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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO LUCIANA CADORE FOLETTO RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS TABAGISTAS E O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE CANOAS 2007

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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO

PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO

LUCIANA CADORE FOLETTO

RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS TABAGISTAS E

O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

CANOAS

2007

1

LUCIANA CADORE FOLETTO

RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS TABAGISTAS E

O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade Luterana do Brasil como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Direitos Fundamentais. Orientador: Dr. Luciano Benetti Timm.

CANOAS

2007

2

LUCIANA CADORE FOLETTO

RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS TABAGISTAS E

O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade Luterana do Brasil como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Direitos Fundamentais. Aprovada em: ____/____/______

____________________________________

Dr. Luciano Benetti Timm (Ulbra, Presidente e Orientador)

____________________________________ Dr. Eugênio Fachini

(PUCRS, Membro Externo)

_____________________________________ Dra. Elaine Herzheim Macedo

(Ulbra)

_____________________________________ Dr. Germano Schwartz

(Ulbra)

3

Aos meus pais, Édio e Lúcia, não mais

que com justiça dedico esta vitória. Aos meus

irmãos e verdadeiros amigos, Élio e Daniel,

meu eterno reconhecimento. Obrigado por

existirem, sem o apoio de vocês nada teria sido

possível.

4

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Dr. Luciano Benetti

Timm, pelo estímulo e pela perene orientação.

Aos colegas do mestrado. Que período

gratificante na minha vida!Lembrarei de todos

sempre com muito carinho!

Aos meus primos Leandro e Elisa, pelo

apoio nos momentos difíceis e pela ajuda no

levantamento bibliográfico.

À minha vó Clementina, pela orientação

de vida, início de tudo.

A todos aqueles que de alguma forma

nestes dois anos fizeram parte da minha

história de vida e me ensinaram a crescer.

5

“Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no

dia que encontrares o Direito em conflito com

a Justiça, luta pela Justiça.”

(Eduardo Couture)

6

RESUMO O trabalho examina a responsabilidade civil das empresas tabagistas como importante mecanismo de implementação de um direito fundamental à saúde do consumidor de cigarros. Com este escopo, inicialmente, são apresentados alguns pontos teóricos sobre o direito fundamental à saúde que irão nortear a pesquisa. Em um segundo momento, é estudado o direito do consumidor como implementação do dirreito fundamental à saúde, sobretudo pela via da responsabilidade civil. Por fim, tomando-se por base o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, o qual objetiva redistribuir ou solidarizar o prejuízo sofrido pelo consumidor, é analisada a responsabilidade civil das empresas tabagistas, em razão destas comercializarem um produto perigoso, que pode causar vários danos à saúde do consumidor (verdadeiro direito fundamental), sem prestar informações suficientes e adequadas. Conclui-se desta forma, que é mediante sentença judicial favorável à responsabilização dessas empresas que o consumidor de cigarros terá a promoção de seus direitos e a reparação de seus prejuízos. Palavras-chave: Cigarro. Direito do consumidor. Direito fundamental à saúde. Empresas tabagistas. Responsabilidade civil.

7

ABSTRACT This paper analyses the civil responsibility of the tobacco companies as an important mechanism for the implementation of the cigarette consumer’s fundamental right to health. Based on this scope, at first, some theoretical aspects about the fundamental right to health, which will guide this research, are presented. After that, the consumer’s right as an implementation of the fundamental right to health, especially through civil responsibility, is also studied. At last, based on the article 12 of the Consumer’s Defense Code, which aims at redistributing or becoming solicitous with the damages suffered by the consumer, it is also analyzed the civil responsibility of the tobacco companies, since they commercialize a hazardous product which can cause several damages to the consumer’s health (the true fundamental right) without providing either sufficient or adequate information. It can be concluded that it is by means of a judicial sentence favorable to these companies’ responsibility that the consumer of cigarettes will have his rights served and the reparation of the damages. Key words: Cigarette. Consumer’s right. Fundamental right to health. Tobacco companies. Civil responsibility.

8

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 09 CAPÍTULO I – DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE ..................................... 1.1 O que é Direito Fundamental? ...................................................................................... 1.2 O Conceito de Saúde .................................................................................................... 1.3 A Natureza Jurídica do Direito Fundamental à Saúde .................................................. 1.4 O Tratamento Constitucional ........................................................................................ 1.5 Ações Judiciais que visam à Proteção ao Direito à Saúde ............................................ 1.6 Interligação entre o Direito à Saúde e o Direito do Consumidor .................................

15 15 20 31 41 55 65

CAPÍTULO II – O DIREITO DO CONSUMIDOR COMO IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE ................................................................. 2.1 Os Princípios Basilares da Boa-Fé, da Transparência e da Confiança ......................... 2.2 Circunstâncias Relevantes na Valoração da Segurança dos Produtos .......................... 2.3 Defeito e Vício .............................................................................................................. 2.4 A Publicidade Enganosa e Abusiva Segundo o Código de Defesa do Consumidor .... 2.5 O Ônus da Prova ...........................................................................................................

75 75 94

100 113 125

CAPÍTULO III – A EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE DO CONSUMIDOR DE CIGARROS ............................................................................ 3.1 A Responsabilidade Civil da Indústria Tabageira ........................................................ 3.2 Substâncias do Cigarro ................................................................................................. 3.3 Doenças Relacionadas ao Tabagismo ........................................................................... 3.4 Dos Danos Gerados pelo Consumo de Cigarros ...........................................................

135 135 164 176 186

CONCLUSÃO ...................................................................................................................

204

REFERÊNCIAS ................................................................................................................

208

9

INTRODUÇÃO

A questão da responsabilidade civil das empresas tabagistas no Brasil é ainda um tema

bastante polêmico e controverso, tanto na doutrina quanto na jurisprudência.

Existem vários posicionamentos nos tribunais brasileiros a favor e outros contra a

responsabilidade civil destas empresas no âmbito do Código de Defesa do Consumidor. Sendo

assim, o objetivo do presente trabalho é pesquisar por meio de uma metodologia dedutiva,

procurando-se a partir de certas premissas teóricas doutrinárias, estabelecer um tratamento

dogmático do tema em exame que atenda aos ditames da linha programática do Programa de

Pós-Graduação em Direito da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), que é relacionado

aos direitos fundamentais. Para tanto, utilizou-se uma pesquisa de revisão bibliográfica e

jurisprudencial para embasar o principal argumento defendido ao longo da pesquisa.

O argumento fundamental a ser defendido, neste diapasão, à luz das premissas teóricas

que serão desenvolvidas ao longo do trabalho, é o de que a responsabilidade civil da indústria

tabageira é importante mecanismo de implementação de um direito fundamental à saúde do

consumidor, pois prevê a reparação de danos à integridade física e moral dos consumidores

daquele produto.

Neste sentido, para alcançar o objetivo proposto pelo trabalho, fez-se necessário

enfrentar alguns questionamentos essenciais ao estudo do tema:

1. O que é direito fundamental? Qual o conceito de saúde explicitado na Constituição

Federal de 1988? Qual a natureza jurídica do direito fundamental à saúde? Como é o

tratamento constitucional de tal direito? Quais as ações que visam garantir este direito

fundamental? O cigarro infringe as normas relacionadas ao direito à saúde? Existe uma

interligação entre o direito à saúde e o direito do consumidor?

2. Quais são os princípios basilares que norteiam o Código de Defesa do Consumidor? Quais

as circunstâncias relevantes na valorização da segurança dos produtos? O que é produto

defeituoso? Como devem ser prestadas ao consumidor as informações referentes ao

produto comercializado? São as empresas tabagistas responsáveis por induzir o

consumidor por meio de uma publicidade enganosa e abusiva, iniciar o consumo de

cigarro? Como se dá o ônus da prova?

3. As empresas tabagistas devem ser responsabilizadas civilmente em razão de

comercializarem um produto altamente nocivo e perigoso à saúde do consumidor, que lhes

10

geram danos, tanto patrimoniais quanto morais e estéticos, sem prestar-lhe as devidas

informações exigidas pelo Código de Defesa do Consumidor? Como devem agir os

membros do Poder Judiciário nas decisões que envolvam o direito fundamental à saúde,

visto que a nossa Carta Magna assegura este direito a todo cidadão, associado-o à

qualidade de vida digna e saudável?

Portanto, no primeiro capítulo serão analisados alguns pontos teóricos que irão nortear

a presente pesquisa. Parte-se de princípio, do conceito de direito fundamental, analisando

neste contexto, a classificação dos direitos fundamentais em direitos fundamentais

internacionais, supranacionais e nacionais. Assim, serão estudados também, as concepções ou

conceitos que estes direitos possuem (formal, procedimental e material), visando-se

diferenciar aqui, os direitos fundamentais dos direitos humanos.

Feito isto, analisar-se-á o direito fundamental à saúde, procurando desta forma,

trabalhar o contexto histórico do conceito de saúde, desde a Antigüidade até os dias atuais, em

que se associa saúde à qualidade de vida. Buscar-se-á neste momento, demonstrar que o

cigarro infringe frontalmente tanto o conceito de saúde quanto o de qualidade de vida.

Ressaltar-se-á as gerações de direito, estudando-se aqui os direitos fundamentais de

primeira geração em que se encontram os direitos fundamentais referentes à liberdade, os

direitos fundamentais de segunda geração ou os chamados direitos sociais, os direitos

fundamentais de terceira geração em que se elencam os direitos de solidariedade ou direitos

coletivos e os direitos de quarta e quinta geração, defendidos por alguns doutrinadores

atualmente. Defender-se-á que o direito fundamental à saúde compreende todas as gerações

de direito, sem que uma anule a outra em razão da qualidade de vida abranger a todas elas.

Será estudado ainda, o tratamento constitucional desprendido ao direito à saúde,

demonstrando-se que a incorporação constitucional deste direito ocorreu de forma lenta e foi

marcada por vários protestos e acontecimentos políticos e sociais. Analisar-se-á o direito à

saúde na Constituição do Império de 1824, na Constituição Republicana de 1891, na

Constituição de 1934, na Constituição de 1937, na Constituição de 1967 e na Constituição de

1988, na qual o direito à saúde passou a ser mencionado explicitamente. Será destacado que

por meio do art. 196 da CF/88, a saúde caracteriza-se como um direito de todos e dever do

Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de

doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua

promoção, proteção e recuperação. Salientar-se-á aqui novamente que o cigarro afronta

também os dispositivos referentes ao direito à saúde tutelados na Carta Magna.

11

Logo, serão focalizadas, da mesma forma, as ações que visam à proteção ao direito à

saúde. Será estudado em quais circunstâncias é possível se propor o direito de petição, o

habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, o mandado de injunção, a ação

popular, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e a ação civil pública, enfocando

que destas ações é juridicamente possível a propositura da ação civil pública e da ação

popular para a defesa dos direitos dos consumidores de cigarros.

Em razão de todo exposto será discutida a interligação entre o direito à saúde e o

direito do consumidor, procurando-se demonstrar a tutela que o Código de Defesa do

Consumidor prestou ao direito à saúde e a proibição imposta ao fornecedor de lançar no

mercado de consumo produto inseguro, que acarreta prejuízos à saúde dos que possam vir a

consumi-lo sem as devidas informações.

No segundo capítulo tratar-se-á do direito do consumidor como implementação do

direito fundamental à saúde. Portanto, serão elencados inicialmente os princípios basilares da

boa-fé, da transparência e da confiança. Ressaltar-se-á que o Código de Defesa do

Consumidor adotou o princípio da boa-fé objetiva que traduz a necessidade de que as

condutas sócias sejam amoldadas a padrões aceitáveis com honestidade, lealdade e probidade,

o que faz com que a boa-fé seja não mais um mero princípio contratual, mas sim um princípio

geral norteador das relações de consumo. Será analisado o artigo 4º, inciso III, do Código de

Defesa do Consumidor que objetiva harmonizar os interesses conflitantes entre os

consumidores e os fornecedores com base neste princípio, e da mesma forma, o artigo 51,

inciso IV que trata das cláusulas contratuais abusivas, já que, conforme este artigo, é abusiva

a cláusula incompatível com a boa-fé ou com a eqüidade. Ademais, será demonstrado que a

boa-fé exerce função interpretativa dos contratos, restritiva do exercício abusivo de direitos

contratuais e função criadora de deveres anexos ou acessórios à prestação principal. Da

mesma forma, ressalvar-se-á também o princípio da transparência. A transparência nas

relações de consumo ocorre quando são fornecidas informações verdadeiras, claras,

ostensivas e objetivas ao consumidor. Portanto, nas relações entre consumidores e

fornecedores, o melhor contrato será aquele que resguarde o princípio da transparência. Num

próximo momento, para fechar este ponto, será evidenciado o princípio da confiança, o qual

almeja assegurar ao consumidor produtos e serviços adequados que não venham apresentar

riscos ou prejuízos à sua saúde. A publicidade, o marketing, bem como a marca ou o nome

comercial de um produto ou serviço despertam a confiabilidade e geram expectativas ao

consumidor. Desta forma, o fornecedor que não cumprir com as suas obrigações, de acordo

12

com o princípio da proteção e da confiança, fica responsável, conforme o artigo 6º, inciso VI,

do CDC pela efetiva reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e

difusos. Salientar-se-á também, a preocupação do legislador em relação ao princípio da

confiança nos artigos 8º, 9º e 10º do CDC. Vale ressaltar que neste contexto (do princípio da

boa-fé, da transparência e da confiança), será enfocado o dever de informação, afirmando-se

que as indústrias de tabaco no momento que infringem este dever agem em desrespeito a estes

princípios elencados.

Num próximo momento serão destacadas as circunstâncias relevantes na valoração da

segurança dos produtos. Será demonstrado que para caracterizar o produto como defeituoso é

necessário, de acordo com os incisos I, II, III do parágrafo 1º do art. 12, levar-se em

consideração a apresentação do produto, o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam

e a época em que foi colocado em circulação. Cumprirá destacar que a apresentação do

cigarro é feita de forma inadequada e insuficiente pelas indústrias tabagistas desde a

publicidade até as informações que acompanham o produto. Isto se deve ao fato de que estas

empresas, além de utilizarem uma publicidade enganosa e abusiva que objetiva confundir o

consumidor sobre os reais riscos deste produto, fazem uso também nas embalagens de cigarro,

de informações inadequadas e insuficientes em relação aos seus componentes e a sua

nocividade. Demonstrar-se-á que os produtos e serviços potencialmente nocivos devem

possuir adequação e ostensividade de informação com o intuito de prevenir a ocorrência de

acidentes de consumo, enfocando neste parâmetro que os riscos que os consumidores

razoavelmente esperam do cigarro não se carteam com a realidade, pois ninguém em sã

consciência consumiria um produto almejando futuramente adquirir cânceres, enfisemas,

problemas cardiovasculares, entre outros. Por fim, será evidenciado que as empresas

tabagistas não podem se eximir da responsabilidade civil com base no art. 12, parágrafo 1º,

inciso III, já que os estudos que afirmam que este produto gera perigo a quem o consome

remontam décadas.

Logo após, será trabalhado o conceito de defeito e vício, afirmando que o cigarro é um

produto defeituoso em razão da sua imperfeição ir além da impropriedade de uso ou da

diminuição do valor, critérios estes elencados na categoria do vício. Serão argumentados os

defeitos do produto decorrentes do projeto, da fabricação, da construção, da montagem,

fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento ou ainda pela informação

insuficiente ou inadequada sobre a sua utilização e riscos. Será defendido que o cigarro possui

defeito de informação, já que as empresas tabagistas ocultam as verdadeiras informações

13

sobre a periculosidade deste produto, pois o apresentam de forma incompleta (vale ressaltar

que as advertências expostas nas carteiras de cigarro são prestadas pelo Ministério da Saúde e

não pelo fornecedor e são insuficientes pois não esclarecem o real potencial nocivo deste

produto). Será também apresentado o possível vício de concepção deste produto, que se

encontra na nicotina. Apesar de existirem controvérsias nos pareceres técnicos de que esta

substância causa dependência, ressalta-se que se assim fosse comprovado, estas indústrias se

enquadrariam no art. 12 da Lei n. 6.368/76 e seria defasado o argumento de que o consumidor

fuma porque quer, que sua opção é uma decisão consciente.

Visto isso, passar-se-á a tratar do tema da publicidade enganosa e abusiva. Assim

sendo, elencar-se-á a publicidade das empresas tabagistas na modalidade enganosa por

omissão, em razão dessas companhias omitirem o real potencial nocivo deste produto, e

também na modalidade abusiva, devido ao fato de se fazer apologia a um produto que causa

danos à saúde e ainda, associá-lo a atividades de lazer, sucesso profissional, glamour,

juventude e prazer. Ademais, serão destacadas também, as mudanças ocorridas na publicidade

dessas empresas com o advento da Lei Serra.

Para fechar este capítulo, será estudado o ônus da prova no Código de Defesa do

Consumidor. Elencar-se-á as provas que o fumante ou seus familiares, no caso de óbito deste,

deverão apresentar em juízo, a norma que regula a inversão do ônus da prova, os critérios

para que isso ocorra e o momento mais apropriado.

Finalmente, no terceiro capítulo, estudar-se-á a efetivação do direito fundamental à

saúde do consumidor de cigarros. Para tanto, será feita uma abordagem sobre a

responsabilidade civil objetiva estipulada pelo artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor,

a qual objetiva redistribuir ou solidarizar o prejuízo sofrido pelo consumidor. Concentrar-se-á

na análise das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul a

respeito da responsabilidade civil das empresas tabagistas, tentando-se demonstrar que a

implementação do direito fundamental à saúde se dá por meio de sentença judicial, em razão

disso que a responsabilidade civil age tanto na promoção dos direitos, quanto na reparação

dos prejuízos. Defender-se-á que a responsabilidade civil objetiva impugnada às empresas

tabagistas pelos danos causados pelo seu produto ocorre em razão do defeito de informação

na comercialização do cigarro e da publicidade enganosa e abusiva exercida antes das

restrições legais por estas empresas (será ressaltado que os consumidores que começaram a

fumar influenciados pela publicidade enganosa e abusiva do cigarro poderão também propor

na demanda ressarcitória tal argumento). Em contra-sensu serão discutidos, da mesma forma,

14

os argumentos apresentados pelas empresas tabagistas nas defesas judiciais, tais como:

atividade lícita, falta de nexo causal e livre arbítrio.

Procurar-se-á também elencar as substâncias do cigarro. Estudos recentes comprovam

que o cigarro possui cerca de 4.700 substâncias químicas. Entre estas substâncias destacam-se

a nicotina, o monóxido de carbono e o alcatrão. De acordo com dados do INCA1, a nicotina

causa dependência pelos mesmos mecanismos da cocaína, maconha e álcool. O monóxido de

carbono, ao se ligar fortemente com a hemoglobina, forma a carboxihemoglobina, contri-

buindo para a diminuição da oxigenação dos tecidos, e potencializando a ação cardiovascular

da nicotina. O alcatrão contido em apenas um cigarro, por sua vez, concentra 43 substâncias

comprovadamente cancerígenas para o homem. A partir disto, em razão das empresas de

tabaco comercializarem um produto nocivo e perigoso à saúde do consumidor, será ressaltado

que é necessário que estas forneçam ao consumidor, juntamente com o cigarro, uma bula

informativa que esclareça as substâncias que contém este produto e os males que ele acarreta

à saúde de quem o consome, já que, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, é

dever do fornecedor informar de forma ostensiva e adequada as características de seu produto,

para que não haja desrespeito aos princípios da boa-fé, da transparência e da confiança.

Visto isso, procurar-se-á demonstrar, por meio de um estudo sobre as doenças

relacionadas ao tabagismo, que existe uma possível relação adequada e eficiente (através de

uma análise com base em um juízo de probabilidade e ponderação) entre o consumo de

cigarros e as doenças por ele provocadas, tentando-se comprovar, desta forma, o nexo causal

entre a comercialização de cigarros e a ocorrência do dano à saúde do consumidor. A partir

dessa premissa, será desenvolvida por fim, uma análise sobre a caracterização e a incidência

do dano moral (diversos dissabores como angústias, desgosto, aflição espiritual), patrimonial

(gastos com o tratamento de enfermidades, funeral no caso de óbito, a impossibilidade de

exercer ofício ou profissão devido a doenças causadas pelo consumo de cigarros) e estético

(amputação de membros devido à tromboangeíte obliterante, danos estéticos causados pela

cirurgia de cânceres e com o tratamento de radioterapia e quimioterapia) na relação de

consumo entre o fumante e o fabricante de cigarros.

Enfim, introdutoriamente, esta é a abordagem almejada neste trabalho, que pretende

comprovar a possível responsabilização das empresas tabagistas pelos danos causados à saúde

do consumidor em razão do consumo de cigarros.

1 BRASIL. Ministério da Saúde. INCA (Instituto Nacional do Câncer). Disponível em: <http://www.inca.

gov.br>. Acesso em: 5 fev. 2007.

15

CAPÍTULO I – DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

Faz parte do contexto deste capítulo estudar em princípio alguns pontos teóricos que

irão nortear a presente pesquisa. Para tanto, parte-se inicialmente da análise do que vem a ser

direito fundamental, para logo após adentrar em específico no direito fundamental à saúde e

trabalhar os seus aspectos conceituais e a sua natureza jurídica, bem como o tratamento

constitucional desprendido a este direito e as ações judiciais que visam a sua proteção.

Demonstrar-se-á aqui, ainda que brevemente, a interligação entre o direito à saúde e o direito

do consumidor, ressaltando que a comercialização do cigarro infringe as normas jurídicas

tuteladas tanto pela nossa Carta Magna quanto pelo nosso Código de Defesa do Consumidor.

1.1 O QUE É DIREITO FUNDAMENTAL?

Os direitos fundamentais estão positivados no Título II (“Dos Direitos e Garantias

Fundamentais”) da Constituição Federal de 1988. Este título guarnece um acervo de direitos

considerados inalienáveis e irrenunciáveis.2

Os direitos fundamentais3, em sentido estrito, representam um conjunto de normas

jurídicas que tutelam direitos e liberdades assegurados pelo Estado através de uma

Constituição.

2 Silva explica que os direitos fundamentais são inalienáveis porque “são direitos intransferíveis, inegociáveis,

porque não são de conteúdo econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis.” Da mesma forma, prossegue o autor explanando que estes direitos são irrenunciáveis porque “não se renunciam direitos fundamentais. Alguns deles podem até ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite sejam renunciados.” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17. ed., rev. e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 185).

3 Segundo Silva, “no qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.” (SILVA, José Afonso da. Op. cit., 2000, p. 182).

Para Moraes, “direito fundamental deve ser conceituado como direito ou posição jurídica subjetiva asseguradora de uma esfera de ação própria e livre, impondo abstinência ou limitação à atividade estatal ou privada, ou determinante da possibilidade decorrente de sua titularidade, de exigir prestações positivas do Estado.” (MORAES, Guilherme Braga Peña. Dos direitos fundamentais: contribuição para uma teoria. São Paulo: LTr, 1997, p. 24).

Nas palavras de Ferrajoli, “Son ‘derechos fundamentales’ todos aquellos derechos subjetivos que correspondem universalmente a ‘todos’ los seres humanos en cuanto dotados del status de personas, de ciudadanos o personas con capacidad de obrar, entendiendo por ‘derecho subjetivo’ qualquier expectativa positiva (de prestaciones) o negativa (de no usufruir lesiones) adscrita a un sujeito por una norma jurídica; y por status la condición de un sujeito, prevista asimismo por una norma jurídica positiva, como presupuesto de su idoneidad para ser titular de situaciones jurídicas y/o autor de los actos que son ejercicio de éstas.” (FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías. La ley del más debil. Madrid: Trotta, 1999, p. 37).

16

Sarlet explica que “direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano

reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado

Estado.”4 Portanto, os direitos fundamentais são direitos jurídico-positivamente constitucio-

nalizados5 e só passam a ser reconhecidos com a existência de uma Constituição.

Os direitos fundamentais elencam-se em direitos fundamentais internacionais,

supranacionais e nacionais.

Os direitos fundamentais internacionais possuem graus variados de vinculação. Estes

direitos “son derechos que han sido consagrados en los pactos y convenciones internacionales

para la protección de los derechos humanos.”6 A partir do momento em que são positivados

nas Constituições dos Estados, estes direitos afirmados em pactos e convenções internacionais

passam a ser elevados à categoria de fundamentais.

Destarte, Borowski expõe que “por su parte, los derechos fundamentales

supranacionales corresponden a las libertades fundamentales de la Unión Europea, que en un

principio fueron desarrolladas ampliamente por la jurisprudencia de la Corte Europea de

Luxemburgo.”7 Conforme Borowski, o desenvolvimento deste direito tem como ponto de

partida o bloco econômico e possui validade apenas para os atos jurídicos dos Estados que

participam deste grupo.

Já os direitos fundamentais nacionais são os direitos positivados na Constituição dos

Estados que “por lo general representan un intento de transformar los derechos humanos em

derecho positivo.”8

Os direitos fundamentais por sua vez, possuem também três concepções ou conceitos:

conceito formal, conceito procedimental e conceito material.

O conceito formal define os direitos fundamentais através de um critério formal

apenas. É um conceito insuficiente.9

4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004,

p. 35. 5 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Directo constitucional. 5. ed. Livraria Almedina: Coimbra, 1991, p. 507.

Quanto à constitucionalização dos direitos fundamentais, Moraes ressalta que isto “não significou mera enunciação formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Poder Judiciário para a concretização da democracia.” (MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998, v. 3, p. 21).

6 BOROWSKI, Martín. La estructura de los derechos fundamentales. Traducción de Carlos Bernal Pulido. Bogotá: Universidade Externado de Colombia, 2003, p. 31.

7 Id., ibid., p. 32. 8 Id., ibid., p. 33. 9 Informa Borowski que: “No obstante, esta variante del concepto formal no suele ser un concepto satisfactorio,

porque también existen algunos derechos fundamentales que están estatuídos fuera del catalogo de derechos

17

Para Alexy, no conceito formal “según su variante más simple, los derechos

fundamentales son todos los derechos catalogados expresamente como tales por la propia

Constitución.”10

Conforme Moraes, os direitos fundamentais de acordo com o conceito formal, “são

direitos ou posições jurídicas subjetivas das pessoas, enquanto tais, individualmente ou

institucionalmente consideradas, consagrados em uma Constituição formal, ou seja, conjunto

de normas formalmente constitucionais.”11

Para tanto, o conceito formal exprime a maneira como os direitos fundamentais estão

constitucionalizados na Carta Magna. Segundo este conceito:

a) as normas de direitos fundamentais possuem hierarquia constitucional;

b) há um procedimento agravado para que ocorra a modificação dessas normas;

c) há uma limitação material e formal de acordo com o artigo 60, § 4º, inciso IV da CF/88,

no procedimento de emendas constitucionais dos direitos fundamentais;

d) estas normas de direitos fundamentais possuem parâmetros de escolha, de decisão, de

ação e de controle dos Poderes Públicos por possuírem vincularidade imediata.

Já o conceito material de direito fundamental explicita uma idéia de homem. De

acordo com este conceito, “o conteúdo dos direitos fundamentais é decisivamente constitutivo

das estruturas básicas do Estado e da sociedade.”12 Os preceitos constitucionais em aspecto

material são os providos de conteúdo fundamental, inseridos ou não na Lei Essencial.13

O conceito material expõe um conjunto de direitos subjetivos constitucionalizados

materialmente, já que “la mirada se concentra en el hecho de que los derechos fundamentales

son un intento de transformar los derechos humanos en derecho positivo.”14

A fundamentalidade material contribui:

a) para a abertura constitucional de direitos que são apenas materialmente fundamentais;

b) para que o regime jurídico aplicado à fundamentalidade formal seja da mesma forma,

aplicado à fundamentalidade material;

fundamentales de la Constitución. Este problema puede resolverse en el marco del concepto formal de derecho fundamental, si la Constitución incluye una disposición que enuncia qué derechos pueden defenderse por parte del ciudadano mediante acción de tutela.” (BOROWSKI, Martín. Op. cit., 2003, p. 34).

10 ALEXY, Robert. Três escritos sobre los derechos fundamentals y la teoría de los princípios. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003, p. 21.

11 MORAES, Guilherme Braga Peña. Op. cit., 1997, p. 24. 12 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., 1991, p. 509. 13 MORAES, Guilherme Braga Peña. Op. cit., 1997, p. 24. 14 BOROWSKI, Martín. Op. cit., 2003, p. 24.

18

c) para que novos direitos fundamentais possam vir a ser positivados materialmente na

Constituição.

Ressalta-se que as letras “a” e “c” são denominadas de “cláusulas abertas”, pois

“constituem enumerações não exaustivas de direitos fundamentais.”15

Destarte, o conceito procedimental está ligado ao conceito formal e material de direito

fundamental.

Segundo Alexy:

La definición procedimental es formal en la medida en que no estabelece qué cotas es tan importante como para que la decisión sobre los derechos fundamentales no pueda dejarse en manos de la mayoría parlamentaria simple. Como consecuencia, esta definición abre para el poder constituyente un margen de acción. Este poder puede incluso considerar que ciertos derechos fundamentales que no son derechos humanos, también deben ser tipificados positivamente en la Constitución, en razón de su importancia. Sin embargo, por otra parte, este concepto de importancia atribuye al concepto procedimental de derecho fundamental una índole material. A causa de la ya señalada vinculación de los derechos fundamentales con los derechos humanos, todo concepto de los derechos fundamentales debe determinarse recurriendo a una concepción de los derechos humanos. Esta circunstancia, la pretensión de corrección desde el punto de vista de los derechos humanos, obliga al poder constituyente y a los intérpretes constitucionales a buscar constantemente la mejor concepción de los derechos humanos, a efectos de definir a su vez los derechos fundamentales.16

Sendo assim, no conceito procedimental, os direitos fundamentais são considerados

imutáveis e não podem ser alterados por uma maioria parlamentar simples. É o caso do artigo

60, § 4º, inciso IV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88).

Cumpre ressaltar que alguns autores utilizam-se das expressões “direitos

fundamentais” e “direitos humanos”17 como sinônimos.18 Todavia, estes termos apesar de

estarem interligados, possuem significados distintos.

15 MORAES, Guilherme Braga Peña. Op. cit., 1997, p. 26. 16 ALEXY, Robert. Op. cit., 2003, p. 30-31. 17 Apesar de não haver diferença entre as expressões “direitos humanos e direitos do homem”, em uma visão lata,

em sentido estrito podemos analisar o emprego de tais expressões. Sendo assim, conforme Bobbio, “direitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização, etc., etc.” (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro, 1992, p. 17). Ainda segundo este autor, “os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc.” (BOBBIO, Norberto. Op. cit., 1992, p. 18).

18 Barros contesta a distinção entre essas expressões, pois segundo o autor essa dicotomia retira a humanidade ao fundamental e a fundamentalidade ao humano (BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 37-38). Nesse mesmo sentido, Bonavides também defende a

19

Os direitos humanos19 são os direitos pertencentes a todo ser humano, independente-

mente de sua efetivação.20 Podemos dizer que os direitos fundamentais são gênero e os

direitos humanos espécie. Como bem explica Alexy, “los derechos fundamentales son en su

esencia derechos humanos transformados en derecho constitucional positivo.”21

Nesse mesmo sentido, Barzotto expõe que “os direitos humanos são uma espécie do

gênero direito subjetivo: são os direitos subjetivos que cabem a todo ser humano em virtude

de sua humanidade.”22

Segundo Bidart, a expressão direito humano,

se trata de derechos básicos, sin los cuales no seria factible una sociedad adecuada para el hombre, que deben reconocerse a todo hombre por pertenecer a (o derivar de) su modo de ser propio. Lo cual indica que detrás de su afirmación apunta una concepción del hombre, de la sociedad, del mundo y de la vida, que lleva a establecer los derechos que indudable y necesariamente han de acordarse a cada hombre en la sociedad.23

Para Borowski, “los derechos humanos son derechos morales.”24 Conforme o autor,

“estos derechos tienen validez solamente en razón de su corrección material. Su

institucionalización, positivación o efectividad social no desempeñan ningún rol como criterio

de validez.”25

utilização dessas expressões como sinônimos. Todavia, aceita que estas expressões sofram uma pequena variação de percepção para que sejam melhor compreendidas didaticamente. Sendo assim, o autor explica que os direitos humanos devem ser entendidos como direitos da pessoa humana antes da constitucionalização ou positivação nas constituições nacionais e, que os direitos fundamentais seriam então direitos humanos acrescentados nos ordenamentos normativos (BONAVIDES, Paulo. Os direitos humanos e a democracia. In: SILVA, Reinaldo Pereira e (Org.). Direitos humanos como educação para a justiça. .São Paulo: LTr, 1998, p. 16).

19 Araújo Filho explica que “o conceito de direitos humanos é variável de acordo com a concepção político-ideológica que se tenha. Representando momentos distintos do evoluir histórico do pensamentos das civilizações, cada uma dessas concepções constitui um complexo de argumentos de caráter político-filosófico que passa a justificar a escolha por este ou aquele elenco de direitos considerados fundamentais. Em abono dessa assertiva, tais direitos variam segundo o modo de organização da vida social e o momento histórico vivido.” (ARAÚJO FILHO, Aldy Mello de. A evolução dos direitos humanos: avanços e perspectivas. São Luiz: EDUFMA, 1998, p. 17).

20 Para Borowski, “los derechos humanos constituyen el núcleo de las teorías de la justicia.” (BOROWSKI, Martín. Op. cit., 2003, p. 31).

21 ALEXY, Robert. Op. cit., 2003, p. 26. 22 BARZOTTO, Luiz Fernando. Os direitos humanos como direitos subjetivos – da dogmática à ética. In:

SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Jurisdição e direitos fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior de Magistratura do Rio Grande do Sul-AJURIS. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

23 BIDART, Adolfo Gelsi. De derechos, deberes y garantías del hombre común. Fundación de Cultura Universitária, 1987.

24 BOROWSKI, Martín. Op. cit., 2003, p. 30. Neste mesmo sentido, Sarlet expõe que “os direitos humanos, antes de serem reconhecidos e positivados nas Constituições (quando se converteram em elementos do direito positivo e direitos fundamentais de uma determinada comunidade jurídica), integravam apenas uma espécie de moral jurídica universal.” (SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., 2004).

25 BOROWSKI, Martín. Op. cit., 2003, p. 30.

20

Os direitos humanos portanto, aspiram a validade universal, para todos os povos e

tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).26

Cury explica “que existem e devem existir direitos humanos, antes e fora do Direito

Positivo, mas não haveria direitos fundamentais senão a partir do momento em que aqueles

direitos fossem incorporados pelo Direito Positivo (através de constituições, leis e tratados

internacionais).”27

Grande parte dos direitos humanos reconhecidos nos tratados e convenções

internacionais ganha substância jurídica e passa a integrar o sistema normativo de várias

Constituições nacionais, todavia este processo não é gradual, já que depende da vontade do

legislador e da evolução de cada sociedade.

1.2 O CONCEITO DE SAÚDE

O conceito de saúde é fruto do contexto histórico da humanidade. No decorrer da

história humana, os grandes problemas de saúde sempre estiveram relacionados com outros

fatores condicionantes, como a vida em sociedade, o meio ambiente, o controle de doenças,

epidemias, saneamento básico...

Nas sociedades antigas, a falta de conhecimento científico levava o povo a acreditar

que as doenças surgiam em razão de um poder sobrenatural. Em função disso, passam a

existir neste período, os chamados feiticeiros ou curandeiros, os quais eram encarregados de

curar os males que afetavam os seres humanos.

O surgimento de médicos “data dos primórdios da humanidade, com notícias que

remontam ao ano 4.000 a.C. entre os Sumérios, na Mesopotâmia.”28 No entanto, o tratamento

das doenças nas sociedades antigas ainda era feito em conjunto destes com os mágicos e os

feiticeiros.

Somente os gregos excluem este caráter sobrenatural das doenças, apesar de

continuarem apreciando culto a deuses da saúde como Hygieia (deusa da saúde) e Panacea

(deusa da cura).

26 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., 2004, p. 36. 27 CURY, Ieda Tatiana. Direito fundamental à saúde. Evolução, normatização e efetividade. Rio de Janeiro:

Lúmen Júris, 2005, p. 2. 28 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito à saúde: garantia e proteção pelo poder judiciário. Revista de

Direito Sanitário. São Paulo: LTr., v. 2, n. 3, nov. 2001, p. 38.

21

Segundo Schwartz, “o primeiro conceito de saúde pode ser atribuído aos gregos da

cidade-estado de Espartas. O brocado “mens sana in corpore sano” é, em realidade, o marco

primeiro da definição de o que é ter saúde.”29 Este povo buscou o equilíbrio entre a saúde

física e mental, associando-a à beleza. Eis que para ser saudável, de acordo com os gregos, era

necessário ser belo.30

Merece destaque na medicina grega Hipócrates, pois a partir dos seus conhecimentos

científicos e do seu inegável desempenho empírico, passou-se a afastar a religião da doença.31

Todavia, é importante destacar que não existem registros quanto aos serviços municipais de

saúde na Grécia, “mas havia funcionários específicos, os astynomi, responsáveis pelo

suprimento e pela drenagem de água; os atenienses, por exemplo, tinham dez astynomi, cinco

para Atenas e cinco para o Pirineu.”32

A saúde na Grécia obteve também pouco interesse ao setor previdenciário. Porquanto,

possuía caráter público e individual curativo apenas para os cidadãos gregos, excluindo

praticamente os escravos.

Os serviços públicos de saúde surgiram em Roma.33 Este sistema administrativo que

institui comissões de saúde com o objetivo de melhorar a vida em sociedade foi muito

eficiente e se prolongou no tempo.34

29 SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetividade em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2001. 30 Na Grécia, “esta face de harmonia, de equilíbrio, levou ao desenvolvimento, por Alcmeão de Crotona e depois

por Empédocles do conceito de que a saúde é um equilíbrio próprio entre componentes opostos e de que a doença ocorre quando um deles prevalece. Tal conceito está presente no elevado valor que os grupos atribuíam ao corpo, cujo símbolo maior são os jogos olímpicos, encontrando-se a harmonia entre os opostos (alma e corpo), mediante a disciplina.” (RAEFFRAY, Ana Paula de Oriola. Direito da saúde de acordo com a Constituição Federal. São Paulo: Quartier Patin, 2005, p. 26).

31 Pouco se sabe sobre a vida de Hipócrates; poderia ser uma figura imaginária, como tantas na Antigüidade, mas há referências à sua existência em textos de Platão, Sócrates e Aristóteles. Os vários escritos que lhe são atribuídos que formam o Corpus hipocraticos, provavelmente foram o trabalho de várias pessoas, talvez em um longo período de tempo. A época, a noção de autoria não tinha a importância que veio a assumir com a modernidade, a qual implantou a idéia de propriedade intelectual. O importante é que tais escritos traduzem uma visão racional da medicina, bem diferente da concepção mágico-religiosa antes descrita. O texto intitulado “A doença sagrada” começa com a seguinte afirmação: “A doença chamada sagrada [...] não é, em minha opinião, mais divina ou mais sagrada que qualquer outra doença; tem uma causa natural e sua origem supostamente divina reflete ignorância humana.” (SCLIAR, Moacyr. Do mágico ao social: trajetória da saúde pública. Porto Alegre: L&PM Editores, 1987, p. 22).

32 CURY, Ieda Tatiana. Op. cit., 2005, p. 31. 33 Quando Roma conquistou o mundo mediterrâneo e assumiu o legado da cultura grega, aceitou também a

medicina e as idéias sanitárias helênicas, porém, imprimiu as idéias férteis da Grécia seu próprio caráter e as amoldou segundo interesses próprios. Como clínicos, os romanos não passaram de imitadores dos gregos mas, como administradores e engenheiros, construtores de sistemas de esgotos e de banhos ofereceram grande exemplo ao mundo e deixaram sua marca na história. (CURY, Ieda Tatiana. Op. cit., 2005, p. 32).

34 Raeffray relata que Roma “contribuiu para a assistência médica organizada com a instituição das iatreia, ou salas de cirurgia, e das valetudinária, ou enfermarias destinadas aos escravos, instituições análogas ao que

22

Logo, perpassando-se das mais remotas origens e atingindo a Idade Média, temos

novamente a doença associada a obras do demônio ou da feitiçaria. Esta associação deve-se

ao fato de muitas doenças e epidemias terem se proliferado nesta época. Entre estas doenças

destacam-se a morte negra, a peste de Justiniano, a lepra, a peste bubônica, a sífilis, entre

outras.

Neste período a Igreja teve uma enorme participação em relação à saúde. No ocidente,

os hospitais em grande parte se originaram da Igreja, e eram gerenciados por monges. Tanto

as corporações médicas quanto as dissecções de cadáveres surgiram nos mosteiros. Todavia, a

fonte de cura das doenças, em grande parte, ainda era feita através da oração e da penitência.

No século XVI dá-se início à Revolução Científica com a publicação do primeiro livro

ilustrado sobre anatomia (1543) e com a fundação da primeira sociedade científica (1560). O

século seguinte deparou dentre outros avanços o conhecimento quinino para tratar a malária

(1642) e o reconhecimento dos sistemas do diabetes (1670). Já o século XVIII apresentou

grande progresso com a fundação da ciência patológica (1760) e o estudo da fertilização nos

seres humanos (1799).35

Destarte, um dos primeiros a discursar sobre questões sanitárias numa perspectiva

internacional foi Johann Peter Frank, em 1790. Segundo ele, a principal causa das doenças era

a pobreza. Portanto, para melhorar as condições sanitárias seria necessário elevar o padrão de

vida da população. Baseado nas idéias de Frank, foi inscrito um Código de Saúde que

objetivava promover e manter a saúde, o qual nunca foi promulgado.

Com o surgimento da sociedade industrial no século XIX, o Estado passa então a

preocupar-se com a implementação de uma política sanitária.36 Esta política tinha o objetivo

de evitar a morte demasiada dos proletariados, visto que a morte desses poderia acarretar

sérios prejuízos ao sistema capitalista.37

posteriormente seria conhecido como hospital. A fundação, durante a Idade Média, de hospitais para pobres e indigentes nasceu das valetudinária romanas.” (RAEFFRAY, Ana Paula de Oriola. Op. cit., 2005, p. 31).

35 ROCHA, Júlio Cesar de Sá da. Direito da saúde: direito sanitário na perspectiva dos interesses difusos e coletivos. São Paulo: LTr, 1999, p. 90.

36 No século XIX, a saúde pública adquirira características definitivamente científicas, um processo que se inicia pela modificação da forma de mirar o corpo social. Surge o que podemos chamar de olhar contábil. (SCLIAR, Moacyr. Op. cit., 1987, p. 59).

37 Neste mesmo sentido, Both relata que “é no contexto da Revolução Industrial que a saúde começa a ser entendida para além do âmbito da responsabilidade individual. Daí emerge a idéia da responsabilidade coletiva e, sobretudo, do Estado. Primeiro preocupando-se com a saúde dos trabalhadores, que viviam em condições de vida muito precárias. Além da conscientização e sindicalização dos trabalhadores contribuir para tal, os próprios liberais portugueses exigiram que o Estado se comprometesse com a saúde dos trabalhadores. Fato que pode parecer contraditório.” (BOTH, Valdevir. Direito humano à saúde: notas sobre o conteúdo

23

Sob este prisma, Cury lembra que “o movimento de saúde pública teve seu começo na

Inglaterra, indubitavelmente pelo fato de a Revolução Industrial ter ocorrido naquele país.

Pessoa importante em tal movimento na Inglaterra, Edwin Chadwich, após receber forte

influência do filósofo Bentham, o qual acreditava que a saúde da classe operária iria

beneficiar toda sociedade, envolveu-se com a criação de uma nova lei, a New Poor Law em

1834, para substituir a Poor Law isabelina do século XVII.”38

A Poor Law isabelina foi uma lei que encarregou as autoridades locais de oferecer

assistência aos indigentes, empregando-os. No entanto, esta lei não resolveu o problema social

da massa dos trabalhadores. As melhoras no setor social só ocorreram com a promulgação da

New Poor Law.

Cumpre ressaltar, que nesta época é criado também o Public Health, “tal medida

determinou, de uma forma descentralizada, a responsabilidade acerca da prestação de serviços

de saúde no campo das doenças transmissíveis e de saneamento ambiental.”39

Logo, no século XX, devido à grande quantidade de guerras, o Estado passa a prevenir

doenças através de serviços básicos de atividade sanitária. São implementadas políticas

públicas coletivas visando garantir a salubridade. A saúde passa a ser vista como um direito

social.

Com o advento do Welfare State,40 a saúde começa a ser tratada de modo preventivo e

não mais apenas curativo. O Estado passa a ser responsável pelos serviços básicos de

atividade sanitária. Surge então, neste período, a Organização Mundial da Saúde (OMS),

órgão da ONU que tem como objetivo melhorar a saúde através do bem-estar físico, mental e

social da população que se encontrava num verdadeiro desespero em função das guerras.

A saúde passa a ter um conceito positivo: “bem estar físico, mental e social”,

abdicando-se, desta forma, do conceito negativo: “ausência de doenças”.

normativo: In: KUJAWA, Henrique; CARBONI, Paulo (Orgs.). Luta pelo direito humano à saúde: experiência de Passo Fundo. Passo Fundo: Méritos, 2004, p. 37).

38 CURY, Ieda Tatiana. Op. cit., 2005, p. 36-37. 39 RAEFFRAY, Ana Paula de Oriola. Op. cit., 2005, p. 75. 40 A partir do Welfare State, “o Estado começa a avocar para si o papel que antes era do indivíduo: tratar da

saúde. E aí a saúde passa a ser pública, e não mais individual. E é por questões financeiras que o Estado passa a adotar a estratégia da saúde preventiva: o trabalhador não pode adoecer porque prejudica o processo de acumulação capitalista simplesmente porque não pode produzir. Uma vez doente (“estragado”), o trabalhador deve ser curado (“consertado”). Afinal, a produção não pode cessar, e a força de trabalho deve ser a máxima possível para que se obtenha o maior lucro. A saúde passa a ser não apenas Direito de comprar a cura, mas também o Direito ao acesso à cura.” (SCHWARTZ, Germano. Op. cit., 2001, p. 47).

24

No entanto, o conceito de saúde defendido pela OMS tem sofrido várias críticas.41

Alguns críticos apontam que esta definição de saúde é utópica e inatingível em razão de ser

bastante abrangente. Outros alegam que não se estaria considerando a complexidade da saúde

se este conceito fosse reduzido ao bem-estar físico, mental e social da humanidade.

E ainda, conforme Segre e Ferraz, “essa definição, até avançada para a época em que

foi realizada, é, no momento, irreal, ultrapassada e unilateral.”42 Sendo assim, conforme os

autores,

A definição de saúde da OMS está ultrapassada porque ainda faz destaque entre o físico, o mental e o social. Mesmo a expressão “medicina psicossomática” encontra-se superada, eis que, graças à vivência psicanalítica, percebe-se a inexistência de uma clivagem entre mente e alma, sendo o social também inter-agente, de forma nem sempre muito clara, com os dois aspectos.43

Contra-senso, Both considera que este conceito de saúde adotado pela OMS é um

grande avanço, mesmo concordando que precisa ser atualizado permanentemente, porque

“preserva a inter-relação entre os diversos fatores dele condicionantes e determinantes.”44

Esta atualização contínua se deve ao fato de que a saúde não se trata de um sistema estático.

Dessa forma, para haver o bom funcionamento do setor da saúde é necessário o andamento

conjunto desta, com os demais sistemas.

Parra citando Capra ressalta que: El concepto de salud y los conceptos de enfermedad relacionados con él no se refieren a entidades bien definidas, sino que son partes integrantes de unos

41 Conforme Segre e Ferraz, o conceito de saúde adotado pela OMS, “trata-se de uma definição irreal porque,

aludindo ao “perfeito bem-estar” evoca uma utopia.” (SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho. O conceito de saúde. Revista de Saúde Pública. São Paulo, v. 31, n. 5, out. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101997000600016&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 15 jan. 2007). Nesse sentido, Scliar explica que “o estado de mais completo bem-estar físico, mental e social” é um conceito que reflete expectativas mais recentes, mas foi rotulado como pouco operacional. Podem-se estabelecer parâmetros desejáveis em termos orgânicos (peso ideal, pressão arterial norma, etc.), e mesmo relativos ao equilíbrio mental ou social (salário, escolaridade, condições de moradia, etc.); mas a expressão “bem-estar” envolve um componente subjetivo dificilmente quantificável, algo semelhante à “felicidade”. É antes uma “imagem-horizonte” do que um alvo concreto. Na prática, quem cuida da saúde de grupos humanos procura sobretudo evitar danos objetivos à saúde: doenças, acidentes, etc. Isso não quer dizer que saúde e doença sejam identidades à parte, não são; fazem de um continuum que é o processo saúde-enfermidade. Os fatores da doença já podem estar presentes, antes que essa se manifeste: é o período pré-patogênico, ao qual segue o período patogênico, ou seja, da doença propriamente dita. Quando essa é diagnosticada, ultrapassou-se o chamado horizonte clínico, que vai do período pré-patogênico até o desfecho final (cura, morte, seqüela). Há, pois, uma trajetória que é a história natural da enfermidade. (SCLIAR, Moacyr. Op. cit., 1987, p. 94).

42 SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho. Op. cit., 1997, p. 1. 43 Id., ibid., p. 3. 44 BOTH, Valdevir. Op. cit., 2004, p. 37.

25

modelos limitados y aproximativos que reflejan la red de relaciones entre los numerosos aspectos de ese fenómeno complejo y fluido que es la vida.45

Assim, a saúde “é um sistema aberto por ser extremamente complexo, ao mesmo

tempo em que opera de forma fechada, conservando a sua unidade interna.”46 Nesse sentido, a

saúde é um processo dinâmico47 que deve estar associada à qualidade de vida. Porquanto,

busca-se definir saúde como “a condição de equilíbrio funcional físico e psíquico do

indivíduo integrado dinamicamente no seu ambiente natural e social.”48

Sob este prisma, Segre e Ferraz explicam que dentro da Bioética do conceito de

autonomia, entende-se que “qualidade de vida” seja algo intrínseco, só possível de ser

avaliado pelo próprio sujeito.49

A qualidade de vida atinge um grau máximo quando possibilita que os indivíduos

desenvolvam as suas potencialidades em ótimas condições, sejam estas viver de forma digna,

trabalhar em ambientes seguros, morar em casas salubres, etc.

Por sua vez, quanto mais aperfeiçoada for a democracia de uma nação, mais ampla há

de ser a qualidade de vida dos cidadãos. Sob este prisma saúde/qualidade de vida identifica-se

o desenvolvimento da promoção da saúde. A Carta de Ottawa define promoção da saúde

como o processo de capacitação do consumo da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma

maior participação no controle desse processo (WHO, 1986).50 Por sua vez, esta só será

possível se atingir o Estado do bem-estar social através da garantia da salubridade pública

para todos.51

45 PARRA, Antonio Yepes. El derecho a la salud. La necessidad de repensar los derechos sociales. Revista

Cubana Salud Pública. Ciudad de La Habana, v. 25, n. 2, jul.-dic. 1999. Disponible em: <http://www.scielo.sld.cu/scielo.php?pid=S0864-34661999000200002&script=sci_arttext>. Acesso em: 27 dez. 2006, p. 7.

46 SCHWARTZ, Germano. Op. cit., 2001, p. 37. 47 “El organismo humano es un sistema dinámico con aspectos psicológicos y fisiológicos interdependientes,

haciendo parte de sistemas mayores de dimensiones físicas, sociales y culturales con lo que entabla relaciones recíprocas. Por lo tanto, no se puede hablar de la salud como un derecho absoluto que se concede, que se otorga y del cual son responsables sólo los médicos y los servicios de salud.” (PARRA, Antonio Yepes. Op. cit., 1999, p. 7).

48 PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Direito à saúde, evolução e positivação no constitucionalismo brasileiro. Dissertação de Mestrado. 185 fl. Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, 2001a, p. 116.

49 SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho. Op. cit., 1997, p. 5. 50 Nesse sentido, Buss citando Gutierrez, salienta que promoção da saúde é o conjunto de atividades, processos e

recursos, de ordem institucional, governamental ou de cidadania, orientados a proporcionar a melhoria das condições de bem-estar e acesso a bens e serviços sociais que favoreçam o desenvolvimento de conhecimentos, atitudes e comportamentos favoráveis ao cuidado da saúde e o desenvolvimento de estratégias que permitam à população maior controle sobre sua saúde e suas condições de vida, a níveis individual e coletivo (BUSS, Paulo Marchiori. Promoção da saúde e qualidade de vida. Revista Ciência e Saúde Coletiva. Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, 2000, p. 167).

51 A “saúde para todos” significa que a saúde há de considerar-se como um objetivo do desenvolvimento econômico e não só como um dos meios de alcançar dito desenvolvimento. A “saúde para todos” exige, em

26

Os avanços tecnológicos e econômicos têm alastrado cada vez mais o conceito de

saúde.52 Isto porque a saúde “é um processo sistêmico, significando que é uma meta a ser

alcançada, e que varia de acordo com a sua própria evolução e com o avanço dos demais

sistemas com os quais se relaciona, em especial o Estado e a própria sociedade.”53

A partir deste pressuposto, pode-se dizer que a saúde visa a um estado pessoal de bem-

estar, qualidade de vida que supra obstáculos como falta de saneamento básico, higiene,

trabalho, moradia e tantos outros fatores condicionantes que impedem os cidadãos de levar

uma vida social e economicamente produtiva.54

Pois, como bem explica Parra:

último sentido, a educação geral. Ao menos e ainda que essa última não seja uma realidade, exige uma mínima compreensão do que a saúde significa para o indivíduo. A “saúde para todos” depende do progresso ininterrupto da assistência médica e da saúde pública. Os serviços sanitários devem ser acessíveis para todos mediante atenção primária de saúde, graças a qual se dispõe em cada localidade de atenção médica de base, apoiada por serviços de tratamento mais especializado. Ainda assim, as campanhas de imunização hão de assegurar cobertura total. A “saúde para todos” é, por conseguinte, um conceito global, cuja aplicação exige o emprego de esforços na agricultura, na indústria, no ensino, nas habitações e nas comunicações, tanto como na medicina e na saúde pública. A assistência médica não pode, por si só, levar a saúde a uma população faminta que vive em favelas. Uma população sujeita a essas condições necessita de um modo de vida totalmente distinto e novas oportunidades de alcançar um nível mais elevado. (DIAS, Hélio Pereira. Direitos e obrigações em saúde. Brasília: Anvisa, 2002, p. 29).

52 Dallari expõe que “a Lei Maior da República estipulou critérios para que a saúde seja corretamente determinada em seu texto. Assim, vinculou sua realização às políticas sociais e econômicas e ao acesso às ações e serviços destinados, não só à sua recuperação, mas também à sua promoção e proteção. Em outras palavras, adotou-se o conceito que engloba tanto a ausência de doenças quanto o bem-estar, enquanto derivado das políticas públicas que o têm por objetivo, seja apenas a política, seja a sua implementação, traduzida na garantia de acesso – universal e igualitário – às ações e serviços com o mesmo objetivo (CF, art. 196).” (DALLARI, Sueli Gandolfi. Os estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Hucitec, 1995, p. 30).

53 SCHWARTZ, Germano. Op. cit., 2001, p. 39. Nesse sentido, Piccinin explica que a saúde “é sistêmica pois interage com os demais sistemas sociais que lhe são correlatos e que por fim acabam por integrar sua própria definição. Destarte, a saúde constitui-se sistema menor dentro de um sistema maior que é a vida humana. E tem pontos definidos de atrito e de contato com outros microsistemas do qual independe, mas também se alimenta. A saúde e seus apótemas (microsistemas) correlatos podem ser, assim, analisados sob a ótica da Teoria dos Sistemas, cujo um dos expoentes maiores vem a ser Niklas Luhmann. Nela é possível explicar como o sistema jurídico pode ser visto como composto de vários sistemas, abertos e fechados ao mesmo tempo; aberto pois evolui e apresenta as soluções do contato com outros sistemas; fechado pois de forma reflexiva e auto-referencialmente, inclusive explicando a si próprio, evolui de forma a criar seus próprios elementos/conceitos/soluções. É a autopoiése.” (PICCININ, Luiz Gustavo Zanella. Planos e seguros de saúde: instrumentos para uma consecução desejável do direito universal da saúde. Dissertação de Mestrado. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. São Leopoldo, 2003, p. 32).

54 Para Dallari, “hoje já se constatou que a saúde dos indivíduos que compõem uma coletividade é diretamente afetada pelo nível de desenvolvimento socioeconômico dessa coletividade. Assim, um Estado que não tenha recursos econômicos para instalar uma rede de águas filtradas e de tratamento dos esgotos não conseguirá acabar com as doenças gastrointestinais transmitidas pela água, como algumas verminoses, por exemplo. Mas mesmo que esse Estado tenha recursos econômicos suficientes e instale uma rede de água e esgotos, as doenças gastrointestinais não serão eliminadas se ele ainda não tiver alcançado bom desenvolvimento cultural, isto é, se todos os indivíduos não receberem educação para a saúde, se eles não souberem, por exemplo, que as caixas d’água domiciliares devem estar sempre limpas.” (DALLARI, Sueli Gandolfi. A saúde do brasileiro. São Paulo: Moderna, 1987, p. 7).

27

Por ello, la salud es un proceso complejo, heterogéneo, que exige además de los esfuerzos individuales, la participación de todo el núcleo social. En este sentido, el Estado no puede desentenderse de esta perentoria obligación constitucional. El Ministerio de Salud debe ser el eje del sistema, respondiendo por la aplicación de las políticas estatales, orientando las actividades, vigilando las tendencias epidemiológicas, coordinando la atención de los eventos catastróficos y articulando acciones con el sector educativo en la formación de los recursos humanos, con las calidades necesarias, en la cantidad y distribución apropiadas.55

Para tanto, o campo da saúde deve estar associado à assistência às pessoas, às

intervenções ambientais e às políticas intersetoriais. Porquanto, a assistência para ser integral

“deve estar relacionada à promoção, prevenção e reparação da saúde. Deve ter como objetivo

a pessoa e não a doença.” 56 As intervenções ambientais devem visar “preservação das

condições sanitárias nos ambientes de vida e de trabalho, controle dos seres vivos que são

setores e hospedeiros de doenças, o saneamento ambiental.” 57 E, por fim, as políticas

intersetoriais “alimentação, moradia e trabalho – têm que mostrar o seu comprometimento

com a qualidade de vida.”58

Ademais, a doutrina e a legislação atual elencam também, direitos interligados ao

direito da saúde, como o direito à educação, direito ao trabalho, direito à seguridade social,

direito à assistência social, direito ao meio ambiente, entre outros.59

Sendo assim, através desta análise, pode-se dizer que saúde é, como bem leciona

Schwartz:

Um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, ao mesmo tempo em que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como

55 PARRA, Antonio Yepes. Op. cit., 1999, p. 7. 56 CONTROLE SOCIAL: uma questão de cidadania. Saúde é assunto para mulheres. Rede Nacional Feminista

de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. 3. ed. São Paulo, 2002. 57 Id., ibid., p. 19. 58 Id., ibid., p. 19. 59 O constituinte federal de 1988 orientou sobremaneira a precisão do conceito de saúde, tendo em várias

hipóteses elucidado seu conteúdo. Assim, saúde implica a definição de uma política pública que vise seu cuidado, sua defesa e sua proteção (CF, art. 23, II e 24, XII), ou seja, reforça-se, como requisito da legalidade, a obrigação de prestar serviços de atendimento à população (CF, art. 30, VII) que incluam ações para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Também o educando foi lembrado ao se esclarecer que o conteúdo do conceito constitucional de saúde deve garantir-lhe a assistência sanitária (CF, art. 208, VII), como deve ser, igualmente, assegurado à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à saúde, que será promovido por programas de assistência integral à saúde, para o que é exigida a aplicação de um percentual dos recursos públicos destinados à saúde para a assistência materno-infantil (CF, art. 227, § 1º, I). (DALLARI, Sueli Gandolfi. Op. cit., 1995, p. 32). Para tanto, nas palavras de Duarte, “o direito à saúde integra o conceito de qualidade de vida, porque as pessoas em bom estado de saúde não são as que recebem bons cuidados médicos, mas sim aquelas que moram em casas salubres, comem uma comida sadia, em meio que lhes permite dar à luz, crescer, trabalhar e morrer.” (DUARTE, Francisco Carlos. Qualidade de vida: a função social do Estado. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. São Paulo, n. 41, jun. 1994, pp. 164-179, p. 173).

28

instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a possibilidade de esse mesmo indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de bem-estar.60

Neste sentido, conceitua-se saúde, associando-a a um sistema que visa à redução do

risco de doenças e de outros agravos por meio da implementação de políticas públicas que

visem uma melhor qualidade de vida, através do atendimento integral a todos os cidadãos,

ampliando desta forma, o estado de bem-estar social, através da união de esforços de todos os

setores da sociedade.61

Todavia, após esta análise, ressalta-se que o cigarro infringe frontalmente o conceito

de saúde e qualidade de vida.

Na Antigüidade, como bem foi mencionado, a grande maioria dos óbitos estava

relacionada a doenças como febre amarela, sífilis, varíola etc. Atualmente, a realidade é outra,

pois não são mais estas doenças que vêm detonando a população das cidades e das nações.

Por sua vez, o principal responsável por grande parte dos males causados à população na

nossa era é o cigarro.62

O cigarro é veneno, veneno que mata se utilizado para os fins a que se destina.

Segundo as informações do INCA,

No Brasil, estima-se que cerca de 200.000 mortes/ano são decorrentes do tabagismo (OPAS, 2002). De acordo com o Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Riscos e Morbidade Referida de Doenças e Agravos Não Transmissíveis realizado em 2002 e 2003, entre pessoas de 15 anos ou mais, residentes em 15 capitais brasileiras e no Distrito Federal, a prevalência de tabagismo variou de 12,9 a 25,2% nas cidades estudadas. Os homens apresentam prevalências mais elevadas do que as mulheres em todas as capitais. Em Porto Alegre encontram-se as maiores proporções de fumantes, tanto no sexo masculino quanto no feminino, e em Aracaju, as menores. Essa pesquisa também mostrou que a concentração de fumantes é maior entre as pessoas com menos de oito anos de estudo do que entre pessoas com oito ou mais anos de estudo. Em relação à prevalência de experimentação e uso de cigarro entre jovens, de acordo com estudo

60 SCHWARTZ, Germano. Op. cit., 2001, p. 43. 61 Para Dallari, “a Constituição brasileira de 1988 forneceu muitas indicações para orientar o aplicador na

precisão do conceito jurídico de saúde. Sabe-se – por decorrência da origem natural dos conceitos jurídicos, que a palavra saúde apresenta hodiernamente um núcleo claro, preciso, determinado: a ausência manifesta da doença. Por outro lado, pela mesma razão, divisa-se um halo nebuloso, expresso por termos imprecisos, ou seja, o bem-estar físico, mental e social. O intérprete constitucional está pois, obrigado, desde o exame dos princípios que informaram a política constituinte, passando pela compreensão das diretrizes obrigadas na Constituição e alcançando, finalmente, o estudo das normas jurídicas nele incidentes, ao preenchimento do conceito de saúde.” (DALLARI, Sueli Gandolfi. Op. cit., 1995, p. 30).

