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Reflexões sobre os Direitos Humanos no Mundo Muçulmano 1 Hidemberg Alves da Frota Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas — CIESA. RESUMO Este trabalho se debruça sobre polêmicas hodiernas concernentes aos direitos humanos no mundo islamita, identificando-se antes parâmetros elementares sobre o Direito muçulmano. Neste artigo, averigua-se tanto a repercussão na comunidade islâmica da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, quanto a mais atual formulação muçulmana do Direito Internacional dos Direitos Humanos, plas- mada na Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã, de 1990. Medita- se, ainda, acerca da liberdade religiosa nos Estados de maioria muçulmana e se aven- ta o federalismo comunitário como modo de se aprimorar a deferência aos direitos humanos em países de maioria islâmica onde grassam conflitos étnico-religiosos. Palavras-chave: Direitos humanos; Direito muçulmano; Declaração Universal dos Direitos Humanos; Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã; liberdade religiosa em Estados de maioria muçulmana; federalismo comunitário. 1 Dedico este artigo ao Prof. J. M. Othon Sidou, pelas entusiasmadas lições de Direito Comparado, pela firme convicção de que o Direito possui princípios gerais universais e por defender a unicidade jurídica universal.

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Reflexões sobre os Direitos Humanos no Mundo Muçulmano1

Hidemberg Alves da FrotaBacharel em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas — CIESA.

RESUMO

Este trabalho se debruça sobre polêmicas hodiernas concernentes aos direitoshumanos no mundo islamita, identificando-se antes parâmetros elementares sobreo Direito muçulmano. Neste artigo, averigua-se tanto a repercussão na comunidadeislâmica da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, quanto a maisatual formulação muçulmana do Direito Internacional dos Direitos Humanos, plas-mada na Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã, de 1990. Medita-se, ainda, acerca da liberdade religiosa nos Estados de maioria muçulmana e se aven-ta o federalismo comunitário como modo de se aprimorar a deferência aos direitoshumanos em países de maioria islâmica onde grassam conflitos étnico-religiosos.

Palavras-chave: Direitos humanos; Direito muçulmano; Declaração Universal dosDireitos Humanos; Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã; liberdadereligiosa em Estados de maioria muçulmana; federalismo comunitário.

1 Dedico este artigo ao Prof. J. M. Othon Sidou, pelas entusiasmadas lições de DireitoComparado, pela firme convicção de que o Direito possui princípios gerais universais e pordefender a unicidade jurídica universal.

1. INTRODUÇÃO

Este texto esquadrinha questões essenciais envolvendo os direitoshumanos no mundo islâmico da atualidade. Primeiro, alinhavam-se linea-mentos sobre os seculares fundamentos do Direito muçulmano. Depois,perscrutam-se os aspectos favoráveis e desfavoráveis à eficácia da DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos, de 1948, na comunidade islâmica interna-cional, discutindo-se, ainda, a legitimidade no mundo muçulmano da pro-posta universalista da DUDH e seus pontos de convergência e divergênciacom a cultura islamita.

Feito isso, coteja-se o conteúdo dessa Declaração da ONU com o teor daDeclaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã, de 1990, além de secomparar o contexto histórico no qual ambas floresceram e se destrinçarem asfontes jurídicas que inspiraram a elaboração dos atos internacionais em testilha.

Realizados os aludidos contrastes, passa-se à análise comparada do respei-to à liberdade de religião e correlatas nos 44 Estados nacionais de maioria isla-mita, ao se estudar o disposto em suas respectivas ordens constitucionais, inclu-sive o feitio religioso ou laico de tais aparelhos estatais.

Por último, propõe-se o federalismo comunitário como meio de nações demaioria islâmica vincadas por históricos embates de intolerância étnico-religiosase transformarem em países mais arejados para a promoção dos direitos huma-nos e a reconciliação nacional.

2. NOÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO MUÇULMANO

O Direito muçulmano, islâmico, islamita ou maometano lato sensu (englo-bando toda a ética islâmica) se denomina Shari’a2 e stricto sensu (circunscritoàs suas regras) se intitula Fikh (ou Fiqh).3 Em sua gênese, abeberou-se no Direitobizantino, no Direito persa e, máxime, na fonte consuetudinária árabe.4

A doutrina muçulmana preconiza “uma ascética ética de autocontro-le”5 incidente sobre todos os aspectos do cotidiano e da vida social. A fé islâ-mica corporifica no Shari’a código moral coletivo,6 da seara pública e pri-vada,7 o qual, portanto, distingue-se do Direito romano-germânico e do

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2 SERAJZADEH, Seyed Hossein. Islam and crime: the moral community of muslims. Journalof Arabic and Islamic Studies, Bergen, v. 4, jan. 2001-dec. 2002, p. 121

3 HOOKER, M. B. Introduction: Islamic Law in South-east Asia. Asian Law, Annandale, v. 4,nº 3, nov. 2002-jan. 2003, p. 214.

4 SIDOU, José Maria Othon. Fundamentos do direito aplicado. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 2003, p. 228.

5 SERAJZADEH, Seyed Hossein. Op. cit., p. 111, tradução nossa.6 Ibid., p. 111.7 Ibid., p. 119.

Common Law em função de servir de repositório estatal das revelações divi-nas ventiladas pelo islamismo.8

Sua fonte legal se radica na tradição muçulmana (hadith),9 ancorada emquatro alicerces básicos:

1. o Alcorão (Kur’an),10 obra sócio-religiosa fundamental do islamismo,11

encerra os princípios norteadores “da vida dos muçulmanos em socie-dade”;12

2. a Suna (Sunna), feixe de normas centrado na biografia e nos ensina-mentos de Maomé13;

3. o Idjma, “entendimento unânime dos teólogos juristas, baseado no com-portamento da coletividade devota no momento em que enunciado”;14

4. e o Kiyas, “assentado no raciocínio analógico e na eqüidade, princípiosabsorvidos do direito helênico, não mais dos textos revelados ou inspi-rados por Alá”.15

O conjunto desses quatro livros forma a Enciclopédia do Islã.16

Em patamar inferior ao da Enciclopédia Muçulmana, repousam o costume(“hábitos e usos praticados após a Sunna e não os do universo islâmico, mas osde cada coletividade”)17 e a jurisprudência (composta de precedentes petrifica-dos, sem mutabilidade).18

A jurisprudência do Shari’a não serve de caixa de ressonância para diplomaslegislativos (como ocorre no Direito romano-germânico) ou para precedentes judi-ciais (próprios do Common Law),19 porém ecoa o entendimento de correntes jurídi-co-teológicas islâmicas, das quais se destacam estas quatro grandes escolas:

1. Henafita,20 a mais antiga e numerosa, predominante nas comunidadesislâmicas da Índia, Paquistão e Bangladesh, nasceu no século VIII eincorporou a analogia e a eqüidade ao Shari’a;21

2. Malekita, preponderante na África do Norte,22 aventa soluções jurídicas“que contornam por artifício os preceitos do Corão, sem incidir emheresia”;23

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8 SIDOU, José Maria Othon. Op. cit., loc. cit.9 Ibid., p. 226.10 HOOKER, M. B. Op. cit., loc. cit.11 SIDOU, José Maria Othon. Op. cit., p. 225.12 Ibid., p. 224.13 HOOKER, M. B. Op. cit., loc. cit.14 SIDOU, José Maria Othon. Op. cit., p. 226.15 Ibid., loc. cit.16 HOOKER, M. B. Op. cit., loc. cit.17 SIDOU, José Maria Othon. Op. cit., p. 224.18 Ibid., loc. cit.19 HOOKE, M. B. Op. cit., p. 214.20 SIDOU, José Maria Othon. Op. cit., p. 227.21 Ibid., p. 227-228.22 Ibid., p. 228.23 Ibid., p. 227.

