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RESPONSABILIDADE SOCIAL: DESAFIOS À GESTÃO UNIVERSITÁRIA ADOLFO IGNACIO CALDERÓN* ESTUDOS 34 Observação preliminar Distante do universo específico do Tercei- ro Setor, a questão da responsabilidade social, teórica e conceitualmente falando, assume certo grau de com- plexidade se abordado como componente ou forma de atuação das Instituições de Ensino Superior (IES). Trata-se de uma temática que gerou dissensos no II Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, re- alizado em setembro de 2004 na cidade de Belo Hori- zonte, principalmente devido aos componentes políti- cos e ideológicos que existem por trás da mesma. Por que na segunda metade desta década ganha des- taque, com ar de novidade, a questão da responsabili- dade social? Trata-se de uma temática realmente nova? O que aconteceu com o velho conceito de compromisso social, tão usado na definição do papel da universidade? Foi esgotado ou não tem mais sentido? Qual é a grande inovação do con- ceito de responsabilidade social? Será que é mais um novo modismo? Neste artigo, tendo como foco a questão da res- ponsabilidade social, pretende-se abordar ques- tões que, por imposição estatal ou por tendências próprias do mercado do ensino superior, estão gerando novos desafios para a gestão universitária. Pretende- se apresentar elementos teóricos que contribuam não somente para a compreensão da realidade, mas tam- bém para a construção do novo, por meio da criação de estratégias de gestão que permitam o afinamento, aprimoramento e/ou reestruturação da forma como as IES são geridas. * Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP; professor-pesquisador e assessor para assuntos comunitários da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) pesquisador do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp); membro do Comitê Científico do Fórum de Extensão das IES Brasileiras e do Conselho de Gestores do Programa Alfabetização Solidária. E-mail: [email protected] Palestra ministrada no Seminário Universidade e Rede Social promovido pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da PUC-Campinas em setem- bro de 2004 e na Universidade Metodista de São Paulo, em outubro de 2004, durante o processo de discussão do planejamento estratégico dessa instituição.

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Distante do universo específico do Terceiro Setor, a questão da responsabilidade social, teórica e conceitualmente falando, assume certo grau de complexidade se abordado como componente ou forma de atuação das Instituições de Ensino Superior (IES). Trata-se de uma temática que gerou dissensos no II Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, realizado em setembro de 2004 na cidade de Belo Horizonte, principalmente devido aos componentes políticos e ideológicos que existem por trás da mesma.

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RESPONSABILIDADE SOCIAL: DESAFIOS À GESTÃORESPONSABILIDADE SOCIAL: DESAFIOS À GESTÃORESPONSABILIDADE SOCIAL: DESAFIOS À GESTÃORESPONSABILIDADE SOCIAL: DESAFIOS À GESTÃORESPONSABILIDADE SOCIAL: DESAFIOS À GESTÃOUNIVERSITÁRIAUNIVERSITÁRIAUNIVERSITÁRIAUNIVERSITÁRIAUNIVERSITÁRIA ADOLFO IGNACIO CALDERÓNADOLFO IGNACIO CALDERÓNADOLFO IGNACIO CALDERÓNADOLFO IGNACIO CALDERÓNADOLFO IGNACIO CALDERÓN

RESPONSABILIDADE SOCIAL:DESAFIOS À GESTÃOUNIVERSITÁRIA ADOLFO IGNACIO CALDERÓN*

ESTUDOS 34

Observação preliminar

Distante do universo específico do Tercei-ro Setor, a questão da responsabilidade social, teórica econceitualmente falando, assume certo grau de com-plexidade se abordado como componente ou forma deatuação das Instituições de Ensino Superior (IES).

Trata-se de uma temática que gerou dissensos noII Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, re-alizado em setembro de 2004 na cidade de Belo Hori-zonte, principalmente devido aos componentes políti-cos e ideológicos que existem por trás da mesma.

Por que na segunda metade desta década ganha des-taque, com ar de novidade, a questão da responsabili-dade social? Trata-se de uma temática realmentenova? O que aconteceu com o velho conceito decompromisso social, tão usado na definição dopapel da universidade? Foi esgotado ou não temmais sentido? Qual é a grande inovação do con-ceito de responsabilidade social? Será que é maisum novo modismo?

Neste artigo, tendo como foco a questão da res-ponsabilidade social, pretende-se abordar ques-tões que, por imposição estatal ou por tendênciaspróprias do mercado do ensino superior, estão gerandonovos desafios para a gestão universitária. Pretende-se apresentar elementos teóricos que contribuam nãosomente para a compreensão da realidade, mas tam-bém para a construção do novo, por meio da criação deestratégias de gestão que permitam o afinamento,aprimoramento e/ou reestruturação da formacomo as IES são geridas.

* Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP; professor-pesquisador eassessor para assuntos comunitários da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC)pesquisador do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas da Fundação deAmparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp); membro do Comitê Científicodo Fórum de Extensão das IES Brasileiras e do Conselho de Gestores do ProgramaAlfabetização Solidária. E-mail: [email protected]

Palestra ministrada no Seminário Universidade e Rede Social promovido pelaPró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da PUC-Campinas em setem-bro de 2004 e na Universidade Metodista de São Paulo, em outubro de 2004,durante o processo de discussão do planejamento estratégico dessa instituição.