62 Vale ressaltar que um bilhão e 200 milhões de pessoas (entre as quais 200 milhões de mulheres) fumam (DELFINO, Lúcio. Responsabilidade civil e tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 36).

29

realizado entre escolares de 12 capitais brasileiras, nos anos de 2002-2003 a prevalência da experimentação nessas cidades variou de 36 a 58% no sexo masculino e de 31 a 55% no sexo feminino, enquanto a prevalência de escolares fumantes atuais variou de 11 a 27% no sexo masculino e 9 a 24% no feminino.63

Vale ressaltar, que a estimativa para o ano de 2020 é de 10 milhões de mortes anuais

relacionadas ao fumo em todo o mundo, sendo cerca de 7 milhões (70%) nos países em

desenvolvimento.64

Nas mulheres,65 o consumo de cigarros pode acarretar a antecipação da menopausa.66

Além disso, o uso conjunto de cigarro e pílulas anticoncepcionais aumenta o risco de

infarto.67

Fumar na gravidez acarreta também grandes riscos ao feto.68 Conforme Garcia, “o

consumo de cigarro neste período pode causar 50% a mais de freqüência nos nascimentos

prematuros, 33 a 144% na proporção de abortos e 20 a 70% a mais na mortalidade perinatal

(nati-mortalidade mais mortalidade neonatal).”69 Ademais, pesquisas apontam que “filhos de

gestantes tabagistas inglesas mostraram-se com retardamento mental, variando de 3 a 5 meses

no que se refere à leitura, matemática e habilidade geral, além de um centímetro a menos de

63 BRASIL. Ministério da Saúde. INCA (Instituto Nacional do Câncer). Disponível em: <http://www.inca.gov.

br/tabagismo/dadosnum/mundo.htm>. Acesso em: 18 ago. 2006, p. 1. 64 MARTINS, Elaine Cristina; CATALDO NETO, Alfredo; CHATKIN, José Miguel. O tabagismo e a formação

médica. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, v. 27, n. 3, set./dez. 2003, p. 178. 65 “A OMS estima que um terço da população mundial adulta, isto é, 1 bilhão e 200 milhões de pessoas (entre as

quais 200 milhões de mulheres), sejam fumantes. Pesquisas comprovam que aproximadamente 47% de toda a população masculina e 12% da população feminina no mundo fumam. Enquanto nos países em desenvolvimento os fumantes constituem 48% da população masculina e 7% da população feminina, nos países desenvolvidos a participação das mulheres mais do que triplica: 42% dos homens e 24% das mulheres têm o comportamento de fumar.” (BRASIL. INCA-Instituto Nacional do Câncer. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/tabagismo/fromeset.asp?item=dadosnum&link=mundo.htm>. Acesso em: 5 dez. 2006).

66 Entre os mecanismos explicativos deste fato, invoca-se a indução, pelo tabaco, de enzimas hepáticas metabolizadoras que, por sua vez, influenciam o metabolismo dos asteróides (TABAGISMO E SAÚDE: Informações para profissionais de saúde. Ministério da Saúde, Grupo Assessor para o Controle do Tabagismo no Brasil. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1987, p. 22).

67 No estudo do Royal College of General Practicioners, constatou-se que a associação de anovulatórios e cigarros elevou em 440% o risco relativo de acidente cardíaco em relação ao uso da pílula por mulheres não tabagistas. O aumento da incidência de infarto devido a essa associação é explicado pela soma de dois fatores de aumento das lipoproteínas séricas de baixa densidade (Id., ibid., p. 22).

68 “Um único cigarro fumado por uma gestante é capaz de acelerar em poucos minutos, os batimentos cardíacos do feto devido ao efeito da nicotina sobre o seu aparelho cardiovascular. Assim, é fácil imaginar a extensão dos danos causados ao feto, com o uso regular de cigarros pela gestante.” (BRASIL. Ministério da Saúde. INCA-Instituto Nacional do Câncer. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/tabagismo/fromeset. asp?item=jovem& link=gravidez.htm>. Acesso em: 18 dez. 2006).

69 GARCIA, Sebastião. Carta aos fumantes. Urgente! São Paulo: Edições Paulinas, 1983, p. 95.

30

altura.”70 Tais problemas ocorrem devido os efeitos do monóxido de carbono e da nicotina

sobre o feto.71

Ademais, os males causados pelo cigarro atingem também as crianças. Conforme

pesquisas, as crianças que convivem com fumantes sofrem diretamente os males acarretados

pelo cigarro em razão de serem mais sensíveis a este produto. O Estudo da Escola de Higiene

e Medicina Tropical de Londres constatou que a incidência anual de infecções respiratórias

nas crianças de até um ano de idade foi de 7,8% entre os filhos de pais não fumantes; de

11,4% quando um dos genitores era fumante e 17,6% quando ambos eram fumantes.72

Destarte, ressalta-se que os males do cigarro não se restringem apenas aos fumantes,

mas também aos chamados fumantes passivos. 73 Os poluentes do cigarro dispersam

homogeneamente na atmosfera ambiental, de tal forma que os não fumantes posicionados

próximos ou distantes dos tabagistas acabam inalando quantidades idênticas de substâncias

tóxicas.74

Pelo visto, julga-se abalada a qualidade de vida dos indivíduos a partir do momento

que iniciam no consumo de cigarros. Já que, como explica Rocha:

A conceituação da saúde deve ser entendida como algo presente: a concretização da sadia qualidade de vida, uma vida com dignidade. Algo a ser continuamente afirmado diante da profunda miséria por que atravessa a maioria da nossa população. Conseqüentemente, a discussão e a compreensão da saúde passa pela afirmação da cidadania plena e pela aplicabilidade dos dispositivos garantidores dos direitos sociais da Constituição Federal.75

Por sua vez, é desanimador sabermos que o Estado considere legal a fabricação e a

comercialização de um produto que atente contra os princípios que regem o conceito de saúde

e qualidade de vida e cause a morte de tantos indivíduos.

70 A nicotina atravessa rapidamente a placenta sendo encontrada no cordão umbilical e no líquido amniótico. Ela

produz elevação do ritmo cardíaco do feto e age sobre os centros nervosos deste, o que provoca redução dos movimentos torácicos, por tempo variável.

71 TABAGISMO E SAÚDE. Op. cit., 1987, p. 22. 72 Id., ibid., p. 26. 73 Após 8 horas de exposição à poluição tabágica, a carboxihemoglina pode atingir taxas de 8% ou mais nos

fumantes passivos. Ao fim de uma jornada de trabalho em um ambiente poluído pelo cigarro, o fumante passivo pode ter inalado quantidades daqueles elementos equivalentes a ter fumado de 1 a 4 cigarros. (Id., ibid., p. 25).

74 Id., ibid., p. 25. 75 ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Op. cit., 1999, p. 43.

31

1.3 A NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

As gerações de direito moldam-se conforme a evolução da sociedade, as necessidades

e os anseios do povo em um determinado período. A institucionalização dos direitos

fundamentais do homem deu-se através de lutas históricas em busca de uma sociedade livre,

igual e fraterna. Os ideais alcançados nestes confrontos passaram a nortear as gerações de

direito, positivando-se seqüencialmente nas constituições dos Estados.

Os direitos fundamentais referentes à liberdade, originários na Declaração de Direitos

do Homem e do Cidadão, ocorrida na França, em 1789 e, posteriormente transformada no

preâmbulo da Constituição Francesa de 1791 são classificados como direitos de primeira

geração.

Estes direitos, segundo Bonavides, “têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade

que é o seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante

o Estado.”76

Bedin aponta como direitos de primeira geração as liberdades físicas; as liberdades de

expressão; a liberdade de consciência; o direito de propriedade privada; os direitos da pessoa

acusada; as garantias dos direitos.77

Estes direitos de primeira geração são portanto, direitos individuais que surgiram

durante as revoluções do século XVIII. Tratam-se de direitos estabelecidos contra o Estado,

ou seja, os chamados direitos negativos.78 Tutelam o espaço individualizado do homem na

sociedade e fazem parte dos direitos burgueses adquiridos na Revolução Francesa.79

76 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 563-564. 77 BEDIN, Gilmar Antonio. Os direitos do homem e o neoliberalismo. 2. ed. rev. e ampliada. Ijuí: Unijuí, 2000,

p. 43. 78 As liberdades podem ser positivas ou negativas. São negativas quando o indivíduo não possui restrição nos

seus atos, é livre para atuar. Por outro lado, são positivas quando o indivíduo ajusta as suas vontades a certas restrições estabelecidas pelo Estado. No entanto, Silva explica que: “autoridade e liberdade são situações que se complementam. É que a autoridade é tão indispensável à ordem social – condição mesma da liberdade – como esta é necessária à expansão individual. Um mínimo de coação há sempre que existir [...]. Portanto, não é correta a definição de liberdade como ausência de coação. O que é válido afirmar é que a liberdade consiste na ausência de toda coação anormal, ilegítima e imoral. Daí se conclui que toda lei que limita a liberdade precisa ser lei normal, moral e legítima, no sentido de que seja consentida por aqueles cuja liberdade restringe.” (SILVA, José Afonso da. Direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 231).

79 Araújo Filho relata que: “num primeiro momento, os direitos do homem surgiram e se afirmaram como direitos do indivíduo, face ao poder absoluto do soberano. Eram direitos de caráter nitidamente anti-estatal. A regulamentação constitucional desses direitos, não obstante identificados com as aspirações populares em sua luta contra os privilégios da aristocracia, deu-se, outrossim, a serviço da consolidação do Estado liberal, pois

32

Bobbio chama de “liberdades” os direitos que são garantidos quando o Estado não

intervém; de “poderes” os direitos que exigem uma intervenção do Estado para a sua

efetivação.80 Pois bem: liberdades e poderes, com freqüência, não são – como se crê –

complementares, mas incompatíveis.81

Nesses direitos, o espaço individual da intimidade, da manifestação da vontade, da

privacidade, da segurança, da vida do homem são protegidos. Rompe-se com a opressão

estatal e o indivíduo passa a conquistar a harmonia na convivência social (o homem efetiva a

sua realização de felicidade através da liberdade).82

A Constituição Federal de 1988 garante o direito fundamental à liberdade no seguinte

artigo:

Art. 5º: Inciso XVII – É plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar. [...] Inciso XLVI – A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos. [...] Inciso LIV – Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. (grifos nossos).

Destarte, a partir do século XIX, surgem os direitos fundamentais de segunda geração,

os chamados direitos sociais.83 Estes direitos, descritos na Declaração Universal dos Direitos

satisfazia primeiramente as necessidades da burguesia, na medida em que se voltava para a constituição do livre mercado (direitos da liberdade: livre iniciativa econômica; livre manifestação da vontade; livre cambismo; liberdade de pensamento e de opinião; liberdade de ir e vir; liberdade política; mão-de-obra livre) criando, por conseguinte, as condições necessárias à consolidação do modo de produção capitalista.” (ARAÚJO FILHO, Aldy Mello de. A evolução dos direitos humanos. Avanços e perspectivas. São Luiz: EDUFMA, 1998, p. 52).

80 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro, 1992. 81 Id., ibid., p. 43. 82 Bobbio expõe que: “[...] enquanto a liberdade é uma qualidade ou propriedade da pessoa (não importa se física

ou moral) e, portanto, seus diversos significados dependem do fato de que esta qualidade ou propriedade pode ser referida a diversos aspectos da pessoa, sobretudo à vontade ou sobretudo à ação. [...]. Ao contrário, seria perfeitamente legítimo dizer que, em determinada sociedade todos são livres mas alguns são mais livres, já que isso simplesmente significaria que todos gozam de certas liberdades, enquanto um grupo mais restrito de privilegiados goza, além disso, de algumas liberdades particulares.” (Id., ibid., p. 12).

83 Conforme Corrêa, “podemos elencar como direitos de segunda geração: direito ao trabalho e à liberdade de trabalho, direito ao salário mínimo, à jornada de quarenta e quatro horas semanais de trabalho, ao descanso semanal remunerado, a férias anuais remuneradas acrescidas de um terço do valor do salário, direito à liberdade sindical, direito de greve. Não menos importantes direitos de segunda geração são os direitos à saúde, à educação, à seguridade social, à habitação, enfim, direitos de acesso aos meios de vida e de trabalho.”

33

Humanos, surgiram no México em 1917, na Alemanha, em 1919, e foram adotados pelo

Brasil na Constituição Getulista de 1934. Porquanto, passaram a dominar por completo as

demais constituições dos Estados do segundo pós-guerra após serem proclamados

solenemente nas constituições marxistas e no constitucionalismo social democrata, sobretudo

na de Weimar.

Os direitos de segunda geração surgiram através das reivindicações da classe operária-

urbana-industrial que se encontrava insatisfeita com a presença efetiva do Estado e almejava a

redução das desigualdades sociais.84

Ressalta-se que, os direitos sociais, culturais e econômicos, considerados os direitos de

segunda geração são interligados ao princípio da igualdade “do qual não se podem separar,

pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula.”85

Além disso, cabe destacar que os direitos fundamentais de segunda geração são

direitos positivos, pois envolvem a participação do Estado. 86 A intervenção destes nas

relações sociais objetiva a consolidação dos direitos de cidadania e de igualdade.

Conforme Bonavides,87 esta geração de direitos inicialmente enfrentou um ciclo de

baixa normatividade ou possuiu eficácia duvidosa em razão da sua própria natureza de

direitos, que cobra do Estado algumas prestações materiais resgatadas por exigüidade,

carência ou restrição essencial de meios e recursos.

Passado o questionamento da juridicidade, estes direitos foram remetidos à chamada

esfera programática, em razão de não possuírem para a sua concretização aquelas garantias

(CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania: reflexões histórico-políticas. 3.ed. Ijuí: Unijuí, 2002, p. 174).

84 “O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo, acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo dos direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social.” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 55).

85 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 2003, p. 564. 86 Neste sentido, Bobbio explica que: “enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado –

e, portanto, com o objetivo de limitar o poder –, os direitos sociais exigem, para a sua realização prática – ou seja, para a sua passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado.” (BOBBIO, Norberto. Op. cit., 1992, p. 72). Nas palavras de Silva, “assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao aferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.” (SILVA, José Afonso da. Op. cit., 2002, p. 285-286).

87 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 2003.

34

asseguradas pelo instrumento de proteção aos direitos de liberdade. E logo a seguir, passaram

por uma crise de observância e execução, isto porque, nesta época, prevalecia o entendimento

de que os direitos sociais possuíam aplicabilidade mediata, por via do legislador. Todavia,

esta análise deixou de ter validade no momento em que as recentes constituições dos Estados

adotaram o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais de segunda geração encontram-se constitucionalizados nos

seguintes artigos da Constituição Federal de 1988:

Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...]. Art. 6º - São direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Os direitos fundamentais de terceira geração, chamados de direitos de

solidariedade ou direitos coletivos, cristalizaram-se no final do século XX, após a Segunda

Guerra Mundial.

O caos em que se encontrava a humanidade neste período fez com que surgissem uma

categoria de direitos “sobre o Estado”, distinguindo-se das anteriores por possuir uma

titularidade coletiva.88 Este deslocamento de direito é extremamente importante. A partir deste

momento, os direitos até então cobrados do Estado, se sobrepõem a ele, como requisito para a

sobrevivência da humanidade. Estabelece-se, conforme Trindade, um sistema de jurisdição

internacional.89

Tem-se então, a Declaração Universal de Direitos Humanos, órgão da ONU, que vem

ao encontro das necessidades da comunidade universal, almejando garantir a justiça, a

liberdade e a paz das nações.90

88 Ressalta Bonavides que: “a consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas

ou em fase de precário desenvolvimento deu lugar em seguida a que se buscasse uma outra dimensão dos direitos fundamentais, até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta sobre a fraternidade, conforme assinala Karel Vasak, e provida de uma latitude de sentido que não parece compreender unicamente a proteção específica de direitos individuais ou coletivos.” (BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 2003, p. 569).

89 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1991.

90 Bobbio informa que: “com a Declaração de 1948, tem início uma terceira e última fase. Na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo

35

Busca-se a solidariedade91 como requisito para alcançar as bases do bem-estar coletivo,

embasando-se na pluralidade dos valores individuais e comunitários.92 Sendo assim, estes

direitos de terceira geração, correspondem às exigências de ordem coletiva, de nível

internacional, como “o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente,

o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de

comunicação.”93

O direito ao desenvolvimento “diz respeito tanto a Estados como a indivíduos.”94 A

luta por este direito visa a democratizar o Estado para que surjam condições mínimas de bem-

estar social para todos.

O direito à paz é uma pretensão antiga da humanidade. Este direito, reconhecido em

vários textos internacionais é o pressuposto necessário para a proteção dos direitos do homem

nos Estados e no âmbito internacional.

Bobbio comenta que:

direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos só se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando

contra o próprio Estado que os tenha violado. No final desse processo, os direitos do cidadão terão se transformado, realmente, positivamente, em direitos do homem. Ou, pelo menos, serão os direitos do cidadão daquela cidade que não tem fronteira, porque compreende toda a humanidade; ou, em outras palavras, serão os direitos do homem enquanto direitos do cidadão do mundo. [...] A declaração Universal contém em germe a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos e termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta, dos direitos positivos universais.” (BOBBIO, Norberto. Op. cit., 1992, p. 30).

91 Marques explica que “solidariedade é vínculo recíproco em um grupo (wechselseitige Verbundenheit); é a consciência de pertencer ao mesmo fim, à mesma causa, ao mesmo interesse, ao mesmo grupo, apesar da independência de cada um de seus participantes (Zusammengehörigkeitsgefühl). Solidariedade possui também sentido moral, é relação de responsabilidade, é relação de apoio, é adesão a um objetivo, plano ou interesse compartilhado. No meio caminho entre o interesse centrado em si (egoísmus) e o interesse centrado no outro (altruismus) está a solidariedade, com seu interesse voltado para o grupo.” (MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de “ações afirmativas” em contratos de planos de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso. In: COUTINHO, Aldacy Rachid et al. (Orgs.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 186).

92 Conforme Galuppo, “os comunitaristas acreditam que se não se conseguir redimensionar o equilíbrio (balanceamento) das valorações decisórias em direção ao pólo da comunidade, nossa sociedade continuará a se tornar, cada vez mais centrada no indivíduo (individualismo), desordenada e dirigida por interesses específicos e pela perseguição do poder.” (GALUPPO, Marcelo Campos. Comunitarismo e liberalismo na fundamentalização do Estado e o problema da tolerância. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Org.). Crise e desafios da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2003).

93 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 2003, p. 569. 94 Id., ibid., p. 570.

36

existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo.95

Manter a paz entre as nações, atualmente num contexto internacional, repleto de

violência, em razão de vários conflitos armados, é um dos maiores desafios enfrentados pelo

direito internacional.

O direito ao meio ambiente sadio visa a garantir à humanidade um planeta saudável e

equilibrado. Este direito foi reconhecido primeiramente no Pacto Internacional de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais e se consolidou na Declaração Universal dos Direitos dos

Povos.

Com a degradação cada vez maior do meio ambiente, luta-se para que as próximas

gerações possam usufruir deste, com padrão de qualidade de vida. O direito de propriedade

sobre o patrimônio comum da humanidade está interligado ao direito ao meio ambiente sadio.

Esta relação se dá pelo fato de que a humanidade possui acesso comum a vários espaços

ambientais que devem ser preservados. Além disso, este direito assegura o acesso a áreas

comuns a todos os Estados no âmbito internacional, bem como direito concretizado através do

acúmulo de ciência, arte e tecnologia.96

Por fim, o direito de comunicação assegura a liberdade da imprensa. Objetiva-se que a

comunicação, por ser um processo bidirecional, seja feita entre os partícipes através de um

diálogo democrático.

Ressalta-se porém, que grande parte dos direitos de terceira geração ainda não estão

positivados nas Constituições Nacionais. Em relação a este fato, Sarlet comenta que:

No que tange à sua positivação, é preciso reconhecer que, ressalvadas algumas exceções, a maior parte desses direitos fundamentais da terceira dimensão ainda (inobstante cada vez mais) não encontrou seu reconhecimento na seara do direito constitucional, estando, por outro lado, em fase de consagração no âmbito do direito internacional, do que dá conta um grande número de tratados e outros documentos transnacionais nesta seara.97

Porquanto, estes direitos tratam ainda de uma categoria heterogênea e vaga e, grande

parte deles é fruto de tratados e convenções internacionais.

95 BOBBIO, Norberto. Op. cit., 1992, p. 1. 96 Disso resulta que todos os povos devem ter acesso à utilização comum e solidária do alto-mar (direito este

reconhecido em 1958, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre o direito do mar, da qual foi firmada a Convenção sobre o Alto-Mar), do fundo dos mares, do espaço epi ou extra-atmosférico (direito do espaço interplanetário) e da Antártida. (ARAÚJO FILHO, Aldy Mello de. Op. cit., 1998, p. 65).

97 SARLET, Ingo Wolgang. Op. cit., 2004, p. 57.

37

Ressalta-se que autores como Bobbio, Oliveira Júnior e Bonavides defendem ainda, a

existência de uma quarta geração de direitos.

Oliveira Júnior,98 seguindo a idéia desenvolvida por Bobbio defende que a quarta

geração de direitos está relacionada ao campo da bioética, bioengenharia e biotecnologia. Em

relação a este assunto temos ainda uma legislação principiante, destacando-se a lei n. 8.974/95,

o decreto n. 1.752/95, a lei n. 9.279/96, o decreto n. 98.830/90, o projeto de lei 306/95 e as

leis estaduais do Acre e do Amapá n. 1.235/97 e 388/97.

Já Bonavides, aponta o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao

pluralismo como direitos de quarta geração.99 Estes direitos estão interligados à instituciona-

lização do Estado social e objetivam a globalização política, a qual só passa a ser possível

com a universalização dos direitos fundamentais.

Nas palavras de Bonavides:

[...] os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio-ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a Humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo.100

Assim sendo, prossegue o autor explicando que:

Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem – sem, todavia, removê-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos da primeira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com a mais subida eficácia normativa a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico.101

Neste sentido, podemos afirmar que os direitos de segunda, terceira e quarta geração

concretizam-se e que esta concretização assegura o futuro da globalização política, o início de

sua legitimação e a força que funde os seus valores de libertação.

98 OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades de. Teoria jurídica e novos direitos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,

2000. 99 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 2003, p. 571. 100 Id., ibid., p. 572. 101 Id., ibid., p. 572.

38

A democracia102 é fundamental na atuação do homem como partícipe da sociedade e

nos aspectos referentes à personalidade e à cidadania. Conforme Bonavides103, a democracia

positivada como direito de quarta geração tem que ser uma democracia direta e isenta das

contaminações da mídia manipuladora, do hermetismo de exclusão, da índole autocrática e

unitária, familiar aos monopólios do poder.

Para tanto, faz-se necessária uma democracia globalizada, onde o homem afeiçoa a

presença moral da cidadania. Nesta democracia, a fiscalização de constitucionalidade das

quatro dimensões distintas de direito “será obra do cidadão legitimado, perante uma instância

constitucional suprema, à propositura da ação de controle, sempre em moldes compatíveis

com a índole e o exercício da democracia direta.”104

O direito à informação encontra-se interligado ao direito de comunicação e ao direito à

educação. Comunicar é expor fatos e idéias, o que exige o domínio e o conhecimento da

linguagem, para tanto, deve-se manejar informações, fato que demanda um nível de instrução

básica.

Este direito foi assegurado, como bem expõe Araújo Filho,

na Declaração Francesa de 1789 (arts. 10 e 11); na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 19); e mais recentemente, no Pacto da ONU sobre Direitos Civis e Políticos (art. 19); na Convenção Americana sobre os Direitos do Homem (art. 15); na Convenção Européia dos Direitos do Homem (art. 11); na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos de 1891 (art. 9º); e entre nós, encontra-se consagrado na Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, no seu artigo 1º.105

Já o pluralismo é a condição objetiva do Estado Democrático de Direito. De acordo

com este, não apenas o Estado possui importância na política mundial, como também os

diversos segmentos da sociedade e da política. Neste sentido, as Organizações

Intergovernamentais (OIG) passam a ter grande importância na política mundial, igualando-se

ao Estado em determinadas situações. Porquanto, pode-se dizer que esta geração de direitos

compreendem o futuro da cidadania, a qual poderá vir a ser alcançada através da globalização

política.

102 Para Silva, “a democracia é um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser

exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo. Diz-se que é um processo de convivência, primeiramente para denotar sua historicidade, depois para realçar que, além de ser uma relação de poder político, é também um modo de vida, em que, no relacionamento interpessoal, há de verificar-se o respeito e a tolerância entre os conviventes.” (SILVA, José Afonso da. Op. cit., 2002, p. 126).

103 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 1992. 104 Id., ibid., p. 572. 105 ARAÚJO FILHO, Aldy Mello de. Op. cit., 1998, p. 69-70.

39

Há autores ainda, como Zimmermann106 que defendem a existência de uma quinta

geração de direitos. De acordo com este autor, estes direitos incidem do mundo virtual e têm

gerado vários conflitos entre países que possuem realidades distintas. Esta geração de direitos

vem sofrendo várias críticas e não tem ganho muitos adeptos no Brasil, pois conforme alguns

doutrinadores, estes direitos poderiam ser classificados como direitos de primeira geração,

ligados à liberdade.

Destarte, após esta análise em razão das gerações de direito, passa-se agora a enfocar

em específico, o estudo das gerações do direito fundamental à saúde. Em princípio, ressalta-se

conforme Rocha, que “o surgimento da geração de direito posterior ou subseqüente não

elimina o direito de geração antecedente.”107 Porquanto, tomando por base o pensamento

deste autor, defende-se que o direito à saúde compreende todas as gerações de direito, sem

que uma anule a outra em razão da qualidade de vida abranger todas elas.

Os direitos fundamentais de primeira geração, nas palavras de Bonavides,

“valorizam primeiro o homem singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da

sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais

usual.”108

Estes direitos, como vimos, têm por titular o indivíduo e a sua liberdade. Sendo assim,

a saúde é um direito de primeira geração devido à sua individualidade, pois o indivíduo possui

liberdade para procurar serviços médicos e hospitalares que garantam a cura para a doença e

uma melhor qualidade e preservação da vida.109

O direito à saúde é também um direito social, pois conforme o artigo 6º da CF/88:

“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na

forma desta constituição.” (grifo nosso).

Para tanto, a saúde é um direito de segunda geração. Estes direitos de segunda

geração exigem do Estado uma prestação positiva. Assim sendo, o direito à saúde se enquadra

nesta geração de direitos pelo fato de que o Estado Democrático de Direito visa garantir a

106 ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. 107 ROCHA, Júlio César de Sá da. Direito da saúde: direito sanitário na perspectiva dos interesses difusos e

coletivos. São Paulo: LTr, 1999, p. 45. 108 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 1992, p. 564. 109 Rocha expõe que: “em certa medida, o direito à saúde pode ser compreendido sob diferentes óticas,

dependendo da titularidade e da divisibilidade do bem tutelado. Não há como questionar, por exemplo, a existência de um direito individual à saúde, enquanto um direito restrito à incolumidade ou segurança individual.” (ROCHA, Júlio César de Sá da. Op. cit., 1999, p. 47).

40

saúde a todos os cidadãos, mediante políticas sociais e econômicas, como bem menciona o

artigo 196 da CF/88 e a Lei nº 8.080/90.110

A saúde pode ainda ser avaliada como direito de terceira geração onde estão

elencados os direitos coletivos e difusos. Isto ocorre em razão de que a saúde é um direito de

todos (artigo 196 da CF/88), não possui determinação de titular e, é considerada patrimônio

da humanidade (artigo 81, inciso I do CDC).111 Além disso, a saúde é considerada um direito

de solidariedade no momento em que se interliga a fatores condicionantes como educação,

trabalho, moradia digna etc.

Destarte, atualmente o homem através de vários avanços científicos, como a clonagem,

a exploração científica de embriões humanos, a inseminação artificial, a mapeação do código

genético, entre outros, passou a ter o poder sobre a vida, determinando o nascimento e a morte

de seu semelhante.

Nesse sentido, utilizando-se a classificação de Oliveira Júnior, a saúde passa a ser

também um direito de quarta geração, pois se correlaciona com estes direitos de

manipulação genética ligados à biotecnologia e à bioengenharia.

De outra banda, adotando-se a classificação de Bonavides, temos também a saúde

como um direito de quarta geração, ligada à democracia, já que o risco das decisões desta

são o fundamento democrático da sua existência e validade.

Por fim, a saúde é também um direito de quinta geração. 112 Nesta geração

encontram-se os direitos advindos da chamada realidade virtual. Destaca-se, que em razão do

grande desenvolvimento da cibernética na atualidade, a saúde passa então a se enquadrar

nesta geração de direito, em razão de disponibilizar aos indivíduos acesso a várias

110 Neste mesmo sentido, Schwartz e Gloeckner lecionam que: “a Lei nº 8.080/90 trata das políticas sociais e

econômicas que orientam o direito à saúde, reconhecendo-o explicitamente como direito social. Assim sendo, direito de segunda geração. O direito social é um legado haurido na Constituição da República Socialista Soviética, de 1918, baseada nos princípios enunciados na declaração de Direitos dos Povos, Trabalhadores e Explorados.” (SCHWARTZ, Germano A.; GLOECKNER, Jacobsen Ricardo. A tutela antecipada no direito à saúde. A aplicabilidade da teoria sistêmica (de acordo com a Lei 10.444/02). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 106-107).

111 Conforme Rocha, “os interesses ou direitos difusos – o CDC trata interesse e direito como expressões sinônimas – caracterizam-se por uma pluralidade de titulares indeterminados, bem como pela indivisibilidade do objeto de interesse, que necessariamente aproveita em conjunto, v.g., em virtude da poliomielite (paralisia), o Poder Público realiza campanha de vacinação em defesa do direito à saúde infantil.” (ROCHA, Júlio César de Sá da. Op. cit., 1999, p. 46).

112 Para Schwartz, “a saúde é, também, direito de quinta geração, porque a qualidade de vida (um dos objetivos da saúde) pressupõe que o indivíduo possa ter acesso a todos os instrumentos que satisfaçam seu particular estado de bem-estar, no qual os computadores e a Internet podem e devem atuar como um dos fatores de maior contribuição nesse sentido.” (SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 55).

41

informações sobre inúmeros tipos de doenças, bem como atendimento on line por

profissionais da área.

1.4 O TRATAMENTO CONSTITUCIONAL

A saúde é um bem jurídico fundamental tutelado pela Constituição Federal de 1988. O

legislador constituinte ao elevar o direito à saúde ao patamar de direito fundamental objetivou

estabelecer um modelo de Estado Democrático de Direito preocupado com o bem-estar e a

proteção dos cidadãos. Porém, a incorporação constitucional deste direito ocorreu de forma

lenta e foi marcada por vários protestos e acontecimentos políticos e sociais.113

A Constituição do Império de 1824 114 teve uma sensibilidade precursora para o

social,115 em consonância com a idéia de proteção aos direitos humanos, muito embora não

fizesse menção alguma ao direito à saúde, apenas ao direito ao socorro público, pelas Santas

Casas de Misericórdia.116

113 Teixeira explica que: “[...] a conquista da cidadania através da implementação das políticas sociais é sempre o

resultado concreto e específico de uma relação de forças das classes em luta pela hegemonia, de sorte que a resultante desse processo é a corporificação legal e institucional das relações de força estabelecidas historicamente entre as classes e mediatizadas pelo Estado, na busca da preservação da hegemonia dominante ou na consolidação de um projeto alternativo de contra-hegemonia.” (TEIXEIRA, Sônia Fleury. In: RODRIGUEZ NETO, Eleutério. Saúde: promessas e limites da Constituição. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003, p. 25).

114 “O primeiro órgão constituinte do Império formou-se de uma maioria conservadora, como era natural, representando a aristocracia rural dos senhores de engenho, já que a agricultura de cana foi a mola mestra da economia durante os primeiros decênios do século XIX. A Assembléia Constituinte foi presidida por José Caetano da Silva Coutinho, bispo do Rio de Janeiro. Nomeada uma comissão de sete membros para elaboração do projeto da Constituição, da qual foi relator Antonio Carlos Ribeiro de Andrada e Silva, logo surgiram conflitos entre brasileiros e portugueses. Em conseqüência disso o imperador criou um Conselho de Estado a fim de elaborar um projeto de Lei Magna, a 12/11/1823, tendo dissolvido no dia anterior a Assembléia Constituinte. Apresentado o projeto, a 11/12/1823, foi ele submetido à aprovação das Câmaras Municipais, e se transformou na Constituição do Império de 25/03/1824.” (FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 12. ed. ampl. e atual. de acordo com as Emendas Constitucionais e a Revisão Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49).

115 “A Constituição do Império foi, em suma, uma Constituição de três dimensões: a primeira, voltada para o passado, trazendo as graves seqüelas do absolutismo; a segunda, dirigida para o presente, efetivando, em parte e com êxito, no decurso de sua aplicação, o programa do Estado liberal; e uma terceira, à primeira vista desconhecida e encoberta, pressentindo já o futuro, conforme acabamos de apontar.” (BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 101).

116 Pilau Sobrinho expõe que: “Contudo, apesar de assegurar o direito ao socorro público, a Constituição de 1824 não faz menção expressa ao direito à saúde. A omissão justificava-se porque a saúde no Brasil não estava nem positivada no texto constitucional nem oferecia quaisquer condições de atendimento digno às doenças dos habitantes. Algumas famílias católicas recebiam socorro público prestado pelas Santas Casas de Misericórdia, instituições piedosas mantidas com seu próprio patrimônio, proveniente de doações que ajudavam a custear as despesas. Estas casas serviam de referência nos casos de internação por motivo de doença, de receita de remédios de ervas para pequenas doenças clínicas. No contexto da era imperial, não cabia ao Estado maiores preocupações com a saúde [...].” (PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. In: A saúde como direito. Justiça do direito. Passo Fundo, v. I, n. 15, 2001b, p. 85).

42

A Constituição Republicana de 1891 também não fez nenhuma referência ao direito à

saúde. 117 A descentralização do poder federativo e a falta de unidade desta constituição

impediram a adoção de políticas sanitárias. A propósito, conforme Silva, “faltara-lhe, porém,

vinculação com a realidade do país. Por isso, não teve eficácia social, não regeu os fatos que

previra, não fora cumprida.”118

A inserção dos direitos sociais ocorreu apenas a partir da Segunda República com a

promulgação da Constituição de 1934.119 Neste período surge a primeira intenção de instalar

no Brasil um estado de bem-estar social preocupado com a previdência e com a assistência

médica e sanitária dos trabalhadores em especial.

Para Balera,

Assistência médico-sanitária e previdência figuraram, na Carta de 1934, como direitos subjetivos públicos dos trabalhadores brasileiros. A maternidade mereceu inclusão dentre as situações objeto da proteção. Sem prejuízo da tutela que é conferida à gestante pelo Direito do Trabalho, o constituinte estendeu os limites da proteção ao âmbito previdenciário. Os trabalhadores inválidos e idosos, bem como os dependentes de segurados falecidos, foram as primeiras categorias a serem amparadas pelo seguro social. A invalidez e a morte, quando decorrentes de acidentes de trabalho, já encontravam, proteção na legislação pioneira de 1919.120

Conforme o artigo 121, § 1º, “h” desta Constituição:

Art. 121 – A lei promoverá o amparo, a produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País.

117 Conforme Raeffray, “a Constituição de 1891 não tratou diretamente do problema previdenciário ou de saúde.

Dispôs restritivamente que ‘a aposentadoria poderia ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez nos serviços da Nação.’ (artigo 75). Ficou reservado à União, a responsabilidade dos Serviços de Higiene relativos ao estudo das doenças, às medidas profiláticas, à defesa da disseminação de doenças exóticas e indígenas da Capital Federal, a estatística demógrafo-sanitária, a fiscalização do exercício da medicina e farmácia, a análise das substâncias importadas e o serviço sanitário marítimo dos portos.” (RAEFFRAY, Ana Paula de Oriola. Direito da saúde de acordo com a Constituição Federal. São Paulo: Quartier Patin, 2005, p. 155).

118 SILVA, José Afonso da. Direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 79. 119 Pinto Ferreira comenta que: “a sua grande força renovadora consistiu na solução social dada ao seu contexto.

Surgiram capítulos novos, inspirados na Constituição alemã de Weimar, de 1919. Entre esses capítulos mais importantes figuraram aquelas matérias alusivas à ordem econômica e social, à família, à educação e à cultura, normas concernentes ao funcionalismo público, às Forças Armadas, etc.” (FERREIRA, Pinto. Op. cit., 2002, p. 55). Neste sentido, bem expõem Bonavides e Andrade que “pela primeira vez na história constitucional brasileira, considerações sobre a ordem econômica e social estiveram presentes. Uma legislação trabalhista garantia a autonomia sindical, a jornada de oito horas, a previdência social e os dissídios coletivos. A família mereceria proteção especial, particularmente aquela de prole numerosa. O deputado Prado Kelly foi em larga medida o responsável pela inclusão de um outro item social até então inédito: um capítulo especial sobre a educação.” (BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. Op. cit., 1991, p. 319).

120 BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 23.

43

§ 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: [...] h) assistência médica e sanitária ao trabalhador, à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte.

Além disso, é conferida pela Constituição de 1934 a competência concorrente na área

da saúde à União, aos Estados e aos Municípios, responsabilizando-os, como bem preza o

artigo 138:

Art. 138 – Incumbe à União, aos Estados e aos municípios, nos termos das leis respectivas: [...] f) adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a

mortalidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a propagação das doenças transmissíveis;

g) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais.

A Constituição de 1937, no patamar dos direitos sociais, conservou o texto

constitucional instituído pela Carta anterior, acrescentando apenas mais alguns artigos de

cunho trabalhista. Esta Constituição foi considerada o marco da consolidação das leis

trabalhistas no Brasil.

De acordo com o artigo 37, I: Art. 37 – A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos: [...] I) Assistência médica e higiênica do trabalhador e a gestante,

assegurando a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e depois do parto.

Na Constituição de 1946, a saúde permanece ainda relacionada exclusivamente com o

trabalhador, associando, desta forma, a medicina à área previdenciária,121 como bem ressalta o

artigo 157, inciso XIV: Art. 157 – A legislação do trabalho e da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem à melhoria da condição dos trabalhadores: [...]

121 “O modelo refletido na Constituição Federal de 1946, para a assistência à saúde, é o do Seguro Social, no

tempo em que tal modelo já estava em substituição na Europa pelo modelo de Seguridade Social. Todavia, esse modelo de Seguro Social era o que realmente se adequava, naquele momento, às estruturas política, econômica e social vigentes, cujo discurso era o médico assistencial privatista.” (RAEFFRAY, Ana Paula de Oriola. Op. cit., 2005, p. 208).

44

XIV – assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva, aos trabalhadores e à gestante.

Já a Constituição de 1967 foi marcada pelo autoritarismo. A propósito, conforme

Raeffray, “em todo o corpo do texto constitucional estava presente a marca da arbitrariedade

do governo militar, especialmente identificada nas chamadas cláusulas de excludência, que

vetaram o exame do dispositivo pelo Poder Judiciário.”122

Ressalta-se que a nova Constituição deu ênfase à idéia de desenvolvimento. Foram

implantados vários planos de saúde como, por exemplo, o Plano de Saúde no Estado do

Amazonas e o Plano Nacional de Saúde (PNS) com o objetivo de diminuir a pobreza e

melhorar a saúde do povo.

No entanto, o direito à saúde, em relação à sua disposição textual, foi pouco apreciado.

A única referência à saúde encontrava-se no artigo 8º, XIV, que delegava à União a

competência de constituir planos nacionais de educação e saúde.

Somente com a promulgação da Constituição de 1988 a saúde passa a ser mencionada

explicitamente.123 Esta nova Carta Magna passa a ser chamada de “Constituição Cidadã, na

expressão de Ulisses Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional Constituinte que a

produziu”.124

Para Rodriguez Neto,

No caso brasileiro, a nova Constituição não é fruto de um processo revolucionário ou mesmo de um pacto social obtido pela participação das várias forças sociais. Mais que tudo, é quase uma “atualização” constitucional de conquistas setoriais, viabilizadas pelo pacto político que superou o chamado Estado autoritário/militarista pelo Estado de direito.125

122 Id., ibid., p. 226. 123 Dallari menciona que: “nenhum texto constitucional se refere explicitamente à saúde como integrante do

interesse público fundante do pacto social até a promulgação da Carta de 1988. A primeira república ignorou completamente qualquer direito social e evitou, igualmente, referir-se à saúde.” (DALLARI, Sueli Gandolfi. Os estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Hucitec, 1995, p. 23).

124 SILVA, José Afonso da. Op. cit., 2002, p. 90. Para Rodriguez Neto, “a inscrição na Constituição do direito à saúde significa a culminância de um processo de lutas e conquistas do movimento pela democratização da saúde com sucesso inquestionável, que, entretanto, coloca o desafio da sua própria superação não apenas pela sua via de desenvolvimento técnico, mas também pela sua capacidade de rearticular-se politicamente e contribuir ideologicamente para o aprofundamento da democracia como condição essencial de apropriação dos conhecimentos e instrumentos necessários à luta contra-hegemônica das classes hoje hegemonizadas.” (RODRIGUEZ NETO, Eleutério. Op. cit., 2003, p. 31).

125 RODRIGUEZ NETO, Eleutério. Op. cit., 2003, p. 92.

45

Esta Constituição visa a proporcionar, conforme os seus dispositivos constitucionais, o

acesso universal aos bens e serviços de saúde com o objetivo-fim de promoção, recuperação e

prevenção. Para tanto, vários dispositivos desta Carta Magna tratam do direito à saúde.

Primeiramente, conforme o artigo 1º da Constituição Federal de 1988, o Brasil

constitui-se em um Estado Democrático de Direito.126 Este modelo de Estado, baseado em

princípios, objetiva organizar a sociedade através de uma justiça social efetiva. Porquanto,

com base neste artigo, o Estado, em relação ao direito à saúde, fica então, obrigado a exercer

uma política sanitária que vise à construção de uma nova ordem social, fundada no bem-estar

e na qualidade de vida da população.127

Logo, o Título II da Constituição estabelece os “direitos e garantias fundamentais”,

designando no artigo 6º o direito à saúde como um direito social. Com isto, denota-se que tal

direito vai além da esfera individual, passando a ser de interesse coletivo, havendo

responsabilidade do Estado e da sociedade pela implementação do mesmo.

O artigo 7º, inciso IV, expõe que o salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente

unificado, deve ser capaz de atender às necessidades básicas dos trabalhadores urbanos e

rurais, e as de sua família com saúde.128 Já o inciso XXII deste mesmo artigo, garante a

“redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.”

A saúde está também tutelada nos dispositivos da seguridade social.129 Vejamos: o

artigo 194 da CF/88 menciona que os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência

social são assegurados pela seguridade social com base nos seguintes objetivos: I –

universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios

e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos

benefícios e serviços; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – eqüidade na forma de

participação no custeio; VI – diversidade da base de financiamento; VII – caráter democrático 126 Silva explica que o Estado Democrático de Direito “é um tipo de Estado que tende a realizar a síntese do

processo contraditório do mundo contemporâneo, superando o Estado capitalista para configurar um Estado promotor de justiça social que o personalismo e o monismo político das democracias populares sob o influxo do socialismo real não foram capazes de construir.” (SILVA, José Afonso da. Op. cit., 2002, p. 120).

127 Assim sendo, “a Carta Magna não é um estatuto jurídico político, mas sim um plano global normativo, visan-do a uma nova ordem econômica e social, e estipulando objetivos e programas que deverão ser efetivamente concretizados tanto pelo Estado como pela sociedade.” (SCHWARTZ, Germano. Op. cit., 2001, p. 50).

128 A expressão referência da Constituição de 1988 à saúde como direito social do trabalhador constitui necessário reflexo da proteção à vida das pessoas, no sentido de sua preservação para uma exigência digna. Faz parte dos direitos sociais, em complemento aos direitos individuais, com igual respaldo constitucional de garantias por parte do Estado (OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito à saúde: garantia e proteção pelo poder judiciário. In: Revista de Direito Sanitário. São Paulo: LTr, v. 2, n. 3, nov. 2001, p. 41).

129 Balera informa que “a problemática da saúde é parte integrante das questões que são próprias da seguridade social. O bem-estar da população depende das medidas concernentes à promoção, à proteção e à recuperação da saúde.” (BALERA, Wagner. Op. cit., 1989, p. 74).

46

e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos

trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados

(artigo 194, parágrafo único, incisos I ao VII).

Ainda quanto à seguridade social, o parágrafo 2º do artigo 195 expõe que a proposta

de orçamento desta será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde,

previdência social e assistência social, seguindo as metas e prioridades estabelecidas na lei de

diretrizes orçamentárias, garantida a cada área a gestão de seus recursos. Além disso, o

parágrafo 10º deste mesmo artigo, relata que os critérios de transferência de recursos para o

sistema único de saúde e ações de assistência social da União, para os Estados, o Distrito

Federal e municípios, e dos Estados para os Municípios serão definidos em lei, com

observância da respectiva contrapartida.

Os artigos 196 ao 200 da Constituição Federal de 1988 tratam em específico do direito

à saúde. Por força do artigo 196, a saúde caracteriza-se como um direito de todos e dever do

Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de

doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua

promoção, proteção e recuperação.

Porquanto, o Estado passa a responder pelos cuidados inerentes à saúde através de

políticas públicas que incentivem o desenvolvimento social e econômico e extingam vários

fatores que atingem negativamente a saúde, como a falta de moradia, de alimentação, de

saneamento básico, de escolaridade, etc., visando assim a promoção130 da saúde através de

uma melhor qualidade de vida.131

130 Em relação ao princípio da promoção instituído no artigo 196, Schwartz menciona que “a Constituição

estabelece aqui o vínculo entre qualidade de vida e saúde, pois essa promoção, por mais redundante que soe essa afirmação, visa a promover a saúde, entendendo-a não apenas como a cura e a prevenção de doenças, mas também o fato de ser um processo que se constrói e que se modifica, sofrendo influência de todos os demais sistemas sociais. Essa qualidade de vida possui uma série de direitos afins, e o art. 3º da Lei nº 8.080/90 apresenta alguns deles, sendo que o art. 225 da CF/88 positiva a qualidade de vida, ao mesmo tempo em que a conecta com o meio ambiente.” (SCHWARTZ, Germano. Op. cit., 2001, p. 98-99).

131 A propósito, conforme Lenir Santos, “a Constituição, ao determinar que as políticas públicas no campo econômico e social devem apontar para a melhoria da qualidade de vida do cidadão, com repercussão, ainda que indireta, na saúde do indivíduo e da coletividade, alterou substancialmente o conceito de saúde. Saúde não tem apenas o significado de equilíbrio orgânico, mas é o resultado da qualidade de vida de um povo, das políticas adotadas pelo Estado, não podendo o setor saúde, exclusivamente, ser responsabilizado pelas condições de saúde da população. A concepção de saúde como resultante de questões extra-sensoriais mais abrangentes se contrapõe à concepção de que a doença (falta de saúde) é a causa de distúrbios e desvios de outros setores. A pobreza, a alimentação deficiente, a moradia precária, a falta de saneamento são causas básicas da doença, ou da falta de saúde.” (SANTOS, Lenir. In: RODRIGUEZ NETO, Eleutério. Saúde: promessas e limites da Constituição. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003, p. 97). Neste mesmo sentido, Dallari explica que: “Modernamente se exige do Estado a responsabilização pela saúde do povo porque se sabe que a saúde não é apenas a ausência de doenças mas o completo bem-estar físico, mental e social. Isto é, só tem saúde quem está bem adaptado ao seu ambiente geral. Para tanto, não é suficiente a participação do Estado

47

A saúde passa, então, a ser um direito de todos, brasileiros ou estrangeiros residentes

no país.132 Sendo assim, por força deste dispositivo, a saúde julga-se interligada ao princípio

da igualdade, em razão de disponibilizar a todos os cidadãos, ações e serviços com acesso

universal e igualitário.

Para tanto, a saúde há de ser preventiva e curativa. A saúde preventiva visa o abrigo

fornecido pelo Estado num instante anterior ao da doença, portanto, busca a redução do risco

de doenças e outros agravos. A saúde curativa, por sua vez, objetiva sanar os casos sucedidos

através de processos de recuperação. Assim, o Estado passa a atuar em um momento posterior

à ocorrência da doença.

Neste sentido, Jorge Miguel afirma que:

A promoção da saúde, sua proteção e recuperação é dever do Estado. O acesso às ações que garantam a promoção, a proteção e a recuperação da saúde, é universal e igualitário. Universal porque obriga a todos, sem exceção; igualitária, porque as ações não se comovem com a diversidade do segurado. Para garantir a saúde ou recuperá-la, todos recebem o mesmo tratamento.133

No artigo 197 da Constituição Federal, o legislador expôs que são de relevância

pública as ações e serviços da saúde,134 cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei,

sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente

ou através de terceiros, e também por pessoa física ou jurídica de direito privado.

apenas promovendo boas condições de trabalho. É necessário que ele promova também boas condições de estudo, transporte, alimentação, moradia, lazer, etc..” (DALLARI, Sueli Gandolfi. A saúde do brasileiro. São Paulo: Moderna, 1987, p. 9).

132 Dallari expõe ainda que a expressão “garantia de acesso universal e igualitário às ações e serviços”, contida no artigo 196, “é princípio constitucional que dá unidade ao sistema e influi diretamente sobre o conceito de saúde e que – exatamente por exprimir os valores fundamentais dos constituintes – reflete a ideologia inspiradora da Constituição, a opção pelo ‘Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais – o bem-estar... a igualdade’ (CF, preâmbulo). A leitura mais superficial desse princípio esclarece que o termo saúde, empregado em qualquer conceito constitucional, deve ser precisado com a necessária consideração de sua natureza de direito reconhecido igualmente a todo o povo. Isto por decorrência lógica e imediata de tal princípio, eventualmente expresso no preâmbulo da Constituição.” (DALLARI, Sueli Gandolfi. Os estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Hucitec, 1995, p. 30-31).

133 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, v. 8, 2000, p. 140.

134 Carbone indaga que: “a afirmação de que as ações e serviços de saúde são de relevância pública suscita alguns questionamentos. A adjetivação pública, na sua interpretação literal, significa que tais serviços são de grande importância para o Estado. Mas será esta uma verdade? Sua importância não é, de fato, primacial para a sociedade? É claro que o Estado deve estar a serviço da sociedade e isto acaba por se assemelhar a um jogo de palavras. Parece-nos, contudo, que, para evitar que a nossa primeira afirmação possa ser tomada como verdadeira, melhor seria que o preceito tivesse dito que as ações e serviços de saúde são de relevância social. Pois o tema não está no Título VIII da Ordem Social?” (CARBONE, Marly A. Previdência – Assistência – Saúde: o não trabalho na Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 1990, p. 50).

48

A expressão “poder público”, utilizada neste artigo, indica a União, os Estados e os

Municípios.135 Ressalta-se que a Constituição Federal vigente não isentou qualquer esfera do

poder político da obrigação de proteger, defender e cuidar da saúde. Assim, a saúde – “dever

do Estado” (art. 196), é responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios.”136

Neste sentido, prevê o artigo 23, inciso II, que é “competência comum da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos municípios, cuidar da saúde e assistência pública, da

proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.” Porquanto, o Sistema Nacional da

Saúde é totalmente descentralizado.

A União legisla normas gerais sobre a saúde que devem ser obedecidas em todo o

território nacional. Os Estados devem complementar a lei federal, tomando o devido cuidado

para não contrariá-la. Já os municípios, conforme o artigo 30, incisos I e II, devem “legislar

sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber.”

Para tanto, o artigo 24, inciso XII determina que “compete à União, aos Estados e ao

Distrito Federal, legislar concorrentemente sobre previdência social, proteção e defesa da

saúde” (grifo nosso). No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-

se-á a estabelecer normas gerais (§ 1º). A competência da União para legislar sobre normas

gerais não exclui a competência suplementar dos Estados (§ 2º). Inexistindo lei federal sobre

normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender às suas

peculiaridades (§ 3º). A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia

da lei estadual, no que lhe for contrário (§ 4º).

Adverte-se aqui, os casos dos artigos 21, inciso XXIV e 22, inciso XXIII da CF/88 em

que a competência é exclusiva da União. Entretanto, é de suma importância registrar que,

conforme este artigo, os serviços e ações da saúde poderão também ser executados por

terceiros e por pessoa jurídica de direito privado. Tratam do tema a Lei n. 9.656/98 e o Título

II da Lei n. 8.080/90.

135 Portanto, ressalta-se a importância do artigo 129, inciso II, o qual estabelece como função institucional do

Ministério Público, “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias para a sua garantia, fato que assegura garantir efetividade ao direito fundamental à saúde. Da mesma forma, o artigo 127 estabelece que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”

136 DALLARI, Sueli Gandolfi. Op. cit., 1995, p. 42.

49

O artigo 198 estabeleceu o Sistema Único de Saúde (SUS) através de uma rede

regionalizada e hierarquizada137 e configurou as seguintes diretrizes:138

I – descentralização, com direção única, em cada governo.139

Com a descentralização do Sistema Único de Saúde, a fiscalização e o controle deste

sistema tornam-se mais hábeis, em razão das necessidades locais serem atendidas com maior

eficiência pelos seus agentes.

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais.140

Neste sentido, as ações e serviços da saúde, sejam elas preventivas ou curativas,

possuem um atendimento integral que passa a ser único e inseparável.

III – participação da comunidade.141

137 “A hierarquização do art. 198 da CF/88 é um termo técnico do setor sanitário que significa divisão de nível

em complexidade crescente. Logo, o acesso aos níveis mais sofisticados do Sistema Único de Saúde depende da análise do caso em concreto – excetuadas situações de emergência – e, deve ser autorizado pelos responsáveis diretos. Entretanto, o que se nota, principalmente nos hospitais públicos das grandes cidades brasileiras, é o abarrotamento dos mesmos, muitas vezes por pacientes e casos que poderiam ser tratados/resolvidos no âmbito regional, sendo tal fenômeno fruto de uma prática política desconectada com os objetivos do Sistema Único de Saúde.” (SCHWARTZ, Germano. Op. cit., 2001, p. 108).

138 Para Dallari, “o conceito de saúde deve ser interpretado considerando que a legalidade obriga a organização das ações e serviços públicos destinados a garantir o direito à saúde – em condições de igualdade para todo o povo – ao respeito das seguintes exigências: descentralização... atendimento integral... e ... participação da comunidade. (CF, art. 198, I, II e III).” (DALLARI, Sueli Gandolfi. Op. cit., 1995, p. 31-32).

139 De acordo com Raeffray, “a distribuição da participação de cada uma das esferas de governo e a participação do setor privado assim ficou estabelecida: a) União: responsável pela coordenação, normalização e financiamento do SUS; vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras; execução de ações de vigilância epidemiológica e sanitária em circunstâncias especiais (ocorrência de agravos com risco de disseminação nacional que escapem ao controle dos estados); regulação das relações do SUS com o setor privado; cooperação técnica e financeira a estados e municípios; serviços de atendimento à saúde da população: de forma permanente, por meio do Instituto Nacional do Câncer (INCA), de administração direta e da Associação das Pioneiras Sociais, por meio de contrato de gestão; também de forma transitória, por meio de ampla rede própria, integrada por hospitais, postos de assistência médica, centros e postos de saúde ainda não integralmente transferidos para gestão municipal ou estadual, espalhados por mais de 700 municípios; b) Estado: não tem atribuição constitucional específica no campo da saúde. Suas funções são semelhantes às da União, exercidas pelas respectivas Secretarias de Saúde; c) Município: de acordo com o disposto no artigo 30, inciso VII, da Carta Magna, cabe ao município prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.” (RAEFFRAY, Ana Paula de Oriola. Op. cit., 2005, p. 283-284).

140 “A expressão ‘serviços assistenciais’ para significar atos e serviços médicos curativos deve ser evitada, porque o assistencial está ligado à não contributividade do atendido ao sistema. É uma expressão absolutamente equívoca que, inclusive, pode gerar dúvida quanto ao direito do cidadão aos serviços curativos. Já se disse, com efeito, que as medidas assistenciais do Estado não criam direito subjetivo para o cidadão. Daí que a expressão “serviços assistenciais” não se presta para traduzir a idéia que pretende, repita-se, atos e serviços de medicina curativa aos quais o cidadão tem direito.” (CARBONE, Marly A. Op. cit., 1990, p. 52).

141 “A participação da comunidade (art. 198, III, CF/88) é, basicamente, feita através de duas instâncias colegiadas, existentes em cada esfera do governo: 1) a Conferência de Saúde, que avalia a situação da saúde e propõe a formulação da política de saúde no nível correspondente – art. 1º, § 1º, da Lei nº 8.142/90; 2) o Conselho de Saúde, que formula estratégias e atua no controle da execução da política de saúde na instância

50

A participação da comunidade visa o controle e a formulação da implementação das

políticas sociais. Ressalta-se, porém, que este inciso repete o inciso VII do artigo 194 e deverá

ser suprido em uma próxima revisão.

Adverte-se, que conforme o § 1º deste mesmo artigo, o Sistema Único de Saúde deve

ser financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos municípios, ou ainda por outras fontes como doações, legados, etc.

Destarte, é importante mencionar que, de acordo com o § 2º e o § 3º do artigo 198, in

verbis:

§ 2º - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente. Em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º; II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, I, “a”, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos municípios; III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, I, “b” e § 3º. § 3º - Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I – os percentuais de que trata o § 2º; II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais; III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; IV – as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.

Porquanto, a União pode intervir nos Estados e no Distrito Federal para que ocorra a

efetivação do princípio constitucional instituído com a emenda nº 29, de 13 de setembro de

2000142, que objetiva a aplicação do mínimo de recursos necessários para o custeio das ações

correspondente – art. 1º, § 2º, da Lei nº 8.142/90.” (SCHWARTZ, Germano. Op. cit., 2001, p. 109). Porém, além dessas instâncias colegiadas “há outras possibilidades de participação (direta e indireta). A participação indireta pode ser encontrada nos seguintes artigos de nossa Constituição: 1º e parágrafo único, 14, 61, § 2º, 58, § 2º, II, 49, XV e 103, VIII e IX. A participação direta é verificada nos artigos 29, X, 74, § 2º e 85, III, da CF/88 (SCHWARTZ, Germano. Op. cit., 2001, p. 110).

142 A emenda constitucional nº 29 acrescentou o artigo 77 aos Atos das Disposições Constitucionais: “Art. 77 – Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes: I – no caso da União: a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento; b) do ano 2001 ao 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB; II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se

51

e serviços públicos de saúde exigido da receita dos impostos estaduais. Sob este mesmo

prisma, ressalta-se que haverá também a intervenção da União e dos Estados nos municípios

quando o mínimo exigido por lei não for cumprido.

De acordo com o artigo 199, “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada”.143

Neste sentido, a assistência à saúde pode tanto ser pública como privada, sendo que uma não

exclui a outra.

Conforme o § 1º deste artigo, “as instituições privadas poderão participar de forma

complementar do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes desse, mediante contrato de

direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins

lucrativos.” É importante ressaltar no entanto, que o contrato de direito público poderá conter

as cláusulas extravagantes de direito comum, as quais desigualam as partes em prol do

interesse coletivo, enquanto que no convênio, ao contrário, são acertados os interesses em

comum dos envolvidos.

Na seqüência, o § 2º do artigo 199 informa que “é vedada a destinação de recursos

públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.” Portanto,

somente as entidades sem fins lucrativos podem receber auxílios ou subvenções, de acordo

com o artigo 58, caput, e o seu § 5º da Consolidação das Leis da Previdência Social (CLPS).

Artigo 5º - A assistência médica, ambulatorial, hospitalar ou sanatorial compreende serviços de natureza clínica, cirúrgica, farmacêutica e odontológica, e a assistência complementar, sendo prestada em estabelecimento próprio ou mediante convênio de terceiros.

refere o art. 155 e dos recursos que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea “a”, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; e III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto de arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea “b” e § 3º. § 1º - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos, sete por cento. § 2º - Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei. § 3º - Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados à ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Constituição Federal. § 4º - Na ausência de lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o disposto neste artigo.”

143 “Outra vez a palavra assistência usada indevidamente. Um hospital privado com fins lucrativos, dá assistência? É claro que não. Uma entidade filantrópica, sem fins lucrativos, poderá ser o sujeito passivo de um serviço de assistência médica. Porém, será um tipo de serviço médico e não o gênero. Assim, este caput deveria dizer: ‘Os serviços e ações de saúde são livres à iniciativa privada’.” (CARBONE, Marly A. Op. cit., 1990, p. 53).

52

§ 5º - Para a prestação dos serviços de que trata este artigo, a previdência social urbana pode subvencionar instituição sem finalidade lucrativa, ainda que já auxiliada por outra entidade pública.

Destarte, segundo o § 3º do artigo 199, “é vedada a participação direta ou indireta de

empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no país, salvo nos casos previstos em

lei.” Exceções estas, que se encontram previstas no artigo 23 da Lei n. 8.080/90.

Por fim, o parágrafo 4º do mesmo artigo prevê que “a lei disporá sobre as condições e

os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de

transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue

e seus derivados, sendo vedado todo o tipo de comercialização.”

O sangue continua sob o controle do Estado, não sendo permitido o seu comércio,

conforme a Lei n. 10.205/2001 e o decreto n. 3.990. Todavia, de acordo com a Lei n. 7.649/98,

os doadores de sangue devem cadastrar-se e o sangue coletado desses precisa necessariamente

passar pelo exame laboratorial.