3. Chafita, prevalecente nas comunidades islâmicas da Indonésia e dasFilipinas, elaborou o pensamento justeológico exposto no Idjma;

4. Hambalita, dominante no Irã, no Afeganistão e na África Central eOriental, caracteriza-se pela rigorosa interpretação gramatical dos tex-tos sagrados islâmicos.24

Por meio da ratificação de tratados e da edição de diplomas legislativos(inclusive codificações), nos ordenamentos jurídicos de Estados de maioria islâ-mica desde o início do século XX25 aumenta tanto a presença de normas jurídi-cas estribadas “na razão humana e no comparatismo”,26 quanto à assimilação doDireito ocidental (de matriz romano-germânica e anglo-saxônica)27 nos campospenal e cível.28

Com efeito, em países muçulmanos da África do Norte e do Oriente Médio,os hodiernos cursos de graduação em Direito refletem poderosa influência doDireito da França e do Reino Unido, que, até a descolonização no século XX(intensificada em sua segunda metade), constituíam as potências coloniais euro-péias de maior presença na região.29

Por outro lado, desde o final do século XX, “o movimento pelo revigora-mento do islamismo”30 tem reivindicado a reintrodução do Shari’a no cerne daordem jurídica estatal, o que se evidenciou bem-sucedida na República Islâmicado Irã, mormente na arena penal.31

Em nações de expressiva comunidade islâmica (Ummah)32 o sistema jurí-dico muçulmano coexiste com a ordem jurídica estatal, a exemplo da Malásia.33

3. A UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS NO MUNDOISLÂMICO

3.1 O debate em torno do discurso universalista da Declaração Universaldos Direitos Humanos

Adotada e proclamada pela Resolução nº 217 A (III) da Assembléia Geraldas Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos

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24 Ibid., p. 227-228.25 SERAJZADEH, Seyed Hossein. Op. cit., p. 121.26 SIDOU, José Maria Othon. Op. cit., p. 238.27 Ibid., loc. cit.28 SERAJZADEH, Seyed Hossein. Op. cit., loc. cit.29 MALLAT, Chibli. Federalism in the Middle East and Europe. Case Western Reserve Journal of

International Law, Cleveland, v. 35, nº 1, set.-dec. 2003, p. 10-11.30 SERAJZADEH, Seyed Hossein. Op. cit., p. 124, tradução nossa.31 Ibid., p. 124.32 MORRISON, Heidi. Beyond universalism. Muslim World Journal of Human Rights, Berkeley,

v. 1, nº 1, jan.-dec. 2004, p. 13.33 HOOKE, M. B. Op. cit., p. 222.

Direitos Humanos34 — DUDH tem sua legitimidade questionada no mundomuçulmano, nomeadamente a partir da Revolução Islâmica do Irã, em 1979, quederrubou a monarquia pró-Ocidente, do Xá Reza Pahlevi, e instaurou Repúblicaislâmica com contornos de teocracia de orientação xiita.35

Desde então, membros mais conservadores da comunidade muçulmanamundial passaram a pôr em xeque de forma mais vigorosa a “validade transcul-tural”36 de normas contidas na DUDH que ressoam princípios sedimentados noDireito ocidental, todavia estranhos ao Shari’a e à tradição islamita, a começarpela liberdade religiosa (art. 18)37 — que implica a separação entre o Estado e oclero, autoridade secular e religiosa — e pela liberdade de matrimônio (art.16).38 O exercício de tais liberdades concederia ao ser humano grau de discri-cionariedade pessoal blasfemo na óptica do Alcorão39 e o discurso da universali-dade dos direitos humanos à moda ocidental teria como substrato a ideologiamaterialista do capitalismo globalizado.40

Artigo XVI1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restriçãode raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrairmatrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos emrelação ao casamento, sua duração e sua dissolução.2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno con-sentimento dos nubentes.41

[...]Artigo XVIIIToda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciênciae religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião oucrença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, peloensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada oucoletivamente, em público ou em particular.42

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34 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos(1948). Disponível em: <http://www.mj.gov.br>. Acesso em: 17 set. 2004.

35 IGNATIEFF, Michael. The attack on human rights. Foreign Affairs, New York, v. 80, nº 6,nov.-dec. 2001, p. 103.

36 IGNATIEFF, Michael. Op. cit., p. 102, tradução nossa.37 IGNATIEFF, Michael. Op. cit., p. 103.38 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos

(1948). Disponível em: <http://www.mj.gov.br>. Acesso em: 17 set. 2004.39 IGNATIEFF, Michael. Op. cit., p. 104.40 Ibid., p. 111.41 Ibid., loc. cit.42 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos

(1948). Disponível em: <http://www.mj.gov.br>. Acesso em: 17 set. 2004.

Não se trata, impende frisar, de posicionamento uníssono no mundo islâmi-co. Em países norte-africanos integrados à economia global e com classe média con-siderável, a opinião pública se revela mais aberta a valores ocidentais.43 Setores rele-vantes da sociedade egípcia, por exemplo, tendem a enxergar com relativa parci-mônia o direito feminino ao divórcio.44 Nada obstante, no Sudeste Asiático, naçõesmuçulmanas com economias de mercado — a exemplo da Malásia — repelem osdireitos humanos à moda ocidental em nome da primazia dos interesses da famíliae da coletividade sobre o materialismo individualista.45

Em contraponto, avulta-se nova maneira de se vislumbrar a universalidadeda Declaração Universal dos Direitos Humanos: embora não goze de aceitaçãouniversal, traz em seu bojo direitos universais, que têm como destinatários pre-cípuos os hipossuficientes, aqueles cuja esfera de autonomia individual se vêtolhida por poderosas autoridades estatais, tribais, religiosas e familiares.46

Em todo o globo, os direitos humanos à moda ocidental ofereceriammeios de se harmonizarem os interesses sociais e individuais com o fito de queaqueles não aniquilem estes.47 Não representariam adesão à civilização ocidentale sim a indispensável proteção da integridade pessoal ante excessos do com-portamento alheio, inclusive do corpo social (v.g., clamor das mulheres do meiorural paquistanês contra o incendeio de esposas desobedientes), e a melhorintegração do ser humano em sua sociedade (reclamos de mulheres afegãs aorganismos internacionais, em prol de haver, no Afeganistão, à época do regimetalibã, a possibilidade de as mulheres conjugarem o culto às tradições locais como acesso a serviços profissionalizados de educação e saúde).48

Em vez de traduzir pura e simples imposição orquestrada por organismosinternacionais governamentais e Estados nacionais ocidentais, a reverência aosdireitos humanos, irradiados pela DUDH, significaria proporcionar vazão aosanseios da população mais desfavorecida (posta na base da pirâmide social)49 deinfluir na cultura e nos rumos da sua sociedade.50

Ainda em contra-argumento, recorda-se a militância em benefício dosdireitos humanos, à moda ocidental, feita por organizações internacionais não-governamentais (ONGs) contra interesses de vultosas empresas multinacionais,a exemplo das ONGs que lutam pelo respeito aos direitos trabalhistas de empre-gados da Nike e da Royal Dutch/Shell em países subdesenvolvidos.51

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43 Ibid., p. 104.44 Ibid., loc. cit.45 Ibid., p. 105.46 Ibid., p. 109.47 Ibid., p. 110.48 Ibid., p. 110-111.49 Ibid., p. 112.50 Ibid., p. 113.51 Ibid., p. 111-112.

3.2 Os antecedentes da Declaração Universal dos Direitos Humanos e daDeclaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã

Após a Segunda Guerra Mundialm a Declaração Universal dos DireitosHumanos, da ONU, de 1948, recendeu na cena internacional a promoção dos direi-tos individuais (civis e políticos) herdados do constitucionalismo ocidental da alvo-rada do Estado Liberal de Direito, que no final do século XVIII, na esteira dasRevoluções Americana, de 1776, e Francesa, de 1789, gerou diplomas constitucio-nais antológicos (respectivamente, a Constituição dos Estados Unidos, de 1787, e aDeclaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789).52 Também regurgitou ocontributo do parlamentarismo britânico, inserto na Magna Carta, de 1215, e naCarta de Direitos (Bill of Rights), de 1689 (“documentos de natureza materialmenteconstitucional”).53 Seguiu, ainda, os passos dos movimentos missionários oitocentis-tas antiescravagistas e pró-sufrágio universal.54

Dentre as apontadas raízes históricas da DUDH, enfatizam-se dois legadosde suma importância:

1. da Constituição estadunidense e da Declaração Francesa dos DireitosHumanos, em face de ambas aclararem que “todos os homens são seres huma-nos”55 e fazem jus a direitos políticos.56 Examinando-se Emendas à CartaConstitucional dos EUA, sublinha-se seja a extensão a todos os seres humanosdo devido processo legal (Emenda V ), seja a proibição de escravidão (EmendaXIII, seção 1, 1ª parte) e de obstar-se o direito a voto com base em critériosraciais (Emenda XV, seção 1). No Diploma Maior da Revolução Francesa, ressal-ta-se a concepção de que todos os homens tanto nascem (e devem ser) livres,quanto possuem direitos iguais (art. 1º, 1ª parte), inclusive políticos, em se tra-tando de cidadãos (art. 6º);

Emenda VNinguém será detido para responder por crime capital, ou outrocrime infamante, salvo por denúncia ou acusação perante umGrande Júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guer-ra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou namilícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo mesmo crimeser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde; nem ser obrigadoem qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si

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52 MORRISON, Heidi. Op. cit., p. 1-2.53 PINHEIRO, Luís Felipe Valerim. O devido processo legal e o processo administrativo. Fórum

Administrativo: Direito Público. Belo Horizonte, ano 2, n. 20, out. 2002, p. 1.324.54 MORRISON, Heidi. Op. cit., p. 1.55 Ibid., p. 2, tradução nossa.56 Ibid., p. 2.

mesmo; nem ser privado da vida, liberdade, ou bens, sem [devido]processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriadapara uso público, sem justa indenização. (grifos nossos)[...]Emenda XIIISeção 1Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito àsua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvocomo punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devida-mente condenado. [...] [...]Emenda XVSeção 1O direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos não poderáser negado ou cerceado pelos Estados Unidos, nem por qualquerEstado, por motivo de raça, cor ou de prévio estado de servidão.[...]Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As dis-tinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.[...]Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãostêm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de manda-tários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos,seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguaisa seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades,lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e semoutra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seustalentos.57 (grifos originais)

2. e dos missionários cristãos do século XIX, pioneiros em materializarema filosofia da solidariedade a estranhos e em cultivarem a idéia de que todostemos alma e, em conseqüência, todos somos humanos.58

Emergindo em uma ordem internacional sob os escombros da recém-termi-nada Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, daONU, almejou robustecer o Direito Natural, de maneira a precaver a humanidadecontra experiências similares à do nazifascismo, em que o Direito Positivo agasa-lhou arbitrariedades do Poder Público.59 O Código Penal italiano, de 1930 (“Código

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57 Ibid., loc. cit.58 MORRISON, Heidi. Op. cit., p. 2.59 Ibid., loc. cit.

