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IMPLICAÇÕES DA RELAÇÃO CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E AMBIENTE E ENSINO DE FÍSICA: o estudo do caso da Usina Termelétrica a Gás de Araucária/PR João Amadeus Pereira Alves PPG em Educação para a Ciência, FC/Unesp-Bauru e Professor Assistente do Deptº de Métodos e Técnicas de Ensino, UEPG, Ponta Grossa, PR, [email protected]. Washington Luiz Pacheco de Carvalho PPG em Educação para a Ciência, FC/Unesp-Bauru e Professor Doutor Adjunto do Deptº de Física e Química, FEIS/Unesp, Ilha Solteira, SP, [email protected]. Resumo: Nas três últimas décadas, inúmeras pesquisas têm abordado estudos de diferentes estratégias aplicadas na Educação Básica no Brasil no campo do ensino de Ciências Naturais, visando uma aproximação desta área à realidade dos educ andos. Recentemente, o estudo de casos reais de natureza sócio-ambiental demonstra a necessidade de estratégias nessa área como contribuição à formação de uma cultura científica e tecnológica fundamentada por uma visão de mundo mais ampla. Assim, apresentamos um trabalho desenvolvido na disciplina de Física de uma escola da cidade de Curitiba/PR, buscando aproximar alunos do segundo ano do Ensino Médio aos acontecimentos de um caso que envolvia a construção e o funcionamento da Unidade Termelétrica a Gás de Araucária (UEGA) em Araucária/PR e outras instituições diretamente envolvidas com essa unidade na época. A multiplicidade de relações se configurou em um caso sócio-ambiental devido a impasses de caráter ambiental, econômico, técnico, político etc. gerados com a UEGA. Levado o caso para a referida turma, as orientações metodológicas fornecidas aos alunos foram para que inicialmente eles realizassem buscas na internet , em jornais e em outros veículos de grande circulação (local ou não) que informassem sobre o referido caso, de modo que posteriormente todos nós analisássemos o conteúdo de tais buscas e o debatêssemos no grande grupo. Os conteúdos clássicos da temática Termodinâmica, em Física, foram tratados com respeito aos dados compartilhados por meio das buscas e interlocuções citadas. As constatações obtidas revelam a importância de trabalhos dessa natureza na direção de uma educação crítica em Física a partir do estudo aprofundado de casos dessa magnitude, principalmente, quando o conhecimento sobre diferentes perspectivas de um mesmo fenômeno social e técnico- científico é capaz de contribuir para o rompimento da tradição estabelecida na escola de que pouco de concreto se faz com informações buscadas/fornecidas pelos alunos. Palavras -chave: Ensino de Física; Energia e Desenvolvimento Humano; Caso UEGA. 1 INTRODUÇÃO

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IMPLICAÇÕES DA RELAÇÃO CIÊNCIA, TECNOLOGIA , SOCIEDADE E AMBIENTE E ENSINO DE FÍSICA: o estudo do caso da Usina Termelétrica a Gás de Araucária/PR

João Amadeus Pereira Alves

PPG em Educação para a Ciência, FC/Unesp-Bauru e Professor Assistente do Deptº de Métodos e Técnicas de Ensino, UEPG, Ponta Grossa, PR, [email protected].

Washington Luiz Pacheco de Carvalho

PPG em Educação para a Ciência, FC/Unesp-Bauru e Professor Doutor Adjunto do Deptº de Física e Química, FEIS/Unesp, Ilha Solteira, SP, [email protected].

