenciamento ou da comunicação prévia. Por sua vez de acordo com o n.° 2 do mesmo preceito, quando não houver lugar à realização de obras ou quando se tratar de alteração da utilização ou de autorização de arrendamento para fins não habitacionais de prédios ou fracções não licenciados, nos termos do n.° 4 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 160/2006, de 8 de Agosto — isto é, dos edifícios cuja construção seja anterior à entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 38382, de 7 de Agosto de 1951 -, a autorização destina-se a verificar a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicáveis e a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido.

A concessão da autorização está dependente da apresentação de requerimento, o qual deve ser instruído nos termos referidos no artigo 63.°, no caso de autorização de utilização de edifícios ou suas fracções autónomas, com termo de responsabilidade subscrito pelo director de obra ou director de fiscalização de obra (artigos 13.° a 17.° da Lei n.° 31/2009, de 3 de Julho, e 12.° a 19.° da Portaria n.° 1379/2009, de 30 de Outubro), no qual estes devem declarar que a obra está concluída e que foi executada de acordo com o projecto de arquitectura e arranjos exteriores aprovados e com as condições da licença ou da comunicação prévia e, se for caso disso, que as alterações efectuadas ao projecto estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis, e, nas hipóteses previstas no n.° 2 do artigo 62.°, onde se inclui a alteração de utilizaçao, com termo de responsabilidade subscrito por pessoa habilitada a ser autor de projecto segundo o regime da qualificação profissional dos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos (artigos 10.° a 12.° da Lei n.° 31/2009, de 3 de Julho, e artigos 4.° a da Portaria n.° 1379/2009, de 30 de Outubro).A autorização de utilização e concedida, no prazo de 10 dias a contar da recepção do requerimento, com base nos termos de responsabilidade anteriormente referidos, salvo se, no prazo acima indi-cado, o presidente da câmara municipal, oficiosamente ou a requerimento do gestor do procedimento, determinar a realização de vistoria, quando se verificar alguma das seguintes situações: o pedido de autorização de utilização não estiver instruído com os termos de res-ponsabilidade supra referenciados; existirem indícios sérios, nomeadamente com base nos elementos constantes do processo ou do livro de obra, a concretizar no despacho que determina a vistoria, de que a obra se encontra em desconformidade com o respectivo projecto ou condições estabelecidas; ou, tratando-se de autorização prevista no n.º 2 do artigo 62.°, onde se inclui a alteração de utilização, existam indícios sérios de que o edifício, ou sua fracção autónoma, não é idóneo para o fim pretendido (artigo 64.° do RJUE). A vistoria é realizada nos termos dos n.os 1 a 6 do artigo 65.° do RJUE.

A autorização considera-se tacitamente deferida se, no prazo definido para o efeito, não for tomada qualquer decisão sobre o respectivo pedido. Isto mesmo resulta dos artigos 111.°, alínea c), e 113.º do RJUE. Mas o n.º 3 do artigo 64.° do RJUE - preceito aditado pelo Decreto-Lei n.° 26/2010, de 30 de Março - veio facilitar a operacionalização da autorização tácita, determinando que, não sendo determinada a realização de vistoria no prazo de 10 dias a contar da recepção do requerimento, pode o requerente solicitar a emissão do alvará de autorização de utilização, a emitir no prazo de cinco dias, mediante a apresentação do comprovativo do requerimento da mesma. A

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autorização de utilização dos edifícios é titulada por alvará, devendo o interessado, no prazo de um ano a contar da notificação da autorização de utilização (o qual pode ser prorrogado pelo presidente da câmara, por uma única vez), requerer a emissão do respectivo alvará, apresentando para o efeito os elementos previstos no n.º 6 da Portaria n.º 216-E/2008, de 3 de Março (artigos 74.°, n.º 3, e 76.° do RJUE).

A competência para a concessão da autorização de utilização dos edifícios ou suas fracções, bem como das alterações da utilização dos mesmos, pertence ao presidente da câmara municipal, podendo ser delegada nos vereadores, com faculdade de subdelegação, ou nos dirigentes dos serviços municipais [artigo 5.°, n.º 2, do RJUE e artigo 68.°, n.º 2, alínea l), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro].

4. AUTORIZAÇÃO (ANDRÉ FOLQUE)

A autorização, no sentido tradicional do direito administrativo, é o acto administrativo permissivo que se limita a conferir vinculadamente os pressupostos e requisitos para o exercício de um direito constituído anteriormente. Tem, por conseguinte, uma natureza declarativa por contraste com a natureza constitutiva da licença.

Assim, no domínio do exercício de direitos, liberdades e garantias, sempre que haja necessidade de um controlo administrativo prévio, designadamente para assegurar a compatibilidade do exercício de outro ou do mesmo direito por terceiros (v. g. direito de manifestação), a autorização apresenta-se como a medida preferencial à luz do regime das restrições (artigo 18°, n.ºs 2 e 3, da Constituição).

Porém, a autorização de operações urbanísticas não apresenta diferenças muito notórias relativamente à licença, do ponto de vista substancial e, logo, da sua natureza. Tendencialmente, o seu âmbito é o de operações urbanísticas enquadradas por especificações mais densas e precisas (artigo 4.°, n.° 3) — operação de loteamento urbano, plano de pormenor qualificado, projecto de arquitectura e condições acessórias (autorização de utilização), a reconstituição, por reconstrução, de uma edificação total ou parcialmente demolida ou arruinada.

O procedimento da sua formação tem, contudo, algumas diferenças de elevado alcance, as quais traduzem a principal inovação procedimental do novo regime.

Em primeiro lugar, a competência é de órgãos diferentes (artigo 5.°, n.°* 1 e 2) —a câmara municipal, órgão colegial complexo e o seu presidente. Por conseguinte, as habilitações para delegar e subdelegar são diferentes e é diferente a impugnação graciosa a título de recurso hierárquico próprio ou impróprio.

Em segundo lugar, no procedimento de alteração não há lugar às consultas externas ao município enunciadas no artigo 19.° No entanto, é por não haver esta necessidade que se admite o procedimento mais abreviado de autorização. Assim, não é a autorização que afasta as consultas externas. É ao invés, a desnecessidade destas que admite o expediente da autorização. Com efeito, parte-se do princípio de que estas consultas, a serem necessárias, já foram formuladas quando do licenciamento da operação de loteamento urbano ou quando da formação do plano de pormenor.

Esta afirmação, porém, não deve fazer esquecer que outras intervenções externas podem e devem ter lugar como pressuposto de validade da autorização. Trata-se das aprovações previstas no artigo 37.°, determinadas peia utilização específica da edificação a construir, a reconstruir, a ampliar, a alterar — empreendimentos industriais, recintos de espectáculos e divertimentos públicos — de par com as operações urbanísticas que tenham lugar nos imóveis classificados ou em vias de classificação (n.° 1).

É, pois, excessivo alvitrar que a autorização se caracteriza por não compreender consultas externas. O que sucede é que estas consultas têm de ser promovidas pelo requerente, antes de apresentar o pedido de autorização ao presidente da câmara municipal (artigo 37.°, n.05 2 e 3).

Em terceiro lugar, encontramos a falta de um momento específico de apreciação do projecto de

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arquitectura, o que se repercute a montante e a jusante. A montante porque a apreciação liminar é mais densa do que no caso da licença (artigo 29.°, n.° 1). A jusante porque a decisão final tem de compreender a apreciação do projecto de arquitectura (artigos 30.° e 31.°). Quer isto dizer que não pode ser impugnado destacadamente o acto de aprovação do projecto de arquitectura nem o da sua recusa, actos meramente internos e preparatórios, cuja lesividade só se consolida com o despacho final do presidente.

Os motivos para indeferir a autorização correspondem, no essencial, aos do licenciamento (artigo 31.°, n.os 2 e 3), excepto no caso da utilização (artigo 31.°, n.° 6) — aqui, relevam fundamentalmente a conformidade com a licença (artigo 62.°, n.° 2) e a idoneidade do edifício ou ftaeçâo autónoma para o fim pretendido.

Contudo, deve reparar-se que é apenas entre os motivos de indeferimento da autorização que encontramos a desconformidade com a licença ou autorização de loteamento— artigo 31.°, n.° 5. E é assim, precisamente, porque as operações urbanísticas se encontram subordinadas ao seu conteúdo, com as condições impostas à operação de loteamento sempre que esta tenha precedido ou acompanhado o pedido de autorização das obras de urbanização. Todavia, estamos aqui perante obras de urbanização, apenas (artigo 4.°, n.° 3, alínea b)).

Já no que diz respeito a obras de construção, alteração ou ampliação desconformes com as especificações contidas em alvará de loteamento (artigo 4.°, n.° 3, alínea c)), não fora a cominação com a nulidade (artigo 68.°, alínea a), in fine) e faleceria base legal expressa para o indeferimento, ausente do enunciado do artigo 31.°

Na versão originária do RJUE, aprovada pelo Decreto n.° 555/99, de 16 de Dezembro, o tratamento da autorização revelava-se demasiado exíguo, em termos que justificaram, em parte, a Recomendação do Provedor de Justiça n.° 10/B/2000, de 10 de Março.

Assim, quanto ao indeferimento dos pedidos de autorização, o legislador optara pela excessiva parcimónia. Esta opção era, desde logo, realçada no preâmbulo do diploma, onde, quanto aos procedimentos de autorização, considerara dispensável a apreciação dos projectos de arquitectura e das especialidades, tendo em conta, porém, que «ao diminuir substancialmente a intensidade do controlo realizado pela Administração, o procedimento de autorização envolve necessariamente uma maior responsabilização do requerente e dos autores dos respectivos projectos, pelo que tem como «contrapartida» um regime mais apertado de fiscalização». Acabava por traduzir-se na extrema contenção das disposições que ao assunto se referem.

Com efeito, no artigo 31.° apenas se encontrava previsto o indeferimento dos pedidos de autorização, no caso da utilização de edifícios ou suas fracções, quando não se mostrasse conforme a obra com o projecto aprovado ou com as condições do licenciamento ou da autorização. Por seu turno, no aitigo 30.° dispunha-se sobre a rejeição liminar dos pedidos de autorização, considerando-se, para além das situações em que se verificasse que o procedimento a adoptar não era o de autorização (quer por se dever seguir o licenciamento, quer por se mostrarem dispensadas as obras de licença ou autorização), que deveriam ser liminarmente rejeitados os pedidos de autorização que respeitassem (i) a operações de loteamento em área abrangida por plano de pormenor quando fosse manifesto violarem este último, (ii) a obras de urbanização e trabalhos de remodelação de terrenos em área abrangida por operação de loteamento por manifesta violação da licença de lotea-mento ou plano de pormenor, e (iii) a obras de construção, ampliação ou alteração em área abrangida por operação de. loteamento, plano de pormenor ou em área urbana consolidada como tal identificada em plano municipal de ordenamento do território, por manifesta violação de licença de loteamento ou plano de pormenor.

Tudo apontava para que a autorização só pudesse ser indeferida por outros motivos que não a violação manifesta de plano de pormenor ou de alvará de loteamento. De outro modo, não se encontraria sentido útil ao preceito contido na redacção originária do artigo 29.° (sobre a apreciação dos pedidos de autorização e os prazos para decisão dos mesmos), nem na norma que obriga à

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suspensão do procedimento de autorização quando da elaboração ou revisão de planos especiais ou municipais de ordenamento do território.

E mais. A não ser assim, esse poder decisório reduzir-se-ia a um mero deferimento vinculado, ainda que praticando, paradoxalmente, um acto inválido, ao qual a própria lei associava, em certos casos (de que se destaca a violação, manifesta ou não, de instrumentos de planeamento territorial), o valor jurídico negativo da nulidade (artigo 68.°, alínea a)).

Esta linha resultaria, segundo António Duarte de Almeida, «de uma definição preexistente da posição jurídica activa do particular, que reduzia as margens de indeterminação administrativa e permitia remeter o controlo público para o momento imediatamente anterior à utilização».

Apenas por laboriosa interpretação sistemática das normas sobre a autorização seria possível retirar um sentido adequado das disposições pertinentes, o que cumpriria confrontar com a intenção do legislador. O preceituado na versão primitiva do artigo 30.° sobre rejeição liminar dos pedidos de autorização não podia deixar de ser entendido como a concretização da regra geral sobre saneamento e apreciação liminar contida no artigo 11.°, n.° 3, do diploma, e segundo a qual, compete ao presidente da câmara municipal «proferir despacho de rejeição liminar quando da análise dos elementos instrutórios resultar que o pedido é manifestamente contrário às normas legais e regulamentares aplicáveis», dispondo, para o efeito, de um prazo de quinze dias.

Ao que parece, esta competência mostra-se de exercício vinculado quanto aos pedidos de autorização relativos a operações de loteamento, obras de urbanização, trabalhos de remodelação de terrenos e obras de construção, ampliação ou alteração, sempre que observada violaçãomanifesta de plano de pormenor ou de alvará de loteamento, por aplicação da regra prevista no citado artigo 30.°

As dúvidas interpretativas suscitadas foram, com assinalável proveito de clareza, resolvidas mediante simples alteração da localização dos preceitos legais em causa e a reformulação do disposto no artigo 30.°, recolocando este regime da rejeição liminar antes do artigo 29.° (sobre a apreciação e decisão final dos pedidos de autorização), e introduzindo-lhe expressa menção à norma constante no artigo 11.°, n.° 3, ultrapassando uma leitura menos atenta que levasse a crer em duas fases liminares de apreciação.

Ainda nesta ordem de considerações, defenderia o Provedor de Justiça que a apreciação liminar nos procedimentos de autorização, a menos que culminasse com a rejeição do pedido, em nada contenderia com a decisão final sobre o mesmo, a qual poderia ser favorável (deferimento) ou desfavorável (indeferimento), por referência às pertinentes disposições legais e regulamentares.

Simplesmente, e porque a apreciação feita do pedido de autorização pode ser menos densa do que a apreciação dos pedidos de licenciamento (o que se traduz no encurtamento dos prazos e na ausência de referência aos parâmetros de decisão) a incidência do controlo camarário far-se-ia sentir sobretudo a posteriori.

A limitação dos motivos de indeferimento ao escasso enunciado do artigo 31.º tornava o próprio controlo desprovido de sentido útil, podendo dar-se o caso de a câmara municipal, embora perante um pedido de autorização ilegal, não ter como indeferi-lo.

Tal como a licença, também a autorização é um acto constitutivo de direitos, com o que esta qualificação representa ao nível de revogação.

Sob pena de caducidade, é admitida, dentro de certos limites, a renovação de licenças e autorizações (artigo 72.°).

O âmbito da autorização, como pode observar-se do artigo 4.°, n.° 3, é sempre justificado por um controlo precedentemente efectuado e que, por isso, faculta à câmara municipal e ao interessado um procedimento mais abreviado e menos complexo. São, assim, as operações de loteamento quando já houve plano de pormenor qualificado (alínea a)), certas obras de urbanização e quando já se encontra deferida operação de loteamento (alínea b)), as obras de construção, de ampliação ou de alteração e as alterações ao uso sem obras quando em área abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor qualificado (alíneas c) e f)). Ou então, por outro

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lado, é a própria natureza das obras que não implica significativo aprofundamento técnico do controlo — as obras de demolição e as obras de reconstrução quando não ameacem o património cultural (alíneas d) e e)).

Eminentemente, é a densidade normativa que vem delimitar o âmbito da autorização perante o da licença. É que, como explicam ANTÓNIO Duarte de Almeida:

O legislador 'incorporará' o acto de licenciamento no processo físico do território, do qual constitui a meta final (...) Daí que à máxima discricionariedade de planeamento deva corresponder, em princípio, a mínima discricionariedade de licenciamento.

Em quarto lugar, há diferenças sensíveis no que respeita ao valor do silêncio administrativo do órgão competente. Assim, o procedimento de autorização admite a formação de actos tácitos positivos (deferimento tácito), nos termos do artigo 113.°, ao passo que, no licenciamento, a garantia do particular contra a inércia administrativa há-de resultar de uma intimação judicial para um comportamento (artigo 112.°, n.° 6) ou, em último caso, pelo suprimento da vontade do órgão competente por parte do tribunal (artigo 113.°, n.° 7, também aplicável ao alvará de licença não emitido indevidamente). (FIM ANDRÉ FOLQUE)

A isenção de controlo prévio

O artigo 6.° do RJUE, na versão do Decreto-Lei n.° 26/2010, enumera as operações urbanísticas que estão isentas de qualquer controlo prévio, sendo, por isso, operações urbanísticas livres, expressão esta que deve ser entendida no sentido de que se trata operações urbanísticas que não estão sujeitas a controlo prévio ou a qualquer procedimento habilitante, e não com o significado de que as mesmas não estão submetidas à observância das regras jurídicas urbanísticas e a um controlo a posteriori ou sucessivo da Administração, como decorre dos artigos 6.°, n.º 8, e 93.° do RJUE. Com efeito, nos termos da primeira disposição legal citada, a inexigência de controlo prévio de operações urbanísticas não as isenta da “observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de planos municipais ou especiais de ordenamento do território, de servidões ou restrições de utilidade pública, as normas técnicas de construção, as de protecção do património cultural imóvel, e a obrigação de comunicação prévia nos termos do artigo 24.° do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, que estabelece o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional”.E, de acordo com o artigo, n.º 1, daquele diploma legal “ a realização de quaisquer operações urbanísticas está sujeita a fiscalização administrativa, independentemente da sua sujeição a prévio licenciamento, admissão de comunicação prévia, autorização de utilização ou isenção de controlo prévio”, a qual se destina “a assegurar a conformidade daquelas operações com as disposições legais e regulamentares aplicáveis e a prevenir os perigos que da sua realização possam resultar para a saúde e segurança das pessoas” (artigo 93.°, n.°2).

Poderá dizer-se que os casos das operações urbanísticas isenta controlo prévio constituem os exemplos mais expressivos do fenómeno da liberalização no campo das operações urbanísticas.Desde que não consistam nas intervenções urbanísticas em imóveis classificados ou em vias de classificação, em imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em vias de classificação ou em imóveis situados em zonas de protecção de imóveis classificados ou em vias de classificação, indicadas na alínea d) do n.º 2 do artigo 4.° do RJUE, estão isentas de controlo prévio as seguintes operações urbanísticas: as obras de conservação [artigo 6.°, n.º 1, alínea a)]; as obras de alteração no interior de edifícios ou suas fracções que não impliquem modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas e da forma dos telhados ou coberturas [artigo 6.°, n.º 1, alínea b)]; as obras de escassa relevância urbanística, definidas no artigo 6.°-A, n.º 1, para além de outras obras como tal qualificadas em regulamento municipal, desde que tais obras não sejam realizadas

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em imóveis classificados ou em vias de classificação, de interesse nacional ou interesse público, em imóveis situados em zonas de protecção de imóveis classificados ou em vias de classificação ou em imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em vias de classificação [artigo 6.°, n.º 1, alínea c), e 6.°-A, n.os 1, alíneas a) a i), 2 e 3]60; os actos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se situe em perímetro urbano, desde que as duas parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos [artigo 6.°, n.° 1, alínea d) e n.° 4]; e os actos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial em áreas situadas fora dos perímetros urbanos se forem, cumulativamente, cumpridas as seguintes condições: na parcela destacada, só vier a ser construído um edifício que se destine exclusivamente a fins habitacionais e que não tenha mais de dois fogos; e na parcela restante se respeite a área mínima fixada no projecto de intervenção em espaço rural em vigor ou, quando aquele não exista, a área de unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a região respectiva [artigo 6.°, n.º 1, alínea d), e n.º 5, alíneas a) e b)]60 Trata-se de obras que, devido à sua escassa dimensão ou à sua natureza, têm uma pequena relevância urbanística. Já tivemos ensejo de as indicar um pouco mais acima. Importa recordar que as dimensões das obras de escassa relevância urbanística referidas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 6.°-A podem ser ampliadas pelos regulamentos municipais. Mas, segundo pensamos, tal só pode ser feito com o limite de, com essa ampliação, não ser desvirtuada a essência do conceito de obra de escassa relevância urbanística, que constitui a razão de ser da isenção de controlo prévio desse tipo de operação urbanística. Está, por isso, uma tal ampliação sujeita à observância dos princípios da adequação e da proporcionalidade.

Assinale-se, por último, que a instalação de geradores eólicos associada a edificação principal, para produção de energias renováveis, incluindo de microprodução, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 6.°-A do RJUE, apesar de estar isenta de controlo prévio, deve ser precedida de notificação à câmara municipal, a qual se destina a dar conhecimento a este órgão da instalação do equipamento e deve ser instruída com os seguintes elementos: a localização do equipamento; a cércea e o raio do equipamento; o nível de ruído produzido pelo equipamento; e termo de responsabilidade onde o apresentante da notificação declare conhecer e cumprir as normas legais e regulamentares aplicáveis à instalação de geradores eólicos [artigo 6.°-A, n.os 5 e 6, alíneas a) a d), do RJUE].

O regime especial das operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública

Como vimos, os artigos 6.° e 6.°-A do RJUE contemplam um naipe de operações urbanísticas que estão isentas de qualquer controlo prévio. A isenção de várias operações urbanísticas de qualquer trolo prévio assenta na natureza e nas características das operações urbanísticas abrangidas, sendo, por isso, isenções de controlo prévio de carácter puramente objectivo.Diversamente, o RJUE prevê, no seu artigo 7.°, outro conjunto de operações urbanísticas isentas de controlo prévio, que se alicerçam simultaneamente num critério subjectivo, relacionado com a natureza das entidades promotoras das operações urbanísticas, e num critério objectivo, decorrente da natureza ou do tipo das operações urbanísticas a executar pelas entidades promotoras.

Como bem sublinha Pedro Gonçalves, o artigo 7.° fixa um regime excepcional em relação à regra geral da submissão a controlo prévio das operações urbanísticas, que deve ser objecto de uma interpretação cautelosa. De facto, como é próprio das relações entre regra e excepção, quando houver dúvidas a propósito da recondução de uma determinada operação urbanística promovida por uma certa entidade ao regime excepcional estabelecido no artigo 7.° do RJUE, deverá aplicar-se o regime geral do controlo prévio das operações urbanísticas. E isto deve ser assim, tanto mais que o artigo 7.° deve ser visto, em boa parte, como uma compressão, ainda que não inconstitucional, da autonomia dos municípios.

NOTA: Hoje, diferentemente, as operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública referidas no artigo 7.º do RJUE estão isentas de licença (e de comunicação prévia) e, além disso, os respectivos projectos não estão sujeitos a aprovação da camâra municipal, estão apenas sujeitos, com excepção dos promovidos pelos municípios, a parecer prévio não vinculativo da camara

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municipal.

O artigo 7.º indica concretamente as entidades abrangidas pelo conceito de Administração Pública e identifica, com rigor, as operações urbanísticas dessas entidades abrangidas pelo regime especial.

Vejamos, num primeiro momento, quais são as operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública que estão isentas de controlo prévio, para, num segundo momento, nos debruçarmos sobre as regras jurídicas a que as mesmas estão sujeitas.

De acordo com o artigo 7.°, n.° 1, do RJUE, estão isentas de controlo prévio as seguintes operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública:

a) As operações urbanísticas promovidas pelas autarquias locais e suas associações em área abrangida por plano municipal de ordenamento do território [artigo 7.°, n.° 1, alínea a)].

A isenção abrange, em geral, todas e quaisquer operações urbanísticas dos municípios, das freguesias e das associações de municípios ou de freguesias, seja qual for o figurino jurídico que estas associações assumam, desde que, em qualquer caso, se trate de operações a executar em área abrangida por plano municipal de ordenamento do território. Repare-se que as operações urbanísticas promovidas pelas autarquias locais e suas associações em área não abrangida por plano municipal de ordenamento do território também estão isentas de qualquer controlo prévio, como resulta do artigo 7.°, n.º 3, do RJUE, que sujeita a um regime especial as operações de loteamento e as obras de urbanização promovidas pelas autarquias locais e suas associações em área não abrangida por plano municipal de ordenamento do território.

No entanto, a norma do n.º 3 do artigo 7.° do RJUE, referindo-se a áreas não abrangidas por plano municipal de ordenamento do território, abarca tão-só as operações de loteamento e as obras de urbanização, não indicando, assim, qual o regime aplicável às operações urbanísticas promovidas pelas autarquias locais e suas associações que não consistam em operações de loteamento e em obras de urbanização em áreas não abrangidas por plano municipal de ordenamento do território.

b) As operações urbanísticas promovidas pelo Estado relativas a equipamentos ou infra-estruturas destinados à instalação de serviços públicos ou afectos ao uso directo e imediato do público [artigo 7.° n.° 1, alínea b)].

Esta norma abrange operações urbanísticas de qualquer tipo promovidas pelo ente público Estado, mas a isenção está circunscrita por um princípio de vinculação quanto ao destino. As operações urbanísticas promovidas pelo Estado devem ser relativas a equipamentos ou infra-estruturas com um destino determinado: ou a instalação de serviços públicos ou a instalação de serviços (ou bens) afectos ao uso directo e imediato do público.

Com a aposição do limite da vinculação quanto aos destinos referidos, a norma da alínea b) do n.° 1 do artigo 7.° do RJUE encontra-se bem longe da norma antecedente que isentava de licença todas as obras promovidas pela Administração directa do Estado [cfr. o artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Decreto-Lei n.° 445/91]. Tendo os equipamentos ou as infra-estruturas outro destino que não um dos indicados, as operações urbanísticas, ainda que promovidas pelo Estado, estão sujeitas ao regime geral.

Veremos infra que algumas das operações urbanísticas do Estado abrangidas pelo regime da isenção de controlo prévio estão sujeitas a regras jurídicas específicas.

c) As obras de edificação ou demolição promovidas pelos institutos públicos ou entidades da Administração Pública que tenham por atribuições específicas a salvaguarda do património cultural ou a promoção e gestão do parque habitacional do Estado e que estejam directamente relacionadas com a prossecução dessas atribuições [artigo 7.°, n.° 1, alínea c)].Estamos perante uma norma que recorta com rigor o seu campo de aplicação. A mesma contempla somente as obras de edificação e de demolição. E destas obras apenas as que os referidos institutos

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públicos ou entidades da Administração Pública realizam na prossecução directa das suas atribuições. No plano objectivo, as operações urbanísticas abrangidas pela isenção de controlo prévio são unicamente as obras de edificação e as obras de demolição e desde que as mesmas estejam directamente relacionadas com a prossecução das atribuições específicas dos institutos públicos ou entidades da Administração Pública expressamente referidos naquela norma. E, no plano subjectivo, o perímetro da norma não abarca todos os institutos públicos ou entidades da Administração Pública, mas unicamente aqueles que tenham por atribuições específicas a salvaguarda do património cultural ou a promoção e gestão do parque habitacional do Estado.

d) As obras de edificação ou demolição promovidas por entidades públicas que tenham por atribuições específicas a administração das áreas portuárias ou do domínio público ferroviário ou aeroportuário, quando realizadas na respectiva área de jurisdição e directamente relacionadas com a prossecução daquelas atribuições [artigo 7.°, n.º 1, alínea d)].

Trata-se de uma norma que, sob o ponto de vista objectivo, circunscreve com precisão o tipo de operações urbanísticas isentas de controlo prévio: as obras de edificação e de demolição. Não são, porém, abrangidas todas as obras de edificação e de demolição, mas somente aquelas que se realizem nas áreas de jurisdição das entidades referidas e estejam directamente relacionadas com a prossecução das atribuições no domínio da administração daquelas áreas. Significa isto que também se aplica aqui o princípio da vinculação quanto ao destino.

No plano subjectivo, poderão surgir dúvidas quanto ao âmbito da norma, sobretudo no que se refere ao conceito de “entidades públicas”. Como bem salienta PEDRO GONÇALVES, este conceito re-fere-se, em geral, a entidades com estatuto de direito público, requisito que não é satisfeito pela generalidade das entidades com atribuições na administração das áreas portuárias ou do domínio público aeroportuário. Todavia, como defende o citado autor, deverá entender-se que o conceito de “entidades públicas” se refere a entidades pertencentes ao sector público, ainda que com estatuto formal de direito privado.Com efeito, uma tal solução parece ser imposta pela teleologia da norma, que é a de isentar de controlo prévio as referidas operações urbanísticas promovidas pelas entidades que têm uma “jurisdição” sobre determinadas áreas, independentemente do estatuto - de direito público ou de direito privado - de que estão munidas. Podemos assim, concluir que o conceito de “entidade pública” presente na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.° do RJUE não deve ser interpretado em sentido próprio, mas reportando-se a um conceito amplo da Administração em sentido organizatório, que inclua também entidades formalmente privadas, mas materialmente públicas.Pensamos que sentido idêntico deve ser atribuído à expressão “entidades da Administração Pública”, constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 7.° do RJUE. Também uma tal locução deve ser entendida como abrangendo todas as entidades pertencentes ao sector público que tenham como atribuições específicas a salvaguarda do património cultural ou a promoção e gestão do parque habitacional do Estado e que estejam directamente relacionadas com a prossecução dessas atribui-ções, independentemente do seu estatuto formal de direito público ou de direito privado.

e) As obras de edificação ou demolição e os trabalhos promovidos por entidades concessionárias de obras ou serviços públicos, quando se reconduzam à prossecução do objecto da concessão [artigo7.°, n.º 1, alínea e)].

Esta norma exige, para a sua cabal compreensão, alguns esclarecimentos. No plano objectivo, são abrangidas pela isenção de controlo prévio as obras de edificação e demolição, bem como os trabalhos [vocábulo este que parece remeter para a operação urbanística “trabalhos de remodelação de terrenos” definida no artigo 2.°, alínea l), do RJUE], desde que se reconduzam à prossecução do objecto da concessão.

No plano subjectivo, beneficiam daquela isenção as entidades concessionárias de obras ou serviços públicos, pressupondo-se que se trata de entidades que sejam titulares de uma posição que, nos termos da lei, seja qualificada como concessão de obras públicas ou de serviços públi cos.

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Mas não limitando a norma o universo das entidades concessionárias, são abrangidas todas e quaisquer entidades concessionárias de obras ou serviços públicos, seja qual for o seu objecto e seja qual for o sector em que actue (rodoviário, eléctrico, saúde, etc.). Esta grande amplitude do universo subjectivo das entidades concessionárias de obras ou serviços públicos suscita, no entanto, algumas dúvidas quanto à questão de saber se estão abrangidas as entidades concessionárias de obras ou serviços públicos de “quaisquer concedentes”, tendo em conta que pode haver concessões atribuídas por institutos públicos, por empresas públicas, por municípios, etc. Acompanhando PEDRO GONÇALVES, dir-se-á que, nos casos em que as “entidades concedentes” não beneficiam de isenção de controlo prévio de operações urbanísticas, não faz sentido que dela beneficiem as “entidades concessionárias”. Por outro lado, será de aceitar que as empresas concessionárias de obras ou serviços públicos dos municípios sejam abrangidas pela isenção de con trolo prévio das referidas operações urbanísticas, mas de tal benefício já não gozarão as empresas municipais. Daqui deve concluir-se que o RJUE atribui um regime mais favorável às empresas concessionárias dos municípios do que às próprias empresas municipais.

f) As operações urbanísticas promovidas por empresas públicas relativamente a parques empresariais e similares, nomeadamente áreas de localização empresarial, zonas industriais e de logística [artigo 7.°, n.° 1, alínea f)].

Sob o ponto de vista objectivo, a isenção de controlo prévio abrange quaisquer operações urbanísticas, desde que relativas a parques empresariais e similares. No plano subjectivo, a norma refere-se somente a empresas públicas, o que significa que aquela isenção é circunscrita às entidades às quais caiba aquele qualificativo. São qualificadas como tais as empresas definidas no artigo 3.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 558/99, de 17 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 300/2007, de 23 de Agosto (que estabelece o regime jurídico do sector empresarial do Estado e das empresas públicas).

Estão, assim, excluídas, para este efeito, por exemplo, as empresas municipais.

Passando, agora, à abordagem das regras específicas das operações urbanísticas isentas de controlo prévio promovidas pela Administração Pública, importa sublinhar que as mesmas estão sujeitas a um conjunto de normas, de carácter procedimental e material, o que significa que elas não ocupam um espaço descoberto pelo direito, nem estão numa situação de vazio normativo. No âmbito da disciplina jurídica específica das referidas operações urbanísticas, devem ser destacados os seguintes pontos:

a) A isenção de controlo prévio não implica a inobservância das normas jurídicas atinentes à legalidade material da operação urbanística. O n.º 6 do artigo 7.° é inequívoco ao determinar que todas as operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública devem “observar as normas legais e regulamentares que lhes forem aplicáveis, designadamente as constantes de instrumento de gestão territorial, do regime jurídico de protecção do património cultural, do regime jurídico aplicável à gestão de resíduos de construção e demolição, e as normas técnicas de construção”.

b) Conquanto estejam isentas de controlo prévio as mencionadas operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública, a execução das mesmas, com excepção das promovidas pelos municípios, fica sujeita a parecer prévio não vinculativo da câmara municipal que deve ser emitido no prazo de 20 dias a contar da recepção do respectivo pedido (artigo 7.°, n.º 2). Este parecer obrigatório, embora não vinculativo, da câmara municipal constitui uma expressão do “conteúdo mínimo” de “conservação” pelos municípios dos poderes de controlo urbanístico sobre as operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública isentas de controlo prévio, a par do dever de observância pelas mesmas das regras e princípios dos planos municipais de ordenamento do território e da sujeição das referidas operações urbanísticas aos poderes de fiscalização do

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município.Estando-se em face de um parecer obrigatório, é nulo o acto administrativo que decida a sua

realização, quando não precedido da solicitação do parecer camarário. É esta a solução que decorre da aplicação do princípio ínsito no artigo 68.°, alínea c), primeira parte, do RJUE. Mas já não será assim, se aquele acto administrativo não estiver em conformidade com o parecer, dado a sua natureza não vinculativa.

c) A realização das operações urbanísticas de que vimos falando está sujeita a fiscalização administrativa, como flui claramente do artigo 93.°, n.º 1, do RJUE, que estende a referida fiscalização às operações urbanísticas isentas de controlo prévio. A verificação pelo presidente da câmara municipal de que aquelas operações urbanísticas violam normas legais e regulamentares pode dar origem à aplicação pelo mesmo de medidas de tutela da legalidade urbanística, incluindo o embargo [artigo 102.°, n.º 1, alínea c), do RJUE].

d) De harmonia com o que prescreve o n.° 7 do artigo 7.° do RJUE, aplica-se à realização das operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública isentas de controlo prévio o disposto nos artigos 10.°, 12.° e 78.°, com as necessárias adaptações. Quer isto dizer que aquelas operações urbanísticas só podem ser realizadas com base num termo de responsabilidade dos autores dos projectos e, bem assim, que o pedido de parecer camarário ou a decisão de realizar a operação urbanística, tal como o parecer ou a autorização de realizar a operação urbanística devem ser publicitados.

e) Para além das regras jurídicas anteriormente referidas, as operações de loteamento e as obras de urbanização promovidas pelo Estado estão ainda submetidas às seguintes regras: primo, em todas as situações, devem ser previamente autorizadas pelo ministro da tutela e pelo ministro responsável pelo ordenamento do território, depois de ouvida a câmara municipal, a qual se deve pronunciar no prazo de 20 dias após a recepção do pedido (artigo 7.°, n.º 4) - audição esta que se verifica, no âmbito do parecer prévio não vinculativo, referido no artigo 7.°, n.º 2, do RJUE, não havendo, neste caso, qualquer “audição” diferente ou complementar daquele parecer. A referida autorização constitui um requisito de legalidade daquelas operações urbanísticas; secundo, quando as referidas operações urbanísticas forem promovidas em área não abrangida por plano de urbanização ou plano de pormenor, devem ser submetidas a discussão pública, nos termos do artigo 77.° do RJIGT, com as necessárias adaptações, excepto no que se refere aos períodos de anúncio e duração da discussão pública, que são, respectivamente, de 8 e de 15 dias (artigo 7.°, n.º 5).

f) Todas as operações urbanísticas promovidas pelas autarquias locais e suas associações estão isentas de qualquer controlo prévio, nos termos anteriormente assinalados. As mesmas estão, no entanto, submetidas às regras específicas referidas nas anteriores alíneas a) a d), salvo, quanto aos municípios, no que respeita ao parecer prévio da câmara municipal. Todavia, tratando-se de operações de loteamento e obras de urbanização promovidas pelas autarquias locais e suas associações em área não abrangida por plano municipal de ordenamento do território, devem as mesmas, ainda, ser previamente autorizadas pela assembleia municipal, depois de submetidas a parecer prévio não vinculativo da comissão de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), a qual deve pronunciar-se no prazo de 20 dias a contar da recepção do respectivo pedido (artigo 7.°, n.° 3).

Repare-se que o regime específico contido no artigo 7 .º, n.º3 quanto à intervenção consultiva da CCDR no âmbito das operações de loteamento e obras de urbanização promovidas pelas autarquias locais e suas associações em área não abrangida por plano municipal de ordenamento do território, é menos exigente do que o previsto pelo artigo 42.° do RJUE quanto ao licenciamento de operações de loteamento localizadas em área não abrangida por qualquer plano municipal de ordenamento do território. Com efeito, de harmonia com o disposto no n.° 1 deste último preceito, o licenciamento

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de tais operações de loteamento está sujeito a parecer prévio favorável da CCDR, o qual, nos termos do n.° 2 do mesmo preceito, se destina “a avaliar a operação de loteamento do ponto de vista do ordenamento do território e a verificar a sua articulação com os instrumentos de desenvolvimento territorial previstos na lei”.

Acresce que, se as referidas operações de loteamento e obras de urbanização promovidas pelas autarquias locais e suas associações se localizarem em área não abrangida por plano de urbanização ou plano de pormenor, estão as mesmas também submetidas a discussão pública em termos idênticos aos referidos para as operações de loteamento e obras de urbanização promovidas pelo Estado em área não abrangida por plano de urbanização ou plano de pormenor. Assim o determina o artigo 7.°, n.° 5, do RJUE.

Algumas particularidades das operações de loteamento e das obras de urbanização

Noção e evolução do com ceito de loteamento urbano

O conceito de operação de loteamento passou a ser substancialmente diferente por efeito do disposto na alínea i) do artigo 2.° do RJUE, na sua versão originária. De acordo com a definição fornecida por esta norma, as operações de loteamento são “as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento”.

Se compararmos esta noção com a apresentada pelo Decreto-Lei n.° 448/91, podemos concluir que o loteamento, para efeitos do RJUE, na sua versão originária, deixou de ser unicamente a divisão de um ou vários prédios. De facto, a constituição de um lote ou de vários lotes resultantes do emparcelamento ou do reparcelamento de prédios autónomos também passou considerada, na perspectiva daquele diploma, como uma operação de loteamento sujeita a controlo prévio do município. Daí que se tenha passado a prever a constituição de “loteamentos de um só lote”.

O conceito de loteamento apontado passou a reflectir uma visão dinâmica da realidade urbanística. Com efeito, ao definir os loteamentos como “as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana”, o RJUE, na sua versão originária, pretendeu acentuar a nota da transformação fundiária, em detrimento da nota clássica da divisão fundiária. Ademais, o RJUE ampliou o âmbito da noção de loteamento, o qual passou a abranger a constituição de um ou vários lotes em resultado do seu emparcelamento ou reparcelamento, para além da sua divisão fundiária. Esta, que era a pedra angu-lar do conceito tradicional de loteamento, passou a ser apenas um dos seus elementos constitutivos.

Outra modificação importante no domínio dos loteamentos urbanos trazida pelo RJUE, na sua redacção originária, traduziu-se no estabelecimento da obrigação de precedência de discussão pública da aprovação pela câmara municipal do pedido de licenciamento de uma operação de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor — podendo, no entanto, o município, mediante regulamento, dispensar de discussão pública as operações de loteamento cuja dimensão não ultrapasse 40 000 m2, 100 habitações ou 10% da população do aglomerado urbano em que se insere o loteamento (artigo 22.° do RJUE, na redacção do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro). Uma tal obrigação constitui um elemento de aproximação do procedimento de formação do loteamento ao procedimento de aprovação do plano de pormenor.No preâmbulo do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, o legislador refere que a sujeição a prévia discussão pública dos procedimentos de licenciamento de operações de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor se alicerça no entendimento de que o impacte urbanístico de tais operações “tem implicações no ambiente urbano que justificam a participação das populações locais no respectivo processo de decisão, não obstante poder existir um plano director municipal ou um plano de urbanização, sujeitos, eles próprios, a prévia discussão pública”.

A noção de operação de loteamento sofreu, por último, alteração em consequência das

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modificações introduzidas ao RJUE pela Lei n.° 60/2007. De harmonia com o que estatui o artigo 2.°, alínea j), do RJUE, na redacção actual, operações de loteamento são “as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento”. Se cotejarmos esta noção com a da versão originária do RJUE, verificamos que foi excluída do conceito de loteamento urbano a operação de transformação fundiária traduzida no emparcelamento de dois ou mais prédios. A razão do afastamento da intensio do conceito de loteamento da constituição de um lote em resultado do emparcelamento de vários prédios encontra-se na consideração pelo legislador do carácter excessivo da sujeição de uma tal operação, aparentemente simples, aos procedimentos de controlo prévio e ao regime substantivo previsto para a operação de loteamento, em particular ao pagamento dos correspondentes encargos urbanísticos. Apesar disso, a alteração ao conceito de “operação de loteamento” introduzida pela Lei n.° 60/2007 deixou intocada a possibilidade de o loteamento dar origem a um único lote.

A possibilidade de um loteamento dar origem a um só lote, derive este de uma divisão fundiária ou de um reparcelamento, suscita a questão de saber se é possível proceder a loteamentos sobre parte de prédios — os denominados loteamentos parciais. A resposta a este quesito é positiva, porquanto a noção legal de operação de loteamento inclui a possibilidade de constituição de um só lote, mesmo depois de ter sido excluída como causa da constituição de um único lote o empar-celamento de dois ou mais prédios. Nos loteamentos parciais, o prédio inicial (prédio mãe) a sujeitar a loteamento abrange a área loteada e a área restante ou remanescente. Nestes casos, no alvará de loteamento deve constar a descrição da totalidade do prédio objecto de intervenção, mas o mesmo apenas incide sobre a área loteada. Naquele tipo de loteamentos, a área a lotear não é coincidente com a área total do prédio originário, havendo, assim, parcelas sobrantes ou áreas remanescentes. Um loteamento que não abranja todo o prédio exige, no entanto, que, previamente, se proceda à desanexação da parte objecto desta operação urbanística, isto é, à autonomização de um prédio, para que sobre ele possa incidir uma operação de loteamento.

O conceito de loteamento constante da alínea I) do artigo 2.° do RJUE, na versão decorrente da Lei n.º 60/2007, comunga ainda de várias notas caracterizadoras da noção apresentada pelo Decreto-Lei n.º 448/91, que tivemos o ensejo de expor anteriormente. Algumas dessas notas foram, porém, completadas ou corrigidas pelas reformas introduzidas pelo RJUE, quer na sua redacção originária, quer na redacção introduzida pela Lei n.° 60/2007. Concluída a evolução do conceito de loteamento, podemos dizer que os seus elementos constitutivos são os seguintes: a presença de um acto voluntário que tenha por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes; a existência de uma divisão fundiária de um ou vários prédios ou de um reparcelamento de vários prédios; a constituição de um ou mais lotes; e o destino, imediato ou subsequente, do lote ou lotes a edificação urbana.

Por fim, quanto à submissão a discussão pública dos procedimentos de licenciamento das operações de loteamento, a Lei n.º 60/2007 operou uma modificação significativa em relação à versão do RJUE do Decreto-Lei n.º 555/99. A regra passou a ser a da faculdade de os municípios determinarem, através de regulamento, a prévia sujeição a discussão pública do licenciamento de operações de loteamento com significativa relevância urbanística (artigo 22.°, n.º 1). A excepção passou a ser a da obrigatoriedade de uma tal prévia discussão pública. Ela apenas existe quando a operação de loteamento exceda algum dos seguintes limites: 4 ha; 100 fogos; ou 10% da população do aglomerado em que se insere a pretensão de licenciamento da operação de loteamento (artigo 22.°, n.º 2).

O espaço de discricionaridade dos regulamentos municipais foi também ampliado, por força das alterações introduzidas no artigo 22.º do RJUE pela Lei n.° 60/2007, dado que este artigo deixou de regular a tramitação da discussão pública e o âmbito documental objecto da mesma. Apesar do silêncio do artigo 22.° do RJUE, na versão da Lei n.° 60/2007, sobre a possibilidade de o município sujeitar a prévia discussão pública o licenciamento de outras operações urbanísticas, distintas do loteamento, de significativa relevância urbanística, cremos que nada obsta a que isso possa ser feito,

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através de regulamento municipal, quando estiverem em causa operações urbanísticas com impacte urbanístico relevante.

Com efeito, o artigo 57.°, n.º 5, do R.JUE veio estabelecer que o disposto no artigo 43.º (que exige que os projectos de loteamento devem prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos) é também aplicável às obras de edificação em áreas não abrangidas por operação de loteamento, “quando respeitem a edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si que determinem, em termos urbanísticos, impactes semelhantes a uma operação de loteamento, nos termos a definir por regulamento municipal”. Às mesmas obras de edificação é igualmente aplicável o disposto no artigo 44.°, n.° 4, do RJUE (obrigatoriedade de pagamento de uma compensação ao município, em numerário ou espécie), “quando a operação contemple a criação de áreas de circulação viária e pedonal, espaços verdes e equipamentos de uso privativo” (artigo 57.°, n.° 6, do RJUE).

Em face destas exigências, uma das grandes preocupações de demarcação entre o loteamento urbano e a propriedade horizontal de conjuntos de edifícios, que era a de impedir uma fuga aos encargos urbanísticos associados à operação de loteamento, desapareceu. Agora, em resultado daquelas disposições legais, assistiu-se a uma equiparação entre os encargos urbanísticos a suportar pelo promotor de uma operação urbanística, independentemente de ela configurar um loteamento urbano ou de se enquadrar na figura de propriedade horizontal de um conjunto de edifícios. Tudo isto significa que o factor determinante dos encargos urbanísticos deixou de ser o nome ou a designação da operação urbanística para ser o impacto urbanístico da mesma. Uma tal equiparação está, porém, dependente de uma interpositio regulamentar do município, como resulta claramente da norma do artigo 57.°, n.°5, do RJUE.

Acrescente-se, por último, que o legislador lançou mão do conceito de operações urbanísticas de impacte relevante para as equiparar às operações de loteamento no domínio das cedências e compensações a que estão obrigados os proprietários e demais titulares de direitos reais sobre prédio a sujeitar a qualquer operação urbanística. Neste sentido, o artigo 44.°, n.° 5, do RJUE determina que “o proprietário e demais titulares de direitos reais sobre prédio a sujeitar a qualquer operação urbanística que nos termos de regulamento municipal seja considerada como de impacte relevante ficam também sujeitos às cedências e compensações previstas para as operações de loteamento”.

Como referimos anteriormente, o legislador isenta de controlo prévio certas divisões fundiárias, as quais seriam, em princípio, autênticos loteamentos urbanos e, como tais, sujeitos a controlo pré-vio do município. Referimo-nos aos destaques, os quais, desde que observados certos requisitos, estão isentos de controlo prévio do município.

Os requisitos a que a figura do destaque deve obedecer variam conforme o prédio objecto de divisão se situe dentro ou fora do perímetro urbano — o qual pode ser definido como uma porção contínua de território classificada como solo urbano, que compreende os terrenos urbanizados e aqueles cuja urbanização seja possível programar, incluindo os solos afectos à estrutura ecológica necessários ao equilíbrio do espaço urbano [artigo 72.°, n.º 2, alínea b), do RJIGT, Decreto Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de Maio, que fixa os conceitos técnicos nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo a utilizar pelos instrumentos de gestão territorial, e artigo 6.° do Decreto Regulamentar n.º 11/2009, também de 29 de Maio, que estabelece os critérios de classificação e reclassificação do solo, bem como os critérios e as categorias de qualificação do solo rural e urbano aplicáveis a todo o território nacional].

No primeiro caso, é necessário que as duas parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos (artigo 6.°, n.º 4, do RJUE). O legislador entendeu isentar de qualquer controlo prévio esta operação de fraccionamento de um prédio com descrição predial situado em perímetro urbano, desde que as duas parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos, em razão da simplicidade de tal operação. O legislador é claro no sentido de que da operação de

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destaque apenas podem resultar duas parcelas (a parcela destacada e a parcela sobrante ou restante), não admitindo o destaque de uma parcela intermédia de um prédio.

Na segunda hipótese, ou seja, no caso de o prédio a dividir se situar fora do perímetro urbano, a lei exige, cumulativamente, que na parcela destacada só seja construído edifício que se destine exclusivamente a fins habitacionais e que não tenha mais de dois fogos e, bem assim, que na parcela restante se respeite a área mínima fixada no projecto de intervenção em espaço rural em vigor ou, quando aquele não exista, a área de unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a respectiva região [artigo 6.°, n.° 5, alíneas a) e b), do RJUE] Pode suceder que o prédio de que se pretende destacar uma parcela se situe parte dentro do perímetro urbano e outra parte fora do perímetro urbano. Se uma situação destas se verificar - a qual não poderá deixar de se considerar anómala — e não for possível resolvê-la através de uma rectificação do plano, nos termos do artigo 97.°-A, n.° 1, alínea c), do RJIGT, mediante acertos de cartografia determinados por incorrecções de cadastro, de transposição de escalas, de definição de limites físicos identificáveis no terreno, bem como por discrepâncias entre plantas de condicionantes e plantas de ordenamento, ou através de normas de ajustamento ao cadastro previstas nos planos municipais, de modo a que cada prédio tenha um mesmo estatuto urbanístico —, o artigo 6.°, n.° 10, do RJUE, na redacção do Decreto-Lei n.° 26/2010, de 30 de Março, fornece-nos uma solução, a qual consiste em aplicar os requisitos fixados nos n.os 4 ou 5 do artigo 6.° do RJUE, conforme a parcela a destacar se localize dentro ou fora do perímetro urbano, ou, se também ela se situar em perímetro urbano e fora deste, consoante a localização da área maior.

Do regime do destaque consta um ónus de não fraccionamento, por um prazo de 10 anos, através de novos destaques, da área correspondente ao prédio originário, com o fito de se obstaculizar que, pela via de sucessivos actos de destaque sobre as parcelas resultantes do destaque inicial, se realizem verdadeiras operações de loteamento sem passarem pela estreita fieira do controlo prévio do município. Um tal ónus de não fraccionamento, bem como o condicionamento da construção previstos nos n.os 5 e 6 do artigo 6.° do RJUE devem ser inscritos no registo predial sobre as parcelas resultantes do destaque, sem o que não pode ser licenciada ou admitida comunicação prévia de qualquer obra de construção nessas parcelas (n.os 6 e 7 do artigo 6.° do RJUE). A referida inscrição no registo predial é necessária, porquanto o ónus de não fraccionamento e o condicionamento da construção constituem elementos importantes da situação jurídica das parcelas cuja publicitação deve ser assegurada pelo sistema registal.

O destaque referido anteriormente pode ser realizado directamente na conservatória do registo predial ou através de qualquer negócio jurídico que tenha como efeito aquele fraccionamento da propriedade. Uma tal operação está isenta de qualquer controlo prévio do município, mas não da observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de planos municipais ou especiais de ordenamento do território, de servidões ou restrições de utilidade pública, as normas técnicas de construção, as de protecção do património cultural imóvel, e a obrigação de comunicação prévia nos termos do artigo 24.° do Decreto-Lei n.° 73/2009, de 31 de Agosto, que estabelece o regime jurídico da RAN (artigo 6.°, n.° 8, do RJUE). Do conjunto das normas dos planos municipais de ordenamento do território a respeitar pelos destaques podem fazer parte regras jurídicas relacionadas, por exemplo, com a área mínima dos lotes ou parcelas para construção.

A comprovação de que um determinado destaque cumpre os requisitos definidos nos n.os 4 e 5 do artigo 6.° do RJUE e observa as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de plano municipal e especial de ordenamento do território, cabe à câmara municipal, que emite, para o efeito, uma certidão (artigo 6.°, n.° 9, do RJUE). Sem essa certidão não pode ser feito o registo predial da parcela destacada, nem ser realizada a escritura pública do destaque.

Os loteamentos e as obras de urbanização

As obras de urbanização são definidas, como já referimos, no artigo 2.°, alínea h), do RJUE.

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Existe uma relação muito estreita entre operações de loteamento e obras de urbanização. De facto, uma operação de loteamento só pode realizar-se ou em terrenos já urbanizados, ou seja, já dotados de infra-estruturas urbanísticas, ou em terrenos cuja urbanização tenha lugar juntamente com a operação de loteamento. Isto mesmo resulta da norma do artigo 41.° do RJUE, que determina que “as operações de loteamento só podem realizar-se em áreas situadas dentro do perímetro urbano e em terrenos já urbanizados ou cuja urbanização se encontre programada em plano municipal de ordenamento do território” 92. Significa isto que são muitas as operações de loteamento que exigem a realização de obras de urbanização, precisamente aquelas que incidem sobre prédios ainda não servidos pelas infra-estruturas urbanísticas necessárias.

92 Registe-se, no entanto, que o artigo 41.° do RJUE não é aplicável às operações de loteamento relativas a empreendimentos turísticos. Com efeito, segundo o artigo 38.°, n.º 1, do RJUE, os empreendimentos turísticos estão sujeitos ao regime jurídico das operações de loteamento nos casos em que se pretenda efectuar a divi -são jurídica do terreno em lotes. Mas a tais operações de loteamento não é aplicável o disposto no artigo 41.° do RJUE, podendo a operação de loteamento realizar-se em áreas em que o uso turístico seja compatível com o disposto nos instrumentos de gestão territorial válidos e eficazes e, por isso, em áreas distintas das referidas naquele artigo 41.°, designadamente em áreas situadas fora dos perímetros urbanos e em solo rural (artigo 38.°, n.º 2, do RJUE). Acrescente-se que esta norma do RJUE deve ser interpretada em conjugação com o artigo 87.°, n.° 2, alínea b), do RJIGT, nos termos do qual o plano de urbanização pode abranger “outras áreas do território municipal que, de acordo com os objectivos e prioridades estabelecidas no plano director municipal, possam ser destinadas a usos e funções urbanas designadamente à localização de instalações ou parques industriais, logísticos ou de serviços ou à localização de empreendimentos turísticos e equipamentos e infra-estruturas associadas”.

Quando tal suceder, os projectos de loteamento devem prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos (artigo 43.°, n.º 1, do RJUE); o proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear devem ceder gratuitamente ao município as parcelas para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização colectiva e as infra-estruturas que, de acordo com a lei e a licença ou comunicação prévia, devam integrar o domínio municipal (artigo 44.°, n.° 1, do RJUE), mas se o prédio a lotear já estiver servido pelas infra-estruturas referidas na alínea h) do artigo 2.° do RJUE ou não se justificar a localização de qualquer equipamento ou espaço verde públicos no referido prédio, não há lugar a qualquer cedência para estes fins, ficando, no entanto, o proprietário obrigado ao pagamento de uma compensação ao município, em numerário ou espécie, nos termos definidos em regulamento municipal (artigo 44.°, n.º 4, do RJUE) ; o requerente da licença da operação de loteamento ou o autor da comunicação prévia da mesma são obrigados a realizar as obras de urbanização, de acordo com as condições estabelecidas pelo órgão municipal competente e dentro do prazo fixado para a sua conclusão, devendo, além disso, prestar caução destinada a garantir a sua boa e regular execução (artigos 53.° e 54.° do RJUE); e são titulados por um único alvará a operação de loteamento e as obras de urbanização, o qual deve ser requerido no prazo de um ano a contar da admissão de comunicação prévia das obras de urbanização (artigo 76.°, n.° 3, do RJUE).

A urbanização é também um processo que se traduz na infra-estruturação e preparação de um terreno para a realização de obras de construção, isto é, para a criação de novas edificações, em área não abrangida por operação de loteamento. Neste sentido, M. COSTA LOBO afirma que urbanização significa o acto de adaptação do espaço natural ao homem e à sua medida, arrumando as suas instalações e implicando a modelação do terreno, a infra-estruturação e o seu equipamento social. A urbanização ou a dotação de um terreno de infra-estruturas urbanísticas apresenta-se, assim, também como um processo que está claramente a montante da construção, ou seja, da criação de novas edificações, sendo, ou devendo ser, uma condido sine qua non para a construção.

É a ideia que vem de ser referida que está na base da solução consagrada no artigo 24.°, n.º 5, do RJUE, nos termos do qual o pedido de licenciamento das obras referidas na alínea c) do n.º 2 do artigo 4.° deste diploma legal — isto é, das obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor que contenha os elementos referidos nas alíneas c), d) e f) do n.º 1 do artigo 91.° do RJIGT - deve ser indeferido na ausência de

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arruamentos ou de infra-estruturas de abastecimento de água e saneamento ou se a obra projectada constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes. No entanto, no caso de existir projecto de decisão de indeferimento com estes fundamentos — ou ainda com os fundamentos constantes da alínea b) do n.° 2 do artigo 24.° do RJUE pode o requerente obter o deferimento do pedido se, na audiência prévia, se comprometer a realizar os trabalhos necessários ou a assumir os encargos inerentes à sua execução, bem como os encargos de funcionamento das infra-estruturas por período de 10 anos, celebrando para o efeito, antes da emissão do alvará, um contrato relativo ao cumprimento das obrigações assumidas e prestando caução adequada [artigos 24.°, n.os 2, alínea b), e 5, e 25.°, n.os 1, 3 e 6, do RJUE].

Estamos aqui perante contratos que têm por objecto encargos relativos a infra-estruturas urbanísticas, os quais se apresentam como uma das modalidades de contratos de mediação no regime do controlo das operações urbanísticas, que, quanto à sua natureza jurídica, são contratos com objecto passível de acto administrativo, mais especificamente, contratos obrigacionais, por intermédio dos quais a Administração Pública se compromete, no âmbito de um determinado procedimento administrativo, a praticar um acto administrativo com um certo conteúdo, in casu, o deferimento do pedido de licenciamento da operação urbanística (artigo 25.°, n.° 4, do RJUE).

5. OBRAS DE URBANIZAÇÃO (André Folque)

O Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação vem introduzir a figura do alvará único, requerido no prazo de um ano a contar da notificação do acto que autorize as obras de urbanização (artigo 76.°, n.° 3). Enquanto que no Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro, as obras de urbanização dispunham necessariamente de uma licença própria, a qual tinha como pressuposto objectivo necessário a licença de loteamento e a emissão do respectivo alvará, o novo diploma condensa uma e outra, logrando alguma redução da complexidade procedimental.

Mas o que são, ao fim e ao cabo, as obras de urbanização? Trata-se, de acordo com o artigo 2.°, alínea h), «das obras de criação e remodelação de infra-estruturas destinadas a servir directamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viários e pedo- nais, redes de esgotos e de abastecimento de água, electricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva».No anterior regime jurídico, as obras de urbanização surgiam definidas como «todas as obras de criação e remodelação de infra-estruturas que integram a operação de loteamento e as destinadas a servir os conjuntos e aldeamentos turísticos e as ocupações industriais, nomeadamente arruamentos viários e pedonais e redes de abastecimento de água, de esgotos, de electricidade, de gás e de telecomunicações, e ainda de espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva» (artigo 3.°, alínea b), do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro). O licenciamento das obras de urbanização deveria ser recusado (artigo 22.°, n.° 2, alínea a)), na eventualidade de não ter sido ainda aprovada a operação de loteamento e, por conseguinte, impedida a emissão do alvará.

A diferença essencial está, pois, na desvinculação entre obras de urbanização e operações de loteamento ou figuras afins, muito embora já pudessem ser licenciadas operações de loteamento sem obras de urbanização, por desnecessidade das mesmas.

Mas hoje, tanto podem ser licenciadas ou autorizadas operações de loteamento sem obras de urbanização — por exemplo, em áreas já suficientemente urbanizadas — como também é possível deferir licenças e autorizações para obras de urbanização fora de operações de loteamento ou sem operação de loteamento (até como condição para licenciar certas obras de edificação — artigo 25.°). Não é de excluir que o promotor —embora sem pretender dividir jurídica ou materialmente o prédio — precise de criar condições de urbanização específicas ou particularmente qualificadas. Será o caso dos denominados condomínios fechados, como será o caso de alguns empreendimentos turísticos de edificação em conjunto (artigo 57.°, n.° 5).

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As obras de urbanização podem ser objecto de um contrato administrativo — o designado contrato de urbanização — outorgado pelo município, pelo proprietário e por outros titulares de direitos reais sobre o prédio com outras entidades — públicas e privadas — que se encontrem envolvidas (artigo 55.°, n.° 1), especialmente, as sociedades concessionárias de serviços públicos ou da exploração de bens do domínio público (EDP, Energias de Portugal, SA, PT — Comunicações, SA, ú Empresa Pública das Águas Livres de Lisboa, SA, etc.).

Descortinam-se duas notórias vantagens no contrato de urbanização. A primeira, é a de uma mais clara e rigorosa repartição de incumbências entre os vários intervenientes, de modo a permitir imputar danos de forma mais justa, nomeadamente por mora ou por defeitos da obra na empreitada. Em segundo lugar, a vantagem de os contratos de urbanização permitirem a negociação entre os diversos interessados, fazendo ingressar a autonomia pública e a autonomia privada na criação de soluções de maior eficácia e de maior eficiência.

Do artigo 55.°, n.° 1, parece-nos resultar mesmo a faculdade de a câmara municipal condicionar a aprovação das obras de urbanização à celebração de um contrato de urbanização. E compreende-se que assim seja, à vista do interesse público na segurança da conclusão atempada e perfeita das obras de urbanização.

As obras de urbanização podem ser faseadas (artigo 56.°, n.° 1), mas o faseamento tem riscos para o município e para os adquirentes, a começar pela interrupção e a acabar no abandono dos trabalhos. Para obstar a maiores inconvenientes, dispõe-se no artigo 56.°, n.° 3, que cada fase «deve ter coerência interna e corresponder a uma zona da área a lotear ou a urbanizar que possa funcionar autonomamente». Destarte, visou o legislador que a estipulação das fases não resultasse simplesmente dos interesses e disponibilidades financeiras do urbanizador. E procurou ainda que, no caso de alguma das fases não ser completada, as restantes não fiquem inexoravelmente subordinadas à conclusão dos trabalhos. Por conseguinte, parecem ilegais os programas de faseamento que reservem para o termo das operações a execução dos arruamentos ou a instalação de toda a iluminação pública. (FIM do André Folque)

Os loteamentos e terceiros adquirentes dos lotes

Como já foi assinalado, têm sido, ao longo dos anos, dois os grandes objectivos da criação de uma disciplina jurídica específica das operações de loteamento: assegurar que os loteamentos urbanos se localizem nas áreas mais adequadas sob o ponto de vista do ordenamento do território; e garantir que os lotes adquiridos por terceiros, bem como os edifícios construídos nos lotes ou as fracções autónomas dos mesmos estejam dotados das infra-estruturas urbanísticas necessárias.

De facto, o loteamento não pode ser visto como uma mera relação jurídica bilateral entre o promotor do loteamento e o município. Deve, antes, ser perspectivado como uma relação jurídica multipolar que se estabelece entre o loteador, o município, terceiros adquirentes dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de fracções construídas nos mesmos, os proprietários ou os titulares de outros direitos reais de prédios vizinhos, os autores de projecto e cidadãos em geral portadores dos interesses difusos a um correcto ordenamento do território e a um urbanismo de qualidade. A relação jurídica multipolar do loteamento urbano caracteriza-se por uma programação legal leve, por uma pluralidade e interpenetração de interesses públicos e privados, por uma complexidade das situações a regular e por uma participação procedimental alargada ao maior e mais diverso número de interessados . Se quisermos identificar as relações jurídicas integradas na relação jurídica administrativa multipolar do loteamento, encontramos a relação jurídica de informação prévia, quando o particular (qualquer interessado) pretender solicitar “à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas directamente relacionadas, bem como sobre os

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respectivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infra-estruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão” (artigo 14.°, n.º 1, do RJUE), a relação jurídica bilateral entre o município e o loteador, a relação jurídica trilateral entre o município, o loteador e o autor do projecto, as relações jurídicas entre o município, o loteador e os proprietários de lotes e as relações jurídicas entre o loteador, proprietários de lotes e vizinhos".

No conjunto dos pólos ou vértices constitutivos da relação jurídica do loteamento, revestem particular importância os terceiros adquirentes dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de fracções autónomas dos mesmos, considerando que a grande maioria das operações de loteamento destinam-se à comercialização de lotes, de edifícios neles construídos ou de fracções autónomas desses mesmos edifícios. Compreende-se, por isso, que o ordenamento jurídico urbanístico tenha criado um leque de medidas de protecção de terceiros adquirentes dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de fracções autónomas dos mesmos, que visam tutelar a confiança legítima dos mesmos na aquisição destes bens. É a caracterização sumária dessas medidas que vamos fazer nas linhas subsequentes.

A primeira dessas medidas consiste na garantia da execução efectiva das obras de urbanização. Para esse efeito, o RJUE prevê ou a execução das mesmas pela câmara municipal ou a execução das obras de urbanização por terceiro. Quanto à primeira hipótese o artigo 84.°, n.° 1, do RJUE determina que a câmara municipal, para salvaguarda do património cultural, da qualidade do meio urbano e do meio ambiente, da segurança das edificações e do público em geral ou, no caso de obras de urbanização, também para protecção de interesses de terceiros adquirentes de lotes, pode promover a realização das obras por conta do titular do alvará ou do apresentante da comunicação prévia, accionando, se for necessário, as cauções efectuadas, quando, por causa que seja imputável a este último: não tiverem sido iniciadas no prazo de um ano a contar da emissão do alvará ou do termo do prazo de 20 dias a contar da entrega da comunicação prévia e dos elementos que a devem acompanhar; permanecerem interrompidas por mais de um ano; não tiverem sido concluídas no prazo fixado ou suas prorrogações, nos casos em que a câmara municipal tenha declarado a caducidade; ou não hajam sido efectuadas as correcções ou alterações que hajam sido intimadas, nos termos do artigo 105.° do RJUE [alíneas a) a d) do n.° 1 do artigo 84.° do RJUE].

No tocante à segunda, o artigo 85.°, n.° 1, do RJUE estabelece que qualquer adquirente dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de fracções autónomas dos mesmos tem legitimidade para requerer a autorização judicial para promover directamente a execução das obras de urbanização quando, verificando-se as situações anteriormente referidas, a câmara municipal não tenha promovido a sua execução. O tribunal competente para conhecer do pedido de autorização judicial para os terceiros promoverem, em via substitutiva, a execução das obras de urbanização é o tribunal judicial da comarca onde se localiza o prédio no qual se devem realizar as obras de urba-nização (artigo 85.°, n.° 8, do RJUE). Antes de decidir, o tribunal notifica a câmara municipal, o titular do alvará ou o apresentante da comunicação prévia para responderem no prazo de 30 dias e ordena a realização das diligências que entenda úteis para o conhecimento do pedido, nomeadamente a inspecção judicial do local (artigo 85°, n.° 3, do RJUE). No caso de o tribunal deferir o pedido, fixa especificadamente as obras a realizar e o respectivo orçamento e determina que a caução prestada fique à sua ordem, a fim de responder pelas despesas com as obras até ao limite do orçamento. Mas se a caução faltar ou for insuficiente, o tribunal determina que os custos sejam suportados pelo município, sem prejuízo do direito de regresso deste sobre o titular do alvará ou o apresentante da comunicação prévia (artigo 85.°, n.os 4 e 5, do RJUE). Cabe à câmara municipal emitir oficiosamente alvará para a execução das obras de urbanização por terceiro (artigo 85.°, n.º 9, do RJUE).

A segunda das medidas apontadas diz respeito à publicidade à alienação de lotes de terreno, de edifícios ou fracções auónomas neles construídos, em construção ou a construir. De acordo com o artigo 52.° do RJUE, nos instrumentos de publicidade é obrigatório mencionar o número do alvará de loteamento ou da comunicação prévia e a data da sua emissão ou admissão pela câmara municipal, bem como o respectivo prazo de validade. Esta norma visa claramente proteger os potenciais

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adquirentes de lotes, de edifícios ou fracções autónomas neles construídos, em construção ou a construir, contra meios de publicidade enganosa relativamente a loteamentos ilegais. A violação daquele dever jurídico é tipificado pelo RJUE como um facto ilícito, punível como contra-ordenação. E o que resulta do artigo 98.°, n.º 1, alínea p), que considera como contra-ordenação, punível com coima, “a ausência do número de alvará de loteamento ou a admissão da comunicação prévia nos anúncios ou em quaisquer outras formas de publicidade à alienação dos lotes de terreno, de edifícios ou fracções autónomas nele construídos”.

Uma terceira medida de protecção de terceiros consiste na obrigação da indicação, nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a constituição de lotes ou a transmissão de lotes legalmente constituídos, do número do alvará ou da comunicação prévia, da data da sua emissão ou admissão pela câmara municipal, da data de caducidade e da certidão do registo predial (artigo 49.°, n.º 1, do RJUE). Na mesma linha se situa a proibição da celebração de escrituras públicas de primeira transmissão de imóveis construídos nos lotes ou de fracções autónomas desses imóveis sem que seja exibida, perante a entidade que celebre a escritur pública ou autentique o documento particular, certidão emitida pela câmara municipal, comprovativa da recepção provisória das obras de urbanização ou certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa de que a caução é suficiente para garantir a boa execução das obras de urbanização (artigo 49.°, n.° 2, do RJUE). No caso de as obras de urbanização terem sido realizadas, em via substitutiva pela câmara municipal ou por terceiro, aquelas escrituras podem ser celebradas mediante a exibição da certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa da conclusão de tais obras devidamente executadas em conformidade com os projectos aprovados (artigo 49.°, n.° 3, do RJUE).

Uma quarta medida protectora dos direitos de terceiros traduz-se no direito que qualquer adquirente de um lote tem de exigir à câmara municipal, ao proprietário do prédio, bem como a todos os outros adquirentes dos lotes a observância das especificações do alvará de licença de operação de loteamento ou de obras de urbanização, entre as quais se contam o número de lotes e respectiva área, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos, as cedências obrigatórias, sua finalidade e especificação das parcelas a integrar no domínio municipal e o prazo para a conclusão das obras de urbanização (artigo 77.°, n.os 1 e 3, do RJUE). É este o sentido que retira da norma do artigo 77.°, n.° 3, do RJUE, segundo a qual “as especificações do alvará [...] vinculam a câmara municipal, o proprietário do prédio, bem como os adquirentes dos lotes”.

Em quinto lugar, delineou o legislador também como medida de protecção de terceiros adquirentes dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de fracções autónomas dos mesmos o direito de exigir ao município a indemnização dos prejuízos por eles suportados em caso de revogação, anulação ou declaração de nulidade de licenças ou comunicações prévias de operações de loteamento, sempre que a causa da revogação, anulação ou declaração de nulidade resultar de uma conduta ilícita dos titulares dos seus órgãos ou dos seus funcionários e agentes (artigo 70.°, n.° 1, do RJUE). Os titulares dos órgãos do município e os seus funcionários e agentes respondem solidariamente com o município quando tenham dolosamente dado causa à ilegalidade que fundamenta a revogação, anulação ou declaração de nulidade (artigo 70.°, n.º 2, do RJUE).

O estabelecimento pela lei de um procedimento específico, para alteração, a requerimento do interessado, dos termos e das condições da licença de loteamento ou para alteração da operação de loteamento admitida objecto de comunicação prévia, com intervenção dos adquirentes dos lotes, constitui, de igual modo, uma importante medida de protecção destes. Neste sentido, de harmonia com o que estatui o n.º 2 do artigo 27.° do RJUE, a alteração da licença de operação de loteamento é precedida de consulta pública, quando a mesma esteja prevista em regulamento municipal ou quando sejam ultrapassados alguns dos limites previstos no n.º 2 do artigo 22.° do RJUE, isto é, 4 ha, 100 fogos ou 10% da população do aglomerado urbano em que se insere a pretensão. E segundo o

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n.º 3 do artigo 27.° do mesmo diploma legal, sem prejuízo do disposto no artigo 48.° do RJUE, que disciplina as condições e os termos em que a licença ou comunicação prévia de operação de loteamento pode ser alterada por iniciativa da câmara municipal e que são, precisamente, quando a alteração se mostrar necessária à execução de plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de constru-ção prioritária ou área de reabilitação urbana —, a alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita da maioria dos proprietários dos lotes constantes do alvará, devendo, para o efeito, o gestor do procedimento proceder à sua notificação para pronúncia no prazo de 10 dias.

Por seu lado, e na mesma linha, a alteração de operação de loteamento admitida objecto de comunicação prévia só pode ser apresentada se for demonstrada a não oposição escrita da maioria dos proprietários dos lotes constantes da comunicação (artigo 48.°-A do RJUE).

A exigência de standards urbanísticos, quanto aos parâmetros de dimensionamento das áreas para espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e pedonais, no domínio dos loteamentos urbanos, funciona também como uma medida de protecção dos terceiros adquirentes dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de fracções autónomas dos mesmos, que, desse modo, vêem garantida uma qualidade urbanística mínima dos espaços em que vão habitar. Como já sabemos, a fixação dos parâmetros para o dimensionamento das áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos - constituídas por parcelas de natureza privada a afectar a estes fins e por parcelas a ceder gratuitamente ao município para implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização colectiva e infra-estruturas que, de acordo com a lei e a licença ou comunicação prévia, devam integrar o domínio municipal — consta dos planos municipais de ordenamento do território (artigos 43.°, n.os 1,2 e 3, e 44.° do RJUE). Mas, enquanto os parâmetros para o dimensionamento daquelas áreas não estiverem definidos em plano municipal de ordenamento do território, de acordo com as directrizes estabelecidas pelo PNPOT e pelos PROT, são fixados por portaria do membro do Governo responsável pelo planeamento do território (artigo 43.°, n.os 1 e 2, do RJUE e artigo 6.°, n.º 3, da Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro). A portaria que, actualmente, fixa os parâmetros para o dimensionamento das áreas destinadas a espaços verdes de utilização colectiva nos projectos de loteamento e a Portaria n.º 216-B/2008, de 3 de Março (rectificada pela Declaração de Rectificação n.° 24/2008, de 2 de Maio).

