resumo 12º ano português.docx

Upload: carlota-cabral-braga

Post on 14-Oct-2015

158 views

Category:

Documents


7 download

TRANSCRIPT

Resumo Portugus 12 anoMatria de 12 ano

Fernando Pessoa Ortnimo e Heternimos (Poemas)

1. Temticas:

Teoria do fingimento potico; Intelectualizao do sentir; Dor de pensar; A Infncia como idade mtica de felicidade; Nostalgia da infncia perdida; Fragmentao do Eu; Angstia existencial; Solido; Sonho / Evaso; Frustrao e tdio; Desencanto da vida (nusea de viver); A felicidade efmera.

1. Linguagem e Estilo:

Predomnio da quadra e da quintilha (como a poesia popular portuguesa); Versos curtos (2-7 slabas); Rimas suaves e utilizao de aliteraes (musicalidade); Linguagem e sintaxe simples; Metforas inesperadas e recurso a smbolos (ex.: gato e a ceifeira).

Ortnimo lrico:

Depois de uma fase de experimentao potica e a partir do poema sino da minha aldeia, Fernando Pessoa inicia uma nova maneira, aquela que melhor o caracteriza.Em poemas, normalmente curtos, muitas vezes em quadras ou quintilhas, transmite com grande musicalidade a nostalgia de um bem perdido (um estado de perfeita harmonia interior), a ideia de tdio e a nusea de viver.Muitas vezes surge, inicialmente, uma imagem-smbolo que desperta a reflexo expressa na segunda parte do poema. o que acontece quando o poeta deseja ter a alegra inconscincia da ceifeira que canta, enquanto trabalha no campo, ou inveja a sorte do gato que brinca na rua como se fosse na cama. A ideia de que nunca teve felicidade duradoura , por sua vez, sugerida pela ave cujo canto leve, breve, suave pra logo que o poeta se pe a escutar. O sonho , por vezes, o nico caminho que o poeta encontra para fugir a uma realidade hostil.Segundo alguns estudiosos, toda a obra de Pessoa talvez a nostlgica procura de uma completude do Eu, de um estado de perfeita harmonia interior, que se perdeu quando terminou a inconscincia prpria da infncia. Depois, a dor de pensar e a consequente fragmentao do Eu. Por isso, a infncia, como idade mtica de felicidade, surge em vrios momentos da obra de Fernando Pessoa.Em suma, no lirismo de Pessoa ortnimo, h a expresso musical do tdio da vida e das inquietaes de um ser que se sente dividido e incapaz de encontrar a felicidade.

Fingimento Potico:

Em, Isto e Autopsicografia, Pessoa ortnimo expem a sua teoria do fingimento potico.O poeta um fingidor, isto , um racionalizador dos sentimentos, das emoes, recusando a Autopsicografia ou o sentimentalismo espontneo, como defendiam os Romnticos. A poesia , pois, o produto do intelecto, o sentimento subordina-se razo para poder alcanar a expresso potica. A dor sentida subordinada pela sor fingida, ou seja, representada no poema. Exprime-se dizer o que se no sente, a sinceridade imediata impossvel. No , por isso, de estranhar que o sino da minha aldeia, de que Pessoa fala nesse conhecido poema, no seja de aldeia nenhuma j que o poeta nasceu em Lisboa. Quando muito ter-se- inspirado no sino da Igreja dos Mrtires, no Chiado, em pleno corao da capital.

Fingimento potico(2):

Fernando Pessoa defende, a partir dos poemas Isto e Autopsicografia, que fingir no o mesmo que mentir. Ou seja, Pessoa acredita que no h mentira no ato de criao potica.Segundo a teoria defendida por Pessoa ortnimo, o fingimento potico resulta da racionalizao dos sentimentos e da intelectualizao do sentir, pelo sujeito potico. No basta para haver poesia, a expresso espontnea da dor real. No h poesia, no h arte, sem imaginao, isto , sem que o real seja imaginado de forma a exprimir-se artisticamente.Assim, a poesia no est na dor experimentada ou sentida realmente, mas no fingimento (intelectualizao) dela. A criao potica assenta na complexa relao entre corao e razo, entre o sentir e pensar.

Infncia, idade mtica de felicidade (conscincia e inconscincia / dor de pensar):

A infncia uma idade feliz porque o ser humano no tem conscincia plena de si e do mundo e por isso no tem conflitos, divises dentro de si. O estado adulto de ser pensante exactamente o contrrio. O pensamento, a conscincia leva diviso do Eu, sua fragmentao e a unidade desse Eu um bem que nunca mais se alcana. Como muito bem diz Caeiro, pensar incomoda como andar chuva ou, como afirma o ortnimo em poemas como Ela canta pobre ceifeira ou Gato que brincas na rua, seria bom ter a inconscincia da ceifeira e do gato porque isso seria sinonimo de felicidade.Segundo alguns estudiosos, a obra de Pessoa toda ela uma nostlgica procura da completude do Eu, ou seja, de um perfeito estado de harmonia interior, cedo perdida e nunca mais encontrada. Por isso a infncia, como idade mtica de felicidade, um tema recorrente, nomeadamente na terceira fase de lvaro de Campos.

Nostalgia da infncia:

Do mundo perdido da infncia, Pessoa sente nostalgia. Um profundo desencanto e angstia acompanham o sentido da brevidade da vida e da sua efemeridade, isto , o tempo para ele um factor de desagregao na medida em que tudo breve, tudo efmero. O tempo apaga tudo. Ao mesmo tempo que gostava de ter a infncia das crianas que brincam, sente a saudade de uma ternura que lhe passou ao lado.Frequentemente, para Fernando Pessoa, o passado um sonho intil, pois nada se concretizou, antes se traduziu numa desiluso. Por isso, o constante descrena perante a vida real e de sonho. Da, tambm, uma nostalgia do bem perdido, do mundo fantstico da infncia, nico momento possvel de felicidade.

Dor de pensar:(Meus Apontamentos)

Fernando Pessoa um indivduo absolutamente cerebral, que submete a sensibilidade ao racional. Assim, o excesso de lucidez leva-o a padecer de uma dor de pensar.Obcecado pela auto-anlise, meditando sobre a sua angustiada existncia, admite que o pensamento corrompe a felicidade de viver. Feliz aquele que vive numa cndida inconscincia, sendo inexoravelmente infeliz aquele que pensa. Dilacerado pela dor da racionalidade, no consegue fruir instintivamente a vida: Cansa sentir quando se pensa. Esta dor surge igualmente no poema Ela Canta, Pobre Ceifeira, nomeadamente nos versos Ah, poder ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconscincia, / E a conscincia disso!.Em suma, a dor de pensar traduz grande insatisfao e mesmo alguma dvida sobre a utilidade do pensamento.

Ou Fernando pessoa sente-se condenado a ser consciente, lcido, a ter de pensar. O ortnimo considera que o pensamento provoca a dor, teoria que alicera a temtica da dor de pensar. Na sequncia da mesma, o poeta inveja aqueles que so inconscientes e que no se despertam para a actividade de pensar, como uma pobre ceifeira, que canta como se tivesse mais razes para cantar que a vida, ou como gato que brinca na rua e apenas segue o seu instinto.Assim, o poeta inveja a felicidade alheia, porque esta inatingvel para ele, uma vez que baseada em princpios que sente nunca poder alcanar a inconscincia, a irracionalidade , uma vez que o pensamento uma actividade que se apodera de maneira persistente e implacvel de Pessoa, provocando o sofrimento e condicionando a sua felicidade. Impedido de ser feliz, devido lucidez, procura a realizao do paradoxo de ter uma conscincia inconsciente. O poeta deseja ser inconsciente, mas no abdica da sua conscincia, pois ao apelar ceifeira: poder ser tu, sendo eu!/ Ter a tua alegre inconscincia/ E a conscincia disso!, manifesta a sua vontade de conciliar ideias inconciliveis.Em suma, a dor de pensar que o autor diz sentir, provm de uma intelectualizao das sensaes qual o poeta no pode escapar, como ser consciente e lcido que .

O problema da fragmentao do eu e da perda de identidade Para Fernando Pessoa impossvel encontrar a sua identidade e evitar tanto a fragmentao do seu eu como o seu ser plural, caso no cesse a procura da resposta ao enigma do ser, o que o conduz infelicidade e angstia. Ao procurar desvendar tal enigma, tem de se confrontar com a sua pluralidade e, logo, ao ser vrios, no pode ser algum em concreto e, assim sendo, ningum. Atravs deste simples facto, possvel compreender o porqu de no saber quem , nem saber se ele que realmente existe. Por sua vez, ao viver diferentes personagens sem saber quantas almas tem, o seu eu encontra-se fragmentado e, consequentemente, no lhe possvel ser a totalidade dos fragmentos em simultneo. Face a isso, to pouco lhe possvel voltar a ser a unidade, unidade essa que pode representar a infncia ou, em ltima instncia, a felicidade perdida. Conclui-se, ento, que o Eu fragmentado de Pessoa e a sua perda de identidade no lhe permitem ser feliz e, embora os argumentos se baseiem nas linhas de pensamento de toda a poesia pessoana, impossvel negar que so eles, em conjunto, que justificam qualquer ponto de vista sobre o poeta

Gnese dos Heternimos pessoanos

(origem das diferentes personalidades literrias que Fernando Pessoa assume na sua escrita: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e lvaro de Campos)

Fernando Pessoa explica, em carta a Adolfo Casais Monteiro, a origem dos seus heternimos. A origem mental desses heternimos , segundo diz, a sua tendncia para a despersonalizao e para a simulao, tendncia essa, alis, que se manifesta, desde a infncia, tendo criado aos seis anos o seu primeiro heternimo, um certo Chevalier de Pas. Mais concretamente explica que, em 1914, quis fazer uma partida ao seu amigo Mrio de S Carneiro, criando um poeta buclico de espcie complicada. As suas tentativas no tiveram xito, mas, no dia 8 de Maro, o dia triunfal da sua vida, quando estava quase a desistir, escreveu, numa espcie de xtase, os trinta e tantos poemas de O Guardador de rebanhos, surgindo assim Alberto Caeiro. Sentiu, ento, que tinha nascido em si o seu mestre. Seguidamente, escreveu, tambm a fio, os seis poemas da Chuva Oblqua, como se fosse o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele s. Como Caeiro era o mestre, resolveu arranjar-lhe imediatamente uns discpulos: sem interrupo nem emenda escreveu a Ode Triunfal fazendo nascer lvaro de Campos e, do falso paganismo de Caeiro faz ainda surgir Ricardo Reis. Para todos estes heternimos Pessoa traa uma diferente histria de vida. Esses heternimos so, na verdade, vrias personagens dentro de uma s pessoa que deseja sentir tudo de todas as maneiras, ver a realidade de diferentes perspectivas. H, por isso, diversidade mas tambm unidade neste poeta-drama, figura singular na Literatura portuguesa.