Resumo: Nas três últimas décadas, inúmeras pesquisas têm abordado estudos de diferentes

estratégias aplicadas na Educação Básica no Brasil no campo do ensino de Ciências Naturais,

visando uma aproximação desta área à realidade dos educandos. Recentemente, o estudo de

casos reais de natureza sócio-ambiental demonstra a necessidade de estratégias nessa área

como contribuição à formação de uma cultura científica e tecnológica fundamentada por uma

visão de mundo mais ampla. Assim, apresentamos um trabalho desenvolvido na disciplina de

Física de uma escola da cidade de Curitiba/PR, buscando aproximar alunos do segundo ano

do Ensino Médio aos acontecimentos de um caso que envolvia a construção e o

funcionamento da Unidade Termelétrica a Gás de Araucária (UEGA) em Araucária/PR e

outras instituições diretamente envolvidas com essa unidade na época. A multiplicidade de

relações se configurou em um caso sócio-ambiental devido a impasses de caráter ambiental,

econômico, técnico, político etc. gerados com a UEGA. Levado o caso para a referida turma,

as orientações metodológicas fornecidas aos alunos foram para que inicialmente eles

realizassem buscas na internet, em jornais e em outros veículos de grande circulação (local ou

não) que informassem sobre o referido caso, de modo que posteriormente todos nós

analisássemos o conteúdo de tais buscas e o debatêssemos no grande grupo. Os conteúdos

clássicos da temática Termodinâmica, em Física, foram tratados com respeito aos dados

compartilhados por meio das buscas e interlocuções citadas. As constatações obtidas revelam

a importância de trabalhos dessa natureza na direção de uma educação crítica em Física a

partir do estudo aprofundado de casos dessa magnitude, principalmente, quando o

conhecimento sobre diferentes perspectivas de um mesmo fenômeno social e técnico-

científico é capaz de contribuir para o rompimento da tradição estabelecida na escola de que

pouco de concreto se faz com informações buscadas/fornecidas pelos alunos.

Palavras -chave: Ensino de Física; Energia e Desenvolvimento Humano; Caso UEGA.

1 INTRODUÇÃO

A importância da energia para existência da vida nem sempre tem sido pensada

como uma essência (BAZZO, 2003), principalmente quando os padrões atuais de vida, tidos

como modernos, fazem com que nos preocupemos mais detidamente com assuntos ligados à

energia somente quando sentimos sua escassez ou sua ausência. Originária nas

transformações de sistemas bióticos e/ou abióticos – fundamentais à manutenção da vida – as

questões energéticas passam muitas vezes despercebidas pela consciência humana.

A necessidade sempre crescente de consumo de energia no Brasil e no mundo a

fora tem levado muitas nações a utilizarem os recursos naturais, próprios e/ou de outros

países, de forma descontrolada (BRASIL, 2000). Alimentação e petróleo são provas que

evidenciam isto, em que se tem como conseqüência a geração de conflitos historicamente

registrados, sejam eles: internacionais, étnicos e/ou econômicos, mas que parecem apresentar

uma aceleração nas últimas décadas, provocando tensões por vezes irremediáveis, como

facilmente se pôde e se pode notar na África, quanto à escassez de comida, e no Oriente

Médio, quanto às disputas pelo petróleo.

Como este texto deter-se-á a uma modalidade específica de energia – a elétrica,

procuraremos centrar atenções à transformação de uma fonte energética de natureza química

para outra de natureza térmica, que finalmente gerará eletricidade – a partir da combustão de

gás natural para sua geração. Porém, sobre o que vamos tratar é impossível deixar á margem

outros tipos de transformações, de naturezas: sócio-ambiental, econômica, política e

tecnológica, vinculadas à necessidade de geração e consumo de eletricidade. Para tanto, o

subsídio para nossas análises fundamenta -se a partir de ocorrências políticas, técnicas e

econômicas circunscritas à transformação energética, estudadas no interior da disciplina

escolar Física, em uma instituição de educação básica. Assim, sobre o que temos a apresentar

vemos que se configura em um tema atual e de nosso interesse – trata-se do estudo das

implicações da relação Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA) no ensino da área

de Ciências Naturais, mais especificamente em Física.

No Brasil, a inconsistência da sua política energética visível na tênue e paliativa

preocupação com possíveis colapsos sócio-ambientais, a exemplo do que aconteceu em 2002,

que possam comprometer o fornecimento de eletricidade por sua matriz energética, nos deixa

a mercê de condições climáticas que permitam a manutenção de níveis favoráveis nas represas

das usinas hidrelétricas, uma vez que a base de tal matriz neste país se encontra

majoritariamente vinculada à hidroeletricidade, conforme dados dos Ministérios de Minas e

Energia e do Meio Ambiente .