O que vem de ser sublinhado demonstra claramente que a definição dos standards urbanísticos, no campo do loteamento, depende, em larga medida, da emanação de normas regulamentares, sendo, claramente, uma matéria situada entre a lei e o regulamento.

Por último, pode considerar-se a não produção de efeitos da caducidade da licença para a realização de operação de loteamento ou de obras de urbanização, por as obras de urbanização não terem sido iniciadas no prazo de nove meses a contar da data da emissão do alvará, por elas estarem suspensas por período superior a seis meses, por estarem abandonadas por período superior a seis meses ou por não terem sido concluídas no prazo fixado na licença ou comunicação prévia ou suas prorrogações, relativamente aos lotes para os quais já haja sido aprovado pedido de licenciamento para obras de edificação ou já tenha sido apresentada comunicação prévia da realização dessas obras, também como uma medida de protecção dos terceiros adquirentes dos lotes, embora não estejamos perante uma solução legal destinada exclusivamente à protecção destes (artigo 71.°, n.os

3, 4 e 7, do RJUE). Com efeito, de igual protecção goza o loteador em relação a lotes para os quais já haja sido aprovado pedido de licenciamento para obras de edificação ou já tenha sido apresentada comunicação prévia da localização dessas obras.

Retomaremos infra a problemática da caducidade da licença e da admissão de comunicação prévia das operações urbanísticas.

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4. AS OPERAÇÕES DE LOTEAMENTO (Pelo Prof. André Folque)4.1. Generalidades

As operações de loteamento definem-se formal e finalisticamente — o seu objecto imediato ou, pelo menos, o efeito, há-de ser a constituição de um ou mais lotes, destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, como resultado da divisão material de um ou vários prédios ou do seu emparcelamento ou reparcelamento.

A operação de loteamento comporta sempre um elemento voluntário da parte do promotor — não pode resultar de um simples facto jurídico, como, por exemplo, de alterações hidrográficas, nem pode ser efeito de um acto de terceiros, como, por exemplo, a constituição de parcelas sobrantes no caso de expropriação por utilidade pública.

Tão-pouco cabe na noção de loteamento a oneração de um ou de vários prédios por direitos reais menores ou por direitos pessoais de gozo. Assim, por exemplo, a constituição do direito de superfície não divide o prédio; limita-se a comprimir o gozo do fundeiro sobre a coisa e facultar o seu aproveitamento agrícola ou edificatório pelo superficiário (artigos 1524.° e segs. do Código Civil). Não se formam unidades prediais autónomas.

Não deve impressionar-nos que a constituição de um único lote haja de dar lugar a uma operação de loteamento. Este fenómeno de parcelamento singular — por secessão — pode dar origem a um lote mais ou menos extenso, destinado a uma nova frente urbana ou apenas a uma edificação.

O elemento básico é o da finalidade da divisão material: a edificação — no presente ou no futuro. Divisão essa que não é necessariamente formal ou jurídica, ao nível matricial ou registrai, como nem tão-pouco implica demarcação material no prédio, por marcos, vedações, muros ou sebes.Nem poderia ser de outro modo. É a própria validade dos actos e negócios jurídicos que importam a divisão jurídica da coisa que pressupõe a licença ou a autorização de uma operação de loteamento, a menos que desta divisão resulte a perpetuação do uso rústico (artigo 50.°) porquanto se prescreve aos notários e aos tribunais que confiram o número do alvará, a data da sua emissão e a certidão do registo predial (artigo 49.°, n.° 1).

Perante a iniciativa de múltiplas edificações num mesmo prédio fica indiciada a sua repartição funcional e, como tal, a necessidade de requerer o licenciamento ou a autorização de uma operação de loteamento urbano.

O simples reparcelamento pode não inculcar uma operação de loteamento se, porventura, o número de lotes for intocado.

A compreensão do conceito de loteamento, todavia, só se atinge mediante o contraponto negativo, presente, discretamente, no artigo 57.°, n.° 5. Do cotejo entre esta disposição e o enunciado do artigo 2.°, alínea i), podemos reter que a operação de loteamento é obrigatória sempre que no mesmo prédio haja lugar à pluralidade de edificações urbanas (valendo aqui o recorte conceptual das operações urbanísticas) que, não sendo contíguas, possuam autonomia funcional entre si.

O loteamento só tem relevo para o direito do urbanismo por causa do seu potencial efeito. De outro modo, a divisão de prédios para outros fins releva, por exemplo, para o direito agrário ou florestai (artigo 50.°), de modo a preservar unidades agrícolas com aproveitamento significativo.

Para que seja devida a operação de loteamento, o pressuposto da alteração de um ou de vários prédios tem de estar presente. Vejamos quatro situações diferentes e cuja distinctio contribuirá para uma melhor compreensão do conceito normativo.

1.° exemplo — parcelamento e edificação:O prédio A com 500 m2 dá lugar a quatro lotes com 125 m2, cada.

2° exemplo — parcelamento sem edificação:

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O prédio A é partilhado entre quatro herdeiros para a actividade agrícola. Não importa loteamento. Já se o prédio se localizar em solo urbano, a partilha pode indiciar a necessidade de operação de loteamento.

3.° exemplo — dispensa de operação de loteamento {destaque):O prédio A com 500 m2 terá edificada uma moradia unifami- liar com 150 m2, ficando o

remanescente para a actividade agrícola.

4.° exemplo — reparcelamento (emparcelamento seguido de novo parcelamento em termos diversos) ou emparcelamento de múltiplas parcelas numa quantidade menor:

Os prédios A (200 m2), B (300 m2), C (100 m2) e D (400 m2) dão lugar a quatro lotes, cada um com 250 m2.

Neste último caso, se os quatro prédios derem lugar a um só, então há emparcelamento. Não há divisão e, por isso, não tem de haver operação de loteamento.

O loteamento, embora possa pressupor um emparcelamento, não se esgota neste fenómeno, no qual não tem lugar a divisão fundiária, como pode suceder nas associações entre a Administração Pública e os proprietários. Mas, se depois do emparcelamento houver lugar a nova divisão (reparcelamento) e se esta operação visar ou permitir a edificação, então, sem dúvida, que se encontram preenchidos os requisitos para uma operação de loteamento obrigatória.

De resto, note-se, a operação de loteamento, mais do que uma pretensão do promotor imobiliário é uma imposição dos órgãos da administração urbanística, como condição para um aproveitamento urbanístico plúrimo, isto é, de várias edificações urbanas, autónomas na sua funcionalidade.

O legislador parte da ideia de que uma operação de loteamento tem sempre impacto significativo embora com grandes oscilações. Por isso, a operação de loteamento deve poder ser condicionada:

a) pela execução de obras de urbanização (artigos 53.° e segs.);b) por cedências para o domínio público (artigo 44.°, n.° 1);c) pela adstrição de certas áreas privadas ao uso colectivo (artigo 43.°);d) pelo pagamento de compensações, em numerário ou em espécie, nos termos a definir por

regulamento municipal (artigo 44.°, n.° 4).

A ideia é a de que quem tira proveito de uma nova frente de edificação deve assumir parte dos encargos sociais que a operação comporta. Não é possível edificar sem fazer cidade, sem urbanizar. Não é o princípio do poluidor/pagador, próprio do direito do ambiente, mas é o princípio do Ioteador/urbanizador.

Para edificar em áreas ainda não suficientemente urbanizadas — embora urbanizáveis — com uma mais-valia apreciável, é preciso imputar ao beneficiário directo uma quota substancial dos encargos. O loteador vai assim contribuir decisivamente para a prossecução do interesse público, custeando melhoramentos que beneficiam, não apenas os adquirentes dos lotes ou das edificações e suas fracções, como a comunidade, em geral. E isto com garantias de que o fará tempestivamente e com observância de padrões de qualidade e de quantidade que a câmara municipal especificará com alguma margem de discricionariedade. O depósito de uma caução (artigo 54°) e o controlo efectuado por altura da recepção provisória e da recepção definitiva das obras de urbanização (artigo 87.°) servem de garantia adequada, que a intervenção notarial obrigatória reforça (artigo 49.°, n.ºs 1 e 2) nos actos e negócios jurídicos com eficácia real.

São, por outro lado, exigências de justiça na repartição dos encargos públicos e, bem assim, de racionalidade no ordenamento do território — o loteamento vai ser aprovado com regras de gestão

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territorial de pormenor e mesmo com regras de edificação e de utilização.Por conseguinte, as especificações da licença ou da autorização do loteamento (artigo 77°, n.° 1)

constituirão um instrumento de protecção da confiança para terceiros adquirentes ou vizinhos urbanísticos. Tais regras — expressas ou implícitas nas especificações descritas no alvará — vinculam os adquirentes dos lotes, independentemente da eficácia real das obrigações contratadas ou do registo predial destes ónus (artigo 77.°, n.° 3).

A desconformidade dos actos de licenciamento ou da autorização com tais especificações, por seu turno, é tratada no mesmo pé que a violação de plano, tendo como valor jurídico negativo o da nulidade (artigo 68.°, alínea a)).

Parece excessivo, contudo, que além das especificações obrigatórias (artigo 77.°) também a contravenção às demais especificações determine invalidade. As especificações facultativas, pelo menos, em relação aos alvarás posteriores à entrada em vigor do RJUE são produto da autonomia privada e, como tal, deveriam ser tratadas apenas no plano das relações jurídicas propter rem de direito civil, nomeadamente enquanto servidões prediais de natureza contratual.

É, como já se referiu, a partir do artigo 57º n.° 5, que se alcança melhor a fronteira entre a necessidade e a desnecessidade de loteamento urbano. Esta norma vem garantir, pela primeira vez no direito urbanístico nacional, que a concentração de fogos em edificações funcionalmente ligadas entre si e em contiguidade (proximidade, embora com interstícios não edificados) deve estar obrigada a encargos análogos aos de um loteamento.

E, ao fim e ao cabo, é a partir desta norma que se compreende o que é a divisão material do prédio — um conjunto de edificações não contíguas e não ligadas funcionalmente entre si. A definição legal da operação de loteamento urbano, contida no artigo 2.°, alínea i), só se completa, como dissemos, pela análise do artigo 57.°, n.° 5.

4.2. Cedências dominiais, compensações e áreas de utilização colectiva

A cedência gratuita de parcelas, pelo proprietário dos prédios a lotear e pelos demais titulares de direitos reais (usufrutuários, superficiários, titulares de direitos de preferência real) constitui um ónus (artigo 44.°, n.° 1), como contrapartida para o impacto da operação, de modo a socializar os seus custos urbanísticos. Trata-se de ceder gratuitamente parcelas — não necessariamente do imóvel a lotear — mas que permitam implantar espaços verdes públicos, equipamentos de utilização colectiva (escolas, unidades de saúde, quartéis de bombeiros, centros desportivos, locais de culto) e infra-estruturas (arruamentos, pontes, viadutos, redes públicas de abastecimento domiciliário) que, de algum modo, contribuam para a qualidade da zona envolvente do local da operação ou, pelo menos, para corrigir assimetrias verificadas no mesmo aglomerado urbano.

É por isso que esta cedência importa a afectação automática ao domínio público municipal (artigo 44.°, n.° 3) com a consequente inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade próprias do estatuto dominial. Os terrenos cedidos passam a ficar de fora do comércio jurídico (artigo 202.°, n.° 2, do Código Civil) e a desafectação, em princípio, só poderá ter lugar por deliberação da assembleia municipal (artigo 53.°, n.° 4, alínea b), da Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro). Não se tratando de bens dominiais por natureza, mas por atribuição, a desafectação não pode ser tida como acto de objecto impossível.

O efeito translativo e a dominialização produzem-se ipso jure com a emissão do alvará, à semelhança do que já se previa no artigo 16.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro, dissipando dúvidas suscitadas ao abrigo de anteriores regimes jurídicos acerca da necessidade de fazer cumprir a cedência por negócio jurídico de doação, a celebrar por escritura pública.

A afectação ao domínio público inculca ainda a adstrição das parcelas cedidas a uma determinada utilidade pública, cujo incumprimento constitui no cedente um direito de reversão (artigo 45.°, n.° 1), análogo ao que se produz com a inutilidade ou a alteração do destino previsto para as expropriações na declaração de utilidade pública (n.° 2). Já não seria assim se porventura as

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cedências não estivessem condicionadas pelo fim estipulado no alvará e pudessem integrar o domíríío privado municipal.

Por outro lado, desde que se trate da necessidade inexorável de fazer executar um plano urbanístico ou instrumento análogo, o fim das parcelas cedidas pode sofrer vicissitudes por alteração unilateralmente imposta pelo município, nos termos do artigo 48.°, n.° 1. Dispõe ainda o proprietário de legitimidade para fazer desencadear alterações por iniciativa particular, sujeitando-se, contudo, ao procedimento próprio e à oposição da maioria dos proprietários dos lotes.

Mas, nem por assim acontecer, as parcelas cedidas ficam libertas do seu destino, salvo se este for o da instalação de equipamentos colectivos. Precisamente porque seria injusto impor ao loteador o encargo na execução de tais equipamentos, depois de o município o não ter feito, determina-se a conversão de tais áreas em zonas verdes (artigo 45.°, n.° 4).

As cedências podem, no entanto, mostrar-se objectivamente inúteis ou impossíveis, nomeadamente por não carecer a área de novos espaços para utilização pública ou mostrar-se inviável a sua concretização. Ainda assim, por imperativo de igualdade na repartição dos encargos públicos, haverá lugar ao pagamento de uma compensação em numerário ou em espécie (v. g. parcelas ou lotes de terreno do próprio imóvel ou em outro local do município). De modo a que haja um mínimo de auto-vinculação e de equidade na estipulação dos valores compensatórios e nas suas modalidades, a exequibilidade do disposto no artigo 44.°, n.° 4, depende de regulamento municipal. A serem em espécie, os terrenos dados em pagamento como compensação podem integrar o domínio privado municipal, o que figurava expressamente no artigo 16.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro.

As áreas a ceder e o seu valor não encontram enquadramento normativo específico por via legislativa, cumprindo aos regulamentos municipais dispor sobre os critérios. Ganha aqui um sentido acrescido o controlo a efectuar por aplicação dos princípios gerais de direito administrativo, maxime o da proibição do excesso e o da proibição do arbítrio.

Assim, padece de violação de lei o indeferimento baseado na exigência de uma área a ceder que inviabilize economicamente a operação de loteamento ou que reduza o lucro a um locupletamento irrisório.

Não se confundam porém as áreas cedidas ao domínio público municipal com as áreas privativas da operação, embora destinadas ao uso colectivo dos proprietários, e cuja previsão pode ser tomada obrigatória por plano municipal (artigo 43.°, n.° 2), muito embora possa ser consumida por uma extensão das áreas cedidas ao domínio público municipal (artigo 43.°, n.° 3) e que se destinam a espaços verdes e outras áreas de lazer, equipamentos, arruamentos ou outras estruturas de base.

Estas áreas, cuja espécie e extensão vêm definidas na Portaria n.° 1136/2001, de 25 de Setembro, permanecem no património dos proprietários dos lotes. Assim, por exemplo, cada fogo para habitação importa 28 m2 de espaço verde e cada fogo habitacional T0 ou T1 implica um lugar de estacionamento.

Já o disposto no artigo 44n.° 4, presta-se aos maiores equívocos, ao enunciar entre os motivos que podem justificar a dispensa de cedências ao domínio público, «os casos referidos no n.° 4 do artigo anterior», ou seja, haver espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas várias e equipamentos de natureza privada» que são partes comuns na propriedade horizontal, a constituir em consonância com o artigo 1438.°-A do Código Civil.

Se a previsão deste tipo de áreas — colectivas, mas de uso restrito — é devida (artigo 43.°, n.° 1), poderá um regulamento municipal instituir como regra geral a compensação, em numerário ou em espécie, subvertendo o princípio legislativo da preferência por cedências ao domínio público municipal? E se assim for, não estará a infringir-se a norma constitucional do artigo 112.°, n.° 5, que impede taxativamente os actos regulamentares de modificarem, interpretarem ou derrogarem com eficácia externa normas contidas em actos legislativos?

Nos artigos 46.° e 47.° parece retomar-se ambiguamente este conjunto de áreas, quando se descobre afinal tratar-se da possibilidade de concessionar a gestão das áreas cedidas ao domínio público e vocacionadas para a utilização geral, pois, de resto, não podem tais contratos, sob

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cominação de nulidade das suas cláusulas, deixar de manter tais locais como espaços públicos ou, pelo menos, abertos ao público (artigo 47.°, n.° 3). Até porque as outras áreas — privativas do loteamento — essas ficam subordinadas, com as necessárias adaptações, ao regime das partes comuns na propriedade horizontal (artigo 43.°, n.° 4).

A leitura incauta do artigo 46.° leva a julgar estarmos perante o tratamento das áreas privativas de uso colectivo, previstas segundo o artigo 43.® Mas logo se descobre no artigo 47.°, n.° 1, que são, ao fim e ao cabo, as áreas cedidas ao domínio público municipal («a que se refere o artigo anterior»). Nem faria sentido que o município convencionasse com moradores ou grupos de moradores os termos da gestão de áreas que constituem partes comuns, e que perduram no seu património.

O sentido do artigo 44.°, n.° 4, só pode ser o de, por regulamento municipal, se admitirem compensações, em lugar das cedências, quando as áreas para uso colectivo previstas no artigo 43.° sejam abertas ao público, em geral. Embora não ocorra a sua afectação ao domínio público municipal, embora permaneçam partes comuns sob propriedade privada, ficam oneradas por uma servidão administrativa atípica, qual seja, a de franquear à utilidade pública o seu uso, de forma mais ou menos incondicionada.

4.4. Preterição da operação de loteamento

Algo estranhamente, o RJUE, como os anteriores regimes jurídicos, abstém-se de qualificar o valor jurídico negativo dos actos de licença ou de autorização das obras de edificação que devessem ter sido antecedidas por operação de loteamento, com ou sem obras de urbanização.

O esforço jurisprudencial dos tribunais administrativos, como em muitos aspectos, revela-se decisivo neste ponto essencial, porque o legislador parece ter ignorado a preterição da operação de loteamento.

Embora singularmente, esta situação foi objecto de um Acórdão do STA, de 17-05-1994 (Proc. 33.641), que considerou inválidas as licenças de edificação que, apesar de pressuporem uma operação de loteamento, tenham deixado de o fazer, por equivalerem à desconformidade com a licença de loteamento. Por maioria de razão, é de atribuir a esta desconformidade exactamente o mesmo valor negativo que se atribui à contradição entre a licença/autorização de edificação e as condições disciplinadas para a operação de loteamento. Nas razões avisadamente sopesadas pelo Supremo Tribunal Administrativo, pode ler-se:

A alínea a) do n.° 1 do artigo 63.° do Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro, impõe vinculadamente o indeferimento do pedido de licenciamento de uma obra particular em caso de ‘desconformidade com alvará de loteamento ou com instrumentos de planeamento territorial válidos nos termos da lei’. No espírito dessa previsão/estatuiçâo legal não pode deixar de ter estado, para além da simples desconformidade, a própria inexistência do alvará, se a lei no caso concreto o

tomava necessário — argumento de maioria de razão ou ‘a fortiori’.

É certo que no direito administrativo geral, a anulabilidade constitui o valor jurídico negativo residual (artigo 135.° do CPA), limitando-se as esta- tuições de nulidade ao enunciado do artigo 133.°, n.° 2, do CPA.

Não está excluído, porém, o recurso à analogia, desde que verdadeiramente ocorra uma lacuna. Assim, se no artigo 68.°, alínea a), é fulminado com a nulidade o acto positivo desconforme com o teor da licença ou da autorização de operação de loteamento, então, a falta de operação de lotea- mento, como pressuposto desta norma, há-de gerar, bem assim, nulidade.

Só este entendimento permite reconhecer unidade e coerência à ordem jurídica, estabelecendo a concordância racional entre normas ordenadas num mesmo sistema.

Tão importante é, com efeito, a operação de loteamento que, quase sempre, a lei obriga a licença. A autorização só pode ter lugar para este tipo de operações quando sitas em área sob plano

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de pormenor qualificado (artigo 4°, n.° 3, alínea a)).

4.5. Dispensa de operação de loteamento: o destaque

Excepcionalmente, admite-se o parcelamento para edificar sem prévia operação de loteamento — é o destaque: dispensado de licença ou de autorização, de acordo com o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), mas nem por isso isento, em absoluto, de controlo administrativo preliminar.

Outra excepção é determinada pela natureza jurídica ou estatuto do promotor e das suas atribuições — as operações de loteamento empreendidas pelos municípios, mas também pelas freguesias (artigo 7.°, n.° 3). No entanto, é obrigatório, neste caso, o parecer favorável da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional.

O destaque é uma forma de secessão predial. Uma espécie, pois no mesmo género podemos encontrar o fraccionamento de prédios rústicos (artigo 50.°) e a operação de loteamento (artigo 2.°, alínea i)). Destaque é, ao fim e ao cabo, a dispensa de licença/autorização dé operação de loteamento para uma divisão que, em princípio, se subsumiria à previsão da operação de loteamento urbano (artigo 2.°, alínea j)). Não se trata, de modo algum, de uma categoria de operações urbanísticas a se.

Apenas pode dar lugar à constituição de uma nova parcela e com os seguintes pressupostos:

1) no perímetro urbano (artigo 6.°, n.° 4)a) tanto a parcela destacada como a parcela sobrante, ambas têm de confrontar com arruamentos públicos — e continuar a confrontar depois do destaque (isto, em nome do interesse público na preservação dos alinhamentos e na contenção dos custos de ligação às redes públicas);b) a edificação a executar tem de dispor de projecto de arquitectura já aprovado, a menos que se trate de edificação já executada — pois nada impede o destaque de um parcela em que já se encontra implantada uma edificação — contanto que, ao tempo da edificação primitiva, não fosse exigível o licenciamento da obra.

2) fora do perímetro urbano (artigo 6.°, n.° 5)

a) contenção da densidade habitacional, de modo a evitar o povoamento disperso:

— uma edificação, apenas;— para uso habitacional; e— não mais que bifamiliar (no máximo, dois fogos)

b) preservação do aproveitamento agrícola na parcela sobrante (área mínima/área da unidade de cultura).

Estamos perante o fraccionamento de um prédio rústico, em princípio, motivo por que importa ainda ter presente o disposto no artigo 50.° Em todo o caso, o particular ficará sujeito a um ónus real que impede ulteriores destaques, num prazo de dez anos (artigo 6.°, n.° 6). Esta limitação é reveladora da parcimónia com que o legislador tratou do destaque, de modo a evitar excessos e abusos.

E se tivermos presente a proscrição da generalidade das operações de loteamento fora dos perímetros urbanos (artigo 41.°), vemos como a norma do artigo 6.°, n.° 5, é duplamente excepcional. Vem abrir a porta, não só à dispensa de loteamento, mas bem assim, à divisão fundiária para fins de edificação fora dos perímetros urbanos.

É pertinente interrogarmo-nos se pode ulteriormente haver destaque dentro de parcela destacada, uma vez que o preceito se limita literalmente ao prédio originário.

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Consideramos que não, e por maioria de razão, em face do impedimento que onera, por dez anos, o prédio originário. O destaque é, como se viu, uma excepção. As normas excepcionais não devem ser interpretadas extensivamente. De outro modo, teríamos aberto a porta a situações de fraude à lei, por destaques sucessivos. Bastaria conservar uma exígua parcela sobrante como plataforma simulatória de dispensa da operação de loteamento.

Explicam MARJA JOSÉ CASTANHEJRA NEVES/FERNANDA PAULA OLIVEIRA/DULCE LOPES, que «juridicamente, os destaques são autênticas operações de loteamento (em sentido estrito), visto que consistem na divisão de um prédio em lotes para efeitos de construção». Não podemos deixar de discordar. Com efeito, a parcela sobrante — o remanescente do prédio destacado — poderá ficar para sempre adstrita a um aproveitamento agrícola. O destaque não dá lugar a dois lotes, mas a duas parcelas. Sem lotes não há loteamento.

4.7. Garantias de cumprimento dos deveres de lotear e de urbanizar

Deve entender-se outrossim que a transmissão parcial de um prédio f urbano já edificado implica:

a) apresentação do alvará de loteamento oub) certidão de destaque

Assim, o disposto no artigo 49.°, n.° 1, do RJUE deve aplicar-se também à transmissão de edificação em lotes de terreno que sejam de destacar de uma descrição predial, ainda que se trate de constituir ou transmitir direitos reais menores, como o direito de superfície.

Outra importante garantia notarial está no controlo que leva a efeito sobre o cumprimento dos deveres de urbanização pelo loteador. De acordo com o artigo 49.°, n.° 2, este não vai poder transmitir os lotes constituídos sem exibir ao notário documento bastante que prove:

a) a recepção provisória das obras de urbanização oub) certidão municipal da prestação de caução.

Está aqui a prevenir-se a eventualidade — não rara nem despicienda — do incumprimento dos deveres de urbanização por parte do loteador. De outro modo, para este, tudo seriam vantagens — fraccionar o prédio 1 vender os lotes, deixando aos adquirentes e ao município os encargos com a urbanização.

No artigo 49.°, n.° 3, trata-se do caso específico de as obras de urbanização competirem a um terceiro (artigo 85.°) ou ao município (artigo 84.°).

Se os adquirentes de lotes podem exigir do promotor o cumprimento dos deveres de urbanização e se podem exigi-lo da câmara municipal, podem também subrogar-se ao loteador, a expensas da caução (artigos 73.°, 84.° e 85.°).

Uma outra garantia fundamental — na articulação entre a urbanização e a edificação — é a da caducidade da licença ou da autorização de loteamento (artigo 71.°), a qual deve ser declarada:— por não Ser requerida a autorização para iniciar as obras de urbanização ou a emissão de alvará

único no prazo de um ano contado da notificação da autorização das obras de urbanização (artigo 76.°, n.° 3, e artigo 71.°, n.° 1, alínea b));

— se não forem cumpridos tempestiva e diligentemente os deveres de urbanização (mora, abandono das obras, insolvência ou falência).

O estado de abandono presume-se nas situações expressamente previstas pelo legislador, incumbindo sobre o loteador o ónus de elidir tais presunções juris tantum: é o que resulta do artigo 71.°, n.° 4.

Mas, como sabe o notário que a licença ou a autorização da operação de loteamento não

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caducou, que se mantém plenamente eficaz, quando lhe é apresentado o alvará (título da licença ou autorização)?

O alvará relativo a licença ou a autorização caducadas deve ser cassado pelo presidente da câmara municipal (artigo 19°, n.° 1), acto que este transmite ao conservador do registo predial, o qual, por sua vez, fará anotação à descrição e procederá ao cancelamento do registo (artigo 79.°, n.° 2).

E, depois de caducado, perdida a eficácia, não pode a licença ou a autorização ser prorrogada ou ‘revalidado’ o alvará (Acórdão do STA, 1.ª Sub., de 10-10-2002), a menos que o acto da declaração de caducidade venha a ser anulado.

Como o vendedor terá de exibir certidão do registo predial perante o notário ou perante o tribunal (v. g. venda em hasta pública ou para efeito de partilha), desta há-de constar averbado o cancelamento do alvará.

E se houver lotes para os quais, entretanto, já tinham sido deferidas licenças ou autorizações de edificação?

É a situação prevista no artigo 77.°, n.° 2. O registo será também cancelado, embora apenas parcialmente (artigo 79.°, n.° 4).

Como garantia última contra a edificação não sustentada em adequadas condições de urbanização encontra-se o poder/dever de indeferimento dos pedidos de licença por motivo de a operação «constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruluras ou serviços gerais existentes ou implicar para o município, a construção ou manutenção de equipamentos, a realização de trabalhos ou a prestação de trabalhos por este não previstos, designadamente, quanto a arruamentos e redes de abastecimento de água, de energia eléctrica ou de saneamento» (artigo 24.°, n.°2, alínea b)). E mais, no caso de faltarem, de todo, estas condições, o n.° 5 impõe o indeferimento. Outro tanto pode suceder em relação às alterações do uso das edificações (n.° 6).

O que se faculta é ao interessado chamar a si os encargos com a urbanização, como se de um loteamento se tratasse. É o que resulta claramente do disposto no artigo 25.°, n.° 1 e n.° 2.

Esta norma pode impedir o recurso abusivo ao destaque, ainda que intervalado por períodos de dez anos. Repare-se que a isenção por destaque da operação de loteamento pressupõe a prévia aprovação do projecto de arquitectura. Aqui, o indeferimento nesta aprovação fará tanto sentido em caso de falta ou inadequação das condições de urbanização, como na generalidade das situações.

Outro importante meio de protecção resulta da publicidade, não apenas do alvará (artigo 78.°) no local da obra e por publicação oficial, como também da necessidade de mencionar o número do alvará, a data da emissão e o termo da sua eficácia sempre que seja anunciada a alienação de lotes de terreno, de edifícios ou fracções autónomas neles construídos, em construção ou a construir (artigo 52.°).

Na eventualidade de as obras de urbanização poderem ser executadas faseadamente (artigo 56.°), não apenas se procura afastar o arbítrio na delimitação temporal e espacial das fases (estas devem possuir autonomia e coerência interna, de acordo com o n.° 3), como, por outro lado, cada nova fase importará um novo aditamento ao alvará, já que na sua primitiva versão apenas se alberga a primeira (n.° 5). Por esta via, ficam mitigados os inconvenientes da não execução de fases ulteriores.

Por fim, a recepção — provisória e definitiva — das obras de urbanização, precedendo vistoria (artigo 87º), como condição para a autorização de obras de construção nos lotes (artigo 57.°, n.° 4) e para libertação da caução constituída em favor do município (artigo 54.°).

No mais, para além da substituição municipal na conclusão dos trabalhos (artigo 84.°) também os adquirentes dispõem de legitimidade para se substituírem ao promotor, caso o município o não faça (artigo 85.°). Terão de obter autorização judicial, depositar caução, comunicar o acto à comissão de coordenação e desenvolvimento regional e à conservatória do registo predial, incorrendo o município em responsabilidade solidária com o loteador, caso se mostre insuficiente a caução (artigo

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85.°, n.° 5).Deve observar-se ainda que o promotor responde pelos defeitos i das obras de urbanização por

cinco anos (artigo 87.°, n.° 5).Oque se expõs quanto a licenças vale, mutatis mutandis, para as simples autorizações, como

resulta do enunciado do artigo 31.°, n.° 2.

Vemos, pois, que os dois grandes contrafortes deste sistema são, por um lado, a invalidade dos actos que permitam operações urbanísticas com preterição da operação de loteamento, e por outro, o controlo exercido sobre os actos e negócios jurídicos que tenham por efeito a transmissão de prédios urbanos. Neste ponto, recorde-se que a eficácia do alvará de loteamento se encontra condicionada pelo cumprimento dos deveres de urbanização e que estes, por seu turno, estão hoje em condições de serem adequadamente caucionados.

Outra importante função do controlo administrativo prévio das operações de loteamento é o de gestão territorial da edificação. Vimos até agora como a operação de loteamento procura salvaguardar a precedência das obras de urbanização. Contudo, não menos importante é o parâmetro que a licença ou a autorização de loteamento constitui para as edificações que se programa virem a ser executadas na área territorial compreendida. A operação de loteamento e o seu título revelam uma função próxima dos instrumentos de gestão territorial.

Assim, o alvará deve conter, entre outras especificações, «o número de lotes e indicação da área, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes» (artigo 77.°, n.° 1, alínea e)). Outro tanto vale para a finalidade das áreas cedidas (artigo 77.°, n.° 1, alínea f)) cujo desvio poderá constituir na esfera jurídica do cedente um direito de reversão (artigo 45.°).

Esta disciplina aproxima-se, em certa medida, do plano de pormenor, aspecto que leva à sua equiparação, no direito italiano, como já se referiu supra.

Mas quase que poderíamos reconhecer à licença de loteamento prevalência sobre o plano de pormenor. E que o princípio tem sido o de as licenças de loteamento não serem afectadas por supervenientes instrumentos de gestão territorial incompatíveis.

Por isso, havendo necessidade — para fazer executar novo plano — de introduzir unilateralmente alterações, constitui-se o dever de indemnizar (artigo 48º, n.° 4), contanto que da alteração resultem prejuízos graves e anormais, como resulta das regras gerais sobre responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos de gestão pública (artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 48.051, de 21 de Novembro de 1967).

Apesar de tudo, com isto, é possível fundamentar direitos de edificação adquiridos com base em alvarás de loteamento verdadeiramente ancestrais, emitidos quando as especificações eram diminu-tas e as preocupações de ordenamento do território muito menos exigentes. De outro modo, o Estado ou os municípios têm de aprovar planos directamente vinculativos dos particulares, de cuja execução resulte necessariamente uma contradição com as prescrições da operação de loteamento, e ressarcir pelos danos emergentes, lucros cessantes e despesas desaproveitadas.

A licença de loteamento constitui, assim, um importante instrumento de protecção da confiança depositada pelos adquirentes de lotes ou de fracções autónomas edificadas.

Nem por isso, contudo, deixam as condições e especificações de poderem ser modificadas por iniciativa particular — seja do loteador, seja dos adquirentes de lotes, nos termos do disposto nos artigos 21° ou 33.°. Mas, salvaguarda-se, de todo o modo, a protecção da confiança, pelo menos, da maioria.

Com efeito, não pode haver expressa oposição da maioria dos proprietários de lotes, maioria essa que é qualificada pelo poder de veto que assiste à maioria no subconjunto dos proprietários de lotes atingidos pela alteração.

Estas alterações, naturalmente, dependem na sua validade e eficácia do cumprimento de regras procedimentais de publicidade, informação e participação, havendo lugar inclusivamente a discussão pública (artigo 21°, n.° 2, e artigo 33.°, n.° 2).

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Apenas as alterações sumárias, aprovadas por simples deliberação da câmara municipal, escapam a estes requisitos (artigo 27.°, n.° 8), embora envolvam apertados pressupostos:

1) < 3% nas áreas de implantação ou de construção,2) = número de fogos3) = parâmetros urbanísticos de plano municipal, mesmo superveniente.

Outra modalidade de alterações sumárias diz respeito, não ao direito da edificação, mas ao cumprimento dos deveres de urbanização (prazos e 1 montante da caução) de acordo com o disposto no artigo 27.°, n.° 8.

A preocupação do legislador, aqui, foi sobretudo a de acautelar o resultado, ou seja, garantir que a execução das obras de urbanização e, posteriormente, a edificação serão levadas a cabo pelo promotor ou de que, pelo menos, o município disporá de liquidez para se poder substituir, em caso de incumprimento. (FIM do André Folque)

O procedimento de licença

A Lei n.º 60/2007 teve como principal preocupação a simplificação e a aceleração dos procedimentos dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas. Assim sucedeu, desde logo, com o procedimento de licença.

O propósito de simplificação e de aceleração procedimental mani festa-se, de modo impressivo, nas seguintes reformas emblemáticas dirigidas a todos os procedimentos de controlo prévio das operações urbanísticas:

a) A criação da figura do gestor de procedimento, que acompanha cada procedimento e a quem compete assegurar o normal desenvolvimento da tramitação procedimental, acompanhando, nomeadamente, a instrução, o cumprimento de prazos, a prestação de informação e os esclarecimentos aos interessados (artigo 8.°, n.° 3, do RJUE); _

,

b) A tramitação desmaterializada dos procedimentos, através de um sistema informático próprio, o qual permite, nomeadamente, a entrega de requerimentos e comunicações, a consulta pelos interessados do estado dos procedimentos, a submissão dos procedimentos a consulta por entidades externas ao município, e a disponibilização de informação relativa aos procedimentos de comunicação prévia admitida para efeitos de registo predial e matricial (artigo 8.°-A, n.° 1, do RJIGT e Portaria n.° 216-A/2008, de 6 de Novembro);

c) A instituição de uma única entidade coordenadora, que é a CCDR territorialmente competente, que promove a consulta de entidades da Administração Central, directa ou indirecta, do sector empresarial do Estado, bem como de entidades concessionárias que exerçam poderes de autoridade, que se devam pronunciar sobre a operação urbanística em razão da localização, e que emite uma decisão global e vinculativa de toda a Administração Central (artigo 13.°-A do RJUE e Portaria n.° 349/2008, de 5 de Maio);

d) A previsão da técnica da conferência decisória, promovida pela CCDR, caso existam posições

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divergentes entre as entidades da Administração Central, directa ou indirecta, do sector empresarial do Estado, bem como de entidades concessionárias que exerçam poderes de autoridade, consultadas sobre a localização da operação urbanística, com vista à adopção por aquela de uma decisão final, a qual pode ser favorável, favorável condicionada ou desfavorável (artigo 13.°-A, n.º 5, 6, 7, 8 e 9, do RJUE e artigos 3.° a 8.° da Portaria n.° 349/2008, de 5 de Maio); e

e) A dispensa da consulta, certificação, aprovação ou parecer, por entidade interna ou externa aos municípios, dos projectos das especialidades e outros estudos, quando o respectivo projecto seja acompanhado por termo de responsabilidade subscrito por técnico autor de projecto legalmente habilitado que ateste o cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como da realização de vistoria, certificação, aprovação ou parecer, pelo município ou por enti-dade exterior, sobre a conformidade da execução dos projectos das especialidades e outros estudos com o projecto aprovado ou apresentado, mediante emissão do termo de responsabilidade por técnico legalmente habilitado para esse efeito, de acordo com o respectivo regime legal, que ateste essa conformidade, sem prejuízo da verificação aleatória dos referidos projectos e da sua execução (artigo 13.°-A, n.os 8, 9 e 10, do RJUE, na redacção do Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março).

Pretendemos apresentar, neste número, os traços fundamentai do procedimento administrativo das licenças urbanísticas. Para esse efeito, agruparemos os actos e formalidades tendentes à formação da licença das operações urbanísticas em três fases: a fase preparatória, a fase constitutiva e a fase de integração da eficácia104. Trata-se de uma arrumação clássica dos actos e formalidades de acordo com a função que desempenham no procedimento, cuja paternidade pertence a Aldo Sandulli, e que foi divulgada, entre nós, por Rogério Soares.

104 Sobre o procedimento de licença no regime jurídico da urbanizaçao e da edificação, na versão anterior à Lei n.° 60/2007, cfr. ANDRÉ FOLQUE, p. 113-149, o qual arruma os actos e formalidades que compõem aquele procedimento em cinco fases: a fase da iniciativa e apreciação liminar, a fase das consultas externas, a fase da apreciação dos projectos de edificação (de arquitectura e das especialidades), a fase da deliberação ou decisão final e a fase da integração da eficácia.

Fase preparatóriaCompõem a fase preparatória todos os actos destinados a preparar o “ambiente” em que surge

o acto principal e que exercem a função de pressuposto deste, ou seja, como sublinha Rogério Soares, citando Aldo Sandulli, “todos os actos que se destinam a criar uma situação relevante para o direito em cujo seio podem realizar-se os elementos constitutivos”.

Surgem-nos, nesta fase, os actos de iniciativa e de apreciação liminar , bem como os actos de instrução.

a) Iniciativa e apreciação liminarA iniciativa ou a colocação em marcha do procedimento de licença de uma operação urbanística

tem lugar mediante requerimento, apresentado com recurso a meios electrónicos e através do sistema informático próprio do município, dirigido ao presidente da câmara municipal, com a identificação do requerente, incluindo o seu domicílio ou sede, bem como com a comprovação da sua legitimidade, através da “indicação da qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística” (artigo 9.°, n.º 1, do RJUE). O requerimento deve igualmente conter a indicação do pedido ou objecto em termos claros e precisos e identificar o tipo de operação urbanística sujeita a licença, a realizar por referência ao disposto no artigo 2.° do RJUE, bem como a respectiva localização (artigo 9.°, n.º 2, do RJUE).

Com a apresentação do requerimento para licenciamento por via electrónica deve ser emitido recibo, entregue por via igualmente electrónica, o qual deve conter a identificação do gestor do procedimento, bem como a indicação do local, do horário e da forma pelo qual poderá ser contactado (artigos 8.°, n.º 4, e 9.°, n.º 6, do RJUE).

No requerimento pode o interessado solicitar a indicação das entidades que, nos termos da lei,

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devam emitir parecer, autorização ou aprovação relativamente ao pedido apresentado, indicação essa que lhe deve ser fornecida no prazo de 15 dias, salvo se existirem fundamentos para a rejeição liminar do pedido, nos termos que um pouco adiante se explicitarão (artigo 9.°, n.° 7, do RJUE).

A perfeição do requerimento inicial exige que o mesmo seja acompanhado de vários elementos, referidos nos artigos 9.° e 10.° do RJUE e no artigo 74.° do Código do Procedimento Administrativo, a saber: a designação do órgão administrativo a que se dirige; a identificação do requerente, através da indicação do nome, estado, profissão e residência ou sede; a comprovação da legitimidade do requerente; a indicação do pedido ou objecto em termos claros e precisos e a identificação do tipo de operação urbanística sujeita a licença, a realizar por referência ao disposto no artigo 2.° do RJUE, bem como a respectiva localização; os elementos instrutores referenciados nos n.os 7.°, 9.°, 11.°, 13.° e 16.° da Portaria n.° 232/2008, de 11 de Março (regulamento este emitido com base na habilitação constante do artigo 9.°, n.° 4, do RJUE); e o termo de responsabilidade, a que se refere o artigo 10.° do RJUE.

Este último elemento reclama alguns desenvolvimentos. O termo de responsabilidade, que deve acompanhar os requerimentos de licença (e também a comunicação prévia, como veremos infra), consiste na declaração dos autores dos projectos, da qual conste que foram observadas na elaboração dos mesmos as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as normas técnicas de construção em vigor, bem como na declaração do coordenador dos projectos, na qual ateste a compatibilidade entre os mesmos. Nas mesmas declarações deve ainda ser atestada a conformidade do projecto com os planos municipais de ordenamento do território aplicáveis à pretensão, bem como com a licença de loteamento, quando exista (artigo 10.°, n.os 1 e 2, do RJUE).

O termo de responsabilidade, com o conteúdo assinalado, tem a função de dispensar os órgãos municipais de controlar a observância das regras técnicas de construção (estabilidade, estruturas resistentes, comportamento térmico, isolamento acústico, qualidade dos materiais, etc.), com consequências benéficas na simplificação e aceleração do procedimento de licença. O legislador, ao instituir e ao exigir a apresentação do termo de responsabilidade, confiou em que os autores dos projectos e o coordenador dos projectos, dotados das qualificações profissionais legalmente exigidas, cumprem as regras da experiência e do conhecimento da arte (leges artis), sob pena de responderem civil, disciplinar e criminalmente (cfr. o artigo 277.° do Código Penal, que prevê um crime de perigo comum relativo à infracção das regras de boa construção).

O termo de responsabilidade, com o conteúdo e o sentido assinalados, constitui, nas palavras de PEDRO GONÇALVES, uma expressão do fenómeno da “privatização de responsabilidades públicas e de activação das responsabilidades privadas”, no âmbito dos procedimentos de autorização prévia dos poderes públicos. De facto, por efeito do termo de responsabilidade, a tarefa de fiscalização ex ante da observância das regras técnicas de construção é devolvida e confiada a peritos contratados pelo interessado (in casu, os autores e coordenadores dos projectos), estando-se, por isso, em face de um sistema de controlo e certificação por terceiro: third party certification. Isto mesmo resulta claramente do artigo 20.°, n.º 8, do RJUE, nos termos do qual “as declarações de responsabilidade dos autores dos projectos das especialidades e outros estudos que estejam inscritos em associação pública constituem garantia bastante do cumprimento das normas legais e regulamentares apli-cáveis aos projectos, excluindo a sua apreciação prévia [...].

A apresentação do termo de responsabilidade subscrito por técnico autor de projecto legalmente habilitado que ateste o cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as identificadas nos n.os 1 e 2 do artigo 10.° do RJUE, tem também como consequência a inexigência de consulta, certificação, aprovação ou parecer, por entidade interna ou externa aos municípios, dos projectos das especialidades e outros estudos. E a emissão de termo de responsabilidade por técnico legalmente habilitado para esse efeito, de acordo com o respectivo regime legal, que ateste a conformidade de execução dos projectos das especialidades e outros estudos com o projecto aprovado ou apresentado tem ainda como efeito a dispensa da realização de vistoria, certificação, aprovação ou parecer, pelo município ou por entidade exterior, sobre a referida conformidade (artigo 13.°, n.os 8 e 9, do RJUE, na versão do Decreto-Lei n.° 26/ /2010, de 30

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de Março). Ainda sobre o requerimento, importa referir que o autor do mesmo pode entregar com ele os

pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos, desde que os tenha solicitado previamente às entidades externas ao município, não havendo lugar a nova consulta, desde que, até à data da apresentação de tal requerimento na câmara municipal, não haja decorrido mais de um ano desde a emissão dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos ou desde que, caso tenha sido esgotado este prazo, não se tenham verificado alterações dos pressupostos de facto ou de direito em que os mesmos se basearam (artigo 13.°-B, n.º 1, do RJUE). A utilização desta faculdade pelo requerente possibilita, assim, a abreviatura do período de instrução da decisão.

De realçar, ainda, que o pedido de licenciamento corporizado no requerimento deve ser publicitado sob a forma de aviso, segundo o modelo respectivo aprovado pela Portaria n.º 216-C/2008, de 3 de Março, a colocar no local de execução da operação de forma visível da via pública, no prazo de 10 dias a contar da apresentação do requerimento inicial (artigo 12.° do RJUE). A publicitação do pedido de licenciamento (e também da comunicação prévia) tem como finalidade possibilitar a qualquer interessado a solicitação de informações e a apresentação de reclamações sobre o pedido em apreciação na câmara municipal, construindo um virtuoso instrumento potenciador da participação dos particulares, sejam eles vizinhos do terreno onde vai ser realizada a operação urbanística, quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos ou associações e fundações defensoras dos interesses difusos do ordenamento do território, do urbanismo e do ambiente. De salientar que o n.º 5 do artigo 110.° do RJUE impõe à câmara municipal a fixação, no mínimo, de um dia por semana para que os serviços municipais competentes estejam especifi-camente à disposição dos cidadãos para a apresentação de eventuais pedidos de esclarecimento ou de informação ou reclamações.

Apresentado o requerimento, com os elementos anteriormente referidos, tem lugar a apreciação liminar, da competência do presidente da câmara municipal, por sua iniciativa ou por indicação do gestor do procedimento (artigo 11.°, n.º 1, do RJUE). O presidente da câmara municipal pode delegar nos vereadores, com faculdade de subdelegação, ou nos dirigentes dos serviços municipais a competência para praticar os actos que integram a apreciação liminar (artigo 11.°, n.º 10, do RJUE). A referida apreciação liminar consiste na decisão das questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento do pedido de licenciamento (ou da comunicação prévia), isto é, no saneamento dos pedidos de licenciamento (ou das comunicações prévias) deficientemente instruídos ou manifestamente insusceptíveis de deferimento.

A mesma pode desembocar em dois tipos de despachos. Ou num despacho de aperfeiçoamento do pedido, no prazo de oito dias a contar da respectiva apresentação, sempre que o requerimento (ou comunicação prévia) não contenha a identificação do requerente (ou do comunicante), do pedido ou da localização da operação urbanística a realizar, bem como no caso de faltar documento instrutório exigível que seja indispensável ao conhecimento da pretensão e cuja falta não possa ser oficiosamente suprida (artigo 11.°, n.º 2). O requerente (ou o comunicante) deve corrigir ou completar o pedido, no prazo de 15 dias, ficando suspensos os termos ulteriores do procedimento, sob pena de rejeição liminar (artigo 11.°, n.º 3, do RJUE). Ou num despacho de rejeição liminar, proferido pelo presidente da câmara municipal, oficiosamente ou por indicação do gestor do procedimento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação do pedido (ou da comunicação prévia), quando da análise dos elementos instrutórios resultar que o pedido é manifestamente contrário às normas legais ou regulamentares aplicáveis (artigo 11.°, n.º 4, do RJUE).

O despacho de aperfeiçoamento tem lugar, assim, quando as deficiências ou as lacunas sejam susceptíveis de ser supridas. Por sua o despacho de rejeição liminar ocorre quando os defeitos do pedido forem de tal modo graves que sejam insusceptíveis de suprimento em termos de só poderem ser ultrapassados com a apresentação de um novo pedido (ou comunicação prévia).

No caso de não ocorrer rejeição liminar, nem convite para corrigir ou completar o pedido (ou comunicação prévia), dentro dos prazos assinalados, presume-se que o requerimento (ou a comunicação prévia) se encontra correctamente instruído e, por isso, o procedimento pode seguir

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os seus termos (artigo 11.°, n.º 5, do RJUE). Repare-se, no entanto, que a não emissão, neste momento procedimental, de um despacho de rejeição não preclude a possibilidade de este ser proferido em qualquer outro momento, até à decisão final, sempre que surjam ou venham a ser conhecidos factos ou elementos que o fundamentem. Um tal princípio está plasmado no artigo 11.°, n.º 6, do RJUE, onde se determina que “o gestor do procedimento deve dar a conhecer ao presidente da câmara municipal, até à decisão final, qualquer questão que prejudique o desenvolvimento normal do procedimento ou impeça a tomada de decisão sobre o objecto do pedido, nomeadamente a ilegitimidade do requerente e a caducidade do direito que se pretende exercer”.

b) Instrução

A instrução coenvolve, segundo ROGÉRIO SOARES, “um conjunto de diligências destinadas, primeiro a pôr diante do agente um esquema articulado dos vários interesses que constituem uma dada situação de interesse público e, depois, facilitar a avaliação do peso relativo deles, de modo a apontar para uma sua hierarquização. É assim que o agente, na posse gradual dum interesse público concretamente determinado e captado vivo na interpenetração das tensões que o significam — está em condições de eleger o conteúdo do acto principal”. O objectivo precípuo da instrução é a averiguação e a recolha dos factos ou dos materiais necessários à decisão final.

No caso específico do procedimento de licença, os momentos instrutórios direccionados à averiguação e à recolha dos factos ou materiais necessários à adopção de uma decisão de deferimento ou indeferimento da licença encontram-se fundamentalmente nos elementos instrutórios que acompanham o requerimento, anteriormente indicados, nos pareceres, autorizações ou aprovações sobre o pedido emitidos por entidades externas ao município, nos pareceres, aprovações ou autorizações da Administração Central, directa ou indirecta, do sector empresarial do Estado, bem como de entidades concessionárias que exerçam poderes de autoridade sobre a localização da operação urbanística e nas consultas públicas, em certos tipos de operações de loteamento.

Vamos adiantar, nas linhas subsequentes, alguns esclarecimentos complementares sobre estas três espécies de elementos instrutórios, mormente sobre os indicados em primeiro e segundo lugares - que se encontram em todos os procedimentos gerais de operações urbanísticas (procedimento de licença e procedimento de comunicação prévia). Deixaremos, por isso, de lado — pelo menos, por agora - os elementos instrutórios aplicáveis apenas aos procedimentos especiais de operações urbanísticas, regulados nos artigos 38.° e 39.° do RJUE.

Os pareceres, autorizações ou aprovações sobre o pedido, isto é, sobre os aspectos caracterizadores da operação urbanística, com a exclusão da sua localização, como sejam, no caso de obras de edificação, o projecto de arquitectura e os projectos das especialidades, surgem no âmbito das denominadas consultas a entidades externas ao município cujo travejamento jurídico está condensado no artigo 13.° do RJUE. Tais pareceres, autorizações ou aprovações de entidades exteriores ao município, exigíveis para a realização de operações urbanísticas, em função do tipo ou natureza das operações a realizar, visam a tutela de interesses públicos diferenciados no âmbito do controlo prévio das operações urbanísticas que não tenham sido objecto de ponderação no plano, ou por falta deste114 ou por falta de densidade do plano existente para acautelar interesses que apenas as soluções de projecto permitem avaliar ou, ainda, porque o legislador entendeu dever excluir determinado interesse do âmbito de ponderação do plano, atribuindo-lhe uma relevância autónoma no procedimento de controlo prévio de determinadas operações urbanísticas.O sistema previsto no artigo 13.°, n.º 1, do RJUE, nos termos do qual a consulta às entidades que, nos termos da lei, devam emitir parecer, autorização ou aprovação sobre o pedido é promovida pelo município, através do gestor do procedimento, sendo efectuada em simultâneo, por meio do sistema informático, é um sistema de “guichet único”, em que o requerente da licença se relaciona com uma única entidade, o município, que, por sua vez, age como sua interlocutora com outras

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entidades. Ele tem, por isso, subjacente um salutar objectivo de simplificação do procedimento do licenciamento das operações urbanísticas. E é graças a este sistema que a licença da operação urbanística em que desemboca o procedimento desempenha uma função federadora ou de síntese de todas as autorizações e aprovações de diferentes entidades exigidas por lei para cada uma das operações urbanísticas.

114 É o que sucede com o parecer prévio favorável da CCDR exigido pelo artigo 42.° do RJUE para o licenciamento de operação de loteamento que se realize em área não abrangida por plano municipal de ordenamento do território, o qual se destina a avaliar a operação de loteamento do ponto de vista do ordenamento do território e a verificar a sua articulação com os instrumentos de desenvolvimento territorial previstos na lei (n.os 1 e 2 do artigo 42.°). O referido parecer, que deve ser emitido pela CCDR no prazo de 20 dias a contar da disponibilização do processo, considerando-se como tendo um conteúdo favorável se não for recebido pelo município dentro deste prazo - caduca no prazo de dois anos, salvo se, dentro desse prazo, for licenciada a operação de loteamento ou, uma vez esgotado, não existirem alterações nos pressupostos de facto e de direito em que se fundamentou (suspendendo-se, porém, este prazo, no caso de intimação judicial para a prática de acto legalmente devido) - artigo 42.°, n.os 3 e 4, do RJUE.

As entidades exteriores ao município consultadas para a emissão de parecer, autorização ou aprovação sobre o pedido de licenciamento da operação urbanística devem pronunciar-se exclusivamente no âmbito das suas atribuições e competências, o que significa que vigora o princípio da especialidade das entidades consultadas (artigo 13.°, n.° 3, do RJUE). Daí que o parecer negativo ou a recusa de autorização ou de aprovação só vinculem o município se for respeitado o princípio da especialidade das entidades consultadas, devendo ser considerados inoponíveis ao município as consultas que versem sobre matérias estranhas às atribuições e competências daquelas entidades.

As entidades consultadas devem pronunciar-se no prazo de 20 dias a contar da data da disponibilização do processo, considerando-se haver concordância daquelas entidades com a pretensão formulada se os respectivos pareceres, autorizações ou aprovações não forem recebidos dentro daquele prazo (artigos 13.°, n.os 4 e 5, e 15.°-A, n.° 3 do RJUE).

Especificamente quanto aos pareceres, interessa sublinhar que, quando a lei exigir a sua solicitação a propósito da licença de determinadas operações urbanísticas, são os mesmos obrigatórios. E são múltiplos os casos em que a lei impõe a solicitação de parecer no pro cedimento de licença (ou de comunicação prévia) de operações urbanísticas.

Diferente é a natureza vinculativa ou não vinculativa de tais pareceres. A regra é a de que os pareceres emitidos no procedimento de licença (ou de comunicação prévia) não têm de ser seguidos pelo órgão competente para a decisão, não assumindo, por isso, um carácter vinculativo, na esteira, aliás, do que dispõe o artigo 98.°, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo. A norma do n.º 6 do artigo 13.° do RJUE define, no entanto, três condições cumulativas para que os pareceres revistam natureza vinculativa: que a lei lhes confira expressamente tal atributo; que se fundamentem em condicionamentos legais ou regulamentares, isto é, que os pareceres tenham como conteúdo uma pronúncia sobre condicionalismos legais ou regulamentares da pretensão urbanística; e que sejam recebidos pela entidade que os solicitou dentro do referido prazo de 20 dias.

Note-se, porém, que, na generalidade dos casos, estes pareceres, mesmo quando a lei os qualifica como vinculativos, apenas o são quando assumem um conteúdo negativo, caso em que o órgão competente para a emissão da licença é obrigado a indeferir este acto, sob pena de nulidade do mesmo [artigos 24.°, n.° 1, alínea c), e 68.°, alínea c), do RJUE]. Não assim, quando o parecer reveste um conteúdo positivo, pois, em tal hipótese, o órgão competente do município pode indeferir o pedido de licenciamento, com base em fundamentos diferentes dos do parecer positivo. Resulta do exposto que os pareceres de que vimos falando são, ao fim e ao cabo, verdadeiros pareceres conformes, que são vinculantes apenas num sentido: o de que impedem uma decisão positiva (in casu, o deferimento da licença) se o parecer for negativo, mas não impedem uma decisão negativa (o indeferimento da licença) se o parecer for positivo.

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Sublinhe-se, por último, quanto aos pareceres, que os pareceres expressos (positivos ou negativos) que sejam emitidos por órgãos da Administração Central no âmbito dos procedimentos de licença (ou de comunicação prévia) podem ser objecto de impugnação administrativa autónoma, devendo esta ser decidida no prazo de 30 dias, findo o qual se considera tacitamente deferida (artigo 114.°, n.os 1 e 2, do RJUE).

A Lei n.° 60/2007 aditou, no contexto das suas alterações ao RJUE, o artigo 13.°-A, que disciplina os pareceres, aprovações ou autorizações em razão da localização da operação urbanística. No pórtico da entrada da breve análise do regime jurídico das consultas externas solicitadas no âmbito do artigo 13.°-A do RJUE, importa inscrever que se lhes aplicam vários dos aspectos do regime das consultas externas constantes do artigo 13.°, tais como o princípio da especialidade das entidades consultadas, o sentido da não recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações dentro daquele prazo e as condições em que os pareceres revestem natureza vinculativa. Quanto ao prazo para a pronúncia das entidades da Administração Central, directa ou indirecta, do sector empresarial do Estado, bem como de entidades concessionárias que exerçam poderes de autoridade, que se devam pronunciar sobre a operação urbanística em razão da localização, o artigo 13.°-A, n.º 3, do RJUE determina que o mesmo é, em regra, de 20 dias. Mas acrescenta-lhe duas notas: a de que nunca há lugar à suspensão do procedimento; e a de que aquele prazo é de 40 dias, nos casos de obra relativa a imóvel de interesse nacional ou de interesse público e de operações urbanísticas a realizar em área integrada na Rede Natura 2000, nos termos do Decreto-Lei n.° 140/99, de 24 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.° 49/2005, de 24 de Fevereiro, ou em área integrada na Rede Nacional de Áreas Protegidas, nos termos do n.º 7 do artigo 23.° do Decreto-Lei n.° 142/2008, de 24 de Julho, sempre que a emissão de parecer aí prevista se inclua em algum dos pedidos ou procedimentos previstos neste diploma [artigo 13.°-A, n.º 4, alíneas a) e b), do RJUE].

O artigo 13.°-A do RJUE veio criar uma entidade coordenadora das intervenções de entidades da Administração Central, directa ou indirecta, do sector empresarial do Estado, bem como de entidades concessionárias que exerçam poderes de autoridade, que devam ser consultadas sobre a operação urbanística em razão da sua localização. Essa entidade coordenadora é a CCDR territorialmente competente. Neste sentido, o artigo 13.°, n.º 2, do RJUE estabelece que, nos casos daquelas consultas, o gestor do procedimento comunica o pedido, com identificação das entidades a consultar, à CCDR. E, na mesma linha, o artigo 13.°-A, n.º 1, do RJUE determina que a con sulta das entidades que se devam pronunciar sobre a operação urbanística em razão da localização “é efectuada através de uma única entidade coordenadora, a CCDR territorialmente competente, a qual emite uma decisão global e vinculativa de toda a administração central”.

Neste contexto, a CCDR identifica, no prazo de cinco dias a contar da recepção dos elementos através do sistema informático entidades que nos termos da lei devam emitir parecer, aprovação ou autorização de localização, promovendo dentro daquele prazo a respectiva consulta, a efectivar em simultâneo e com recurso ao referido sistema informático (artigo 13.°-A, n.° 2). No caso de não existirem posições divergentes entre as entidades consultadas, a CCDR toma a decisão final no prazo de cinco dias a contar do fim do prazo que as entidades consultadas têm para se pronunciar (artigo 13.°-A, n.° 5). Mas na hipótese de existirem posições divergentes entre as entidades consultadas, a CCDR deve promover uma conferência decisória e tomar a decisão final, que pode ser favorável, favorável condicionada ou desfavorável, no prazo de 20 dias (artigo 13.°-A, n.° 6).

O subprocedimento de consulta das entidades que se devam pronunciar sobre a operação urbanística em razão da localização, disciplinado no artigo 13.°-A do RJUE, e que foi desenvolvido pela Portaria n.° 349/2008, de 5 de Maio [emitida ao abrigo da habilitação legal constante do n.° 11 (anteriormente ao Decreto-Lei n.° 26/2010, n.° 10) daquele artigo 13.°-A], teve como móbil a simplificação do procedimento de licença das operações urbanísticas, mas sobram dúvidas sobre se a instituição daquele subprocedimento, enxertado no procedimento de licença (ou comunicação prévia), na medida em que o desloca da esfera municipal e o transfere para a CCDR , nao aumentou a complexidade e a carga burocrática do procedimento de licença (ou comunicação prévia).

O terceiro momento instrutório que queremos referir é o da consulta pública, referida no artigo

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22.° do RJUE. Nela também podem ser colhidos importantes elementos a avaliar e a ponderar na decisão a adoptar no procedimento de licença. Como já tivemos oportunidade de adiantar noutra altura, os municípios podem determinar, através de regulamento municipal, a prévia sujeição a discussão pública de operações de loteamento com significativa relevância urbanística (artigo 22.°, n.° 1, do RJUE). De acordo com este normativo, a prévia sujeição a discussão ou consulta pública do licenciamento de operações urbanísticas está dependente da vontade do município, cabendo, além disso, no campo da discricionaridade do município a definição das operações de loteamento cujo licenciamento está subordinado a prévia discussão pública. A norma do n.° 2 do artigo 22.° do RJUE determina, porém, a obrigatoriedade da sujeição a prévia consulta pública das operações de loteamento que exceda algum dos seguintes limites: 4 ha; 100 fogos; ou 10% da população do aglomerado urbano em que se insira a loteamento.

Fase constitutiva

E esta a fase em que se produz o “acto principal” ou, melhor, o acto típico a que se dirige o procedimento, no caso concreto que está a ocupar o nosso espírito, a deliberação ou decisão final de deferimento (ou de indeferimento) do pedido de licenciamento, a qual, no caso de ter aquele conteúdo, consubstancia a licença para a realização da operação urbanística. Trata-se da fase em que, como sublinha Rogério Soares, após terminados os momentos instrutórios se desenvolvem todos os actos que implicam o cumprimento do tipo legal. Ainda segundo este mesmo autor, na fase constitutiva vai o órgão administrativo aproveitar e manusear os elementos fornecidos pela instrução para com eles e a partir deles determinar o conteúdo do acto.

Na fase constitutiva do procedimento de licença encontramos como momentos marcantes: a apreciação dos projectos de obras de edificação e a aprovação do projecto de arquitectura; a apreciação dos projectos de loteamento, de obras de urbanização e trabalhos de remodelação de terrenos; e a deliberação ou decisão final de licenciamento.

a) Apreciação dos projectos de obras de edificação e aprovação do projecto de arquitectura

Nos casos em que o pedido de licenciamento tiver como objecto a realização de obras de edificação, constitui elemento determinante da apreciação do município o projecto de arquitectura, o qual nos aparece autonomizado, no âmbito da actividade global da elaboração do projecto de edificação, a partir do regime jurídico do licenciamento de obras particulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 445/91. A apreciação pelo município desta peça central dos elementos instrutórios do procedimento de licença (e da comunicação prévia) incide, de acordo com o artigo 20.°, n.° 1, do RJUE, sobre a sua conformidade com os planos municipais de ordenamento do território, os planos especiais de ordenamento do território, as medidas preventivas, as áreas de desenvolvimento urbano prioritário e de construção prioritária, as servidões administrativas, as restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares relativas ao aspecto exterior, sobre a inserção urbana e paisagística das edificações e sobre o uso proposto dessas mesmas edificações.

No sentido de diminuir o espaço de discricionaridade de apreciação decorrente da utilização pela mencionada norma do conceito impreciso-tipo “inserção urbana e paisagística” das edificações, o n.° 2 do artigo 20.° do RJUE adianta que “a apreciação da inserção urbana das edificações é efectuada na perspectiva formal e funcional, tendo em atenção o edificado existente, bem como o espaço público envolvente e as infra-estruturas existentes e previstas”. Esta norma não consegue, porém, eliminar totalmente a margem de discricionaridade de apreciação da câmara municipal, não só porque o juízo sobre a “boa” ou “má” inserção urbana tem de caber necessariamente ao órgão decisor, como ainda porque a lei cala qualquer definição sobre a amplitude do “edificado existente”, do “espaço público envolvente” e das “infra-estruturas existentes e previstas” que servem de referência àquele juízo de “correcta” ou “incorrecta” inserção urbana da obra de edificação.

O RJUE fixa, no n.º 3 do artigo 20.°, um prazo para a câmara municipal deliberar sobre o projecto

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de arquitectura, devendo a deliberação incidente sobre o projecto de arquitectura ser notificado ao interessado (artigo 20.°, n.º 4, do RJUE). Esse prazo é de 30 dias, contados ou da data da recepção do pedido ou dos elementos solicitados, nos termos do artigo 11.°, n.º 3, do RJUE, para corrigir ou completar o pedido; ou da data da recepção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município, quando tenha havido lugar a consultas; ou ainda do termo do prazo para a recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das entidades consultadas não se pronuncie até essa data [artigo 20.°, n.º 3, alíneas a), b) e c), do RJUE].

O acto que aprovar o projecto de arquitectura — expressão utilizada na norma do n.º 4 do artigo 20.° do RJUE — é notificado ao interessado, para efeitos de apresentação por este dos projectos das especialidades e outros estudos necessários à execução da obra no prazo de seis meses a contar da notificação, caso não tenha apresentado tais projectos com o requerimento inicial (artigo 20.°, n.º 4, do RJUE). Este prazo pode, no entanto, ser prorrogado pelo presidente da câmara por uma só vez, e por período não superior a três meses, mediante requerimento fundamentado apresentado antes do respectivo termo (artigo 20.°, n.° 5, do RJUE). A falta de apresentação dos projectos das especialidades e outros estudos no prazo anteriormente indicado ou naquele que resultar da prorrogação concedida nos termos acabados de referir implica a suspensão do procedimento de licenciamento pelo período máximo de seis meses, findo o qual é declarada a caducidade do procedimento, após audiência prévia do interessado (artigo 20.°, n.° 6, do RJUE).

Como já dissemos um pouco mais atrás, não há lugar à apreciação prévia dos projectos das especialidades, constituindo as declarações de responsabilidade dos autores destes projectos que estejam inscritos em associação pública garantia bastante do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis aos mesmos (artigo 20.°, n.° 8, do RJUE).

Tem sido vivamente debatida a questão da natureza jurídica do acto de aprovação do projecto de arquitectura e, a ela intimamente associada, a da sua impugnabilidade contenciosa imediata.

A discussão apresenta os seguintes contornos: o acto de aprovação do projecto de arquitectura é um mero acto preparatório do acto final do procedimento - constituído pela deliberação ou decisão de licenciamento -, sem autonomia funcional e sem imediata eficácia lesiva, sendo, por isso, insusceptível de impugnação contenciosa imediata? Ou é, ao invés, um acto constitutivo de direitos para o requerente, capaz de produzir efeitos externos e de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, podendo, assim, por estes ser imediatamente impugnado?

A jurisprudência administrativa vem entendendo, de modo reiterado e constante, ainda que com algumas flutuações argumentativas, que o acto de aprovação do projecto de arquitectura, sendo embora condicionante do prosseguimento da instrução para recolha e elaboração de novos projectos e elementos auxiliares da decisão final, “é um acto preliminar, que tem apenas uma função instrumental e pré-ordenada à produção do acto final-principal, definidor e constitutivo do licenciamento de obra”. Ainda segundo a mesma jurisprudência, aquele acto “está finalisticamente orientado na preparação do acto final de licenciamento, esgotando-se nessa vocação auxiliar, com ausência de autonomia funcional para, por si próprio e desde logo, ter eficácia lesiva e imediata da esfera jurídica dos contra-interessados no licenciamento”, pelo que não pode ser contenciosamente impugnado.Entendemos, porém, na esteira do que escrevemos no Volume I deste Manual, e na linha do que vem sendo defendido por alguma doutrina, bem como pela jurisprudência, que a aprovação do projecto de arquitectura de uma obra de edificação é um verdadeiro acto administrativo, embora um acto administrativo prévio, que se pronuncia de modo final e vinculativo para a Administração sobre um conjunto de requisitos constantes da lei (artigo 20.°, n.° 1, do R.JUE). A verificação dos requisitos constantes desta disposição legal, a que nos referimos um pouco mais acima, fica definitivamente decidida, tomando-se, por isso, o acto que aprovou o projecto de arquitectura (artigo 20.°, n.° 4, do RJUE), em relação a tais aspectos, constitutivo de direitos para o requerente do licenciamento (no sentido de que ele tem o direito a que esses aspectos não voltem a ser postos em causa no decurso do procedimento) e vinculativo para a câmara municipal no momento da

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deliberação final sobre o pedido de licenciamento 126.126 Cfr., a este propósito, o Acórdão da l.a Secção do TCAS de 28 de Outubro de 2009, Proc. n.°

4110/08, em cujo sumário se pode ler, entre o mais, o seguinte: “1. Relativamente aos requisitos referidos no art. 20.°, n.° 1, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, sobre que incide a apreciação do projecto de arquitectura, a pronúncia da Administração é final e vinculativa. 2. Por isso, embora a aprovação do projecto de arquitectura seja acto prévio do procedimento de licenciamento de obras de edificação, ela define determinados elementos que o acto final do procedimento tem de acolher”.

No mesmo sentido, o Acórdão da l.a Secção do mesmo Tribunal de 28 de Outubro de 2009, Proc. n.° 4399/08, sublinhou, inter alia, que “a aprovação do projecto de arquitectura configura um acto constitutivo de direitos, na subcategoria dos actos prévios, sem efeitos permissivos, que, no tocante à posição pretensiva final inerente ao procedimento de licenciamento, aprecia de forma completa todos os aspectos relativos | arquitectura (a estrutura da obra, a respectiva implantação, a sua inserção na envolvente, a respectiva cércea, alinhamento, o respeito das condicionantes dos planos em vigor, etc.)”.

O carácter constitutivo de direitos para o requerente do licenciamento da aprovação do projecto de arquitectura torna-se mais claro se recensearmos os direitos constituídos na esfera do particular que viu aprovado o projecto de arquitectura. O primeiro é o de ver fixado o momento de referência para a apreciação do seu pedido: dado que as matérias consideradas no exame do projecto de arquitectura o são em definitivo, são irrelevantes eventuais modificações ulteriores dos parâmetros urbanísticos face aos quais é aferida pela Administração a sua legalidade e viabilidade, em particular por efeito das alterações, revisões ou suspensões dos instrumentos de planeamento territorial que os definem. E certo que essas modificações podem ocorrer. Todavia, como sublinhámos no Volume I deste Manual, no caso de a licença não poder ser concedida, por ter, entretanto, entrado em vigor um plano cujas disposições são incompatíveis com a realização da obra de edificação, tem o beneficiário do acto de aprovação do projecto de arquitectura direito a uma indemnização127"128.

127 Cfr. o mencionado Acórdão da l.a Secção do TCAS de 28 de Outubro de 2009, Proc. n.º 4110/08, o qual consignou, a este propósito, o seguinte: “[...] porque a questão da conformidade da pretensão com o plano é verificada no momento da apreciação do projecto de arquitectura, é irrelevante a alteração posterior do Plano Director Municipal para efeitos de emissão da licença de construção, salvo se este dispuser noutro sentido”.

No mesmo sentido, o citado Acórdão da l.a Secção do TCAS de 28 de Outubro de 2009, Proc. n.º 4399/08, salientou o seguinte: “sendo o PDM um plano com eficácia plurisubjectiva, deriva da sua natureza jurídica normativa a susceptibilidade de aplicação a situações a decidir no futuro, com excepção da garantia do existente nos termos do art. 60.° do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, de posições subjectivas de direitos adquiridos antes da sua entrada em vigor e de expressa eficácia expropriativa do PDM subsequente, com os consequentes efeitos indemnizatórios, ex vi art. 143.° do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro)”.128 Cfr. SUZANA TAVARES DA SILVA, Um Novo Direito Administrativo?, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010, p. 41, a qual, referindo-se à aprovação do projecto de arquitectura, fala de um direito ao aproveitamento do solo que “vai sendo progressivamente adquirido”, uma vez que, apesar de não ser ainda apto a satisfazer a pretensão que o requerente apresentou, consolida, todavia, “uma pronúncia que a Administração não pode revogar com fundamento em modificações do plano, ocorridas posteriormente”, havendo um dever de indemnizar o titular do direito, sempre que se “pretenda fazer prevalecer o conteúdo do plano sobre a decisão administrativa anterior”.O segundo é o de poder prosseguir com o procedimento, entregando os projectos das especialidades, se o não tiver feito antes (artigo 20.°, n.º 4, do RJUE), e o de ver iniciar-se a contagem do prazo para a subsequente deliberação ou decisão sobre o pedido de licenciamento. O terceiro é o de ver decidido o pedido para a execução dos trabalhos de escavação e contenção periférica até à profundidade do piso de menor cota do edifício projectado, antecedidos ou não dos trabalhos de demolição do edifício que no local pré-exista, decisão que pode ser proferida em qualquer momento após a aprovação do projecto de arquitectura (artigo 81.°, n.º 2, do RJUE) . E o quarto é o de poder obter a aprovação de uma “licença parcial” para a construção da estrutura, licença que pode requerer, estando aprovado o projecto de arquitectura, “imediatamente após” a entrega de todos os projectos das especialidades e outros estudos, desde que preste caução para demolição da estrutura até ao piso de menor cota, em caso de indeferimento do pedido de licença (artigo 23.°, n.º

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6, do RJUE), “licença parcial” essa que dá lugar à emissão de alvará (artigo 23.°, n.º 7, do RJUE).Se atentarmos neste núcleo de efeitos jurídicos produzidos pelo acto de aprovação do projecto

de arquitectura, incluindo o de servir como condição essencial para as três primeiras fases de trabalho de uma construção (demolir o edifício pré-existente; proceder à escavação correspondente às fundações do novo edifício; e erigir a estrutura deste), não poderemos deixar de concluir pela imediata impugnabilidade contenciosa daquele acto. Na verdade, podendo o projecto de arquitectura ser aprovado com a ofensa de regras legais e a ofensa de direitos de terceiros, somos de opinião que quer estes, quer o Ministério Público têm de ter a possibilidade de evitar que essa lesão se venha a consumar, através da verificação judicial dessa ofensa. Como sublinha ANTÓNIO CORDEIRO, devem “ser simetricamente tratadas, nas relações poligonais, a situação do beneficiário do acto prévio, que vê constituídos direitos na sua esfera jurídica, e a situação dos terceiros a quem ele virá a prejudicar, logo que exercidos esses direitos.O acto prévio tem de ter a mesma externalidade de efeitos para os vários sujeitos jurídicos envolvidos: se àquele garante uma situação de vantagem, a estes tem de, no mesmo momento, permitir o seu re-exame judicial”.