Alberto Caeiro

Pastor por metfora, Alberto Caeiro o mestre de Pessoa e tem ainda como discpulos Ricardo Reis e lvaro de Campos. Ele ensina a saber ver a maravilhosa variedade e beleza das coisas. O rebanho de Caeiro composto pelos seus pensamentos e os seus pensamentos so todos sensaes. Procura o Objectivismo Absoluto, recusa a metafsica, a filosofia, o pensar sobre as coisas porque o nico sentido oculto das coisas elas no terem sentido oculto nenhum. Pensar incomoda como andar chuva e Caeiro prefere viver feliz como os rios e as plantas, integrado nas leis do Universo, como um Descobridor das Sensaes, ele que se assume como o Argonauta das sensaes verdadeiras. Para ele no h passado nem futuro, limita-se a existir. Os seus poemas so, por isso, marcados pela espontaneidade e liberdade formal (irregularidade estrfica e mtrica, geralmente sem rima), com predomnio de nomes e verbos, portanto de vocabulrio concreto, pouco variado, com repeties frequentes. Encontram-se nos seus versos sobretudo o Modo Indicativo, muitas vezes no Presente, e a Coordenao, forma mais simples de articulao das frases. Recorre muito comparao com elementos da Natureza (Ex: Como um girassol) No entanto, o prprio Ricardo Reis que denuncia a simplicidade de Caeiro como sendo aparente. Na verdade, Caeiro um pensador que defende uma tese filosfica de recusa da filosofia. Pretende com isso atingir aqueles que esto to preocupados em procurar a essncia das coisas que nem vem a maravilhosa e sempre variada superfcie das coisas. Se relermos a sua poesia luz desta ideia de Reis, apercebemo-nos como ela argumentativa, procurando convencer para uma nova forma de olhar o que nos cerca. E afinal poderemos concluir que o verdadeiro Caeiro um civilizado que pretende aprender a desaprender para conseguir olhar a realidade novamente com a ingenuidade da infncia, com o pasmo essencial da criana para quem tudo novidade e maravilha.

Ricardo Reis

Criado num colgio de Jesutas, Ricardo Reis latinista por educao alheia e semi-helenista por educao prpria. As suas influncias clssicas reflectem-se nas formas poticas (odes e epigramas), nas referncias mitolgicas (Saturno, Adnis, Apolo...), nos latinismos e na sintaxe prxima da do Latim. ainda atravs do poeta latino Horcio que recebe as ideias de Epicuro, que procura transmitir na sua poesia, revelando-se um epicurista triste. Segundo essas ideias, o tempo passa continuamente, no pra e no volta atrs. A vida precria e o Destino (fora superior aos prprios Deuses) implacvel e cego. Resta-nos, por isso, gozar o momento (carpe diem), sem nos entregarmos a emoes, sejam boas ou ms, com a imperturbabilidade (ataraxia) dos jogadores de xadrez da antiga Prsia que, embora a guerra devastasse tudo e todos sua volta, continuavam serenamente o seu jogo. Quer gozemos quer no gozemos, o tempo passa. Desenlacemos as mos diz o poeta a Ldia sabendo que, se quisessem podiam trocar beijos e carcias. , porm, neste abdicar e voluntariamente escolher a forma de passar a vida efmera, que o Homem consegue ser rei de si prprio. Por isso, tambm, tudo o que srio pouco nos importe: o poeta prefere rosas e magnlias, em vez de ptria, glria e virtude, coisas que os humanos acrescentam vida e que nada significam perante a fugacidade do tempo. Aprendamos, pois, com Epicuro e com a poesia de Ricardo Reis, a saber viver, vendo o rio passar, sossegadamente, e procurando atingir a felicidade relativa feita de resignao e temperado gozo dos prazeres que no comprometem a liberdade interior. O amanh no existe, gozemos o momento.

lvaro de Campos

lvaro de Campos o nico heternimo de Pessoa que apresenta uma evoluo:Fase decadentista (Opirio), fase sensacionista e futurista (Ode Triunfal, por exemplo) e fase de abulia e tdio, a que alguns chamam fase intimista (Aniversrio, Tabacaria, entre outros).Na primeira fase, Campos um saturado da civilizao, desencantado da vida, com saudade de um Oriente que no existe. Na fase sensacionista e futurista, influenciado por Marinetti e Whitmann, canta a civilizao moderna num estilo entusiasta, louvando a tcnica, a perfeio das mquinas, num desejo de Progresso, de Europa, de cosmopolitismo. Deseja sentir tudo de todas as maneiras, deixando-se envolver pela vertigem das sensaes. No entanto, completamente diferente a ltima fase de lvaro de Campos, a chamada fase intimista. Desiste das alienaes das sensaes, manifesta um supremssimo cansao existencial, uma nusea de viver, tdio e abulia. Por isso ele companheiro de psiquismo de Pessoa Ortnimo. Sente a dor de ser lcido, o que o leva a isolar-se dos outros, a no querer ser da companhia, a no querer seguir padres impostos. novamente a infncia como idade mtica de felicidade que recorda em oposio ao presente, como acontece no poema Aniversrio. Perante o real, que opaco, Campos sente estranheza e perplexidade. Parece no encontrar soluo para a angstia que traz h sculos consigo. Por isso no sabe como conduzir-se na vida, sentindo um mal-estar que lhe faz pregas na alma. Concluindo, lvaro de Campos vai mudando a sua forma de sentir e da as diferentes faces/fases da sua expresso potica. Finalmente, o cansao desta vida prtica e til leva-o a desejar estar sozinho, enquanto tarda o Abismo e o Silncio.

Muito resumidamente:

Ricardo ReisMedico cultoForte preparao acadmicaCultura clssica (deuses Fado, destino)Epicurismo: carpe diem aproveitar o momento sem excessos. E disciplina estica [estoicismo] suporta o sofrimento de forma pacfica (sem excessos, sem revolta).Fernando PessoaSer mltiplo sem deixar de ser umPessoa OrtnimoTensoSinceridade/ fingimentoConscincia/ inconscinciaSentir/PensarIntelectualizao dos sentimentosInterseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidadeUma explicao atravs do ocultismolvaro de CamposCidade moderna e industrializadaMquinas Invenes1- Decadentismo o tdio, o cansao e a necessidade de novas sensaes 2- Futurismo e sensacionismo exaltao da fora, da violncia, do excesso; apologia da civilizao industrial; intensidade e velocidade (a euforia desmedida) Ode Triunfal3- Intimismo depresso, o cansao e a melancolia perante a incapacidade das realizaes; as saudades da infncia Alberto CaeiroMestre dos outrosPastor por metfora Sem instruoVive o campoPaganista existencial Poeta da Natureza e da simplicidade (deambulismo)Interpreta o mundo a partir dos sentidos Sensacionismo (Viso)Interessa-lhe a realidade imediata e o real objectivo (palpvel) que as sensaes lhe oferecemNega a utilidade do pensamento, antimetafsico

Epicurismo: Consiste na filosofia moral de Epicuro (341 270 a. C.), que defendia o prazer como caminho da felicidade. Mas para que a satisfao dos desejos seja estvel, sem desprezar ou dor, necessrio um estado de ataraxia, ou seja, de tranquilidade e sem qualquer perturbao. O poeta romano Horcio seguiu de perto este pensamento de defesa do prazer do momento, ao considerar o "Carpe Diem" ("aproveita o dia", "colhe o momento") como necessrio felicidade. Estoicismo: uma corrente filosfica que considera ser possvel encontrar a felicidade desde que se viva em conformidade com as leis do destino que regem o mundo, permanecendo indiferente aos males e s paixes, que so perturbaes da razo. O ideal tico a apatia, que se define como ausncia da paixo e permite a liberdade, mesmo sendo escravo. Ricardo Reis: Apesar deste prazer que Ricardo Reis procura e da felicidade que deseja alcanar, considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade, ou seja, a ataraxia. Sente que tem de viver em conformidade com as leis do destino, indiferente dor e ao desprazer, numa verdadeira iluso da felicidade, conseguida pelo esforo estico disciplinado.

A Mensagem Fernando Pessoa

1- Gnese (origem)Fernando Pessoa define-se a ele prprio como um nacionalista mstico, um sebastianista racional. Com efeito, j em 1902, na revista guia, afirmara nos artigos sobre a nova poesia portuguesa que Portugal havia de encontrar uma India que no existe no espao e que a nossa raa procurar em naus construdas daquilo que os sonhos so feitos.Esta mesma ideia perpassa na Mensagem que surge muitos anos depois, em 1934. A Mensagem uma colectnea de poesias compostas em pocas diferentes embora haja entre elas uma unidade de inspirao: exaltao e incitamento patriticos. Depois do nascimento (Braso), da realizao ou vida (Mar Portugus), a nossa raa chegou fase de decadncia ou morte (Encoberto). Mas sair deste nevoeiro para um novo nascimento e alcanar assim o Quinto Imprio. Portugal ir cumprir-se atravs de um Imprio feito de valores espirituais, morais e culturais. Portugal ser, usando as palavras do prprio Pessoa, uma potncia criadora de civilizaes

2- Estrutura da Obra:

A Mensagem uma colectnea de poesias, publicada em 1934. Embora escritas em pocas diferentes, essas poesias esto unidas pelo mesmo sentimento de exaltao e incitamento patriticos: da fase de decadncia em que Portugal se encontra, a nossa raa saber renascer e construir o Quinto Imprio, isto , ser uma potncia criadora de civilizaesA obra encontra-se dividida em 3 partes fundamentais o que corresponde estrutura de um mito teoria cclica das Idades. Desta forma, se transfigura a histria de uma ptria como nascimento, vida e morte de um mundo. Assim, a primeira parte o Braso onde se encontram os fundadores; a segunda parte o Mar Portugus que reflecte a poca de realizao ou vida, em que, como diz o poema O Infante, o mar se cumpriu; a terceira parte o Encoberto que refere a decadncia, a desintegrao, o fim das energias mas, ao mesmo tempo, transmite a esperana do renascimento ptrio: Portugal hoje s nevoeiro! a hora!

1 Parte: Braso Esto, aqui, presentes os construtores do Imprio, mticos ou reais, que esboaram a ideia de Imperio, como D. Dinis, atravs da defesa dos ideais nacionais, apesar do sacrifcio que isso impe aos heris representados nas Quinas. Assim, a nao vai-se depurando no sentido do destino divino que lhe cabe cumprir. Esta primeira parte abre com a citao latina Bellum sine belli (Guerra sem guerra), uma divisa que remete para o nosso passado guerreiro, mas a guerra que a Mensagem apela faz-se sem armas convencionais; as novas armas so o sonho, a resistncia ao imobilismo, a inquietude humana, a nsia do absoluto, a vontade, a aceitao do destino, associadas ao espirito de misso. O heri desta guerra cumpre-se cumprindo o destino que Deus outorgou para os Portugueses. A primeira parte encontra-se subdividida em cinco partes e est ligada ao estudo herldico (arte ou cincia que estuda os brasoes) do escudo e braso portugueses So poemas com referncia a heris mticos so heris vencedores nalguns casos, ignorados noutros; mas so a imagem de Portugal erguido custa do esforo humano, embora com contributo de foras sobrenaturais, pois Portugal est predestinado para grandes feitos.

2 Parte: Mar Portugus Nesta parte canta-se o portugus que desvendou mundos, que venceu o mar e que criou um imprio que, na sua componente material, deixa adivinhar o seu prprio fim. Permanece, contudo, exemplar a ideia de descoberta, a febre de navegar, a atrao pelo longnquo e pelo mistrio, a ideia de universalidade e o sonho, ingredientes indispensveis procura da unidade perdida. Esta parte abre com a divisa Possessio Maris (Posse do mar). o ideal de ser portugus, celebrado na 1 parte que se realiza com a posse dos mares que a 2 parte exalta. Com o mar aprendemos a encurtar a distncia que nos separa de nos mesmo e do nosso destino, algures perdido nesse porto sempre por achar e que preciso perseguir. O mar smbolo da morte, morte que os portugueses sofreram para renascer/ressurgirem das cinzas (tudo vale a pena) anunciando um novo ciclo o Imprio espiritual Esta parte, que corresponde ao tempo de ao pica dOs Lusadas, encontra-se subdividida em doze poemas, poemas esses dedicados conquista, posse dos mares, com destaque para as figuras do Infante, Diogo Co, Bartolomeu Dias, Colombo, Ferno Magalhes, Vasco da Gama e, de novo, D. Sebastio personalidades dos descobrimentos ligadas a misso que Portugal tinha a cumprir.