No Estado do Paraná isso não é diferente, uma vez que este se configura como

uma das principais unidades da federação geradoras de hidroeletricidade, mas mesmo diante

da grande representatividade da Companhia Paranaense de Eletricidade (COPEL) –

subsidiária da energia elétrica no Estado – encontra-se frágil a variações ambientais,

econômicas e políticas.

Com a necessidade de infra-estrutura para o crescimento e a melhoria na

qualidade de vida no país, constata -se que ainda na década de 1990 foi dado início a um

programa energético brasileiro (COPEL, 2006). Atrelado a ele, configurava -se a necessidade

de construção de um conjunto de mega-termelétricas “a gás”, que segundo informações

disponibilizadas nos sites da própria COPEL e do Ministério das Minas e Energia1, esse

conjunto congregava muitas unidades, das quais hoje já estão em funcionamento, algumas

delas como: Uruguaiana (RS), Cuiabá (MT) e Campo Grande (MS); e outras apenas

licenciadas, como: Iberité (MG), Baixada e Macaé (RJ) e Cubatão (SP). Em adição às usinas

citadas, há uma que nos chamou especial atenção – refere-se à Unidade Termelétrica a Gás de

Araucária (UEGA), no município de Araucária, na região metropolitana sul da capital

paranaense, que mesmo estando licenciada e liberada para funcionamento esta unidade ainda

apresenta dificuldade s importantes para sua plena operação.

Nosso olhar para a UEGA parece ser facilmente compreensível ao leitor,

primeiramente, porque no intuito de desenvolvermos atividades educacionais, a escola em que

elas foram realizadas se localiza em Curitiba/PR, o que torna a realidade “mais próxima” aos

interesses dos alunos. Uma segunda justificativa diz respeito ao fato de que essa realidade se

mostra mais concreta porque alguns eventos envolvendo a UEGA e algumas instituições

públicas e público-privadas são contemporâneos. Outra justificativa, não menos importante

que as anteriores, diz respeito ao tratamento didático-pedagógico dado para a situação em

foco, em que se pôde e se pode abordar o assunto no interior de uma disciplina escolar em

pleno curso dos seus conteúdos convencionais, de Física – neste caso, Termodinâmica.

2 O ESTUDO DE CASOS NA ESCOLA E O CASO UEGA

O trabalho envolvendo casos sócio-ambientais não é algo novo no meio

educacional. Entretanto o tratamento desses casos é que se torna um diferencial. Em um

trabalho de Alves (2005) tratou-se de um caso de dano ambiental contemporâneo em sala de

aula, o qual foi amplamente difundido nos meios de comunicação em massa deste país. Esse

caso, ao ser estudado e exaustivamente analisado na sala de aula teve como objetivo

aproximar um grupo de alunos às pessoas e instituições diretamente envolvidas com ele

(ALVES; CARVALHO, 2005), de modo que os educandos tivessem acesso às múltiplas

perspectivas sobre o mesmo e pudessem emitir pareceres mais consistentes acerca de

1 Esses dados estão disponíveis nos sites http://www.copel.com e http://www.mme.gov.br

significados sobre Ciência e Tecnologia (C&T). Para Carvalho et. al. (2005), a exploração de

múltiplas perspectivas sobre impactos ambientais, dentre outras coisas, contribui para o aluno

formar opinião própria, estabelecer diferentes entendimentos sobre o conceito de

desenvolvimento e perceber temas controversos em C&T, pois segundo Latour (2000) e

Freire-Maia (2000) não sabemos das negociações feitas no campo da C&T, o que inclui o

expressivo desconhecimento nas aulas de Ciências Naturais, seja pelos professores desta e

extensivamente por seus alunos.

Souza Cruz (2001) realizou uma pesquisa com alguns elementos que são comuns

àqueles anteriormente descritos. Por meio da abordagem metodológica pautada na

“Aprendizagem Centrada em Eventos” (ACE), a autora analisou dois eventos atrelados à

questão nuclear: o acidente radioativo de Goiânia (1989) e a perspectiva da construção da

Usina de Angra III, no Estado do Rio de Janeiro.