Importa sublinhar que a tese acabada de referir foi acolhida pelo Acórdão da 1. a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Dezembro de 2009, Proc. n.º 019/09, o qual corporiza uma inversão, ainda que parcial, da jurisprudência do nosso órgão supremo da justiça administrativa. Inversão meramente parcial, porquanto a impugnabilidade imediata por um terceiro do acto de aprovação do projecto de arquitectura não foi admitida por aquele aresto em todas as situações, mas tão-só numa determinada situação. Com efeito, no referido aresto, o STA, confirmando o acórdão do TCAN, considerou ser imediatamente impugnável o acto administrativo de aprovação do projecto de arquitectura apresentado pelo “vizinho ” do interessado se for praticado no âmbito de um processo de legalização de uma obra levada a efeito em desconformidade com um licenciamento anterior, ou seja, quando o acto de aprovação de tal projecto de arquitectura se destina a “legalizar” uma obra já executada sem a indispensável licença camarária.

Segundo o acórdão acima referido, o artigo 51.°, n° 1 do CPTA, nos termos do qual “ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos” - veio consagrar o critério da externalidade dos efeitos como elemento determinante da impugnabilidade dos actos administrativos, ao contrário do artigo 25.°, n.° 1, da LPTA, que adoptava o critério da definitividade. “E, efectivamente, como a apreciação do projecto de arquitectura visa aquilatar nomeadamente da sua conformidade com planos municipais de ordenamento do território, planos especiais de ordenamento do território, observância de normas legais e regulamentares relativas ao aspecto exterior e a inserção urbana e paisagística das edificações (...), com a sua aprovação são introduzidos efeitos positivos na esfera jurídica do requerente, e que podem ser lesivos de terceiro ou de interesses difusos. Na verdade, como refere o Ministério Público no seu parecer, «para o requerente há a garantia de que se não deixar caducar a aprovação a Administração não poderá indeferir o licenciamento com base em imcompatibilidade legal do projecto de arquitectura», mas, «para terceiros — lesados com a localização, com a área de implantação ou com a volumetria da obra — significa, definitivamente, uma posição jurídica de desvantagem»”.

E prossegue o aresto que estamos a seguir de perto: “Ora, no caso que nos ocupa, como se sublinha no acórdão recorrido e acima se viu, o acto que aprovou o projecto de arquitectura foi praticado no âmbito de um processo de legalização de uma obra levada a efeito em desconformidade com um anterior licenciamento, visando «legalizar» uma obra já executada sem a indispensável licença camarária. E, como desde logo invocou a interessada, a lesão dos seus direitos e interesses «ocorre pelo facto de a obra ter sido implantada no preciso local em que o foi, isto é, demasiado próximo da moradia da recorrente não permitindo um correcto arejamento, iluminação natural e exposição à luz solar, cfr. art. 58.° do RGEU». Lesão que é actual, e que se manterá se, e enquanto, a obra não vier a ser demolida, pois que a legalidade de tal implantação foi definida pelo

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acto administrativo impugnado. Por outro lado, uma tal matéria já não voltará a ser apreciada no âmbito do procedimento administrativo de licenciamento da obra, e daí a produção de efeitos externos que afectam de modo decisivo a esfera jurídica da recorrente. E, se é certo que, por força do n.° 3 do art. 51.° do CPTA, a não impugnação do acto intermédio não preclude a faculdade de impugnação do acto final, a possibilidade de impugnação imediata constitui um evidente interesse”.

b) Apreciação dos projectos de loteamento, de obras de urbanização e de trabalhos de remodelação de terrenos

Nos casos em que o procedimento de licenciamento tiver como objecto a realização de operações de loteamento, de obras de urbanização e de trabalhos de remodelação de terrenos, a apreciação dos projectos destas operações urbanísticas pela câmara municipal incide sobre a sua conformidade com planos municipais de ordenamento do território, planos especiais de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como sobre o uso e a integração urbana e paisagística (artigo 21.° do RJUE).

Estes parâmetros de apreciação dos projectos de loteamento, de obras de urbanização e de trabalhos de remodelação de terrenos são, como se vê, formalmente semelhantes aos parâmetros de apreciação do projecto de arquitectura das obras de edificação. Mas não o são sob o ponto de vista substancial, dado que, por exemplo, as exigências dos planos municipais de ordenamento do território e das normas legais e regulamentares em relação às operações de loteamento e às obras de urbanização são materialmente diferentes. Pense-se a título exemplificativo, no que sucede com as exigências quanto aos parâmetros para o dimensionamento das áreas destinadas pelos projectos de loteamento à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos (artigo 43.° do RJUE).

c) A deliberação (ou decisão) final de licenciamento

Realizada a apreciação dos projectos, bem como a avaliação e a ponderação dos interesses públicos e privados coenvolvidos, tem lugar a deliberação (ou a decisão, no caso de ter havido delegação de poderes da câmara municipal no seu presidente ou subdelegação deste nos vereadores) final de deferimento (ou de indeferimento) do pedido de licenciamento da operação urbanística. Esta deliberação final de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia ou corporiza a licença para a realização da operação urbanística (artigo 26.° do RJUE).

Num busquejo rápido pelos aspectos mais relevantes da deliberação final de licenciamento das operações urbanísticas, vamos referir-nos, em termos breves, aos seguintes pontos: prazos para a adopção da deliberação; fundamentos de indeferimento do pedido de licenciamento; audiência prévia do requerente; reapreciação do pedido de licenciamento; e especificações da deliberação de licenciamento de algumas operações urbanísticas.

No tocante ao primeiro ponto, saliente-se que o artigo 23.° do RJUE consagra uma série de prazos para a deliberação sobre o pedido de licenciamento, cujo decurso sem que a mesma se mostre praticada origina, como melhor veremos infra, não o deferimento tácito da pretensão, mas a possibilidade de o interessado pedir ao tribunal administrativo de círculo da área da sede da autoridade requerida a intimação da câmara municipal para proceder à prática do acto que se mos-tre devido [artigos 111.°, alínea a), e 112.° do RJUE].

Tais prazos são os seguintes: 45 dias, no caso de operação de loteamento; 30 dias, no caso de obras de urbanização; e 45 dias, no caso de obras previstas nas alíneas c) a f) do n.º 2 do RJUE, ou seja, nas restantes operações urbanísticas sujeitas a licença [artigo 23.°, n.º 1, alíneas a), b) e c), do RJUE]. Os mencionados prazos para a deliberação sobre os pedidos de licenciamento de operações de loteamento e de obras de urbanização contam-se ou a partir da data da recepção do pedido ou

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dos elementos solicitados, nos termos do artigo 11.°, n.º 3, do RJUE, para corrigir ou completar o pedido; ou da data da recepção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município, quando tenha havido lugar a consultas; ou, ainda, do termo do prazo para a recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das enti-dades consultadas não se pronuncie até essa data [artigo 23.°, n.º 3, alíneas a), b) e c), do RJUE].

Por seu lado, o prazo de 45 dias para a adopção da deliberação, nos restantes casos de operações urbanísticas sujeitas a licença, conta-se a partir ou da data da apresentação dos projectos das especialidades e outros estudos ou da data da aprovação do projecto de arquitectura se o interessado os tiver apresentado juntamente com o requerimento inicial; ou, quando haja lugar a consulta de entidades externas, a partir da data da recepção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações; ou, ainda, do termo do prazo para a recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das entidades consultadas não se pronuncie até essa data [artigo 24.°, n.º 4, alíneas a), b) e c), do RJUE]. Por último, quando o pedido de licenciamento de obras de urbanização for apresentado em simultâneo com o pedido de licenciamento de operação de loteamento, o aludido prazo de 30 dias para adopção da deliberação sobre aquele pedido conta-se a partir da deliberação que aprove o pedido de loteamento (artigo 23.º, n.º 5, do RJUE).

À contagem dos prazos assinalados aplicam-se as regras constante do artigo 72.° do CPA, designadamente a que se refere à suspensão dos mesmos nos sábados, domingos e feriados.

No que respeita ao segundo ponto, o artigo 24.° do RJUE consagra o denominado princípio da taxatividade dos fundamentos de indeferimento do pedido de licenciamento, ao qual já nos referimos no Volume I deste Manual, quando abordámos o problema da relação entre o direito de propriedade e o vulgarmente designado “jus aedificandi”.

O significado daquele princípio é o de que a câmara municipal está vinculada aos fundamentos de indeferimento do pedido de licenciamento enumerados no artigo 24.°, estando-lhe vedado rejeitar um pedido por fundamentos diferentes dos dele constantes, e não a exclusão de qualquer margem de discricionaridade daquele órgão. De facto, o reconhecimento à câmara municipal de um certo espaço de discricionaridade na apreciação e decisão dos pedidos de licenciamento de operações urbanísticas deve ser admitido nos casos em que a lei utiliza o conceito de “pode” (artigos 24.°, n.os 2 e 4, e 25.°, n.° 1, do RJUE) e, bem assim, naqueles em que recorre a “conceitos imprecisos-tipo”, como sucede na alínea a) do n.° 2 do artigo 24.° (quando “a operação urbanística afectar negativamente o património arqueológico, histórico, cultural ou paisagístico, natural ou edificado”) e no n.° 4 do mesmo artigo [“quando a obra seja susceptível de manifestamente afectar (...) a estética das povoações, a sua adequada inserção no ambiente urbano ou a beleza das paisagens”].

Estes aspectos carecem de alguns desenvolvimentos. Assim, o n.° 1 do artigo 24.° do RJUE indica expressamente os casos em que o pedido de licenciamento de uma operação urbanística deve ser indeferido. Tais casos são os seguintes: quando o pedido de licenciamento (ou a operação urbanística que se pretende ver licenciada) violar plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidão administrativa, restrição de utilidade pública ou quaisquer outras normas legais e regulamentares aplicáveis [alínea a)]; quando existir declaração de utilidade pública para efeitos de expropriação que abranja o prédio objecto do pedido de licenciamento, salvo se tal declaração tiver por fim a realização da própria operação urbanística [alínea b)]; e quando tiver sido objecto de parecer negativo ou recusa de aprovação ou autorização de qualquer entidade consultada nos termos do RJUE cuja decisão seja vinculativa para os órgãos municipais [alínea c)]135.

135 Sublinhe-se que, no caso de apreciação do projecto de arquitectura de obras de edificação, a existência de parecer negativo ou recusa de aprovação ou autorização de qualquer entidade consultada cuja decisão seja vinculativa constitui, já naquele momento, fundamento de recusa de aprovação do projecto de arquitectura.

Em todas estas hipóteses a câmara municipal não dispõe de qualquer espaço de

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discricionaridade para uma ponderação, com vista ao eventual deferimento. O artigo 24.°, n.º 1, determina, nas suas várias alíneas, os casos em que é obrigatório o indeferimento do pedido de licenciamento. Nem é possível o deferimento do mesmo pedido, com a aposição de cláusulas acessórias, precisamente porque falta uma “norma de autorização formal” para uma tal aposição. De igual modo, o artigo 24.°, n.º 5, aponta para uma obrigatoriedade, de princípio, de indeferimento do pedido de licenciamento das obras de construção, de alteração e de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor que contenha os elementos referidos nas alíneas c), d) e f) do n.º 1 do artigo 91.° do RJIGT, na ausência de arruamentos ou de infra-estruturas de abastecimento de água e saneamento ou se a obra projectada constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes. Todavia, este fundamento de indeferimento pode ser superado, no momento da reapreciação do pedido, nas condições definidas no artigo 25.° do RJUE, a que nos vamos referir daqui a pouco.

Diversamente, os n.os 2 e 4 do artigo 24.° do RJUE indicam um conjunto de fundamentos que atribuem uma margem de discricionaridade à câmara municipal na decisão sobre o pedido de licenciamento, a qual pode, assim, ser positiva ou negativa, conforme a avaliação que aquele órgão venha a fazer, tendo em conta as circunstâncias concretas da operação urbanística a licenciar. Assim, de acordo com o n.° 2 daquele artigo, quando o pedido de licenciamento tiver por objecto a realização das operações urbanísticas referidas nas alíneas a) a e) do n.° 2 do artigo 4.° do RJUE - ou seja, em todas as operações urbanísticas sujeitas a licença, com excepção das “obras de demolição das edificações que não se encontrem previstas em licença de obras de reconstrução” —, o indeferimento pode ainda ter lugar com o fundamento em a operação urbanística afectar negativamente o património arqueológico, histórico, cultural ou paisagístico, natural ou edificado [alínea a)]; ou a operação urbanística constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas ou serviços gerais existentes ou implicar, para o município, a construção ou manutenção de equipamentos, a realização de trabalhos ou a prestação de serviços por este não previstos, designadamente quanto a arruamentos e redes de abastecimento de água, de energia eléctrica ou de saneamento [alínea b)]. A atribuição de uma margem de discricionaridade à câmara municipal resulta quer da utilização pela lei do conceito de “pode”, quer do recurso pela mesma a “conceitos imprecisos-tipo” (“afectar negativamente” e “sobrecarga incomportável”).

Por seu lado, de harmonia com o n.° 4 do artigo 24.° do RJUE, quando o pedido de licenciamento tiver por objecto a realização das obras referidas no artigo 4.°, n.° 2, alíneas c) e d) — ou seja, obras de construção, de alteração e de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor que contenha os elementos referidos nas alíneas c), d) e f) do n.° 1 do artigo 91.° do RJIGT e obras de reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição de imóveis classificados ou em vias de classificação, bem como dos imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em vias de classificação, e as obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração exterior ou demolição de imóveis situados em zonas de protecção de imóveis classificados ou em vias de classificação -, pode o mesmo ser indeferido quando a obra seja susceptível de manifestamente afectar o acesso e a utilização de imóveis classificados de interesse nacional ou interesse público, a estética das povoações, a sua adequada inserção no ambiente urbano ou a beleza das paisagens, designadamente em resultado da desconformidade com as cérceas dominantes, a volumetria das edificações e outras prescrições expressamente previstas em regulamento”. Também esta norma confere aos órgãos administrativos competentes um acentuado espaço de discricionaridade no conteúdo da decisão, quer porque utiliza o conceito de “pode”, quer porque recorre a “conceitos imprecisos-tipo” ou a “conceitos imprecisos em sentido estrito”, ou seja, a conceitos elásticos, de natureza não descritiva, que não indicam uma classe de situações individuais, antes expressam de modo difuso factos ou valores nos quais as situações concretas da vida não se podem encaixar com rigor (susceptibilidade de a obra “manifestamente afectar a estética das povoações137, a sua adequada inserção no ambiente urbano ou a beleza das paisagens”). É certo que a norma do artigo 24.º, n.º4, procura, in fine, esbater a referida margem de discricionaridade, dizendo que aquela afectação resulta designadamente da “desconformidade com

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as cérceas dominantes, a volumetria das edificações e outras prescrições expressamente previstas em regulamento”. Mas não consegue eliminar totalmente a margem de discricionaridade do órgão administrativo, desde logo porque caberá sempre na prerrogativa do mesmo a definição do âmbito ou da extensão das obras de edificação cuja cércea e volumetria são utilizadas como termo de comparação com a obra objecto de licenciamento.

Quando existir projecto de decisão de indeferimento do pedido de licenciamento, deve ter lugar a audiência prévia do requerente, nos termos dos artigos 100.° e seguintes do CPA. Ora, é justamente no momento da audiência prévia do requerente que pode ocorrer a reapreciação do pedido de licenciamento, tendo como consequência a transmutação de um projecto de decisão de indeferimento numa decisão de deferimento. O regime de uma tal reapreciação do pedido está con-densado no artigo 25.° do RJUE. Assim, segundo o n.° 1 do artigo 25.° do RJUE, quando exista projecto de decisão de indeferimento com os fundamentos referidos na alínea b) do n.° 2 e no n.° 5 do artigo 24.° — isto é, com o fundamento de “a operação urbanística constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas ou serviços gerais existentes ou implicar, para o município, a construção ou manutenção de equipamentos, a realização de trabalhos ou a prestação de serviços por este não previstos, designadamente quanto a arruamentos e redes de abastecimento de água, de energia eléctrica ou de saneamento” ou com os fundamentos da “ausência de arruamentos ou de infra-estruturas de abastecimento de água ou saneamento” e de “a obra projectada constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes” pode haver deferimento pedido, desde que o requerente, na audiência prévia, se comprometa a realizar os trabalhos necessários ou a assumir os encargos inerentes à sua execução, bem como os encargos de funcionamento das infra-estruturas por um período mínimo de 10 anos. A expressão “pode haver deferimento” parece apontar no sentido de que, mesmo em face da assunção pelo requerente dos custos das infra-estruturas e da celebração pelo mesmo do contrato a que se refere o n.º 3 do artigo 25.°, está aberta ao município a possibilidade de indeferir o licenciamento, com base em outros fundamentos, designadamente no caso de inexistência de con-senso sobre o traçado das infra-estruturas ou sobre o momento da sua execuação.

137 Sobre as limitações ao controlo jurisdicional no caso da avaliação estética das edificações, a que se refere o artigo 121.° do RGEU, decidiu o Acórdão da l.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Dezembro de 1998, Proc. n.º 37572, o seguinte: “No âmbito do artigo 121.° do RGEU, o Tribunal não pode exercer um controlo jurisdicional pleno, não podendo ir além da dimensão garantística ou formal da decisão administrativa, aferindo-se, em especial, os aspectos vinculados do acto, sem contudo ser possível ajuizar sobre a dimensão material, não podendo o tribunal substituir pelos seus os juízos e as valorações em-preendidas pela Administração, a menos que se alegue e demonstre a existência de erro manifesto ou de utilização de critérios claramente desadequados ao nível da integração do conceito indeterminado”.

Em sentido algo diverso, entendeu o Acórdão da l.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Novembro de 2005, Proc. n.º 1112/04, que o legislador, reportando-se aos termos «estética das povoações», «adequada inserção no ambiente urbano» e «beleza das paisagens» [artigo 63.°, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.° 445/91], conceitos indeterminados, não está a entregar à Administração poderes discricionários, mas a fixar-lhe um quadro de vinculação, podendo o tribunal substituir pelos seus os juízos estético e adequada inserção no ambiente formulados pela entidade administrativa, em caso de erro grosseiro ou utilização de critério manifestamente desajustado”.

A nossa discordância da doutrina que emana deste último aresto deriva, por um lado, da negação da atribuição pelo legislador de poderes discricionários através da técnica de utilização de conceitos imprecisos-tipo e, por outro lado, da consideração, subjacente ao acórdão, de que a decisão adoptada pela Administração no exercício de poderes discricionários escapa totalmente ao controlo jurisdicional. Ora, quanto a este ponto, é sabido que os tribunais administrativos podem sindicar uma tal decisão não apenas em caso de erro manifesto de apreciação, mas também quando a mesma enferme de desvio de poder em sentido subjectivo (que consiste na divergência entre o fim subjectivamente proposto pelo agente e o fim legalmente fixado para a respectiva decisão) ou de desvio de poder em sentido objectivo, o qual se verifica quando a decisão adoptada viole os princípios jurídicos fundamentais limitativos da acção administrativa (princípios de igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé). Todavia, o juiz administrativo, na sua actividade de controlo das decisões adoptadas pela Administração no âmbito do seu poder discricionário, não pode substituir-se à Administração, mas tão-só verificar se a decisão adoptada viola os mencionados

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princípios jurídicos fundamentais.

Havendo deferimento, nos termos apontados, deve o requerente, antes da emissão do alvará, celebrar com a câmara municipal contrato relativo ao cumprimento das obrigações assumidas e prestar caução adequada, beneficiando de redução proporcional ou isenção das taxas por realização das infra-estruturas urbanísticas, nos termos a fixar em regulamento municipal (artigo 25.°, n.º 3). A prestação de caução — à qual se aplica, com as necessárias adaptações, o regime jurídico da caução destinada a garantir a boa e regular execução das obras de urbanização, condensado no artigo 54.° do RJUE —, bem como a execução ou manutenção das obras de urbanização que o interessado se compromete a realizar ou a câmara municipal entenda indispensáveis devem ser mencionadas expressamente como condição do deferimento do pedido. O n.º 6 do artigo 25.° do RJUE impõe, neste domínio, a observância do princípio da proporcionalidade, determinando que os encargos a suportar pelo requerente do licenciamento ao abrigo do contrato que vem de ser referido devem ser proporcionais à sobrecarga para as infra-estruturas existentes resultante da operação urbanística.

Como já referimos, seguindo JORGE ALVES CORREIA, o contrato acima mencionado é, quanto à sua natureza jurídica, um contrato com objecto passível de acto administrativo, mais especificamente, um contrato obrigacional, por meio do qual a Administração se compromete, no âmbito de um determinado procedimento administrativo, a praticar um acto administrativo com um determinado conteúdo, in casu, o deferimento do pedido de licenciamento da operação urbanística.Reportando-nos, agora, ao último ponto, deve sublinhar-se que a deliberação de licenciamento inclui também um conjunto de especificações relativas a determinadas operações urbanísticas. É o que sucede com a determinação das cedências ao município de parcelas para implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização colectiva e infra-estruturas, no caso de deliberação de licenciamento de uma operação de loteamento (artigo 44.° do RJUE); a fixação das condições a observar na execução das obras de urbanização, incluindo o cumprimento do disposto no regime da gestão de resíduos de construção e demolição nelas produzidos, o prazo para a sua conclusão, o montante da caução destinada a assegurar a boa e regular execução das mesmas obras e as condições gerais do contrato de urbanização que porventura venha a ser celebrado no âmbito de execução das obras de urbanização (artigo 53.° do RJUE)141; e a fixação das condições a observar na execução das obras de edificação, das condições relativas à ocupação da via pública ou à colocação de tapumes e vedações nas obras de edificação e do prazo de execução das mesmas obras (artigos 57.° e 58.° do RJUE).

141 O contrato de urbanização referido no texto, regulado no artigo 55.° do RJUE, é, ao lado do contrato referido nos artigos 24.°, n.os 2, alínea b), e 5, e 25.°, n.os 1, 3 e 6, do RJUE, um contrato urbanístico em sentido restrito, e, tal como este, um contrato que tem por objecto encargos relativos a infra-estruturas urbanísticas. Ambos os contratos constituem exemplos de contratos de mediação no regime de controlo das operações urbanísticas.

Aquele contrato de urbanização pode ser celebrado quando a execução de obras de urbanização envolva, em virtude de disposição legal ou regulamentar ou por força de convenção, mais de um responsável, sendo partes no mesmo, obrigatoriamente, o município e o proprietário e outros titulares de direitos reais sobre o prédio e, facultativamente, as empresas que prestem serviços públicos, bem como outras entidades envolvidas na operação de loteamento ou na urbanização dela resultante, designadamente interessadas na aquisição dos lotes (artigo 55.°, n.os 1 e 2, do RJUE).Ressalvado o caso em que se apresente como uma mera reprodução de obrigações legais, o contrato de urbanização a que nos estamos a referir, na medida em que as respectivas condições gerais, no caso de recurso ao mesmo, são definidas na deliberação da câmara municipal que defere o pedido de licenciamento das obras de urbanização e, além disso, é mencionado no próprio alvará de licença das obras de urbanização (artigo 55.°, n.º 4, do RJUE), constitui um contrato administrativo relativo ao modo de execução das obras de urbanização, em que as condições de recurso ao mesmo são fixadas unilateralmente pelo contraente público. Está-se, assim, perante um contrato que é precedido de um acto administrativo (in casu, uma deliberação), o qual exerce uma dupla função: a de constituir uma decisão de recurso ao contrato administrativo e uma decisão normativa das condições do mesmo. Cfr. Jorge Alves Correia, ob. cit., p. 169 e 170.

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Fase integrativa de eficácia

Com a deliberação de deferimento do pedido de licenciamento da operação urbanística, o mesmo é dizer, com a atribuição da licença para a realização da operação urbanística (artigo 26.° do RJUE), não fica ainda completo o procedimento de licença. Na verdade, aquele é um acto perfeito, mas ainda não é eficaz. Ele é um acto potencialmente produtor de consequências jurídicas, mas elas estão comprimidas ou em estado latente. Torna-se, por isso, necessária, como acentua ROGÉRIO SOARES, uma terceira fase, constituída por actos que, não podendo acrescentar nada à validade do acto principal, vão, todavia, conferir-lhe a força que os liberte do letargo.

O acto integrativo da eficácia da licença é a emissão de um título, que adopta a designação tradicional no nosso direito autárquico de alvará. De facto, de harmonia com o disposto no artigo 74.°, n.º 1, do RJUE, “as operações urbanísticas objecto de licenciamento são tituladas por alvará, cuja emissão é condição de eficácia da licença” Por sua vez, a emissão do alvará pressupõe a prova do pagamento das taxas ou, utilizando os termos da lei, aquele é emitido “desde que se mostrem pagas as taxas devidas” (artigo 76.°, n.º 4, do RJUE).

Também a autorização de utilização dos edifícios é titulada por alvará (artigo 74.°, n.º 3, do RJUE). Mas não sucede o mesmo com a admissão de comunicação prévia das operações urbanísticas, a qual é titulada pelo recibo da apresentação da comunicação prévia, acompanhado do comprovativo da admissão, nos termos que veremos adiante (artigo 74.°, n.º 2, do RJUE).

A competência para a emissão do alvará de licença para a realização das operações urbanísticas pertence ao presidente da câmara municipal, podendo o mesmo delegar esta competência nos vereadores, com faculdade de subdelegação, ou nos dirigentes dos serviços municipais (artigo 75.° do RJUE). O alvará obedece a um modelo tipo estabelecido na Portaria n.° 216-D/2008, de 3 de Março - regulamento emitido com base na remissão normativa constante do artigo 76.°, n.° 6, do RJUE.

Para efeitos de emissão de alvará, deve o interessado, no prazo de um ano a contar da data da notificação do acto de licenciamento (ou da autorização de utilização), apresentar o respectivo requerimento, acompanhado dos elementos definidos na Portaria n.° 216-E/2008, de 3 de Março - prazo esse que pode ser prorrogado, por uma única vez, pelo presidente da câmara municipal, a requerimento fundamentado do interessado (artigo 76.°, n.os 1 e 2, do RJUE). A inobservância deste prazo tem como consequência a caducidade da licença [artigo 71.°, n.os 1, alínea b), e 2, do RJUE). Mas ao problema da caducidade da licença (e admissão de comunicação prévia) voltaremos mais adiante 144.

144 As normas dos artigos 71.°, n.os 1, 2 e 3, e 76.°, n.os 1 e 2, do RJUE fixam um prazo legal ou dies iuris, ao qual a Administração e os particulares estão vinculados. Tal prazo não constitui, por isso, uma cláusula acessória (termo final ou resolutivo), porque a Administração não dispõe de qualquer poder discricionário para definir, dentro dos limites impostos por lei, a sua extensão. Todavia, o prazo de prorrogação fixado por despacho do presidente da câmara municipal, nos termos do artigo 76.°, n.° 2, do RJUE, já constitui um termo, na medida em que a lei remete para a discricionaridade administrativa a concretização do seu limite. Cfr., sobre esta questão, FlLIPA URBANO CalvãO, Cláusulas Acessórias em Direito Administrativo, cit., p. 154-157.

No caso de operação de loteamento que exija a realização de obras de urbanização, é emitido um único alvará, que deve ser requerido no prazo de um ano a contar da admissão de comunicação prévia das obras de urbanização (artigo 76.°, n.º 3, do RJUE). O alvará deve ser emitido no prazo de 30 dias a contar da apresentação do respectivo requerimento ou da recepção dos elementos que corrijam ou completem o pedido, “desde que se mostrem pagas as taxas devidas” (artigo 76.°, n.º 4, do RJUE).

Vigora também no domínio da emissão do alvará o princípio da taxativdade dos fundamentos de indeferimento, só podendo o requerimento ser indeferido com fundamento na caducidade, suspensão, revogação, anulação ou declaração de nulidade da licença ou na falta do pagamento das

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taxas que sejam devidas (artigo 76.°, n.º 5, do RJUE).O alvará de licença de operações urbanísticas deve conter, nos termos da licença, a

especificação de um conjunto de elementos enumerados nos n.os 1, 2 e 4 do artigo 77.° do RJUE. Assim, o alvará de licença de operação de loteamento ou de obras de urbanização deve conter, conforme forem aplicáveis, os seguintes elementos: identificação do titular do alvará; identificação do prédio objecto da operação de loteamento ou das obras de urbanização; identificação dos actos dos órgãos municipais relativos ao licenciamento da operação de loteamento e das obras de urbanização; enquadramento da operação urbanística em plano municipal de ordenamento do território em vigor, bem como na respectiva unidade de execução, se a houver; número de lotes e indicação da área, localização, finalidade, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos (elementos estes que devem constar também de plantas que os representem, anexas ao alvará); cedências obrigatórias, sua finalidade e especificação das parcelas a integrar no domínio municipal (as quais devem também ser representadas em planta ou plantas anexas ao alvará); prazo para a conclusão das obras de urbanização; e montante da caução prestada e identificação do respectivo título (artigo 77.°, n.os 1 e 2, do RJUE). No caso de haver lugar à celebração de contrato de urbanização, tendo como objecto a realização das obras de urbanização, a ele deve também ser feita menção no alvará (artigo 55.°, n.° 4, do RJUE).

Por seu lado, o alvará para a realização das restantes operações urbanísticas sujeitas a licença deve conter, nos termos da licença, os seguintes elementos, consoante sejam aplicáveis: identificação do titular da licença; identificação do lote ou do prédio onde se realizam as obras ou trabalhos; identificação dos actos dos órgãos municipais relativos ao licenciamento das obras ou trabalhos; enquadramento das obras em operação de loteamento ou plano municipal de ordena-mento do território em vigor, no caso das obras previstas nas alíneas b), c) e e) do artigo 2.° do RJUE (ou seja, as obras de construção, as obras de reconstrução sem preservação das fachadas e as obras de alteração); os condicionamentos a que fica sujeita a licença; as cérceas e o número de pisos acima e abaixo da cota de soleira; a área de construção e a volu- metria dos edifícios; o uso a que se destinam as edificações; e o prazo de validade da licença, o qual corresponde ao prazo para a conclusão das obras ou trabalhos (artigo 77.°, n.° 4, do RJUE).

O alvará está sujeito a especiais exigências de publicidade. Assim, deve ser afixado pelo respectivo titular, no prazo de 10 dias após a sua emissão, no prédio objecto de qualquer operação urbanística um aviso, visível do exterior, que deve permanecer até à conclusão das obras, aviso que deve conter boa parte das especificações anteriormente referidas, e o que o n.º 4 do artigo 78.° do RJUE enumera, e obedecer ao modelo definido na Portaria n.° 216-F/2008, de 3 de Março (artigo 78.°, n.os 1, 3 e 4, do RJUE).

Tratando-se de alvará de licença de loteamento, a câmara municipal deve ainda, no prazo de 10 dias após a sua emissão, publicar um aviso em boletim municipal e na página da Internet do município ou, quando estes não existam, um edital a afixar nos paços do concelho e nas sedes das juntas de freguesia abrangidas; e um aviso num jornal de âmbito local, quando o número de lotes for inferior a 20, ou num jornal de âmbito nacional, nos restantes casos [artigo 78.°, n.º 2, alínea a) e b), do RJUE].

Estas formas de publicidade têm como finalidade facilitar a utilização por terceiros lesados nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, pelos actores populares ou pelo Ministério Público dos meios jurisdicionais de protecção contra a licença.

O procedimento de comunicação prévia

O procedimento de comunicação prévia é mais simples e célere do que o procedimento de licença.

Tal como no procedimento de licença, também no procedimento de comunicação prévia, encontramos uma fase preparatória a qual integra os actos de iniciativa e de apreciação liminar,

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bem como os actos de instrução.O procedimento de comunicação prévia inicia-se com a apresentação da comunicação, nos

termos do artigo 9.°, n.° 1, do RJUE. Não há aqui lugar à entrega de um requerimento ou de um pedido, já que, em termos formais, o interessado limita-se a apresentar uma “comunicação” ou uma “notícia” de que se propõe realizar uma determinada operação urbanística sujeita a esta modalidade de controlo preventivo. A apresentação da referida comunicação é feita também com recurso a meios electrónicos e através do sistema informático próprio do município, dirigida ao presidente da câmara municipal.

A comunicação prévia deve ser acompanhada de vários elementos instrutórios: os elementos fixados na Portaria n.° 232/2008, de 11 de Março (n.os 8.°, 10.°, 12.°, 14.°, 17.° e 18.°, consoante o tipo de operação urbanística), o termo de responsabilidade referido no artigo 10.° do RJUE, as especificações a que alude o artigo 77.° do RJUE (artigo 35.°, n.º 1, do RJUE), bem como, se for caso disso, a indicação das condições relativas à ocupação da via pública e à colocação de tapumes e vedações (artigo 57.°, n.º 2, do RJUE) e das fases de execução da obra (artigo 59.°, n.os 1, 2 e 7, do RJUE).

A comunicação prévia da operação urbanística deve ser também publicitada, sob a forma de aviso, no local da execução da mesma (artigo 12.° do RJUE e Portaria n.° 216-C/2008, de 3 de Março).

Tal como foi avançado relativamente ao procedimento de licença, também tem lugar no procedimento de comunicação prévia a apreciação liminar, a qual consiste, como se disse, na decisão das questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento da comunicação prévia, isto é, no saneamento da comunicaçao prévia deficientemente instruída ou manifestamente insusceptível de deferimento — apreciação liminar essa que pode desembocar ou num despacho de aperfeiçoamento da comunicação ou num despacho de rejeição liminar da mesma, em termos semelhantes aos indicados a propósito do procedimento de licença (artigos 11.° e 36.°, n.° 1, do RJUE).

Não ocorrendo despacho de aperfeiçoamento, nem de rejeição liminar, presume-se que a comunicação prévia se encontra correctamente apresentada e instruída (artigo 11.°, n.º 5, do RJUE).

No que concerne à instrução da comunicação prévia, importa sublinhar que também no procedimento desta têm lugar as consultas a entidades externas previstas nos artigos 13.° e 13.°-A do RJUE. Esta exigência de consultas externas, no âmbito do procedimento de comunicação prévia, a qual é claramente afirmada no artigo 36.°, n.º 2, do RJUE, suscita-nos uma crítica incisiva, dado que constitui um retrocesso, em termos de simplificação e aceleração procedimentais, em relação ao anterior regime dos procedimentos de autorização administrativa, onde eram expressamente dispensadas as consultas externas, como decorria do artigo 28.°, n.° 2, do RJUE, na versão anterior à Lei n.° 60/2007. Procedimento de comunicação prévia que se apresenta, sublinhe-se, como um sucedâneo do anterior procedimento de autorização, com o qual mantém fortes pontos de contacto, nomeadamente ao nível do respectivo âmbito material de aplicação.

A fase constitutiva do procedimento de comunicação prévia integra a respectiva decisão sobre o mesmo — decisão essa que, in casu, apresenta contornos específicos. De harmonia com o que preceituam os n.os 1 e 2 do artigo 36.° do RJUE, o procedimento de comunicação prévia conclui-se, necessariamente, no prazo de 20 dias após a entrega da comunicação ou, no prazo de 60 dias, quando haja lugar a consulta a entidades externas.

Nos termos dos artigos 36.° e 36.°-A do RJUE, o procedimento de comunicação prévia poderá ter um dos seguintes desenlaces: rejeição expressa da comunicação; ou ausência de rejeição expressa da comunicação.

No tocante à primeira, deve ela ocorrer dentro do prazo de 20 (ou de 60) dias após a apresentação da comunicação prévia e demais elementos que a devem acompanhar (prazo de rejeição). A mesma consta de decisão expressa do presidente da câmara (ou do vereador com delegação de competência ou ainda do dirigente do serviço municipal com subdelegação de competência) e deve ser proferida quando a obra violar as normas legais e regulamentares

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aplicáveis, designadamente as constantes de plano municipal de ordenamento do território, alvará de loteamento, as normas técnicas de construção em vigor, ou os termos de informação prévia existente (artigo 36.°, n.° 1, do RJUE). O acto de rejeição, que tem de ser praticado den tro do prazo de rejeição — porquanto, se for praticado mais tarde, estar-se-á perante um acto (tácito ou implícito) de revogação da admissão da comunicação prévia —, é um acto administrativo, por meio do qual a autoridade competente exerce o seu poder inibitório, interditivo ou de veto, do qual resulta a não remoção da proibição legal da realização da operação urbanística. Apesar de traduzir um poder inibitório ou de obstaculização à realização da operação urbanística objecto de “comunicação” ou de “notícia”, a rejeição de que estamos a falar pode também ser considerada um acto administrativo negativo, equiparado ao acto de indeferimento do pedido ou do requerimento do particular.

No que respeita à segunda — ou seja, a ausência de rejeição da comunicação —, equivale a mesma à admissão da comunicação prévia. De facto, conforme determina o artigo 36.°-A, n.° 1, do RJUE, decorrido o prazo de rejeição sem que a comunicação prévia tenha sido rejeitada, “é disponibilizada no sistema informático [...] a informação de que a comunicação não foi rejeitada, o que equivale à sua admissão”.

A admissão ou, em termos equivalentes, a falta de rejeição da comunicação comporta um efeito permissivo e habilitador, uma vez que, por força do artigo 36.°-A, n.º 2, do RJUE, o interessado pode, isto é, fica habilitado a — dar início às obras, desde que efectue previamente o pagamento das taxas devidas através de autoliquidação (vejam-se também os artigos 113.°, n.º 3, e 117.°, n.º 5, do RJUE, os quais prevêem, para outra hipótese, o pagamento das taxas através de autoliquidação).

Apesar de a lei não se apresentar clara, concordamos com PEDRO GONÇALVES, o qual defende que não é exactamente a informação, através do sistema informático, de que a comunicação não foi rejeitada que equivale à admissão da comunicação prévia, como sugere o n.° 1 do artigo 36.°-A, mas antes a simples falta de rejeição dentro do prazo, como resulta do n.° 2 do mesmo preceito, o qual determina que “na falta de rejeição da comunicação prévia, o interessado pode dar início às obras […]”. Assim sendo, se, por qualquer razão, o sistema informático não disponibilizar a informação da não rejeição, o interessado fica habilitado, pelo mero facto de ter decorrido o prazo de rejeição, a executar as operações urbanísticas comunicadas, devendo a Administração suprir a falta de informação pelo sistema informático, através da emissão de um comprovativo da admissão da comunicação prévia.

Finalmente, também a propósito da admissão da comunicação prévia se poderá falar de uma fase integrativa de eficácia. Não porque no procedimento de comunicação prévia haja lugar à emissão de qualquer alvará, constituindo, antes, o título da mesma o “recibo da sua apresentação acompanhado do comprovativo da admissão nos termos do artigo 36.°-A” (artigo 74.°, n.° 2, do RJUE). Mas porque a realização da operação urbanística objecto de admissão de comunicação prévia pressupõe o pagamento das taxas devidas pela operação urbanística (artigo 116.° do RJUE). Só após o pagamento dessas taxas é que se pode dar início às obras (artigo 36.°-A, n.° 2, do RJUE), fenómeno que legitimará a afirmação de que um tal pagamento constitui um requisito de eficácia da admissão da comunicação prévia.

A singularidade mais importante do nosso modelo do procedimento de comunicação prévia é a configuração da admissão da comunicação como acto administrativo. A opção do legislador por-tuguês por este modelo resulta claramente da epígrafe “acto administrativo” do artigo 36.°-A do RJUE. E resulta também nitidamente dos artigos 67.° e 68.°, respeitantes à validade da admissão de comunicação prévia, e 71.° e 73.°, relativos à caducidade e revogação da mesma, todos do RJUE, nos quais se verifica uma identidade de regimes entre a licença e a admissão de comunicação prévia.

A admissão de comunicação prévia tem, assim, no ordenamento jurídico português, a natureza de um acto administrativo ficcionado, ou seja, de um acto administrativo criado por ficção legal154.

154 A consideração da admissão da comunicação prévia como acto administrativo ficcionado aproxima-a do instituto do deferimento tácito, cujo âmbito de aplicação no domínio dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas sofreu uma acentuada redução, como veremos infra (sobre a figura do

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deferimento tácito em geral, cfr. JoÀo TIAGO SILVEIRA, O Deferimento Tááto, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 94 e segs.). Todavia, aquelas duas figuras jurídicas não se confundem. Como efeito, como realça PEDRO GONÇALVES, no procedimento de admissão da comunicação prévia, a ausência de decisão formal da Administração surge como situação típica configurada pelo legislador: a falta de decisão dentro do prazo fixado para o efeito não traduz qualquer inércia, nem uma situação de incumprimento (de dever ou obrigação de decidir) da autoridade competente; pelo contrário, a lei define a falta de decisão como a situação típica e normal de produção de efeito permissivo. Ao invés, o deferimento tácito surge como remédio para uma “apatia da Administração , numa situação em que a lei não só exige a realização de um con trolo prévio, como ainda reclama a tomada de uma decisão expressa; a falta de decisão consubstancia, neste caso, o incumprimento de um dever legal de decidir.

A solução adoptada pelo nosso legislador é, deste modo, a mais adequada, já que, ao considerar a admissão de comunicação prévia como um acto administrativo, ainda que ficcionado, submete-a ao regime geral dos actos administrativos, designadamente em matéria de validade e de impugnação contenciosa, bem como dos poderes administrativos de declaração de nulidade ou de revogação [esta última a efectuar nos termos estabelecidos no CPA para os actos constitutivos de direitos (veja- -se, contudo, o artigo 73.°, n.° 2, do RJUE), ou, tratando-se de revogação anulatória, nos termos do artigo 141.° do mesmo Código].

Pedido de informação prévia

Conceito e objecto da informação prévia

O procedimento de licença e o procedimento de comunicação prévia podem ser antecedidos de um pedido de informação prévia, o qual se apresenta em relação àqueles como um procedimento facultativo (cabendo, por isso, ao interessado ajuizar das vantagens do recurso ao mesmo, antes de iniciar o procedimento de licença ou de comunicação prévia)164 e autónomo (no sentido de que não é um subprocedimento daqueles, apesar de a decisão que vier a ser nele adoptada, sobretudo se tiver um conteúdo favorável, ter importantes efeitos ou repercussões nos procedimentos de licença e de comunicação prévia, como esclarecemos de seguida).

164 O carácter facultativo do pedido de informação prévia está expressamente contemplado no artigo 14.°, n.º 1, do RJUE [“qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação (…)”]. Daqui resulta que são ilegais as disposições dos regulamentos municipais de urbanização e ou de edificação que consagrem a obrigatoriedade do pedido de informação prévia relativo a todas ou a algumas das operações urbanísticas sujeitas a licença ou a admissão de comunicação prévia.

O pedido de informação prévia — que se apresenta como o sucessor do denominado “parecer de viabilidade” — tem como finalidade obter da câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas directamente relacionadas, bem como sobre os respectivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infra-estruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão (artigo 14.°, n.º 1, do RJUE). Tem, assim, o mesmo como objectivo fundamental fornecer ao interessado um conjunto de informações fiáveis e credíveis, que lhe permitam analisar a viabilidade da operação urbanística ou do conjunto de operações urbanísticas directamente relacionadas que ele tenciona realizar e ponderar e decidir se avança, ou não, com o pedido de licenciamento ou com a apresentação da comunicação prévia da operação urbanística. À luz do exposto, o pedido de informação prévia constitui um instrumento de segurança dos interessados, que lhes permite não avançar para a formulação de um pedido de licença ou para a apresentação de uma comunicação prévia, acompanhados da elaboração de um projecto da operação urbanística, cujos custos são elevados, sem previamente obter uma informação sobre a viabilidade e sobre os condicionamentos legais e regulamentares da concreta operação urbanística que pretendem

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concretizar.O pedido de informação prévia, tal como é gizado nos artigos 14.° a 17.° do RJUE, distingue-se

facilmente do direito à informação, condensado no artigo 110.°, n.° 1, alínea a), daquele diploma. A distinção resulta claramente, em primeiro lugar, da natureza do pedido formulado num e noutro. Naquele, o requerente solicita à Administração uma informação sobre a viabilidade e os condicionamentos legais e regulamentares de uma concreta pretensão urbanística. Neste, o interes-sado limita-se a solicitar uma informação abstracta e genérica sobre os instrumentos de desenvolvimento e planeamento territorial em vigor para determinada área do município, bem como sobre as demais condições gerais a que devem obedecer as operações urbanísticas a realizar nessa mesma áreas. Acresce que o direito à informação de que estamos a falar constitui uma expressão dos direitos e garantias dos administrados, plasmados nos n.os 1 e 2 do artigo 268.° da Constituição.

Deriva, em segundo lugar, da não coincidência, em abstracto, da legitimidade para requerer a informação urbanística do artigo 110.°, n.º1, alínea d), do RJUE e para apresentar o pedido de informação prévia. De facto, a primeira pode ser apresentada por “qualquer interessado”, isto é, por quem invoque um interesse legítimo no conhecimento dos elementos abrangidos, incluindo a condição de vizinho urbanístico ou de proximidade com a área sobre que o recai o pedido de informação, bem como, “para defesa de interesses difusos definidos na lei, quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras de tais interesses” (artigo 110.°, n.° 6, do R.JUE) — os titulares dos direitos de participação procedimental e da acção popular, de acordo com o artigo 52.°, n.° 3, da Constituição e da Lei n.° 83/95, de 31 de Agosto. O segundo também pode ser apresentado por “qualquer interessado”, mas, como veremos um pouco mais abaixo, não sendo o pedido de informação prévia apresentado pelo proprietário ou pelo titular de qualquer direito que lhe permita fazer o posterior pedido de licenciamento ou apresentar a comunicação prévia, só deve reconhecer-se interesse legítimo para requerer a informação prévia a quem invoque um interesse efectivo ou eventual, na aquisição da parcela sobre a qual recai o pedido — interesse este, no entanto, insusceptível de prova, donde resulta o carácter meramente formal de sua invocação e, em último termo, o carácter quase ilimitado da legitimidade para requerer a informação prévia.

Deriva, em terceiro lugar, da diferente natureza da pronúncia da Administração. Na verdade, o pedido de informação prévia configura-se como um procedimento que desemboca numa decisão ou num acto administrativo que produz consequências jurídicas relevantes para o requerente, designadamente, no caso de informação prévia favorável, a vinculação das entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou apresentação de comunicação prévia da operação urbanística a que respeita. Ora, nada disto sucede no pedido de informação, condensado no artigo 110.°, n.º 1, alínea a), do RJUE. De facto, neste a informação obtida apresenta-se como um acto meramente informativo ou declarativo, ao passo que naquele estamos perante uma informação qualificada e constitutiva de direitos.

E resulta, em quarto lugar, da diversidade de efeitos jurídicos: a informação decorrente do direito à informação do artigo 110.°, n.º 1, alínea a), do R.JUE não é constitutiva de direitos, nem de expectativas jurídicas para o particular e não vincula a Administração, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil desta por danos causados aos particulares, no caso de prestação de informações erróneas, nos termos do artigo 7.°, n.º 2 do CPA; a informação prévia favorável é um acto constitutivo de direitos para o particular (embora de carácter não permissivo) e vinculativo para a câmara municipal relativamente a uma eventual decisão ulterior acerca do licenciamento ou da admissão de comunicação prévia da operação urbanística visada.

O n.º 2 do artigo 14.° do RJUE define quais os aspectos que podem ser objecto do pedido de informação prévia, quando este respeitar a operação de loteamento, em área não abrangida por plano de pormenor, ou a obra de construção, ampliação ou alteração em área não abrangida por plano de pormenor ou operação de loteamento. Tais aspectos são os seguintes, em função da informação pretendida e dos elementos apresentados: a volumetria, alinhamento, cércea e

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implantação da edificação e dos muros de vedação; condicionantes para um adequado relacionamento formal e funcional com a envolvente; programa de utilização das edificações, incluindo a área bruta de construção a afectar aos diversos usos e o número de fogos e outras unidades de utilização; infra-estruturas locais e ligação às infra-estruturas gerais; estimativa dos encargos urbanísticos devidos; e áreas de cedência destinadas à implantação de espaços verdes, equipamentos de utilização colectiva e infra-estruturas viárias.

Em face da redacção do n.° 2 do artigo 14.° do RJUE, poderia suscitar-se a questão de saber se o legislador teria restringido o âmbito do pedido de informação prévia às operações de loteamento, em área não abrangida por plano de pormenor, e às obras de construção, ampliação ou alteração em área não abrangida por plano de pormenor ou operação de loteamento. Não foi isso, porém, o que sucedeu. O legislador pretendeu apenas esclarecer que o pedido de informação prévia pode ter como objecto aquelas operações urbanísticas, em relação às quais, por as regras de planeamento serem menos densas, poderiam ser levantadas dúvidas. Não pretendeu, seguramente, impedir que o pedido de informação prévia possa ter como objecto qualquer tipo de operação urbanística em área abrangida por plano de pormenor ou operação de loteamento, nem impedir que, neste caso, o requerente do pedido de informação prévia possa solicitar que a informação prévia contemple todos ou alguns dos aspectos referidos nas diferentes alíneas do n.° 2 do artigo 14.° do RJUE.

De qualquer modo, como melhor veremos infra, a emissão de uma informação prévia favorável com base no artigo 14.°, n.º 2, do RJUE tem uma relevância particular, dado que tem por efeito a su -jeição da operação urbanística em causa, a efectuar nos precisos termos em que foi apreciada, ao regime de comunicação prévia e dispensa a realização de novas consultas externas (aproveitando-se, por isso, as realizados no âmbito do procedimento de informação prévia).

Aqui chegados, estamos em condições de afirmar que o pedido de informação prévia desempenha três funções essenciais: uma função de informação, uma função de garantia ou de segurança e uma função de simplificação procedimental. A primeira traduz-se na informação ao requerente sobre a possibilidade de realização da operação urbanística apresentada, tendo em conta as normas que lhe são aplicáveis e os respectivos condicionamentos legais e regulamentares, ou seja, na medida da informação pretendida e dos elementos apresentados, a qual assume a natu-reza de uma informação concretizada, nota que a distingue do direito à informação da alínea a) do n.° 1 do artigo 110.° do RJUE. É esta função que está plasmada nos n.os 1 e 2 do artigo 14.° do RJUE, mas que se encontra também presente nos n.os 3 e 4 do artigo 16.° do mesmo diploma, que prescrevem, respectivamente, a obrigatoriedade de indicação, na informação prévia favorável, do procedimento de controlo prévio a que se encontra sujeita a realização da operação urbanística projectada, e a obrigatoriedade, no caso de informação prévia desfavorável, da indicação dos termos em que a mesma pode ser revista, por forma a serem cumpridas as prescrições urbanísticas aplicáveis.

A segunda — a de garantia ou de segurança — está associada à vinculação pela câmara municipal à informação no caso de posterior pedido de licenciamento ou apresentação de comunicação prévia pelo interessado requerente, no prazo de um ano, e na medida da conformação do ulterior pedido aos termos da informação prestada, seja a mesma favorável ou desfavorável à pretensão do particular (artigos 17.°, n.os 1 e 2, e 16.°, n.º 4, do RJUE). Uma tal função é reforçada pela possibilidade de “renovação” por mais um ano do prazo de vinculação pela câmara municipal à informação prévia favorável, prevista no artigo 17.°, n.º 3, do RJUE, e pela não suspensão dos procedimentos de licenciamento ou comunicação prévia requeridos ou apresentados com suporte em informação prévia nas áreas a abranger por novas regras urbanísticas, constantes de plano municipal ou especial de ordenamento do território ou sua revisão a partir da data fixada para o início da discussão pública e até à data da entrada em vigor daquele instrumento de planeamento, plasmada no artigo 17.°, n.° 4 daquele diploma legal.

A terceira — a de simplificação procedimental — está espelhada, por um lado, na antecipação para o procedimento de informação prévia das consultas externas, nos termos dos artigos 13.°, 13.°-A e 13.°-B do RJUE, às entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações condicionem, nos

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termos da lei, a informação a prestar, sempre que tal consulta deva ser promovida num eventual pedido de licenciamento ou apresentação de comunicação prévia, e, por outro lado, na sujeição da operação urbanística objecto de informação prévia favorável ao regime de comunicação prévia e na desnecessidade da repetição das consultas externas no procedimento ulterior da comunicação prévia da operação urbanística objecto de informação prévia favorável, sempre que a informação prévia seja proferida nos termos do artigo 14.°, n.° 2, do RJUE, ou seja, na sua modalidade mais abrangente (artigos 15.°, n.° 1, e 17.°, n.° 1 do RJUE) Os pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município fazem parte integrante de informação prévia aprovada e são obrigatoriamente notificados ao requerente juntamente com aquela (artigo 16.°, n.° 2, do RJUE).

Procedimento de informação prévia

O procedimento de informação prévia inicia-se com um requerimento dirigido ao presidente da câmara municipal, contendo os elementos referidos no artigo 9.° do RJUE, anteriormente referido. Todavia, não há identidade dos requisitos de legitimidade para requerer informação prévia e para requerer o licenciamento ou para apresentar a comunicação prévia de uma operação urbanística, ao contrário do que sucedia no âmbito da vigência dos Decretos-Leis n.os 448/91 e 445/91.

Mas, actualmente, o pedido de informação prévia pode ser apresentado por qualquer interessado, referindo o artigo 14.°, n.° 3, do R.JUE que, quando este “não seja proprietário do prédio, o pedido de informação prévia inclui a identificação daquele, bem como dos titulares de qualquer outro direito real sobre o prédio, através de certidão emitida pela conservatória do registo predial”. E, na mesma linha, o n.º 4 daquele artigo determina que, em tal caso, “a câmara muni cipal deve notificar o proprietário e os demais titulares de qualquer outro direito real sobre o prédio da abertura do procedimento”.

Verifica-se, assim, que o RJUE alargou a legitimidade para requerer a informação prévia. O legislador, ao consagrar uma legitimidade alargada ou ampla para o pedido de informação prévia, pretendeu claramente enfatizar o papel da informação prévia no comércio imobiliário. Com efeito, a restrição de legitimidade para formular um pedido de informação prévia ao proprietário de um terreno ou ao titular de um direito que lhe confira a faculdade para realizar a operação urbanística tinha como consequência que apenas ele podia utilizar uma eventual informação prévia favorável como instrumento de valorização do seu terreno e de facilitação e promoção da transacção daquele bem. Mas o alargamento da legitimidade para o pedido de informação prévia a “qualquer interessado” possibilita que um eventual interessado na aquisição de um terreno formule o pedido de informação prévia sobre a viabilidade de realização no mesmo de uma determinada operação urbanística, fazendo depender a sua decisão sobre a aquisição do terreno do carácter favorável ou desfavorável da informação prévia solicitada.

Da ampliação da legitimidade para apresentação de um pedido de informação prévia podem, no entanto, resultar duas consequências negativas: a inutilidade de uma informação prévia favorável para o requerente, se o interessado na aquisição de um terreno objecto dessa informação prévia favorável não vier a adquirir a propriedade desse bem ou a titularidade de um direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística; e a possibilidade de um mesmo prédio ou ter reno ser objecto de vários pedidos de informação prévia que correm simultaneamente e eventualmente para utilizações distintas, apresentados por diferentes interessados não titulares de qualquer direito real sobre o mesmo, os quais constituem a câmara municipal na obrigação de decidir, de que resulta uma sobrecarga, por vezes desnecessária e inútil, dos serviços municipais.

O requerimento é instruído com os elementos referidos nos n.os 1.° a 6.° (conforme o tipo de operação urbanística sobre que incide o pedido de informação prévia) da Portaria n.° 232/2008, de 11 de Março, rectificada pela Declaração de Rectificação n.° 26/2008, de 9 de Maio. Têm lugar também no procedimento de informação prévia o saneamento e a apreciação liminar, em termos semelhantes aos apontados para os procedimentos de licença e de comunicação prévia.

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No âmbito do procedimento de informação prévia há lugar a consultas externas, nos termos dos já mencionados artigos 13.°, 13.°-A e 13.°-B, às entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações condicionem, nos termos da lei, a informação a prestar, sempre que tal consulta deva ser promovida num eventual pedido de licenciamento ou apresentação de comunicação prévia (artigo 15.° do RJUE). Ocorre, aqui, como referimos, uma antecipação para o procedimento de informação prévia das consultas que são exigíveis nos procedimentos de licença e de comunicação prévia.

Desta antecipação das consultas externas decorre a dispensa (rectius, a isenção) da promoção de novas consultas — seria uma repetição das mesmas - no âmbito do procedimento de comunicação prévia, que é precisamente aquele que deve ser seguido no caso de informação prévia favorável emitida nos termos do artigo 14.°, n.° 2, do RJUE (artigo 17.°, n.º 1, deste diploma legal). Sublinhe-se, no entanto, que deve entender-se que uma tal duplicação das consultas externas é também afastada nos casos em que a emissão da informação prévia favorável não tenha ocorrido ao abrigo do artigo 14.°, n.º 2, do RJUE, precisamente porque o pedido de informação prévia respeita a uma operação urbanística diferente das indicadas naquele preceito, desde que o requerente tenha solicitado informação sobre todos os pressupostos de que depende a pronúncia das entidades externas, as consultas tenham sido favoráveis e o acto de controlo da operação urbanística com elas se conforme.

Tendo em conta a remissão feita pelo artigo 15.° do RJUE para os artigos 13.°, 13.°-A e 13.°-B, somos de crer que o requerente da informação prévia pode fazer uso da faculdade conferida pelo artigo 13.°-B e proceder directamente à consulta das entidades externas fazendo juntar ao pedido de informação prévia os pareceres, autorizações e aprovações que receba dessas entidades

Segue-se, finalmente, a decisão, a qual é da competência da câmara municipal, assumindo, por isso, a forma de deliberação. O artigo 16.°, n.° 1, estabelece os prazos para a adopção da deliberação, distinguindo os casos em que o pedido de informação prévia respeite a operação de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor ou a obra de construção, ampliação ou alteração em área não abrangida por plano de pormenor ou operação de loteamento, nos quais o prazo é de 30 dias, e aqueles em que o pedido de informação prévia se refere a outras operações urbanísticas, em que o prazo é de 20 dias. Estes prazos contam-se ou da data da recepção do pedido ou dos elementos solicitados, nos termos do artigo 11.°, n.° 3, do RJUE, isto é, no caso de ter havido despacho de aperfeiçoamento do pedido, com a consequente solicitação dos elementos em falta [n.° 1, alínea a)]; ou da data da recepção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município, quando tenha havido lugar a consultas [n.° 1, alínea b)]; ou ainda do termo do prazo para a recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das entidades consultadas não se pronuncie até essa data [n.° 1, alínea c)] — considerando-se, como já sabemos, haver concordância das entidades com a pretensão formulada se os respectivos pareceres, autorizações ou aprovações não forem recebidos dentro daqueles prazos (artigo 13.°, n.° 5, do RJUE).

Na hipótese de a câmara municipal não adoptar qualquer deliberação dentro daqueles prazos, verifica-se uma situação de silêncio positivo da Administração, com o consequente deferimento tácito da pretensão. E este o resultado inexorável de acordo com o que dispõe o artigo 111.°, alínea c), do RJUE. Haveremos de analisar, mais tarde, os efeitos do silêncio da Administração no âmbito dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas e, por isso, voltaremos a este assunto. Adiantaremos, no entanto, que a formação do acto tácito de deferimento não põe em causa a sua nulidade, designadamente com base na ocorrência dos vícios de legalidade urbanística, condensados no artigo 68.° do RJUE, com as consequências que analisaremos infra.

A deliberação expressa da câmara municipal pode ter um conteúdo positivo ou negativo, ou seja, pode ser favorável ou desfavorável. Os n.os 2, 3 e 4 do artigo 16.° do RJUE impõem um conjunto de exigências à deliberação que “aprovar a informação prévia”, umas vezes independentemente de ela ser favorável ou desfavorável, outras vezes quando ela é favorável e outras ainda quando a mesma é desfavorável. No primeiro caso, deve o município notificar ao requerente, juntamente com

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“a informação prévia aprovada” pela câmara municipal, dela fazendo parte integrante, os pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município (artigo 16.°, n.º 2). No segundo caso, deve a câmara municipal indicar sempre, na informação favorável, o procedimento de controlo prévio a que se encontra sujeita a realização da operação urbanística projectada (artigo 16.°, n.º 3). No terceiro caso, isto é, quando a informação seja desfavorável, deve desta constar a indicação dos termos em que a mesma, sempre que possível, pode ser revista por forma a serem cumpridas as prescrições urbanísticas aplicáveis, designadamente as constantes de plano municipal de ordenamento do território ou de operação de loteamento (artigo 16.°, n.º 4).

Natureza e efeitos da informação prévia

A informação prévia prestada pela câmara municipal é, como sublinhámos no Volume I deste Manual, um verdadeiro acto administrativo, que se pronuncia, de forma prévia ou antecipada, sobre a viabilidade e os condicionamentos legais ou regulamentares de uma determinada operação urbanística. Ela decide sobre a existência de certas condições para a prática do acto administrativo, traduzido na licença ou na admissão da comunicação prévia, de modo final e vinculante para a Administração, pelo que só poderá ser alterada ou eliminada, durante o prazo em que vincula, através dos regimes da revogação ou da anulação dos actos administrativos. Trata-se, porém de um acto prévio à licença ou à admissão de comunicação prévia, de carácter declarativo e sem natureza permissiva, na medida em que com base nele não pode o particular realizar a operação urbanística objecto do pedido de informação prévia.

A caracterização da informação prévia como acto prévio torna-se clara se a perspectivarmos sob o ponto de vista funcional, isto é, atendendo às suas funcões de garantia, informação e simplificação procedimental em relação a um hipotético ulterior procedimento de controlo prévio da operação urbanística visada. Vista sob este prisma, a informação prévia afirma-se como acto prévio relativamente a um procedimento de licenciamento ou de comunicação prévia.

Todavia, considerada em si mesma, a informação prévia não se esgota na figura de acto prévio, antes possui uma autonomia prática e formal em face da categoria de actos prévios. Por isso, fala-se numa especificidade intrínseca da informação prévia, como decisão e acto final e definitivo de um procedimento próprio e autónomo, decorrente de um pedido teleologicamente formulado para a sua emissão e que nesta se esgota, sem deixar de assumir uma pretensão de projecção num eventual posterior procedimento de licenciamento ou de comunicação prévia — especificidade que, se, por um lado, a identifica com os actos prévios, por outro lado, a delimita relativamente aos mesmos, estritamente considerados, atribuindo-lhe uma natureza dogmática própria, sui generis.

Configurando-se como acto administrativo ou como decisão, a informação prévia é um acto administrativo em sentido processual e, por isso, impugnável, nos termos dos artigos 268.°, n.º 4, da Constituição e 51.°, n.º 1, do CPTA. Consideramos, assim, a informação prévia, sem prejuízo das suas especificidades, como a decisão final de um procedimento próprio e autónomo, geradora de efeitos externos para os particulares requerentes, na medida da pretensão material formulada e dos efeitos que produz, é potencialmente lesiva das posições jurídicas dos mesmos.Quanto aos efeitos da informação prévia aprovada (expressão esta que nos aparece no n.º 2 do artigo 16.° e no n.º 1 do artigo 17.° do R.JUE, em contraponto às locuções informação prévia favorável e informação prévia desfavorável), há que distinguir se a mesma tem um conteúdo favorável ou um conteúdo desfavorável. No caso de informação prévia favorável, a mesma vincula as “entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou apresentação de comunicação prévia da operação urbanística a que respeita”, embora um tal efeito vinculativo apenas se verifique desde que o pedido de licenciamento ou apresentação de comunicação prévia seja efectuado “no prazo de um ano após a decisão favorável do pedido de informação prévia” (artigo 17.°, n.os 1 e 2, do RJUE), prazo esse que pode ser acrescido de mais um ano, se o particular o requerer nos termos do n.° 3 do artigo 17.° do RJUE. Significa isto que a não formulação do pedido de licenciamento ou a não apresentação da comunicação prévia dentro daquele prazo tem como

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consequência a caducidade da informação prévia favorável e o desaparecimento dos seus efeitos vinculativos.

A informação prévia favorável é, além disso, constitutiva de direitos, não do direito a concretizar a operação urbanística, mas do direito ao deferimento do pedido de licenciamento ou à admissão da comunicação prévia de uma determinada operação urbanística. Para que tal suceda, é, porém, necessário que:

a) O beneficiário da informação prévia favorável seja “titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística”, isto é, que ele tenha legitimidade para requerer o licenciamento ou apresentar a comunicação prévia da operação urbanística objecto de informação prévia favorável, ou que tenha adquirido entretanto uma tal legitimidade;

b) A operação urbanística objecto do pedido de licenciamento ou da apresentação da comunicação prévia corresponda, nos seus exactos termos, à que foi apreciada no âmbito do procedimento de informação prévia. Neste caso, a segunda parte do n.° 2 do artigo 17.° do RJUE determina que, nas situações em que a informação prévia favorável seja proferida nos termos do artigo 14.°, n.° 2, do RJUE, já por várias vezes referido —, a apresentação da comunicação prévia — que é a modalidade de controlo prévio a que ficam sujeitas, naquelas situações, as operações urbanísticas - deve ser acompanhada de declaração dos autores e coordenador dos projectos de que a operação urbanística respeita os limites constantes da decisão da informação (declaração esta que acresce ao “termo de responsabilidade” referido no artigo 10.° do RJUE);

c)E o pedido de licenciamento ou a apresentação da comunicação prévia sejam entregues no prazo de um ano a contar da decisão favorável do pedido de informação prévia, se o interessado não requerer a prorrogação do prazo, nos termos do n.º 3 do artigo 17.° do RJUE, ou seja, se não requerer a “renovação” da informação prévia favorável. De facto, de harmonia com o que dispõe esta norma, decorrido o prazo de um ano, o particular tem a possibilidade de requerer ao presidente da câmara municipal uma declaração de que se mantêm os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram a anterior decisão favorável, devendo aquele decidir no prazo de 20 dias, sob pena de deferimento tácito. Com tal declaração expressa ou tácita, o particular tem mais um ano para requerer a licença ou para apresentar a comunicação prévia.

A análise dos efeitos da informação prévia favorável impele-nos a abordar mais quatro aspectos. O primeiro diz respeito à questão de saber se uma informação prévia favorável obtida por alguém que não tinha legitimidade para requerer o licenciamento ou apresentar a comunicação prévia de uma operação urbanística pode ser aproveitada ou utilizada pela pessoa que detém esta mesma legitimidade. A questão apresenta alguma complexidade. No entanto, o alargamento da legitimidade para apresentar o pedido de informação prévia, operado pelo RJUE, bem como o carácter real da informação prévia (em termos semelhantes ao que apontaremos um pouco adiante como característica dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas) fazem-nos inclinar para uma resposta afirmativa àquele quesito.

O segundo aspecto tem a ver com a questão de saber se a informação prévia favorável mantém o seu carácter vinculativo e, sendo caso disso, o seu carácter constitutivo de direitos, se no período que medeia entre a data da deliberação sobre a informação prévia favorável e a data da decisão sobre o pedido de licenciamento ou sobre a apresentação da comunicação prévia entrarem em vigor normas urbanísticas designadamente normas de planos municipais, que são incompatíveis com a realização da operação urbanística objecto de informação prévia favorável. Esta questão não é nova, já que foi objecto da nossa atenção no Volume I deste Manual.

Duas hipóteses são configuráveis. A primeira é aquela em que o novo plano dotado de eficácia plurisubjectiva não considerou, nem ponderou a existência da informação prévia favorável. Numa situação destas, verifica-se uma violação da “obrigação de ponderação” por parte do plano, através de um défice de ponderação, já que não foi incluído na ponderação um elemento (um interesse)

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relevante para a ponderação. Um tal vício de ponderação, na modalidade indicada, gera a invalidade da norma do plano que afectou ou pôs em causa a informação prévia favorável. Sublinhe-se que é com o objectivo de serem devidamente ponderadas nos planos a elaborar, a alterar ou a rever as licenças, as admissões de comunicações prévias e as informações prévias favoráveis que o n.° 1.°, alínea c), da Portaria n.° 138/2005, de 2 de Fevereiro, prescreve que os planos municipais de ordenamento do território devem ser acompanhados por “relatório e ou planta com indicação das licenças ou autorizações de operações urbanísticas emitidas, bem como das informações prévias favoráveis, substituível por declaração municipal comprovativa da inexistência dos referidos compromissos urbanísticos na área do plano”. E é neste contexto que, normalmente, os planos dotados de eficácia plurisubjectiva que consagram novas regras urbanísticas respeitam ou mantêm as licenças, admissões de comunicações prévias e informações prévias favoráveis preexistentes válidas e eficazes.

A segunda hipótese é aquela em que o novo plano ou o plano revisto ou alterado, tendo considerado e ponderado devidamente a existência da informação prévia favorável, intencionalmente põe em causa, revogando ou fazendo caducar, em homenagem a outros inte-resses urbanísticos relevantes, a informação prévia favorável. Neste caso, as normas do plano são válidas, porquanto resultaram de uma ponderação e de uma opção legítima do plano em “expropriar” o “direito urbanístico” conferido pela informação prévia favorável Todavia, como estamos perante disposições de um plano dotado de eficácia plurisubjectiva que põem em causa ou afectam substancialmente os “direitos urbanísticos” conferidos por actos administrativos válidos, configuram as mesmas uma “expropriação do plano”, que exige uma indemnização. Uma tal indemnização encontra suporte legal no artigo 143.°, n.º 2, do RJIGT, nos termos do qual “são indemnizáveis as restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação”. E, como vincámos no Volume I deste Manual, estão incluídas nesta disposição não apenas a situações em que o plano põe em causa, revogando ou fazendo caducar, as licenças ou admissões de comunicações prévias de operações urbanísticas, mas também as situações similares àquelas, nas quais o particular beneficia de um acto administrativo prévio favorável, por exemplo, uma informação prévia favorável sobre a viabilidade de realizar uma determinada operação urbanística e tendo formulado, dentro do prazo em que ela é vinculativa, um pedido de licenciamento ou apresentado uma comunicação prévia da operação urbanística a que respeita, a licença não puder ser concedida ou a comunicação prévia não puder ser admitida, por ter, entretanto, entrado em vigor um plano cujas disposições são incompatíveis com a realização da operação urbanística objecto de informação prévia favorável.

O terceiro aspecto que queremos abordar, no âmbito dos efeitos da informação prévia favorável, refere-se à não suspensão dos procedimentos de licenciamento ou comunicação prévia requeridos ou apresentados com suporte em informação prévia nas áreas a abranger por novas regras urbanísticas, constantes de plano municipal ou especial de ordenamento do território ou sua revisão, a partir da data fixada para o inicio da discussão pública e até à data da entrada em vigor daquele instrumento de planeamento. É este um efeito da informação prévia favorável, condensado no n.º 4 do artigo 17.° do RJUE, que se traduz em afastar ou substrair ao âmbito da medida cautelar de suspensão de procedimentos, plasmada nos artigos 117.° do RJIGT e 12.°-A do RJUE, os procedimentos de licenciamento ou de comunicação prévia requeridos ou apresentados com base numa informação prévia favorável. A razão de ser da referida não suspensão dos procedimentos encontra-se no facto de as novas regras urbanísticas constantes do novo plano especial ou municipal de ordenamento do território ou da sua alteração ou revisão colocado em discussão pública terem previamente tomado em consideração, ponderado e, normalmente, respeitado a informação prévia favorável.

O quarto aspecto que consideramos útil referir, ainda no campo dos efeitos da informação prévia favorável, diz respeito à situação em que o pedido de licenciamento foi requerido ou a comunicação prévia foi apresentada, depois de passado o lapso temporal em que a informação

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prévia favorável tinha carácter vinculativo para a câmara municipal e era constitutiva de direitos para o particular. Será que a informação prévia favorável, apesar de ter perdido aquelas características, se torna totalmente irrelevante, nos casos em que se mantêm os pressupostos de facto e de direito que levaram à sua emissão?

Pensamos que a câmara municipal, na decisão que vier a adoptar quanto ao pedido de licenciamento ou à apresentação da comunicação prévia, não poderá afastar-se, a não ser com base em razões ponderosas supervenientes, e devidamente fundamentadas, da informação prévia favorável, não obstante esta ter perdido o seu carácter vinculativo, se se mantiverem os pressupostos de facto e de direito que justificaram a sua emissão. Para chegarmos a esta conclusão, não podemos deixar de chamar à liça o artigo 7.°, n.° 2, do CPA, nos termos do qual “a Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito, ainda que não obrigatórias”.

A este propósito, sublinhe-se que o Acórdão da l.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Março de 2007, Proc. n.° 0390/06, decidiu no sentido do carácter vinculativo da informação prévia favorável, mesmo após o decurso do prazo de um ano desde a sua emissão, se não se tiverem alterado os pressupostos de facto e de direito que levaram à decisão favorável, nos seguintes termos: “se a viabilidade era legal, isto é, se ela traduzia a fidelização ao quadro jurídico vigente, por obedecer a todas as prescrições imperativas da lei, então não podia a Câmara decidir de modo diferente no acto final do procedimento, se entre aquela (informação prévia) e este (deferimento do licenciamento) não tivesse havido modificação das circunstâncias de facto e de direito” .