Rocco”) considerava “delito contra a personalidade do Estado injuriar ‘a honra ouo prestígio do chefe de governo’ (art. 282)”60. Em 1935, o princípio da legalidade foiextirpado do Código Penal alemão, cujo art. 2º passou a prescrever a punição dequem “comete um ato que a lei declara punível ou que, conforme a idéia funda-mental de uma lei penal e ao sentimento do povo, merece ser punido”.61

Já a Declaração do Cairo, sobre os Direitos Humanos, no Islã, de 1990, foiprecedida pela desilusão de setores da comunidade muçulmana com o Ocidente epelo ressurgimento dos movimentos islâmicos conservadores, ambos os resultados,quer da busca pela preservação da identidade islamita em meio aos embates ideo-lógicos da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética, quer da derro-ta árabe (do Egito, Jordânia e Síria) para Israel, na Guerra Árabe-israelita de 1967, anominada Guerra dos Seis Dias ou Guerra de Junho (ao cabo da qual Israel assu-miu o controle da Península do Sinai, da Faixa de Gaza, das Colinas do Golã, daCisjordânia e anexou Jerusalém Oriental),62 cujos reflexos jurídicos, antes de sefazerem presentes na Declaração do Cairo, de 1990, manifestaram-se no apareci-mento da Constituição da República Islâmica do Irã, de 1979, e da DeclaraçãoUniversal Islâmica dos Direitos Humanos — DUIDH, de 1981.63

A atual Constituição iraniana fundeou a República Islâmica no senso dejustiça corânico (art. 1º), submeteu o Direito Legislado aos comandos de Deus(art. 2º (1), (2) e (4)) e sujeitou todo o ordenamento jurídico iraniano aos cri-térios do Islã, inclusive matérias civil, penal, financeira, econômica, administra-tiva, cultural, militar e política (art. 4º).

Chapter I General PrinciplesArticle 1 [Form of Government]The form of government of Iran is that of an Islamic Republic,endorsed by the people of Iran on the basis of their longstandingbelief in the sovereignty of truth and Koranic justice, in the refe-rendum of 29 and 30 March 1979, through the affirmative voteof a majority of 98.2% of eligible voters, held after the victoriousIslamic Revolution led by Imam Khumayni.[…]Article 2 [Foundational Principles]The Islamic Republic is a system based on belief in:

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60 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:parte geral. 3. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 333.

61 Ibid., p. 335.62 HERITAGE, Andrew; CAVANAGH, Louise. Enciclopédia Geográfica Universal. Rio de Janeiro:

Globo, 1995, v. 5, p. 306-307; PREECE, Warren E. (Ed.). The New Encyclopaedia Britannica:Macropaedia. Chicago: 15th ed., 1980, v. 9, p. 774-775.

63 MORRISON, Heidi. Op. cit., p. 13.

1) the One God (as stated in the phrase “There is no god exceptAllah”), His exclusive sovereignty and right to legislate, and thenecessity of submission to His commands; 2) Divine revelation and its fundamental role in setting forththe laws; […]4) the justice of God in creation and legislation;[…]

Article 4 [Islamic Principle]All civil, penal financial, economic, administrative, cultural,military, political, and other laws and regulations must bebased on Islamic criteria. This principle applies absolutely andgenerally to all articles of the Constitution as well as to all otherlaws and regulations, and the wise persons of the GuardianCouncil are judges in this matter64 (grifos originais).

Apesar de ter reconhecido como minorias religiosas apenas as comunida-des zoroástrica, judaica e cristã do Irã (art. 13),65 a Constituição iraniana de 1979,em relação aos não-muçulmanos que se abstêm de atuarem contra o Islã e aRepública Islâmica do Irã, positivou o dever desta e de todos os muçulmanostanto os tratarem de acordo com as normas éticas e os princípios de justiça eeqüidade islâmicos, quanto respeitarem seus direitos humanos (art. 14).66

Article 13 [Recognized Religious Minorities]Zoroastrian, Jewish, and Christian Iranians are the only recog-nized religious minorities, who, within the limits of the law, arefree to perform their religious rites and ceremonies, and to actaccording to their own canon in matters of personal affairs andreligious education.Article 14 [Non-Muslims’ Rights]In accordance with the sacred verse “God does not forbid you todeal kindly and justly with those who have not fought against youbecause of your religion and who have not expelled you from yourhomes” [60:8], the government of the Islamic Republic of Iran andall Muslims are duty-bound to treat non-Muslims in conformitywith ethical norms and the principles of Islamic justice and equity,and to respect their human rights. This principle applies to all who

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64 IRÃ. The Constitution of the Islamic Republic of Iran. Disponível em:<http://www.oefre.unibe.ch>. Acesso em: 26 abr. 2005.

65 Ibid., loc. cit.66 Ibid., loc. cit.

refrain from engaging in conspiracy or activity against Islam andthe Islamic Republic of Iran.67 (grifos originais)

Estipulou a inviolabilidade da dignidade, da vida, da propriedade, dosdireitos, da residência e da ocupação do indivíduo, salvo nos casos previstos emlei (art. 22). Proibiu investigações sobre as crenças do ser humano ou puniçõesem função de se esposar determinada crença (art. 23). Restringiu a liberdade deexpressão da imprensa se, nos termos da lei, evidencia-se detrimentosa aos prin-cípios fundamentais do Islã e aos direitos do público (art. 24).

Article 22 [Human Dignity and Rights]The dignity, life, property, rights, residence, and occupation ofthe individual are inviolate, except in cases sanctioned by law.Article 23 [Freedom of Belief]The investigation of individuals’ beliefs is forbidden, and no onemay be molested or taken to task simply for holding a certain belief.Article 24 [Freedom of the Press]Publications and the press have freedom of expression exceptwhen it is detrimental to the fundamental principles of Islam orthe rights of the public. The details of this exception will be spe-cified by law.68

Dentre as normas entalhadas na hodierna Constituição do Irã, sobressaemestas quatro:

1. O princípio comunitário (art. 8º),69 extraído do início do versículo 71,da 9ª Surata, do Alcorão, segundo o qual “os fiéis e as fiéis são protetores unsdos outros; recomendam o bem, proíbem o ilícito”,70 além de consubstanciardever universal e recíproco, aplica-se ao povo e ao governo e às relações esta-belecidas entre ambos;

Article 8 [Community Principle]In the Islamic Republic of Iran, “al-’amr bilma’ruf wa al-nahy ‘anal-munkar” is a universal and reciprocal duty that must be fulfil-led by the people with respect to one another, by the governmentwith respect to the people, and by the people with respect to thegovernment. The conditions, limits, and nature of this duty will be

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67 Ibid., loc. cit.68 Ibid., loc. cit.69 Ibid., loc. cit.70 ALCORÃO. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/alcorao.htm>. Acesso em: 30 abr.

2005.

specified by law. (This is in accordance with the Koranic verse “Thebelievers, men and women, are guardians of one another; theyenjoin the good and forbid the evil.” [9:71])71 (grifos originais)

2. o princípio da independência (art. 9º), a indissociar a liberdade, a inde-pendência, a unidade e a integridade territorial do Irã, constitui norma obriga-tória para o governo e os cidadãos iranianos e veda qualquer indivíduo, grupoou autoridade de, a pretexto de exercer dada liberdade, maltratar a indepen-dência (política, cultural, econômica e militar) e a integridade territorial do Irã,como também proíbe qualquer autoridade de ab-rogar liberdades legítimas, afim de garantir a independência e a integridade territorial nacional;

Article 9 [Independence Principle]In the Islamic Republic of Iran, the freedom, independence,unity, and territorial integrity of the country are inseparablefrom one another, and their preservation is the duty of thegovernment and all individual citizens. No individual, group, orauthority, has the right to infringe in the slightest way upon thepolitical, cultural, economic, and military independence or theterritorial integrity of Iran under the pretext of exercising free-dom. Similarly, no authority has the right to abrogate legitima-te freedoms, not even by enacting laws and regulations for thatpurpose, under the pretext of preserving the independence andterritorial integrity of the country.72

3. o princípio da família (art. 10), que avista na família a unidade funda-mental da sociedade islâmica e comete às leis, regulamentos e pertinentes pro-gramas a finalidade de facilitarem a formação da família e salvaguardarem suasantidade e a estabilidade das relações familiares, com base nas normas do Islã;

Article 10 [Family Principle]Since the family is the fundamental unit of Islamic society, alllaws, regulations, and pertinent programs must tend to facilita-te the formation of a family, and to safeguard its sanctity andthe stability of family relations on the basis of the law and theethics of Islam.73

662 faculdade de direito de bauru

71 IRÃ. The Constitution of the Islamic Republic of Iran. Disponível em:<http://www.oefre.unibe.ch>. Acesso em: 26 abr. 2005.