Lenir Santos informa que:

A Lei disciplinou que os insumos, mão-de-obra, materiais, etc., utilizados na coleta, transfusão e demais atos hemoterápicos poderão ter seus custos cobrados pelas entidades, sem que isso possa ser considerado comércio com o sangue, estabelecendo que o fracionamento industrial do sangue poderá ser realizado tanto pelo Poder Público como pela iniciativa privada. Em se tratando de bem fora do comércio, cabe ao Poder Público a prestação desses serviços, de forma direta ou indireta. A atividade prestada de forma indireta pelo setor privado pressupõe delegação de competência e fixação da política de preços. A Lei silenciou sobre essa forma de transpasse para o setor privado da atividade industrial hemoterápica. O instrumento jurídico adequado será a permissão ou a concessão, sob o controle e a fiscalização do Poder Público.144

Quanto ao transplante, a Lei n. 9.434 de 4 de fevereiro de 1997, estabeleceu que

seriam doadores todos aqueles que em vida não se opusessem a doar. Em razão disso, a

população passou a registrar em seus documentos a condição de não-doador. Sendo assim,

devido aos reclamos da sociedade, uma Medida Provisória alterou esta lei e autorizou os

familiares a decidirem sobre a retirada dos órgãos do cadáver, independentemente da

manifestação da vontade deste nos seus documentos.

144 SANTOS, Lenir. In: RODRIGUEZ NETO, Eleutério. Saúde: promessas e limites da Constituição. Rio de

Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 110.

53

O artigo 200 estabelece as atribuições do Sistema Único de Saúde. De acordo com os

seus incisos, compete a este sistema as atividades de controle e fiscalização de procedimentos,

produtos e substâncias de interesse para a saúde, de participação na produção de

medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos sanitários;

de execução das ações de vigilância sanitária e epidemiológica e de saúde do trabalhador; de

ordenação da formulação de recursos humanos na área de saúde; de participação na

formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; de incremento do

desenvolvimento científico e tecnológico na área da saúde; de fiscalização e inspeção de

alimentos, bebidas e água para o consumo humano e de controle do teor nutricional dos

alimentos; de participação no controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e

utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; e de colaboração na

proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Ademais, outros artigos da Constituição Federal elencam juntamente com diversos

temas, o direito à saúde. O artigo 208 estabelece que o dever do Estado com a Educação será

efetivado mediante a garantia de atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de

programas de assistência à saúde.

Já o artigo 220, § 3º, inciso II, expõe que compete à lei federal estabelecer os meios

legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programações de

rádio e televisão que possam ser nocivos à saúde.

No artigo 225 da CF/88 temos que “todos têm direito ao meio ambiente 145

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as

presentes e futuras gerações.”

Conforme o artigo 227, é dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à

criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à saúde;

Schwartz explica que:

A Constituição prevê ainda que, em alguns casos, a saúde deverá ter atenção redobrada. O art. 227, § 1º, determina prioridade absoluta no trato da saúde da criança e do adolescente, e isso feito mediante assistência integral,

145 Segundo Rodriguez Neto, “uma outra área bastante correlacionada com a saúde é a do meio ambiente. Nesse

particular, segundo especialistas e militares da área, o Brasil talvez venha a ser um dos países com preceitos constitucionais mais rigorosos, com dispositivos que protegem desde os ecossistemas até a diversidade do patrimônio genéticos, passando pela questão nuclear e prevendo a criminalização das práticas detratoras.” (RODRIGUEZ NETO, Eleutério. Op. cit., 2003, p. 95).

54

devendo o Estado, para tanto, de acordo com o inciso I do § 1º do referido artigo, aplicar um percentual dos recursos públicos destinados à saúde para a assistência materno-infantil.146

No artigo 230 da CF/88, “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as

pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e

bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.”147 Conforme os parágrafos primeiro e segundo

deste artigo, “os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus

lares; e aos maiores de 65 anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.”

Todavia, além destes dispositivos supra citados, é importante lembrar que os artigos

170 (da ordem econômica),148 182 (da política urbana), 184 (da política agrícola e fundiária e

da reforma agrária), 203 (da assistência social), 216 (da cultura) e 218 (da ciência e

tecnologia) também estão interligados ao direito à saúde.

Diante do exposto, registra-se ainda que o artigo 5º, parágrafo 1º da Constituição

Federal de 1988, estabelece que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais

têm aplicabilidade imediata”. Conforme Steinmetz, “o poder constituinte, ao prescrever,

textualmente, que as normas de direitos e garantias fundamentais devem ter aplicabilidade

imediata, decidiu que, no âmbito de vigência da CF, os direitos fundamentais são uma

categoria de direitos com força especial e que por isso devem ser tomados a sério.”149 Assim

sendo, o direito à saúde, por se tratar de um direito fundamental, possui aplicabilidade

imediata. Essa compreensão passa a ser um dos pilares da efetivação de tal direito, destacando,

assim ao Poder Judiciário, um papel decisivo nesse sentido.150

146 SCHWARTZ, Germano. O tratamento jurídico do risco no direito à saúde. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2004, p. 110. 147 Para Marques, “efetivamente, a Lei 8.842, de 4 de janeiro de 1994, concretizando o art. 230 da Constituição,

define quem é o idoso (art. 2º) e estabelece como princípio da política nacional do idoso no Brasil o dever do Estado de “assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania... defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida” (art. 3º, I), assim como proíbe “discriminação de qualquer natureza” em virtude da idade alcançada (art. 3º, III). O idoso é um consumidor disputado, especialmente no interior do país, mas pode estar sofrendo com práticas e cláusulas discriminatórias sem que a devida atenção seja dada pelos juristas.” (MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de ‘ações afirmativas’ em contratos de planos de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso. In: COUTINHO, Aldacy Rachid et al. (Orgs.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 192).

148 “Dentre os princípios gerais da atividade econômica, observamos que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna (art. 170, caput), observados os princípios da função social da propriedade, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais e busca do pleno emprego (art. 170, III, V, VI, VII e VIII).” (ROCHA, Júlio de Sá da. Direito da saúde: direito sanitário na perspectiva dos interesses difusos e coletivos. São Paulo: LTr, 1999, p. 44).

149 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 122-123.

150 SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 51.

55

Com efeito, a Constituição Federal, como percebemos, instituiu uma ampla gama de

dispositivos legais para tutelar o direito à saúde. Por sua vez, adentrando na temática deste

trabalho, julga-se imprescindível que a comercialização do cigarro, baseando-se no direito de

livre iniciativa, insurja-se contra o direito constitucional de proteção à saúde. Pois, não é justo

que se configure o exercício de prerrogativas individuais que desfavoreçam a coletividade e a

harmonia social.

Como bem ressaltam Raw e Laranjeira:

Quando a história da saúde for escrita daqui a alguns séculos, as gerações futuras recordarão admiradas o fato de termos permitido que um produto, causador da morte de metade de seus consumidores, tivesse seu uso incentivado e fosse vendido tão livremente por tanto tempo. Talvez em alguns séculos, o uso do tabaco fique restrito a uma minoria de dependentes, fazendo com que seja claramente percebido, dentro de seu contexto histórico, como um dos maiores assassinos da humanidade.151

Não basta vivermos numa sociedade que ostente belas teorias e bem intencionadas

legislações se as mesmas se ocultarem em prol de interesses econômicos.

Ademais, cabe ao Estado priorizar a saúde de seus cidadãos e concretizá-la como

condição de inclusão social e de cidadania. Porquanto, espera-se deste, medidas que proíbam

o abuso de direito exercido pelas companhias de tabaco, pois esta não deixa de ser também,

uma alternativa que ajudará na concretização do direito à saúde no plano constitucional, já

que existem vários setores públicos necessitando do dinheiro que o Estado tem desperdiçado

com os gastos em seguridade social com o tratamento de saúde das vítimas do cigarro.

1.5 AÇÕES JUDICIAIS QUE VISAM À PROTEÇÃO AO DIREITO À SAÚDE

O ordenamento brasileiro adotou várias medidas para a proteção jurídica152 do direito

à saúde em caso de omissão estatal ou de outros particulares que posam vir a prejudicar a sua

efetividade.

151 RAW, Martin; LARANJEIRA, Ronaldo. Prevenção da nicotina: uma prioridade de saúde pública. Revista

Brasileira de Psiquiatria. São Paulo, v. 23, n. 1, mar. 2001, p. 1. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid-s1516-44462001000100003&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em: 12 jan. 2007.

152 Referência fundamental diz respeito aos procedimentos judicial e administrativo. Na defesa administrativa, tanto o indivíduo lesado em seu direito quanto os órgãos encarregados de defender o interesse público, podem tentar solucionar o problema através do processo administrativo, que deverá atender a todos os princípios procedimentais constitucionais, como o da ampla defesa e o do contraditório, contudo, tanto a ausência de resposta (morosidade) quanto a resposta negativa, não impedem de se buscar alcançar a tutela do Poder Judiciário: - é o chamado princípio do acesso à justiça. No âmbito jurisdicional, com o intuito de bem

56

De acordo com o artigo 5º, inciso XXV, da Constituição Federal de 1988, “a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão de ameaça a direito.” Para tanto, os remédios

constitucionais e os instrumentos processuais postos ao alcance dos cidadãos lesados,

objetivam garantir a efetiva assistência à saúde.

Ressalta-se que o direito à saúde, como se verá, possui amparo tanto na esfera

individual, em razão de ser um direito público subjetivo, quanto na esfera coletiva, por se

tratar de um direito social e do consumidor.

Em princípio, o artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da CF/88, afirma que “são a

todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos

Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder.” (grifo

nosso).153

Trata-se aqui de um instrumento jurídico que assegura os direitos e garantias

individuais do direito à saúde, pois o titular de direitos é o legitimado. Através do direito de

petição, o titular pode exigir do Estado uma prestação como forma de garantir o seu direito

que pode ter sido lesado tanto por um terceiro particular quanto pelo Estado.

Destarte, o Hábeas Corpus é um remédio constitucional utilizado “sempre que alguém

sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por

ilegalidade ou abuso de poder” (artigo 5º, inciso LXVIII da CF/88).154

Pode ser utilizado em relação ao direito à saúde sob duas hipóteses:

resguardar esse interesse, é preciso estar atento para as normas procedimentais e, em especial, para os princípios do acesso à justiça, da celeridade, do devido processo legal, da instrumentalidade do processo, entre outros tantos. Nota-se quão grande é a importância de um processo dinâmico para se resguardar o Direito à Saúde, fazendo com que a mudança de paradigma seja necessária em diversos pontos e não apenas em um setor isolado. Percebe-se que a efetivação de direitos, quaisquer direitos, não só o Direito à Saúde, não é questão simples, encapsulando intrincados problemas em diversas áreas, o que requisita, como necessário, o envolvimento de muitos para se tentar uma aproximação com as soluções (OBARA, Hilberto Maximiliano Akihito. A concretização do direito à saúde pela via jurisdicional: um debate necessário no Brasil. Dissertação de Mestrado. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, 2003. p. 179-180).

153 Exceção: “Forças armadas como corporação que, por ficção jurídica, não pode invocar o direito de petição. Porém, seus membros individualmente considerados, são detentores do direito. Por outro lado, a autoridade peticionada não pode se escusar de se pronunciar a respeito.” (SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 123).

154 A esfera protecionista do habeas corpus não se restringe apenas ao direito de locomoção – faculdade de ir e vir ou permanecer –, como se dava no passado, mas compreende outros direitos suscetíveis de constrangimento ou coação ilegal que, embora não atinjam a liberdade de locomoção, podem ferir direitos individuais como a segurança, a liberdade ou o devido processo legal (CF, art. 5º, caput, e inc. LIV) e ainda outros contemplados em nossa Carta Magna. (NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Instrumentos de tutela de direitos constitucionais: teoria, prática e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 3).

57

- 1ª hipótese: em caso de ofensa ao direito de permanecer e ser atendido. Esta hipótese

ocorre quando é negado atendimento médico nos estabelecimentos de saúde em razão do

paciente não possuir condições financeiras. Ressalta-se que as instituições que exercem

atividades delegadas pelo Estado não podem recusar assistência. Porquanto, os gastos

advindos com o tratamento das pessoas carentes devem ser cobrados do Estado através

dos meios legais.

- 2ª hipótese: em caso de ofensa ao direito de locomoção. Esta hipótese, contra sensu,

advém quando o paciente é impedido de deixar o recinto médico privado porque não

possui condições financeiras para pagar as despesas do seu tratamento. Adverte-se que os

estabelecimentos de saúde não podem restringir a liberdade do paciente. Desta maneira, o

hospital deve buscar o ressarcimento por outras vias.

O Hábeas data é concedido para “assegurar o conhecimento de informações relativas

à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades

governamentais ou de caráter público ou para retificar dados, quando não se preferir fazê-lo

por processo sigiloso, judicial ou administrativo”, conforme o artigo 5º, inciso LXXII da

CF/88.155

O paciente pode impetrar habeas data com o objetivo de assegurar o conhecimento de

informações sobre o seu estado de saúde, bem como também para retificar dados referentes ao

seu cadastro, prontuário médico etc.156

De acordo com o artigo 5º, inciso LXIX da CF, “conceder-se-á mandado de

segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas

155 De acordo com Hely Lopes Meirelles, “hábeas data é o remédio constitucional posto à disposição de pessoa

física ou jurídica para lhe assegurar o conhecimento de registros concernentes ao postulante e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao público, para retificação de seus dados pessoais (Const. Rep., art. 5º, LXXII, “a” e “b”).” (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “hábeas data”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 143).

156 Schwartz expõe uma outra hipótese para o cabimento do habeas data. De acordo com o autor: “Situação interessante surge a partir do dever médico de sigilo derivado da relação paciente/profissional da saúde, estabelecido pelo art. 11 do Código de Ética Médica. Essa hipótese prevalece inclusive quando o interesse público é notório? Não, pois há casos em que a comunicação às autoridades competentes é compulsória, especialmente em casos de doenças de caráter epidemiológico, de vez que o interesse de proteção à saúde pública (e não mais da individual) torna-se premente. A Portaria nº 1.461/99, do Ministério da Saúde, artigo 1º, estabelece como tais: cólera, coqueluche, dengue, difteria, doença de chagas (casos agudos), doenças meningocócicas e outras meningites, febre amarela, febre tifóide, hanseníase, hantaviroses, hepatite B, hepatite C, leshmaniose visceral, leptospirose, malária (em área não endêmica), meningite por haemophilus influenzae, peste, poliomielite, paralisia flácida aguda, raiva humana, rubéola, síndrome da rubéola congênita, sarampo, sífilis congênita, síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), tétano e tuberculose. Assim, nessas espécies de doenças o médico não pode invocar o sigilo médico/paciente para que não torne pública as mesmas. Daí que é cabível habeas data nesses casos, podendo o mesmo ser impetrado por pessoas físicas ou jurídicas com legítimo interesse, pois inexiste óbice constitucional a respeito.” (SCHWARTZ, Germano. Op. cit., 2001, p. 128-129).

58

data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou

agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.” (grifo nosso).

O mandado de segurança é um remédio constitucional que visa restabelecer o direito

violado ou ameaçado157 por uma autoridade que se diz coatora.158 Trata-se de um direito

líquido e certo, entendido por Pontes de Miranda como “aquele que não desperta dúvidas que

é isento de obscuridades, que não precisa ser aclarado com o exame de provas e dilações, que

é de si mesmo concludente e inconcusso.”159 Este instrumento jurídico é muito utilizado para

tutelar direito líquido e certo interligado ao direito à saúde.

Conforme Schwartz,

Pode-se visualizar o cabimento de mandado de segurança individual quando ao paciente for negada a possibilidade de acesso a exames laboratoriais originais e seus respectivos resultados, uma vez que os exames e os resultados lhe pertencem e, também, porque é dever do médico fornecê-los (art. 70, do Código de Ética Médica).160

Prossegue o autor explicando que:

De outra banda, a Lei nº 9.313/96 dispõe que os medicamentos aos portadores de HIV e doentes da AIDS devem ser distribuídos de forma gratuita. Daí que qualquer ato em contrário a esse direito enseja mandado de segurança individual (e também o coletivo, se for o caso), conforme o entendimento da jurisprudência dominante, inclusive do STF (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 238.328-0).161

157 Para Cretella Júnior, mandado de segurança é “a ação civil de rito sumaríssimo, de que pode utilizar-se pessoa

física, jurídica privada, jurídica pública ou qualquer entidade que tenha capacidade processual, para a proteção de direito líquido, certo e incontestável, não amparado por habeas corpus, ameaçado ou violado por ato ou fato, oriundo de autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder.” (CRETELLA JÚNIOR, José. Do mandado de segurança. São Paulo: Bushatsky, 1974. p. 114).

158 Conforme Hely Lopes Meirelles, “o essencial para a impetração é que o impetrante – pessoa física ou jurídica, órgão público, ou universalidade legal – que tenha prerrogativa ou direito próprio ou coletivo, a defender, e que esse direito se apresente líquido e certo ante o ato impugnado.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., 1989, p. 5).

159 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 4. ed. Editora Borsói, 1963, tomo V, p. 289. Nesse mesmo sentido, Meirelles explica que “direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se a sua existência for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e fato ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para o seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior não é líquido nem certo para fins de segurança.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., 1989, p. 13-14).

160 SCHWARTZ, Germano. Op. cit., 2001, p. 125. 161 Id., ibid., p. 125.

59

Utiliza-se ainda mandado de segurança individual para a prestação de serviços

médicos, para visitar familiares fora do horário de visitas, para adentrar nas listas cirúrgicas,

etc.

Destarte, o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido

político com representação no Congresso Nacional;b) organização sindical, entidade de classe

ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa

dos interesses dos seus membros ou associados, conforme o artigo 5º, inciso LXX da

CF/88.162

O mandado de segurança coletivo visa defender os direitos comuns à coletividade.163

A Constituição não definiu quais são esses direitos coletivos defendidos por este instrumento,

porém a doutrina tem entendido que são amparados os interesses legítimos, difusos ou

coletivos164 de modo geral. Dessa forma, os interesses coletivos tutelados pelo mandado de

segurança coletivo são vários e ajustam-se conforme a necessidade da sociedade.

Nesse sentido, adentra-se a estes direitos suscetíveis de amparo por este instrumento, o

direito à saúde. Porquanto, utiliza-se este remédio constitucional na área da saúde no caso do

ato ou da omissão de um agente vir a prejudicar algum estabelecimento de saúde ou em razão

do não fornecimento de medicamentos a uma parcela da população.

Destarte, de acordo com o artigo 5º, inciso LXXI da CF/88, “conceder-se-á mandado

de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos

162 “Só determinados entes têm legitimação ad processum. Entre os entes legitimados classificados na Lei

Fundamental podem ser citados: a) partido político com representação efetiva na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal; b) organização sindical, definidamente constituída na forma legal e reconhecida pelo Ministério do Trabalho; c) entidade de classe ou qualquer associação legalmente constituída, funcionando há pelo menos um ano, contado a partir do registro efetivo no cartório competente. A palavra associação tem sentido abrangente de qualquer instituição jurídica personalizada, tendo em vista a representação classista, como os Conselhos Profissionais em níveis federal e regional (CREA, CRM, etc.). Associação é a sociedade constituída para determinado fim, de acordo com exigências legais, com inscrição regular no Registro de Pessoas Jurídicas.” (FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 12. ed. ampl. e atual. de acordo com as Emendas Constitucionais e a Revisão Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 151).

163 Rocha expõe que: “a Constituição Federal de 1988 trouxe avanços efetivos no campo da tutela instrumental dos interesses difusos ou coletivos. Com o mandado de segurança coletivo confere-se legitimação para agir ao “partido político com representação no Congresso Nacional”, e a “organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados” (art. 5º, LXX, “a” e “b”). A associação não precisa de autorização para impetração e pode interpor esse instrumento na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.” (ROCHA, Júlio César de Sá da. Op. cit., 1999, p. 83).

164 Gidi explica que “o Código prescreve que os direitos difusos e coletivos são transindividuais. Isso significa que são direitos que transcendem a esfera individual, sendo diversos de cada um e mesmo da soma dos direitos subjetivos individuais. Tais direitos são metassubjetivos, metaindividuais, superindividuais, transindividuais, marcados pela impessoalidade e rompendo assim, de certa forma, o clássico conceito de direito subjetivo do século XIX.” (GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995a. p. 26).

60

direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania

e à cidadania.” (grifo nosso).

Pinto Ferreira informa que:

O mandado de injunção originou-se na Inglaterra, no século XIX, e nasceu no juízo de eqüidade; é um remédio próprio da equity, outorgado por um juízo discricionário na falta de norma legal (statute) que regule a matéria, quando a common law não oferece proteção suficiente. Juízo discricionário não significa juízo arbitrário, porém apenas a possibilidade da escolha de uma entre várias alternativas legais no sentido de justiça, e, assim, não está desvinculado de pautas jurídicas, porém orientado pelos valores jurídicos dominantes na sociedade, tais como os costumes, princípios gerais do direito, conventions. Por isso é que também se diz de seu parentesco com o writ of injunction do direito americano, aplicando-se cada dia mais e de uma forma alegada para a proteção dos direitos humanos. Por exemplo, violações da liberdade de palavra, da liberdade de associação, da liberdade religiosa, contra denegação do direito de igual oportunidade de educação por motivos raciais, concedidos mediante o uso de injunction para o direito de o estudante negro utilizar-se da educação em escolas não agregadas (v. caso Brown vs Board of Education of Topeka, 1954).165

Ressalta-se que “muitas normas constitucionais são puramente programáticas, apenas

com eficácia paralisante de legislação contrária.” 166 Porquanto, o mandado de injunção

possibilita a concretização dos dispositivos constitucionais que dependem de norma

regulamentadora. Nesse sentido, este instrumento objetiva tornar exigível e atível os direitos

humanos e as suas liberdades.

É importante destacar que por tratar de omissão legislativa, este instrumento está

intimamente ligado com a ação de inconstitucionalidade por omissão, apesar de possuírem

conteúdos, finalidades e objetos distintos.

O mandado de injunção pode ser individual ou coletivo. Na forma coletiva, pode

ser impetrado por sindicato no interesse de Direito Constitucional de categorias de

trabalhadores quando a falta de norma reguladora desses direitos individualize seu exercício.

Em relação ao direito à saúde, este instrumento pode ser utilizado tanto na esfera

individual como na coletiva “para implementação prática de norma legal protetiva do direito à

saúde, quando se mostrem falhos os mecanismos existentes.”167

165 FERREIRA, Pinto. Op. cit., 2002, p. 152. 166 Id., ibid., p. 152. 167 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito à saúde: garantia e proteção pelo Poder Judiciário. In: Revista de

Direito Sanitário. São Paulo: LTr, v. 2, n. 3, nov. 2001. p. 48.

61

A ação popular é prevista no artigo 5º, inciso LXXIII da CF/88 e na Lei nº 4.717/96.

Conforme este inciso,

[...] qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

A ação popular168 visa proteger os direitos difusos, direitos indivisíveis pertencentes a

todo cidadão. O direito à saúde, devido ao seu aspecto social, encontra-se entre os direitos

tutelados por este instrumento. Adverte-se, porém, que só poderá promover a ação popular, o

cidadão eleitor em gozo de seus direitos políticos.

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão169 encontra-se no artigo 102,

inciso I, alínea “a”, combinado com o artigo 103, § 2º, sendo que os legitimados estão

elencados no artigo 103, incisos I ao IX da CF/88.170

Art. 102: compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Art. 103: podem propor a ação de inconstitucionalidade: I- o Presidente da República; II- a Mesa do Senado Federal; III- a Mesa da Câmara dos Deputados; IV- a Mesa da Assembléia Legislativa; V- o Governador de Estado; VI- o Procurador-Geral da República; VII- o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII- partido político com representação no Congresso Nacional; IX- Confederação Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

168 Conforme Nogueira, “a ação popular não tem natureza simplesmente declaratória, mas constitutiva com

força mandamental, pois anula o ato lesivo eivado de vício intrínseco ou extrínseco e manda se restabelecer o estado anterior; ou declara a nulidade do ato já de si inoperante porque nulo de direito e de fato, e também manda se reponham as coisas no estado anterior.” (NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Op. cit., 1994, p. 97).

169 Em relação à inconstitucionalidade por omissão, Canotilho e Moreira comentam: “o princípio da constitucionalidade não diz respeito apenas às ações do Estado; abrange também as omissões ou inações do Estado. A Constituição não é somente um conjunto de normas proibitivas e de normas de organização e competência (limite negativo de atividade do Estado): é também um conjunto de normas positivas que exigem do Estado e dos seus órgãos uma atividade, uma ação (limite positivo da atividade do Estado). O incumprimento dessas normas, por inércia do Estado, ou seja, por falta total de medidas (legislativas ou outras) ou pela sua insuficiência, deficiência ou inadequação, traduz-se igualmente numa infração da Constituição – inconstitucionalidade por omissão.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 1993. p. 1046).

170 “A Constituição consagra o controle jurisdicional difuso, que significa que todos os órgãos do Poder Judiciário podem se manifestar sobre a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. Nesse caso específico, quando em grau de recurso, o Supremo Tribunal Federal, julgar em decisão definitiva, a inconstitucionalidade de uma lei, esta decisão será comunicada ao Senado Federal, para que este, nos termos do art. 52, inciso X, suspenda a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.” (MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Direitos humanos. Sua história, sua garantia e a questão da indivisibilidade. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 55).

62

§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Conforme Nogueira, “a ação direta de inconstitucionalidade visa proteger diretamente

a própria Constituição, tendo a decisão judicial efeito erga omnes.”171 Sendo assim, esta ação

é um instrumento eficaz na defesa do direito à saúde. Utiliza-se desta medida sempre que

houver ausência de norma infraconstitucional que venha a prejudicar tal direito. Depois de

declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida, para tornar efetiva norma constitu-

cional, o Supremo Tribunal Federal dará ciência ao poder competente para a realização das

providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Por fim, a ação civil pública, regulada pela Lei n. 7.347/85 é um instrumento jurídico

que tem por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não

fazer. Regem-se pela disposição desta Lei sem prejuízo da ação popular, as ações de

responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor,

aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e qualquer

outro interesse difuso ou coletivo172, além das infrações da ordem econômica e da economia

popular e da ordem urbanística, conforme o que bem expõe o artigo 1º e seus incisos.173

171 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Op. cit., 1994, p. 145. 172 Reale explica que “a essa altura das indagações doutrinárias mais abalizadas, já foi possível compreender que

interesses difusos são aqueles que pertencem concomitantemente a todos e a cada um como um bem comum, não individualizável, isto é, sem haver possibilidade de distinção formal individualizadora em termos de direitos subjetivos ou situações jurídicas subjetivas, com definidas categorias de fruidores: eles são difusos enquanto coletivos, não sendo possível separar a difusão do interesse de seu aspecto coletivo ou comunitário. Donde se conclui que os qualificativos difusos e coletivos compõem uma díade incindível, não dando lugar a uma separação entre o que é difuso e o que é coletivo.” (REALE, Miguel. Questões de direito público. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 132). Grinover argumenta que os interesses difusos tratam-se de “interesses espalhados e informais à tutela de necessidades, também coletivas, sinteticamente referidas à qualidade de vida. E essas necessidades e esses interesses, de massa, sofrem constantes investidas freqüentemente também de massas, contrapondo grupo versus grupo, em conflitos que se coletivizam em ambos os pólos.” (GRINOVER, Ada Pellegrini. A problemática dos interesses difusos: a tutela jurisdicional dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984).

173 “A lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, ao regular a ação civil pública, deixou claro que ela se destina à busca da reparação e proteção ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico: à reparação por infração da ordem econômica e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, desde que ligado aos mesmos interesses acima referidos. A ação popular, que é a Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, já veio dar ao cidadão o direito de pleitear a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, incluídos nestes os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.” (SALVADOR, Antonio Raphael Silva. Ação civil pública. Aspectos processuais. São Paulo: Oliveira Mendes, 1997. p. 6-7). Nesse sentido, como bem explica Grinover, “a diferença entre a ação popular constitucional e a ação civil pública que visam a anular atos lesivos à moralidade administrativa reside exclusivamente na legitimação ativa: à primeira, é legitimado o cidadão; à segunda, o Ministério Público.” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Uma nova modalidade de legitimação à ação civil popular. Possibilidade de conexão, continência e litispendência. In: MILARÉ, Edis (Coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 23).

63

Assim sendo, a ação civil pública, no que tange ao direito à saúde é interposta “para

suprir omissões no cumprimento de serviços assistenciais em casos de interesses difusos e

coletivos.”174 Este pedido pode ser interposto contra o Estado ou contra os profissionais que

trabalham na área da saúde ou são responsáveis por ela.

Porquanto, tanto a ação principal como a cautelar podem ser propostas pelo Ministério

Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Além disso, poderão também propor esta

ação as autarquias, as empresa públicas, as fundações, as sociedades de economia mista e as

associações que estejam constituídas há pelo menos um ano, nos termos da lei civil, e que

incluam entre as finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à

ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico

e paisagístico, de acordo com o artigo 5º, caput, e incisos I e II desta lei.

Neste sentido, Mazzili ressalta que

a ação civil pública passou a significar, portanto, não só aquela proposta pelo Ministério Público, como a proposta pelos demais legitimados ativos do art. 5º da Lei 7.347/85, desde que seu objeto seja a tutela de interesses difusos (ou seja, agora um enfoque subjetivo-objetivo, baseado na titularidade ativa e no objeto da prestação jurisdicional).175

Ressalta-se, porém, que esta ação tutela os direitos dos consumidores quando estes

envolvem interesse público e social. Porquanto, quando existir uma simples relação privada

de consumo, em que o prejudicado for apenas o particular, a tutela a este dar-se-á pelos

dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.

Destarte, conforme o artigo 2º da Lei n. 7.347/85, a ação civil pública será proposta no

foro do local onde ocorrer o dano, cujo prejuízo terá competência funcional para processar e

julgar a causa.

Mancuso relata que:

É claro que é o juízo ‘do local onde ocorrer o dano’ o mais indicado, mais habilitado na espécie, pela proximidade física com o evento. Demais disso, a ação é de índole reparatória, condenatória; o objeto prevalecente é o dano produzido e a recondução das coisas ao status quo ante. O mesmo raciocínio é de se aplicar às hipóteses em que o dano é iminente, exigindo tutela cautelar (art. 4º da Lei 7.347/85). Embora se possa falar numa lide cautelar, com pressupostos e finalidades distintos da lide principal, o fato é que ambas

174 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Op. cit., 2001, p. 48. 175 MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 7. ed. São Paulo: RT, 1995. p. 21.

64

apresentam, na espécie, um núcleo comum: o dano a certos interesses difusos, podendo ser efetivo de potencial.176

A Lei n. 7.347/85 previu dois instrumentos – a medida liminar e a ação cautelar – que

apesar de possuírem o mesmo desígnio, não se confundem. A medida liminar pode ser

solicitada e deferida dentro da ação civil pública. Trata-se de uma medida mais rápida e eficaz.

Já a ação cautelar deve ocorrer em autos apartados. Julga-se uma ação própria que deve ser

conhecida e concedida pelo magistrado independentemente da ação principal.

Ressalta-se, então, que no caso do Estado negar-se a fornecer um determinado

medicamento a um indivíduo que não possua condições financeiras para adquiri-lo, solicitar-

se-á a concessão da medida liminar de tutela antecipada.

Além disso, é necessário lembrar ainda, que o Código de Defesa do Consumidor é

também um importante meio de tutela do direito individual à saúde. Os artigos 82, 83, 84,

87, 91, 92, 101 e 102 tratam das ações cabíveis, da tutela específica e de outras providências.

Destarte, após a análise das ações judiciais que visam à proteção do direito à saúde, o

ponto nodal neste momento, devido à temática do trabalho, é enfocar qual dessas ações

apresenta-se mais adequada para amparar os danos causados aos consumidores de cigarro.

Como vimos, a ação civil pública177 rege as ações de responsabilidade por danos

morais e patrimoniais causados ao consumidor. Porquanto, é juridicamente possível a

propositura desta ação para amparar os direitos dos consumidores viciados.

176 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, patrimônio cultural e

dos consumidores (Lei 7.347/85 e legislação complementar). 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 50.

177 Conforme reportagem in verbis divulgada no site Âmbito Jurídico na data de 19 de março de 2007, a Souza Cruz e Conspiração Filmes são condenadas a pagar R$ 4 milhões em dano moral coletivo: “A Souza Cruz e a empresa de comunicação Conspiração Filmes Entretenimento vão ter de pagar uma indenização por dano moral coletivo no valor de 4 milhões. Num julgamento que durou quase três horas, a 4ª Turma Cível do TJDFT reconheceu a legitimidade do Ministério Público para mover ação Civil Pública em favor dos consumidores destinatários de uma propaganda televisiva do cigarro da marca “Free”, veiculada antes da edição da lei que proibiu esse tipo de publicidade. Os Desembargadores decidiram rejeitar pedido de contrapropaganda, solicitado pelo MP, tendo em vista a desnecessidade e inutilidade da medida. Por unanimidade de votos, a Turma classificou como ‘enganosa e abusiva’, nos termos do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, a propaganda que relacionou o consumo do cigarro à imagem de um jovem bem sucedido profissionalmente. Ao definir a abusividade, os Desembargadores relacionaram a deficiência de discernimento do consumidor do produto, sobretudo adolescentes e jovens que costumam gostar de filmes no formato de vídeo clipe, com sobreposição de imagens, música ágil de fundo, desenvolvido em apenas 45 segundos. A frase utilizada pelo personagem principal do filme reforçou a convicção dos julgadores: ‘Vejo as coisas assim. Certo ou errado, só vou saber depois que fiz... Não vou passar pela vida sem um arranhão, eu vou deixar a minha marca.’ No entendimento da Turma, as palavras do personagem tiveram conotação de infringência a regras sociais e despreocupação com as causas e conseqüências dos atos. Houve, assim, violação ao princípio de ‘respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família’, constantes do artigo 221, IV da Constituição de 88. Segundo os Desembargadores, o artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor não foi obedecido. Conforme essa legislação protetiva, a publicidade deve ser identificada ‘fácil

65

Conforme o artigo 2º desta lei, “as ações deverão ser propostas no foro do local onde

ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.” Assim

sendo, qualquer foro do Brasil seria competente para julgar tal causa, já que encontram-se

vítimas do cigarro espalhadas em todos os lugares.

Julgam-se legítimos para propor tal ação tanto os lesados quanto o Ministério Público.

Todavia, ressalta-se que o mais indicado para tanto seria o Ministério Público Federal, já que

de acordo com o artigo 16 da Lei nº 7.347/85, “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes,

nos limites da competência territorial do órgão protetor, exceto se o pedido for julgado

improcedente por insuficiência de provas.”

A ação civil pública é também é um recurso em que pese que serviria para forçar as

empresas tabagistas a instituir um fundo de custeio ao tratamento dos viciados em cigarro,

pois como bem se sabe, os gastos despendidos pelo Governo a estes são enormes e, também,

para indenizar os familiares das vítimas, que vieram a falecer em decorrência do fumo.

Porquanto, sob este prisma, é totalmente cabível a ação civil pública da mesma forma nestes

casos, já que esta possui o objetivo de resguardar o patrimônio público.

Como podemos perceber, todas estas ações judiciais estão voltadas para a proteção e

efetivação do direito fundamental à saúde, que se mostra ineficaz no mundo dos fatos. Espera-

se que o julgador analise de forma consciente este direito tutelado pela nossa Carta Magna no

momento de proferir a sentença, pois o que está em exame nessas ações é o direito à vida do

consumidor.

1.6 INTERLIGAÇÃO ENTRE O DIREITO À SAÚDE E O DIREITO DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor almejou tutelar o bem maior pertencente ao ser

humano: a vida. Este amparo se deu em vários dispositivos da Lei n. 8.078/90, por meio da

e imediatamente’, que não foi o caso. A Jurisprudência interpreta que, nesse caso, a identificação deve dar-se ‘sem qualquer esforço ou capacitação técnica.’ Como a propaganda teve formato de vídeo clipe, poderia ser confundida com um filme, por exemplo. Como se trata de dano moral coletivo, em que não se individualizam as vítimas, os R$ 4 milhões de indenização deverão ser revertidos em favor do fundo de defesa do consumidor. A previsão é do artigo 13 da Lei que disciplina a Ação Civil Pública, n. 7347/85. A contrapropaganda exigida pelo Ministério Público desde o início da ação foi descartada por todos os julgadores. Para eles, a medida é considerada desnecessária, inútil e inoportuna, já que a propaganda do cigarro está proibida desde a edição da Lei 10.167/2003. ‘A legislação que veda esse tipo de publicidade foi um reconhecimento do legislador quanto à extrema nocividade do consumo do tabaco’, afirmaram.” (ÂMBITO JURÍDICO. Souza Cruz e Conspiração Filmes são condenadas a pagar 4 milhões em dano moral coletivo. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=visualiza_ noticia&id_caderno=20&id_noticia=14250>. Acesso em: 19 mar. 2007. p. 1).

66

proteção à saúde e à segurança do consumidor. Para tanto, esta lei impediu o fornecedor de

lançar no mercado de consumo produto inseguro, que acarrete prejuízos à saúde dos que

possam vir a consumi-lo, sem prestar informações adequadas e precisas.

Esta proteção se deu principalmente em razão do surgimento da produção em massa

pelo fornecedor, a qual fez com que o consumidor ficasse mais propício aos produtos e

serviços nocivos e perigosos e viesse então, sofrer acidentes de consumo.

Porquanto, com o advento da Lei n. 8.078/90, buscou-se garantir a todos, através da

proteção à saúde e segurança, uma existência digna,178 conforme o artigo 1º, inciso III e o

artigo 5º, caput, da CF/88.

Sendo assim, segundo o artigo 4º, inciso I e II, alínea “d” do CDC, a Política Nacional

das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores,

o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a

melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de

consumo, atendidos os princípios do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no

mercado de consumo e da ação governamental no sentido de proteger efetivamente o

consumidor pela garantia dos produtos com padrões adequados de qualidade, segurança,

durabilidade e desempenho.

A Política Nacional de Relações de Consumo visa harmonizar as relações de consumo,

garantindo aos consumidores respeito à sua dignidade, saúde e segurança, almejando desta

forma, melhorias na sua qualidade de vida. Para tanto, reconhece a vulnerabilidade do

consumidor no mercado de consumo e oferece-lhe tutela, em razão deste, ser mais vulnerável

ao dano nas relações de consumo do que o fornecedor.

A ação governamental que visa a proteger o consumidor pode ser direta ou indireta.

Será direta quando o poder público fiscalizar as atividades e possuir capacidade de aplicar

sanções administrativas, penais e civis. Por outro lado, será indireta quando a proteção a este

se der através de associações representativas como o PROCON, a ADECON, o IDEC etc.

178 Dignidade – ao parecer do legislador não tem o significado que lhe atribui o dicionarista: título ou cargo que

confere ao indivíduo posição de destaque. Foi o vocábulo usado na lei para designar a honestidade ou a autoridade moral do consumidor, atributos que o fornecedor, por bem ou mal, deve respeitar. Contrario sensu, se insatisfeitas as necessidades básicas do consumidor, como pessoa humana que é, sua dignidade estará reprimida. (SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Lei n. 8.078, de 11.9.1990. 3. ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 126).

67

Estas ações devem proteger o consumidor e tomar providências para que os produtos e

serviços destinados a estes, apresentem um padrão adequado de qualidade, segurança,

durabilidade e desempenho179, garantindo assim, respeito à sua dignidade, saúde e segurança.

Vale salientar, que a comercialização de cigarros infringe este dispositivo, pois este

produto não oferece padrões adequados de segurança para o usuário. 180 A atividade

desenvolvida por essas empresas caracteriza-se como perigosa e nociva e viola o respeito à

dignidade, saúde e segurança dos consumidores, em razão do consumo de cigarros gerar

danos aos seus usuários e torná-los dependentes deste produto considerado altamente nocivo à

saúde.

Conforme Rosemberg:

Os fumantes em confronto com os que nunca fumaram têm um risco de 100% a 800% a mais (às vezes, ainda maior) de contrair infecções respiratórias, bacterianas e viróticas agudas e crônicas; câncer de boca, laringe, esôfago, pâncreas, rim e bexiga; doenças circulatórias como arteriosclerose, aneurisma da aorta, acidentes vasculares cerebrais, trombangite obliterante e distúrbios em vários órgãos.181

Além disso, a oferta e a publicidade do cigarro golpeiam o princípio da transparência,

já que não informam de forma clara os danos advindos do consumo deste produto à saúde do

consumidor, transgredindo assim, a harmonia nas relações de consumo.

179 Isto é tarefa do chamado SINMETRO – Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade

Industrial, e constituído por dois órgãos: o CONMETRO – Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, cuja tarefa é homologar as normas de segurança e qualidade, hoje a cargo, em sua grande maioria, da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas; e o INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, com funções executivas, ou seja, a implementação, efetivação e fiscalização no tocante às referidas normas de segurança e qualidade. A missão desse sistema é de fundamental importância, não apenas no que diz respeito à segurança e atendimento das necessidades e expectativas dos consumidores, como também no que tange à competitividade de nossos produtos no mercado externo. Nunca, como agora, tinha-se ouvido dizer que determinado produto atende às normas ISO – Internation for Standardisation Organization –, traduzidas e adaptadas entre nós mediante as NBRs, ou seja, as normas técnicas brasileiras. Ora, isso quer dizer que referidos produtos atendem aos requisitos exigidos quanto à sua qualidade e segurança. A garantia de que fala o mesmo dispositivo ora analisado refere-se à certificação de conformidade de um produto ou serviço à norma respectiva que rege sua fabricação ou execução. (FILOMENO, José Geraldo Brito. Dos direitos do consumidor. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. (Orgs.) Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 67).

180 Até agora pelo menos oito substâncias químicas de comprovada ação carcinógena foram isolados no vapor condensado da fumaça do cigarro, das quais a mais conhecida é a benzopirene. São estas as substâncias que, em testes de laboratório podem iniciar o desenvolvimento do câncer na pele de animais sob experiência (SHRYOCK, Haroldo. Fumar distrai ou destrói? São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1976. p. 26).

181 TABAGISMO E SAÚDE. Informações para profissionais de saúde. Ministério da Saúde. Grupo Assessor para o Controle do Tabagismo no Brasil. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1987. p. 8.

68

O artigo 6º, incisos I e III, esclarece que são direitos básicos do consumidor, a

proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento

de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos e a informação adequada e clara

sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,

características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

Destaca-se aqui em especial, o direito à proteção à saúde conferido pelo Código de

Defesa do Consumidor. Conforme este artigo, a saúde deve ser protegida dos riscos

provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou

nocivos. O cigarro é um produto nocivo (possui cerca de 4.720 substâncias tóxicas) que

acarreta a morte dos seus usuários. Estima-se que de cada 10 fumantes, um morre de câncer,

conforme a Organização Pan-Americana de Saúde.

Além disso, este artigo prima pela informação adequada e clara sobre os diferentes

produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição,

qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. No caso específico da

comercialização do cigarro, ocorre uma verdadeira omissão culposa por parte do fornecedor,

já que este, apesar de conhecer os reais malefícios do cigarro, omite-os em prol do interesse

econômico, fazendo com que o consumidor adquira o produto sem consciência dos malefícios

que o consumo acarretará à sua saúde.

De acordo com o artigo 8º e parágrafo único, os produtos e serviços colocados no

mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto

os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando os

fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu

respeito. E ainda, em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as

informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam

acompanhar o produto.

Trata-se aqui da periculosidade inerente que, conforme Antonio Herman de

Vasconcellos e Benjamin, é “aquilo que é indissociável do produto ou serviço (v.g.,

fornecimento de fogos de artifício ou serviços de dedetização), sem similaridade alguma com

a periculosidade adquirida ao longo do processo de consumo.”182 Todavia, é importante

registrar aqui, que estes riscos decorrentes da periculosidade inerente devem encontrar-se em

um limite razoável.

182 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos et al. Comentários ao Código de Proteção do Consumidor.

São Paulo: Saraiva, 1991.

69

Agora pergunta-se: um produto que é elencado como o principal responsável pela

mortalidade e morabilidade previsível no mundo encontra-se adequado aos limites razoáveis

de risco?

A resposta com certeza é negativa, pois a expectativa de quem consome cigarro não é

de no futuro ficar enfermo, com câncer no pulmão ou na boca, por exemplo, ou até mesmo de

morrer em decorrência do seu consumo.

Faz jus lembrar, que a periculosidade inerente só será tolerada quando o produto vier

acompanhado de bulas, rótulos, embalagens ou folhetos que esclareçam a periculosidade do

produto em razão de sua natureza ou fruição. Sendo assim, o cigarro só se enquadraria como

um produto de periculosidade inerente, se viesse acompanhado de uma bula que informasse

exatamente as substâncias tóxicas que o produto possui e advertisse os malefícios que causa à

saúde dos que o consomem. Porquanto, se o fornecedor for omisso quanto a estas informações

ou apresentar-lhes de forma incompleta, responderá pelos danos causados.

O artigo 9º expõe que o fornecedor de produto e serviços potencialmente nocivos ou

perigosos à saúde ou segurança, deve informar de maneira ostensiva e adequada a respeito da

sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada

caso concreto.

Na hipótese do produto, em razão de sua natureza ou fruição, apresentar-se potencial-

mente nocivo ou perigoso à saúde ou segurança do consumidor, cabe ao fornecedor informar

a este, de maneira ostensiva e adequada os danos que o uso pode vir a acarretar a sua saúde.

Em razão disso, a informação deve ser ostensiva e adequada. Conforme Denari:

Uma informação é ostensiva quando se exterioriza de forma tão manifesta e translúcida que uma pessoa, de mediana inteligência, não tem como alegar ignorância ou desinformação. É adequada quando, de uma forma apropriada e completa, presta todos os esclarecimentos necessários ao uso ou consumo de produto ou serviço.183

O cigarro possui defeito de informação e desrespeita o princípio da boa-fé que deve

prevalecer nas relações de consumo. Ressalta-se que, a informação não pode ser básica, ela

deve ser ostensiva e adequada, não podendo assim, ocultar nenhuma característica do produto,

ou seja, a transparência deve permanecer nas relações de consumo.

183 DENARI, Zelmo. A qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 169.

70

Neste sentido, preleciona Delfino que:

As fabricantes de cigarros desrespeitam, evidentemente, a Lei, negando-se a informar. Omitem do consumidor fatos que influenciariam, sobremaneira, em sua decisão pelo consumo ou não do produto. Não mencionam, por exemplo, que o cádmio (Cd) é altamente tóxico e corrói o trato respiratório, provocando perda de olfato e edema pulmonar; que o acetato de chumbo ([Pb(CH3CO2)2]) é uma substância cancerígena que se acumula no corpo humano e, quando inalada por crianças, atrapalha seu crescimento; ou ainda, que o butano (CS410) é mortífero e sua inalação tem como conseqüências a falta de ar, coriza e problemas de visão. Além disso, as outras quase cinco mil substâncias tóxicas existentes na composição do cigarro, bem como a quantidade delas existente em cada unidade do produto, sequer são mencionadas pelas indústrias fumígenas.184

As pessoas não possuem conhecimento lúcido sobre a nocividade e a periculosidade

do cigarro. A maioria delas possui conhecimentos superficiais e desconhece a sua carga

mortífera. Isto se dá, principalmente, em razão de que os males ocasionados pelo cigarro

manifestam-se apenas após anos de consumo, o que gera na mentalidade da população uma

falsa ilusão de que este produto não causa danos.

Ressalta-se que atualmente, o cigarro é um problema de classe, pois o maior número

de consumidores encontram-se nas classes de baixa renda.

Conforme informa o World Bank:

Na maioria dos países existe uma correlação entre tabagismo, baixa renda e baixo nível de escolaridade. Na China, indivíduos com nenhuma escolaridade têm uma probabilidade cerca de 7 vezes maior de serem fumantes do que indivíduos que têm o terceiro grau. No Brasil, entre os grupos de indivíduos com baixo nível de escolaridade essa probabilidade é 5 vezes maior.185

Dados do INCA relatam que os grupos com renda até dois salários mínimos gastam

2,95% do salário com cigarro; os que ganham entre 2 e 3 salários mínimos gastam 2,54%; os

que ganham entre 3 e 5 salários mínimos gastam 2,17%; os que ganham entre 5 e 6 salários

mínimos gastam 1,83%; os que ganham entre 6 e 8 salários mínimos gastam 1,78%; os que

ganham entre 8 e 10 salários mínimos gastam 1,82%; os que ganham entre 10 e 15 salários

mínimos gastam 1,24%; os que ganham entre 15 e 20 salários mínimos gastam 1,19%; os que

184 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 116. 185 BRASIL. Ministério da Saúde. INCA (Instituto Nacional do Câncer). Disponível em: <http://www.inca.gov.

br/tabagismo/31maio2004/dados.doc>. Acesso em: 15 jan. 2007.

71

ganham entre 20 e 30 salários mínimos gastam 0,70% e, por fim, os que ganham acima de 30

salários mínimos gastam 0,38% do salário em cigarro.186

Vale lembrar ainda, que as informações prestadas aos consumidores sobre os males

deste produto partiram sempre apenas do Ministério da Saúde. As empresas tabagistas nunca

conscientemente informaram aos seus usuários os males acarretados pelo uso do seu produto.

Todavia, estas advertências prestadas pelo Ministério da Saúde são insuficientes e não

expõem todos os esclarecimentos necessários sobre a nocividade e a periculosidade do cigarro,

já que, não informam ao consumidor todas as substâncias tóxicas que este produto possui

realmente.

De acordo com o artigo 10, o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo

produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou

periculosidade à saúde ou segurança. Os parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 10 esclarecem que o

fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de

consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato

imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios

publicitários. Estes anúncios publicitários serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às

expensas do fornecedor do produto ou serviço. E ainda, sempre que tiverem conhecimento de

periculosidade de produto ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito.

Fica então proibida a comercialização de produto ou serviço que apresente alto grau de

nocividade ou periculosidade à saúde ou à segurança do consumidor.

Vale ressaltar aqui que conforme este artigo, “o fornecedor não poderá colocar no

mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de

periculosidade ou nocividade.” A expressão sabe ou deveria saber enquadra o fornecedor em

duas hipóteses:

- 1ª hipótese – sabe: neste caso ocorre dolo eventual do fornecedor, pois mesmo tendo

conhecimento da periculosidade ou da nocividade do produto não deixou de colocá-lo no

mercado de consumo.

- 2ª hipótese – deveria saber: aqui trata-se de culpa, pois o fornecedor não tinha intenção

de ofertar um produto que causasse danos aos consumidores.

186 Conforme dados do INCA (id., ibid., p. 4).

72

Analisando sob o prisma deste artigo, a atividade exercida pelas empresas tabagistas

julga-se aos olhos do Direito do Consumidor totalmente irregular. 187 De nada adianta

possuirmos uma legislação que tutele a saúde e a segurança do consumidor se a mesma não

for realmente aplicada em seu benefício. Assim, nada além do interesse econômico justifica a

comercialização deste produto.188

Segundo o disposto no artigo 12, o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou

estrangeiro e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela

reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos de seus produtos e informações

insuficientes ou inadequadas. De acordo com o § 1º, incisos I, II e III deste artigo, o produto é

defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em

consideração as circunstâncias relevantes, como a sua apresentação, o uso e os riscos que

razoavelmente dele se esperam e a época em que foi colocado em circulação.

Trata-se aqui de responsabilidade civil objetiva, pois as pessoas elencadas neste artigo

respondem independentemente da existência de culpa189 pela reparação dos danos causados

à saúde, à segurança ou à integridade física do consumidor, por defeitos de seus produtos ou

por informações insuficientes ou inadequadas.

Tratar-se-á sobre produtos defeituosos e responsabilidade civil objetiva mais adiante,

em pontos específicos. Porém, cabe ressaltar que a comercialização do cigarro acarreta o

chamado defeito de informação, visto que este infringe os princípios basilares do Código de

Defesa do Consumidor da boa-fé, da transparência e da confiança.

A caracterização da atividade como perigosa e potencialmente nociva remete a

comercialização do cigarro à responsabilidade civil objetiva. Porquanto, as empresas

187 Para matar um homem basta 100 mg de nicotina. E um maço de cigarros – 20 cigarros apenas – contém essa

quantidade. Em cada tragada que dá, o fumante inala dezenas de substâncias diferentes, muitas inócuas e outras extremamente tóxicas para o organismo humano. Algumas são veneno de ação imediata e outras de efeitos tardios. (GARCIA, Sebastão. Carta aos fumantes. Urgente! São Paulo: Paulinas, 1983. p. 78).

188 Estima-se que o Estado brasileiro receba bilhões de reais em tributos arrecadados com o consumo de cigarros. Apenas o IPI pago pelo setor de 1995 a 1999, correspondeu a cerca de R$ 13 bilhões, segundo dados da Receita Federal. A este valor agregam-se ainda outros tributos incidentes sobre os produtos do fumo, como ICMS, selo, COFINS e PIS. (PEREIRA, Osmônio. Comissão de Seguridade Social e Família. Projeto de Lei n. 513, de 1999. Apenso aos Projetos de Lei n. 708, de 1999, n. 198, de 1999 e n. 3.129, de 2000. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/mostraintegra.asp?Codteor=212127>. Acesso em: 18 jan. 2007).

189 Cavalieri Filho explica que, “risco é perigo, é probabilidade de dano, importante, isso, dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente. A doutrina do risco pode ser, então, assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável que é aquele que materialmente causou o dano.” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2003a. p. 146).

73

tabagistas, em razão de praticar atividades negligentes, respondem pelos danos causados aos

seus consumidores independentemente da existência de culpa.

Logo, o artigo 24 informa que a garantia legal de adequação do produto ou serviço

independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor. Assim sendo, o

fornecedor deve priorizar a garantia de boa qualidade de seu produto ou serviço independente

de termo expresso, pois isto já está assentado na lei.

Esclarece o artigo 31, que a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem

assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas

características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e

origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos

consumidores.

Nota-se aqui, que é dever do fornecedor assegurar informações completas e exatas

sobre o produto ou o serviço ofertado, pois só assim, o consumidor poderá fazer uma escolha

consciente. No entanto, o código não se refere a qualquer informação. A informação prestada

deve ser correta, clara, precisa, ostensiva e em língua portuguesa. Além do mais, a oferta deve

esclarecer os riscos que o produto ou serviço apresentam à saúde e à segurança do consumidor.

Ademais, vale salientar ainda, que o artigo 31 apresenta um rol exemplificativo em

relação aos dados do produto ou serviço ofertado, já que o legislador, após elencar estes dados,

empregou a expressão “entre outros”. Porquanto, cabe ao fornecedor informar, além destes

dados citados, outros que julgue necessários.

Sob este prisma, faz-se jus ressaltar que as empresas tabagistas utilizam-se de uma

oferta enganosa pois nas embalagens de cigarro não existe a descrição de todas as substâncias

tóxicas que contém este produto e os riscos que acarretam à saúde e segurança dos

consumidores. Neste sentido, as informações prestadas na oferta do cigarro não são corretas,

não são claras, não são precisas e nem são ostensivas.

Por força do artigo 37 fica proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. O parágrafo

segundo deste artigo explica que é abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de

qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da

deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que

seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua

saúde ou segurança. Objetiva-se, assim, que a publicidade não induza o consumidor a se

comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. Este tema será tratado

74

mais adiante em um ponto específico, porém adianta-se que a publicidade do cigarro,

conforme explica Adan El Kadri, advogado e membro da ADESF, “é abusiva porque incita o

público a consumir algo que faz mal, e é enganosa, porque não dá a dimensão do problema do

fumo, relacionando o cigarro com esporte e o bem-estar.”190

De acordo com o parágrafo primeiro do artigo 55, a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a

publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da

vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as

normas que se fizerem necessárias.

Portanto, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão fiscalizar e

controlar em caráter concorrente as respectivas áreas elencadas no artigo supracitado, no

interesse de tutelar a vida, a saúde, a segurança, a informação e o bem-estar do consumidor.

Visto isso, fica clara a interligação entre o direito à saúde, que é um bem jurídico

ligado à vida (direito previsto na Constituição Federal de 1988), e o direito do consumidor,

pois a Lei nº 8.078/90, seguindo os ditames constitucionais, objetivou proteger a saúde do

consumidor dos riscos gerados pela relação de consumo. Todavia, como vimos, o cigarro por

ser um produto que apresenta alto índice de nocividade e de periculosidade infringe vários

dispositivos desta lei. Destarte, após este exame do Código de Defesa do Consumidor,

passaremos agora no próximo capítulo, a estudá-lo mais amplamente, como forma de

implementação do direito fundamental à saúde.

190 REVISTA ISTO É. Fumar pode ser prejudicial à indústria do cigarro. 20 de agosto de 1997.

75

CAPÍTULO II – O DIREITO DO CONSUMIDOR COMO IMPLEMENTAÇÃO DO

DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

Neste capítulo tratar-se-á do direito do consumidor como implementação do direito

fundamental à saúde. Para tanto, num primeiro momento, serão elencados os princípios

basilares da boa-fé, da transparência e da confiança, afirmando-se que as empresas tabagistas

no momento que infringem o dever de informação, tutela pelo Código de Defesa do

Consumidor, agem em desrespeito a esses princípios. Serão destacadas também neste capítulo,

as circunstâncias relevantes na valoração da segurança dos produtos, demonstrando que para

caracterizar o produto como defeituoso é necessário segundo os incisos I, II, III do parágrafo

1º do art. 12, levar-se em consideração a apresentação do produto, o uso e os riscos que

razoavelmente dele se esperam e a época em que foi colocado em circulação.

Num próximo momento, trabalhar-se-á ainda com o conceito de defeito e vício,

afirmando que o cigarro é um produto defeituoso em razão da sua imperfeição ir além da

impropriedade de uso ou da diminuição do valor, critérios estes elencados na categoria do

vício. Analisar-se-á o tema da publicidade enganosa e abusiva exercida pelas empresas de

tabaco e as mudanças ocorridas com o advento da Lei Serra. Partindo dessas premissas, serão

elencadas num próximo ponto, as provas que o fumante ou seus familiares, no caso de óbito

deste, deverão apresentar em juízo, a norma que regula a inversão do ônus da prova, os

critérios para que isso ocorra e o momento mais propício.

2.1 OS PRINCÍPIOS BASILARES DA BOA-FÉ, DA TRANSPARÊNCIA E DA CONFIANÇA

A massificação dos contratos, a concentração econômica e os monopólios da

sociedade de consumo fizeram com que ocorresse um grande desequilíbrio nas relações entre

os fornecedores e os consumidores.191 Essas modificações nas relações de consumo geraram o

191 De acordo com Almeida, “é fato inegável que as relações de consumo evoluíram enormemente nos últimos

tempos. Das operações de simples troca de mercadorias e das incipientes operações mercantis chegou-se progressivamente à sofisticadas operações de compra e venda, arrendamento, leasing, importação etc., envolvendo grandes volumes e milhões de dólares. De há muito as relações de consumo deixaram de ser pessoais e diretas, transformando-se, principalmente nos grandes centros urbanos, em operações impessoais e indiretas, em que não se dá importância ao fato de não se ver ou conhecer o fornecedor. Surgiram os grandes estabelecimentos comerciais e industriais, os hipermercados e, mais recentemente, os shopping centers. Com a mecanização da agricultura a população rural migrou para a periferia das grandes cidades, causando o inchaço populacional, a conturbação e a deterioração dos serviços públicos essenciais. Os bens de consumo passaram a ser produzidos em série, para um número cada vez maior de consumidores. Os serviços se ampliaram em grande medida. O comércio experimentou extraordinário desenvolvimento, intensificando a utilização da publicidade como meio de divulgação dos produtos e atração de novos consumidores e usuários.

76

reconhecimento da hipossuficiência e da vulnerabilidade192 do consumidor e, dessa forma, a

conscientização de que este necessitava de proteção estatal.

Ressalta Bittar que:

A idéia de um corpo orgânico de normas de proteção ao consumidor foi lançada, em nosso País, em meados da década de 1970, tendo germinado sob a ação de inúmeras e ineficientes intervenções estatais na economia, as quais faziam, a cada passo, denudar-se a fragilidade do regime então vigente, com o sucessivo atingimento - e sem resposta satisfatória - de inúmeros direitos dos consumidores, em ações de que resultaram falta de produtos no mercado, sonegação de mercadorias, formação de estoques especulativos e cobrança de ágio na comercialização, a par de outras práticas abusivas (principalmente no período de 1986 1987).193

A produção em massa e o consumo em massa geraram a sociedade de massa, sofisticada e complexa.” (ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 3. ed. rev. atual e amp. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 2).

192 A vulnerabilidade é um conceito que expressa desigualdade, inferioridade, ou seja, uma das partes apresenta-se mais fraca em relação a outra em determinado assunto. É uma característica universal de todo consumidor independentemente de sua condição econômica. Já a hipossuficiência é uma característica pessoal, que leva em consideração as condições financeiras do consumidor envolvido na relação de consumo. Sendo assim, nem todo consumidor é hipossuficiente, porém todo consumidor é vulnerável. Segundo Moraes, “existem várias espécies de vulnerabilidade. São elas: vulnerabilidade técnica, vulnerabilidade jurídica, vulnerabilidade política ou legislativa, vulnerabilidade biológica ou psíquica, vulnerabilidade econômica ou social e vulnerabilidade ambiental. A vulnerabilidade técnica “configura-se por uma série de motivos, sendo o principal a falta de informações prestadas incorretamente e, até mesmo, o excesso de informações desnecessárias, esta última muitas vezes tendo o condão de impedir que o consumidor se aperceba daquelas que realmente interessam.” (MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor: no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 128). Nesta categoria, o autor classifica em cinco as fontes geradoras da vulnerabilidade técnica: os produtos ou serviços naturalmente perigosos, os com defeitos, com vícios, oferecidos por intermédio de práticas comerciais abusivas e os contratos. A vulnerabilidade jurídica “manifesta-se, predominantemente, na avaliação das dificuldades que o consumidor possui para defender seus direitos, tanto na esfera administrativa como na judicial.” (Id., ibid, p. 120). A vulnerabilidade política ou legislativa “acontece porque o consumidor ainda é bastante fraco no cenário brasileiro, inexistindo associações ou órgãos capazes de influenciar decisivamente na contenção de mecanismos legais maléficos para as relações de consumo e que acabam geando verdadeiros ‘monstrengos’ jurídicos.” (Id., ibid, p. 133). Em relação à vulnerabilidade biológica ou psíquica, Moraes explica que esta diz respeito ao entusiasmo que o merchandising ou as publicidades subliminares podem causar no psíquico do consumidor, levando-o a consumir produtos que não são necessários. O autor cita vários exemplos nesta categoria, entre elas, cabe destacar a seguinte: “Outro exemplo é o dos cigarros que contêm uma série de substâncias químicas que ativam cadeias de enzimas criadas no interior das células nervosas, obrigando o usuário a cada vez ter mais vontade de fumar e, salientando de maneira mais clara, como é fácil ao grande fornecedor, assessorado por profissionais das áreas científicas mais variadas, se prevalecer em relação ao vulnerabilíssimo consumidor.” (Id., ibid, p. 152-153). Sendo assim, na vulnerabilidade biológica ou psíquica “deverá ser considerada na análise dos efeitos da relação de consumo, não podendo ser aceita a idéia simplista e falaciosa de que todos são livres para optar por aquilo que desejam ou necessitam.” (Id., ibid., p. 155). Já a vulnerabilidade econômica e social “decorre diretamente da disparidade de forças existentes entre os consumidores e os agentes econômicos, releva do que eles possuem maiores condições de impor a sua vontade àqueles, por intermédio da utilização dos mecanismos técnicos mais avançados que o poderio monetário pode conseguir.” (Id., ibid., p. 155). E, por fim, a vulnerabilidade ambiental “é uma realidade e decorre diretamente das imposições mercadológicas, as quais levam para a sociedade produtos ou serviços, em princípio apresentados como benéficos, mas que, na verdade, possuem potenciais danosos infinitamente superiores” (Id., ibid., p. 174).