Importa, por fim, analisar os efeitos da informação prévia desfavorável. Como referimos, o artigo 16.º, n.º4, do RJUE prescreve que, “no caso de a informação ser desfavorável, dela deve constar a indicação dos termos em que a mesma, sempre que possível, pode ser revista por forma a serem cumpridas as prescrições urbanísticas aplicáveis, designadamente as constantes de plano municipal de ordenamento do território ou de operação de loteamento”. Conjugando esta disposição legal com a norma do artigo 17.°, n.º 1, do R.JUE, que consigna que a informação prévia aprovada - não distinguindo os casos em que a mesma é favorável ou desfavorável — “vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou apresentação de comunicação prévia da operação urbanística a que respeita deve entender-se que o conteúdo dainformação prévia é vinculativo não apenas quando é favorável, mas também quando a câmara municipal decide desfavoravelmente a mesma, indicando os termos precisos em que esta poderá ser reformulada, isto é, os requisitos necessários para que o projecto se conforme ao ordenamento jurídico urbanístico. Assim, no caso de ter sido emitida uma informação prévia desfavorável, indicando os termos em que o projecto se conformaria com a ordem jurídica, se o projecto poste-riormente submetido a licenciamento ou apresentado para comunicação prévia cumprir rigorosamente os termos da informação prestada, a câmara municipal deverá licenciar ou admitir a comunicação prévia da operação urbanística, sendo, por isso, aquela, na medida das informações fornecidas ao requerente, vinculativa para a câmara municipal.

A conclusão a que vimos de chegar tem ainda um outro argumento de apoio: seria manifestamente excessivo e, por isso, violador do princípio da proporcionalidade exigir que o requerente apresentasse um novo pedido de informação prévia, onde fossem acolhidas as informações prestadas pela câmara municipal, para só depois de emitida informação prévia favorável poder o mesmo formular, com toda a segurança, um pedido de licenciamento ou apresentar uma comunicação prévia da operação a que aquela respeita.

Não nos parece, assim, haver qualquer fundamento razoável para recusar a atribuição, desde logo, de efeito vinculativo à informação prévia desfavorável, na parte em que ela indica os precisos termos em que um determinado projecto urbanístico estará de acordo com o ordenamento jurídico urbanístico e, consequentemente, deve ser licenciada ou admitida a comunicação da operação urbanística que cumpra rigorosamente os termos indicados pela câmara municipal.

Não foi, porém, esta a solução adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão da l.a

Secção de 7 de Dezembro de 2007, Proc. n.° 0415/07. Com efeito, neste caso, decidiu-se, entre o mais, que a informação prévia favorável, apesar de incapaz de fazer nascer imediatamente na esfera

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jurídica do requerente o direito à construção, atribui-lhe, no entanto, o direito de exigir o deferimento do pedido de licenciamento se este se contiver dentro dos limites da informação prestada, fazendo, concorrentemente, nascer na esfera jurídica da câmara municipal a obrigação de deferimento do futuro pedido de licenciamento, desde que este não exceda o conteúdo daquela informação; que a pronúncia desfavorável sobre a pretensão do requerente não faz nascer na sua esfera jurídica qualquer direito; e que, sendo essa pronúncia desfavorável, por um lado, não constitui a última palavra da Administração e, por outro lado, não tem aptidão lesiva, sendo, por isso, a mesma irrecorrível.

Se a primeira proposição do aresto não suscita críticas, já o mesmo não sucede com as duas restantes. Na verdade, é incorrecto afirmar-se que a informação prévia desfavorável não é constitutiva de direitos em circunstância alguma. Como vimos, ela é vinculativa da decisão de licenciamento e de admissão da comunicação prévia da operação urbanística, nos termos por nós assinalados, sendo, nessa medida, constitutiva de direitos para o requerente.

É, de igual modo, errónea a afirmação de que a informação prévia desfavorável não constitui a última palavra da Administração e não tem aptidão lesiva do requerente, sendo, consequentemente, insusceptível de impugnação contenciosa. Ao invés, a informação prévia desfavorável é um acto que põe termo a um procedimento administrativo, precisamente o procedimento de informação prévia — e que corporiza uma decisão final e definitiva sobre a pretensão apresentada, justamente a pretensão em ver certificada a viabilidade da realização de uma determinada operação urbanística —, pelo que, no caso de ser ilegal, tem aptidão lesiva, na medida em que se recusa a conferir um direito ao interessado, não o direito de realizar a operação urbanística, mas o direito de obter uma decisão favorável sobre a viabilidade da operação urbanística e o consequente direito ao deferimento da licença ou à admissão da comunicação prévia da operação urbanística objecto de informação prévia favorável. Ora, sendo a mesma lesiva, não pode deixar de ser considerada como susceptível de impugnaçao contenciosa.

Registamos, por isso, com agrado a inflexão jurisprudencial operada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno da l.a Secção de 10 de Dezembro de 2008, Proc. n.º 0415/07, tirado em recurso por oposição de julgados. Nele se referiu, em determinado trecho, o seguinte:

“A informação prévia fornecida pela câmara municipal é, pois, um acto administrativo horizontal e verticalmente definitivo que, em procedimento conexo, mas distinto do ulterior procedimento ten-dente ao respectivo licenciamento, aprecia e resolve antecipadamente certos pontos concretos de uma dada operação urbanística. Quando favorável, é constitutivo de direitos e durante um ano, a contar da respectiva notificação, consolida juridicamente uma possibilidade objectiva de aproveitamento do solo, que, a um tempo, protege o particular contra as mudanças de critérios de decisão dos órgãos administrativos [...] e obriga a Administração a ponderar essa mesma situação jurídica, como interesse relevante, em regulações urbanísticas supervenientes, podendo, inclusive, se por eles for posta em causa, ser fonte de direito de indemnização [...].

É verdade que não é ainda o acto permissivo do exercício do direito de construir e que a ele se seguirá, necessariamente, outro procedimento administrativo visando o licenciamento. Mas define, desde logo, a situação jurídica do interessado quanto à conformidade do projecto com as regras do direito do urbanismo, vinculando a Administração, posto que temporariamente, a decidir o pedido de licenciamento de acordo com os termos da informação prestada, colocando o particular numa posição jurídica de vantagem. Como se diz no acórdão recorrido, «enriquece» a respectiva esfera jurídica. Na verdade, se não lhe atribui o direito à construção, confere-lhe, com repercussão patrimonial (pense-se na hipótese, muito comum, de o requerente apenas estar interessado na venda do imóvel e não levar a cabo, ele próprio, a operação urbanística projectada), o direito de aproveitamento do solo com o conteúdo da informação prévia aprovada.

Quando desfavorável, a informação consubstancia, também, uma inovação, um acto administrativo definitivo, mas negativo. A Administração provocada a praticar um acto com um determinado conteúdo, positivo, recusa-se a fazê-lo, sendo que, como ensina ROGÉRIO Soares, «a negação é um acto com o conteúdo de não fazer ou não produzir os efeitos pretendidos e, como tal,

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vai alterar as situações jurídicas dos pretendentes» [...]. E não há dúvida que a informação negativa é imediatamente lesiva para o requerente, uma vez que com tal acto administrativo verificativo definitivo se introduz na ordem jurídica, como efeito jurídico novo, a recusa da possibilidade de aproveitamento do solo, nos termos requeridos. Razão que determina a sua recorribilidade imediata à luz do disposto nos arts. 268.°/4 CRP e 25.° LPTA. Deste modo, entendemos que o acórdão fundamento foi o que encontrou a melhor solução para o problema jurídico de que nos ocupamos, enquanto considerou que «uma coisa é o pedido de informação prévia e outra bem diferente é o pedido de licenciamento», «pedidos com vida e efeitos próprios» e que «tanto a deliberação sobre o pedido de informação como a deliberação sobre o pedido de licenciamento são autonomamente recorríveis».

A informação prévia e a aprovação do projecto de arquitectura

Depois de termos analisado, em páginas anteriores, o acto de aprovação do projecto de arquitectura e, no actual número, a informação prévia, estamos em condições de cotejarmos as principais características destes dois actos administrativos. A primeira nota que queremos sublinhar é a ligação funcional e a potencial identidade de objecto entre aqueles dois actos. De facto, sob o ponto de vista funcional, a informação prévia propõe-se antecipar a apreciação dos elementos (ou de parte deles) que consubstanciam a aprovação do projecto de arquitectura, atribuindo, no caso de ser favorável ao respectivo beneficiário, o direito à aprovação do projecto de arquitectura (assumindo este, como vimos, o acto central e funcionalmente autónomo do procedimento de licenciamento de obras de edificação), desde que observados os pressupostos de conteúdo, de legitimidade e temporais anteriormente assinalados.

Mas a referida aproximação entre aqueles dois actos não nos pode fazer esquecer algumas características diferenciadoras entre elas. Assim, em primeiro lugar, a informação prévia favorável é um acto administrativo de natureza verificativa, constitutivo de direitos, que põe termo, de modo definitivo, a um procedimento próprio e autónomo em relação a um ulterior procedimento de licenciamento ou de comunicação prévia de uma qualquer operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas directamente relacionadas (e não apenas de uma obra de edificação). Por seu lado, a aprovação do projecto de arquitectura é, de igual modo, um acto administrativo não per-missivo, constitutivo de direitos para o particular requerente e definitivo e final no que respeita aos elementos que aprecia. É, no entanto um acto que consubstancia uma sub-fase, dentro do complexo procedimento de licenciamento de obras de edificação, um acto que tende, por isso, para o acto de licenciamento, que, uma vez praticado, o consome.

Em segundo lugar, a legitimidade para apresentar o pedido de informação prévia é mais alargada do que a legitimidade para formular o pedido de licenciamento da obra de edificação, o qual conduz à aprovação do projecto de arquitectura. Na verdade, como foi realçado, no primeiro caso, a legitimidade é reconhecida a “qualquer interessado”, ao passo que, no segundo, a mesma é restringida a quem tiver a “qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística”, in casu, a obra de edificação.

Em terceiro lugar, ao pedido de licenciamento que desencadeia a aprovação do projecto de arquitectura e a este mesmo acto não estão subjacentes a pretensão e a função de informação que também orientam o pedido de informação prévia e caracterizam a informação prévia, mesmo desfavorável. E isto é assim, porquanto os primeiros tendem à efectivação da operação urbanística, enquanto os segundos se dirigem e esgotam numa pronúncia de viabilidade da operação urbanística, não se verificando uma comunhão necessária de interesses entre os dois pedidos e os dois actos, mas apenas uma comunhão tendencial ou eventual — só se verificando uma tal comunhão de interesses se ao pedido de informação prévia e consequente informação prévia suceder um pedido de licenciamento da obra de edificação sobre a qual incida aquele acto e com ele coincida o projecto de arquitectura.

É esta diferenciação entre a informação prévia e a aprovação do projecto de arquitectura que

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está na base da consideração daquela como um acto administrativo sui generis, isto é, como um acto funcionalmente prévio, mas que preenche, igualmente, uma função informativa, e da segunda como um acto que corresponde integralmente à categoria dogmática de acto prévio (considerado em sentido estrito ou em sentido próprio), ou seja, como acto que se pronuncia, de modo final e vinculativo, sobre uma parte da pretensão formulada, encerrando uma sub-fase do procedimento complexo de licenciamento em que se insere e consumindo-se no acto de licenciamento para que tende, sem prejuízo da autonomia funcional que apresenta, por conter a decisão final acerca dos elementos sobre que incide182.

Principais características dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas

O carácter real

Com esta expressão, quer significar-se que as licenças das operações urbanísticas são conferidas em função das regras aplicáveis às parcelas de solo ou aos lotes e aos projectos, abstraindo das circunstâncias pessoais do sujeito que as requer. O mesmo sucede com as comunicações prévias, em que é totalmente desconsiderada a pessoa que as apresenta. A consequência mais importante desta característica é a possibilidade da transferência da licença da operação urbanística para um terceiro, juntamente com o terreno, ou por sucessão ou por acto inter vivos, sem que seja necessária a atribuição de uma nova licença. De modo idêntico, a admissão de uma comunicação prévia acompanha a transmissão do bem, sem necessidade da apresentação de uma nova comunicação prévia pelo adquirente do terreno.

Para que a transferência do acto de controlo prévio da operação urbanística acompanhe a transferência do terreno, a lei apenas exige que, no caso de substituição do titular de alvará de licença, o substituto disso faça prova junto do presidente da câmara, para que este proceda ao respectivo averbamento no prazo de 15 dias a contar da data da substituição (artigo 77.°, n.º 7, do RJUE). Idêntico dever impende sobre o adquirente do terreno em relação ao qual foi admitida a comunicação prévia de uma operação urbanística. Repare-se que, se a substituição do requerente ou comunicante ocorrer no decurso do procedimento de licença ou do procedimento de comunicação prévia, deve a mesma ser comunicada ao gestor do procedimento, para que este proceda ao respectivo averbamento no prazo de 15 dias a contar da data da substituição (artigo 9.°, n.° 9, do RJUE). E, coerentemente com estes deveres, o artigo 98.°, n.º 1, alínea o), do RJUE tipifica como contra-ordenação, punível com coima, “a ausência de requerimento a solicitar à câmara municipal o averbamento de substituição do requerente [...], bem como do titular do alvará de licença ou apresentante da comunicação prévia”18 .

Sublinhe-se, por último, que o n.º 8 do artigo 77.° do RJUE, na redacção do Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, veio também resolver quaisquer dúvidas que porventura existissem sobre o carácter real da autorização de utilização, determinando que “a titularidade do alvará de autorização de utilização de edifícios ou fracções autónomas é transmitida automaticamente com a propriedade a que respeita”.

A submissão exclusiva a regras de direito do urbanismo

Com esta característica quer significar-se que o acto de controlo prévio limita-se a apreciar a conformidade da operação urbanística com as normas jurídicas urbanísticas, em particular com as disposições dos planos. Em face do requerimento de uma licença ou da apresentação de uma comunicação prévia, os órgãos competentes devem ter em conta o ordenamento urbanístico, integrado pela legislação, pelos planos e outras disposições regulamentares, mas não outros sectores do ordenamento jurídico cuja aplicação é estranha à competência municipal.

Os actos de controlo prévio das operações urbanísticas não são, assim, um instrumento adequado para verificar o respeito de situações jurídico-privadas, cuja definição não cabe à

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Administração Pública, mas sim aos tribunais. Também, entre nós, se entende que, ao emitir as licenças de construção, as câmaras municipais

têm apenas de “assegurar os interesses gerais e prevenir os danos sociais, especialmente os referentes à segurança, salubridade e estética das edificações e à observância dos planos de urbanização”, não tendo que se preocupar com a presumível violação dos interesses ou direitos de terceiros [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (l.a Secção) de 11 de Dezembro de 1964].

É certo que o requerente do licenciamento e o apresentante da comunicação prévia de uma operação urbanística devem juntar documento comprovativo da sua legitimidade, isto é, “a qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística” (artigo 9.°, n.º 1, do R.JUE), e que o presidente da câmara municipal tem poderes para rejeitar liminarmente o requerimento de licenciamento e a apresentação da comunicação prévia se o requerente e o comunicante não juntarem documento comprovativo da legitimidade, após despacho de aperfeiçoamento proferido pelo presidente da câmara municipal (artigo 11.°, n.os 1 a 4 do RJUE). Mas o controlo feito pelo presidente da câmara municipal da legitimidade do requerente e do comunicante é de índole meramente formal, sendo rejeitado liminarmente o pedido de licencia-mento ou a apresentação da comunicação prévia apenas quando não for apresentado documento comprovativo daquela legitimidade ou quando for patente e manifesto que o requerente ou comunicante não são titulares do direito que invocam. O presidente da câmara municipal não formula, assim, qualquer juízo sobre a existência, pertinência ou solidez do direito constante do documento apresentado, pelo que se este for objecto de controvérsia jurídica não pode aquele rejeitar liminarmente, com tal fundamento, o pedido de licenciamento ou a apresentação da comunicação prévia. E se o requerente da licença vier a obtê-la ou o comunicante vier a ser beneficiado com a admissão da comunicação prévia não poderão invocar estes actos de controlo prévio de operações urbanísticas como argumento ou como fundamento da titularidade de um direito de propriedade ou de um direito real limitado sobre o terreno, no caso de existir litígio jurídico sobre a pertinência ou solidez do mesmo.

A conclusão a extrair de tudo o que vem de ser exposto é, pois, a de que existe uma independência entre os actos de controlo prévio de operações urbanísticas e as normas de direito privado, não sendo as mesmas susceptíveis de criar ou modificar direitos ou obrigações existentes nas relações entre os particulares, nem de assegurar o respeito por aqueles direitos ou obrigações.

A natureza federadora, de concentração ou de síntese

O sentido desta característica é o de que o acto de controlo prévio da operação urbanística desempenha uma função federadora ou de síntese de todas as autorizações e aprovações exigidas por lei para cada uma das operações urbanísticas. E, neste contexto, que a lei exige, no âmbito dos procedimentos de licença e de comunicação prévia das operações urbanísticas, a consulta às entidades que, nos termos da lei, devam emitir parecer, autorização ou aprovação sobre o pedido de licença ou sobre a comunicação prévia da operação urbanística (artigo 13.° e 13.°-B e 36.°, n.° 2, do RJUE), cominando com a sanção de nulidade as licenças e admissões de comunicações prévias que não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações [artigo 68.°, alínea c), do RJUE]. Os pareceres, autorizações ou aprovações são, como referimos, promovidos pelo município, de acordo com o sistema do guichet único, em que o particular se relaciona com uma única entidade, o município, que, por sua vez, age como interlocutor com as entidades externas consultadas, mas podem ser promovidos directamente pelo particular interessado, nos termos do artigo 13.°-B do RJUE. E, no que respeita aos pareceres, aprovações e autorizações de entidades da Administração Central, directa ou indirecta, do sector empresarial do Estado, bem como de entidades concessionárias que exerçam poderes de autoridade, relativos à localização da operação urbanística, são os mesmos efectuados, como dissemos, por uma única entidade coordenadora, a CCDR territorialmente competente, a qual emite

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uma decisão global e vinculativa de toda a Administração (artigo 13.°-A do RJUE).Por efeito da característica apontada, a licença e a admissão da comunicação prévia concentram

ou federam as opiniões de todas as entidades que devam pronunciar-se sobre a realização de cada uma das operações urbanísticas. Todavia como já dissemos, as alterações mais recentes aos regimes jurídicos relativos àquelas actividades vão inequivocamente na linha da supressão do figurino da dupla aprovação de projectos de operações urbanísticas, em sintonia com o princípio da simplificação procedimental. É o que sucede com o Decreto-Lei n.° 141/2009, de 16 de Junho, que sujeita a instalação e a modificação de instalações desportivas ao regime do RJUE e determina que “a abertura e funcionamento das instalações desportivas só pode ocorrer após emissão pela câmara municipal territorialmente competente do alvará de utilização do prédio ou fracção onde pretendem instalar-se as instalações desportivas e depende de prévia comunicação da entidade exploradora à câmara municipal” (artigo 10.°, n.os 1 e 2). De acordo com aquele diploma legal, os projectos relativos a instalações desportivas são objecto de um único acto de controlo prévio, da competência dos órgãos municipais (artigo 13.° do Decreto-Lei n.° 141/2009), cabendo ao Instituto do Desporto de Portugal, I. P. (IDP I. P.), emitir parecer, nos termos do RJUE, sobre alguns projectos de instalações desportivas, o qual tem carácter vinculativo quando desfavorável ou sujeito a condição (artigos 11.° e 12.° do Decreto-Lei n.° 141/2009).

196 Cfr. o Decreto-Lei n.° 96/2007, de 29 de Março, que aprova a orgânica do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P- (IGESPAR, I. P.), cujo artigo 3.°, n.° 4, alínea a), indica como suas atribuições, inter alia, autorizar e acompanhar a execução de intervenções em bens imóveis clas-sificados ou em vias de classificação e respectivas zonas de protecção, bem como emitir directivas vinculativas neste domínio. Cfr. também o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), do mesmo diploma legal (competências do Director do IGESPAR, I. P-)> bem como o artigo 4.°, n.° 1, alínea f), da Portaria n.° 376/2007, de 30 de Março (competências do departamento de projectos e obras daquele Instituto). Cfr., ainda, o Decreto-Lei n.° 140/2009, de 15 de Junho, que estabelece o regime jurídico dos estudos, projectos, relatórios, obras ou intervenções sobre bens culturais classificados, ou em vias de classificação, de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, e o Decreto-Lei n.° 309/2009, de 23 de Outubro, que regula o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime jurídico das zonas de protecção e do plano de pormenor de salvaguarda.

A revogabilidade limitada

A licença e a admissão de comunicação prévia (e o mesmo se diga das autorizações de utilização) só podem ser revogadas nos termos estabelecidos na lei para os actos constitutivos de direitos.É o que resulta do artigo 73.°, n.° 1, do RJUE — norma esta que, excepcionando o caso particular referido no n.° 2 do mesmo artigo, se limita a remeter o regime de revogação daqueles actos de controlo prévio das operações urbanísticas para as pertinentes normas do CPA.

Ora, de acordo com este Código, os actos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos que sejam válidos são irrevogáveis [artigo 140.°, n.° 1, alínea b)] e, no caso de enfermarem de invalidade [tratando-se de anulabilidade, e não já de nulidade ou de inexistência, pois, não tendo os actos nulos ou inexistentes produzido quaisquer efeitos jurídicos, são eles insusceptíveis de revogação - artigo 139.°, n.° 1, alínea a), do CPA], só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso (o prazo mais longo da acção especial de impugnação do acto, que é de um ano para o Ministério Público) ou até à resposta da entidade recorrida (artigo 141.° do CPA). As licenças e as admissões de comunicações prévias estão, assim, como actos constitutivos de direitos, submetidos a um regime de revogabilidade limitada.

Este regime vem suscitando, no entanto, várias questões. A primeira refere-se ao facto de o artigo 73.°, n.° 1, do RJUE, ao remeter a disciplina da revogação da licença e da admissão da comunicação prévia para o regime de revogação dos actos constitutivos de direitos, ser totalmente indiferente à natureza dos vícios que provocam a invalidade daqueles actos de controlo prévio das operações urbanísticas e desconsiderar incompreensivelmente a boa fé dos destinata- rios destes

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actos administrativos de gestão urbanística. Ora, se a ilegalidade do acto de controlo prévio da operação urbanística for de natureza meramente procedimental, formal ou orgânica e não afectar regras ou princípios essenciais do direito do urbanismo e, além disso, for exclusivamente imputável ao autor do acto, estando o particular de boa fé, é legítimo defender limitações ao poder de revo-gação dos actos inválidos de controlo prévio das operações urbanísticas em homenagem aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça 199

A segunda questão relaciona-se com o facto de saber se é admissível a revogação dos actos constitutivos de direitos, que sejam válidos, com fundamento em razões de interesse público. Ou, aplicando este nódulo problemático aos actos de controlo prévio das operações urbanísticas, se é juridicamente possível revogar uma licença ou uma admissão de comunicação prévia, com fundamento no interesse público, não obstante a sua validade. Esta questão tem sido analisada pela doutrina do direito administrativo geral, em relação a todos os actos administrativos constitutivos de direitos. E a posição dessa doutrina tem sido unânime: a de que a irrevogabilidade dos actos constitutivos de direitos, plasmada no artigo 140.°, n.° 1, alínea b), do CPA — e que constitui uma excepção ao princípio da livre revogabilidade dos actos administrativos que sejam válidos, condensado no proémio do n.° 1 daquele artigo 140.° —, encontra o seu fundamento no princípio da protecção da confiança (e também nos princípios da boa fé e da segurança jurídica).É, de facto, aquele princípio que está na base da redacção da alínea b) do n.° 1 do artigo 140.° do CPA, como decorre da previsão contida no n.° 2 do mesmo artigo e que constitui excepção àquela alínea b). Ora, se a razão de ser da irrevogabilidade dos actos constitutivos de direitos (ou de interesses legalmente protegidos) está localizada na confiança que os particulares depositaram na estabilidade dos efeitos jurídicos dos mesmos, então essa estabilidade só tem de ser garantida até onde vá essa confiança e na medida em que esta mereça ser protegida. Daí que, nos casos em que essa confiança não existe, deva admitir-se a revogabilidade dos actos constitutivos de direitos, que sejam válidos, por razões de oportunidade, sem- pre que a mesma seja exigida pelo interesse público.

199 Cfr. LICÍNIO LOPES MARTINS, Alguns Aspectos Fundamentais do Regime Material das Operações Urbanísticas, cit., p. 136-138. Este autor considera que o artigo 73.° do RJUE, interpretado com o sentido de admitir, em toda a latitude, a revogação com fundamento em ilegalidade dos actos urbanísticos, independentemente da natureza dos vícios que a provocam, choca com os princípios constitucionais do direito administrativo, designadamente os princípios da proporcionalidade e da justiça, pelo que suscita legítimas interrogações sobre a sua conformidade com a Constituição.

Como sublinha FlLIPA URBANO Calvão, “[...] é necessário interpretar restritivamente o conceito de actos constitutivos de direitos e interesses legalmente protegidos, precisamente para deixar de fora aquelas situações em que não existe confiança a proteger ou em que a mesma não merece ser protegida. Além disso, casos há em que o interesse público se faz sentir com tal intensidade e premência que a Administração não pode deixar de pôr fim à posição jurídica vantajosa do particular colidente com aquele interesse. Porque se alterou a situação de facto ou em virtude de a Administração ter modificado as suas concepções sobre o interesse público. Desde logo quando, por força de uma alteração da situação de facto, se deixe de verificar algum dos pressupostos legais em que assentou a emissão do acto: não se podendo dizer que o acto é inválido ab origine, uma vez que não o era no momento da sua emissão, e não prevendo o nosso Código a anulação (ou revogação) por invalidade superveniente, a alteração das circunstâncias sobre que assentou a prática do acto tem de ser suficiente para a revogação (ainda que, eventualmente, com indemnização). E para que nestas situações não fique excluído um poder que é imprescindível — o de revogar —, a al. b) do n.° 1 do art. 140.° tem de ser interpretada restritivamente”.

Retornando aos actos de controlo prévio das operações urbanísticas, propendemos a aceitar que, com fundamento em especiais exigências do interesse público urbanístico, possa ser revogada uma licença ou uma admissão de comunicação prévia de uma operação urbanística, ainda que válida. Isso pode ocorrer, desde logo, por efeito da entrada em vigor de um novo plano especial ou de um novo plano municipal de ordenamento do território (ou por efeito da revisão ou da alteração do anterior plano). Todavia, tal revogação configura um acto substancialmente expropriativo ou um

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acto equivalente a uma expropriação (expropriação de sacrifício ou expropriação em sentido substancial), pelo que deve ser acompanhada de indemnização. É o que resulta, desde logo, como já sabemos, do artigo 143.° do RJIGT, no que respeita às expropriações do plano.

O carácter vinculado ou regulado

No que respeita ao nosso ordenamento jurídico urbanístico, a licença de construção” é considerada por alguns autores como uma autorização vinculada, em relação à qual a Administração não goza de poderes discricionários, sendo obrigada a emitir a licença se o projecto estiver conforme à lei.

A nossa opinião é a de que o carácter vinculado ou regulado dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas deve ser entendido em termos mais limitados do que os acima expostos. Ele significa apenas que os órgãos administrativos competentes estão vinculados aos fundamentos de indeferimento do pedido de licenciamento e aos fundamentos de rejeição da comunicação prévia enumerados na lei (princípio da taxatividade dos fundamentos de indeferimento e de rejeição), estando-lhes vedado indeferir um pedido de licenciamento ou rejeitar uma comunicação prévia por fundamentos diversos dos dela constantes (artigos 24.° e 36.° do RJUE), e não a exclusão de toda a margem de discricionaridade por parte daqueles órgãos. Como tivemos ensejo de referir supra, o reconhecimento de um espaço de discricionaridade deve ser reconhecido nos casos em que a lei utiliza o conceito de “pode” (artigos 24.°, n.os 2 e 4, e 25.°, n.° 1, do RJUE) e, bem assim, naqueles em que recorre a “conceitos imprecisos-tipo” (programação legal fraca), como sucede na alínea a) do n.° 2 e no n.° 4 do artigo 24.° do RJUE.

Assinale-se, por último, que a margem de discricionaridade detida pelos órgãos competentes no momento da aprovação dos projectos de obras e da prática dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas é maior nos casos em que inexista qualquer plano municipal de ordenamento do território, reduzindo-se progressivamente conforme a área ocupar com a operação urbanística esteja coberta por um plano director municipal, plano de urbanização e plano de por -menor ou alvará de loteamento. Na verdade, não se pode olvidar que os actos de controlo prévio das operações urbanísticas devem ser enquadrados no âmbito do procedimento de planificação do território, do qual constituem o acto terminal, e que, à medida que se desce na escala hierárquica dos planos urbanísticos, mais concretas se apresentam as opções adoptadas pelos municípios quanto ã ocupação, uso e transformação do solo, pelo que, correlativamente, cada vez mais restritos se apresentam os poderes de apreciação do órgão que pratica os actos de controlo prévio das operações urbanísticas .

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Deveres e ónus jurídicos associados aos actos de controlo prévio das operações urbanísticas

O RJUE fixa um núcleo de condutas a cargo do requerente e do beneficiário da licença, bem como do apresentante e do beneficiário da admissão da comunicação prévia de operações urbanísticas, revestindo umas a natureza de deveres jurídicos e outras de ónus jurídicos. Os deveres ou obrigações são condutas impostas ao requerente e ao beneficiário da licença, bem como ao apresentante e ao beneficiário da admissão da comunicação prévia de operações urbanísticas para tutela do interesse público urbanístico cujo incumprimento é um facto ilícito, punível, em regra, como contra-ordenação. Por sua vez, os ónus jurídicos caracterizam-se pela necessidade de o particular que se encontra naquelas situações adoptar certo comportamento para “a aquisição ou conservação dum direito ou duma vantagem jurídica”, isto é, para a satisfação de um “interesse próprio”, e cuja inobservância tem apenas como sanção “não se ter por verificada a situação que se produziria se o ónus fosse cumprido”.O ónus jurídico consiste, assim, “na necessidade de observância de certo comportamento, não por imposição da lei, mas como meio de obtenção ou de manutenção de uma vantagem para o onerado”. São duas, por conseguinte, as notas típicas do ónus jurídico: por um lado, o acto a que o ónus se refere não é imposto como um dever, apresentando-se o ónus, antes, como alguns autores sugestivamente afirmam, como um dever livre; por outro lado, o acto não visa satisfazer o inte resse de outrem, mas, ao invés, o interesse exclusivo ou também o interesse do próprio onerado, sendo, por isso, um meio de se alcançar uma vantagem ou, pelo menos, se evitar uma desvantagem.

Vejamos, então, quais são os principais deveres e ónus jurídicos estabelecidos no RJUE no âmbito dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas.

Deveres jurídicos

No elenco dos deveres jurídicos, surgem-nos, em primeiro lugar, os deveres de publicidade. Abrangem estes o dever de publicitação do pedido de licenciamento e da apresentação da comunicação prévia, sob a forma de aviso, segundo o modelo aprovado pela Portaria n.° 216-C/2008, de 3 de Março, a colocar no local de execução da operação urbanística de forma visível da via pública, no prazo de 10 dias a contar da apresentação do requerimento inicial ou comunicação (artigo 12.° do RJUE), bem como o dever de afixação por parte do titular do alvará de licenciamento de operações urbanísticas, no prazo de 10 dias após a emissão do mesmo, no prédio objecto da operação urbanística de um aviso, de acordo com o modelo aprovado pela Portaria n.° 216-F/2008, de 3 de Março, o qual deve ser visível do exterior e deve aí permanecer até conclusão das obras (artigo 78.°, n.os 1, 3 e 4, do RJUE), e o dever de afixação por parte do beneficiário da admissão da comunicação prévia de um aviso, em termos semelhantes aos anteriormente referidos, também segundo o modelo aprovado pela Portaria n.° 216-F/2008 (artigo 78.°, n.° 5, do RJUE).

A qualificação destas condutas impostas ao requerente e ao beneficiário da licença, bem como ao apresentante e ao beneficiário da admissão da comunicação prévia de operações urbanísticas como deveres jurídicos resulta claramente das alíneas i) e j) do n.° 1 do artigo 98.° do RJUE, que tipificam como ilícitos de mera ordenação social, puníveis como contra-ordenação, as violações ou os incumprimentos de tais obrigações.

A imposição do dever de publicitação do pedido de licenciamento e da apresentação da comunicação prévia tem como finalidade possibilitar a qualquer interessado participar no procedimento de licença e de comunicação prévia, solicitando informações e formulando obser-vações e reclamações, com vista à tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. E a obrigação de publicitação do alvará e da admissão da comunicação prévia tem como objectivo dar a conhecer a todos os interessados a existência de um acto de controlo prévio de uma operação urbanística para que estes possam, se for caso disso, desencadear os meios administrativos e jurisdicionais de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

Integra o núcleo de deveres jurídicos, em segundo lugar, o dever de identificação do director de

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obra. De facto, o titular da licença de construção e o apresentante da comunicação prévia estão obrigados a afixar numa placa em material imperecível no exterior da edificação ou a gravar num dos seus elementos exteriores a identificação do director de obra (artigo 61.° do RJUE).

Em terceiro lugar, o dever de até cinco dias antes do início dos trabalhos o promotor informar a câmara municipal dessa intenção, comunicando também a identidade da pessoa, singular ou colectiva, encarregada da execução dos mesmos — pessoa essa que está obrigada à execução exacta dos projectos e ao respeito pelas condições do licenciamento ou comunicação prévia (artigo 80.°-A do RJUE).

Em quarto lugar, o dever de urbanização, isto é, o dever de realização das obras de urbanização, nos casos de operações de loteamento que delas careçam, de acordo com as condições fixadas a observar na execução das mesmas, onde se inclui o cumprimento do disposto no regime da gestão de resíduos de construção e demolição nelas produzidos, e dentro do prazo fixado para a sua conclusão (artigo 53.° do RJUE).

Em quinto lugar, o dever de realização de quaisquer operações urbanísticas em conformidade com o respectivo projecto e com as condições do licenciamento ou da admissão da comunicação prévia (artigos 57.°, 58.° e 59.° do RJUE). O artigo 98.°, n.° 1, alíneas b) e c), considera punível como contra-ordenação a realização de quaisquer operações urbanísticas ou a execução de trabalhos em desconformidade com o respectivo projecto ou com as condições do licenciamento ou da admissão de comunicação prévia. Sublinhe-se que a conclusão das obras e dos trabalhos dentro do prazo fixado na licença ou comunicação prévia ou suas prorrogações, que assumia a natureza de um dever jurídico, passou, por força do artigo 71.°, n.° 3, alínea d), da versão actual do RJUE, a constituir um ónus jurídico a cargo titular da licença ou da admissão de comunicação prévia, cuja inobservância acarreta a caducidade destes actos de controlo prévio de operações urbanísticas.

Compõem, em sexto lugar, o conjunto de deveres jurídicos: o dever de colocação de um livro de obra em todas as obras licenciadas ou objecto de comunicação prévia, a conservar no local de execução, e onde devem ser registados pelo director da obra todos os factos relevantes relativos à execução da mesma, para consulta pelos funcionários municipais responsáveis pela fiscalização das obras — livro de obra esse cujo modelo, conteúdo e características foram definidos pela Portaria n.° 1268/2008, de 6 de Novembro (artigo 97.° do RJUE); e o dever de limpeza da área e reparação de estragos por parte do dono da obra, uma vez concluída a mesma, ficando aquele obrigado a proce -der ao levantamento do estaleiro, à limpeza da área, de acordo com o regime de gestão de resíduos de construção e demolição nela produzidos, e à reparação de quaisquer estragos ou deteriorações que tenha causado em infra-estruturas públicas - dever esse cujo cumprimento é condição de emissão do alvará de utilização ou de recepção provisória das obras de urbanização, salvo quando tenha sido prestada caução para garantia de execução das operações corporizadoras daquele dever (artigo 86.° do RJUE). Atestam a caracterização destes comportamentos como deveres jurídicos as alíneas l), m) e n) do n.° 1 do artigo 98.° do RJUE, que tipificam como ilícitos de mera ordenação social, puníveis como contra-ordenações, a falta de livro de obra no local onde se realizam as obras, a falta dos registos do estado de execução das obras no livro de obra e a não remoção dos entulhos e demais detritos resultantes da obra, nos termos do artigo 86.° do RJUE.

Fazem parte, por último, do naipe de deveres jurídicos associados aos actos de controlo prévio das operações urbanísticas: o dever de solicitação por parte do interessado à câmara municipal do averbamento de substituição do requerente ou comunicante, do responsável por qualquer dos projectos apresentados, do director de obra ou do director de fiscalização de obra, do titular do alvará de construção ou do título de registo emitido pelo Instituto da Construção e do Imobiliário (InCI, I. P.), bem como do titular do alvará de licença ou do titular da admissão da comunicação prévia (artigos 9.°, n.° 9, e 77.°, n.° 7, do RJUE); e o dever de mencionação no anúncios ou em quaisquer outras formas de publicidade à alienação de lotes de terreno, de edifícios ou fracções autónomas neles construídos, em construção ou a construir, do número do alvará ou da comunicação prévia e da data da sua emissão ou admissão pela câmara municipal, bem como do respectivo prazo de validade (artigo 52.° do RJUE). As alíneas o) e p) do n.° 1 do artigo 98.° do RJUE

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punem como contra-ordenação a violação destes deveres.

Ónus jurídicos

a) Assume a natureza de ónus jurídico, em primeiro lugar, a prestação de caução destinada a assegurar a boa e regular execução das obras de urbanização no caso de licenciamento de obras de urbanização [artigos 53.°, n.° 1, alínea b), e 54.° do RJUE]. A caracterização desta conduta a cargo do beneficiário deste acto resulta da circunstância de a prestação de caução surgir como condição da emissão do alvará que titula a operação de obras de urbanização (ou o alvará único no caso de operação de loteamento que exija a realização de obras de urbanização), o qual é condição de eficácia da licença (artigos 74.° n.° 1, 75.° e 76.° do RJUE).

b) Constituem, em segundo lugar, ónus jurídicos as cedências gratuitas para implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização colectiva e infra-estruturas que, de acordo com a lei e a licença ou comunicação prévia, devam integrar o domínio municipal, a cargo do proprietário e dos demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear, previstas nos artigos 44.° e seguintes do RJUE. A configuração das cedências de parcelas de terreno como ónus jurídico deriva do facto de as mesmas se apresentarem como pressuposto da obtenção por parte do requerente do acto de controlo prévio da operação de loteamento do “direito” à realização desta operação urbanística.

Esta matéria reclama alguns desenvolvimentos, os quais não podem deixar de partir de uma análise conjugada dos artigos 43.° e 44.° do RJUE. O artigo 43.°, n.° 1, deste diploma legal estabelece que os projectos de loteamento devem prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos. A razão de ser deste preceito — e também do artigo 44.°, n.° 1, respeitante às cedências — encontra-se na necessidade de garantir que o desenvolvimento urbanístico da área a lotear seja pautado pela observância dos imperativos da qualidade de vida ou do ambiente urbano, bem como a existência de um conjunto de equipa -mentos sociais, destinados a servir os residentes da zona em causa. De acordo com o n.° 2 do artigo 43.° do RJUE, os parâmetros para o dimensionamento daquelas áreas são definidos em plano municipal de ordenamento do território. Mas, como já sabemos, segundo o artigo 6.°, n.° 3, da Lei n.° 60/2007, de 4 de Setembro, “até ao estabelecimento, nos termos do n.° 2 do artigo 43.°, dos parâmetros para o dimensionamento das áreas referidas no n.° 1 do mesmo artigo, continuam os mesmos a ser fixados por portaria do membro do Governo responsável pelo ordenamento do território”. Tais parâmetros foram fixados pela Portaria n.° 216-B/2008, de 3 de Março, rectificada pela Declaração de Rectificação n.° 24/2008, de 2 de Maio.

Não obstante a utilidade pública subjacente às áreas que vimos referindo, o legislador não impôs que as mesmas se encontrem sempre na titularidade do município. Isso apenas sucederá se se impuser a sua abertura ou utilização pelo público em geral (e, por isso, não circunscrita à utilização exclusiva dos proprietários ou titulares de direitos reais sobre os lotes e às pessoas por estes autorizadas ou toleradas). Pelo contrário, resulta dos n.os 3 e 4 do artigo 43.° do RJUE que aquelas áreas podem revestir natureza privada, constituindo, nesse caso, partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos, e regendo-se pelo disposto nos artigos 1420.° a 1438.°-A do Código Civil. E para efeitos de verificação do cumprimento dos parâmetros de dimensionamento dessas áreas, são contabilizadas também as parcelas de natureza privada (artigo 43.°, n.os 2, 3 e 4, do RJUE).

No que respeita às cedências para o domínio municipal, contempladas no artigo 44.° do RJUE, importa sublinhar a superação da ideia, tradicional na nossa legislação urbanística até à alteração do RJUE pela Lei n.° 60/2007, de 4 de Setembro, de que as parcelas de terreno cedidas tinham de integrar sempre o domínio público municipal. Com efeito, o artigo 44.°, n.os 1 e 3, do RJUE, na versão da Lei n.° 60/2007, veio prescrever a integração dos terrenos cedidos genericamente no domínio municipal, cabendo ao município determinar a sua inclusão no domínio público ou no domínio

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privado, em função da utilidade pública que lhes atribuir - solução esta que se apresenta virtuosa, desde logo porque permite uma maior flexibilidade na utilização dos terrenos objecto de cedência, no quadro da gestão urbanística desenvolvida pelo município.

De harmonia com o que preceitua o n.° 3 do artigo 44.° do RJUE, o título que opera a transferência da propriedade para o município é o alvará, nos casos em que a operação de loteamento está sujeita a licença, ou o instrumento próprio a realizar pelo notário privativo da câmara municipal, nas hipóteses em que o loteamento esteja submetido a comunicação prévia224. Em qualquer dos casos, constam dos referidos títulos de aquisição da propriedade as finalidades a que as parcelas de terreno cedidas ficarão adstritas. De facto, como determina a parte final do n.° 3 do artigo 44.° do RJUE, a câmara municipal deve “definir no momento da recepção as parcelas afectas aos domínios públicos e privado do município”. Todavia, não basta para que as parcelas de terreno adquiram o estatuto de bens do domínio público ou de bens do domínio privado do muni -cípio a definição no título translativo da propriedade da função que esses bens vão desempenhar, é necessário ainda o efectivo (factual) exercício da função a que o bem ficou adstrito por força da adaptação (a “entrada ao serviço”), o qual constitui uma condição de eficácia daquele estatuto.

Tendo em conta a ratio das normas dos artigos 43.° e 44.° do RJUE, anteriormente apontada, não surpreende que o legislador tenha estendido a aplicação das mesmas a outras operações urbanísticas que, respeitando a edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si, determinem, em termos urbanísticos, impactes semelhantes a uma operação de loteamento, nos termos a definir por regulamento municipal (artigo 57.°, n.° 5, do RJUE). Ou ainda a qualquer operação urbanística que, nos termos de regulamento municipal, seja considerada de impacte relevante (artigo 44.°, n.° 5, do RJUE). De facto, esta norma, ao determinar que “o proprietário e demais titulares de direitos reais sobre prédio a sujeitar a qualquer operação urbanística que nos termos de regulamento municipal seja considerada como de impacte relevante ficam também sujeitos às cedências e compensações previstas para as operações de loteamento”, subentende que, também nestas hipóteses, devem ser previstas áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos, e haver lugar a cedências de parcelas de terreno para o domínio municipal ou a compensações, em numerário ou espécie, nas condições que vamos referir de seguida.

Se ocorrer qualquer das situações previstas no n.° 4 do artigo 44.° do RJUE, não há lugar a cedências de parcelas de terreno. Tais situações são as seguintes: quando o prédio a lotear já estiver servido de infra-estruturas destinadas a servir directamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viárias e pedonais, e redes de esgotos e de abastecimento de água, electricidade, gás e telecomunicações; ou quando não se justificar a localização de qualquer equipamento público ou espaço verde público, designadamente porque a zona onde o loteamento se situa já dispõe de espaços e equipamentos suficientes para ocorrer às necessidades das populações; ou quando os espaços verdes e de utilização colectiva, as infra-estruturas viárias e os equipamentos de natureza privada previstos no loteamento (mencionados no n.° 4 do artigo 43.° do RJUE), isoladamente ou em conjunto com os de natureza pública já existentes, respondem satisfatoriamente às necessidades das populações, em especial às dos futuros residentes da área a lotear 7. Em tais casos de inexistência de cedências, o proprietário do terreno a lotear deve pagar uma compensação ao município, em numerário ou espécie, nos termos definidos em regulamento municipal.

Esta compensação — que a doutrina vem configurando materialmente como uma taxa urbanística e, como tal, vinculada à observância do princípio da proporcionalidade— encontra o seu fundamento na perequação ou na garantia do princípio da igualdade, de modo a que o particular, isento do ónus jurídico de ceder áreas para o domínio municipal, não saia beneficiado face aos demais proprietários e promotores imobiliários, em consequência de a área a lotear dispor, a priori, dos equipamentos ou infra-estruturas em causa (quer por o município os haver construído em terrenos próprios, quer por resultarem de cedências ocorridas no âmbito de outras operações urba-nísticas). Mas, sendo aquele o fundamento da compensação, então não deve esta ser exigida, sob

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pena de violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade, nas hipóteses em que o proprietário ou o promotor já destinou parcelas (privadas) para a prossecução das funções a que as áreas municipais iriam ficar adstritas. Daí que se deva advogar uma interpretação restritiva da norma do n.° 4 do artigo 44.° do RJUE.

Como nota final sobre o regime das cedências de parcelas de terreno para o domínio municipal, no âmbito dos loteamentos urbanos, importa referir que o mesmo se situa entre a lei e o regulamento. De facto, as normas do RJUE relativas ao regime jurídico das cedências remetem a respectiva conformação, em larga medida, para as normas regulamentares a cargo do município. E o que sucede, desde logo, com as múltiplas remissões para as disposições dos planos - quanto à definição de áreas de cedência média (artigo 141.° do RJIGT), aos parâmetros de dimensionamento das áreas para espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos (artigo 43.°, n.° 2, do RJUE) e à identificação de áreas a ceder [artigo 92.°, n.° 3, alínea e), do RJIGT] — ou para regulamentos municipais - aos quais está cometida, inter alia, a densificação dos conceitos de operação urbanística de “impacte relevante” (artigo 44.°, n.° 5, do RJUE) ou com “impactes semelhantes a uma operação de loteamento” (artigo 57.°, n.° 5, do RJUE) e a definição das compensações por não cedência de parcelas de terreno ao município (artigo 44.°, n.° 4, do RJUE). Apesar de a matéria de cedências contender com o direito de propriedade privada (direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias), cremos que dúvidas inexistem sobre a legitimidade constitucional da referida normação infra-legal, ou porque a mesma se encontra na própria legitimidade constitucional dos planos urbanísticos (sediada no artigo 65.°, n.° 4, da Constituição), ou porque ela entronca na concordância prática entre o princípio da reserva de lei, plasmado no artigo 165.°, n.° 1, alínea b), da Constituição, e o princípio da autonomia normativa-regulamentar das autarquias locais condensado no artigo 241.° da Lei Fundamental. De qualquer modo, quanto ao princípio da reserva de lei no domínio dos direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias, este, de harmonia com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 373/91, apenas abrange “as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos «direitos análogos», por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias”.

c) Integra-se, em terceiro lugar, na categoria de ónus jurídicos o pagamento das taxas correspondentes ã emissão dos alvarás de licença (e de autorização de utilização) e à admissão de comunicação prévia, previstas no n.° 1 do artigo 116.° do RJUE e no artigo 6.°, alínea b), da Lei n.° 53-6/2006, de 29 de Janeiro, alterada pela Lei n.° 117/2009, de 29 de Dezembro (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais), bem como o pagamento da taxa pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas correspondente à emissão do alvará de licença e à admissão de comunicação prévia de loteamento e à emissão do alvará de licença e à admissão de comunicação prévia de obras de construção ou ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou alvará de obras de urbanização, nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 116.° do RJUE, taxa referida na alínea a) do n.° 1 do artigo 6.° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e cuja criação é legitimada pelo artigo 15.° da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.° 2/2007, de 15 de Janeiro.

A caracterização da referida conduta como ónus jurídico resulta inequivocamente de várias disposições do RJUE, que fazem depender do pagamento daquelas taxas a emissão do alvará, o qual é, por seu turno, condição de eficácia da licença (ou da autorização de utilização dos edifícios), ou o início das obras, no caso de admissão de comunicação prévia (artigos 36.°-A, n.° 2, e 76.°, n.os 4 e 5, do RJUE). A liquidação das referidas taxas compete, no caso de licença, ao presidente da câmara municipal, em conformidade com o regulamento aprovado pela assembleia municipal (artigo 117.°, n.° 1, do RJUE) e, no caso de admissão de comunicação prévia, ao beneficiário desta (autoliquidação) (artigo 36.°-A, n.° 2, do RJUE).

As taxas referenciadas em primeiro lugar são a contrapartida das actividades de controlo da actividade urbanística dos particulares (são o “preço” a pagar por serviços prestados pela Administração Pública de controlo). Elas têm como contrapartida a remoção de uma proibição a

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uma forma de ocupação do solo e a prestação de um serviço por parte da Administração, serviço esse que corresponde à apreciação dos projectos e ã emissão das respectivas licenças e alvarás e à admissão de comunicações prévias. As taxas a que nos estamos a referir são, pois a contrapartida de um serviço burocrático prestado aos particulares pelos órgãos municipais.

Quanto à taxa pela realização, manutenção e reforço das infra- -estruturas urbanísticas, já lhe fizemos uma referência no Volume I deste Manual, tendo sublinhado o papel da mesma no domínio da perequaçao dos benefícios e encargos resultantes dos planos e da garantia do princípio da igualdade de tratamento entre os proprietários dos terrenos abrangidos pelos planos. Importa, agora, referir, ainda que em linhas breves, uma questão deixada intencionalmente em aberto naquele Volume I, que é justamente a questão da natureza jurídica daquela taxa.

Tem sido muito debatida a questão da natureza jurídica da taxa pela realização, manutenção e reforço das infra-estruturas urbanísticas, a qual foi criada pelo já revogado Decreto-Lei n.° 98/84, de 29 de Março, em cujo exórdio se salientou “a criação de uma taxa de urbanização que os municípios poderão lançar para cobrir os custos das infra-estruturas que realizem”. Com efeito, quer a doutrina, quer a jurisprudência se dividem a este propósito: de um lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e autores como D. FREITAS DO AMARAL, D. LEITE CAMPOS, AFONSO MARCOS E NUNO SÁ GOMES pronunciam-se no sentido da sua natureza de imposto; do outro lado, a jurisprudência do Tribunal Constitucional e autores como E. PAZ FERREIRA E Aníbal Almeida têm vindo a pronunciar-se pela sua natureza de taxa.

Pela nossa parte, entendemos que a taxa de que nos estamos a ocupar assume a natureza de verdadeira taxa. Quando se trate de operações de loteamento, tendo em conta que a infra-estrutura- ção da área que é objecto da operação é um encargo do promotor, esta taxa surge como contrapartida para o município “pela realização de novas infra-estruturas ou alteração das existentes em consequência da sobrecarga derivada da nova ocupação” (preâmbulo do já revogado Decreto-Lei n.° 400/84, de 31 de Dezembro), no exterior da área loteada. Esta taxa não visa, pois, cobrir os custos das obras de urbanização exigidas pela operação de loteamento, uma vez que estas são realizadas pelo titular do alvará do loteamento, mas compensar o município pela realização de novas infra-estruturas urbanísticas fora da área a lotear, ou pela alteração das existentes, em consequência do acréscimo de utilização decorrente da nova ocupação do solo, isto é, pela alteração das denominadas infra-estruturas gerais, tais como o reforço da captação de água, o alargamento das condutas de esgotos, etc.

Esta taxa é, num plano formal, um dos mais importantes instrumentos financeiros que estão à disposição dos municípios, consistindo numa das (poucas) formas de fazer os particulares participar na construção, reforço ou remodelação dos sistemas gerais de urbanização do território. Estamos, assim, perante uma fonte de receita local destinada a cobrir os impactes das operações urbanísticas (loteamentos e construções) nos sistemas gerais das infra-estruturas de competência municipal, servindo, portanto, para financiar o investimento municipal em infra- -estruturas gerais.

Podemos, pois, afirmar que esta taxa é a contrapartida devida aos municípios pelas utilidades prestadas aos particulares que se traduzem na disponibilização de infra-estruturas principais, considerando-se aceitável que o produto da sua cobrança constitua uma das principais fontes de financiamento municipal destas infra-estruturas, principalmente nos períodos de maior pujança do sector imobiliário e da construção civil, quando é mais visível o processo de expansão ou densificação urbanas.

Os sujeitos passivos desta taxa são os agentes produtores de lotes, na maioria dos casos infra-estruturados pelos próprios, e ainda os agentes que promovem a construção em parcelas de terrenos constituídas e com capacidades de edificabilidade atribuídas por instrumentos de planeamento eficazes ou, na sua ausência, por regras definidas em legislação aplicável.

d) São, em quarto lugar, ónus jurídicos as condutas a adoptar pelos particulares para evitar uma desvantagem, traduzida na caducidade da licença ou admissão de comunicação prévia, prevista no artigo 71.° do RJUE, e consequente cassação pelo presidente da câmara municipal do alvará ou da admissão de comunicação prévia, nos termos do artigo 79.° do mesmo diploma legal.

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De facto, nos termos do n.° 1, alíneas a) e b), do artigo 71.° do RJUE, a licença ou admissão de comunicação prévia para a realização de operação de loteamento caduca se não for apresentada a comunicação prévia para a realização das respectivas obras de urbanização no prazo de um ano a contar da notificação do acto de licenciamento ou, na hipótese de comunicação prévia, não for apresentada comunicação prévia para a realização de obras de urbanização no prazo de um ano a contar da admissão daquela; ou se não for requerido o alvará único a que se refere o n.° 3 do artigo 76.° do RJUE no prazo de um ano a contar da admissão da comunicação prévia das ' respectivas obras de urbanização. Segundo o n.° 2 do mesmo artigo do RJUE, a licença ou a admissão de comunicação prévia para a realização de operação de loteamento que não exija a realização de obras de urbanização, bem como a licença para a realização das operações urbanísticas previstas nas alíneas b) a e) do n.° 2 e no n.° 3 do artigo 4.° do RJUE, caducam se, no prazo de um ano a contar da notificação do acto de licenciamento, não for requerida a emissão do respectivo alvará ou do pagamento das taxas, através de autoliquidação, na hipótese de comunicação prévia.

E, de harmonia com o n.° 3 do citado artigo 71.° do RJUE, a licença ou a admissão de comunicação prévia para a realização das operações urbanísticas referidas no n.° 2 do mesmo artigo, bem como a licença ou a admissão de comunicação prévia para a realização de operação de loteamento que exija a realização de obras de urbanização caducam ainda: se as obras não forem iniciadas no prazo de nove meses a contar da data da emissão do alvará ou do pagamento das taxas, através de autoliquidação no caso da falta de rejeição da comunicação prévia, ou, nos casos previstos no artigo 113.°, da data do pagamento das taxas, do seu depósito ou da garantia do seu pagamento [alínea a)]; se as obras estiverem suspensas por período superior a seis meses, salvo se a suspensão decorrer de facto não imputável ao titular da licença ou da admissão de comunicação prévia [alínea b)]; se as obras estiverem abandonadas por período superior a seis meses [alínea c)]; e se as obras não forem concluídas no prazo fixado na licença ou comunicação prévia ou suas prorrogações, contado a partir da data da emissão do alvará ou do pagamento das taxas, no caso da não rejeição da comunicação prévia [alínea d)]. Presumem-se abandonadas as obras ou trabalhos sempre que se encontrem suspensos sem motivo justificativo registado no respectivo livro de obra, decorram na ausência do técnico responsável pela respectiva execução ou se desconheça o paradeiro do titular da licença ou comunicação prévia, sem que este haja indicado à câmara municipal procurador bastante que o represente [artigo 71.°, n.° 4, alíneas a), b) e c), do RJUE].

Todas estas caducidades são declaradas pela câmara municipal, com audiência prévia do interessado (artigo 71.°, n.° 5, do RJUE), donde resulta que as mesmas não se enquadram na figura da caducidade preclusiva, mas na de caducidade-sanção. Mas à questão da natureza jurídica das caducidades previstas no artigo 71.° do RJUE voltaremos infra.

Direitos e garantias relacionados com os actos de controlo prévio das operações urbanísticas O RJUE estabelece também um acervo de direitos e garantias em benefício daqueles que

pretendam promover a realização de operações urbanísticas, sejam eles requerentes ou titulares da licença ou apresentantes ou titulares da admissão da comunicação prévia ou simplesmente interessados na solicitação de um acto de controlo prévio de uma operação urbanística. Vamos referir os mais relevantes.

a) O direito genérico à informação pela câmara municipal sobre os instrumentos de desenvolvimento e planeamento territorial em vigor para determinada área do município, bem como sobre as demais condições gerais a que devem obedecer as operações urbanísticas — informação que deve ser prestada independentemente de despacho e no prazo de 15 dias [artigo 110.°, n.os 1, alínea a), e 2, do RJUE]. Este direito é extensivo a quaisquer pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendem e ainda, para defesa de interesses difusos definidos na lei, a quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e às associações e fundações defensoras de tais interesses (artigo 110.°, n.° 6, do RJUE). Para satisfação deste direito, deve a câmara municipal fixar, no mínimo, um dia por semana para que os

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serviços municipais competentes estejam especificadamente à disposição dos cidadãos para a apresentação de eventuais pedidos de esclarecimento ou de informação ou reclamações (artigo 110.°, n.° 5, do RJUE).

b) O direito à informação procedimental por parte da câmara municipal sobre o estado e andamento dos processos administrativos que digam directamente respeito aos interessados, com especificação dos actos já praticados e do respectivo conteúdo, e daqueles que ainda devam sê-lo, bem como dos prazos aplicáveis a estes últimos - informação esta que deve ser prestada também independentemente de despacho e no prazo de 15 dias [artigo 110.°, n.os 1, alínea b), e 2, do RJUE]. De modo idêntico, este direito é extensivo a qualquer pessoa que prove ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretende e ainda, para defesa de interesses difusos definidos na lei, a quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e às associações e fundações defensoras de tais interesses (artigo 110.°, n.° 6, do RJUE). Também para facilitar a satisfação deste direito, deve a câmara municipal fixar, no mínimo, um dia por semana para que os serviços municipais competentes estejam especificadamente à disposição dos cidadãos para a apresentação de eventuais pedidos de esclarecimento ou de informação ou reclamações (artigo 110.°, n.° 5, doRJUE).

c) O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, traduzido no direito que assiste aos interessados de consultar os processos que lhes digam directamente respeito, nomeadamente por via electrónica, e de obter as certidões ou reproduções autenticadas dos documentos que os integram, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas (artigo 110.°, n.° 3, do RJUE). Este acesso aos processos e passagem de certidões deve ser requerido por escrito, salvo consulta por via electrónica, e é facultado independentemente de despacho e no prazo de 10 dias a contar da data da apresentação do respectivo requerimento (artigo 110.°, n.° 4, do RJUE). Também este direito não é um direito uti singuli, exclusivo da pessoa que tiver requerido uma licença ou apresentado uma comunicação prévia de uma operação urbanística, antes é extensivo a qualquer pessoa que prove ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretende e ainda para defesa de interesses difusos definidos na lei, a quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e às associações e fundações defensoras de tais interesses (artigo 110.°, n.° 6, do RJUE). Para promover a satisfação deste direito, deve igualmente a câmara municipal fixar, no mínimo, um dia por semana para que os serviços municipais competentes estejam especificadamente à disposição dos cidadãos para a apresentação de eventuais pedidos de esclarecimento ou de informação ou reclamações (artigo 110.°, n.° 5, do RJUE).

d) O direito à obtenção de informação prévia, nos termos anteriormente expostos, a qual, no caso de ser favorável, e nas condições supra identificadas, configura um acto constitutivo de direitos (artigos 14.° a 17.° do RJUE).

e) Afixação de prazos para as entidades externas ao município emitirem parecer, autorização ou aprovação sobre a operação urbanística (artigo 13.°, n.° 4, do RJUE) e sobre a localização da mesma (artigo 13.°-A, n.os 3 e 4, do RJUE), para a câmara municipal deliberar sobre o projecto de arquitectura (artigo 20.°, n.° 3, do RJUE) e para adopção da decisão sobre o pedido de licenciamento da operação urbanistica pela câmara municipal (artigo 23.° do RJUE) e para a rejeição pelo presidente da câmara municipal da comunicação prévia da operação urbanística (artigo 36.°, n.os 1 e 2, do RJUE). A consequência da ultrapassagem dos prazos para a emissão de parecer, autorização ou aprovação sobre o pedido por parte das entidades externas ao município é a consideração da concordância destas entidades com a pretensão formulada (artigo 13.°, n.° 5, do RJUE).

j) A enumeração taxativa dos fundamentos de indeferimento do pedido de licenciamento

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(artigos 24.° e 25.°) e de rejeição da comunicação prévia (artigo 36.°, n.° 1, do RJUE), com o sentido anteriormente assinalado 244.

g) O direito de o interessado na consulta a entidades externas ao município entregar os pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos juntamente com o requerimento inicial ou com a comunicação prévia (artigo 13.°-B, n.° 1), de solicitar, no termo do prazo fixado para a promoção das consultas, a passagem de certidão dessa promoção, a qual deve ser emitida pela câmara municipal ou pela CCDR no prazo de oito dias (artigo 13.°-B, n.° 4), e, se a certidão for negativa, de promover directamente as consultas que não hajam sido realizadas ou de pedir ao tribunal administrativo que intime a câmara municipal ou a CCDR a fazê-lo, nos termos do artigo 112.° do RJUE (artigo 13.°-B, n.° 5, do RJUE) — tudo isto com o fito de evitar a nulidade da licença ou da admissão da comunicação prévia, que o artigo 68.°, n.° 1, alínea c), do RJUE estabelece como consequência do vício de procedimento, traduzido na omissão de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis.

244 De modo similar, também se pode falar de enumeração taxativa dos fundamentos de apreciação do projecto de arquitectura (artigo 20.°, n.os 1 e 2 do RJUE) e dos projectos de loteamento, de obras de urbanização e trabalhos de remodelação de terrenos (artigo 21.° do RJUE) e, consequentemente, dos fundamentos de recusa e aprovação daqueles projectos.

h) O direito à notificação dos actos administrativos no âmbito do controlo prévio das operações urbanísticas e o direito à fundamentação expressa e acessível dos mesmos actos quando afectem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos - direitos estes contemplados no artigo 268.°, n.° 3, da Lei Fundamental e nos artigos 2.°, n.° 7, 66.° e 124.° do CPA, e a que nos referimos no Volume I deste Manual.

í) O direito de reversão do cedente sobre as parcelas cedidas, no âmbito da operação de loteamento, ao município para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização colectiva e para as infra-estruturas que, de acordo com a lei e a licença ou comunicação prévia, devam integrar o domínio municipal, sempre que elas sejam afectas a fins diversos daqueles para que hajam sido cedidas, isto é, sempre que o município tenha violado a autovincula- ção na disponibilização dos bens para as finalidades a que, nos termos plasmados na licença e alvará ou no acto notarial, foram adstritos 45, ou, em alternativa, o direito a uma indemnização (artigo 45.° do RJUE). O exercício do direito de reversão rege-se, com as necessárias adaptações, pelo disposto no Código das Expropriações (artigo 45.°, n.° 2, do RJUE). Também a de indemnização, que o cedente pode exigir ao município, em alternativa ao exercício do direito de reversão, é determinada nos termos estabelecidos no Código das Expropriações com referência ao fim a que se encontre afecta a parcela, sendo calculada à data em que pudesse haver lugar à reversão (artigo 45.°, n.° 3, do RJUE).

Não haverá, contudo, reversão, mas tão-só indemnização, quando a alteração dos fins decorra da modificação das condições da licença ou comunicação prévia da operação de loteamento por iniciativa da câmara municipal, desde que essa modificação seja necessária à execução de plano municipal ou especial de ordenamento do território, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária ou área de reabilitação urbana (artigos 45.°, n.os 3 e 9, e 48.°, n.° 1, do RJUE).

Registe-se, por último, que as parcelas que tenham revertido para o cedente não ficam na disponibilidade deste, antes ficam sujeitas às mesmas finalidades a que deveriam estar afectas aquando da cedência, salvo quando se trate de parcela a afectar a equipamento de utilização colectiva, devendo nesse caso ser afecta a espaço verde, pro- cedendo-se ainda ao averbamento desse facto no respectivo alvará e integração na admissão de comunicação prévia (artigo 45.°, n.° 4, do RJUE).

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j) O direito à impugnação administrativa autónoma dos pareceres expressos que sejam emitidos por órgãos da Administração Central no âmbito dos procedimentos de licença e de comunicação prévia (artigo 114.° do RJUE).

l) Os direitos em face do silêncio da Administração - tema este que desenvolveremos infra —, traduzidos, no caso de acto que devesse ser praticado por qualquer órgão municipal no âmbito do procedimento de licenciamento, na faculdade de o interessado pedir ao tribunal administrativo de círculo da área da sede da autoridade requerida a intimação da autoridade competente para proceder à prática do acto que se mostre devido [artigos 111.°, alínea a), e 112.° do RJUE] e, no caso de qualquer outro acto, na consideração do deferimento tácito da pretensão [artigos 111.°, alínea c), e 113.° do RJUE].

m) O direito de indemnização nos casos de expropriação do plano e de responsabilidade civil extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, quer na modalidade de responsabilidade da por actos ilícitos (artigo 70.° do RJUE), quer na veste de responsabilidade da Administração por actos ilícitos, prevista no artigo 48.° do RJUE (agora, na sequência do Novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro, alterado pontualmente pela Lei n.° 31/2008, de 17 de Julho, “indemnização pelo sa-crifício”) - tudo nos termos apontados, em linhas gerais, no Volume I deste Manual.

n) E, por último, as garantias jurisdicionais, condensadas nos n.os 4 e 5 do artigo 268.° da Constituição, as quais comungam do mesmo regime do contencioso administrativo ou da justiça administrativa, mas que apresentam bastantes especificidades em relação ao contencioso admi-nistrativo geral. Algumas dessas particularidades serão realçadas um pouco mais adiante, embora o seu tratamento pormenorizado deva ter lugar num futuro capítulo autónomo sobre o contencioso do urbanismo.

3. LICENÇA (ANDRÉ FOLQUE)

É o procedimento mais complexo e constitui a regra geral nas obras de edificação, excepto para as obras de reconstrução (a que basta, em princípio, a autorização).

Com efeito, para as obras de construção, de alteração ou de ampliação, basta pensarmos que a generalidade do solo urbano não se encontra abrangido nem por plano de pormenor qualificado nem por operação de loteamento, para podermos asseverar o princípio do licenciamento.

3.1. Primeira fase — Iniciativa e apreciação limiar

a) iniciativa

De acordo com o artigo 9.°, a perfeição da iniciativa importa a apresentação:

— do requerimento;— dos elementos instrutórios (Portaria n.° 1110/2001, de 19 de Setembro);— da indicação da legitimidade real;— dos elementos previstos no artigo 37.°, n.° 2, se for caso disso.O requerente pode também fazer juntar, desde logo, os pareceres, autorizações e aprovações

exteriores ao município, cujo teor, em princípio, é eficaz pelo prazo de um ano (artigo 19.°, n.° 2) o que permite abreviar o tempo de instrução municipal.

Por seu turno, o artigo 10.° veio acrescentar a obrigatoriedade do termo de responsabilidade.

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Este permite alijar parte do controlo municipal sobre o cumprimento das regras técnicas de construção (estabilidade, estruturas resistentes, comportamento térmico, isolamento acústico, qualidade dos materiais, v. g. do betão, do cimento).

Optou-se por um princípio de confiança/responsabilidade, o de que os profissionais inscritos em associação pública (artigo 10.°, n.° 4) e demais técnicos credenciados (artigo 10.°, n.° 5) cumprirão as regras da experiência e do conhecimento da arte (leges artis) sob pena de responderem civilmente, disciplinarmente e porventura criminalmente (prevendo-se no artigo 277do Código Penal um crime de perigo comum relativo à infracção das regras de boa construção).

A opção legislativa, para além de pretender diminuir a complexidade da actividade administrativa e de comprometer activamente os profissionais qualificados e as suas associações públicas e privadas, é essencialmente pragmática, se pensarmos na extrema dificuldade em controlar os aspectos construtivos ao longo da obra. Um controlo efectivo exigiria, não raro, a permanência a tempo integral de um ou de vários fiscais municipais no local da obra, conferindo a qualidade e quantidade dos materiais e a observância prudente e diligente das técnicas e métodos empregues.

b) apreciação liminar (saneamento)

De acordo com o disposto no artigo 11.°, o órgão a quem compete a direcção da instrução (artigo 8.°, n.° 2, e artigo 86.° do CPA) vai começar por se pronunciar decidir sobre questões que possam obstar a uma decisão final positiva (artigo 11.°, n.° 1), importando distinguir:

— objecções dirimentes que levam à rejeição liminar (formais — n.° 2 e materiais — n.° 3);— objecções impedientes por faltas que podem ser supridas — é suscitado o aperfeiçoamento (n.° 5)

Não se trata porém de fazer precludir o alcance destes impedimentos em momento ulterior do procedimento (artigo 11.°, n.° 6), apenas se presumindo nada haver a opor.

Trata-se aqui, verdadeiramente, de sanear os pedidos de licenciamento deficientemente instruídos ou manifestamente insusceptíveis de deferimento.

c) informação prévia

Se esta é a apreciação liminar, há também facultativamente um subprocedimento preliminar, através do qual, o interessado, sem ter de requerer o licenciamento, pode conhecer da viabilidade da sua pretensão. Chama-se informação prévia (artigos 14.° e segs.) e não se confunde com a informação simples, por via da qual o interessado se limita a conhecer as disposições de planeamento urbano, servidões e restrições aplicáveis a um dado local (artigos 110.°, n.° 1, alínea a)).

Ao contrário do que poderia parecer, a informação prévia, sendo positiva, não se restringe a um efeito meramente declarativo. É constitutiva de direitos, vinculando a câmara municipal e as autoridades externas consultadas, durante um ano (artigo 17.°, n.° 1), mesmo no caso de revisão do plano (artigo 17.°, n.° 4).

Por outro lado, uma informação prévia favorável vai abreviar o ulterior procedimento de licenciamento (artigo 17.°, n.° 2 e n.° 3).

Pode parecer demasiado prematura a impugnação contenciosa da informação prévia por terceiros, embora, ao cabo e ao resto, a sua natureza seja mais protegida do que a aprovação do projecto de arquitectura. Ê que com a informação prévia fica consolidado um quadro de parâmetros urbanísticos que o interessado poderá aproveitar.

3.2. Segunda fase — Consultas externas

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A licença tem uma natureza confederadora — pretende reunir e coordenar no mesmo procedimento todos os actos permissivos necessários, mesmo que recaiam nas atribuições de outras pessoas colectivas públicas, em razão do local, da matéria ou da natureza do projecto.

São autorizações, aprovações, pareceres enxertados no procedimento administrativo, não de natureza tutelar, pois não incidem sobre a decisão ou deliberação municipal, mas expressão de interesses públicos diferenciados do conjunto das atribuições municipais, seja em relação de superioridade ou de especialidade.

Tais consultas podem ser de iniciativa do requerente — a priori (artigo 19.°, n.° 2) ou a posteriori (artigo 19.°, n.° 6), embora, neste caso, com necessária intervenção contenciosa (n.° 7).

a) O princípio da especialidade

Vigora o princípio da especialidade das entidades consultadas (artigo 19.°, n.° 10), no sentido de cada uma apenas poder pronunciar-se no âmbito das suas atribuições e de o seu silêncio, ao fim de 20 dias, constituir uma presunção favorável — de não oposição ao projecto (artigo 19.°, n.° 9).

De resto, o parecer negativo e a recusa de autorização ou de aprovação só vinculam, na medida da especialidade. De outro modo são inoponíveis ao órgão coordenador.

Nada obsta porém a que a câmara municipal venha a indeferir com base em disposições legais e regulamentares conferidas em pareceres, autorizações ou aprovações externas, apesar do sentido favorável destas pronúncias. As mesmas servidões administrativas, os mesmos instrumentos de gestão territorial são também parâmetro da deliberação final | não pode entender-se que, por princípio, a sua interpretação e aplicação compita exclusivamente à administração estadual ou regional, directa ou indirecta.

Presunção, é certo, pois, se o resultado das consultas sobrevier fora do prazo pode ainda ser tomado em linha de conta pelo presidente da câmara municipal (artigo 19.°, n.° 11).

Sinal evidente da natureza confederadora da licença — ou, por outras palavras, coordenadora — é a norma do artigo 37.°, de acordo com a qual, nem a licença municipal substitui outros actos de controlo prévio da Administração Central ou Regional nem estes, por seu turno, eximem o interessado do dever de requerer a licença municipal para a operação urbanística.

c) consultas obrigatórias e vinculativas

As consultas obedecem a dois diferentes critérios:

— em razão do local (áreas sob servidão administrativa ou restrição de utilidade pública, áreas desprovidas de instrumento de gestão territorial próprio — artigos 19.° e 39.°);

— em razão do projecto (natureza e destino da operação — artigo 37.°), como sucede com as operações nos imóveis classificados ou em vias de classificação, com os estabelecimentos industriais, com os empreendimentos turísticos ou com os recintos de espectáculos e divertimentos. Estas, porém, obedecem a uma iniciativa particular e representam um modelo de simples articulação entre dois procedimentos. O interessado tem, ele próprio, de exibir às autoridades municipais o acto que exprime a anuência da Administração Central.

E tomam uma de três formas:— autorização;— parecer; ou— aprovação.

A terminologia é bastante inconstante e nem sempre o legislador usa do mesmo rigor. A autorização deveria reservar-se a projectos ou propostas de decisões ou deliberações, ao passo que

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a aprovação deveria incidir sobre actos já praticados. O parecer, por seu turno, exprime uma intervenção intercalar que pode conter condições ou sugestões a tomar na deliberação final, exprimindo um juízo de valor específico.

