responsabilidade civil do estado. crime perpetrado por particular

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Decisão Monocrática TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 11ª Câmara de Direito Público Apelação Cível 0037492-29.2010.8.26.0405 Procedência:São Paulo Relator: Des. Ricardo Dip (DM RHMD 24.831) Apelante: Dino Colombo Apelada: Fazenda do Estado de São Paulo RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CRIME PERPETRADO POR PARTICULAR. Não se vislumbra deva o Estado, de maneira onímoda, sem prova de omissão pontual de dever de socorro, responder por ilícitos perpetrados por particulares, porque seria impor ao Poder político o dever de resposta a um dado universal: o da potencial delitividade dos homens. Decisão monocrática que nega provimento à apelação. EXPOSIÇÃO. 1.Dino Colombo ajuizou a presente ação indenitária contra a Fazenda do Estado de São Paulo, com o escopo de ressarcir-se de danos materiais e lesões morais e estéticas resultantes de disparo de arma de fogo. Historia, em síntese, que aos 26 de agosto de 2005, entrou em uma loja de peças automotivas, e que lá foi surpreendido por duas pessoas, uma das quais, na posse de uma arma, anunciou um roubo. Foi o autor alvejado nas costas, sofrendo lesão corporal de natureza gravíssima em sua coluna cervical, com o resultado de paraplegia dos membros inferiores. 2.A r. sentença de origem, com fundamento no art. 267, IV, do Código de Processo Civil, julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, (fls. 54-4), e, desse decisum, recorreu o demandante, reiterando o pleito inicial (fls. 59-69). Respondeu- se ao recurso (fls. 74-81). É o relatório em acréscimo ao da sentença, conclusos os autos recursais em 16 de março de 2011 (fl. 85). DECISÃO: 3.Sem embargo do quanto se haja de lamentar o evento objeto destes autos, a meu ver não é caso de acolhimento da apelação. 4.Quer se entenda sempre objetiva a responsabilidade civil do Estado inscrita na norma do art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa" (nesse sentido, p.ex., MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2005, p. 334-6; PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001, p. 516-8), quer se entenda que essa responsabilidade se divida em

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Page 1: Responsabilidade civil do estado. crime perpetrado por particular

Decisão Monocrática

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 11ª Câmara de Direito Público

Apelação Cível 0037492-29.2010.8.26.0405 Procedência:São Paulo Relator: Des.

Ricardo Dip (DM RHMD 24.831) Apelante: Dino Colombo Apelada: Fazenda do

Estado de São Paulo

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CRIME PERPETRADO POR

PARTICULAR. Não se vislumbra deva o Estado, de maneira onímoda, sem prova

de omissão pontual de dever de socorro, responder por ilícitos perpetrados por

particulares, porque seria impor ao Poder político o dever de resposta a um dado

universal: o da potencial delitividade dos homens. Decisão monocrática que nega

provimento à apelação.

EXPOSIÇÃO.

1.Dino Colombo ajuizou a presente ação indenitária contra a Fazenda do Estado

de São Paulo, com o escopo de ressarcir-se de danos materiais e lesões morais e

estéticas resultantes de disparo de arma de fogo. Historia, em síntese, que aos 26 de

agosto de 2005, entrou em uma loja de peças automotivas, e que lá foi surpreendido

por duas pessoas, uma das quais, na posse de uma arma, anunciou um roubo. Foi o

autor alvejado nas costas, sofrendo lesão corporal de natureza gravíssima em sua

coluna cervical, com o resultado de paraplegia dos membros inferiores.

2.A r. sentença de origem, com fundamento no art. 267, IV, do Código de Processo

Civil, julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, (fls. 54-4), e, desse

decisum, recorreu o demandante, reiterando o pleito inicial (fls. 59-69). Respondeu-

se ao recurso (fls. 74-81). É o relatório em acréscimo ao da sentença, conclusos os

autos recursais em 16 de março de 2011 (fl. 85). DECISÃO:

3.Sem embargo do quanto se haja de lamentar o evento objeto destes autos, a meu

ver não é caso de acolhimento da apelação.

4.Quer se entenda sempre objetiva a responsabilidade civil do Estado inscrita na

norma do art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988: "As pessoas jurídicas de

direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão

pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o

direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa" (nesse sentido,

p.ex., MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2005, p.

334-6; PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. São Paulo:

Atlas, 2001, p. 516-8), quer se entenda que essa responsabilidade se divida em

Page 2: Responsabilidade civil do estado. crime perpetrado por particular

objetiva (para o caso de conduta danosa comissiva) e em subjetiva (em caso de

comportamento omissivo; cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de

Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 899-900; e, na

jurisprudência dos Tribunais, v.g., RE 372.472 -STF -2ª Turma -Ministro CARLOS

VELLOSO; RE 382.054 -STF -2ª Turma -Ministro CARLOS VELLOSO), é

invariável a exigência do dano, do nexo causal entre ele e a conduta oficial

comissiva ou omissiva dos agentes do Estado, assim como é reclamável a negativa

de exclusora da mesma responsabilização estatal (força maior, caso fortuito e

privativa culpa da vítima). Ora, na espécie dos autos, não se vislumbra deva o

Estado, de maneira onímoda, sem prova de omissão pontual de dever de socorro,

responder por ilícitos perpetrados por particulares, porque seria impor ao Poder

político o dever de resposta a um dado universal: o da potencial delitividade dos

homens. Com efeito, não pode o Poder público responder de maneira

amplificada pela conduta pessoal, livre e contingente de todos os súditos, e mais

ainda não o pode quando, tal o caso, a lei não preveja essa responsabilização

estendida. Omitir-se, normativamente, é não observar o que a regra manda

fazer. Ora, a periculosidade de cada homem é fator próprio e não inteiramente

prognosticável da personalidade e da história pessoal de cada um de nós com

uma inevitável variada gradação, se for verdade, afinal, na linguagem de Etienne

DE GREEFF, que "nous sommes tous des délinquants virtuels", e quando o que,

num dado quadro temporal e local, decide separar, de um lado, as honnêtes gens

e, de outro, os criminosos, é só e exatamente a passagem da potência ao ato,

trânsito peculiar ut in pluribus incontrolável pelo Estado.

POSTO ISSO, em decisão monocrática, apoiado na regra do art. 557, caput,

Código de Processo Civil, nego provimento, por sua improcedência, à apelação

interposta por Dino Colombo nos autos 405.01.2010.037492-2 da 1ª Vara da

Fazenda Pública da Comarca de São Paulo. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

São Paulo, aos 28 de março de 2011. Des. RICARDO DIP relator