193 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor. Código de defesa do consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990). Atualização de Eduardo C. B. Bittar. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 20.

77

Neste período, vários projetos de lei foram apresentados em defesa do consumidor

brasileiro. Merece destaque, no entanto, a iniciativa do Deputado Nina Ribeiro que apresentou

o Projeto de Lei nº 70/71 à Câmara Federal, que, todavia, infelizmente, não foi aceito.

Conforme Almeida,

Passos importantes, no entanto, foram dados a partir de 1985. Em 24 de julho foi promulgada a Lei n. 7.3.47, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao consumidor, além de outros bens tutelados, iniciando, dessa forma, a tutela jurisdicional dos interesses difusos em nosso país. Na mesma data foi assinado o Decreto Federal n. 91.469, alterado pelo de n. 94.508, de 23 de junho de 1987, criando o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, que tinha como função assessorar o presidente da República na formulação e condução da política nacional de defesa do consumidor, com competência bastante extensa, mas sem poder coercitivo. Tal órgão colegiado veio a ser extinto no início do Governo Collor de Mello e substituído por outro singular, o Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor, subordinado à SNDE, na estrutura do Ministério da Justiça. Ganhou-se em termos de agilidade e de uniformidade de procedimento em relação à área de defesa econômica: perdeu-se em representatividade no que se refere à participação dos órgãos estaduais e municipais, das entidades privadas de defesa do consumidor e da sociedade civil (Conar, OAB, Confederações do empresariado: indústria, agricultura e comércio), que integravam o extinto Conselho.194

O Conselho Nacional de Defesa do Consumidor apresentou a versão final do

anteprojeto, junto com outros projetos sobre a matéria, para o Congresso Nacional, o qual

veio, então, a aprovar o Código de Defesa do Consumidor.195

Com a edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de setembro

de 1990) surge, então, uma lei estruturada e disposta a tutelar de forma mais ampla os

consumidores frente aos fornecedores nos contratos e nas relações de consumo. 196 Este

Código priva pelo respeito aos princípios basilares da boa-fé, da transparência e da confiança.

194 ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 9-10. 195 É importante ressaltar que anteriormente ao Código de Defesa do Consumidor, a Constituição Federal de

1988 já havia tutelado o consumidor brasileiro. De acordo com o artigo 5º, inciso XXXII, da CF/88: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Este artigo encontra-se inserido no Capítulo I da Constituição que trata a respeito “Dos direitos e deveres individuais e coletivos”, do Título II que se refere “Dos direitos e garantias constitucionais.” Ademais, este artigo é considerado pela CF/88 uma cláusula pétrea, conforme o artigo 60, § 4º, IV da mesma, desta forma, não pode vir a ser objeto de deliberação de Emenda Constitucional tendente a aboli-lo. E ainda, o artigo 170, que rege a ordem econômica entre os seus princípios, expõe, no inciso V, a defesa do consumidor.

196 “Já dizia Aristóteles que situações iguais devem ter igual tratamento, mas situações desiguais devem ter tratamento diverso. É evidente a razão disto: a desigualdade decorrente das circunstâncias sociais, desequilíbrio econômico, devem ser corrigidas pela lei. Assim, aqueles que, por inferioridade financeira ou cultural, poderiam ser injustamente lesados por outros mais poderosos ou solertes, têm um tratamento mais favorecido, pois isto corrige tais disfunções. A lei, portanto, não favorece uns em detrimento de outros; ao contrário, determina a verdadeira igualdade jurídica. É o caso, sem dúvida, de consumidor comum, no mais das vezes um trabalhador humilde ou a dona-de-casa, pouco versados na realização dos negócios.”

78

O conceito de boa-fé é de origem romana. A origem da boa-fé ou fides possui três

dimensões: fides-sacra (ligada ao campo religioso), fides-fato (associado à clientela) e fides-

ética (coligada a garantia). Para reforçar o termo fides, foi acrescentado, no decorrer do tempo,

o adjetivo bona.197 Coligando-se estas palavras surgiram as expressões fides-bona e bona-

fides.198

Num próximo momento, com o surgimento da cláusula oportet ex fide bona, as partes

passam a ser obrigadas a atuar sem dolo, com honestidade. O juiz detém maior liberalidade de

julgamento não se baseando tão somente na lei. Divide-se a boa-fé em objetiva para os

contratos e subjetiva para áreas como posse e família.

Nesse sentido, a boa-fé difunde-se de forma vertical e horizontal. Na difusão

horizontal:

Uma expressão qualificativa de um instituto jurídico concreto passa a designar, também, um instituto diferente: é o que ocorreu quando a boa-fé passou a nominar uma realidade nova, como requisito na usucapião – o estado psicológico de ignorância, por parte do beneficiário.199

Já na difusão vertical:

Verificou-se a evolução do bonum et aequum e da equitas de expressões técnicas para princípios de grande expressão, acabando por mesclá-los com a bona fides que, a partir de então, indica também “justiça”, “honestidade” e “lealdade”. Na vertical, portanto, comunica-se um instituto jurídico concreto a um princípio do Direito, integrando-se de molde a ampliar o significado deste.200

O Código de Napoleão trouxe, no artigo 550, uma menção de boa-fé subjetiva.

Todavia, este artigo não foi aplicado com expressão nos contratos, não despertando maiores

interesses dos doutrinadores.

(ACQUAVIDA, Marcus Cláudio. Valdemecum do código do consumidor: doutrina, legislação, jurisprudência e procedimentos práticos. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1998. p. 17).

197 RIBAR, Georgia. O sistema da responsabilidade civil do profissional liberal no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: LTr, 2003. p. 72.

198 “Horvat frisa que todo o desenvolvimento do direito romano, em área secular, está estritamente ligado à noção de fides bona, de tal maneira que esta chegará a se constituir em verdadeira cláusula geral no sistema romano. Para o mencionado autor, a significação de fides relaciona-se com a noção de manutenção da palavra dada ou garantia da palavra dada. Bona fides contém o sentido de dever de adimplemento e servia de argumento técnico aos pretores romanos, para embasar soluções quanto a negócios que não tinham fundamento na lei romana.” (OLIVEIRA, Ubirajara March de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 23-24, p. 56-57, jul./dez. 1997).

199 Id., ibid., p. 57. 200 Id., ibid., p. 57.

79

O direito germânico desenvolveu a boa-fé objetiva. Desta forma, tem-se a boa-fé

objetiva expressa no Código Civil Alemão (BGB), através de uma cláusula geral, em seu §

242, o que garante sua aplicação a toda teoria contratual alemã.201 O BGB se refere à boa-fé

nos §§ 138, 151, 157, 193, 242, 320 e 826.202

No ordenamento brasileiro, até o advento do Código de Defesa do Consumidor, a boa-

fé era empregada nas decisões dos tribunais apenas na forma subjetiva, já que estes

acompanhavam o sentido que o Código Civil de 1916 destinava a este termo.203

Conforme Martins-Costa, boa-fé subjetiva:

denota, portanto, primariamente, a idéia de ignorância, de crença errônea, ainda que excusável, acerca da existência de uma situação regular, crença (e ignorância excusável) que repousam seja no próprio estado (subjetivo) da ignorância (as hipóteses do casamento putativo, da aquisição da propriedade alheia mediante a usucapião), seja numa errônea aparência de certo ato (mandato-aparente, herdeiro aparente etc). Pode denotar, ainda secundariamente, a idéia de vinculação ao pactuado, no campo específico do direito contratual, nada mais aí significando do que um esforço ao princípio da obrigatoriedade do pactuado, de modo a se poder afirmar, em síntese, que a boa-fé subjetiva tem o sentido de uma condição psicológtica que normalmente se concretiza no convencimento do próprio direito, ou na ignorância de se estar lesando direito alheio, ou na adstrição “egoística” à literalidade do pactuado.204

Neste mesmo sentido, Silva argumenta que:

201 NOVAIS, Alinne Arquette Leite. A teoria contratual e o código de defesa do consumidor. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2001 (Biblioteca do Direito do Consumidor, v. 17). p. 74. Ribar comenta que: “no Direito alemão é que foi desenvolvida a boa-fé como elemento afetivo exterior. Passou a ser garantia de manutenção e do cumprimento da palavra dada, sendo que no comércio representaria o sentido de cumprimento exato dos deveres assumidos. A boa-fé objetiva firmou-se como princípio primeiramente na jurisprudência comercial alemã, como a criação do tribunal superior de apelação comercial, destacando-se por decisões de caráter tópico com base na boa-fé [...]. A boa-fé objetiva adquiriu relevo próprio no campo jurisdicional, apresentando características como: o exercício inadmissível de posições jurídicas, a interpretação objetiva e os deveres de comportamento no tráfego, que, posteriormente, comporiam o conceito delineado com maior precisão. Na doutrina não houve manifestação acerca dos entendimentos jurisprudenciais. Com o advento do Código Comercial alemão, em 1861, a boa-fé não obteve referência no presente estatuto, bem como foi pouco desenvolvida na doutrina, continuando como criação judicial.” (RIBAR, Georgia. O sistema da responsabilidade civil do profissional liberal no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: LTr, 2003. p. 73).

202 Id., ibid., p. 74. 203 Conforme Pezzella, o Código Civil Brasileiro de 1916 não possuía nenhum artigo expresso que consagrasse o

princípio da boa-fé objetiva como regra geral. “O Código Comercial de 1850 sim, no art. 131, I, em que pese pouca importância tenha este dispositivo legal frente à doutrina e à jurisprudência pátrias.” (PEZZELLA, Maria Cristina Cereser. O princípio da boa-fé objetiva no direito privado alemão e brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 23-24, jul./dez. 1997. p. 210). Todavia, vale ressaltar que o Código Civil Brasileiro de 2002 adotou, no artigo 422, o princípio da boa-fé objetiva. De acordo com este artigo, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

204 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 411-412.

80

Na concepção jurídica, a boa-fé subjetiva é um estado de ignorância sobre a real situação jurídica que se apresenta, capaz de causar lesão à direitos de outrem. Na situação de boa-fé, alguém acredita ser titular de um direito que na verdade não tem, porque só existe na aparência. Esta situação de aparência gera um estado de confiança subjetiva, relativa à estabilidade da situação jurídica, que permite ao titular ter expectativas que acredita legítimas. Neste sentido subjetivo a boa-fé aparece em diversos preceitos do Código Civil, como, v.g., nos arts. 221 (efeitos do casamento putativo); 490 e 491 (posse de boa-fé); 510 e ss. (efeitos da posse); 550, 551 e 618 (usucapião); 935 (pagamento a credor putativo); 1.072 (cessionário de boa-fé); 1.507 (portador de boa-fé de título ao portador) e outros.205

Todavia, enfatiza Martins-Costa que por boa-fé objetiva:

se quer significar – segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao § 242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da common law – modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual ‘cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade’. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo.206

Na visão de Bonatto e Moraes:

a expressão “boa-fé” possui importância muito maior que a de um mero conceito jurídico, sendo, verdadeiramente, um princípio, uma diretriz a ser seguida, quando da interpretação das normas e também da sua concretização. A boa-fé objetiva traduz a necessidade de que as condutas sociais estejam adequadas a padrões aceitáveis de procedimento que não induzam a qualquer resultado danoso para o indivíduo, não sendo perquerido da existência de culpa ou de dolo, pois o relevante na abordagem do tema é a absoluta ausência de artifícios, atitudes comissivas ou omissivas, que possam alterar a justa e perfeita manifestação de vontade dos envolvidos em um negócio jurídico ou dos que sofram reflexos advindos de uma relação de consumo.207

O Código de Defesa do Consumidor, através da Política Nacional das Relações de

Consumo,208 inovou e abrangeu o conceito de boa-fé prelecionado pelo Código Civil. Sendo

205 SILVA, Agathe E. Schmidt da. Cláusula geral de boa-fé nos contratos de consumo. Revista de Direito do

Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 17, jan./mar. 1996. p. 154. 206 MARTINS-COSTA, Judith. Op cit., 2000, p. 411. 207 BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de Defesa do

Consumidor: principiologia, conceitos, contratos atuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 37-38. 208 “A transparência e harmonia das relações de consumo, apontadas no caput do art. 4º como um dos objetivos

da Política Nacional das Relações de Consumo, será o resultado da conduta geral de boa-fé que deve ser colimada pelos dois pólos integrantes das relações de consumo: fornecedor e consumidor, ainda que em posições de aparente antagonismo em face do virtual confronto de seus interesses. Nesse mister os sujeitos das relações de consumo devem estar voltados, em última análise, ao objetivo comum de melhor e mais

81

assim, a boa-fé passa a ser “a base de interpretação das relações obrigacionais com

consumidores, porém, em termos de Código de Defesa do Consumidor, em face da

positivação de deveres dela decorrentes, a fonte não será o princípio, mas sem a lei.”209 A

boa-fé consolida-se não como um mero princípio contratual, mas em um princípio geral

pertinente às relações de consumo.210

A positivação do princípio da boa-fé objetiva no âmbito do Direito Civil deu-se com o

Código de Defesa do Consumidor, através do artigo 4º, inciso III, e artigo 51, inciso IV.

O artigo 4º objetiva harmonizar os interesses conflitantes entre os consumidores e

fornecedores. Com isso, aproxima-se este conceito com o que pressupõe o artigo 170 da CF

sobre a ordem econômica211. Neste parâmetro, pode-se afirmar que a boa-fé não defende

apenas o débil, já que serve também para orientar a interpretação garantidora da ordem

econômica, harmonizando interesses contraditórios. Todavia, com isso, podem ser

privilegiados interesses contrários ao do consumidor, se assim for determinado pelo interesse

social dominante.212

Aguiar Júnior argumenta que o contrato é iluminado pela boa-fé, tanto externa como

internamente, como se vê na seguinte passagem:

eficientemente fazer circular mercadorias e serviços com conseqüente geração de riquezas e benefícios a todos os partícipes do mercado de consumo.” (MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato de produto: os acidentes de consumo no código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 42).

209 SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas abusivas nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 90 (Biblioteca de Direito do Consumidor, v. 27).

210 FERNANDES NETO, Guilherme. O abuso do direito no Código de Defesa do Consumidor: cláusulas, práticas e publicidades abusivas. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.

211 Marques explica que “segundo dispõe o art. 4º do C.D.C., inciso terceiro, todo o esforço do Estado ao regular os contratos de consumo deve ser no sentido de harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal) sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.” (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev. atual e amp., incluindo mais de 1.000 decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 671. Biblioteca de Direito do Consumidor, v. 1).

212 “Justamente por não exigir a proteção aos interesses íntimos e privados da contraparte, mas somente a colaboração para aqueles interesses objetivamente extraídos da própria realização do negócio, a boa-fé objetiva não importa em sacrifício de posições contratuais de vantagem. Em outras palavras, as partes, na prática, concorrem - e o direito não veda, em relações partidárias, que concorram - entre si na aquisição e manutenção de posições prevalentes e de proteção, o que é da essência das relações negociais. [...] A boa-fé, seja por meio da imposição positiva de deveres anexos, seja por meio de proibição de exercer abusivamente (em contrariedade aos deveres anexos) os direitos contratuais, não implica renúncia a tais direitos ou à situações de preponderância que possam vir a ocorrer no curso da relação obrigacional.” (TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. A boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil de 2002. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos; PASQUALOTTO, Adalberto (Coords.). Código de Defesa do Consumidor e Código Civil de 2002: convergências e assimetrias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 227. Biblioteca de Direito do Consumidor, v. 26).

82

externamente, o contrato assume uma função social e é visto como um dos fenômenos integrantes da ordem econômica, nesse contexto visualizado como uma fator submetido aos princípios constitucionais de justiça social, solidariedade, livre concorrência, liberdade de iniciativa etc., que fornecem os fundamentos para uma intervenção no âmbito da economia contratual; internamente o contrato aparece como o vínculo funcional que estabelece uma planificação econômica entre as partes, às quais incumbe comportar-se de modo a garantir a realização dos seus fins e a plena satisfação das expectativas dos participantes do negócio.213

Sendo assim, o artigo 4º, conforme Aguiar Júnior, encontra-se inserido no aspecto

externo, já que este estabelece que a intervenção na economia contratual se dê com base na

boa-fé, “isto é, com a superação dos interesses egoísticos das partes e com a salvaguarda dos

princípios constitucionais sobre a ordem econômica através de comportamento fundado na

lealdade e na confiança.”214

Por outro lado, o princípio da boa-fé objetiva está também previsto no artigo 51, inciso

IV, do Código de Defesa do Consumidor, que trata das cláusulas contratuais abusivas.215

O artigo 51 diz ser abusiva a cláusula incompatível com a boa-fé ou com a eqüidade.

Através do princípio da eqüidade contratual, “institui o CDC normas imperativas, as

quais proíbem a utilização de qualquer cláusula abusiva, definidas como as que assegurem

vantagens unilaterais ou exageradas para o fornecedor de bens e serviços, ou que sejam

incompatíveis com a boa-fé e eqüidade.”216

213 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. A boa-fé na relação de Consumo. Revista de Direito do Consumidor. São

Paulo: Revista dos Tribunais, n. 14, abr./jun. 1995. p. 22. 214 Aguiar Júnior explica ainda que “essa intervenção na economia do contrato, quando se dá por força da boa-fé,

significará uma modificação na planificação acordada entre as partes, alterando a relação custo-benefício. Enquanto na execução linear da obrigação, eventual aumento do custo entra no âmbito de risco assumido voluntariamente pelas partes, já tal aumento, quando decorre da aplicação do princípio da boa-fé, não nasce diretamente das cláusulas contratuais acordadas. Então se põe a questão de saber se a alteração por força da boa-fé pode levar a um agravo que modifique a relação custo-benefício de forma tão substancial que influa na avaliação da conveniência do negócio. Isso interessa para decidirmos sobre a intensidade da exigência no cumprimento dos deveres, segundo resultem diretamente do contrato ou da boa-fé.” (Id., ibid., p. 22).

215 “A boa-fé objetiva é, em sua versão original germânica, uma cláusula geral que, assumindo diferentes feições, impõe às partes o dever de colaborarem mutuamente para a consecução dos fins perseguidos com a celebração do contrato. E foi neste sentido que o Código de Defesa do Consumidor a incorporou. Ocorre, contudo, que, por conta da finalidade declaradamente protetiva do código consumerista, também a noção de boa-fé objetiva acabou, na prática jurisprudencial, sendo empregada como instrumento de proteção ao consumidor, embora ontologicamente não se trate de um preceito protetivo, mas de uma sujeição de ambas as partes, e em igual medida, aos padrões objetivos de lealdade e elaboração para os fins contratuais.” (TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Op. cit., 2005, p. 220).

216 MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., 2002, p. 471.

83

Sendo assim, “o princípio de eqüidade tem por função básica a promoção do equilíbrio

na relação contratual, dispondo não só das atribuições, mas também das funções de partes

envolvidas no processo de fornecimento e no processo de consumo.”217

Vale lembrar que, conforme o artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor, “as

cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Este

artigo busca repreender as práticas consideradas abusivas, em que “o consumidor é colocado

em desvantagem pela supremacia do fornecedor, situação comprometedora ao bom exercício

das relações de consumo.”218

Marques lembra que o princípio da eqüidade contratual é cogente, em razão disto, o

Código de Defesa do Consumidor sanciona e aparta apenas o resultado, portanto, mesmo que

a cláusula tenha sido aceita conscientemente pelo consumidor, se ela for abusiva, não

prevalecerá.

Marques prossegue explanando que o contrato de consumo deve ser interpretado de

acordo com a boa-fé e sempre a favor do consumidor. Assim, “o aplicador da lei deverá ter

em mente quais eram os deveres do fornecedor e como suas práticas e cláusulas tentaram

afastar o cumprimento destes deveres imperativos, afinal o CDC é norma de ordem pública

(art. 1º do CDC) e os direitos assegurados aos consumidores são indisponíveis por

contrato.”219

A inclusão da eqüidade para avaliar a abusividade do contrato gerou o juízo eqüitativo.

O juiz “deverá averiguar qual é a concepção efetivamente vigente, através de pesquisa

jurisprudencial e doutrinária, pois não se trata de determinar por óbvio, qual é a sua própria

valoração”,220 já que esta é somente uma das quais ele terá que acarear entre muitas valora-

ções e, conforme o caso, ajustar.221

217 ROSA, Josimar Santos. Relações de consumo: a defesa dos interesses de consumidores e fornecedores. São

Paulo: Atlas, 1995. p. 54. 218 Id., ibid, p. 54. 219 MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., 2002, p. 758. Marques ressalta que: “em face da finalidade de proteção

especial das normas do CDC, a interpretação dos contratos envolvendo consumidores e fornecedores deve guiar-se por seus princípios, em especial o princípio da boa-fé, da transparência, da proteção, da confiança e das expectativas legítimas dos consumidores. Trata-se, igualmente, de uma interpretação contextual, que procura o sentido e o alcance da vontade expressa no contrato também em seu contexto negocial, na finalidade normal (standard objetivo) deste tipo de contrato, nas expectativas normais para os consumidores neste tipo de negócio (standard objetivo), considerado igualmente os atos e informações anteriores a conclusão do negócio como juridicamente relevante, formando o ‘todo’ a interpretar, a relação contratual a considerar.” (MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., 2002, p. 759).

220 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., 2000, p. 331. 221 “Para aplicação da cláusula da boa-fé, o juiz parte do princípio de que toda “a inter-relação humana deve

pautar-se por um padrão ético de confiança e lealdade, indispensável para o próprio desenvolvimento normal da convivência social. A expectativa de um comportamento adequado por parte do outro é um componente

84

Nesse sentido, Marques expõe que:

a boa-fé objetiva é um standard, um parâmetro objetivo, genérico, um patamar geral de atuação do homem médio, do bom pai de família, que agiria de maneira normal e razoável naquela situação analisada. O julgador valora a atuação, decidindo se esta ultrapassou ou não a razoabilidade, os limites impostos por esta boa-fé objetiva qualificada, que é a de consumo.222

Ademais, o princípio da boa-fé na formação e na execução das obrigações possui três

funções principais: função interpretativa dos contratos, função restritiva do exercício alusivo

de direitos contratuais e função criadora de deveres anexos ou acessórios à prestação principal.

A boa-fé como pauta de interpretação exerce valioso papel para a exata compreensão

das cláusulas do contrato e das normas legais incidentes.223 Proíbe-se, assim, a interpretação

que dê a uma disposição contratual um sentido malicioso de que qualquer forma dirigido a

iludir ou prejudicar uma das partes, em benefício da outra.224

A boa-fé apresenta-se também no Código de Defesa do Consumidor como instrumento

para harmonizar o interesse das partes nas relações de consumo ao permitir o repúdio a

cláusulas abusivas225. Nesse sentido, atua como norma limitadora de direitos subjetivos, por

forma a impedir a convalidação dessas cláusulas ao prescrever a necessidade de um

comportamento correto, de uma postura leal entre os contratantes.226

Por fim, a boa-fé exerce a função criadora dos chamados deveres anexos que são os

“deveres de conduta anexos aos deveres de prestação contratual, como o dever de informar, o

dever de cuidado e de cooperação.”227

Peixoto explica que

verifica-se, portanto, a presença da boa-fé em todas as fases contratuais em suas distintas manifestações: regra hermenêutica-integrativa, fonte criadora de deveres jurídicos e norma limitadora ao exercício de direitos subjetivos, o

indissociável da vida de relação, sem o qual ela mesma seria inviável. Isso significa que as pessoas devem adotar um comportamento leal em toda a fase prévia à constituição de tais relações (diligência in contrahendo); e que devem também comportar-se lealmente no desenvolvimento das relações jurídicas já constituídas entre eles. Este dever de comporta-se segundo a boa-fé se projeto a sua vez nas direções em que se diversificam todas as relações jurídicas: direitos e deveres. Os direitos devem exercitar-se de boa-fé; as obrigações têm de cumprir-se de boa-fé.” (AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Op. cit., 1995, p. 25).

222 MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., 2002, p. 226. 223 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Op. cit., 1995, p. 26. 224 TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Op. cit., 2005, p. 223. 225 PEIXOTO, Ester Lopes. O princípio da boa-fé no direito civil brasileiro. Revista de Direito do Consumidor.

São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 12, jan./mar. 2003. p. 159. 226 Id., ibid., p. 159. 227 MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., 2002, p. 219.

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que denota a sua grande funcionalidade e projeção no âmbito obrigacional, como reconduta do equilíbrio contratual na relação jurídica de consumo.228

Neste parâmetro, o princípio da boa-fé objetiva exige que haja informação, respeito e

cuidado por parte do fornecedor de produtos ou serviços, tanto nos contratos quanto nas

relações de consumo, pois como ressalta Bulgarelli, esta apresenta-se “como salvaguarda das

injunções do jogo do poder negocial.”229 Deste modo, “o princípio fundamental da boa-fé é,

antes de tudo, um limite ao comportamento dos protagonistas da relação de consumo, faz

parte da estrutura jurídica da relação de consumo.”230

As indústrias tabagistas descumprem este princípio, já que infringem o dever de

informação,231 pois comercializam um produto omitindo informações a seu respeito.

O fabricante de cigarros há décadas possui conhecimento e consciência dos males que

o seu produto causa à saúde de quem o consome, 232 todavia, nunca informou aos

consumidores os malefícios do cigarro.”233

228 PEIXOTO, Ester Lopes. Op. cit., 2003, p. 167. 229 BULGARELLI, Waldírio. Questões contratuais no CDC. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 99. 230 FERNANDES NETO, Guilherme. Op. cit., 1999, p. 108. 231 “O dever de informar tem raiz no tradicional princípio da boa-fé objetiva, significante da representação que

um comportamento provoca no outro, de conduta matrizada na lealdade, na correção, na probidade, na confiança, na ausência de intenção lesiva ou prejudicial. A boa-fé objetiva é regra de conduta dos indivíduos nas relações jurídicas obrigacionais. Interessam as repercussões de certos comportamentos na confiança que as pessoas normalmente neles depositam.” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 10, n. 37, jan./mar. 2001. p. 66-67).

232 O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, nas folhas 36, 37 e 38 da apelação civil nº 70000144626 cita um trecho do livro “O cigarro”, de Mário Cezar Carvalho, publicado na série “Folha Explica”, que expõe o seguinte: “A sucessão de fraudes da indústria do cigarro teve início para combater um pesquisador que pintava ratos com nicotina. Em 1953, o médico Ernst Wynder, um judeu alemão que deixara seu país com a ascensão de Hitler, experimentou pincelar o dorso de 86 ratos de laboratório com uma substância obtida da condensação da fumaça do cigarro Lucky Strike. Ele queria ver o que acontecia. Cada rato recebeu, três vezes por semana durante dois anos, 40 gramas de alcatrão destilado (o equivalente à quantidade de alcatrão e nicotina encontrada num maço de cigarros), após ter o dorso raspado com um barbeador elétrico. O resultado foi assustador. Dos 62 ratos que sobreviveram, 58% tinham desenvolvido tumores cancerígenos. Entre os ratos pintados, 90% morreram nos 20 meses seguintes. No grupo dos ratos que não foram pintados, 58% sobreviveram durante esse mesmo período.” Conforme o desembargador, “a seguir, após referir a história de registros anteriores de ligação de fumo com câncer, entre eles um de 1751, do médico londrino John Hill, um de 1859, do francês M. Buisson, um de 1855, de Mlta Lander, entre outros, o mesmo autor referido acentua: ‘Os ratos pintados com nicotina por Wynder, porém, introduziram uma novidade científica: não era só mais um estudo estatístico, nem apenas observação direta, ao contrário do que ocorrera nos textos dos séculos 18 e 19. Pela primeira vez, um experimento de laboratório comprovara o efeito cancerígeno do fumo. O estudo teve repercussão de uma bomba para a indústria. Entre 1953 e 1954, o consumo per capita de cigarros teve queda de 10%. Jornais e revistas adoraram a história dos ratos que desenvolviam câncer. A indústria entrou em pânico. Sua primeira providência foi contratar uma das maiores empresas de relações públicas dos EUA, a Hill & Knowlton, para tentar neutralizar a repercussão dos ratos pintados com nicotina. Em janeiro de 1954, a resposta da indústria circulou num anúncio de página inteira, publicado em 448 jornais americanos. Sob o título ‘Uma Declaração Franca para os Fumantes’, o anúncio era categórico nas afirmações: não havia provas científicas de que cigarro causasse câncer; os bioestatísticos poderiam apontar como causa qualquer outro fator ligado à vida moderna, como a poluição de carros e fábricas ou a alimentação industrializada. ‘Acreditamos que nossos

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Neste sentido, vale ressaltar o ensinamento de Coelho de que:

A inadequação ou a insuficiência das informações podem resultar de fator que o direito norte-americano chama de counter vailing representation (Phillips, 1974:222/224). Verifica-se quando a apresentação e a embalagem do produto têm características tais que o consumidor é intuitivamente levado a crer que o seu consumo não oferece qualquer tipo de insegurança. Ocorre como que uma contra-informação liberada pelo aspecto geral do produto.234

O fornecedor, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, tem o dever de

informar o consumidor, “quer em virtude de sua maior competência técnica ou profissional,

quer em razão da inexperiência do consumidor que normalmente o impede de obter as

informações necessárias sobre os bens que pretende adquirir”,235 pois “somente o dolo ou a

culpa do consumidor justificariam a exclusão da obrigação de informar.”236

O dever de informar deve atender os requisitos da adequação, suficiência e veracidade.

Conforme Lôbo, os “requisitos devem estar investigados. A ausência de qualquer deles

importa descumprimento do dever de informar.”237

produtos não fazem mal à saúde’, dizia o texto, assinado pelo recém-criado Comitê de Pesquisa da Indústria do Tabaco. Ao final do anúncio, o comitê fazia uma promessa: alardeava que a indústria ‘aceitava como responsabilidade básica o interesse pela saúde das pessoas, acima de todas as outras considerações de nosso negócio’. Para provar que ela estava interessada em pesquisar o impacto do fumo sobre a saúde, estava lá o comitê de pesquisas, financiado por todos os fabricantes de cigarro. Como se verá era tudo mentira. A fraude da indústria começou a ser desmontada a partir de 1954, em duas frentes: a da Justiça, na qual advogados conseguiram tornar públicos documentos secretos da indústria, e a dos desertores, formada por funcionários das fábricas que começaram a revelar o que sabiam, movidos pela guerra contra o cigarro, pela consciência culpada e por certo narcisismo, é claro. O teor dos documentos era exatamente o oposto do discurso que a indústria adotara entre os anos 50 e 90. Em resumo, diziam que o cigarro provocava câncer e infarto e que a nicotina é uma droga que causava dependência. Há dois gêneros de documento: os científicos e os memorandos do alto escalão da indústria. O mais antigo dos textos científicos revelados é de fevereiro de 1953, oito meses antes de a pesquisa com os ratos pintados com nicotina ter sido apresentada pela primeira vez. Assinado por Claude Teague, um pesquisador de R. J. Reynolds, o texto associa com o câncer o uso do cigarro por períodos longos: ‘Estudos de dados clínicos tendem a confirmar a relação entre o uso prolongado de tabaco e a incidência de câncer de pulmão’. Logo em seguida, o pesquisador descreve quais são os agentes cancerígenos do cigarro: ‘compostos aromáticos polinucleares correm nos produtos pirológicos [ou seja, que queimam] do tabaco. Benzopireno e N-bensopireno, ambos cancerígenos, foram identificados nos destilados’. Três anos depois da revelação sobre os ratos com tumores, outro pesquisador da R. J. Reynolds, Alan Rodgman, defendia a necessidade de criar um cigarro que não provocasse câncer. ‘Já que agora está bem definido que a fumaça de cigarro contém vários hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, e considerando o potencial e a atividade cancerígena de vários desses compostos, é necessário um método para remover total ou quase totalmente esses componentes da fumaça’.’ (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Civil nº 70000144626, relatora Des. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, jul. 29.10.2003. Disponível em: <http//www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 5 dez. 2006a).

233 Vale ressaltar que as informações prestadas à sociedade sobre os males que o cigarro causa à saúde sempre partiram do Ministério da Saúde e nunca do fabricante de cigarros.

234 COELHO, Fábio Ulhoa. O empresário e os direitos do consumidor: o cálculo empresarial na interpretação do código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 81.

235 AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Proteção do consumidor no contrato de compra e venda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 223-224 (Biblioteca de Direito do Consumidor, v. 2).

236 Id., ibid., p. 224. 237 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. cit., 2001, p. 68.

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Lôbo explica que:

A adequação diz com os meios de informação utilizados e com o respectivo conteúdo. Os meios devem ser compatíveis com o produto ou o serviço determinados e com o consumidor destinatário típico. Os signos empregados (imagens, palavras, sons) devem ser claros e precisos, estimulantes do conhecimento e da compreensão. No caso de produtos, a informação deve referia à composição, aos riscos, à periculosidade.238

Prossegue o autor supracitado, explanando que:

A suficiência relaciona-se com a completude e integralidade da informação. Antes do advento do direito do consumidor, era comum a omissão, a precariedade, a lacuna, quase sempre intencionais, relativamente a dados ou referências não vantajosas ao produto ou ao serviço. A ausência de informação sobre prazo de validade de um produto alimentício, por exemplo, gera confiança no consumidor de que possa ainda ser consumido, enquanto a informação suficiente permite-lhe escolher aqueles que seja de fabricação mais recente. Situação amplamente divulgada pela imprensa mundial foi a das indústrias de tabaco que sonegaram informação, de seu domínio, acerca dos danos à saúde dos consumidores.239

Conseqüentemente, “insuficiente é, também, a informação que reduz, de modo

proposital, as conseqüências danosas pelo uso do produto, em virtude do estágio ainda incerto

do conhecimento científico ou tecnológico.”240

E ainda, com insistência, no dizer de Lôbo:

A veracidade é o terceiro dos mais importantes requisitos do dever de informar. Considera-se veraz a informação correspondente às reais características do produto e do serviço, além dos dados corretos acerca de composição, conteúdo, preço, prazos, garantias e riscos. A publicidade não verdadeira, ou parcialmente verdadeira, é considerada enganosa e o direito do consumidor destina especial atenção a suas conseqüências.241

Neste parâmetro, apesar das indústrias tabagistas exercerem uma atividade lícita,

violam o princípio da boa-fé objetiva tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor, no

momento em que não informam adequadamente as substâncias que contém o cigarro e os

riscos que este produto causa à saúde do fumante.

De outra banda, o Código de Defesa do Consumidor tutela, da mesma forma, o

princípio basilar da transparência.

238 Id., ibid., p. 68. 239 Id., ibid., p. 69. 240 Id., ibid., p. 69. 241 Id., ibid., p. 70.

88

Transparência é a informação prestada de forma clara (tanto qualitativa quanto

quantitativa) em relação ao produto.242

Segundo Tomasetti Júnior, “a transparência é um resultado prático, que a lei

substancialmente persegue mediante o que se pode denominar princípio (e correspondentes

deveres legais) de informação.”243

Para Nunes, o princípio da transparência, “se traduz na obrigação do fornecedor de dar

ao consumidor a oportunidade de conhecer os produtos e serviços que são oferecidos e,

também, gerará no contrato a obrigação de propiciar-lhe o conhecimento prévio de seu

conhecimento.”244

Em matéria contratual, é essencial que as partes atuem com sinceridade, seriedade e

veracidade, tanto que na fase inicial como na contratação propriamente dita245 a transparência

é objetivo implícito em quase todos os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e

implica na boa-fé e na reta intenção dos fornecedores, dos anunciantes e dos financiadores.246

A transparência nas relações de consumo ocorre quando são fornecidas informações

verdadeiras, claras, ostensivas e objetivas ao consumidor. Portanto, nas relações entre

consumidores e fornecedores, o melhor contrato será aquele que resguarde o princípio da

transparência.

Rosa adverte que:

Não se pode conceber um ato negocial que demonstre falta de clareza em seu caráter expressivo, pois a capacidade de persuasão do fornecedor para com o consumidor, tendo por referencial o produto ou serviço, só contemplará o êxito desejado na relação de consumo se aspectos inerentes a sua constituição forem bem explicitados.247

242 “Trata-se de objetivo implícito em quase todos os dispositivos do Código. A transparência implica boa-fé e

reta intenção por parte dos fornecedores, anunciantes e financiadores; exigências em todo o corpo da lei, as quais tendem a levar a maior harmonia nas relações de consumo, pela eliminação dos focos geradores de litígios ou até mesmo de conflitos.” (CRETELLA JÚNIOR, José; DOTTI, René Ariel (Coords.); ALVES, Geraldo Magela (Org.). Comentários ao código do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 26).

243 TOMASETTI JÚNIOR, Alcides. O objetivo da transparência e o regime jurídico dos deveres e os riscos de informação nas declarações negociais para o consumo. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, v. 4, p. 53.

244 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentário ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (arts. 1º ao 54). São Paulo: Saraiva, 2000. p. 105.

245 ALMEIDA, João Batista de. Op. cit., 2002, p. 138. 246 NUSDEO, Fabio et al. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1992.

p . 26. 247 ROSA, Josimar Santos. Op. cit., 1995, p. 39.

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O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor estabelece que a Política Nacional

das Relações de Consumo possui, entre os seus objetivos, a transparência e a harmonia nas

relações de consumo, visando, desta forma, tutelar o respeito à dignidade, saúde e segurança

dos consumidores.

Este artigo almeja, então, que se estabeleçam relações mais leais e menos danosas

entre os consumidores e fornecedores. Sendo assim, se este princípio for cumprido entre as

partes, diminuem-se as chances do consumidor adquirir um produto inadequado ao que deseja

ou que não possua as qualidades que o fornecedor afirma ter, pois, como refere Pasqualotto,

“o desequilíbrio nas relações entre fornecedores e consumidores em grande parte deve-se à

desigualdade de informações.”248

Marques argumenta que:

[...] a transparência deve ser uma nova e necessária característica de toda manifestação pré-contratual do fornecedor no mercado, desde a sua publicidade, vitrines, o seu marketing em geral, suas práticas comerciais, aos contratos ou as condições gerais contratuais que pré-redige, as informações que seus prepostos e representantes prestam etc.; o que bem demonstra a abrangência do novo mandamento.249 O princípio da transparência rege o momento pré-contratual, rege a eventual conclusão do contrato. É mais do que um simples elemento formal afeta a essência do negócio, pois a informação repassada ou requer da íntegra o conteúdo do contrato (art. 30, 33, 35, 46 e 54) ou se falta, representa a falha na qualidade do produto ou serviço oferecido (arts. 8, 20 e 35). Tal princípio concretiza a idéia de reequilíbrio de forças nas relações de consumo, em especial na conclusão de contratos de consumo, imposto pelo CDC como forma de alcançar a almejada justiça contratual.250

Refere, com muita propriedade, ainda que:

como reflexos do princípio da transparência temos o novo dever de informar o consumidor, seja através da oferta, clara e correta (leia-se aqui publicidade ou qualquer outra informação suficiente, art. 30) sobre as qualidades do produto e as condições do contrato, sob pena do fornecedor responder pela falha da informação (art. 20), ou se forçado a cumprir a oferta nos termos em que a lei foi feita (art. 35); seja através do próprio texto do contrato, pois, pelo art. 46, o contrato deve ser redigido de maneira clara, em especial os contratos pré-elaborados unilateralmente (art. 54, § 3º), devendo o fornecedor “dar oportunidade ao consumidor” conhecer o conteúdo das obrigações que assuma sob pena do contrato por decisão judicial não obrigar o consumidor mesmo, e devidamente formalizado.251

248 PASQUALOTTO, Adalberto. Defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo:

Revista dos Tribunais, v. 6, p. 42, abr./jun. 1993. 249 MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., 2002, p. 598. 250 Id., ibid., p. 598. 251 Id., ibid., p. 599.

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Ressalta-se que o princípio da transparência encontra-se interligado ao princípio da

boa-fé.252 Aplica-se o princípio da transparência tanto nas relações contratuais como nas

extracontratuais.253 Assim, mesmo na esfera extracontratual, é dever do fornecedor informar,

de forma clara e correta, sobre o seu produto ou serviço colocado no mercado.254

As empresas tabagistas infringem o princípio basilar da transparência instituído no

Código de Defesa do Consumidor. O cigarro é um produto inseguro que pode gerar acidentes

de consumo, tanto para os que o utilizam quanto para aqueles que a ele estão expostos.255 No

entanto, o potencial nocivo deste produto pouco e inadequadamente é informado ao

consumidor.256

A Política Nacional de Relações de Consumo objetiva que exista transparência nas

relações de consumo para que se resguarde o direito à vida, à saúde e à segurança do

consumidor. Portanto, faz-se necessário que a periculosidade e a nocividade dos projetos

sejam devidamente informados aos consumidores.

252 Neste sentido, Lisboa afirma que “a transparência decorre, na realidade, do princípio da boa-fé objetiva,

devendo as partes se orientar não apenas em fornecer informações verdadeiras e relevantes sobre os produtos e serviços, assim como acerca da sua situação pessoal, nos contratos a prazo e de longa duração.” Porquanto, conforme o autor, “há uma forte relação entre o princípio da transparência e a cooperação mútua, outro dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva. A transparência, porém, limita-se ao auxílio mútuo para que ambas as partes tomem conhecimento de todos os detalhes do contrato e da situação econômica dos contratantes, enquanto que a cooperação mútua é mais abrangente porque envolve outros aspectos relacionados com a execução das obrigações pactuadas.” (LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 101).

253 Id., ibid., p. 101. 254 Para Lisboa, “O dever que advém do princípio da transparência é secundário ou correlato ao vínculo jurídico

porque ele sequer precisa se encontrar expresso na cláusula contratual. Consubstancia uma obrigação de fazer, pois trata-se de dever vinculado à conduta que se exige das partes na relação de consumo.” (Id., ibid., p. 101).

255 De acordo com um artigo publicado na Revista Eletrônica do Departamento de Química da UFSC, “Os fumantes não são os únicos afetados pela fumaça do cigarro. A fumaça do cigarro no meio ambiente (FCM), também chamada de fumo passivo ou fumo de segunda mão, é um perigo sério para o não fumante, principalmente para as crianças. A FCM contém mais de 4.000 substâncias químicas e, pelo menos, 40 substâncias conhecidamente cancerígenas. Os estudos mostram que o risco de morte por doença cardíaca é aproximadamente 30% maior em pessoas expostas à fumaça do cigarro no meio ambiente e em casa. Os filhos de fumantes apresentam muito mais casos de infecção do que crianças não-fumantes. Mulheres não fumantes expostas à fumaça do cigarro também têm mais chances de dar à luz a bebês de baixo peso. A fumaça do cigarro contém várias substâncias carcinogênicas, como o nornicotina, monóxido de carbono, acroléina, benzeno, tolueno, cresol, fenol, cloreto de vinila, benzoantraceno, benzopireno, etc. Essas substâncias foram detectadas no tabaco através de análises químicas conduzidas pelos pesquisadores Hoffmann e Brunnemann, em 1976/77.” (NICOTINA: a molécula que vicia. Revista Eletrônica do Departamento de Química - UFSC, ano 4. Disponível em: <http//www.gmc.ufsc.br/qmcweb/artigos/ nicotina.html>. Acesso em: 24 fev. 2007. p. 3, grifo do autor).

256 “Algumas companhias tabagistas já foram acusadas de adicionar amônia aos cigarros, numa tentativa de aumentar a liberação de nicotina. Este processo é conhecido como ‘free-basing’, que é semelhante ao processo utilizado para aumentar os efeitos da cocaína. Com a adição de amônia, toda a nicotina fica na forma básica, que é mais volátil que a forma ácida (protonada). James F. Pankow e colaboradores publicaram um estudo sobre o efeito da adição de amônia aos cigarros ‘Nicotine Availability in Tabacco Smoke Enhanced by Ammonia’, no American Chemical Society News Service, em julho de 1997.” (Id, ibid., p. 3).

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Fabian expõe que:

No momento em que surgiram índices científicos de que o consumo de tabaco é um perigo para a saúde, os producentes deviam ter informado o consumidor. Assim, alerta Eike von Hippel: “Segundo as regras reconhecidas sobre a responsabilidade pelo produto, os producentes de tabaco deviam informar (o consumidor) no momento mais cedo possível de maneira adequada sobre os perigos dos seus produtos. Este dever eles não cumpriram”.257

As empresas de tabaco nunca informaram claramente as substâncias tóxicas que

contém o cigarro. O cigarro é um produto altamente nocivo e perigoso à saúde, contém

acetona (removedor de esmalte), terebintina (que dilui tinta e óleo), formol (conservador de

cadáver), amônia (desinfetante para pisos, azulejos e privadas), naftalina (eficiente mata-

baratas), fósforo P4/P6 (usado em veneno para ratos), entre outros componentes.258

Cabe salientar a opinião do Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul, Nereu José Giacomolli, a respeito do tema na Apelação Civil n. 70007090798:

Ademais, tal agir omissivo, indubitavelmente, afetou a autonomia da vontade do consumidor, interferindo no seu direito de tomar decisões válidas e de agir de acordo com esse entendimento, pois, mesmo a demandada negando este fato, o consumo do cigarro implica em dependência física e psíquica, além de diversos males à saúde, e tal informação foi subtraída do conhecimento de quem acabou por se tornar tabagista.259

Por fim, através do princípio da confiança, almeja-se assegurar ao consumidor

produtos e serviços adequados que não venham apresentar riscos ou prejuízos à sua saúde.260

Hoje, a confiança é um princípio diretriz das relações contratuais, merece proteção

(vertrauenschutz) e é fonte autônoma (vertrauenstatbestand) de responsabilidade

257 FABIAN, Christoph. O dever de informar no direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 152. 258 Para combater a idéia de que o fumo era um perigo, após os estudos sobre a associação fumo-câncer de

pulmão, divulgados em torno de 1950, para não perder clientes, a indústria de cigarros lançou os filtros, os cigarros com filtro. Em 1950, menos de 1% dos cigarros tinham filtro. Já em 1960, mais da metade deles era produzida com os filtros. Sabe-se hoje, que a existência dos filtros não diminuiu o número de mortes pelo tabagismo, ao contrário apesar da redução de alcatrão, aumentou a mortalidade pelas doenças do coração e cérebro, pelo incremento em 30% do teor de monóxido de carbono na fumaça. Além disso, fibras do filtro (acetato de celulose) são aspiradas pelo fumante, com repercussão ainda pouco estudada.” (FUMAR pra que meninas e meninos? Capítulo 18. As 4 a 5 mil substâncias do capítulo 7. Disponível em: <http://www.cigarro.med.br/capitulo18.htm.>. Acesso em: 3 mar. 2007. p. 8).

259 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Civil nº 70007090798, relator Des. Luís Augusto Coelho Braga, j. 19.11.2003. Disponível em: <http//www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 5 dez. 2006b.

260 Cláudia Lima Marques afirma que o princípio da confiança no Código de Defesa do Consumidor visa “garantir ao consumidor a adequação do produto e do serviço, para evitar riscos e prejuízos oriundos dos produtos e serviços, para assegurar o ressarcimento do consumidor, em caso de insolvência, de abuso, desvio da pessoa jurídica-fornecedora, para regular também alguns aspectos da inexecução contratual do próprio consumidor.” (MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., 2002, p. 981-982).

92

(vertrauenshaftung), 261 pois, como bem ressalta Lorenzetti, “es necessaria la confianza,

porque esta está en la base del funcionamiento del sistema experto, inextricable y anónimo y

porque es el lubricante de las relaciones sociales.”262

Sendo assim, na conclusão de um negócio jurídico, o mínimo que se espera é o

cumprimento das obrigações assumidas, sem a intervenção de terceiros, em uma

demonstração inequívoca de maturidade dos contratantes.263

Marques explica que

no sistema do CDC, leis imperativas irão proteger a confiança que o consumidor depositou no vínculo contratual, mais especificamente na prestação contratual, na sua adequação ao fim que razoavelmente dele se espera, irão proteger também a confiança que o consumidor deposita na segurança do produto ou do serviço colocado no mercado.264

A proteção da confiança se concentra no plano da existência, no plano dos fatos, e

confere tutela jurídica ao concentrar-se nos efeitos (plano de eficácia) que provocam no seio

social ao proteger os interesses legítimos que determinados comportamentos tem o condão de

gerar. 265 Para tanto, “a tutela jurisprudencial deve ser encarada não como instrumento

meramente repressor, mas como mecanismo hábil para a solução do impasse criado”.266

Para Rosa, “o êxito no alcance dos objetivos propostos na via contratual depende da

confiança centrada no esboço das obrigações, que serão cumpridas reciprocamente pelas

partes, dentro do padrão mínimo regulado pela lei.”267

Conforme Cordeiro, “a tutela da confiança pode ser distinta em duas espécies de tutela,

as provisões de confiança objeto de disposição específica e as que provenham de institutos

gerais, informados por conceitos indeterminados.”268

Prossegue o autor, explanando que: “no primeiro caso, está uma série de dispositivos

estudados e propósitos da boa-fé (subjetiva) a que se podem acrescentar outros, onde o

261 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dos

negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 32. 262 LORENZETTI, Ricardo Luis. La oferta como apariencia y la aceptación basada en la confianza. Revista de

Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n. 35, p. 15, jul./set. 2000. 263 ROSA, Josimar Santos. Op. cit., 1995, p. 59. 264 MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., 2002, p. 979. 265 JACQUES, Daniela Corrêa. A proteção da confiança no direito do consumidor. Revista de Direito do

Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 12, n. 45, p. 106, jan./mar. 2003. 266 ROSA, Josimar Santos. Op. cit., 1995, p. 59. 267 Id., ibid., p. 59. 268 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1997.

p. 1247.

93

legislador não referiu, de modo expresso, a boa-fé; no segundo, ocorrem aplicações variadas

da boa-fé objetiva.”269

A publicidade, o marketing, bem como a marca ou o nome comercial de um produto

ou serviço despertam a confiabilidade e geram explicativas ao consumidor. Desta forma, o

fornecedor que não cumprir com as suas obrigações, de acordo com o princípio da proteção e

da confiança, fica responsável, conforme o artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do

Consumidor, pela efetiva reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e

difusos.

Vale salientar que o legislador denota ainda, nos artigos 8º, 9º e 10º do Código de

Defesa do Consumidor, grande preocupação em relação à confiança do consumidor quanto

aos produtos que virá a consumir.

Assim sendo, do princípio da confiança decorrem três deveres anexos fundamentais: o

de informar, o de cooperar e o de cuidado (segurança).270 O primeiro, de acordo com Cruz,

possui o significado próximo ao princípio da transparência, pois se preocupa com a saúde do

consumidor (artigo 8º C/C com o artigo 9º do CDC). O segundo, apesar de ser um dever

implícito, possui grande força, pois, através dele, se pode “chegar até a impor uma

renegociação das obrigações assumidas”271 (artigo 39 C/C os artigos 40,41, 51, 52 e 53). Já o

último, divide-se em dois níveis: “o da pessoa do consumidor (v.g., saúde, dignidade,

patrimônio, etc.) e o dos objetos da relação de consumo - o produto e o serviço - (v.g.,

materiais e métodos utilizados no fornecimento).”272

Pode-se afirmar, nas palavras de Jacques, “que o princípio da confiança está presente

em toda a relação obrigacional, desde a operação mais simples como uma compra e venda

entre dois sujeitos como nas relações hipercomplexas, com caráter de internacionalidade, com

a existência de redes contratuais e com a vulnerabilidade bastante acentuada de uma das

partes.”273

Portanto, através do princípio da confiança, objetiva-se assegurar a segurança nas

relações de consumo, independente destas serem simples, complexas, contratuais ou

extracontratuais.

269 Id., ibid., p. 1247. 270 CRUZ, Guilherme Ferreira da. A responsabilidade civil das empresas fabricantes de cigarro. Revista de

Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 12, n. 47, jul./set. 2003. p. 77. 271 Id., ibid, p. 77. 272 Id., ibid, p. 77. 273 JACQUES, Daniela Corrêa. Op. cit., 2003, p. 125.

94

O consumidor de cigarros acredita consumir um produto que não acarretará grandes

malefícios à saúde, já que são omitidas as reais informações sobre a periculosidade e a

nocividade deste produto, desta forma, fere-se aqui o princípio da confiança.

Neste aspecto, assevera Delfino:

Não tenho receio de dizer que a maior parcela de nossa sociedade não possui noção exata da natureza do cigarro e, menos ainda, dos riscos a que está sujeita ao utilizar esse produto - ou a ele se expor. Não se pode negar que muitos consumidores sabem que ele faz mal à saúde, contudo, durante todas as suas vidas, foram levados a subestimar os riscos inerentes ao consumo do cigarro, seja pela carência de informações a respeito deles, seja ainda por influência da insidiosa publicidade difundida pelas indústrias do tabaco, que os induziram, até mesmo em nível de subconsciente, a minimizar a periculosidade do produto mortal.274

Ademais, o cigarro não é um produto que possui adequação ao fim que razoavelmente

dele se espera, pois é um produto que não oferece segurança.

Assim sendo, por todo o exposto, pode-se afirmar que as indústrias de tabaco, no

momento que infringem o dever de informação, agem em desrespeito aos princípios basilares

da boa-fé, da transparência e da confiança tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor,

sendo possível responsabilizá-las civilmente em razão disso.

2.2 CIRCUNSTÂNCIAS RELEVANTES NA VALORAÇÃO DA SEGURANÇA DOS PRODUTOS

A defeituosidade é uma noção que depende de valoração. 275 Assim sendo, para

caracterizar um produto como defeituoso é necessário, de acordo com os incisos I, III e III do

§ 1º do artigo 12 levar-se em consideração três circunstâncias relevantes: a) a apresentação; b)

o uso e os riscos que, razoavelmente, dele se esperam; e c) a época em que foi colocado em

circulação. Todavia, essas circunstâncias deverão ser colocadas, concretamente, pelo juiz para

a identificação de um produto ou serviço como defeituoso.276

274 DELFINO. Lúcio. Responsabilidade civil das indústrias fumígenas sob a ótica do código de defesa do

consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 13, n. 51, jul./set. 2004. p. 193.

275 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 95.

276 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 122. Neste mesmo sentido, ressalta Silva que “deve o juiz, na determinação do caráter defeituoso, ser intérprete do sentido geral de legítima segurança esperada do produto, atendendo não só ao uso ou consumo pretendido, mas à utilização que dele razoavelmente possa ser feita, à luz do conhecimento ordinário ou da opinião comum do grande público a que o mesmo se destina.” (SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produto. Coimbra, 1990. p. 641).

95

A apresentação do produto ou serviço compreende toda a informação a seu respeito,

desde a publicidade277 até as informações que o acompanham, como rótulo, bula, instruções e

advertências. Portanto, defende-se a idéia de que o “defeito não deriva só do produto em si, do

seu conteúdo ou natureza intrínseca, mas da forma externa como é apresentado ao público

consumidor.”278

De acordo com o artigo 31,

a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidades, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Assim sendo, as informações prestadas na apresentação do produto devem ser claras,

precisas, ostensivas, em língua portuguesa, respeitando-se sempre o princípio da veracidade

através do correto esclarecimento sobre suas características, qualidade, quantidade,

composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outras informações,

advertindo-se, também, sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Nesse passo, ressalta Sanseverino:

O dever de informação tem assumido cada vez mais importância em nossa sociedade de consumo massificada. A impessoalização das relações de consumo, que envolvem, de um lado, um fornecedor profissional e, de outro lado, um consumidor anônimo, exigem o máximo de transparência, sinceridade e lealdade entre as partes. A informação é um direito do consumidor, que tem sua matriz no princípio da boa-fé objetiva. O fornecedor conhece os bens e serviços que coloca no mercado, enquanto a maior parte do público consumidor tem poucas possibilidades de um julgamento razoável das suas qualidades e riscos.279

277 Conforme Sanseverino, atualmente, “uma oferta crescente de produtos e serviços é colocada diante do

consumidor anônimo, que os utiliza, atendendo às suas necessidades e aos apelos da publicidade maciça, sem ter oportunidade de um conhecimento mais detalhado sobre o exato funcionamento e, especialmente, os riscos de tais produtos ou serviços. O marketing agressivo e impessoal é utilizado apenas como elemento de persuasão do consumidor à aquisição de determinado produto ou serviço. Ressaltam-se os seus aspectos positivos, relacionados à sua utilidade e conforto, esquecendo-se o fornecedor de efetivamente informar os consumidores acerca da sua correta utilização e dos riscos por eles ensejados pelos produtos e serviços ofertados.” (Id., ibid., p. 140).

278 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. São Paulo: revista dos Tribunais, 1992. p. 95.

279 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Op. cit., 2002, p. 139-140.

96

Portanto, quando as informações sobre os riscos que o produto ou serviços apresentam

à saúde ou segurança dos consumidores forem insuficientes ou inadequadas ocorre o chamado

“defeito de informação”.280

Cumpre destacar, que a apresentação do cigarro é feita de forma inadequada e

insuficiente pelas indústrias tabagistas desde a publicidade 281 até as informações que

acompanham o produto. Isto ocorre porque estas empresas, além de se utilizarem de uma

publicidade enganosa e abusiva que objetiva confundir o consumidor sobre os reais riscos

deste produto, fazem uso, também, nas embalagens de cigarro, de informações inadequadas e

insuficientes em relação aos componentes e a sua necessidade.

Por sua vez, deveriam, então, ser especificadas, de forma clara, precisa e ostensiva,

tanto na publicidade quanto nas embalagens, as inúmeras substâncias tóxicas e as possíveis

doenças que o cigarro causa à saúde de quem o consome.

Cabe lembrar que o Código de Defesa do Consumidor não proibiu a comercialização

de produtos perigosos e nocivos, como bem ressalta o artigo 9º, desde que os consumidores

sejam informados, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da periculosidade ou

nocividade do produto. Portanto, quanto mais completa for a informação a respeito dos

produtos que acarretam danos à saúde do consumidor, menores serão as chances de

responsabilizar as empresas que produzam e/ou comercializam produtos perigosos ou nocivos.

Destarte, a segunda circunstância relevante para caracterizar um produto como

defeituoso é, conforme o inciso II do § 1º do artigo 12, o uso e os riscos que, razoavelmente

deles se esperam.

280 “Nos defeitos de informação os produtos apresentam uma defeituosidade formal, porque o defeito não é

intrínseco ao produto, mas da insuficiente ou errônea informação sobre o uso adequado produto. Os defeitos de informação são, pois, vícios extrínsecos, não ínsitos ao produto. O fornecedor deve apresentar de forma explícita, clara e sucinta as advertências e instruções exigíveis segundo o uso razoavelmente previsível do produto. As advertências e instruções devem ser dadas obrigatoriamente no idioma das pessoas a que se destinam os produtos, em linguagem simples e compreensível para o grande público e devem esclarecer cabalmente o que fazer e o que não fazer quanto ao seu emprego, chamando a atenção para o eventual perigo resultante de um mau uso.” (ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Op. cit., 1992, p. 101).

281 De acordo com um informativo de um arquivo técnico, de 23 de fevereiro de 2007, “a Anvisa prorrogou por mais quatro meses o prazo para que as empresas fabricantes e importadoras de produtos derivados do tabaco (cigarros, charutos, cigarrilhas, etc.) adequem suas embalagens à resolução RDC nº 86/06 da Agência. O prazo vai até o dia 16/6. Além das imagens e frases de advertências, as embalagens desses produtos deverão trazer a logomarca e o número de serviço do Disque-Saúde (0800-61-1997). A prorrogação foi publicada do Diário Oficial do dia 16/2.” (ANVISA. Informes técnicos. Prorrogado prazo de adequação das embalagens de cigarro. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/ divulga/informes/2007/230207.htm>. Acesso em: 3 mar. 2007. p. 1).

97

Neste ponto, o Código de Defesa do Consumidor “não se ateve apenas ao uso

específico do produto, mas a todos aqueles razoavelmente previsíveis.” 282 Porquanto, o

fornecedor de um produto deve preocupar-se não somente com o uso deste em condições

normais, mas também com os vários usos possíveis que poderão vir a ser feito com o seu

produto.

Rocha afirma que: “O fornecedor é responsável portanto, pelo uso errôneo ou

incorreto, mas razoavelmente previsível do seu produto, tendo presente todas as

circunstâncias do caso, designadamente o tipo de consumidor a que o mesmo se destina.”283

Por sua vez, as empresas tabagistas deveriam, então, informar a quantidade adequada

de cigarros que uma pessoa poderia consumir por dia, sem que esse produto viesse lhe causar

grandes danos à saúde, para que, assim, o consumidor não utilizasse o cigarro de forma

incorreta.

Ressalta-se que os produtos e serviços potencialmente nocivos e perigosos devem

possuir adequação e ostensividade de informação, com o intuito de “prevenir adequadamente

os riscos, minimizando a possibilidade e ocorrência de acidentes de consumo”,284 pois, como

bem preleciona o artigo 8º, “os produtos colocados no mercado de consumo não acarretarão

riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis,

em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese,

a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.”

Assim sendo, a embalagem dos cigarros deveria possuir o desenho de uma caveira,

uma vez que, segundo Marins, “o mero desenho da figura que, universalmente representa o

perigo e a morte, é, de per si, a informação necessária destinada a evitar indesejáveis

sinistros.”285

De outra banda, o risco razoável depende também de informações antecipadas

ocorridas na fase da publicidade,286 a qual deve alertar que o produto, em razão de sua

282 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Op. cit., 1992, p. 95. 283 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Op. cit., 1992, p. 96. Neste mesmo sentido, Marins ressalta que, “a

determinação, pelo aplicador de norma, do uso e riscos razoavelmente admissíveis, o que pode incluir tanto o uso normal como o anormal, desde que socialmente aceitáveis, deverá passar por critérios subjetivos e por regras de experiência, razão pela qual ‘deve o juiz, na determinação do caráter defeituoso, ser intérprete do sentimento geral da legítima segurança esperada do produto, atendendo não só ao uso ou consumo pretendido, mas à utilização que dele razoavelmente possa ser feita, à luz do conhecimento ordinário ou da opinião comum do grande público a que mesmo se destina.” (MARINS, James. Op. cit., 1993, p. 125).