3 Parte: Encoberto O Desejado h-de revelar ao mundo dividido o Santo Graal, quando, sob a forma de Encoberto, regressar para dar vida nao, instaurando o Quinto Imprio, imprio da fraternidade universal. O ttulo desta parte revela um sebastianismo de apelo e de certeza proftica. Cumprida a misso terrestre, verifica-se o fim das energias latentes a morte mas esta morte permite o ressurgimento das cinzas. Esta ultima parte da Mensagem anuncia o regresso de Portugal sua misso autentica, reconhecida atravs dos smbolos do sebastianismo. A divisa Pax in excelsis (Paz nas alturas) abre a terceira e ultima parte, na qual se foca a resignao infeliz de um povo, pois se j se cumpriu o mar, falta cumprir-se Portugal, falta realizar-se o Quinto Imperio e com ele a harmonia universal. Esta parte subdivide-se em trs partes com ttulos igualmente simblicos, pois o Portugal que hoje nevoeiro regenerar-se-. Um novo Cames vir tambm para transformar o medocre em grandioso e guiar a Ptria no caminho da dignidade. Ser essa a ndia que no h, mas que precisa de ser edificada e s com a loucura e abnegao dos heris ser possvel dar vida a esse sonho

3- Classificao da obra:Podemos caracterizar a Mensagem como:

Obra pica Gnero que visa a exaltao de feitos excepcionais e imortalizao dos heris Cames nOs Lusadas, canta o imprio real e os feitos do passado do povo portugus, porem Pessoa canta a heroicidade do ser humano; a epopeia da era que h-de vir, do sonho feito, da ndia que no h do novo imprio que est prestes a cumprir-se.Obra Lrica Atitude introspectiva subjectiva expressa de forma lricaObra Simblica Percorrida por uma simbologia que no permite uma interpretao ingnua dos poemasObra Mtica Enaltece a heroicidade do ser humano, atravs da espiritualidade progressiva, tirando partido do mito sebastianista No tanto o imprio terreno que ele canta, mas sim a Ideia Condutora, o que no existe no mundo sensvel () o mito Jacinto do Prado Coelho

Fernando Pessoa desejava ser um criador de mitos, mas o que fez foi reelaborar seculares mitos portugueses, repensando-os e adaptando-os ao sei ideal. Um desses mitos o Quinto Imprio.

4- Mito do Quinto Imprio

J tinha sido anunciado por Bandarra e pelo Padre Antnio Vieira

Paz e Fraternidade ser a imagem do den Primordial. Mas este imprio no no sentido guerreiro, territorial ou material, mas no sentido de um Imperio de Espirito, da cultura e ter como cantar o Supra-Cames (o prprio Fernando Pessoa). Cames foi o cantor do inicio do Imperio, Pessoa do sei fim. Para alm disso, o objectivo de Pessoa perseguir uma ndia que no h, pois importante que Portugal se cumpra depois de desfeito o Imperio real. Portugal ser grande em valores espirituais e morais, um Imperio da Lngua Portuguesa, do modo de ser portugus, um imprio desligado de tempo e espao reais.Para conseguir chegar ate ele era necessrio levantar a moral da nao, abatida pelo complexo de inferioridade em que havamos cado historicamente segundo Pessoa s era possvel levantar a moral atravs da construo ou renovao e difuso de um grande mito nacional que, segundo ele, j o tnhamos: o mito sebastianista.

5- O Mito Sebastianista

O desaparecimento de D. Sebastio significou, para o pas, a perda da identidade, da independncia e, por isso, enraizou-se no espirito nacional como instrumento de ao/ reao em momentos de crise nacional. A figura de D. Sebastio diviniza-se, surgindo na imaginao do povo como um heri salvador que, semelhana de rei Artur, passa a viver oculto numa ilha para, em momento oportuno, poder libertar a Ptria dos seus inimigos. Este Desejado comparado a Galaaz, filho de Lancelot (um dos cavaleiros da Tvola Redonda do Rei, o melhor cavaleiro, o mais puro), porque a sua misso ser tambm encontrar o Graal, smbolo da verdade, da Eucaristia Nova, que neste caso ser o Quinto Imperio. O desejado estaria nas ilhas Afortunadas, que simbolizam a solido e o mistrio, espera que os portugueses acordem para regressar. De acordo com Pessoa, o Desejado descrito em termos de cavaleiro templrio e simbolizado em termos rosa-crucianos (militar + religioso) Rosa: no centro da cruz (lugar do corao de Cristo), representa purificao, ascetismo, superao dos desejos carnais. Cruz representa o salvador, a sua sabedoria, o conhecimento perfeito Pessoa viu em Sidnio Pais a figura do Encoberto

Os Lusadas - Lus Vaz de Cames

1- A estrutura externaO poema est escrito em versos decasslabos, com predomnio do decasslabo herico (acentos pa 6 e 10 slabas). considerado o metro mais adequado poesia pica, pelo seu ritmo grave e vigoroso. Surgem tambm alguns raros exemplos de decasslabo sfico (acentos na 4, 8 e 10 slaba). As estrofes so de oito versos e apresentam oseguinteesquema rimtico abababcc ( a este tipo estrfico costuma chamar-se oitava rima, oitava herica ou oitava italiana) As estrofes esto distribudas por 10 cantos. O nmero de estrofes por canto vario de 87, no canto VII, a 156 no canto X. No seu conjunto, o poema apresenta 1102 estrofes.

2- A estrutura interna

1. As partes constituintesOs Lusadas constroem-se pela sucesso de quatro fontes: Proposio parte introdutria, na qual o poeta anuncia o que vai cantar (Canto I, estrofes 1-3) Invocao pedido de ajuda as divindades inspiradores (A principal invocao feita as Tgides, no canto I, estrofes 4 e 5, s Ninfas do Tejo e do Mondego, no canto VII 78-82 e, finalmente, a Calope, no Canto X, estrofe 8) Dedicatria oferecimento do poema a uma personalidade importante. (Esta parte, facultaria,podeter origem nas Gergicas de Virgilio ou nos Fastos de Ovdio; no existe em nenhuma das epopeias da Antiguidade) Narrao parte que constitui o corpo da epopeia; a narrativa das aces levadas a cabo pelo protagonista. (Comeando no Canto I, estrofe 19, s termina no Canto X, estrofe 144, apresentando apenas pequenas interrupes pontuais).

2. Os planos narrativos

Obra narrativa complexa, Os Lusadas constroem-se atravs da articulao de trs planos narrativos, no deixando, ainda assim, de apresentar uma exemplar unidade de aco.Como plano narrativo fuleral apresenta-nos a viagem de Vasco da Gama India. Continuamente articulado a este e paralelo a ela, surge um segundo plano que diz respeito interveno dos deuses do Olimpo na Viagem. Encaixado no primeiro plano, tem lugar um terceiro, que constitudo pela Histria de Portugal, contada por Vasco da Gama ao rei de Melindo, para Paulo da Gama e por entidades dividas que vaticinam futuros feitos dos Portugueses.

3- Reflexes do Poeta Crticas e concelhos aos Portugueses

Canto I Insegurana / fragilidade da vida humanaResumo do Canto:Nestas estancias finais do Canto I, o poeta tece consideraes suscitadas pelas ciladas de Baco, que tudo faz para que a viagem India no tenha sucesso. Ao chegar Ilha de Moambique, a armada portuguesa acolhida pelos mouros com quem trocam presentes. Mas, na verdade, Baco, preparando ardilosamente uma cilada aos portugueses, disfara-se de uma sbio mouro e instiga o regedor da ilha a destruir a armada. Os lusos apercebem-se da falsidade e da trao que os espera e responde violentamente. ento que surge um piloto mouro que, servindo de garantia de paz, oferece falsamente os seus prstimos para conduzir a armada a porto seguro. Este falso piloto, instrudo por Baco, conduzir a armada at Quloa., onde ser destruda, se no fosse a interveno de Vnus. A deusa, com a ajuda de ventos contrrios, afasta a armada de Quloa, mas o falso piloto, insistente, conduz as naus para a ilha de Mombaa, dizendo que a encontraram um povo baptizado e amigo

Posicionamento do poeta: crticas / conselhos:

O poeta interrompe a narrao para expor as suas reflexes sobre a fragilidade da vida humana, enquanto sujeita a inmeros perigos e traies. prprio da condio humana a precariedade da vida, porm, a ambio do homem leva-o a subestimar as adversidades que se lhe apresentam, julgando-se invencvel e eterno. Tanto na histria passada como na histria presente, esta atitude do homem mantem-se como uma caracterstica imutvel no seu comportamento.No incio do poema, Cames refere, orgulhosamente, o Homem como sendo capaz de ir alm do que prometia a fora humana (Canto I, 1). No ser por acaso que esta reflexo surge no final do Canto I, quando o heri ainda tem um longo e penoso percurso a percorrer.

Canto II Desejo de fama fcil

Partindo de aluses mitolgicas, o rei de Melinde discorre sobre a oposio entre os que querem obter a celebridade fcil, mesmo cometendo atos condenveis, e os que ambicionam a perptua glria por terem praticado obras tao dignas de memria. O desejo de fama fcil, ainda que efmera, tem sido uma atitude constante no comportamento humano, o que justifica o caracter atemporal desta reflexo de final de canto.

Canto IV Condenao explcita da cobia / vaidade humana

Simbolismo do Velho do ResteloAquando das despedidas de Belm, o ambiente vivido no porto da nclita Ulisseia de dor e sofrimento, porque mes, esposas, irms, velhos e meninos consideram aquela aventura martima uma imagem sem retorno.Entre esta multido, ergue-se a voz de um velho, de aspeto venerando e Cum saber s de experiencias feito, que se insurge contra esta aventura rumo ao desconhecido, pelos motivos que, a seguir, enuncia: a seduo do poder, a cobia sem sentido, a procura desenfreada da fama, o prazer enganador que se estimula co a avidez da glria.Para alm destes motivos que se revestem de uma dimenso crtica atemporal e universal, as palavras do velho apresentam, igualmente, um caracter que se associa s circunstncias poltico-sociais subjacentes primeira viagem martima para o Oriente. Desta forma, o velho do restelo perspectiva, ento, essa procura insana da fama como origem de abandonos e de adultrios, astuta e inegvel devastadora de haveres, de reinos e de imprios, embora sob o nome de ilustre e de sublime, atributos com os quais se ilude o povo ignorante, merecendo, no entanto, ser desprezada, numa orientao oposta do espirito picoPara fundamentar os seus argumentos, o velho condena o primeiro navegador e apresenta exemplos da mitologia crista e pag que ilustram os efeitos nefastos da ambio desmedida e da procura falaciosa da fama: Ado, cujo pecado e desobedincia s ordens divinas o levaram a ser expulso do paraso e lanado na idade de ferro e de armas Prometeu, cuja ambio desmedida o condena a um sofrimento eterno Faetonte, filho de Apolo, cujo desejo insensato de conduzir o carro que transportava o sol provoca um desastre na terra, queimando-a e fazendo evaporar a gua. caro, cuja ambio de voar at ao sol o faz esquecer as recomendaes do pai a proximidade do sol derreteria a cera das asas e f-lo-ia precipitar-se no mar.Porta-voz do bom senso e da prudncia, ou daqueles que defendiam a expanso para o Norte de frica, ou condenao explcita da ousadia humana, o discurso do velho do Restelo encerra com palavras que caracterizam a condio humana como misera e estranha, porque afronta os seus limites, ignorando fogo, ferro, gua, calma e frio. No ser este comportamento o de grande parte da humanidade que, cega pelo desejo de fama e obteno de lucros e poder, desrespeita os verdadeiros valores subestimando a vulnerabilidade da vida?