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O novo que não é tão novo

Depois de ter sido usado durante muitasdécadas como bandeira de setores universitários quelutaram e ainda lutam por uma universidade maispróxima dos setores socialmente excluídos, o Compro-

misso social, enquanto categoria e princípio ético dofazer universitário, vem sendo deixado de ladopela mais nova bandeira, a emergente Responsa-

bilidade social.

Embora considerada por muitos como uma nova cate-goria analítico-conceitual, convém mencionar que foiprecisamente “a responsabilidade social da universida-de”, o tema do XXV Congresso Mundial da PaxRomana, realizado na cidade de Montevidéu, há maisde 40 anos, em 1962 (Pax Romana, 1966)

No contexto da guerra fria e, obviamente, consideran-do os principais atores sociais daquele momento, osideólogos da Pax Romana – movimento de intelectuaise acadêmicos católicos que atuam no ambiente univer-sitário – apontavam a Responsabilidade social como odever que a universidade tem para com os estudantes,os grupos sociais (comércio, imprensa, sindicatos, in-dústria, etc.), o Estado e a Igreja.

A responsabilidade social assumia um significado am-plo, ao se referir aos deveres para o conjunto da socie-dade e um significado específico, ao se referir à procu-ra de soluções para os problemas sociais, à necessida-de de uma melhor distribuição da riqueza e à promoçãosocial dos operários e camponeses – principais atoressociais do campo popular daquela época.

Há 40 anos, os participantes do Congresso citadoapontaram que se a universidade queria ter seusdireitos e sua autonomia validada e reconhecida – naépoca as universidades eram principalmente estatais,lembre-se que predominava no mundo a ideologia doEstado de Bem-Estar – deveria cumprir rigorosamentecom seus deveres para com a sociedade que a finan-cia. Ressaltava-se também que, como parte documprimento da sua Responsabilidade Social, a univer-sidade deveria insistir na sua função educadora, nãoesquecendo a dimensão social da educação, por meiodo despertar no estudante o espírito social em prol dossetores sociais menos favorecidos via atividades deextensão universitária.

Deve-se registrar, que a partir da década de sessenta,a “responsabilidade social da universidade” foi umatendência emergente nas universidades européias enorte-americanas. E o Congresso da Pax Romana é,sem duvida alguma, reflexo desta tendência.

De acordo com Boaventura de Sousa Santos (1995),naquele período, a reivindicação da responsabilidadesocial assumiu tonalidades distintas. Se para algunstratava-se de criticar o isolamento da universidade e decolocá-la a serviço da sociedade, para outros tratava-se de denunciar que o aparente isolamento escondiaseu envolvimento em favor dos interesses e das clas-ses dominantes, fato que devia ser condenado.

Ora, resgatar os resultados de um congresso universi-tário realizado há 40 anos, permite-nos constatar apertinência e atualidade das conclusões, bem como anecessidade de refletir sobre quatro questões chavessobre a responsabilidade social:

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1) não é um assunto tão novo quanto se aparenta;

2) tem uma relação mais do que estreita, intrínseca,com a extensão universitária;

3) não é meramente um compromisso que a universi-dade tem com a questão social, ela ultrapassa a es-fera do compromisso para se tornar dever, isto é,obrigação; tornando-se parte constitutiva da natu-reza e da essência da universidade,

4) deve-se traduzir em ações concretas que rompamcom o elitismo das universidades e atendam as ne-cessidades da população que a financia. Sem dúvi-da alguma, o que a população mais deseja são cur-sos flexíveis que insiram no mercado de trabalho,bem como a ampliação de vagas em horários nosquais o trabalhador pode estudar e não naquelesque, sob argumento da autonomia universitária, sãoos mais interessantes para os docentes.

A responsabilidade social e omundo empresarial

O termo “responsabilidade social” genera-lizou-se na última década, à medida que se tornouum dos pilares de sustentação do chamado TerceiroSetor.

O Terceiro Setor é um movimento social que prega aco-responsabilidade entre o Estado e a Sociedade Civilpara o equacionamento dos principais problemas soci-

ais, diante da crise fiscal do Estado e do colapso doEstado de Bem-Estar (CALDERÓN & MARIM,2003).

Surgiu tendo como cenário propício para sua expansãoo fim da guerra fria. A queda do Muro de Berlim, em1989, representou o fim de utopias viáveis para a cons-trução de uma sociedade alternativa sem as mazelasda sociedade capitalista. Isto concretamente significa-ria que o homem está condenado a viver no mundocapitalista, com todos os seus problemas, conflitos econtradições, num cenário marcado pela acentuaçãoda pobreza e exclusão social de milhões de seres hu-manos que não conseguem se inserir no mercado.

Qual é a grande novidade deste movimento? Sem dúvi-da alguma, não foi a criação de entidades assistencia-listas que desenvolvem ações em parceria com o poderpúblico, pois elas já existiam, nem a criação de ONG’spolítico-mobilizadoras que se destacaram no processode democratização política, pois elas também existiam.