284 MARINS, James. Op. cit., 1993, p. 121. 285 Id., ibid., p. 122. 286 Alvim Neto afirma que “[...] o uso que deverá ser o considerado correto para o produto, para os efeitos da

valoração da sua segurança, é exatamente aquele que se dessume de toda a informação que o cerca,

98

natureza ou fruição, apresenta-se como perigoso, com alto grau de periculosidade ou

nocividade à saúde do consumidor. Portanto, quanto mais exaustiva forem as informações

preventivas sobre o perigo que o produto pode acarretar ao consumidor, mais seguro será o

produto, em razão de ter sido feita esta resguarda de informar a nocividade. Todavia, é notório

que as empresas tabagistas infringem este dever, já que trabalham com a propagação de uma

publicidade enganosa e abusiva.

Ademais, o uso e os riscos que os consumidores, razoavelmente, esperam do cigarro

não se configuram com a realidade, pois, ninguém, em sã consciência, consumiria um produto

almejando, futuramente, adquirir câncer, enfisemas, problemas cardiovasculares, entre outros.

Sendo assim, ressalta Delfino:

A inexistência de informações sobre os componentes existentes no cigarro, seus efeitos e danos reais e capazes de afetar a saúde dos consumidores, aliada ao poder de persuasão da publicidade, inibem sobremaneira a manifestação de vontade do consumidor, quando este começa sua relação duradoura e, muitas vezes, mortal, com a industria fumígena, ao principiar o vício do fumo.287

Por fim, deve-se levar em consideração também, na caracterização do produto como

defeituoso, a época em que este foi colocado em circulação (art. 12, § 1º, inciso III), pois,

“dependendo da prefixação desta data, o fornecedor poderá ou não eximir de

responsabilidade”.288

Alguns países da Europa têm se utilizado do chamado “risco de desenvolvimento”

para exonerar o fornecedor de qualquer indenização ao consumidor.

Para Marins:

O risco de desenvolvimento consiste na possibilidade de que um determinado produto venha a ser introduzido no mercado sem que possua defeito cognoscível, ainda que exaustivamente testado, ante o grau de conhecimento científico disponível à época de sua introdução, ocorrendo todavia, que posteriormente, decorrido determinado período do início de sua circulação no mercado de consumo, venha a se detectar defeitos, somente

especialmente a publicitária, destinada a influenciar o convencimento do consumidor (ver comentários ao art. 8º). O risco razoável irá depender também das informações preventivas que devem, necessariamente, acompanhar o produto ‘normalmente perigoso’ (ver art. 9º), ou seja, aquele que por sua própria natureza ou fruição apresenta algum grau de periculosidade ou nocividade.” (ALVIM NETO, José Arruda et al. Código do consumidor comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 108).

287 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade civil e tabagismo no código de defesa do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 125.

288 DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços, da promoção e da reparação dos danos. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 185.

99

identificável ante a evolução dos meios técnicos e científicos, capaz de causar danos aos consumidores. Ou seja, o produto, embora possuísse concepção perfeita ante o estágio da técnica e da ciência à época de sua introdução no mercado de consumo, mostra-se, posteriormente, capaz de oferecer riscos à saúde e segurança dos consumidores, riscos primitivamente incognoscíveis.289

Nas palavras de Garau: “Los riesgos de dessarrollo (‘development risks’) son aquellos

defectos de los productos que son conocidos como consecuencia de los avances científicos y

técnicos posteriores a su puesta en circulación, por lo que em el momento de ésta el fabricante

no podía de ninguma forma detectareos.”290

Todavia, o Código de Defesa do Consumidor ignorou a teoria do risco de

desenvolvimento,291 pois como explica Rocha,

a época em que o produto foi colocado em circulação - não se confunde com os chamados riscos do desenvolvimento. Nestes, o produto é objetivamente defeituoso no momento da sua colocação no mercado, sem que, no entanto, o estado da ciência e da técnica permitissem sabê-lo. Naquele, o produto não é defeituoso no momento da sua colocação no mercado, já que respondida às legítimas expectativas de segurança, na sua época.292

Afirma Saad que:

É o fornecedor sempre responsável pelos efeitos nefastos de seu produto, ainda que este apresentasse inteira conformidade com as exigências da tecnologia e da época da fabricação. Pensar-se diferente é incrementar meios de defesa do produto que lembram a teoria da culpa subjetiva, o que contraria a tendência moderna de caracterizar-se a culpa do produtor pela teoria objetiva ou do risco do negócio.293

Assim sendo, ressalta-se que as empresas tabagistas são responsáveis pelos danos

causados à saúde de seus consumidores, pois os estudos que afirmam que este produto gera

perigo a quem o consome remontam décadas.

Ademais, como menciona Benjamin:

289 MARINS, James. Op. cit., 1993, p. 128-129. 290 GARAU, Guillermo Alcover. La responsabilidade civil del fabricante (derecho comunitário y adapta-

ción al derecho español). Madri: Editorial Civitas, 1990. p. 51. 291 No entanto, James Marins defende a teoria do risco do desenvolvimento no nosso direito pátrio. De acordo

com o autor, “subsume-se à hipótese de risco de desenvolvimento no inc. II do § 3º do art. 12, como eximente de responsabilidade. Isso porque, como demonstrado, o risco de desenvolvimento não é considerado defeito juridicamente relevante para responsabilização do fornecedor, em face do art. 12, caput, § 1º, II e III, ou seja, o risco de desenvolvimento é espécie de defeito juridicamente irrelevante, insuscetível, portanto, de levar à responsabilização do fornecedor pelo fato do produto, conforme a classificação estudada anteriormente.” (MARINS, James. Op. cit., 1993, p. 137).

292 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Op. cit., 1992, p. 98. 293 SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor. Lei nº 8.078/90 de 11.09.90. 3.

ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 212.

100

não basta ao fornecedor provar que, com base no conhecimento científico da época, desconhecida os riscos a eles inerentes, pois a análise do grau de conhecimento cientifico não é feita tomando por base um fornecedor em particular, mas sim o que sabe a comunidade cientifica, em determinado momento histórico.294

Portanto, não cabe a exclusão da responsabilidade civil destas empresas, baseada no

inciso III do § 1º do artigo 12 da Lei nº 8.078/90, uma vez que, “quando estão em causa vidas

humanas, as eximentes de responsabilidade devem ser recebidas pelo aplicador da norma

com muita reserva e parcimônia.”295

2.3 DEFEITO E VÍCIO

O Código de Defesa do Consumidor optou por regular os institutos dos defeitos e dos

vícios em seções apartadas. Na seção II tratou da responsabilidade pelo fato do produto e do

serviço e, na seção III, trabalhou com a responsabilidade por vício do produto ou serviço.296

Assim sendo, foram estabelecidos efeitos totalmente diversos para cada uma dessas figuras.

Porquanto, os vícios297 são falhas ocultas ou aparentes. Os vícios ocultos “são aqueles

que só aparecem algum ou muito tempo após o uso e/ou que, por estarem inacessíveis ao

consumidor, não podem ser detectados na utilização ordinária.”298 Por sua vez, os vícios

aparentes, “como o próprio nome diz, são aqueles que aparecem no singelo uso e consumo do

produto (ou serviço).” 299 Estes vícios tornam os produtos ou serviços impróprios ou

294 BENJAMIN apud DENARI, Zelmo. Op. cit., 2004, p. 186. 295 DENARI, Zelmo. Op. cit., 2004, p. 187. 296 Como bem explica Bagatini, “na seção II há uma centralização das atenções sobre os acidentes de consumo

ou a incolumidade físico-psíquica do consumidor, protegendo sua saúde e segurança”. Todavia, na seção III, “o legislador procurou defender o bolso dos consumidores contra os ataques dos fornecedores. São os vícios de qualidade por inadequação e de quantidade, vícios intrínsecos que deixam os produtos ou serviços depreciados, não satisfazendo plenamente os consumidores.” (BAGATINI, Idemir Luiz. O consumidor brasileiro e o acesso à cidadania. Ijuí: Unijuí, 2001. p. 139).

297 “Pode-se afirmar que o instituto do vício sofreu profundas inovações decorrentes da decadência do liberalismo jurídico. No microssistema, ele possui uma caráter funcional que não se restringe a sua utilidade, mas se estende à fruição do consumidor, que pretende obter os benefícios advindos da aquisição ou utilização do produto ou do serviço sem que venha a sofrer qualquer dano, seja ele patrimonial ou não” (LISBOA, Roberto Senise. Op. cit., 2001, p. 70).

298 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Op. cit., 2000, p. 157. 299 Id., ibid., p. 157. Vale salientar que nesta categoria, a reclamação do consumidor não alcança somente os

vícios ocultos, mas também os aparentes e de fácil constatação, em face de vulnerabilidade e da hipossuficiência do consumidor (art. 18 e 26 do CDC). Neste sentido, Lima relata que “o Código Civil não protege o comprador quanto a vícios aparentes a fim de preservar a comutatividade do negócio celebrado. Afinal, se o bem foi adquirido com vício de fácil constatação, presume-se - nas relações entre iguais - que o comprador tinha ciência das condições do bem e, mesmo assim, optou por contratar. O princípio absoluto da comutatividade, no entanto, não pode ser mantido quando se trata de uma relação de consumo na qual o consumidor se apresenta vulnerável diante do fornecedor, merecendo ampla proteção. Assim, o Código do Consumidor que tem conotação social abrangeu também os vícios de fácil constatação para reequilibrar a

101

inadequados ao consumo a que se destinam, ou lhes diminuam o valor, tornando-os

inconvenientes para o mercado. Os vícios podem ser, também, decorrentes da disparidade

possuída quanto às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou

mensagem publicitária.

Assim sendo, os vícios são problemas que, por exemplo:

a) fazem com que o produto não funcione adequadamente, como um

liquidificador que não gira; b) fazem com que o produto funcione mal, como a televisão sem som, o

automóvel que “morre” toda hora etc.; c) diminuam o valor do produto, como riscos na lataria do automóvel,

mancha no terno etc.; d) não estejam de acordo com informações, como o vidro de mel de 500 ml

que só tem 400 ml; o saco de 5 kg de açúcar que só tem 4,8kg; o caderno de 200 páginas que só tem 180 etc.;

e) façam os serviços apresentar características com funcionamento insuficiente ou inadequado, como o serviço de desentupimento que no dia seguinte faz com que o banheiro alague; o carpete que descola rapidamente; a parede mal pintada; o extravio de bagagem no transporte aéreo etc. 300

Os vícios podem ser em razão da qualidade dos produtos ou serviços, bem como pela

quantidade destes.301

Os vícios de qualidade dos produtos ocorrem quando estes se encontram com prazos

de validade vencidos, deteriorados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos,

fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou em desacordo com as normas

regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação, bem como, também, aqueles que,

por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam (artigo 18, § 6º,

incisos I ao III). Contudo, os vícios de qualidade de serviços, por sua vez, são aqueles que

tornam estes impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, considerando-se impróprios

os serviços inadequados para os fins que, razoavelmente, deles se esperam, ou ainda aqueles

que não atendam as normas regulamentares (artigo 20, caput e § 2º). Portanto, “o vício de

relação na qual o fornecedor é quem detém a superioridade técnica, econômica além de submeter o consumidor/hipossuficiente a métodos cada vez mais agressivos de venda.” (LIMA, Clarissa Costa de. Os vícios do produto no novo código civil e no código de defesa do consumidor e suas repercussões no âmbito da responsabilidade civil. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 13, n. 51, p. 116-117, jul./set. 2004).

300 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Op. cit., 2000, p. 157. 301 De acordo com Amaral Júnior, o vício “é inerente a própria coisa (in se ipsa), afetando a sua prestatividade

ou diminuindo-lhe o valor. Trata-se de desformidade que afeta a sua qualidade ou lhe diminui a quantidade.” (AMARAL JÚNIOR, Alberto do. A responsabilidade pelos vícios dos produtos no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 2, jun. 1992. p. 104).

102

qualidade só autoriza o lesado a pedir uma reparação quando o produto fica impróprio ou

inadequado para o consumo.”302

Já os vícios de quantidade dos produtos ocorrem quando, respeitadas as variações

decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do

recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária (artigo 19, caput). Não

obstante, os vícios de quantidade dos serviços são aqueles decorrentes da disparidade com as

indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária (artigo 20, caput). Não há nestes,

disparidade com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou

mensagem publicitária (artigo 18, caput).

Todavia, estas falhas de qualidade ou quantidade atingem tão somente o próprio

produto ou serviço. Portanto, nunca atingirão o consumidor e os seus bens pessoais. Por sua

vez, os defeitos vão muito mais além, pois “defeito do produto é a ausência de segurança que

dele legitimamente se espera”.303 Sendo assim, o defeito é uma falha que gera dano à saúde e

à segurança do consumidor e atinge o seu bem maior, a vida.304 Conseqüentemente, o defeito

ocorre não pela falta de aptidão para o uso do produto, mas pela sua falta de segurança que

pode causar danos personalíssimos do consumidor. Para Almeida:

Defeito é, portanto, toda anomalia que, comprometendo a segurança que legitimamente se espera da fruição dos produtos e serviços, termina por causar danos físicos ou patrimoniais aos consumidores. Se essa anomalia apenas compromete o funcionamento do produto ou serviço, mas não apresenta risco à saúde e segurança do consumidor, não se fala em defeito, mas em vício. Fato do produto está ligado a defeito que, por sua vez, está ligado a dano.305

No entender de Nunes:

o defeito, por sua vez, pressupõe o vício. Há vício sem defeito, mas não há defeito sem vício. O vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço.. O defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou serviço, que causa um dano maior que simplesmente o mau

302 SAAD, Eduardo Gabriel. Op. cit., 1998, p. 256. 303 Id., ibid., p. 256. Neste mesmo sentido, Marins explica que “a primeira grande categoria básica abrange as

imperfeições chamadas de ‘defeitos dos produtos’ (de natureza mais grave que os vícios) e que são capazes de causar danos à saúde ou segurança do consumidor. A segunda categoria compreende as imperfeições que têm como conseqüência somente a inservibilidade ou mera diminuição do valor do produto.” (MARINS, James. Op. cit., 1993, p. 109-110).

304 Salienta Lisboa que “tratando-se da responsabilidade pelo fato do produto e serviço há um vício exógeno ou intrínseco, ou seja, um defeito que ultrapassa a própria matéria física do objeto mediato da relação de consumo (o bem da vida), provocando danos extrapatrimoniais ao consumidor.” (LISBOA, Roberto Senise. Op. cit., 2001, p. 68-69).

305 ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 66.

103

funcionamento, o não-funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago - já que o produto ou serviço não cumpriam o fim ao qual se destinavam. O defeito causa, além desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio jurídico material e/ou moral do consumidor. Logo, o defeito tem ligação com o vício, mas, em termos de dano causado ao consumidor, é mais devastador. Temos, então, que o vício pertence ao próprio produto ou serviço, jamais atingindo a pessoa do consumidor ou outros bens seus. O defeito vai além do produto ou do serviço para atingir o consumidor em seu patrimônio jurídico, seja moral e/ou material. Por isso, somente se fala propriamente em acidente e, no caso, acidente de consumo, na hipótese de defeito, pois é aí que o consumidor é atingido.306

O cigarro é um produto que possui defeito,307 já que a sua “imperfeição atravessa o

âmbito de mera impropriedade de uso do produto ou ainda, da diminuição de seu valor”.308

O produto é defeituoso, de acordo com o artigo 12, § 1º, quando não oferece a

segurança que dele legitimamente se espera. De nada vale que o produto ou serviço cumpra

com a sua finalidade se não oferecer segurança ao consumidor.309 A pedra-de-toque neste

dispositivo encontra-se na segurança do produto. É defeituoso o produto que não oferece a

segurança que dele se espera.310 A utilidade do produto ou serviço deve estar interligada com

a sua segurança, em razão do direito da personalidade do consumidor ter um bem jurídico

tutelado de grande importância.

306 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Op. cit., 2000, p. 157-158. 307 O Dr. Howard C. Taylor, do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Colégio de Médicos e Cirurgiões

da Universidade Colúmbia, escrevendo no The Journal of the American Medical Association informa que: “Existem claras provas de que as probabilidades de vida dos homens que fumam cigarro são menores do que as dos não fumantes. [...] O maior risco de morrer no ‘vigor dos anos’ é quase duas vezes maior para os americanos que são fumantes inveterados de cigarros, do que para os não-fumantes. Além disso, entre os americanos de cinqüenta a setenta anos de idade, o índice de mortalidade proveniente de todas as causas, durante um período de três anos, era 34% mais elevado para os que fumavam menos de meio maço por dia, do que para os não-fumantes, e 123% mais elevado para os que fumavam mais de dois maços por dia, do que para os não-fumantes.” (SHRYOCK, Haroldo. Fumar distrai ou destrói? São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1976. p. 44).

308 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 104. 309 Ressalta Rocha que “a noção de defeituosidade do produto está ligada à expectativa do consumidor. Afirma-

se, portanto, que um produto é defeituoso quando ele é mais perigoso par ao consumidor ou usuário do que legitimamente ou razoavelmente se podia esperar (art. 12, § 1º). O cerne dessa definição é a segurança do produto. Note-se que o conceito ‘segurança’ é mais amplo do que aptidão ou idoneidade do produto para a realização do fim a que é destinado. O produto pode ser apto para a realização do fim destinado, mas provocar danos ao consumidor.” (ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. A responsabilidade pelo fato do produto no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 5, jan./mar. 1993. p. 43).

310 DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor: conceito e extensão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 223.

104

O defeito do produto pode decorrer do seu projeto, fabricação, construção, montagem,

fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento, ou ainda, pela informação

insuficiente ou inadequada sobre a sua utilização e riscos, de acordo com o artigo 12, caput.311

Todavia, o produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor

qualidade ter sido colocado no mercado (artigo 12, § 2º).312

Os defeitos podem ser juridicamente irrelevantes (os que não estão elencados no caput

do artigo 12) e juridicamente relevantes (os que se encontram no caput do artigo 12). A

doutrina define três tipos de defeitos: os defeitos e fabricação, em sentido estrito, os defeitos

de criação ou concepção e os defeitos de informação ou comercialização. Os primeiros

(defeitos de fabricação em sentido estrito e os defeitos de criação ou concepção) tratam-se de

defeitos intrínsecos e os últimos (defeitos de informação ou concepção) dizem respeito aos

defeitos extrínsecos.

Defeito de fabricação313 é aquele que atinge apenas alguns exemplares de um certo

produto e não se deve à concepção geral do mesmo.314 Este defeito pode ocorrer em razão de

“falha instalada no processo produtivo, mecânico ou manual e, cuja incidência, portanto,

encontra-se numa relação imediata com o controle de qualidade desenvolvido pela

empresa.”315

Porquanto, trata-se de defeitos que podem ocorrer tanto no design como no

funcionamento do produto. São defeitos praticamente inevitáveis, pois surgem do acaso,

como parte conjunta do risco do negócio. Assim, aparecem com maior freqüência nas

311 Nunes relata que, “como norma protetora do consumidor deve-se entender que o elenco das hipóteses

aventadas é meramente exemplificativo. Qualquer outra possibilidade ligada ao produto, quer antes, durante ou após o processo de fabricação, pode implicar a qualificação do defeito - que sempre gera dano.” (NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Op. cit., 2000, p. 160).

312 Conforme Marins, “isto decorre de fato assente, consistente em que as gerações de qualidade são inerentes ao próprio mercado de consumo, aonde se faculta ao consumidor a escolha entre produtos de maior ou menor qualidade, cotizando para tanto a relação custo/benefício. Em regra os produtos mais qualitativos ou mais seguros têm custos maiores que os produtos de menor qualidade e menor segurança, embora esta proporção direta custo/qualidade não seja, evidentemente, absoluta” (MARINS, James. Op. cit., 1993, p. 139-140).

313 Pereira ressalta que: “O defeito de fabricação tem seu nascedouro no momento da fabricação do produto, ou seja, a concepção está perfeita, a falha ocorre quando se executa o projeto. Este tipo de defeito sempre esteve presente na atividade humana desde que o homem tornou-se produtor, manufaturando produtos. Porém, esses defeitos se acentuam quando da produção em massa, uma vez que, com ela, perde-se em parte o controle sobre a produção. [...] Assim, desde que o homem começou a manufaturar produtos, esse tipo de defeito esteve presente na sociedade, não sendo, portanto, elemento do processo produtivo moderno, porém ele aparece seguramente com mais intensidade nessa fase.” (PEREIRA, Agostinho Oli Koppe. Responsabilidade civil por danos do consumidor causados por defeitos dos produtos: a teoria da ação social e o direito do consumidor. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 230-231).

314 LOPES, José Reinaldo de Lima. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 62.

315 DENARI, Zelmo. Op. cit., 2004, p. 184.

105

produções mecanizadas ou automatizadas, já que nestas os produtos são fabricados em série

ou em grande quantidade, pois, como menciona Lopes:

Os defeitos de fabricação derivados da produção em série são parte integrante do risco do negócio. O empresário conta com este risco dentro do seu cálculo econômico. Conforme se faça um mais eficiente controle de qualidade, ou se desenvolvam técnicas produtivas, o risco de fabricação defeituosa pode ser reduzido: não pode ser evitado ou eliminado. Trata-se de risco maior na fabricação de determinados bens, risco menor na fabricação de outros. Os resultados do defeito serão mais ou menos ampliados, conforme as circunstâncias. Certo é que produção em série multiplica o risco, ao mesmo tempo em que acelera o aparecimento de quantidade maiores de bens manufaturados.316

Por sua vez, os defeitos de criação ou de concepção envolvem os vícios de projeto,

formulação e design dos produtos. Porquanto, “o produto é defeituoso porque é

ilegitimamente inseguro na sua concepção ou idealização.”317

Estes defeitos atingem as características gerais da produção, em razão do erro ter

ocorrido no momento do seu projeto ou de sua formulação, devido à escolha inadequada do

material utilizado no produto ou pela adição de um componente químico na sua fórmula, sem

que este seja devidamente testado e, venha então, a ser nocivo e prejudicial à saúde de quem o

consome.

Portanto, para evitar o defeito de concepção, o fabricante deve obedecer as normas

técnicas. Em outras palavras, o padrão para se julgar a negligência do fabricante seria o

desempenho geral do seu setor de atividades, e, mais ainda, a possibilidade técnica de fazer o

produto suficientemente seguro.318

Assim, se o produto for projetado para um determinado uso, deve ser consumido de tal

forma que não venha a causar danos.

O cigarro é um produto lícito em todo o mundo. Todavia, apesar disto, questiona-se se

este produto causa acidentes de consumo, em razão dos seus defeitos de concepção.

Afirmar que o cigarro não faz mal à saúde seria um argumento muito primário. O

cigarro é um veneno lento. Calcula-se que um fumante que consome 30 cigarros por dia tem

316 LOPES, José Reinaldo de Lima. Op. cit., 1992, p. 63. 317 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Op. cit., 1992, p. 99. 318 LOPES, José Reinaldo de Lima. Op. cit., 1992, p. 70.

106

sua vida diminuída, diariamente, em 7 horas. São 14 minutos para cada cigarro fumado. Em

30 anos, ele terá uma diminuição de 7 anos.319

Ademais, o cigarro acarreta inúmeras doenças aos fumantes, como bronquite crônica,

enfisemas, problemas cardiocirculatórios, câncer de pulmão, boca, esôfago, pâncreas, bexiga,

rim, útero... Ressalta-se ainda que “o maior número de pernas que têm sido amputadas em

virtude de gangrena das extremidades, o foram devido o uso do fumo.”320 No entanto, além

dos danos causados à saúde do consumidor de cigarros, o possível defeito de concepção deste

produto encontra-se na sua composição. Entre as inúmeras substâncias tóxicas encontradas no

cigarro, merece destaque a nicotina.

Atualmente, julga-se ainda complexo comprovar, através de pareceres técnicos, que a

nicotina321 causa vício nos seus consumidores.322 No entanto, vários estudos já afirmam que

esta é uma substância psicotrópica.

Hoirisch ressalta que:

319 SILVEIRA, Ajax C. da. O drama do tabagismo: causas, conseqüências e solução. São Paulo: Casa

Publicadora, Brasileira, 1992. p. 33. 320 Id., ibid., p. 65. 321 Ramos e Ramos expõem que “a nicotina tem sua função farmacológica e interação com outros fármacos

pouco conhecida e menos ainda divulgada. Foi isolada, em 1828, da folha do tabaco por Posselt e Reiman e faz parte da fumaça do cigarro, como um dos seus 4.000 componentes, sendo o mais estudado entre eles.” (RAMOS, Wilma; RAMOS, Armando. Abuso de drogas. In: SILVA, Penildon. Farmacologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, cap. 27, p. 192).

322 Todavia, Laranjeira e Gigliotti ressaltam que: “a visão do comportamento do fumar como dependência de droga causou uma verdadeira revolução nas formas de entendimento e tratamento dos fumantes. Isso foi precipitado pela publicação, em 1988, do Relatório do Cirurgião Geral Koop. Nesse, concluiu-se que o cigarro e outras formas de tabaco geram dependência; que a droga que causa dependência no tabaco é a nicotina; e que os processos farmacológicos e comportamentais que determinam a dependência ao tabaco são similares àqueles que determinam a dependência de outras drogas como a heroína e a cocaína. Dessa forma, a dependência do cigarro passou a não ser mais vista apenas como um ‘vício psicológico’ mas como uma dependência física que deveria ser tratada como uma doença médica, nos mesmos moldes do tratamento de outras substâncias que causam dependência. Desde então, todo um arsenal terapêutico foi desenvolvido com o objetivo de aliviar os sintomas da síndrome de abstinência da nicotina ou a diminuir a fissura pela mesma.” (LARANJEIRA, Ronaldo; GIGLIOTTI, Analice. Tratamento da dependência da nicotina. Psiquiatria na prática médica. Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM. Disponível em: http://www.unifesp.br/dpsiq/pollr/ppm/atul_02.htm>. Acesso em: 8 jan. 2007. p. 1). Neste sentido, conforme Rosemberg, “Desde os idos de 1950, a indústria tabaqueira vem desenvolvendo pesquisas que lhe fornece a certeza de que a nicotina é geradora de dependência físico-química, assim como, estudos, para sua maior liberação e absorção pelo organismo e, inclusive, estudos genéticos objetivando desenvolver planta de tabaco hipermicotinado. A indústria tabaqueira, ciente das propriedades psico-ativas da nicotina geradora da dependência, sempre negou a existência dessas qualidades farmacológicas. É edificante o episódio ocorrido no início de 1980, quando a Phillip Morris obrigou seu cientista Vitor de Noble a retirar o artigo que havia entregado para publicação no Journal of Psychophamacology, no qual relatava suas investigações comprovadoras de que ratos, recebendo nicotina, desenvolviam dependência físico-química. Isso tudo veio a lume com os documentos secretos que se tornaram públicos. Entretanto, a indústria tabaqueira, continuamente, pronunciou-se, com ênfase, negando essas propriedades da nicotina.” (ROSEMBERG, José. Nicotina. Droga universal. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/tabagismo/publicações/nicotina.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2007. p. 59).

107

O fato é que a dependência do tabaco tem sua origem na nicotina, que por ser um estimulante produz: Maior capacidade de tolerar as situações estressantes (o feito está vinculado à farmacocinética da nicotina inalada). Aumento de velocidade e precisão da reatividade psicomotora. Melhor qualidade das funções mnêmicas. Mesmo diante do exposto, não é fácil concluir pela dependência. Um critério é baseado no consumo mínimo de 15 a 20 cigarros por dia, depois de, pelo menos, dois anos.323

Todavia, Rosemberg afirma que:

Alguns técnicos parecem ter dificuldade de encarar como doença a dependência à nicotina conseqüente ao uso do tabaco. Quanto maior o consumo de tabaco, maior é a nicotino-dependência, porque esta provoca a compulsão de fumar. A nicotino-dependência, ou seja, a dependência tabágica, é o melhor exemplo de doença crônica com remissões e recaídas periódicas. O mecanismo da dependência da nicotina é mais complexo do que se imaginava inicialmente. Atualmente, é reconhecida como desordem mental. A Organização Mundial da Saúde, desde 1992, inclui o tabagismo na Classificação Internacional de Doenças - capítulo F 17.2, Síndrome da tabaco-dependência. A Associação Americana de Psiquiatria inclui a nicotino-dependência como desordem mental de uso de substância psicoativa. Não restam dúvidas de que a nicotina contida no tabaco é a responsável pelo desencadeamento da dependência químico-física do tabagista. Se o tabaco não contivesse nicotina, o seu consumo não geraria dependência e fumar não passaria de um hábito que poderia ser abandonado facilmente. É a nicotina que torna o fumante escravo do tabaco. Entretanto, para o estabelecimento da dependência a seus graus de intensidade, existem fatores associados, características fisiológicas orgânicas, psicológicas, genéticas, comportamentais e outras menos ponderáveis.324

Portanto, para Rosemberg,

A nicotina tem características neurobiológicas: é uma droga psico-estimulante. O processo farmacológico da nicotino-dependência é semelhante ao da cocaína e ao da heroína. Estas drogas, como a nicotina e opiáceos em geral, liberam dopamina e aumentam a produção de norepinefrina. Aliás, as drogas psicoativas, como a nicotina especialmente, agem sobre centros mesolímbicos, dopaminérgicos, colinérgicos e nucleus acumbens, provocando o aumento e a liberação da dopamina e outros hormônios psicoativos, levando à dependência pelas propriedades euforizantes e ansiolíticas. Isso é facilmente demonstrável administrando essas drogas endovenosamente. Outros estimulantes podem agir da mesma forma e o mecanismo é fundamental para a criação da dependência.325

Gonzatto explica ainda que:

323 HOIRISCH, Adolpho. Implicações psiquiátricas do tabagismo. Anais da Academia Nacional de Medicina.

Rio de Janeiro, 2000, v. 160, n. 2, p. 118. 324 ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007, p. 40. 325 Id., ibid., p. 40.

108

Com o tempo, as glândulas passam a sintetizar regularmente uma quantidade de endorfina menor do que a normal. Elas ‘aprendem’ a contar com o complemento providenciado artificialmente pelo cigarro. Quando essa dose externa não é ministrada, ou seja, quando não se fuma um cigarro, fica faltando endorfina no organismo. O corpo passa a exigir a quantidade dessa substância que precisa. Nesse momento, nasce a sensação de desconforto e o apelo do tabaco se torna praticamente irresistível.326

Conforme Rosemberg, é difícil estabelecer um parâmetro para enquadrar o grau de

dependência do tabaco, em razão de diversos fatores, inclusive genéticos. De acordo com o

autor, um estudo afirmou que, em média, nos tabagistas dependentes existe 300 mg de

nicotina por mililitro de sangue. “Um cigarro produz no sangue concentração em trono de 14

ng/ml, chegando a 70 ng/ml nos que fumam 5 cigarros por dia. Segundo esse estudo, seria

razoável estimar os níveis de 50 a 70 ng/ml como mínimos para gerar dependência.”327

E ainda, vale ressaltar que

Estudos em humanos indicam que o cérebro de adolescentes é particularmente vulnerável à nicotina e que a dependência é mais intensa, razão porque a interrupção de sua administração por deixar de fumar, apresenta maiores perturbações da função neurológica, com maior freqüência de depressão. Estudo de mais de 30 mil homens e cerca de 19 mil mulheres, ambos adolescentes, demonstrou que os iniciados no tabagismo desenvolveram intensa dependência, traduzida pelo aumento de consumo de cigarros quando na idade adulta. Dos que começaram a fumar antes de 14 anos, 19,6%, quando adultos, consumiam 41 ou mais cigarros por dia, comparados com 10,3%, que começaram a fumar aos 20 ou mais anos de idade. O consumo foi um pouco inferior no sexo feminino. Outro estudo demonstrou que adolescentes têm duas vezes mais dificuldade de deixar de fumar que os tornados tabagistas depois de 20 anos.328

Todavia, apesar de existirem posições que defendem que a nicotina causa dependência

aos seus usuários, as indústrias de tabaco sempre alegaram que o uso da nicotina no cigarro

está relacionado com o sabor deste, e não com o vício.329 Isto se deve ao fato de que o artigo

12 da Lei n. 6.368/76 preleciona que:

importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine

326 GONZATTO, Marcelo. Deixar de fumar exige persistência. Porto Alegre: Zero Hora, Caderno Vida, jun.

1997, p. 4-5. 327 ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007, p. 41. 328 Id., ibid., p. 42. 329 Vale ressaltar que o Ministério da Saúde considera a nicotina uma droga que causa dependência. Isto se dá

pelo fato de que a Portaria nº 695, de 01/06/99, ao estabelecer as advertências que deveriam ser impressas nas carteiras de cigarro elencou a seguinte: “A nicotina é droga e causa dependência.”

109

dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar é crime, punível com reclusão de três a quinze anos e pagamento de cinqüenta a trezentos e sessenta dias-multas.330

Se fosse comprovado que o cigarro causa dependência,331 estaria, da mesma forma,

comprovado o seu defeito de concepção, pois, neste sentido, estaria defasada a tese destas

empresas de que o consumidor fuma porque quer, que sua opção é uma decisão consciente.332

330 Se fosse comprovado que a nicotina causa dependência, a comercialização do cigarro se enquadraria nesta lei

e seria proibida da mesma forma que é proibida a comercialização de substância entorpecente ou que determine dependência física ou química, como por exemplo, a maconha, o craque, entre outras.

331 Rosemberg salienta que “as instituições médico-científicas e órgãos internacionais de saúde, ante as provas científicas irrecusáveis, fizeram declarações incisivas de que a nicotina é droga psicoativa responsável pela dependência químico-física. A Associação Americana de Psiquiatria, nos seus manuais publicados de 1980 a 1994, declarou a nicotino-dependência como ‘desordem mental de uso de substância psico-ativas’. A Organização Mundial de Saúde, em 1992, na Classificação Internacional de Doenças, incluiu a síndrome de tabaco-dependência no item F.17.2. Em 1999, a diretora geral desse órgão internacional de saúde, Dra. Gro Brudtland, declarou: ‘O cigarro não deveria ser visto como um produto, mas como um pacote. O produto é a nicotina. Pense no cigarro como um distribuidor de uma dose de nicotina. Pense na tragada como o veículo da nicotina’. Também fizeram declarações oficiais sobre a nicotina como droga psicoativa causadora de dependência, instituições científicas de renome internacional, entre elas: Associação Americana de Psicologia, 1988, Sociedade Real do Canadá, 1988, Associação Médica Americana, 1993, e o Conselho Britânico de Pesquisas Médicas, 1994.” (ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007, p. 67).

332 Conforme Rosemberg, a indústria de tabaco sempre soube de todos os males que o consumo de cigarros causa aos consumidores. Prova disto são os arquivos secretos revelados nos Estados Unidos em uma ação judicial movida por Estados norte-americanos contra os grandes fabricantes de cigarro. Ao todo são cinco milhões de documentos com quarenta milhões de páginas. Cita-se aqui alguns dos pronunciamentos de diretores executivos, efetuados nas reuniões da indústria de cigarro, retirados dos referidos documentos secretos. “Estamos num negócio de vender nicotina, droga causadora de dependência”. Addison Yeaman. Vice-Presidente do Brown and Williamson (BW), subsidiária norte-americana da British American Tobacco (BAT) Documento nº 1802.05. “Penso que agora poderemos regular com precisão os níveis de nicotina para termos fumantes mais consumidores de cigarros” R.B.Grittith, executivo da Brown and Williamson, 18 de setembro de 1963. “Mais que o negócio de vender cigarros, a indústria tabaqueira tem por objetivo a venda atrativa da nicotina”. Brown and Williamson, 18 de setembro de 1963. “As subsidiárias do Canadá foram encorajadas a investigar o processamento de tabaco reconstituído com altos teores de nicotina. Os consumidores necessitam ser mais estimulados a fumar.” Documento 1170.01, página 9. “Ante as provas colhidas com as pesquisas efetuadas, conclui-se que o mais importante do tabaco é a nicotina e, portanto, estamos numa indústria de nicotina, antes que de tabaco”. Sir Charles Ellis, cientista-chefe do grupo de pesquisas da Brown and Williamson, Junho de 1967, Documento 1201.01, página 10. “Investigações sobre a interligação da nicotina com possíveis mediadores cerebrais com atividade adenocorticotrópica poderiam nos dar a chave para explicar o fenômeno da tolerância e da dependência que provocam os sintomas da cessação de fumar”. Documentos 12.12.03, página 4. “Os fumantes mantêm o consumo de cigarros porque são fisicamente dependentes da nicotina”. Lorilland LTC, sem data. “Poderia ser útil considerar a indústria tabaqueira, a grosso modo, como administradora de nicotina (no sentido clínico)”. British American Tobacco, 1967. “Os cigarros convencionais transferem aos fumantes doses de nicotina com baixa eficiência. Portanto, deve-se conseguir tabaco com maior eficiência”. Documentos 1174.01 e 1670.01, 1969. “Como primeira premissa, temos que a principal motivação para fumar é obter o efeito farmacológico da nicotina”. Phillip Morris, 1969. “Seria mais adequado observar que o cigarro é o veículo da fumaça, e esta é o veículo da nicotina, e que a nicotina é o agente que proporciona uma resposta corporal prazerosa”. Phillip Morris, 1969. “Na conferência sobre as pesquisas, concluiu-se que não sendo possível usar nicotina pura, seria recomendável investigar a obtenção de tabaco com alto níveis de nicotina”. Novembro 1970. Documento 11170.01, página 4. “Em certo sentido, a indústria tabaqueira pode considerar-se como segmento especializado, altamente estilizado, para administrar nicotina, potente fármaco, com variados efeitos fisiológicos”. R.J. Reynolds, 1972. “O cigarro não deveria ser concebido como um produto, mas sim como um invólucro. O produto é a nicotina... Considere-se o maço de cigarros como um recipiente para proporcionar o fornecimento diário de nicotina... Considere-se o cigarro como um dispositivo que fornece doses de nicotina. Considere-se a tragada de fumar como o veículo da nicotina. O fumo é, indiscutivelmente, o melhor veículo da nicotina e o cigarro o melhor

110

Faz jus pensar-se neste assunto, pois é inadmissível aceitar que o enorme poder

econômico das indústrias tabagistas seja capaz de propagar argumentos falsos em prol de seus

interesses.

De outra banda, os defeitos de informação 333 ou comercialização envolvem na

apresentação, informação insuficiente ou inadequada.334

Sanseverino argumenta que:

O dever de informação tem assumido cada vez mais importância em nossa sociedade de consumo massificada. A impessoalização das relações de consumo, que envolvem, de um lado, um fornecedor profissional e, de outro lado, um consumidor anônimo, exigem o máximo de transparência, sinceridade e lealdade entre as partes. A informação é um direito do consumidor, que tem sua matriz no princípio da boa-fé objetiva. O fornecedor conhece os bens e serviços que coloca no

veículo para o fornecimento da fumaça”. Phillip Morris, 1972. “A longo prazo, é um perigo a tendência de cigarros cada vez com menos nicotina, porque os fumantes abandonarão o hábito”. S.J. Green, Cientista da British American Tobacco, 29 de março de 1976. “A indústria fumageira reconhece que, se admitir publicamente que a nicotina gera dependência, invalidará o argumento usado que a decisão de fumar ou de abandonar o tabaco é uma decisão livre das pessoas”. Tobbaco Institute, 1980. “Temos de nos conscientizar que nossa organização é antes uma indústria de droga que uma indústria de tabaco”. Robin A . Crellin, Chefe do grupo de pesquisas da British American Tobacco, 11 de abril de 1980. “A British American Tobacco deveria aprender a ser ver mais como uma companhia de droga farmacológica do que como uma indústria de tabaco”. Memorando da BAT, 1980. “Acreditamos que tolerância e dependência estão intimamente correlacionadas e será útil estudar, especialmente, os órgãos receptores do sistema nervoso central”. Documento 1213.01, página 27. “A ação crônica da nicotina tende a restaurar a função normal do sistema endocrínico... Para isso, é necessário manter o desejo de fumar. Como para a morfina, a demanda orgânica do nível, aumenta progressivamente as doses. É um desejo inconsciente que explica a dependência do indivíduo à nicotina”. Documento 1200.01, páginas 1-2. “As pessoas fumar por motivos diferentes. Porém, a razão principal é administração da nicotina ao seu organismo. A nicotina é um alcalóide derivado da planta do tabaco. É substância fisiologicamente ativa. Outras substâncias orgânicas similares são cocaína, morfina e atropina”. Phillip Morris, Sem data. “Enfrentemos os fatos: o fumo do cigarro contém substância farmacologicamente ativa. A nicotina é um agente farmacológico potente. Todos os toxicólogos, fisiologistas, médicos e a maioria dos químicos, o sabem. Não é nenhum segredo”. Phillip Morris, 1982. “Os cigarros devem conter concentrações quantitativas de nicotina que causem ‘satisfação’ aos fumantes”. British American Tobacco, Sem data. (ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007, p. 63-65).

333 Para Pereira, “o defeito de informação pode estar presente tanto no dado erroneamente indicado, quanto no dado que deve ser indicado e, por omissão, não o foi. Pode-se dizer que no primeiro caso existiria um ‘defeito positivo de informação’ - há por comissão a indicação errônea de um dado - e no segundo um ‘defeito negativo de informação’ - há por omissão a não-informação de um dado essencial.” (PEREIRA, Agostinho Oli Koppe. Op. cit., 2003, p. 233).

334 Ressalta Novis que “os defeitos de informação representam vícios extrínsecos ao produto propriamente dito, ao contrário das outras categorias de defeitos, anteriormente analisadas, por se constituírem, as mesmas, em vícios intrínsecos, relativamente à própria estrutura dos produtos. Cabe esclarecer, ainda que, assim como os defeitos de concepção, os defeitos de informação são cognoscíveis, dependendo apenas do estado dos conhecimentos técnico-científicos contemporâneos à efetiva colocação dos produtos no mercado. No quadro de uso razoavelmente previsível, o produtor deve apresentar, de forma clara, assimilável pelos leigos, as advertências e instruções, relativamente ao produto. Desta forma, v.g., deverá utiliza-se do idioma das pessoas que lhes são destinatárias, informando, ainda, além do que se deve fazer, quando for o caso, o que não poderá ser feito.” (NOVIS, Roberto. Responsabilidade civil do fabricante pelo fato do produto. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 50).

111

mercado, enquanto a maior parte do público consumidor tem poucas possibilidades de um julgamento razoável das usas qualidades e riscos.335

Conforme Saad, este defeito “manifesta-se quando o fornecedor não cumpre seu dever

básico de informar o consumidor como usar adequadamente o produto e quais os riscos que

lhe são inerentes.”336 Sendo assim, um produto pode ser inseguro em razão da falta de

informação. Porquanto, o produto deve sempre vir acompanhado das instruções de uso e das

advertências sobre a sua periculosidade, pois, como bem expõe Marins,

Há portanto para o empresário uma obrigação de informar, instruir e advertir devidamente os destinatários de seus produtos sob pena de ver-se responsabilizado pelos danos que possam advir de eventual falta ou deficiência das informações necessárias à correta utilização dos produtos colocados no mercado de consumo.337

Por sua vez, um produto pode ser defeituoso, apesar de estar de acordo com as normas

técnicas, se o fabricante não comunicar aos consumidores a sua periculosidade.

Portanto, as informações devem ser claras e a linguagem deve ser simples e

compreensível.338

O Código de Defesa do Consumidor tutelou o direito à informação em vários artigos.

De acordo com o artigo 6º, inciso III, “são direitos básicos do consumidor, a informação

adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de

quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que

apresentem.”

No artigo 8º, caput, ressalta-se que “os produtos e serviços colocados no mercado de

consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os 335 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Op. cit., 2002, p. 139-140. 336 SAAD, Eduardo Gabriel. Op. cit., 1998, p. 211. 337 MARINS, James. Op. cit., 1993, p. 115. Portanto, conforme Rodycs, “o fabricante tem o dever de manter-se

rigorosamente atualizado com o estado da ciência e da técnica, considerando-se o conhecimento universal da matéria, e adotando-se como padrão de referência um produto ideal.” (RODYCS, Wilson Carlos. O regime da publicidade abusiva no código de defesa do consumidor. In: MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no Mercosul. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Seção do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994. p. 92).

338 “A questão da forma e do conteúdo das informações merece especial atenção no Brasil pelas características da sociedade brasileira. O alto índice de analfabetismo ou insuficiente alfabetização e instrução não pode ser ignorado por quem aplica a lei ou legisla no País. Assim, não se deverá admitir como suficientemente instruída a média do consumidor brasileiro toda vez que as advertências ou instruções do fabricante sejam fornecidas em textos de letras miúdas e de difícil compreensão. Nesta linha é que se interpretam os artigos 6º, I, 9º, e outros do nosso Código de Defesa do Consumidor. Alguns órgãos, mesmo antes das entrada em vigor do Código, já se preocupavam com a questão. Caberia ao Judiciário levar em contra este aspecto da questão, responsabilizando os produtores toda vez que as suas instruções servissem mais para esconder do grande público os riscos inerentes aos produtos do que revelá-los abertamente.” (LOPES, José Reinaldo de Lima. Op. cit., 1992, p. 75).

112

considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os

fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu

respeito.”

Logo, o artigo 8º, parágrafo único, esclarece que “em se tratando de produto industrial,

ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos

apropriados que devam acompanhar o produto.”

E, conforme o artigo 9º, “o fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos

ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a

respeito da sua nocividade ou periculosidade em prejuízo da adoção de outras medidas

cabíveis em casa caso concreto.”

Por fim, o artigo 31 preza que “a oferta e apresentação de produto ou serviço devem

assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas

características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e

origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos

consumidores.”

O cigarro é um produto que menospreza as exigências contidas nos dispositivos da Lei

n. 8.078/90.

As indústrias tabagistas ocultam as verdadeiras informações sobre a periculosidade

deste produto. Ressalta-se que, além da nicotina, o cigarro possui também outros dois

componentes altamente perigosos à saúde: o monóxido de carbono e o alcatrão. O monóxido

de carbono contribui para a diminuição da oxigenação dos tecidos, aumentando a ação

cardiovascular da nicotina. O alcatrão, por sua vez, concentra 43 substâncias consideradas

cancerígenas.

Conforme Rocha, o Código de Defesa do Consumidor “não exige que o produto

ofereça uma segurança absoluta, mas apenas a segurança que se possa legitimamente

esperar.” 339 Em razão disto, as informações acerca do cigarro devem ser ostensivas e

adequadas, para que assim, o consumidor tenha realmente consciência dos riscos que este

produto acarreta à sua saúde.

Todavia, a indústria de tabaco sempre agiu em desrespeito ao dever de informação, já

que nunca, por iniciativa própria, informou ao consumidor sobre os riscos abrangidos pelo

339 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Op. cit., 1992, p. 93.

113

consumo do seu produto, ao contrário, só expôs estes a partir do momento em que as leis

específicas a obrigaram.

No entanto, estas informações, em forma de advertência impostas nas carteiras de

cigarro pelo Ministério da Saúde, são insuficientes e não esclarecem o real potencial nocivo

deste produto. Ademais, em razão das enfermidades causadas por este produto aparecerem

somente vários anos após o consumo, muitos consumidores acabaram por desprezar a

periculosidade do cigarro.

Além disso, Delfino explica também que:

[...] toda a publicidade insidiosa já veiculada pelas indústrias do fumo, com o objetivo único de estimular a venda dos cigarros, incitou dúvidas no subconsciente do consumidor, induzindo-o a subestimar os malefícios do produto. É importante recordar que, em tempos não muito remotos, quando as peças publicitárias veiculadas pelas fornecedoras de tabaco não sofriam as restrições hoje existentes, toda a publicidade tinha como atores homens e mulheres elegantes e viris que, literalmente, esbanjavam saúde, beleza e sensualidade; essa espécie de marketing não tinha o condão de informar, mas, sim, de enganar o consumidor, já que vinculava o hábito de fumar a prática de esportes radicais, a aventuras, ao sucesso profissional, ao lazer e, até mesmo, ao requinte. Como falar em ‘livre arbítrio’ se, muitas vezes, o consumidor acabou, literalmente, induzido ou seduzido a adquirir um maço de cigarros? O ‘livre’ arbítrio dos consumidores foi, pois, altamente influenciado por publicidades que, além de sugerir, persuadiam o consumidos ao uso do fumo.340

Em razão disto, está mais do que comprovado o defeito de informação do cigarro.

Ressalta-se que este defeito contribui significativamente para a ocorrência dos acidentes de

consumo causados por este produto, gerando responsabilidade civil.

2.4 A PUBLICIDADE ENGANOSA E ABUSIVA, SEGUNDO O CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR

Publicidade é toda informação dirigida ao público com o intuito de promover um

produto ou serviço e despertar o desejo de aquisição.

Para Moraes, “publicidade deriva de público (do latim ‘publicus’) e designa a

qualidade do que é público. Significa o ato de vulgarizar, de tornar público um fato, uma

idéia.”341

340 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2004, p. 188-189. 341 MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de Defesa do Consumidor: no contrato, na publicidade, nas

demais práticas comerciais. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 248.

114

Marques, inspirada na lei Belga, define publicidade como “toda informação ou

comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos consumidores a

aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, qualquer que seja o local ou o meio de

comunicação utilizado.”342

Pasqualotto prefere dizer que, “publicidade é toda comunicação de entidades públicas

ou privadas, inclusive as não personalizadas, feita através de qualquer meio, destinada a

influenciar o público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou serviços, com ou sem

finalidade lucrativa.”343

Já Saad comenta que a “publicidade é uma forma de comunicação identificada e

persuasiva visando à divulgação de um evento ou dirigida aos consumidores de determinado

produto ou serviço.”344

Sendo assim, percebe-se que o grande objetivo da publicidade é conquistar a atenção e

o interesse do público. Esta publicidade, conforme o artigo 36 da Lei 8.078/90, “deve ser

veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”.

Para tanto, só será lícita a publicidade quando o consumidor, sem maiores esforços,

vier a identificá-la de imediato. Publicidade que não quer assumir a sua qualidade é atividade

que, de uma forma ou de outra, tenta enganar o consumidor.345

O parágrafo único do artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor ressalta que “o

fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para

informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão

sustentação à mensagem.”

A qualquer momento o consumidor poderá exigir do fornecedor dados fáticos,

técnicos e científicos em relação à publicidade.346 O fornecedor não poderá divulgar um

342 MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit, 2002, p. 673. 343 PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no código de defesa do consumidor.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 25. 344 SAAD, Eduardo Gabriel. Op. cit., 1998, p. 330. 345 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Das práticas comerciais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et

al. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 320.

346 Antônio Herman de Vasconcelos Benjamin explica que: “O dever de fundamentação é de origem recentíssima. Sua formulação ainda sem a sofisticação atual e aplicando-se apenas às alegações referentes à saúde e segurança, pode ser identificada em uma decisão pioneira, de 1963, da Federal Trade Commission que, ao se deparar com uma publicidade de um dispositivo de flutuação aquática, manifestou-se no sentido de que “um anunciante tem um dever de produzir - antes de fazer qualquer alegação que, se falsa, possa causar danos à saúde ou segurança do consumidor do produto anunciado - uma análise razoável da veracidade ou falsidade do que alega (Id., ibid., p. 323).

115

produto ou serviço sem antes possuir dados que o sustentem. Inexistindo estes dados,

presume-se que a publicidade não é verídica.

Desta forma, a publicidade apresentada ao consumidor deve ser clara, precisa e não

induzir ao erro.347

Muitos autores utilizam os termos publicidade e propaganda348 sem fazer distinções.

No entanto, embora sejam utilizados como sinônimos, possuem conceitos diferentes.

A publicidade é o gênero, enquanto a propaganda é a espécie. A primeira é o todo, e a

segunda a parte,349 sendo que, “a publicidade tem um objetivo comercial, a propaganda tem

uma natureza ideológica.”350

Portanto, a propaganda possui o objetivo de informar a coletividade sem intenção

negocial. Pode-se citar como exemplo “uma campanha governamental de combate ao

incêndio com o intuito de preservar a natureza, ou ainda, campanhas contra a dengue, contra a

AIDS, contra violência, bem como as campanhas contra acidentes de trânsito.”351

A propaganda, no entanto, possui um objetivo mais amplo que a publicidade, pois

inclui religião, política, ideologia e moral.

347 Ressalta-se que no Brasil o fenômeno publicitário pode ser controlado através de um sistema exclusivamente

estatal, exclusivamente privado ou misto. No sistema exclusivamente estatal o Estado impõe as normas de controle da publicidade. Já no sistema exclusivamente privado os partícipes privados possuem poderes de regulamentar a publicidade. No nosso país, o Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar) e o Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitário são responsáveis pelo sistema privado de controle da publicidade. Sérgio Rodrigo Martinez explica que o Conar é um órgão com natureza jurídica de direito privado, constituído de uma sociedade civil sem fins lucrativos, com duração ilimitada, voltada para a aplicação de suas normas auto-reguladoras (MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. Estrutura orgânica do controle da publicidade de consumo no Brasil. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 11, n. 42, abr./jun. 2002, p. 47). O Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária, por sua vez, conforme Chaise, é um conjunto de normas, de caráter privado, aprovadas por entidades representativas do mercado publicitário (CHAISE, Valéria Falcão. A publicidade em face do código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 26). Por fim, o sistema misto, nas palavras de Antônio Hermann de Vasconcellos e Benjamin, “trata-se de modalidade que aceita e incentiva ambas as formas de controle, aquele executado pelo Estado e o outro a cargo dos partícipes publicitários. Abre-se, a um só tempo, espaço para os organismos auto-regulamentares (como o CONAR e o Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária) no Brasil e para o Estado (seja a administração pública, seja o judiciário).” (BENJAMIN, Antônio Hermann de Vasconcellos. Op. cit., 2004, p. 303).

348 Chaise expõe que a palavra “propaganda” deriva do latim propagare, que significa “reproduzir por meio de mergulhia”, ou seja, “enterrar ao relento de uma planta no solo”. Em outras palavras, propagare quer dizer enterrar, mergulhar, plantar. Pode-se entender como propagação de princípios, teorias, doutrinas (CHAISE, Valéria Falcão. Op. cit., 2001, p. 10).

349 SAAD, Eduardo Gabriel. Op. cit., 1998, p. 330. 350 ALMEIDA, Aliette Marisa S. D. N. Teixeira de. A publicidade enganosa e o controle estabelecido pelo

código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 14, n. 53, jan./mar. 2005. p. 19.

351 AMATRUDO, Rosangela. Publicidade abusiva. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 13, n. 52, out./dez. 2004. p. 174.

116

É importante registrar aqui que o Código de Defesa do Consumidor cuida apenas da

publicidade,352 deixando de lado a propaganda.

Com a promulgação da Lei 8.078/90 ficou proibida a publicidade enganosa e abusiva.

Conforme o artigo 37, parágrafo primeiro da Lei 8.078/90:

É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Através deste artigo, o Código de Defesa do Consumidor defende a lealdade e o

respeito entre as partes, embasando-se no princípio da boa-fé.

A publicidade enganosa é punida independentemente de haver dolo ou culpa do

anunciante ou por ter ou não gerado prejuízo ao consumidor.353

Marques explica que:

Os efeitos civis desta publicidade, isto é, a sua caracterização como ato ilícito do fornecedor é que poderá fazer nascer a discussão sobre a culpa (ou dolo) deste. Mesmo assim, é necessário ter em vista o CDC institui uma presunção de culpa do fornecedor, por ter feito veicular uma publicidade enganosa. Estava ele proibido de fazer uma publicidade enganosa, e o fez.

352 Oliveira ressalta que “Um dos aspectos mais discutidos no âmbito da OIN constitui-se nos limites da

regulamentação da publicidade, promoção e patrocínio de produtos de tabaco. De um lado, relatórios de pesquisas promovidas pelo Banco Mundial apontavam a necessidade de proibição total de tais atividades, como medida eficaz de contenção do consumo de produtos como o cigarro. De outro lado, alguns países alegavam impossibilidade de proceder a um controle rígido, utilizando como argumentos o direito fundamental de liberdade de expressão e normas constitucionais que impediam tal proibição. Visando alcançar consenso, o Presidente do OIN, em seu último texto, propôs limitar a publicidade do cigarro, sem se proceder a uma proibição total. Essa proposta, que tinha como finalidade solucionar o impasse verificado nas negociações, recebeu fortes críticas, em especial das organizações não-governamentais que acompanhavam o processo de negociação. Por fim, o texto aprovado fez a opção pelo caminho intermediário. Reconhece a importância de uma proibição total, propõe a ocorrência desta, mas deixa aberta a possibilidade para uma mera restrição, ao invés de proibição, por parte daqueles países cujas Constituições impeçam esta última. Embora, a uma primeira vista, a impressão seja a de que o texto final se apresentou flexível demais, a verdade é que sua análise cuidadosa permite verificar claramente seu rigor. A regra estabelecida pelo art. 13, itens 1, 2, e 3, é a total. A restrição apenas ocorreria em caráter subsidiário como exceção. Daí o caráter rigoroso da norma” (OLIVEIRA, Amanda Flávio de. Controle internacional do tabagismo - a celebração da convenção - quadro para o controle do tabaco. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 14, n. 56, out./dez. 2006, p. 17-18).

353 De acordo com Benjamin, “não se exige prova de enganosidade real, bastando a mera enganosidade potencial (“capacidade de indução ao erro”); é irrelevante a boa-fé do anunciante, não tendo importância ou seu estado mental, uma vez que a enganosidade, para fins preventivos e reparatórios, é apreciada objetivamente; alegações ambíguas, parcialmente verdadeiras ou até literalmente verdadeiras podem ser enganosas; o silêncio - como ausência de informação positiva - pode ser enganoso; uma prática pode ser considerada normal e corriqueira para um determinado grupo de fornecedores e, nem por isso, deixar de ser enganosa; o standard de enganosidade não é fixo, variando de categoria a categoria de consumidores (por exemplo, crianças, idosos, doentes, rurícolas e indígenas são particularmente protegidos).” (BENJAMIN, Antônio Hermann de Vasconcellos et al. Op. cit., 1991, p. 327).

117

Logo, só se exonerará se provar o caso fortuito, isto é, que uma situação externa à sua vontade, aos seus auxiliares (agência, publicitário contratado etc.), imprevisível e irresistível, tornou a publicidade enganosa. Trata-se, portanto, de uma presunção quase absoluta de culpa, que inverte o ônus da prova, como dispõe o art. 38 do CDC. Efetivamente, o ônus de provar que a publicidade não é enganosa, que as informações estão corretas (ou que houve caso fortuito) cabe àquele que patrocinou a mensagem publicitária suspeita de ter induzido em erro os consumidores.354

Esta punição se deve ao fato da publicidade enganosa gerar dano moral não apenas a

um indivíduo, mas sim à coletividade, em razão de ofender os seus valores.

A publicidade falsa sempre será enganosa, porém a publicidade enganosa nem sempre

será falsa.

Conforme Pasqualotto:

A falsidade pode estar relacionada com a fantasia publicitária, sabendo-se que há um limite de tolerância para as mensagens hiperbólicas, tais como as otimistas, as exageradas e as humorísticas. Por outro lado, mesmo sendo verdadeira, uma comunicação publicitária pode ser falsa, inteira ou parcialmente. A situação é freqüente quando há omissão de algum dado necessário ao conhecimento do consumidor, provavelmente determinante da compra.355

Sendo assim, a publicidade não pode faltar com a verdade naquilo que anuncia. Uma

exceção a esta regra são os anúncios publicitários que recorrem aos truques de arte gráfica

(como por exemplo cachorros que falam, crianças que voam...), pois, nestes casos, não se

considera a publicidade enganosa.

A publicidade também não deve induzir em erro o consumidor. Pasqualotto ensina que

“a capacidade de indução em erro significa a potencialidade lesiva da mensagem publicitária.

É um dado de aferição objetiva, afastado de qualquer consideração de inexistência de má-fé

do anunciante. Essa obrigação é irrelevante, porque não há lugar para o elemento subjetivo. A

ilicitude existe, ainda que não haja a intenção de enganar.”356

Neste caso, utiliza-se um critério finalístico. A publicidade enganosa é analisada

objetivamente, não se considera a boa-fé do anunciante, não há necessidade de provar a

intenção deste em enganar o consumidor.

Para classificar uma publicidade como enganosa, não se pode ter como base o

consumidor médio. 354 MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., 2002, p. 678. 355 PASQUALOTTO, Adalberto. Op. cit., 1997, p. 118-119. 356 Id., ibid., p. 121.

118

Pasqualotto esclarece que: “O critério do consumidor médio revela-se, assim, seletivo,

devendo ser substituído por outro referencial, o do consumidor típico, que teve em

consideração o menos consciencioso e informado, por conseqüência, aquele mais exposto aos

efeitos de publicidades enganosas.”357

O critério do consumidor típico, conforme Pasqualotto, 358 é adotado pela Auto-

regulamentação Publicitária e apresenta-se menos discriminatório na medida em que não

confronta-se com o princípio constitucional da dignidade humana.

Destarte, é proibida também a publicidade enganosa por omissão.

O artigo 37, § 3º, da lei 8.078/90 esclarece que “para os efeitos deste Código, a

publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do

produto ou serviço.”

Segundo Benjamin, “a enganosidade por omissão consiste na preterição de

qualificações necessárias a uma afirmação, na preterição de fatos materiais ou na informação

inadequada.”359

O fornecedor não deve omitir nenhuma informação do consumidor, para não correr o

risco de induzi-lo ao erro. Para que não seja enganosa por omissão, a mensagem deve conter

informações com relação à adequação dos produtos, segurança e preço.360

Jacobina esclarece que existem três modalidades de publicidade por omissão:

A omissão de dado obrigatório por lei, como no exemplo dado acima. Exige a lei que a publicidade veicule determinados elementos, e ela os omite. É o caso, também, da publicidade que veicule uma oferta scrictu sensu, sem obedecer aos requisitos do art. 31. As reticências, isto é, a veiculação de uma mensagem incompleta. O anúncio menciona determinado aspecto do produto ou serviço, mas o faz de forma incompleta, de modo a formar uma mensagem errônea. O exemplo concreto é o anúncio veiculado por determinado fabricante de televisores, ofertando televisores com som estéreo, mas no qual o fornecedor omitiu a circunstância de que, para obter tal efeito, seria necessário adquirir, separadamente, uma peça específica. As alegações implícitas, que são aquelas afirmações que, embora não constem expressamente do texto publicitário, dele se podem deduzir, pelo contexto ou por indução. Um exemplo elucidará melhor: seria o caso do anúncio que afirmasse - Não há nada como o puro leite. Consuma o leite X - sendo que esse leite possui, na verdade, uma percentagem de leite de soja. A mensagem não diz claramente que o leite “X” é puro, porque não faz

357 Id., ibid., p. 124. 358 Id., ibid. 359 BENJAMIN, Antônio Hermann de Vasconcellos et al. Op. cit., 1991, p. 336. 360 ALMEIDA, Aliette Marisa S.D.N. Op. cit., 2005, p. 30.