Canto V Censura do Poeta aos que desprezam as Artes e as Letras

Vasco da Gama, que tinha iniciado no Canto III a narrao da Histria de Portugal ao rei de Melinde, conclui, no final do Canto V, a sua longa narrativa, fazendo o relato da viagem da armada portuguesa no atlntico, destacando-se os episdio que sublinham as dificuldades da viagem, embora a rota j fosse conhecida, nomeadamente o fogo de Santelmo, a tromba martima, a aventura de Ferno Veloso que, numa das aguadas, atacado pelos indgenas, no perdendo, contudo, o humor e a fanfarronice tpicos do perfil portugus, o encontro com o gigante Adamastor, que dizimou muitos navegadores.

Posicionamento do poeta: crticas / conselhosNeste contexto o poeta assinala que as palavras de Vasco da Gama traduzem a importncia das navegaes da armada portuguesa, porm, no basta cometer tais feitos, necessrio ter o dom de os transmitir, atravs da arte da escrita, tal como aconteceu com os mais notveis capites Da Lcia, Grega ou Brbara nao, a quem no faltou eloquncia. A terra portuguesa produz, igualmente, Cipies / Csares, Alexandros e () Augustos, mas aos heris portugueses falta-lhes tais dotes, tornando-os rudes e incultos.Os grandes heris da Antiguidade, como Octvio, Csar e Alexandre Magno, interessavam-se pela literatura e pela arte, o que revela que as armas no so incompatveis com o saber. Isto no acontecendo, desparecero todos aqueles que perpetuam, atravs da escrita, a heroicidade e o mrito dos grandes homens; a falta de registo leva consequentemente, ao desaparecimento dos heris.O poeta, diante destas circunstncias, conclui que Vasco da Gama deve agradecer s usas portuguesas o intenso amor da ptria que as levou a dar aos seus descendentes fama e nomeada, atravs do canto pico. Adverte ainda que, apesar de haver heris portugueses que possam no ser cantados, tal no acontece por falta de valor, mas sim porque o culto das letras no valorizado.

Canto VI O valor da fama e da glria

A voz do poeta assume neste conjunto de estncias uma dimenso verdadeiramente atemporal, uma vez que se critica o facilitismo, a ociosidade e a valorizao da aparncia na conquista de uma efmera e falsa glria. O episdio que motiva estas reflexes a tempestade ocorrida entre Melinde e Calecut e que constitui o ultimo obstculo da armada portuguesa, antes de alcanar as terras da ndia. Os perigos que os portugueses enfrentam suscitam uma serie de reflexes de caracter didtico.Partindo de um discurso alicerado em construes negativas, o poeta condena o caminho fcil da fama e indica o verdadeiro trilho: fora, perseverana, resilincia, capacidade de sofrimento e humildade. Defende, pois, um novo conceito de nobreza, espelho de modelo da virtude renascentista. O poeta acrescenta que, assim, se atinge a verdadeira glria, que despreza honras e dinheiro e que eleva os verdadeiros heris.

Canto VII Crtica desunio e violncia fratricida entre cristos

O contedo da reflexo contida nestas estrofes suscitado pela chegada dos portugueses ndia. Apesar de ser um povo pouco numeroso consegue dilatar a f crist, imagem da lio evanglica, segundo a qual Cristo sempre ajudou os humildes e pequenos. Para reiterar a importncia deste povo fiel aos princpios da santa Cristandade, o poeta enumera os povos europeus e eus lderes que renegaram o esprito do Cristianismo e se envolveram em guerras fratricidas: Os alemes revoltaram-se contra o Papa e criaram uma nova seita religiosa, o protestantismo.~ Os ingleses fundaram o anglicanismo e envolveram-se em guerras religiosas contra os catlicos. Os franceses renegaram os princpios dos seus antecessores que sempre lutaram contra os infiis. Os italianos que, mergulhados em vcios mil e no vil cio, se esqueceram do seu valor antigoAps esta enumerao, o poeta chega ao verdadeiro objetivo da sua reflexo criticar a desunio e a violncia fratricida entre os cristos que impedem de tomar conscincia do ideal que os norteia, ou seja, libertar a divina sepultura e lutar contra a invaso muulmana (espirito de cruzada, poca dominada pelo medo da invaso da europa pelos turcos)Ironicamente o poeta acrescenta que se a ambio de possuir grandes domnios se sobrepe causa da f, ento os europeus devem deixar-se entusiasmar pela conquista das aurferas areias da Ldia, pelos fios de ouro da Assria e pelas minas de ouro de frica. , pois, clara a crtica do poeta inverso de valores.Enquanto os povos de Leste da europa se lamentam por os seus filhos terem de aprender o Alcoro, outros povos europeus continuam a guerrear-se entre si, o que causa, igualmente, ima incrdula perplexidade ao poeta, levando-o a exort-los. A reflexo crtica concluda pela exaltao desta pequena casa lusitana que domina frica, sia e Amrica e se mais mundos houvera l chegara

Canto VII Crtica do poeta aos opressores e exploradores do povo

O poeta lamenta no s os infortnios que o destino o fez viver, os perigos do mar e da guerra, a experiencia da pobreza, a falta de esperana, o naufrgio em que quase perdeu a vida, mas, sobretudo, a falta de reconhecimento e a indiferena dos seus contemporneos. Recorrendo mais uma vez ironia, o poeta dirige-se s ninfas, sublinhando que a indiferena dos senhores do Tejo para quem os canta constitui um mau exemplo.Perante as musas, o poeta assume que apenas cantar os que arriscam a vida pelo seu Deus e pelo seu Rei e que, perdendo-a, a aumentaram em fama. Por isso, de forma perentria, o poeta no cantar quem, contrariando as leis divinas e humanas, for egoisticamente ambicioso, apenas desejando satisfazer os seus vcios e torpes desejos, quem for demagogo e populista, quem explorar o povo e quem for desonesto.Escutamos assim, a voz de um homem renascentista, consciente da realidade do seu tempo, mas tambm com a intuio da falta de valores que impera e que, por isso, recusa o elogio gratuito, apesar dos proveitos que dai podiam advir. Trata-se de uma voz intemporal, pela acuidade da crtica e pela exaltao aos verdadeiros valores.

Canto VIII Critica ao poder corrupto do ouro e do dinheiro e quem merce ou no ser contadoEste episdio motivo para uma reflexo centrada em torno do poder corrupto do dinheiro. Partindo de episdios da mitologia clssica que ilustram o fascnio pelo ouro e pela riqueza, o poeta faz consideraes sobre a fraqueza humana, perante o vil interesse e sede inimiga / Do dinheiro, a que tudo nos obriga!. So inmeras as situaes ilustrativas do poder malfico do vil metal evocadas pelo poeta: as mais inexpugnveis fortalezas tornam-se vulnerveis, os amigos, traidores, as almas mais nobres cometem vilezas, as traies sucedem-se, as mentes mais puras corrompem-se, as conscincias ficam cegas, os sbios depravam-se, as leis so erradamente interpretadas, os decretos so feitos e desfeitos, os perjrios espalham-se entre os homens e os reis convertem-se em tiranos. At aos sacerdotes, o ouro corrompe e seduz, embora com a aparncia de virtude.Numa poca marcada pelo excessivo materialismo, pela supremacia do dinheiro em relao a outros valores, as palavras de Cames revestem-se de uma particular acuidade, transformando-as num implcito apelo integridade, valor atemporal e universal.

Canto IX Exortao do poeta a quantos desejarem alcanar a fama

As consideraes do final do Canto IX aparecem inseridas no episdio da Ilha dos Amores, considerado o momento culminante da divinizao dos heris, recebidos como deuses pelas ninfas sabiamente instrudas por Vnus. Este processo de divinizao dos nautas portugueses construdo ao longo da epopeia e culmina com o premio preparado por Vnus, a eterna protetora dos portugueses. O relacionamento amoroso entre humanos e divinos e as profecias de Ttis sobre os futuros feitos dos portugueses no Oriente. Este momento do poema suscita consideraes mais amplas que superam a simples narrao de u episdio de cariz amoroso e sensual. Assim, depois de referir que a Fama que transforma os Homens em Deuses, Semideuses imortais , o poeta apresenta conselhos para atingir a honra e a plenitude, um percurso alto e fragoso, mas no fim doce, alegre e deleitoso.Que conselhos so esses? Despertar do cio, refrear a cobia e a ambio, ser humilde, dar leis justas, equitativas e imparciais, ser valente na luta contra os infiis e aconselhar adequadamente o rei. Desta forma, independentemente das circunstancias histricas, se construir uma sociedade mais justa atingindo-se, ento, a verdadeira e mercada fama.O poeta no deixa, simultaneamente, de sublinhar a importncia da vontade na consecuo dos nossos objectivos, porque quem quis, sempre pde

Canto X Lamentao do poeta e exortao a D. Sebastio

O poeta encerra a sua obra, condenando o abandono a que em Portugal se votam as letras e exortando D. Sebastio a continuar a serie de vitrias portuguesas em Marrocos.Injustiado por ver que est a Cantar a gente surda e endurecida, insensvel arte e mergulhada no no amor Ptria, mas sim No gosto da cobia e na rudeza / de uma austera, apagada e vil tristeza.Neste desencanto, h ainda uma centelha de esperana, quando, ao dirigir-se ao rei, Senhor de vassalos excelentes, capazes de tudo enfrentar e tudo suportar, o poeta exorta a fazer renascer a glria portuguesa, atravs de uma srie de inventivas: favorecer todos os sbditos de acordo com a sua aptido, aliviar o pas de leis rigorosas, valorizar o saber dos experientes, ter apreo pelos guerreiros que dilatam a f e o imprio. Em suma, a sua mensagem resume-se aos versos No se aprende, Senhor, na fantasia, / Sonhando, imaginando ou estudando, / Seno vendo, tratando e pelejando.Perante a indiferena e o esquecimento a que esta votado, Cames no se inibe de apresentar os seus atributos que, em muito podero contribuir para a exaltao pica do rei e da ptria, e, na atualidade, para a valorizao do espirito empreendedor.Com braos s armas feito e com mente s musas dada, s falta ao poeta ser aceite por D. Sebastio, de modo a que, ao cantar os seus feitos passe a ter o rei portugus como modelo em vez de invejar a gloria de Aquiles.Estamos, sem dvida, perante o apelo de algum que soube intuir um dos traos caracterizadores do temperamento portugus: no saber viver sem sonho e sem glria, independentemente de se tratar de um perodo de grande apogeu ou de grande decadncia.Dai que, num tempo sem brilho e glria, Cames pressentia o que Pessoa Verbalizava, quatro seculos depois, de uma outra forma.