A grande visibilidade que ganhou o chamado TerceiroSetor deve-se a cinco fatos concretos:

1) o surgimento da filantropia empresarial ou da res-ponsabilidade social como novo código ético quedeveria nortear as ações dos empresários;

2) o surgimento de empresas ou organizações a elasvinculadas, como por exemplos suas fundações,enquanto agentes financiadores ou dinamizadoresde projetos sociais;

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3) o eufórico surgimento da filantropia ou responsabili-dade social como uma nova tendência de mercado,definindo as estratégias de publicidade, marketing epropaganda;

4) o investimento do governo do ex-presidente da Re-pública, Fernando Henrique Cardoso, por meio doConselho da Comunidade Solidária, na criação deum ambiente jurídico-institucional favorável àinstitucionalização da atuação do Terceiro Setor;

5) a ampla e irrestrita adesão por parte da maior redede televisão do País e da mídia em geral, estimulan-do e promovendo ações voltadas ao desenvolvi-mento do voluntariado.

Embora para o senso comum e a opinião pública emgeral, a responsabilidade social seja sinônimo defilantropia empresarial, vantagens competitivase marketing social, para um grupo de empresários reu-nidos no Instituto Ethos de Empresas e Responsabi-lidade Social1, tornou-se sinônimo de uma novaforma de gestão empresarial e não mera filantropiaempresarial.

De acordo com Oded Grajew (1999), Presidente doInstituto Ethos, a responsabilidade social “é a atitudeética da empresa em todas as suas atividades. Diz res-peito às interações da empresa com funcionários, for-necedores, clientes, acionistas, governo, concorrentes,meio ambiente e comunidade”.

Sob esta ótica, trata-se de um novo modelo gerencialque possui refinado sistema de avaliação, que as em-presas socialmente responsáveis tornam pública, pormeio do Balanço Social, instrumento que permite uma“radiografia do comportamento da empresa em rela-ção às suas responsabilidades públicas” (ORCHIS,2002).

Deve-se registrar que o Balanço Social ganhou visibili-dade nacional em 1997, quando Betinho lançou umacampanha nacional visando sua divulgação. Em 1998foi criado o Selo Balanço Social Ibase/Betinho, con-ferido anualmente aquelas empresas que o publicamconforme critérios propostos pelo Ibase.2

Os atores do mercado universitário

O cenário da educação superior brasileiravem passando por profundas mudanças a partir dainstitucionalização do mercado universitário(CALDERÓN, 2000a).

O processo de mercantilização do ensino viola valoresculturais fortemente arraigados no País, segundo osquais o ensino é concebido como direito social, umserviço provido pelo Estado com objetivos essencial-mente públicos e não-lucrativos.

O preconceito apresentado pela maioria dos inte-lectuais contras as IES com fins lucrativos é caracte-

1 www.ethos.org.br2 Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, instituição de utilidade

pública federal, sem fins lucrativos. www.ibase.org.br

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rístico de uma geração apegada a modelosinterpretativos ancorados no paradigma social-universalista, fruto do Estado social emergente nopós-guerra. Tal perspectiva não aceita a possibilidadede universidades com perfis diversos. Pode-se tomarpor hipótese que essa recusa não passa de uma defesacega de interesses corporativos, que insistem em falarem “universidade brasileira” como sinônimo de univer-sidade pública, gratuita e de pesquisa, como se existis-se somente um tipo de universidade, como se a uni-versidade fosse uma instituição monolítica, com umúnico perfil.

Com a emergência do mercado de ensino superior, nadécada de 90, muitas tradicionais IES comunitárias –que sempre ressaltaram suas diferenças em relação asIES com fins lucrativos, mostrando também certopreconceito contras essas instituições – tiveram que aprender a se adaptar aos novos tempos, isto é,aprender a competir, pois também precisam dasmensalidades dos alunos para financiar suasatividades.

Durante a explosão da concorrência entre as IES, nasegunda metade da década de 90, período caracteriza-do por alguns autores como verdadeiro canibalismoexplícito (TRAMONTIN, 1997), a PUC-SP, tradicio-nal universidade comunitária, caracterizou-se pormanter um certo equilíbrio entre a propaganda e odiscurso. Sem apelações de caráter mercantil, desta-cava a tradição, seu papel social e político e seucompromisso com a transformação da sociedade(SAMPAIO, 2000).

No entanto, essa postura foi quebrada em 2001, quan-do apresentou uma das campanhas mais agressivas detodas as que tinha realizado até aquele momento, prin-cipalmente nos jornais (CALDERÓN, 2000b). Trata-se de uma PUC que mantém o mesmo discurso da tra-dição e do compromisso social, mas que ao mesmotempo, chega a ser apelativa, utilizando para venderseus produtos, termos, frases e slogans, totalmentevoltados para seduzir e atrair o cliente-consumidor empotencial: o jovem.

Dois foram os principais materiais publicitários:

1) cartazes e outdoors – Neles aparecia uma garota,certamente uma das chamadas “patricinhas”, joga-da ao ar por um grupo de jovens bonitos, todos mui-to felizes, com o subtítulo: Viva a Diferença. Múl-tiplas interpretações podem ser realizadas em tornodessa cena, que indiretamente estaria dizendo:“viva a diferença, ainda bem que você pode esco-lher”, “na PUC você encontrará gente bonita quecurte a vida”, “não se misture com outras classessociais, venha para a PUC-SP”.