119

conexão expressa entre a primeira e a segunda orações. No entanto, o consumidor é levado a acreditar nisso, pelo que fica implícito no texto.361

A publicidade do cigarro incorre na modalidade enganosa por omissão no momento

que omite o real potencial nocivo deste produto.

Amatrudo explica que:

Para evitar maiores complicações, o anunciante deve observar a importância de dados essenciais baseados na certeza de que, o público, de maneira geral, que por sua vez, tem acesso às publicidades deve ser informado como se não tivesse nenhum conhecimento acerca do produto ou serviço objeto do anúncio publicitário. Porque as informações técnica a respeito das características, quantidade, qualidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre estes, independem da situação cultural, social ou econômica do consumidor.362

Neste sentido, Delfino salienta que “se a publicidade dos cigarros respeitasse a lei,

informando dados essenciais diretamente vinculados à saúde do próprio fumante, não há

dúvidas de que o consumidor típico de cigarros ao menos repensaria seu vício, e aquele que

não se iniciou no tabagismo, evitaria o consumo, com consciência.”363

Como já foi ressaltado, o cigarro possui mais de 4.700 substâncias químicas, entre elas

destacam-se a nicotina, o monóxido de carbono e o alcatrão.

A nicotina – substância que merece destaque pelo seu alto potencial viciante - causa

dependência pelos mesmos mecanismos da cocaína, maconha e álcool.364 Diante disso, a

capacidade de indução ao erro das publicidades de tabaco é evidente, vez que estas empresas

deixam de informar as reais conseqüências danosas à saúde e à própria vida do consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor pune, da mesma forma, a publicidade abusiva.

361 JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

p. 94. 362 AMATRUDO, Rosangela. Op. cit, 2004, p. 201. 363 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 137. 364 A falsa publicidade do cigarro estende-se também aos produtos light/suaves, os quais eram apresentados

erroneamente aos consumidores, como sendo produtos mais seguros à saúde e à qualidade de vida. Conforme as informações do Portal da Saúde: “Depois de muitas pesquisas, a comunidade científica mundial concluiu que os cigarros lights/suaves e demais produtos do tabaco faziam tão mal à saúde quanto os normais. Os produtos light têm como única diferença os poros do filtro que, mais fechados, fazem com que a fumaça passe em menor quantidade. ‘A ausência da sensação de garganta irritada era um falso indício da eficácia do cigarro light’, explica Tânia Cavalcante. No Brasil, desde 2001, os produtos do tabaco não podem conter a embalagem a palavra light.” (LUTA contra o cigarro chega aos produtos “light”. Portal da saúde. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt+24168>. Acesso em: 28 dez. 2006. p. 1).

120

O artigo 37, § 2º, da lei 8.078/90 esclarece que “é abusiva, dentre outras, a publicidade

discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição,

se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores

ambientais, de que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou

perigosa à sua saúde ou segurança.”

A publicidade abusiva é, em resumo, a publicidade antiética, que fere a

vulnerabilidade do consumidor, que fere valores sociais básicos, que fere a própria sociedade

como um todo.365

O legislador não conceituou a publicidade abusiva, apenas enumerou casos. Estes

casos, porém, não são taxativos, admitindo outros não previstos na disposição legal.

Benjamin entende que:

A publicidade abusiva, da forma como regrada pelo Código Brasileiro, é uma grande novidade, mesmo quando se analisam as leis de proteção ao consumidor em países mais desenvolvidos. O conceito carreia a idéia de exploração ou opressão do consumidor. Mas não se limita a tal. Novos horizontes se lhe abrem, como, por exemplo, a tutela de valores outros que sejam caros - a sociedade de consumo, como o meio ambiente.366

O que se pode notar é que com a proibição abusiva visa-se proteger valores sociais de

natureza não-patrimonial, pois se tutela aqui, entre outros bens, a saúde, a segurança, a

dignidade da pessoa humana, o meio ambiente etc.

Dentre o rol do artigo 37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, objetiva-se, neste

momento, analisar especificamente a publicidade abusiva capaz de induzir o consumidor a se

comportar de forma prejudicial à sua saúde ou segurança.

Destaca-se que a publicidade, quando abusiva, pode fazer apologia de um produto

perigoso e levar o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou

segurança.

Neste sentido, Delfino expõe que:

O fato de a publicidade de cigarro fazer apologia de um produto o qual acarreta danos à saúde, traduz seu caráter abusivo. O discurso utilizado em tais publicidades segue um contra-sensu de associar o cigarro a atividades de lazer incomuns, esportes radicais, sucesso profissional, glamour, juventude, prazer e saúde. Associação essa que soa como uma justificativa para se

365 MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., 2002, p. 680. 366 BENJAMIN, Antônio Hermann de Vasconcellos et al. Op. cit., 1991, p. 339.

121

utilizar o cigarro. As pessoas acabam iludidas, aderindo-se ao tabagismo e, posteriormente, tornando-se dependentes do produto.367

Esta publicidade enganosa procurou atingir, principalmente, o público jovem368 e as

mulheres.369 Para os jovens, o cigarro é apresentado como um passaporte para o mundo adulto,

relacionando-o com o sucesso, a liberdade e a independência financeira. Já para as mulheres,

o produto é associado ao glamour e a beleza, em razão disso chegaram até ser lançadas

marcas de cigarro específicas para este grupo de consumidores.

Além dos jovens e das mulheres, outro grupo que foi induzido ao erro através da

publicidade abusiva foram as crianças. Um exemplo de publicidade abusiva incedida pelas

empresas tabagistas a estas foi propalada pela R. J. Reynolds, através da marca “Camel”. Esta

marca criou o camelo “Joe Camel”. Este personagem, baseado no estereotipo de desenhos

animados, destinava-se a atrair o consumo do público infanto-juvenil. No Brasil, esta

publicidade foi proibida com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Código de

Defesa do Consumidor e na Lei n. 9.294/96, revogada pela atual Lei n. 10.167/2000.

Com o objetivo de angariar novos fumantes e transmitir a idéia de empenho e de

atuação social, os fabricantes de cigarro têm utilizado as mais diversas estratégias, como a

promoção de campanhas de saúde, campanhas apoiando a preservação do meio ambiente e

projetos sociais de combate à pobreza, ao trabalho infantil e ao analfabetismo.370

367 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 138-139. 368 “A promoção e o marketing de produtos do tabaco junto ao público jovem são essenciais para que a indústria

do fumo consiga manter e expandir suas vendas. O tabaco é a segunda droga mais consumida entre os jovens, no mundo e no Brasil, e isso se deve às facilidades e estímulos para obtenção do produto, entre eles o baixo custo. [...] A divulgação dessas idéias ao longo dos anos tornou o hábito de fumar um comportamento socialmente aceitável e até positivo. A prova disso é que 90% dos fumantes começam a fumar antes dos 19 anos de idade. Seduzir os jovens faz parte de uma estratégia adotada por todas as companhias de tabaco visando reabastecer as fileiras daqueles que deixam de fumar ou morrem, por outros consumidores que serão aqueles regulares de amanhã.” (BRASIL. Ministério da Saúde - INCA (Instituto Nacional do Câncer). Disponível em: <http://www.inca.gov.br/tabagismo/jovem/namira.htm >. Acesso em: 16 set. 2005. p. 1).

369 “No Brasil, outro estudo, realizado em 1997 entre estudantes de 10 capitais brasileiras, mostrou que, em pelo menos sete capitais, as meninas vêm experimentando cigarros em maior proporção que os meninos. A participação das mulheres no número de fumantes vem aumentando, sobretudo nas faixas etárias mais jovens. Até algumas décadas atrás, acreditava-se que os efeitos da dependência do tabaco era mais forte nos homens, mas à medida que novas gerações de fumantes foram chegando verificou-se que, as mulheres são igualmente ou mais suscetíveis aos malefícios do fumo, devido às peculiaridades próprias do sexo, como a gestação e o uso da pílula anticoncepcional. A mulher fumante tem risco maior de infertilidade, câncer de colo de útero, menopausa precoce (em média 2 anos antes) e dismenorréia (sangramento irregular).” (BRASIL. Ministério da Saúde - INCA (Instituto Nacional do Câncer). Disponível em: <http://www.inca.gov.br/tabagismo/jovem/ namira.htm>. Acesso em: 16 set. 2005. p. 2).

370 De acordo com o INCA: “Por esses esforços, fica a impressão de que a indústria do tabaco é contra o consumo do tabaco entre os jovens e promove medidas supostamente dirigidas para prevenir o tabagismo para menores de idade, criando campanhas e utilizando a idéia de que ‘fumar é para adultos’. Porém, na verdade, ao apresentar o cigarro como ‘adulto’ e ‘proibido’, essa companhias buscam colocar sutilmente um importante ingrediente para reforçar o comportamento rebelde do adolescente, pois entre as principais

122

Além disso, as marcas de cigarro vinham também, até pouco tempo, patrocinando

vários eventos no Brasil com o intuito de seduzir determinado público-alvo ao consumo.

Entre estas iniciativas, destacam-se alguns espetáculos, como a Orquestra Sinfônica de

Campinas, o Festival Arizona de Música Sertaneja.371 Esta manipulação psicológica emprega-

da pelas empresas tabagistas torna a publicidade do tabaco abusiva. Sendo assim, a

publicidade do cigarro, no geral, é enganosa e abusiva, vez que, além de conduzir o

consumidor em erro, atenta contra sua saúde e sua própria vida, utilizando-se da sua

hipossuficiência cultural.

Em face disso, o Congresso Nacional aprovou a Lei n. 9.294/96 (Lei Murad372) e a Lei

n. 10.167/00 (Lei Serra), com o objetivo de controlar a forma publicitária até então exercida

por estas empresas.

A Lei n. 9.294/96 dispõe sobre restrições ao uso e a propaganda de produtos

fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do §

4º do artigo 220 da Constituição Federal, regulamentada pelo Decreto 2018, de 01.10.1996.

Conforme o artigo 3º desta lei, a propaganda comercial dos produtos fumígeros

somente seria permitida nas emissoras de rádio e televisão no horário compreendido entre as

vinte e uma e às seis horas, devendo ajustar-se aos seguintes princípios:

motivações para o adolescente fumar são o desejo de se afirmar como adulto, sua rebeldia e a rejeição dos valores dos seus pais.” (Id., ibid., p. 1).

371 O automobilismo é também caso especial. Conforme Boeira, “tornou-se desde a década de 1970 um alvo destacado da publicidade das indústrias de cigarro e sua importância cresceu na medida em que as legislações antitabagistas foram restringindo espaços dos comerciais na TV. Praticamente todos os grandes ídolos da Fórmula 1 foram e são patrocinados pelas CTNs do tabaco. Na década de 1990 inicia-se um debate acirrado na mídia dos EUA e na Europa sobre a proibição de patrocínio ao automobilismo, visto como estratégia das empresas para livrar-se das advertências dos órgãos de saúde e atrair o público jovem. Em 1998, estima-se que foram gastos de US$ 200 a US$ 300 milhões na F-1 e cerca de US$ 80 milhões na Fórmula Indy por estas companhias. A Souza Cruz investiu US$ 8 milhões na equipe Pac West de Maurício Gugelmin em 1998. ABAT inclusive adquiriu a equipe Tyrrel transformando-a em Britisch American Racing (BAR) em 1997, em parceria com a Honda.” (BOEIRA, Sérgio Luís. Atrás da cortina de fumaça: tabaco, tabagismo e meio ambiente: estratégias da indústria e dilemas da crítica. Itajaí: Univali, 2002. p. 379-380).

372 Almeida opina que “embora o sentido das normas inseridas nesse diploma legal, já conhecido como ‘lei anti-fumo’ seja o mesmo buscado nas propostas adiantes formuladas, parece-me que a lei não foi feliz em estabelecer as restrições, malgrado situar-se na mesma linha de outros países, ressaltando a norma, ainda mais recente, editada nos Estados Unidos, cuja mais visível conseqüência foi a queda das ações da companhias produtoras de produtos fumígeros nas Bolsas de Valores. De fato, no tocante às restrições à publicidade de cigarro, o aumento do número de frases constantes dos avisos, há alguns veiculados, sobre os malefícios do fumo (advertências do Ministério da Saúde), em pouco contribuirá para uma efetiva redução do consumo, para o que tais avisos ainda não têm sido eficazes. Quanto às restrições consignada no § 1º do art. 3º da Lei 9.294, somente a consignada no inc. VI, que proíbe a participação de crianças e adolescentes em tais anúncios, tem carga de objetividade bastante para poder ser cumprida sem dificuldades. As demais, por utilizarem conceitos algo subjetivos (tais como ‘virilidade’, ‘feminilidade’, ‘fazer associação à celebrações’ etc.) correm o risco de ficar - o que efetivamente deve ser evitado a todo custo - no campo das boas intenções.” (ALMEIDA, José Antonio. Publicidade e defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 21, jan./mar. 1997, p. 110).

123

[...] § 1º: não sugerir o consumo exagerado ou irresponsável, nem a indução ao bem-estar ou saúde, ou fazer associação a celebrações cívicas ou religiosas (I); não induzir as pessoas ao consumo, atribuindo aos produtos propriedades calmantes ou estimulantes, que reduzam a fadiga ou a tensão, ou qualquer efeito similar (II); não associar idéias ou imagens de maior êxito na sexualidade das pessoas, insinuando o aumento de virilidade ou feminilidade de pessoas fumantes (III); não associar o uso do produto a prática de esportes olímpicos, nem sugerir ou induzir seu consumo em locais ou situações perigosas ou ilegais (IV); não empregar imperativos que induzam diretamente ao consumo (V); não incluir, na radiofusão de sons ou se sons e imagens, a participação de crianças ou adolescentes, nem a eles dirigir-se (VI).

Como se pode perceber, esta lei não proibiu a publicidade dos fabricantes de cigarros,

apenas restringiu o seu horário e exigiu respeito a alguns princípios. Além disso, a lei falhou

no momento em que não disciplinou os anúncios de estilo de vida (anúncios que vinculam o

cigarro ao status, à liberdade, à sofisticação). Por fim, houve também um equívoco do

legislador no § 1º do artigo 4º quando passou a impedir a vinculação da publicidade do

cigarro apenas aos esportes olímpicos, tolerando, desta forma, os anúncios associados aos

esportes radicais, os quais acabam sendo bastante explorados pelos publicitários das marcas

Hollywood e Marlboro.

Ressalta-se ainda que, conforme o artigo 3º, § 2º,

a propaganda deverá conter, nos meios de comunicações e em função de suas características, advertência escrita e/ou falada sobre os malefícios do fumo, através das seguintes frases, usadas seqüencialmente, de forma simultânea ou rotativa, nesta última hipótese devendo variar no Máximo a cada cinco meses, todas precedidas da afirmação ‘O Ministério da Saúde Adverte’. Fumar pode causar doenças do coração e derrame cerebral (I); fumar pode causar câncer do pulmão, bronquite crônica e enfisema pulmonar (II); fumar durante a gravidez pode prejudicar o bebê (III); quem fuma adoece mais de úlcera do estômago (IV); evite fumar na presença de crianças (V); fumar provoca diversos males à sua saúde (VI).

Objetiva-se, através destas advertências, conscientizar o fumante dos males que ele

causará à sua própria saúde.

Por tudo isso, é aprovada a Lei n. 10.167/00 (Lei Serra) com o objetivo de consertar as

imperfeições da Lei Murad, adaptando-se ao regime estabelecido pela Constituição Federal.

Esta lei trouxe modificações profundas na publicidade do tabaco.

Conforme a nova redação do artigo 9º, caput da Lei n. 10.167/00, aplicam-se ao

infrator desta lei, sem prejuízo de outras penalidades previstas na legislação em vigor,

124

especialmente no Código de Defesa do Consumidor e na Legislação de Telecomunicações as

seguintes sanções: [...]” (grifo nosso).

Quanto a este artigo, Benjamin comenta que:

um anúncio, ainda que em conformidade com os parâmetros da Lei nº 9.294/96, pode vir a ser considerado enganoso ou abusivo, por desrespeito ao CDC e ao espírito da norma constitucional. De outra parte, o dispositivo legal quer dizer que uma conduta ilícita pode dar ensejo a mais de uma atuação do poder de polícia, tantas quanto forem as esferas de valores jurídicos legalmente tutelados. Por um mesmo ato, o infrator pode ser punido por violação dos deveres do CDC, da legislação de telecomunicações e da Lei Murad, nem que se caracterize bis in idem.373

A partir da promulgação desta lei, a publicidade do tabaco, de acordo com o artigo 3º

caput, “só poderá ser efetuada através de pôsteres, painéis e cartazes, na parte interna dos

locais de venda”, restringindo, desta forma, a publicidade destes produtos na televisão, rádio,

revistas, outdoors e Internet.

Passa-se aqui a proibir a publicidade que associe tabaco e esportes radicais, conforme

o inciso IV do artigo 3º, preenchendo assim a lacuna deixada pela Lei Murad, a qual, como

vimos, proibia apenas o vínculo do tabaco com esportes olímpicos.

O artigo 3º veta ainda, no inciso VI, a participação de crianças e adolescentes nestas

publicidades.

Por sua vez, o artigo 3º, A, incisos I, II, III e IV, proíbe a “venda por via postal, a

distribuição de qualquer tipo de amostra ou brinde, a propaganda por meio eletrônico,

inclusive Internet e a realização de visita promocional ou distribuição gratuita em

estabelecimento de ensino ou local público”. Este artigo também impede o patrocínio das

empresas tabagistas às atividades culturais ou esportivas e a propaganda fixa ou móvel em

estádio, pista, palco ou local similar (inciso V e VI do artigo 3º, A).

Fica proibido ainda, o merchandising, de acordo com o inciso VII do artigo 3º A e a

comercialização em estabelecimentos e ensino e de saúde, conforme o inciso VIII do mesmo

artigo.

A Lei Serra alterou o § 3º do artigo 9º da Lei Murad e considerou infrator “toda e

qualquer pessoa natural ou jurídica que, de forma direta ou indireta, seja responsável pela

373 BENJAMIN, Antônio Hermann de Vasconcellos et al. Op. cit., 1991, p. 352.

125

divulgação da peça publicitária ou pelo respectivo veículo de comunicação”, incluindo, desta

forma, todas as pessoas envolvidas na publicidade, além do próprio anunciante.

Por fim, as sanções administrativas passam a ser aplicadas a partir desta lei pelas

autoridades sanitárias municipais e federais. Silenciou-se quanto às autoridades sanitárias

estaduais. Porém, este equívoco pode ser ajustado através da Constituição Federal pelo artigo

23, inciso II, e artigo 200, inciso II, que tratam da competência estadual no quesito da saúde e

pelo Código de Defesa do Consumidor que estabelece da mesma forma, competência estadual

para implementar estas sanções administrativas.

2.5 O ÔNUS DA PROVA

A origem da palavra prova vem do latim probatio, que significa provar, averiguar.

Provar implica demonstrar fatos, tais como ocorreram. Portanto, o objeto da prova são os

fatos. Não se provam os fatos, já que estes já existem, o que se deve provar são as

asseverações referentes aos fatos. Limita-se aos procedimentos necessários à comprovação

dos fatos afirmados e não admitidos374. Serão objeto da prova o fato gerador ordinário (que

ocorreu com o surgimento da relação jurídica) e o fato gerador secundário (que determina a

origem da pretensão e o dever de adimplemento).375

Toda pretensão tem por fundamento um fato, de onde se busca extrair as

conseqüências jurídicas para ele previstas 376 . Às partes incumbe a ônus de provar suas

alegações, não se trata de obrigação, mas de carga que recai sobe elas, e assim agem, visando

seu próprio interesse.377 Ao juiz cabe decidir a causa com base na análise da veracidade das

provas levadas a juízo.

374 CARVALHO, José Carlos Maldonado de. A inversão do ônus da prova e a inversão do encargo decorrente

sob a ótica do direito do consumidor. Revista do Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 12, n. 46, p. 245, abr./jun. 2003.

375 Neste mesmo sentido ensina Nogueira que a “prova, no sistema jurídico, é a forma de demonstrar os fatos ao juiz, a função da prova é permitir a reconstituição dos fatos ocorridos, uma vez que para julgar, deve-se aplicar a norma legal ao fato ou ao conjunto de fatos concretos. A norma legal do julgador conhece; o fato precisa ser a ele demonstrado; e a forma (o elemento), que leva o fato ou a certeza de sua ocorrência ao juiz, é a prova.” (NOGUEIRA, Tânia Liz Tizzoni. A prova no direito do consumidor. Curitiba: Juruá, 1998. p. 69).

376 REBOUÇAS, André Bonelli. Questões sobre o ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 11.

377 NOGUEIRA, Tânia Liz Tizzoni. Op. cit., 1998, p. 72.

126

A prova é, portanto, fundamental para o processo, pois é com base nas provas

produzidas em juízo que o juiz formará o seu conhecimento, a fim de proferir a sentença.378

Ônus vem do latim onus que significa carga, peso.379 Neste parâmetro, a expressão em

latim onus probandi quer dizer ônus da provar. Portanto, aquele que possui a ônus de provar,

possui interesse em demonstrar em juízo provas. O ônus da prova não é uma faculdade, pois

se as partes não provarem seus direitos sofrerão o prejuízo de ver julgada a lide contra seus

interesses.380

No entanto, Rebouças explica que ônus é diferente de obrigação. Conforme o autor,

Ônus não se confunde com dever, posto que ninguém é obrigado a provar o que alega em juízo. Não sendo obrigada a parte a provar a alegação feita, não terá, naturalmente, dever com relação à outra parte ou ao próprio juiz, que, por sua vez, não poderão ser, um ou outro, ou ambos, titulares do direito à prova. O ônus da prova é encargo que a parte tem em relação a si mesma, porque pela prova realizada fornece ao juiz meio idôneo para provocar-lhe o convencimento, de modo a ter sua afirmação como verdadeira, e a partir daí obter o bem desejado.381

É assim que não se pode pensar em dever de provar, porque não existe tal dever, quer

perante a outra parte, quer perante o juiz; o que incumbe ao que tem o ônus da prova é exercê-

lo no seu próprio interesse.382

Convém salientar, que o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 12, introduziu a

responsabilidade civil objetiva do fornecedor. Através desta, o fabricante, o produtor, o

construtor nacional ou estrangeiro e o importador respondem, independentemente da

existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos de seus

produtos e por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Todavia, isto não quer dizer que a vítima não tenha o ônus de provar certos fatos. De

acordo com Rocha, “a responsabilidade objetiva não elimina o problema da prova.” 383

Portanto, afirma o autor que “no direito comparado, sobretudo, americano, português e

378 CALDEIRA, Mirella D’Angelo. Inversão do ônus da prova. Revista do Direito do Consumidor. São Paulo:

Revista dos Tribunais, ano 10, n. 38, abr./jun. 2001. p. 169. 379 Para Caldeira, o ônus é “um ato, uma conduta do indivíduo a fim de satisfazer interesse próprio, evitando-se

uma situação de desvantagem. Os efeitos do não cumprimento do ônus refletem na própria pessoa que o descumpriu.” (Id., ibid., p. 169).

380 LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. A inversão do ônus da prova no código de defesa do consumidor. Revista do Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 12, n. 47, jul./set. 2003, p. 209.

381 REBOUÇAS, André Bonelli. Op. cit., 2006, p. 12-13. 382 Id., ibid., p. 13. 383 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Op. cit., 1992, p. 89.

127

italiano, o consumidor deve provar: a) o dano; b) o defeito do produto; c) o nexo de

causalidade entre o defeito e o dano.”384

Ressalta-se, porém, que o Código de Defesa do Consumidor reduziu este rol.

Conforme este, o consumidor deve provar apenas o dano e o nexo de casualidade entre o dano

e o produto defeituoso. Desta forma, cabe ao fornecedor o ônus de provar a inexistência de

defeito do seu produto.385

Neste sentido, conforme leciona Delfino, o fumante ou os seus familiares, no caso de

seu óbito, deverá (ão) provar, principalmente: “a) que era ou é fumante; b) a marca do cigarro

que consumia ou consome; c) que a enfermidade adquirida adveio em razão do consumo de

cigarros (ou que o falecimento se deu em decorrência do tabagismo); d) os danos

suportados.”386

Através da oitiva de testemunhas o consumidor de cigarros deve provar que é fumante.

No entanto, no caso de óbito deste, o ônus de provar que o de cujus era fumante passa a seus

familiares, já que a responsabilidade civil estará assentada nessa prova. Ressalta-se que tal

prova só não será necessária no caso de fumante passivo.

Em um próximo momento, deverá ser provado em juízo a marca de cigarros do

consumidor pelo tabagista, com o objetivo de responsabilizar determinada indústria fumígena

pelo dano causado ao consumidor. No caso de fumante passivo, devem ser elencadas na ação

todas as marcas de cigarro que eram consumidas no ambiente que este freqüentava.

384 Id., ibid., p. 89. 385 Neste mesmo sentido, Rocha posiciona-se alegando que “presume-se o defeito do produto, competindo ao

fornecedor o ônus de provar sua inexistência, ex vi do disposto no art. 12, § 3º, II do citado diploma.” (ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Op. cit., 1992, p. 90). Assim sendo, cabe às empresas tabagistas comprovar que a nicotina não causa dependência, para afastar, assim, o defeito de concepção de seu produto. Da mesma forma, estas deverão demonstrar a inexistência do defeito de informação do cigarro para, então, se eximirem da responsabilidade de indenizar os consumidores que proporem ações com este argumento. Sob este prisma, Abbanese, Mônaco e Vicente explicam que, “ficam sujeitos os réus a trazerem aos autos provas irrretocáveis e absolutas de que a nicotina não induz ao vício, não provoca desgaste patrimonial do consumidor-fumante por compulsão, em virtude – e como decorrência – da publicidade enganosa e abusiva que veicula. Caso contrário estarão obrigados ao dever de indenizar, que já seria líquido e certo pelo simples fato da responsabilidade civil (dolosa ou culposa) preconizada no Código Civil em vigor”. (ABBANESE, Mário; MÔNACO, Luiz Carlos M; VICENTE, João Eduardo. Fabricantes de cigarros. Induzimento ao consumo do produto em função da publicidade enganosa e abusiva, resultando vício e compra compulsiva. Responsabilidade civil dolosa. Inversão do ônus da prova (trabalhos forenses). Revista do Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 10, n. 38, abr./jun. 2001. p. 225).

386 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 143.

128

Deverá ser provado, ainda, o nexo de causalidade, ou seja, a prova da enfermidade

adquirida ou morte e sua relação com o consumo de cigarros, pois trata-se aqui de uma prova

de importância elementar.387

No entanto, tal prova tem sido bastante difícil. Argumenta Delfino que:

Relatórios médicos particulares têm sido utilizados como meio de demonstração desses danos. No entanto, os relatórios (declarações) provam a declaração, mas não o nexo causal entre o tabagismo e determinada enfermidade (acidente de consumo) conforme prescreve o art. 368 do Código de Processo Civil.388

Conforme o artigo 368 do Código de Processo

Art. 368: As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário. Parágrafo único: Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo as interessada em sua veracidade o ônus de provar o fato.

Porém, de acordo com o ensinamento de Delfino, “estando-se diante de uma relação

de consumo, a parte final do parágrafo único do art. 368 poderá ser suprimida, conforme o

caso, por prevalecer, evidentemente, a lei de ordem pública.” 389 Porquanto, existe a

possibilidade de inverter-se o ônus probatório, deixando tal prova a cargo das empresas

tabagistas.

Ademais, cabe ainda ao fumante (tanto ativo quanto passivo) ou aos seus familiares,

no caso de morte deste, provar os danos advindos do consumo de cigarros, já que, são estes

danos que devem ser reparados pela empresas de tabaco.

387 Segundo Lopes, “do consumidor exige-se a prova do dano e da relação causal entre dano e produto. Mas não

se exige prova de culpa, negligência ou descuido do fornecedor, visto tratar-se de responsabilidade objetiva. Desta forma, todo o sistema de provas se altera completamente, visto que a defesa do fornecedor consiste em provar que não colocou o produto no mercado, ou que o defeito inexiste, ou que a culpa é exclusiva do consumidor ou terceiro (art. 12, § 3o).” (LOPES, José Reinaldo de Lima. Op. cit., 1992, p. 139). Portanto, conforme Rocha, a vítima “deverá provar o dano sofrido em sua saúde, integridade física ou bens de sua propriedade e a existência de uma relação de causa-efeito entre o defeito encontrado no produto e o evento lesivo. Terá de provar que o evento prejudicial é conseqüência material da falta de segurança do produto. Essa prova, a do nexo de causalidade, via de regra, é difícil de ser feita, principalmente em relação às lesões causadas por medicamentos e produtos químicos. Daí a necessidade de socorrermos a vítima na árdua tarefa de demonstrar o nexo causal, lançando mão, para tanto, da prova de primeira aparência [...]. Assim a prova do nexo causal poderá ser obtida por presunções, devendo o Juiz valorar o grau da regularidade estatística que um certo efeito apresenta em relação a uma determinada concausa.” (ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Op. cit, 1992, p. 90-91).

388 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 147. 389 Id., ibid., p. 147.

129

Tratar-se-á deste tema com maior profundidade no terceiro capítulo, no entanto, vale

salientar que, neste ponto, cabe a prova dos gastos com o tratamento de enfermidades, funeral,

no caso de óbito do fumante, a prova da impossibilidade de exercer ofício ou profissão devido

à doenças causadas pelo consumo de cigarros (dano patrimonial), a prova dos mais diversos

dissabores, como angústia, desgosto, aflição espiritual (dano moral), a prova da amputação de

membros devido à tromboangeíte obliterante, de cirurgias de câncer, a prova dos danos

causados aos enfermos com o tratamento de radioterapia e quimioterapia (danos estéticos).

Todavia, por todo o visto, vale ressaltar que existem momentos em que o ônus probatório

caberá ao fornecedor de produtos.

De acordo com o artigo 6o, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6o : São direitos básicos do consumidor: [...] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, o critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

Gidi explica que “a inversão do ônus da prova em favor do consumidor é um dos

meios através dos quais o direito procura atingir o seu objetivo maior de obtenção de justiça,

compensando a real desigualdade em que se encontram os litigantes.”390

Portanto, conforme o autor supra citado, “inverte-se o ônus da prova em favor do

consumidor porque ao fornecedor, detentor do conhecimento tecnológico, é mais fácil fazê-lo

(e, em muitos casos, somente a ele é possível a produção da prova).”391 No entanto, a inversão

do ônus da prova não se dá de forma compulsória, já que “a inversão do ônus probatório da

forma como está contida no sistema CDC se opera no processo com fundamentos

diferenciados, a depender das circunstâncias ou, mais precisamente, do que consiste a causa

de pedir posta em juízo.”392

Trata-se aqui da inversão do ônus da prova ope legis.393 Esta inversão se dá pelo

juiz,394 o qual, através de regras comuns de experiência e verificando os requisitos exigíveis

390 GIDI, Antonio. Aspectos da inversão do ônus da prova no código do consumidor. Revista do Direito do

Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 13, jan./mar. 1995b. p. 33. 391 Id. Ibid, p. 37. 392 REBOUÇAS, André Bonelli. Op. cit., 2006, p. 36. 393 “Trata-se de importante regra, autorizado o juiz a determinar, inclusive ex officio, tal inversão, com

fundamento na facilitação da defesa do consumidor em juízo. Importa registrar, por sinal, que a possibilidade de inversão do ônus de prova nas causas consumeristas funciona como verdadeiro mecanismo de afirmação dos direitos do consumidor, cuja especial tutela foi concedida pela Lex Legum, em seus arts. 5o, XXXII, e 170, V, revelando a matriz constitucional da inversão do ônus da prova em favor do hipossuficiente.”

130

no artigo 6o, inciso VIII (verossimilhança das alegações do consumidor ou a sua

hipossuficiência) poderá ordenar a inversão do ônus probatório em favor do consumidor395.

Todavia, o fornecedor pode contestar a presunção de verossimilhança e de hipossuficiência,

pois os requisitos do artigo 6o, inciso VIII, admitem prova em contrário.

Vistos os requisitos de admissibilidade da inversão do ônus da prova previstos no

artigo 6o, inciso VIII, questiona-se qual o verdadeiro sentido da expressão “ou” utilizada por

este diploma legal. Alternativo ou aditivo?

Segundo Gidi, “a lei é expressa, ainda que obscura, ao elencar os requisitos para a

referida inversão.”396

Para alguns doutrinadores, a alegação deverá sempre ser verossímil, pois, ao contrário,

“aceitar-se-ia de um consumidor hipossuficiente qualquer aberração alegada, mesmo sem que

um mínimo de racionalidade, pelo simples fato de ter ele essa vulnerabilidade.”397

(FARIAS, Cristiano Chaves. A inversão do ônus da prova nas ações coletivas: o verso e o reverso da moeda. In: Estudos do de direito do consumidor. p. 211).

394 Todavia, Gidi ressalta que “não diz a lei que fica ‘a critério do juiz’ inverter o ônus da prova. O que fica ‘a critério do juiz’ (rectius, a partir do seu livre convencimento motivado) é a tarefa de aferir, no caso concreto levado à sua presença, se o consumidor é hipossuficiente e se a sua versão dos fatos é verossímil. Apenas até aí vai a sua esfera de poder de decisão. Uma vez que o magistrado reconhece a ocorrência desses dois pressupostos no caso concreto, não mais lhe cabe decidir ‘a seu critério’ se inverterá o ônus da prova ou não. Exatamente por esse motivo, não consideramos ser caso de inversão judicial do ônus da prova, mas de inversão legal. Com efeito, apesar de inúmeras posições em sentido contrário, temos que a inversão do ônus de prova não opera ope iucidis, mas ope legis. Afinal, o papel do magistrado é meramente o de aferir a presença dos requisitos impostos pelo CDC.” (GIDI, Antonio. Op. cit., 1995b, p. 36).

395 Para Sansone, “esclarece-se, desse modo, que o fato de aplicador daquela norma consumerista que possibilita a inversão ou não do ônus da prova basear sua decisão em regras ordinárias de experiência, não constitui um poder discricionário, mas uma decisão baseada em um conceito juridicamente indeterminado, dizendo respeito ao ‘fato’ da norma e não aos seus efeitos. Isso significa dizer que, especificamente nesse caso, se o Magistrado convencer-se de que, no mundo dos fatos, os requisitos necessários para a inversão estão presentes, a ele não resta outra opção senão inverter o ônus da prova e, nesse momento, encerra-se a sua margem de liberdade.” (SANSONE, Priscila David. A inversão do ônus da prova na responsabilidade civil (I Concurso Brasilcon de monografias). Revista do Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 10, n. 40, p. 161, out./dez. 2001). Portanto, com bem expõe Lima, “é neste sentido que se pode afirmar que a inversão do ônus da prova não é um privilégio do consumidor para que este vença a demanda, mas sim um mecanismo processual de facilitação de sua defesa em juízo, tanto é assim, que a lei permite certa discricionariedade ao juiz para que este, diante do caso concreto, avalie os requisitos da hipossuficiência do consumidor e da verossimilhança de suas alegações.” (LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. Op. cit., 2003, p. 217).

396 GIDI, Antonio. Op. cit., 1995b, p. 34. 397 SANSONE, Priscila David. Op. cit., 2001, p. 151-152. Neste mesmo sentido, Gidi esclarece que “verossímil a

alegação sempre tem que ser. A hipossuficiência do consumidor per se não respaldaria uma atitude tão drástica como a inversão do ônus da prova, se o fato afirmado é destituído de um mínimo de racionalidade. A ser assim, qualquer mendigo do centro da cidade poderia acionar um shopping center luxuoso, requerendo preliminarmente, em face da sua incontestável extrema hipossuficiência, a inversão do ônus da prova para que o réu prove que o seu carro (do mendigo) não estava estacionado nas dependências do shopping e que, nele, não estavam guardadas todas as suas compras de natal.” (GIDI, Antonio. Op. cit., 1995b, p. 34). Lima entende também que “no que diz respeito ao requisito da verossimilhança das alegações dos consumidores o melhor entendimento á daqueles autores que pesam que este requisito é essencial para a inversão do ônus da prova, pois em sua falta, o risco de um erro judicial seria muito grande. E assim, afastaria a justificação da

131

Sendo verossímil a alegação, seguindo a linha de entendimento de Gidi, 398 o

consumidor, necessariamente, precisa também ser hipossuficiente, pois não se justificaria a

inversão do ônus da prova se o consumidor possuísse meios para provar a sua alegação.

Porquanto, “para que a inversão do ônus da prova seja autorizada, tanto a afirmação precisa

ser verossímil, quando o consumidor precisa ser hipossuficiente”399.

Conjetura-se, no presente estudo, a possibilidade de inversão do ônus da prova em

dois casos: “a) na demonstração da enfermidade manifestada no consumidor (dano); b) na

prova de que esta enfermidade (ou morte) relaciona-se ao tabagismo (nexo causal).”400

Assim sendo, com a inclusão do ônus da prova, as empresas tabagistas deverão

comprovar que não há a enfermidade afirmada pelo consumidor na ação e que o consumo de

cigarros não gerou a enfermidade ou a morte deste. Todavia, quanto à prova de que a

aplicação do instituto, pois o possível erro judicial é mais gravoso que possibilitar o acesso à justiça aos consumidores.” (LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. Op. cit., 2003, p. 220).

398 GIDI, Antonio. Op. cit., 1995b. 399 Id., ibid., p. 34. Todavia, existem posições contrárias. Para Andrade, “se a hipossuficiência necessariamente

deve vir acompanhada da verossimilhança da alegação (porque não se admite a inversão probatória em caso de consumidor hipossuficiente que faz a alegação verossímil), não há como conceber, por ilógica juridicamente, a inversão do ônus da prova, com base na só verossimilhança da alegação, pois, do contrário, a hipossuficiência (que não pode vir desacompanhada da verossimilhança da alegação) não desempenharia nenhum papel relevante na inversão do ônus da prova.” (ANDRADE, André Gustavo C. de. A inversão do ônus da prova no código de defesa do consumidor. Revista do Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 12, n. 48, p. 94, out./dez. 2003). De acordo com Rebouças, “com esse preceito o legislador autoriza que o aplicador do direito possa inverter a carga probatória quando a alegação do autor, analisada sob a ótica das máximas de experiência, lhe sugira verdades, mesmo que não seja o consumidor um hipossuficiente. A só aparência da verdade, a só verossimilhança, pois, é motivo bastante para que o juiz possa determinar o redirecionamento da carga da prova em favor do suplicante” (REBOUÇAS, André Bonelli. Op. cit., 2006, p. 68). No entender de Caldeira, “O magistrado determinará ou não a aplicação do artigo 6º, VIII, pela decisão entre duas alternativas: verossimilhança das alegações ou hipossuficiência, sendo certo que, em havendo apenas uma das duas situações, estará o magistrado obrigado a inverter o ônus da prova” (CALDEIRA, Mirella D’Angelo. Op. cit., 2001, p. 173). Conforme Farias, “a inversão do ônus da prova está assentada na presença de um dos requisitos - alternativamente (não cumulativos) - exigidos por lei (CDC, art. 6º, VIII): hipossuficiência ou verossimilhança das alegações.” (FARIAS, Cristiano Chaves de. Op. cit., p. 212). Nas palavras de Arruda Alvim, “A inversão do ônus da prova, a critério do juiz, é outra norma de natureza processual civil com o fito de, em virtude do ‘princípio da vulnerabilidade’ (ver comentários ao art. 4º) do consumidor, procurar equilibrar a posição das partes, atendendo aos critérios da existência da verossimilhança do alegado pelo consumidor, ou sendo este hipossuficiente, alteração esta do onus probandi que se dá ope iudicis e não ope legis. Ocorrendo a hipótese da hipossuficiência do lesado, a análise da plausibilidade da alegação do consumidor deve ser feita com menos rigor pelo magistrado, tendo-se, ademais, sempre em vista que basta que esteja presente qualquer um destes dois requisitos para que seja lícita a inversão.” (ALVIM NETO, José Arruda et al. Op. cit., 1995, p. 68-69).

400 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 157. Farias apresenta uma jurisprudência que dá contornos à concretude ao tema. “Em se tratando de assunto relacionado ao tabagismo, e já comprovadas pela agravada sua dependência ao fumo e sua hipossuficiência econômica, cabe à empresa agravante provar que o cigarro não causa dependência, não vicia e não produz diversos males à saúde. Sendo assim, com apoio no ar.t 6º, VIII, do CDC, é possível, no caso, a inversão do ônus da prova... (TJ/SP, Ac. unân 8ª Câm. de Direito Privado, AgInst. 188.660.4/9, rel. Des. Sílvio Marques Neto, j. 5.3.01).” (FARIAS, Cristiano Chaves de. Op. cit., p. 222).

132

enfermidade não ocorreu em razão do consumo de cigarros, alegam as empresas tabagistas de

que esta se trata de uma prova diabólica “por versar não sobre o fato, mas sobre não-fato”401.

A máxima, porém, não é verdadeira em toda extensão, porque sempre que for possível

transformar a proposição negativa em uma afirmativa contrária ter-se-á superado a dificuldade

da prova negativa402. Apresenta-se o fato positivo do que se tira a verdade do fato negativo,

pois “a inversão do ônus da prova prevista no CDC pressupõe dificuldade ou impossibilidade

da prova apenas da parte do consumidor, não a impossibilidade absoluta da prova em si”.403

Porquanto, em relação a este argumento apresentado pelas empresas tabagistas, Delfino

esclarece que:

não se trata de prova diabólica, mas sim, de questão de ordem técnica. Ademais, mesmo admitindo que, em alguns casos, não se possa aferir, com absoluta certeza, que o cigarro foi o causador, ou teve participação preponderante no desenvolvimento da enfermidade ou na morte de um consumidor, é perfeitamente possível chegar-se, mediante a análise de todo o conjunto probatório, a um juízo de probabilidade ou presunção sobre a responsabilidade que o tabagismo (ou exposição ao cigarro) teve num determinado acidente de consumo.404

Vale lembrar ainda, que o momento da inversão do ônus da prova ocorre com o

despacho saneador.405

Como bem explica Sanseverino

O melhor momento para essa inversão, sem que cause surpresa para qualquer dos demandantes, é a fase de saneamento do processo, quando já se conhecem as alegações das duas partes e se cristalizaram os pontos controvertidos da demanda. O juiz, ao proferir a decisão saneadora do processo, de ofício ou a requerimento da parte, pode estabelecer que o ônus de comprovar determinado fato relevante do feito, que seria o consumidor,

401 THEODORORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as

garantias do código de defesa do consumidor e os princípios gerais do direito civil e o direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 145. No entanto, de acordo com o autor, “para que se admita esse tipo de prova negativa é indispensável que o fato a ser negado seja especificado convenientemente, pois se vier a ser enunciado em termos genéricos, a existência de sua comprovação de veracidade tornar-se-á à quase sempre tarefa inexeqüível ou impossível. Assim, se se afirma que alguém de má-fé, sem especificar um fato concreto em que a conduta maliciosa se deu, impossível será exigir-se desse agente que prove sua boa-fé. Tudo ficará no campo do gênero e o gênero, por sua indefinição, não se presta à especulação probativa” (Id., ibid., p. 145).

402 Id. ibid., p. 145. 403 Id. ibid., p. 147. 404 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 159. 405 Todavia, existem aqueles que defendem que o juiz deverá inverter o ônus da prova na petição inicial e outros

entendem que a inversão pode ocorrer na sentença. Conforme Acquaviva, “embora o CDC não indique, expressamente, o momento em que o magistrado deve determinar a inversão, parece mais lógico que o faça por ocasião do despacho da petição inicial, devendo o fornecedor requerer prova em contrário às alegações do autor da ação, na contestatória. Quanto às regras ordinárias de experiência, vale dizer que o magistrado, ao apreciar a causa, deve apreciar e valorar as provas dos autos, mas paralelamente servir-se de sua experiência na observação dos fatos análogos do cotidiano e do que comumente acontece.” (ACQUAVIDA, Marcus Cláudio. Op. cit., 1998, p. 26).

133

fica atribuído ao fornecedor. Nesse momento, o prejudicado pela decisão concessiva ou indeferitória da inversão poderá interpor agravo de instrumento, bem como estará devidamente alertado a respeito do novo encargo que lhe foi atribuído no processo.406

A inversão do ônus da prova no curso de processo possibilita as partes o direito do

contraditório e a ampla defesa quanto às atividades probatórias, já que os litigantes

ingressarão na fase instrutória cientes dos seus encargos.407

É interessante comentar também a inversão da prova ope legis408 do artigo 38 do

Código de Defesa do Consumidor. 409 De acordo com este artigo, “o ônus da prova da

veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as

patrocina.”410

A inversão ope legis está legalmente prevista no artigo 38, não sendo necessária

qualquer intervenção do juiz.411 Neste caso, o ato de inverter o ônus da prova é totalmente

406 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Op. cit., 2002, p. 335. 407 Sob este prisma, posiciona-se também Rebouças. De acordo com o autor, “por tudo isto, pensamos que a

decisão que disporá sobre a distribuição do ônus (sua inversão ou não) deve antecipar a fase em que os litigantes terão que produzir suas provas. Esse juízo de admissibilidade da inversão probatória pode ser proferido no momento que se segue à apresentação da contestação, porque a partir do oferecimento da resposta, além de restarem firmados os pontos controvertidos, escopo de prova que são, o juiz estará em melhores condições de avaliar a verossimilhança das alegações do autor ou até mesmo a sua hipossuficiência.” (REBOUÇAS, André Bonelli. Op. cit., 2006, p. 84).

408 “Em síntese, a inversão ope legis e a inversão ope judicis são figuras processuais distintas, que não devem ser confundidas. Ambas poderão estar presentes, conjuntamente, no mesmo processo, que tenha por objeto ação de reparação de danos oriundos de fato de consumo (fato do produto ou fato do serviço). Todavia, apenas na inversão ope judicis haverá necessidade de uma prévia decisão do juiz sobre a questão no momento do saneamento do feito. A inversão probatória ope legis, que deriva da lei, deve ser reconhecida pelo juiz de ofício, inclusive pelos tribunais superiores no julgamento dos recursos.” (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Op. cit., 2002, p. 337).

409 Para Pasqualotto, “o que o dispositivo legal faz é uma distribuição ordinária do encargo probatório, não uma inversão, como é comum que se afirme. Isto porque o CDC instituiu o seu específico regime de responsabilidade, que restaria incompleto se o legislador não distribuísse os correspondentes ônus. E a atribuição do art. 38 atendeu à natureza das coisas, pois designou o patrocinador da mensagem, vale dizer, o verdadeiro anunciante, como aquele que deve responder pela veracidade das afirmações que a sua própria mensagem contém.” (PASQUALOTTO, Adalberto. Op. cit., 1997, p. 171-172).

410 Artigo 38 da Lei nº 8.078/90. Grinover ressalta que: “não basta que o legislador limite-se a proibir a publicidade enganosa e a abusiva. Para que uma mensagem seja considerada ilícita, seja pelo juiz, seja pelo administrador, exige-se que tenha sido veiculada pelo menos uma vez. Afinal, o poder público ainda não tem o dom de adivinhar qual o conteúdo da mensagem que o anunciante pretende fazer chegar aos consumidores. Daí que, por mais ágeis que sejam as providências legais, a mensagem, enganosa ou não, já terá alcançado parcela do público. Sua retirada, nessas condições, serviria para evitar enganos ou abusos futuros mas não para apagar a captação pretérita já consumida. Só um instrumento se presta a tal “a contrapropaganda.” (GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentador pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. p. 215-126).

411 No entender de Rebouças “se o pressuposto fático da pretensão repousa na alegação de defeito do produto ou serviço, ou ainda na afirmação de publicidade inverídica, saberá de antemão o fornecedor que o ônus da prova da inexistência do defeito ou da ausência de vícios da publicidade é seu, sob pena de ter como verdadeiras as afirmações do consumidor demandante. Não há aí a interferência do juiz para impor ou não a inversão do onus probandi para o réu. É, neste sentido, ope legis a inversão, porque é exatamente assim que a Lei determina previamente à existência de lide concreta.” (REBOUÇAS, André Bonelli. Op. cit, 2006, p. 45).

134

vinculado, pois não é dado ao juiz perquerir conceitos jurídicos não determinados, deve

aplicar o que a lei diz.412

Não se faz necessário aqui a verossimilhança da alegação do consumidor e a

caracterização de sua hipossuficiência para que seja transferido ao patrocinador da

publicidade o ônus probandi relativo à veracidade e correção da informação ou comunicação

publicitária.

Sendo assim, cabe às indústrias de tabaco comprovarem que a sua publicidade não é

enganosa ou abusiva e aos consumidores apontar com precisão quais seriam as peças

publicitárias com este caráter.

412 LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. Op. cit., 2003, p. 219. Conforme Gidi “não há nenhuma possibilidade de

inversão, a ser operada pelo juiz ou pela lei: o ônus é sempre do fornecedor. A lei não inverte o ônus: atribui-lhe ao fornecedor. É bem verdade que, antes da vigência do Código do Consumidor, o fornecedor não tinha esse encargo: era o consumidor-autor quem devia provar a enganosidade, como fato constitutivo de seu direito (CPC, art. 333, I). O legislador ‘inverteu’ a ordem anterior e atribuiu ao fornecedor encargo novo. Isso não é, tecnicamente, caso de inversão processual (legal ou judicial) do ônus da prova. Trata-se, apenas de uma alteração da diretriz política adotada pelo direito positivo. É posição política do legislador, é atividade pré-processual, e, de um certo modo, pré-jurídica).” (GIDI, Antonio. Op., cit, 1995b, p. 40).

135

CAPÍTULO III – A EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE DO

CONSUMIDOR DE CIGARROS

Neste capítulo, trabalhar-se-á com a efetivação do direito fundamental à saúde do

consumidor de cigarros. Será portanto, inicialmente, feita uma abordagem geral sobre a

responsabilidade civil objetiva estipulada pelo artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor,

uma responsabilidade tipicamente solidarista que visa redistribuir ou socializar o prejuízo.

Demonstrar-se-á por meio de ementas de decisões judiciais do Tribunal de Justiça do Estado

do Rio Grande do Sul que uma das formas mais efetivas de eficácia na implementação de

direitos fundamentais é mediante sentença judicial, por isso, a responsabilidade civil tem

papel fundamental tanto na promoção dos direitos, a fim de evitar novas incidências, quanto

na reparação dos prejuízos, restabelecendo o equilíbrio.

Estudar-se-á também neste capítulo, as substâncias contidas no cigarro e os males que

estas acarretam à saúde do consumidor, interligando assim, as doenças relacionadas ao

tabagismo, demonstrando-se que é possível estabelecer uma relação adequada e eficiente

entre o consumo de cigarro e a doença. Visto isto, por todo o exposto, será desenvolvida uma

análise sobre a caracterização e a incidência do dano patrimonial, moral e estético.

3.1 A RESPONSABILIDADE CIVIL DA INDÚSTRIA TABAGEIRA

Responsabilidade, vocábulo derivado do latim respondere, significa a obrigação de

responder por algum fato atribuído ou imputado à pessoa.

Na linguagem jurídica, o termo responsabilidade assume em sentido restrito, espécies

determinadas, de acordo com a área em que é empregado. A exemplo disso, pode-se citar a

responsabilidade civil, a responsabilidade penal, a responsabilidade administrativa, etc.

Apesar das bifurcações, o termo responsabilidade etimologicamente não foge ao

sentido geral de obrigação, compromisso, encargo, ou seja, ao dever jurídico imposto ao

indivíduo para satisfazer uma prestação contratada, ou responder pelo fato ilícito cometido.413

Partindo para a conceituação da expressão responsabilidade civil, em sentido restrito,

pode-se dizer que esta preza pela obrigação do agente em reparar ou ressarcir um dano injusto

413 Dias diz que a palavra responsabilidade tem sua origem no termo latino spondeo, tirada do direito romano, a

qual ligava o devedor nos contratos verbais. (DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 2).

136

causado a um terceiro. Este dano pode ter origem patrimonial ou extrapatrimonial, e decorre

de um comportamento comissivo ou omissivo, ou ainda, da violação de um precedente

jurídico.414

Santos argumenta que:

[...] a melhor definição da responsabilidade é a que a concebe como causa determinante do dever de não violar o direito alheio, seja por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, isto é, seja lá através de que procedimento for.415

Nas palavras de Silva Filho,

A responsabilidade civil importa na obrigação de uma pessoa indenizar o dano causado a outrem. O interesse em restabelecer o equilíbrio patrimonial ou moral decorrente do dano é a causa matriz, geradora da responsabilidade civil.416

Conforme Silva, os princípios jurídicos em que se fundam a responsabilidade civil,

para efeito de determinar a reparação do dano injustamente causado, provém da velha máxima

romana inserta no mininem laedere.417

414 Segundo Alonso, “a responsabilidade jurídica afigura-se quando ocorrer qualquer transgressão à ordem

jurídica existente, acarretando prejuízos ao equilíbrio social, que essa ordem objetiva manter. O dever transgredido com a imputação de prejuízo a outro, não constitui tão-somente uma reprovação (moral), mas se impõe como um dever de reparação (jurídica).” (ALONSO, Paulo Sérgio Gomes. Pressupostos da responsabilidade civil objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 3).

415 SANTOS, Ulderico Pires dos. A responsabilidade civil na doutrina e na jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 1.

416 SILVA FILHO, Artur Marques da. Responsabilidade civil por fato do produto ou serviço. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). Responsabilidade civil por danos a consumidores. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 28.

417 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 125. No dizer de Gonçalves, “o dever de não levar a ninguém [...] acha-se implícito no art. 159 do Código Civil (atual art. 186), que não fala em citação de “lei” mas usa de uma expressão mais ampla: violar “direito”. (GONÇALVES, Carlos Alberto. Responsabilidade civil. 6. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 30). Nascimento argumenta que: “o dever de respeito à esfera jurídica alheia é norma necessária à convivência social. Embora não positivada, é supralegal por sua utilidade e finalidade. Outra não é a idéia que nasce da máxima neminem laedare, para que se alcance, com o respeito de todos, o equilíbrio. Certas causas, contudo, podem gerar um descompasso, um desequilíbrio, quando determinada pessoa causa danos a outrem. Por haver violação ao princípio geral de respeito devido por todos, a convivência é arranhada e deverá se buscar, como conseqüência, uma reparação compensatória. Esta reparação tem o evidente objetivo de compensar o prejuízo sofrido, o que é satisfação individual para o prejudicado, mas se reflete socialmente, buscando extinguir o fator de desequilíbrio, que foi o dano sofrido. O dever de ressarcimento não se fundamenta exclusivamente na infringência a esta norma de respeito ao complexo de direitos que toda pessoa detém. Às vezes, precede uma pactuação entre duas determinadas pessoas. Já uma convenção mantida entre elas, onde cada uma tem seus deveres e obrigações. Descumprindo o preceito convencionado, uma das partes viola-o, resultando daí determinado prejuízo ao outro. Há diretamente a crise contratual e, indiretamente, o desequilíbrio da convivência social. Nasce, para quem infringiu, o dever de reparar e, correspectivamente, para a parte prejudicada , o direito subjetivo de ser indenizada para cobrir seus prejuízos. Quer no neminem laedere quer na pactuação precedente, estamos na área da responsabilidade civil. (NASCIMENTO, Tupinambá M.C. do. Responsabilidade civil no Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Aide, 1991. p. 39-40).

137

A responsabilidade civil é um instituto fundamental às relações sociais porque trata de

estabelecer a critérios pelos quais uma pessoa deve responder a outra pelos prejuízos

eventualmente causados.418

Pereira explica que ao conceituar responsabilidade civil, “emerge a idéia dualista de

um sentimento social e humano, a sujeitar o causador de um mal a reparar a lesão.”419

Porquanto, conforme Pereira:

Como sentimento social, a ordem jurídica não se compadece com o fato de que uma pessoa possa causar mal a outra pessoa. Vendo no agente um fator de desequilíbrio, estende uma rede de punições com que procura atender às exigências do ordenamento jurídico. Esta satisfação social gera a responsabilidade criminal. Como sentimento humano, além de social, à mesma ordem jurídica repugna que o agente reste incólume em face do prejuízo individual. O lesado não se contenta com a punição social do ofensor. Nasce daí a idéia de reparação, como estrutura de princípios de favorecimento à vítima e de instrumentos montador para ressarcir o mal sofrido. Na responsabilidade civil está presente uma finalidade punitiva ao infrator aliada a uma necessidade que eu designo como pedagógica, a que não é estranha à idéia de garantia para a vítima, e de solidariedade que a sociedade humana lhe deve prestar.420

Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade. A

responsabilidade é um aspecto da realidade social. Decorre dos fatos sociais, é o fato social.421

A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem expressa o seu

comportamento, em face desse dever ou obrigação.422

A “a responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata423 do

dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma.” 424 Busca-se a

reparação do dano causado de forma a estabelecer o status quo ante ou através do pagamento

em dinheiro. 425 Para tanto, é necessário estabelecer o dever jurídico violado e quem o

418 TIMM, Luciano Benetti. Os grandes modelos de responsabilidade civil no direito privado: da culpa ao risco.

Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 55, ano 14, jul./set. 2005. p. 149. 419 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 10. 420 Id., ibid., p. 11. 421 DIAS, José de Aguiar. Op. cit., 1979, p. 7 422 Id., ibid., p. 9. 423 “Tendo em vista a reparação, a responsabilidade civil oferece um plus adicionado à reparação. Esta

pressupõe a existência de um dano. Mas o dano permanece no plano abstrato se o direito positivo não identificar o sujeito a quem é atribuível. O sociólogo pode contentar-se com a configuração filosófica da responsabilidade. O jurista tem o dever de ir mais longe. Sente a necessidade de identificar o autor do ano, e oferecer ao ofendido a satisfação que, além de afirmar a existência da lesão, impõe sanções ao causador dela. E concretiza essas sanções.” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., 1998, p. 11).

424 Id., ibid., p. 11. 425 ALONSO, Paulo Sérgio Gomes. Op. cit., 2000, p. 3.

138

descumpriu, já que não há responsabilidade civil sem violação do dever jurídico preexistente,

uma vez que responsabilidade pressupõe a violação de uma obrigação.426

Com efeito, no âmbito do Direito Privado Moderno é possível dividir a

responsabilidade civil em dois grandes modelos: o modelo liberal dos códigos civil do século

XIV e o modelo solidário ou social dos códigos civil da segunda metade do século XX.427

No modelo liberal428 de responsabilidade civil, o espírito da lei é que o indivíduo seja

responsável pelos seus atos.429 A lei funciona como a regra do jogo do sistema capitalista,

oferecendo segurança e confiança aos agentes econômicos.430 Por isso, o Código Civil liberal

é construído sobre três pilares: a) liberdade contratual e de testar; b) propriedade absoluta; c)

responsabilidade civil subjetiva.431

Este modelo consagra a responsabilidade civil subjetiva, a qual norteia-se pelo

princípio da culpa. 432 A teoria da responsabilidade subjetiva erige em pressuposto da

obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou 426 “A responsabilidade civil, vista genericamente, está na ocorrência de um nexo causal entre duas

circunstâncias, no mínimo: a) a conduta de alguém, que se afigurará como ofensiva; b) o aparecimento de um dano resultante da conduta. Nestas duas circunstâncias, que se vinculam como causa e efeito, está o substrato, o cerne da responsabilidade civil, embora alguns casos se exija um elemento subjetivo do agente para tipificar civilmente a conduta. Esta pode ser omissiva ou comissiva, sendo que a omissão deve se qualificar de relevância jurídica. Não qualquer omissão, mas aquela que a lei ou o contrato determinava a conduta ativa, o proceder não-omissivo, uma obrigação caracterizada como de fazer.” (NASCIMENTO, Tupinambá, M. C. do. Op. cit., 1991, p. 41).

427 Conforme explica TIMM, Luciano Benetti. Op. cit., 2005, p. 150. 428 “A teoria da responsabilidade civil subjetiva ou baseada na culpa foi consagrada nos códigos civil da

modernidade (aqueles do século XIX), ápice da ideologia “individualista”, que se espalhou por diversos ramos do conhecimento humano: liberalismo político, liberalismo econômico, liberalismo jurídico. Em realidade, a modernidade quebrou um paradigma antigo de uma sociedade hierarquizada “holista” e em que os vínculos sociais se estabeleciam por laços de parentesco, posição social, etc. a sociedade moderna é a sociedade composta de indivíduos livres, diferentes entre si, cujos vínculos são estabelecidos com base no consenso (contrato social, contratos privados) e na responsabilidade pelos atos individuais. E com base nessa ideologia é que foram concebidos e, posteriormente, interpretados os códigos civis da época. (TIMM, Luciano Benetti. Op. cit., 2005, p. 152-153).

429 Id., ibid., p. 153. 430 Id., ibid., p. 153. 431 Id., ibid., p. 153. 432 Lopes explica que: “a culpa é, pois, um elemento que tem, na teoria da responsabilidade, o condão de

introduzir ali o universo psicológico das motivações humanas. Por isso aparece a ação como fruto da vontade consciente: a culpa é expressão desta vontade, ou de um defeito desta vontade, por meio da ação ou da omissão voluntárias. Deste ponto de vista, a ação humana em que não se possa distinguir tal vontade passa a não contar ou não ser compreendida em termos jurídicos. A dificuldade evidente está em que a ausência de culpa, ou de vontade defeituosa, não significa ausência de ação ou ausência de conseqüências da ação como prejuízos.” (LOPES, José Reinaldo de Lima. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 26-27). Para Dias, “a culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressão na iliceidade, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. A conduta reprovável, por sua parte compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica a vontade direta de prejudicar, configura a culpa no sentido amplo; e a simples negligência (negligentia, imprudentia, ignavia) em relação ao direito alheio, que vem a ser a culpa no sentido restrito e rigorosamente técnico.” (DIAS, José de Aguiar. Op. cit., 1979, p. 2).