Felizmente H Luar! Lus de Sttau Monteiro

Sntese Global da Obra Felizmente H Luar! Lus de Sttau Monteiro

A importncia que esta obra assume no panorama da literatura dramtica portuguesa no se limita ao simples paralelismo entre um passado histrico revisitado e a inteno de intervir na contemporaneidade portuguesa dos anos 60.Sttau monteiro parte dos dados histricos fornecidos por Raul Brando A Conspirao de gomes Freire para construir um texto de apoteose trgica que mantem todo o vigor interpelante perante o leitor/espectador de hoje, embora o objetivo inicial possa ter perdido a eficcia desejada, uma vez que se alteram os referentes histricos. No entanto, os valores intrnsecos carga dramtica e os ideais defendidos pelas personagens so atemporais e eternos.1. Os referentes histricos do tempo da histria (1817) e do tempo da escrita (1961)O tempo da histria (1817) caracteriza-se pelos seguintes acontecimentos:

O tempo da escrita (1961) marcado pelos seguintes acontecimentos:

A ausncia da famlia real do pas O exerccio arbitrrio do Poder por uma junta governativa (Miguel Forjaz, Beresford, Principal Sousa) A intromisso inglesa (Beresford) A perseguio a todos os liberais O descontentamento generalizado contra o rei, os ingleses e a regncia Os permanentes focos de rebelio Os indcios da revoluo liberal

O incio da Guerra Colonial em Angola, em 1961 data de publicao da obra As diversas manifestaes de uma contestao crescente a nvel interno: greves, viglias, movimentos estudantis A oposio dos intelectuais ao salazarismo A censura Os movimentos de opinio organizados, de que se destaca o grupo dos catlicos progressistas

Sculo XIX 1817Sculo XX 1961

Regime PolticoMonarquia absolutista apoiada pelo clero e pela nobrezaDitadura salazarista apoiada pela igreja e pelas classes favorecidas; regime autoritrio e dirigista, exaurido economicamente pela sangria da guerra colonial

Organizao socialTrs classes sociais distintas clero, nobreza e povoIgreja, foras militares, alta e mdia burguesia e povo

Condies sociaisClero e nobreza economicamente privilegiados; povo miservel e oprimido, em virtude do desvio de dinheiros pblicos para o BrasilPovo explorado e oprimido (aumento da emigrao para o pases europeus); restantes grupos sociais mais favorecidos, em virtude de uma orientao econmica dirigista, protecionista e intervencionista

Estruturas de apoio ao regimeForas militares e policiais comandadas pelos oficiais britnicos; mecanismos de vigilncia denuncias PIDE-DGS, foras militares que constituem o suporte de um regime conservador, corporativo e repressivo

Estruturas jurdicasCondenaes arbitrrias e sem provas, cujo paradigma a execuo do General Gomes Freire de AndradeTribunais controlados pelo poder politico

2. Estrutura dual da peaFalando de um presente a partir da evocao de um passado, a pea estrutura-se em dois atos: Os dois atos iniciam-se de forma idntica; o discurso interrogativo de Manuel; A dupla inteno dessas interrogaes: evocar a incapacidade de operar a necessria mudana e anunciar o falhano do projeto revolucionrio por falta de politizao das massas populares; O primeiro ato apresenta os mecanismos do Poder que controla a vida poltica portuguesa o poder poltico inseguro na sua legitimidade, mas arrogante e maquiavlico na sua atuao; O segundo ato desloca a ao para o domnio do anti-poder, denunciando e confrontando as maquinaes do Poder

3. A aoO desenvolvimento da pea faz-se em volta da figura sempre ausente do general Gomes Freire de Andrade, mas tornada presente pelas referencias constantes das outras personagens. O assunto da pea histrico, real, acontecido. Tentativa de uma conspirao contra o poder totalitrio absolutista e que foi abafada pelo aparelho repressivo do poder.A ao desenvolve-se do seguinte modo:Ato IAto II

Indcios da preparao de uma conspirao Procura do chefe dessa conspirao Incriminao do general Gomes Freire atravs de uma denncia infundada e conveniente ao Poder Preparao psicolgica dos portugueses e da ptria para aceitarem a condenao do general Apelo ao ardor patritico Anuncio antecipado da condenao de Gomes Freire A consumao da represso A priso e tortura do general O julgamento fantoche No lhe permitiram que escolhesse um advogado e nomearam-lhe um que j tem a seu cargo a defesa de 12 presos A execuo do general: enforcado, decepado e queimado na fogueira

4. Espao, luz e som (cenrio)Segundo Brecht, o espao mais propcio a revelar o gesto social dilogo constante entre grupos sociais o espao da rua.Na pea o espao da rua desempenha duas funes diferentes: Acentuar as vivncias do povo explorado e pedinte Estabelecer a ligao para o espao do Poder, o espao das grandes decisesEste espao caracteriza-se pelo despojamento, pela quase ausncia de elementos cnicos, o que contribui para a concentrao do espectador na mensagem dramtica e para a construo da atmosfera trgica.Essa ausncia de elementos cnicos evidencia a importncia e papel de: Luz o espao deve estar fortemente iluminado para manter os espectadores despertos e vigilantes. A incidncia e/ou ausncia de luz sublinham os momentos fulcrais da ao e doa comportamentos mais relevantes das personagens. Som articulado com a luz, o som vozes de multido, rufar de tambores, sinos a tocar a rebate evidencia, de igual modo, os momentos de intensidade dramtica

5. As personagens possvel organizar as personagens em diferentes grupos, de acordo com a didasclia inicial:

As personagens do Poder Trs conscienciosos governadores do Reino: O poder politico representado por D. Miguel O poder religioso na figura do principal Sousa O poder militar representado por BeresfordOs delatores (= os denunciadores): Andrade Corvo e Morais Sarmento, dois denunciantes que honram a classe, cuja existncia histrica se encontra comprovada. Vicente, um provocador em vias de promooAs personagens do antipoder: General Gomes Freire de Andrade, a presena ausente Matilde de Melo, a companheira de todas as horas Sousa Falco, o inseparvel amigo Frei Diogo, o confessor e amigo do generalO Povo: Manuel, o mais consciente dos populares Rita, a mulher de Manuel Os populares, o pano de fundo permanenteCaracterizao das personagens:

As personagens do Poder

D. Miguel Pequeno tirano, inseguro e prepotente, revela-se um homem avesso ao progresso e insensvel injustia e misria. O seu discurso preconceituoso e profundamente demaggico constri-se sobre verdades e convices falsas. Os argumentos do ardor patritico, da construo de um Portugal prspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no senhor, so o eco fiel do discurso poltico salazarista retrogrado e melfluo. D. Miguel e Principal Sousa so as duas personagens mais execrveis de todo o texto pela falsidade e hipocrisia que veiculam.

Principal Sousa Alm da hipocrisia e da falta de valores ticos, esta personagem deixa transparecer que os interesses particulares suplantam o bem comum. O Principal sousa simboliza, de igual modo, o conluio entre a igreja, enquanto instituio, e o Poder, e a demisso da mesma em relao denncia das verdadeiras injustias. Nas palavras do principal Sousa reconhecer os fundamentos retrgrados da poltica do orgulhosamente ss dos anos 60 enquanto a Europa se desfaz, o nosso povo tem de continuar a ver, no cu, a cruz de Ourique

Beresford Personagem cnica e controversa que, desassombradamente, lidera o processo de Gomes Freire, no como um imperativo nacional ou militar, mas apena motivado por interesses individuais: a manuteno do seu posto e da sua tena anual.A sua posio face toda a trama que envolve Gomes Freire de distanciamento crtico e irnico. Revela antipatia face ao catolicismo caduco e ao exerccio incompetente do poder, que marcam a realidade portuguesa. A sua presena contribui para acentuar as contradies no seio do Poder.Alguns crticos literrios consideram Beresford como smbolo do poder econmico e dos monoplios estrangeiros do Portugal da dcada de 60. Parece-nos esta interpretao um pouco exagerada, uma vez que, o interesse econmico de Beresford meramente pessoal e, tambm porque a economia dos anos 60 no era, de uma fora global, dominada pelo interesse econmicos estrangeiros. Ser, talvez, mais pertinente interpretar o papel de Beresford como o de uma voz crtica e mesmo distante em relao atuao decadente de D. Miguel e do P. Sousa.

Os delatores

Vicente Elemento do povo, Vicente trai os iguais, chegando mesmo a provoc-los, apenas lhe interessando a sua ascenso poltico-social. A sua atuao evidncia dois momentos distintos: num primeiro momento, tenta denegrir junto do povo o prestgio do general, assumindo-se como um provocador e agitador; num segundo momento, assume um papel especfico de denunciar o general a D. Miguel a troco da nomeao como intendente da polcia.Apesar da antipatia que as atitudes de Vicente possam provocar no pblico/leitor, no se lhe pode negar nem lucidez nem acuidade, na anlise que faz da sua situao de origem e da fora corruptora do poder. Vicente uma personagem incmoda, talvez porque leve o espectador a olhar para dentro de si e a rever-se em alguns comportamentos.

Andrade Corvo e Morais Sarmento So os delatores por excelncia, aqueles a quem no repugna trair ou abdicar dos ideais, para servir obscuros propsitos patriticos. Dando corpo viso tentacular do aparelho repressivo do Estado, Morais Sarmento e Andrade Corvo so meros tteres na mo dos poderosos.

As personagens do AntipoderGomes Freire de Andrade Como o prprio dramaturgo afirma, est sempre presente, embora nunca aparea, a personagem central da pea. A sua presena , pois, construda atravs das falas das outras personagens, para as quais se torna uma obsesso.Gomes Freire aparece-nos, ento, como um homem instrudo, letrado, um estrangeirado, epteto vrias vezes repetido ao longo da pea, um militar que sempre lutou em prol da honestidade e da justia. O povo v nele o seu heri, o nico que ser capaz de o libertar do clima de opresso e terror em que vive, depositando nele as derradeiras esperanas de sobrevivncia e de regresso a uma sociedade justa e livre do jugo dos ingleses e da tirania da regncia.O general tambm o smbolo da modernidade e do progresso, adepto das novas ideias liberais e, por isso, considerado subversivo e perigoso para o poder institudo. Assim, quando necessrio encontrar uma vtima que simbolize uma situao de revolta que se avizinha, Gomes Freire a personagem ideal. Ele o smbolo da luta pela liberdade, da defesa intransigente dos ideais e da que a sua presena se torne incomoda para os reis do Rossio. A sua morte, duplamente aviltante para um militar, servir de lio para todos aqueles que ousem afrontar o poder poltico e tambm, de certa forma, econmico, representado pela tena que Beresford recebe.H alguns estudiosos que aproximam Gomes Freire do General Humberto Delgado, sobretudo pela fora polarizadora dos dois em relao ao povo, pela coragem e pela forma como os dois so assassinados: Gomes Freire atravs de um processo supostamente isento, Humberto Delgado atravs de uma cilada.O martrio de Gomes Freire e a sua lio de coragem constituem os principais elementos da construo do carcter pico e trgico desta personagem.

Matilde Sousa Companheira de todas as horas de Gomes Freire, ela quem d voz injustia sofrida pelo seu homem. As suas falas, imbudas de dor e revolta, constituem tambm uma denncia da falsidade e da hipocrisia do Estado e da Igreja, identificando-se com a ideologia progressista dos anos 60. uma personagem que evolui ao longo da pea, uma vez que se apresenta inicialmente como uma mulher que apenas quer salvar o seu homem cf. Pedido e apelo de mulher desesperada, acreditando ingenuamente na bondade do poder (inicio do primeiro dialogo com Sousa Falco, Ato II) nem que para isso tenha de abdicar de valores que sempre defendeu. Ao tomar conscincia da trama maquiavlica que envolve o general, acaba por assumir a luta de Gomes Freire, revelando-se firme e corajosa, mas no deixando de exprimir a sua faceta de mulher apaixonada e nostlgica de um amor intenso.A partir do momento em que a morte do general se lhe afigura inevitvel, todas as tiradas de Matilde transmitem uma clara lucidez e uma verdadeira coragem na anlise que faz de toda a teia que envolve a priso e condenao de Gomes Freire. No entanto, a conscincia da inevitabilidade do martrio do seu homem (e da o carcter pico da personagem de Gomes Freire) arrasta-a para um delrio final em que, envergando a saia verde que o general lhe oferecera em Paris (smbolo de esperana num futuro diferente), Matilde dialoga, a uma voz, com Gomes Freire vivendo momentos de alucinao intensa e dramtica. Estes momentos finais, pelo seu carcter surreal, denunciam o absurdo a que a intolerncia e a violncia dos homens conduzem.

