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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO LAURO MUSSI NETO Itajaí (SC), junho de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO

LAURO MUSSI NETO

Itajaí (SC), junho de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO

LAURO MUSSI NETO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora MSc. Ana Lúcia Pedroni

Itajaí (SC), junho de 2009.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, por todo empenho, dedicação

e carinho nessa jornada;

À minha irmã Lia, por compartilhar seus conhecimentos

e entendimentos jurídicos;

À minha orientadora Professora Ana Lúcia Pedroni

que me acolheu em momento crucial ao desenvolvimento

deste estudo;

As minhas avós, por todo carinho e amor.

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DEDICATÓRIA

Este trabalho, fruto de inúmeras horas de estudos e

reflexões dedico ao meu avô paterno e materno,

homens sábios, que segundo marcado na história

certamente eram homens à frente de seu tempo.

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(2)

“Emancipate yourselves from mental slavery,

(Emancipem-se da escravidão mental;)

None but ourselves can free our minds.”

(Ninguém além de nós mesmos pode libertar nossa mente.)

(2)

(trecho da música Redemption Song, Bob Marley)

“You think you have a limit, and then go for this limit and you touch this

(Você pensa que tem um limite, e então busca esse limite e você alcança este)

limit and you think this is the limit, and so you touch this limit

(limite e pensa que este é o limite, e então quando você alcança esse limite)

something happens and you suddenly can go a little but further, with

(algo acontece e de repente você pode ir um pouco mais além, com a)

your mind power, your determination, your instinct, the experience is well,

(força da sua mente, sua determinação e seu instinto, a experiência é incrível,)

you can fly very high”

(você pode voar muito alto.)

(Ayrton Senna)

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a

Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), junho de 2009.

Lauro Mussi Neto Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Lauro Mussi Neto, sob o título

RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO, foi submetida em de

junho de 2009 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: MSc.

Ana Lúcia Pedroni (Orientadora e Presidente da Banca), MSc. Maria Fernanda

Gugelmin Girardi (Membro) aprovada com a nota [ ] .

Itajaí (SC), 17 de junho de 2009.

Profª. MSc. Ana Lúcia Pedroni Orientadora e Presidente da Banca

Prof. MSc Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AP Apelação

AP.C Apelação Cível

CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916

CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002

CDC Código de Defesa do Consumidor

CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

RESP Recurso Especial

REXT Recurso Extraordinário

STJ Superior Tribunal de Justiça

TJRS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

TJRJ Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

AÇÃO

A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano,

comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do

próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause

dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.1

ATO ILÍCITO

O ato ilícito é o praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica,

destinada a proteger interesses alheios; é o que viola direito subjetivo individual,

causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão.2

ATO LÍCITO

Ato praticado sob o amparo da lei, ou seja, toda ação permitida pelas normas

jurídicas que não atente contra interesses alheios ou contra a segurança coletiva,

ou quando, os viole, encontre apoio na razão de ter sido praticado por se tornar

absolutamente necessário para a remoção do perigo.3

CULPA

É o vínculo de caráter interno a demonstrar a imputabilidade do resultado ao

agente, gerando o dever de restabelecer a situação anterior ao prejuízo.4

1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol. 7: responsabilidade civil,

19ª ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002) e o

Projeto de Lei n. 6.960/2002, São Paulo, Ed. Saraiva, 2005, p.44 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol. 7: responsabilidade civil, p.45 3 SILVA, De Plácido. Vocabulario juridico. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.97 4 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade civil do medico. 2 ed.

Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2001, p.15

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CIRURGIÃO PLÁSTICO

É um profissional da área da medicina que desempenha seu ofício em dois

ramos, um de caráter estético e outro reparador.5

DANO

O dano traduz-se no resultado ou na consequência da conduta e refere-se à lesão

ou ao prejuízo sofrido pela pessoa seja em sua personalidade, seja em seu

patrimônio.6

IMPERÍCIA

É a incapacidade técnica para o exercício de uma determinada função, profissão

ou arte.7

IMPRUDÊNCIA

É a conduta positiva, consistente em uma ação da qual o agente deveria abster-

se, ou em uma conduta precipitada.8

MÉDICO

É o profissional autorizado pelo Estado para exercer a Medicina; se ocupa da

saúde humana, prevenindo, diagnosticando e curando as doenças. Os médicos

podem ser generalistas, isto é, não especializados em nenhuma área específica

da medicina, ou especializados em alguma área.9

5 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada. 2ª

ed., Curitiba, Ed. Juruá, 2006, p. 111, 112 6 GOMES, José Jairo. Direito Civil: introdução e parte geral. Belo Horizonte, Ed. Del

Rey, 2006, p. 514 7 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. IV: responsabilidade civil.

São Paulo, Ed. Saraiva, p. 299. 8 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. IV: responsabilidade civil,

p. 298, 299. 9 http://pt.wikipedia.org/wiki/Médico, acesso em 02.07.2009.

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NEGLIGÊNCIA

Consiste em uma conduta omissiva: não tomar as precauções necessárias,

exigidas pela natureza da obrigação e pelas circunstâncias, ao praticar uma

ação.10

NEXO CAUSAL

O termo nexo causal expressa o liame existente entre a conduta humana e o

resultado – o dano. Esse vínculo é lógico, não material ou físico; cuida-se de

relação imputacional em que um resultado é imputado a uma pessoa, a qual

deverá por ele responder para fins de ressarcimento do dano.11

RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade consiste no princípio que faz surgir à obrigação jurídica de

reparar o dano causado à personalidade ou ao patrimônio de alguém.12

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

Segundo tal espécie de responsabilidade, o dolo ou culpa na conduta do agente

causador do dano é irrelevante juridicamente, haja vista que somente será

necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente

responsável para que surja o dever de indenizar.13

RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

Diz-se subjetiva a responsabilidade em que se perquire a culpa do agente

causador do dano. Para que desponte a obrigação de indenizar, devem,

10 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. IV: responsabilidade

civil, p. 299. 11 GOMES, José Jairo. Direito Civil: introdução e parte geral, p. 552 12 GOMES, José Jairo. Direito Civil: introdução e parte geral, p. 484 13 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III : responsabilidade

civil. 5ª ed. rev. e atual., São Paulo, Ed. Saraiva, 2007, p. 14, 15

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necessariamente, estarem presentes os seguintes requisitos: a) conduta culposa;

b) dano; c) relação de causalidade entre a conduta e o dano.14

RESPONSABILDADE CIVIL CONTRATUAL

Obrigação de indenizar ou de ressarcir os danos causados pela inexecução de

cláusula contratual ou pela má execução de obrigação, nela estipulada.15

RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL OU AQUILIANA

Todo aquele que causa dano a outrem, por culpa em sentido estrito ou dolo, fica

obrigado a repará-lo. É a responsabilidade derivada de ilícito extracontratual,

também chamada aquiliana.16

OBRIGAÇÃO DE MEIO

A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga a empreender a sua

atividade, sem garantir, todavia, o resultado esperado.17

OBRIGAÇÃO DE RESULTADO

Na obrigação de resultado, o devedor se obriga não apenas a empreender a sua

atividade, mas principalmente, a produzir o resultado esperado pelo credor.18

14 GOMES, José Jairo. Direito Civil: introdução e parte geral, p. 496, 497

15 SILVA, De Plácido. Vocabulario juridico, p.714 16 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. IV: responsabilidade civil, p. 26. 17 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III : responsabilidade civil, p. 205 18 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III : responsabilidade

civil, p. 205

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SUMÁRIO

RESUMOKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK...KKKKXIV INTRODUÇÃOKKKKKKKKKKKKKKKKK..KKKKK..1 CAPÍTULO 1KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK.4 RESPONSABILIDADE CIVILKKKKKKKKKKKKKKKKK4 1.1 INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVILKKKKKKKKK.KKK4 1.2 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVILKKKKKKKK.KKK...5 1.2.1 Ação ou Omissão2222222222222222222...2222..6 1.2.2 Culpa222222222222222222222222..222229 1.2.3 Dano222222222222222222222222...2222..12 1.2.4 Nexo Causal222222222222222222222...2222.14 1.3 DA CULPA À TEORIA DO RISCOKKKKKKKKKKKK......KKK..16 1.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL KKKKKKKKKKKK..18 1.4.1 Responsabilidade Civil Objetiva2222222222222..222218 1.4.2 Responsabilidade Civil Subjetiva222222222222..2222..21 1.4.3 Responsabilidade Civil Contratual 22222222222..2...22...22 1.4.4 Responsabilidade Civil Extracontratual ou Aquiliana222.22..22225 CAPÍTULO 2KKKKKKKKKKKKKKKKK...K.KKKK...27 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICOKKKKKK...KKK..27 2.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOSKKKKKKKKKKKKKKKKKK.27 2.1.2 O código de Hamurabi e outros222222222222222222.28 2.2 CULPA MÉDICA, PROVA E SUA AVALIAÇÃO K.KKKKKK.KKKK31 2.3 RESPONSABILIDADE MÉDICAKKKKKKKKKKKK..K.KKKK.36 2.3.1 Considerações Preliminares222222222222222.222.....36 2.3.2 Obrigação de Meio e Resultado2..2222222222222222..39 2.3.3 Excludentes da responsabilidade médica2222222222222241 2.4 RESPONSABILIDADE MÉDICA SOB A ÓTICA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDORKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK..K.43 CAPÍTULO 3KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK..46 RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO.KKK.46 3.1 RELAÇÃO MÉDICO – PACIENTEKKKKKKKKKKKKKKKKK..46 3.1.1 Considerações Preliminares2222222222222222222..46 3.1.2 Características básicas do contrato médico e cláusula de não indenizar..2222222222222222222222222222...248

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3.1.3 Direitos e deveres do paciente 222222222222222222.51 3.2 CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA X REPARADORAKKKKKKKKK.54 3.3 DANO MORAL KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK..................58 3.4 DANO ESTÉTICOKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK...K...61 3.5 CUMULAÇÃO DO DANO ESTÉTICO E MORALKKKKKKKKKK.....63 3.6 DANO POR RICOCHETEKKKKKKKKKKKKKKKKKKK..KK65 3.7 AVALIAÇÃO DO QUANTUM DECORRENTE DE DANO ESTÉTICOKK..67 3.8 JURISPRUDENCIAKKKKKKKK.KKKKKKKKKKKKKKKK.70

CONSIDERAÇÕES FINAISKKKKKKKKKKKKKKKKK.73 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADASKKKKKKKKKKK..78

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RESUMO

A presente monografia oferece exame relativo as teorias da

Responsabilidade Civil com foco nas relações decorrentes dos procedimentos

cirúrgicos plásticos, com base no ordenamento pátrio. O objetivo é fazer uma

abordagem crítica sobre as divergências encontradas quanto a obrigação do

cirurgião plástico ser assinalada como obrigação de meio ou resultado e a

natureza da obrigação existente entre médico e paciente. O método, utilizado

para a realização da pesquisa, foi o Indutivo, através do qual, no primeiro capítulo

foi realizado estudo sobre os elementos constitutivos da responsabilidade civil,

com observância relativa à teoria do risco e espécies de responsabilidade civil. No

segundo capítulo tratou-se da responsabilidade civil do médico, iniciando em seus

aspectos históricos e avançando em relação à culpa médica, prova e sua

avaliação, bem como das obrigações advindas de sua atividade e ainda,

excludentes desta responsabilidade. Por fim, analisou-se a aludida

responsabilidade sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor. O terceiro e

último capítulo destinou-se ao exame da responsabilidade civil do cirurgião

plástico, levando em consideração a relação existente entre o cirurgião plástico e

seu paciente, bem como a distinção entre as espécies de cirurgia plástica

(estética/reparadora). Observou-se também neste capítulo os danos que podem

advir desta atividade médica e a possibilidade de sua cumulação, bem como de

seu efeito a terceiros, finalizando com a avaliação do quantum

indenizatório/reparatório decorrente da atividade cirúrgica plástica e julgados

acerca do tema.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto de estudo “A

Responsabilidade Civil do Cirurgião Plástico”.

O seu objetivo geral é investigar, interpretar e discorrer sobre a

responsabilidade civil do cirurgião plástico.

Os objetivos específicos são: Investigar, interpretar e discorrer

sobre a responsabilidade civil; Pesquisar, analisar e dissertar sobre a

responsabilidade civil do médico; Pesquisar, interpretar e descrever

especificamente sobre a responsabilidade civil do cirurgião plástico.

O seu objetivo institucional é produzir monografia para

cumprimento dos requisitos necessários para obtenção do grau de bacharel em

direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

Para tanto, no primeiro Capítulo será tratado sobre a

responsabilidade civil de forma geral, com introdução ao conceito e apresentação

de seus elementos constitutivos (Ação/Omissão, Culpa, Dano, Nexo Causal); em

seguida, trata-se da culpa à teoria do risco e sua aplicação; para finalizar são

apontadas as espécies de responsabilidade civil (Objetiva, Subjetiva, Contratual e

Extracontratual ou Aquiliana).

No segundo Capítulo, a abordagem será a respeito da

responsabilidade civil do médico, apresentando suas origens históricas bem como

a configuração da culpa médica, prova e sua avaliação; após passa-se à análise

das obrigações inerentes à atividade médica e casos em que estas restam

excluídas; por fim analisa-se a responsabilidade médica sob o prisma do Código

de Defesa do Consumidor.

No terceiro e último Capítulo, tratar-se-á especificamente da

responsabilidade civil do cirurgião plástico, demonstrando a relação médico-

paciente; em sequência destacando as modalidades de cirurgia plásticas e os

danos que dela podem advir, bem como sua cumulação (danos) e efeito a

terceiros; por fim parte-se para exposição dos critérios de avaliação dos danos

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médicos e sua quantificação, finalizando com a apresentação de julgados acerca

do tema.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foram criados

os seguintes problemas:

1 – Qual espécie de obrigação (meio/resultado) o cirurgião

plástico é sujeito em sua atividade laboral?

2 – Qual a natureza jurídica da relação existente entre

médico e paciente?

3 - Em que circunstâncias não há responsabilidade médica

frente a um resultado diverso do pretendido?

4 – Quanto a reparação decorrente de cirurgia plástica há

possibilidade da cumulação de danos morais e estéticos?

Em resposta aos problemas, foram levantadas as seguintes

hipóteses:

1 – Na cirurgia plástica estética a obrigação do cirurgião

plástico é de resultado, decorrente da responsabilidade civil objetiva, enquanto na

cirurgia plástica reparadora a obrigação é de meio, em razão da responsabilidade

civil subjetiva. Logo, a definição da espécie de obrigação é concomitante ao caso

concreto.

2 – A relação firmada entre médico e paciente é de caráter

contratual, pois, mesmo que tacitamente, há entre eles, um acordo bilateral de

vontade.

3 – Em determinadas circunstâncias o alcance de um defeito

físico de proporções mínimas pode gerar no paciente enormes confusões

psicológicas, sendo que nessas ocasiões a dificuldade encontrada pelo médico

para atender as expectativas do paciente são imensas, embora este utilize todos

os recursos disponíveis na medicina, tão logo, o cirurgião deve sempre ser

diligente a fim de não incorrer em imperícia, imprudência ou negligência, assim,

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3

isentando-se do resultado diverso do pretendido. Salienta-se também não há

responsabilidade do cirurgião plástico nas hipóteses de excludentes de

responsabilidade, quais sejam: o caso fortuito, a força maior ou culpa exclusiva da

vítima.

4 – A cumulação de danos advindos da realização de

procedimentos cirúrgicos plásticos, quais sejam, morais e estéticos subsiste

quando possível análise destes de forma autônoma.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o

Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas,

do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre a Responsabilidade Civil do Cirurgião Plástico.

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4

CAPÍTULO 1

RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1 INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL

O mundo no qual vivemos, onde o convívio perante a sociedade

traz direitos e deveres aos que nela exercem suas atividades intelectuais,

demonstra que a todo instante estamos interagindo uns com os outros.

Diante desta interação, podem-se observar momentos de ação ou

omissão, sendo estes de extrema importância para verificação de interferências

positivas ou negativas nos interesses ou bens de outrem.

Em razão destas interferências denota-se o surgimento da figura

da responsabilidade, uma vez que a mesma decorre de posição daquele que não

executou devidamente seu dever.

A noção de responsabilidade pode ser haurida da própria origem

das palavras, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a

necessidade que existe de responsabilizar alguém por seus atos danosos.19

A responsabilidade, em sentido amplo, encerra a noção em virtude

da qual se atribui a um sujeito o dever de assumir as consequências de um

evento ou de uma ação.20

Nesse norte, Guido Zanobini21 pondera (2) que o termo

“responsabilidade” serve para indicar a situação toda especial daquele que, por

qualquer título, deva arcar com as consequências de um fato danoso.

19 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, Ed. RT, p.118 20 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4ª ed., São Paulo,

Ed. Atlas, 2004, p. 12

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5

De tal forma, possível concluir ser desnecessário questionamento

relativo a figura da responsabilidade quando se está atuando sob a égide da

norma vigente, visto que não terá o autor do fato qualquer obrigação manifestada

em reparação de dano.