139

simplesmente a sua culpa, abrangendo no seu contexto a culpa propriamente dita e dolo do

agente.433

Portanto, a responsabilidade civil subjetiva requer: a) ato lesivo434; b) dano435; c) nexo

causal436 e d) culpa como elementos necessários para que ocorra a responsabilização do

agente ofensivo. O ofensor estará no centro da responsabilidade civil. O prejuízo será

indenizável devido ao comportamento culposo do ofensor. A responsabilidade civil subjetiva

está associada à conduta do agente causador do dano. Assim, não haverá responsabilidade se

não houver culpa, isto é, falta de prudência, negligência, destreza, cujo resultado poderia ser

previsto pelo menos de maneira tácita.437

Todavia, deve-se apreciar a conduta do agente nos parâmetros da normalidade em

geral do homem médio, pois como bem salienta Lima:

Na impossibilidade, entretanto, de uma previsão perfeita de todos os atos humanos para uma especificação completa daquilo que a lei proíbe, o legislador recorre ao preceito genérico, que condena o ato ilícito, traçando-lhe os elementos característicos. Na prática, pois, de muitos anos que a lei não especifica e taxativamente não enumerou, poderá o agente ferir o direito de outrem, causando-lhe dano. O mal sofrido impele a vítima à reação através da proteção jurídica. Como fixar a responsabilidade do agente? Só pelo fato lesivo e prejudicial ao direito de outrem? Não, sem dúvida, porque no tumulto das atividades, é comum, e muitas vezes fatal, a lesão do direito de outrem. O elemento específico repousa, justamente, em saber se a conduta do agente é ou não justificada, porque a atividade em si mesmo, como força criadora do progresso, como expansão econômico-social imprescindível, encontra apoio na lei. Mas a conduta permitida pela ordem jurídica, de maneira que não se subverta a coordenação de todas as

433 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., 1998, p. 30. 434 “Na dogmática da responsabilidade civil subjetiva, o ato ilícito destaca-se como um elemento relevante da sua

sustentação. A investigação do comportamento do agente é fundamental para a apuração da sua responsabilidade, uma vez que o pressuposto do dever de indenizar pela teoria subjetiva é a conduta culposa do agente.” (ALONSO, Paulo Sérgio Gomes. Op. cit., 2000, p. 20).

435 O dano é a lesão ou prejuízo a um interesse juridicamente protegido, que pode ser de natureza patrimonial (apreciável economicamente) ou extrapatrimonial (de ordem psíquica, moral, atinente ao bom nome e ao crédito etc.). (SEVERO, Sérgio. Do ato extrapatrimonial. São Paulo: Saraiva, 1996a).

436 “Assim como a culpa e o dano, o nexo causal constitui elemento essencial da responsabilidade civil, evidenciado pelo dogmatismo subjetivista; é o elo de ligação entre a ação culposa e o evento danoso [...]. É importante neste momento registrar que pela teoria subjetiva cumpre verificar, na relação de causalidade, se o agente de forma deliberada e intencional quis o resultado, ou se por negligência, imprudência ou imperícia veio a causar o dano para o implemento da responsabilidade civil.” (ALONSO, Paulo Sérgio Gomes. Op. cit., 2000, p. 32-33).

437 “Feita essa ressalta, a culpa, nesse modelo liberal, é erro de conduta, um desvio da normalidade no agir ou abster-se. Não se pode identificá-la com o ato violador do direito, uma vez que são elementos distintos do suporte fático da responsabilidade civil subjetiva. Portanto, é a culpa, requisito singular, que transporta o ato violador do direito, pela sua imputação ao agente causador do dano, para o campo da responsabilidade civil. Assim, a responsabilidade civil extra-contratual surgirá no momento em que o ato ou omissão lesivo ao direito de outrem ultrapassam os limites da conduta normal do homem diligente, ao passo que a responsabilidade civil contratual ocorrerá quando houver anormal ou injustificado descumprimento do contrato.” (TIMM, Luciano Benetti. Op. cit., 2005, p. 160).

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atividades e, conseqüentemente, toda a ordem econômica e social, é a que comumente se põe em prática, de maneira e não romper o equilíbrio de interesses privados e sociais. Há, pois, uma conduta normal, comum, que os homens de bom senso, prudentes, probos e equilibrados seguem cotidianamente, e que será consagrada nos usos e costumes, nos regulamentos, na lei, e que vive na consciência jurídica do povo.438

O Código Civil de 1916 adotou a teoria da responsabilidade civil subjetiva. Esta teoria

apresenta-se nos artigos 1521439, 1523440, 1527441 e 1528442, os quais se fazem depender da

culpa in vigilando ou da culpa in eligendo a responsabilidade civil por fato da coisa ou de

terceiro.443

Destarte, o modelo solidário molda-se pela responsabilidade objetiva 444 , a qual

fundamenta os seus princípios na teoria do risco.445

438 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. rev. e atual. pelo professor Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1998. p. 55-56. 439 Art. 1521 – São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob

seu poder e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – o patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele (art. 1522); IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até à concorrente quantia.

440 Art. 1523 – Excetuadas as do art. 1521, V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art. 1522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte.

441 Art. 1527 – O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar: I – que o guardava e vigiava com cuidado preciso; II – que o animal foi provocado por outro; III – que houve imprudência do ofendido; que o fato resultou de caso fortuito, ou força maior.

442 Art. 1528 – O dono do edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

443 TIMM, Luciano Benetti. Op. cit., 2005, p. 160. 444 Timm ressalta que “tal teoria baseia-se na idéia de que, para assegurar segurança à vítima que sofreu o dano,

sem para ele concorrer, os agentes econômicos, nas suas múltiplas atividades, são criadoras de riscos, na busca de proveitos individuais. Ora, se destas atividades os seus autores colhem proveitos, ou pelo menos os almejam, atuando para tanto, é justo que suportem o encargo, os riscos desta atividade. Não poderia a vítima do dano, que não criou os riscos, nem muito menos obteve proveitos, arcar com o ônus. Dessa forma, a responsabilidade torna-se uma questão de reparação de danos, de proteção do direito do lesado, ou, dito de outra maneira, objetiva-se. Tese central, da qual partiram outros autores, sem transformar-lhe a essência, ou seja, da responsabilidade como fruto inevitável do programa humano, das novas atividades do homem, inerentes à proporia conduta criadora de riscos. (Id., ibid., 163).

445 Lima explica que o conceito clássico da culpa, sob fundamento psicológico, exigindo do agente a imputabilidade moral, cedeu terreno às várias noções e aplicações da culpa objetal no sentido de eliminar da responsabilidade extracontratual o elemento subjetivo. O entrechoque, entretanto, cada vez mais crescente de interesses, aumentando as lesões de direitos em virtude da densidade progressiva das populações e da diversidade múltipla das atividades na exploração do solo e das riquezas; a multiplicação indefinida das causas produtoras do dano, advindas das invenções criadoras de perigos que se avolumam, ameaçando a segurança pessoal de cada um de nós; a necessidade imperiosa de se proteger a vítima, assegurando-lhe a reparação do dano sofrido, em face da luta díspar entre as empresas poderosas e as vítimas desprovidas de recursos; as dificuldades, dia-a-dia maiores, de se provar a causa dos acidentes produtores de danos e dela se deduzir a culpa, à vista dos fenômenos ainda não bem conhecidos na sua essência, como a eletricidade, a radioatividade e outros, não podiam deixar de influenciar no espírito e na consciência do jurista. Era imprescindível, pois, rebuscar um novo fundamento à responsabilidade extracontratual, que melhor resolvesse o grave problema da reparação dos danos, de molde a se evitarem injustiças que a consciência

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Risco é perigo, neste sentido, quem exerce uma atividade perigosa deve arcar com os

riscos e repará-los se ocorrerem. Portanto, independente do agente ter agido ou não com culpa,

se ocorrer dano, haverá responsabilização.

Os doutrinadores que defendem a teoria subjetiva criticam seriamente a teoria objetiva,

pois acreditam que esta desprestigia o Princípio da Justiça Social446, pois obriga o agente ao

dever de reparar o dano independente de culpa.447

jurídica e humana repudiavam. Dentro do critério da responsabilidade fundada na culpa não era possível resolver um sem-número de casos, que a civilização moderna criara ou agravara: imprescindível se tornara para a solução do problema da responsabilidade extracontratual, afastar-se do elemento moral, da pesquisa psicológica, do íntimo do agente, ou da possibilidade de previsão ou de diligência, para colocar a questão sob um aspecto até então não encarado devidamente, isto é, sob o ponto de vista exclusivo da reparação do dano. O fim por atingir é exterior, objetivo, de simples reparação, e não interior e subjetivo, como na imposição da pena. Os problemas da responsabilidade são tão-somente os problemas de reparação de perdas. O dano e a reparação não devem ser aferidos pela medida da culpabilidade, mas devem emergir do fato causador da lesão de um bem jurídico, a fim de se manterem incólumes os interesses em jogo, cujo desequilíbrio é manifesto, se ficarmos dentro dos estreitos limites de uma responsabilidade subjetiva. Ao lado desses fatores de ordem material e social, fatores morais vieram influenciar no surto do movimento inovador. O crescente número de vítimas sofrendo as conseqüências das atividades do homem, dia-a-dia mais intensas, no afã de conquistar proventos; o desequilíbrio flagrante entre os “criadores de risco” poderosos e as suas vítimas; os princípios de eqüidade que se revoltavam contra esta fatalidade jurídica de se impor à vítima inocente, não criadora do fato, o peso excessivo do dano muitas vezes decorrentes da atividade exclusiva do agente, vieram-se unir aos demais fatores, fazendo explodir intenso, demolidor, o movimento das novas idéias, que fundamentam a responsabilidade extracontratual tão-somente na relação de causalidade entre o dano e o fato gerador. A responsabilidade deve surgir exclusivamente do fato, considerando-se a culpa em resquício da confusão primitiva entre a responsabilidade civil e a penal. O que se deve ter em vista é a vítima, assegurando-lhe a reparação do dano e não a idéia de infligir uma pena ao autor do prejuízo causado. Os dados econômicos modernos determinam a responsabilidade fundada sobre a lei econômica da “causalidade entre o proveito e o risco.” (LIMA, Alvino. Op. cit., 1998, p. 113-166). Neste mesmo sentido, manifesta-se Pereira comentando que: “A insatisfação com a teoria subjetiva tornou-se cada vez maior, e evidenciou-se a sua incompatibilidade com o impulso desenvolvimentista de nosso tempo. A multiplicação das oportunidades e das causas de danos evidenciaram que a responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação. Esta, com efeito, dentro na doutrina da culpa, resulta da vulneração de norma preexistente, e comprovação de nexo causal entre o dano e a antijuridicidade da conduta do agente. Verificou-se, como já ficou esclarecido, que nem sempre o lesado consegue provar estes elementos. Especialmente a desigualdade econômica, a capacidade organizacional da empresa, as cautelas do juiz na aferição dos meios de prova trazidos ao processo nem sempre logram convencer da existência da culpa, e em conseqüência a vítima remanesce não indenizada, posto se admita que foi efetivamente lesada. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., 1998, p. 262).

446 O Princípio da Justiça Social determina a marcha para frente, o avanço de toda a sociedade, abrigando todas as forças políticas, econômicas e sociais, de igualação, almejando atingir o desenvolvimento, para o fim de erradicar a fome, a pobreza, a doença, a má distribuição de renda, etc. (LIMA, Francisco Meton Marques de. Princípios do direito do trabalho na lei e na jurisprudência. São Paulo: LTr, 1994, p. 21-22).

447 Além disso, Lima enumera também diversos argumentos contra a teoria do risco, que são expostos, tantos entre outros, pelos irmãos Mazeaud, Josepg, Rutsaert, Ripert, Colin e Capitant, Venzi, Defroidmint e Brasielo. Segundo estes: a) A teoria do risco é resultante da influência de idéias positivistas; é uma concepção materialista do direito, porque regula relações entre os patrimônios, abstraindo-se das pessoas; b) A teoria do risco se apóia na socialização do direito, estando impregnada de idéias socialistas. Desloca o centro da aplicação do direito do indivíduo para a sociedade, quando aquele, na verdade, continua a ser o ponto central do direito, que regula direitos e deveres individuais a fim de assegurar a ordem social; c) A teoria do risco é a estagnação da atividade individual, paralisando as iniciativas e arrastando à inércia, visto como, diante da responsabilidade sem culpa, de nada valem a prudência,m a conduta irreprovável, as precauções e cautelas, porquanto o agente deverá assumir a responsabilidade de todos os danos que possam resultar das suas ações lícitas e necessárias; d) A teoria do risco é a aplicação das primitivas concepções materiais da responsabilidade, quando o homem, sem o desenvolvimento necessário, não tinha atingido ainda

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Na responsabilidade civil objetiva a obrigação de indenizar surge a partir do momento

que se viola o direito de segurança da vítima, não se perquerindo sobre as circunstâncias

a perfeição de adotar como critério da responsabilidade a noção de culpabilidade, fundada em idéias de ordem moral; e) Se a teoria do risco proclama a obrigação de arcar com o risco em virtude dos proveitos auferidos pela atividade humana, visto tratar-se de uma compensação entre o proveito e o dano, tal responsabilidade não se justifica se não houver proveito; f) A teoria do risco não tem posição verdadeira e definida no terreno jurídico. O direito se funda em noções precisas e não sobre noções de aspecto filosófico ou econômico, de contorno mal definido. Não há um princípio fixo, porquanto o conceito de proveito é incerto e mal definido ao passo que na noção de culpa há um instrumento de controle preciso. (LIMA, Alvino. Op. cit., 1998, p. 190-191). Todavia, Lima defende que: A) A primeira objeção articulada contra partidários da teoria do risco consiste em se afirmar que a mesma é materialista, imbuída das idéias da escola penal positiva. A teoria regula as relações meramente patrimoniais sem ter em vista a pessoa. A teoria do risco, embora partindo do fato em si mesmo, para fixar a responsabilidade, tem raízes profundas nos mais elevados princípios de justiça e de eqüidade. Ante a complexidade da vida moderna, que trouxe a multiplicidade dos acidentes que se tornaram anônimos, na feliz expressão de Josserand, a vítima passou a sentir uma insegurança absoluta ante a impossibilidade de provar a culpa, em virtude de múltiplos fatores. Não há, pois, negação da liberdade humana, mas antes, a sua proclamação, a sua segurança, a sua estabilidade jurídica. Não é o antiindividualismo, porque, assentando-se em bases sociais, na proteção da coletividade, a teoria do risco assegura ao indivíduo a reparação dos danos oriundos das atividades criadas pelos próprios homens, cujas causas não se descobrem, não se conhecem, não se provam, ou são ocultas, astuta e triunfalmente, pelos causadores dos acidentes. Não é a socialização do direito que nega o indivíduo, que o relega a segundo plano que lhe recalca os direitos mas é a socialização do direito que ante o perigo real da insegurança material dos indivíduos, refletindo-se nos interesses coletivos, proclama, defende e quer a “segurança jurídica”. B) Além de materialista e antiindividualista, os defensores da teoria da culpa proclamam a teoria do risco antieconômico, porque lançará à estagnação as atividades individuais, arrastando o homem à inércia, ante a incerteza dos resultados das suas iniciativas, as quais serão rudemente golpeadas e exterminadas pelos efeitos de uma responsabilidade objetiva. Tal objeção não é só improcedente, é contraditória. Contraditória porque em face da própria teoria da culpa na guarda, como no caso de presunções júris et de jure que, como vimos, nada mais são do que a consagração do próprio fato, uma vez que o agente não pode provar a ausência da culpa. Se verificarmos o sem-número de aplicações da teoria da culpa, nos julgados dos tribunais franceses, chegamos à conclusão de que o agente ou a empresa condenada ao ressarcimento não poderá escapar à reparação dos danos, sempre que se achar sob a sua guarda a coisa causadora do dano e cujo controle foi perdido. Verifica-ser o mesmo nos vários casos de aplicação das responsabilidades decorrentes das presunções absolutas de culpa. C) Vê-se na teoria do risco, dizem os seus negadores, um retrocesso às primitivas concepções da responsabilidade. Para responder ao argumento, afirmam alguns autores que isto não tem a menor significação, porque muitas concepções jurídicas antigas foram retomadas sob forma mais perfeita e estão sendo aplicadas, reconhecendo-se, dessa maneira, que fora um erro abandoná-las. A primitiva concepção resultante da vingança privada não se justifica perante nenhum princípio de ordem jurídica ou moral, mas a concepção moderna da teoria do risco se funda em princípios de ordem moral e de eqüidade, e surgiu pela imperiosa necessidade de amparar a vítima ante a sua insegurança decorrente da multiplicidade de acidentes. A teoria do risco não é fruto de uma concepção dogmática, de uma elaboração doutrinária calcada em princípios abstratos, mas a conseqüência inevitável da própria vida. Desde que o homem vive ameaçado seriamente na sua segurança material, procura-se garantir a vítima dos danos que a culpa não poderia amparar, criando uma segurança jurídica, que é o apanágio da teoria do risco-proveito. D) A teoria do risco não se justifica desde que não haja proveito para o agente causador do dano, porquanto, se o proveito é a razão de ser justificada de arcar o agente com os riscos, na sua ausência deixa de ter fundamento a teoria. A objeção é demasiadamente superficial, porque o proveito não se determina concretamente, mas é tido como finalidade da atividade criadora do risco. Se agirmos criando um risco ameaçador da integridade ou do patrimônio de terceiros, procuramos tirar desta atividade o proveito maior possível. Se não conseguirmos, nem por isto deixamos de criar o risco, tendo em vista uma finalidade de lucro, sem que a vítima tenha concorrido para a sua não realização. E) Alega-se ainda que a teoria do risco não encerra um princípio orientador de limites definidos, o conceito de risco é impreciso, incerto e vago. É de se considerar, porém, que não há princípio jurídico por mais lógico nas suas conclusões, por mais primoroso no seu contexto, por mais preciso nos seus contornos, que possa abranger todos os casos que pretende regular, que se não revele impreciso, vago e incompleto ante a realidade dos casos concretos. (LIMA, Alvino. Op. cit., 1998, p. 194-199).

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causadoras do fato danoso. Todavia, salienta-se que não basta apenas o fator risco para que

ocorra a indenização, pois não se viola dever jurídico em razão de se exercer uma atividade

perigosa. A responsabilidade surge quando esta atividade dita perigosa vem causar dano a um

terceiro. Portanto, são requisitos da responsabilidade civil objetiva, o dano e o nexo de

causalidade.

A teoria do risco apresentou várias sinopses defendidas por doutrinadores,

proporcionando, desta forma, a formação de subespécies como o risco integral, o risco

proveito, o risco profissional e o risco criado.

O risco integral trata da tese puramente negativista, pois não se indaga como ocorreu o

dano. Abolindo a idéia de culpa, proclama-se que qualquer fato, culposo ou não culposo, deve

impor ao agente a reparação desde que cause um dano.448

No risco proveito é sujeito à reparação aquele que retira um proveito ou vantagem do

fato causador do dano ubi emolumentum, ibi ônus.449 Neste sentido, a responsabilidade civil

do risco proveito ficaria restrita aos comerciantes e industriais, “o que lhe retiraria o valor de

fundamento da responsabilidade civil porque restringiria sua aplicação a determinadas

classes.”450

Já no risco profissional não se cogita a idéia de culpa, e sujeita o empregador a

ressarcir os acidentes ocorridos com seus empregados, no trabalho ou por ocasião dele, e que

em nosso direito repousa na legislação especial.451

Por fim, o risco criado “aumenta os encargos do agente; é, porém, mais eqüitativa para

a vítima, que não tem de provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício

obtido pelo causador do dano”452, portanto o agente deve assumir os possíveis danos advindos

de sua atividade.

A responsabilidade civil objetiva encontra-se hoje consagrada na Constituição Federal

de 1988, no artigo 37, § 6º, o qual estabelece aos prestadores de serviços públicos 448 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., 1998, p. 281. 449 Id., ibid., p. 281. 450 Id., ibid., p. 282. Neste sentido, Lima expõe que “partindo da necessidade da segurança da vítima, que sofreu

o dano, sem para ele concorrer, os seus defensores sustentam que “lês faiseurs d’actes”, nas suas múltiplas atividades, são os criadores de riscos, na busca de proveitos individuais. Se destas atividades colhem os seus autores todos os proventos, ou pelo menos agem para consegui-los, é justo e racional que suportem os encargos, que carreguem com os ônus, que respondam pelos riscos disseminados – Ubi emolumentum, ibi ônus. Não é justo, nem racional, nem tampouco eqüitativo e humano, que a vítima, que lhe colhe os proveitos da atividade criadora dos riscos e que para tais riscos não concorreu, suporte os azares da atividade alheia.” (LIMA, Alvino. Op. cit., 1998, p. 119).

451 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., 1998, p. 281. 452 Id., ibid., p. 285.

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responsabilidade objetiva tal qual ao do Estado, no novo Código Civil453, em vários artigos,

principalmente no parágrafo único do artigo 927454, o qual foi denominado de cláusula geral

de responsabilidade objetiva e também no Código de Defesa do Consumidor na seção II do

Capítulo IV que trata da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço.

Conforme o artigo 12 da Lei 8.078/90:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Assim, comprovada a relação de causalidade455 e o dano sofrido pelo consumidor em

razão de produto defeituoso456, sobrevém a obrigação de indenizar.457

453 Nas palavras de Cavalieri Filho: “Embora o novo Código seja objetivista, não quer isso dizer que a partir dele

não mais temos responsabilidade subjetiva. Estou dizendo que temos agora um sistema de responsabilidade civil prevalentemente objetivo, porque esse, repito, é o sistema que foi sendo montado ao longo do século XX por meio de leis especiais. Mas isso não significa que a responsabilidade subjetiva tenha sido inteiramente afastada. Responsabilidade subjetiva teremos sempre, até o juízo final, mesmo não havendo lei prevendo-a, porque essa responsabilidade faz parte da ética, da moral, do sentimento natural de justiça. Decorre daquele princípio superior de direito, de que ninguém deve causar dano a outrem. Então, vale ressaltar sempre que não tivemos a disposição legal expressa consagrando a responsabilidade objetiva, persiste a responsabilidade subjetiva, como sistema subsidiário, como princípio universal de direito; posso não responder objetivamente por falta de previsão legal, mas, subjetivamente, se causar dano a outrem, vou ter sempre que responder. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Responsabilidade civil no novo Código Civil Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 48, ano 12, out./dez. 2003b. p. 73).

454 Art. 927, parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

455 Nexo causal é a relação de causa e efeito entre o fato imputável e o dano. Provada essa relação e sem a preocupação de verificar-se ter sido o fabricante o culpado, tem ele de reparar o dano. (SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Lei n. 8.078, de 11.9.1990. 3. ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 205).

456 O defeito consiste na deficiência apresentada pelo produto ou pelo serviço que, não oferecendo a segurança que deles legitimamente se espera, os torna perigosos, potencializando-os para a causação de danos ao consumidor. O nexo de imputação é o vínculo que se estabelece entre o defeito do produto ou do serviço e a atividade desenvolvida pelo fornecedor para a atribuição do dever de indenizar os danos sofridos pelo consumidor prejudicado. O dano é toda a ampla gama de prejuízos causados pelo defeito do produto ou do serviço, abrangendo os danos patrimoniais e extrapatrimoniais. Finalmente, o nexo de causalidade é a relação de causa e efeito que se estabelece entre o defeito do produto ou do serviço e o dano para que se possa reconhecer a ocorrência de um acidente de consumo e o nascimento da obrigação de indenizar. (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 112).

457 Lisboa explica que “o fornecedor responde, em regra, independentemente de culpa perante o consumidor porque, ao exercer a sua atividade econômica, assumiu os riscos inerentes à profissão que desenvolve no mercado de consumo. Destarte, ocorrendo um acidente de consumo que causa danos à personalidade do consumidor ou de outra vítima (bystander), que é equiparada ao destinatário final de produtos e serviços para os fins de proteção legal (art. 17 da Lei 8.078/90), cabe a responsabilidade do fornecedor independentemente de culpa.” (LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 237). Nas palavras de Marin, “o que parece restar assente, de confronto das diversas linhas doutrinárias que enfrentam esta problemática, é que a responsabilização do fornecedor, em se tratando

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Na responsabilidade civil 458 pelo fato do produto 459 , o agente do dano não é o

fabricante, o produtor, o construtor ou o importador, nem os seus empregados, mas sim o seu

produto. No acidente de consumo, o produto “apresenta um vício exógeno ou extrínseco, isto

é, um defeito que extrapole a própria substância do bem e ofende a vida, a saúde (higidez

física e psíquica) ou a segurança do consumidor (art. 6º, I, da Lei 8.078/90).”460 Não mais se

discute o nexo causal entre a culpa subjetiva destes e o dano, já que estes passam a ser

responsáveis só pelo fato de haverem posto no mercado um produto defeituoso.461

É considerada uma responsabilidade presumida que está ligada a defeito que

conseqüentemente se liga a dano. Portanto, o fornecedor de produtos deverá agir de forma

prudente na realização de suas atividades, pois caso contrário será responsabilizado pelos

danos causados ao consumidor independente da comprovação da prova de culpa.

de relações de consumo deverá dar-se, como regra, independentemente de valoração do comportamento do sujeito responsável, bastando, para tanto, que se contraponha a situação jurídica do causador do dano (dannegiante), com a específica condição dos bens e dos fatos relacionados ao consumidor lesado (dannegiatto). (MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto, os acidentes de consumo no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 94).

458 A responsabilidade, em caso de fato do produto, é solidária, aplicando-se os arts. 896 e ss., do Código Civil. Isto, por força do que dispõe o art. 25, § 1º, do Código. Deste modo, a vítima do fato do produto poderá reclamar de qualquer dos co-obrigados a indenização pela totalidade dos danos sofridos, podendo ser exercido o direito de regresso, por parte daquele que arcar com os prejuízos contra os demais responsáveis, na medida da participação destes últimos para efetivação do evento danoso (art. 13, parágrafo único do Código). Anote-se, ademais, que a responsabilização solidária dos co-obrigados é irrenunciável pela vítima (vale dizer, é indisponível), a teor do disposto no art. 25, caput, do Código, até porque são nulas de pleno direito, a teor do art. 51, IV, do Código, “cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.” (ALVIN, Eduardo Arruda. Responsabilidade civil pelo fato do produto no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 15, jul./set. 1995. p. 133-134).

459 Fato do produto significa dano causado por defeito apto a ensejar responsabilidade do fornecedor pelo sistema de Código. O fato do produto, de conseguinte, não se confunde com o mero defeito. Sem dano, não há fato do produto, mas mero vício do produto. Doutra parte, o fato do produto também não se confunde com o dano, pois para que haja fato do produto, este deve ter sido causado por um defeito capaz, segundo o sistema do Código, de ensejar a responsabilidade do fornecedor. (Id., ibid., p. 134).

460 LISBOA, Roberto Senise. Op. cit., 2001, p. 237. 461 De acordo com Bulgarelli, “não importa mais se o responsável legal agiu com ou sem culpa (imprudência,

negligência ou imperícia) ao colocar no mercado produto ou serviço defeituoso. É que a responsabilidade civil sem culpa, conquanto de natureza excepcional, se impõe no campo das relações de consumo como único meio de se viabilizar na prática o direito do consumidor de ser indenizado quando lesado pela persuasão oculta ou por sutis comportamentos de mercado lesivos ao interesse geral.” (BULGARELLI, Aldirio. A tutela do consumidor na jurisprudência brasileira e de lege ferenda. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 49, jan./mar. 1983. p. 42). Para Saad, “é o fornecedor sempre responsável pelos efeitos nefastos de seu produto, ainda que este apresentasse inteira conformidade com as exigências da tecnologia e da ciência da época da fabricação. Pensar-se diferente é incrementar meios de defesa do produto que lembram a teoria da culpa subjetiva, o que contraria a tendência moderna de caracterizar-se a culpa do produtor pela teoria objetiva ou do risco do negócio.” (SAAD, Eduardo Gabriel. Op. cit., 1998, p. 212).

146

Em síntese, pode-se identificar quatro pressupostos ou elementos na responsabilidade

civil por acidente de consumo462:

a) o defeito do produto ou do serviço;

b) o nexo de imputação;

c) o dano patrimonial e extrapatrimonial;

d) a relação de causalidade entre o defeito e o dano.

A responsabilidade das empresas tabagistas enquadra-se na responsabilidade civil pelo

fato do produto. O cigarro é um produto que possui periculosidade inerente. Sendo assim, é

necessário que hajam informações corretas, claras, precisas e ostensivas sobre a

periculosidade deste produto, para que não ocorra a responsabilização das empresas de tabaco

nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Conforme Alvin, “a simples carência de

informação sobre a utilização e riscos de determinado produto pode ser suficiente para

qualificá-lo de defeituoso.”463 A lei exige o dever de informação sobre os riscos do produto, a

falta destas informações caracteriza o produto como defeituoso, ensejando a responsabilidade

civil objetiva pelo fato do produto ao fornecedor.

As informações devem ser capazes de orientar a segura utilização do produto ou

serviço e, conseqüentemente, evitar lesão à saúde, à integridade física ou ao interesse

patrimonial do consumidor.464 A falta de informação infringe os princípios basilares da boa-

fé, da transparência e da confiança tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor.

As omissões efetuadas pelas empresas tabagistas sobre a periculosidade do cigarro

afetaram a autonomia de vontade do consumidor, interferindo no seu direito de tomar uma

decisão consciente sobre o uso do produto fornecido por estas empresas. Ademais, como já

foi bem exposto, o fabricante de cigarros sempre soube e teve consciência dos males

acarretados à saúde dos consumidores, todavia nunca os expôs por iniciativa própria.

Pedreira lembra que:

462 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Op. cit., 2002, p. 112. A responsabilidade pelo fato do produto,

disciplinada nos arts. 12 e ss da Lei 8.078, é aplicável, portanto, no caso de ocorrer danos à saúde ou segurança do consumidor em decorrência da introdução de algum produto defeituoso no mercado, caracterizando, com isso o chamado acidente de consumo (ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 39).

463 ALVIN, Eduardo Arruda. Op. cit., 1995, p. 136. 464 COELHO, Fábio Ulhoa. O empresário e os direitos do consumidor: o cálculo empresarial na interpretação

do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 55.

147

O cigarro, quando colocado em circulação no mercado nacional, não possuía nenhuma ressalva quando aos malefícios por ele causados. Não havia qualquer restrição quanto a seu uso e, esse mesmo uso, acarretou riscos que não eram razoavelmente esperados, quais sejam: doenças cardíacas, respiratórias, cancerígenas, que levava até mesmo à morte, de milhares de pessoas.465

Vale salientar também, novamente, que as advertências expostas nas carteiras de

cigarro atualmente são efetuadas pelo Ministério da Saúde e não pelo fabricante de cigarros

como impõe o Código de Defesa do Consumidor.466 Informações estas, apresentadas de forma

incompleta, pois não esclarecem ao consumidor o real potencial nocivo deste produto.

Defende-se aqui que o cigarro não possuiria defeito de informação somente se as

informações sobre a sua periculosidade fossem prestadas pelo fabricante através de uma bula,

como preleciona Delfino467, contendo todas as substâncias do produto, os males que estas

causam ao consumidor, as reações adversas provocadas no organismo, as advertências quanto

ao uso no período da gravidez e as doenças relacionadas ao consumo do produto.

Anota-se ainda que, por lei, o empresário está obrigado a prestar ao consumidor não

somente informações sobre os riscos, mas também sobre a utilização do produto.468 Portanto,

estas empresas estariam obrigadas também, a informar aos usuários de seus produtos a

quantidade ideal de cigarros que poderiam ser consumidor por dia, sem que estes viessem a

causar danos à saúde de quem o consome.

Assim, julga-se válida a responsabilização dessas empresas devido aos danos causados

à saúde dos consumidores em razão da falta de informação contida nas embalagens de cigarro.

Conclui-se, que não apenas os fumantes ativos mas também os fumantes passivos, uma vez

que estes também sofrem danos em sua saúde, têm legitimidade para propor ação ressarcitória

com fundamento na responsabilidade civil pelo fato do produto.

Destarte, cabe lembrar ainda, a questão da publicidade enganosa e abusiva exercida

pelas empresas de cigarros há tempos atrás. Pedreira ressalta que “há algumas décadas,

quando a indústria do tabaco não sofria qualquer restrição de marketing pelas quais passa hoje,

465 PEDREIRA, Adriana do Couto Lima. Responsabilidade civil das empresas fabricantes de fumo. Rio de

Janeiro: Forense, 2002. p. 58. 466 O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá

informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto (art. 9º da Lei nº 8.078/90) (grifo nosso).

467 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade civil e tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

468 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit., 1994.

148

toda a publicidade era feita com homens civis e elegantes e mulheres belíssimas e

extremamente sensuais.”469

Como já foi exposto, a publicidade do cigarro caracterizava-se anteriormente aos

dispositivos legais que a restringiram, abusiva por fazer apologia de um produto perigoso

comparando-o ao glamour, à beleza, etc., e da mesma forma, enganosa por omitir o real

potencial nocivo deste produto. Desta forma, os consumidores que começaram a fumar

influenciados pela publicidade enganosa e abusiva do cigarro poderão também propor na

demanda ressarcitória tal argumento.

No entanto, deve-se tomar cuidado com o prazo prescricional para se propor ações

com base no Código de Defesa do Consumidor. Conforme o artigo 27 deste diploma legal, os

danos causados por acidentes de consumo prescrevem em cinco anos, iniciando-se a

contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. 470 Portanto, os

consumidores de cigarro ou seus familiares em caso de óbito, terão cinco anos para propor

ação ressarcitória contando-se o prazo a partir do conhecimento da enfermidade adquirida em

razão do hábito de fumar.471

Devido o veto proferido pelo Presidente da República ao parágrafo único do artigo 27

do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se todas as causas de suspensão e interrupção

previstas pela legislação comum às ações propostas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Salienta-se que a perda do prazo prescricional de cinco anos para a propositura com

base na responsabilidade civil pelo fato do produto não impede que o lesado proponha ação na

jurisdição comum, já que o direito de possuir a reparação dos danos não é atingido.472 Este

469 PEDREIRA, Adriana do Couto Lima. Op. cit., 2002, p. 58. 470 O termo inicial do prazo prescricional surge da conjugação de dois fatores: o conhecimento efetivo pelo

consumidor (a) da ocorrência do dano e (b) de sua autoria. O prazo de cinco anos somente passa a fluir a partir do momento em que o consumidor tenha efetivo conhecimento de que foi vítima de um acidente de consumo e de quem foi o autor do fato. (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Op. cit., 2002, p. 298).

471 Freqüentemente, o aparecimento de um dano decorrente de um produto ou serviço defeituoso demora a se manifestar. É o caso dos efeitos colaterais de um medicamento ou de uma cirurgia, podendo-se passar, até mesmo, vários anos até que o prejudicado saiba que foi vítima de um acidente de consumo. Assim, é necessária a percepção efetiva pelo consumidor que sofreu um dano. (Id., ibid., p. 298). Delfino posiciona-se de forma contrária. Conforme o autor, “o art. 7º do Código de Defesa do Consumidor é expresso ao prescrever que os direitos nele previstos não excluem outros enunciados em leis anteriores. Diante disso, entende-se que o consumidor pode valer-se do prazo prescricional de vinte anos, esculpido no art. 177 do Código Civil, desde que se funde na culpa do fabricante (art. 159 do Código Civil), sempre que decorrido o prazo prescricional previsto na Lei 8.078/90.” (DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 165).

472 Nas palavras de Sanseverino, “entendemos que, se o consumidor perde o prazo de cinco anos para propor ação indenizatória com base no microssistema normativo do CDC , pode ajuizar a ação de reparação de danos com base no sistema tradicional do art. 159 do Código Civil de 1916 (art. 186 do novo Código), cuja prescrição é vintenária (art. 177 do CC/1916/ CC/2002, art. 205 – 10 anos).” (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Op. cit., 2002, p. 303).

149

entendimento se dá com base no art. 7º do Código de Defesa do Consumidor, o qual afirma

que

os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

A discussão a respeito da responsabilidade civil das empresas tabagistas já vem há

algum tempo sendo tratada nos tribunais brasileiros, apesar de ainda ser abordada de forma

tímida pela doutrina nacional.

Dentre as ações propostas no Estado do Rio Grande do Sul, os argumentos

apresentados pelos consumidores de cigarro ou seus familiares em caso de falecimento, com o

objetivo de pleitear a indenização pelos danos causados pelo consumo de cigarros,

fundamentam-se basicamente na quebra do dever de informar, no defeito do produto, na

violação do princípio da boa-fé e na publicidade enganosa e abusiva da qual estas empresas se

utilizavam (questões estas já tratadas no decorrer desta pesquisa).

Em contra-sensu os fabricantes de cigarro têm se defendido com base nos argumentos

de que sua atividade é lícita, que falta nexo causal para que ocorra a responsabilização e que é

livre a opção do consumidor em fumar, já que o cigarro não vicia.

Com base no argumento de que exercem uma atividade lícita, regulamentada

constitucionalmente, estas empresas justificam que se enquadram no exercício regular de um

direito, o que não pode gerar obrigação de indenizar.

Conforme o artigo 170, inciso IV da Constituição Federal:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames de justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IV – livre concorrência.

Todavia, importa ressaltar que dentre os princípios da livre iniciativa encontra-se no

inciso V, a defesa do consumidor. E ainda, apesar da Constituição Federal assegurar a livre

iniciativa, deixa-se claro que a mesma garante a todos a existência digna, tornando dessa

forma, a atividade econômica limitada.

Pedreira destaca também que:

150

Para que haja responsabilização civil, a conduta não precisa ser necessariamente ilícita, deve ser uma conduta que cause dano a outrem. O que está em jogo não é a natureza jurídica da conduta das empresas fabricantes de cigarro, mas sim os danos causados por essa conduta, seja ela lícita ou não.473

Com base na justificativa de que exercem uma atividade lícita, estas empresas baseiam

sua defesa na responsabilidade civil subjetiva, tentando afastar a imputação de culpa e a

aplicação da responsabilidade civil objetiva pelo Código de Defesa do Consumidor. No

entanto, este argumento é equivocado, pois existe uma relação de consumo entre o fabricante

de cigarros e o consumidor. Portanto, no momento em que as empresas tabagistas colocam no

mercado de consumo um produto que acarreta riscos à saúde de quem o consome, enquadram-

se na responsabilidade objetiva, na qual um dos critérios para a responsabilização é o risco da

atividade.

Neste sentido, se pronuncia Pedreira alegando que “uma vez que o consumidor do

fumo o faz de maneira habitual, rotineira, sendo uma relação jurídica que se renova a cada

novo consumo, sendo perfeitamente aplicável à hipótese do CDC.”474

E complementa Delfino justificando que:

O fumante, hoje acometido por enfermidades associadas ao tabaco (ou falecido em virtude do consumo de cigarros), provavelmente praticou o tabagismo décadas antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor; no entanto, os efeitos maléficos à sua saúde surgiram após a publicação do referido estatuto legal. Naquelas situações que nasceram sob o império da lei antiga, mas continuam a produzir seus efeitos sob o da lei nova (efeitos futuros das situações jurídicas), verifica-se que a lei novel aplica-se imediatamente, mesmo aos efeitos futuros das situações nascidas sob o império da lei anterior.475

Portanto, é válida a aplicação imediata do Código de Defesa do Consumidor nos casos

em que “consumidores adquiriram doenças associadas ao tabaco, ou ainda, vieram a falecer

após a publicação do citado diploma legal, no desato de demandas pertinentes ao tema em

estudo, em virtude do seu evidente caráter de ordem pública e interesse social.”476

Argumentam também as empresas tabagistas, que inexiste nexo de causalidade entre a

produção e a comercialização do cigarro e a ocorrência de danos à saúde.

473 PEDREIRA, Adriana do Couto Lima. Op. cit., 2002, p. 64.. 474 Id., ibid., p. 66. 475 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 90. 476 Id., ibid., p. 90-91.

151

Conforme Pedreira:

Na defesa apresentada, em especial pela Souza Cruz, coloca-se que segundo a doutrina, a teoria adotada pelo Código Civil brasileiro é a teoria da interrupção do nexo causal ou do efeito direto e imediato, onde, à luz dessa teoria, existem duas situações distintas a serem solucionadas: quando todas as concausas são atos humanos, onde havendo um ato imputável a alguém que se interpõe entre a causa inicial e o resultado danoso apto a gerar o resultado, rompe-se o nexo causal e o último evento é o que será considerado o causador do dano para fins de responsabilidade civil; e quando dentre as concausas há um fato natural, não imputável a quem quer que seja, onde interpondo-se um fato natural que explique o dano final entre este e a causa inicial, rompe-se o nexo causal em relação a esta, e ninguém será responsabilizado pelo dano.477

Afirmam as empresas tabagistas que só existe nexo de causalidade entre o dano e a

ação quando estes possuírem uma relação de necessidade, exigida pelo artigo 403 do Código

Civil.478 Portanto, com a interrupção do nexo causal argumentam que não existe certeza

médica que comprove que a morte do fumante esteja associada ao consumo de cigarros.479

Além do mais, argumentam estas empresas que vários motivos podem contribuir para o

surgimento da doença, como a predisposição genética.

Delfino salienta que:

Apesar de não se tratar de prova impossível, a dificuldade na demonstração do nexo de causalidade entre o tabagismo e determinadas enfermidades (ou morte), vem sendo um dos maiores embaraços encontrados pelos consumidores (ou familiares, em caso de morte desses) nos feitos referentes ao tema em estudo.480

Ademais, ainda que os relatórios médicos possuam força probatória de comprovar que

a doença foi adquirida em razão do hábito de fumar, não comprovam a relação causal fática,

prelecionada pelo artigo 368 “caput” e parágrafo único do CPC.

A relação de causalidade consiste na determinação de elementos objetivos, externos,

consistentes na atividade ou inativa do sujeito, atentório do direito alheio.481

477 PEDREIRA, Adriana do Couto Lima. Op. cit., 2002, p. 65. 478 “Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos

efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.” 479 Pedreira justifica que: “quanto ao dano, alegam o mesmo deve ser aquele efetivo, devendo-se fugir à

aplicabilidade da teoria da equivalência das condições, segundo a qual constituiria conditio sine qua non do resultado final cada concausa ou condição o que poderia levar a verdadeiras aberrações jurídicas.” (PEDREIRA, Adriana do Couto Lima. Op. cit., 2002, p. 65).

480 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 147. 481 SERPA LOPES apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. rev. Rio de Janeiro:

Forense, 2001. p. 76.

152

Portanto, faz-se mister analisar as principais teorias acerca do nexo causal.

Conforme a teoria da causalidade adequada, teoria indicada pela grande parte dos

doutrinadores, analisa-se a causa na produção do dano, a idoneidade, segundo as regras de

experiência e o juízo de probalidade.

Para Reale Júnior:

A condição, antecedente necessário, reconhece-se apenas como a causa se possui em abstrato idoneidade à realização do evento, qualificação que será aferida mediante um juízo ex ante [...]. O juízo da adequação causal realiza-se, por conseguinte, mediante um retorno à situação em que se deu a ação, a partir da qual se examina em abstrato a probabilidade e a idoneidade da ação, segundo as leis da causalidade.482

De outra banda, na teoria da equivalência dos antecedentes, analisa-se todas as

condições que concorreram para que ocorresse o dano, equivalendo uma a outra. Não

ocorrendo uma delas, não ocorre o dano.

Já, na teoria do dano direto e imediato, leva-se em consideração a imediatidade do

prejuízo, pois nela se “exige que o dano seja conseqüência imediata do fato que o

produziu.”483

No caso das empresas tabagistas, tanto a teoria da causa adequada, quanto a teoria da

necessidade apresentam-se insuficientes para comprovar a existência ou não do nexo causal

entre o consumo de cigarros e as doenças associadas. Portanto, o que o magistrado deve

considerar neste caso é o juízo de probalidade,484 analisando assim, cada caso em particular,

com base nas provas apresentadas nos autos, com ponderação, privando pela adequada

proteção ao consumidor. Ademais, vale salientar que se o cigarro concorreu para que surgisse

a ocorrência de doenças, o fabricante de cigarros deve ser responsabilizado nesta proporção.

Outro argumento apresentado por estas empresas, é a excludente de responsabilidade

na modalidade culpa exclusiva da vítima. Alegam que após 1996, em que foram impostas

advertências pelo Ministério da Saúde nas carteiras de cigarro e na publicidade, o consumidor

assumiu o risco de fumar, pois tem pleno esclarecimento dos males deste produto, portanto,

trata-se de livre opção, assegurada pela Constituição a todo cidadão.

482 REALE JÚNIOR, Miguel. Teoria do delito. 2. ed. rev. São Paulo: RT, 2000. p. 176. 483 QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Da responsabilidade por vício do produto e do serviço: Código de

Defesa do Consumidor. Lei n. 8.078, de 11.09.1990. São Paulo: RT, 1998. p. 40. 484 Vale salientar, que conforme já foi exposto, o artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor,

prevê que diante da alegação da verossimilhança poderá ser invertido o ônus da prova, a fim de que seja facilitada a defesa do consumidor.

153

No entanto, ressalta-se que esta livre opção não é absoluta, já que a publicidade

persuasiva tem atuado no convencimento do consumidor.485 E mais, como já foi exposto, as

advertências impostas pelo Ministério da Saúde não esclarecem no todo o real potencial

nocivo deste produto.

Além disso, julga-se lembrar que os fumantes que iniciaram no consumo de cigarros

anteriormente a 1996 e que somente agora vieram a sofrer os efeitos, não possuíam, naquela

época, informação nenhuma a respeito da periculosidade deste produto.

Ao analisar algumas situações proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul486 em relação à responsabilidade civil das empresas tabagistas, nota-se que

grande parte dos julgamentos prezam pela não responsabilização dessas empresas, sendo esta

a tendência dos julgamentos pátrios.

Não existem ainda decisões quanto ao mérito desta matéria no Superior Tribunal de

Justiça (STJ)487 e no Supremo tribunal Federal (STF), não havendo assim, uma pacificação

quanto à matéria.

485 Ressalta-se que a publicidade enganosa e abusiva e a carência de informações a respeito das substâncias

contidas no cigarro e os males que elas acarretam à saúde do consumidor, em muito influenciou no seu livre arbítrio, não caracterizando desta forma, culpa exclusiva da vítima. O livre arbítrio, como foi dito, não é absoluto, ele está condicionado a fatores externos como a publicidade. A publicidade deve ser esclarecedora, para que o consumidor exerça uma legítima liberdade de escolha e, não persuasiva como foi, há algum tempo atrás, a do cigarro, a qual atuou no convencimento do consumidor.

486 Preferiu-se neste trabalho utilizar ementas de decisões proferidas no nosso Estado, com o objetivo de se analisar como o nosso Tribunal de Justiça vem interpretando a questão da responsabilidade civil das empresas tabagistas. Para tanto, foram pesquisadas nove decisões, das quais cinco se posicionaram contra a responsabilidade civil dessas empresas e quatro a favor. Dessas quatro decisões a favor, duas já haviam sido reformadas através da interposição de recurso, nas quais foi decidido pela não responsabilização das empresas de tabaco.

487 No Superior Tribunal de Justiça (STJ) houve uma decisão da Quarta Turma proferida em 4 de maio de 2000 pelo Ministro César Asfor Rocha de uma ação movida pela Associação de Defesa da Saúde do Fumante (ANDESF) contra a Philip Morris Brasil S/A e a Souza Cruz S/A objetivando indenização por danos morais e materiais de fumantes e ex-fumantes. A Philip Morris Brasil S/A Recurso Especial com o objetivo de anular o processo da primeira instância paulista. Os ministros decidiram por unanimidade não reconhecer o recurso especial, deixando assim, a ação prosseguir na Justiça Comum de São Paulo. Trata-se aqui de um recurso que se restringiu a questões processuais e não de mérito. Vejamos a ementa: Resp. 140097/SP. Relator: Ministro César Asfor Rocha. Ementa: PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. DEFESA DOS INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DISPENSA DE PRÉ-CONSTITUIÇÃO PELO MENOS HÁ UM ANO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE DA AÇÃO COLETIVA SUPERADA. Presente o interesse social pela dimensão do dano e sendo relevante o bem jurídico a ser protegido, como na hipótese, pode o juiz dispensar o requisito da pré-constituição superior a um ano da associação autora da ação de que trata o inciso III do parágrafo único do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, que cuida da defesa coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos . A regra contida no art. 6º/VII do Código de Defesa do Consumidor, que cogita da inversão do ônus da prova, tem a motivação de igualar as partes que ocupam posições não-isonômicas, sendo nitidamente posta a favor do consumidor, cujo acionamento fica a critério do juiz sempre que houver verossimilhança na alegação ou quando o consumidor for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência, por isso mesmo que exige do magistrado, quando de sua aplicação, uma aguçada sensibilidade quanto à realidade mais ampla onde está contido o objeto da prova cuja inversão vai operar-se. Hipótese em

154

As improcedências de pedido em relação à responsabilização das empresas tabagistas

têm se dado principalmente com base nos argumentos de que estas empresas exercem uma

atividade lícita, que falta nexo causal para que haja responsabilização, que não há como

comprovar que a nicotina vicia e que inexiste publicidade enganosa e abusiva.

Vejamos algumas ementas de decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado

do Rio Grande do Sul que comprovam este entendimento.

Apelação civil. Segunda Câmara Especial Civil nº 70005727748. Comarca de Porto

Alegre. Apelante: Marcos Alexandre Borges. Apelado: Souza Cruz S/A. Julgado em: 01 de

dezembro de 2003.

Em unanimidade assim entendeu o juízo:

Ação de indenização por danos morais. Tabagismo. Resultado danoso atribuído a empresas fumageiras em virtude da colocação no mercado de produto sabidamente nocivo, instigando e propiciando seu consumo por meio de propaganda enganosa. Nexo causa. Ausência. Situação que recomenda o emprego da lógica e do bom senso, conclamando julgamento de parcimônia antes os fatos narrados. Atividade jurisdicional que reafirma a autoridade estatal, na busca da pacificação e solução dos casos concretos. Liberdade de escolha. A opção, necessariamente, acomete ao indivíduo a assunção de suas escolhas. Quebra da relação de causalidade. Demanda improcedente. Sentença mantida. Apelo desprovido.488

Decidiu-se de igual forma no julgamento da Apelação Civil n. 70005294855 da Nona

Câmara Civil. Comarca de Passo Fundo. Apelante: Marcelina Menegazzo de Bastiani.

Apelado: Souza Cruz S/A. Julgado em: 2 de junho de 2004, onde em unanimidade, os

desembargadores integrantes negaram provimento ao recurso. Vejamos:

que a ré/recorrente está muito mais apta a provar que a nicotina não causa dependência que a autora/recorrida provar que ela causa. Ainda que possa a inicial ter confundido a ação que objetiva promover a defesa coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos, com a ação que tem por fito defender interesses pertinentes a pessoas já definidas e identificáveis, mediante a legitimação ordinária de certas entidades associativas para representarem judicialmente os seus filiados, na defesa de seus direitos, prevista no inciso XXI do seu art. 5º, da Constituição Federal, pode-se permitir o prosseguimento do feito desde que se perceba, como na hipótese, que o objetivo primordial é o de defender os direitos individuais homogêneos, uma vez que se deve extrair da inicial o que possa haver de maior utilizada, relevando certos deslizes formais que sejam periféricos para a compreensão da controvérsia, pois o processo judicial moderno, como já lembrava Couture, não é uma missa jurídica, de liturgia intocável. Ação proposta contra companhias fabricantes de cigarros. Recurso não conhecido.

488 Últimas movimentações do processo: 11/06/2004 – Interposto recurso especial; 22/06/2004 – Recurso especial/extraordinário n. 70009110990; 27/11/2004 – Agr. Ao STF aguarda ret. Agr. STJ 3V SP; 06/01/2005 – Agr. STF aguarda dec. STJ cx. 734; 30/08/2005 – Agravo negado STJ/STF a orig. 647502 3V; 30/08/2005 – Agravo Instr. ao STF 3V; 18/05/2007 – Agravo negado STJ/STF a orig. 582223 03V.

155

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MORTE DE CÔNJUGE ATRIBUÍDA A VÍCIO DE FUMAR. RESPONSABILIZAÇÃO DA COMPANHIA PRODUTORA DO CIGARRO. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL INDEMONSTRADOS. DEVER INDENIZATÓRIO NÃO RECONHECIDO. AGRAVO RETIDO: Não reiterado o agravo retido pela parte interessada em sede de apelo ou contra-razões, não é de ser conhecido, conforme regra do § 1º do art. 523 do CPC. MÉRITO: tratando-se de pedido de indenização de danos materiais e morais fundado em defeito do produto (cigarro) e na deficiência das informações prestadas pelo fornecedor (art. 12 do CDC), necessária a produção da prova da inexistência do aludido defeito ou da referida carência informativa, e bem assim da existência do dano e do nexo causal. Demonstrado, contudo, pela empresa demandada, a não-deficiência ou insuficiência na informação prestada ao consumidor, a inocorrência de liame etiológico entre o dano e produto, bem como a configuração de culpa exclusiva da vítima, a par da licitude da atividade comercial que desempenha , corolário lógico é a improcedência da demanda. RECURSO DE APELAÇÃO IMPROVIDO.489

Decidiu a Décima Câmara Civil na Apelação Civil nº 70011866910 da Comarca de

Lagoa Vermelha à unanimidade em negar provimento ao apelo, julgando prejudicado o

agravo. Apelantes: Silce Terezinha Liston, por si e representando seu filho menor Bernardo

Liston. Apelado: Souza Cruz S/A. Julgado em 29 de setembro de 2005.

RESPONSABILIDADE CIVIL. TABAGISMO. MORTE DO FUMANTE. CÂNCER. INDUSTRIALIZAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE CIGARROS. LICITUDE DA ATIVIDADE. CONTROLE ESTATAL, DA PRODUÇÃO E DA COMERCIALIZAÇÃO. DROGA LÍCITA. Não constituindo uma prática ilegal a produção e comercialização de cigarros, e sendo atividade permanentemente controlada pelo Estado, não só na industrialização como na comercialização do fumo, inobstante os sabidos malefícios à saúde que o fumo traduz, que já eram de conhecimento do público consumidor desde os primórdios da atividade, não se colore de ilegal a prática, descabendo responsabilizar-se a indústria por doenças eventualmente desenvolvidas pelo hábito de fumar (tabagismo). Hipótese em comento em que eventual responsabilidade da fabricante se afere sob a ótica da Teoria da Responsabilidade Subjetiva. LIVRE ARBÍTRIO E POSSIBILIDADE DE PARAR COM O USO DO CIGARRO. A atividade de fumar é daquelas que tem início e continuidade mediante livre arbítrio do cidadão, não se podendo reconhecer que a atividade de fumar tenha início e se dê tão somente por força de propaganda veiculada pela indústria fabricante de cigarros. Também é certo afirmar que eventual vício contraído pelo usuário do fumo não é permanente e irreversível, já que a cessação da atividade de fumar é um fato notório e que depende única e exclusivamente do consumidor.

489 Últimas movimentações do processo: 02/08/2004 – Interposto recurso especial; 09/08/2004 – Recurso

especial/extraordinário n. 70009457748; 04/10/2004 – Circulação NE 552 DJ 2954 4/10/2004-122; 04/10/2004 – Autos em carga com advogado 040479; 18/10/2004 – Retorno autos advogado; 28/10/2004 – PET.214082232 de 271004 15:42 Pet. Div.; 12/11/2004 – Baixa ao prim. Grau 8V SP.

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CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. Considerando-se que os fatos tiveram início – uso de cigarros – antes do advento do diploma consumerista – Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC – Lei nº 8.098/90, não tem ele aplicação ao caso concreto. Relação que se dá sob a análise do já revogado Código Civil de 1916. VÍCIOS DE CONCEPÇÃO E DE INFORMAÇÃO. DANOS DECORRENTES DOS RISCOS DA EVOLUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO. INEXISTÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. Descabimento. Ausência de afronta à legislação invocada.490

Sustentou também a não responsabilização das empresas tabagistas a decisão proferida

pela Nona Câmara Civil na Apelação Civil nº 70005294855 da Comarca de Passo Fundo.

Apelante: Marcelina Menegazzo de Bastiani. Apelado: Souza Cruz S/A. Julgado em 2 de

junho de 2004, onde em unanimidade negaram os desembargadores integrantes o provimento

do recurso.

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MORTE DE CÔNJUGE ATRIBUÍDA A VÍCIO DE FUMAR. RESPONSABILIZAÇÃO DA COMPANHIA PRODUTORA DO CIGARRO. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL INDEMONSTRADOS. DEVER INDENIZATÓRIO NÃO RECONHECIDO. AGRAVO RETIDO: Não reiterado o agravo retido pela parte interessada em sede de apelo ou contra-razões, não é de ser conhecido, conforme regra do § 1º do art. 523 do CPC. MÉRITO: Tratando-se de pedido de indenização de danos materiais e morais fundado em defeito do produto (cigarro) e na deficiência das informações prestadas pelo fornecedor (art. 12 do CDC), necessária a produção da prova da existência do aludido defeito ou da referida carência informativa, e bem assim da existência do dano e do nexo causal. Demonstrado, contudo, pela empresa demandada, a não-deficiência ou insuficiência na informação prestada ao consumidor, a inocorrência de liame etiológico entre o dano e produto, bem como a configuração de culpa exclusiva da vítima, a par da licitude da atividade comercial que desempenha, corolário lógico é a improcedência da demanda. RECURSO DE APELAÇÃO IMPROVIDO.491

Assim também foi decidido na Apelação Civil nº 70006270508 da Quinta Câmara

Civil. Comarca de Veranópolis. Apelante adesivo: Adelar Grando. Apelado: Cibrasa Indústria

e Comércio de Tabaco S/A. Recorrente adesivo/apelado: Philips Morris Brasil S/A. Apelado:

490 Últimas movimentações do processo: 07/11/2005 – Interposto recurso especial; 18/11/2005 – Recurso

especial/extraordinário nº 70013525712; 24/03/2006 – Concluso vice-presidente 5V; 18/04/2006 – Rec. Esp. Inadmitido; 20/04/2006 – Circulou NE 1545 DJ 3336 24/04/2006-1-12D; 15/05/2006 – Baixa ao Prim. Grau 5V SP.

491 Últimas movimentações do processo: 02/08/2004 – Autos na Secretaria NE 115/04; 02/08/2004 – Interposto Recurso Especial; 02/08/2004 – Pet. 20855300 de 02/08/04 17:54 Rec. Esp.; 06/08/2004 – Ao Depto Proc. p/proces. Recurso 08V; 09/08/2004 – Rec. Esp./Extr. N. 70009457748.

157

Souza Cruz S/A. Julgado em 18 de setembro de 2003, onde por unanimidade os

desembargadores integrantes rejeitaram a preliminar, negaram o provimento ao apelo do autor

e não reconheceram o recurso adesivo. Segue a ementa:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MATERIAL E MORAL. USO DE CIGARROS. Nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, inexistente, porque uma vez desnecessária, à solução da demanda, a prova oral e documental pretendidas pelo autor, impõe-se o julgamento antecipado da lide. Incidência dos arts. 130 e 330, I, do CPC. Ilegitimidade passiva, de algumas demandadas, afastada, eis que deve ser sujeito da relação processual, para ser parte legítima, quem é o sujeito da pretensão ou o sujeito da prestação, caso do autor e das rés. Inépcia da inicial incorrente, seja no tocante à tutela antecipada, aos danos morais ou aos denominados “danos pessoais”, basicamente porque não caracterizada nenhuma das hipóteses contempladas no art. 295, parágrafo único do CPC. Prescrição qüinqüenal do art. 27, do CDC, não incidente, por não estar, a reparação perseguida na inicial, calcada em defeito do produto, mas nas características essenciais do mesmo. Imputação de ato ilícito desacolhida, por haver, de parte das demandadas, apenas o exercício regular de um direito reconhecido, seja na produção e comercialização de cigarros, seja na publicidade de suas marcas, à luz do art. 160, I, do Código Civil de 1916, então a vigente. Circunstâncias que, mesmo diante do teor do art. 159, do referido Código, descartam a possibilidade de culpa das demandadas e o nexo de causalidade entre a conduta das mesmas e o uso de cigarros pelo autor, aliado às doenças contraídas. Inexistência de publicidade enganosa e impossibilidade de inversão do ônus da prova, à vista dos arts. 6º, VIII, 37 e 38, do CDC. O cabimento do recurso adesivo só é possível quando houver sucumbência recíproca. Apelação desprovida e recurso adesivo não conhecido.492

Todavia, apesar das inúmeras decisões proferidas no sentido da não responsabilização

das empresas tabagistas, existem já hoje julgamentos no nosso Tribunal de Justiça favoráveis

à pretensão do fumante. Vejamos:

Apelação Civil. Nona Câmara Civil – Regime de exceção n. 7000144626. Comarca de

Santa Cruz do Sul. Apelante: Noeli Francisca da Silva de Morais e outros. Apelado: Philip

Morris Brasil S/A e Souza Cruz S/A. Julgado em: 29 de outubro de 2003.

Acordaram os integrantes da Nona Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado, em

regime de exceção, por maioria em dor parcial provimento ao recurso, conforme a ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. TABAGISMO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO AJUIZADA PELA FAMÍLIA. RESULTADO DANOSO ATRIBUÍDO A EMPRESAS FUMAGEIRAS EM VIRTUDE DA COLOCAÇÃO NO

492 Últimas movimentações do processo: 07/11/2003 – Recurso especial/extraordinário n. 70007573421;

27/05/2005 – Agr. ao STF aguarda ret. agr. STJ 03VS P (em 13/04/2004); 27/05/2005 – Agr. STF aguarda dec. STJ cx 767 em 21/05/2004; 30/09/2005 – Agravo negado STJ/STF a orig. 599395 3V; 30/09/2005 – Agravo instr. Ao STF 5V; 09/06/2006 – Agravo negado STJ/STF a orig. 589241 05V.