72 Ibid., loc. cit.73 Ibid., loc. cit.

4. o princípio da unidade do Islã (art. 11), abaliza o versículo 92, da 21ªSurata74 — “Esta vossa comunidade é a comunidade única e Eu sou o vossoSenhor. Adorai-Me, portanto (e a nenhum outro)!” —, preconiza a existência deuma única nação para todos os muçulmanos e divisa o múnus da RepúblicaIslâmica do Irã formular políticas gerais voltadas a cultivar a amizade e a unida-de entre todos os islâmicos e se empenhar na construção da unidade política,econômica e cultural no mundo islamita.

Article 11 [Unity of Islam Principle]In accordance with the sacred verse of the Koran “This your com-munity is a single community, and I am your Lord, so worshipMe” [21:92], all Muslims form a single nation, and the govern-ment of the Islamic Republic of Iran have the duty of formulatingits general policies with a view to cultivating the friendship andunity of all Muslim peoples, and it must constantly strive tobring about the political, economic, and cultural unity of theIslamic world.75

Assinado por Salem Azzam, à época Secretário-Geral do ConselhoIslâmico, o prefácio da Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos, de1981, percebe que em Deus reside o pólo irradiador dos direitos humanos, aconferirem honra e dignidade à humanidade e a eliminarem exploração, opres-são e injustiça.76

ForewordIslam gave to mankind an ideal code of human rights fourteen cen-turies ago. These rights aim at conferring honor and dignity onmankind and eliminating exploitation, oppression and injustice.Human rights in Islam are firmly rooted in the belief that God, andGod alone, is the Law Giver and the Source of all human rights.Due to their Divine origin, no ruler, government, assembly or aut-hority can curtail or violate in any way the human rights confer-red by God, nor can they be surrendered. (grifo original)[…]

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74 ALCORÃO. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/alcorao.htm>. Acesso em: 30 abr.2005.

75 IRÃ. The Constitution of the Islamic Republic of Iran. Disponível em:<http://www.oefre.unibe.ch>. Acesso em: 26 abr. 2005.

76 CONSELHO ISLÂMICO. Universal Islamic Declaration of Human Rights. Disponível em:<http://www.alhewar.com>. Acesso em: 26 abr. 2005.

A Declaração Universal Islâmica dos Direitos Humanos, cujo campo deincidência abarca todos os homens e mulheres da comunidade islâmica mun-dial (Ummah Islamia), reverbera os direitos humanos revelados por Deus,por meio do Direito muçulmano (Shari’a) e os deveres a eles correspon-dentes, dilucidam as Notas Explicativas do mencionado ato internacional,em seus itens 1 e 2.77

Explanatory Notes1 In the above formulation of Human Rights, unless the contextprovides otherwise:a) the term ‘person’ refers to both the male and female sexes.b) the term ‘Law’ denotes the Shari’ah, i.e. the totality of ordi-nances derived from the Qur’an and the Sunnah and any otherlaws that are deduced from these two sources by methods consi-dered valid in Islamic jurisprudence.

2 Each one of the Human Rights enunciated in this declaration carries acorresponding duty.

[…]

Do ponto de vista da DUIDH os direitos humanos se condicionam aos con-tornos delineados pelo Shari’a e deste dimanam o fundamento para a conde-nação criminal do indivíduo,78 o tratamento justo e generoso a ser conferido aostrabalhadores,79 o direito e o dever de se socorrer dos remédios legais para adefesa contra lesões ou danos pessoais injustificados,80 os temperamentos aodireito à vida, à integridade física e à liberdade lato sensu81 (gênero no qual seencartam as liberdades física, cultural, econômica e política,82 incluindo-se aliberdade de crença, pensamento, expressão;83 informação;84 residência e loco-moção)85 e a moldura a que se circunscrevem os direitos à subsistência,86 ao exer-cício de atividades econômicas,87 à distribuição de renda,88 ao casamento, a cons-

664 faculdade de direito de bauru

77 Ibid., loc. cit.78 Art. 5º, alínea “d”.79 Art. 17.80 Art. 4º, alínea “b”, 2ª parte.81 Arts. 1º e 2º.82 Art. 2º, alínea “b”.83 Art. 12, alínea “a”, 1ª parte.84 Art. 12, alínea “d”.85 Art. 23, alínea “b”.86 Art. 15, alínea “b”.87 Art. 15, alínea “g”.88 Art. 15, alínea “d”.

tituir família e a criar filhos em sintonia com sua religião, tradição e cultura,89

além dos direitos da esposa viver na residência onde mora o marido,90 ser muni-ciada de meios de subsistência não-inferiores ao do marido (inclusive enquantoaguarda o divórcio),91 ao divórcio,92 à herança93 e à confidencialidade das infor-mações do conhecimento do marido ou ex-marido, cuja revelação seja deletériaaos interesses da esposa ou ex-esposa (dever equivalente possui a consorte ouex-consorte em relação ao esposo ou ex-esposo).94

A DUIDH reverencia os interesses comunitários, ao abranger seja o direitoe dever de cada indivíduo lutar pelo respeito aos direitos de quaisquer outraspessoas e da comunidade (art. 4º, alínea “c”), seja a proibição das atividades eco-nômicas e dos meios de produção contrariarem os interesses da comunidade(art. 15, alíneas “e” e “g”).

c) It is the right and duty of every person to defend the rights ofany other person and the community in general (Hisbah).[...]e) All means of production shall be utilized in the interest of thecommunity (Ummah) as a whole, and may not be neglected ormisused.[…]g) All economic activities are permitted provided they are notdetrimental to the interests of the community (Ummah) and donot violate Islamic laws and values.95

Por outro lado, a DUIDH ressalta o dever da comunidade, quer fomentarcondições para o pleno desenvolvimento da personalidade humana (art. 14, alí-nea “b”), quer assistir pessoas temporária ou permanentemente incapacitadas(art. 18, 2ª parte).

XIV Right to Free Association[…]b) Every person is entitled to strive for the establishment of ins-titutions where under an enjoyment of these rights would bemade possible. Collectively, the community is obliged to esta-

665Revista do instituto de pesquisas e estudos n. 44

89 Art. 19, alínea “a”.90 Art. 20, alínea “a”.91 Art. 20, alínea “b”.92 Art. 20, alínea “c”.93 Art. 20, alínea “d”.94 Art. 20, alínea “e”.95 CONSELHO ISLÂMICO. Universal Islamic Declaration of Human Rights. Disponível em:

<http://www.alhewar.com>. Acesso em: 26 abr. 2005.

blish conditions so as to allow its members full development oftheir personalities.[…]XVIII Right to Social Security[…]. This obligation of the community extends in particular toall individuals who cannot take care of themselves due to sometemporary or permanent disability.96 (grifos nossos)

No tocante ao direito à (e ao dever de) resistência, a Declaração UniversalIslâmica dos Direitos Humanos agasalha não só o direito a (e o dever de) deso-bedecer a comandos afrontosos ao Direito muçulmano (art. 4º, “e”), como tam-bém o direito a (e o dever de) protestar e lutar contra a opressão, mesmo seemanada de altas autoridades estatais (art. 12, alínea “c”).

IV Right to Justice[...]e) It is the right and duty of every Muslim to refuse to obey anycommand which is contrary to the Law, no matter by whom itmay be issued.[…]XII Right to Freedom of Belief, Thought and Speech[…]c) It is the right and duty of every Muslim to protest and strive(within the limits set out by the Law) against oppression even ifit involves challenging the highest authority in the state.97

3.3 O cotejo entre a Declaração Universal dos Direitos Humanos e aDeclaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã

3.3.1 Direito à igualdade e ao devido processo legal

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, da AssembléiaGeral das Nações Unidas, clarifica que todas as pessoas nascem livres eiguais em dignidade e direitos,98 têm capacidade para gozar os direitos e asliberdades nela estabelecidos, sem quaisquer discriminações (v.g., raça, cor,sexo, língua, religião, opinião, origem nacional ou social, riqueza e nasci-mento).99

666 faculdade de direito de bauru

96 Ibid., loc. cit.97 Ibid., loc. cit.98 Art. 1º, 1ª parte.99 Art. 2º.

Emoldurada pelo Direito muçulmano,100 à luz do qual deve ser interpreta-da,101 a Declaração do Cairo sobre Direitos Humanos no Islã, de 1990, da 19ªConferência Islâmica dos Ministros das Relações Exteriores, estatui que todos osseres humanos formam família única, subordinada a Alá e descendente deAdão,102 que todos os homens são iguais em termos de dignidade humana, direi-tos e obrigações básicos, sem quaisquer discriminações (e.g., raça, cor, língua,crença, sexo, religião, filiação política e status social),103 que a religião verdadei-ra (o islamismo) assegura o alcance de tal dignidade essencial e da integração dahumanidade104 e que os seres humanos mais amados por Alá são aqueles maisbenéficos a Seus súditos e ninguém é superior a ninguém, salvo quanto ao graude piedade e boas ações.