O presente raciocínio é corroborado ao verificar que Rui Stoco22

leciona que se há atuação (%) na forma indicada pelo cânones, não há

vantagem, porque supérfluo indagar da responsabilidade daí decorrente.

Giorgio Giorgi23 leciona a responsabilidade civil como (%) a

obrigação de reparar mediante indenização quase sempre pecuniária, o dano que

o nosso fato ilícito causou a outrem.

Por sua vez, Maria Helena Diniz24 doutrina da seguinte forma:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem

uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a

terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa

por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de

simples imposição legal.

Logo, podemos dizer que a responsabilidade civil é parte

integrante do direito de obrigações e resultante da forma pela qual o agente

expõe sua conduta perante uma obrigação ou dever, com foco na ausência de

cumprimento da norma ou obrigação na qual se encontra revestido, sendo assim,

responsável por possíveis indenizações.

1.2 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

21 ZANOBIBI, Guido. Corso di diritto amministrativo, 6. ed, 1950, v.1 p. 269, citado por STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, p. 118. 22 STOCO, Rui. Tratado de Resonsabilidade Civil, p. 119. 23 GIORGI, Giorgio. Teoria delle obbligazioni, v.5, n. 143, p. 144, citado por STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, p. 119. 24 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileito, p. 40

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6

Depois de introduzida idéia relativa a formação da

responsabilidade civil, necessária se faz a exposição dos elementos

caracterizadores do presente instituto, os quais, necessariamente devem estar

presentes para configuração do dever de reparação à vítima.

São quatro os pressupostos da responsabilidade civil a seguir

tratados, dentre eles: ação ou omissão (conduta humana), culpa ou dolo, nexo de

causalidade e ainda, a previsibilidade de aplicação da teoria do risco.

1.2.1 Ação ou Omissão

A ação ou omissão, pressuposto indispensável para concretização

da responsabilidade, decorre do ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou

lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o

fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de

satisfazer os direitos do lesado.25

Destarte, infere-se que o dever de satisfazer os direitos do lesado

tem origem no elemento primordial da responsabilidade civil, qual seja, a conduta

humana positiva (comissiva) ou negativa (omissiva).

Contudo, impende ressaltar que para concretização da

responsabilidade civil é necessário, primeiramente, a configuração do ilícito, o

qual não existe sem sua figura elementar, qual seja, a voluntariedade da conduta

humana, tanto para o ato comissivo como para o omissivo.

Dessa forma leciona Rui Stoco26:

O elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana e

voluntária no mundo exterior.

Esse ilícito, como atentando a um bem juridicamente protegido,

interessa à ordem normativa do Direito justamente porque produz

um dano. Não há responsabilidade sem um resultado danoso.

25 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7, responsabilidade civil, p. 44. 26 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p.131

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Porquanto, sem o condão da voluntariedade não há que se falar

em ação humana, e, muito menos, em responsabilidade civil27

No tocante as variáveis da conduta humana observam-se que as

mesmas se dividem em positiva (ação) e negativa (omissão), conforme

supracitado.

A conduta positiva (comissiva/ação) se origina da prática de feito

que tenha como resultado um evento danoso. No conceito de Roberto Senise

Lisboa28, a conduta comissiva ou positiva é o comportamento consistente na

realização de ato que acaba por ser danoso.”

Já a figura da conduta negativa (omissiva/omissão), é oriunda da

ausência da pratica de feito que se realizada obstaria a ocorrência do dano. No

ensinamento de Frederico Marques29:

a omissão é uma abstração, um conceito de linhagem puramente

normativa, sem base naturalística. Ela aparece, assim, no fluxo

causal que liga a conduta ao evento, porque o imperativo jurídico

determina um facere para evitar a ocorrência do resultado e

interromper a cadeia de causalidade natural, e aquele que

deveria praticar o ato exigido, pelos mandamentos na ordem

jurídica, permanece inerte ou pratica ação diversa da que lhe é

imposta.

Nos dizeres de Fabio Ulhoa Coelho30 a conduta omissiva:

(2) só gera responsabilidade civil subjetiva se presentes dois

requisitos: a) o sujeito a quem se imputa a responsabilidade tinha

o dever de praticar o ato omitido; b) havia razoável expectativa

27 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III : responsabilidade civil, p.

28. 28 SENISE, Roberto Lisboa. Manual elementar de direito civil, v.2 : Obrigações e

responsabilidade civil, 2ª ed. ver. e atual., São Paulo, Ed. RT, 2002, p.202

29 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v.2, p. 40-41, citado por STOCO,

Rui. Tratado de responsabilidade civil, p. 131. 30 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil, vol 2, 2ª ed. rev., São Paulo, Ed.

Saraiva, 2007, p. 306

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(certeza ou grande probabilidade) de que a prática do ato

impediria o dano.

Quanto à concretização da conduta positiva ou negativa, o codex

civil elencou quatro possibilidades de responsabilidade: por ato próprio, de

terceiro, pela guarda de animal ou coisa e por imposição legal.

A responsabilidade por ato próprio deriva da prática de

determinado feito cujo resultado danoso e dever de reparação de perdas seja

remetido ao seu efetivo autor.

Acerca do assunto, é o ensinamento de Rogério Marrine de Castro

Sampaio31:

A responsabilidade civil por ato próprio, adotada como regra,

encontra amparo jurídico no próprio art. 186 do Código Civil de

2002. Isto é, de forma genérica, previu o legislador que qualquer

comportamento (omissivo ou comissivo) culposo (em sentido

amplo – dolo ou culpa) que violar direito e causar prejuízo a

alguém faz surgir a seu autor a obrigação de reparar o dano.

Dispõe o art. 186 do CC32 que aquele que, por ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,

ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Assim, observa-se que o legislador com arrimo na norma

supracitada onera o autor do ato como respectivo devedor da relação jurídica

estabelecida, a qual foi firmada em decorrência do ilícito praticado pelo mesmo.

A respeito da responsabilidade por ato de terceiro, nota-se que há

possibilidade de impor a obrigação de indenizar a vítima a pessoa diversa

daquela que praticou o resultado danoso, desde que, em princípio, se faça

31SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil : responsabilidade civil, 3ª ed,

São Paulo, Ed. Atlas, 2003, p. 33.

32 Lei 10.406/02, Código civil

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presente uma relação jurídica que estabeleça um vínculo de subordinação entre

elas.33

Tão logo, sendo a responsabilidade por ato próprio regra, tem-se

que a presente é posta como medida de exceção, como no exemplo do agente

que é detentor de pátrio poder e se responsabiliza por ato danoso provocado por

filho menor, ou ainda, na hipótese de representação e vínculo laboral, conforme

disposição constante no art. 932 do CC.

No que toca a responsabilidade pela guarda de animal, determina

o art. 936 que o dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado,

se não provar culpa da vítima ou força maior,34 enquanto o art. 937 e 938 do

mesmo diploma normatizam o fato da coisa.

Por fim, a responsabilidade por imposição legal é aquela que tem

origem em norma que determina ação da qual sucede dever de indenizar, como

(%) no caso de passagem forçada, o dono do prédio encravado sem acesso à via

pública, nascente ou porto, tem o direito de constranger o vizinho a lhe dar

passagem, mediante o pagamento de indenização cabal (art. 1285, cc).35

1.2.2 Culpa

A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico,

imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de

diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever

jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou

negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever.36

33 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil : responsabilidade civil, p. 49. 34 Lei 10.406/02. Código civil; 35 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III : responsabilidade civil, p.

32. 36 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7, responsabilidade civil, p. 46.

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De tal forma, podemos concluir que a culpa pode ser dividida em

intencional e não intencional.

A culpa intencional corresponde ao dolo do agente, uma vez que

deriva da ação realizada pelo agente no intuito de concretizar efeito antijurídico

ou, por ação em que o agente assume o risco da possibilidade de ocorrência de

tal efeito.

De outra banda, a culpa não intencional ou stricto sensu,

corresponde à ausência dos cuidados atinentes ao desenvolvimento da ação do

agente, ou seja, abarca a negligência, imprudência e imperícia.

Nesse sentido é o ensinamento de Fabio Ulhoa Coelho37:

A culpa que dá ensejo à responsabilidade civil corresponde a ato

voluntário, que deveria ter sido diferente. Sem a exigibilidade de

conduta diversa, não há ação ou omissão culposa.

Embora sempre voluntária, a culpa pode corresponder a ato

intencional ou não. No primeiro caso, chama-se dolo, que pode

ser direto (o dano causado era a intenção do seu autor) ou

indireto (o autor assumiu o risco de causar o dano). A culpa não

intencional, a seu turno, é a negligência, imprudência ou

imperícia.

Diante desta perspectiva, podemos verificar que se o agente

praticar um ato positivo (imprudência), sua culpa é in committendo ou in faciendo;

se cometer uma abstenção (negligência) tem-se culpa in omittendo. Entretanto, a

omissão só poderá ser considerada causa jurídica do dano se houver existência

do dever de praticar o ato não cumprido e certeza ou grande probabilidade do fato

omitido ter impedido a produção do evento danoso.38

A imperícia, por fim, é a culpa não intencional no desempenho de

profissão ou ofício. Difere-se da negligência ou imperícia por pressupor uma

37 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil, v. 2, p. 309.

38 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7, responsabilidade civil, p. 49.

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habilidade especial, formação superior ou mesmo conhecimento técnico ou

específico do agente culpado.39

Em que pese não haver menção no codex civil quanto a qualidade

da imperícia, é pacífico o entendimento de que a negligência abraça tanto a idéia

de imprudência quanto de imperícia, conforme se abstrai do ensinamento de

Silvio Rodrigues40:

Em rigor, na idéia de negligência se inclui a de imprudência, bem

como a de imperícia, pois aquele que age com imprudência,

negligencia em tomar as medidas de precaução aconselhadas

para a situação em foco; como, também, a pessoa que se propõe

a realizar uma tarefa que requer conhecimentos especializados

ou alguma habilitação e a executa sem ter aqueles ou esta,

obviamente negligenciou em obedecer às regras de sua profissão

e arte; (2)

Embora o elemento da culpa não possua distinção de grau

normatizada pelo codex civil, a doutrina tratou de elencá-los da seguinte forma,

quais sejam: grave, leve e levíssima.

Acerca do assunto, é a lição de Maria Helena Diniz41:

A culpa será grave quando, dolosamente, houver negligência

extrema do agente, não prevendo aquilo que é previsível ao

comum dos homens. A leve ocorrerá quando a lesão de direito

puder ser evitada com atenção ordinária, ou adoção de

diligências próprias de um bonus pater familias. Será levíssima,

se a falta for evitável por uma atenção extraordinária, ou especial

habilidade e conhecimento singular.

Sobre o tema, Silvio Rodrigues42 doutrina que a distinção entre

dolo e culpa, bem como entre os graus de culpa, de certo modo perde sua

oportunidade. Isso porque, quer haja dolo, quer haja culpa leve ou levíssima, o

39 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil, v. 2, p. 309. 40 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.4: responsabilidade civil, 19ª ed., São Paulo,

Ed. Saraiva, 2002, p. 16, 17

41 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7, responsabilidade civil, p. 48. 42 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.4, p. 148.

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dever de reparar se manifesta com igual veemência, pois o legislador parece ter

adotado a norma romana segundo a qual in Lex Aquilia et leviissima culpa venit.

Tão logo, para aferição de responsabilidade aquiliana,

independentemente do grau de culpa, seja ela grave, leve ou levíssima, da

existência de intenção ou não do resultado danoso (doloso/culposo), permanece

conservado o dever de reparação integral do resultado antijurídico obtido pelo

agente, por isso, a responsabildade subjetiva é calcada na culpa.

1.2.3 Dano

O dano (damnum) é o elemento caracterizador da ocorrência de

prejuízo à outrem, sendo este de caráter indispensável à responsabilidade civil,

seja subjetiva ou objetiva, visto que sem sua existência não há que se falar em

indenização, muito menos em reparação de dano.

Diante deste elemento de suma importância para caracterização

da responsabilidade civil, Sérgio Cavalieri Filho43 dispõe que:

O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil.

Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento,

se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem

culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Na

responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do

risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco

proveito, risco criado etc. –, o dano constitui o seu elemento

preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haveria o que

reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.

Nesse sentido é o ensinamento de Fabio Ulhoa Coelho44:

A existência de dano é condição essencial para a

responsabilidade civil, subjetiva ou objetiva. Se quem pleiteia a

responsabilização não sofreu dano de nenhuma espécie, mas

43 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil, p. 70, citado por GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III: responsabilidade civil, p. 36. 44 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil, v. 2, p. 287.

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meros desconfortos ou riscos, não tem direito a nenhuma

indenização.

Não se pode afastar o fato de que a idéia de dano possui estreita

relação com a diminuição do patrimônio, porém, sabe-se que há previsibilidade

também de reparação de danos morais, conforme preceito disposto no art. 186 do

CC45.

Contudo, para que se faça necessária a reparação de danos,

impende salientar que seu ressarcimento está adstrito a verificação de

determinados requisitos.

Acerca do tema, Maria Helena Diniz46 doutrina que dentre os

requisitos efetivadores da antijuridicidade representada pelo dano se encontram:

a diminuição ou destruição de um bem jurídico; a efetividade ou certeza do dano;

a causalidade; a subsistência do dano; a legitimidade; e a ausência de causas

excludentes de responsabilidade.

Em análise sintética acerca dos requisitos do dano destacados,

extrai-se do ensinamento de Maria Helena Diniz47:

a) Diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou

moral, pertenceente a uma pessoa, pois a noção de dano

pressupõe a do lesado. O dano acarreta lesão nos interesses

de outrem, tutelados juridicamente, sejam eles econômicos ou

não.

b) Efetividade ou certeza do dano, pois a lesão não poderá ser

hipotética ou conjetural. O dano deve ser real e efetivo, sendo

necessária sua demonstração e evidência em face dos

acontecimentos e sua repercussão sobre a pessoa ou

patrimônio desta, salvo nos casos de dano presumido.

45 Lei 10.406/02. Código civil. 46 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7, responsabilidade civil, p.68, 70. 47 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7, responsabilidade civil, p.68,

70.

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c) Causalidade, já que deverá haver uma relação entre a falta e o

prejuízo causado, ou seja, o dano deverá estar encadeado com

a causa produzida pelo lesante.

d) Subsistência do dano no momento da reclamação do lesado.

Se o dano já foi reparado pelo responsável, o prejuízo é

insubsistente, mas, se o foi pela vítima, a lesão subsiste pelo

quantum da reparação; o mesmo se diga se terceiro reparou o

dano, caso em que ele ficará sub-rogado no direito do

prejudicado.

e) Legitimidade, pois a vítima, para que possa pleitear a

reparação, precisará ser titular do direito atingido.

f) Ausência de causas excludentes de responsabilidade, porque

podem ocorrer danos, como logo mais veremos

detalhadamente, que não resultem dever ressarcitório, como os

causados por dano fortuito, força maior, ou culpa exclusiva da

vítima etc.

Destarte, comprovada a existência dos elementos caracterizadores

do dano, por sua vez, resta confirmada ofensa a um interesse jurídico decorrente

de prejuízo patrimonial (direto) ou extrapatrimonial (indireto), sendo o dano direto

originado pela redução imediata do valor agregado ao bem deteriorado, enquanto

o dano indireto dá causa ao dano moral, ou ainda, na hipótese de incidência

sobre bens de terceiro, em razão dos prejuízos suportados pela vítima.

1.2.4 Nexo causal

O nexo de causalidade é o elemento que estabelece o liame entre

a atividade realizada pelo agente e o resultado danoso, sendo este de caráter

indispensável para caracterização da responsabilidade objetiva ou subjetiva.

Impende frisar que o conceito de nexo causal não é jurídico;

decorre das leis naturais, constituindo apenas o vínculo, a ligação ou relação de

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causa e efeito entre a conduta e o resultado, conforme adverte Sérgio Cavalieri

Filho48.

Uma das condições essenciais à responsabilidade civil é a

presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. É uma

noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade. Mas se trata de mera

aparência, porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de um

aspecto profundamente filosófico, além das dificuldades de ordem prática, quando

os elementos causais, os fatores de produção de um prejuízo, se multiplicam no

tempo e no espaço.49

De tal forma, possível concluir que o nexo causal é elemento de

fundamental importância para solver quaisquer questões inerentes à

responsabilidade civil, eis que o mesmo é o motivo pelo qual se originou o dano.

Segundo lição de Roberto Senise Lisboa50, a relação causal pode

ser decorrente de um fato simples ou uma múltipla causalidade, sendo de um fato

simples quando o prejuízo decorrer de uma única causa, enquanto que será de

múltipla causalidade na hipótese de um conjunto de causas terem provocado o

dano, oportunidade em que se verifica a concausalidade.

Ainda segundo ensinamento do doutrinador supracitado, temos

que a concausalidade pode ser conjunta, acumulativa e alternativa.

A concausalidade conjunta decorre de hipótese onde duas ou mais

pessoas agem interligadas, de forma que suas ações sejam importantes na

concepção do resultado danoso.