No entanto, o caso UEGA aqui apresentado recebeu um tratamento educacional

diferenciado àqueles realizados por Souza Cruz (2001) e Alves (2005), pois sua ocorrência,

em situações muito diferentes dos outros, fez com que o contato inicial dos alunos a esse caso

ocorresse mediado por buscas a partir da internet e jornais, uma vez que não tínhamos à nossa

disposição recursos didáticos que nos localizasse historicamente no assunto [como se percebe

em Souza Cruz (2001)], como também o acesso direto às pessoas e instituições envolvidas

não foi possibilitado devido a condicionantes práticos [como descreve Alves (2005)].

Mas afinal, como podemos dizer que a situação exposta se configura em um caso

potencialmente pedagógico?

Este caso diz respeito a um evento de grande repercussão no primeiro semestre de

2006, pois refletiu inicialmente conflitos de naturezas política, econômica e técnica , que

juntas ganharam conotação judicial envolvendo a empresa norte americana El Paso (do ramo

energético), a COPEL, o Governo do Estado do Paraná (influenciado pelo posicionamento

político do seu governador), e a Petrobras – a menos interessada, aparentemente. A

distribuição acionária inicial estava assim configurada: El Paso, com 60%; COPEL, com 20%

e Petrobras, com outros 20%.

O impasse judicial decorreu do impedimento de funcionamento da UEGA por

razões técnicas, segundo alegaram o Governo do Estado do Paraná e a referida companhia de

eletricidade. Com isso, declarando apresentar grandes prejuízos, a El Paso entrou com uma

ação jurídica internacional, junto à Corte Internacional de Paris, pe dindo aos outros acionistas

o ressarcimento financeiro devido aos prejuízos acumulados desde a liberação a

funcionamento até meados de 2006.

O envolvimento da Petrobras nesse episódio aconteceu porque além de

participante em um quinto das ações da UEGA, um interesse ainda anterior às disputas

judiciais derivou da utilização do gás boliviano explorado pela própria Petrobrás no país

vizinho. Portanto, a Petrobras esteve atrelada em duplo sentido – se por um lado ela teria

prejuízo com um funcionamento precário (alegado pelo Governo do Estado do Paraná e pela

COPEL); por outro, ela contava com o consumo do combustível sob sua responsabilidade de

exploração, conforme regiam os contratos comerciais firmados há algum tempo com a

Bolívia. Assim, à luz de razões estratégicas (de seu interesse com os dois lados), a Petrobras

se manteve “neutra” perante os outros envolvidos.

Entretanto, a dependência do gás oriundo da Bolívia (via gasoduto GasBol)

começou a ficar complexa logo após Ivo Morales assumir a presidência desse país, em

dezembro de 2005. Objetivando nacionalizar os recursos naturais bolivianos, Morales

obstacularizou os negócios envolvendo a Petrobras em seu país, por meio das especulações

sobre o assunto, o que deu mais munição a algumas instituições envolvid as com a UEGA, na

contestação de sua viabilidade de funcionamento e das ações do Governo do Estado do

Paraná .

Passando o Estado do Paraná, no outono e inverno de 2006, por uma época de

escassez de água sem precedentes nos últimos setenta anos, ambientalistas e a mídia abriram

mais uma discussão – tratava-se da viabilidade dessa usina termelétrica quanto a sua

localização, pois seu funcionamento demanda de grande quantidade de água. Mas, ao que se

percebe esta questão não sustentou argumentação de qualquer um dos outros lados , que eram

potencialmente mais capazes de intervir de modo direto. Ela consistiu em uma preocupação

presente nos artigos acadêmicos sobre termoeletricidade e nos discursos dos ambientalistas;

sem nenhum comprometimento do lado político ou econômico – que a nosso ver é algo

bastante problemático.

A potencialidade desse caso para gerar ações educacionais é percebida pela

multiplicidade de relações nele envolvidas (ALVES; CARVALHO, 2005), bem como pela

diversidade de instituições atreladas a sua problemática – a geração de eletricidade.