A Declaração da ONU, de 1948, reconhece a todos o direito de serem, em todosos lugares, pessoas perante a lei,105 receberem tributos nacionais aptos a remediarmenoscabo a direitos fundamentais (tenham estes espeque constitucional ou apenaslegal)106 e auferirem da lei proteção e tratamento igualitário (sem distinção alguma),107

em sede de devido processo legal material e formal, o que importa seja efetuarem-sede maneira não-arbitrária prisões,108 exílios,109 desapropriações110 e mitigações ao direi-to à nacionalidade,111 seja haver audiências justas e públicas perante tribunais inde-pendentes e imparciais,112 respeitados o estado (ou a presunção) de inocência e aampla defesa,113 vedados quer imputar-se delito imprevisto no direito nacional ouinternacional, quer impor-se pena mais forte do que aquela que, no momento da prá-tica, era aplicável ao ato delituoso, assim como tortura, tratamento ou castigo cruel,desumano ou degradante.114

A Declaração Islâmica de 1990 assegura a todos, sem distinções entre sobe-rano e súdito, a igualdade perante a lei115 e no acesso à Justiça,116 a responsabili-dade essencialmente pessoal,117 o estado (ou a presunção) de inocência e o jul-

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100 Art. 24.101 Art. 25.102 Art. 1º (a), 1ª parte.103 Art. 1º (a), 2ª parte.104 Art. 1º (a), in fine.105 Art. 6º.106 Art. 8º.107 Art. 7º.108 Art. 9º.109 Art. 9º.110 Art. 17 (2).111 Art. 15 (2).112 Art. 10.113 Art. 11 (1).114 Art. 5º.115 Art. 19 (a).116 Art. 19 (b).117 Art. 19 (c).

gamento célere (franqueadas as garantias de defesa)118 e a proibição de crimes epunições desprovidas de abrigado no Shari’a,119 de sanções e restrições à liber-dade carentes de legitimidade, de maus-tratos físicos e psíquicos, de experi-mentos médicos e científicos sem consentimento ou prejudiciais à saúde ou àvida e de medidas estatais executórias de caráter emergencial a incidirem emquaisquer das aludidas vedações.120 Proscreve, ainda, todas as modalidades deseqüestro121 e a desapropriação ilegal,122 desprovida do sinete do interesse públi-co e da pronta e justa indenização.123

3.3.2 Direito às liberdades civis, à vida privada e à vida familiar

A Declaração da ONU de 1948 se posiciona contra a escravidão, o tráfico escra-vagista e a servidão.124 Confere a todas as pessoas o direito à vida,125 à liberdade126, àsegurança pessoal127 e à nacionalidade.128 Protege a vida privada de intrusões e a honrade ataques.129 Alberga a liberdade de locomoção e residência dentro das fronteirasestatais,130 o direito de asilo (salvo em caso da prática de crimes comuns ou infrin-gência a propósitos e princípios das Nações Unidas)131 e de deixar (e regressar a) qual-quer país132. Acolhe as liberdades de pensamento,133 consciência,134 religião,135 opi-nião,136 expressão,137 reunião138 e associação pacíficas139 (no entanto, é contra obrigar-se alguém a fazer parte de uma associação).140 Preceitua o direito ao matrimônio e defundar família, mediante livre escolha dos nubentes e direitos iguais entre homens emulheres, sem quaisquer discriminações.141

668 faculdade de direito de bauru

118 Art. 19 (e).119 Art. 19 (d).120 Art. 20.121 Art. 21.122 Art. 15 (b).123 Art. 15 (a).124 Art. 4º.125 Art. 3º.126 Art. 3º.127 Art. 3º.128 Art. 15 (1).129 Art. 12.130 Art. 13 (1).131 Art. 14.132 Art. 13 (2).133 Art. 18.134 Art. 18.135 Art. 18.136 Art. 19.137 Art. 19.138 Art. 20 (1).139 Art. 20 (1).140 Art. 20 (2).141 Art. 16.

A Declaração Islâmica de 1990 encerra em suas fileiras o direito à vida detodos os seres humanos, vê nele dom divino a ser salvaguardado pelos indivíduos,sociedades e Estados (salvo as exceções contidas no Shari’a),142 proíbe o empregode meios a propiciarem o genocídio da humanidade,143 preconiza tanto a preserva-ção da vida durante o tempo permitido por Alá,144 quanto à proteção da integrida-de física pelo Estado (dispensável apenas se contar com a chancela do Direitomuçulmano),145 corrobora o direito à segurança do indivíduo e de seus dependen-tes146 e, dentre os direitos post-mortem, inclui a proteção da honra do de cujus e doseu cadáver (e do local de sepultamento) contra profanações.147

A Declaração do Cairo incorpora normas de Direito Internacional Humanitário.Exclui do alvo de conflitos armados a população não-beligerante (v.g., homensvelhos, mulheres e crianças). A feridos e doentes, apregoa o direito a tratamentomédico. A prisioneiros de guerra, o direito a alimentos, abrigo e vestimenta. Aos mor-tos, o direito de não ter o cadáver mutilado ou desmembrado. Propugna a troca deprisioneiros de guerra e visitas ou reuniões de familiares separados por circunstânciasde guerra.148 Ainda sobre conflitos armados, repele o corte de árvores e a destruiçãode plantações e granjas, edificações e instalações civis.149

Na óptica dessa Declaração Islâmica, todos os seres humanos nascemlivres. A ninguém é dado o direito de escravizar, humilhar, oprimir e explorar.Submissão só existe a Alá.150 Insere o colonialismo entre as mais maléficas formasde escravidão. Àqueles objetos do colonialismo reconhece o direito de liberda-de e autodeterminação. Tem como dever dos povos de todos os Estados apoia-rem a luta dos povos colonizados contra qualquer espécie de ocupação.151 Abonao direito à livre residência e movimento dentre e fora do país do indivíduo.152

Para a Declaração do Cairo o Estado a quem se pede asilo possui o dever de con-cedê-lo, exceto se disser respeito a crime capitulado no Shari’a.153

A Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã abraça o exercí-cio seja do direito de propriedade154 (desde que não prejudique o proprietário,outrem e a sociedade),155 seja do direito à vida privada segura,156 vendo na esfe-

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142 Art. 2º (a).143 Art. 2º (b).144 Art. 2º (c).145 Art. 2º (d).146 Art. 18 (a).147 Art. 4º.148 Art. 3º (a).149 Art. 3º (b).150 Art. 11 (a).151 Art. 11 (b).152 Art. 12, 1ª parte.153 Art. 12, 2ª parte.154 Art. 18 (a) c/c art. 15 (a).155 Art. 15 (a).156 Art. 18 (b).

ra privada o espaço onde se preza pela inviolabilidade do lar,157 dos assuntos pri-vados,158 da honra159 e da propriedade,160 amparando-se a família,161 os relaciona-mentos privados162 e a liberdade religiosa.163 Vislumbra na família a fundação dasociedade, enxerga no casamento o alicerce da família e imuniza o exercício dodireito a matrimônio de discriminações de raça, cor ou nacionalidade.164 Exigeque a sociedade e o Estado removam todos os obstáculos ao casamento, facili-tem-no, salvaguardem a família e seu bem-estar.165 Equipara a mulher ao homemem dignidade, comete ao sexo feminino direitos, deveres e estatuto civil pró-prios, independência financeira, direito a nome e à linhagem166. Incumbe aomarido o dever de mantença e bem-estar familiar.167

A DCDHI sustenta a liberdade de opinião alinhada aos princípios islâmi-cos168 e o direito de defender o correto, fazer o bem e alertar contra o errado eo mal, observadas as normas do Direito muçulmano.169

3.3.3 Direito às liberdades políticas e à democracia

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, permite a todapessoa tomar parte no governo de seu país por meio da democracia direta ourepresentativa,170 eleger seus representantes por meio de pleitos periódicos elegítimos (por sufrágio universal, voto secreto ou processo equivalente, assegu-rada a liberdade de voto)171 e ter acesso ao serviço público de sua nação.172

A Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã, de 1990, pro-porciona a todos o direito à elegibilidade (se perdida ou prejudicada, o eleitorpode se fazer representar por curador), em seus direitos e deveres,173 o direito àinformação (caso não viole a dignidade dos Profetas e valores morais e éticos,não seja maléfica à sociedade, nem enfraqueça sua fé, muito menos instigue dis-criminação racial e ódios nacionais ou doutrinários),174 o direito de participar