Não devem confundir-se com uma outra intervenção da Administração Central ou regional, a título sucessivo, consubstanciada na licença de funcionamento (artigo 40.°), como é o caso dos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo (Decreto-Lei n.° 533/80, de 21 de Novembro).

A preterição das consultas externas obrigatórias ou do seu sentido, quando vinculativas, não pode ser vista como simples incumprimento de uma formalidade essencial. É o conjunto de atribuições alheias, de' outra pessoa colectiva pública, que é atingido. Por conseguinte, é de aplaudir a correcção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 177/2001, de 4 de Junho, nesta matéria, no que se dispõe através do artigo 68.°, alínea c) — a nulidade por incompetência absoluta.

Nestas consultas externas, há-de compreender-se a avaliação do r impacto ambiental (Decreto-Lei n.° 69/2000, de 3 de Maio). Neste diploma, de resto, dispõe-se no artigo 18.°, n.° 3, que «os prazos estabelecidos para o licenciamento ou autorização ficam suspensos até à data em que ocorra a notificação da entidade licenciadora ou competente » para a autorização» ou ocorra deferimento tácito (artigo 19.°).O que acontece se as entidades externas não se pronunciarem no prazo que a lei lhes concede? Ao cabo de 20 dias, é de presumir que as entidades externas nada têm a opor. Mas o parecer negativo ou a recusa de aprovação ou autorização extemporâneos podem ser tomados em conta pela câmara municipal no momento da deliberação final.

Em Acórdão de 5-02-2003, o STA (3.“ Sub.) considerou avisadamente que o órgão a que compete a decisão final não pode desconsiderar o parecer vinculativo de uma área protegida, enquanto este parecer não for revogado ou anulado contenciosamente.

Recorde-se, aliás, que estes pareceres externos podem ser impugnados autonomamente (artigo 114.°, n.° 1) — por via graciosa ou contenciosa — sem necessidade de o procedimento chegar ao seu termo, ou seja, antes da chamada definitividade horizontal do acto. E do recurso hierárquico próprio ou impróprio, como da reclamação, não decididos no prazo de 30 dias, resulta deferimento tácito (n.° 2).

d) articulação com regimes especiais

Como já se viu a propósito das consultas obrigatórias externas, o licenciamento condensa ou congrega tantas intervenções quantas as atribuições directamente implicadas com a operação urbanística. O deferimento da licença representa, não apenas uma deliberação municipal, como também um conjunto maior ou menor de pareceres favoráveis da parte da Administração estadual ou regional, directa ou indirecta, central ou desconcentrada.

Vale a pena retroceder um pouco para dissipar um possível equívoco. Tais pareceres não têm a natureza de autorizações tutelares, muito embora produzam um efeito análogo. Isto, porque tais pareceres não têm como objecto a deliberação camarária. Não exercem controlo algum sobre o mérito ou sobre a legalidade da deliberação final. Condicionam-na, é certo, mas não na esfera das atribuições municipais. Condicionam-na apenas no sentido de a deliberação municipal favorável sem a anuência do órgão externo que se pronuncia ser inútil. Não basta, pois não esgota o controlo jurídico administrativo da operação urbanística em causa.

No entanto, a coordenação administrativa não se fica por aqui. Projectos há que, além de sujeitos a consultas exteriores ao município, requerem particularidades na sua apreciação, em nome de exigências específicas de segurança, salubridade, qualidade, protecção de recursos naturais.

3.3. Terceira fase — Apreciação dos projectos de edificação (de arquitectura e das especialidades)

Elemento central na instrução é o projecto de arquitectura, cujo parâmetro de apreciação consta do artigo 20.°, n.° 1, e de onde resulta claramente um controlo urbanístico e, formalmente,

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construtivo (este controlo, no remanescente, é devolvido ao técnico responsável, por meio do termo que juntará). A aprovação do projecto de arquitectura representa para o requerente uma autovinculação. Doravante, ele terá de respeitar o projecto que apresentou e se a operação vier a ser licenciada, apenas serão toleradas alterações não substanciais (artigos 83.° e 27.°). No mais, tudo o que extravasar o projecto de arquitectura é considerado clandestinamente executado, sem prejuízo de eventual legalização, e tudo o que ficar aquém do projecto de arquitectura representará obra inacabada, para efeito do disposto no artigo 88.°

Os projectos de especialidades são os mais variados (abastecimento de água, instalações eléctricas, estabilidade, isolamento acústico, ascensores, etc.) e dependerão em número e características da localização da obra e sua destinação. Podem hoje ser apresentados ao mesmo tempo que o projecto de arquitectura (artigo 20.°, n.° 4) ou ser diferida a sua apresentação para um termo de seis meses após a aprovação do projecto de arquitectura, prorrogável, a pedido do interessado (artigo 20.°, n.° 5). Envolvem, por vezes, consultas externas para garantir a confor-midade das suas soluções com as pertinentes prescrições de ordem técnica (artigo 20.°, n.° 7), mas admite-se também a declaração de responsabilidade (artigo 20.°, n.° 8).

Muito se tem discutido acerca da natureza do acto de aprovação do projecto de arquitectura, nomeadamente, quanto a saber se é um acto constitutivo de direitos ou se, pelo contrário, apenas constitui um interesse legalmente protegido na ulterior deliberação da licença ou da autorização. De uma ou de outra natureza dependerão as regras atinentes à sua revogação (artigos 140.c e 141.° do CPA ex vi do artigo 73.°, n.° 1, do JRJUE), no limite, revogação por ilegalidade superveniente. Por outro lado, mas em paralelo, se é um acto simplesmente preparatório ou se é definitivo (definitivamente lesivo).

Temos por melhor o entendimento que vê neste acto um simples acto preparatório, sem prejuízo de a não aprovação poder ser objecto de impugnação administrativa e contenciosa, na medida em que se revele como acto externo lesivo (artigo 51.°, n.° 1, do CPTA). O requerente não tem interesse em agir para impugnar a aprovação do projecto de arquitectura, a menos que este acto lhe imponha condições ou restrições que entenda ilegalmente lesivas.

Os terceiros que se oponham ao projecto não são lesados directa nem imediatamente pela deliberação que aprove o projecto de arquitectura. Sem prejuízo de poderem exercer o direito de petição para alcançarem a revogação deste acto preparatório, deverão, isso sim, aguardar pelo deferimento da licença e é desse acto que caberá impugnação contenciosa.

O que não faria sentido seria desqualificar a aprovação do projecto de arquitectura perante o valor jurídico de uma informação prévia favorável . Nomeadamente, quanto ao conjunto dos parâmetros legais e regulamentares a aplicar, estes ficarão definitivamente estabelecidos com a aprovação do projecto de arquitectura. Ulteriores normas que entrem em vigor só poderão aplicar-se a requerimento do interessado.

Ainda haverá lugar à apresentação de mais projectos? Sim, para algumas operações, mas já depois de iniciados os trabalhos — trata-se dos projectos de execução (de arquitectura e de especialidades) — de acordo com o artigo 80°, n.° 4. O cumprimento deste dever pode, no entanto, ser dispensado por regulamento municipal. O critério é uma vez mais, o da relevância urbanística.

Há trabalhos, contudo, que podem ter início antes de o requerente dispor da licença/autorização e do respectivo alvará — condição incontornável para a generalidade da operação poder ter início (artigo 80.°, n.° 1) — seja antes (se o requerente dispuser de informação prévia favorável (artigo 81.°, n.° 1)), seja depois da aprovação do projecto de arquitectura (caso das obras subordinadas a licença (artigo 81.°, n.° 2).

Em tais casos, é necessária a apresentação de projectos próprios — trabalhos preliminares de demolição, de escavação (até ao piso de menor cota) e de contenção periférica (artigo 81.°, n.° 3) e é indispensável a prestação de caução (artigo 81.°, n.° 1).

Outras obras podem antecipar-se ao deferimento — obras de estrutura, desde que já aprovado o projecto de arquitectura, entregues os projectos de especialidades e prestada caução que

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salvaguarde a eventual necessidade de demolição (artigo 23.°, n.° 6). Há, para este efeito, emissão de uma licença parcial (artigo 23.°, n.° 7).

Até que sejam regulamentados os certificados de conformidade (verificação da idoneidade e garantia de responsabilidade civil dos autores dos projectos) haverá ainda apresentação de telas finais (as peças escritas e desenhadas que correspondem à obra executada — artigo 128.°, n.° 3 e n.° 4).

Nesta fase, a câmara municipal tem de conferir o projecto com todas as disposições de ordem pública aplicáveis e na sua esfera de competência, tem de conhecer da inserção urbana e paisagística (não de um critério estético arbitrário, mas em resultado do existente ou do previsto — artigo 121.° do RGEU), da adequação ao uso proposto e da sustentabilidade em face das infra-estruturas existentes e outros equipamentos colectivos de interesse geral.

3.4 Quarta fase — Deliberação ou decisão final

O prazo para a prática deste acto vem regulado no artigo 23.° e a sua importância não se esgota no dever de zelo a que o órgão competente se subordina. Releva, acima de tudo, para as garantias de que os interessados dispõem para ultrapassarem a inércia (artigos 112.° e 113.°).

Os prazos variam, como bem se compreende — em função das operações urbanísticas em causa e da maior ou menor complexidade que a apreciação de cada categoria, presumivelmente, comporta (artigo 23.°, n.° 1). A natureza da operação faz variar outrossim o dies a quo do prazo (n.° 2 a n.° 5).O poder de deliberar sobre o licenciamento é, no essencial, um poder vinculado. Quer isto dizer que o indeferimento só pode ser deli-RI — Extensão e intensidade do controlo administrativo prévio.berado pelos motivos expressamente previstos na lei (artigo 24.°), lugar a audiência prévia do interessado (artigos 100.° e segs. do CPA) e devendo ser fundamentadas as razões do conteúdo negativo (ver CPA).

Isto vale, mutatis mutandis, para a licença de utilização (art n.° 6).Os motivos que sustentam o indeferimento constam enunciados de modo taxativo na lei, como

já resultava do artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 166/70, de 15 de Abril, e do artigo 63.° do regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro.

Deve aqui encontrar-se uma exigência decorrente da livre iniciativa económica privada (artigo 61.°, n.° 1, da Constituição) e cooperativa (n.° 2). Se o jus aedificandi não é mais corolário incindível do direito de propriedade privada ou, pelo menos do seu conteúdo essencial, não pode ignorar-se com a ligeireza que se encontra em alguma jurisprudência (*16) a esfera de protecção da liberdade de iniciativa económica e o regime restritivo a que se sujeitam as suas restrições (artigo 18.°, n.° 2 e n.° 3) vista a natureza análoga que apresenta em relação aos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.º). Se dúvidas houvesse perante a extensão da iniciativa privada à liberdade de operações urba-nísticas nos quadros definidos pela lei e de acordo com o interesse geral vertido nos planos urbanísticos, em outros instrumentos de gestão territorial e em outros regulamentos, elas teriam de dissipar-se perante a protecção a conceder à iniciativa privada no fomento à habitação (artigo 65.°, n.° 2, alínea c)).

É porventura um direito de menor extensão e com intensidade algo reduzida, pois o seu âmbito é o que resultar dos «quadros definidos pela Constituição e pela lei» e o seu exercício tem de satisfazer uma função social — o interesse geral. Ao contrário do que sucede com os demais direitos da sua espécie, a livre iniciativa económica move-se nos limites que a lei lhe deixar. Não é a lei a cingir-se aos espaços que o direito lhe permitir.

Isso, contudo, não | subtrai ao regime comum dos direitos fundamentais nem ao regime específico dos direitos, liberdades e garantias. As restrições podem ser bastante incisivas. As limitações ao exercício podem até provir de fonte regulamentar, mas têm de ser expressas e revestir um mínimo de generalidade e de abstracção (artigo 18.°, n.° 3). Mostrar-se-ia ostensivamente

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inconstitucional uma norma que permitisse indeferir pedidos de licenciamento fora de ura quadro normativo precedente e sem, no mínimo, a individualização dos fins, dos interesses públicos concretos a justificá-lo.

E o motivo para recusar o licenciamento há-de encontrar-se em normas urbanísticas plenamente eficazes e não meramente preparatórias, como bem se apontou no Acórdão dó STA, 1 .ª Sub., de 25-10-1990 (l19) \—estudos ou propostas de ordenamento urbanístico. Se a publicação oficial é condição positiva da eficácia, a não caducidade e a não revogação ou suspensão — expressas ou tácitas — são requisitos negativos dessa mesma eficácia.

Trata-se, como enuncia o artigo 24,°, n.° 1, alínea a), de indeferir por violação de plano municipal de ordenamento do território (artigo 32.° da Lei n.° 48/98, de 11 de Agosto) — o plano director municipal, plano de urbanização ou plano de pormenor, aplicáveis territorialmente e eficazes, assim como planos municipais aprovados ao abrigo de anteriores tipologias (planos e anteplanos gerais de urbanização) que ainda se encontrem em vigor (artigo 154.° do RGIT) ou tenham porventura sido repristinados. Depois, por violação de medidas preventivas a que devem acrescer as normas provisórias que possam ainda vigorar (artigo 157.°, n.° 5, do RGIT), e que encontram guarida na abertura da parte final do preceito (outras normas legais ou regulamentares).

Ora, as medidas preventivas (artigo 107.°, n.° 3, do RGIT), que visam precaver o interesse público na revisão e alteração dos planos municipais, assim como as servidões administrativas e as impro-priamente designadas restrições de utilidade pública podem consistir em proibições ou limitações absolutas, constituindo impedimentos dirimentes, absolutos ou relativos, mas podem também inculcar a sujeição a parecer vinculativo de órgãos de outras pessoas colectivas públicas, designadamente do Estado ou das regiões autónomas.

Assim sendo, em tais casos, o indeferimento deve estribar-se na alínea c) e não na alínea a) do artigo 24.°, n.° 1, do RJUE. É na alínea c) que se enunciam as apreciações heterónomas condicionantes da deliberação camarária: pareceres vinculativos, aprovações, autorizações.Em princípio, o parecer vinculante desfavorável, a falta de autorização ou aprovação externas haveriam de ter já determinado a recusa de aprovacão do proiecto de arquitectura.

Julgamos que importa considerar o seguinte. Em primeiro lugar,£ resultado da consulta externa pode ser extemporâneo. A câmara municipal terá ainda de conformar-se com o seu teor, ou seja, para além dos 20 dias estipulados no artigo 19º/8, pois de outro modo, perderia sentido útil a disposição do art. 24º/1 c).

O parecer é vinculativo apenas quando recebido dentro do prazo (artigo 19.°, n.° 11), mas já no artigo 24.°, n.° 1, alínea c), são referidas as aprovações e autorizações. Quer isto dizer que o que deixa de ser vinculativo é o conjunto de modulações, designadamente, de condições que o parecer vinculativo possa impor. Fica então reduzido a uma simples aprovação ou autorização.

Em segundo lugar, pode o interessado ter impugnado o parecer desfavorável (artigo 114.°, n.° 1). Assim, no momento da aprovação do projecto de arquitectura, a câmara municipal pode não estar em condições de a recusar com este fundamento. Já depois de confirmado, o momento próprio — e devido — para impedir a operação é o do indeferimento do pedido de licença.

Nem se oponha que o particular fica a descoberto de qualquer protecção contra a demora procedimental das entidades externas ou do próprio director da instrução do procedimento, ao nível municipal.O particular pode e deve lançar mão dos instrumentos que a lei especificamente lhe concede para suprir a inércia das entidades externas (artigo 19.°, n.ºs 6 e 7).

Se as intervenções externas intempestivas não tivessem reflexo algum, estes meios não teriam sentido. Bastaria ao interessado aguardar o esgotamento do prazo enunciado no artigo 19.°, n.° 8.

Refiram-se ainda os planos especiais de ordenamento do território, cujas normas vinculam directamente sujeitos públicos e particulares (artigo 3.°, n.° 2, do RGIT). Têm em vista «a prossecução de objectivos de interesse nacional com repercussão espacial, estabelecendo regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais e assegurando a permanência dos sistemas

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indispensáveis à utilização sustentável do território» (artigo 42.°, n.° 2, do RGIT). Se no RGIT (artigo 42.°, n.° 3) parece apontar-se para um rol fechado de categorias destes instrumentos, o certo é que outros há, previstos em lei especial anterior ou posterior e que, igualmente, constituem motivo de recusa das operações urbanísticas desconformes. De resto, só o Decreto-Lei n.° 151/95, de 24 de Junho, foi expressamente revogado (artigo 159.°), sendo que este diploma não abarcava todos os planos especiais.

Como tal, para além dos planos de ordenamento das áreas protegidas (Decreto-Lei n.° 19/93, de 23 de Janeiro), dos planos de ordenamento das albufeiras de águas públicas (Decreto-Lei n.° 502/71, de 18 de Novembro) e dos planos de ordenamento da orla costeira (Decreto-Lei n.° 302/90, de 26 de Setembro, e Decreto-Lei n.° 309/93, de 2 de Setembro), haverá a considerar os planos de arranjo e expansão dos portos (Decreto-Lei n.° 38 842, de 11 de Janeiro de 1947) e os planos de pormenor atípicos de salvaguarda de monumentos, conjuntos ou sítios classificados (obrigatórios) de par cora os planos integrados, facultativamente elaborados para articulação com plano sectorial (artigo 53.° da Lei n.° 107/2001, de8 de Setembro) e os planos de renovação urbana (Decreto-Lei n.° 8/73, de 8 de Janeiro). Por seu turno, a Lei n.° 58/2005, de 29 de Dezembro, veio aditar ao artigo 42.° do RGIT os planos de estuário.

Os citados planos de pormenor — depois de desenvolvida neste ponto a Lei de Bases — virão reduzir a margem de livre apreciação da parte do Instituto Português do Património Arquitectónico e dos governos regionais quando se trate de dar parecer sobre operações urbanísticas em imóveis classificados, em vias de classificação e respectivas zonas de protecção, antecipando-a para o plano que, para além das demais especificações comuns, deverá conter, nos termos do artigo 53.°, n.° 3, as seguintes estipulações: a) ocupação e usos prioritários; b) áreas a reabilitar; c) critérios de intervenção nos elementos construídos e naturais; d) cartografia e recenseamento de todas as partes integrantes do conjunto; e) normas específicas para proteger o património arqueológico existente; e f) linhas estratégicas de intervenção, nos planos económico, social e de requalificação urbana e paisagística.

No mais, prevêem-se as áreas de desenvolvimento urbano prioritário e as áreas de construção prioritárias, figuras de raríssima difusão entre nós e que se encontram disciplinadas, respectivamente, no Decreto-Lei n.° 152/82, de 3 de Maio, e no Decreto-Lei n.° 210/83, de 23 de Maio.

Outro importante motivo de indeferimento é a precedência de declaração de utilidade pública sobre o imóvel (artigo 24.°, n.° 1, alínea c)). De um lado, procura-se aqui proteger a confiança do requerente ou evitar o seu abuso que o levaria posteriormente a reclamar a reparação por despesas desaproveitadas. Por outro lado, procura-se desonerar o encargo público no pagamento de uma indemnização expropriatória que, depois de executada a operação urbanística, seria naturalmente agravada. Há-de tratar-se de declaração de utilidade pública plenamente eficaz — não caducada e exequível por si mesma, o que não sucede nos casos previstos no artigo 13.°, n.° 2, do Código das Expropriações, especificando a necessidade de um acto concretizador das declarações de utilidade pública genericamente contidas na lei ou em regulamento, como acontece com as áreas críticas de recuperação e reconversão (artigo 42º, n.° 1, alínea a), da Lei dos Solos).

Na verdade, a declaração de utilidade pública, embora não invista a entidade beneficiária nem a entidade expropriante no bem em causa, 0 certo é que retira ao proprietário os poderes de disposição, ficando apenas admitida a sua administração ordinária com o aproveitamento de frutos e as benfeitorias necessárias. Designadamente, o bem a expropriar não pode ser tomado como garantia hipotecária.

Os motivos do indeferimento são, pois, taxativamente enunciados, como garantia relevante dos direitos dos administrados, cumprindo à câmara municipal deliberar favoravelmente a pretensão do requerente, desde que esta não colida com nenhuma das categorias dos fundamentos legais.

Todavia, este poder, apenas no essencial, é vinculado, pois o órgão municipal competente (câmara municipal, presidente ou vereador, por delegação) dispõe de dois importantes filões no campo da margem de autonomia pública.

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Por um lado, os motivos de indeferimento contêm numerosos conceitos vagos e indeterminados na previsão: afectação negativa do património arqueológico, histórico, cultural ou paisagístico, natural ou edificado (n.° 2, alínea a)), sobrecarga incomportável para as infra-estruturas ou serviços gerais (alínea b)), afectação da estética das povoações, da adequada inserção no ambiente urbano ou da beleza das paisagens (I31) (n.° 4, e artigo 121° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas).

Certamente que a margem de livre apreciação compreendida nestes conceitos é reduzida na proporção inversa da densidade dos planos ou mesmo da sua falta.

(131) Este conceito é, hoje, menos indeterminado do que em anteriores regimes jurídicos, pois estipulam-se, embora a título enunciativo, alguns parâmetros desta apreciação estética: desconformidade com as cérceas dominantes ou volumetria excessiva. Há-de rêparar-se, porém, que o próprio conceito de cércea dominante é, em si mesmo, algo impreciso. Confere larga autonomia na escolha dos termos de comparação.

Na verdade, não se pode olvidar que o licenciamento municipal de obras deve ser enquadrado no âmbito do procedimento de planificação do território, do qual a 'licença de construção' constitui o acto terminal, e que, à medida que se desce na escala hierárquica dos planos urbanísticos, mais concretas se apresentam as opções adoptadas pelos municípios quanto à ocupação, uso e transformação do solo.

(Fernando Alves Correia, Estudos de Direito do Urbanismo, loc. cit., p. 71).

De todo o modo, vale a pena insistir em que a consideração estética do projecto e da prognose do seu -resultado não traduzem uma valo- ração puramente intuitiva. Com efeito, e como anotam ANTÓNIO DUARTE de Almeida «o legislador não confere à câmara municipal uma prerrogativa de avaliação do 'bom gosto’ do projectista. Não se deve confundir a estética urbana com a estética das edificações isoladamente consideradas».

É também nos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares que podemos encontrar numerosos conceitos indeterminados, como seiam os de ‘envolvente’ ou de ‘altura dominante’, na medida em que importam a delimitação de um termo de comparacão.

Não que se trate de conceitos técnicos. Essa é outra questão. O uso ou remissão para conceitos técnicos ou para a leges artis da arquitectura ou da engenharia civil pode representar o apelo a conceitos imprecisos ou a conceitos descritivos e classificatórios, ainda quando careçam da intermediação de peritos — é o caso dos índices e coeficientes, por exemplo, o coeficiente de ocupação do solo (COS).

De qualquer modo, o que nos parece de afastar é a insindicabilidade contenciosa da designada discricionariedade técnica, equivocamente cruzada com a zona de incerteza dos conceitos indeterminados, ao que é exemplo o Acórdão do STA, 2.ª Sub., de 5-05-1987.

Pode suscitar-se a questão de saber se a câmara municipal pode recusar o deferimento de licença ou autorização por impactos ambientais negativos da obra ou dos trabalhos, mesmo quando o ambiente não beneficia de protecção específica alguma. A jurisprudência francesa inclina-se para não admitir senão a imposição de condições à licença, considerando que outras limitações haveriam de resultar da lei, de regulamento ou de plano urbanístico.

Entre nós, estamos em crer que nem faria sentido conceder uma apreciação autónoma à câmara municipal para controlo dos efeitos no ambiente urbano (artigo 24.°, n.° 4) se não pudesse indeferir com base nesta ordem de considerações. É que a protecção de bens ambientais especificamente qualificados (Reserva Ecológica Nacional, áreas protegidas, Rede Natura 2000) ou a protecção contra operações ponten- cialmente agressivas do ambiente (avaliação do impacto ambiental) essa resulta da intervenção coordenada de órgãos de outras pessoas colectivas públicas. O ambiente urbano é porventura aquele que menor protecção específica recolhe, o que justifica um controlo municipal: concentração de estabelecimentos abertos ao público à noite, alojamentos pecuários nas imediações de edifícios residenciais, afluxo de tráfego, emissões de fumos e cheiros ou trepidações.

A discricionariedade surge, por seu tumo, no artigo 25.°, n.° 1, admitindo a revisão do projecto de indeferimento — adquirindo sentido acrescido a audiência prévia do requerente — mediante a

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aceitação de determinadas condições.O promotor da operação assume determinados encargos, deposita caução e celebra um

contrato administrativo com o município. Um exemplo. Se a licença é recusada por se encontrar a parcela demasiado longe da rede de abastecimento de água, mas se o promotor assumir o encargo com a extensão desta, deixa de fazer sentido o impedimento originário. O requerente poderá justamente vir a beneficiar, contanto que por regulamento municipal se fixem critérios, de uma redução proporcional das taxas por realização de infra-estruturas urbanísticas (artigo 25.°, n.° 3).

Podemos aqui falar, com alguma propriedade, de deferimento condicionado ou mesmo de deferimento convencionado.

Importa ainda não esquecer que o deferimento de licenças ou autorizações de obras de edificação não pode sujeitar-se a cedências nem a compensações (artigo 117.°, n.° 4), salvo na excepção já tratada supra das obras a qualificar por regulamento municipal pelo seu impacto (artigo 57.°, n.° 5).

Mesmo as imposições de alinhamento não podem obrigar a cedências, como se entendeu no Acórdão do STA (1.a Sub.), de 9-03-1989.

É pertinente procurar saber da razão de ser desta fase específica no licenciamento, quando o projecto de arquitectura já foi aprovado.Há várias razões que devem ser apontadas:

— Em primeiro lugar, se o projecto de arquitectura não obtiver aprovação, escusa o interessado de efectuar despesas com os projectos de especialidades se ainda os não encomendou.

— Em segundo lugar, é no momento da deliberação final que a câmara municipal controla condições e reservas que possa ter imposto ao projecto de arquitectura.

— Em terceiro lugar a deliberação do licenciamento permite reponderar a legalidade da aprovação do projecto de arquitectura, seja oficiosamente, seja na sequência da oposição de terceiros, por reclamação, petição ou outra forma de participação administrativa. Com efeito, só depois de consultado o projecto de arquitectura aprovado podem os terceiros formular as suas objecções, cuja tempestividade fica assegurada, dada a natureza precária da aprovação do projecto de arquitectura.

— Em quarto lugar, a deliberação final poderá e deverá ainda considerar intervenções externas ao município obtidas depois do prazo. Embora tenham perdido, em parte, o seu carácter vinculativo, não deixa de estar em causa a conformidade com prescrições legais e regulamentares que também ao município cumpre sindicar.

A aprovação do projecto de arquitectura prevalece contra normas substantivas supervenientesincompatíveis de sorte que a licença pode ser recusada por terem, entretanto, ocorrido alterações no direito aplicável?

Cremos que sim, como vimos, por maioria de razão com os efeitos previstos para a informação prévia. Esta, é certo, não garante a aprovação do projecto de arquitectura, mas fixa o bloco de legalidade aplicável à operação urbanística contra possíveis vicissitudes na eficácia das normas aplicáveis. A sua função é a de proteger a confiança do interessado, ao passo que a aprovação do projecto de arquitectura é á preparação da deliberação final, mas o princípio da protecção da confiança sustenta as despesas e investimentos justificados pela aprovação do projecto de arquitectura. Isto, naturalmente, sem prejuízo, da figura análoga à das expropriações pelo sacrifício que pode recair sobre informações prévias positivas, nos termos do artigo 143.° do RJ1GT, ao falar-se de possibilidades objectivas de aproveitamento.

A licença, uma vez deferida, vai servir de fundamento e limite não só à actividade edificatória,

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como também e sobretudo ao seu resultado.

Por fim, não se deve deixar passar em claro que o parâmetro de controlo vertido em instrumentos de gestão territorial não esgota os interesses públicos relevantes. Assim, não basta que determinada edificação projectada satisfaça a cércea do plano director municipal se, em concreto, a câmara municipal, com objectividade e razoabilidade, considerar que se compromete «pela localização, aparência ou proporções, o aspecto das povoações ou dos conjuntos arquitectónicos, edifícios e locais de reconhecido interesse histórico ou artístico ou de prejudicar a beleza das paisagens» (artigo 121.° do RGEU) .

3.5. Quinta fase — Integração da eficácia — pagamento de taxas e emissão do alvará

A deliberação final é o acto que defere a licença (artigo 26.º), mas este acto não é ainda eficaz. A eficácia encontra-se condicionada pela emissão de um titulo que toma a designação tradicional, no direito autárquico nacional, de alvará (artigo 74.°, n.° 1) e este, por sua vez, pressupõe prova do pagamento das taxas (n.º 2).

Se for excedido certo termo, depois de deferida a licença e sem que haja lugar à emissão de alvará, o acto caduca, deixa de poder vir a ser eficaz.

A partir do momento em que a licença ou a autorização se tomem eficazes, o requerente tem, não só o direito como o dever de construir, colaborando assim na execução dos instrumentos de gestão territorial, embora este dever seja imperfeito, na falta de sanção contra o seu incumprimento. (FIM ANDRÉ FOLQUE)

5. LICENÇAS PARCIAIS (ANDRÉ FOLQUE)

Já pontualmente nos referimos a este tipo de actos que permitem ao promotor ir antecipando a execução de alguns trabalhos. Importa agora sistematizar tais referências.

A sua disciplina obedece a um equilíbrio difícil entre a protecção da confiança do promotor e a garantia do interesse público, na eventualidade de a operação urbanística vir a ser reprovada. Se é uma comodidade para o particular, é seguramente também um risco — mas, ubi commoda ibi incommoda.

a) trabalhos preliminares de demolição, escavação e contenção periférica (artigo 81.°);b) construção da estrutura do edifício (artigo 23.°, n.° 6);c) conclusão de obras inacabadas (artigo 88.°);d) uso privativo da via pública com estaleiros (artigo 57.°, n.° 2).

O deferimento destas licenças constitui um poder discricionário, pressupõe informação prévia favorável e nunca antes de aprovado o projecto de arquitectura (artigo 81.°, n.° 2), a menos que se trate de procedimento de autorização, podendo, então, ser concedidas logo após o saneamento (artigo 11.°).

No caso da licença parcial para construção da estrutura (artigo 23.°, n.° 6), esta só pode ainda ser deferida depois de apresentados os projectos das especialidades e prestada caução para demolir a estrutura até ao piso de menor cota em caso de indeferimento. De outro modo, teríamos no deferimento desta licença parcial um elemento de pressão para o deferimento da licença da operação urbanística — restrita às operações previstas no artigo 4.°, n.° 2, alíneas c) e d).

O requerente terá de instruir 0 pedido destas licenças parciais com o plano de demolição, com o projecto de estabilidade e com o projecto de escavação e contenção periférica, acompanhados do termo de responsabilidade e depósito de caução.

Não é necessária a emissão de alvará. Os trabalhos podem começar logo que notificado o

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requerente do seu deferimento (artigo 81.°, n.° 5). (FIM ANDRÉ FOLQUE)

Fiscalização, ilícitos e medidas de tutela da legalidade urbanística

Ora, todas estas operações urbanísticas, sujeitas ou não a controlo prévio, estão subordinadas, de acordo com o que determina o artigo 93.°, n.° 1, do RJUE, a um controlo sucessivo, traduzido na sua submissão a fiscalização administrativa. Um tal controlo sucessivo — que, nalguns casos, se adiciona ao controlo prévio, enquanto noutros se substitui a este tipo de controlo — destina-se, em conformidade com o que preceitua o artigo 93.°, n.° 2, do RJUE, a “assegurar a conformidade daquelas operações com as disposições legais e regulamentares aplicáveis e a prevenir os perigos que da sua realização possam resultar para a saúde e segurança das pessoas”.

Na sequência da actividade de fiscalização das operações urbanísticas podem ser detectados vários tipos de ilícitos urbanísticos e podem ser desencadeadas diversas medidas de tutela da legalidade urbanística. A estreita ligação lógica entre a fiscalização das operações urbanísticas, de um lado, e o quadro de ilícitos urbanísticos, bem como as medidas de tutela da legalidade urbanística, do outro lado, justifica que analisemos, conjuntamente, estes três aspectos do regime jurídico das operações urbanísticas.

FiscalizaçãoA competência para a fiscalização das operações urbanísticas pertence ao presidente da câmara

municipal, com a faculdade de delegação em qualquer dos vereadores (artigo 94.°, n.° 1, do RJUE). Uma tal competência — que se estende também à fiscalização das operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública, previstas no artigo 7.° do RJUE — é exercida, no entanto, “sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades” (artigo 94.°, n.° 1, primeira parte, do RJUE).

Cfr. artigo 94.°, n.os 2, 3 e 4, do RJUE.A prática destes actos de segundo grau pela câmara municipal, tendo por objecto actos

administrativos anteriormente emitidos pelo presidente da câmara municipal, encontra o seu fundamento na necessidade de respeitar o princípio do paralelismo das competências, tendo em conta que os actos praticados pelo presidente da câmara municipal “afectam” actos que são da competência da câmara municipal, e tanto pode ter como base uma iniciativa de qualquer membro da câmara municipal, como ser despoletado por um recurso hierárquico impróprio apresentado por um particular lesado nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos pelo acto do presidente da câmara municipal, nos termos do artigo 176.° do Código do Procedimento Administrativo.

O artigo 94.°, n.° 5, do RJUE abre a possibilidade de a câmara municipal contratar com empresas privadas habilitadas a efectuar fiscalização de obras a realização de inspecções — que são uma das expressões que pode revestir a actividade de fiscalização —, bem como das vistorias referidas no artigo 64.° do RJUE, ou seja, aquelas que têm lugar aquando da concessão da autorização de utilização de edifícios ou suas fracções, sempre que se verifique alguma das situações previstas no n.° 2 daquele artigo 64.°. Todavia, a celebração destes contratos depende da observância das regras constantes de decreto regulamentar (o qual ainda não foi aprovado), de onde devem constar o âmbito das obrigações a assumir pelas empresas, o respectivo regime da responsabilidade e as garantias a prestar (artigo 94.°, n.° 6, do RJUE). De qualquer modo, o artigo 94.°, n.° 5, do RJUE con -figura o exercício privado de tarefas ou funções públicas (in casu, da tarefa ou função pública da realização de inspecções e vistorias, no âmbito da fiscalização ou do controlo sucessivo de operações urbanísticas).

A actividade de fiscalização das operações urbanísticas é concretizada fundamentalmente através de duas espécies de actos instrumentais, isto é, de actos que exercem uma função ancilar

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em relação aos actos administrativos que venham a ser adoptados na sequência daquela actividade, como sejam os actos que aplicam sanções administrativas e os actos de tutela da legalidade urbanística. São elas as inspecções e as vistorias. Cfr. artigo 94.°, n.° 5, do RJUE. As inspecções apre-sentam-se como actos instrumentais de conteúdo verificativo, de modo a obter-se uma manifestação de ciência relativamente a certos factos.Cfr. artigo 95.°, n.° 1 e nº2, em aplicação da norma do nº2 do art. 34º da CRP.Cfr. artigo 95.°, n.° 3, do RJUE.

A segunda espécie de actos instrumentais concretizadores da actividade de fiscalização das operações urbanísticas é constituída pelas vistorias aos imóveis em que estejam a ser executadas as operações urbanísticas quando o exercício dos poderes de fiscalização dependa da prova de factos que, pela sua natureza ou especial complexidade, impliquem uma apreciação valorativa de carácter pericial (artigo 96.°, n.° 1, do RJUE). Enquanto as inspecções revestem uma natureza verificativa, com vista à obtenção de uma ciência relativamente a factos, as vistorias assumem um carácter avaliativo, ou seja, visam a apreciação do “sentido” de uma certa situação de facto254.

As vistorias são ordenadas pelo presidente da câmara municipal, regem-se pelo disposto no artigo 90.° do RJUE. Cfr. artigo 96.°, n.° 2, do RJUE.

Especial importância reveste o livro de obra no campo da fiscalização municipal das operações urbanísticas, uma vez que dos factos relevantes nele registados podem extrair-se indícios da violação de normas legais ou regulamentares a elas respeitantes. Como já sabemos, todos os factos relevantes relativos à execução de obras licenciadas ou objecto de comunicação prévia devem ser registados pelo director de obra, a conservar no local da sua realização para consulta pelos funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras (artigo 97.°, n.° 1, do RJUE). A inexistência de um livro de obra no local onde se realizam as obras, bem como a falta dos registos do estado de execução das obras no mesmo constituem, como foi sublinhado, um ilícito de mera ordenação social, consubstanciado numa contra-ordenação, punível com coima, nos termos do artigo 98.°, n.os 1, alíneas l) e m), e 6, do RJUE.

Cfr. n.° 2 do artigo 97.° do RJUE.74.2. Ilícitos relacionados com os actos de controlo prévio das operações urbanísticas

Da actividade de fiscalização municipal de operações urbanísticas pode resultar o conhecimento de ilícitos praticados pelos intervenientes nas operações urbanísticas. Importa, por isso, analisar, ainda que em linhas breves, o quadro de ilícitos relacionados com os actos de controlo prévio das operações urbanísticas instituído pelo RJUE25. Esses ilícitos são de quatro tipos: ilícito de mera ordenação social, ilícito criminal, ilícito disciplinar e ilícito civil256.

a) O artigo 98.° do RJUE qualifica, no seu n.° 1, como ilícito de mera ordenação social, punível como contra-ordenação, a violação de um conjunto de deveres jurídicos que incidem ou sobre o requerente e o beneficiário da licença ou sobre o apresentante e o beneficiário da comunicação prévia [alíneas a) a c) e h) a r)], ou sobre os autores e coordenadores de projectos e sobre os directores de obras e os directores de fiscalização de obras ou outros técnicos [alíneas e),f) r g)]) ou, ainda, sobre os proprietários de edificações [alíneas s) e t)].

Note-se que a punição de uma conduta como contra-ordenação é independente da aplicação de outras sanções, como resulta do corpo do n.° 1 do artigo 98.° do RJUE (“sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, são puníveis como contra-ordenação”). Neste sentido, o Acórdão da 1.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Fevereiro de 2004, Proc. n.° 1804/03, decidiu que, “quando a mesma conduta der origem a duas diferentes sanções - de um lado a condenação no pagamento de uma coima, de outro uma ordem de demolição — e de ambas for interposto recurso, um dirigido ao Tribunal Judicial e outro ao Tribunal Administrativo, a apreciação e a valoração dessa conduta, porque orientada para a salvaguarda de valores distintos, é independente em cada uma dessas instâncias, não se formando caso julgado da decisão que

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transitar em primeiro lugar”.

Vamos, por isso, limitar-nos, agora, a avançar umas breves notas sobre o tema do ilícito de mera ordenação social no domínio do RJUE. A primeira refere-se ao facto de os n.os 2 a 8 do artigo 98.° do RJUE estabelecerem os montantes mínimos e máximos das coimas, os quais variam conforme o infractor seja uma pessoa singular ou uma pessoa colectiva.

Cfr. n.° 8 do artigo 98.° do RJUE. Significa isto que o ilícito contra-ordenacional numa operação urbanística sujeita a um controlo

administrativo mais fraco, em comparação com o da licença, implica um limite máximo da coima mais elevado, como que a traduzir uma punição mais forte de quem abusou da confiança dada pelo Cfr. n.os 10 e 11 do artigo 98.° do RJUE.

A quarta nota conexiona-se com as sanções acessórias das contra- ordenações, cfr. artigo 99.° do RJUE. Estas sanções acessórias podem ser mais gravosas do que a sanção principal, traduzida na aplicação de uma coima, designadamente quando se traduzam na interdição do exercício no município, até ao máximo de quatro anos (período este que anteriormente era apenas de dois anos), da profissão ou actividade conexas com a infracção praticada. Adiante-se que esta interdição de exercício de actividade, quando aplicada a pessoa colectiva, estende-se a outras pessoas colectivas constituídas pelos mesmos sócios (artigo 99.°, n.° 4, do RJUE).

Cfr. artigos 98.° e 99.°; n.° 2 do artigo 99.° do RJUE e artigo 63.° do RJUE. Cfr. artigo 101.°-A do RJUE, ver nº 1— preceito cujo âmbito de aplicação não se circunscreve aos

ilícitos de mera ordenação social, antes abrange também os ilícitos criminais e disciplinares.Cfr. o n.° 2 do artigo 101.°.

b) Dois tipos de comportamentos assumem, no RJUE, pela sua especial gravidade e censura ético-jurídica, dignidade penal. São eles, por um lado, o desrespeito dos actos administrativos que determinem qualquer das medidas de tutela da legalidade urbanística previstas no RJUE. Cfr. artigo 100.°, n.° 1 e nº 2 do RJUE). Quanto à legitimidade para a denúncia dos crimes relacionados com as operações urbanísticas, rege o artigo 101.°-A do RJUE, já referido em linhas anteriores.

c) O RJUE não inclui qualquer norma semelhante à do artigo 70.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 445/91, pelo que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros na realização de operações de loteamento, de obras de urbanização ou de edificação ou de quaisquer outras operações urbanísticas é regulada pelos artigos 483.° e seguintes do Código Civil (e pelo artigo 492.° do mesmo Código, após a conclusão da obra).

d) O ilícito disciplinar conexionado com o regime jurídico dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas está previsto no artigo 101.° do RJUE.

O que caracteriza o ilícito disciplinar é a violação, por acção ou por omissão, de deveres gerais ou especiais inerentes à função desempenhada pelo trabalhador. Trata-se sempre, como refere ROGÉRIO SOARES, da violação de deveres de diversa natureza, mas todos relacionados com o funcionamento de um serviço ou a boa ordem de uma instituição.

74.3. Medidas de tutela da legalidade urbanística

Especificamente no que respeita aos respectivos objectivos, as sanções administrativas, puníveis como contra-ordenação, visam essencialmente a punição de um facto ilícito, tendo, por isso, um “intuito predominantemente aflitivo , ao passo que as medidas de tutela da legalidade urbanística têm como objectivo precípuo a reintegração da ordem jurídico-urbanística violada, bem como a

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remoção dos efeitos danosos que resultam da actuação ilegal dos particulares para o interesse público urbanístico e para o interesse público da prevenção de perigos para a saúde e segurança das pessoas.

As medidas de tutela da legalidade urbanística, previstas no RJUE, são essencialmente as seguintes: o embargo administrativo; a denominada legalização da operação urbanística, a qual coenvolve uma variedade de actos e de procedimentos; a demolição da obra e reposição do terreno; e a cessação da utilização. Analisemos, em termos sintéticos, cada um destes tipos de medidas de tutela da legalidade urbanística.

a) O embargo administrativo

O embargo é um acto administrativo por meio do qual se impõe uma obrigação de suspensão ou de paralisação, no todo ou em parte, de obras de urbanização, de edificação ou de demolição, bem como de quaisquer trabalhos de remodelação de terrenos que estejam a ser executados em violação de normas de direito do urbanismo, com a finalidade de evitar a consolidação de situações de facto lesivas dos interesses públicos tutelados por essas normas271. Trata-se de um jvoder- -dever ou de um poder-funcional, que o órgão administrativo tem de exercer sempre que o postule o fim público para cuja prossecução ou defesa a lei o conferiu, sendo, por isso, irrenunciável o seu exercício (artigo 29.°, n.° 1, do CPA). E sendo o poder-dever de embargar operações urbanísticas uma expressão de uma autotutela simultaneamente declarativa e executiva, não está igualmente na disponibilidade do órgão administrativo competente a opção entre a via judicial e a via administrativa para impor o embargo

A competência para ordenar o embargo pertence ao presidente da câmara municipal, mas sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades (artigo 102.°, n.° 1, do RJUE). No domínio da competência para ordenar o embargo de operações urbanísticas - e, bem assim, outras medidas de tutela da legalidade urbanística deve chamar-se também à colação o artigo 108.°-A do RJUE, que atribui ao presidente da CCDR territorialmente competente o poder de “determinar o embargo, a introdução de alterações, a demolição do edificado ou a reposição do terreno em quaisquer operações urbanísticas desconformes com o disposto em plano municipal ou plano especial de ordenamento do território, sempre que não se mostre assegurada pelo município a adopção das referidas medidas de tutela da legalidade urbanística, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 94.° a 96.° e 102.° a 108.°” do RJUE. Já tivemos oportunidade de nos referir a esta norma no Volume I deste Manual e de defender que ela não configura uma tutela substitutiva, não coberta pelo artigo 242.°, n.° 1, da Constituição, não sendo, por isso, feridora da Lei Fundamental.

O objecto do embargo é constituído, como resulta do corpo do n.° 1 do artigo 102.° do RJUE, por obras de urbanização, de edificação ou de demolição, bem como quaisquer trabalhos de remodelação de terrenos. Tais obras e trabalhos têm de estar a ser executados, não sendo, por isso, abrangidos pelo embargo obras ou trabalhos já concluídos ou executados, nem obras ou trabalhos ainda não iniciados.

Os pressupostos do embargo são, em primeiro lugar, a inexistência de licença ou admissão de comunicação prévia, quando legalmente exigíveis. Estão também abrangidas por este pressuposto as hipóteses em que a licença ou comunicação prévia tenha existido, mas caducou ou foi revogada, anulada ou declarada nula, bem como as situações em que aquele acto de controlo prévio não é eficaz (por exemplo, não foi emitido o alvará que titula a licença). Em segundo lugar, a desconformidade com o respectivo projecto ou com as condições do licenciamento ou comunicação prévia admitida, salvo tra- tando-se de alterações durante a execução da obra abrangidas pelo regime excepcional consagrado no artigo 83.° do RJUE. E, em terceiro lugar, a violação das normas legais e regulamentares [artigo 102.°, n.° 1, alíneas a), b) e c), do RJUE].

O embargo é, como veremos um pouco mais abaixo, um acto administrativo cautelar e urgente, pelo que está submetido a um procedimento muito ligeiro e célere. Daí que, por natureza e

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determinação legal, não haja lugar a audiência prévia dos interessados, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 103.° do CPA. Depois de praticado aquele acto, é o mesmo notificado ao responsável pela direcção técnica da obra, bem como ao titular do alvará de licença ou apresentante da comunicação prévia e, quando possível, ao proprietário do imóvel no qual estejam a ser executadas as obras ou seu representante, sendo suficiente para obrigar à suspensão dos trabalhos qualquer dessas notificações ou a de quem se encontre a executar a obra no local (artigo 102.°, n.° 2, do RJUE). A notificação do embargo, nos termos que vêm de ser referidos, constitui um elemento essencial para a produção dos efeitos principais do embargo, que são a suspensão imediata, no todo ou em parte, dos trabalhos de execução da obra. Tendo em conta que, nos termos do artigo 103.°, n.° 3, do RJUE, o embargo também produz o efeito de interdição do fornecimento de energia eléctrica, gás e água às obras embargadas, deve também ser notificado o acto de embargo às entidades responsáveis pelos referidos fornecimentos.

Após o embargo, é imediatamente lavrado o respectivo auto, que contém, obrigatória e expressamente, a identificação do funcionário municipal responsável pela fiscalização de obras, das testemunhas e do notificado, a data, a hora e o local da diligência e as razões de facto e de direito que a justificam, o estado da obra e a indicação da ordem de suspensão e proibição de prosseguir a obra e do respectivo prazo, bem como as cominações legais do seu incumprimento. O auto de embargo — que é redigido em duplicado e assinado pelo funcionário e pelo notificado, ficando o duplicado na posse deste — é notificado às pessoas acima referidas (e que são as indicadas no n.° 2 do artigo 102.° do RJUE). Mas no caso de as obras estarem a ser executadas por pessoa colectiva, o embargo e o respectivo auto são também comunicados para a respectiva sede social ou representação em território nacional (artigo 102.°, n.os 3, 4, 6 e 7, do RJUE).

O embargo, assim como a sua cessação ou caducidade, é objecto de registo na conservatória do registo predial, mediante comunicação do despacho que o determinou, procedendo-se aos necessários averbamentos (artigo 102.°, n.° 8, do RJUE). O registo do embargo na conservatória do registo predial visa, como é próprio do instituto do registo, a publicidade daquela medida e a consequente protecção do comércio jurídico e de terceiros, sobretudo dos potenciais adquirentes de edifícios ou de fracções autónomas destes e das entidades financiadoras das operações urbanísticas.

Quanto ao âmbito do embargo, este pode ser total ou parcial, conforme abranja toda ou apenas parte da operação urbanística. É o que resulta dos artigos 102.°, n.° 5, e 103.°, n.°* 1 e 4, do RJUE. O princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou da proibição do excesso impõe que o embargo seja limitado ao estritamente necessário para a satisfação do interesse público. Se este for alcançado com o embargo meramente parcial de uma obra, não pode ser decretado o embargo total da mesma.

Todavia, apenas é possível o embargo parcial de uma obra, se a parte embargada possuir autonomia funcional relativa à parte restante. Nesta ordem de ideias, a norma do n.° 5 do artigo 102.° do RJUE determina que, no caso de a ordem de embargo incidir apenas sobre parte da obra, o respectivo auto fará expressa menção de que o embargo é parcial e identificará claramente qual é a parte da obra que se encontra embargada. E, no mesmo sentido, o Acórdão da 1.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Outubro de 2004, Proc. n.° 498/03, decidiu, inter alia, que o “embargo de parte de obra supõe que nas circunstâncias da determinação daquela medida é logo possível identificar, com clareza, os sectores autónomos ilegais, destacáveis do todo” e, bem assim, que “não há violação do princípio da proporcionalidade se o embargo de obra realizada com desrespeito do respectivo licenciamento abrange toda a obra, quando nas circunstâncias da determinação não é possível proceder àquela identificação”.

No que respeita aos efeitos do embargo — assunto já tocado ao de leve em linhas anteriores —, estão os mesmos condensados no artigo103.° do RJUE. São essencialmente quatro: a obrigação da suspensão ou paralisação imediata, no todo ou em parte, da execução das obras ou trabalhos (artigo 103.°, n.° 1); tratando-se de obras licenciadas ou objecto de comunicação prévia, a suspensão da eficácia da respectiva licença ou admissão da comunicação prévia, bem como, no caso de obras de urbanização, da licença ou

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comunicação prévia de loteamento urbano a que as mesmas respeitam (artigo 103.°, n.° 2); a interdição do fornecimento de energia eléctrica, gás e água às obras embargadas (artigo 103.°, n.° 3); e a suspensão, ainda que o embargo seja parcial, do prazo que estiver fixado para a execução das obras no respectivo alvará de licença e estabelecido para a admissão de comunicação prévia - sus-pensão esta que é uma consequência da suspensão da eficácia da licença ou admissão da comunicação prévia (artigo 103.°, n.° 4).

Resulta do exposto que o embargo apresenta uma dupla vantagem, no quadro das finalidades das medidas de tutela da legalidade urbanística: para além de prevenir, ao menos em parte, o prejuízo causado ao interesse público pela execução da obra ilegal, evita a necessidade de uma posterior ordem de demolição ou, no caso em que esta se apresente indispensável, impede que o seu cumprimento se torne mais difícil e mais oneroso para o dono da obra.

Finalmente, no tocante à natureza do embargo, é seguro que se trata de um acto administrativo, contenciosamente impugnável, não tendo qualquer natureza instrumental ou preparatória em relação a quaisquer outros actos, designadamente a demolição. E, porém, um acto cautelar e provisório. Cautelar, porque visa apenas paralisar imediatamente, no todo ou em parte, uma operação urbanística em curso de execução, sem fornecer uma solução definitiva para a ilegalidade detectada — a qual, resultará apenas do denominado instituto da “legalização” das obras ou da demolição das mesmas ou da reposição do terreno. Provisório, porque tem um carácter temporalmente delimitado de vigência.

A natureza cautelar e provisória do embargo é assumida claramente pelos artigos 103.°, n.° 1, e 104.° do RJUE. Relevo especial apresenta este último, com a epígrafe caducidade do embargo, na medida em que determina que a ordem de embargo caduca (caducidade que opera ope legis, tendo, por isso, uma natureza preclusiva) logo que for proferida uma decisão que defina a situação jurídica da obra com carácter definitivo ou no termo do prazo que tiver sido fixado para o efeito (artigo 104.°, n.° 1). Na falta de fixação de prazo para o efeito, a ordem de embargo caduca se não for proferida uma decisão definitiva no prazo de seis meses, prorrogável uma única vez por igual período (artigo 104.°, n.° 2).

Do carácter provisório do embargo resulta que não são mais possíveis ordens de embargo de obras por tempo indeterminado, com as evidentes consequências negativas que lhes andavam associadas para o interesse público urbanístico e para o interesse público da segurança e da saúde das pessoas.

b) A legalização da operação urbanística

Da natureza cautelar e provisória da ordem de embargo resulta que a este acto administrativo devem seguir-se necessariamente outros actos tendentes a definir “a situação jurídica da obra com carácter definitivo”. Ora, um dos modos de definir a situação jurídica da obra ilegal em curso de execução com carácter definitivo é a legalização da mesma, isto é, a adopção de um conjunto de actos e procedimentos que confiram às obras ou aos trabalhos ilegais o estatuto de “legali dade” ou de conformidade com o direito do urbanismo280. Os actos de legalização da obra devem ser preferidos em relação à demolição, uma vez que esta é configurada pelos artigos 106.°, n.° 2, e 115.°, n.° 1, do RJUE como a ultima ratio, ou seja, “só deve ser ordenada se não for possível a legalização, com ou sem a realização de trabalhos de correcção ou de alteração”.

Podem, em primeiro lugar, traduzir-se no desencadeamento de um procedimento de licença ou de comunicação prévia de legalização da operação urbanística que esteja a ser executada sem a necessária licença ou admissão de comunicação prévia. Podem, em segundo lugar, consistir na apresentação de um pedido de alteração à licença ou comunicação prévia, nos termos, respectivamente, dos artigos 27.° e 35.° do RJUE, como admite expressamente o artigo 105.°, n.° 5, deste diploma legal, de modo a adequar a obra em execução àquele acto de controlo prévio da operação urbanística. E podem, em terceiro lugar, traduzir-se na realização de trabalhos de correcção ou de alteração da obra, de modo a que sejam corrigidos os erros de execução apurados

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(alterando o que foi construído) ou sejam preenchidas as “lacunas” existentes (executando o que não foi realizado) 282. Tais trabalhos de correcção ou de alteração da obra não resultam da realização de alterações ao projecto durante a execução da obra, previstos no artigo 83.° do RJUE, que são perfeitamente legítimas, antes estão relacionados com ilegalidades detectadas ne execução da obra, espelhadas ou na desconformidade da execução da obra com o respectivo projecto ou com as condições do licenciamento ou comunicação prévia ou na violação pela mesma das normas legais e regulamentares aplicáveis.

E no artigo 105.° do RJUE que encontramos o regime dos trabalhos de correcção ou alteração de obras que estejam a ser executadas em desconformidade com o respectivo projecto ou com as condições do licenciamento ou comunicação prévia ou em violação das normas legais e regulamentares aplicáveis. Aqueles são ordenados pelo presidente da câmara municipal, dentro do prazo fixado para o efeito, tendo em conta a natureza e o grau de complexidade dos mesmos (artigo 105.°, n.° 1). Para que o particular possa cumprir a ordem emanada, sem oneração excessiva, determina o n.° 4 do artigo 105.° do RJUE que a ordem de realização de trabalhos de correcção ou alteração suspende o prazo que estiver fixado no respectivo alvará de licença ou estabelecido na comunicação prévia pelo período fixado naquele acto administrativo.

Todavia, se o interessado apresentar um pedido de alteração à licença ou comunicação prévia, o prazo fixado pelo presidente da câmara municipal para a realização de trabalhos de correcção ou alteração da obra interrompe-se (artigo 105.°, n.° 5). Se aquele pedido obtiver deferimento ou se a comunicação prévia for admitida, e pressupondo que a alteração à licença ou comunicação prévia visa adequar estes actos de controlo prévio da operação urbanística à obra em execução, fica sanada a ilegalidade e, consequentemente, perde utilidade o procedimento paralelo de realização de trabalhos de correcção ou alteração. Mas se o pedido de alteração da licença for indeferido ou se for rejeitada a apresentação da alteração da comunicação prévia, mantém-se integralmente válida a anterior decisão do presidente da câmara municipal para a realização dos trabalhos de correcção ou alteração da obra, reiniciando-se, a partir da data do indeferimento ou da rejeição, a contagem do prazo para a sua execução.

Caso o interessado não realize integralmente os trabalhos de correcção ou alteração dentro do prazo fixado, a obra permanece embargada até ser proferida uma decisão que defina a sua situação jurídica com carácter definitivo (artigo 105.°, n.° 2), ficando franqueada a porta para a demolição da obra, já que o interessado não aproveitou a possibilidade que lhe foi dada de promover a adequação de obra ao ordenamento jurídico urbanístico vigente. Apesar de o n.° 2 do artigo 105.° do RJUE guardar silêncio sobre o prazo de duração do embargo, cremos que este não pode prolongar-se para além do prazo fixado no n.° 2 do artigo 104.° (seis meses, prorrogáveis uma única vez por igual período), contado a partir do termo do prazo fixado para a realização dos trabalhos de correcção ou alteração da obra.

A responsabilidade pela realização dos trabalhos de correcção ou alteração é do titular da licença ou do apresentante da comunicação prévia, nos termos fixados pelo presidente da câmara municipal, em consonância com o resultado da fiscalização administrativa. No entanto, o n.° 3 do artigo 105.° do RJUE admite a possibilidade de a câmara municipal promover directamente a realização dos trabalhos de correcção ou alteração, por conta do titular da licença ou do apresentante da comunicação prévia, nos casos de obras de urbanização ou de outras obras indispensáveis para assegurar a protecção de interesses de terceiros ou o correcto ordenamento urbano. Uma tal possibilidade é admitida apenas a título supletivo, isto é, quando o titular da licença ou o apresentante da comunicação prévia não cumprir a ordem de realização daqueles trabalhos, e apenas quando estejam em causa interesses públicos relevantes, ou seja, nos casos “de obras de urbanização ou de outras obras indispensáveis para assegurar a protecção de interesses de terceiros ou o correcto ordenamento urbano” . Aos trabalhos de correcção ou alteração executados pela câmara municipal ao abrigo do artigo 105.°, n.° 3, do RJUE aplicam-se as normas constantes dos artigos 107.° e 108.° deste diploma legal. Significa isto que assiste à câmara municipal a faculdade de tomar posse administrativa do imóvel em causa e de obter o reembolso das despesas realizadas com

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a execução daqueles trabalhos, através do processo de execução fiscal, caso não ocorra o pagamento voluntário das mesmas por parte do infractor.

Assinale-se, ainda, que, de harmonia com o artigo 108.°-A do RJUE, o presidente da CCDR territorialmente competente pode também determinar a introdução de alterações em quaisquer operações urbanísticas desconformes com o disposto em plano municipal ou especial de ordenamento do território, sempre que não se mostre assegurada pelo município a adopção daquela medida de tutela da legalidade urbanística, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 102.° a 108.° do RJUE.

Uma última questão relacionada com a legalização da operação urbanística que importa referir, embora em termos sintéticos, é a de saber se a Administração goza de um poder discricionário na escolha entre a legalização e a demolição de uma obra que esteja a ser executada ilegalmente.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo começou por defender que a legalização de obras era uma faculdade discricionária da Administração, que podia livremente optar entre autorizar a manutenção da construção ou ordenar a sua demolição. Exemplo típico desta orientação é o Acórdão da 1.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Outubro de 1973, nos termos do qual “a faculdade reconhecida às câmaras municipais pelo artigo 167.° do RGEU, de ser evitada a demolição ordenada nos termos do artigo 165.° [...] é para ser exercida discricionariamente no que se refere à formação do juízo de susceptibilidade de obras clandestinas virem a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, estética, segurança e salubridade”.

Entretanto, este entendimento sofreu uma evolução no sentido de uma drástica circunscrição da amplitude da discricionaridade na escolha entre a demolição e a legalização de obras ilegais. Do vasto elenco de arestos do Supremo Tribunal Administrativo que sufragam esta corrente jurisprudencial, podemos mencionar o Acórdão da l.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Maio de 1998, Proc. 43 433. Nele se consignou que “o poder de escolha entre a demolição e a legalização de obras levadas a cabo sem o necessário licenciamento prévio, por parte da Câmara Municipal ou do seu Presidente, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 165.° e 167.° do RGEU (aprovado pelo DL n.° 38382, de 7/8/51), é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois que a mesma pode em tal matéria ser tomada a todo o tempo”, mas “o apontado poder de escolha fanciona [...] na base de um pressuposto vinculado, já que a demolição só pode ter lugar se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das obras, por estas não poderem satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade”.

Finalmente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo inverteu totalmente a sua orientação, passando a negar qualquer discricionaridade ne escolha entre a legalização e a demolição de obras ilegais.

Qual o sentido da norma do vigente RJUE no contexto do problema acima enunciado? Segundo cremos, o seu sentido é o de que não goza a Administração de qualquer discricionaridade na escolha do procedimento a adoptar: de legalização ou de demolição.O procedimento que a Administração deverá instaurar é o da legalização, em observância do princípio da proporcionalidade, na lógica do menor sacrifício exigível aos particulares. Na verdade, como sublinhámos mais acima, a demolição da obra ilegal deve ser encarada pela Administração como ultima ratio, ou seja, só deve ser decretada se a obra não for susceptível de ser licenciada ou objecto de comunicação prévia ou se não for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração. Para evitar a demolição, deve a Administração lançar um repto aos interessados para desencadear os procedimentos tendentes à legalização das operações urbanísticas ilegais, podendo, no entanto, eles próprios fazê-lo, sponte sua 289 .

289 A norma do artigo 106.°, n.° 2, do RJUE pode ser interpretada também como consagrando um ónus jurídico para o interessado de actuar e de actualizar as suas pretensões no prazo razoável que, para tal, lhe seja dado pela Administração, quer seja um prazo para a relalização de trabalhos de correcção ou de

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alteração que permitam a conformação das obras com a licença ou a admissão da comunicação prévia ou com as disposições legais e regulamentares que estão a ser infringidas, quer seja um prazo para apresentar os projectos necessários ao licenciamento ou à admissão da comunicação prévia. Cfr. DULCE LOPES, Medidas de Tutela da Legalidade Urbanística, cit., p. 66 e 67. Todavia, um tal ónus jurídico — cujo incumprimento tem como consequência a demolição da obra ilegal — deve ser compreendido no contexto da obrigação de a Administração desencadear o procedimento de legalização da obra ilegal.

O sentido que vimos de extrair da vigente norma do artigo 106.°, n.° 2, do RJUE não é perturbado pela alteração da redacção inicial, através da substituição da expressão “a demolição não pode ser ordenada” pela locução “a demolição pode ser evitada”, porquanto aquele sentido não é mais do que uma consequência da aplicação do princípio da proporcionalidade, que tem o seu campo especial de aplicação no domínio das medidas impositivas de sacrifícios aos particulares, como sucede com a ordem de demolição de obras ilegais — princípio esse expressamente referido no artigo 266.°, n.° 2, da Constituição, e que constitui uma decorrência do princípio do Estado de direito, condensado nos artigos 2.° e 9.°, alínea b), da Lei Fundamental. Acresce que a interpretação acabada de referir da norma do artigo 106.°, n.° 2, do RJUE foi vincada pelo Acórdão da 1.a Secção do Tribunal Central Administrativo Sul de 5 de Março de 2009, Proc. n.° 1582/ /06. E a seguinte a doutrina que emana deste aresto: 1. Do preceituado nos artigos 106.°, n.° 2, e 115.°, n.° 1, do RJUE — disposição esta que determina que a acção administrativa especial dos actos de demolição da obra e reposição do terreno tem efeito suspensivo - conclui-se que vigora em matéria de demolição de construções ilegais a regra de que a demolição só deve ser ordenada se não for possível a legalização, com ou sem a realização de trabalhos de correcção ou de alteração.2. Tal regra é um afloramento do princípio constitucional da proporcionalidade (artigo 18.°, n.° 2, da Lei Fundamental), que impõe que não sejam infligidos sacrifícios aos cidadãos quando não existam razões de interesse público que os possam justificar. 3. Assim, se as obras, apesar de ilegalmente efectuadas, podem vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, não devem, sem mais, ser demolidas. 4. E tal apreciação da possibilidade de satisfação dos requisitos de licenciamento deve anteceder a ordem de demolição prevista no n.° 1 do artigo 106.° do RJUE.

Não dispondo, como vem de ser referido, a Administração de qualquer poder discricionário na escolha entre o procedimento de legalização e de demolição de uma obra ilegal, cabe, agora, questionar se, uma vez desencadeado o procedimento de legalização, goza aquela de alguma margem de discricionaridade na opção entre legalizar ou demolir. Cremos que, se se pode falar, findo o procedimento de legalização, de alguma margem de discricionaridade, esta não poderá deixar de ser idêntica àquela de que dispõe a Administração no licenciamento e na comunicação prévia de operações urbanísticas (e que referimos supra), uma vez que os parâmetros para a decisão são os mesmos291.

291 Negando que, neste caso, a Administração goze de uma verdadeira discricionaridade, já que a mesma apenas poderá adoptar “uma decisão administrativa apoiada em normas técnicas”, no sentido de que “ou a obra pode subsistir (com ou sem alterações ditadas em função da avaliação técnica das condições de segurança e salubridade), ou deve ser demolida”, cfr. CARLA AMADO GOMES.

c) A demolição da obra e reposição do terreno

Nos casos em que não seja possível a legalização, com ou sem a realização de trabalhos de correcção ou de alteração, deve ser ordenada a demolição total ou parcial da obra e ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data do início das obras ou trabalhos. A competência para ordenar a demolição e ou a reposição do terreno pertence ao presidente da câmara municipal, devendo fixar um prazo para o efeito (artigo 106.°, n.° 1, do RJUE).

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Cfr. artigo 108.°-A do RJUE.

Entende-se por ordem de demolição, enquanto medida de tutela da legalidade urbanística292, o acto administrativo por meio do qual é imposta a obrigação de destruir materialmente, no todo ou em parte, obras construídas em violação de normas jurídicas urbanísticas ou cuja subsistência seja incompatível com o interesse público, com o fim de tutelar os interesses materiais protegidos pela ordem jurídica urbanística vigente293. E por reposição do terreno o acto administrativo através do qual é imposto o dever de restauração ou de restituição do terreno à situação anterior à actuação ilegal. Trata-se de conceitos distintos, podendo ser ordenados conjuntamente, como sucede nos casos em que tenham sido erigidas edificações em solos insusceptíveis de aproveitamento urbanístico, recaindo, em tais situações, sobre o destinatário a obrigação não só de eliminação das obras, mas também de realização de outros trabalhos necessários à reconstituição da situação de facto anterior, designadamente trabalhos de remoção de entulhos ou materiais de construção, terraplanagens ou revestimento do coberto vegetal destruído, ou separadamente (nas hipóteses de operações urbanísticas que não envolvam obras de edificação, como sucede com a realização de obras de urbanização ou de trabalhos de remodelação de terrenos).

Tal como sucede com o embargo, também a demolição da obra ilegal pode ser total ou parcial. O princípio da proporcionalidade impõe que se deva dar prevalência à demolição parcial da obra, quando esta seja suficiente para promover a reposição da legalidade (princípio da menor demolição).

No que concerne à natureza da ordem de demolição, é ela um acto administrativo lesivo, dotado de autonomia em relação à ordem de embargo e em relação ao acto que indeferiu o pedido de legalização da obra. Deve, assim, ser rejeitada a tese que considera a demolição como um acto confirmativo da ordem de embargo ou do acto que indeferiu o pedido de legalização da obra ilegal. E é um acto de carácter real (tal como sucede com a ordem de embargo), uma vez que produz os seus efeitos independentemente da consideração do proprietário da obra a demolir, operando, por isso, mesmo face a terceiros estranhos à criação da situação de ilegalidade que a fundamenta.

Tendo em conta os efeitos fortemente gravosos para o destinatário das ordens de demolição e ou de reposição do terreno, a lei impõe que as mesmas sejam antecedidas de audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o respectivo conteúdo (artigo 106.°, n.° 3, do RJUE). E, por essa mesma razão, o artigo 115.°, n.° 1, do RJUE consagrou uma especialidade do regime de impugnação contenciosa das ordens de demolição e ou de reposição do terreno, traduzida na atribuição de efeito suspensivo à impugnação contenciosa destes actos (a qual segue a forma de acção administrativa especial), ao arrepio da regra geral de não atribuição de efeitos suspensivos à impugnação jurisdicional dos actos administrativos, constante do artigo 50.°, n.° 2, do CPTA.

Vale a pena citar, a propósito da problemática enunciada, o Acórdão da 1.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Maio de 2004, Proc. n.° 0177/2004. Nele se decidiu, por um lado, que, nos termos do artigo 115.°, n.° 1, do RJUE, os recursos contenciosos interpostos de actos administrativos que ordenem a demolição de obras têm efeito suspensivo automático, a ponto de, com a citação da petição de recurso, sobre a autoridade administrativa recair o “dever” de impedir, “com urgência”, o início ou a prossecução da execução do acto recorrido, caso a execução se encontre a decorrer (n.° 2 do artigo 115.°), apenas podendo iniciar ou prosseguir com a execução, caso o juiz venha posteriormente a atribuir efeito meramente devolutivo ao recurso, nos termos do estabelecido no n.° 3 da mesma disposição; e, por outro lado, que, de harmonia com o que dispõe o artigo 106.°, n.° 2, do RJUE, a demolição de obras construídas sem licença só deve ser ordenada se não for possível a sua legalização, pelo que e em princípio deve ser indeferido o pedido de atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso contencioso de anulação interposto de despacho que ordenou a demolição de uma casa de habitação construída sem a devida licença, mantendo-se, assim, e enquanto persistir uma situação de dúvida sobre a possibilidade de legalização da obra, a impossibilidade de aquele despacho ser imediatamente executado.

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O n.° 4 do artigo 106.° do RJUE estabelece que, decorrido o prazo fixado pelo presidente da câmara municipal para o cumprimento das ordens de demolição e ou de reposição do terreno, o mesmo determina a demolição da obra e ou a reposição do terreno por conta do infractor. O sentido desta norma é o de que o presidente da câmara municipal deverá determinar, naquela situação, a prática dos actos materiais necessários à execução coerciva dos actos proferidos, não tendo que emitir qualquer novo acto administrativo nesse sentido. A aludida norma constitui, aliás, uma expressão do princípio da executoriedade da ordem de demolição e ou de reposição do terreno - princípio esse que se traduz no “poder de que goza a Administração Pública de proceder à execução, com recurso aos seus próprios meios e se necessário coercivamente, dos actos administrativos criadores de deveres para os particulares, no caso do seu cumprimento esbarrar numa resistência activa ou passiva destes, sem necessidade de recorrer aos tribunais”.

Todavia, a posse administrativa do imóvel (prédio rústico, urbano ou terreno para construção) não está prevista apenas para permitir a execução coerciva das ordens de demolição e ou de reposição do terreno. De acordo com a norma do n.° 1 do artigo 107.° do RJUE, a posse administrativa do imóvel onde está a ser realizada a obra pode ser determinada pelo presidente da câmara municipal para permitir a execução coerciva de qualquer das medidas de tutela da legalidade urbanística, desde que as mesmas não sejam cumpridas pelos destinatários (para além das ordens de demolição e ou de reposição do terreno, também a ordem de embargo, bem como a ordem de realização de trabalhos de correcção ou de alteração, nos termos referidos no artigo 105.°, n.° 3, do RJUE, indicados um pouco mais acima). A posse administrativa, devido a seu carácter fortemente desfavorável para o seu destinatário, traduzido no desapossamento do imóvel, não pode deixar de estar subordinada ao princípio da proporcionalidade, num tríplice sentido: só pode ser adoptada em caso de não cumprimento voluntário das medidas de tutela da legalidade urbanística, o que significa que a posse administrativa há-de ter um carácter residual; não pode ser decretada se o município puder executar directamente as medidas de tutela da legalidade urbanística sem necessidade de tomar posse administrativa do imóvel; e só pode manter-se pelo período estritamente necessário à execução coerciva da medida de tutela da legalidade urbanística, caducando (caducidade ope legis) no termo do prazo fixado para a mesma (artigo 107.°, n.° 7, do RJUE).

A lei prevê um conjunto de requisitos para a tomada da posse administrativa do imóvel. São eles essencialmente os seguintes:

1. A prática de um acto administrativo expresso que determine a transferência da posse do imóvel a favor do município, o qual deve obedecer a todas as formalidades e requisitos previstos no CPA, designadamente a audiência prévia dos interessados (embora esta possa ser dispensada nas hipóteses em que, aquando da ordem de demolição, o presidente da câmara municipal tenha indicado que, caso a mesma não fosse voluntariamente cumprida, a posse administrativa teria lugar numa data determinada, pois o interessado já teve oportunidade de se pronunciar na audição que antecedeu a ordem de demolição).

2. A notificação do acto administrativo que tiver determinado a posse administrativa, por carta registada com aviso de recepção, ao dono da obra e aos demais titulares de direitos reais sobre o imóvel (artigo 107.°, n.° 2, do RJUE).

3. A realização da posse administrativa pelos funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras, mediante a elaboração de um auto de onde conste: a identificação do acto administrativo que tiver decretado a posse administrativa; e a especificação do estado em que se encontra o terreno, a obra e as demais construções existentes no local, bem como a identificação dos equipamentos que aí se encontrarem (artigo 107.°, n.° 3).

4. A adopção de um conjunto de actos materiais, em função da medida de tutela da legalidade urbanística que é objecto de execução coerciva, tais como: tratando-se da execução coerciva de uma ordem de embargo, a selagem do estaleiro da obra e dos respectivos equipamentos pelos funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras (artigo 107.°, n.° 4, do RJUE); e a possibilidade de transferência ou retirada dos equipamentos do local da realização da obra, a qual é

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autorizada pelo presidente da câmara municipal em casos devidamente justificados, por sua iniciativa ou a requerimento do dono da obra ou do seu empreiteiro (artigo 107.°, n.° 5, do RJUE), devendo estes ser notificados sempre que os equipamentos sejam depositados noutro local (artigo 107.°, n.° 6, do RJUE).