Sobretudo, tal potencialidade decorre de sua capacidade em gerar subsídios aos conteúdos

físicos, neste caso em Termodinâmica. Isto se torna mais perceptível a seguir.

3 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NA ESCOLA

As ações educacionais desenvolvidas na escola ocorreram com um grupo de 28

alunos de uma turma de 2ª série do Ensino Médio, em que:

I – Inicialmente, no mês de maio de 2006, apresentamos aos alunos uma proposta

de trabalho e todos nós rumaríamos à luz dos seguintes objetivos:

a) tomar conhecimento ao máximo possível sobre o caso UEGA, quanto aos seus

envolvidos e a sua importância ambiental, social, econômica e tecno-científica;

b) analisar o caso em sala de aula de modo a tornar sabido a todos sobre as

particularidades encontradas por cada um deles sobre o assunto.

A proposta foi aceita pelos alunos. Assim, sob orientação de um dos autores deste

trabalho, os alunos começaram a fazer buscas sobre a UEGA e as implicações envolvidas na

sua construção e “funcionamento”.

II – Posteriormente, no mês de junho de 2006, analisamos o que havia sido

encontrado pelos alunos sobre o assunto. A partir disso organizamos:

a) a apresentação de pontos que mais se destacaram pelas buscas efetuadas, em

grupos de no máximo quatro alunos;

b) a estruturação dos pontos destacados pelos alunos envolvendo a UEGA,

conforme a tabela abaixo, por eles configurada.

Tabela 1

PONTOS DESTACADOS PELOS ALUNOS

1 Necessidade de produção de energia elétrica pelo e para o país.

2 Tipo mais comum de produção de energia elétrica no Brasil.

3 Contribuição que a termoeletricidade tem a oferecer.

4 O que temos de produção de energia a partir de usinas termoelétricas?

5 Vantagens e desvantagens sócio-ambientais que as unidades termelétricas (UTE’s)

provocam, comparadas com outras transformações.

6 Como se transforma fisicamente a energia nas UTE’s?

7 Que episódios têm ocorrido no caso da UEGA (personagens e/ou instituições

envolvidos, interesses envolvidos e viabilidades técnicas e tecnologias)?

c) as análises e os debates acerca dos sete pontos da tabela 1 ocorreram de modo

concomitante, durante 4 horas-aula, em um anfiteatro da escola, com utilização de projetor

multimídia acoplado a um computador conectado à internet.

III – A terceira fase do traba lho consistiu no estudo da temática Termodinâmica,

em que as apresentações subsidiaram discussões acerca de conteúdos clássicos dessa matéria

– ou seja, a transposição acerca dos conteúdos de transformações gasosas, equação geral dos

gases, rendimento térmico, leis 1 e 2 da termodinâmica e ciclo de Carnot.

3.1 – Apresentações dos alunos

Após os alunos terem feito suas buscas na internet, eles realizaram suas

apresentações com a perspectiva de todos aproximarem-se o máximo possível do assunto. Das

apresentações feitas por eles (fase II), a partir das orientações iniciais (fase I), são sintetizados

a seguir alguns dos aspectos mais relevantes.

(a) Quanto à necessidade de produção de energia elétrica no Brasil, os alunos

enfatizaram suas considerações a partir percentual da demanda de energia elétrica no Brasil,

por setor consumidor , conforme a tabela a seguir :

Tabela 2

PERCENTUAL DA DEMANDA DE ENERGIA ELÉTRICA

NO BRASIL, POR SETOR CONSUMIDOR

SETOR %

Industrial 41,7

Transportes 20,5

Residências 16,1

Energético 7,8

Comércio 5,2

Agricultura 4,9

Público 3,8

(b) A termoeletricidade como alternativa à hidroeletricidade foi descartada pelos

alunos, uma vez que o potencial hidrelétrico fluvial atual brasileiro (que ainda é superior à

demanda total) é o seguinte (ver tabela 3 a seguir):

Tabela 3

POTENCIAL HIDRELÉTRICO FLUVIAL BRASILEIRO

BACIA Potência (MW)