48 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil, p. 48, citado por Stoco, Rui. Tratado de responsabilidade civl, p. 145 49 LOPEZ, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil – Fontes contratuais da Obrigações e Responsabilidade Civil, v. 5, p. 218, citado por Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, v. III, p. 85 50 SENISE, Roberto Lisboa. Manual elementar de direito civil, v.2 : Obrigações e

responsabilidade civil, p.219, 220.

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Diante desta possibilidade os agentes concorrem na

responsabilidade pelo dano, uma vez que a mesma é solidária, de forma que a

vítima pode ser integralmente ressarcida por qualquer destes.

A concausalidade acumulativa, por sua vez, tem origem quando

duas ou mais pessoas agem de modo autônomo, de forma que suas ações sejam

importantes na concepção do resultado danoso.

Neste quadro os agentes respondem de forma proporcional, ou

seja, ficarão limitados ao ressarcimento do dano que suas ações causaram.

Por fim, a concausalidade alternativa surge quando duas ou mais

pessoas realizam ações, mas somente uma destas possui grande valor para

efetivação do resultado danoso.

Nesta hipótese apenas o agente efetivador do dano deve ser

sujeito a responsabilidade cabível e sua respectiva reparação.

A grande questão em torno do tema diz respeito à circunstância de

esta concausa interromper ou não o processo naturalístico já iniciado,

constituindo um novo nexo, caso em que o agente da primeira causa não poderia

ser responsabilizado pela segunda.

Se esta segunda causa for absolutamente independente em

relação à conduta do agente – quer seja preexistente, concomitante ou

superveniente – o nexo causal originário estará rompido e o agente não poderá

ser responsabilizado.

1.3 DA CULPA À TEORIA DO RISCO

É sabido que o tema responsabilidade civil sempre esteve envolto

das questões relativas à culpa, isso porque segundos os preceitos jurídicos

cultuados, aquele que causa dano à outrem tem dever de reparação quando

decorrente de atos socialmente ou moralmente repreensíveis, pois voltados

contra os constumes, bem como, os atos cercados pela antijuridicidade.

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De forma semelhante, Silvio Rodrigues51 narra acerca do tema

que:

A idéia de culpa sempre foi a idéia informadora da

responsabilidade civil; isso porque há um fundamento moral no

princípio geral de direito, segundo o qual aquele que causa dano

à outrem deve repará-lo, mas só deve fazê-lo se infringiu uma

regra de conduta legal, social ou moral.

Ocorre que junto com o desenvolvimento da sociedade houve

crescente número de fatores geradores de acidentes, como por exemplo, o

aumento no número da frota de veículos automotores e atividades industriais.

Diante desta perspectiva negativa observou-se que a tradicional

idéia de responsabilidade baseada na culpa necessitava evoluir, visto que cada

vez mais casos indenizatórios restavam sem solução.

Sobre o assunto, Silvio Rodrigues52 destaca a dificuldade da vítima

ao expor que:

(2) impor à vítima, como pressuposto para ser ressarcida do

prejuízo experimentado, o encargo de demonstrar não só o liame

da causalidade, como por igual o comportamento culposo do

agente causador do dano, equivalia a deixá-la irressarcida, pois

em numerosíssimos casos, o ônus da prova surgirá como

barreira intransponível.

Segue o mesmo entendimento Rui Stocco53 apud Alvino Lima:

A exigência de provar a vítima o erro de conduta do agente deixa

o lesado sem reparação, em grande número de casos. Com esta

conotação, a responsabilidade, segundo a corrente objetivista,

“deve surgir exclusivamente do fato.

A partir desse ponto se desenvolveu a teoria do risco, a qual Silvio

Rodrigues54 narra como aquela que:

51 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.4, p. 150. 52 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.4, p. 152. 53 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p.150.

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(2) se inspira na idéia de que o elemento culpa é desnecessário

para caracterizar a responsabilidade. A obrigação de indenizar

não se apóia em qualquer elemento subjetivo, de indagação

sobre o comportamento do agente causador do dano, mas se fixa

no elemento meramente objetivo, representado pela relação de

causalidade entre o ato causador do dano e este.

Assim, tem-se que comprovada a relação entre o fato de origem e

o dano propriamente dito, deverá o autor de o fato ressarcir os prejuízos

causados, independente de ação culposa ou dolosa.

Tão logo, denota-se que aquele que em razão de interesses

próprios criar risco com possibilidade de dano, terá de rapará-lo se este dano

sobrevier. A responsabilidade deixa de resultar da culpabilidade, para derivar

exclusivamente da causalidade material. Responsável é aquele que causou o

dano.55

1.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

O instituto da responsabilidade civil pode ser observado sob

diferentes espécies, embora seja considerado em sua essência um conceito

singular.

Isso ocorre em razão de particularidades voltadas aos sistemas de

classificação criados com base no tema culpa, envolvendo ainda no presente

estudo, as espécies de obrigação.

1.4.1 Responsabilidade Civil Objetiva

A presente espécie de responsabilidade civil decorre da realização

de ato praticado pelo sujeito responsável pela obrigação, o qual apenas realiza

algo em conformidade com o que deveria fazer, uma vez que responde

54 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.4, p. 156. 55 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.4, p. 156, 157.

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objetivamente aquele que pratica ato lícito, porém, da respectiva conduta advém

situação danosa descrita na norma jurídica como ensejadora de

responsabilidade, independentemente dolo ou culpa.

Nesse norte, Rogério Marrone de Castro Sampaio56 leciona com

propriedade ao dispor que a regra objetiva (%) tem como característica

determinante o fato de que a culpa não é essencial para o surgimento do dever de

indenizar.

Em complemento ao ensinamento supracitado, Fabio Ulhoa

Coelho57 expõe que:

Na modalidade objetiva, o devedor responde por ato lícito. Sua

conduta não é contrária ao direito. Nada de diferente é ou seria

jurídica ou moralmente exigível dele. Não obstante, arca com a

indenização dos danos experimentados pela vítima do acidente

Observando não ser o elemento culpa ponto chave para

caracterização da presente regra objetiva, torna-se indispensável pôr em

evidência que para concretização da aludida responsabilidade é apenas

necessário estabelecer o liame existente a conduta danosa e o ato executado

pelo sujeito responsável pela obrigação.

Pablo Stolze Gagliano58 observa que:

Segundo tal espécie de responsabilidade, o dolo ou culpa na

conduta do agente causador do dano é irrelevante juridicamente,

haja vista que somente será necessária a existência do elo de

causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável

para que surja o descer de indenizar.

Diante dessas premissas a evolução da responsabilidade civil

inovou o Códex Civil de 2002 ao ser acrescentado no parágrafo único do art. 927,

normatizando que:

56 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil : responsabilidade civil, p. 26.

57 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil, v. 2, p. 261.

58 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III : responsabilidade civil, p.

14,15.

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Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de

culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade

normalmente desenvolvida pelo auto do dano implicar, por sua

natureza, risco para os direitos de outrem.

Tal inovação ocorreu em razão do reconhecimento da teoria do

risco na norma em comento pela legislação civilista brasileira, a qual visa

justamente garantir ao sujeito ativo do dano o preceito fundamental do neminem

laedere, ou seja, que a ninguém é dado o direito de lesar outrem.

Acerca da teoria do risco, Silvio Rodrigues59 doutrina que:

A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa

teoria, aquele que, através de sua atividade, cria um risco de

dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua

atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-

se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de

causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano

experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por

aquele.

Anderson Schreiber60 adverte que:

A culpa, cuja prova antes configurava etapa dificílima a ser

superada pelo autor da demanda, hoje vem, em um sem-númeo

de hipóteses, descartada. Mesmo fora do crescente âmbito de

aplicação da responsabilidade objetiva – incrementado no Brasil

pela cláusula geral do art. 927, parágrafo único, do Código Civil,

e, por toda parte, ampliado para além da própria noção de risco -,

a culpa conserva um papel meramente coadjuvante, sendo

presumida ou aferida de modo facilitado, muito ao contrário do

que ocorria um par de séculos atrás, quando se apresentava

como a grande estrela da responsabilidade civil.

A presente regra objetiva, calcada na teoria do risco, pode ser

observada sob dois aspectos distintos, quais sejam, a teoria do risco proveito e a

teoria do risco criado. Na primeira, se encontra aplicação da idéia de que há dever

de reparação quando houver dano à outrem decorrente de atividade executada

59 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.4, p. 11. 60 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão

dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo, Ed. Atlas, 2007, p.5.

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em benefício do responsável. Na segunda, verifica-se que é indenizável o dano

causado a qualquer pessoa que seja exposta a suportá-lo.

Nesse ínterim, Miguel Kfouri Neto61 entende que:

Essa teoria objetivista (2) é dividida em duas modalidades: a)

teoria do risco proveito – é justo que aquele que obtém o proveito

de uma empresa, o patrão, venha a se onerar com a obrigação

de indenizar os que forem vítimas de acidentes durante o

trabalho; b) teoria do risco criado – pelo simples fato de agir, o

homem cria riscos para os demais, por isso deve responder em

caso de cano.

Em observância ao preceito estabelecido no art.927 do CC/2002

(Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado

a repará-lo.), conclui-se que em regra há manutenção de responsabilidade

embasada na culpa, sendo ela objetiva apenas em caráter de exceção, conforme

constante no parágrafo único do aludido dispositivo que assim determina: Haverá

obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor

do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

1.4.2 Responsabilidade Civil Subjetiva

A responsabilidade civil subjetiva é o meio pelo qual o sujeito ativo

da obrigação responde pela reparação de dano em razão da teoria da culpa, visto

que a culpa é o elemento caracterizador, sem o qual não há que se falar em

reparação.

Esta concepção tradicional visa o reconhecimento da obrigação de

indenização em decorrência de conduta humana dolosa ou culposa que gera

dano à outrem.

Sobre o tema, é a lição de Rogério Marrone de Castro Sampaio62:

61 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Medico. 6 ed. São Paulo: RT,

2007, p.63.

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A responsabilidade civil subjetiva ou clássica, em que se

estruturava o Código Civil de 1916, funda-se, essencialmente, na

teoria da culpa. Tem-se como elemento essencial a geral o dever

de indenizar o fator culpa entendido em sentido amplo (dolo ou

culpa em sentido estrito).

A presente classificação decorre da regra relativa ao unuscuique

sua culpa nocet, ou seja, de que cada um responde por sua respectiva culpa.

Nesta oportunidade, convém observar a continuação da lição de

Rogério Marrone de Castro Sampaio63:

(2) para que se reconheça a obrigação de indenizar, não basta

apenas que o dano advenha de um comportamento humano, pois

é preciso um comportamento humano qualificado pelo elemento

subjetivo culpa, ou seja, é necessário que o autor da conduta a

tenha praticado com a intenção deliberada de causar um prejuízo

(dolo), ou, ao menos, que esse comportamento reflita a violação

de um dever de cuidado (culpa em sentido estrito.

Com base no ensinamento retro pode-se verificar que a presente

regra subjetiva está adstrita a confirmação da existência do dolo, o qual decorre

da ação ou omissão do agente causador do dano ou, culpa, que advém da

imprudência, imperícia ou negligência deste, competindo ainda frisar que para

caracterização da aludida responsabilidade há necessidade de comprovação do

nexo causal.

1.4.3 Responsabilidade Civil Contratual

A responsabilidade civil contratual origina-se da violação de um

negócio jurídico celebrado entre partes contratantes, a qual é decorrente de

convenção expressa ou tácita, onde o resultado danoso desta obrigação não

realizada ou, realizada defeituosamente gera dever de indenizar, conforme

determinam as regras esculpidas nos arts. 389 e s. e 395 e seguintes.

62 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil : responsabilidade civil, p. 26. 63 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil : responsabilidade civil, p. 26.

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Nesse sentido se manifesta Pablo Stolze Gagliano64:

(2) se, entre as partes envolvidas, já existia norma jurídica

contratual que as vinculava, e o dano decorre justamente do

descumprimento de obrigação fixada neste contrato, estaremos

de uma situação de responsabilidade contratual.

A presente regra contratual possui algumas características básicas

em relação aos elementos voltados para: a) matéria de prova; b) fonte geradora;

c) capacidade, conforme se pode abstrair da obra Direito Civil – Responsabilidade

Civil de Rogério Marrone de Castro Sampaio65.

a) (2) incumbe ao credor (contratante prejudicado apenas

demonstrar o inadimplemento do devedor, ou seja, basta a

prova do não-cumprimento da obrigação gerada pelo

contrato. Por outro lado, resta ao devedor (contratante

inadimplente) provar a presença de alguma excludente de

responsabilidade a fim de justificar o não-cumprimento da por

ele contraída.

b) (2) a responsabilidade contratual origina-se do acordo de

vontades onde surgiram as obrigações contraídas que não

vão ser cumpridas por um dos contratantes. (2) a

responsabilidade civil contratual deve compatibilizar-se com

as regras do Direito Contratual, o que pressupõe a existência

de validade do contrato, de onde nascem as obrigações que,

uma vez descumpridas, gerarão responsabilidade civil.

c) (2) não se poderia exigir do menor púbere quer o

cumprimento da obrigação, quer a indenização por perdas e

danos se o contrato tivesse aperfeiçoado sem a indispensável

assistência (mecanismo legal para suprimento da

incapacidade relativa). Executava-se, apenas, (2) quando o

menor contratante, sem a devida assistência, tivesse mentido

sua idade para induzir o outro em erro. (art.180, CC)

Em que pese as presentes particularidades, a responsabilidade

civil contratual possui algumas características comuns à regra não contratual ou,

64 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III : responsabilidade civil, p. 18. 65 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil : responsabilidade civil, p. 24, 25, 26.

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aquiliana, motivo pelo qual, alguns doutrinadores entendem ser desnecessária tal

classificação.

Tanto em um como em outro caso, o que se requer, em essência,

para a configuração da responsabilidade são estas três condições: o dano, o ato

ilícito e a causalidade, isto é, o nexo de causa e efeito entre os primeiros

elementos.

Nessa esteira, destaca-se da obra Direito civil brasileiro de Carlos

Roberto Gonçalves66 que:

Há quem critique essa dualidade de tratamento. São os adeptos

da tese unitária ou monista, que entendem pouco importar is

aspectos sob os quais se apresente a responsabilidade civil no

cenário jurídico, pois uniformes são os seus efeitos.

(2)

Tanto em um como em outro caso, o que se requer, em essência,

para a configuração da responsabilidade são estas três

condições: o dano, o ato ilícito e a causalidade, isto é, o nexo de

causa e efeito entre os primeiros elementos

Segue o presente entendimento o doutrinador Rogério Marrone de

Castro Sampaio67 ao dispor em seu livro Direito Civil – Responsabilidade Civil

que:

Tratando-se de responsabilidade civil, parte-se sempre da idéia

de se impor a alguém a obrigação de reparar os prejuízos

causados a outrem, em razão de determinado comportamento. É

exatamente por isso que alguns doutrinadores resistem à idéia de

distinguir a responsabilidade contratual da extracontratual. Para

eles, entre os quais se destaca Planiol, tal distinção não se

justifica à medida que, qualquer que seja a espécie de

responsabilidade civil, são sempre os mesmos os pressupostos

ensejadores do dever de indenização: o dano, o ato ilícito

(comportamento humano) e o nexo de causalidade.

66 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. IV: responsabilidade civil, p. 27. 67 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil : responsabilidade civil, p. 23.

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Embora haja esta breve distinção de tratamento entre as teses

contratuais e não-contratuais, hoje, no Brasil, apesar de haver embate quanto ao

acolhimento da tese dualista é evidente que a mesma agasalha as situações onde

se verifica a figura da responsabilidade civil.68

1.4.4 Responsabilidade Civil Extracontratual ou Aquiliana

A responsabilidade civil extracontratual ou, não-contratual, também

conhecida como responsabilidade aquiliana, é comum nos casos em que há

ausência de cumprimento ou comportamento contrário ao disposto em lei, logo,

observa-se que tal regra está intimamente adstrita a determinação de norma

jurídica, tocante as fontes de obrigações. De tal forma, denota-se que não há

qualquer estabelecimento de direito preexistente entre o agente passivo e o ativo,

como ocorre na responsabilidade contratual.

Nesse norte, é o entendimento do doutrinador Silvio Rodrigues69

ao dispor que:

(2) na hipótese de responsabilidade aquiliana, nenhum liame

jurídico existente entre o agente causador do dano e a vítima até

que o ato daquele ponha em ação os princípios geradores de sua

obrigação de indenizar.

Corrobora o presente entendimento Pablo Stolze Gagliano70 ao

expressar que (%) se o prejuízo decorre diretamente da violação de um

mandamento legal, por força da atuação ilícita do agente infrator (caso do sujeito

que bate em um carro), estamos diante da responsabilidade extracontratual (%).

Em observância a norma estabelecida no art. 186 do CC que

dispõe: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

68 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. IV: responsabilidade civil, p. 27. 69 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.4, p. 9. 70 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III : responsabilidade civil, p. 16, 17.

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violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete

ato ilícito, podemos concluir que a presente regra aquiliana decorre da ausência

de comportamento humano em seus ditames legais.