5. E a fixação de prazos de duração da posse administrativa. Assim, a posse administrativa do terreno e dos equipamentos mantém-se pelo período necessário à execução coerciva da respectiva medida de tutela da legalidade urbanística, caducando no termo do prazo fixado para a mesma (artigo 107.°, n.° 7, do RJUE). Tratando- -se de execução coerciva de uma ordem de demolição ou de trabalhos de correcção ou alteração de obras, estas devem ser executadas no mesmo prazo que havia sido concedido para o efeito ao seu destinatário, contando-se aquele prazo a partir da data de início da posse administrativa (artigo 107.°, n.° 8, do RJUE).

O acto que determina a posse administrativa, embora funciona- lizado à execução coerciva das medidas de tutela da legalidade urbanística (o artigo 107.°, n.° 1, do RJUE refere expressamente que aquela pode ser decretada “por forma a permitir a execução coerciva de tais medidas”), é um verdadeiro acto administrativo e não um acto material de execução das obras de embargo, de demolição e ou de reposição do terreno e de realização de trabalhos de correcção ou de alteração. Ele é, por isso, susceptível de impugnação contenciosa autónoma em relação a estes actos administrativos, desde que enferme de vícios de ilegalidade próprios. E com este sentido que deve ser interpretada a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

As quantias relativas às despesas realizadas pelo município em virtude da execução coerciva de qualquer das medidas de tutela da legalidade urbanística, incluindo quaisquer indemnizações ou sanções pecuniárias que o mesmo tenha de suportar para o efeito, são de conta do infractor (artigo 108.°, n.° 1, do RJUE). Este deve proceder ao pagamento das mesmas, na câmara municipal, no prazo de 20 dias a contar da notificação para o efeito (artigo 108.°, n.° 2, do RJUE).Cfr. artigo 108.°, n.° 2, do RJUE.

d) A cessação da utilização

A última medida de tutela da legalidade urbanística disciplinada no RJUE é a cessação de utilização de edifícios ou de suas fracções autónomas quando sejam ocupados sem necessária autorização de utilização ou quando estejam a ser afectos a fim diverso do previsto no respectivo alvará. A competência para ordenar e fixar prazo para a cessação da utilização é do presidente da câmara municipal (artigo 109.°, n.° 1, do RJUE). Todavia, esta competência é exercida, nos termos do artigo 109.°, n.° 1, do RJUE.

No caso de os ocupantes dos edifícios ou suas fracções não cessarem a utilização indevida no prazo fixado pelo presidente da câmara municipal, pode a câmara municipal determinar o despejo administrativo, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 92.° do RJUE (artigo 109.°, n.° 2, deste diploma legal). Significa isto que a deliberação da câmara municipal é eficaz a partir da sua notificação aos ocupantes do imóvel, dispondo estes do prazo de 45 dias para desocupar o edifício ou sua fracção autónoma.

Relevo especial assume a disciplina jurídica constante dos n.os 3 e 4 do artigo 109.° do RJUE. Cifra-se a mesma no facto de, em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.° da Constituição) e ao respeito do direito fundamental à vida (artigo 24.° da Lei Fundamental), o despejo administrativo dever ser sobrestado quando, tratando-se de edifício ou sua fracção que estejam a ser utilizados para habitação, o ocupante mostre, por atestado médico, que a execução do mesmo põe em risco de vida, por razão de doença aguda, a pessoa que se encontre no local, não podendo aquele prosseguir enquanto a câmara municipal não providenciar pelo realojamento da pessoa em questão, a expensas do responsável pela utilização indevida.

Saliente-se, por último, que a ordem de cessação da utilização de edifícios ou de suas fracções autónomas surge, múltiplas vezes, como uma medida cautelar e provisória (à semelhança do embargo), devendo ser seguida de um procedimento de legalização da utilização concretizada, ou

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através do desencadeamento de um procedimento de autorização de utilização, nos casos em que inexista este acto de controlo prévio, ou mediante o despoletamento de um procedimento de alteração da autorização de utilização, se tal for admissível à luz do ordenamento jurídico urbanístico. Outras vezes, a referida ordem de cessação da utilização apresenta-se como uma medida de tutela da legalidade urbanística de cariz definitivo, precisamente naquelas situações em que é de todo impossível adequar a utilização efectivada ao ordenamento jurídico. Em tais hipóteses, àquela ordem deve seguir- se inexoravelmente uma ordem de despejo administrativo do prédio ou de sua fracção autónoma utilizado indevidamente.

7. OBRAS DE DEMOLIÇÃO (André Folque)

No artigo 2.°, alínea g), as obras de demolição são definidas a partir da actividade desenvolvida e do seu resultado: a destruição, no todo ou em parte, de uma edificação. Sujeitam-se a licença se a edificação se encontrar classificada, em vias de classificação, em zona de protecção de imóvel classificado ou em outra área sob servidão administrativa ou restrição de interesse público (artigo 4.°, n.° 2, alínea d)). No mais, apenas a autorização (n.° 3, alínea ej).

Note-se, contudo, que para as obras de reconstrução não tem o interessado de requerer duas licenças ou autorizações: a autorização ou licença de obras de reconstrução contém a permissão para demolir, a menos que o perecimento tenha ocorrido por facto imputado a terceiro ou por acidente natural.

De resto, os trabalhos de demolição poderão ser iniciados, em face de alguns pressupostos e requisitos (artigo 81.°, n.° 1), antes mesmo de se encontrar deferida a licença de construção ou de reconstrução, contanto que o projecto de arquitectura tenha sido aprovado (n.° 2).

O direito anterior, relativo a obras particulares, consagrava no artigo 50.°-A, introduzido pela revisão operada com o Decreto-Lei n.° 250/94, de 15 de Outubro, a licença de demolição com instrução mais abreviada (n.° 2). Ia porém mais longe, ao permitir o início dos trabalhos de demolição, logo após o saneamento e apreciação liminar do pedido de licença de construção (n.° 3). (Fim André Folque)

75. Vicissitudes da licença e da admissão de comunicação prévia

A vida da licença e da admissão da comunicação prévia de operações urbanísticas pode passar por diversas vicissitudes. Assim, as mesmas podem ser objecto de alteração, caducidade, revogação e anulação ou declaração de nulidade.

75.1. A alteração

Uma vez emitida a licença de operações urbanísticas, pode ela ser alterada. O mesmo se diga a propósito da admissão da comunicação prévia, embora não encontremos no RJUE uma disciplina jurídica detalhada da alteração daquele acto de controlo prévio, quando ela tem lugar a requerimento do interessado.

A alteração àqueles dois tipos de actos de controlo prévio das operações urbanísticas pode ocorrer por iniciativa pública ou por iniciativa particular. A primeira tem lugar nos termos do artigo 48.° do RJUE. Cfr. artigo 48.°, n.°s 1, 2, 3 e 4 do RJUE). A segunda verifica-se a requerimento do interessado e abrange quer as alterações aos termos e condições da licença da operação urbanística antes do início das obras ou trabalhos (artigo 27°, n.° 1, do RJUE), quer as alterações à licença ou comunicação prévia de obras de ampliação ou de alterações à implantação das edificações durante a execução da obra (artigo 83.°, n.° 3, do RJUE).

Cfr. 27.° do RJUE. Cfr. artigos 53.°, 54.° e 58.° do RJUE.

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A disciplina jurídica daquelas alterações aos termos e condições da licença pode ser epitomada nas seguintes ideias:

a) A alteração obedece ao procedimento de licenciamento, em tudo quanto não estiver especialmente previsto no artigo 27.° (v.g., tramitação, prazos, fundamentos de indeferimento de pedido, etc.), tal como estabelece o n.° 4 do artigo 27.° do RJUE.

b) E dispensada a consulta às entidades exteriores ao município, desde que o pedido de alteração se conforme com os pressupostos de facto e de direito dos pareceres, autorizações ou aprovações que hajam sido emitidos no procedimento de licenciamento (artigo 27.°, n.° 5). Ademais, em homenagem ao princípio geral do procedimento administrativo do aproveitamento dos actos, devem ser utilizados os documentos constantes do procedimento de licenciamento que se man-tenham válidos e adequados, incidindo sobre a câmara municipal a obrigação de, quando necessário, promover a actualização dos mesmos (artigo 27.°, n.° 6, do RJUE).

c) A alteração da licença dá lugar a aditamento ao alvará (e não à emissão de um novo alvará), o qual, no caso de operação de lotea- mento, deve ser comunicado oficiosamente à conservatória do registo predial competente para efeitos de averbamento, contendo a comunicação os elementos em que se traduz a alteração (artigo 27.°, n.° 7). Todavia, a alteração da licença “dá lugar a uma nova apreciação e reponderação” da solução urbanística, pelo que a deliberação que defere o pedido de alteração da licença “não é acto sobre acto, mas um acto sucessivo que veio tomar o lugar do primeiro” °5. Por isso, o acto que defere o pedido de alteração da licença autonomiza-se em relação ao acto de licenciamento, quer em termos lógico-jurídicos, quer porque deve subordinar-se às normas legais e regulamentares em vigor no momento em que é emitido.

d) Tratando-se de alteração da licença de loteamento, é, ainda, necessário obedecer aos seguintes requisitos:

1. Cfr. artigo 27.°, n.° 2, do RJUE.2. A alteração da licença da operação de loteamento não pode ser aprovada — a não ser quando

a mesma ocorra por iniciativa da câmara municipal, nos termos do artigo 48.° do RJUE. Cfr. artigo 27.°, n.° 3, do RJUE.

3. Cfr. artigo 27.°, n.° 8, do RJUE.

No que toca às alterações ao projecto durante a execução da obra, algumas delas — precisamente as indicadas no artigo 83.°, n.° 3, do RJUE, ou seja, “as alterações em obra ao projecto inicialmente aprovado ou apresentado que envolvam a realização de obras de ampliação ou de alterações à implantação das edificações” — estão sujeitas “ao procedimento previsto nos artigos 27.° ou 35.°, consoante os casos”, isto é, ao regime das alterações à licença ou ao procedimento previsto para a comunicação prévia (artigo 83.°, n.° 3, do RJUE). Significa isto que as alterações em obra referidas anteriormente estão sujeitas ao procedimento de alteração a licença, se o controlo prévio aplicado à operação urbanística objecto de alteração tiver sido a licença, ou ao procedimento de (nova) comunicação prévia, se tiver sido este o tipo de controlo aplicado à operação urbanística que se pretende alterar 307.

307 Sublinhe-se que nem todas as alterações durante a execução da obra seguem o regime indicado no texto. Com efeito, de acordo com o n.° 1 do artigo 83.° do RJUE, a regra geral é a de que as alterações durante a execução da obra ficam sujeitas ao procedimento de comunicação prévia. Uma tal regra comporta, no entanto, duas excepções: uma correspondente à apontada no texto, e que está plasmada no artigo 83.°, n.° 3, do RJUE; e outra traduzida na não sujeição a comunicação prévia das alterações em obra que correspondam a obras que não careceriam, no momento da apreciação do projecto inicial, de controlo prévio, isto é, todas as obras abrangidas pelos artigos 6.° e 6.°-A do RJUE — excepção que está condensada no artigo 83.°, n.° 2, do

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75.2. A caducidade

Já tivemos ensejo de apontar supra os casos de caducidade da licença e da admissão de comunicação prévia das operações urbanísticas, justamente a propósito da caracterização dos ónus jurídicos associados àqueles actos de controlo prévio das operações urbanísticas. Importa, agora, proceder a uma breve caracterização da caducidade daqueles dois tipos de actos de controlo prévio.

A caducidade da licença e da admissão de comunicação prévia, prevista no artigo 71.°, n. os 1 a 4, do RJUE, não é uma caducidade pre- clusiva, entendida como um instituto pelo qual os direitos que, por força da lei ou de convenção, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo, e justificada por exigências de certeza e segurança jurídicas, ditadas pelo interesse social (público) de definição das situações a que respeita. E, antes, uma caducidade por incumprimento ou uma caducidade-sanção, derivada do não cumprimento de certos ónus jurídicos, o qual provoca lesão no interesse público, de tal modo que o ordenamento jurídico sanciona esse incumprimento com a queda de um efeito jurídico favorável. Com efeito, se se atentar nos factos originadores da caducidade da licença e da comunicação prévia, condensados nos n. os 1 a 4 do artigo 71.° do RJUE, facilmente se conclui que a produção de um efeito jurídico desfavorável para o beneficiário da licença ou da comunicação prévia, traduzido na caducidade destes actos, tem como objectivo obviar uma situação de inércia do particular, feridora do interesse público urbanístico, quanto à conclusão do procedimento e, em última análise, à realização efectiva da operação urbanística.

Debruçando-nos sobre o modo como opera a caducidade, deve, sublinhar-se, desde já, que a mesma não opera ope legis, mas, pelo contrário, carece de uma actuação administrativa nesse sentido: a declaração de caducidade. Nem poderia ser de outra maneira, atendendo à natureza sancionatória do instituto, à necessidade de averiguar se algum dos factos originadores da caducidade, não se ficou a dever a causas não imputáveis ao particular [artigo 71.°, n.° 3, alínea b)] e à possibilidade, prevista em alguns casos [artigo 71.°, n.° 3, alínea d)], de prorrogação do prazo de conclusão das obras, prazo este que funciona como facto originador da caducidade.

A declaração de caducidade assume natureza constitutiva, concebendo- -se como um verdadeiro acto administrativo, sem cuja prática a consequência jurídica (a caducidade da licença ou da comunicação prévia) não se pode verificar. Nesse acto administrativo caberá ao município avaliar não só se estão verificados os pressupostos da caducidade (o decurso do prazo e a inexistência de causas não imputáveis ao particular), mas ainda se se revela mais conveniente para o interesse público urbanístico a extinção da licença ou admissão de comunicação prévia, com todas as consequências que tal implicará para a urbanização da área afectada ou para os adquirentes dos lotes que haviam sido constituídos ao abrigo do loteamento ou para o desenvolvimento urbanístico da zona.

E esta conclusão permanece inalterada mesmo quando se entenda — como alguma doutrina — que, nos casos em que já decorreram os prazos máximos de realização das obras de urbanização, a pronúncia administrativa possui eficácia meramente declarativa. Ainda nestas hipóteses, cabe à Administração, pelo menos, a “força ou poder constitutivo” da decisão (o “vir a ser” — venire in essere — do efeito jurídico), apenas se encontrando subtraída ao decisor a “força ou poder determi -nante” do conteúdo, isto é, o “poder de determinar de modo imodi- ficável o conteúdo do acto destinado a operar no mundo externo”. Dizendo as coisas de outra forma, mesmo que constitua um acto de conteúdo declarativo, a declaração de caducidade consubstancia uma decisão de autoridade que regula directamente o caso concreto, com efeitos externos, configurando em termos constitutivos uma relação jurídica externa, pelo menos enquanto factor de certeza jurídica314.

Tratando-se de um acto administrativo, a declaração de caducidade terá de ser sempre precedida de um procedimento administrativo, de harmonia com o princípio da procedimentalização da actividade administrativa, já emergente do n.° 5 do artigo 267.° da Constituição e claramente explicitado no n.° 6 do artigo 2.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA). No horizonte do direito administrativo, em geral, e do direito do urbanismo, em especial, o procedimento

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administrativo representa a arena privilegiada, onde, nas suas diversas fases, se confrontam os plúrimos interesses públicos em presença e os interesses privados, no contexto de relações jurídicas hiper-comple- xas de carácter poligonal. Como se compreende, e atentos, no mínimo, a natureza desfavorável ou, no máximo, o carácter sanciona- tório imanentes ã declaração de caducidade, assume aqui relevo decisivo a fase da audiência dos interessados, prevista nos artigos 100.° e seguintes do CPA — é que, neste momento, o interessado, confrontado com um projecto de decisão (maxime, quando este lhe seja desfavorável), tem ainda a possibilidade de aduzir argumentos (de direito e de mérito) que, ponderados pelo órgão competente, podem levar à realização de diligências complementares (cfr. o artigo 104.° do CPA) e mesmo à alteração do sentido da decisão final.

Estas considerações estão hoje nitidamente clarificadas no n.° 5 do artigo 71.° do RJUE (na redacção conferida pela Lei n.° 60/ /2007), nos termos do qual “as caducidades previstas no presente artigo são declaradas pela câmara municipal, com audiência prévia do interessado”. Repare-se, porém, que este preceito não introduziu qualquer inovação na ordem jurídica, pois que a solução perfilhada corresponde à que decorria já dos princípios gerais de direito administrativo e de direito do urbanismo; o legislador limitou-se (e bem) a esclarecer um nódulo do regime jurídico, aperfeiçoando a redacção daquele preceito legal.

Declarada a caducidade da licença ou da admissão da comunicação prévia, deverá o titular da licença requerer nova licença ou apresentar nova comunicação prévia, se pretender realizar a operação urbanística em causa. E isto é assim, porquanto a caducidade de que estamos a falar é uma caducidade por incumprimento ou uma caducidade-sanção, que produz a extinção dos efeitos do acto, e não a extinção do direito, como su- cede na caducidade preclusiva. E justamente por não estarmos face a um caso de extinção do direito que o artigo 72.°, n.° 1, do RJUE determina que “o titular da licença ou comunicação prévia que haja caducado pode requerer nova licença ou apresentar nova comunicação prévia”.

O artigo 72.° do RJUE tem como epígrafe “renovação” da licença ou da comunicação prévia, mas não estamos aqui perante uma renovação do acto de controlo prévio anteriormente emitido, mas em face de uma nova licença ou de uma nova comunicação prévia, submetida às novas regras urbanísticas que entretanto tenham entrado em vigor, designadamente novos planos especiais ou municipais de ordenamento do território, de acordo com a regra tempus regit actum.cidade prevista nos diferentes números e alíneas daquele artigo opera, ou não, automaticamente.

No primeiro sentido decidiu o Acórdão da 1.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Junho de 2009, Proc. n.° 0483/09, e no segundo sentido decidiu o Acórdão da 1.* Secção do Tribunal Central Administrativo Sul, da mesma data, Proc. n.° 03137/07. De facto, o primeiro aresto consignou que a caducidade do alvará de loteamento que exija a realização de obras de urbanização, com fundamento na não conclusão das obras de urbanização no prazo de 18 meses, fixado no mesmo, opera por si, sendo desnecessário um acto expresso a declará-la. Ao invés, o segundo aresto ditou que a caducidade de um alvará não opera automaticamente, sendo necessária a intervenção da Administração no sentido de valorizar eventuais causas de incumprimento e sendo indispensável em tal valoração a participação dos interessados em sede de audiência prévia. Não basta, por isso, uma mera verificação de um dos eventos de que a lei faz depender a caducidade do alvará, sendo ainda necessária uma declaração formal da entidade competente.O n.° 2 daquele artigo prescreve, no entanto, em homenagem aos princípios da simplificação e da desburocratização administrativas, a utilização no novo procedimento de licença ou de comunicação prévia dos elementos que instruíram o procedimento anterior (v.g., pareceres, autorizações ou aprovações emitidos por entidades exteriores ao município, projectos de arquitectura e das especialidades, etc.), “desde que o novo requerimento seja apresentado no prazo de 18 meses a contar da data da caducidade ou, se este prazo estiver esgotado, não existirem alterações de facto e de direito que justifiquem nova apresentação”. A redacção desta norma poderia levar-nos a concluir que, se o novo requerimento for apresentado no prazo de 18 meses a contar da data da caducidade,

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não é necessário apresentar novos elementos instrutórios, designadamente novos pareceres, autorizações ou aprovações ou novos projectos, mesmo que tenham ocorrido alterações de facto e de direito. Uma tal interpretação é, contudo, errónea, já que, em tais situações, tem lugar uma reapreciação do pedido, justamente à luz das novas circunstâncias de facto e de direito.

75.3. A revogação

A norma do n.° 1 do artigo 73.° do RJUE determina que “a licença, a admissão de comunicação prévia ou as autorizações de utilização só podem ser revogadas nos termos estabelecidos na lei para os actos constitutivos de direitos”. Já tivemos oportunidade de abordar as mais relevantes questões suscitadas pelo regime da revogabilidade dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas, precisamente no ponto dedicado à análise das principais características destes actos de gestão urbanística. Importa, por isso, agora, acrescentar tão-só duas notas ao que nesse local foi referido.

A primeira diz respeito ao facto de a norma do n.° 2 do artigo 73.° do RJUE consagrar uma excepção ao regime de revogabilidade das licenças e admissões de comunicações prévias, enquanto actos constitutivos de direitos. Com efeito, nela se prevê a possibilidade de a câmara municipal revogar a licença ou a admissão de comunicação prévia como sanção pela não realização dos trabalhos de correcção ou de alteração da obra embargada, com fundamento na desconformidade da mesma com o respectivo projecto ou com as condições do licenciamento ou comunicação prévia admitida ou em violação das normas legais e regulamentares aplicáveis, decorridos que estejam seis meses sobre o termo do prazo estabelecido pelo presidente da câmara municipal para a execução daqueles trabalhos. Esta modalidade de revogação suscita, porém, angustiosas dificuldades de articulação com a ordem de demolição, total ou parcial, da obra, prevista no artigo 106.° do RJUE, que é, como sabemos, a medida de tutela da legalidade urbanística que deve ser adoptada no caso de recusa ou de não realização, dentro do prazo assinalado pelo presidente da câmara municipal, de trabalhos de correcção ou de alteração da obra ilegal, tanto mais que, tendo em conta a redacção da norma do n.° 2 do artigo 73.° do RJUE, não parece que o legislador tenha pretendido fazer da revogação da licença, naquelas condições, um pressuposto da ordem de demolição.

A segunda nota tem a ver com a consequência da revogação (e o mesmo vale para a declaração de caducidade, para a anulação e para a declaração de nulidade) da licença ou da admissão de comunicação prévia. Essa consequência é a obrigação de o presidente da câmara municipal cassar o alvará ou a admissão de comunicação prévia (artigo 79.°, n.° 1, do RJUE). Tratando-se de alvará de licença, o presidente da câmara municipal deve ordenar aos serviços municipais a apreensão do mesmo, após a notificação do respectivo titular para que este efectue voluntariamente a sua entrega (artigo 79.°, n.° 4, do RJUE). No caso da admissão de comunicação prévia, a cassação é efectuada através do averbamento desta à informação disponibilizada no sistema informático relativa à sua não rejeição, prevista no artigo 36.°-A, n.° 1, do RJUE (artigo 79.°, n.° 5, deste diploma legal).

No caso de cassação do alvará ou da admissão de comunicação prévia de loteamento, os n. os 2 e 3 do artigo 79.° do RJUE consagram um regime próprio, que atende à especial eficácia jurídica perante terceiros deste tipo de operação urbanística. Consiste ele, por um lado, no dever de o presidente da câmara municipal comunicar à conservatória do registo predial competente a referida cassação, para efeitos de anotação ã descrição e de cancelamento do registo do alvará e comu-nicação prévia. E, por outro lado, no dever de o presidente da câmara municipal, com tal comunicação, dar conhecimento à conservatória do registo predial dos lotes que se encontrem na situação referida no n.° 7 do artigo 71.° do RJUE — ou seja, dos lotes para os quais já haja sido aprovado pedido de licenciamento para obras de edificação ou já tenha sido apresentada comunicação prévia da realização dessas obras, e que ficam intocados pela declaração de caducidade pelos motivos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 71.° do RJUE —, de solicitar o can-celamento parcial do registo do alvará ou da admissão de comunicação prévia, nos termos da alínea Jj do n.° 2 do artigo 101.° do Código do Registo Predial, e de indicar as descrições a manter.

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75.4. A invalidade

A possibilidade da anulação ou da declaração de nulidade das licenças e admissões de comunicações prévias (e também das autorizações de utilização) transporta-nos para a questão da validade destes actos de controlo prévio das operações urbanísticas. E o artigo 67.° do RJUE que estabelece o pressuposto de validade dos referidos actos de gestão urbanística, que é a “sua conformidade com as normas legais e regulamentares em vigor à data da sua prática [...]”. Consagra este preceito o conhecido princípio (<tempus regit actum ” — que vai ínsito no princípio da legalidade da Administração —, nos termos do qual os actos administrativos regem-se pela lei existente na data da sua prática, sendo, por isso, inválidos os actos administrativos que infrinjam as normas legais e regulamentares vigentes no momento da sua emissão. O referido princípio comporta, no entanto, desvios, designadamente os relacionados com a “garantia da existência”, consagrada no artigo 60.° do RJUE.

Tal como no direito administrativo geral, também no âmbito do direito do urbanismo as formas típicas de invalidade dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas são a anulabilidade e a nulidade . Estas formas de invalidade dependem da gravidade do vício de que enfermam aqueles actos, sendo a anulabilidade, como é sabido, a forma de invalidade-regra dos actos administrativos de gestão urbanística que enfermem de ilegalidade (artigo 135.° do CPA).

A nulidade dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas está reservada para os vícios de ilegalidade mais graves (nulidade por natureza) e para os vícios aos quais a lei faça corresponder uma tal consequência (nulidade por determinação da lei). Relativamente aos actos administrativos que estamos a considerar neste momento, podemos distinguir entre vícios de natureza urbanística e vícios de natureza geral originadores da nulidade. Estes últimos são constituídos por aqueles que se traduzem na ausência de qualquer dos seus “elementos essenciais” (artigo 133.°, n.° 1, do CPA), bem como por aqueles que caem no elenco (casuístico) condensado no artigo 133.°, n.° 2, do mesmo Código (veja-se, a este propósito, o artigo 122.° do RJUE, que manda aplicar subsidiariamente o CPA).

No que concerne aos vícios de natureza urbanística geradores da nulidade dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas, o artigo 68.° do RJUE enumera os seguintes: a violação do disposto em plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de loteamento em vigor (veja-se também o artigo 103.° do RJIGT, nos termos do qual “são nulos os actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável”); e a ausência de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como a desconformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações.

Apesar de o artigo 68.° do RJUE se referir apenas às licenças, admissões de comunicações prévias e autorizações de utilização, cremos que o regime de nulidade nele fixado vale também para a generalidade dos actos administrativos praticados no âmbito do RJUE, designadamente para a aprovação da informação prévia e do projecto de arquitectura.

Os traços característicos da nulidade e da anulabilidade dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas são, em linhas gerais, idênticos aos da nulidade e da anulabilidade dos restantes actos administrativos. O RJUE não deixou, no entanto, de fixar um conjunto de especificidades no que respeita ao regime de impugnação contenciosa dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas, e a que nos iremos referir de seguida. Assim, no que respeita à nulidade, o acto nulo é totalmente ineficaz desde o início, não produz qualquer efeito (artigo 134.°, n.° 1, do CPA); a nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão (artigo 137.°, n.° 1, do CPA) — o que não significa que, por força do decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais de direito, não se possam atribuir efeitos jurídicos a situações de facto

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resultantes de actos nulos (artigo 134.°, n.° 3, do CPA); o acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a sua impugnação jurisdicional não está sujeita a prazo (artigo 134.°, n.° 2, do CPA); o pedido de reconhecimento da existência da nulidade de um acto administrativo (e da sua desaplicação) pode ser feito junto de qualquer tribunal, e não apenas perante os tribunais administrativos (artigo 134.°, n.° 2, do CPA); a nulidade pode também ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo, isto é, qualquer órgão administrativo pode, em qualquer momento, tomar conhecimento da nulidade do acto e não o aplicar (artigo 134.°, n.° 2, do CPA); e, finalmente, o reconhecimento judicial da existência de uma nulidade toma a forma de declaração de nulidade e tem natureza meramente declarativa.

Face ao número elevado de casos geradores de nulidade dos actos administrativos de índole urbanística, poderemos questionar, com LICÍNIO LOPES MARTINS, se ao invés do que sucede no direito administrativo geral, em que a nulidade dos actos é a excepção e a mera anulabilidade a regra, no direito do urbanismo, não vigorará a regra a inversa.

Alguma doutrina vem, porém, rejeitando este regime puro e radical da nulidade, defendendo a moderação do mesmo. Moderação que resulta, desde logo, da lei processual administrativa, a qual reconhece, por razões de tradição e de protecção dos direitos dos particulares, os denominados “efeitos formais” do acto nulo, decorrentes da sua aptidão para encerrar o procedimento, ao prever a impugnação judicial e a suspensão da eficácia de actos nulos, apesar de a sentença ter efeitos meramente declarativos, e, bem assim, da lei substantiva, ao limitar a nulidade de actos consequentes perante interesses legítimos de contra-interessados e ao reconhecer a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto duradouras criadas por actos nulos, por consideração de princípios jurídicos fundamentais e de direitos dos particulares [artigos 133.°, n.° 2, alínea i), in fine, e 134.°, n.° 3, do CPA].

Mas que deriva, ainda, da admissão directa da atribuição de efeitos putativos a actos nulos, baseada nos princípios da protecção da confiança, da boa fé e da proporcionalidade; da defesa de uma interpretação restritiva ou de uma redução teleológica da norma do n.° 2 do artigo 134.° do CPA, na parte em que determina que a nulidade pode ser declarada a todo o tempo por qualquer órgãos administrativo ou por qualquer tribunal, em termos de, embora se admitir, em princípio, a competência de qualquer órgão ou de qualquer tribunal para o conhecimento da nulidade (e consequente desaplicação do acto), apenas aos órgãos administrativos competentes para a decisão ou aos tribunais administrativos ser reconhecido o poder para declarar a nulidade de um acto administrativo; da proposta de não admissão da declaração de nulidade a todo o tempo de actos favoráveis, mas tão-só num prazo razoável, contado do conhecimento do vício, dentro de um limitetemporal máximo, medido em função da boa fé do particular beneficiado; e da sugestão da limitação da invocação da nulidade a todo tempo por qualquer interessado aos casos mais graves de nulidade- -inexistência, precisamente quando seja evidente para um cidadão médio a ofensa insuportável de valores básicos de legalidade.

Por seu lado, no tocante à anulabilidade, o acto anulável, embora inválido, é juridicamente eficaz até ao momento em que vier a ser anulado (artigo 127.°, n.° 2, do CPA, a contrario); a anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão, donde resulta que o acto anulável, se não for objecto de revogação oficiosa pela Administração ou de impugnação pelo interessado dentro de certo prazo (artigos 136.°, n.° 1, e 141.°, n.° 1, do CPA), transforma-se num acto inatacável; o acto anulável só pode ser impugnado dentro de um prazo estabelecido na lei, o qual é de um ano, se a impugnação for promovida pelo Ministério Público, e de três meses, nos restantes casos (artigos 136.°, n.° 2, do CPA e 58.°, n.os 1 e 2, do CPTA); o pedido de anulação só pode ser apresentado perante um tribunal administrativo, não pode ser feito perante qualquer outro tribunal; e, por fim, o reconhecimento de que o acto é anulável por parte do tribunal determina a sua anulação, sendo a sentença proferida sobre um acto anulável uma sentença de anulação, a qual assume natureza constitutiva (ao contrário da sentença proferida sobre um acto

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nulo, que é uma declaração de nulidade e reveste uma natureza meramente declarativa).Têm legitimidade para impugnar os actos de controlo prévio das operações urbanísticas: quem

alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, como sucede com o vizinho, definido em termos jurídico-urbanísticos (no caso de invalidade da licença ou da admissão de comunicação prévia da operação urbanística), o qual abrange não apenas o proprietário, usufrutuário, locatário, titular do direito de uso e habitação ou superficiário de um prédio contíguo, mas também “todos aqueles que, em virtude da ligação espacial, temporal e pessoal com o «local» individualizado na licença de construção, podem vir a tornar-se vítimas de uma «lesão ou afectação qualificada» dos seus direitos de habitação, propriedade, ambiente e qualidade de vida”; o Ministério Público; pessoas colectivas públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender; órgãos administrativos, relativamente a actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa colectiva; presidentes dos órgãos colegiais, em relação a actos praticados pelo respectivo órgão, bem como outras autoridades, em defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei; e as pessoas e entidades mencionadas no artigo 9.°, n.° 2, do CPTA, isto é, independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, para a defesa dos valores e bens constitucionalmente protegidos do urbanismo, ordenamento do território, ambiente e qualidade de vida (artigo 55.°, n.° 1, do CPTA).

Como dissemos há pouco, o RJUE encerra um acervo de espe- cificidades no domínio da impugnação contenciosa das licenças, admissões de comunicações prévias e autorizações de utilização. Tais particularidades dizem respeito à participação dos factos geradores da nulidade ou da anulabilidade daqueles actos de controlo prévio das operações urbanísticas, aos efeitos da citação ao titular da licença, comunicação prévia ou autorização de utilização da acção administra-tiva especial proposta pelo Ministério Público, ao estabelecimento de um prazo de caducidade para a declaração de nulidade pelo órgão que emitiu o acto e para a propositura da acção administrativa especial pelo Ministério Público e à atribuição de efeito suspensivo à acção administrativa especial de impugnação dos actos que ordenem a demolição, total ou parcial, da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos. As duas primeiras especificidades indicadas estão condensadas nos n.os 1 a 3 do artigo 69.°, a terceira está plasmada no n.° 4 do artigo 69.° e a quarta está vertida no artigo 115.°, todos estes artigos do RJUE.

Reportando-nos às duas primeiras singularidades do contencioso dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas, resulta dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 69.° do RJUE o seguinte: que os factos geradores de nulidade ou de anulabilidade daqueles actos de controlo prévio das operações urbanísticas devem ser participados, por quem deles tenha conhecimento, ao Ministério Público, para efeitos de propositura de acção administrativa especial de impugnação e de solicitação de adopção das providências cautelares adequadas; que, proposta a acção de impugnação, com fundamento num dos vícios geradores de nulidade dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas, previstos no artigo 68.° do RJUE, o Ministério Público fica dispensado de obter uma decisão jurisdicional de suspensão da eficácia da licença ou da admissão de comunicação prévia e consequente suspensão imediata dos trabalhos, dado que este efeito resulta directamente da citação do titular daqueles actos de controlo prévio das operações urbanísticas para contestar a acção de impugnação (refere, com efeito, o artigo 69.°, n.° 2, do RJUE que aquela citação “tem os efeitos previstos no artigo 103.° para o embargo”); e, por último, que, proposta a acção de impugnação com fundamento num dos referidos vícios geradores de nulidade da licença ou da admissão de comunicação prévia da operação urbanística, segue-se, desde logo, a citação do interessado e consequente suspensão imediata dos trabalhos de execução da obra licenciada ou cuja comunicação prévia foi admitida, sem prejuízo da possibilidade de o tribunal administrativo, oficiosamente ou a requerimento do interessado, poder autorizar o prosseguimento dos trabalhos, se houver indícios da ilegalidade da propositura da acção de impugnação ou da sua improcedência .

No que respeita à limitação temporal de 10 anos para a declaração administrativa da nulidade

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pelo órgão que emitiu o acto ou deliberação e para a propositura da acção administrativa especial pelo Ministério Público, já tivemos oportunidade de lhe fazer uma breve referência no Volume I deste Manual. Aí dissemos que o artigo 69.°, n.° 4, do RJUE criou um regime de invalidade mista, devido ao relevo que o legislador veio reconhecer, no âmbito do direito do urbanismo, aos efeitos de facto consolidados, resultantes de actos administrativos de controlo prévio de operações urbanísticas nulos, os quais, em homenagem a outros interesses, públicos ou privados, devem prevalecer sobre o interesse público da legalidade subjacente ao regime especialmente gravoso da nulidade. E referimos que aquele regime da invalidade mista devia aplicar-se não só às acções interpostas pelo Ministério Público, mas também às acções administrativas especiais apresentadas por qualquer interessado ou qualquer pessoa ou entidade referida no artigo 9.°, n.° 2, do CPTA, com o argumento de que esta interpretação é a que melhor se adequa ao sentido teleológico da norma do artigo 69.°, n.° 4, do RJUE.

Todavia, debruçando-nos novamente sobre a norma do artigo 69.°, n.° 4, do RJUE — uma norma aditada pela Lei n.° 60/2007, de 4 de Setembro —, somos assolados por angustiosas dúvidas sobre ela comporta uma invalidade mista, em toda a extensão, com o intuito de estabilizar os efeitos de facto que se tenham produzido à sombra do acto de controlo prévio das operações urbanísticas nulo, em termos de a limitação temporal nela estabelecida constituir uma excepção a todo o artigo 134.°, n.° 2, do CPA, ou se, ao invés, a mesma apenas consagra um prazo de caducidade para os casos específicos nela expressamente estabelecidos. De facto, de acordo com o enunciado linguístico da norma do artigo 69.°, n.° 4, do RJUE, parece que o prazo de caducidade de 10 anos para declarar a nulidade apenas abrange o órgão que emitiu o acto ou deliberação, deixando de fora os demais órgãos administrativos (“qualquer órgão administrativo”) e, quanto ao direito de propor a acção administrativa especial, parece que somente é abrangido o Ministério Público, e se os factos que determinaram a nulidade não lhe forem comunicados naquele prazo, deixando de parte todas as outras situações, incluindo a acção administrativa especial apresentada pelo interessado e a declaração de nulidade por um tribunal que não o administrativo (“por qualquer outro tribunal”).De qualquer modo, como resulta da norma do n.° 4 do artigo 69.° do RJUE, in fine, o referido limite temporal é excluído nos casos de nulidade de actos de controlo prévio de operações urbanísticas “relativamente a monumentos nacionais e respectiva zona de protecção” .

Relativamente à última das particularidades citadas, o artigo 115.°, n.° 1, do RJUE estabelece, como regra geral, que as acções administrativas especiais de impugnação das ordens de demolição, total ou parcial, da obra ou de reposição do terreno nas condições em que inicialmente se encontrava têm, em razão do carácter extremamente gravoso daqueles actos, como consequência a suspensão dos efeitos do acto objecto de impugnação. Trata-se de uma regra oposta à que vigora para as acções administrativas especiais de impugnação dos restantes actos administrativos, constante do artigo 50.°, n.° 2, do CPTA. Consequentemente, com a citação da acção, tem a autori-dade administrativa o dever de impedir, com urgência, o início ou a prossecução da execução do acto recorrido (artigo 115.°, n.° 2, do RJUE). Não necessita, por isso, o lesado de lançar mão da providência cautelar de suspensão da eficácia do acto impugnado para impedir a execução material do mesmo.

A norma do n.° 2 do artigo 115.° do RJUE assemelha-se à norma do artigo 128.° do CPTA, que determina a proibição de execução do acto quando a autoridade administrativa seja notificada da interposição da providência cautelar de suspensão de eficácia. No entanto, se da interposição da acção administrativa especial referida no n.° 1 do artigo 115.° do RJUE resultarem indícios da ilegalidade da sua interposição ou da sua improcedência, o juiz poderá, a todo o tempo e até à decisão em primeira instância, oficiosamente ou a requerimento do recorrido ou do Ministério Público, conceder efeito meramente devolutivo à acção (artigo 115.°, n.° 3, do RJUE). Ocorrendo uma situação destas, tudo se passa, a partir daí, de acordo com o regime geral da acção administrativa especial previsto no CPTA.

Importa, finalmente, referir uma consequência associada à anulação ou declaração de nulidade

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das licenças, admissões de comunicações prévias e autorizações de utilização (bem como à revogação destes actos), condensada no artigo 70.° do RJUE . Consiste ela na responsabilidade civil do município pelos prejuízos causados em caso de revogação, anulação ou declaração de nulidade daqueles actos de controlo prévio de operações urbanísticas, sempre que a causa da revogação, anulação ou declaração de nulidade resulte de uma conduta ilícita dos titulares dos seus órgãos ou dos seus funcionários (artigo 70.°, n.° 1, do RJUE). Estamos aqui perante a responsabilidade adminis -trativa por facto ilícito — a qual pressupõe a verificação no caso concreto da ilicitude (ilicitude da conduta e do resultado), da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

O regime de responsabilidade civil da Administração plasmado no artigo 70.° do RJUE é um regime “previsto em lei especial”, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, in fine, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro, alterado pela Lei n.° 31/2008, de 17 de Julho, pelo que a disciplina jurídica constante daquele artigo 70.° do RJUE prevalece sobre a do apontado regime geral de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa. Mas uma tal prevalência só vale para os pontos contemplados naquele artigo 70.°, pelo que este preceito não pode ser interpretado com o sentido de restringir ou limitar a responsabilidade civil do município ou dos titulares dos respectivos órgãos, seus funcionários e agentes, contemplada nos artigos 7.° a 10.° daquele Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas .

De acordo com o n.° 2 do artigo 70.° do RJUE, os titulares dos órgãos do município e os seus funcionários e agentes respondem solidariamente com aquele quando tenham dolosamente dado causa à ilegalidade que fundamenta a anulação ou declaração de nulidade (ou revogação). De registar que esta norma circunscreve a responsabilidade solidária do município e dos titulares dos respectivos órgãos, funcionário e agentes aos casos de dolo, ao passo que o artigo 8.°, n. os 1 e 2, do mencionado Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas prevê aquele tipo de responsabilidade nos casos de dolo e culpa grave (ou grosseira). Significa isto que, nos casos de culpa grave e de culpa leve, é o município exclusivamente responsável pelos prejuízos causados nos casos de revogação, anulação ou declaração de nulidade de actos de controlo prévio de operações urbanísticas resultante de uma conduta ilícita dos seus ór -gãos ou dos seus funcionários e agentes.

O n.° 3 do artigo 70.° do RJUE prevê outro caso de responsabilidade solidária, estatuindo que, quando a ilegalidade que fundamenta a revogação, anulação ou declaração de nulidade dos actos de controlo prévio de operações urbanísticas resulte de parecer vinculativo, autorização ou aprovação legalmente exigível, a entidade que o emitiu responde solidariamente com o município, que tem sobre aquela direito de regresso. Por fim, há que assinalar que o n.° 4 do artigo 70.° do RJUE preceitua que “o disposto no presente artigo em matéria de responsabilidade solidária não prejudica o direito de regresso que ao caso couber, nos termos gerais de direito”. Esta norma remete o regime do direito de regresso, nos casos de responsabilidade solidária, para “os termos gerais de direito”, pelo que ela encerra uma remissão material para a disciplina do direito de regresso que estiver consagrado em cada momento no regime geral da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública. Assim sendo, parece-nos que aquele direito de regresso não é, actualmente, nos casos de direito de regresso do município em relação aos titulares dos seus órgãos e aos seus fincionários e agentes, uma faculdade, mas um dever, estando submetido ao direito de regresso obrigatório ou ao dever de regresso, plasmado no superveniente artigo 6.°, n.° 1, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.

Todavia, nas hipóteses de direito de regresso do município em relação à entidade que emitiu o parecer vinculativo, autorização ou aprovação legalmente exigível (normalmente, uma entidade pública), nos termos do n.° 3 do artigo 70.° do RJUE, parece-nos que o mesmo não tem um carácter obrigatório, desde logo porque não está abrangido pelo artigo 6.°, n.° 1, daquele Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas — o qual limita o exercício obrigatório do direito de regresso aos casos em que se encontra previsto naquele Regime.

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76. Os actos de controlo prévio das operações urbanísticas e o silêncio da Administração

76.2. O significado da inércia administrativa no âmbito do RJUE

76.2.3. A fase da diminuição drástica do sentido positivo do silêncio

Podemos, então, resumir o regime jurídico do silêncio da Administração no actual RJUE, nos seguintes termos:

a) A disciplina específica do silêncio da Administração tem o seu perímetro de aplicação restringido aos actos especialmente regulados no RJUE, pelo que, nos demais casos, como sucede nos procedimentos especiais, o silêncio da Administração tem o valor que for fixado nos diplomas legais que regulam tais procedimentos (veja-se, a este propósito, o corpo do artigo 111.° do RJUE).

b) O valor do silêncio da Administração é diferente consoante o acto que devesse ser praticado “por qualquer órgão municipal” se insira num procedimento de licenciamento ou em qualquer outro tipo de procedimento. No primeiro caso, o incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir por parte daquele é considerado pelos artigos 111.°, alínea a), e 112.° do RJUE como uma omissão pura e simples ou como um “Jacto incolor”, isto é, como um mero facto constitutivo do interesse em agir em juízo para obter uma decisão judicial de condenação à prática do acto ilegalmente omitido. Refere, com efeito, o n.° 1 do artigo 112.° do RJUE que, naquele caso, pode o interessado pedir ao tribunal administrativo de círculo da área da sede da autoridade requerida a intimação da autoridade competente para proceder à prática do acto que se mostre devido. Estão abrangidos por este regime todos os actos que devessem ser praticados no âmbito do procedimento de licenciamento (de que demos exemplos um pouco mais acima e aos quais podemos acrescentar, nos termos do artigo 13.°-B, n.° 5, do RJUE, a intimação da câmara municipal ou da CCDR para promover as consultas às entidades exteriores ao município), bem como, quer-nos parecer, por identidade de razões materiais, os que devessem ser praticados no âmbito do procedimento de alteração à licença.

No segundo caso, ou seja, tratando-se de qualquer outro acto que devesse ser praticado no âmbito de outro tipo de procedimento (que não o de licenciamento), o RJUE atribui valor positivo ao silêncio, fazendo-o equivaler ao deferimento da pretensão formulada. De facto, a alínea c) do artigo 111.° do RJUE estabelece que, “tratando-se de qualquer outro acto, considera-se tacitamente deferida a pretensão, com as consequências gerais”. E esta consequência de deferimento tácito que está associada à ausência de decisão expressa no âmbito dos procedimentos de informação prévia e de autorização de utilização, decorridos os prazos referidos nos artigos 16.°, n.° 1, e 64.°, n.° 1, do RJUE.

c) No que respeita à comunicação prévia, o artigo 36.°-A, n.° 2, do RJUE consagra, como já sabemos, uma solução específica para a falta de rejeição da mesma, determinando que, nesse caso, pode o interessado dar início às obras, desde que efectue previamente o pagamento das taxas devidas através de autoliquidação, considerando, por isso, admitida a comunicação prévia.

d) A ausência de pareceres, autorizações ou aprovações de entidades exteriores ao município, quando solicitados, dentro do prazo legalmente fixado, está sujeita a um regime especial, que é a consideração de que há concordância da entidade consultada com a pretensão formulada, atribuindo, assim, a lei, no domínio das relações inter-administrativas, um valor positivo ao silêncio (artigo 13.°, n.° 5, do RJUE).

e) A falta de decisão, no prazo de 30 dias, no contexto da impugnação administrativa, revista ela a natureza de reclamação ou recurso hierárquico, de quaisquer actos praticados ou pareceres emitidos no âmbito do RJUE tem como consequência o deferimento tácito daquela impugnação

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(artigo 114.°, n.° 2, do RJUE) .

Antes de avançarmos para a análise dos meios de protecção do particular perante a inércia ou omissão da autoridade administrativa no domínio do procedimento de licenciamento de operações urbanísticas, é importante fazer duas observações. A primeira diz respeito ã revogação pela Lei n.° 60/2007, de 4 de Setembro, da alínea b) do artigo 111.° do RJUE e às repercusões que esta supressão tem no silêncio da Administração em face do requerimento de autorização de utilização ou de alteração de utilização de edifícios ou suas fracções autónomas.

De facto, no âmbito do regime anterior à Lei n.° 60/2007, a ausência de decisão expressa, uma vez decorrido o prazo fixado para a autorização de utilização ou para a autorização de alteração de utilização, implicava o deferimento tácito do pedido [alínea b) do artigo111.° do RJUE], com a consequência referida nos n.os 1 e 2 do artigo 113.° do mesmo diploma legal, isto é, a possibilidade de o interessado iniciar de imediato a utilização do edifício, desde que pagasse previamente as taxas devidas. Tinha, assim, o particular beneficiário de um deferimento tácito do pedido de autorização de utilização à sua disposição um meio expedito de defesa do seu direito: iniciar de imediato a utilização do edifício ou sua fracção autónoma, desde que previamente pagasse as taxas devidas, sem necessidade de obter previamente o alvará de utilização. No regime decorrente da Lei n.° 60/2007, o silêncio da Administração no procedimento de autorização de utilização de edifícios ou suas fracções autónomas tem como efeito o deferimento tácito do pedido, mas, em face da nova redacção do n.° 1 do artigo 113.° do RJUE introduzida por aquela lei, surgem dúvidas sobre se o requerente pode recorrer aos meios previstos no artigo 113.° do RJUE. A este assunto voltaremos um pouco mais à frente.

A segunda observação tem a ver com a circunstância de o artigo 113.° do RJUE ter como epígrafe deferimento tácito, parecendo consagrar uma segunda situação de silêncio positivo, a acrescer à anteriormente referida, plasmada, como se disse, na alínea c) do artigo 111.°: aquela em que, tratando-se de acto que devesse ser praticado por um órgão do município no âmbito do procedimento de licenciamento, o interessado tenha pedido, nos termos do artigo 112.° do RJUE, ao tribunal administrativo de círculo da sede da autoridade requerida a intimação da autoridade competente para proceder à prática do acto que, no caso, se mostre devido e, tendo obtido ganho de causa, tenha decorrido o prazo fixado pelo tribunal sem que se mostre praticado o acto devido (artigos 112.°, n.° 9, e 113.°, n.° 1, do RJUE). A consequência de um tal deferimento tácito é a possibilidade de o interessado poder iniciar e prosseguir a execução dos trabalhos de acordo com o requerimento apresentado nos termos do artigo 9.°, n.° 4, do RJUE, desde que pague previamente as taxas devidas. No entanto, parece mais correcto considerar que as normas constantes do artigo 113.° do RJUE, atendendo à nova formulação do n.° 1 do artigo 113.° do RJUE dada pela Lei n.° 60/2007, têm a ver, sobretudo, com as consequências do incumprimento por parte da Administração do prazo fixado pelo tribunal administrativo de círculo, ao abrigo do artigo112.° do RJUE, para efeitos da prática do acto devido.

76.3. Mecanismos de protecção dos particulares em face do silêncio da Administração no procedimento de licenciamento76.3.2. Os mecanismos de protecção no RJUE

Estando-se perante um acto que devesse ser praticado por qualquer órgão municipal no âmbito do procedimento de licenciamento, o incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir por parte daquele é considerado pelo artigo 112.° do RJUE como uma omissão pura e simples ou como um “facto incolor”, isto é, como um mero facto constitutivo do interesse em agir em juízo para obter uma decisão judicial de condenação à prática do acto ilegalmente omitido. Refere, com efeito, o n.° 1 daquele artigo que, naquele caso, pode o interessado pedir ao tribunal administrativo de círculo da área da sede da autoridade requerida a intimação da autoridade competente para proceder à prática do acto que se mostre devido.

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Este meio jurisdicional de protecção do particular perante a inércia ou omissão da autoridade administrativa no domínio do procedimento de licenciamento de operações urbanísticas surgiu na sequência do artigo 268.°, n.° 4, da Constituição, na versão da Revisão Constitucional de 1997, que consagrou a garantia dos administrados à “tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” e indicou, exemplificativamente, entre os instrumentos processuais daquela garantia, a “determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”. Ele constitui, ademais, a expressão, a nível do direito do urbanismo, da “condenação à prática de acto legalmente devido”, regulada, como forma de acção administrativa especial, nos artigos 66.° a 71.° do CPTA.

O regime jurídico específico da intimação judicial para a prática de acto legalmente devido no domínio dos procedimentos de licenciamento de operações urbanísticas está condensado no artigo 112.° do RJUE. Outros aspectos da sua disciplina jurídica (como, por exemplo, o prazo da propositura da acção e os poderes de pronúncia do tribunal) devem, porém, ser procurados nas normas dos artigos 66.° a 71.° do CPTA, relativas à “condenação à prática de acto devido”, quando esta tiver como pressuposto a omissão do acto requerido no prazo legalmente estabelecido para a decisão [artigo 67.°, n.° 1, alínea a), do CPTA].

O mencionado meio jurisdicional aplica-se somente à inércia da Administração em procedimentos de licenciamento de operações urbanísticas de primeiro grau, dado que nos procedimentos de segundo grau, isto é, no contexto da impugnação administrativa, revista ela a natureza de reclamação ou recurso hierárquico, de quaisquer actos praticados ou pareceres emitidos no âmbito do RJUE, a inércia da Admistração tem como consequência, como referimos, o deferimento tácito daquela impugnação (artigo 114,°. n.° 2, do RJUE) .

Vejamos, então, quais são os traços essenciais do regime jurídico da intimação judicial para a prática de acto legalmente devido no âmbito do procedimento de licenciamento de operações urbanísticas .

a) O requerimento de intimação deve ser apresentado em duplicado e instruído com cópia do requerimento para a prática do acto devido (artigo 112.°, n.° 2, do RJUE). Convém sublinhar que o pedido de intimação para a prática de acto devido é dirigido contra a autoridade competente, face à lei, para a prática do acto devido — que é a câmara municipal, com faculdade de delegação no presidente e subdelegação deste nos vereadores (artigo 5.°, n.° 1, do RJUE) - e não contra a pessoa colectiva de direito público (in casu, o município). Significa isto que, no que respeita à legitimidade passiva relativamente ao pedido de intimação para a prática de acto legalmente devido no âmbito do procedimento de licenciamento de operações urbanísticas, ocorre um desvio ao regime previsto no artigo 10.°, n.° 2, do CPTA, o qual estabelece que, “quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”.

A autoridade requerida tem um prazo de 14 dias para responder. Uma vez junta a resposta ou decorrido o respectivo prazo, o processo de intimação vai com vista ao Ministério Público, por 2 dias, e seguidamente é concluso ao juiz, para decidir no prazo de 5 dias (n. os 3 e 4 do artigo 112.° do RJUE). O n.° 5 do artigo 112.° do mencionado diploma determina que, se não houver fundamento de rejeição do pedido363, aquele só será indeferido quando a autoridade requerida fizer prova de prática do acto devido até ao termo do prazo fixado para a resposta.

Pensamos que um tal indeferimento apenas terá lugar se a autoridade requerida fizer prova de que praticou um acto expresso, dentro daquele prazo, que satisfaz integralmente a pretensão do requerente.Se isto não tiver acontecido, ou seja, se, na pendência do processo, o interessado for notificado de um acto de indeferimento ou for proferido um acto administrativo que não satisfaça integralmente a sua pretensão, cremos que se deverá aplicar o artigo 70.° do CPTA, relativo à acção administrativa especial de “condenação à prática de acto devido”, através da possibilidade, no primeiro caso, de o

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autor “alegar novos fundamentos e oferecer diferentes meios de prova em favor da sua pretensão”, ou, na segunda hipótese, de cumulação do pedido com o da anulação ou declaração de nulidade do acto sobrevindo (devendo, neste segundo caso, o novo articulado ser apresentado no prazo de 30 dias).

363 Nos casos em que o meio processual previsto no artigo 112.° do RJUE tiver por objecto a emissão de alvará de licença de operações urbanísticas que constituiria o acto devido, deve entender-se que o não pagamento das taxas devidas constitui um fundamento para a sua rejeição, nos termos das normas conjugadas dos artigos 72.°, n.° 2, 76.°, n.“ 4 e 5, e 112.°, n.° 5, do RJUE. Cfr., neste sentido, o mencionado Acórdão da 1.* Secção do TCAS de 25 de Setembro de 2008, Proc. n.° 04247/2008.

Veremos, um pouco mais adiante, que, nas hipóteses em que o requerente indicar, no seu pedido de intimação judicial para a prática de acto legalmente devido, que, no caso concreto, o acto devido é o licenciamento da operação urbanística, existem outros fundamentos de indeferimento daquele pedido, para além do anteriormente referido.

b) O n.° 6 do artigo 112.° do RJUE estatui que, na decisão, o juiz estabelece prazo não superior a 30 dias para que a autoridade requerida pratique o acto devido e fixa sanção pecuniária compulsória (“astreinte”), nos termos dos artigos 3.°, n.° 2, e 169.° do CPTA, por forma a assegurar a efectividade da sentença e garantir a sua integral execução. Por sua vez, o n.° 7 do mesmo artigo manda aplicar ao pedido de intimação o disposto no CPTA quanto aos processos urgentes (artigos 97.° a 111.°), o que significa que a sua tramitação é especialmente célere, à semelhança do que sucede com os processos do contencioso relativo à impugnação de actos praticados no âmbito de certos procedimentos pré-contratuais (artigos 100.° a 103.°), de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (artigos 104.° a 108.°) e de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (artigos 109.° a 111.0).E o n.° 8 do mesmo artigo prescreve que o recurso da decisão jurisdi- cional sobre o pedido de intimação para a prática de acto legalmente devido para a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo territorialmente competente [artigos 31.° e 37.°, alínea d), do ETAF] tem efeito meramente devolutivo.

Como referimos anteriormente, decorrido o prazo fixado pelo tribunal sem que se mostre praticado o acto que seja devido no caso concreto, pode o interessado iniciar e prosseguir a execução dos trabalhos de acordo com o requerimento apresentado, desde que pague previamente as taxas devidas (artigos 112.°, n.° 9, e 113.°, n.os 1 e 2, do RJUE). Tratando-se de uma decisão judicial que tenha intimado a autoridade competente a aprovar o projecto de arquitectura, uma vez decorrido o prazo fixado pelo tribunal sem que o acto de aprovação tenha sido praticado, não tem o interessado o direito de iniciar a execução dos trabalhos, mas sim a possibilidade de juntar os projectos de especialidades e outros estudos, para efeitos da sua aprovação pela autoridade competente, ou, caso já o tenha feito no requerimento inicial, para efeitos do começo da contagem de prazo de 45 dias para a sua aprovação [artigos 112.°, n.° 10, e 23.°, alínea c), do RJUE],

Verifica-se, assim, que o legislador flanqueou a decisão judicial de intimação para a prática de acto legalmente devido no âmbito do procedimento de licenciamento de operações urbanísticas com instrumentos particularmente incisivos destinados a garantir a sua eficácia (os quais podem, segundo cremos, ser aplicados cumulativamente): de um lado, a possibilidade de o juiz determinar um prazo para o cumprimento da decisão judicial e de fixar uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na execução da mesma; do outro lado, decorrido o prazo fixado pelo tribunal sem que se mostre praticado o acto devido, a possibilidade de o interessado iniciar e prosseguir a execução dos trabalhos de acordo com o requerimento apresentado nos termos do n.° 4 do artigo 9.° do RJUE, desde que pague previamente as taxas devidas. Acresce que a determinação de que o recurso da decisão jurisdicional que tenha intimado à prática de acto legalmente devido tem sempre efeito meramente devolutivo assegura também uma particular eficácia à sentença e, por essa via, uma protecção efectiva reforçada do direito por ela reconhecido, já que possibilita a sua imediata

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execução, independentemente do recurso jurisdicional interposto e da ponderação dos danos que essa imediata execução possa causar.

d) As considerações que vêm de ser apresentadas revestem-se de particular significado para a caracterização dos poderes de pronúncia do tribunal no âmbito da intimação para a prática de acto legalmente devido, regulada no artigo 112.° do RJUE. Com efeito, vigora, como sabemos, no domínio do licenciamento das operações urbanísticas, o princípio da taxatividade dos fundamentos de indeferimento, com o sentido de que a câmara municipal está vinculada aos fundamentos de indeferimento enumerados no artigo 24.° do RJUE, estando-lhe vedado rejeitar um pedido por fundamentos diversos dos dele constantes.

Fala-se, por isso, como também já sabemos, no denominado carácter vinculado ou regulado da licença de operações urbanísticas. Mas tal não significa a exclusão de toda a margem de discricionaridade por parte daquele órgão, pelo que, na nossa opinião, o apontado carácter vinculado ou regulado tem um alcance limitado. O reconhecimento à câmara municipal de um certo espaço de discricionaridade na apreciação dos pedidos de licenciamento de operações urbanísticas deve, como dissemos, ser admitido nos casos de fundamentos de indeferimento baseados em “conceitos imprecisos-tipo”, isto é, conceitos elásticos, de natureza não descritiva, que não indicam uma classe de situações individuais, antes expressam de modo difuso factos ou valores nos quais as situações concretas da vida não se podem encaixar com rigor, como sucede, por exemplo, com os referidos na alínea à) do n.° 2 e no n.° 4 do artigo 24.° do RJUE, e, bem assim, nas situações em que o legislador utiliza o conceito de “pode”, como acontece nos n.os 2 e 4 do mesmo preceito e no artigo 25.°, n.° 1, do RJUE. Nestes casos, o tribunal intima a câmara municipal a emitir o acto de licenciamento, “explicitando as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido” (artigo 71.°, n.° 2, do CPTA).

Importa, por último, sublinhar que o pedido de intimação judicial para a prática de acto legalmente devido é indeferido não apenas na situação referida no n.° 5 do artigo 112.° do RJUE, mas também nos casos em que, se não tivesse ocorrido uma omissão ou silêncio da câmara municipal, o acto expresso de deferimento seria nulo, por violação do disposto em plano municipal ou especial de ordenamento do território ou medidas preventivas ou licença ou comunicação pré via de loteamento em vigor e por ausência de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis (consulta que deve ser promovida pela câmara municipal ou pela CCDR, conforme os casos, podendo também o interessado promover directamente as consultas que não hajam sido solicitadas ou pedir ao tribunal administrativo que intime a câmara municipal ou a CCDR a fazê-lo - artigo 13.°-B do RJUE) e por desconformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações (artigos 103.° do RJIGT e 68.° do RJUE).

Noutros termos, quando o projecto de operação urbanística cujo licenciamento é requerido enfermar de um vício de ilegalidade gerador da nulidade do acto expresso de deferimento, não pode deixar de ser indeferido o pedido de intimação judicial para a prática de acto legalmente devido. Não faria, de facto, sentido que o tribunal fosse deferir o pedido de intimação e condenar a Administração a praticar um acto administrativo (in casu, o deferimento do licenciamento) que fosse nulo, sabido que o acto nulo é inapto para produzir quaisquer efeitos jurídicos.

Cremos, por isso, que o n.° 5 do artigo 112.° do RJUE deve ser integrado com a doutrina que emana dos mencionados Acórdãos da l.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Feve-reiro de 1987 (Proc. n.° 41 563), de 30 de Setembro de 1997 (Proc. n.° 42761) e de 17 de Fevereiro de 1998 (Proc. n.° 43384), relativa ao processo de intimação para emissão de alvará de licença de construção, previsto no já revogado artigo 62.° do Decreto-Lei 445/91, na redacção do Decreto-Lei 250/94, nos termos da qual “cabe na competência do tribunal apurar não apenas a existência e não caducidade do licenciamento da construção e o pagamento ou garantia das taxas devidas (artigo 21.°, n.° 4, do mesmo diploma, na apontada redacção), mas também a não ocorrência de nulidade do acto de licenciamento, expresso ou tácito, pois desta constatação depende o deferimento do pedido”.

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e) Como referimos supra, é o artigo 113.° do RJUE que define as consequências do não cumprimento, dentro do prazo fixado pelo tribunal, da decisão de condenação à prática do acto devido. Essa consequência é a atribuição ao interessado da possibilidade de iniciar e prosseguir a execução dos trabalhos de acordo com o requerimento de licenciamento da operação urbanística (ou, talvez mais rigorosamente, de acordo com os termos definidos na sentença judicial condenatória).

No entanto, o artigo 113.° suscita algumas perplexidades. Primo, porque tem como epígrafe deferimento tácito, quando, no rigor das coisas, ele indica o caminho a seguir no caso de não cumprimento pela Administração da decisão de condenação à prática do acto ilegalmente omitido, o qual se traduz na dispensa do interessado em lançar mão do processo judicial de execução da sentença do tribunal administrativo. Secundo, porque não é claro o seu perímetro de aplicação. Na verdade, por força da alteração ao n.° 1 do artigo 113.° operada pela Lei n.° 60/2007, parece que o artigo 113.°, ao referir apenas “as situações referidas no n.° 9 do artigo 112.°”, abrange somente os casos do silêncio da Administração relativamente a actos que devessem ser praticados no âmbito do procedimento de licenciamento. Mas, ao utilizar expressões como “dar de imediato utilização à obra” (n.os 1 e 5), “início da utilização” (n.° 2), “intimação do município a emitir o alvará da autorização de utilização” (n.° 5) e “intimação à emissão do alvará de autorização de utilização” (n.° 7), parece, ao invés, abarcar também a autorização de utilização, a qual, como foi sublinhado, está abrangida pelo regime do silêncio da Administração condensado na alínea c) do artigo 111.° do RJUE.

Seja como for, de harmonia com o disposto no n.° 2 do artigo 113.° do RJUE, o início dos trabalhos ou da utilização da obra depende do pagamento das taxas que se mostrem devidas. Mas quando a câmara municipal se recuse a liquidar ou a receber as taxas devidas, pode o interessado proceder ao depósito do respectivo montante em instituição de crédito à ordem da câmara municipal, ou, quando não esteja efectuada a liquidação, provar que se encontra garantido o seu pagamento mediante caução (artigo 113.°, n.° 3). Para estes efeitos, deve a câmara municipal afixar nos seus serviços de tesouraria o número e a instituição bancária em que a mesma tenha conta e onde seja possível efectuar o depósito e indicar o regulamento municipal onde se encontram previstas as taxas (artigo 113.°, n.° 4).

Com o pagamento das taxas ou a prestação da caução, deve o interessado requerer a emissão do alvará (de licença ou de autorização de utilização). Todavia, no caso de o município não efectuar a liquidação da taxa devida, nem divulgar o número da conta e a instituição bancária onde possa ser feito o depósito, nem indicar o regulamento municipal de taxas, pode o interessado iniciar os trabalhos ou dar de imediato utilização à obra, dando desse facto conhecimento à câmara municipal e requerendo ao tribunal administrativo de círculo da área da sede da autarquia que intime esta a emitir o alvará de licença ou autorização de utilização (artigo 113.°, n.° 5). Configura a norma do n.° 5 do artigo 113.° do RJUE uma situação de execução de obras e de utilização de edifícios ou suas fracções sem prévia obtenção do respectivo alvará.

A referida acção de intimação à emissão do alvará de licença ou autorização de utilização apresenta-se como um meio processual especial e autónomo, que tem como objecto a intimação para um comportamento da Administração, traduzido na emissão do alvará, e ao qual se aplica o disposto no CPTA quanto aos processos urgentes (artigo 113.°, n.° 6).

A sentença judicial que haja intimado à emissão do alvará de licença ou autorização de utilização é uma sentença condenatória, a qual deve ser cumprida pela Administração. Todavia, no caso de a câmara municipal se recusar a emitir o alvará, não cumprindo a sentença condenatória, a certidão da sentença transitada em julgado, substitui, para todos os efeitos, o alvará não emitido (artigo 113.°, n.° 7). Por último, importa referir que, nas situações abrangidas pelo artigo113.°, nas quais, como se referiu, o interessado pode iniciar e prosseguir a execução dos trabalhos, a obra não pode ser embargada por qualquer autoridade administrativa com fundamento na falta de licença (artigo 113.°, n.° 8). A comunicação à câmara municipal do início dos trabalhos, nos termos

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do n.° 5 do artigo 113.°, tem precisamente como objectivo evitar que aquela embargue a obra com fundamento na falta de licença.

8. UTILIZAÇÃO DE EDIFÍCIOS OU SUAS FRACÇÕES (ANDRÉ FOLQUE)

8.1. Caracterização

Muito embora a utilização de solos e edifícios faça parte do con- / ceito normativo de operações urbanísticas (artigo 2.°, alínea /)), na verdade, só encontraremos referência a esta espécie a propósito dos modos de controlo — licença «da alteração da utilização de edifícios ou suas fracções em área não abrangida por operação de loteamento ou plano municipal de ordenamento do território, quando a mesma não tenha sido precedida da realização de obras sujeitas a licença ou autorizações administrativas» (artigo 4.°, n.° 2, alínea e)) ou autorização da utilização de edifícios ou suas fracções imediatamente subsequente a obras de edificação ou nas demais alterações da utilização (a generalidade, a bem dizer).

Interessa, antes de mais, descortinar a razão de ser do controlo administrativo dos edifícios, depois de construídos, reconstruídos, ampliados ou alterados e até mesmo sem intervenção edificatória alguma — a simples vicissitude no uso, por se destinar a fracção ou o edifício a outra actividade. São duas as razões fundamentais.

Em primeiro lugar, por meio do controlo (deferindo ou recusando a utilização) o município está a verificar se a edificação cumpriu escrupulosamente o projecto de arquitectura, as condições impostas com a sua aprovação — ou ulteriormente, com o deferimento — e as outras prescrições legais e regulamentares de ordem pública que o promotor haja de observar.

É certo que, executada a operação, o promotor terá de apresentar as chamadas telas finais (artigo 128.°, n.° 4), pelo menos, as relativas à arquitectura. O cumprimento deste dever não garante, contudo, que o projecto não tenha sofrido alterações ao longo da sua execução sem que o promotor tenha obtido da câmara municipal a alteração da licença ou da autorização. Pode, por exemplo, ter ultrapassado a cércea definida ou, como não raro sucede, ter destinado a armazém os locais que o projecto adstringira a estacionamento. É precisamente a autorização de utilização que vai sindicar estes aspectos, confrontando o resultado com a actividade edificatória licenciada ou autorizada.

Esta autorização, prevista no artigo 4.°, n.° 3, alínea b), compreende as primeiras utilizações subsequentes a obras licenciadas ou autorizadas, assim como a larga maioria das alterações ao uso sem obras ou precedidas por obras isentas ou dispensadas de licença/autorização (artigo 62.°, n.° 3). A licença apenas contempla o caso, hoje raríssimo, de alterações ao uso, sem obras, em local não abrangido por operação de loteamento ou por plano municipal de ordenamento do território.

Em segundo lugar, o controlo da utilização permite saber da adequação do edifício ou fracção a um fim novo ou diferente daquele para que originariamente fora previsto: habitação, comércio, serviços ou utilizações consideradas como especiais. Estas últimas são-no em função dos requisitos arquitectónicos a que devem submeter-se especificamente, tanto para salvaguarda dos utentes, como também para protecção de terceiros — turismo, restauração e bebidas, actividade industrial ou outras actividades agravadamente incómodas para o ambiente urbano, como aquelas a que se referem o Decreto-Lei n.° 370/99, de 18 de Setembro, e a Portaria n.° 33/2000, de 28 de Janeiro.

A licença ou autorização de construção, reconstrução, ampliação ou alteração tem em vista um destino originário (artigo 77.°, n.° 4, alínea h)) e, por isso, são tidas em conta exigências de segurança, salubridade, qualidade e estética conformes com esse fim. Alterando-se porventura o

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uso, é preciso controlar a idoneidade da edificação ou de uma sua fracção para o novo fim a que se destinará. É esta a razão de ser da licença de utilização prevista no artigo 62.°, n.° 1, mas que, por desacerto com o enunciado do artigo 4.°, n.° 3, alínea b), se estende à autorização.

Não seria de estranhar que fosse aqui estipulado, por regra, o procedimento mais qualificado — o da licença. Na verdade, executadas obras,o controlo já foi exercido, em boa parte, a montante. Já se cuidou na aprovação do projecto de arquitectura e na confirmação dos projectos das especialidades da idoneidade do local. Quando, ao invés, é alterado o uso de todo o edifício ou de uma sua fracção, sem haver lugar a obras, então, seria preciso exercer um controlo mais apertado, reclamando provavelmente pareceres, autorizações ou aprovações externas ao município. Porém, no artigo 4.°, n.° 3, alínea e), acabaria por reduzir-se a esfera da licença às áreas sem plano municipal algum ou sem operação de loteamento.

Fica na dúvida saber se a alteração ao uso com obras imediatamente antecedentes, embora isentas ou dispensadas de licença, mas em área sem operação de loteamento e sem plano municipal de ordenamento do território, deve subordinar-se a licença ou a autorização. Tudo leva a crer que se trata da segunda hipótese, pois o âmbito material da autorização é, por definição normativa, de carácter residual (artigo 4.°, n.° 3, alínea f)).

No artigo 63.° definem-se as regras sobre a instrução do pedido de licença ou autorização de utilização, importando fazer notar que a vistoria, prevista no artigo 64.° nem sempre é obrigatória. Tendo os trabalhos sido fiscalizados no seu decurso e faltando indícios de ilegalidade por outra via (denúncia, reclamação por oposição) não haverá vistoria (artigo 64.°, n.° 2, a contrario).

A ter lugar, a vistoria decorrerá em obediência às prescrições contidas no artigo 65.°, ou seja, a ura conjunto de formalidades que visam garantir a boa administração (conhecimento das regras da arte, zelo, prudência e diligência na execução da vistoria) e assegurar o contraditório, mediante a presença dos técnicos responsáveis e do requerente. Não deve confundir-se esta vistoria com aqueloutra de que se trata no artigo 90.°, como pressuposto das intimações para demolição, beneficiação ou simples conservação de imóveis.

E como se garantem os interesses públicos que justificam o controlo da utilização, quando este não tenha tido lugar?

Em primeiro lugar, por via sancionatória, pois a utilização não licenciada nem autorizada constitui infracção contra-ordenacional (artigo 98.°, n.° 1, alínea d)) a punir mediante a aplicação de coima e das sanções acessórias ajustadas (artigo 99.°).

Depois — e talvez seja este o instrumento mais eficaz — por impedimentos à celebração de negócios jurídicos translativos da propriedade ou de outros direitos reais, seja das edificações, seja das fracções, obstando o notário a que tenha lugar a escritura pública (Decreto-Lei n.° 281/99, de 26 de Julho, um pouco à imagem do que vimos ocorrer, por via do artigo 49.°, para garantia do cumprimento dos deveres do loteador e da própria necessidade de controlo administrativo das operações de loteamento.

Pretende garantir-se que, com a transmissão, não esteja o promotor/vendedor a eximir-se ao cumprimento dos deveres resultantes da licença ou da autorização para construir, reconstruir, ampliar ou alterar, transferindo para o adquirente o ónus da legalização, se as desconformidades o permitirem.

É que, depois de adquirido por terceiro o imóvel ou sua fracção, é este que passa a ser sujeito da relação jurídico-administrativa com o município. Esta relação jurídica tem uma natureza real e não pessoal, o que bem resulta da possibilidade de substituição do titular do alvará (por transmissão, sucessão, subrogação). Havendo alterações a legalizar ou trabalhos a corrigir e a demolir é o adquirente quem responde administrativamente perante a autoridade municipal, restando-lhe o direito de regresso sobre o promotor/vendedor que ilícita e culposamente tenha agido (artigo 1223.° do Código Civil). No limite, haverá lugar à anulação do negócio por erro na formação da vontade (artigo 252.°).