670 faculdade de direito de bauru

157 Art. 18 (c).158 Art. 18 (b).159 Art. 18 (b).160 Art. 18 (b).161 Art. 18 (b).162 Art. 18 (b).163 Art. 18 (a).164 Art. 5º (a).165 Art. 5º (b).166 Art. 6º (a).167 Art. 6º (b).168 Art. 22 (a).169 Art. 22 (a) e (1).170 Art. 21 (1).171 Art. 21 (3).172 Art. 21 (2).173 Art. 8º.174 Art. 22 (c) e (d).

direita ou indiretamente na administração pública do seu país e de assumir car-gos públicos (em conformidade com o Shari´a)175 e o dever de qualquer autori-dade se abster de praticar abusos ou exploração maliciosa.176

3.3.4 Direitos sociais, econômicos e culturais e o direito ao meioambiente sadio

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, entende que todapessoa tem direito a padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúdee bem-estar (inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e osserviços sociais indispensáveis) e direito à segurança (em caso de desemprego,doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de sub-sistência em circunstâncias fora de seu controle).177

Para a Declaração de 1948, a maternidade e a infância têm direito a cuida-dos e assistência especiais, de forma que todas as crianças, nascidas dentro oufora do matrimônio, gozem da mesma proteção social,178 que toda pessoa pos-sua direito à instrução (gratuita, pelo menos nos graus elementares e funda-mentais, obrigatória em nível elementar, acessível a todos no ensino técnico-pro-fissional e superior, este baseado no mérito).179

Conforme dispõe a DUDH, a instrução será orientada para o plenodesenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeitoaos direitos humanos e às liberdades fundamentais, promovendo-se a com-preensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais oureligiosos, a coadjuvar as atividades das Nações Unidas em prol da manuten-ção da paz.180 Os pais passam a ter direito à escolha do gênero de instrução aser ministrado a seus filhos.181

No sentir da DUDH, toda pessoa tem o direito de participar livremente da vidacultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e delese beneficiar,182 o direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes dequalquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor183 e o direito auma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos napresente Declaração possam ser plenamente realizados.184

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175 Art. 23 (b).176 Art. 23 (a).177 Art. 25 (1).178 Art. 25 (2).179 Art. 26 (1).180 Art. 26 (2).181 Art. 26 (3).182 Art. 27 (1).183 Art. 27 (2).184 Art. 28.

A Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã, de 1990, encar-rega a sociedade e o Estado de viabilizar a busca pelo conhecimento.185 Ao apa-relho estatal cabe fomentar a educação e o interesse humano pela religião islâ-mica e pelos segredos do universo.186 Estimula a família, as instituições educa-cionais e os meios de comunicação a divulgarem, em moldes integrados e equi-librados, o conhecimento religioso e temporal.187 Repulsa todas as formas de sepressionar o ser humano ou se explorar a pobreza ou ignorância humana comvistas a convencê-lo a mudar de religião ou aderir ao ateísmo.188

A DCDHI aventa a assistência médico-hospitalar e a educação (inclusiverespeitante à higiene e à moral) das crianças, bem como o auxílio especial aofeto e à sua genitora.189 A educação deve ser apropriada aos interesses e ao futu-ro da criança, em sintonia com os valores éticos e os princípios do Shari’a.190 Osdireitos dos pais e dos familiares sobre as crianças se norteiam pelos dogmas dodireito muçulmano.191

A Declaração do Cairo respalda o direito ao sustento legítimo (escoimadode usura, monopolização, fraude ou danos ao indivíduo que o exercita e aosdemais);192 o direito à assistência médica e social (permitida a ajuda da socieda-de e do Estado, na proporção dos recursos disponíveis)193 e estes direitos traba-lhistas fundamentais;194:

1. a sociedade e o Estado devem assegurar o direito de trabalho a todas aspessoas aptas a trabalhar;

2. livre escolha do trabalho que melhor serve aos interesses do trabalha-dor e da sociedade;

3. benefícios da segurança do trabalho e da seguridade social;4. desenvolver o trabalho na medida da capacidade do trabalhador, sem

trabalho compulsório, explorativo ou danoso;5. concessão de promoções merecidas, bem como pagamento célere de

salários justos e retribuição pecuniária correspondente aos dias deferiados.

A par disso, elenca o dever seja de o trabalhador ser dedicado e meticulo-so,195 seja do Estado intervir na resolução dos dissídios trabalhistas.196

672 faculdade de direito de bauru

185 Art. 9º (a), 1ª parte.186 Art. 9º (a), 2ª parte.187 Art. 9º (b).188 Art. 10.189 Art. 7º (a).190 Art. 7º (b).191 Art. 7º (c).192 Art. 14.193 Art. 17 (b).194 Art. 13.195 Art. 13.196 Art. 13.

Calha ao Estado catalisar condições de vida que contemplem as necessi-dades do ser humano e de seus dependentes (inclusive no que concerne à ali-mentação, vestimenta, moradia, educação e assistência médica).197

Em relação aos direitos culturais, a Declaração do Cairo apregoa que todostenham direito aos frutos do seu trabalho autoral (científico, literário, artísticoou técnico), garantida a proteção dos seus interesses morais e materiais a elerelacionados, obedecidas as balizas do Direito muçulmano.198

O dever social e estatal de se assegurar o meio ambiente sadio correspon-de à obrigação da sociedade e do Estado proporcionarem ambiências depuradasde vícios e corrupção moral e adequadas ao desenvolvimento ético saudável doser humano.199

4. A LIBERDADE DE RELIGIÃO NO DIREITO CONSTITUCIONAL DOSESTADOS DE MAIORIA MUÇULMANA

4.1 O perfil dos Estados de maioria muçulmana

Estima-se existirem no globo, atualmente, 1,3 bilhões de muçulmanos.200

Cerca de 1 bilhão desse contingente de islamitas vive em 44 países de maioriamuçulmana,201 adiante especificados em conformidade com a região do planetaconsiderada:

1. Oriente Médio e África do Norte:202 Argélia, Barein, Egito, Irã, Iraque,203

Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Omã, Qatar, Arábia Saudita,Síria, Tunísia, Emirados Árabes Unidos (EAU) e Iêmen;

2. Ásia Meridional:204 Afeganistão, Bangladesh, Maldivas e Paquistão;3. Ásia Oriental:205 Brunei, Indonésia e Malásia;4. África:206 Burkina Faso, Chade, Camarões, Djibouti, Gâmbia, Guiné,

Mali, Mauritânia, Níger, Senegal, Serra Leoa, Somália207 e Sudão;

673Revista do instituto de pesquisas e estudos n. 44

197 Art. 17 (c).198 Art. 16.199 Art. 17 (a).200 STAHNKE, Tad; BLITT, Robert C. The Religion-State Relationship and the Right to Freedom

of Religion or Belief: A Comparative Textual Analysis of the Constitutions of PredominantlyMuslim Coutries. Washington D.C.: U. S. Commission on International Religious Freedom,2005, p. 6.

201 Ibid., loc. cit.202 Ibid., p. 29-37.203 Cita-se neste trabalho o Diploma Constitucional provisório do Iraque sob ocupação norte-

americana, a Lei Administrativa Transitória (Transitional Administrative Law — TAL). Cf.ibid., p. 1.

204 Ibid., p. 38-42.205 Ibid., p. 43-44.206 Ibid., p. 45-49.207 A Somália se encontra sem Constituição. Cf. ibid., p. 48.

5. Europa e Eurásia:208 Albânia, Azerbaijão, Quirguistão, Tadjiquistão,Turquia, Turcomenistão e Uzbequistão.

Compulsando-se o Direito Constitucional Positivo desses 44 Estados nacio-nais de maioria muçulmana, verifica-se que a metade declara o Islã a religião ofi-cial.209 Dessa parcela, 10 se consideram Estados islâmicos.210 Afora esses 22Estados de religião oficial muçulmana, sobra a outra metade, composta por 11Estados cujas Constituições não especificam se são seculares ou islâmicos e 11Estados seculares.211

Encontram-se 602,5 milhões de islâmicos (58% da população muçulmanamundial) em 22 Estados de religião oficial muçulmana (Afeganistão, Barein,Brunei, Irã, Maldivas, Mauritânia, Omã, Paquistão, Arábia Saudita, Iêmen,Argélia, Bangladesh, Egito, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbia, Malásia, Marrocos,Qatar, Tunísia e EAU).212 213

Situam-se 285,5 milhões de islamitas (28%) em 10 Estados que, além deterem como religião oficial o islamismo, expressamente se reputam Estadosmuçulmanos (Afeganistão, Barein, Brunei, Irã, Maldivas, Mauritânia, Omã,Paquistão, Arábia Saudita e Iêmen).214 215