2) anúncios em Jornais3 – Foram veiculados slogansque muito bem poderiam ser utilizados por qualqueruniversidade voltada para a procura do lucro:

• Biologia: “Quem faz Biologia na PUC-SP, sóquer uma coisa: fazer Biologia. E isso tem umsentido muito especial. A profissão é valorizadapor quem valoriza a profissão”;

3 Jornais Folha de São Paulo de 29/10/2000 e O Estado de São Paulo de 08/11/2000.

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• Letras: “Por que fazer Letras na PUC-SP? Vocêsai com nível superior. E superior em todos ossentidos da palavra. Aprende a falar bem. Apren-de a entender o que fala. Aprende a origem dalíngua. Você entende o mundo. Todo mundo en-tende você”;

• Filosofia: “Filosofia na PUC-SP é aprender apensar, criticar, refletir e questionar. É fazer tudoisso junto. O tempo todo. Na PUC-SP, o pensa-mento está no ar. Isso é bom para o curriculum.Mas é melhor para a vida”.

As mudanças nas propagandas da PUC-SP são sintomas doelevado nível de concorrência existente no mercado universi-tário paulistano, as IES não podem viver confiantes na tradi-ção e em fatias de mercado conquistadas.

Distantes de pensar que a PUC-SP abandonou seusideais, essas mudanças revelam que, se querem sobre-viver no mercado universitário, absolutamente todas asIES privadas devem se preparar para competir, poistodas elas, independentemente de sua natureza jurídi-ca, precisam manter a saúde e o equilíbrio financeiro.

Sob esta perspectiva, todas as IES privadas estãounificadas, no mesmo patamar, enquanto empresaseducacionais que lidam com um produto extremamen-te diferenciado, como é a educação. A destinação finaldos lucros seria o grande divisor das águas, mas issonão invalida seu caráter de empresa educacional.

No que diz respeito às universidades comunitáriasdeve-se ressaltar que estão passando por uma

crise muito séria, uma vez que o governo federalcada vez mais reduz qualquer tipo de subsídio efinanciamento.

Os elevados preços do ensino superior, decorrentes danecessidade de equacionar qualidade com equilíbrio fi-nanceiro, conforme Morais (1995), criam “uma situa-ção de terrível ambigüidade. De um lado, não é difícilver que as universidades comunitárias desenvolvemum trabalho de claro interesse público; de outro lado,as condições materiais põem sérios problemas àcatolicidade, ao metodismo, ao presbiterianismo, enfim,ao cristianismo no aspecto relacional aluno-institui-ção”. Muitos pais de alunos devem se questionar ...“que católicos são esses que nos esfolam?” “Quemetodistas ou presbiterianos são esses que cobrampelo ensino que não podemos pagar?”.

Com a retirada, em muitos casos injustamente, do títulode filantropia, o governo contribuiu para que grandesempresas educacionais, de caráter confessional, tiras-sem as máscaras e ficasse evidente sua real finalidademercantil.

Diante desse quadro, no qual verdadeiras IES comuni-tárias estão tentando fazer valer seus direitos na justi-ça, não resta dúvida que estas deverão exercer suamissão pública, dentro dos limites e das regras do mer-cado de ensino superior e agindo enquanto empresaseducacionais. Como diz Morais (1995), essas institui-ções terão que enfrentar sérias dificuldades para nãosucumbir ao realismo econômico e ao pragmatismomercantilista.

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A responsabilidade social e omercado universitário

Considerando a homogenização de todasas IES privadas na categoria de empresas educacio-nais, independentemente da finalidade de seus lucros,deve-se destacar que pautar as estratégias demarketing em torno da questão da responsabilidadesocial, é também a tendência do momento no mercadode ensino superior.

Em relação a atuação das IES no mercado, constata-se que:

1) cada vez mais adotam em suas estratégias demarketing o discurso da responsabilidade social –não sendo reflexo necessariamente de uma práticainstitucional real;

2) dissemina-se a prática de distribuir o Balançosocial em impressos sofisticados como se fossemcartões de visita;

3) a grande mídia tornou-se meio de divulgação deações de responsabilidade social;

4) os círculos empresariais voltados à disseminaçãoda Responsabilidade social, como nova forma degestão das empresas, tornaram espaços freqüenta-dos pelas IES;

5) não existem instituições credenciadoras que deter-minem se as propagandas das IES são reflexo dauma prática real.

No final de 2004, o discurso da responsabilidade socialganhou grandes outdoors na cidade de São Paulo. Fo-tos do Rei Pelé, espalhadas pela cidade, falavam da“responsabilidade social e da qualidade de ensino” daUniversidade Bandeirante (Uniban).

As principais emissoras de televisão veicularam a pro-paganda da Universidade do Sul de Santa Catarina(Unisul), que destacava a excelência de suas ações so-ciais, a partir de prêmios obtidos em concursos promo-vidos pela Universidade Solidária, ONG criada pelaentão primeira dama do País, Ruth Cardoso.

Na TV pode-se destacar também as propagandas doCentro Universitário Nove de Julho (Uninove) que res-saltavam a parceria com a Fundação Ação Criançae, principalmente a parceria com o Projeto Geraçãode Paz, iniciativa da Rede Globo e do Instituto Souda Paz em prol da valorização do policial como meiode promover a segurança da população. A Uninoveofereceu, para os policiais, aproximadamente 20 bolsasintegrais e 65 bolsas com 50% de desconto. Como par-te da parceria, a Rede Globo veiculou continuamenteum filme institucional de 30 segundos divulgando a ini-ciativa da Uninove.