Há que se salientar que a regra extracontratual possui algumas

características distintas em relação a regra contratual, estando as mesmas

voltadas para os elementos relativos a: a) matéria de prova; b) fonte geradora; c)

capacidade, conforme dispõe Rogério Marrone de Castro Sampaio71:

a) (2) a situação do credor (vítima), em termos processuais, é

desfavorável em relação ao credor na responsabilidade

contratual. Se aquiliana a responsabilidade civil, cabe à vítima

o ônus de provar todos os pressupostos da responsabilidade

civil a fim de que tenha reconhecido o direito de indenização

pelos danos sofridos, ou seja, além do dano e do nexo de

causalidade – pressupostos que também devem ser provados

pelo credor na responsabilidade contratual -, também deve

demonstrar o comportamento culposo do agente.

b) (2) a responsabilidade aquiliana tem sua fonte em lei, mais

precisamente no art. 186 do Código Civil.

c) (2) no tocante à aquiliana ou extracontratual, a

responsabilidade civil do incapaz, prevista no art. 928,

recebeu nova configuração, assumindo natureza subsidiária

(2)

Apesar dessas características individuais a responsabilidade civil

aquiliana, conforme anteriormente citada, é também detentora de elementos

comuns a regra contratual, sem as quais sua caracterização fica impossibilitada,

quais sejam: o ato ilícito, o nexo de causalidade e o dano.

71 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil : responsabilidade civil, p. 24, 25, 26.

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CAPÍTULO 2

RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

2.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

No intuito de buscar melhor compreensão dos fatos cotidianos

que nos cercam, devemos observar que o presente e o futuro são claramente

arquitetados com base na evolução dos acontecimentos históricos.

Tal comentário se faz necessário uma vez que podemos

encontrar algumas pessoas que persistem na idéia de que os profissionais na

saúde somente nos dias de hoje estão sendo analisados por possíveis danos

decorrentes de suas atividades laborais, fato este que não encontra guarida na

verdade.

Desde os primórdios a humanidade luta para entender de

forma mais completa os aspectos que norteiam os conhecimentos médicos, sejam

pelas moléstias prejudiciais ao corpo humano, sejam pelas suas curas.

Contudo, essas primeiras atividades não se direcionaram

propriamente ao estudo das patologias, mas essencialmente à sua cura.

Predominou, durante milênios, o empirismo.72

Outro aspecto a ser observado, é o fato de que na

Antiguidade, a prática da Medicina mostrava-se muito restrita, além de estar

intimamente ligada à religião.73

Nesse ínterim, Miguel Kfouri Neto74 devidamente expõe que

(%) o médico não era considerado um especialista em determinada matéria, mas

sim um mago ou sacerdote, dotado de poderes curativos sobrenaturais.

72 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.47. 73 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada, p.23.

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Assim, em razão da improbabilidade que as técnicas

utilizadas resultavam, não é difícil imaginar que a culpa recaísse sobre o feiticeiro,

acompanhada da acusação de imperícia ou de incapacidade, portanto, preveem-

se sanções para os casos de culpa relativa ao insucesso profissional dos

médicos.75

2.1.1 O código de Hammurabi e outros

Segundo diversos estudos, o Código de Hamurabi foi

concebido entre o período de 1790 – 1686 a.C., havendo divergência quanto a

sua exata data, contudo, sabe-se que este é o primeiro registro de código que faz

alusão ao instituto hoje conhecido como responsabilidade civil do médico,

conforme se depreende do artigo 218 do referido codex:

218º - Se um médico trata alguém de uma grave ferida com a

lanceta de bronze e o mata ou lhe abre uma incisão com a

lanceta de bronze e o olho fica perdido, se lhe deverão cortar as

mãos.

Nesse sentido, é o ensinamento de Miguel Kfouri Neto76:

O primeiro documento histórico que trata do problema do erro

médico é o Código de Hamurabi (1790 – 1770 a.C.), que também

contém interessantes normas a respeito da profissão médica em

geral.

No mesmo norte, Hildegard Taggesell Giostri dispõe que o

Código de Hamurabi (1750 – 1686) já previa penas para médicos ou cirurgiões

que cometessem lesões corporais ou matassem um homem livre ou um escravo.

Dedica nove artigos à atividade médica e as obrigações dela decorrentes.77

74 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.47. 75 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.47. 76 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.47. 77 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada, p.24.

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Extremista, o codex de Hammurabi se apresenta como a

primeira noção acerca do problema do erro médico com responsabilização civil

sobre os atos laborais dos médicos, aplicando penas severas como amputação

da mão do médico imperito, quando daquele ato resultasse morte ou lesão ao

paciente. Observa-se que não havia qualquer distinção acerca do ilícito como civil

ou penal, como é realizado atualmente.78

Percebe-se assim, que não havia ainda o conceito de culpa,

num sentimento jurídico moderno, enquanto vigorava a responsabilidade objetiva

coincidente com a noção atual, qual seja, se o paciente morreu em seguida à

intervenção cirúrgica, o médico o matou e, portanto deverá ser punido79

Inicialmente, a medicina em Roma era praticada por

sacerdotes que utilizavam à prática curativa. Existiam muitas superstições o que

fazia com que o povo temesse a novidade que representava a ciência médica.80

O Direito Romano foi responsável pela introdução dos

princípios inerentes à responsabilidade civil, os quais mais tarde seriam

incorporados nas legislações modernas. Na oportunidade já se previa punição

quanto ao ato decorrente imperícia médica. Inicialmente, valia-se da vingança

privada para somente após passar ao domínio jurídico. Porém, com o advento da

Lei Aquília (25 a.C), iniciou-se a generalização da responsabilidade civil. O ato

ilícito implicava na obrigação de reparar a parte lesada mediante meios

econômicos. 81

Mas é com a Lex Aquilia de dammo, do século III a.C, que se

formulou um conceito de culpa, bem como se fixaram algumas espécie de delitos

que os médicos poderiam cometer, como ausência de prestação de assistência e

erros com origem em imperícia e das experiências perigosas.82

78 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p. 47, 48 79 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.48 80 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.50. 81 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.48 82 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.49.

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Como conseqüência, estabelece-se a obrigação de reparar o

dano, limitando-o ao prejuízo econômico, sem considerar o atualmente

denominado dano moral.83

É na Lex Aquilia que se encontram os primeiros rudimentos

de responsabilidade médica, prevendo a pena de morte ou deportação do médico

culpado de falta profissional, período no qual já verificava grande quantidade de

reclamações acerca da impunidade médica.84

No Egito, os médicos, exibiam com orgulho a elevada posição

social, chegando a se confundir por vezes com os sacerdotes. Seguindo à risca o

livro de regras, livravam-se de toda e qualquer interpelação judicial. Caso

contrário eram punidos com a morte, qualquer que fosse o desfecho da doença.

Para eles problema de saúde era considerado não um fato privado do cidadão,

mais objeto de interesse publico e social, embora de forma limitada.85

Contudo, o primeiro verdadeiro estudo no campo da medicina

surgiu na Grécia antiga. Trata-se do Corpus Hippocraticum, de construção

filosófica aristotélica que contem noções de uma Medicina não apenas empírica,

mas permeada de elementos racionais e científicos.86

Assim, vai-se lentamente firmando o principio de que a culpa

do medico não se presume somente pelo fato de não ter ele obtido êxito no

tratamento, e sim deve ser analisada com base na conduta exercida pelo

profissional, a qual seria avaliada por perito na matéria e um colegiado de

médicos.87

O progresso da ciência ligado ao desenvolvimento das

especulações filosóficas, fez com que os médicos não se limitassem a aprofundar

seus estudos no campo da anatomia e dos fenômenos patológicos, mas abrindo

83 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.49. 84 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.49. 85 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.51. 86 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.51. 87 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.51

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também espaço para o campo filosófico, embasando de forma mais adequada a

racional a atividade de diagnosticar a cura.88

No início do Século XIX na França, quase desapareceu a

responsabilidade jurídica, com a decisão da Academia de Medicina de Paris, em

1829, que proclamou a exclusiva responsabilidade moral dos profissionais da arte

de curar.89

Contudo, na atualidade observa-se plena reparabilidade do

dano médico, pois a vivência levou ao aperfeiçoamento das normas entre os

povos civilizados.

Na idade Moderna (séc. XV até a Revolução Francesa, em

1.789) foram poucos os progressos ocorridos, em matéria de responsabilização

pelo dano causado a terceiro. Diante disso, prevaleceram as concepções do

Direito Romano, com base na dicotomia consistente na responsabilidade

contratual, em virtude de inadimplemento, ou no dano causado a outrem, pela

pratica de um ilícito.90

Contudo, na Idade Contemporânea (a partir da Revolução

Francesa), em razão do advento do Código Civil Francês (1.804), denominado

Código de Napoleão, serviu de marco histórico, acerca do principio da

responsabilidade civil fundada na culpa com influência na legislação dos países

civilizados.

Este breve histórico relacionado as mudanças e evoluções de

conceitos inerentes a atividade médica, demonstram o quanto este labor é

relevante ao interesse da coletividade pela saúde.

2.2 CULPA MÉDICA, PROVA E SUA AVALIAÇÃO

88 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.51. 89 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.52. 90 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada. P.28

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A culpa do profissional da medicina sob a ótica do direito é uma

culpa comum e não uma culpa especial (%)91, visto que independentemente da

profissão exercida aplica-se o brocardo neminen laedere, ou seja, que a ninguém

é dado o direito de lesar outrem.

Embora a culpa decorrente da atividade médica seja comum,

esta apresenta algumas peculiaridades técnicas que geram certa dificuldade em

sua análise. Dentre as mesmas pode-se observar: a) a natureza confidencial das

relações médico-paciente; b) o silêncio por parte daqueles que presenciaram ou

que participaram do ato médico; c) o aspecto técnico da culpa médica.

Acerca do assunto Hildegard Taggesell Giostri92 explana que

a) (2) o relacionamento entre profissional e cliente se desenrola

no recinto fechado de um consultório, sendo de natureza

estritamente confidencial, sem testemunhas ou documentos.

Quando o paciente pretende apresentar alguma prova

material do seu descontentamento, dispõe apenas de uma

receita, na qual fora, prescritos alguns medicamentos e a

maneira de usá-los.

b) Em um trabalho de equipe é bastante comum a existência de

uma descrição solidária frente a um incidente nefasto que,

eventualmente, tenha ocorrido por culpa de um dos

integrantes daquela.

c) Os juristas têm, muitas vezes, que se servir dos préstimos de

um perito médico, o que pode trazer à tona o problema

conhecido como esprit de corps, ou corporativismo, por conta

do qual imagina-se que o laudo pericial possa vir a ser dado

com um certo favorecimento parcial, por se tratar de colega

de profissão.

Diante de tais circunstâncias, observa-se que há clara

necessidade de sopesar os elementos apontados afim de não efetuar conclusões

imprecisas, considerando ainda a possibilidade de tendensiosidade dos laudos

91 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada, p.33. 92 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada, p.37.

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periciais médicos, devendo sempre na apreciação da prova utilizar de seu livre

convencimento para avaliar as questões inerentes ao ato médico sem rodeios.

Acerca do tema, Miguel Kfouri Neto93 expõe que:

Os meios de prova são os usuais: depoimento pessoal do médico

(pode ocorrer confissão); inquirição de testemunhas (mesmo as

suspeitas ou impedidas); prova documental; informes (notícias

veiculadas pela imprensa, etc); inspeção judicial; presunções;

prova pericial; a convicção e convencimento do juiz.

Superada essa questão, cumpre observar que para

concretização da responsabilidade civil há necessidade de comportamento

humano eivado de voluntariedade, na qual seu resultado (nexo de causalidade)

gere dano à outrem, sendo que a culpa médica deriva em sua forma geral da

culpa stricto sensu, ou seja, dos elementos imperícia, negligência e imprudência.

Em relação a culpa dos profissionais da medicina, esculpidas

nos arts 1545 do CC/1916 e 951 do CC/2002 Miguel Kfouri Neto94 cita o ilustre

doutrinador Clóvis Beviláqua:

A responsabilidade das pessoas indicadas neste artigo, por atos

profissionais, que produzem morte, inabilitação para o trabalho,

ou ferimento, funda-se na culpa; e a disposição tem por fim

afastar a escusa, que poderiam pretender invocar, de ser o dano

um acidente no exercício de sua profissão. O direito exige que

esses profissionais exerçam a sua arte segundo os preceitos que

ela estabelece, e com as cautelas e precauções necessárias ao

resguardo da vida e da saúde dos clientes e fregueses, bens

inestimáveis, que se lhes confiam, no pressuposto de que os

zelem. E esse dever de possuir a sua arte e aplicá-la, honesta e

cuidadosamente, é tão imperioso que a lei repressiva lhe pune as

infrações.

Para concretização da responsabilidade do médico, Hildegard

Taggesell Giostri95 observa que Helio Gomes entende haver necessidade de

observância aos seguintes elementos:

93 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.86. 94 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.78.

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o agente (médico); o ato profissional (ocorrido no exercício da

profissão); a culpa (imperícia, imprudência ou negligência) o dano

(que pode abranger desde o agravamento da doença, uma lesão,

até a morte) e, por último, a relação de causa e efeito entre o ato

e o dano (a ação ou omissão do médico que gerou o dano).

Tão logo, em relação aos elementos da culpa pode-se

observar que a imperícia é a culpa decorrente de ação na qual o médico não

dispõe de competência suficiente para resolução do quadro.

Nesse norte, Hildegard Taggesell Giostri96 dispõe que:

(2) imperícia é um tipo de culpa – por ação – que pode ocorrer

quando o médico se conduz de maneira errada ou equivocada,

seja por falta de experiência, por despreparo técnico ou por falta

de conhecimento específico em determinada área.

Quanto a modalidade de culpa derivada da imprudência,

observa-se que a mesma decorre de ato comissivo onde o médico age de forma

impetuosa, ou seja, reaje a determinado fato por impulso, sem medir as

consequências que poderão advir daquele ato.

O presente entendimento é corroborado pelo ensinamento de

Hildegard Taggesell Giostri97 ao se verificar que a imprudência é (%) uma

modalidade de culpa por ação, quando o médico faz o que não devia, seja por

uma má avaliação dos riscos, por impulsividade, por falta de controle, por pressa

e, até, por leviandade.

Por fim, tem-se que a negligência é a culpa que sucede da

omissão do médico nas condutas consideradas normais para a atividade

exercida, as quais deveriam ser efetivadas com zelo deste.

95 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada, p.43.

96 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada, p.40.

97 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada, p.40.

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Mais uma vez, Hildegard Taggesell Giostri98 ampara o

presente pensamento ao dispor que a negligência é um tipo de culpa por

omissão, efetivando-se quando o profissional não fez o que deveria ter feito, seja

por inércia, passividade, indiferença, desleixo, descuido, menosprezo, preguiça

ou, mesmo cansaço.

Para avaliação da culpa médica, observa-se ainda que

existem alguns princípios são sugeridos pela Profª Tereza Ancona Lopez99:

1. quando se tratar de lesão que teve origem em diagnóstico

errado, só será imputada responsabilidade ao médico que

tiver cometido erro grosseiro;

2. o clínico geral deve ser tratado com maior benevolência que

o especialista;

3. a questão do consentimento do paciente em cirurgia que se

recusou terminantemente ao permitir que fosse amputada

sua perna esmagada em acidente, sobrevindo-lhe a morte

em consequência de gangrena gasosa. Os médicos que

propuseram a operação não poderiam ter agido de outro

modo, dada a comprovada lucidez do paciente ao rejeitar a

intervenção cirúrgica;

4. o mesmo assentimento se exige no caso de tratamento que

deixe sequelas, como na radioterapia. E age com culpa

grave o médico que submete o cliente a tratamento

perigoso, sem antes certificar-se da imperiosidade de seu

uso;

5. dever-se-á observar se o médico não praticou cirurgia

desnecessária;

6. não se deve olvidar que o médico pode até mesmo mutilar o

paciente, se por um bem superior – a própria vida do

efermo – o exigir;

7. outro dado importante é que o médico sempre trabalha com

uma margem de risco, inerente ao seu ofício, circunstância

98 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada, p.41. 99 MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopes. Responsabilidade Civil dos Medicos. 2ª ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 309 - 331

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que deverá ser preliminarmente avaliada – e levada em

consideração;

8. nas intervenções médicas sem finalidade terapêutica ou

curativa imediata, cirurgia plástica estética propriamente

dita, por exemplo –, a responsabilidade por dano deverá ser

avaliada com muito maior rigor.

Porquanto, caracterizada a culpa médica com base nas

hipóteses apresentadas, não se deve exigir do Magistrado aprofundamentos de

ordem científica, de modo que assim qualquer juiz medianamente culto e

imparcial poderá responsabilizar100 o médico em questão.

2.3 RESPONSABILIDADE MÉDICA

2.3.1 Considerações Preliminares

Tempos atrás, tinha-se o profissional da Medicina como um

ser inatingível, visto que a realização desta atividade era considerado algo

sublime, posto que o mesmo desempenha função de salvar vidas.

Com a evolução da sociedade restou comprovado que este

era um pensamento arcaico, visto que o exercício da atividade laboral de médico

é uma atividade com direitos e deveres assim como outras.