O que fazer, todavia, quando a licença de utilização não se encontre disponível por motivo

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alheio ao interessado e este pretenda transmitir validamente o imóvel?No artigo 2.°, do citado Decreto-Lei n.° 281/99, permite-se que exiba apenas o alvará da licença

de construção, mesmo que já caducada, contanto que:— prove ter requerido a licença/autorização de utilização;— assuma declaração com termo de responsabilidade civil (artigo 3,°) e contra-ordenacional (artigo

5.°).

Para a subsequente transmissão de fracções autónomas, dispõe o artigo 2.°, n.° 2. A título excepcional, vem facultar-se no artigo 2.°, n.° 4, a transmissão de edificações inacabadas e, por conseguinte, sem licença de utilização, mas logo no n.° 5 se excluem taxativamente as transmissões de fracção autónoma e de moradia unifamiliar.

Havendo dúvidas porém sobre a aplicação deste regime excepcional, veio a ser proferido, em 16-06-2001, o parecer n.° 9/2000, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (82), em que se concluiu ser ilegal a transmissão de fracções autónomas e de moradias unifamiliares ainda em construção. A venda de coisa futura (artigo 880.° do Código Civil), quando tenha por objecto estas categorias de bens imóveis, limitada que se encontra por via deste regime, não afasta contudo a eventualidade de as partes celebrarem contratos-promessa ou estipularem pactos de preferência.

Por fim, através das medidas de polícia administrativa das edificações, já que o presidente da câmara municipal deve ordenar a cessação da utilização do edifício ou sua fracção sem ou em contravenção à licença/autorização de utilização (artigo 109.°, n.° 1), ordem essa que pode ser coactivamente executada, como despejo administrativo (artigo 109.°, n.° 2). Tais situações levam a presumir juris et de jure a inidoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o uso em questão, por infringirem as pertinentes prescrições legais e regulamentares de salubridade, segurança, con-forto, ambiente urbano ou qualidade.

8.5.Licença de utilização e licenças de abertura ou de funcionamento

O deferimento da licença ou da autorização de utilização não implica ipso facto o deferimento da licença ou autorização de abertura, de labo- ração ou de funcionamento, das quais dependam certos estabelecimentos ou actividades.

A primeira revela a aptidão para um certo fim, do ponto de vista arquitectónico e urbanístico. A segunda dá por verificado o cumprimento de outros requisitos funcionais.

Claro está que nem todas as utilizações carecem de uma licença ou autorização deste tipo e, por outro lado, assiste-se a um esforço legislativo e regulamentar para coordenar o procedimento de controlo urbanístico para instruir, em concomitância, os controlos administrativos da actividade a exercer ou praticar, por especiais razões de qualidade dos serviços a prestar, de segurança dos bens depositados, de salubridade para os utentes.

Muitas vezes, a licença/autorização de utilização vem conjugar esta dupla função e natureza: controlo do cumprimento do projecto de arquitectura, das condições acessórias estipuladas ou idoneidade do edifício e controlo dos requisitos de abertura ao público ou de funcionamento, os quais não têm expressão arquitectónica nem construtiva, na sua maioria, mas nem por isso são menos importantes para garantia da higiene, da segurança, do conforto e da qualidade, para regulação do horário da abertura e fecho de estabelecimentos abertos ao público.

Assim, por exemplo, «a licença ou a autorização de utilização para serviços de restauração e bebidas destina-se a comprovar, para além do disposto no artigo 62.° do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, a observância das normas relativas às condições sanitárias e à segurança contra riscos de incêndio» (artigo 11.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 168/97, de 4 de Julho).

Compreende-se, portanto, que a vistoria final, precedendo a licença ou autorização de utilização (artigo 64.°, n.° 1, do RJUE) tenha obrigatoriamente lugar, no caso dos estabelecimentos de

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restauração e bebidas (artigo 11.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 168/97, de 4 de Julho).Para que um bar ou restaurante possa abrir as suas portas ao público,

o responsável pela exploração não terá de obter duas licenças ou autorizações. Basta-lhe um único alvará de licença ou de autorização de utilização de serviços de restauração ou de bebidas, «o qual constitui, relativamente a estes estabelecimentos, o alvará de licença ou de autorização de utilização previsto nos artigos 62°e 74°do Decreto-Lei n.°555/99, de 16 de Dezembro» (artigo 14.°, n.° 1).

Alvará esse que cumulará às especificações urbanísticas comuns previstas no artigo 77.°, n.° 5, do RJUE, as particulares especificações relativas à actividade (artigo 15.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 168/97, de 4 de Julho): identificação da entidade exploradora, nome, tipo (restauração ou bebidas com ou sem sala ou espaço de dança, com ou sem fabrico próprio de pastelaria, panificação ou gelados) e capacidade máxima do estabelecimento.

Quando assim não aconteça, ou seja, quando o interessado tenha de obter separadamente a licença de utilização e a licença de abertura ou de funcionamento, então, ao menos, assiste-lhe o direito a que a vistoria necessária seja efectuada em conjunto (artigo 40.°, n.° l, do RJUE).

Na certeza, porém, de que a licença de utilização constitui sempre pressuposto de validade da licença de laboração ou de funcionamento (artigo 40“, n.° 3). Se, com efeito, a edificação estiver fora da ordem pública urbanística, não poderá nela funcionar ou abrir ao público estabelecimento nenhum. Ao invés, se lhe vê recusada a licença de funcionamento, mas dispõe de licença municipal de utilização, poderá ser-lhe confiado um outro uso compatível com esta última.

III. EXTENSÃO E INTENSIDADE DO CONTROLO ADMINISTRATIVO PRÉVIO DAS OPERAÇÕES URBANÍSTICAS

1. ISENÇÃO E DISPENSA

Verdadeiramente isentas estão apenas as obras de conservação, ou seja, «as obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente y as obras de restauro, reparação e limpeza» (artigo 2.°, alínea l)). Isenção em sentido próprio, uma vez que o recorte negativo desta categoria se faz ope legis. Verificados na actividade os atributos próprios do conceito, esta pode começar, sem mais, isto é, sem nenhuma intervenção municipal, embora haja de conformar-se com as prescrições legais e regulamentares próprias, «designadamente as constantes de plano municipal e plano especial de ordenamento do território e as normas técnicas de construção» (artigo 6.°, n.° 8). Por conseguinte, estas obras encontram-se sujeitas à fiscalização geral da actividade edificatória (artigo 93.°, n.° 1).

Depois, temos as situações previstas no artigo 6.°, n.° 1, alínea b),i no n.° || Só impropriamente tem lugar uma isenção, pois no n.° 3 remete-se para o regime da comunicação prévia.

O destaque, cuja natureza e regime já analisámos detidamente (supra), parece antes configurar uma situação de dispensa — dispensa da operação de loteamento urbano. Isto, porque a câmara municipal leva a cabo, para emitir a certidão para destaque, um controlo sobre os pressupostos e requisitos específicos do destaque de prédio rústico (n.° 5) ou de prédio urbano (n.° 4). Só a certidão permite a inscrição no registo predial (n.° 9) e sem esta não podem validamente transmitir-se as parcelas destacadas nem as edificações e fracções autónomas nelas existentes (artigo 49.°).

De resto, as obras de edificação a executar na parcela destacada — e cujo projecto de arquitectura teve de obter prévia aprovação — até para saber da suficiência e adequação das infra-estruturas — não se encontram isentas nem dispensadas de licença ou autorização, havendo de cumprir as regras urbanísticas e construtivas materiais gerais e especiais (artigo 6.°, n.° 8).

Temos, a seguir, no artigo 7°, as obras cuja isenção resulta de um critério subjectivo — a qualidade do seu promotor e o interesse público que este prossegue. São as operações urbanísticas de iniciativa pública, cujo âmbito é bem mais estrito do que o do regime anterior, designadamente,

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ao estabelecerem-se requisitos funcionais, como o que determina a articulação com as atribuições específicas das autoridades portuárias (Instituto Português do Transporte Marítimo, APL — Administração do Porto de Lisboa, S.A., etc.), aeroportuárias (ANA — Aeroportos de Portugal, S.A., e NAV — Navegação Aérea de Portugal, E.P.E.) e ferroviárias (REFER, Rede Ferroviária Nacional, EP.E.), de acordo com o n.° 1, alínea d), de par com exigência análoga para a promoção e gestão do parque habitacional do Estado (alínea c)).

Ficam de fora, se repararmos bem, as operações urbanísticas de iniciativa das associações públicas (v. g. ordens profissionais, associações de regantes e beneficiários dos perímetros de rega, universidades públicas). Estranhamente, não constam do elenco as Regiões Autónomas nem as suas administrações indirectas, mas deve obtemperar-se com um argumento de maioria de razão, em face das autarquias locais, por se tratar de pessoas colectivas públicas de população e território.

Bem se compreende que as operações urbanísticas a empreender pelo Estado e suas concessionárias — a generalidade das obras públicas — não possa ficar dependente de licença ou de autorização municipal, sob pena de completa subversão da separação vertical de poderes. O município, por reduzida que fosse a margem de livre apreciação, não poderia deixar de condicionar o interesse nacional ou regional por contingências e particularismos locais.

As obras públicas têm de cumprir, é certo, as normas materiais urbanísticas e construtivas (artigo 7.“, n.° 6), nomeadamente, o disposto nos instrumentos de gestão territorial, a cujo teor se vincularam o Governo e os governos regionais por via da ratificação, mas não ficam a depender da margem de livre apreciação dos órgãos autárquicos, vertida nos poderes discricionários e na interpretação de conceitos indeterminados que o licenciamento e a autorização inculcariam: «... pode haver deferimento do pedido desde que o requerente...» (artigo 25.°, n.° 1), «... sobrecarga incomportável para as infra-estruturas ou serviços gerais...» (artigo 24.°, n.° 2, alínea b)), «... adequada inserção no ambiente urbano...» (artigo 24.°, n.° 4).

É preciso ter presente que as autarquias locais se encontram adstritas à prossecução de interesses próprios das suas circunscrições e não de interesses públicos alheios e superiores à esfera das atribuições que detêm.

De todo o modo, há sempre lugar à audição da câmara municipal própria do concelho onde se localiza a operação (artigo 7.°, n.° 2) — parecer obrigatório, mas não vinculativo, a proferir no prazo de 20 dias.O incumprimento desta formalidade pode comprometer a validade do acto de aprovação da obra. Falta porém saber de que acto se trata, na falta de uma regulamentação comum dos procedimentos de aprovação de obras públicas: o estudo prévio, o anteprojecto ou o projecto de execução. Como faz notar CLÁUDIO MONTEIRO, não raro, assiste-se à oposição por terceiros contra actos que apenas lateralmente reflectem a decisão: a declaração de utilidade pública, a adjudicação da empreitada de obras públicas ou a publicação do aviso de abertura do concurso.

Bem se compreende, por outro lado, que as operações urbanísticas de iniciativa autárquica, embora isentas, devam obedecer a um mínimo de controlo prévio. De outro modo, levantar-se-ia a vexata qaestio de quem vigia o polícia. No mais, são operações urbanísticas que podem interferir com outros interesses públicos, no mesmo território, e que importa salvaguardar.

Apesar de tudo, a isenção compreende um mínimo de procedimento, de sorte que acaba por se aproximar da dispensa:

1) parecer obrigatório da câmara municipal (n.° 2);2) autorização da assembleia municipal e parecer vinculativo da comissão de coordenação e

desenvolvimento regional (n.° 3);3) autorização do Governo e parecer obrigatório da câmara municipal e da comissão de

coordenação e desenvolvimento regional (n.° 4);4) discussão pública (n.° 5), a qual deve ser compatibilizada com as exigências próprias ora da Lei

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n.° 83/95, de 31 de Agosto (acção procedimental), ora da avaliação do impacto ambiental (Decreto-Lei n.° 69/2000, de 3 de Maio. (FIM ANDRÉ FOLQUE)

6. A LEGALIZAÇÃO DE OPERAÇÕES EXECUTADAS OU EM EXECUÇÃO (ANDRÉ FOLQUE)

6.1.A legalização das obras de edificação

Diz-se clandestina a actividade urbanística que indevidamente haja sido prosseguida, no todo ou em parte, à margem do controlo administrativo prévio. A actividade edificatória é relativamente proibida e só a comunicação prévia, a licença ou a autorização permitem exercer o direito ou constitui-lo.

Desde cedo, porém, imperativos de primazia da materialidade subjacente procuraram salvaguardar operações urbanísticas que, embora formalmente ilegais, em nada lesassem o interesse público nem os direitos e interesses legalmente protegidos na sua esfera.

Assim se compreende o disposto no artigo 167.° do RGEU quando impedia a demolição de obras que, apesar de clandestinas, satisfizessem ou pudessem vir a satisfazer (mediante alterações) os requisitos legais e regulamentares de urbanização, estética, salubridade e segurança das edificações urbanas. E o RJUE, ao revogar aquela disposição, ela própria já revogada, embora parcialmente, pelo artigo 58.° do precedente Regime Jurídico das Obras Particulares (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro), vem claramente conceder ao interessado o interesse legítimo em opor-se à demolição (artigo 106.°), podendo à operação urbanística ser concedido licenciamento ou autorização a posteriori, ainda que tenha de providenciar-se por trabalhos de alteração ou de correcção (artigo 105.°).

Naturalmente que a legalização não dissipa a ilicitude do comportamento, da actividade. Por isso, a execução da operação urbanística não deixará de ser sancionada a título de contra-ordenação.

O que já parece ultrapassar a margem de autonomia municipal é o agravamento das taxas urbanísticas como instrumento repressivo e de prevenção especial contra operações urbanísticas clandestinas susceptíveis de legalização. A taxa não pode desviar-se do seu fim para prosseguir outro, de polícia administrativa. Neste sentido se pronunciou o Provedor de Justiça contra normas regulamentares de Alenquer, Cascais, Gondomar, Loures, Silves e Vila Franca de Xira, recomendando a sua revisão, o que encontrou acolhimento por parte dos órgãos visados.

A legalização há-de obedecer — com as necessárias adaptações — ao procedimento próprio a que a operação se subordinaria, caso tivesse em devido tempo sido requerido o controlo municipal. O RJUE não previu normas específicas atinentes ao procedimento de legalização, revogando todo o disposto no artigo 167.° do RGEU (artigo 129.°, alínea e)), em cujo § 1.° se previa um acordo entre o proprietário e o município, vertido em escritura pública, a fim de consignar m obrigação de fazer executar os trabalhos que se reputem necessários, nos termos e condições que forem fixados, e de demolir ulteriormente a edificação, sem direito de ser indemnizado — promovendo a inscrição predial deste ónus —, sempre que as obras contrariem as disposições do plano ou aníeplano de urbanização que vier a ser aprovado».

No plano substantivo, porque tempus regit actus, a operação urbanística era legalização será confrontada com as prescrições legais e regulamentares vigentes ao tempo, não podendo tirar partido de anteriores normas menos restritivas. É o que parece resultar do artigo 60.º do RJUE, ao limitar — e bem — a protecção do existente a operações licenciadas ou executadas em momento anterior ao da necessidade de controlo administrativo prévio.

O que nos deixa as maiores reservas é o procedimento de legalização de obras de reconstrução, na impossibilidade de salvaguardar a identificação entre o resultado da operação e as características da edificação demolida. E este problema é tão mais agudo quanto, em certas áreas, nomeadamente no perímetro das áreas protegidas, apesar da falta de levantamentos rigorosos do existente, são

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admitidas apenas obras de reconstrução. A reconstrução pressupõe estrita conformidade como existente, antes da demolição, desde que se trate de edificação regularmente construída. Construída ao abrigo de licença ou de autorização válida e eficaz ou construída antes da instituição do controlo administrativo prévio das operações urbanísticas.

Por outro lado, a obra não legalizada é absolutamente inoponível a terceiros e à própria autoridade municipal, nomeadamente como critério de afastamentos, cércea dominante, paisagem urbana e outras condicionantes a que uma operação urbanística posterior tenha de obedecer nas suas imediações.

Faz-se notar, por último, que a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que o requerente da legalização não beneficia de valor positivo algum do silêncio do órgão competente. A regra é aqui, por conseguinte, a do indeferimento tácito (artigo 109.° do CPA), esgotado que se encontre o prazo para a prática de acto preparatório ou final. Neste sentido, pronunciou-se o STA nos Acórdãos de 1-10-1992 (1ª Sub.), de 23-10-1997 (1.ª Sub.), de 31-03-1998 (Pleno), de 13-01-1999 (3ª Sub.) e de 12-10-2004 (2ª Sub.).

Já «ao licenciamento de utilização de obras executadas sem licença,L mas já legalizadas, aplica-se o regime do deferimento tácito», como se fez notar no Acórdão do STA (2ª Sub.), de 11-02-2003.

EXECUÇÃO DAS OBRAS DE URBANIZAÇÃO E DE EDIFICAÇÃO

1. INÍCIO DOS TRABALHOS

Quando podem iniciar-se os trabalhos próprios de uma determinada operação urbanística sujeita a controlo administrativo prévio?

Por regra, só depois de emitido o alvará da licença ou da autorização (artigo 80.°, n.° 1) ou obtido contenciosamente um título de efeito equivalente — certidão da sentença transitada em julgado que haja intimado à emissão do alvará (artigo 113.°, n.° 7), aplicável também no licencia-mento ex vi do artigo 112.°, n.° 9, ou mesmo antes disso» logo que requerida a intimação (artigo 112.°, n.os 1 e 5).

Tratando-se de obra sujeita apenas a comunicação prévia, os trabalhos podem ter início depois de 30 dias passados (artigo 35.°, n.° 1).

Isto, no entanto, implica o prévio pagamento das taxas (artigo 113.°, n.° 2). A recusa em admitir a liquidação das taxas foi outrora um expediente comum para inviabilizar aos efeitos positivos da demora na deliberação, mas o RJUE veio criar dispositivos de garantia para contornar.

Excepcionalmente, como vimos, alguns trabalhos preliminares podem ter início — demolição, escavação, contenção periférica (artigo 81.°).

No artigo 82.°, e de modo inovador, vem acautelar-se a ligação às redes públicas de água, saneamento, gás, electricidade e telecomunicações, o que constitui um instrumento muito eficaz na prevenção da edificação clandestina.

2. ALTERAÇÕES EM OBRA

Podem ser de três espécies:

a) aquelas que não constituem, em si, operações sujeitas a prévio licenciamento ou autorização administrativa (artigo 83.°, n.° 2);

b) alterações ao projecto que importem obras de ampliação ou alterações à implantação das edificações, (artigo 83.°, n.° 3, e artigos 27.° e 33.®);

c) as demais alterações que obedecem ao regime da comunicação prévia (artigos 34.° e segs.).Dificilmente se compreende a delimitação entre as primeiras e as terceiras.

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Precisamente, as obras que não correspondam a prévio licenciamento ou autorização são aquelas que, encontrando-se isentas ou dispensadas, estão sujeitas ao dever de comunicação prévia (artigo 6.°, n.° 3).

Apenas as obras de conservação e aquelas que não possuem fins urbanísticos parecem, afinal, recair na previsão do artigo 83.°, n.° 2.

A única interpretação que poderá salvar o conteúdo útil deste preceito é a de que as alterações em obra — cujas características, a serem autónomas, importariam licença ou autorização — estão, bem assim, dispensadas de comunicação prévia.

Ao invés, obedecem ao dever de comunicação prévia as obras que, não recaindo na esteira do artigo 83.°, n.° 3, sempre implicariam licença ou autorização.

3. SUBSTITUIÇÃO E SUBROGAÇÃO NA EXECUÇÃO DOS TRABALHOS

No artigo 84.° vem admitir-se um poder genérico de substituição e que anteriormente se limitava às obras de urbanização inacabadas. Trata-se de mais um sinal do legislador, reconhecendo avisadamente que também as obras de edificação podem causar lesões significativas ao interesse público, quando inacabadas. É o meio urbano que sai lesado, de par com a segurança das edificações adjacentes e do espaço público, em geral.

Para que a substituição tenha lugar, basta o preenchimento de um dos pressupostos enunciados no artigo 84.°, n.° 1.

Já o poder de subrogação — concedido à iniciativa privada — restringe-se às obras de urbanização e é limitado aos adquirentes de lotes ou de fracções das edificações iniciadas em lotes e da sua legitimidade (artigo 85.°).

Mas não se exclui, em absoluto, a extensão desta iniciativa a obras de edificação (artigo 88.°) só que com pressupostos mais apertados. Aqui trata-se de obras inacabadas cujo acto permissivo caducou, entretanto, e que, por conseguinte, importam uma sua renovação.

4. CONCLUSÃO E RECEPÇÃO DOS TRABALHOS

O controlo deixou de cingir-se às obras de urbanização (artigos 86.° e segs.) tendo-se alargado em extensão e em intensidade.

Assim, desde logo, vem consagrar-se um conjunto de deveres acessórios do promotor e cujo cumprimento é sindicado no termo das obras — limpeza da área, remoção de estaleiros (artigo 86.°, n.° 1) — o que condiciona o deferimento da licença de utilização (n.° 2) e a recepção provisória das obras de urbanização. Já no artigo 51.° do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro, se previa o dever de remoção dos entulhos, mas as garantias eram menores e limitadas às obras de urbanização.

Hoje, porém, vai-se mais longe especificando-se os seguintes devedores:

a) levantamento do estaleiro;b) limpeza da área;c) remoção de materiais, entulhos e outros detritos (deve incluir também o despejo de águas

residuais);d) reparação de estragos ou deteriorações em infra-estruturas públicas.

Na versão originária do RJUE, acrescia ainda um dever de reparação de danos patrimoniais privados, o que foi objecto de revisão, sob recomendação do Provedor de Justiça, considerando a inconstitucionalidade por invasão da reserva de jurisdição dos tribunais (artigo 202.°). O presidente da câmara municipal retiraria efeitos públicos de uma decisão fora da função função administrativa e de natureza puramente privada.

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Tal importaria que o presidente formulasse um juízo de imputação objectiva e subjectiva entre o dano e o promotor.

Já em relação às infra-estruturas públicas vale o privilégio da decisão prévia ou autotutela declarativa. Já não se trata de um conflito de natureza privada, mas da lesão de um interesse público.

Há-de porém proceder-se a uma redução teleológica no sentido de cingir a aplicação a infra-estruturas municipais, sob pena de intromissão em atribuições alheias, do Estado ou das regiões autónomas, dispondo estes de meios próprios para fazerem valer a sua posição.

A recepção das obras de urbanização representa um meio fundamental de salvaguarda contra o incumprimento pelo loteador dos seus deveres. De resto, não será excessivo admitir que a maior parte dos litígios que envolvem operações de loteamento dizem respeito ao cumprimento defeituoso ou ao simples inacabamento das obras de urbanização pelo promotor.

Importa, por conseguinte, rodear dos maiores cuidados o interesse público na urbanização e salvaguardar adequadamente os direitos e interesses legítimos dos adquirentes de lotes ou de parte das edificações neles executadas.

O interesse público parece-nos evidente: a concretização do ordenamento do território previsto, o equilíbrio das infra-estruturas e equipamentos colectivos circundantes e a garantia de qualidade de vida no novo núcleo populacional e nas imediações. Importa por isso impedir que a utilização de novas edificações sem a prévia urbanização estar concluída se apresente como um facto consumado, como tantas vezes veio a ocorrer num passado próximo. Não é de estranhar que o município, pese embora o facto de não ser o dono da obra, tenha aqui de usar da maior prudência e dispor dos meios ajustados a uma intervenção o mais eficiente possível.

Muitas licenças outorgadas ao abrigo do Decreto-Lei n.° 289/73, ainda eficazes, desprovidas de cauções ajustadas e sem outras fontes alternativas de garantia, continuam a representar para os municípios e para os adquirentes de lotes um pesado fardo, o que, aliás, o RJUE não deixa, de certo modo, de reconhecer (artigo 49.°, n.° 4).

Não é de estranhar que, neste ponto, nos aproximemos da terminologia própria dos contratos de empreitada de obras públicas, designadamente com a recepção provisória e definitiva. Neste sentido, remete-se no artigo 87.°, n.° 3, boa parte da disciplina das recepções— provisória e definitiva — das obras de urbanização, precedendo sempre vistoria por comissão em que o município se faz representar maioritariamente (artigo 87.°, n.° 2).

Assistimos na evolução legislativa da disciplina dos loteamentos a uma crescente procura de aperfeiçoamento dos meios de garantia.

Compreende-se, pois, que no artigo 57.°, n.° 4, se proíba terminantemente a emissão do alvará de autorização para obras de construção (e por maioria de razão, para utilização) sem ter ocorrido a recepção provisória ou, pelo menos, o depósito de caução bastante.

A primeira preocupação do legislador, no artigo 54.°, é justamente a de prover a que a caução depositada seja suficiente, de modo a que o município possa bastar-se com o seu valor para executar as obras de urbanização em falta ou defeituosamente executadas. Assim, conquanto o valor orçado dos encargos pelo loteador constitua a base de cálculo, ele pode ser corrigido unilateralmente pela câmara municipal (artigo 54.°, n.° 3) e pode mesmo vir a ser obrigatoriamente reforçado (artigo 54.°, n.° 4, alínea a)). E se, contudo, pode também ser reduzido (alínea b)) j há um limiar abaixo do qual não pode haver contemplações (90% do montante inicial, de acordo com o artigo 54.°, n.° 5).

A faculdade de redução faz sentido na medida em que a câmara / municipal vá verificando o andamento regular das obras de urbanização, I nomeadamente na recepção provisória, já que a libertação plena só pode j ser deferida com a recepção definitiva (artigo 54.°, n.° 2).

A segunda preocupação é a da eficácia desta mesma garantia. Há-de tratar-se de «garantia bancária autónoma à primeira solicitação, sobre bens imóveis propriedade do requerente, depósito em dinheiro ou seguro-caução» (artigo 54°, n.° 2).

Não deve esta garantia ser confundida com três outras cauções a que a lei se refere. Uma delas

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tem um alcance análogo. Trata-se da garantia da obrigação assumida pelo requerente de licença para obras de edificação, condicionada pela sobrecarga incomportável prevista para as infra-estruturas locais (artigo 25.°, n.° 3). A outra destina-se a salvaguardar a eventual necessidade de reposição dos solos quando, antecipados os trabalhos de demolição, escavação e contenção periférica (artigo 81.®, n.° 1). A terceira respeita ao cumprimento dos deveres acessórios de levantamento do estaleiro e limpeza da área e à imputação de danos em infra-estruturas públicas (artigo 86.°, n.° 2).

À semelhança do que já se previa no artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro, o RJUE admite no artigo 55.° a possibilidade de negociar, por contrato administrativo de urbanização, os termos e condições, não só com o promotor, como também com terceiros, mas em caso algum poderá este contrato afastar as exigências imperativas contidas no artigo 54.° A vantagem destes contratos para o interesse público é a de evitar a rarefacção do dever de cumprimento ou de reparação entre imputações diversas ao loteador, às empresas prestadoras de serviços de interesse geral e a terceiros (v. g. empreiteiros e subempreiteiros, mas também os adquirentes ou promitentes compradores de lotes).

FISCALIZAÇÃO

A fiscalização no decurso da obra torna-se tão mais importante quanto, nos termos do artigo 64.°, n.° 1, a licença e a autorização de utilização não dependem inexoravelmente de prévia vistoria municipal.

Repare-se, aliás, que justamente, uma das excepções a esta premissa é a de a obra não ter sido inspeccionada ou vistoriada antes do seu termo (artigo 64.°, n.° 2).

O âmbito da fiscalização não se limita a operações licenciadas ou autorizadas. A principal finalidade é precisamente a de encontrar obras clandestinas, mas importa também fiscalizar obras isentas, dispensadas ou fora da incidência das normas sobre controlo prévio (artigo 93.°, n.° 1).

A fiscalização não obedece a um escopo jurídico, apenas, mas também vise prevenir perigos que da execução possam resultar ou agravar-se para a segurança de pessoas e bens e para a saúde pública (artigo 93.°, n.° 2).

No artigo 94.°, n.° 2, vem estabelecer-se uma curiosa relação entre actos do presidente e actos da câmara municipal. O presidente pode suspender, declarar nulas e revogar deliberações colegiais, assim como pode este órgão usar de poderes análogos sobre actos do presidente.Outros aspectos a destacar são:

a) a privatização possível dos serviços de fiscalização de obras, rea- * lização de inspecções e vistorias (artigo 94.°, n.os 5 e 6);

b) a superação de um ponto controvertido que consistia em saber da necessidade de mandado judicial para facultar o ingresso no domicílio. A resposta afirmativa dada no artigo 95.°, n.° 2, deve estender-se à execução de medidas de polícia administrativa, por maioria de razão (obras coercivas — artigos 91º e 105.° —, despejo sumário — artigo 92.° — e demolição — artigo 106.°).Com efeito, vinham os tribunais, neste ponto, decidindo de forma muito pouco harmoniosa. O

entendimento maioritário era o de considerar que o requerimento ao tribunal não deveria sequer ser apreciado por falta de interesse em agir, uma vez que o privilégio da execução prévia constituía título bastante. Assim, a esfera da garantia constitucional do artigo 34.° n.° 1 e n.° 2, cingir-se-ia ao domínio penal.

Todavia, já em 1974 Jorge Miranda se opunha a esta concepção, até por um argumento de maioria de razão.c) Permanece em aberto o problema da assistência das forças de segurança ao cumprimento

coercivo das decisões municipais. Na verdade, apenas se prevê que o presidente possa solicitar a colaboração de outras autoridades administrativas e policiais (artigo 94.°, n.° 4).

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Se é certo que a criação de polícias municipais em alguns concelhos e a sua reforma, em outros, permite dar passos significativos, não é menos verdade que, na maioria dos municípios, subsiste o problema da recusa de colaboração. Aguarda-se homologação de um parecer do Conselho Consultivo da Pro- curadoria-Geral da República.

Quais são os meios típicos de fiscalização, por iniciativa oficiosa ou por impulso externo (denúncia, participação, queixa)?

a) inspecção;b) vistoria técnica;c) exame ao livro de obra.

O estatuto do livro de obra (artigo 97.°), como registo regular onde são descritas pelo director técnico as principais vicissitudes dos trabalhos, diacronicamente, encontra raízes no direito anterior (artigo 25.° do RJLMOP). Ali se previa contudo um dever de registo mensal e ainda um dever de conservação do livro para além do termo da execução dos trabalhos (n.ºs 4 e 5).

À Portaria n.° 1109/2001, de 19 de Setembro, veio regulamentar as características do livro de obra e o seu preenchimento, dando cumprimento ao disposto no artigo 97.°, n.° 3.

Como faz notar António Pereira da Costa o livro de obra constitui um importantíssimo elemento para a fiscalização, nomeadamente, para o apuramento de responsabilidades e para a ponderação de prorrogações. Todos os factos que importem a paragem ou suspensão da actividade — intempéries, atraso no fornecimento de materiais, acidentes, greves, embargos — e todas as alterações introduzidas — com ou sem necessidade de controlo prévio — devem ser descritas no livro de obra (artigo 97.°, n.° 2) o qual deve permanentemente encontrar-se no local dos trabalhos (artigo 97°, n.° 1), desde o início à sua conclusão.

A falta do livro de obra constitui ilícito de mera ordenação social, punível, nos termos do artigo 98.°, n.° 1, alínea l). O cumprimento i defeituoso do seu preenchimento vem previsto também como contra-ordenação na alínea m) do mesmo preceito.

VALIDADE E EFICÁCIA DOS ACTOS DE LICENCIAMENTO E DE AUTORIZAÇÃO 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Validade e eficácia não se confundem. Enquanto a validade resulta da conformidade com os pressupostos e requisitos do acto, contidos ou implícitos na lei, já a eficácia representa a aptidão para produzir plena e incondicionadamente os efeitos jurídicos típicos da sua categoria. Assim, a eficácia é concedida pelo cumprimento de uma condição exterior ao acto (conhecimento pelo interessado por notificação ou por publicação oficial) e deixa de a possuir quando um acto ou um facto de eficácia oposta se produz também ele consequentemente — o decurso do tempo (caduci-dade) ou a prática de acto posterior incompatível (revogação).

Declarada a invalidade, perde-se também a eficácia. O acto nulo, cujos efeitos produzidos apenas poderão ser ressalvados, nos termos do artigo 134.°, n.° 3, do CPA, tanto como o acto anulável — revogado por ilegalidade ou anulado contenciosamente — por motivo da desconfor-midade com norma legal, regulamentar, convencional ou constitucional, não mais podem ser invocados pelos interessados.

Na hipótese de inexistência — rara, é certo, perante o generoso elenco de motivos de nulidade que encontramos no artigo 133.°, n.os 1 e 2, do CPA, a que acrescem as previsões do artigo 68.° do RJUE — nem sequer é necessária a declaração.

Todo e qualquer opositor à operação pode resistir ao acto e ninguém deve obediência a eventuais comandos jurídicos que o tenham como pressuposto. É o caso de uma licença de construção deferida por um tribunal ou pela Assembleia da República, como é o caso de uma autorização apócrifa, decidida por quem não possua a titularidade do cargo ou do mandato no órgão competente.

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Uma licença pode ser inválida, embora plenamente eficaz se, por exemplo, for defenda com um determinado vício, mas, não obstante, der lugar à emissão do pertinente alvará. E o contrário, como já se viu, pode acontecer. Basta não ser requerida a emissão do alvará.

A invalidade é, no direito administrativo nacional, por regra, qualificada como anulabilidade (artigo 135.", n.° 1, do CPA), o que significa que as licenças e autorizações de urbanização ou de edificação podem, por regra, ser revogadas, ratificadas, confirmadas ou convertidas dentro do prazo maior que se encontrar previsto para a sua impugnação contenciosa (um ano, de acordo com o artigo 59.°, n.° 2, alínea b), do CPTA). Exaurido este prazo, a licença ou autorização, embora seja ilegal, convalida-se. É tratada pela ordem jurídica como um acto válido.

Este facto não significa, porém, que os actos praticados ao abrigo dessa licença ou autorização deixem de ser ilícitos, isto é, desconformes com normas orientadas para os direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros e que, como tal, havendo culpa, além do mais, deixem de poder constituir fonte do dever de indemnizar, a título de responsabilidade civil, nos termos gerais, embora com a ressalva do disposto no artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 48.051, de 21 de Novembro de 1967.

Mas esta ressalva em nada afasta a imputação ao promotor ou ao proprietário do imóvel onde foi executada a operação urbanística lesiva, primeiro e directo responsável, a menos que a Administração Pública lhe tenha imposto a conduta lesiva ou alvitrado condições ou objecções causal mente adequadas à lesão.

De resto, o órgão competente para autorizar ou licenciar uma operação urbanística não pode ir além da estrita verificação da conformidade com as pertinentes disposições legais e regulamentares de natureza pública. Já os tribunais judiciais, por seu turno, lançam mão de outro parâmetro de ponderação, reportado a título directo e principal aos direitos de personalidade ou aos direitos reais de gozo. de terceiros vizinhos, dirimindo o litígio à luz do disposto no artigo 335° do Código Civil.

A este propósito, parece elucidativo o teor da disposição contida no artigo 1347.°, n.° 2, do mesmo Código, onde se prevê a possibilidade de o tribunal ordenar a inutilização de instalações perigosas em prédio vizinho, ainda quando autorizadas por entidade pública competente e mesmo que observando as condições especiais prescritas na lei. No entanto, o tribunal tem de dar como provado um prejuízo efectivo e não apenas um risco ou perigo abstracto, pois este encontra-se elidido pela licença.

2. NULIDADE E ANULABILIDADE DE ACTOS DE CONTROLO URBANÍSTICO

a) Generalidades

O âmbito da nulidade é, de todo o modo, bastante extenso, a tal ponto que parece o valor jurídico negativo comum do acto urbanístico ilegal.

Tende-se, cada vez mais, a considerar que o acto nulo não pode produzir efeito algum. Que é um não acto. Esta leitura é precipitada e não isenta de equívocos.

O acto nulo existe juridicamente. Preenche todos os pressupostos e requisitos de qualificação, de sorte que não é uma simples aparência. E mais. Ele produz todos os efeitos jurídicos típicos desde que e enquanto for eficaz.

É certo que o acto nulo não é susceptível de revogação, de acordo com o disposto no artigo 139.°, n.° 1, alínea a), do CPA, como também não pode ser convertido, ratificado nem reformado (artigo 137.°, n.° 1), embora nada exclua a sua redução, se o acto for divisível. Mas, note-se, que da violação destes preceitos resulta a anulabilidade do acto secundário praticado sobre um acto nulo.

É que o acto nulo — ao contrário do acto inexistente — só depois de declarada a nulidade deve ser tomado enquanto tal. Antes disso, pode opinar-se que certo acto é nulo e pode ser deduzida impugnação graciosa ou contenciosa, de modo a obter a declaração da sua nulidade, mas enquanto esta não for declarada, o acto — a menos que, por outras razões, seja ineficaz — não pode ser desobedecido, no caso de actos impositivos, nem ignorado, no caso de actos permissivos, como as

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licenças e autorizações urbanísticas.E não pode afirmar-se, a não ser por força de expressão, que o acto nulo é insusceptível de

produzir efeitos. É verdade que, depois de declarada a sua nulidade, muitos dos efeitos que produziu serão aniquilados e o acto não mais produzirá efeito algum. Mas, é pertinente indagarmo-nos sobre o que acontece se a declaração de nulidade for ela própria atingida na sua eficácia por revogação ou se for contenciosamente anulada.

Sinal inequívoco de que o acto nulo produz efeitos é precisamente a natureza supérstite de alguns deles à declaração de nulidade, conforme se admite no artigo 134.°, n.° 3, do CPA, em função do decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais, entre os quais pontifica decerto o princípio da boa fé (artigo 6.°-A).

E a declaração de nulidade é, em tudo, um acto administrativo, havendo de conceder aos interessados o direito de se pronunciarem previamente (artigos 100.° e segs.) e havendo de obter fundamentação própria, nos termos previstos nos artigos 99.°, n.° 1, e 124.°, n.° 1.

Temos, pois, que parece justificado repensar a nulidade no direito administrativo, não sendo este, porém, o lugar adequado. Sempre se dirá contudo que o acto nulo é um acto cujos efeitos são precários por que sujeitos a uma condição resolutiva incerta an e incerta quando, embora de alcance ex tunc. Mas nem sequer a precariedade é perpétua, pois bem pode acontecer que o parâmetro sofra vicissitudes tais que o acto não deva mais ser declarado nulo. Se, por exemplo, as normas de um plano passam a tolerar aquilo que antes era interdito edificar, seria absolutamente desprovida de interesse público a declaração de nulidade por confronto com o direito anterior em nome de um formalismo que o direito urbanístico e o princípio da protecção do existente não podem consentir. A actividade administrativa está ao serviço do interesse público. Não é o interesse público que se encontra ao serviço da actividade administrativa.

Assim, e em primeiro lugar, temos as múltiplas possibilidades abertas no artigo 68.® do RJUE, a que haverá de juntar-se a cláusula geral e o enunciado exemplificativo do artigo 133.° do CPA e ainda o enunciado de nulidades próprio do direito autárquico (artigo 95.° da Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro).

b) Questões controvertidas

A nulidade de licenças e autorizações urbanísticas suscita um amplo conjunto de questões controvertidas, a começar pela conjugação com o regime geral da nulidade dos actos administrativos dos artigos 133.° e 134.° do CPA: os efeitos putativos, a competência para declarar a nulidade.

Ainda no que respeita ao enunciado do artigo 133.°, n.° 2, do CPA, vale a pena sublinhar a invasão de atribuições alheias. É de harmonia com este preceito que no artigo 68.° do RJUE encontramos a preterição de pareceres, autorizações ou aprovações externos obrigatórios e vin-culativos.

Com efeito, se a licença tem como pressuposto objectivo necessário um acto preliminar positivo imputado a pessoa colectiva pública distinta do município, a sua preterição representa fazer tábua-rasa das atribuições dessa outra entidade, tanto ao ser ignorado o sentido do parecer como a ser, pura e simplesmente, não requerido.

Não se trata apenas de um vício formal. Se o procedimento administrativo constitui um feixe de intervenções administrativas infungíveis, de diferentes pessoas colectivas públicas, ele representa a coordenação de atribuições diferentes.

Pode dar que pensar, no entanto, a situação de uma consulta externa não solicitada vir ulteriormente a ser pronunciada e em sentido favorável. Justificar-se-á fulminar a deliberação positiva, o acto de licenciamento, com a nulidade se, ao cabo e ao resto, veio a ser suprida a satisfação das atribuições alheias e dos concretos interesses públicos vertidos?

O acto nulo não pode validamente ser ratificado nem convertido, mas já nada obstaria a que o pressuposto objectivo cuja falta importava a nulidade viesse a sobrevir.

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Deve observar-se, no entanto, que a pronúncia externa tempestiva e a pronúncia requerida extemporaneamente para resgatar a deliberação final à previsão da nulidade não se encontram no mesmo plano. O órgão chamado a pronunciar-se decerto não se encontra nas mesmas condições de neutralidade e de objectividade.

O procedimento deve então ser reiniciado, sem prejuízo de poderem ser aproveitados os actos preparatórios que integraram a instrução. Mas é um novo procedimento administrativo e, porque tempus regit actus, haverá de ter lugar a aplicação de novas prescrições legais e regulamentares que possam, entretanto, ter sido aprovadas e entrado em vigor.

Caso seja deferido ura pedido de licença com fundamento em parecer negativo, recusa de aprovação ou de autorização recebidos extemporaneamente, o valor jurídico negativo será o da anulabilidade e não já o da nulidade. Obtidos, vinculam o indeferimento (artigo 24º, n.° 1, alínea c)), mas já não seriam legalmente exigíveis (artigo 68.°, alínea c)). A deliberação seria válida na sua falta.

Expressamente, afirmava-se como regra geral a anulabilidade no anterior regime jurídico das obras particulares (artigo 52.°, n.° 1). Apenas por excepção, a licença de construção seria nula: ou por desconformidade com os pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações, por violação de plano ou acto de efeito equivalente (áreas de desenvolvimento urbano prioritário, áreas de construção prioritária ou áreas sujeitas a operação de loteamento aprovada) ou por preterição da intervenção da Administração Central na aprovação do projecto, em razão do uso previsto — artigo 48.°, n.° 2.

O novo regime mantém a nulidade como excepção (artigo 68.°) e nem a falta de referência à anulabilidade pode fazer perder de vista o alcance do artigo 135.° do CPA.

Por outro lado, vem ajustar-se ó universo dos planos cuja violação acarreta nulidade à reforma introduzida pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.° 380/99, de 22 de Setembro), cingindo a nulidade à violação de plano directamente vinculativo — os planos municipais de ordenamento do território, os planos especiais e as medidas preventivas — uma vez que os planos regionais de ordenamento do território passaram a constituir instrumentos de enquadramento.

Preserva, no entanto, a distinção entre preterições da Administração estadual ou regional relativas ao projecto, relegando para a simples anulabilidade a infracção de parecer ou aprovação determinadas em razão do local.

É certo que este sentido é pouco mais que aparente, pois são os actos legislativos sectoriais que determinam, por sua vez, a nulidade para a maior parte dos casos (domínio público marítimo e fluvial, reserva agrícola nacional — artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 196/89, de 14 de Julho; reserva ecológica nacional — artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 93/90, de 19 de Março), sem esquecer que a violação de plano traz consigo outras tantas hipóteses de preterição das consultas externas em função do lugar.

O enunciado do artigo 68.° conheceu uma importante revisão por via do Decreto-Lei n.° 177/2001, de 4 de Junho, sob impulso da Recomendação n° 10/B/2000, de 10 de Março, do Provedor de Justiça, que apontara a ausência de estipulação por preterição de parecer obrigatório e por desconformidade com parecer vinculativo. Uma inexpressiva violação de plano (excesso de 1 m2 na área de construção) seria mais grave do que a falta de parecer favorável do IPPAR em relação a uma obra executada em imóvel classificado como monumento nacional.

É que não deve esquecer-se que tais preterições representam da parte da câmara municipal e do seu presidente uma invasão de atribuições do Estado, das regiões autónomas ou de institutos públicos, o que, no artigo 133.°, n.° 2, alínea b), do CPA, determina a nulidade.

Se algum excesso ocorre, ele prende-se com a violação de planos. Em primeiro lugar porque nem todas as infracções têm a mesma gravidade para o interesse público. Por exemplo, o excesso de área para estacionamento subterrâneo não é certamente tão lesivo quanto a ultrapassagem das cérceas. Depois, porque a violação do plano pode resultar da violação de conceitos demasiado

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imprecisos, facto que introduz uma elevada margem de incerteza jurídica.Para mais, veja-se que os efeitos putativos do acto nulo dificilmente podem temperar esta

rigidez (artigo 134.°, n.° 3, do CPA) já que se fundam exclusivamente no decurso do tempo, na boa fé e deixam de fora a gravidade da lesão. Limitam-se à protecção da confiança.

A solução mais equilibrada estará porventura em reduzir o campo da nulidade dos actos urbanísticos favoráveis e eliminá-la simplesmente dos actos negativos, do mesmo passo que se estipularia um prazo dilatado para a impugnação contenciosa e para a revogação de actos anuláveis, no direito urbanístico.

Deve observar-se que o artigo 68.° deixa literalmente de fora alguns actos de controlo urbanístico, talvez por não lhes reconhecer definitividade material. É o caso das informações prévias. A estas, pressuposto de outros actos, deve aplicar-se a estatuição da nulidade, por maioria de razão. E nenhuma razão há para afastar — antes pelo contrário — as licenças e autorizações deferidas sucessivamente, isto é, por legalização.

Por último, cremos valer a pena reflectir sobre a aplicação do artigo 68.° a actos de conteúdo negativo. Será nulo o indeferimento de uma licença contra o disposto em plano de urbanização ou por ter preterido uma consulta externa obrigatória e vinculativa?

A resposta é negativa. Desde logo, pelo teor do preceito em análise. A norma refere-se expressamente a licenças e autorizações, o que não pode deixar de traduzir a sua circunscrição a actos positivos.

Por outro lado, teleologicamente não faria sentido. A nulidade, como valor jurídico negativo destes actos, surge como exigência dos interesses públicos em causa — de ordem pública urbanística — e da sua intemporalidade. Não para salvaguarda dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Ora, nessa medida, o indeferimento não pode lesar o interesse público senão remota ou reflexamente. De outro modo, teríamos que reconhecer ao interessado o direito de impugnai-, a todo o tempo, o indeferimento de um pedido de licença ou de autorização, escolhendo o momento mais propício para o fazer, nomeadamente, quando as normas urbanísticas, tomadas superveniente- mente mais restritivas, pudessem ficar à mercê de anteriores indeferi-mentos não impugnados prontamente. Em suma, indeferimento nulo de licenças, autorizações ou informações prévias, só o que resulte do cânone geral (artigo 133.°, n.°* 1 e 2, do CPA e artigo 95°, n.° 2, da Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro).

DIREITOS E DEVERES DE URBANIZAÇÃO E DE EDIFICAÇÃO

Para além dos que resultarem da lei geral, o promotor de uma operação urbanística é sujeito de um vasto conjunto de situações jurídicas activas e passivas que vale a pena procurar sistematizar.

1. OBRIGAÇÕES DE FACERE

a) O promotor de operações urbanísticas tem de cumprir obrigações positivas de publicidade. Não se trata de desenvolver actos da sua esfera privada que devam ser objecto de qualquer espécie de reserva. Pelo contrário, as actividades de urbanização e de edificação pertencem ao âmbito público, por motivo do interesse público que está presente. Só tomando pública a sua iniciativa podem garantir-se os direitos de terceiros potencial ou iminentemente lesados, contribuindo, assim, do mesmo passo, para lograr um maior controlo da legalidade urbanística objectiva.

O decurso do tempo pode levar à consumação da actividade, frustrando o exercício dos direitos de reacção graciosa e contenciosa, em relação a actos de licenciamento e de autorização que, por via de regra, não chegam ao conhecimento de terceiros interessados.

A título preventivo, importa garantir o conhecimento da apreciação do pedido (artigo 12,°) de modo a que, em especial, os vizinhos urbanísticos exerçam os seus direitos procedimentais a conhecerem os elementos instrutórios, designadamente o projecto de arquitectura e confrontá-lo

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com as pertinentes prescrições legais e regulamentares em cuja esfera de protecção tenham cabimento direitos e interesses legítimos.

Importa ficar claro que a decisão final sobre a operação urbanística não foi ainda tomada.Depois, no decurso da execução, é necessário tomar públicas as referências ao alvará da licença

ou da autorização (artigo 78.°, n.° 1). Das duas, uma. Ou a operação urbanística em execução não foi licenciada nem autorizada e, por isso, não exibe a indicação do alvará ou porventura desvia-se dos termos e condições impostos pelo controlo municipal e das demais entidades externas. Só esta referência permite a terceiros (individualmente ou associados) e aos órgãos públicos incumbidos de, por iniciativa própria, fiscalizarem a legalidade urbanística (fiscais e polícias municipais, órgãos do Ministério Público, Inspecção-Geral da Administração do Território, Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, Instituto dos Mercados de Obras Públicas, Particulares e do Imobiliário) obtendo acesso aos documentos em poder dos serviços municipais.

A Portaria n.° 1106/2001, de 18 de Setembro, veio precisamente regulamentar os modelos de avisos cuja afixação é obrigatória no local da operação, com o início do procedimento administrativo. A Portaria n.° 1108/2001, da mesma data, veio, por seu turno, aprovar os modelos de aviso a afixar pelos titulares de alvarás. Estes devem, nos dez dias úteis posteriores à emissão do alvará, afixar o pertinente aviso em local bem visível do exterior e até à conclusão das obras (artigo 78.°, n.° 1). E já depois de concluída a operação, tratando-se de obras de construção, é obrigatório preservar no exterior a identificação dos técnicos autores do projecto e do director técnico da obra (artigo 61.°). O alvará não é plenamente eficaz enquanto o aviso não for afixado, motivo por que os trabalhos só podem ter início depois de cumprida esta formalidade essencial. De outro modo, não se compreenderia a razão de ser do prazo concedido ao titular nem tão-pouco o dever de manter o aviso até à conclusão da obra.

Note-se que o cumprimento deste dever pelo proprietário concorre com o de as autoridades municipais conferirem publicidade oficial ao alvará das Jicenças ou autorizações de loteamento (artigo 78.°, n.° 2) por duas formas cumulativamente — no boletim municipal e num jornal de âmbito local. Na falta de boletim municipal (alínea a)), são lançados editais nos paços do concelho e na sede da junta de freguesia respectiva. Na hipótese de se tratar de operação de Ioteamento com 20 ou mais lotes, a publicação far-se-á em jornal de tiragem nacional. Há outros deveres específicos de publicidade concernentes às operações de Ioteamento, nomeadamente o de fazer referência ao alvará respectivo nos anúncios comerciais para transmissão de lotes ou de fracções autónomas (artigo 49.°, n.° 1, e artigo 98 °, n.° 1, alínea p)). A discussão pública relativa a certas operações de Ioteamento e suas vicissitudes, a processar-se de acordo com o artigo 77.° do Decreto-Lei n.° 380/99, de 22 de Setembro (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial), importa outrossim o cumprimento de deveres específicos de publicidade, sem o que a participação dos interessados não poderá ter o efeito útil desejado.

O cumprimento destes deveres de publicidade ganha importância acrescida se pensarmos que podem determinar o dies a quo dos prazos para impugnação administrativa ou contenciosa, por terceiros, dos actos de licenciamento ou de autorização. Com efeito, estes, em princípio, não serão notificados da deliberação ou do despacho que deferem o pedido de licença ou de autorização. Revelando-se demasiado complexo determinar o momento do início da execução dos trabalhos, até porque alguns deles podem ter início antes mesmo de deferida a licença, é de presumir tomar-se eficaz para terceiros com a publicidade do alvará no local da obra.

A título sancionatório, determina-se no artigo 98.°, n.° 1, alínea i), constituir ilícito de mera ordenação social «a não afixação ou a afixação de forma não visível do exterior do prédio, durante o decurso do procedimento de licenciamento ou autorização, do aviso que publicita o pedido de licenciamento ou autorização». E outro tanto na alínea j) para «a não afixação ou a afixação de forma não visível do exterior do prédio, até à conclusão da obra, do aviso que publicita o alvará». Note-se que este dever é de cumprimento continuado. Não basta ter afixado num dado momento o aviso para logo após o retirar. É imperioso que o aviso esteja permanentemente em local visível,

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cumprindo ao requerente o ónus de o provar. Por conseguinte, se o aviso perecer ou for subtraído por motivo alheio ao requerente este não fica desobrigado de reparar imediatamente a sua falta.

b) Sempre que o promotor se encontre subordinado a deveres de urbanização, naturalmente que o incumprimento tem consequências desfavoráveis. Pode dar-se o caso de a operação se limitar a obras de urbanização, mas, na maior parte dos casos, esta constituem um encargo próprio da operação de loteamento e até, embora excepcionalmente, de certas obras de edificação (artigo 25.°).

Assim, à imagem e semelhança do adjudicante de uma empreitada, o município terá de conferir o cumprimento perfeito dos deveres de urbanização. Não é de estranhar, pois, que à recepção provisória e definitiva das obras de urbanização se aplique subsidiariamente o regime jurídico das empreitadas de obras públicas (por expressa remissão do artigo 87.°, n.° 3).

A prévia vistoria, em que se conferem quantitativa e qualitativamente as obras de urbanização, é obrigatória, por uma comissão em que a câmara municipal se faz representar maioritariamente e em que o promotor tem necessariamente de tomar parte, por si, ou por comissário que o represente (artigo 87º, n.° 2).

O que distingue as duas recepções — provisória e definitiva — é o fim a que se destinam: a primeira, para observar as obras logo que concluídas (artigo 217.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 59/99, de 2 de Março); a segunda, para de novo conferir as obras de urbanização depois de transcorrido o tempo de garantia (artigo 227.°, n.° 1), de modo a apurar se estas «não apresentam deficiências, deteriorações, indícios de ruína ou de falta de solidez». Assiste ao promotor o direito de reparar as deficiências e, bem assim, o de reclamar contra a recusa de recepção.É que, sem a recepção das obras de urbanização o acto permissivo que as habilitava terá caducado (artigo 71.°, n.° 3, alínea d)), a caução depositada não é restituída sem a recepção definitiva (artigo 54.°, n.° 2) e não podem ser celebradas escrituras públicas de primeira transmissão de lotes ou de fracções autónomas de edificações, a menos que a câmara municipal assegure perante o notário a suficiência da caução (artigo 49.°, n.° 2). Tão-pouco podem ser deferidas as licenças ou autorizações relativas às operações urbanísticas subsequentes - edificação e utilização (artigo 24.°, n.° 3, e artigo 31.°, n.° 5, respectivamente) e não pode ser emitido o alvará de autorização de obras de construção situadas em área loteada antes da recepção provisória ou, pelo menos, da exibição de declaração municipal que ateste a suficiência da caução (artigo 57.°, n.° 4).

c) O titular de licença ou de autorização, assim como o administrado que, em tempo, comunicou previamente operação urbanística sem oposição municipal, têm o dever de observar estritamente o projecto de arquitectura, a memória descritiva e os projectos das especialidades a que se auto-vincularam, assim como as condições que tenham sido impostas nas consultas externas ou pelo próprio município com o deferimento.

Os trabalhos desenvolvidos contra a licença ou contra a autorização e os trabalhos a mais ou eventualmente a menos serão tratados como operação parcialmente clandestina, sujeita por isso a responsabilidade contra-ordenacional e às medidas de polícia administrativa que se justifiquem.E se não houver divisibilidade do resultado, toda a obra poderá ficar comprometida pelo facto de o titular da licença ter agido contra ou praeter.

A licença e a autorização constituem o fundamento, mas também o limite para a legalidade da operação. De um certo modo, o particular como que fica obrigado ao princípio da legalidade administrativa, devendo agir em conformidade e não apenas em compatibilidade com os termos e condições da licença ou da autorização.

É certo que o particular pode vir a requerer alterações à licença ou à autorização, mas tem de fazê-lo antes de iniciar as obras ou trabalhos respectivos (artigo 27.°, n.° 1, e artigo 33.°, n.° 1). Algumas alterações, consideradas de menor repercussão urbanística beneficiam de um regime procedimental privilegiado (artigo 21°, n.os 8 e 9).

Aquelas alterações que, por natureza, não extrapolem os limites da comunicação prévia (artigos

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34.° e segs.), essas podem mesmo produzir-se no decurso dos trabalhos, desde que observadas as formalidades e o tempo próprios da comunicação prévia (artigo 83.°, n.° 1) e contanto que não venham a bulir com a apreciação do requerimento para a autorização ou licença de utilização (artigo 83.°, n.° 2).

Depois deste regime apertado, pode parecer um assinalável ponto de fuga a previsão no artigo 83.°, n.° 3, de ampliações ou de alterações admitida no decurso dos trabalhos. Isto, por parecer tratar-se de uma excepção bastante lata ao princípio da precedência das alterações. Contudo, há-de observar-se que a letra deste preceito deixa claro cingir-se a vicissitudes de implantação, o que exclui áreas de construção, volumetrias, cérceas e outras alterações substanciais que a contrario sensu importam um novo licenciamento, sujeito ao enquadramento normativo superveniente. E o facto de se tolerar um procedimento expedito para ampliações e outras alterações da implantação não quer dizer que não possa e não deva haver lugar ao seu indeferimento, na hipótese de violarem qualquer um dos parâmetros que condicionem a implantação (servidões administrativas, alvará de loteamento, regras imperativas sobre afastamento entre as edificações ou sobre segurança contra o risco de incêndio) .

d) O facto de o controlo urbanístico municipal não ser exaustivo nem por isso exime o dono da obra, seu preposto ou comissário de observar as demais normas legais e regulamentares e respeitar os direitos de terceiros (artigo 4.º do RGEU). Na verdade, e porque nem todas as normas legais e regulamentares podem constituir parâmetro para a apreciação dos projectos e para o deferimento das licenças de construção — algumas por serem de direito privado, outras por serem garantidas pelo termo de responsabilidade dos técnicos (artigo 20.°, n.° 8) e outras ainda por exorbitarem das atribuições municipais — é de concluir que o controlo administrativo prévio sobre a generalidade das operações urbanísticas é circunscrito. Nomeadamente, sobre as operações que importem um outro licenciamento, a acrescer ao licenciamento municipal, como é o caso das que sejam executadas na zona de protecção de estradas nacionais, não pode o interessado justificar-se com o facto de ter obtido uma licença ou autorização do município, pois este acto não é universal, no campo urbanístico.

Esta importante disposição, reveladora da natureza jurídica da licença e da autorização como actos jurídico-públicos de controlo, tem um sentido precioso. Uma e outra são actos administrativos permissivos que se limitam a remover um impedimento de ordem pública ao desenvolvimento de uma actividade e à concretização de um certo resultado

Assim, no artigo 4.° do RGEU, por um lado, afirma-se a inoponibilidade da licença urbanística a terceiros para o efeito de dirimir conflitos emergentes de relações de direito privado. Em segundo lugar, mostra-se bem que a licença não obriga o interessado a agir desta ou de outra forma, sabendo que com o seu comportamento vai produzir lesão nos direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros. Por conseguinte, de nada lhe vale escudar-se na licença ou na autorização para imputar sobre o município eventuais danos a que a operação urbanística dê lugar. A licença e a autorização permitem mas não obrigam. De modo algum podem ser qualificadas como actos injuntivos, salvo quando sejam unilateralmente impostas condições (artigo 57.°, n.° 1) pela autoridade municipal ou pelas intervenções procedimentais externas vinculativas.

No mais, os municípios não podem ter a seu cargo um dever de vigilância sobre o cumprimento das disposições legais e regulamentares próprias capaz de transpor para a sua esfera uma presunção de culpa in vigilando análoga à do artigo 491.° do Código Civil para aqueles que tenham uma especial incumbência de vigiar pessoas naturalmente incapazes.

Diferente é a situação de o órgão municipal competente ter deixado de indeferir certo e determinado pedido, por se mostrar contrário a uma norma aplicável. Aqui, podem e devem ser-lhe imputados prejuízos a título de responsabilidade civil extracontratual por omissão, tratando-se de um poder tendencialmente vinculado (artigo 486.° do Código Civil), mas ainda assim sem embargo da concorrência de imputação do dano ao dono da obra e aos técnicos responsáveis, pois não se vê

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como possa a omissão interromper o nexo causal nem a imputação objectiva.Diferente é ainda a situação das condições impostas unilateralmente pela câmara municipal

(artigos 43.° e 44.° para as operações de loteamento, artigo 53.°, n.° 1, alínea a), para as obras de urbanização, artigo 57.°, n.° 1, para as obras de edificação — por sua iniciativa ou, enunciadas nos pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações externos).

Repare-se que, no caso das obras de edificação, esta faculdade é relativamente circunscrita — à licença ou autorização das obras de construção, de ampliação ou de alteração em área abrangida ou não por operação de loteamento ou por plano de pormenor qualificado (artigo 4.°, n.° 2, alínea c), e n.° 3, alínea c)), das obras de reconstrução, todas elas artigo 4º , nº 2, alínea d), e n.° 3, alínea d)), das obras de demolição, sem mais, todas elas (artigo 4.°, n ° 3, alínea e)) das obras de alteração <te edifícios classificados ou em vias de classificação (artigo 4.°, n.° 2, alínea d)). Só nestes casos, podem as câmaras municipais impor condições à execução dos trabalhos.

A ilicitude e a culpa por imposição de condições abusivas, ou da sua falta de acordo com deveres de boa administração (artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 48.051, de 21 de Novembro de 1967) podem constituir o município no dever de indemnizar terceiros, mas sem esquecer que o requerente as aceitou ao requerer a emissão do alvará.

Repare-se que a câmara municipal tem ainda acrescidas limitações dispositivas ao nível das condições de segurança para a circulação na via pública. A câmara municipal não pode livremente estipular condições. Pode apenas indeferir as propostas apresentadas pelo requerente e desde que estribada em violação de preceito legal e regulamentar (artigo 57°, n.°. 2). Por seu turno, no caso de actos formados tacitamente, as condições a impor em obras de edificação limitam-se às da iniciativa do interessado (artigo 57º, n.° 3).

e) A conservação do livro de obra (artigo 97.°) é um dos deveres formais que recai sobre o titular do alvará. Formal porque constitui ura dever de mera actividade: o preenchimento regular e sistemático do livro de obra § a sua permanente acessibilidade, no local da obra, para consulta pelos serviços de fiscalização. Este dever recai, bem assim, sobre o director técnico da obra, nos termos que já puderam ser passados em revista supra. O dever de presença regular do director técnico da obra (artigo 71°, n.° 4, alínea b)) constitui garantia da conservação do livro de obra. Assim, não é possível opor a ausência do director como motivo para explicar a falta do livro de obra, o seu inexacto ou atrasado preenchimento.

Para além da responsabilidade contra-ordenacional (artigo 98°, n.° 1, alíneas l) e m)) o livro de obra e o incumprimento ou o cumprimento imperfeito e intempestivo do seu preenchimento têm consequências desfavoráveis para o dono da obra, na medida em que abona no sentido da presunção de abandono da obra, para efeito de caducidade das licenças ou autorizações. Com efeito, um dos motivos de caducidade é, de acordo com o disposto no artigo 71.°, n.° 3, alínea c), o abandono da obra por período superior a seis meses. O ónus da prova recai sobre o órgão de con-trolo, mas inverte-se na hipótese de o livro de obra se mostrar omisso quanto ao motivo justificativo da suspensão dos trabalhos. Quer isto dizer que o que não estiver registado no livro não é oponível ao município quando se trate de declarar a caducidade da licença ou da autorização.

f) Outro importantíssimo conjunto de deveres é o que resulta das necessidades de segurança, higiene e saúde no trabalho em estaleiros de construção. Transpondo a Directiva n.° 92/57/CEE, de 24 de Junho,o Decreto-Lei n.° 273/2003, de 29 de Outubro, veio estabelecer o dever de apresentação de um projecto de saúde e segurança nos estaleiros (artigo 5.°) o qual deve conter especificações agravadas no caso de trabalhos de construção civil ou de obras públicas que compreendam algum dos riscos especiais enunciados no artigo 7.° Na falta de regulamento de execução, mantêm-se em vigor transitoriamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.° 41 821, de 11 de Agosto de 1958, e a Portaria n.° 101/96, de 3 de Abril.

Por seu turno, continua a aplicar-se, neste domínio o Regulamento Geral das Edificações

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Urbanas (artigos 135.° e segs.). As suas normas disciplinam ainda a segurança para terceiros exteriores à obra, nomeadamente, transeuntes, relevando também o Decreto Regulamentar n.° 22-A/98, de 1 de Outubro, que contém normas de sinalização temporária de obras e obstáculos na via pública.

g) A limpeza da área sujeita à intervenção do promotor de uma operação urbanística, a começar pela remoção dos entulhos (artigo 86.°, n.° 1) é frequentemente deixada por levar a cabo e em pouco tempo se dilui a imputação entre o dono da obra, o empreiteiro, os subempreiteiros | os adquirentes. O dano é para o interesse público na salubridade e na estética urbana, especialmente, para os moradores das imediações, depois de, não raras vezes, terem tido de suportar com elevado sacrifício o decurso dos trabalhos, o ruído e a incomodidade de poeiras, condicionamentos do trânsito e presença continuada de estaleiros. Daí, a imposição do dever de repor os terrenos circundantes no estado em que se encontravam.

Este dever estende-se à reparação dos estragos produzidos em infra-estruturas públicas, tais como as redes de saneamento, os pavimentos, a iluminação pública — bens do domínio público ou do domínio privado das pessoas colectivas públicas, cuja exploração se encontre concessionada ou não. Mas não mais. A imposição pela câmara municipal deste dever de reparação só pode admitir-se em nome da prevalência do interesse público, fundamento da auto-tutela declarativa e executiva da Administração Pública. A definição unilateral deste dever de reparação, imparcial mas não neutralmente — sem prejuízo da ulterior garantia de impugnação — tem de conter-se à presença de um interesse público concreto ou, de outro modo, limitar-se-ia à composição de um conflito de interesses, ao fim da paz social, invadindo a reserva constitucional da jurisdição aos tribunais, como já houve oportunidade de referir supra.

O incumprimento deste dever tem como sanção compulsória uma série de impedimentos que inviabilizam o aproveitamento da actividade da operação urbanística: o resultado. Assim, e de acordo com o artigo 86.°, n.° 2, o não cumprimento destes deveres acessórios impede o deferimento da licença ou autorização de utilização, como impede, no caso de obras de urbanização, a sua recepção definitiva. Por outro lado, constitui infracção contra-ordenacional punida com coima (artigo 98. n.° 1, alínea n)).

2. OBRIGAÇÕES DE PATIENDI

Em primeiro lugar, o promotor e os seus comissários têm o dever de submeter as operações urbanísticas em curso à fiscalização municipal — pelas polícias municipais ou por funcionários de inspecção — actividade que a lei permite conceder a empresas privadas, nos termos a regulamentar (artigo 94.°, n.° 6). É duvidosa a conformidade constitucional deste meio de privatização de serviços de polícia administrativa, compreendendo o exercício de poderes de autoridade. Falta a tais unidades privadas o dever de obediência sem o que se perde a unidade da Administração Pública e faltam-lhes funcionários ou agentes sujeitos ao estatuto da função pública, particularmente restritivo, no campo disciplinar e na salvaguarda da isenção e imparcialidade.

A fiscalização, de acordo cora o artigo 93.°, n.° 2, obedece a dois propósitos — um de garantia da legalidade, observando o cumprimento dos termos da licença ou da autorização na actividade desenvolvida; outro de garantia imediata do interesse público, no sentido de «prevenir perigos que da sua realização possam resultar para a saúde e segurança das pessoas».

A fiscalização é operada por consulta ao livro de obra (artigo 97.°, n.° 1) por inspecções executadas oficiosamente, sob denúncia ou participação I sem aviso prévio (artigo 95.°, n.° 1) ou por vistorias, as quais reclamam a aplicação de conhecimentos específicos de engenharia ou de arquitectura, por exemplo, mediante aviso do interessado (n.° 2) o qual dispõe da faculdade de designar um vogal para a comissão ad hoc, juntamente com os três técnicos a designar pela câmara municipal (n.° 1) e da faculdade de formular quesitos (n.° 3) cuja resposta há-de constar do auto.

Da fiscalização poderá vir a resultar a aplicação de medidas de polícia urbanística, seja com base

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num perigo abstracto — indiciado por facto ilícito — seja com base num perigo concreto, como no caso de ruína iminente ou grave perigo para a segurança e saúde públicas.

3. SUJEIÇÕES

O titular de um direito ou de um interesse legalmente protegido por licença, autorização, dispensa ou comunicação prévia não obstada beneficia, como é próprio de um Estado de direito, de garantias de alguma estabilidade e confiança. E é neste pressuposto que contrairá encargos, fará despesas e contará com os lucros do investimento promovido.

Todavia, tais situações jurídicas podem sofrer vicissitudes determinadas, antes de mais, pelo princípio da legalidade administrativa. Se está interdita a revogação por mérito ou por conveniência, já a revogação de actos ilegais pode ter lugar, nos termos próprios da revogação de actos consti-tutivos de direitos (artigo 73.°, n.° 1).

Remete-se, pois, para o disposto no artigo 141.° do CPA, que deve ser hoje entendido como remissão, por sua vez, para o prazo de propositura da acção administrativa especial. Prazo mais dilatado (artigo 141.°, n.° 2) que é o de um ano (para o Ministério Público) de acordo com o artigo 58.°, n.° 2, alínea a) do CPTA.

Há uma excepção, porém, de acordo com o artigo 73.º, n.° 2, do RJUE — a licença ou autorização não cumpridas pelo seu titular e que, por esse motivo, tenham visto suspensa a eficácia com o embargo dos trabalhos, podem ser revogadas até seis meses depois de esgotado o prazo concedido, nos termos do artigo 105.°, n.° 1, para execução de trabalhos de correcção ou de alteração.

Sem margem para dúvidas, a revogação deve ser fundamentada (aitigo 124.°, n.° 1, alínea e), do CPA) e precedida por audiência dos interessados (artigo 100.°, n.° 1).

O titular de licença ou de autorização pode ainda ver o acto atingido por anulação contenciosa, por declaração de nulidade, de inexistência ou de caducidade.

4. ÓNUS

A promoção de operações urbanísticas comporta vários ónus para o interessado, a começar pela necessidade de sujeitar a actividade e o resultado a um controlo administrativo específico — a licença ou autorização da generalidade das operações, sem o que não pode executar os trabalhos nem obter a licença ou autorização de utilização, para além da recepção, no caso das obras de urbanização.

No seu interesse, como contrapartida de uma actividade que é relativamente condicionada, o interessado tem, pois, o ónus de especificar no requerimento inicial, nos projectos e termos de responsabilidade, aquilo que pretende levar a cabo.

Obtida a licença ou a autorização, o particular terá de pagar as pertinentes taxas urbanísticas, a calcular pelo presidente da câmara municipal (artigo 117.°, n.° 1) pois. de outro modo, ser-lhe-á recusada a emissão do alvará, o qual é, por seu turno, condição de eficácia de licença ou da auto-rização (artigo 74.°, n.° 2).

Para além das taxas de natureza emolumentar, como são as devidas pelo processamento do alvará (artigo 6.°, alínea b), da Lei n.° 53-E/2006, de 29 de Dezembro), avulta a taxa por realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas (artigo 6.°, alínea a)).

Embora a generalidade das obras de edificação não importe trabalhos de urbanização, o certo é que a actividade edificatória e o seu resultado terão decerto um impacte nas infra-estruturas urbanísticas que servem o local: rede de esgotos, rede de abastecimento de água, arruamentos, preservação das zonas verdes circundantes, equipamentos colectivos.

É justo, por conseguinte, que o interessado participe nos custos adicionais que o município terá de enfrentar com o acréscimo da concentração de pessoas e bens. Mas o que garante a sua consignação a este fim?

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As taxas urbanísticas nada possuem que as diferencie das demais taxas e, por conseguinte, compreendem um nexo sinalagmático entre a utilidade proporcionada pelo órgão ou serviço público e a despesa liquidada.

Não podem ser desviadas deste seu fim e natureza, por exemplo, para objectivos compulsórios, de prevenção ou sancionatórios. Nem muito menos podem esconder verdadeiros impostos, cuja criação se encontra reservada ao legislador (artigo 103.°, n.° 3, da Constituição). Neste sentido, pronunciou-se o Provedor de Justiça, ao recomendar a seis municípios que alterassem as respectivas normas regulamentares de taxas na parte em que previam agravamentos para o caso de legalização de operações urbanísticas. Isto, depois de sublinhar que a sanção, essa, há-de resultar da aplicação de coima e de eventual sanção acessória, mas não da taxa. Esta tem de ser, por natureza, igual à taxa a liquidar no licenciamento ou na autorização, pois o que o procedimento pesa na actividade administrativa do município não é certamente mais do que o seria a priori.

No que toca 1 consignação das receitas ao reforço de infra-estruturas, o legislador procurou, de certo modo, estabelecer uma garantia através de um específico dever de fundamentação dos projectos de regulamentos das taxas pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas. Assim, no artigo 116.º, n.° 5, impõe-se que o projecto regulamentar seja acompanhado dos critérios de cálculo, considerando «o programa plurianual de investimentos municipais na execução, manutenção e reforço das infra-estruturas gerais, que pode ser definido por áreas geográficas diferenciadas» e a «diferenciação das taxas aplicáveis em função dos usos e tipologias das edificações e, eventualmente, da respectiva localização e correspondentes infra-estruturas locais».

No mais, já em outros pontos, foram tratados os ónus específicos a que podem subordinar-se as operações de loteamento urbano (cedências, afectação de espaços ao uso colectivo ou compensações e obras de urbanização) como também as obrigações de facere que podem condicionar o licenciamento de obras de edificação, seja por comportarem uma sobrecarga excessiva para as infra-estruturas ou para os serviços gerais existentes (ou que impliquem, mesmo, a sua criação) seja por carecerem de trabalhos de correcção ou alteração de ordem estética na área envolvente (artigo 25.°, n.° 1).

Estas condições, note-se, seriam excessivas se fossem cumuladas com o pagamento de taxas pelo mesmo valor. Por isso, o requerente beneficiará justamente de uma redução proporcional no valor das taxas a liquidar, de acordo com o que for definido em regulamento municipal (artigo 25®, n.° 3). Na falta deste regulamento, porque a norma se mostra inexequível por si mesma, o interessado poderá reclamar do município a restituição do locupletamente indevido, quanto mais não seja, invocando o enriquecimento sem causa.