Já nos jornais, pode-se mencionar a propaganda daUniversidade de Mogi das Cruzes, a mais antiga uni-versidade particular não-comunitária do País, que res-salta algumas conquistas institucionais: mais de 15 milpessoas alfabetizadas em parceria com o ProgramaAlfabetização Solidária; a única universidade quatrovezes premiada pelo Programa Capacitação Solidá-ria; a única IES três vezes finalista, e uma vez ganha-

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dora, do Projeto Soluções, parceria CIEE/SPTV daRede Globo4. Também se pode mencionar a propa-ganda da FMU que periodicamente anuncia em páginainteira na Folha de S. Paulo algumas atividades comu-nitárias, ressaltadas como responsabilidade social.

Pesquisando no site do Instituto Ethos de Empresas eResponsabilidade Social, encontram-se, entre outrasafiliadas: Universidade São Marcos, UniversidadeTuiuti do Paraná, Centro Universitário Nove de Julho(Uninove), Centro Universitário Newton Paiva(Unicentro), Faculdade de Belas Artes de São Paulo,Faculdades Unopec, Faculdades Senac, FaculdadesIbmec, Faculdades de Campinas, Faculdade SudoestePaulistano, Centro Universitário Feevale, Centro Uni-versitário Augusto Motta, Faculdade São Luis, Facul-dade Isaac Newton.

Da mesma forma, é cada vez mais comum a difusãodos balanços sociais. Sem aval de nenhuma instituiçãocredenciadora, cada IES formata seu balanço socialcomo bem entender.

Tradicionais IES comunitárias vem adotando essa prá-tica como instrumento de gestão e mecanismo de dife-renciação no mercado. Sob esta ótica, a UniversidadeMetodista de São Paulo é muito precisa ao afirmar naabertura do seu Balanço Social de 2003: “muito maisdo que uma prestação de contas, o Balanço Social éconsiderado, atualmente, um dos mais importantes ins-trumentos de diagnóstico e gestão, por agrupar infor-mações relevantes sobre o papel social da Instituição,

que permite acompanhar a evolução e a melhoria deseus indicadores ao longo dos anos”.

Por sua vez, a Universidade do Extremo SulCatarinense (Unesc) estampou na capa de seu Balan-ço Social, também de 2003, a frase: “De mãos dadascom a população – Unesc fortalece sua vocação co-munitária”. Entre outras IES comunitárias que publi-cam seu balanço social pode-se destacar: Universida-de do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Universidadede Santa Cruz do Sul (Unisc), Universidade do Sul deSanta Catarina (Unisul), Universidade Mackenzie,Universidade Católica de Salvador, Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Universi-dade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Mis-sões (RJ), Universidade de Cruz Alta (Unicruz), entreoutras.

Se, por um lado, os fatos mencionados mostram que aoadotar discursos ou práticas do mundo empresarial asIES particulares se alinham com as tendências do mer-cado universitário, por outro, não se pode generalizarque todas as IES particulares, principalmente comuni-tárias estão adotando instrumentais da responsabilida-de social do mundo empresarial. Existem restrições àincorporação desses instrumentais uma vez que, na vi-são de amplos setores do cenário intelectual, a univer-sidade não é uma empresa. A PUC-SP lida, por exem-plo, com a responsabilidade social como o fazem asprincipais universidades estatais do País, isto é, gradecurricular visando à formação dos futuros profissio-nais, objeto de estudo dos centros do Terceiro Setor,apoio aos grupos empresariais socialmente engajados,alternativa de captação de recursos – prestação deserviços para empresas e organizações da sociedade

4 Concurso que tem por objetivo promover a participação da comunidade estudantiluniversitária na reflexão e proposição de soluções para os problemas da cidade deSão Paulo.

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civil, objeto de cursos de extensão e eventos científico-acadêmicos, dentre outros.

Diante da proliferação da adoção do discurso da res-ponsabilidade social, da divulgação de balanços sociais,e da participação de IES em grupos empresariais deresponsabilidade social, surgem dúvidas:

1) Qual é entendimento que as IES têm de responsabi-lidade social? O discurso da responsabilidade socialé apenas uma estratégia de marketing ou realmenteestá sendo adotado como um novo modelo degestão?

2) O investimento em responsabilidade social é umaprática real, séria e consistente, ou não passa deestratégia apelativa de marketing?

3) Se for um novo modelo de gestão, até que ponto asIES também adotarão uma atitude ética em todassuas atividades e com todos os atores com os quaisinterage, nos âmbitos interno e externo?

4) Até que ponto serão eliminadas do mercado univer-sitário as práticas adotadas por algumas IES volta-das ao estelionato acadêmico, em relação aos alu-nos, e à exploração de seus trabalhadores, ou seja,de seus professores?

5) Até que ponto haverá uma atitude ética em relaçãoaos docentes que forçosamente se tornam voluntá-rios sob o risco de perderem seus empregos casonão atuem “voluntariamente” nos programas deresponsabilidade social?