Dessa forma, observa-se que a atividade exercida pelo

Médico, na qual se realiza conduta humana comissiva ou omissiva está também

sujeita as tipificações relativas a responsabilidade civil, penal e ética.

Acerca do tema, Hildegard Taggesell Giostri101 pondera que:

A responsabilidade civil médica, nos dias atuais, está assente na

culpa, sendo suas modalidades a imperícia, a imprudência e a

negligência, (2). Poderão ser verificadas, ainda, as

responsabilidades penal e ética, (2).

100 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.78 101 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada, p.41.

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Impende ressaltar que para verificação da responsabilidade

médica é imperioso notar se o dano ocorrido adveio do ato facultativo do médico

ou, se o mesmo sucedeu da natural evolução da enfermidade. Tal diferenciação é

de extrema importância, já que evita a confusão entre evolução de um estado

patológico (ou de morbidez) do paciente e erro médico.102

Em relação a responsabilidade do médico quanto a cirurgia

plástica, deve-se espreitar que a mesma nunca é urgente, e sua necessidade em

determinadas posições é questionável, contudo, mesmo assim esta apresenta

características comuns às demais cirurgias: as reações do organismo humano

são imprevisíveis e consequências indesejadas podem sobrevir.103

Segundo Hennau-Hublet, se o ato preconizado pelo médico

em virtude do diagnóstico ou do tratamento, deriva uma prestação inabitual,

menos “clássica”, apresentando um certo perigo, o profissional dever informar o

doente dos riscos do ato proposto (%).

Assim, infere-se que quando o assunto é relativo à cirurgia

plástica há ampla necessidade do paciente estar devidamente ciente dos riscos,

devendo analisar as vantagens e desvantagens que dela podem advir,

informações estas que deverão ser repassadas pelo médico a fim de obter

consentimento deste, salvo nos casos de emergência onde haja risco à vida ou

dano físico irreparável.

Nessa esteira, é o entendimento de Miguel Kfouri Neto, senão

vejamos:

(2) as obrigações do cirurgião, nessa especialidade, são

agravadas. Deve ele, em primeiro lugar, apreciar a veracidade

das informações prestadas pelo paciente; depois, sopesar os

riscos a enfrentar e resultados esperados; a seguir, verificar a

oportunidade da cirurgia. Convencido da necessidade da

intervenção, incumbe-lhe expor ao paciente as vantagens e

desvantagens, a fim de obter seu consentimento. Na cirurgia

102 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada, p.34. 103 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.78

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plástica estética a obrigação de informar é extremamente

rigorosa. Mesmo os acidentes mais raros, as sequelas mais

infrequentes, dever ser relatados, pois não há urgência, nem

necessidade de se intervir.

Isso porque, segundo o entendimento de João Batista Gomes

Moreira104, o esclarecimento é o melhor meio de defesa para o médico (%).

Quanto a normatização da responsabilidade dos profissionais

da saúde, pode-se verificar que a mesma é amparada pelo art. 951 do CC105:

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se no caso

de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade

profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar-

lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

De acordo com a norma supracitada, é possível visualizar

que diante dos elementos imprudência, negligência e imperícia, a

responsabilidade do profissional da medicina está embasada na prova da culpa.

Contudo, impende frisar que nas palavras de Pablo Stolze

Gagliano o art. 14 §4º do Código de Defesa do Consumidor reafirma que:

(2) a responsabilidade civil subjetiva dos profissionais liberais,

nos quais se encontram os mencionados agentes da atividade

médica, se verifica na medida em que aquele diploma consagra,

nas relações de consumo, a responsabilidade civil objetiva, mas

expressamente, faz a ressalva, o que infere o caráter proposital

dessa situação excepcional.

Dessa forma, cumpre observar que o art. 6º do CDC em seu

inciso VIII, possibilita a inversão do ônus da prova a fim de facilitar o processo de

defesa dos direitos do paciente, por ora, consumidor.

Ademais, para análise aprofundada da responsabilidade civil

do médico é necessário observar que embora na maioria dos casos seja uma

104 MOREIRA, João Batista Gomes, Responsabilidade civil por erro medico. Revista da OAB Goiás, Caderno de Temas Jurídicos. Abril e julho de 2005, p.27. 105 Lei 10.406/02. Código civil.

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obrigação de meio, há também exceções onde esta se concretiza como uma

obrigação de resultado.

2.3.2 Obrigação de Meio e Resultado

Todo contrato comutativo gera obrigações e dever as partes

contratantes, em grau maior ou menor, porém na maioria dos casos há clara

distinção destas.

Em se tratando de contrato decorrente de atividade médica,

contudo, existem duas espécies distintas de obrigações, quais sejam, as

obrigações de meio e obrigações de resultado.

No tocante as obrigações de meio, Miguel Kfouri Neto106

expõe que:

Há obrigação de meio – segundo Demogue, o formulador da

teoria – quando a própria prestação nada mais exige do devedor

do que pura e simplesmente o emprego de determinado meio

sem olhar o resultado. É o caso do médico, que se obriga a

envidar seus melhores esforços e usar de todos os meio

indispensáveis à obtenção da cura do doente, mas sem jamais

assegurar o resultado, ou seja, a própria cura.

Diante da presente explanação pode-se concluir que esta

espécie de obrigação ampara o profissional da medicina que presta um serviço a

determinado paciente, ao qual dedicará máxima diligência com base em seus

conhecimentos, utilizando-se de todos os recursos disponíveis a fim de obter o

melhor desempenho possível naquele caso, sem, contudo, ter comprometimento

quanto a um resultado positivo e determinado.

A obrigação de meios pode ser observada pelo profissional

da medicina como causa da liberdade de atuação de seu ofício, pois se sabe que

106 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.178

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em vários casos a medicina apenas disponibiliza de recursos paliativos contra

doenças ainda sem cura, de forma que o resultado final não poderá ser evitado.

Em relação a obrigação de resultado, tem-se que esta

espécie deriva do comprometimento do médico no alcance de determinado feito,

sem o qual este não terá cumprido sua obrigação, ou seja, estará inadimplente

com o contrato pactuado, ficando sujeito ao ressarcimento e indenização do

paciente, visto que nesta modalidade de obrigação a culpa pelo resultado danoso

é presumida.

Colhe-se da obra de Rui Stoco107 apud Tereza Ancona Lopes

de Magalhães ensinamento que agasalha o entendimento supra:

Na obrigação de resultado, o devedor se obriga a alcançar

determinado fim sem o qual não terá cumprido sua obrigação. Ou

consegue o resultado avençado ou terá que arcar com as

consequências. (,,,) Em outras palavras, na obrigação de meios a

finalidade é a própria atividade do devedor e na obrigação de

resultado, o resultado dessa atividade.

Em que pese a aludida discrepância entre as obrigações de

meio e resultado, a Teoria do Resultado não rompe a Teoria da Culpa, pois

conforme lição de Rui Stoco108 (%) não obstante o alcance que a obrigação tenha

(de meios ou também de resultado), impõe-se a existência de culpa do obrigado

civil seja presumida ou demonstrada pelo credor.

De tal forma, observa-se que para concretização da culpa em

obrigações de meio, há necessidade do credor/paciente apresentar elementos

comprobatórios acerca da negligência, imprudência e imperícia.

Por outro lado, quando se buscar tratar de concretização da

culpa em obrigações de resultado esta é presumida, cabendo ao credor/paciente

apenas a demonstração do ato que originou o dano, competindo nesse caso ao

devedor/médico a comprovação de excludente de responsabilidade.

107 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p.160. 108 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p.160.

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Acerca do assunto, é o ensinamento de Rui Stoco109:

No primeiro caso (obrigação de meio) cabe ao contratante ou

credor demonstrar a culpa do contratado ou devedor. No

segundo (obrigação de resultado) presume-se a culpa do

contratado, invertendo-se o ônus da prova, pela simples razão de

que os contratos em que o objeto colimado encerra um resultado,

a sua não obtenção é quantum saits para empenhar, por

presunção a responsabilidade do devedor.

Dessa forma, possível concluir que a obrigação de resultado

resta satisfeita com a aplicação de todos os meios disponíveis, enquanto que a

obrigação de resultado só é extinguida com a conclusão do objeto pactuado ou

comprovação de que o dano existente adveio de alguma excludente de

responsabilidade.

Por fim, cumpre expor que independentemente da obrigação

ser de meio ou resultado, na hipótese de dano, irá ser averiguada a

responsabilidade civil considerando o dano em si, o grau de culpa e o nexo de

causal, ou seja, elementos de suma importância para ações que envolvem

discussões acerca de indenizações e reparação de danos.

2.3.3 Excludentes da responsabilidade médica

Existem situações peculiares nas quais o médico que realiza

seu trabalho de acordo com as condutas normais, ou seja, com prudência, perícia

e sem negligência, não é responsável por determinada situação.

A irresponsabilidade médica, por seu turno, tem fundamento

jurídico na inexistência de dolo em sua conduta.

Isso porque, segundo Hildegard Taggesell Giostri110

(2) não seria justo declarar como sendo delituoso os atos de um

dentista ou de um cirurgião que, ao exercitar seu mister,

109 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p.161. 110 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro medico a luz da jurisprudencia comentada, p.65.

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necessitassem intervir de maneira mais drástica, extraindo ou

amputando partes do corpo no intuito de atingir a cura ou a

melhora para o enfermo.

A possibilidade do médico não ser responsabilizado por

eventuais danos aos seus pacientes no andamento de sua conduta profissional

poder advir de uma das excludentes de responsabilidade, quais sejam: o caso

fortuito, a força maior ou culpa exclusiva da vítima.

Na hipótese de caso fortuito ou força maior, pode-se observar

que segundo Pablo Stolze Gagliano111:

(2) a característica básica da força maior é a sua inevitabilidade,

mesmo sendo a sua causa conhecida (um terremoto, por

exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas), ao passo que o

caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na sua

imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio.

Assim, podemos verificar que embora a conduta do

facultativo tenha sido efetuada dentro dos parâmetros normais de sua profissão,

há possibilidade da ocorrência de danos decorrente de fatos estranhos, alheios ao

seu procedimento e ao comportamento do paciente, não tendo o primeiro, meios

de prevê-los ou impedi-los.

No tocante a culpa exclusiva da vítima, colhe-se do

ensinamento de Pablo Stolze Gagliano apud Aguiar Dias:

Admite-se como causa de isenção de responsabilidade o que se

chama de culpa exclusiva da vítima. Com isso, na realidade, se

alude a ato ou fato exclusivo da vítima, pelo qual fica eliminada a

causalidade em relação ao terceiro interveniente no ato danoso.

Em que pese a culpa da vítima no evento danoso, a quebra

do nexo de causalidade somente ocorre quando a mesma for exclusiva, visto que

na hipótese de concorrência de culpas o dever de reparação ou indenização

subsistirá, na sua devida proporção quanto ao dano.

111 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III : responsabilidade civil, p. 111.

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Segue esse entendimento Rui Stoco112 apud Aguiar Dias:

Da idéia de culpa exclusiva da vítima, que quebra um dos elos

que conduzem à responsabilidade do agente (nexo causal),

chega-se à concorrência de culpa, que se configura quando a

essa vítima, sem ter tido a única causadora do dano, concorreu

para o resultado, afirmando-se que a culpa da vítima “exclui ou

atenua a responsabilidade, conforme seja exclusiva ou

concorrente.

Ainda quanto à culpa da vítima, deve-se ressaltar que a

mesma ser muito bem analisada pelo julgador, pois em se tratando de causas

médicas sabe-se que a manutenção adequada pelo paciente quanto aos

tratamentos determinados pelo médico são determinantes para um resultado

positivo.

2.4 RESPONSABILIDADE MÉDICA SOB A ÓTICA DO CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR

Dispõe o art. 14, do Código de Defesa do Consumidor113

acerca da responsabilidade pelos danos causados ao consumidor por defeitos na

prestação do serviço, ratificando a responsabilidade civil objetiva nas relações de

consumo, in verbis:

O fornecedor de serviço responde independentemente da

existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos

consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços,

bem como por informações insuficientes e inadequadas sobre a

sua fruição e riscos.

No entanto, referido artigo ressalva em seu parágrafo 4º que,

sendo o serviço prestado por profissional liberal, a ocorrência de culpa será o

pressuposto necessário à verificação de responsabilidade.

112 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, p.177.

113 Lei 8.078/90

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Em relação ao tema, Miguel Kfouri Neto114 apud Antonio

Herman de Vasconcelos informa que:

Em todo seu sistema, prevê uma única exceção ao principio da

responsabilização objetiva para os acidentes de consumo seriam

os serviços prestados por profissionais liberais – dentre eles o

médico, para os quais se manteve o sistema tradicional baseado

na culpa.

O Código de Defesa do Consumidor fornece os parâmetros para

a avaliação do serviço defeituoso, disciplinando no art. 14, §1º que este ocorrerá

quando não houver a segurança que se espera dele pelo consumidor, levando-se

em conta o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente

dele se esperam e a época em que foi fornecido.

Importante frisar que diante da possibilidade do médico trabalhar

em um hospital salienta-se que a responsabilidade deste permanece subjetiva,

enquanto o estabelecimento hospitalar responderá objetivamente, de acordo com

a nova regra de responsabilização objetiva esculpida no CC/2002 em seu art.

932, III, nesse caso, compete ao estabelecimento se devidamente comprovada a

culpa do médico, ação de regresso contra o mesmo.

Nesse diapasão, é o entendimento de Pablo Stolze Gagliano115:

(2) embora a responsabilidade civil do profissional médico

permaneça subjetiva, o mesmo não pode ser dito do hospital ou

clínica médica em que presta serviços.

(2)

Se o médico integra o quadro pessoal permanente do hospital ou

da clínica, a responsabilidade desta última deflui manifesta, nos

termos do referido art. 932, III

(2)

114 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.199 115 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III : responsabilidade civil, p. 221.

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Ainda assim, entendemos existir um liame jurídico entre o médico

e a entidade hospitalar, de modo a autorizar a responsabilização

objetiva desta última, sem prejuízo de um eventual direito de

regresso contra o médico.

Por fim, quanto a empregabilidade da teoria do resultado,

denota-se que há discrepância doutrinária e jurisprudencial, visto que com o

advento do Código de Defesa do Consumidor houve rompimento desta, em parte,

em razão de isenção da responsabilidade objetiva dos profissionais liberais em

seu art. 14, §4º, predominando então, a responsabilidade subjetiva, na qual é

mister a comprovação do elemento culpa.

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CAPÍTULO 3

RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO

3.1 RELAÇÃO MÉDICO – PACIENTE

O presente tópico reveste-se grande importância no

desenvolvimento e compreensão do presente estudo, visto que a relação firmada

entre médico e paciente é ponto fulcral no estabelecimento da espécie de

responsabilidade a que o médico é sujeito, bem como suas respectivas

obrigações.

3.1.1 Considerações Preliminares

Ao iniciar análise no tocante a relação firmada entre médico e

paciente, observa-se que a mesma é sempre atingida pela esfera da

responsabilidade civil contratual, pois se parte do pressuposto de que o sujeito

realiza a atividade em decorrência de sua atuação profissional. Isso porque a

realização da atividade laboral, em condições normais, enseja ação recíproca na

realização de um negócio jurídico, na qual o profissional se obriga na realização

de atividade pactuada.

Nessa linha é o entendimento de Miguel Kfouri116 Neto apud

Aguiar dias:

Ora, a natureza contratual da responsabilidade médica não nos

parece hoje objeto de dúvida. (2) Acreditamos, pois, que a

responsabilidade do médico é contratual, não obstante sua

colocação no capítulo dos atos ilícitos

Na mesma senda é a lição de Tereza Ancona Lopez117:

116 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.71.

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A discussão a respeito do enquadramento de tal responsabilidade

dentro da culpa contratual ou extracontratual está hoje superada.

A doutrina e a jurisprudência são francamente pela

responsabilidade ex contractu do médico. O nosso Código Civil

colocou a responsabilidade médica dentro das obrigações por

atos ilícitos mas isto não lhe tira o caráter de contratual.

O entendimento de que há liame contratual estabelecido entre as

partes é de grande relevância, pois somente assim é possível é verificar a culpa

médica em razão de obrigações de meio, originadas nas cirurgias plásticas

reparadoras e, obrigações de resultado, existentes a partir das cirurgias plásticas

estéticas.

Isso porque, segundo Tereza Ancona Lopez118 (2) na culpa

contratual há lugar para as obrigações de meio e obrigações de resultado e na

culpa extracontratual ou aquiliana só é possível a existência de obrigações de

resultado (2).

Contudo, impende ressaltar que exceção se faz presente nesta

relação na hipótese de médico que exerce seu labor como preposto de hospitais

públicos e particulares, em razão da aplicação da teoria do risco. Ademais,

cumpre salientar que a responsabilidade verificada no caso (objetiva) exclui

aquela ocorrida na relação direta com o paciente (contratual).

Nessa seara é o entendimento aplicado por Tereza Ancona

Lopez:

Quanto aos médicos empregados de hospitais, públicos ou

privados, temos a solução do Código de Defesa do Consumidor,

que coloca tal responsabilidade como objetiva, ou seja, sempre o

hospital responderá, com fundamento no risco da atividade,

podendo entrar com ação regressiva contra o médico. Na

verdade, a responsabilidade dos médicos empregados

conveniados ou funcionários poderia ser chamada de

117 LOPEZ Tereza Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. 2ª ed. rev. atual. e

ampl., São Paulo, Ed. RT, 1999, p. 84.