Localizam-se 287,5 milhões (28,5%) de muçulmanos em 11 Estados quenão possuem dispositivos constitucionais a esclarecerem se são ordens estataisseculares ou muçulmanas (Albânia, Líbano, Síria, Indonésia, Camarões, Djibouti,Gâmbia, Serra Leoa, Somália, Sudão e Uzbequistão).216

Por fim, restam 140 milhões (13,5%) de islâmicos, circunscritos a 11Estados seculares (Burkina Fasso, Chade, Guiné, Mali, Níger, Senegal,Azerbaijão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turquia e Turcomenistão).217 218

674 faculdade de direito de bauru

208 Ibid., p. 50-52.209 Ibid., p. 7.210 Ibid., loc. cit.211 Ibid., loc. cit.212 Constituições do Afeganistão, art. 2º; do Barein, art. 2º; do Brunei, art. 3º(1); do Irã, art. 12; de

Maldivas, art. 7º; da Mauritânia, art. 5º; de Omã, art. 2º; do Paquistão, art. 2º; da ArábiaSaudita, art. 1º; do Iêmen, art. 2º; da Argélia, art. 2º; de Bangladesh, art. 2º; do Egito, art. 2º; doIraque, art. 7º (A); da Jordânia, art. 2º; do Kuwait, art. 2º; da Líbia, art. 2º; da Malásia, art. 3º(1);do Marrocos, art. 6º; do Qatar, art. 1º; da Tunísia, art. 1º; e do EAU, art. 7º. Cf. ibid., p. 29-52.

213 Ibid., loc. cit.214 Constituições do Afeganistão, art. 1º; do Barein, art.1º; do Brunei, art. 3º(2); do Irã, art. 1º; das

Maldivas, art. 1º; da Mauritânia, art. 1º; de Omã, art. 1º; do Paquistão, art. 1º (1); da ArábiaSaudita, art. 1º; e do Iêmen, art. 1º. Cf. ibid., p. 29-52.

215 Ibid., p. 7.216 Ibid., loc. cit.217 Constituições da Burkina Fasso, art. 31; do Chade, art. 1º; da Guiné, art. 1º; do Mali, art. 25;

do Níger, art. 4º c/c 136; do Senegal, art. 1º; do Azerbaijão, art. 7º c/c 18 (I) e (III); doQuirguistão, art. 1º(1) c/c art. 8º (3) e (4); do Tadjiquistão, arts. 1º, 8º e 100; da Turquia, art. 2c/c 174; e do Turcomenistão, art. 1º. Cf. ibid., p. 29-52.

218 STAHNKE, Tad; BLITT, Robert C. Op. cit., p. 7.

4.2 A adequação aos padrões internacionais mínimos de liberdade religiosa

Na presente análise, adotam-se os “padrões mínimos”219 de liberdade de reli-gião (ou crença) e culto acolhidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanosde matriz ocidental, típicos das democracias ocidentais e esboçados, quer pelaDeclaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 (art. 18) — DUDH,220 quer peloPacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (art. 18), de 1966 — PIDCP.221

Consoante tais parâmetros, as liberdades de religião, crença e culto devem seestender a todos os indivíduos, independente de sua religião ou crença, os quaispodem exercitá-las pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada oucoletivamente, em público ou em particular, sem discriminações, favorecimentos oucoações, sendo admissíveis temperamentos a esse direito civil apenas se respeitadasas balizas do Direito Internacional dos Direitos Humanos (de matriz ocidental).222

O contraste entre os critérios traçados pelo DUDH (art. 18), peloPIDCP (art. 18) e pelo Direito Constitucional Positivo de 44 Estados nacio-nais de maioria islâmica conduz à percepção de que 21 desses países se ade-quam ao padrão internacional de liberdade de religião (ou crença) e culto(Iraque, Bangladesh, Paquistão, Indonésia, Malásia, Chade, Djibouti,Gâmbia, Guiné, Mali, Níger, Senegal, Serra Leoa, Sudão, Albânia, Azerbaijão,Quirguistão, Tadjiquistão, Turquia, Turcomenistão e Uzbequistão).223 224

Dentre os 21 Estados favoráveis à liberdade de religião e culto, 10 des-frutam de explícitas garantias constitucionais contra a coerção religiosa(Iraque, Bangladesh, Paquistão, Malásia, Serra Leoa, Sudão, Albânia,Azerbaijão, Turquia e Uzbequistão).225 226

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219 Ibid., p. 12.220 Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui aliberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença,pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em públicoou em particular.Cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos(1948). Disponível em: <http://www.mj.gov.br>. Acesso em: 17 set. 2004.

221 Artigo 18.º222 STAHNKE, Tad; BLITT, Robert C. Op. cit., p. 12.223 Constituições do Iraque (arts. 7 (A), Bangladesh (arts. 39 e 41), Paquistão (arts. 20 a 22), Indonésia

(arts. 28E (1), (2) e (3), 29 (1) e (2) e 28I (1)), Malásia (arts. 11 (1), (2), (3), (4) e (5) e 12 (2) e (3)),Chade (arts. 27 e 54), Djibouti (arts. 25 (1), (b) e (c) e (4), 32 e 212 (3), Gâmbia (arts. 25 (1), (b) e(c), (4), 32 e 212 (3)), Guiné (arts. 7º e 14), Mali (arts. 4º e 18), Níger (arts. 8º, 14 e 16), Senegal (arts.8º e 24), Serra Leoa (art. 24 (1), (2), (3), (4), (5), (a) e (b)), Sudão (arts. 24 e 27), Albânia (arts. 20 e24), Azerbaijão (arts. 48 e 71), Quirguistão (arts. 16 e 82), Tadjiquistão (art. 26), Turquia (arts. 14 e24), Turcomenistão (art. 11) e Uzbequistão (arts. 31 e 61). Cf. ibid., p. 53-74.

224 Ibid., p. 15.225 Constituições do Iraque (arts. 7 (A), 13 (F) e 15 (C)), Bangladesh (arts. 39 e 41), Paquistão

(arts. 20 a 22), Malásia (arts. 11 (1), (2), (3), (4) e (5) e 12 (2) e (3)), Serra Leoa (art. 24 (1),(2), (3), (4), (5), (a) e (b)), Sudão (arts. 24 e 27), Albânia (arts. 20 e 24), Azerbaijão (arts. 48 e71), Turquia (arts. 14 e 24) e Uzbequistão (arts. 31 e 61). Cf. ibid., p. 53-74.

226 Ibid., p. 15.

Contudo, desses 44 Estados-nações, 22 possuem disposições constitucio-nais aquém da garantia da liberdade religião (ou crença) ou seus comandosconstitucionais se circunscrevem à proteção da liberdade de culto (Argélia,Barein, Egito, Irã, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Omã, Qatar, ArábiaSaudita, Síria, Tunísia, EAU, Iêmen, Afeganistão, Brunei, Maldivas, Camarões,Mauritânia e Somália).227 228

Ademais, 12 não estão providos de normas constitucionais que positivemdireitos individuais correlatos ao da liberdade religiosa ou possuem normasconstitucionais a restringirem o exercício de tais direitos por determinado(s)grupo(s) (Barein, Egito, Irã, Jordânia, Líbano, Líbia, Omã, Síria, EAU,Afeganistão, Maldivas e Burkina Fasso).229 230

Por último, 15 limitam as liberdades de religião, crença e culto além dopermitido pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos de matriz ocidental(Barein, Irã, Jordânia, Kuwait, Líbia, Omã, EAU, Afeganistão, Brunei, Maldivas,Djibouti, Gâmbia, Níger, Serra Leoa e Turquia).231 232

5. A OPÇÃO DO FEDERALISMO COMUNITÁRIO

Nos Estados de maioria muçulmana e árabe, convém levar em conta a pos-sibilidade de se adotar a forma federativa de Estado como meio de se apazigua-rem conflitos étnico-religiosos e, com isso, melhor se homenagearem os direitoshumanos, cujo respeito se mostra árduo em ambientes marcados pelo enraiza-do ódio étnico e lancinante antagonismo religioso.

Em vez do federalismo tradicional, de cunho geográfico, calçado na divisãodo território estatal em unidades regionais com autogoverno (reflexo da autonomiapolítica, normativa, financeira e administrativa) e repartidas por fronteiras fictícias,

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227 Constituição da Argélia (art. 36), Barein (art. 22), Egito (art. 46), Irã (arts. 12 a 14 c/c arts. 23e 26), Jordânia (arts. 14 e 19), Kuwait (art. 35), Líbano (arts. 9º a 10), Líbia (art. 2º), Marrocos(art. 6º), Omã (art. 28), Qatar (art. 50), Arábia Saudita (arts. 9º e 26), Síria (art. 35 (1) e (2)),Tunísia (art. 5º), EAU (art. 32), Iêmen (arts. 41 e 51), Afeganistão (arts. 2º, 45 e 54), Brunei(art. 3 (1)), Maldivas (art. 25), Camarões (preâmbulo) e Mauritânia. (Somália se encontra semConstituição.) Cf. ibid., p. 53-74.