6) As IES serão capazes de profissionalizar as ativida-des extensionistas, deixando de lado o assisten-cialismo e o voluntarismo, para assumi-las comopráticas acadêmicas, áreas do saber e do conheci-mento que exige investimento de recursos financei-ros e humanos?

A intervenção estatal nomercado de ensino superior

Se a era Fernando Henrique Cardoso caracteri-zou-se pela criação de uma estrutura normativa no en-sino e na pesquisa que, apesar de polêmica, trouxemudanças nas IES particulares com explícitos fins lu-crativos, o governo Luiz Inácio Lula da Silva esboçauma estrutura normativa que tenta gerar mudançasprincipalmente no que diz respeito à extensão universi-tária e a promoção de uma cultura que valorize a res-ponsabilidade social das IES, independentemente desua natureza jurídica. Trata-se de um intervencionismoestatal que pretende estimular a dimensão públicaque todas as IES que atuam no ensino superior bra-sileiro deveriam ter.

A questão da responsabilidade social ganha novos con-tornos e grande relevância, após o início, em agosto de2004, da operacionalização do Sistema Nacional deAvaliação da Educação Superior (Sinaes)5, o mesmoque se fundamenta, entre outros aspectos, no“aprofundamento dos compromissos e responsabi-

5 Instituído pela Lei n.º 10.861 de 14/04/2004, regulamentado pela Portaria n.º2.051 de 09/07/2004.

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lidades sociais” das IES; constando entre os princípiosfundamentais: “a responsabilidade social com a quali-dade da educação superior”.

Concretamente, a grande novidade está na inclusão daresponsabilidade social como uma das dez dimensõesde avaliação das IES6.

A interferência estatal no sistema universitário apre-senta novos elementos para a discussão da questão daresponsabilidade social. O que era mera tendência domercado, agora assume o caráter de obrigaçãoinstitucional diante da normativa estatal.

Ao incorporar na legislação a responsabilidade social,um conceito que é visto com receio por importantessetores da intelectualidade pelo fato de estar atreladoao mundo empresarial, a atitude do governo federalgera dúvidas: o que o Estado entende por responsabili-dade social? Será o mesmo entendimento que existe noInstituto Ethos em termos de uma nova forma de ges-tão empresarial? Mais ainda, nos fundamentos doSinaes usam-se, ao mesmo tempo, as palavras com-promissos e responsabilidades sociais, o que o Estadoestá querendo dizer quando usa ambos conceitos?Qual é o entendimento de cada um deles?

Sempre se falou somente do compromisso social dauniversidade. Por que motivo o Estado utiliza agora otermo responsabilidade social? Será que se trata de

mera incorporação das novidades do Terceiro Setor edo mundo empresarial?

São duas as hipóteses trabalhadas neste artigo. A pri-meira delas é que não existe conflito nem contradiçãoao serem usados os conceitos de compromisso social eresponsabilidade social concomitantemente. A segun-da é que, distante de aderir a modismos, e consideran-do que atravessamos um período marcado pelo fim daguerra fria, pela crise fiscal do Estado, pela hegemonianeoliberal e pela predominância de um mercado de en-sino superior altamente competitivo e diversificado, oconceito de responsabilidade social aplicado ao univer-so das IES representa um avanço teórico no fortaleci-mento da dimensão pública do sistema universitáriobrasileiro.

Como sinônimo de compromisso social pode-se mencio-nar: promessa, pacto, acordo. Acontece que uma pro-messa, um pacto ou um acordo pode ser quebrado pe-los mais diversos motivos, justificados ou não, sem ne-cessária punição para quem não a cumpre.

No que diz respeito ao compromisso social da universi-dade, Cristovam Buarque (2003) foi feliz ao apontardurante o seminário internacional Universidade XXI,em novembro de 2003, que as universidades não estãototalmente alienadas, mas estão tangenciando o com-promisso social. Em outras palavras, as universidadesestão deixando de cumprir cabalmente seus compro-missos sociais.

Acredito que o conceito de responsabilidade adotadohá 40 anos, no seminário A Responsabilidade Socialda Universidade, já mencionado no início deste artigo,

6 As dez dimensões são: a missão e o PDI; a política para o ensino, a pesquisa, a pós-graduação e a extensão; responsabilidade social da instituição; a comunicação coma sociedade; as políticas de pessoal; organização e gestão da instituição – funci-onamento dos colegiados; infra-estrutura física; planejamento e avaliação; políti-cas de atendimento aos estudantes; e sustentabilidade financeira.

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não perdeu valor nem vigência. A responsabilidadesocial da universidade deve ser entendida como osdeveres que a universidade tem para com o equaciona-mento os graves problemas sociais do País e de seusentornos territoriais.

Falar da responsabilidade social universitária significafalar dos deveres e das obrigações da universidade, in-cumbências inerentes à natureza institucional das IES.

A busca de soluções para os problemas sociais não éum compromisso que a universidade pode cumprirou deixar de cumprir. Trata-se de uma obrigação dauniversidade. E se uma IES não cumpre sua obrigação,torna-se uma instituição socialmente irresponsável.