118 LOPEZ Tereza Ancona. O dano estético, p. 54.

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responsabilidade legal, pois vem diretamente da lei, e é lei de

ordem pública (Código de Defesa do Consumidor).

A responsabilidade legal exclui a responsabilidade contratual,

pois tem como fundamento as relações de massa, a

vulnerabilidade e a hipossuficiência da vítima e, principalmente, o

risco que pesa sobre essa atividade, que tem de ser absorvido

pelas pessoas jurídicas.

Em que pese toda a discussão gerada em torno da natureza da

relação médico-paciente, seja ela contratual ou extracontratual, estudiosos do

tema mantém o entendimento de que a norma aplicada ao caso concreto deverá

sempre ser aquela esculpida no art. 951 do CC, qual seja119:

Art.951. O disposto nos arts. 948,949 e 950 aplica-se ainda no

caso de indenização devida por aquele que, no exercício de

atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia,

causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Tão logo, em regra caracterizada a espécie de responsabilidade

civil do cirurgião plástico como contratual, passa-se ao item seguinte no intuito de

melhor analisar as características básicas oriundas do contrato médico.

3.1.2 Características básicas do contrato médico e cláusula de não

indenizar

As características básicas do contrato médico têm início no

próprio momento em que o paciente requer a prestação dos serviços médicos e o

facultativo aceita seu prestamento.

119 BRASIL, Código Civil; Comercial; Processo Civil; Constituição Federal/ obra coletiva da autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes, p.353.

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Este acordo pode ser firmado das mais variadas maneiras, tanto

verbalmente com por escrito, seja por telefone, por carta, pessoalmente ou de

qualquer modo suscetível de prova.120

Colhe-se da lição de Miguel Kfouri Neto121 que não há consenso

na doutrina quanto ao tipo do contrato médico, isso porque, segundo ele (2) as

principais correntes doutrinárias, entre nós, assemelham o contrato médico a um

mandato, contrato de empreitada, de locação de serviços, contrato inominado ou

contrato multiforme.

Porém, levando em consideração o entendimento de alguns

estudiosos acerca do tema responsabilidade médica, pode-se concluir que o

contrato que mais se adapta as particularidades deste labor é aquele denominado

contrato sui generis (inominado ou atípico), sendo este tipo o mais acatado pela

doutrina e jurisprudência.

Isso porque, segundo leciona Hildegard Taggesell Giostri os

partidários dessa acepção entendem que:

(2) a prestação dos serviços médicos não poderia estar inclusa

na classificação jurídica dos contratos nominados, vez que suas

normas não se enquadram nas daqueles, que são previstos em

lei e possuindo regulamentação jurídica própria.

Segundo Fabio Zamprogna Matielo122, o contrato médico envolve

caracteres sui generis e que o diferenciam das demais modalidades.

O Ilustre doutrinador123 acrescenta que:

Essa espécie de contratação não encontra espaço particular na

legislação nacional ou como previsão consagrada pela

autonomia, sendo, então, figura atípica, inominada, mas nem por

isso com menor tutela jurídica. Para vigorar não necessita de

forma especial, nem de definição exata quanto ao objeto em suas

120 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico, p.48. 121 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.72. 122 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico, p.49. 123 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico, p.49.

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minúcias, tampouco preço e condições de pagamento. A forma,

como visto, é absolutamente livre, sendo suficiente que se prove

a existência do liame das partes entre si, o que gerará direitos e

as obrigações pertinentes.

Acerca do contrato sui generis Hildegard Taggesell Giostri124

leciona que:

Um contrato sui generis (ou inominado ou atípico) é aquele

contrato não disciplinado expressamente pela lei, mas que em

virtude das crescentes relações humanas tem sido permitido, se

lícito o seu objeto, para que produza efeitos no mundo jurídico,

tutelando-se, dessa maneira, a iniciativa da autonomia privada.

Em que pese o entendimento supra, deve-se atentar em relação

a iniciativa da autonomia privada em hipótese de cláusula de não indenizar, pois,

seria válida renúncia ao exercício de qualquer ação civil de responsabilidade?

Conforme lição de Aguiar Dias observa-se a impossibilidade de

validade desta cláusula.

A responsabilidade médica nasce de erro manifesto. Daí decorre

que o médico, em certo grau, já goza de uma cláusula tácita de

irresponsabilidade, na proporção da margem de erro tolerada

pela imperfeição da própria ciência. Portanto, onde se poderia

convencioná-la, ela já existe – e fora daí se verifica absoluta

impossibilidade, pelo respeito devido ao ser humano.

No mesmo sentido é a argumentação utilizada pelos tribunais

franceses, segundo o Ilustre doutrinador Carlos Maria Romeo Casabona ao expor

que:

Argumentam que a responsabilidade civil médica se fundamenta

no prejuízo causado à saúde ou integridade corporal do paciente,

e o direito à incolumidade é irrenunciável, inclusive por seu

próprio titular (2)

Dessa forma, observa-se que no caso de atividade médica a

situação é suficientemente delicada, pois o contrato firmado gira em torno de

124 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico:à luz da jurisprudência comentada, p.59.

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posições que divergem frontalmente uma da outra, sendo que se tem por objetivo

a recuperação da saúde, direito individual indisponível. Tão logo, demonstra-se

inviável qualquer convenção com tendência no livramento antecipado de médico

ou estabelecimento hospitalar dos efeitos da responsabilidade civil.125

Diante da chegada do CDC126 é possível observar que o art.25

do referido codex também faz alusão quanto a inaplicabilidade desta cláusula de

não indenização ao determinar que é vedada a estipulação contratual de cláusula

que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e

nas seções anteriores.

Há ainda outras particularidades, as quais conforme lição de

Hildegard Taggesell Giostri127 são: intuito personae, rescindível, contínuo,

obrigações recíprocas, de cunho civil, forma livre e não verbal.

Assim, conclui-se que o contrato médico é: intuito personae, por

guardar relação com à seleção do médico pelo paciente; rescindível, pois é

permitido ao facultativo desistir do mesmo livremente quando não causar prejuízo

ao paciente; contínuo, em razão do lapso temporal decorrente do diagnóstico e

tratamento; de obrigações recíprocas, pois geralmente oneroso, salvo quando

gratuito; da área civil, visto que o trabalho dos profissionais liberais é alheio ao

Direito mercantil; de forma livre e não verbal.

Estampadas as características básicas do contrato médico,

inicia-se estudo relativo aos direitos e deveres advindos desta relação.

3.1.3 Direitos e deveres do paciente

Sabe-se que os pacientes que sofrem qualquer tipo de dano tem

a possibilidade de ingresso no judiciário por meio de demanda

125 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico, p.36. 126 Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90 127 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico:à luz da jurisprudência comentada, p.63, 64.

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reparatória/indenizatória, no intuito de se encontrar em seu status quo ante ou

mesmo amenizar a dor, angústia, sofrimento advindos do ilícito praticado.

Contudo, sem falar nessa possibilidade, compete registrar que o

paciente é também detentor de outras prerrogativas.

Acerca do assunto extrai-se da obra de Miguel Kfouri Neto128 a

lição do médico Ernst Christian Gauderer, o qual leciona que o paciente tem

direito de (%) obter todas as informações sobre seu caso, em letra legível, e

cópias de sua documentação médica: prontuários, exames laboratoriais, raios X,

anotações de enfermagem, laudos diversos, avaliações psicológicas, etc.

A lição do ilustre médico é plenamente válida, até porque, a

recusa no fornecimento de tais informações é contrária a regra esculpida no art.

72 do CDC129, senão vejamos:

Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às

informações que sobre ele constem em cadastros, banco de

dados, fichas e registros:

Pena Detenção de seis meses a um ano ou multa.

Além disso, destaca-se que o facultativo não pode negar o direito

do paciente, cônjuge ou filhos quanto a gravação ou filmagem dos atos médicos

que lhe recaiam.130

No que toca ao deveres do paciente, verifica-se que o mesmo

tem obrigação de realizar o pagamento de remuneração ajustada ou que

corresponda aos préstimos ofertados,131 com realização direta ou indireta (via

plano de saúde ou previdência social). A não ocorrência desta contraprestação

128 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.31. 129 Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor. 130 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.31. 131 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico, p.50.

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ocasionará a resilição do contrato, podendo o médico abster-se de continuar a

obrigação pactuada.132

No atual estágio de desenvolvimento da medicina, as cirurgias

plásticas tem realizado verdadeiros “milagres”, contudo, em determinadas

ocasiões o alcance psicológico do defeito físico do paciente (que pode ser ínfimo)

é tamanho, que nenhum cirurgião plástico realizará intervenção que alcance

resultado satisfatório ao paciente, visto que a prática tem comprovado que

algumas pessoas que procuram um cirurgião plástico deveriam antes passar com

um psicólogo ou psiquiatra.133

Isso demonstra a grande necessidade do paciente no

recebimento de ampla informação acerca do procedimento que irá realizar em seu

corpo, bem como todas as possibilidades de ocorrências indesejáveis, ou seja,

dos riscos inerentes a todo procedimento cirúrgico. Por fim, deve ser também

informado acerca de que sua participação no resultado final é importante e pode

até ser decisiva.134

É de grande relevância ao facultativo que o paciente exare seu

Consentimento Informado para fins de comprovação, pois este demonstrará as

informações concedidas, visto que em caso de insucesso e posterior demanda

judicial, este documento poderá ser de grande valia para sua defesa.135

Porquanto, a análise conjunta e atenta de médico e paciente

quanto a razoabilidade, risco e vantagem oferecida, bem como, a estreita e

sincera relação entre estes é fundamental na realização do procedimento e

consequente sucesso do resultado final. Isso porque, na modalidade de cirurgia

plástica a responsabilidade do médico é agravada, cabendo este dever ao

132 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.31. 133 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico:à luz da jurisprudência comentada, p.116, 117. 134 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico:à luz da jurisprudência comentada, p.116, 117. 135 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico:à luz da jurisprudência comentada, p.116, 117.

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mesmo, no sentido de verificar a real necessidade de intervenção e eventual

negativa quanto sua realização.

3.2 CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA X REPARADORA

As cirurgias plásticas são conhecidas por serem atreladas as

obrigações de resultado, sendo as mesmas corretamente analisadas sob tal

perspectiva, porém, não se pode estender este entendimento como unânime,

visto que nos procedimentos cirúrgicos plásticos também há espaço para

obrigações de meio.

Acerca do tema, Fabrício Zamprogna Matielo136 explica que a

origem da distinção reside na diversidade de motivos e causas que levam à

cirurgia plástica, bem como aos variados fins buscados através dela.

Porém, para melhor se visualizar os aspectos que norteiam

essas modalidades de cirurgias, primeiramente, há necessidade de observação

de sua progressão no decorrer dos tempos.

De acordo com os registros históricos a cirurgia plástica tem

suas raízes assentadas há milênios, pelas mãos de artesãos indianos.137

Nas civilizações antigas as mais variadas atrocidades eram

praticadas por reis ou até mesmo em virtude de lei. As mutilações a que esse

povo era submetido eram supostamente corrigidas pelas mãos dos artífices da

Índia.138

Já na sociedade moderna as guerras foram de fator

fundamental para compreensão do significado e desenvolvimento de técnicas

136 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico, p.62. 137 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico:à luz da jurisprudência comentada, p.114. 138 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico:à luz da jurisprudência comentada, p.114.

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como tentativa de readaptação funcional dos feridos em campo de batalha,

principalmente dos traumatismos de face.139

Ocorre que com o avanço da medicina e advento de novas

técnicas para os procedimentos cirúrgicos plásticos, o intento anterior de

recuperação de mutilados alcançou estágio que atualmente também ampara

aqueles que pretendem corrigir imperfeições da natureza, ou seja, a cirurgia

plástica deixou de ser meramente reparatória e passou a também ser estética, eis

que essa segunda modalidade visa apenas o modelo “ideal” de beleza.

Dessa forma, observa-se clara necessidade de verificação da

modalidade de intervenção cirúrgica a que o paciente será submetido, visto que a

divisão entre cirurgia plástica estética e reparadora ou terapêutica é fundamental

para se averiguar as respectivas obrigações a que o cirurgião estará sujeito.

Nesse norte, Miguel Kfouri Neto140 leciona que a cirurgia

plástica estética, hipótese em que o paciente visa um modelo ideal de beleza

estética, o médico se obriga a um resultado determinado e se submete a

presunção de culpa correspondente e ao ônus da prova para eximir-se da

responsabilidade pelo dano eventualmente decorrente da intervenção.

Por outro lado, em se tratando de procedimento cirúrgico de

natureza reparatória, o ilustre doutrinador141 explica que se a cirurgia tiver por

finalidade a reparação de graves defeitos – causados por acidentes de automóvel,

do trabalho, queimaduras – é induvidosa a caracterização da obrigação de meios.

Em que pese o ensinamento supra, é de grande relevância

expor que as cirurgias plásticas de cunho meramente estético tem como objetivo

um fim determinado, concreto e perfeitamente definido em seus caracteres,

contudo, não se pode pôr como ausência de cumprimento ao avençado o mero

descontentamento do paciente quanto ao resultado final, motivo pelo qual, há que

se sopesar a existência ou não de dano, devendo ainda imperar o bom senso

139 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico:à luz da jurisprudência comentada, p.115. 140 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.182. 141 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.183.

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antes da proposição de demanda com vistas à recomposição do que se tem por

dano.142

Contudo, impende ressaltar que nos casos em que clínicas

bem equipadas com computadores que constroem digitalmente os traços do

paciente e apresentam sua alteração do resultado final (pós-cirugia), o cirurgião

plástico assumi a obrigação de dar vida ao esboço apresentado, podendo o

paciente buscar reparação de danos em hipótese de não cumprimento ao

resultado inicialmente apresentado, ainda que em decorrência da cirurgia este

não apresente qualquer espécie de debilidade orgânica ou funcional.143

Assim, excetuando a possibilidade supra não há que se falar

em reparação de danos se em decorrência da cirurgia não sobrevierem

alterações acentuadas do resultado previsto, em que o paciente fique menos

esbelto do que era antes do procedimento cirúrgico ou ainda apresente quaisquer

tipos de disfunções.144

Nesse norte, Tereza Ancona Lopes145 complementa o

ensinamento supra ao expor que:

Quando alguém, que está muito bem de saúde, procura um

médico somente para melhorar algum aspecto seu, que

considera desagradável, quer exatamente esse resultado, não

apenas que aquele profissional desempenhe seu trabalho com

diligência e conhecimento científico, caso contrário, não

adiantaria arriscar-se e gastar dinheiro por nada. Em outras

palavras, ninguém se submete a uma operação plástica se não

for para obter um determinado resultado, isto é, a melhoria de

uma situação que pode ser, até aquele momento, motivo de

tristezas.

142 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico, p.63, 64. 143 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico, p.64, 65. 144 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico, p.65. 145 LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético, p. 91.

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No que tange a modalidade de cirurgia plástica reparadora ou

terapêutica deve-se apresentar o argumento de que esta é utilizada para

recuperação do paciente, o qual em decorrência de fatores alheios a sua vontade,

tais como queimaduras e acidentes de quaisquer espécies, sofre alterações

físicas externas, como deformidades e alterações funcionais.

Essa modalidade de cirurgia plástica não se origina da vaidade,

caprichos ou de exigência psicológicas do paciente, mas sim da necessidade de

devolução ao mesmo de suas características suprimidas por episódio lesivo ou,

ao menos, de minimização das consequências deste, mediante redução dos

efeitos de sequela.146

Os procedimentos cirúrgicos plásticos reparadores ou

terapêuticos vão contra aos aspectos da modalidade dos procedimentos

cirúrgicos plásticos estéticos, pois inexiste nesta um dever de resultado, visto que

esta modalidade compele o cirurgião aos meios, devendo este aplicar toda

diligência, conhecimento, destreza e equipamentos que estiverem ao seu dispor

para realizar a melhor recuperação possível do paciente.147

O entendimento de Tereza Ancona Lopes148 é que somente a

cirurgia plástica estética merece tratamento como obrigação de resultado, pois

(%) a plástica reparadora é considerada tão necessária quanto qualquer outra

operação, tendo da mesma forma finalidades terapêuticas como nos casos, por

exemplo de queimaduras deformantes.

Essa opinião também é partilhada por Hildegard Taggesell

Giostri149 ao expor que as obrigações do clínico geral, do cirurgião e do cirurgião

plástico reparador, são, coerentemente, consideradas como sendo de “meio”.

Diante das perspectivas apresentadas conclui-se que os

procedimentos plásticos reparadores estão unidos à idéia de que se deve fazer

146 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico, p.66. 147 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico, p.67. 148 LOPEZ Tereza Ancona. O dano estético, p. 91. 149 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico:à luz da jurisprudência comentada, p.117.