Sousa Falco O inseparvel amigo, o amigo de todas as horas, o amigo fiel em quem se pode confiar e que est sempre pronto a exprimir a sua solidariedade e amizade. No entanto, ele prprio tem conscincia de que, muitas vezes, no atuou de forma consentnea com os seus ideais, faltando-lhe coragem para passar ao. Por isso, para ele, o general mais do que um amigo, algum que ele deseja ser.O processo de gomes Freire permite a Sousa Falco uma reflexo e consciencializao da sua prpria existncia H homens que obrigam outros homens a reverem-se por dentro.

Frei Diogo Esta personagem o smbolo do antipoder dentro da Igreja (Se h santos, Gomes Freire um deles).

O Povo Representado pela presena de vrios populares, no tem uma interveno direta no conflito dramtico e contribui para dar colorido social, funcionando como pano de fundo permanente. A sua expresso revela-se atravs de algumas vozes individuais: Manuel, Rita, 1 Popular, Antigo Soldado grupo dos deserdados pelo bero e pela sorte, dos que trabalham para sobreviver mal, dos que servem e so explorados, dos que recebem esmolas e so tratados sem respeito e sem dignidade.Smbolos do povo oprimido e esmagado, Manuel e Rita tm conscincia da injustia em que vivem, sabem que so simples joguetes nas mos dos poderosos, mas sentem-se impotentes para alterar a situao. Vem em Gomes Freire uma espcie de Messias e da talvez a sua agressividade em relao a Matilde, apos a priso do general, quando ela lhes pede que se revoltem e que a ajudem a libertar o seu homem. A priso de Gomes Freire uma espcie de traio esperana que o povo nele depositava.Manuel e Rita acabam tambm por simbolizar a desesperana, a desiluso, a frustrao de toda uma legio de miserveis face quase impossibilidade de mudana da situao opressiva em que vivem.6. Aspetos simblicosTtuloFelizmente H Luar! uma expresso proferida por duas personagens de mundos diferentes: D. Miguel Forjaz, smbolo do poder, e Matilde, smbolo da resistncia, no final do Ato II. Tendo em conta esta dualidade, o luar interpretado de forma diferente por cada uma das personagens. Para D. Miguel, o luar permitir que o claro da fogueira seja visto por todos, atemorizando aqueles que ousem lutar pela liberdade; para Matilde, o luar sublinha a intensidade do fogo, incitando ousadia daqueles que acreditam na mudana e na caminhada para a luz da liberdade (prenuncio da revoluo liberal)FogueiraSegundo Jos de Oliveira Barata, o claro da fogueira confirma, cenicamente, o clima apoteoticamente trgico (e redentor) que o autor assumidamente deseja para esta pea. Aps ser enforcado, Gomes Freire foi queimado. Contudo, o que inicialmente aviltante para um militar, acaba por assumir um carcter redentor. Na verdade, o fogo simboliza tambm a purificao, a morte da velha ordem e o ponto de partida para um mundo novo e diferente. O claro da fogueira associado ao luar refora a certeza de que a justia e a liberdade triunfaro.Lua De acordo co o dicionrio dos smbolos, a lua o smbolo da transformao e do crescimento, reiterando a crena na vida para alm da morte a crena na liberdade.Saia verdeOferecida pelo general a Matilde, como expresso do amor e da felicidade, Matilde escolhe-a para esperar o companheiro aps a morte, acabando o verde da saia por simbolizar a esperana de que o marido general seja redentor. Ao vestir a saia verde, Matilde sente-se mais apaziguada e encara o martrio do general como condio necessria vitria da liberdade.Moeda de cinco reisSegundo Jos de Oliveira Barata, a moeda de cinco reis que Matilde pede a Rita assume, assim, um valor simblico, teatralmente simblico. Assinala o reencontro de personagens em busca da Histria, por um lado, e, por outro, o penhor de honra que Matilde, emblematicamente, usar ao peito, como uma medalha.

7. Importncia das didascliasEm Felizmente H Luar! H dois tipos de didasclias: Um acompanha as falas das personagens, aparece em itlico e, por vezes, entre parntesis, e preenche o papel tradicional deste tipo de texto: indicao dos movimentos das personagens em cena, tom de voz, gestos O outro aparece ao lado do texto principal, revelando, pela sua extenso e pelo cuidado literrio e cnico que encerra, uma anlise interpretativa do texto principal.

8. Temas fulcrais Luta pela liberdade Denuncia das injustias sociais Condenao da opresso Dimenso do verdadeiro patriotismo Diversas vertentes do amor: Amor ptria Amor liberdade Amor-paixo

Felizmente H Luar! Quadro sntese

Ato I

PersonagensAssuntos

ManuelManifesta a sua impotncia e o seu descontentamento perante as diferentes foras do Poder a que o Pas esteve e est sujeito.

Manuel, Rita, Antigo Soldado, Vicente, vrios populares Um popular, ironicamente, evidencia a misria do grupo. Todos manifestam interesse em ouvir o Antigo Soldado falar do regimento a que pertenceu e, particularmente, de Gomes Freire de Andrade que o chefiava. Manuel deixa em suspenso a sua esperana no General. Vicente aproveita para mostrar que Gomes Freire um general como todos os outros, e, por isso, nunca fez, nem est interessado em fazer, nada por eles. O Antigo Soldado e Manuel tentam rebater mas os seus argumentos so pouco convincentes.

Vicente, dois polcias excepo de Vicente, todas as personagens anteriores se pem em fuga quando se apercebem da aproximao dos polcias. Estes conhecem bem Vicente que lhes vende, frequentemente, informaes. Desta vez procuram-no por ordem de D. Miguel, Governador do Reino, que quer falar pessoalmente com Vicente.

Vicente, D. Miguel, dois polciasD. Miguel quer informaes sobre seu primo, Gomes Freire de Andrade, e Vicente vai estudando as reaces do Governador s suas palavras e vai mudando, habilmente, de discurso na tentativa de cair no agrado do seu interlocutor.

Vicente, D. Miguel, dois polcias, Principal Sousa O Principal Sousa, eclesistico, outro dos Governadores do Reino, intervm no dilogo de Vicente com D. Miguel para lembrar a Vicente que o poder do rei de origem divina e, portanto, incontestvel. Ambos os Governadores manifestam a sua preocupao perante as notcias, cada vez mais inquietantes, de que est em curso uma conspirao para os derrubar. D. Miguel incumbe Vicente de vigiar, diariamente, Gomes Freire.

Vicente, dois polcias Vicente ironiza, visivelmente satisfeito, com a misso que lhe foi confiada.

Principal Sousa, D. MiguelOs dois Governadores manifestam as suas preocupaes pelas mudanas que a Revoluo Francesa tem vindo a introduzir no esprito de um nmero crescente de portugueses.

Principal Sousa, D. Miguel, BeresfordO Marechal Beresford, terceiro Governador do Reino, vem preocupado com a conspirao de que tanto se fala em Lisboa, mostra a necessidade de actuar sem demora e com dureza, e anuncia a chegada prxima de um oficial disposto a colaborar com a Regncia como delator.

Andrade Corvo, Morais SarmentoAndrade Corvo, o oficial anunciado por Beresford, convence o companheiro de armas, Morais Sarmento, que as vantagens econmicas que lhes advm desta misso justificam os inconvenientes.

Beresford, D. Miguel, Principal Sousa, Andrade Corvo, Morais Sarmento Corvo anuncia ter visto uma proclamao contra o Rei e a Regncia, mas, no a tendo conseguido obter, no sabe pormenores, nomeadamente quem chefia a conjura. Os oficiais delatores so incumbidos pelos regentes de trazer a proclamao, com a brevidade possvel.

Beresford, D. Miguel, Principal Sousa Beresford manifesta o seu desprezo por Portugal e recorda com saudade o seu pas. Questionado pelos outros dois regentes, revela o que o faz manter-se num cargo de chefia em Portugal o dinheiro que lhe pagam para isso e que lhe permitir viver o resto dos seus dias, tranquila e desafogadamente, em Inglaterra. Os outros regentes, embora no gostem do Marechal, sabem que, de momento, precisam muito dos seus servios.

Os mesmos, Vicente Vicente traz os nomes de alguns possveis conjurados

Beresford, D. Miguel, Principal SousaO Principal Sousa finge recear que se condene um inocente e Beresford ironiza com a pretensa preocupao do eclesistico. Ningum cita nomes, mas evidente que todos tm algum em mente como possvel chefe da conjura.

Os mesmos, Corvo Andrade Corvo anuncia que a conjura se alastra pelo pas.

Beresford, D. Miguel, Principal SousaD. Miguel, com o apoio mais ou menos disfarado dos outros regentes, pensa nas medidas a tomar para a deteno, julgamento, sentena e execuo dos presumveis conspiradores.

Os mesmos, Morais SarmentoMorais Sarmento anuncia que a conspirao se destina a implantar o sistema de cortes em Portugal

Beresford, D. Miguel, Principal SousaOs regentes mostram-se cada vez mais ansiosos por arranjar um chefe para a conjura, com ou sem provas do seu envolvimento.

Os mesmos, VicenteVicente revela que muitos dos conspiradores so oficiais mas contam com o apoio de civis

Os mesmos, Vicente, Corvo Os delatores revelam o clima geral de rebelio. O Principal Sousa manifesta medo e Beresford exige que descubram imediatamente quem so os chefes da conjura.

Beresford, D. Miguel, Principal SousaD. Miguel expressa o seu receio de que o Portugal com que sonhou humilde, submisso, com classes sociais perfeitamente definidas esteja prestes a desmoronar-se. Refere-se a algum, que no nomeia, como capaz de liderar a revolta do povo.

Os mesmos, Vicente, Corvo, Morais SarmentoOs delatores indicam o nome que por todo o lado referido como sendo o chefe da conjura o do General Gomes Freire de Andrade. A revelao agrada aos regentes que, por motivos diferentes, nutrem um dio comum pelo General. D. Miguel, indiferente ao facto de no haver provas que incriminem Gomes Freire, d ordens para que se prepare, de imediato, um clima emocional propcio priso e condenao dos conjurados, antes que o pas se movimente para os defender sinos a tocar, paradas nos quartis, frades aos gritos no plpito, tambores em fanfarra, bandeiras

Ato II

ManuelManifesta a sua impotncia e o seu desnimo face s diferentes foras do Poder, s esperanas que se desmoronam, misria a que a vida o condenou. Medita sobre a priso de Gomes Freire e procura inteirar-se, junto de outros populares, de mais detalhes.

Manuel, Rita, Antigo Soldado, vrios PopularesDiferentes Populares contam que foram feitas vrias detenes durante a noite, h zonas da cidade cheias de soldados e os quartis esto todos de preveno.

Os mesmos, dois soldadosOs polcias mandam os Populares dispersarem e estes obedecem com visvel desalento. Enquanto se afastam, Rita vai contando a Manuel, entre apavorada e revoltada, como ocorreu a priso do General, a que assistiu quando passava prximo da sua casa.