Adotar o conceito de responsabilidade social universi-tária significa assumir a maioridade, ou seja, assumir aresponsabilidade de seus atos institucionais. Significaque as IES não podem mais fugir de suas obrigações.Significa que a universidade não pode mais estar isola-da como uma empresa somente preocupada com oslucros, no caso de muitas IES particulares, ou com umgrupo de intelectuais preocupados com devaneios teó-ricos que não levam a lugar algum e que somente re-presentam gastos aos cofres públicos, no caso das IESestatais. O ensino tem de ser socialmente responsável.A pesquisa tem de ser socialmente responsável. Nãose trata de um compromisso para o futuro. Trata-se deuma obrigação para o hoje e não mais uma promessapara o amanhã.

Sob a ótica que estamos adotando, pode ser melhorcompreendido o que o Estado quer dizer quando no

Sinaes afirma que a responsabilidade social refere-se acontribuição da IES em relação a “inclusão social, aodesenvolvimento econômico e social, à defesa do meioambiente, da memória cultural, da produção artística edo patrimônio cultural”.

Uma das diferenças do governo do presidente LuizIgnácio Lula da Silva, em relação a seu antecessor, dizrespeito a um plano de intenções que visa ao fortaleci-mento da dimensão pública que devem ter as empresaseducacionais que atuam no ensino superior.

Fica evidente que essas ações do governo federal es-tão voltadas, principalmente, para que as IES com finslucrativos não tangenciem e assumam sua responsabi-lidade social, isto é, suas obrigações com o desenvolvi-mento sócio-político, econômico, cultural e ambientaldo País.

Reforça este incipiente processo de redefinição do en-tendimento da função pública das IES do sistema pri-vado, importantes projetos em processo de implanta-ção como é o caso da cessão de bolsas de estudo viaPrograma Universidade para Todos (ProUni)7 e ou-tras iniciativas em pauta, como por exemplo a criação

7 O ProUni é um programa governamental destinado à concessão de bolsas de estudointegrais e bolsas de estudo parciais de cinqüenta por cento (meia-bolsa) paracursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadasde ensino superior, com ou sem fins lucrativos. Esta destinado a estudantes quetenha cursado o ensino médio completo em escola pública ou em instituição priva-da na condição de bolsista integral; estudantes portadores de necessidades espe-ciais; e professores da rede pública de ensino que se candidate a cursos de licenci-atura destinada ao magistério e à educação básica e pedagogia, independente darenda. http://www.mec.gov.br/prouni/Oprograma.shtm

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de um Conselho Comunitário8 vinculado à Administra-ção Superior de cada IES.

Diante dessas posturas governamentais deve-seregistrar:

1) Não se pode rotular o setor privado como social-mente irresponsável, uma vez que ele é pautadopela heterogeneidade. Na maioria dos casos, ocompromisso efetivo e concreto das IES privadasmais antigas e tradicionais, com o desenvolvimentodo seu entorno territorial e do País, é fatoinquestionável.

2) A proposta de um Conselho voltado para o fortale-cimento da dimensão pública das IES dever serabordado com muita cautela. Esse mecanismo se-ria interessante como canal de diálogo entre a uni-versidade e a Comunidade, mas nunca poderia setornar uma camisa de força que interfira na autono-mia das IES. A criação de um Conselho Comunitá-rio como forma de controle externo, com atribui-ções voltadas para referendar as ações das IES ouaprovar Planos de Desenvolvimento Institucional, éuma forma de intervenção burocrática e ideologica-

mente ultrapassada, que fere a autonomia que temas IES para definir seus rumos. Esse tipo de órgãosomente teria sentido como espaço consultivo quefortaleça a interlocução e a construção de parceri-as entre as IES e as organizações públicas e priva-das do seu entorno territorial.

Considerações finais

De acordo com o Sinaes, será objeto deavaliação na responsabilidade social universitária:

1) a transferência de conhecimento e importância so-cial das ações universitárias e impactos das ativida-des científicas, técnicas e culturais, para o desen-volvimento regional e nacional;

2) a natureza das relações com o setor público, com osetor produtivo e com o mercado de trabalho e comas instituições sociais, culturais e educativas de to-dos os níveis;

3) as ações voltadas ao desenvolvimento da democra-cia, à promoção da cidadania, à atenção de setoressociais excluídos, às políticas de ação afirmativa,dentre outras.

Analisando-se atentamente cada um dos três itens aci-ma citados pode-se perceber que se trata de uma pro-posta de radicalização da extensão universitária, isto é,de reestruturação da forma como se operacionaliza aextensão universitária na IES.

Não se trata de tornar a responsabilidade social emmais uma atividade universitária. Nem de criar, toda

8 No documento II do MEC, Reafirmando princípios e consolidando diretrizes dareforma da educação superior, de agosto de 2004, se propõe a criação de um conse-lho social ou comunitário em cada universidade brasileira, com representantes dostrabalhadores, das associações comunitárias, de profissionais liberais, de ex-alu-nos, ex-docentes, fundações de apoio à pesquisa, comunidade científica. Este con-selho articularia e integraria a IES a seu entorno territorial, representaria os inte-resses locais e regionais dentro da universidade e permitiria o controle externo dainstituição. Com natureza consultiva, teria entre outras funções referendar as açõesda universidade e aprovar o Plano de Desenvolvimento e Gestão da universidade.

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uma estrutura paralela só para atender as demandasdo MEC.