5. DIREITOS

a) de informação

A informação urbanística ao dispor dos particulares é especialmente contingente, motivo por que se mostra de extrema importância assegurar que, sob iniciativa dos interessados, lhes seja dado a conhecer tudo o que têm direito a saber, quer enquanto titulares de direitos e interesses privados, nomeadamente, sobre o aproveitamento edifica- tório dos imóveis que possuam, quer a título de participação política e administrativa, no exercício da acção procedimental administrativa (Lei n.° 83/95, de 31 de Agosto) ou de outros direitos de informação. A informação é condição da participação política e administrativa, é condição de acesso aos tribunais e a outros meios de defesa dos direitos e é condição de convergência entre o interesse público e os interesses legítimos dos particulares — convergência essa que podemos designar como interesse geral.

As razões do défice informativo em desfavor dos particulares são plúrimas: desde a volatilidade dos instrumentos de gestão territorial, das leis e regulamentos aplicáveis à elevada complexidade técnica das suas disposições, passando pelas questões suscitadas na consulta de peças desenhadas ou cartografadas — nem sempre em escalas legíveis.

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Para obviar a muitos destes inconvenientes, o RJUE determina no artigo 119.°, n.° 1, o dever de os municípios inventariarem e manterem actualizada uma relação «dos instrumentos de gestão territorial e restrições de utilidade pública especialmente aplicáveis na área do município». Por outro lado, encontra-se incumbido o Govemo de fazer publicar a relação das disposições legais e regulamentares a observar pelos técnicos responsáveis dos projectos de obras e sua execução (artigo 123.°). Trata-se, em ambos os casos, de informação que deve partir da iniciativa pública ao encontro dos possíveis interessados.

No artigo 110.°, n.° 1, alínea a), do RJUE, encontra-se previsto um direito genérico de informação que assiste a qualquer interessado — o de ser informado pelas câmaras municipais «sobre os instrumentos de desenvolvimento e planeamento territorial em vigor para determinada área do município, bem como as demais condições gerais a que devem obedecer as operações urbanísticas». Seja o promotor de uma operação seja o opositor, ambos têm o direito de conhecer as condições gerais e abstractas que limitam o aproveitamento urbanístico num preciso local do território. Se dúvidas houvesse quanto à extensão do conceito de interessado, para este efeito, seriam dissipadas pelo n.° 6 — basta a invocação de um interesse legítimo no conhecimento dos elementos (a condição de proximidade, de vizinho urbanístico) bastando, para a defesa dos interesses difusos enunciados no artigo 52.°, n.° 3, da Constituição, fazer prova da qualidade de eleitor ou do objecto da associação representada, como associação de promoção e defesa de tais interesses. Em qualquer caso, o interesse terá de ser legítimo, ou seja, não contrário à boa fé. Ficam afastados os interesses com- provadamente abusivos, contrários à própria razão de ser do direito em questão — um direito acessório ou instrumental para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos. Assim, a Administração Pública tem de encontrar-se defendida contra requerimentos meramente dilatórios ou desprovidos de sentido útil, como contra reiterados pedidos de informação sobre um determinado expediente que não sofreu evolução alguma. Não é de excluir que durante os quinze dias de que dispõe para informar — contados de acordo com o artigo 72°, n.° 1, do CPA — o serviço se recuse a atender a outros pedidos de informação idênticos, remetendo para a informação a editar.

Esta informação é de natureza anteprocedimental ou extra-procedimental e, por conseguinte, não deve confundir-se com a informação requerida sobre elementos do processo instrutor, uma vez iniciado o procedimento administrativo. Aqui dispõe o mesmo artigo 110.°, n.° 1, na sua alínea b) — «sobre o estado e andamento dos processos que lhes digam directamente respeito, com especificação dos actos já praticados e do respectivo conteúdo e daqueles que ainda devam sê-lo, bem como dos prazos aplicáveis a estes últimos». Tal informação é especialmente qualificada na forma, pois o n.° 3 prevê o direito a obter cópias de documentos e certidões, o que já decorria porém da lei geral. O prazo para prestar a informação requerida — quinze dias (n.° 2) é mais dilatado do que o prazo comum do Código do Procedimento Administrativo, mas não para obtenção de certi-dões ou simples reprodução de documentos (dez dias, de acordo com o n.° 4). Vale aqui naturalmente o disposto na Lei sobre Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.° 65/93, de 26 de Agosto) e o acesso à Comissão instituída para o efeito, como autoridade administrativa indepen-dente na órbita da Assembleia da República.

Certidões e fotocópias de documentos administrativos devem ser pagas, o que não constitui uma excepção ao princípio da gratituidade, sem prejuízo da isenção total ou parcial por comprovada insuficiência económica do interessado (artigo 11.°, n.° 2, do CPA), pois este princípio reporta-se à actividade administrativa corrente desenvolvida estrita e directamente no interesse público. A emissão de certidões ou a reprodução de documentos na posse dos serviços tem um custo para o erário público que é justo seja o interessado a suportar e, como tal, o despacho n.° 8.617/2002, de 3 de Maio, fixa os valores a pagar, a título de preço administrativo, o que não serve senão de indicador para cada um dos municípios.

Pelas informações prestadas podem os municípios vir a responder civilmente, de acordo com o artigo 485.°, n.° 2, do Código Civil, não afastado pelo regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública. Isto, porque os seus órgãos têm o dever específico de

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prestar a informação. Já não por conselhos ou recomendações dos funcionários ou agentes que o administrado siga, pois o dever de garantia resultante do artigo 110.°, n.° 1, cinge-se à informação. Todavia, mister é que a informação cujo teor erróneo lesou o administrado tenha sido obtida por escrito (artigo 7.°, n.° 2, do CPA).

b) da informação prévia, em especial

Bem diferente é a informação prévia regulada nos artigos 14.° e segs. do RJUE, especialmente quando favorável. Não se limita a uma natureza informativa, antes possui natureza constitutiva, pois faculta ao requerente um interesse legalmente protegido num determinado aproveitamento urbanístico do lote ou da parcela que se encontra na sua posse. Já não se trata de uma informação genérica que revela as limitações positivas ou negativas impostas para um dado local. Ao invés, vem definir pela positiva um determinado gozo do imóvel. A sua extensão varia em consonância com o pedido apresentado pelo requerente: quanto mais especificado for o pedido de informação prévia, maior a vinculação dos órgãos de controlo urbanístico na apreciação de um pedido de licença ou de autorização que vier a ser apresentado em conformidade, no prazo de um ano (218).

A informação prévia parece preencher o conceito legal de acto administrativo: decisão ou deliberação por aplicação de normas de direito público visando produzir efeitos numa situação individual e concreta (artigo 120.° do CPA). É certo que não se trata de um acto materialmente definitivo, pois a informação prévia esgota-se enquanto pressuposto de um outro procedimento administrativo. Por si, não permite ao interessado desenvolver a operação urbanística. Investe-o, isso sim, no interesse legalmente protegido a não ver indeferido um pedido de licença ou de autorização, salvo por desconformidade com o teor da informação prévia.

Desta sorte, a revogação de uma informação prévia positiva só pode ter lugar por invalidade, na falta de anuência do interessado. Deve ser fundamentada e precedida da audiência dos interessados, como é próprio dos actos constitutivos de direitos e de interesses legalmente protegidos.

(218) Contado a partir do momento em que se toma eficaz perante o requerente, ou seja, por negra, com a notificação deste. Se porventura a notificação deste não se mostrar possível, deve o órgão municipal valer-se das demais formas de publicidade previstas no Código do Procedimento Administrativo: afixação de editais ou sua publicação no boletim oficial do município. De outro modo, o requerente poderia encontrar vantagem abusiva no decurso do tempo, antes da informação prévia se tomar eficaz. Acrescem ainda as causas de extinção do procedimento administrativo por caducidade — deserção, inutilidade superveniente ou não pagamento de taxas ou despesas por liquidar (artigos 111 .º e segs. do CPA).

Ao interessado, a informação prévia favorável concede-lhe, pelo menos, cinco vantagens:

i) poupa-o a despesas desaproveitadas, pois ao conhecer da viabilidade da operação, adquire confiança legítima no resultado dos custos com a instrução do pedido (projecto de arquitectura, levantamentos topográficos, estudos de viabilidade económica), uma vez que a informação prévia favorável vincula o município durante um ano (artigo 17.°, n.° 1) na maior ou menor extensão do requerimento e das especificações urbanísticas e construtivas nele enunciadas (artigo 14.°, n.° 2), seja contra vicissitudes dos planos, seja contra diferentes apreciações de base autónoma (discricionariedade, qualificação segundo conceitos indeterminados);

ii) antecipa as consultas externas, previstas nos artigos 19°e 37.°, no todo ou em parte (artigo 17.°, n.° 2);

iii) reduz para metade os prazos para decisão/deliberação no procedimento de licença ou de autorização (artigo 17.°, n.° 3);

iv) exclui a operação da suspensão obrigatória do deferimento de licenças e autorizações por ocasião da discussão pública das iniciativas de revisão dos planos directamente vinculativos dos

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particulares (artigo 13.° e artigo 17.°, n.° 4);v) permite-lhe antecipar o início dos trabalhos preliminares de demolição, escavação e contenção

periférica, logo que ultrapassada positivamente a fase do saneamento do pedido de licença ou de autorização da operação urbanística (artigo 81.°, n.° 1).c) de decisãoO direito a obter uma decisão, positiva ou negativa, em tempo razoável resulta do direito

administrativo geral, nomeadamente do disposto no artigo 9°, n.° 1, do CPA, mas aàquire especial notoriedade no direito da urbanização e da edificação — seja no requerimento de uma licença ou de uma autorização, no pedido de informação prévia ou na prolacção de um parecer obrigatório.

O atraso injustificado constitui um pesado sacrifício para o promotor que, estando em condições de iniciar o aproveitamento urbanístico de um bem que lhe pertence ou que, pelo menos, possui, se vê confrontado com uma restrição efectiva na liberdade de empreender que o artigo 61.°, n.° 1, da Constituição, protege. São investimentos cada vez mais tardiamente amortizados, são encargos assumidos na preparação dos projectos e na angariação de meios destinados a levar a bom porto a operação cuja licença ou autorização foram diligentemente requeridas. A margem ficam pois as situações, não raras também, de os proverbiais atrasos na instrução procedimental se deverem a insuficiências imputáveis ao próprio requerente e aos técnicos responsáveis, seus prepostos ou comitidos.

E, por outro lado, a função social desses mesmos bens que pode ver-se comprometida, seja para prover ao direito a uma habitação condigna (artigo 65.º, n.° 1, da Constituição), seja para defender imóveis de relevante interesse cultural (artigo 78.°, n.° 1). A extemporaneidade arbitrária das decisões — finais ou intercalares — desvirtua as condições de livre concorrência, favorece quebras da imparcialidade administrativa e pode justificar a obrigação pública de reparar prejuízos, recaindo sobre as finanças públicas e sobre os contribuintes, em geral.

No mais, a inércia do órgão no exercício da sua competência é contrária ao princípio da prossecução eficiente do interesse público (artigos 266.® e 267.° da Constituição), até porque as operações urbanísticas, muito em particular, as obras de urbanização e todas as que contribuam para a recuperação, para a reconversão ou para a reabilitação do património edificado constituem formas de execução dos instrumentos de gestão territorial. As actividades de urbanização e de edificação não são apenas manifestações da liberdade dos seus promotores. Representam a con-vergência com o interesse público endereçado pelos poderes públicos aos programas de gestão do território.

Ao longo dos sucessivos regimes jurídicos, diferentes foram as soluções encontradas pelo legislador no sentido de obtemperar a demora dos órgãos e serviços competentes, divisando-se, no essencial, duas perspectivas. A primeira, de protecção primordial do interesse público, garantindo embora o acesso dos interessados à jurisdição, levou a presumir o indeferimento tácito do silêncio administrativo, criando destarte o pressuposto processual necessário à intervenção dos tribunais administrativos, segundo o modelo tradicional. A segunda, de feição subjectivista, preocupada sobretudo com o requerente — o deferimento tácito — permitindo-lhe tomar a inércia do órgão competente como título bastante para remover os impedimentos legais e regulamentares ao início dos trabalhos.

O Decreto-Lei n.° 166/70, de 15 de Abril, optaria marcadamente por privilegiar esta última, logrando porém um resultado indesejado e que veio a assumir proporções alarmantes. Assim, no artigo 13° determinava-se a presunção de deferimento tácito após 45 dias para a autorização de localização (artigo 12°, n.° 1, alínea a)), de 60 dias para o licenciamento de novas edificações, reconstruções, ampliações ou alterações estruturais (alínea b)), acrescidos de mais trinta, no caso de edificações de carácter industrial ou de utilização colectiva (alínea c)) e 30 dias, no mais (alínea d)).

E como pudesse o deferimento tácito, por si, não permitir o início dos trabalhos — sem a emissão do alvará — proibia-se a sua recusa, desde que liquidadas as taxas devidas (artigo 13°, n.° 2).

Em contraste com a regra geral do artigo 346.°, § 1 °, do Código Administrativo, o direito de

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edificação constituía uma opção singular pelo valor positivo da inércia, de par com o direito dos loteamentos (artigo 2.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 46.673).

Desde logo se suscitou a questão de saber se — produzido o efeito de deferimento tácito — poderia o órgão competente emendar a mão, revogando-o ou modificando-o. Como dá conta JOSÉ OSVALDO GOMES, tudo está em saber se o efeito tácito consiste num verdadeiro e próprio acto administrativo (MARCELLO CAETANO) ou simplesmente um pressuposto processual necessário para um modelo de contencioso administrativo de tipo francês — de controlo feito a um acto (ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA).

Parece evidente que o deferimento tácito não serviria apenas os propósitos de uma ficção processual. Permitia dar início à execução das obras particulares consignadas no projecto de arquitectura apresentado. Trata-se, sem dúvida, de um acto constitutivo de direitos, mas que nem por isso deixa de poder ser revogado, declarado nulo ou caducado, reformado, ratificado ou convertido, nos termos gerais. Como nem por isso deixa de poder ser impugnado graciosa ou contenciosamente por terceiros ou pelo Ministério Público.

A progressão de deferimentos tácitos contrários à lei, lesivos do interesse público e prejudicando terceiros, justificou preocupações da parte das associações de defesa do ambiente e do património cultural. Ao silêncio da Administração Pública vinha juntar-se o silêncio do requerente, de modo a que a irrevogabilidade e a inimpugnabilidade de licenças anuláveis consolidassem firmemente a sua posição. E isto, tanto mais, recorde-se, quanto a nulidade como valor jurídico negativo, surgia como uma excepção raríssima. Adquiriria um valor inestimável a tese sustentada pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, e seguida maiorita-riamente pela jurisprudência, de tratar o licenciamento de construções desconformes com a regra de uma operação de loteamento enquanto preterição de uma formalidade essencial fulminada expressamente pela nulidade — o parecer obrigatório da Direcção-Geral dos Serviços de Urbani-zação e, mais tarde, das comissões de coordenação regional para introduzir modificações às especificações do alvará de loteamento.

Já o Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro (artigos 61.° e 62.°), e o Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro (artigos 67.° e 68.°), revelariam uma tímida preocupação com o excesso garantístico a que se tinha chegado, com resultados à vista na paisagem e com o efeito, não menos pernicioso, de gerar um crescente sentimento colectivo de impunidade por infracção à disciplina pública da actividade edificatória. Mas, por outro lado, reforçava-se a posição do requerente, habilitando-o com um específico instrumento contencioso destinado a obter a intimação do órgão para emitir o alvará. Outro tanto valia para os pareceres, autorizações e aprovações interadministrativos (artigos 35.°, n.° 7, e 12.°, n.° 8, respectivamente).

Aparentemente, o Código do Procedimento Administrativo, entrado em vigor a 15-05-1992, viera erigir o deferimento tácito em efeito paradigmático do decurso do tempo sem decisão ou deliberação do órgão competente (artigo 108.°, n.os 1 e 3). Mas só aparentemente, pois o enunciado taxativo das previsões de deferimento tácito (artigo 108.°, n.° 3) faz com que, por princípio, o efeito do silêncio seja o de presumir-se o indeferimento tácito (artigo 109.°, n.° 1).

De modo muito imperfeito, aquele enunciado reportava-se, é certo, ao licenciamento de obras particulares (alínea a)) e a alvarás de loteamento (alínea b)).

Embora, hoje, com a reforma do contencioso administrativo, tenda a relativizar-se o papel do indeferimento tácito perante a faculdade de os tribunais condenarem na prática de acto devido (artigos 66.° e segs. do CPTA) — consumindo a anulação do indeferimento tácito — o certo é que este instituto continua a relevar no mundo da impugnação graciosa, nomeadamente para efeitos de recurso hierárquico, e principalmente, para efeito de aquilatar da licitude ou ilicitude da actividade desenvolvida pelo administrado, requerida licença e transcorrido o prazo legal ou regulamentar. O particular, embora tenha hoje uma arma muito mais eficaz para prontamente obter uma decisão administrativa, continua a ter de presumir como indeferida a sua pretensão, pelo menos até que o tribunal administrativo se pronuncie.

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Com o RJUE, a intimação para a emissão de alvará viria a dar lugar a uma acção administrativa especial para a condenação na prática de acto devido. Deixa de presumir-se o deferimento do pedido de licença para apenas se ficcionar um pressuposto objectivo necessário da intervenção dos tribunais administratívos (artigo 112º). O particular vê alargada em extensão a sua garantia — pode requerer ao tribunal administrativo e fiscal, não apenas a intimação para a deliberação final ou para a emissão do alvará (artigo 62.°, n.° 1, do anterior regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro), como também para requerer a condenação do órgão municipal na prática de outros actos devidos no procedimento, designadamente a aprovação do projecto de arquitectura (artigo 112.°, n.os 1 e 10, do RJUE).

Mas o tribunal não tem de presumir o deferimento. E aqui reside uma inovação fundamental. Ao invés, o tribunal estipulará um termo certo para que o órgão competente decida ou delibere (artigo 112.°, n.° 6) e só depois de esgotado este tempo pode o interessado prevalecer-se da presunção de deferimento tácito e beneficiar dos meios consagrados no artigo 113.°

Já para o caso das autorizações, se a presunção pode parecer imediata (artigo 113.°, n.° 1) ela não deixa de passar pelo reconhecimento judicial.Ao cabo e ao resto, só depois de liquidado o pagamento das taxas (art. 113º/2) e obtido alvará ou decisão judicial de efeito equivalente (artigo 113.°, n.° 5) é que o interessado pode dar início aos trabalhos.

Como tal, e porque a nulidade e a caducidade são de conhecimento oficioso, o tribunal não deixará de proceder a um controlo mínimo, mas muito significativo, dado o peso da nulidade entre os valores jurídicos negativos da licença ou autorização inválidas (artigo 68.°). Controlo esse que os tribunais administrativos não enjeitaram, mesmo ainda na vigência do direito anterior. Não já da anulabilidade, como se deliberou no Acórdão do STA (2.ª Sub.), de 11-02-2003. Acresce que a intervenção do Ministério Público justifica-se aqui de modo especial,para justamente arguir a possível nulidade, caducidade ou mesmo inexistência, persuadindo o tribunal a não conceder provimento ao requerimento.

Do mesmo modo, o tribunal — para decidir — poderá ser confrontado com a excepção ao dever de decisão por pronúncia com menos de dois anos (artigo 9.°, n.° 2, do Embora não possa ser dado como nulo o deferimento tácito presumido contra o citado preceito, o certo é que ele não existe juridicamente sequer, pois é requisito de qualificação de q todo e qualquer acto tácito o concreto dever de decidir.

Eis uma das razões que justificaram, em boa hora, a alteração introduzida ao disposto no artigo 31.° do RJUE, de modo a estender o rol dos motivos de indeferimento dos pedidos de autorização. Não pudesse a autorização ser indeferida — como na versão originária — salvo em casos de manifesta ilegalidade, outro tanto sucederia com o controlo jurisdicional sobre a formação do deferimento tácito.

Uma das dificuldades de maior monta com que os promotores se defrontavam na vigência do anterior regime jurídico era a do requisito da prévia liquidação das taxas (artigo 62.°, n.° 2, do RJLMOP). Deixando por desobstruir o cálculo das taxas devidas, a câmara municipal encontrava um expediente simples para contornar os efeitos do seu anterior atraso e, assim, ganhar ou recuperar o tempo perdido. Com o RJUE, prevê-se o depósito de caução para a circunstância de a câmara municipal se recusar a receber o pagamento das taxas (artigo 113.º, n.º 3).

Já os demais deferimentos tácitos constituem-se e são oponíveis a terceiros sem necessidade da intervenção contenciosa (artigo 111.°, alínea c)), sendo certo que o indeferimento tácito parece erradicado do regime jurídico da urbanização e da edificação, salvo para as situações de legalização de obras clandestinas.

No limite, perante a resistência municipal, o interessado pode requerer ao tribunal administrativo e fiscal que intime a câmara municipal a emitir o alvará (artigo 113.°, n.° 5), podendo a certidão da sentença que vier a transitar em julgado substituir o alvará (artigo 113.°, n.° 7), construção que pode bulir com o princípio da separação de poderes, tanto mais quanto neles se contenha uma margem de livre apreciação. (226)

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Note-se ainda que o embargo municipal fica absolutamente interdito contra obras tacitamente autorizadas (artigo 113.°, n.° 8), o que não excluirá decerto a faculdade de declaração de nulidade ou de revogação por ilegalidade do deferimento tácito, após o que já estará o presidente da câmara municipal em condições de determinar o embargo.

Para além da não oposição à comunicação prévia (artigos 35.° e 36.°) por parte do presidente da câmara municipal, relevam a informação prévia e os pareceres, autorizações e aprovações externos.Neste último caso, devem distinguir-se dois tipos de inércia, prevendo a lei dois meios também distintos para os obviar. Por um lado, a inércia municipal na promoção das consultas. Em tal hipótese, vem o artigo 19°, n.° 7, admitir a subrogação do particular ao órgão municipal competente, como alternativa ao requerimento judicial para intimação. Em ambas as alternativas, o interessado deve encontrar-se munido de certidão que ateste não terem sido promovidas as consultas interadministrativas obrigatórias (artigo 19.°, n.° 6). Por outro lado, cuida-se da inércia dos órgãos consultados. Presume-se deferida a autorização ou a aprovação, presume-se favorável o parecer, se ao fim de 20 dias (prorrogáveis por mais 10, de acordo com o n.° 5) não for recebida a tomada de posição pelo órgão consulente (artigo 112.°, n.° 9).

(226) Neste sentido, v. JoAo Miranda, intimação judicial para emissão de alvará de licença de construção (anotação ao Acórdão do STA, 1Secção, de 27-02-1997, Proc. 41.563), in Revista Jurídica do Urbanismo e Ambiente, n.° 8, 1997, pp. 125 e segs.)

Este deferimento tácito é, contudo, puramente interno, pois nada obsta a que o parecer extemporâneo, embora não vinculativo, venha a incorporar os motivos da recusa de aprovação do projecto de arquitectura ou o indeferimento da licença ou da autorização requeridas. É que a generalidade das normas que, se infringidas, devem obstar ao deferimento não obedecem a um princípio de especialidade já não é assim para o caso da câmara municipal, do seu presidente ou de outro órgão municipal com poderes delegados ou subdelegados.

Tudo leva a crer, pois, que o legislador se mostrou particularmente avisado no equilíbrio que procurou entre a salvaguarda do direito a obter uma decisão e o interesse público. Dir-se-á que o interessado se vê quase sempre compelido a ter de requerer a intervenção jurisdicional, mas não pode esquecer-se que o município — sendo esse o caso — responderá civilmente pelos prejuízos culposamente causados ao requerente pela omissão ilícita de pronúncia, mesmo que o tribunal tenha vindo a suprir a falta de emissão do alvará ou tenha intimado o presidente da câmara municipal para decidir.

Falta ainda discutir se o artigo 111.°, alínea c), se aplica às reclamações e recursos hierárquicos próprios ou impróprios?

No direito anterior, especificava-se o efeito do silêncio, nestes casos (artigo 61.°, n.° 3), mas exceptuavam-se os recursos hierárquicos interpostos de actos da Administração Central (artigo 64.°, n.° 2), em que se mantinha o indeferimento tácito, como efeito típico. Presentemente, e na falta de expressa determinação legal, tudo aponta para que seja de aplicar o disposto nos artigos 108.° e 109.° do CPA, com a consequência de dever presumir-se indeferida a reclamação deduzida ou o recurso hierárquico interposto, logo que exaurido o prazo para decisão.

Por fim, deve observar-se que no regime anterior, o deferimento tácito só tinha lugar se a câmara se abstivesse de deliberar, encontrando-se em poder dos pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações externos (artigo 61.°, n.° 2), embora este pressuposto devesse ser interpretado restritivamente, de modo a excluir as situações de parecer favorável tácito. Certo é que para haver deferimento tácito teria de ter sido promovida a consulta em condições de as entidades externas poderem pronunciar-se em devido tempo.

Os pareceres sãò sempre actos preparatórios, ao contrário das autorizações e aprovações. É por isso que se mostra especialmente importante a subrogação do particular nas consultas externas.

d) de fundamentação

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O dever de fundamentação de certos actos administrativos (artigo 124.“ do CPA) e de alguns actos preparatórios (artigo 99.°, n.° 2) aplica-se, de pleno, ao direito da urbanização e da edificação.

Corresponde não só a um direito dos administrados, de modo a não serem privados da motivação do acto — nos seus elementos vinculados como, por maioria de razão, nos discricionários — como satisfaz, por outro lado, imperativos de boa administração: prossecução racional (eficaz e eficiente) do interesse público.

Ignorando por que motivo foi indeferido o pedido de licença, recusada a aprovação do projecto de arquitectura ou vetada a comunicação prévia, o interessado vê-se impedido de alcançar a revisão graciosa ou contenciosa do acto negativo. Mas mais ainda. Vê-se impedido de, ele próprio, reformar a sua iniciativa urbanística, de modo a obter o deferimento, a aprovação ou o nihil obstat. Há mesmo, no caso da informação prévia desfavorável, um dever qualificado de fundamentação, justamente com o sentido de permitir ao interessado conhecer «dos termos em que a mesma, sempre que possível, pode ser revista» (artigo 16.°, n.° 4, do RJUE).

Houve já oportunidade de observar como a decisão essencial compreende extensas margens de livre apreciação, quer em determinados poderes discricionários quer sobretudo na aplicação de conceitos imprecisos. O conhecimento dos pressupostos de facto atendidos ou subestimados, o conhecimento do motivo principalmente determinante da decisão para controlo do desvio de poder, da violação dos princípios gerais da igualdade, da imparcialidade ou da proporcionalidade, ou simplesmente o conhecimento do sentido e extensão dos conceitos vagos — dos elementos seleccionados para o seu preenchimento — revelam-se absolutamente essenciais.

Importa contudo não esquecer que a licença e a autorização urbanística estendem o seu alcance a terceiros: não se esgotam na relação jurídica entre a Administração Pública e o requerente. Vários são os terceiros que podem ser lesados nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e a quem o conhecimento da fundamentação do acto positivo interessa mais do que o de recusa, já que este, em princípio, mantém inalterada a sua situação, enquanto vizinhos.

A teia poligonal de interessados e opositores e as múltiplas motivações de cada um deles vêm trazer questões novas aos limites do dever de fundamentação. Devemos mesmo saber se acaso estará sujeito a dever de fundamentação o deferimento de licenças e autorizações, de modo a que terceiros lesados possam conhecer a motivação e impugnar administrativa e contenciosamente a deliberação positiva. É a questão levantada por Mário Esteves de Oliveira: «E quanto aos actos que tenham um efeito desses sobre a esfera jurídica de qualquer interessado, mesmo que para o destinatário sejam favoráveis?». A sua resposta é afirmativa.

É certo que no artigo 124.°, n.° 1, alínea a), do CPA, se estende o dever de fundamentar aos actos que, no todo ou em parte, «... extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos...» e pode, com efeito, admitir-se que alguns actos lesem direitos ou interesses protegidos por normas urbanísticas de direito público.

Admitir, porém, que uma licença ou uma autorização sejam lesivas de uma tal situação jurídica activa é o mesmo que admitir a sua ilegalidade. Das duas uma: ou a operação urbanística é lesiva de direitos e interesses meramente privados e não há, por isso, lugar à imputação de danos ao município ou se o acto lesa direitos subjectivos públicos ou figuras afins, então, é porque viola a lei que lhes serve de arrimo, que lhes concede a sua própria esfera de protecção. Em suma, o órgão confessaria a invalidade do acto praticado ao assumir como obrigatória a sua fundamentação. E se porventura o órgão estiver a lesar validamente um direito ou interesse protegido, revogando-o tácita ou expressamente qüando defere a licença ou concede a autorização? O dever de fundamentar radica, então, no artigo 124.°, n.° 1, alínea e), do CPA — actos que, total ou parcialmente, impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior. Deve precisamente notar-se que o uso do verbo implicar não será fortuito. O legislador não se cingiu a determinar o dever de fundamentar sobre os actos de revogação, modificação ou suspensão de actos administrativos anteriores, antes incluiu nesta órbita os actos que indirecta ou reflexamente produzam este efeito.

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No essencial, a motivação dos actos positivos encontra-se nos elementos instrutórios do procedimento administrativo — as peças escritas e desenhadas e os pareceres, propostas e informações que nos mesmos tenham recaído — esses virão a constituir objecto de concordância e, por conseguinte, constituem «parte integrante do respectivo acto» (artigo 125.°, n.° 1, do CPA). Não o sendo, já o acto terá de ser fundamentado por decidir ou deliberar contra parecer, proposta ou informação oficial (artigo 124.°, n.° 1, alínea c)).

Por outro lado, os opositores ao acto de licenciamento ou de autorização podem — antes e depois dele ser praticado — expor ao órgão competente as suas objecções, as suas pretensões, seja por via do direito genérico de petição ou por reclamação. Ora, por via das alíneas b) e c) do sempre citado artigo 124.°, n.° 1, está assegurado o dever de fundamentação, ainda que em acto acessório, preparatório ou concorrente.

e) de indemnização

O controlo administrativo das operações urbanísticas, tarefa que deve reconhecer-se como tipicamente de gestão pública, pode ser fonte de obrigações de indemnizar, nomeadamente a título de responsabilidade civil extracontratual.

O regime da responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública continua a ser, num raro e feliz caso de longevidade normativa, o Decreto-Lei n.° 48.051, de 21 de Novembro de 1967. É o conjunto das suas normas, e não tanto o do artigo 70.° do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, que devem servir de ponto de referência ao ressarcimento de danos imputados a actos de gestão pública, neste domínio.

Não é este o lugar próprio para tratar desenvolvidamente as múltiplas questões de responsabilidade civil que a urbanização e a edificação suscitam, designadamente em matéria de concurso de imputações entre o município, as entidades exteriores chamadas a pronunciarem-se, os titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos ancorados em licenças, autorizações, informações prévias favoráveis e outros actos positivos e, por fim, terceiros: autores de projectos, construtores, vizinhos.

Deixando à margem a responsabilidade por actos e omissões ilícitos, vale a pena, no entanto, chamar a atenção para a revogação ou declaração de nulidade de licenças ou autorizações, prevista no artigo 70.°, n.° 1. Não se trata apenas da ilicitude aferida pela lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos. O teor literal do preceito não deve fazer ignorar a necessidade de que o órgão ou agente tenham agido culposamente ao terem praticado o acto revogado ou declarado nulo. De outro modo, estar-se-ia a alargar desmesurada e injustificadamente a responsabilidade objectiva, ao ponto de se postergar a culpa do lesado que tem nas mãos a iniciativa do procedimento e que não fica desobrigado, nem pela licença nem pela autorização, nem pela comunicação prévia nem pela dispensa, de cumprir outras prescrições legais e regulamentares «a que a edificação, pela sua localização ou natureza, haja de subordinar-se» (artigo 4.° do RGEU).

Particularmente recorrente é a oposição às autoridades municipais dos adquirentes de edificações ou suas fracções autónomas por causa de vícios no imóvel. Uma vez deferida a licença de utilização, é de considerar transportada para o município a obrigação de eliminar os defeitos ou de, pelo menos, compelir o empreiteiro ou vendedor a fazerem-no?

Não. A licença ou a autorização de utilização não transmitem para o município a posição contratual do empreiteiro ou do vendedor perante o dono da obra, para efeito do disposto nos artigos 1218.° e segs. do Código Civil. Ambas pretendem aferir a observância das condições impostas pelos projectos aprovados e as demais que acessoriamente tenha a câmara municipal deliberado estipular. Condições essas que respeitam exclusivamente a aspectos de segurança, estética, salubridade e ordenamento das edificações e não a aspectos qualitativos ou quantitativos a que o interesse público seja indiferente.

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De resto, hoje, a regra é a de não ter lugar a vistoria municipal como acto preparatório necessário do deferimento da licença ou da autorização de utilização (artigo 64.°, n.° 1).

E ainda quando o empreiteiro haja infringido prescrições de direito público sem que a câmara municipal ou o seu presidente tenham deixado de emitir a licença ou autorização de utilização, não é possível fazer recair sobre o município todos os encargos com a reparação, salvo se este culposamente tiver condicionado ou recomendado ao construtor que edificasse contra os padrões da legalidade urbanística.

É ao actual proprietário, aliás, que cumpre providenciar por eventuais reparações necessárias a cumprir os projectos aprovados, sem prejuízo, claro está, de vir ulteriormente a exercer o direito de regresso contra o vendedor ou os construtores, contra o arquitecto, contra os autores de outros projectos ou contra o director técnico da obra.

O que, sem margem de dúvidas, não pode é encarar-se o controlo municipal da utilização como uma operação de certificação da qualidade, como uma forma de recepção — provisória ou definitiva — da obra, acto esse que pertence ao dono da obra, não como um direito, mas como um ónus (artigo 1218° do Código Civil).

A ficha técnica de habitação, regulada no Decreto-Lei n.° 68/2004, de 25 de Março, e na Portaria n.° 807/2004, de 16 de Julho, pode contribuir para separar o campo público do campo privado. Contudo, como continua a passar pelos serviços municipais, pode deixar na consciência do adquirente uma errónea convicção de que o município certifica e avaliza os aspectos construtivos das edificações em toda a sua extensão.

No mais, e em matéria de actos lícitos, impõe-se uma breve referência à alteração de especificações das licenças ou autorizações de loteamento (artigo 48.°, n.° 4), justificadas pela necessidade de fazer executar instrumento de gestão territorial superveniente, por incompati-bilidade (artigo 48.°, n.° 1) e a caducidade de actos consolidados que ocorra por vicissitude nos instrumentos de gestão territorial (artigo 143.°, n.°s 2 e 3, do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial).

O que sejam os actos consolidados a que alude o referido preceito vem a mostrar-se uma questão deveras complexa, sobretudo quando é operado o seu confronto com o disposto no artigo 17.°, n.° 1, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação. Este, com efeito, parece deixar incólume a informação prévia favorável, contanto que não caducada, ainda que se revele contrária a um novo plano municipal, a um novo plano especial ou a vicissitudes modificativas destes instrumentos de gestão territorial.

Inclina-se FERNANDA PAULA OLIVEIRA para que a informação prévia favorável deva ser expressamente revogada, dando lugar, por isso, ao pagamento de indemnização por acto lícito. Esse seria o sentido do disposto no artigo 143.°, n.°* 2 e 3, do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial. Vem assim admitir uma brecha no princípio geral de intangibilidade dos actos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos quando conformes com a ordem jurídica vigente ao tempo da sua produção (tempus regit actus). Do artigo 143.° resultaria uma norma de competência para revogar actos constitutivos válidos, em troca do ressarcimento pelos danos emergentes, lucros cessantes e despesas desaproveitadas.

Não nos parece de acolher este entendimento, quando, na verdade, o artigo 17.°, n.° l, do Regime Jurídico da Urbanização é tão assertivo. E mais. Trata-se de norma posterior que, por conseguinte, tem aptidão para revogar parcialmente a do Decreto-Lei n.° 380/99, de 22 de Setembro.

Se a informação prévia favorável parece fora do conceito de actos consolidados, por maioria de razão, os actos materialmente definitivos, como a licença e a autorização, têm de conhecer a mesma sorte.

O problema está em saber se este silogismo é válido para o acto de aprovação do projecto de arquitectura, para os actos preparatórios formados tacitamente (pareceres, autorizações e aprovações) e para as dispensas concedidas pelos órgãos municipais.

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Admitindo que sim, o resultado é o de o conceito normativo de actos consolidados — ou melhor dizendo, de «possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas» — ficar desprovido de sentido útil como o fica também esvaziada a norma do artigo 143.°, n.° 2.

Inequivocamente, o legislador pretendeu restringir o dever de indemnizar.Primeiro, sem inovação, circunscrevendo a responsabilidade civil aos prejuízos especiais e

anormais (artigo 9.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 48.051) que qualificou como «restrição significativa» na utilização do solo. Tão significativa que a expropriação por utilidade pública, embora fazendo extinguir os direitos reais sobre o bem, teria decerto vantagem para o proprietário e outros titulares, garantida que está a justa indemnização (artigo 62.°, n.° 2, da Constituição). Quer isto dizer que tais ‘expropriações pelo sacrifício’ apenas conservam encargos na esfera jurídica do particular, sem que do bem este obtenha frutos. Um pouco como acontece com as parcelas sobrantes, tal como resulta do critério enunciado no artigo 3.°, n.° 2, alínea b), do Código das Expropriações: «...se os cómodos (...) não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente».

Em segundo lugar, estabelecendo um pressuposto temporal para que a revisão dos planos se mostre conflituante com a confiança depositada na estabilidade pelo titular da «possibilidade consolidada de aproveitamento do solo». A ablação de direitos ou interesses legalmente protegidos por revisão do plano só obriga a indemnizar quando ainda não tiverem decorrido cinco anos desde a sua entrada em vigor.

Mas o disposto no artigo 143.°, n.° 3, encerra um terceiro pressuposto. Importa que a revisão do plano determine a caducidade ou a alteração de um licenciamento prévio válido. Ora, esta situação é excepcional no nosso direito. Apenas teve lugar durante a vigência do Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, em termos que fizeram correr rios de tinta na jurisprudência e sobretudo na doutrina.

É preciso, pois, cm nosso entender, que os planos possuam um efeito retroactivo para atingirem licenças válidas, determinando a sua caducidade.

Regulamentos que são, os planos urbanísticos não podem ter este efeito. Assim, o que pode acontecer é que certas prescrições contidas nos planos representem o pressuposto de uma expropriação por utilidade pública.

Se no artigo 128.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 380/99, de 22 de Setembro, as expropriações necessárias à execução de um plano têm como horizonte restrito terrenos e edifícios, vale a pena ter presente que no Código das Expropriações se admite a expropriação de bens imóveis e dos direitos a eles inerentes (artigo 1.°), ao que vem juntar-se a competência especial das assembleias municipais para declararem a utilidade pública das «expropriações de iniciativa da administração local autárquica, para efeitos de concretização de plano de urbanização ou plano de pormenor eficaz» (artigo 14.°, n.° 2).

Um terceiro e último argumento parece-nos decisivo em favor desta leitura. É o que resulta do artigo 13.°, n.° 2, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação. Se o início da discussão pública de um novo plano municipal ou especial provoca a imediata suspensão dos procedimentos de controlo urbanístico, então é porque se admite que, mesmo depois da entrada em vigor do novo plano, se continue a aplicar o plano anterior aos projectos apresentados no período intertemporal.

Note-se que, nos casos de restrições singulares qualificadas como expropriações pelo sacrifício, a obrigação de indemnizar prescreve ao cabo de três anos, contados, não de acordo com o artigo 498.° do Código Civil, mas da entrada em vigor do novo plano ou das suas alterações (artigo 143®, n.° 7).

Por fim, recorde-se que o dever de indemnizar previsto no artigo 143.° é subsidiário dos mecanismos de perequação compensatória (n.° 1).

Vale a pena não esquecer, contudo, uma outra fonte do dever de indemnizar por perda de aproveitamento de bens (urbanístico ou outro). É o que resulta do artigo 8.°, n.° 2, do Código das Expropriações, como efeito da constituição — por lei ou por acto administrativo — de servidões

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administrativas. O crivo é bastante apertado — ou o bem tinha uma efectiva utilização que se toma economicamente perdida (alínea a)), ou, encontrando-se sem utilização nenhuma, deixa de poder ter uma qualquer (alínea b)) ou, apesar da utilização ser possível, perde, pura e simplesmente, o valor patrimonial, pois deixa de ter procura no mercado (alínea c)).

f) de impugnação

A impugnação graciosa e contenciosa dos actos de controlo urbanístico desde cedo encontrou campo fértil para questões controvertidas, a começar pelos problemas suscitados pela legitimidade de terceiros com vista a deduzirem oposição à licenças de obras, antes da abertura que a Lei n.° 83/95, de 31 de Agosto, veio trazer ao desenvolvimento da acção popular que, em sentido impróprio, a Constituição instituiu no artigo 52.º n.° 3, quando da Revisão Constitucional de 1989.

Tratava-se, no essencial, de assegurar que o autor dispusesse de um interesse pessoal, legítimo e directo. Isto, por um lado. Por outro, o vizinho urbanístico lesado, não raro, quando se apercebe da necessidade de impugnar o acto, defronta-se com o decurso do prazo, contado da notificação do acto ao seu mais directo interessado — o promotor.

Todas estas questões têm vindo a encontrar respostas satisfatórias, ora pelas reformas do contencioso administrativo (1984/85 e 2001/2002), ora pela criação jurisprudencial.

Vale a pena, no entanto, deixar assinalados alguns pontos específicos de tensão entre o direito constitucionalmente consagrado à impugnação dos actos lesivos inválidos (artigo 268.°, n.° 4) e os meios aos dispor dos interessados.

i) de pareceres negativos vinculativos (artigo 114.°)

Já ao abrigo do direito anterior se admitiu que o parecer vinculativo do IPPAR é «um verdadeiro acto administrativo que produz efeitos no âmbito das relações externas entre dois órgãos administrativos de pessoas colectivas e um particular e que se pode considerar como uma estatuição autoritária (que cria uma obrigação a um órgão administrativo — câmara municipal — e a um particular — o recorrente) relativa a um caso concreto, produzido por outro órgão de pessoa colectiva diferente, no uso de poderes administrativos, pelo que é de considerar um acto prejudicial do procedimento, cuja força jurídica é mais intensa que a de um mero acto pressuposto, visto ter influência sobre os termos em que é exercido o poder decisório final, na medida em que define logo a posição jurídica dos interessados, ou seja, compromete irreversivelmente o sentido da decisão final, sendo, por isso, atenta a sua lesividade, de considerar destacável para efeitos de recorribilidade directa» (Acórdão do STA, 2ª Sub., de 30-09-2003, Proc. 826/03).

Mas nem por isso a questão deixou de ser controvertida, em termos que são profusamente tratados por PEDRO Gonçalves .

O novo regime veio consagrar expressamente a impugnação graciosa autónoma de pareceres expressos de órgãos da Administração Central (artigo 114.°, n.° 1), presumindo-se deferida a reclamação, o recurso hierárquico — próprio ou impróprio — ou o recurso tutelar que a lei admita (artigo 114.°, n.° 2).

No plano contencioso, o artigo 51.°, n.° 1, do CPTA, vem permitir a impugnação, em acção administrativa especial, de pareceres vinculativos, ao relegar a definitividade horizontal e material do acto administrativo para segundo plano, em nome da lesividade para os direitos e interesses legalmente protegidos do autor.

Tudo está em saber se o parecer não será, por natureza, susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos, uma vez que se limita à relação jurídica administrativa com o município. Só o acto final de licenciamento ou de indeferimento pode, com efeito, lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. Pode não atender ao parecer se este for extemporâneo, exorbitar das atribuições da entidade que o profere ou, por qualquer outra razão, for inexistente, ineficaz ou nulo. Acresce que o acto final pode somar aos motivos de um parecer negativo outras motivações abso-

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lutamente determinantes que fazem da impugnação do acto preparatório um exercício fútil em que o requerente deixa de possuir interesse em agir.

ii) de actos lesivos ilegais

No mais, os actos de conteúdo negativo — de indeferimento de pretensões de urbanização e de edificação não merecem especial detenção.

Como se viu, o Código do Processo nos Tribunais Administrativos optou como central pressuposto da acção administrativa especial o acto lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 51.°).

Assim, a questão de saber se o acto de aprovação do projecto de arquitectura ou a informação prévia favorável reuniam os requisitos da definitividade (artigo 25.°, n.° 1, da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos) para serem objecto de recurso contencioso de anulação ou se, pelo contrário, era preciso aguardar o acto de deferimento da licença, parece ter perdido o interesse que justificou no passado ampla controvérsia.

Uma vez mais, cremos que a questão se pode reperfilar em tomo da noção de acto administrativo lesivo. Pode reconhecer-se na informação pré- via ou na aprovação do projecto de arquitectura um acto idóneo para diminuir, prejudicar ou de, qualquer outro modo, lesar direitos de terceiros?

Tudo levaria a crer que não. Nem um nem outro permitem — por si — legitimar a operação urbanística.

Importa não esquecer porém que a informação prévia pode vir a constituir o arrimo de um acto de licenciamento ou de autorização lesivos e que, justamente, a revisão destes actos pode ter como obstáculo a consolidação na ordem jurídica de uma informação prévia inválida.

Por outro lado, há trabalhos que podem ter inicio em momento anterior ao do deferimento da licença ou da autorização. Estes, de todo o modo, hão-de constituir actos próprios, licenças parciais, seja para antecipar trabalhos de escavação, demolição e contenção periférica (artigo 81.°, n.° 1) seja para construção da estrutura (tosco), logo que aprovado o projecto de arquitectura, entregues os projectos das especialidades e depositada caução (artigo 23.°, n.° 6).

Lesivo pode ainda revelar-se o acto que defere licença para uso privativo da via pública no decurso dos trabalhos (artigo 57.°, n.° 2) e cuja impugnação autónoma não se vê por que motivo deva ser recusada.

g) de reversão

O particular que teve de ceder parcelas de terreno como condição do deferimento da licença ou da autorização de uma operação de loteamento vem beneficiar de um conjunto de garantias que o aproximam do proprietário de imóvel expropriado por utilidade pública. Assim, poderá reaver o bem cedido — no todo ou em parte — desde que o município afecte as parcelas cedidas a um fim diverso daquele para que foram cedidas (artigo 45.°, n.° 1).

E a reversão pode ter como alternativa o pagamento de uma indemnização (artigo 45.°, n.° 3) — ou porque o particular o pretende ou porque a alteração ao fim surge como efeito de uma alteração municipal às especificações contidas no alvará da operação de loteamento.

No n.° 5, do artigo 45.°, vem resolver-se um problema de legitimidade. Quem pode reaver os bens cedidos na falta do promotor da operação de loteamento? A resposta identifica uma certa fracção de proprietários dos lotes (um terço) sem prejuízo de os terrenos revertidos virem a ingressar no património comum dos demais.

Importa, no entanto, acentuar duas importantes diferenças perante a reversão na expropriação por utilidade pública (artigo 5° do Código das Expropriações). Em primeiro lugar, o beneficiário da reversão não obteve locupletamento indevido, pois não recebeu indemnização alguma. Como tal, não tem de restituir o valor da justa indemnização percebida, como acontece na expropriação por

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utilidade pública. Em segundo lugar, fica adstrito ao fim a que se destinara a cedência, não podendo vir a lesar o interesse público (artigo 45.°, n.° 4). Só uma excepção justifica o desvio — trata-se da destinação a equipamentos de uso colectivo, que o particular não pode ver-se obrigado a empreender — sob pena de a reversão constituir afinal um encargo — para o que se prevê sucedaneamente a adstrição a espaço verde.

De resto, deve aplicar-se o regime expropriatório, nomeadamente quanto ao prazo de 20 anos para prescrição do direito de reversão (artigo 5.°, n.° 4, alínea a), do Código das Expropriações) e quanto ao prazo de três anos contados do momento do conhecimento dos pressupostos para caducidade do direito (artigo 5°, n.° 5).

h) de alterações simples ao conteúdo da licença/autorização

Do disposto nos artigos 27.°, n.° 1, e 33.°, n.° 1, parece decorrer inexoravelmente a inviabilidade de alterações ao acto permissivo de controlo urbanístico depois de serem iniciados os trabalhos.

Contudo, é no artigo 83º que encontraremos as alterações no decurso dos trabalhos, algumas das quais — as mais qualificadas — são precisamente remetidas para o regime dos citados artigos 27° e 33° A aludida porta fechada é pois meramente aparente. Julga-se que o projecto de execução do projecto de arquitectura e dos projectos das especialidades, cuja apresentação é devida nos 60 dias posteriores ao início dos trabalhos (artigo 80°, n.° 4) pode justamente compreender este tipo de alterações.

As alterações de pequena monta, essas recebem o regime que se adaptar às suas características. Temos, para o efeito, de as autonomizar e fazer um juízo de prognose sobre o controlo urbanístico a que se subordinariam ou não (por isenção ou por falta de incidência de norma urbanística). No caso de alterações, para que baste a comunicação prévia, importa contudo que o prazo de trinta dias (artigo 35.°, n.° 1) não ultrapasse o prazo para requerer a licença ou autorização de utilização (artigo 83°, n.° 1, e artigo 63°, n.° 1).

Todas as alterações, de qualquer modo, hão-de figurar nas telas finais que, pelo menos, transitoriamente é obrigatório apresentar no termo dos trabalhos (artigo 128.°, n.° 4 e n.° 5).

i) de aproveitamento urbanístico

Com o deferimento da licença ou da autorização, o particular vê-se investido no direito de levar a cabo o aproveitamento urbanístico que se mostrar conforme com os projectos que apresentou e com as condições que acessoriamente tenham sido estipuladas pelo órgão municipal ou pelas entidades externas consultadas.

Embora haja de subordinar-se a outras prescrições legais e regulamentares e a respeitar os direitos e interesses legítimos de terceiros, perante os poderes públicos a sua actividade e o resultado da mesma são lícitos, doravante.

Para o caso das obras de urbanização vem permitir-se a execução faseada (artigo 56.°), na condição de que cada fase disponha de autonomia funcional e de coerência intema. Pretende-se assim que a inexecução de uma fase ou o seu inacabamento não venham a deixar um 'elefante branco’, ou seja, um conjunto de trabalhos inúteis e com elevados custos urbanísticos de segurança, salubridade e estética.

Não é este o local próprio para discutir a extensão das garantias constitucionais da propriedade privada, nomeadamente para saber se o jus aedificandi é, ou não, um dado perante os actos de controlo administrativo das operações urbanísticas.

Sempre se dirá, contudo, que o direito a construir, a nosso ver, alcança a sua protecção constitucional por via do artigo 61.°, n.° 1:

A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e

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pela lei e tendo em conta o interesse geral.

Para exercer esta iniciativa, o promotor terá de obter a titularidade de um direito patrimonial — creditício ou real — que lhe permita o gozo do imóvel em que pretende construir. Mas, note-se que esta liberdade — ao invés das demais é para ser exercida no espaço que a lei lhe reservar e em subordinação ao interesse geral (determinado este, por regulamento planificatório, ou não, por poderes discricionários da Administração).

A generalidade dos direitos, liberdades e garantias — e dos direitos análogos, como é o caso — impõem à lei e às suas restrições que se movam dentro do espaço que lhes é deixado. No artigo 61°, n.° 1, não é assim. É esta liberdade que se confina ao espaço que a lei e outras manifestações do interesse geral lhe permitirem.

No artigo 65.°, n.° 2, alínea c), retoma-se expressamente esta ideia, no que respeita especificamente ao jus aedificandi — a construção privada há-de subordinar-se, não apenas à lei, como ao interesse geral.

Depois, no artigo 65°, n.° 4, recorta-se a esfera territorial desta mesma liberdade — os solos urbanos. Apenas sobre estes o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação. Quer isto dizer duas coias. Primeiro, que fora do solo urbano o princípio é o da interdição da construção privada. Segundo, que o proprietário ou titular de outro direito patrimonial não possui — à partida — um direito a urbanizar.

Esta liberdade (enfraquecida ou diminuída) não beneficia por inteiro do regime restritivo das restrições aos direitos, liberdades e garantias (artigo 18°, n.° 2 e n.° 3), designadamente no que diz respeito à reserva de lei. Bem se compreende, pois, que o plano aprovado por regulamento estadual, regional ou municipal possa restringir intensamente a liberdade de aproveitamento urbanístico sem que tenha de ressarcir pela violação de direitos, liberdades e garantias ou por um prejuízo para outrem (artigo 22°).

SANÇÕES E MEDIDAS DE POLICIA ADMINISTRATIVA 1. ORDEM PÚBLICA URBANÍSTICA

Uma definição estática e absoluta de ordem pública não é possível, como, muito menos, é a de interesse público. Ambas as categorias só podem opor-se todavia aos direitos, liberdades e garantias, na medida em que se encontrem vertidas na Constituição.

São interesses constitucionalmente protegidos, a começar por outros direitos fundamentais (artigo 18.°, n.os 2 e 3, da Constituição):

Tradicionalmente, a ordem pública identificava-se, exclusivamente, com (a) a tranquilidade, (b) a segurança e (c) a salubridade, na via pública.

Trata-se de evitar danos — individuais ou colectivos — provocados por actos voluntários desordenados (desordens e desacatos) ou factos (acidentes) que constituam um perigo abstracto ou concreto para a segurança ou para a saúde pública.

Não há contudo lesão da ordem pública que não resulte de uma infracção ao direito objectivo, sob pena de se subverter a liberdade como princípio geral. O princípio da legalidade e a proibição do excesso — garantias do Estado de direito — não admitem o reconhecimento da ordem pública como um valor em si mesmo.

Apenas em subordinação à salvaguarda de direitos ou de outros interesses constitucionalmente protegidos.

As medidas de polícia, de que constitucionalmente se cuida no artigo 272.° da Constituição, têm justamente por fim a protecção da ordem pública, seja contra perturbações actuais ou iminentes seja contra situações de perigo agravado da sua futura lesão, seja ainda contra situações de perigo agravado da sua futura lesão, seja ainda contra lesões já consumadas da ordem pública, mas que

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urge repor ou reparar.

A distinção teleológica entre sanções administrativas e medidas de polícia surge claramente no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 489/89 (Diário da República, II, de 1-02-1990) e em sentido que se aproxima da distinção apontada por Gomes Canotilho/Vital Moreira (Constituição Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 956).

Também o STA considera especificamente a distinção no seu Acórdão de 28-05-1991:

O artigo 30°, n.° 1, da Constituição da República (versão de 1982) visa limitar a duração das penas e medidas de segurança.

Não se aplica às medidas de natureza de polícia administrativa.

E, do mesmo modo, a respeito da suspensão da laboração de uma unidade industrial poluente, no Acórdão do Pleno, de 29-04-1993.

Mas já não assim em outro aresto, em que se julga ilegal a medida de embargo da exploração de uma pedreira, por motivo de o regime sectorial desta actividade (ao tempo, o Decreto-Lei n.° 89/90, de 16 de Março) contemplar como sanção contra-ordenacional o encerramento (Acórdão do STA, de 23-09-1999).

A actividade administrativa distingue-se tendencialmente em medidas de polícia administrativa, em medidas prestativas de bens e serviços e em, medidas de fomento directo ou indirecto (prémios e subvenções).

A génese do direito administrativo — na passagem do Estado esta- mental para o Estado moderno — encontra-se justamente na polícia administrativa: das feiras e mercados, dos pesos e medidas, da circulação de pessoas e bens.

No liberalismo político e económico, a intervenção do Estado resume-se a pouco mais do que tarefas de polícia. É o tempo do Estado-polícia que raramente se propõe empreender medidas de fomento, com excepção das raras expropriações por utilidade pública para subsequente concessão das obras públicas e sua exploração.

O advento do Estado social, muito embora represente um alargamento do direito administrativo, não vai fazer perder de vista a ordem pública, até por constituir pressuposto primário da satisfação das necessidades colectivas que, outrora confiadas à livre iniciativa social e das ordens religiosas, serão crescentemente assumidas pela comunidade política.

Assiste-se até a um considerável alargamento da noção de ordem pública. Afirmar que o Estado-Polícia deu lugar ao Estado-Providência, sem mais, é demasiado simplista e redutor da complexidade dos fenómenos históricos e institucionais. Com efeito, alargou-se e intensificou-se a polícia administrativa nos mas variados âmbitos: defesa dos recursos naturais, não numa perspectiva meramente patrimonial ou dominial, mas ambiental; qualidade dos bens de consumo; higiene e segurança no trabalho; urbanismo de qualidade e ordenamento do território. De par com uma polí-cia da ordem e tranquilidade na via pública, desenvolveu-se uma polícia administrativa económica, ambiental e social, aos mais variados níveis.

A preservação da ordem do território passou a ser um dos campos de salvaguarda da ordem pública, o que não quer dizer que o ordenamento do território não conheça uma vertente de fomento, designadamente, na execução dos planos.

3. MEDIDAS DE POLÍCIA E SANÇÕES

Principais instrumentos ou medidas de polícia administrativa são (a) o regulamento de polícia, (b) as operações de vigilância e (c) os actos de polícia em sentido estrito, preventivos, repressivos ou reintegrativos.

— Preventivas são as licenças (actos que facultam uma actividade relativamente proibida) e as

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autorizações (actos que conferem os pressupostos e requisitos para exercer um direito ou liberdade já anteriormente constituídos). Ali produz-se um juízo de conformidade onde cabem poderes discricionários. Aqui efectua-se um juízo de simples compatibilidade onde os poderes são vinculados, embora compreendam a interpretação de conceitos vagos e indeterminados.

— Repressivas são as sanções administrativas, ora de natureza disciplinar (no âmbito de relações especiais de autoridade) ora de natureza contra-ordenacional. No termo de um procedimento administrativo, é adoptada ou não uma sanção pecuniária ou de quebra da relação jurídica administrativa, sem prejuízo de ulterior impugnação contenciosa.

— Reintegrativas são as medidas que visam restaurar a ordem pública lesada e reintegrar a lei infringida, distinguindo-se, pois, das sanções administrativas.

A sanção, por si, não reintegra a legalidade nem a ordem pública, muito embora possa compelir o infractor a fazê-lo e a abster-se de o voltar a fazer. Por outro lado, num Estado de direito, a sanção há-de atender a pressupostos subjectivos, designadamente, à culpa do agente, até porque a sua finalidade é essencialmente de ressocialização.

Todavia, as medidas de polícia confundem-se, não raro, com as sanções administrativas, de modo particular, no direito do urbanismo: ordem de demolição, seja de obra clandestina, seja de uma edificação em risco de iminente ruína; o embargo; o encerramento de estabelecimentos; o despejo sumário; a reposição de um terreno no estado originário.

A confusão resulta, em boa parte, da tipologia das sanções que o ilícito de mera ordenação social prevê acessoriamente à sanção pecuniária (coima).

Assim, encontramos no artigo 21.° do regime geral das contra-orde- nações (Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro): (a) a perda de objectos; (b) a interdição do exercício de profissões ou actividades dependentes de título, autorização ou homologação pública; (c) a privação de subvenções públicas; (d) a privação de acesso a feiras e mercados; (e) a privação de acesso à adjudicação de contratos públicos; (f) o encerramento de estabelecimentos; e (g) a suspensão de autorizações e licenças por cassação dos respectivos alvarás.

Com excepção da primeira, todas as demais não podem exceder dois anos de aplicação (artigo 21.°, n.° 2).

Aqui se começam a divisar as diferenças — as medidas de polícia administrativa são modais. Só depois de reunidos os pressupostos e requisitos de ordem legal é possível fazer cessar a sua aplicação.

Depois, importa olhar para o corpo do artigo 21.°, n.° 1: as sanções acessórias são agravadas em função da gravidade da infracção e da culpa do agente.

Ao invés, as medidas de polícia são alheias à gravidade da infracção e à culpa do agente. Basta a violação da lei e a lesão da ordem pública para que seja vinculada a sua adopção. Tanto se ordena a demolição de um pequeno anexo para alfaias agrícolas como de um edifício multifamiliar. Tanto se despeja toda a população moradora num edifício em risco de ruína iminente, como se despeja uma oficina automóvel em desconformidade com o uso autorizado.

Pode haver aplicação de sanções administrativas sem a adopção de medidas reintegrativas da legalidade, por exemplo, quando ocorrem obras clandestinas, mas susceptíveis de legalização, por satisfazerem aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, estética, segurança e salubridade.

Por outro lado, podem ser aplicadas medidas de polícia administrativa sem haver lugar a sanções contra-ordenacionais ou disciplinares, como resulta do regime geral do ilícito de mera ordenação social.

No artigo 25.° prevê-se a perda de objectos perigosos independentemente de coima: mesmo se ao agente não puder ou não for aplicada coima, este não poderá manter-se detentor de armas ilícitas ou de produtos explosivos não autorizados. Trata-se, evidentemente, de uma medida de polícia, ainda que sujeita, por vezes, a um controlo jurisdicional.

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São exemplos de medidas de polícia urbanística enunciadas no RJUE:

a) a cassação do alvará por caducidade da licença ou da autorização (artigo 79.°);b) a execução de obras de urbanização pelo município em substituição do promotor (artigo 84.°);c) a limpeza da área e a reparação de estragos (artigo 86.°);d) a intimação para obras de conservação (artigo 89.°, n.° 2);e) a ordem de demolição na iminência de ruína (artigo 89.°, n.° 3);f) a intimação para obras coercivas de beneficiação (artigo 91.°);g) o despejo administrativo (artigo 92.°);h) o embargo (artigo 102.°);i) a intimação para trabalhos de alteração ou correcção (artigo 105.°); j) a demolição total ou parcial das obras (artigo 106.°);k) a reposição do terreno no seu estado anterior (artigo 106.°); I) a cessação da utilização (artigo 109.°).

Como é bem de ver, as medidas de polícia têm como pressuposto, nuns casos, a verificação de ilegalidade, noutros, a simples verificação de um perigo para a segurança ou para a saúde pública.Tal como na generalidade dos actos administrativos eficazes — e logo executórios (artigo 149.°, n.° 2, do CPA) — pode a câmara municipal valer-se da força pública para obrigar ao cumprimento das intimações de polícia urbanística e, no limite, substituir-se, a expensas do proprietário, na execução dos trabalhos, investindo-se o município na posse administrativa (aitigo 91.°, n.° 1, artigo 107 ° e artigo 108.°).

Mas já esta substituição coactiva não é sempre vinculada, gozando a câmara municipal de alguma margem de discricionariedade na definição de prioridades temporais, sociais, técnicas, culturais e orçamentais, salvo casos de risco iminente para a segurança de pessoas e bens, situações em que o município se encontra adstrito a um dever de garantia, como se reconhece no Acórdão do STA, 1ª Sub., de 12-10-2000.

Sublinhe-se a imprescritibilidade da adopção de medidas de polícia — o seu não exercício não cria direitos nem pode extinguir poderes funcionais, uma vez que estão em causa interesses públicos, indisponíveis e irrenunciáveis, por natureza (artigo 29.° do CPA).

6. O EMBARGO

O embargo representa a interdição de uma operação urbanística iniciada, no todo ou em parte (artigo 102.°, n.° 1) — licenciada, autorizada, comunicada previamente, dispensada, ou simplesmente clandestina.

Trata-se de uma medida de polícia urbanística de natureza transitória. A lesão do interesse público, cujo agravamento se pretende ver obstado, não é reparada pelo embargo. Apenas é sustado ou interrompido o agravamento da lesão, em ordem à salvaguarda do interesse público e da protecção da confiança de terceiros e do próprio interessado na operação embargada. Por isso, determina-se no artigo 104°, n.° 1, que a ordem de embargo caduca mal seja proferida uma decisão/deliberação definitiva sobre a situação jurídica da obra. Mas pode caducar antesdisso, na eventualidade de se esgotar o termo certo estipulado ou, supletivamente, transcorridos seis meses, embora prorrogáveis por idêntico prazo (artigo 104.°, n.° 2).

Apenas neste sentido se pode afirmar que o embargo é um acto preparatório, o que não o exclui da classe dos actos potencialmente lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos. Falta-lhe definitividade material, pois a interrupção dos trabalhos é índesejada pelo mesmo interesse público que reclama a ordem de embargo — a segurança, a estética, a salubridade não se compadecem com obras inacabadas.

O embargo, verdadeiro acto administrativo impositivo de um dever de non facere, justifica-se por um de três motivos taxativamente enunciados no artigo 102.°, n.° 1: ou por se verificar que a obra é clandestina (sem licença ou autorização) ou por estar a ser executada ao arrepio dos

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projectos aprovados e das condições estipuladas ou ainda por violar norma legal ou regulamentar aplicável.

Quanto a este último fundamento, importa ter presente que nem a licença nem a autorização consomem o controlo administrativo da operação, como muito bem revela o disposto no artigo 4.° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas. Não é por dispor de licença ou autorização que o dono da obra, seu representante ou comissário ficam desobrigados de cumprir outras prescrições gerais e abstractas a que estejam vinculados. Será o caso de muitas das regras construtivas — de qualidade dos materiais, de segurança das técnicas — assim como também das normas relativas à própria execução dos trabalhos (estaleiros, entulhos, segurança de terceiros, etc.).

Encontrando-se licenciada a actividade, mas inconformando-se o resultado com o conteúdo da licença, nem por isso o embargo significa a revogação da licença, com o que estaria confinado aos limites temporais típicos da revogação de actos administrativos constitutivos de direitos (Acórdão do STA, 2.a Sub., de 26-10-2004).

É relativamente recente o poder de a câmara municipal ou de o seu presidente embargarem obras sem a necessária autorização ou ratificação judicial, à semelhança do embargo de obra nova facultado aos particulares do direito processual civil.

O embargo constitui um acto injuntivo e, dentro desta categoria, uma proibição — a de prosseguir os trabalhos em execução — e, logo que eficaz, 1 executório (artigo 149.°, n.° 2, do CPA), com o sentido de o seu cumprimento poder ser imposto coactivamente, recorrendo à força pública, se necessário, do mesmo passo que a sua infracção permite indiciar a prática de um crime de desobediência (artigo 348.° do Código Penal).

Mas o alcance do embargo administrativo é mais vasto. Produz um efeito suspensivo sobre a licença ou a autorização deferidas, não se tratando de obra clandestina, ora por se mostrar inválida ou ineficaz, ora por estar a ser infringida no seu conteúdo.

De par com o embargo pode dar-se a revogação da licença ou da autorização, a declaração da sua nulidade ou caducidade. Contudo, não se confundem. O embargo, por si, perante o acto positivo de controlo apenas tem um efeito suspensivo. «Porém, quando seja indispensável embargar uma obra licenciada com fundamento na ilegalidade da respectiva licença não há necessidade de previamente praticar um acto expresso de revogação ou suspensão da eficácia».

Verdadeira medida de polícia administrativa, o embargo não constitui um acto horizontalmente definitivo, já que importa para o órgão competente uma definição peremptória do direito — admitindo a legalização da operação, com ou sem trabalhos de correcção, ou providenciando pela sua demolição, no todo ou em parte. Note-se que a legalização pode passar pelo deferimento de uma licença ou de uma autorização, como pode — no caso de obras parcialmente clandestinas — depender de alterações a introduzir à licença ou autorização (artigo 83.°, n.° 3, remetendo para os artigos 27.° e 33.°).

Nem por isso tem carácter repressivo , ainda que sociologicamente possa ter essa leitura. Trata-se, na verdade, de uma medida que pode chegar a revelar-se como salvaguarda do promotor cuja operação urbanística é suspensa.

Desde quando estão os trabalhos interditos? O embargo, como acto receptício, só é eficaz depois de notificado. A lei refere-se a quatro notificandos (artigo 102.°, n.° 2): o responsável pela direcção técnica da obra, o titular do alvará, o proprietário do imóvel e o seu representante.

Necessária é a notificação do primeiro ou do segundo, em alternativa, condicionada a do terceiro e, subsidiária a esta a do último.

Este preceito levanta sérias dificuldades. Desde logo, perante a obra clandestina, o órgão municipal e o serviço que executa o embargo não tem pela frente o titular de nenhum alvará e, muito provavelmente, a obra não disporá de direcção técnica. Depois, o proprietário do imóvel. Até que sejam notificados os proprietários, com acrescida dificuldade nas situações de comunhão, a

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operação decorrerá. Por último, quem deve ser identificado como representante do proprietário, fora os casos de representação legal do menor ou do incapaz?

Julga-se que só à primeira vista é condicionada a notificação do proprietário. Quando o preceito relega esta notificação à contingência do «quando possível», está a admitir a viabilidade de ser notificado, em outras situações, o seu preposto ou comitido — o empreiteiro ou qualquer outro encarregado das obras — seus representantes, mesmo sem mandato ou procuração.

Depois, nos n.ºs 6 e 7 vem, de novo, tratar-se dos destinatários da notificação, já não apenas do embargo, como do auto: o requerente da licença , ou autorização, o proprietário do imóvel e, se for esse o caso, a pessoa colectiva responsável pela execução dos trabalhos.Certamente, haveria proveito em que a eficácia da ordem de embargo fosse apenas condicionada à afixação de um edital, no espaço em que decorre a obra, e selados os equipamentos, com indicação de onde e como consultar o teor do auto.

A ordem de embargo, como a generalidade dos actos administrativos, depara-se com pressupostos e requisitos vinculados, mas consente ao órgão competente uma latitude de discricionariedade considerável.

Não dispõe de autonomia na determinação da melhor oportunidade nem tão-pouco para aquilatar da conveniência do embargo. Logo que verificada a desconformidade da operação com as prescrições legais e regulamentares aplicáveis, com a licença, com a autorização ou com os limites da dispensa ou da isenção, o embargo deve ser despachado de imediato, precedido pelo cumprimento das formalidades, a menos que a desconformidade com a licença possa ser qualificada como alteração não substancial, para efeito do disposto no artigo 83.°, n.° 1. Todavia, pode ser determinado no todo ou em parte: Imperativos de proporcionalidade circunscrevem o embargo à medida do necessário, do adequado e do razoável. Com efeito, se apenas parte da obra excede as condições, por exemplo, ao acrescentar um piso ou ao dilatar a implantação, o presidente da câmara municipal pode circunscrever o embargo, suspendendo apenas os trabalhos num certo e determinado troço, mandando selar a parcela correspondente. Isto, como observa Cláudio Monteiro, se a parte embargada possuir autonomia funcional bastante. Por outro lado, se do imediato embargo da obra são de recear perigos concretos para a segurança de pessoas e bens, o mesmo órgão pode ver-se compelido a tolerar a conclusão de certa tarefa (v. g. trabalhos de contenção periférica), para obstar a um mal maior.

À partida, o embargo de obra não iniciada ou de obra já concluída mostrar-se-ia privado de efeito útil, podendo admitir-se a sua nulidade por consistir em acto de objecto impossível.

Esta posição merece-nos algumas reservas. Desde logo, não se vê por que motivo não possa — e não deva até — ser determinado o embargo de obras cujos trabalhos preparatórios evidenciem o pronto inicio em determinado local: acumulação de materiais e equipamentos, preparação de estaleiros, conhecimento de um contrato de empreitada. Recorde-se que o embargo tem essencialmente um fim preventivo e, como tal, seria absurdo ter de aguardar pelo flagrante delito — «aterros, escavações ou terraplanagens e derrube de árvores em maciço»— para poder interditar-se o início dos trabalhos. Recorde-se aliás o efeito suspensivo que a ordem de embargo tem sobre a eficácia da licença ou da autorização (artigo 103 º, n.° 2).

Quanto a obras já concluídas, o embargo tem também um efeito útil. Trata-se de proibir a utilização do edifício ou da parte ampliada. Dir-se-ia que a medida adequada seria a ordem para cessação da utilização seguida de despejo coercivo, sendo esse o caso. Contudo, a utilização só pode ser feita cessar se já tiver sido iniciada. Uma vez mais, o embargo mostra-se como medida de polícia com alcance preventivo, por excelência.

E é solução que nos parecia bem mais avisada. Com efeito, deve presumir-se que o executante da obra é comitido pelo titular da licença ou pelo proprietário. Se o não é, actuando com esbulho do terreno, a notificação ao proprietário só permite fazer cessar os trabalhos quando este lançar mão dos meios possessórios ou usar o embargo civil de obra nova.

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Qualquer executante de uma obra sem licença ou contra a licença é o primeiro responsável pela infracção. Trata-se de uma infracção formal, de mera actividade.

Com o RJUE, o legislador veio, pela primeira vez, estabelecer expressamente um termo de caducidade da ordem municipal de embargo. Resulta do n.° 1 que o embargo deve estar sujeito a um termo certo, muito embora possa caducar antes do termo, se vier a ser definida a situação jurídica da operação — ou por legalização com ou sem trabalhos de correcção, por demolição ou simplesmente por revogação do embargo. Se nenhum prazo for estabelecido, o embargo caduca supletivamente ao cabo de seis meses, a menos que seja prorrogado, no máximo, por outro prazo igual (n.° 2).

O embargo determina a suspensão do abastecimento ao local de energia eléctrica, gás e água (artigo 103.°, n.° 3).

Por outro lado, suspende o prazo de caducidade da licença ou da autorização (artigo 103°, n.° 4) — o que bem se percebe se nos recordarmos que a licença é ipso facto suspensa (artigo 103.°, n.° 2).

7. A DEMOLIÇÃO

A demolição não é apenas uma medida de polícia administrativa. Pode resultar de uma iniciativa particular e, nessa qualidade, trata-se de uma operação urbanística enunciada no artigo 2.°, alínea g), analisaria supra.

Sujeitar-se-á a vários condicionalismos que pretendem, no essencial, obstar a fenómenos especulativos e preservar a paisagem urbana, para além da protecção dos imóveis classificados ou em vias de classificação.

Mas, a demolição surge também como medida de polícia administrativa, a intimar ao proprietário perante situações de iminente ruína (escorregamento, aluimento ou colapso de edificações), por necessidade de execução de plano ou perante edificações não susceptíveis de se conformarem com normas urbanísticas substantivas, ou seja, perante situações de obras materialmente ilegais. (FIM ANDRÉ FOLQUE)

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