Matilde Matilde, sozinha, questiona-se sobre a incoerncia de se transmitir aos filhos valores desfasados da sociedade em que esto inseridos. Recorda o filho morto e expe, com rancor, os princpios em que o teria educado para que pudesse viver bem e morrer tranquilo. Entretanto coloca o uniforme de Gomes Freire sobre uma cadeira e imagina momentos felizes que poderiam continuar a partilhar, se ele fosse igual a tantos outros que se acomodam. Entre a revolta e o desespero, decide que vai lutar pela vida do seu homem.

Matilde, Sousa FalcoMatilde reconhece que, mais do que nunca, se sente s e, como em tantos outros momentos de dor, no sabe por onde comear a agir. Vencendo o desalento procura Beresford.

MatildeMatilde reconhece que, mais do que nunca, se sente s e, como em tantos outros momentos de dor, no sabe por onde comear a agir. Vencendo o desalento procura Beresford.

Matilde, BeresfordPerante Beresford, Matilde, sumariamente, apresenta o seu percurso de vida antes de se identificar como a mulher de Gomes Freire. Indo contra a sua prpria conscincia, mas assumindo-se como uma simples mulher que nada mais deseja que ter consigo o seu homem, Matilde pede clemncia para o prisioneiro. Esta atitude diverte o Marechal que lhe diz que Gomes Freire, seja ou no inocente no crime da conjura, culpado pelo simples facto de existir e defender uma ideologia contrria aos interesses do Poder.

Matilde, Beresford, um Padre, alguns PopularesUm padre l uma ordem do Patriarcado de Lisboa em que, implicitamente, se condena os conjurados e se apela orao de graas a Deus por ter permitido que fossem descobertos. Matilde revolta-se contra esta condenao da Igreja, antecipando-se ao julgamento.

Matilde, Populares, Rita, ManuelOs Populares, que se foram juntando conversam agora entre si, ignorando ostensivamente as interpelaes de Matilde. Um deles d a notcia de que Vicente foi promovido a chefe da polcia. Perante a atitude dos Populares, Matilde faz meno de partir mas Manuel chama-a. Em resposta insinuao que Matilde fizera de que eles, pelas esperanas que depositavam em Gomes Freire, eram co-responsveis pela sua priso e, portanto, no podiam alhear-se do que pudesse vir a acontecer-lhe, Manuel f-la observar com ateno a desgraa, a misria extrema dos Populares. Acusa-a de se ter dirigido a eles apenas porque estava desesperada. Antes, dava-lhes esmolas, agora pede-lhes, em troca, que eles dem a vida. Diz a Rita que d uma moeda a Matilde e a mande embora, mas logo a seguir arrepende-se e pede-lhe desculpa. Reconhece que foi injusto para com a mulher do General, tal como a sociedade tem sido injusta para com ele e os outros Populares. Matilde compreendeu a mensagem e pede a moeda.

Ato III

Matilde, Sousa Falco Sousa Falco relata a forma desumana como tm tratado Gomes Freire em S. Julio. Matilde evoca o passado e, com tristeza, recorda, por contraste, as pequenas atenes com que o mimava, apesar da escassez de dinheiro. Recorda que o General chegou a vender duas medalhas para se poderem sustentar e, num gesto de carinho e gratido, comprou-lhe uma saia verde para ela vestir quando regressassem a Portugal. Matilde diz que a vestir quando ele sair da priso, mas logo a seguir, como que recuperando a lucidez, agradece a Sousa Falco tudo o que tem feito por eles, nomeadamente no lhe tirando a esperana, embora ambos saibam que Gomes Freire no sair vivo da priso. Com a energia possvel, Matilde decide progredir a sua luta em defesa do marido e vai procurar D. Miguel, apesar de Sousa Falco a tentar dissuadir.

Matilde, Sousa Falco, um criado de D. Miguel Matilde diz ao criado que ela e Sousa Falco pedem uma audincia a D. Miguel. O criado traz como resposta que sua Ex. no recebe amantes nem amigos de traidores da ptria. Sousa Falco revolta-se, Matilde chora, mas logo se recupera para interpelar o Principal Sousa.

Matilde, Principal Sousa Matilde faz acusaes graves ao Principal Sousa que se sente pouco vontade, sobretudo pela segurana e autoridade com que Matilde lhas dirige

Matilde, Principal Sousa, Feri DiogoFrei Diogo vem do forte onde acaba de ouvir o General em confisso. Manifesta uma enorme admirao por Gomes Freire, d a Matilde o recado que o marido pedira que lhe transmitisse, procura confort-la e pede-lhe que no se revolte contra Deus por causa da injustia dos homens. O Principal Sousa tenta intervir, sem xito, e a sua fria contra Frei Diogo crescente.

Matilde, Principal SousaMatilde acusa o Principal Sousa de ser um traidor de Cristo e, com arrogncia, roga-lhe a praga de nunca conseguir aliviar a sua conscincia do crime em que est a participar.

Sousa Falco, Matilde, Principal Sousa Quando Sousa Falco lhe anuncia que os presos vo a caminho dos locais de execuo, Matilde implora, ajoelhada, pela vida de Gomes Freire.

Os mesmos, D. MiguelD. Miguel congratula-se por haver luar, j que as execues se prolongaro pela noite

Matilde Matilde, diante da cruz, pede ajuda a Deus para si e para o seu homem.

Matilde, Populares, Sousa Falco, D. Miguel, Principal SousaMatilde interpela Deus acerca da justia da condenao do marido e cai desmaiada, tal a intensidade dramtica do momento que vive. O Principal Sousa aconselha-a a resignar-se e Sousa Falco ajuda-a a recompor-se. Antes de se retirar com o amigo, Matilde atira ao cardeal a moeda que Rita lhe dera

Populares, Manuel, Matilde, Sousa FalcoOs Populares comentam a crueldade da forma de execuo dos condenados. Matilde veste agora a saia verde e censura Sousa Falco por vir vestido de luto. Sousa Falco diz sentir-se de luto por si prprio, por nunca ter tido coragem de lutar pelas suas convices. Matilde refere que vestiu a saia verde para se despedir de Gomes Freire e a partir de dado momento comporta-se como se o estivesse a ver vir ao seu encontro. Esse ltimo encontro imaginrio desenrola-se numa serra donde possvel ver-se, ao longe, o claro da fogueira que se vai extinguindo. o fim de Gomes Freire, mas Matilde apercebe-se que este fim o princpio de uma poca nova que necessariamente ir surgir e, por isso, dirigindo-se aos Populares pede-lhes que no esqueam este exemplo, que o vejam bem at ao fim at porque felizmente h luar.

Memorial do Convento Jos Saramago Memorial do Convento de Jos Saramago um texto fundador de um novo conceito de romance histrico em Portugal, em que a Histria contada, no na ptica oficial, mas sim na viso dos espoliados, sendo, por isso, tambm possvel ser classificado como romance de interveno social.1- AoA aco constituda por sequncias narrativas (acontecimentos) provocadas ou experimentadas pelas personagens, que se situam num espao e decorrem num tempo, mais ou menos, extenso. A aco fechada quando se conhece o desenlace da histria, ou seja, o final revelado; e aberta sempre que se verifica o contrrio, normalmente, incitando reflexo sobre a mesma.Aco principalConsiste nas sequncias narrativas com maior relevncia dentro da histria e que, por isso, detm um tratamento privilegiado no universo narrativo. Em Memorial do Convento de Jos Saramago: A edificao do convento de Mafra desejo e promessa de D. Joo V.Aco secundriaA sua importncia depende da aco principal, em relao qual possui menor relevncia. Em Memorial do Convento de Jos Saramago: A construo da mquina voadora sonho do padre Bartolomeu Loureno de Gusmo; bem como a histria de amor entre Blimunda Sete-Luas e Baltasar Sete-Sis.

2- TtuloO ttulo do romance remete para duas dimenses: Dimenso temporal o vocbulo memorial significa escrito em que relatam factos memorveis, o que implica necessariamente um movimento de recuo no tempo; Dimenso espacial referencia a um espao concreto, um convento.

3- EspaoEspao FsicoConsiste no espao real (geogrfico, interior e exterior) onde os acontecimentos ocorrem. Espao geogrfico Lisboa e Mafra so os espaos fulcrais, ate porque aqui que se movimentam as personagens principais. Dentro destes espaos, destacam-se, nomeadamente, o Terreiro do Pao (retrata a vida na corte), o Rossio (onde se realizam os autos de f), S. Sebastio da Pedreira (onde ocorre a construo da passarola), a Ilha da Madeira (vale onde os trabalhadores do convento se alojam). Faz-se ainda referncia a vora, Montemor, Peges, Aldegalega (locais por onde Baltazar passa ao regressar da guerra); serra do Barregudo, ao Monte Junto, ao Monte Achique, a Pinheiro de Loures, a Pro Pinheiro (onde vo buscar a gigantesca pedra), a Cheleiros, Torres Vedras, Leiria, regio do Algarve, Alentejo e Entre-Douro-e-Minho; entre outros espaos. Espao interior Por exemplo, o Palcio Real, a abegoaria na quinta do duque de Aveiro, a casa dos pais de Baltasar (Mafra) Espao exterior por exemplo, as ruas/praas, o Terreiro do Pao, o Rossio, Remolares, S. Roque, o morro das Taipas, Valverde, o vale da Ilha da MadeiraEspao SocialConsiste no ambiente social vivido pelas personagens e cujos traos ilustram a atmosfera social em que se movimentam.Os espaos fsicos de Lisboa, Mafra e Alentejo ilustram o ambiente e os costumes da poca joanina, no incio do seculo XVIII. Ao longo da ao, so apresentados diversos ambientes sociais entre os quais se destaca: A vida na corte, com a apresentao do squito real, do vesturio das personagens, das vnias protocolares, do ritual das relaes entre o rei e a rainha e todos aqueles que frequentam o pao, sobretudo, o clero. Diversas procisses, nomeadamente a de penitncia pela altura da Quaresma, as dos autos de f, a do Corpo de Deus que atestam a influncia da religio na sociedade. O baptizado da princesa Maria Brbara, filha de D. Joo V e D. Maria Ana, no dia de Nossa Senhora do . A tourada em lisboa, no Terreiro do Pao Os festejos da inaugurao e da bno da primeira pedra do Convento de Mafra. As lies de msica da Infanta Maria Brbara ministradas por Domenico Scarlatti A epidemia de clera e febre amarela que dizima o povo O cortejo nupcial que retrata os casamentos da infanta Maria Brbara com o prncipe D. Fernando de Espanha e do prncipe D. Jos com a infanta espanhola Mariana Vitria. A sagrao, em 1730, do convento de Mafra, apesar de ainda no estarem concludas as obras

Espao Psicolgico O Sonho A rainha sonha diversas vezes com o infante D. Francisco, seu cunhado. Note-se que, ao longo do romance, so descritos com alguma insistncia os sonhos de diversas personagens, dando conta dos seus mais ntimos desejos, ansiedades e inquietaes A Imaginao Por exemplo, na peregrinao em busca de Baltasar, durante nove anos, Quantas vezes imaginou Blimunda [] (Captulo XXV) A Memria Quando Baltasar, por exemplo, relembra o momento em que perdeu a sua mo esquerda na guerra (Captulo VIII) A Reflexo Nomeadamente a conversa entre a infanta D. Maria Brbara e sua me, a rainha D. Maria Ana Josefa, durante o cortejo nupcial (Captulo XXII) O narrador tem preferncia por locais onde se movem grandes aglomerados populares, na medida em que estes permitem evidenciar as disparidades sociais, a explorao e a crueldade a que o povo estava sujeito.Pelo contrrio, os ambientes das classes privilegiadas surgem em menor nmero e, no raro, so apresentados num tom irnico como forma de criticar aspectos polticos, econmicos e religiosos de uma sociedade, onde uma minoria tem tudo e a maioria nada tem.