Amazônica 105.550

Tocantins 27.821

Paraná 57.358

São Francisco 26.354

Uruguai 13.902

Leste 14.469

Sul e Sudeste 9.622

Outras 3.979

Total 259.055

(c) Acerca dos aspectos estruturais da UEGA, os educandos deram ênfase ao

seguinte:

– construída em uma área de 250 mil m2, em Araucária/PR, a referida usina teve

investimentos em torno de torno de US$ 300 mi;

– a geração será da ordem de 480 MW, com capacidade líquida de 469 MW;

– duas turbinas a gás acopladas a duas caldeiras de recuperação de calor, que

permitem o funcionamento de uma terceira turbina (a vapor);

– a usina teve seu controle adquirido pela COPEL , por US$ 190 mi junto a El

Paso, colocando fim à pendência judicial citada;

– para voltar a funcionar, a UEGA carece de investimentos de US$ 41 mi para que

possa operar com outros combustíveis, além do gás natural, devido à complexa situação

política internacional acerca do gás boliviano.

(d) A respeito do funcionamento de uma usina os educandos destacaram:

– seus principais dispositivos (reservatório, caldeira, turbina e gerador) funcionam

interligados conforme a figura a seguir ...

Figura 1

– o processo de geração elétrica ocorre segundo o esquema a seguir ...

Figura 2

(e) Quanto a vantagens das usinas termelétricas a gás, em relação a outras formas

de transformação (termelétricas ou não), os alunos destacaram que:

– elas podem ser construídas próximas aos locais de grande consumo, em especial

nas proximidades de indústrias petroquímicas e químicas (de natureza não petroquímica) e,

siderúrgicas – tal qual serão os grandes consumidores da UEGA, como o pólo petroquímico

Araucária -Joinville, propiciando assim menos dissipação e outros gastos na sua transmissão;

– o gás natural, de razoável abundância na Bolívia, é a principal matéria-prima

utilizada;

– é uma modalidade menos poluente que aquela gerada a partir do carvão;

– apresenta custo de implantação inferior às termonucleares, tomando como

referência à potência gerada;

(f) Em relação a desvantagens, os alunos destacaram que:

– essas usinas apresentam elevados gastos com o consumo de combustível e com

sua manutenção, comparada às formas alternativas de transformação de energia;

– os impactos ambientais mais relevantes refere m-se ao alto consumo de água,

poluição atmosférica, agravamento do efeito estufa e geração de chuva ácida.

3.2 – O tratamento dos conteúdos físicos, ditos clássicos

As apresentações dos alunos subsidiaram o desenvolvimento dos conteúdos

físicos acerca da temática Termodinâmica. A transposição dos conteúdos ocorreu levando em

conta a dimensão vivencial dos alunos na exploração das informações sobre a UEGA.

Trabalhamos com os assuntos de transformações gasosas, equação geral dos gases,

rendimento térmico, leis da Termodinâmica e ciclo de Carnot de modo a aproximá-los a

situação tomada como parâmetro com os alunos. Neste momento apresentaremos alguns

somente:

- Trocas de calor durante as transformações gasosas: exploramos a energia

térmica que alimenta as caldeiras (E total), na forma de calor, bem como a energia que de fato

foi transformada em trabalho mecânico (τ = Eaproveitada) e a energia térmica dissipada para o

meio exterior, que não é usada para a realização de trabalho (Edissipada ).

- Com isto, foi possível trabalhar quanto à eficiência energética , largamente

difundida como rendimento , em que pudemos sistematizar η= 1- (Eaprov./ Etotal). Aqui foi

possível perceber que a Etotal deveria decorrer do fornecimento de gás natural, boliviano. Em

adição, trabalhos com a dissipação: Edissipada = E total - Eaproveitada. É preciso destacar que ficou

claro aos alunos o que é a Ineficiência do sistema térmico. Nesta parte do desenvolvimento do

conteúdo ficou evidente o conceito de Conservação da Energia – somadas as energias

aproveitada (na forma de trabalho realizado) e dissipada a igualdade resultante foi sempre

percebida pelos alunos como a energia total. Com isto, o questionamento feito aos alunos

sobre o que fazer para se ter maior rendimento a partir de uma mesma energia fornecida? A

resposta, após alguns minutos de discussão, foi a de que é preciso investir em recursos

tecnológicos que permitam maior aproveitamento. Mas, felizmente, houve aqueles que

também disseram que associado a resposta anterior, seria muito proveitoso para a humanidade

que o consumo de energia se tornasse cada vez mais racional.