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todo o possível dentro das possibilidades para se obter o melhor resultado,

enquanto que os procedimentos plásticos estéticos não almejam somente a

aplicação de todos os recursos, mas sim o resultado final pretendido dentro dos

parâmetros aceitáveis.

3.3 DANO MORAL

Conforme anteriormente citado no capítulo 1, o dano (damnum) é

o elemento caracterizador da ocorrência de prejuízo à outrem, sendo o mesmo de

ordem moral quando invade o campo da intimidade individual.

O dano moral é amparado pela CRFB/88150 ao firmar em seu art.

5º, inciso X, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem

das pessoas, assegurando o direito de indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor151 há

também dever de reparação dos prejuízos de ordem moral, conforme preceito

estabelecido em seu art. 6º, inciso VI, sendo ainda, mais recentemente o presente

instituto agasalhado nos termos art. 186 do Código Civil152, senão vejamos,

respectivamente:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e

morais, individuais, coletivos e difusos;

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência

ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que

exclusivamente moral, comete ato ilícito.

150 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 151 Lei 8.078/90 152 Lei 10.406/02

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Abstrai-se do ensinamento de Carlos Alberto Bittar153 quanto ao

dano moral que o mesmo se configura como:

morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do

plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o

fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os

aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade

e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa

no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração

social)

De tal forma, conclui-se como dano moral o prejuízo causado ao

íntimo da pessoa humana, o qual não possui valoração econômica, motivo pelo

qual, se verifica que estes são unicamente de origem extrapatrimonial.

O entendimento supra é corroborado pela lição de Yussef Said

Cahali154 apud Orlando Gomes, o qual entende que:

a expressão dano moral deve ser reservada exclusivamente para

designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. Se

há consequências de ordem patrimonial, ainda que mediante

repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial.

No mesmo norte é o entendimento aplicado por Tereza Ancona

Lopez155 apud Wilson Melo da Silva ao expor que (%) os danos morais ou são

puros ou não são danos morais, pois os reflexos patrimoniais dos danos morais,

ou danos morais indiretos, não passam de danos materiais comuns.

Porquanto se deve atentar ao fato de que o dano moral advém

somente de questões relativas a psique e ideal da pessoa humana, pois decorre

de prejuízo ou lesão de direitos da personalidade.

153 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. atual. Eduardo Calos Bianca Bittar, 3ª ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo, Ed. RT, 1999, p. 45. 154 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. rev., ampl. e atual. conforme código civil de 2002. São Paulo, Ed. RT, 2005. p. 22. 155 LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético, p. 21.

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Isso porque, no âmbito civil, para fins dos danos morais, são

exclusivamente os direitos de personalidade, pois não falar em direitos da

personalidade significa buscar amparo nos direitos materiais.156

Os direitos de personalidade segundo Pablo Stolze Gagliano157

apud Rodolfo Pamplona Filho são: o direito à vida; à integridade física (direito ao

corpo e à voz); à integridade psíquica (liberdade, pensamento, criações

intelectuais, privacidade e segredo) e à integridade moral (honra, imagem e

identidade).

Sob ponto de vista mais aprofundado, a doutrinadora Tereza

Ancona Lopes158 salienta a existência de três espécies de dano moral, quais

sejam: (a) danos morais objetivos; (b) danos morais subjetivos; (c) danos morais à

imagem social.

(a) são aqueles que ofendem os direitos da pessoa tanto no seu

aspecto privado, ou seja, nos seus direitos da personalidade

(direito à integridade física), quanto no seu aspecto público

(direito à vida, liberdade), assim como nos direitos de família; (b)

é o pretium doloris (preço da dor) propriamente dito, pois a

pessoa foi ofendida em seus valores íntimos, como na hipótese

de pais que sofrem pela perda do filho. Esse tipo de sofrimento

integra e é absorvido pelos danos morais à pessoa, mas podem

se constituir em dano autônomo, quando somente a dor está

sendo objeto de reparação; (c) nessa espécie de dano a

constituição não se refere ao aspecto físico da pessoa, mas à sua

dimensão ética perante a coletividade. É a imagem social que se

diferencia do direito à própria imagem, este um dos direitos da

personalidade e que muitos autores correlacionam ora ao direito

à intimidade, ora ao direito à honra; este é o direito de não ver

reproduzida nem desrespeitada sua imagem física.

Assim, verifica-se que os danos morais não são apenas advindos

da violação aos direitos da pessoa (dano moral objetivo), mas também da ofensa

156 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos Morais e Direitos de Personalidade, Rio de Janeiro, ed. Forense, 2002, p. 365. 157 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III : responsabilidade civil, p.44. 158 LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético, p. 24, 25.

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aos seus valores íntimos (dano moral subjetivo), bem como da diferenciação

decorrente de prejuízo a sua imagem e reputação perante o meio social. (dano

moral à imagem social).

3.4 DANO ESTÉTICO

A estética se origina de área da ciência que tem como objetivo

analisar os conceitos de beleza praticados e suas manifestações na arte e na

natureza, derivando esta do grego aisrhesis que significa sensação.159

O conceito de estética idealizado por Aristóteles tem como

princípio a ciência prática ou normativa que dá regras ao fazer humano sob o

aspecto do belo.160

Dessa forma, pode-se inferir que o dano estético está

intimamente ligado ao prejuízo causado ao aspecto da beleza, ou seja, havendo

alterações físicas que impliquem em uma aparência desagradável em relação ao

que o indivíduo era antes, há dano estético.

Acerca do tema, é a lição de Maria Helena Diniz161:

O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que,

além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações,

marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob

qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa

simples lesão desgostante ou num permanente motivo de

exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo

ou não influência sobre sua capacidade laborativa.

De modo mais abrangente se mostra essencial a apresentação

do ensinamento oferecido por Christiano Almeida do Valle162:

159 LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético, p. 37. 160 LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético, p. 37. 161 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, v.7, responsabilidade civil, p.83.

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Não é possível enumerar todos os atentados que podem ser

feitos à estética dos homens e das mulheres. Seria preciso, para

isto, escrever um dos capítulos da miséria humana; cicatrizes de

todas as naturezas e todas as origens, no rosto e em outras

partes do corpo, deformação de um órgão (por exemplo: do nariz,

da boca, da orelha, da arcada superciliar); aparição de tumores,

de crostas, de colorações etc., na superfície da pele; perda dos

cabelos, das sobrancelhas, dos cílios, dos dentes ou de um

órgão qualquer. Essas ofensas serão tanto mais graves quando

feitas a uma parte do corpo que fica geralmente desnuda. Mas

será preciso encarar cada caso particular; o caso da dançarina

profissional, que dança quase nua; o caso da mulher mundana

que usa roupas decotadas, o caso da jovem que frequentas as

praias elegantes, o caso do manequim que apresenta as últimas

novidades (2) o atentado à estética será tanto mais grave quanto

mais bela for a vítima.

O dano estético pode também resultar de um atentado à voz ou à

faculdade de se mover; a vítima, que possuía uma voz quente e

sedutora, não tem mais, em consequência das lesões, do que

uma voz estridente; a vítima, que se movia com graça, não pode

mais fazer senão movimentos irregulares e sacudidos.

Há que se ressaltar a necessidade de que quaisquer alterações

estéticas ensejadoras de suposto prejuízo a vítima devam ser permanentes, eis

que indispensável a constante “aparência” da lesão para configuração do aludido

dano, logo, tem-se que a avaliação do prejuízo estético deve ocorrer na

oportunidade do julgamento ou mais próximo possível, eis que as eventuais

alterações estéticas podem ser minimizadas com o tempo.163

De tal forma, entende-se o dano estético como sendo uma

modalidade de dano moral (objetivo) em que há qualquer tipo de alteração

fisiológica permanente, na qual o indivíduo fica sujeito ao perecimento de suas

qualidades físicas originais.

162 VALLE, Christiano Almeida do. Dano Moral. Rio de Janeiro, Ed. AIDE, 1996, p. 106,

107.

163 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.105.

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3.5 CUMULAÇÃO DO DANO ESTÉTICO E MORAL

Durante longa data se preveu a impossibilidade de cumulação do

dano estético e moral, pois prevalecia no ordenamento pátrio o interesse

patrimonialista com predomínio de posições vulgarmente econômicas e produtiva

do ser humano, com entendimento no norte de não ser indenizável o dano moral

resultante da ofensa à integridade física do indivíduo (dano estético), na hipótese

de inexistência de reflexos patrimoniais.164

Contudo, diante de grande controvérsia em torno da cumulação

ou não-cumulação dos aludidos danos, se observa que ao longo dos anos houve

clara evolução sobre o assunto no sentido reconhecer tal possibilidade.

Isso porque, conforme adverte Tereza Ancona Lopez165:

(2) o dano deformante à integridade física não é igual a qualquer

outro tipo de dano moral; é, sem dúvida, a mais grave e mais

violenta das lesões à pessoa, porque, além de gerar sofrimento

pela transformação física (dano moral objetivo), o que não

precisa ser provado porque ninguém duvida das tristezas e

humilhações pelas quais passa uma pessoa que, por exemplo,

perdeu uma perna, gera outro dano moral, que ao primeiro se

soma, que é o dano moral à imagem social

Em análise mais aprofundada é possível observar que a

cumulação de danos estéticos e morais têm aparência de bis in idem, porém, a

jurisprudência pátria tem aceitado esta cumulação em razão de serem arbitradas

por diferentes títulos, ou seja, uma pelo dano estético como grave deformação

física e outra pelas tristezas e sofrimentos interiores que acompanharão o ser

vitimado para sempre.166

Acerca do assunto, leciona Yussef Said Cahali167:

164 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, p.250. 165 LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético, p. 125.

166 LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético, p. 126. 167 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, p.256.

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(2) todo dano estético, na sua amplitude conceitual, representa

um dano moral, devendo como tal ser indenizado; mas o dano

moral consequente das lesões à integridade físico-psíquica do

ofendido não se exaure nas repercussões do dano estético

vinculado à deformidade permanente.

Segundo a doutrinadora Tereza Ancona Lopez168 a resolução

desta discussão pode ser verificada da seguinte forma:

Pensamos que essa celeuma pretoriana poderá ser resolvida (2)

sempre no intuito de melhor proteger a vítima do dano e

continuando a admitir a cumulação dos dois tipos de dano moral

(2). Dessa forma, a base legal para admissão da cumulação do

dano moral e do dano estético é o art. 5º, V, da nossa Carta

Magna, pois a referida norma constitucional admite reparação

para três tipos de danos: o material, o moral e o dano à imagem.

(2) não se trata do direito à própria imagem no sentido estrito

(que proíbe reproduções não autorizadas das pessoas), mas da

imagem com valor ético, que inclui o respeito e aceitação social.

(2) Dessa forma, não só é possível, mas principalmente justa, a

cumulação do dano estético com o dano moral por serem dois

tipos diferentes de danos à pessoa, ou seja, atingem bens

jurídicos diferentes.

No mesmo sentido é o entendimento apresentado por Yussef

Said Cahali169:

Reconhecidamente, a jurisprudência vinha se consolidando no

sentido de que o dano estético, como algo distinto do dano moral,

pode determinar, em certas circunstâncias, eventual cumulação

dos danos indenizáveis.

Na realidade, não mais haveria espaço para qualquer discussão

a respeito diante da reiterada jurisprudência do Superior Tribunal

de Justiça, com eficácia de verdadeira Súmula, no sentido de que

“é perfeitamente possível a cumulação de pedidos indenizatórios

da dano moral e estético, ainda que derivados do mesmo fato,

desde que passíveis de apuração em separado.

168 LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético, p. 126. 169 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, p.259.

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Tão logo, conclui-se que a pessoa submetida ao dano estético é

compelida também aos efeitos do dano moral, contudo, quando possível análise

de forma autônoma, pois nessa hipótese se observa que além dos prejuízos

“visuais” (estéticos) da pessoa, esta de igual forma sofre com prejuízos psíquicos

decorrentes de sua anômala interação no contexto social, a qual resta deteriorada

em razão dos complexos, discriminação e rejeição daqueles menos comovidos

com a postura atinente a solidariedade humana.

3.6 DANO POR RICOCHETE

Esta espécie de dano tem base no Direito Francês e decorre de

fato que abala terceiro ligado a vítima atingida pelo ato danoso.

O doutrinador Pablo Stolze Gagliano170 conceitua a presente

espécie como o dano que consiste no prejuízo que atinge reflexamente pessoa

próxima, ligada à vítima direta da atuação ilícita.

Por sua vez, Tereza Ancona Lopez apud Sérgio Severo

conceitua o dano por ricochete com aquele que:

(2) consiste na repercussão de um dano sofrido por outra

pessoa. Em outras palavras, dano por ricochete é aquele que tem

por fato gerador a lesão ao interesse de terceira pessoa; é uma

consequência do evento danoso.

Diante das argumentações expostas por ocasião do título dano

moral (item 3.4), observa-se que a presente modalidade de dano está ligada a

espécie de dano moral subjetivo, pois relacionado ao íntimo da pessoa,

oportunidade em que se busca reparação da dor, tristeza, daquele ligado à vítima

do ilícito.

Nessa vereda é o entendimento aplicado por Tereza Ancona

Lopez171:

170 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol III : responsabilidade civil, p.45.

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O dano por ricochete é sempre dano moral subjetivo, ou seja,

indeniza-se o sofrimento, a tristeza, a dor d’alma daquele que

perdeu ou mesmo viu um ente querido deformado, aleijado,

paraplégico em cadeira de rodas, enfim muito diferente do que

era antes de sofrer a desgraçada lesão.

No que toca ao aspecto processual relativo a legitimidade para

pleitear reparação de danos com base em ricochete, são válidos os

requerimentos formulados por indivíduo com grau de parentesco, os quais são

amparados pela presunção juris tantum, ou ainda, aqueles que possuíam ao

tempo do ilícito estreito grau de intimidade com a vítima, tais como noivos e

amigos íntimos, porém, estes devem comprovar os danos a que foram sujeitos.

Nessa senda, extrai-se da doutrina de Tereza Ancona Lopez172:

(2) todas as pessoas próximas que sofreram os reflexos

danosos têm legitimidade de agir por direito próprio, pois é dano

moral íntimo, é o pretium doloris na sua subespécie préjudice

d’affection, ou seja, prejuízo nas afeições ou afetos.

Há presunção juris tantum de dano moral para aqueles que têm

ligação de parentesco (pais e filhos ou vínculo (conjugal ou de

união estável). Outros terão de provar, como noivos ou amigos

íntimos. O momento do pedido é importante já que a dor passa

ou se ameniza com o tempo.

Na hipótese de pluralidade de vítimas, Carlos Alberto Bittar173

leciona que (%) a regra básica é a da plena autonomia do direito de cada lesado,

de sorte que, nas demandas do gênero se atribuem indenizações próprias e

individualizadas (%), como no exemplo de mulher e filho que caem em depressão

por causa de deformidade repugnante decorrente de plástica facial estética

realizada em marido ou pai.

Tão logo, conclui-se que há possibilidade de pleito por danos

morais em ricochete decorrente de dano estético sempre que houver deformidade

171 LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético, p. 114. 172 LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético, p. 115. 173 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais, p. 157.

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que implique em desgostos ou sofrimentos a pessoas próximas ou ligadas

intimamente à vítima do ilícito.

3.7 AVALIAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO DECORRENTE DE DANO

ESTÉTICO

Definida a existência da responsabilidade civil em razão de dano

estético, inicia-se a etapa de maior dificuldade para aqueles que visam reparação

indenizatória de cunho extrapatrimonial, qual seja, a apuração e definição do

quantum deabetur, na presente hipótese decorrente de dano estético.

Conforme exposto no item 3.4 (dano estético), a avaliação de

quantum decorrente de dano estético deve ser efetuada o mais tardiamente

possível, visto que determinadas lesões podem desaparecer com o passar do

tempo.

Esse é o entendimento aplicado por Miguel Kfouri Neto174 ao

expor que a avaliação do dano estético deve ser feita por ocasião do julgamento,

o mais tarde possível. A cicatriz, a deformidade, podem atenuar-se.

No processamento desta avaliação deve ser observada a

extensão dos danos, a localização, a possibilidade completa (ou parcial) de

remoção, as características pessoais da vítima (sexo, idade, profissão, estado

civil, etc) e as restrições de ordem pessoal decorrentes da irreparabilidade da

lesão (alijar-se do convívio social, dado o aspecto repugnante do ferimento).175

Por sua vez, Yussef Said Cahali176 enumera circunstâncias que

tendem auxiliar o Magistrado em seu arbitramento, bem como a vítima na busca

por uma fixação justa:

174 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.105. 175 KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade civil do medico, p.105. 176 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, p.259.

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1º) A natureza da lesão e a extensão do dano: Considera-se a

natureza da lesão, a extensão do dano físico, como causador do

sofrimento, da tristeza, da dor moral vivenciados pelo infortúnio.

2º) Condições pessoais do ofendido: Consideram-se as

condições pessoais do ofendido, antes e depois da ofensa à sua

integridade corporal, tendo em vista as repercussões imediatas

que a deformação lhe acarreta em suas novas condições de vida.

3º) Condições pessoais do responsável: Devem ser consideradas

as possibilidades econômicas do ofensor, no sentido de sua

capacidade para o adimplemento da prestação ser fixada.