4- TempoAs sequncias narrativas ocorrem durante um tempo que pode ser, mais ou menos, extenso e que abarca vrias aces.

Tempo histrico Consiste na poca ou perodo da Histria em que se desenrolam as sequncias narrativas.Em Memorial do Convento de Jos Saramago: A aco passa-se no incio do sculo XVIII, abrangendo o perodo compreendido entre 1711- D. Maria Ana Josefa tinha chegado da ustria h mais de dois anos e 1739 ano em que se realiza o auto-de-f onde so sentenciados, entre outros, Antnio Jos da silva, um judeu que fazia comdias de bonifrates, e Baltasar Mateus.Tempo da diegese Consiste no tempo durante o qual a aco se desenrola, segundo uma ordenao cronolgica, e em que surgem marcas objetivas da passagem das horas, dias, meses, anos, etc. Em Memorial do Convento de Jos Saramago: Em termos cronolgicos, a aco decorre entre 1711 e 1739, portanto, durante cerca de28 anos. Ao longo do romance, as referncias temporais so escassas e, muitas vezes, apenas deduzidas. O crescimento e/ou envelhecimento das personagens tambm nos d conta da passagem do tempo.

Tempo do discurso Consiste no modo como o narrador conta os acontecimentos, podendo elaborar o seu discurso segundo uma frequncia, ordem e ritmo temporais diferentes. O tempo do discurso pode no ser igual ao da diegese. Em Memorial do Convento de Jos Saramago: Embora o narrador siga uma ordem cronolgica linear na apresentao dos eventos, h, por vezes, algumas anisocromias, sobretudo, prolepses, mas tambm analepses e elipses temporais.

Tempo psicolgico Trata-se de um tempo subjetivo, diretamente relacionado com as emoes, a problemtica existencial das personagens, ou seja, a forma como estas sentem a passagem do tempo, vivendo momentos felizes e/ou infelizes.Em Memorial do Convento de Jos Saramago: No percurso at Espanha, a filha de D. Joo V vai observando o que a rodeia e, a partir da, medita sobre vrios assuntos, nomeadamente sobre o facto de nunca ter visto o convento erigido em honra do seu nascimento.

5- PersonagensNo romance, h dois tipos de personagens distintos: as histricas e as ficcionais. Saramago pretende evidenciar dicotomicamente dois tipos de vivncias humanas: uma, em que os homens se servem dos seus semelhantes para atingir determinados objetivos; outra, em que os homens se servem dos prprios meios para alcanar esses mesmos fins. Tal facto est ao servio da inteno do autor, que pretende fazer a anlise das condies sociais, morais e econmicas da corte e do povo. Aspersonagens histricaspertencem a uma classe social privilegiada (nobreza/clero) que vive a seu belo prazer, menosprezando os interesses do povo:

D. Joo V rei de Portugal. De carcter vaidoso, magnificente e megalmano pretende deixar uma obra que ateste a grandeza da sua riqueza e do seu poder, ainda que para tal se tenha de sacrificar o povo. um marido leviano, cuja relao com a rainha se pauta, essencialmente, pelo cumprimento dedeveres reais e conjugais. A caracterizao do rei feita predominantemente atravs da descrio das suas aces e dos seus pensamentos de modo indirecto. D. Maria Ana Josefa oriunda da ustria, a rainha revela-se extremamente devota e submissa, cujo papel se resume basicamente a dar herdeiros ao rei A infanta D. Maria Brbara filha primognita do casal real. Temcara de lua cheia, bexigosa e feia, masboa rapariga, musical a quanto pode chegar uma princesa (XXII). Casa aos 17 anos com o infante D. Fernando de Espanha, pelo que no chega sequer a ver o convento erigido em honra do seu nascimento O infante D.Francisco irmo de D. Joo V. um homem sem escrpulos que cobia o trono e a esposa do rei, bem como se entretm a provar a sua boa pontaria de espingarda nos marinheiros que esto nos barcos ancorados no Tejo Domenico Scarlatti msico italiano. um homem de completa figura, rosto comprido, boca larga e firme, olhos afastados (XVI). Foi contratado para dar lies de msica infanta D. Maria Brbara. Tambm ele partilha o segredo da construo da passarola, deslocando-se vrias vezes quinta do duque de Aveiro onde toca cravo para gudio dos presentes Joo Frederico Ludovice arquitecto alemo, contratado para construir o convento de Mafra quesabe que uma vida, para ser bem sucedida, haver de ser conciliadora, sobretudo por quem a viva entre os degraus do altar e os degraus do trono (XXI) O padre Bartolomeu Loureno de Gusmo Figura que tem fundamento histrico. Imbudo de um esprito aberto e despreconceituoso, movimenta-se na corte e na academia de Coimbra. Acalenta o sonho de um dia voar, da o seu projecto da passarola,apoiado por el-rei D. Joo V de quem amigo. Mantm, do mesmo modo, laos de profunda amizade com Baltasar e Blimunda, que o ajudam na construo da mquina voadora, e com quem, segundo as suas palavras, formauma trindade terrestre, o pai, o filho e o esprito Santo (XVI). Transtornado com a perseguio da Inquisio, refugia-se em Toledo, onde acaba por falecer caracterizao indirecta.

Note-se que, na caracterizao das personagens pertencentes a este grupo, h, quase sempre, umtom depreciativoe, no raro,irnicoque marca o distanciamento temporal e, sobretudo, afectivo do narrador. Pelo contrrio, a caracterizao daspersonagens ficcionais, a quem o narrador confere maior destaque, reveste-se de umtom francamente positivo e valorativo, tanto mais que pertencem na sua maioria a um grupo social desfavorecido e, muitas vezes, explorado/oprimido pelas classes do poder. Os dois tipos de personagens, as histrias e as ficcionais cujacaracterizao predominantemente indirecta e psicolgica convivem em simultneo, sendo a inteno narrador, ao apresentar duas vivncias antagnicas, desmascarar injustias sociais quase sempre negligenciadas pela Histria ao longo do tempo.

Baltasar Mateus de alcunha, o sete-sis, esteve na guerra de sucesso de Espanha, durante quatro anos, da qual foi dispensado por ter perdido a mo esquerda em combate. De regresso, comea por trabalhar no aougue no Terreiro do Pao, em Lisboa. Num auto-de-f conhece Blimunda, a quem se liga amorosa e espiritualmente. A convite do padre Bartolomeu Loureno, ajuda a construir a passarola, sonho que passa tambm a ser seu. Mais tarde, trabalha nas obras do convento de Mafra, primeiro como servente e, depois, como boeiro. Aps a morte do padre, zela pela preservao da mquina voadora e, um dia, por descuido, levado ao acaso, acabando por ser queimado 9 anos depois num auto-de-f pela Inquisio. Trata-se de um homem do povo, analfabeto e humilde, que aceita a vida tal como esta se lhe apresenta. Ao longo da aco, vai-se dando conta do seu envelhecimento (XIII) Blimunda de Jesus uma mulher do povo, a quem o padre Bartolomeu Loureno, baptiza de sete-Luas. Vive um amor apaixonado, franco e leal com Baltasar. Tem o dom de, em jejum, ver o interior das pessoas e das coisas, o que lhe permite recolher as duas mil vontades indispensvel para a passarola voar. Os seus olhos so evidenciados, por diversas vezes, (V). Detentora de grande densidade psicolgica e de uma perseverana sem limites, procura o seu homem durante nove anos, unindo-se ao mesmo numa comunho espiritual ao resgatar a sua vontade quando finalmente o reencontra num auto-de-f em que este est a ser queimado no fogo da Inquisio O nome de Blimunda, estranho e raro tal como a personagem que o veste, teria surgido ao narrador, talvez pela musicalidade que ele encerra ou pela magia das suas trs slabas, smbolo da perfeio. Esta figura representa a fora que permite ao povo a sua sobrevivncia, assim como contestar o poder e resistir. Sebastiana Maria de Jesus me de Blimunda,um quarto de crist-novacondenada a ser aoitada em pblico e ao degredo por ter vises e revelaes (V). Ao avistar a filha no meio da multido que assiste procisso dos sentenciados pelo Santo ofcio, de quem tambm faz parte, interroga-se sobre a identidade do homem to alto, que est perto de Blimunda Marta Maria me de Baltasar, quem recebe o filho prdigo e Blimunda em sua casa, quando estes vo pela primeira vez juntos a Mafra. Joo Francisco pai de Baltasar (X). homem do povo cuja subsistncia reside na agricultura Ins Antnia irm de Baltasar, me de dois filhos, que sofre a morte do rapaz mais novo, com pouco mais de dois anos lvaro Diogo homem do povo e antigo soldado (IV) com quem Baltasar trava amizade ao chegar a Lisboa Os trabalhadores do convento personagem colectiva, cuja fora bruta e esforo desmedido so explorados de forma desumana. De entre estes, distinguem-se, nomeadamente:Francisco Marques, Jos Pequeno, Joaquim da Rocha, Manuel Milho, Joo Anes, Julio Mau-Tempo

Opovoem geral massa annima tantas vezes subestimada e esquecida pela Histria apresentado como overdadeiro heri, na medida em que foi custa do seu sacrifcio, e muitas vezes da prpria morte, que se tornou possvel a edificao do megalmano convento. Saramago (tal como Lus de Sttau Monteiro fez emFelizmente h Luar! se bem que em situaes politicas diferentes) sentiu a necessidade de repensar os acontecimentos e as figuras luz de uma nova realidade criada no presente e que tem implicaes na construo de valores sociais futuros.

6- Narrador e Narratrio

EmMemorial do Convento maioritariamenteheterodiegtico, quanto presena, eomnisciente, quanto cincia/focalizao. No que respeita sua posio, no raro profere juzos de valor, opinies, comentrios e divagaes pelo que, neste caso, subjectivo. H, no entanto, momentos em que onarradorempresta a sua voz a diversas personagens, adoptando deste modo o seu ponto de vista (focalizao interna):e esta sou eu, Sebastiana Maria de Jesus(V);e, eu, patriarca, debaixo dele (XIII);E eu, vosso rei, de Portugal, Algarves e o resto(XIII)

O estatuto do narrador assume, por vezes, atitudes aparentemente contraditrias: por um lado, h uma tentativa de aproximao poca retratadano s atravs da reconstituio do ambiente vivido, mas tambm do vocabulrio usado; e, por outro lado, h umdistanciamento do narrador, perceptvel no recurso a prolepses, ironia e a uma actualizao ao nvel da linguagem. (por exemplo, a narrao do cerimonial respeitante aos encontros sexuais entre o rei e a rainha (I), apesar de retratar o ritual prprio da poca, reveste-se de extrema ironia, o que evidencia um narrador distanciado do tempo histrico apresentado. No que diz respeito a actualizaes ao nvel do vocabulrio, o narrador no s utilizatermos usado num tempo posterior ao da diegese, como os que se prendem com a aviao; mas tambm procura explicitar conceitos que, na actualidade,sofreram alteraescomo o caso da denominao das refeies:passou a manh, foi a hora de jantar, que este o nome da refeio do meio-dia, no esqueamos(VIII). Trata-se, assim, de um narrador que se movimenta entre o passado, o presente e o futuro; detentor de um vasto conhecimento que lhe permite controlar a aco e as personagens.

O narratrio surge no interior da narrativa, como entidade fictcia, a quem o narrador se dirige, explcita ou implicitamente. , portanto, o destinatrio da mensagem do narrador. Ao lon