- As grandezas físicas envolvidas, como a energia e sua equivalência em calor,

neste caso, e o rendimento como uma grandeza adimensional.

É preciso considerar que durante tais abordagens ficou sólido aos alunos :

- os custos sócio-ambientais para geração de eletricidade sob essa modalidade ,

decorrente da emissão de gases poluentes, bem como de vapor d’água a elevada temperatura

nos arredores da Usina, o que produz degradação ambiental;

- as negociações políticas e econômicas envolvidas na produção de energia , que

acabam definindo o custo da geração de energia, pago pelo consumidor final, bem como

oferecem riscos em razão da dependência do país vizinho;

- algo que também ficou saliente diz respeito à necessidade de se aprimorar os

recursos tecnológicos para geração de energia, de modo a se aumentar o rendimento das

máquinas térmicas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No trabalho apresentado objetivávamos levar os alunos a terem contato com a

realidade energética local e do país, a qual constitui implicações da relação Ciência,

Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA), em que se percebessem fortes vínculos à política,

economia, conhecimento téc nico, direito etc., e que não tem sido objetos de preocupação

sistêmica na Educação Básica brasileira. Isto significa que novas atribuições são evidenciadas

ao professor. Mas também implica em oferecer condições a esse profissional para desenvolvê-

las, tanto nos cursos de formação inicial e continuada de professores, quanto nos eventos

científicos que incorporam a temática sócio-ambiental como matriz das preocupações e

orientações educacionais.

Não se trata de ir em “busca de outra Física”, até porque ela não existiria, mas de

abordar os conhecimentos físicos, ditos clássicos à luz do contexto vivencial dos envolvidos –

alunos e professor. Esse trabalho implicou em propiciar uma visão mais ampla, complexa

também, contra a fragmentação de conhecimentos mais abrangentes e sistêmicos da Física.

Não hesitamos em permitir na sala de aula que alunos argumentassem,

expusessem seus dados coletados (sob orientação anterior). Isto implicou em que eles se

viram participantes ativa mente do processo ensino-aprendizagem.

Partimos para uma comunicabilidade entre ciência, tecnologia, sociedade e

ambiente, por meio do estudo de um caso, contra uma ação instrumental da Física, em prol de

um racionalismo técnico. A comunicabilidade das relações CTSA é um sinônimo do

tratamento humanístico mínimo dos casos sócio-ambientais em sala de aula. Assim, discutir o

ensino de Física e o estudo desse caso local oxigenou novas possibilidades de se ensinar esta

sub-área das Ciências Naturais, de modo a contribuir na cidadania dos envolvidos – alunos e

professor, bem como para a formação de uma cultura científica e tecnológica destes. Mas

também, foi possível perceber que o caso tem endereço, porém suas origens e implicações não

são tão locais assim.

As constatações obtidas revelam a importância de trabalhos dessa natureza na

direção de uma educação em Física a partir do estudo aprofundado de casos dessa magnitude,

principalmente, quando o conhecimento sobre diferentes perspectivas de um mesmo

fenômeno soc ial e técnico-científico é capaz de contribuir para o rompimento da tradição

estabelecida na escola de que pouco de concreto se faz com informações buscadas e

fornecidas pelos alunos.

5 REFERÊNCIAS

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partir de um Caso de Dano Ambiental. Dissertação (Mestrado). FC-UNESP. 2005.

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partir do acesso a múltiplas perspectivas de um caso de dano ambie ntal. In.: V ENPEC –

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BAZZO, W. A. Introdução aos Estudos CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade). Cadernos

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SOUZA CRUZ, S. M. S. C. Aprendizagem Centrada em Eventos: uma experiência do

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