4º) Equidade, cautela e prudência: A indenização dever ser

arbitrada pelo juiz com precaução e cautela, de modo a não

proporcionar enriquecimento sem justa causa da vítima

5º) Gravidade da culpa: Especialmente em sede de reparação de

danos extrapatrimoniais, o grau de culpa com que se houve o

causador do prejuízo deve ser levado em consideração (2)

6º) Arbitramento em função da natureza e finalidade da

indenização: tratando-se de danos extrapatrimoniais, a

indenização tem finalidade reparatória, à diferença do

ressarcimento que ocorre no caso de danos patrimoniais.

Utilizando-se dos critérios lecionados pela doutrina pátria aliada as

normas estabelecidas nos arts. 949 e 950 do Código Civil177 infere-se que diante

de má realização de cirurgia plástica deve o responsável pelo ilícito arcar

integralmente com os gastos advindos da recuperação da vítima no sentido de

minimizar ou anular os efeitos do dano (dano estético). Isso sem falar nos

aspectos psíquicos (danos morais) e laborais (lucros cessantes), estes últimos

decorrentes da sua convalescença, senão vejamos:

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor

indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros

cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro

prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não

possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a

177 Lei 10.406/02

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capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do

tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença,

incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para

que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a

indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Nessa linha é o entendimento aplicado por Fabrício Zamprogna

Matielo178 ao expor que:

Caso um médico seja demandado por erro em cirurgia plástica e

venha a ficar comprovado que realmente obrou com negligência,

imprudência ou imperícia, levando o paciente à adoção de

providências para a minimização do problema, terá que repor de

uma só vez todo o valor gasto por este na busca de recuperação

física, como por exemplo novas intervenções corretivas,

despesas com medicamentos, deslocamentos onerosos, etc. Isso

à evidência, sem adentrar os aspectos psíquicos (danos morais)

e a paralisação das atividades laborais durante o período de

recuperação (lucros cessantes) (2)

Dessa forma, conclui-se que embora não existam critérios

normatizados para avaliação integral do quantum decorrente de dano estético

(dano moral e material), a grande dificuldade que gira em torno do tema é

amenizada pela experiência doutrinária, a qual, aliada as normas civis em

vigência (dano material), apontam para determinados fatos e circunstâncias que

auxiliam na elucidação do caso concreto.

3.8 JURISPRUDÊNCIA

Em caráter exemplicativo, seguem julgados acerca do tema.

RESPONSABILIDADE POR ERRO MÉDICO.

O facultativo que, por imperícia, negligência ou dolo, submete o

paciente a tratamento do qual vem a resultar a necessidade de

sucessivas intervenções cirúrgicas é civilmente responsável pelos

178 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico, p.209.

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danos daí decorrentes, inclusive os de natureza estética (TJRS,

Rel. Des. Adroaldo Furtado Fabrício, RJTJRS 120/302.

RESPONSABILIDADE CIVIL – Danos físicos e estéticos

atribuídos a tratamento médico-cirúrgico inadequado – Culpa não

configurada.

Se o tratamento médico-cirúrgico ministrado ao paciente, embora

não ideal, era adequado à moléstia apresentada pelo paciente, e

revestido se apresentou das cautelas que se faziam recomendar,

e não havendo prova de ter-se, o profissional da medicina,

equivocado, por imprudência negligência ou imperícia, ao

ministrá-lo, não há se pretender configurado comportamento

culposo que implique responsabilidade civil, com obrigação de

indenizar. Ação indenizatória julgada improcedente em instância

inicial. Improvimento do apelo (TJRS – Rel. Des. Osvaldo

Stefanello – RJTJRGS 153/43)

No tocante ao entendimento acerca da natureza da relação

médico-paciente, verifica-se o presente julgado.

RESPONSABILIDADE CIVIL. Médico, cirurgia reparadora de

mamas.

Tanto faz tratar-se de obrigação de meio ou obrigação de

resultado; se as mamas da paciente continuam precisando de

reparos é porque foram mal reparadas. Daí responder o cirurgião

por perdas e danos, diante de sua responsabilidade contratual,

embora limitada (art. 389 CC) (Ap. Cível 2.984/86, 2ª CC. Rel.

Des. Sampaio Peres. TJRJ, j. em 30.09.1986)

Em relação as modalidades de cirurgia plástica, quais sejam,

estética e reparadora, colhem-se os seguintes entendimentos jurisprudenciais.

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO. CIRURGIA

PLÁSTICA DE NATUREZA ESTÉTICA. OBRIGAÇÃO MÉDICA

DE RESULTADO.

A cirurgia plástica de natureza meramente estética objetiva

embelezamento. Em tal hipótese o contrato médico-paciente é de

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resultado, não de meios. A prestação do serviço médico há que

corresponder ao resultado buscado pelo paciente e assumido

pelo profissional da medicina. Em sendo negativo esse resultado

ocorre presunção de culpa do profissional. Presunção só

afastada se fizer ele prova inequívoca tenha agido observando

estritamente os parâmetros científicos exigidos, decorrendo o

dano de caso fortuito ou força maior, ou que outra causa

exonerativa o tenha causado, mesmo desvinculada possa ser à

própria cirurgia ou posterior tratamento [2] (Ap. Cível 595 068

842. 6ª CC. Rel. Des. Oswaldo Stefanello. TJRS, j. em

10.10.1995).

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO –

PROCEDIMENTO CIRÚRGICO - MAMOPLASTIA REDUTORA -

APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

- DEMANDA AFORADA APENAS EM FACE DO MÉDICO -

PROFISSIONAL LIBERAL - TEORIA SUBJETIVA DA CULPA -

EXEGESE DA LEI N. 8.078/90, ART. 14, § 4º - CIRURGIA

REPARADORA - OBRIGAÇÃO DE MEIO - MÁ CICATRIZAÇÃO

- IMPERÍCIA DO MÉDICO NÃO CONFIGURADA -

RESPONSABILIDADE AFASTADA - DEVER DE INDENIZAR

AUSENTE.

I - Partindo do pressuposto de que o procedimento cirúrgico

relacionado à mamoplastia redutora possui caráter

eminentemente reparatório, tratando-se, destarte de obrigação

de meio, adota-se a teoria subjetiva (CDC, art. 14, §4º). Assim,

para responsabilização do médico frente às lesões sobrevindas

ao paciente em decorrência de cirurgia reparadora, indispensável

a comprovação da conduta culposa (negligência, imprudência ou

imperícia); o que não se verifica quando o profissional cercou-se

de todos os cuidados pré e pós operatório.

II - "1 - Segundo doutrina dominante, a relação entre médico e

paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias

plásticas embelezadoras), obrigação de meio e não de resultado.

2 - Em razão disso, no caso de danos e seqüelas porventura

decorrentes da ação do médico, imprescindível se apresenta a

demonstração de culpa do profissional, sendo descabida

presumi-la à guisa de responsabilidade objetiva. 3 - Inteligência

dos arts. 159 e 1545 do Código Civil de 1916 e do art. 14, § 4º do

Código de Defesa do Consumidor.4 - Recurso especial conhecido

e provido para restabelecer a sentença." (AgRg. no REsp. n.

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196.306/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 03.08.2004)".

(Ap. Cív. nº 2006.043590-2, de São Miguel do Oeste, 3ª CC. Rel.

Des. Salete Silva Sommariva, j. em 20/03/2007)

No que toca a cumulação dos danos morais e estéticos, colhe-se

o seguinte entendimento do STJ:

CIVIL. DANOS ESTÉTICOS E MORAIS. CUMULAÇÃO.

Os danos estéticos devem ser indenizados independentemente

do ressarcimento dos danos morais, sempre que tiverem causa

autônoma. Recurso especial conhecido e provido. (RESP.

2003/0053679-9, Rel. Min. Ari Pargendler, Terceira Turma, j. em

29.11.2007)

Assim, tendo sido realizadas todas as explanações inerentes aos

tópicos pesquisados no estudo sobre a responsabilidade civil do cirurgião plástico,

encerra-se o presente trabalho acadêmico, porém, com a certeza de que o

assunto não se esgota, restando muito ainda a pesquisar em futuros trabalhos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da

legislação e da doutrina, as teorias da responsabilidade civil, com foco nas

relações decorrentes da atividade médica plástica

O interesse pelo tema deu-se em razão de sua atualidade e

divergências encontradas em âmbito nacional.

Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido em três

capítulos, tratando entre eles da responsabilidade civil e da responsabilidade civil

do médico e por fim, da responsabilidade civil do cirurgião plástico.

No primeiro capítulo, observou-se as espécies de

responsabilidade civil de modo geral, iniciando com introdução ao tema citado,

onde se pode concluir que o mesmo é parte integrante do direito obrigacional e

decorrente do modo que o agente realiza sua conduta perante uma obrigação ou

dever, sendo seu fundamento o descumprimento de relação de obrigação que lhe

impunha dever de reparação de danos.

Ainda no aludido capítulo, verificou-se que são quatro os

pressupostos da responsabilidade civil bem como suas espécies, quais sejam: a

conduta humana, decorrente da ação ou omissão do agente, a culpa ou dolo, o

nexo causal e a teoria acerca do risco da atividade, sendo suas espécies: 1 –

objetiva; 2 – subjetiva; 3 – contratual; 4 – aquiliana ou extracontratual.

Na primeira espécie concluiu-se se apenas necessário firmar a

ligação entre a conduta originadora do dano e a conduta humana realizada pelo

agente responsável pela obrigação independente de culpa, conforme determinado

em lei ou ainda quando a atividade do autor implicar em risco aos direitos de

terceiro. Na segunda espécie, inferiu-se que o sujeito ativo da relação de

obrigação responde por danos causados com base na teoria da culpa, sendo este

o elemento caracterizador do dever de reparação. Assim, somente recai o dever

de reparação ao agente causador do dano, quando este tiver intenção de causar

o dano ou ainda, agir com imprudência, imperícia ou negligência.

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Na terceira espécie, se deduziu pelo raciocínio que esta

responsabilidade nasce da quebra de negócio jurídico estabelecido entre partes

contratantes, de modo expresso ou tácito. Por fim, tirou-se por conclusão ser a

quarta espécie aquela que não há liame preexistente entre o causador do dano e

aquele que se sujeitou ao mesmo, estando o comportamento danoso sujeito as

normas jurídicas relacionadas as obrigações.

No segundo capítulo foram tecidas informações acerca dos

antecedentes históricos da atividade médica e seu dever de reparação frente a

um resultado danoso ao paciente, na qual se destacou o código de Hamurabi

como sendo o primeiro registro histórico que tratou o problema do erro médico.

Ainda, observou-se neste capítulo que a culpa do profissional da

medicina é comum em razão do brocardo neminen laedere e que sua análise

deve ser realizada observando: a natureza confidencial das relações médico-

paciente; o silêncio por parte daqueles que presenciaram ou participaram do ato

médico e o aspecto técnico da culpa médica.

No tocante a responsabilidade médica, estudou-se acerca das

obrigações de meio e resultado, as quais ficaram definidas como sendo: a

obrigação de meio aquela em que o profissional da medicina empenha todo seu

esforço, conhecimento e meios disponíveis para chegar ao resultado final, sem

contudo, ficar obrigado no resultado esperado, sendo Por outro lado, a obrigação

de resultado restou demonstrada como aquela que o facultativo fica sujeito ao

resultado final desejado pelo paciente.

No que toca as excludentes de responsabilidade, ponderou-se que

existem situações que embora o facultativo realize seu labor dentro dos

parâmetros normais, o resultado negativo não exerce poder sobre o dever de

reparação deste, quais sejam: o caso fortuito, a força maior ou culpa exclusiva da

vítima.

Ao final deste capítulo verificou-se a responsabilidade médica sob

o prisma do CDC, no qual restou consagrado que a atividade médica se enquadra

na relação de consumo normatizada pelo referido codex.

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No terceiro capítulo, examinou-se a responsabilidade civil do

cirurgião plástico, iniciando na relação médico-paciente onde restou assentado o

dever contratual desta com base no art. 951 do CC. Nesta oportunidade também

se advertiu sobre os direitos e deveres do paciente, onde foi possível atentar que

o mesmo tem direito a todas as informações que se referem a sua pessoa. Por

fim, concluiu-se pela invalidade da cláusula de não indenizar, em razão de ser

irrenunciável o direito de incolumidade.

A seguir, passou-se à análise das cirurgias plásticas estéticas e

reparadoras, onde se inferiu que a cirurgia estética é aquela onde o cirurgião fica

ligado ao resultado final pretendido pelo paciente, pois se concluiu que em razão

de não ter fins meramente terapêuticos o paciente não pode se sujeitar a tal

procedimento para piorar suas condições físicas. Na cirurgia reparadora, notou-se

que sua obrigação é ligada ao meio, visto que tem fim terapêutico, pois visa

reduzir sequelas já existentes no paciente.

Em relação aos danos restou comprovada a diferenciação entre os

danos morais e estéticos, sendo o dano moral aquele que decorre de prejuízo ou

lesão de direitos da personalidade, enquanto o dano estético está intimamente

ligado ao prejuízo causado ao aspecto da beleza. Também, comprovou-se a

possibilidade de cumulação destes danos quando possível sua avaliação

autônoma.

Após, demonstrou-se a possibilidade de reparação dos danos à

terceiros em razão do efeito gerado pelo ricochete, onde terceiros são

prejudicados pela ilicitude do ato danoso.

Ao final procedeu-se a apresentação dos critérios utilizados para

avaliação do quantum decorrente do dano estético, oportunidade que se verificou

não haver solução certa para avaliação, sendo que a mesma dever sempre ser

efetuada com prudência e bom senso de acordo com o caso concreto, tendo por

base apenas alguns direcionamentos para realização da referida análise.

Concluiu-se o presente trabalho com exposição de julgados de

caráter estadual e nacional acerca do tema.

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Por fim, e com base em todo o estudo realizado, retornam-se as

hipóteses levantadas para a presente pesquisa:

Primeira Hipótese: Na cirurgia plástica estética a obrigação do

cirurgião plástico é de resultado, decorrente da responsabilidade civil objetiva,

enquanto na cirurgia plástica reparadora a obrigação é de meio, em razão da

responsabilidade civil subjetiva. Logo, a definição da espécie de obrigação é

concomitante ao caso concreto.

Quanto a primeira hipótese, tem-se a mesma restou confirmada,

considerando que no direito brasileiro a existência da responsabilidade civil

objetiva e subjetiva possibilitam análise em relação a cirurgia estética

(responsabilidade objetiva) e cirurgia reparadora (responsabilidade subjetiva).

Segunda Hipótese: A relação firmada entre médico e paciente é

de caráter contratual, pois, mesmo que tacitamente, há entre eles, um acordo

bilateral de vontade.

Também, a segunda hipóteses restou confirmada, pois embora

atípico, há demonstração de acordo bilateral de vontade.

Terceira Hipótese: Em determinadas circunstâncias o alcance de

um defeito físico de proporções mínimas pode gerar no paciente enormes

confusões psicológicas, sendo que nessas ocasiões a dificuldade encontrada pelo

médico para atender as expectativas do paciente são imensas, embora este

utilize todos os recursos disponíveis na medicina, tão logo, o cirurgião deve

sempre ser diligente a fim de não incorrer em imperícia, imprudência ou

negligência, assim, isentando-se do resultado diverso do pretendido. Salienta-se

também não há responsabilidade do cirurgião plástico nas hipóteses de

excludentes de responsabilidade, quais sejam: o caso fortuito, a força maior ou

culpa exclusiva da vítima.

A comprovação desta hipótese se verificou justamente nas

excludentes de responsabilidade e no fato do facultativo ter o dever de empenhar

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toda sua diligência para atender o paciente da melhor forma possível, ou seja,

prudentemente e sem incorrer em prática imperita ou negligente.

Quarta Hipótese: A cumulação de danos advindos da realização

de procedimentos cirúrgicos plásticos, quais sejam, morais e estéticos subsiste

quando possível análise destes de forma autônoma.

A última hipótese restou comprovada em razão da possibilidade

de avaliação autônoma do dano estético e moral, visto que além dos prejuízos

“visuais” (estéticos) da pessoa, esta de igual forma sofre com prejuízos psíquicos

decorrentes de sua anômala interação no contexto social.

Diante das presentes hipóteses e argumentações apresentadas

no presente estudo foi possível observar que embora inicialmente cruel e

primitivo, o tema denominado responsabilidade civil ao logo dos anos esteve

presente para responsabilizar aqueles que utilizam sua atividade laboral, no

presente caso, a atividade cirúrgica plástica, de modo irresponsável, assim,

garantindo a sociedade aquele que é o seu bem mais precioso, a vida!

O método utilizado na fase de investigação foi o indutivo e na

fase do Relatório da Pesquisa também foi a base indutiva.

Foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, dos

conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica e do fichamento.

Finalmente observa-se que não houve a intenção por parte da

pesquisadora de esgotar o assunto, mas apresentar alguns elementos para a

discussão acerca da responsabilidade civil do cirurgião plástico, o qual

certamente permanecerá em debate e evoluindo com a sociedade.

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