228 Ibid., p. 15.229 Constituições de Barein (art. 22), Egito (art. 46), Irã (arts. 12 a 14 c/c arts. 23 e 26), Jordânia

(arts. 14 e 19), Líbano (arts. 9º a 10), Líbia (art. 2º), Omã (art. 28), Síria (art. 35 (1) e (2)), EAU(art. 32), Afeganistão (arts. 2º, 45 e 54), Maldivas (art. 25) e Burkina Fasso (art. 7º). Cf. ibid.,p. 53-74.

230 Ibid., p. 15.231 Constituições do Barein (art. 22), Irã (arts. 12 a 14 c/c arts. 23 e 26), Jordânia (arts. 14 e 19),

Kuwait (art. 35), Líbia (art. 2º), Omã (art. 28), EAU (art. 32), Afeganistão (arts. 2º, 45 e 54),Brunei (art. 3 (1)), Maldivas (art. 25), Djibouti (arts. 25 (1), (b), (c) e (4), 32 e 212 (3), Gâmbia(arts. 25 (1), (b), (c) e (4), 32 e 212 (3)), Níger (arts. 8º, 14 e 23), Serra Leoa (art. 24 (1), (2),(3), (4) e (5), (a) e (b)) e Turquia (arts. 14 e 24). Cf. ibid., p. 53-74.

232 Ibid., p. 15.

o federalismo ora indicado possui caráter comunitário, centrado em fornecer àscomunidades étnico-religiosas papéis nitidamente demarcados, de modo a nãohaver entre elas conflitos de competência (ou atribuições) e guerras civis pelo con-trole do Poder Público, sem separá-las em territórios como se fossem comparti-mentos estanques, uma vez que a partição geográfica de comunidades étnico-reli-giosas poderia redundar em apartheids e olvidaria o fato de que muitas vezes elascompartilham o mesmo espaço físico (cidade ou região).233

Exemplo de Estado de maioria muçulmana apropriado ao federalismo comu-nitário é o Iraque, onde a população se triparte em árabes xiitas (60%), árabes suni-tas (20%) e curdos sunitas (20%), existem históricas contendas entre quer árabes ecurdos, quer árabes sunitas e xiitas, e não há como se traçar uma linha geográficarazoável, a apartar em territórios distintos árabes sunitas e xiitas.234

Entretanto, dentre os Estados de maioria muçulmana, o Líbano se sobres-sai por alojar os primeiros precedentes jurídicos para o federalismo comunitá-rio.235 Reformada em 1927, 1928, 1947 e 1990, a Constituição libanesa, de 1926,art. 24 (1), alínea “a”,236 preceitua número igual de assentos para muçulmanos ecristãos na Câmara dos Deputados (o Parlamento libanês é unicameral).237 OPacto Nacional de 1948 (não-escrito)238 firmou o costume seguido até hoje: oPresidente da República é cristão maronita; o primeiro-ministro, muçulmanosunita; e o Presidente da Câmara dos Deputados, muçulmano xiita.239

Article 24 [Electoral Laws](1) The Chamber of Deputies is composed of elected members;their number and the method of their election are determined bythe electoral laws in effect. Until such time as the Chamberenacts new electoral laws on a non-confessional basis, the dis-tribution of seats is according to the following principles:a. Equal representation between Christians and Muslims. […](grifos nossos)240

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233 MALLAT, Chibli. Op. cit., p. 12.234 Ibid., p. 11.235 MALLAT, Chibli. Op. cit., p. 12-13.236 LÍBANO. Lebanon constitution. Disponível em:

<http://www.oefre.unibe.ch/law/icl/le00000_.html>. Acesso em: 5 mai. 2005.237 Art. 16.238 JELLOUN, Mohammed Ben. What’s consociational patriotism?: from Lebanon to Iraq.

Disponível em: <http://swans.com/library/art11/jelloun2.html> Acesso em: 5 mai. 2005.239 MALLAT, Chibli. Op. cit., p. 12-13.240 LÍBANO. Lebanon constitution. Disponível em:

<http://www.oefre.unibe.ch/law/icl/le00000_.html>. Acesso em: 5 mai. 2005.

CONCLUSÃO

1. A fé islâmica plasma no Direito muçulmano (Shari’a) código moral cole-tivo da seara pública e privada, revelações divinas enfeixadas, sobretudo naEnciclopédia Muçulmana, composta pelo Alcorão (contém princípios religiososprimordiais, a orientarem a conduta dos islâmicos), a Suna (normas decursivasda vida e lições de Maomé), Idjma (posicionamento uníssono dos justeólogosmuçulmanos) e Kiyas (normas calçadas na analogia e na eqüidade);

2. conquanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, daAssembléia Geral das Nações Unidas, careça de legitimidade plena por reverbe-rar o Direito ocidental e destoar de tradições seculares do Direito muçulmano(a exemplo do exercício da liberdade de matrimônio e da separação entreEstado e clero), traz em seu bojo direitos universais que têm como destinatáriosprecípuos os seres humanos, cuja esfera de autonomia individual se vê tolhidapor poderosas autoridades estatais, tribais, religiosas e familiares;

3. a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, influenciadapela Constituição dos Estados Unidos, de 1787, pela Declaração dos Direitos doHomem e do Cidadão, de 1789, pela Magna Carta, de 1215, pelo Bill of Rights,de 1689, e pelos movimentos missionários oitocentistas antiescravagistas e pró-sufrágio universal, vem a lume no pós-Segunda Guerra Mundial, visando a revi-gorar os direitos naturais como barreiras às normas do Direito Positivo contrá-rias aos direitos humanos e favoráveis a regimes ditatoriais ou totalitários;

4. já a Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã, de 1990, da19ª Conferência Islâmica dos Ministros das Relações Exteriores, antecedida pelaConstituição da República Islâmica do Irã, de 1979, e pela Declaração UniversalIslâmica dos Direitos Humanos, de 1981, ressoa a desilusão de setores da comu-nidade muçulmana com o Ocidente e o ressurgimento dos movimentos islâmi-cos conservadores, ambos os resultados, quer da busca pela preservação daidentidade islamita em meio aos embates ideológicos da Guerra Fria entre osEstados Unidos e a União Soviética, quer da derrota árabe (do Egito, Jordânia eSíria) para Israel na Guerra Árabe-Israelita de 1967;

5. a Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã continua oesforço antes iniciado pela Declaração Universal Islâmica dos Direitos Humanosde ajustar ao Direito muçulmano os direitos humanos historicamente afinadoscom os tratados e as Constituições de matriz ocidental, em particular no tocan-te ao direito à igualdade e ao devido processo legal, ao direito às liberdades civis,à vida privada e à vida familiar, ao direito às liberdades políticas e à democracia,aos direitos sociais, econômicos e culturais e ao direito ao meio ambiente sadio;

6. embora a Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã se aproxi-me da Declaração Universal dos Direitos Humanos quando aloja direitos de carátercivil, político-democrático, social, econômico e cultural, distancia-se dela ao submeter

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os direitos humanos à moldura teológica do Direito muçulmano e vai além daDeclaração da ONU de 1948 ao catalogar o direito ao meio ambiente sadio;

7. averiguando-se o Direito Constitucional Positivo dos 44 Estados nacio-nais de maioria muçulmana, nota-se que metade declara o Islã a religião oficial(10 desses 44 se consideram Estados islâmicos) e a outra metade se divide em11 Estados seculares e 11 Estados cujas Constituições não especificam se sãoseculares ou islâmicos;

8. dos 44 Estados de maioria muçulmana, 21 contemplam o padrão inter-nacional de liberdade de religião (ou crença) e culto. Desse grupo de 21, 10Estados desfrutam de explícitas garantias constitucionais contra a coerção reli-giosa. Por outro lado, desses 44 Estados-nações, 22 possuem disposições consti-tucionais aquém da garantia da liberdade religião (ou crença) ou seus comandosconstitucionais se circunscrevem à proteção da liberdade de culto; 12 estão pro-vidos de normas constitucionais que não positivam direitos individuais correla-tos ao da liberdade de religião ou possuem normas constitucionais a restringi-rem o exercício de tais direitos por determinado(s) grupo(s); 15 limitam as liber-dades de religião, crença e culto além do permitido pelo Direito Internacionaldos Direitos Humanos de matriz ocidental;

9. nos Estados de maioria muçulmana e árabe, nos quais setores expressivosda sociedade nutrem entre si ódio étnico e antagonismo religioso, o federalismocomunitário ressai como mecanismo a arrefecer tais animosidades e assim pavi-mentar o caminho para a maior difusão da reverência aos direitos humanos, ao for-necer às comunidades étnico-religiosas papéis nitidamente demarcados, de formaa não haver entre elas conflitos de competência (ou atribuições) e guerras civis pelocontrole do Poder Público, sem separá-las em territórios como se fossem comparti-mentos estanques, uma vez que a partição geográfica de comunidades étnico-reli-giosas poderia redundar em apartheids e olvidaria o fato de que muitas vezes elascompartilham o mesmo espaço físico (cidade ou região).

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