No Dicionário da Crise Universitária, CristovamBuarque (1994) fez uma afirmativa interessante: “aextensão universitária é apenas um método para ensi-no e pesquisa. Não deveria ser uma categoria especial.Mas pelo desprezo com que professores e alunos tra-tam a extensão, foi necessário fazer dela um tipo espe-cial de atividade acadêmica”.

Ora, a operacionalização da extensão universitáriacomo uma categoria especial dentro da engenhariainstitucional da universidade, determinou que emboraseja uma filosofia institucional, um jeito de ser, um espí-rito norteador, um ethos cultural que deveria estar im-pregnado no ensino e na pesquisa, acabou se tornando,na maioria dos casos, uma ONG dentro da universida-de, um departamento, uma Pró-Reitoria, uma sala comcomputadores, um gueto, mais um feudo que tambémdeve ser defendido, por seus donos, diante as ameaçase confabulações acadêmicas.

Durante o II Congresso Brasileiro de Extensão Uni-versitária, convidado a falar sobre um projeto implan-tado no sul do País que tinha por objetivo criar umaalternativa de renda para uma comunidade de pesca-dores, Ronaldo Cavalli, pesquisador do Departamentode Oceanografia da Fundação Universidade Federaldo Rio Grande (Furg), ao saber que se tratava de umCongresso de Extensão Universitária, reagiu afirman-do: “Acho que vocês estão enganados. Eu sou pesqui-sador. Melhor procurarem um extensionista, alguémda Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudan-

tis da Furg”. A reação de Cavalli sem dúvida algumarevela a realidade da compartimentalização egüetificação que existe nas IES, processos acentuadospelo estabelecimento de atividades diferenciadas, comstatus diferenciados, e cujos resultados perversos parao ensino superior são amplamente conhecidos.

Infelizmente, a forma como a extensão universitáriavem sendo operacionalizada acabou criando estruturasque não refletem o real entendimento do que seria aextensão.

Assim, radicalizar a extensão universitária significapensar uma estrutura gerencial que permita entendera extensão como “uma categoria ética que perguntapelo sentido e pela relevância do ensino e da pesquisa eaponta a alteridade – ou a arte de amar – comoelemento constitutivo do fazer universitário, partindodo princípio de que só a arte de amar – ou a preocupa-ção com o outro – pode ajudar a aprender comose aprende a desenvolver a abertura ao direito da exis-tência do outro como um valor inalienável”(SAMPAIO, 2004).

Repensar a engenharia institucional significa ter comonorte idéia expressa por Boaventura de Sousa Santos(1995): “a legitimidade da Universidade só serácumprida quando as atividades, hoje ditas de extensão,se aprofundem tanto que desapareçam enquanto tais epassem a ser parte integrante das atividades de inves-tigação e de ensino”.

Isso significa concretamente que os projetosextensionistas não podem ser implantados em estrutu-

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ras afastadas do ensino e da pesquisa, em espécies deONGs dentro da própria universidade. Somente terãoreal sentido, enquanto prática acadêmica, quando se-jam apropriados e executados pelos próprios cursos degraduação e pós-graduação.

Não está em questão o fim das Pró-Reitorias, Diretori-as ou Setores de Extensão e Assuntos Comunitários.Essas unidades gerenciais são fundamentais não paraexecutar diretamente projetos e sim para orquestrar eviabilizar a implantação da política institucional naárea de extensão universitária. Devendo ter comoatribuições:

1) articulação e interlocução político-institucional comparceiros da IES (poder público, empresas, ONGs,etc);

2) orientar a demanda externa, potencializando emaximizando os recursos institucionais;

3) análise de viabilidade de projetos e parcerias estra-tégicas;

4) criação de espaços permanentes de reflexãoinstitucional sobre a Política Institucional na área daextensão universitária;

5) desenho de fluxos gerenciais que permitam agilida-de no atendimento e acolhida da demanda dos par-ceiros externos e na execução e implantação dasações extensionistas, com permanente interface àsestratégias de fortalecimento da imagem institu-cional;

6) gerenciamento de dados institucionais e informa-ções; criação de sistema que revele as ações queas IES já fazem, integrando-as em grandes progra-mas institucionais, por eixos temáticos;

7) contribuir na criação e execução de instrumentos eestratégias que visem ao fortalecimentoinstitucional, com reflexos no mercado de ensinosuperior.

8) afinar e compatibilizar os critérios de avaliação e aspráticas acadêmicas extensionistas visando a aten-der às demandas do MEC, tendo nas novastecnologias importantes instrumentos facilitadores.

Finalizando, sem dúvida alguma, a radicalização da ex-tensão é o grande desafio à gestão universitária. Trata-se de criar uma nova cultura institucional que permitaque as IES cumpram seus deveres e obrigações e aconstrução de uma universidade socialmente respon-sável.

Trata-se também de deixar de lado o amadorismo e aimprovisação para fazer da extensão a alma das IES,para que estas exerçam realmente sua missão pública,independentemente da sua natureza jurídica.

Criar políticas extensionistas financeiramente viáveis,com projetos sérios e consistentes, enraizados nas ati-vidades de ensino e de pesquisa, com uma estruturagerencial ágil e pró-ativa, sustentado em sólidas parce-rias e na valorização dos recursos humanos, é a grandemeta na tentativa de aprofundar a dimensão públicadas instituições de ensino superior.

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