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MERCADO DE PRODUTO SABIDAMENTE NOCIVO, INSTIGANDO E PROPICIANDO SEU CONSUMO, POR MEIO DE PROPAGANDA ENGANOSA. ILEGITIMIDADE PASSIVA, NO CASO CONCRETO, DE UMA DAS CO-RÉS. CARACTERIZAÇÃO DO NEXO CAUSAL QUANTO À OUTRA CO-DEMANDADA. CULPA. RESPONSABI-LIDADE CIVIL SUBJETIVA DECORRENTE DE OMISSÃO E NEGLIGÊNCIA, CARACTERIZANDO-SE A OMISSÃO NA AÇÃO. APLICAÇÃO, TAMBÉM, DO CDC, CARACTERIZANDO-SE, AINDA, A RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. A prova dos autos revela que a vítima falecida teria fumado 40 anos, cerca de 40 cigarros por dia, tendo adquirido enfisema e câncer pulmonar que lhe acarretaram a morte. Não havendo comprovação de que o de cujos consumisse os cigarros fabricados pela co-ré Souza Cruz, impõe-se, no caso concreto, reconhecer ilegitimidade passiva desta. É fato notório, cientificamente demonstrado, inclusive reconhecido de forma oficial pelo próprio Governo Federal, que o fumo traz inúmeros malefícios à saúde, tanto à do fumante como à do não-fumante, sendo, por tais razões, de ordem médico-científica, inegável que a nicotina vicia, por isso que gera dependência química e psíquica, e causa câncer de pulmão, enfisema pulmonar, infarto do coração entre outras doenças igualmente graves e fatais. A indústria do tabaco, em todo o mundo, desde a década de 1950, já conhecia os males que o consumo do fumo causa aos seres humanos, de modo que, nessas circunstâncias, a conduta das empresas em omitir a informação é evidentemente dolosa, como bem demonstram os arquivos secretos dessas empresas, revelados nos Estados Unidos em ação judicial movida por estados norte-americanos contra grandes empresas transnacionais de tabaco, arquivos esses que se contrapõem e desmentem o posicionamento público das empresas – revelando-o falso e doloso, pois divulgado apenas para enganar o público – e demonstrando a real orientação das empresas, adotada internamente, no sentido de que sempre tiveram pleno conhecimento e consciência de todos os males causados pelo fumo. E tal posicionamento público, falso e doloso, sempre foi historicamente sustentado por maciça propaganda enganosa, que reiteradamente associou o fumo a imagens de beleza, sucesso, liberdade, poder, riqueza e inteligência, omitindo, reiteradamente, ciência aos usuários dos malefícios do uso, sem tomar qualquer atitude para minimizar tais malefícios e, pelo contrário, trabalhando no sentido da desinformação, aliciando, em particular os jovens, em estratégia dolosa para com o público, consumidor ou não. O nexo de causalidade restou comprovado nos autos, inclusive pelo julgamento dos embargos infringentes anteriormente manejados, em que se entendeu pela necessidade de outras provas, porquanto fato notório que a nicotina causa dependência química e psicológica e que o hábito de fumar provoca diversos danos à saúde, entre os quais o câncer e o enfisema pulmonar, males de que foi acometido o falecido, não comprovando, a ré, qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito dos autores (art. 333, II, do CPC). O agir culposo da demandada evidencia-se na omissão e na negligência, caracterizando-se a omissão na ação. O art. 159 do CCB/1916 já previa o ressarcimento dos prejuízos causados a outrem, decorrentes de omissão e negligência, sendo que o criador de um risco tem o dever de evitar o resultado, exatamente porque, não o fazendo, comete a omissão caracterizadora da culpa, a chamada omissão na ação conceituada na doutrina do preclaro Cunha Gonçalves, a qual é convergente com as lições de Sergio Cavalieri Filho e Pontes de Miranda, sendo a conduta da demandada violadora dos deveres consubstanciados dos brocardos latinos do neminem laeder, suum cuique tribuere e no próprio princípio da boa-fé

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objetiva existente desde sempre no Direito Brasileiro. A conduta anterior criadora do risco enseja o dever, decorrente dos princípios gerais de direito, de evitar o dano, o qual, se não evitado, caracteriza a culpa por omissão. Como acentua a doutrina, esse dever pode nascer de uma conduta anterior e dos princípios gerais de direito, não sendo necessário que esteja concretamente previsto em lei, bastando apenas que contrarie o seu espírito. Não obstante ser lícita a atividade da indústria fumageira, a par de altamente lucrativa, esta mesma indústria, desde o princípio, sempre teve ciência e consciência de que o cigarro vicia e causa câncer, estando cientificamente comprovado que o fumo causa dependência química e psíquica, câncer, enfisema pulmonar, além de outros males, de forma que a omissão da indústria beira as fronteiras do dolo. A ocultação dos fatos, mascarada por publicidade enganosa, massificante, cooptante e aliciante, além da dependência química e psíquica, não permitia e não permite ao indivíduo a faculdade da livre opção, pois sempre houve publicidade apelativa, sobretudo em relação aos jovens, sendo necessário um verdadeiro clamor público mundial para frear a ganância da indústria e obrigar o Poder Público à adoção de medidas de prevenção a partir de determinações emanadas de órgãos governamentais. Ainda que se considere que a propaganda e a dependência não anulem a vontade, o fato é que a voluntariedade no uso e a licitude da atividade da indústria não afastam o dever de indenizar. Desimporta a licitude da atividade perante as leis do Estado e é irrelevante a dependência ou voluntariedade no uso ou consumo para afastar a responsabilidade. E assim é porque simplesmente o ordenamento jurídico não convive com a iniqüidade e não permite que alguém cause doença ou mate seu semelhante sem que por isso tenha responsabilidade. A licitude da atividade e o uso ou consumo voluntário não podem levar à impunidade do fabricante ou comerciante de produto que causa malefícios às pessoas, inclusive a morte. Sempre que um produto ou bem – seja alimentício, seja medicamento, seja agrotóxico, seja à base de álcool, seja transgênico, seja o próprio cigarro – acarrete mal às pessoas, que o fabricou ou colocou no mercado responde pelos prejuízos decorrentes. Ante as conseqüências desastrosas do produto, como é o caso dos autos, que levam, mais tragicamente, à morte, não pode o fabricante esquivar-se de arcar com as indenizações correspondentes.Mesmo que seja lícita a atividade, não pode aquele que a exerce, cometendo abuso de seu direito, por omissão, ocultar as conseqüências do uso do produto e safar-se da responsabilidade de indenizar, especialmente se, entre essas conseqüências, estão a causação de dependência e de câncer, que levaram a vítima à morte. E também não pode esquivar-se da responsabilidade porque sempre promover propaganda ligando o uso do produto a situações de sucesso, riqueza, bem-estar, vida saudável, entre outras, situações exatamente contrárias àquelas que decorrem e que são conseqüências do uso de um produto como o cigarro. Ademais, aplica-se também ao caso dos autos o Código de Defesa do Consumidor, porquanto a ocorrência do resultado danoso se deu em plena vigência do Regramento Consumerista, que é norma de ordem pública e de interesse social (art. 1º do CDC), e por isso de aplicação imediata. O cigarro é produto altamente perigoso, não só aos fumantes como também aos não-fumantes (fumantes passivos ou bystanders), caracterizando-se como defeituoso, uma vez que não oferece a segurança que dele se pode esperar, considerando-se a apresentação, o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam (art. 12, § 1º, do CDC), situação que importa na responsabilidade objetiva do fabricante, que apenas se exime provando que não colocou o produto no mercado, ou que, embora o haja colocado, o defeito inexiste ou que o mal não foi causado, ou, por fim, que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro, o que aqui

160

não se caracteriza porque o ato voluntário do uso ou consumo não induz culpa e, na verdade, no caso, sequer há opção livre de fumar ou não fumar, em decorrência da dependência química e psíquica e diante da propaganda massiva e aliciante, que sempre ocultou os malefícios do cigarro, o que afasta em definitivo qualquer alegação de culpa concorrente ou exclusiva da vítima. A indenização pelos danos materiais deverá ressarcir a venda de imóvel e de bovinos, despesas médicas e hospitalares comprovadas, hospedagem de acompanhantes durante a internação e gastos com o funeral. Também são indenizáveis os prejuízos decorrentes do fechamento do mini-mercado da vítima, desde a época da constatação da doença até a data em que o falecido completaria 70 anos de idade, conforme a expectativa de vida dos gaúchos, valor a ser apurado de acordo com a média de lucro dos últimos 12 meses de funcionamento anteriores à constatação da doença. As demais pretensões indenizatórias impõem-se indeferidas, porquanto não comprovados os prejuízos (art. 333, I, do CPC). A título de danos morais, tem-se como razoável, prudente e suficiente a fixação da quantia de 600 salários mínimos nacionais para a esposa, de 500 para cada um dos quatro filhos e de 300 para cada um dos genros, totalizando a indenização a esse título, 3.200 salários mínimos nacionais, diante das peculiaridades do caso e da necessidade de atender o caráter sancionatório-punitivo e a finalidade repatório-compensatória da verba, sem implicar enriquecimento indevido dos demandantes. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA, POR MAIORIA.493

Assim também foi decidido na Apelação Civil n. 70007090798. Nova Câmara Civil

Comarca de Porto Alegre. Apelantes: Tânia Regina dos Santos Pintos e outros. Apelado:

493 Últimas movimentações do processo: 23/06/2004 – Embargos infringentes n. 70009120429; 17/12/2004 –

Embargos infringentes: acordaram os desembargadores integrantes do Quinto Grupo Civil do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria dos votos, em rejeitar a preliminar, vencido o Des. Luís Augusto Coelho Braga, e no mérito, também por maioria de votos, em acolher os embargos infringentes, vencidos os Desembargadores Luís Augusto Coelho Braga e Luís Ary Vessini de Lima, que os desacolheram. EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. TABAGISMO. MORTE DO FUMANTE. CÂNCER. INDUSTRIALIZAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE CIGARROS. LICITUDE DA ATIVIDADE. CONTROLE ESTATAL DA PRODUÇÃO E DA COMERCIALIZAÇÃO. DROGA LÍCITA. Não constituindo uma prática ilegal a produção e comercialização de cigarros, e sendo atividade permanentemente controlada pelo Estado, não só na industrialização como na comercialização do fumo, inobstante os sabidos malefícios à saúde que o fumo traduz, que já eram de conhecimento do público consumidor desde os primórdios da atividade, não se colore de ilegal a prática, descabendo responsabilizar-se a indústria por doenças eventualmente desenvolvidas pelo hábito de fumar (tabagismo). Hipótese em comento em que eventual responsabilidade da fabricante se afere sob a ótica da Teoria da responsabilidade Subjetiva. LIVRE ARBÍTRIO E POSSIBILIDADE DE PARAR COM O USO DO CIGARRO. A atividade de fumar é daquelas que têm início e continuidade mediante livre arbítrio do cidadão, não se podendo reconhecer que a atividade de fumar tenha início e se dê tão somente por força de propaganda veiculada pela indústria fabricante de cigarros. Também é certo afirmar que eventual vício contraído pelo usuário do fumo não é permanente e irreversível, já que a cessação da atividade de fumar é um fato notório e que depende única e exclusivamente do consumidor. CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. Considerando-se que os fatos tiveram início – uso de cigarros – antes do advento do diploma consumerista – Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC – Lei 8.098/90, não tem ele aplicação ao caso concreto. Relação que se dá sob a análise do já revogado Código Civil de 1916. EMBARGOS CONHECIDOS EM PARTE. PRELIMINARES REJEITADOS, POR MAIORIA. EMBARGOS ACOLHIDOS, POR MAIORIA. Últimas movimentações do processo: 28/06/2005 – Recurso especial/Extraordinário n. 70009120429 (negado recurso extraordinário e admitido recurso especial); 10/03/2006 – Circulação NE 0670 DJ 3308 13/03/2006; 22/03/2006 – Pet. 25075136, de 21/03/2006. 15:09 crai STF; 29/03/2006 – Rec. Esp. ao STJ RPN 20V SP; 29/03/2006 – Agr. ao STF aguarda resp. STJ 1V SP; 29/03/2006 – Agr. STF aguarda Dec. STJ cx 1806.

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Souza Cruz S/A. Julgado em: 19 de novembro de 2003, onde os desembargadores integrantes,

à unanimidade acordaram em dar parcial provimento ao recurso. Vejamos:

DANO MORAL. CIGARROS, CAUSAS MORTAIS QUE PODEM ORIGINAR: “ENFISEMA PULMONAR”, “ARRITMIA CARDÍACA” E “CÂNCER PULMONAR”, ENTRE OUTRAS. NEXO CAUSAL COMPROVADO, FACE AO CONSUMO DO CIGARRO E O EVENTO MORTE. PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA QUE SE APLICA AO CCv/16, INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (arts. 6º, incisos I, III, IV, VI e VIII, e 12, par. 1º) E ART. 159 DO CCv/16, NA MODALIDADE OMISSÃO NA AÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 335 DO CPC: “REGRAS DE EXPERIÊNCIA COMUM”. INDENIZAÇÃO DEVIDA (PRECEDENTE: Apelação Cível nº 70000144626, Redator para o acórdão Dês. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, j. em 29.10.03, 9ª Câmara Cível). APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.494

Neste mesmo sentido, Apelação Civil. Sexta Câmara Civil. Regime de Exceção, n.

70000840264. Comarca de Porto Alegre. Apelante: Sucessão de José da Silva Martins,

representada por seus herdeiros Alda Martins e outros. Apelada: Souza Cruz S/A. Julgada em:

2 de junho de 2004, onde os desembargadores integrantes acordaram à unanimidade em

rejeitar a preliminar de prescrição e, por maioria em dar provimento em parte ao recurso,

conforme a ementa:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E LUCROS CESSANTES. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. FUMANTE. PROPAGANDA ENGANOSA. DEFEITO DO PRODUTO. NEXO DE CAUSALIDADE. REJEIÇÃO DA TESE, NO CASO CONCRETO, DA PERICULOSIDADE ÍNSITA DO PRODUTO E DO LIVRE-ARBÍTRIO DO ATO DE FUMAR. PRELIMINARES REJEITADAS. Responde objetivamente pelos danos à saúde do fumante a empresa produtora de cigarros, quando, como no caso em tela, resta demonstrada, pela farta prova existente nos autos, a relação de causa e efeito entre o defeito do produto e a doença do consumidor. Hipótese em que o autor fumou por mais de quarenta anos, mas somente veio a receber concludente e definitivo diagnóstico de DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) em agosto de 1992, fazendo incidir sobre a relação jurídica havida entre as partes as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Provas concludentes de que o autor adquiriu o hábito de fumar a partir de poderoso condutor do comportamento humano consistente em milionária e iterativa propaganda da ré que, ocultando do público os componentes maléficos à saúde humana existentes no cigarro, por décadas associa o sucesso pessoal ao tabagismo. Tese da ré consistente na ínsita periculosidade do produto-cigarro e do livre-arbítrio no ato de fumar que, no caso concreto, se esboroa ante o comprovado poder viciante da nicotina, ante a ausência de

494 Últimas movimentações do processo: 02/04/2004 – Recurso especial/extraordinário n. 70008485351;

24/09/2004 – Circulação NE 534 DJ 2948 24/09/2004-3; 09/10/2004 – Rec. Esp. ao STJ RPN 11V SP; 28/10/2004 – Pet. 21408158, de 27/10/2004, 15:39 pet. div.; 01/11/2004 – Petição/Ofício remetido p/STJ 21408158.

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informações precisas quanto aos componentes da fórmula do cigarro e de qual a quantidade supostamente segura para o seu consumo, bem ainda ante a enorme subjetividade que caracteriza a tese, particularmente incompatível com as normas consumeristas que regem a espécie. POR UNANIMIDADE, REJEITARAM A PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE, POR MAIORIA. DECLARAÇÕES DE VOTO.495

Decidiu de igual forma a Nona Câmara Civil na Apelação Civil nº 70012335311.

Comarca de Porto Alegre. Apelante: Souza Cruz S/A. Apelado: Michel Eduardo da Silva

Martins. Julgado em: 21 de setembro de 2005, onde os magistrados integrantes acordaram, à

unanimidade, em rejeitar os preliminares, em negar provimento ao agravo retido e em dar

parcial provimento ao apelo, conforme ementa:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. INDÚSTRIA FUMAGEIRA. DOENÇA RELACIONADA DIRETAMENTE AO TABAGISMO. TROMBOANGEÍTE OBLITERANTE (DOENÇA DE BUERGER). 1. PRELIMINARES: 1.1 AGRAVO RETIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. A inversão do ônus da prova se deu nos estritos termos do Código de Defesa do Consumidor, diante da inegável hipossuficiência do autor, e ocorreu em momento processual adequado, já que permitiu à ré prazo hábil para efetivamente produzir provas. Ademais, há que gizar que em se tratando de demanda que objetiva a responsabilização opor danos decorrentes de fato do produto, o ônus da prova recai naturalmente sobre a ré, consoante dá conta o art. 12 do CDC. 1.2 NULIDADE DA DECISÃO POR ERRO IN PROCEDENDO. INOCORRÊNCIA: Os textos extraídos da Internet pelo magistrado ‘a quo’ e citados na fundamentação da sentença não são qualificados como prova documental, mas sim como doutrina médica, sendo de todo descabida a intimação das partes para se manifestarem sobre eles, da mesma forma que o seria a intimação para exercício do contraditório em razão de eventual citação da obra de Pontes de Miranda. Doutrina não é prova, não é documento, é entendimento, ensinamento, ponderação. 1.3 VIOLAÇÃO

495 Últimas movimentações do processo: 08/03/2005 – Embargos infringentes nº 70011106655; 01/07/2005 –

Embargos infringentes: acordaram os desembargadores integrantes do Terceiro Grupo Civil do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, prover os embargos infringentes, vencidos os desembargadores Artur Arnildo Ludwig, Umberto Guaspari Sudbrack e Unirajara Mach de Oliveira. EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MATERIAL E MORAL. USO DE CIGARROS. Imputação de ato ilícito desacolhida, por haver, de parte da demandada, apenas o exercício regular de um direito reconhecido, seja na produção e comercialização de cigarros, seja na publicidade de suas marcas, à luz do art. 160, I, do Código Civil, de 1916, então vigente. Circunstâncias que, diante do teor do artigo 159, do referido Código, descartam a possibilidade de culpa da demandada e o nexo de causalidade entre a conduta da mesma e o uso de cigarros pelo autor, aliado às doenças contraídas. Inexistência de publicidade enganosa. Mesmo à vista dos arts. 12 e 14, do CDC, tratando da responsabilidade objetiva, pelo risco do empreendimento, não é de vingar a pretensão indenizatória da sucessão autora. De um lado, por não se estar diante de situação de defeito ou vício do produto, cujo risco à saúde, se existe, é inerente a dito produto, conforme prevê o art. 8º, do CDC. De outro lado, por não restar presente, como acentuado, o nexo de causalidade entre a atuação da demandada e o hábito de fumar do falecido autor, não se mostrando, o tabagismo, a causa necessária das doenças denunciadas: infarto do miocárdio e enfisema pulmonar. EMBARGOS INFRINGENTES PROVIDOS, POR MAIORIA. Últimas movimentações do processo: 17/10/2005 – Recurso especial/extraordinário nº 70013204979; 29/03/2006 – Circulou NE 1103 DJ 3321 30/03/2006-03; 11/04/2006 – Pet. 252231556 de 10/04/2006, 16;16 Crai STJ; 18/04/2066 – Baixa ao prim. Grau 12V1AP SP; 18/04/2006 – Agravo instr. ao STJ 6V SP.

163

AOS ARTS. 2º E 128 DO CPC, INOCORRÊNCIA. A sentença mencionou dados que teriam sido revelados com a abertura de arquivos secretos da indústria fumageira norte-americana. Ocorre que tais dados são tidos como fatos notórios, podendo ser considerados independentemente de menção das partes. 2. MÉRITO: A matéria não comporta juízos apriorísticos, prevalecendo o exame da casuística, já que se trata de ações indenizatórias com peculiaridades próprias. Em cada caso apresentado, desta forma, há que se examinar a presença dos requisitos para que se reconheça o dever de indenizar: dano, culpa e nexo causal. 2.1 LIVRE ARBÍTRIO, EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO E LICITUDE. O livre arbítrio não serve para afastar o dever de indenizar das companhias fumageiras pelas mesmas razões que não se presta para justificar a descriminalização das drogas. O homem precisa ser protegido de si mesmo, mormente porque lidamos com produtos que podem minar a capacidade de autodeterminação. No que tange ao exercício regular de um direito, como bem mencionou a Exma Desa. Mara Larsen Chechi, mister, nessa esfera, distinguir o abuso de direito do mau uso de uma liberdade. De fato, enquanto o exercício de prerrogativas conferidas, explicitamente, a uma pessoa, reveste-se de presunção de licitude, o exercício do amplo e vago poder de agir, decorrente de ausência de proibição legal, não confere senão uma frágil presunção de licitude do ato (omissivo ou comissivo) praticado. Destarte, como disse o Des. Coelho Braga, “para que haja responsabilização civil, a conduta não precisa ser necessariamente ilícita, deve ser uma conduta que causa dano a outrem. O que está em jogo não é a natureza jurídica da conduta das empresas fabricantes de cigarro, e sim os danos causados por essa conduta, seja ela lícita ou não.”Ademais, não olvidemos de que estamos diante de uma relação de consumo, de forma que a responsabilização se dá independentemente da existência de culpa, na esteira do que preceitua o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor. Tal norma tem o intuito de resguardar a integridade física e psíquica do consumidor. 2.2 NEXO CAUSAL: A literatura médica é praticamente unânime ao afirmar que a doença da qual diz o autor padecer – tromboangeíte obliterante – manifesta-se apenas em fumantes, ou seja, o tabagismo é conditio sine qua non para o desenvolvimento da doença. Daí a grande diferença desse caso para outros que aportaram nesta Corte. De outro lado, em que pese o perito oficial, em seu laudo, ter afirmado que não poderia diagnosticar com certeza a ocorrência da doença, todos os elementos indicam que o autor sofre de TÃO, desde as suas condições pessoais até os sintomas e as conseqüências experimentadas se amoldam às lições da literatura médica acerca da moléstia. 2.3 DANOS MORAIS: Em caso de amputação de parte do corpo, como na hipótese, é desnecessária a comprovação dos danos morais sofridos pela vítima, visto que o dano moral existe in re ipsa e recorre da gravidade do ato ilícito. 2.4 CULPA CONCORRENTE: Não se pode deixar de considerar, contudo, a parcela de culpa do autor para que a doença atingisse a gravidade e proporções atuais. Mesmo quando já padecia da doença, em desobediência às ordens médicas, permaneceu fumando, tendo de tomar doses mais elevadas de medicação para tentar controlar a TÃO. A concorrência de culpas, quando se der entre o autor da ação e a vítima, deve influir quando da fixação do quantum indenizatório. Na verdade, é exatamente nesta seqüência de caso, onde o fato danoso é imputável, concomitantemente, ao autor e à vítima, que defendo a proporcionalização da responsabilidade e, conseqüentemente, dos prejuízos. Afora isso, seu estilo de vida sedentário e o pouco cuidado com a saúde em geral contribuíram para o desenvolvimento da doença. 3. QUANTUM INDENIZATÓRIO: Tendo em vista que a indenização a título de reparação de dano moral deve ter em conta não apenas a mitigação da ofensa, mas

164

também atender a um cunho de penalidade e coerção, a fim de que funcione preventivamente, evitando novos acontecimentos, mas sem olvidar de que não pode dar margem ao enriquecimento sem causa – e o autor é pessoa pobre – e de na hipótese houve concorrência de culpas, tenho que o quantum merece ser reduzido ao valor de R$ 300.000,00, mantendo a correção e a incidência de juros previstos na sentença. Tal montante não se mostra nem tão baixo – assegurando o caráter repressivo-pedagógico próprio da indenização por danos morais – nem tão elevado – a ponto de caracterizar um enriquecimento sem causa. PRELIMINARES REJEITADAS. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.496

Percebe-se nestas ementas, favoráveis à responsabilização das empresas tabagistas, a

riqueza dos argumentos proferidos pelos eminentes desembargadores ao entenderem ser

possível a responsabilização dessas empresas com base na quebra do dever de informar, no

defeito do produto, na violação do princípio da boa-fé, da transparência e da confiança e na

publicidade enganosa e abusiva.

É mediante a sentença judicial favorável à responsabilização das empresas tabagistas

(no sentido de reparar os prejuízos e promover os direitos do consumidor) que se terá a

efetivação do direito fundamental à saúde do consumidor de cigarros. É necessário que os

membros do Poder Judiciário se conscientizem que nenhum valor é absoluto, e que deve-se

sempre analisar nas decisões os direitos fundamentais, visto que a Constituição assegura a

todos o direito à saúde, aliada à qualidade de vida.

3.2 SUBSTÂNCIAS DO CIGARRO

As folhas da planta do tabaco vêm sendo utilizadas pela Humanidade há séculos.

Sabe-se que há cerca de 1.000 anos a.C., o fumo, originário das Américas,497 era consumido

pelos indígenas com fins cerimoniais e medicinais.498

496 Últimas movimentações do processo: 16/12/2005 – Recurso especial/extraordinário nº 70013811377;

05/07/2006 – Circulou NE 3179 DJ 3387 6/7/06-2-pB; 12/07/2006 – pet. 25974072, de 12/07/2006, 13:32 Crai. STF; 21/07/2006 – Rec. Esp. ao STJ RPN 13V SP; 21/07/2006 – Agr. ao STF aguarda resp. STJ 13V SP; 22/08/2006 – Agr. STF aguarda dec. STJ cx. Armário.

497 Há pelo menos duas correntes: uma afirma que o fumo é originário das Américas e outra diz que é da Ásia. A versão mais aceita pela Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo) e pela Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) é a primeira, que se baseia principalmente na pesquisa do historiador Jean-Baptiste Nardi (BOEIRA, Sérgio Luís. Atrás da cortina de fumaça: tabaco, tabagismo e meio ambiente. Estratégias da indústria e dilemas da crítica. Itajaí: Univale, 2002. p. 37-38).

498 Martins citando Cavalcante explica que: “A hipótese mais aceita sobre a origem do uso do tabaco é a de que tenha se originado na América Central, em torno do ano 1000 a.C. Os maias queimavam as folhas para produzir sikkar, fumaça em seu idioma. O cachimbo era utilizado pelos indígenas em cerimônias religiosas e nas decisões de guerra e paz. Achados arqueológicos de pesquisas realizadas em Minas Gerais, no Brasil, sugerem que os indígenas daquela região teriam feito uso de tabaco há mais de 100 séculos a.C., na área da Lagoa Santa.” (MARTINS, Elaine Cristina; CATALDO NETO, Alfredo; CHATKIN, José Miguel. O

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Os exploradores europeus tiveram seu primeiro contato com o tabaco nas Antilhas,

quando os nativos ofereceram as folhas da planta a Cristóvão Colombo,499 por volta de

1492. 500 Jean Nicot, 501 embaixador da França em Portugal, em 1559 ganhou algumas

sementes e folhas de tabaco vindas da América e os presenteou à rainha Catarina de

Médice.502

Nesse sentido, Delfino comenta que:

Acredita-se que foi Damião de Góis, já no século XVI, quem mostrou a planta a Jean Nicot, diplomata francês em Lisboa, este portador de uma úlcera na perna até então incurável. As propriedades medicinais da planta teriam, ao que tudo indica, cicatrizado tal úlcera, levando-o a considerar o remédio milagroso. Em 1558, Jean Nicot, preocupado com a saúde de sua Rainha, Maria Catarina de Médicis, acometida de uma terrível enxaqueca, teria tido a idéia de enviar-lhe folhas de tabaco para tratamento com a

tabagismo e a formação médica. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, v. 27, n. 3, set. dez. 2003. p. 178).

499 MOREIRA, Leila B.; FUCHS, Flávio D.; MORAES, Renan S.; BREDEMEIER, Markus; CARDOZO, Sílvia. Prevalência de tabagismo e fatores associados em área metropolitana na região sul do Brasil. Rev. Saúde Pública. São Paulo, v. 29, n. 1, fev. 1995. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php=sci_arttex&pid =S0034-89101995000100008&Ing>. Acesso em: 15 fev. 2007. p. 3.

500 Para delícia dos milhões de fumantes de hoje, Cristóvão Colombo não era tão infalível como navegador. O fato é que a 28 de setembro de 1492, nas costas de Cuba, Colombo anunciava pomposamente aos tripulantes reunidos no convés, que o território que acabavam de descobrir tratava-se das costas do Japão. Porém, após demoradas consultas ao livro de bordo e aos astros, resolveu dar um exemplo de autocrítica digno de elogios. Ancorado ao lardo do que hoje é a Província de Orientes de Cuba, anunciou novamente ter havido um pequeno engano, porque a vegetação viçosa da costa não era própria do Japão, mas da China. Provocando novamente aplausos da tripulação nomeava emissários que entrariam em contato com o Grande Khan. Escolheu Rodrigo Jeres e Luis de Torres, que falavam fluentemente o aramaico e o hebraico, com razoável conhecimento do idioma árabe. O mais importante era que ambos tinham um faro inato para descobrir ouro, motivação sempre presente nesses tipos de expedição. Os dois embrenharam-se mata a dentro e sempre sob orientação de nativos pacíficos se dirigiram ao que achavam ser a riquíssima capital do Khan. A 3 de novembro de 1492 chegaram ao destino e descobriram uma série de palhoças de madeira e coqueiros em lugar da sonhada cidade de ouro. Em lá chegando, foram convidados a participar de uma cerimônia de “bruxaria”, com a intenção de afastar os maus espíritos. Nesta cerimônia pagã, a tribo dançava em volta de um braseiro, onde o Pajé lançava folhas secas de “tabago”, nome primitivo do tabaco, e invocavam os deuses. Luís de Torres e Rodrigo Jeres foram convidados a participar intimamente da cerimônia com as personagens principais. Na medida em que subia um “fumo”, fumaça provocada pelo tabaco que era lançado ao fogo, passava de boca em boca uma “pepeta” longa, onde todos aspiravam o “fumo” do tabaco. Durante o dia, com rolos de folhas de tabaco, faziam seus cigarros aspirando o “fumo”. E foi naquela viagem que Rodrigo Jeres e Luís de Torres tiveram a oportunidade de aprender, em primeira mão, a fazer uso do tabaco. Estava, pois, descoberto para os “civilizados” o hábito de fumar e, na metade do século XVI, o hábito ou vício já tomava conta da maior parte do mundo, espalhando-se como fogo na Península Ibérica e em todas as suas áreas de influência: África, Oriente Próximo, China, Índia, Coréia, Malásia, Índias Orientais e Filipinas, para começar. Os demais países da Europa estavam excluídos. Era um boicote internacional que havia sido imposto naquela ocasião. (COSTA, João Batista. O fumo no banco dos réus. Culpado ou inocente? São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1984. p. 17-18).

501 Pedreira informa que Jean Nicot “é considerado o introdutor do fumo na Europa Ocidental e deu seu nome à nicotina. Naquela época o fumo era considerado planta milagrosa, capaz de curar inúmeros males, de verrugas a gangrenas (PEDREIRA, Adriana do Couto Lima. Responsabilidade civil das empresas fabricantes de fumo. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 45-46).

502 MARTINS, Elaine Cristina; CATALDO NETO, Alfredo; CHATKIN, José Miguel. Op.cit., 2003. p. 178.

166

inalação da fumaça. O uso do tabaco pela rainha teria contribuído com a crença de se ter descoberto um remédio precioso.503

O tabaco possui várias denominações, como erva-santa, erva rainha, medicéia e erva-

de-santa-cruz e tornou-se popular no velho mundo devido à crença de que a fumaça inalada

possuía milagrosos poderes curativos.504

Neste período, surgiram várias oposições, perseguições e mortes pelo uso do fumo.

Conforme Costa:

Ahmed, rei da Turquia, proibiu o uso do fumo, com base no Alcorão. Seu filho Ibraim I achava que o fumo causava esterilidade e, assim, o enfraquecimento na formação de futuros guerreiros. Os Parsis da Índia não fumavam e não fumam até hoje, pois consideram o hábito uma profanação do “fogo”, considerado sagrado. Jeres foi a primeira vítima. Tão logo chegou à Espanha, a Inquisição o trancou por anos num cárcere, na suposição então lógica de que “quem emite fumaça deve ter parte com o demônio”. Jeres, pelo menos, escapou com vida. Na história do vício, que se seguiu, foi um dos mais marcantes exemplos de verdadeira caça às bruxas.505

Ainda de acordo com Costa,

O Xá Safi, da Pérsia, punia os fumantes derramando chumbo derretido em suas gargantas. Ch’ung Te, Imperador da China, mandava decapitar os soldados que fossem apanhados fumando. O Xá Abbas, da Pérsia, mandava queimar o fumo encontrado em poder do fumante com o portador. O Czar Miguel, da Rússia, mais criativo mandava chicotear, cortar o nariz e castrar o fumante, quando apanhado em flagrante. Os sultões da Turquia furavam o nariz do fumante, suspendendo-o por uma corda que atravessava o nariz. Para os reincidentes, caso sobrevivessem, a sentença final era a decapitação. O Papa Urbano VII ordenou a excomunhão dos fumantes em qualquer parte do mundo.506

Ressalta-se que o primeiro cigarro teria sido fabricado em 1832 pelos egípcios durante

uma batalha contra os turcos no cerco do Acre. Conforme fatos históricos, os canhões

utilizados nos combates eram carregados com pólvora vagarosamente por meio de uma colher.

No entanto, nesta batalha um dos artilheiros egípcios teria inovado e carregado o canhão com

charuto de pólvora utilizando papel sob formato de cilindros, fazendo com que a bateria de 503 DELFINO, Lúcio. Responsabilidade civil e tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo

Horizonte: Del Rey, 2002. p. 3. 504 De acordo com a OMS poucos exploradores compreenderam as razões pelas quais os silvícolas consideravam

o fumo uma planta sagrada. Notaram que, em pequenas doses, o tabaco servia como estimulante, supressor da fome e da sede, bem como analgésico. Constataram também os fins sociais, nestes casos: consolidar amizades, estimular negociações, danças, conselhos de guerra, fortalecer os guerreiros (BOEIRA, Sérgio Luís. Op., cit., 2002, p. 39).

505 COSTA, João Batista. Op. cit., 1984, p. 19. 506 Id., ibid., p. 19.

167

tiros disparasse mais rápido. Como prêmio pela descoberta, este recebeu um saco de fumo, o

qual para consumi-lo passou também a enrolá-lo em papel sob forma de cilindro.

A partir do final do século XIX iniciou-se a industrialização do tabaco que até então

era comercializado sob a forma de fumo para cachimbo, rapé, charuto e tabaco para mascar.

No século XX, devido às avançadas técnicas de marketing e publicidade, o consumo de

cigarros se espalhou de forma endêmica em todo o mundo e chegou até a ser incorporado no

brasão da República no Brasil, devido à sua importância econômica.507

Atualmente, estudos recentes comprovam que o cigarro possui cerca de 4.700

substâncias químicas,508 sendo que 95% delas encontram-se na fase particular (condensada) e

5% na parte gasosa.

507 A Europa foi o continente em que o tabagismo mais rapidamente se expandiu, seguido da África, onde o

hábito teve grande incremento após a Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918). A Ásia, por outro lado, foi o continente que maior resistência ofereceu. Os governos, entretanto, na impossibilidade de eliminarem o uso do tabaco, acabaram por tributá-lo fortemente. Como os malefícios acarretados pelo tabagismo tardam a manifestar-se, acreditou-se que o vício não era prejudicial à maior parte dos seus usuários; os governos, diante disso, o admitiram, amparados na premissa de que as indústrias fumígenas beneficiavam uma grande multidão de agricultores, de operários, bem como toda espécie de trabalhadores vinculados à industrialização e ao consumo de tabaco, além, obviamente, das grandiosas vantagens advindas de sua tributação (DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 4-5).

508 Entre estas inúmeras substâncias, Delfino destaca algumas delas, informando que: “O cádmio (Cd) é um metal altamente tóxico, utilizado em pilhas e baterias. Causa danos aos rins e ao cérebro. Corrói o trato respiratório, provoca perda de olfato e edema pulmonar. A quantidade existente nos cigarros, apesar de pequena, acumula-se no organismo, levando até 20 anos para ser expelida. Com o tempo, o cádmio potencializa seus efeitos tóxicos. A amônia (NH3) é utilizada para limpeza de pisos e azulejos. Pode cegar e até matar. Causa dependência. No cigarro ela é encontrada em pequenas quantidades e, segundo as indústrias fumígenas, sua função seria a de acentuar o sabor do cigarro. Utilizado na fabricação de DDT. A acetona (C3H6O) é utilizada para remover esmaltes. Substância entorpecente e inflamável. Encontra-se presente na fumaça do cigarro. Em pequenas quantidades irrita a pele e a garganta, provoca dor de cabeça e tontura. O formol (CH2O) é utilizado, basicamente, para conservação de cadáveres. Nos vivos causa câncer no pulmão, problemas respiratórios e gastrintestinais. O propilenoglicol (C3H8O2) é usado em desodorantes e “sprays”. Faz com que a nicotina chegue ao cérebro. Utilizado como umectante para hidratar o tabaco já que 30% do cigarro é formado por um composto de folhas baratas, resto de fumo e poeira. O acetato de chumbo [Pb(CH3CO2)2] é uma substância cancerígena, cumulativa no corpo humano. Quando inalado ou ingerido, atrapalha o crescimento de crianças e adolescentes. A exposição prolongada ao produto causa câncer nos pulmões e nos rins. Provoca, ainda, anorexia e dor de cabeça. O methoprene (mata-mascas) é uma das substâncias químicas liberadas na queima do cigarro. Provoca irritação na pele e lesões no aparelho rspiratório. A naftalina (C10H8) é usada para matar baratas. É um gás venenoso sintetizado em forma de bolinhas o qual provoca tosses, irritação na garganta, náuseas, transtornos gastrintestinais e anemias. Os níveis de naftalina no cigarro são menores que a quantidade recomendada, mas o contato prolongado com a substância ataca rins e olhos. O fósforo (P4 ou P6) entra na preparação de veneno para ratazana, como Racumin. Venenoso e letal, dependendo da porcentagem ingerida. As indústrias recusam-se a informar qual quantidade dessa substância é adicionada aos cigarros. A terebentina é uma substância tóxica extraída de resina de pinheiros e utilizada para diluir tintas a óleo e limpar pincéis. A inalação irrita olhos, rins e mucosas. Provoca vertigens, desmaios e danos ao sistema nervoso. A quantidade dessa substância existente no cigarro nunca foi revelada. O xileno (C8H10) é uma substância inflamável e cancerígena presente nas tintas de caneta. Sua inalação irrita os olhos, causa tontura, dor de cabeça e perda de consciência. Se ingerida provoca pneumonia. Por causa dos riscos que oferece à saúde, as indústrias estão retirando o produto das canetas. O butano (C4H10) é utilizado como gás de cozinha. É mortífero e altamente inflamável. Quando inalado vai direto para os pulmões, toma o lugar do oxigênio e é bombeado para o sangue. Causa falta de ar, problemas de visão e coriza. Cheirar butano é mais prejudicial que fumar crack.” (DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 6-8).

168

Na parte condensada destacam-se a nicotina, os fenóis, o benzopireno, o criseno,

aldeídos, as cetonas, os ácidos orgânicos, os álcoois e os polióis.509

Na parte gasosa encontra-se nitrogênio, oxigênio, dióxido de carbono, monóxido de c

arbono, hidrogênio, argônio, metano, hidrocarbonetos saturados e não-saturados, carbonilas,

ácido cianídrico, outros componentes gasosos e vapor d’água.510

Conforme Rosemberg,

[...] as substâncias químicas isoladas do fumo e do condensado do cigarro, estudadas quanto aos seus efeitos biológicos e tóxicos, podem ser reduzidas a cinco grupos essenciais: a) nicotina e seus derivados (alcolóides), responsáveis pelo tabaco-

dependência e efeitos sobre o sistema nervoso e circulatório. b) monóxido de carbono, que interfere no transporte de oxigênio aos

tecidos; c) irritantes da mucosa respiratória, com repercussão sobre os brônquios e

alvéolos; d) compostos cancerígenos; e) substâncias adventícias.511

A nicotina é um composto incolor e oleoso.512 É usada como inseticida e a injeção de

uma gota em estado puro, setenta miligramas, causa a morte quase instantânea de um

indivíduo de peso médio.513

Essa substância é um composto orgânico, sendo o principal alcalóide do tabaco.514

Encontra-se em toda a planta do tabaco, sobretudo nas folhas e corresponde em média a 5%

do peso da planta.515

509 ROSEMBERG, José. Tabagismo, sério problema de saúde pública. São Paulo: Almed/USP, 1981. p. 14. 510 Id. Ibid., p. 16. 511 Id., ibid., p. 19. 512 A nicotina é uma droga de alta toxicidade. Há mais de um século que vem sendo usada como inseticida contra

pragas da agricultura. Nos agricultores que manejam a planta do tabaco, os efeitos nocivos da nicotina são agravados pelos agrotóxicos empregados no cultivo. De longa data citam-se intoxicações crônicas nos que manejam folhas de tabaco, causando lesões nos olhos, na pele e no aparelho respiratório. Os mais antigos registros são de Bernardino Ramazzini, em 1770, que descreve operários triturando folhas de tabaco em moendas, sofrendo de dores de cabeça, náuseas e vômitos. Aqui no Brasil, há muitos anos citaram-se maior incidência de aborto e aumento da mortalidade em operárias da indústria do tabaco na Bahia e intoxicações nos cultivadores de tabaco no Rio Grande do Sul. Esses efeitos tóxicos decorrentes da nicotina nos colhedores de folhas de tabaco são registrados em todos os lugares onde se cultiva tabaco. Em 1990, a Unicef, analisando dados mundiais, concluiu que é enorme o contingente de crianças que trabalham na colheita do tabaco e são acometidas da chamada “doença do tabaco verde”, pela absorção cutânea da nicotina, exteriorizando-se por náuseas, vômitos, dores de cabeça, cólicas abdominais, dificuldade de respirar, alterações no ritmo cardíaco e fraqueza orgânica geral. Seu número, no ano 2000, foi estimado em 6 milhões, com 32 mil óbitos anuais. Há citações dessas crianças que tendo fumado apenas um cigarro, tiveram sintomas cardio-respiratórios graves, intoxicações crônicas, nicotínicas, em animais de laboratório têm efeito moral. Nos tabagistas, por ação da nicotina, surgem diversos malefícios, alguns atingindo especificamente as mulheres (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981. p. 32.

513 KALINA, Eduardo. Psicologia do fumante. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1987. p. 23.

169

A nicotina, em estado puro, já era conhecida em 1571, e o produto purificado foi

obtido em 1828. A fórmula molecular C10H14N2, foi estabelecida em 1843, e a primeira

síntese em laboratório foi publicada em 1904.516

A nicotina age de maneira diversa no organismo do consumidor. Num primeiro

momento possui efeito estimulante, passando logo após ao efeito tranqüilizante. 517 É

considerada uma droga pela Organização Mundial da Saúde e supostamente responsável pela

dependência518 do tabaco.519

É importante ressaltar que a nicotina causa hipertensão, aterosclerose, impotência,

doenças coronárias, acidentes vasculares cerebrais, infarto do miocárdio, entre outros

males.520

514 Alcalóides são compostos orgânicos nitrogenados provindo de plantas, que têm efeitos fisiológicos nos seres

humanos (QMC WEB. Nicotina: a molécula que vicia. Revista eletrônica do Departamento de Química-UFSC. Florianópolis, ano 4. Disponível em: <http://www.qmcweb/artigos/nicotina.html>. Acesso em: 8 jan. 2007. p. 1).

515 Id., ibid., p. 1. 516 Id., ibid., p. 1. 517 A nicotina possui efeitos psicoativos capazes de induzir euforia e sensação de bem-estar. Quando inalada na

fumaça do cigarro é absorvida em 10-19 segundos: desse modo, atinge elevados picos sangüíneos em poucos segundos e declina também rapidamente, sendo esse processo repetido a cada inalação. Estimula o aumento de dopamina no núcleo acumbens, o que acarreta a dependência. A síndrome de abstinência é mediada pelo aumento da noradrenalina nos neurônios do lócus ceruleus. Portanto, a nicotina promove a adição pelo aumento da sensação de prazer e pela promoção de desconforto durante períodos de abstinência. (RODINI, Vanessa Peretti; CRUZ, Ricardo Pedrini; RODINI, Gustavo Peretti; CHATKIN, José Miguel. Tabagismo. Acta Médica. ATM 2002. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Faculdade de Medicina. Hospital São Paulo. Edicpucrs, 2002. p. 540).

518 De acordo com Delfino, “um grupo crescente de pesquisadores acredita que a nicotina pode estar ligada à própria química do cérebro. No cérebro, a nicotina, ao atingir o sistema mesolímbico, atua estimulando a liberação de dopamina, neurotransmissor que além de estar associado ao controle do movimento, da percepção e da motivação, está ligado à sensação de prazer e euforia. A dependência desta substância química pode ser influenciada por problemas genéticos causando maior ou menor produção da quantidade de dopamina no cérebro. Indivíduos que produzem menor ou maior quantidade de dopamina do que o normal, por exemplo, estariam mais propensos a apresentar problemas comportamentais e, em conseqüência, tendentes a se tornar viciados em substâncias químicas.” (DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 9-10).

519 A Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, aprovada em Genebra, recomenda aos países signatários o desenvolvimento de programas efetivos com uma rede de serviços especializados para o tratamento da dependência da nicotina, que é considerada doença crônica. É um verdadeiro desafio, pois estima-se que existem no mundo em torno de 1 bilhão de pessoas nicotino-dependentes, das quais 24 milhões a 25 milhões no Brasil (ROSEMBERG, José. Nicotina: droga universal. Disponível em: http://www.inca.gov.br/tabagismo/nicotina.pdf. Acesso em: 15 fev. 2007, p. 45).

520 Shryock salienta que a nicotina “é classificada como veneno, pois 50 a 60 miligramas desta substância injetados duma só vez no sangue, causam a morte por paralisação dos órgãos respiratórios. A nicotina é o ingrediente ativo de muitos inseticidas em forma de borrifo.” (SHRYOCK, Haroldo. Fumar distrai ou destrói? São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1976. p. 30). Neste sentido, prossegue o autor explanando que: “Estando ainda inteirados de que 60 miligramas de nicotina numa dose única podem ser fatais para o ser humano, nossa próxima pergunta é, naturalmente: como o fumante inveterado consegue ir passando sem ficar envenenado? O fumante de dois maços diários de cigarros comuns pode absorver um total de 100 miligramas de nicotina durante dia. O primeiro motivo por que ele não morre de envenenamento é que seu corpo elimina a nicotina, duma maneira ou outra, bem depressa após a absorção. O segundo motivo é que o fumante inveterado desenvolve considerável tolerância para com a nicotina. Mas até mesmo o fumante inveterado, inalando diversas baforadas sucessivas, pode apresentar brandos sintomas de intoxicação por

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A ação desta substância se faz presente, conforme Rosemberg,521 sobre o “sistema

parassimpático e simpático e pela liberação de epinefrina.” Portanto, de acordo com o autor,

“nos fumantes treinados predomina uma reação adrenérgica, produzindo a liberação das

catecolaminas pelos órgãos supra-renais. 522 Sendo assim, explana Rosemberg que “os

sintomas mais comuns são de natureza cardiovascular: elevação da freqüência cardíaca

vasoconstrição, especialmente dos capilares.523

Além disso, a nicotina possui grande ação sobre o sistema nervoso central. Após uma

tragada524, ela chega ao cérebro em nove segundos, valendo dizer que, em média, traga-se dez

vezes cada cigarro.525 Desta forma, “quem fuma um maço de cigarros por dia, sofre portanto,

duzentos impactos cerebrais de nicotina, totalizando setenta e três mil impactos por ano.”526 A

ingestão de nicotina pelo macaco ou homem, na dose diária de 0,002 mg por quilo de peso

corporal, produz redução das normas de comportamento ou irritabilidade e agressividade.527

nicotina. O fumante inicial experimenta alguns dos sintomas causados pela nicotina antes de ser produzida certa tolerância.” (SHRYOCK, Haroldo. Op cit., 1976, p. 31).

521 ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 20. 522 Informa Shryock que “Cerca de 10% da nicotina absorvida é levada aos rins pelo sangue, dos quais é

eliminada, sem modificações químicas, através da urina. Os 90% restantes da nicotina absorvida passam por transformações químicas enquanto ainda se encontram dentro do corpo, tornando-se portanto, inativos. É no fígado que ocorre a maior parte dessas transformações químicas. Os cientistas têm observado que os animais cujo fígado foi danificado não conseguem tolerar tanta nicotina como os que possuem fígado normal. A nicotina absorvida pelo corpo humano provavelmente é eliminada ou destruída dentro de vinte e quatro horas.” (SHRYOCK, Haroldo. Op. cit., 1976, p. 31-32).

523 O número de batimentos cardíacos se eleva paralelamente com o teor do alcalóide no tabaco, entre 10 e 20 minutos a partir do momento em que se começou a fumar um cigarro, atingindo 130% a mais quando este contém 2 mg de nicotina. A vasoconstrição periférica se comprova pela queda da temperatura das mãos e dos pés, que pode descer 3,0ºC entre meia e uma hora depois de se ter fumado um cigarro. Efeitos conseqüentes repercutem na pressão arterial e no fluxo de sangue nas coronárias. As catecolaminas liberadas agem ainda como mediadoras no aumento de ácidos graxos livres no soro. Verificou-se que a ação do colesterol na aterosclerose é apreciavelmente reforçada com a associação de nicotina (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 20-21).

524 Rosemberg ressalta que experiências com nicotina marcada com radioisótopo comprovam que os fumantes tragadores absorvem mais de 95% de toda a nicotina que passa da boca até os alvéolos. Cada tragada pode conter até 0,2 mg de nicotina. Com 100 tragadas em um minuto de cigarro comum, a concentração de nicotina no sangue arterial ascende a mais de 40 ng por ml. No final de uma hora essa concentração cai para 10 ng por ml, surgindo no sangue a cotinina, que é o primeiro produto de decomposição daquele alcalóide. Essa rápida degra-dação de nicotina faz com que os fumantes possam absorver, sem grandes conseqüências, em cerca de meia hora, mais de 10% da quantidade de nicotina contida em um charuto, não obstante o teor de nicotina de um charuto pequeno ser suficiente para matar um homem se injetada por via endovenosa. O tabaco do cigarro é ácido e por isso, como se disse, a nicotina é absorvida pelos pulmões; ao contrário, o tabaco de cachimbo e do charuto é alcalino, absorvendo-se então a nicotina pela mucosa. Isso explica por que os fumantes desses dois últimos não tem tanta necessidade de tragar o fumo para se satisfazer (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 19-20).

525 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 10. 526 Id., ibid., p. 10. 527 Neste sentido, expõe Rosemberg que “sendo a meia-vida biológica da nicotina no corpo humano de

aproximadamente 20 a 30 minutos, em geral os fumantes sentem necessidade de fumar um cigarro em torno de cada meia hora, mantendo desse modo o nível desse alcalóide no sangue. Estudos mais recentes trouxeram a certeza de que a necessidade de fumar (taco-dependência) resulta da nicotina e provavelmente de seu metabólito, a cotinina. Essa dependência é responsável pela “síndrome de abstinência” que ocorre em graus

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Vale registrar ainda, que atualmente como bem explica Rosemberg, constatou-se o

efeito broncoconstritor da nicotina, o qual majora a resistência bronquial à ventilação

respiratória. Além disso, verificou-se também que esta substância influi na “diminuição do

consumo de oxigênio e da atividade da enzima adenosina trifosfatase dos macrófagos

alveolares, prejudicando a função fagocitária destes últimos.”528

Shryock explica que o principal efeito da nicotina

é exercido sobre os gânglios nervosos e nos locais de junção entre os nervos e os músculos. Os gânglios são pontos de retransmissão dos circuitos nervosos que controlam as diversas partes do corpo. O primeiro efeito da nicotina é estimular. Mas esta estimulação logo é seguida por um efeito oposto. Em doses adequadas, o breve efeito estimulante da nicotina é seguido por uma condição em que os impulsos nervosos não podem mais ser transmitidos. Isso resulta em paralisia das estruturas providas de circuitos nervosos.529

Porquanto, de acordo com Shryock:

A causa da morte proveniente de grandes doses de nicotina é uma paralisia que abrange os músculos da respiração. Os impulsos não conseguem mais atingir os músculos que dilatam o tórax. Os músculos em si permanecem em boas condições, mas a nicotina impede as correntes nervosas de chegarem até os músculos. Em caso de envenenamento acidental por nicotina, como o que é causado por inseticidas que a contenham, às vezes é possível salvar a vida efetuando respiração artificial durante o tempo em que os músculos respiratórios da vítima estiverem paralisados. Se o coração continuar batendo durante todo este processo, a nicotina excedente poderá acabar sendo eliminada ou destruída, de modo que a pessoa intoxicada consiga desempenhar novamente sua própria função respiratória.530

Em razão disso, vale salientar que não se encontra diferença de nicotina nos usuários

tanto de cigarros de alto, quanto de médio ou de baixo teor de nicotina,531 pois os dados

variáveis nos fumantes ao suspenderem abruptamente o tabaco; os sintomas mais freqüentes são: sensação de necessidade de fumar, inquietação, irritabilidade, ansiedade, nervosismo, fadiga, transtornos do sono, do ritmo cardíaco, depressão, constipação intestinal e dificuldade para concentração e realização de trabalhos, às vezes mesmo os automáticos. Finalmente, a dependência à nicotina se demonstra também pela sua injeção endovenosa, que faz desaparecer os sintomas da síndrome de abstinência, com diminuição ou abolição da vontade de fumar. Está provado que a dependência à nicotina se desenvolve mais rapidamente que ao álcool e certas outras drogas como a heroína. Desconhecem-se os mecanismos e os centros cerebrais pelos quais se processa essa dependência (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 20-21).

528 ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 23. 529 SHRYOK, Haroldo. Op. cit., 1976, p. 32. 530 Id., ibid., p. 32-33. 531 Comparação efetuada entre o modo de fumar cigarros com teores diversos de alcatrão, conferida pelo puff

analyser, constatou o mesmo volume de fumaça inalada decorrente do maior número de tragadas com os cigarros com menos nicotina. Estudo de grande amostra populacional, na qual se usavam cigarros de diferentes teores, constatou não haver correspondência destes com o volume de monóxido de carbono e a concentração de tiocianato no sangue, e sim com o número de cigarros consumidos por dia, que foi tanto

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demonstram que o importante é o quanto se fuma.532 Sendo assim, se um consumidor de alto

teor de nicotina passa a consumir cigarros de baixo teor de nicotina em uma maior quantidade

estará causando, da mesma forma, graves danos à saúde.533

Além do mais, Rosemberg esclarece que não existem cigarros com baixo teor de

nicotina.534 A proporção de nicotina é igual em todos os cigarros.535 O diferencial é que os

maior quanto menor os teores; inferiu-se ser enganosa a idéia dos cigarros de baixos teores serem menos nocivos. Essa compensação realizada pelos tabagistas ao fumarem cigarros de teores baixos, impulsionados pelas exigências da nicotina-dependência, é também verificada em relação aos filtros. A constatação veio em uma pesquisa na qual apurou-se que 86% dos fumantes de cigarros com filtro tragam, contra 36% dos que não usam filtro, e foi confirmada com dosagem de carboxihemoglobina no sangue, cujas concentrações foram muito mais elevadas nos primeiros. Outros estudos verificaram que as concentrações de cotinina no sangue eram semelhantes nos usuários de cigarros com e sem filtro (ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007, p. 25).

532 Análises mais aprofundadas sobre as repercussões epidemiológicas do consumo dos cigarros de baixos teores estão alterando os conceitos sobre suas vantagens. Nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Finlândia, o consumo desses cigarros, de 1943 a 1983, revelou que a pequena tendência da queda de mortalidade tabágica foi logo alterada pelo aumento do consumo de cigarros ocorrido paralelamente. Com a diminuição do alcatrão nos cigarros, na Inglaterra, houve maior consumo per capitã nas mulheres, razão porque, nessas as taxas de mortalidade por câncer ce pulmão não decresceram e até subiram. Dois estudos epidemiológicos, sendo um deles na Escócia, com seguimento de 10 anos, concluíram que esses cigarros não reduzem a incidência dessa neoplasia e nem do infarto do miocárdio. Registrou-se que os fumantes de cigarros de baixos teores, pelo maior consumo e tragadas mais profundas, aspiram maiores quantidades de elementos tóxicos, além da nicotina e do alcatrão. Por isso, nesses tabagistas não há redução dos processos mórbidos tabaco-relacionados. Em adolescentes e adultos que fumam cigarros de baixos teores, verifica-se a mesma incidência de sintomas respiratórios, de bronquite crônica e de enfisema que nos consumidores de cigarros “fortes”. Os consumidores dos cigarros “fracos”, além de tragar com maior intensidade, tapando os orifícios do filtro, estabelecem forte pressão negativa, porque suas paredes são impermeáveis, inalando assim maior quantidade de nicotina, monóxido de carbono e todos os demais componentes do tabaco. Em conseqüência, esses cigarros são tanto ou até mais prejudiciais que os “fortes”, e há farta documentação comprovante disso. Estudo de 1.540 indivíduos, de 18 a 44 anos de idade, na qual havia consumidores de três tipos de cigarros (baixos, médios e altos teores de nicotina e alcatrão), revelou ao cabo de 6 meses, que além de não haver praticamente diferenças nas concentrações de nicotina e cotinina no sangue e na urina, tiveram as mesmas manifestações sintomáticas respiratórias e mesmos padrões de provas funcionais pulmonares. Adolescentes, fumantes desses cigarros, com freqüência têm sintomas respiratórios e nos adultos a morbidade pulmonar elevada. Também há registro de elevação significante, em adultos, de mortalidade por processos pulmonares, inclusive devido a câncer broncogênico (ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007, p. 25-26).

533 Confronto de fumantes de cigarros de baixos teores de nicotina com demais tabagistas revelou que o consumo dos cigarros de baixos teores provoca a mesma incidência de casos de elevação da tensão arterial, isquemia das coronárias e de infarto do coração, podendo a incidência deste último ser até maior, como verificado no estudo prospectivo de Framinghan, nos Estados Unidos. A vaso-constrição das coronárias nesses fumantes foi confirmada pela arteriografia. Extenso estudo nos Estados Unidos constatou que, nos consumidores dos cigarros light e ultra-light, o câncer do pulmão elevou-se 17 vezes nos homens e 10 vezes nas mulheres em confronto com não-fumantes no período de 1959 a 1991. Em suma, os cigarros de baixos teores têm a mesma toxidez que os demais (ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007, p. 26).

534 Na década dos anos 1950, as marcas de cigarros nos Estados Unidos continham 3 mg a 4 mg de nicotina. Dados de 1982 revelam que os teores de nicotina nos cigarros daquele país baixaram para 1,3 mg e até 0,9 mg. Inquérito realizado pela Organização Mundial de Saúde, em 1984, de 50 marcas de cigarros dos países em desenvolvimento, mostrou que todas elas continham teores superiores aos dos cigarros norte-americanos e de outros países desenvolvidos. Atualmente, a maioria dos cigarros estrangeiros contém entre 1,0 mg a 2,0 mg de nicotina. No Brasil, segundo dados de 1982, da Souza Cruz, 17 marcas de cigarros continham de 1 mg a 1,8 mg. Informação do ano 2000, do Inca, acusa os teores mais altos na marca Derby – 1,4 mg – e os mais baixos nos cigarros Free – 0,93 mg. Atualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabelece como limites máximos, nos cigarros mencionados, 1 mg de nicotina, 10 mg de alcatrão e 10 mg de monóxido de carbono (ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007, p. 23-24).

535 A British American Tobacco, através de sua subsidiária norte-americana, a Brown and Williamson – BW (a Souza Cruz é também sua subsidiária), patrocinou pesquisas com tecnologia de engenharia genética para

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cigarros de baixo teor de nicotina possuem menos tabaco e também mecanismos que facilitam

a retirada da nicotina e do alcatrão por filtração e difusão de ar.536, 537

Já, o monóxido de carbono (CO) é um gás tóxico que possui uma afinidade 250 vezes

maior com a hemoglobina do que o oxigênio, o que leva à hipoxemia tecidual.538

De acordo com o Inca:

O monóxido de carbono, ao se ligar fortemente com a hemoglobina, forma a carboxihemoglobina, contribuindo para a diminuição da oxigenação dos tecidos, e potencializando a ação cardiovascular da nicotina. A fumaça que sai da extremidade acesa do cigarro contém todos os componentes tóxicos em proporções mais elevadas do que a que entra e sai da boca do fumante. Dessa forma, no ambiente podem ser encontrados três vezes mais monóxido de carbono e nicotina e até cinqüenta vezes mais substâncias cancerígenas. Além disso, a fumaça se difunde homogeneamente pelo ambiente.539

A concentração de monóxido de carbono no cigarro varia de 3% a 6%. Quase toda

absorção (80%) do monóxido de carbono se processa nos canais alveolares e alvéolos.540

Portanto, ressalta Rosemberg que “nos que fumam 5 a 20 cigarros por dia a taxa de

carboxihemoglobina é de 4% a 7%, e com mais de 25 cigarros de 8 a 15%, podendo atingir

até 20% nos consumidores de 40 cigarros diários.”541

Com o bloqueio da hemoglobina, sob a forma de carboxihemoglobina, ocorre queda

das taxas de saturação do oxigênio.542 As conseqüências mais importantes se refletem nos

obter planta de tabaco transgênico, capaz de sintetizar muito mais nicotina que a variedade comum, Nicotiana tabacum, sem elevar o teor de alcatrão. Consumiram-se 17 anos de pesquisa e mais de dezenas de milhões de dólares. No início de 1980, a BW cultivou plantas de tabaco na sua fazenda na Carolina do Norte. Em 1983, a BW contactou-se com a DNA Plant Tecnology para cooperar com as pesquisas. Afinal, conseguiu-se criar uma variedade de planta de tabaco geneticamente transformada, contendo até 6% de nicotina, portanto duas a três vezes mais que as variedades comuns da Nicotiana tabacum, que é de 2,5% a 3% (ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007, p. 68).

536 ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007. 537 Considerando os comprovados perigos à saúde das populações dos cigarros de baixos teores, tanto ou mais

que os demais cigarros, a Framework Convention on Tabacco Control – FCTC (Convenção Quadro Internacional do Controle do Uso do Tabaco) patrocinada pela Organização Mundial de Saúde, com a participação de 192 países (o Brasil inclusive) e mais de 200 ONGs, aprovou, entre outras, a seguinte medida: “proibição do emprego das expressões de cigarros light, ultra-light, mild, low-tar (cigarros fracos, leves, ultra leves, de baixos teores), bem como todos os demais termos que induzem a crer que esses cigarros não são nocivos.” O Brasil já adotou oficialmente essa proibição pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária com as resoluções n. 39 e 104, de 2000 e 2001 (ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007, p. 27).

538 RODINI, Vanessa Peretti; CRUZ, Ricardo Pedrini; RODINI, Gustavo Peretti; CHATKIN, José Miguel. Op. cit., 2002, p. 540.

539 BRASIL. Ministério da Saúde. Inca – Instituto Nacional do Câncer. Disponível em: <http://www.inca.gov.br> Acesso em: 5 fev. 2007, p. 1.

540 ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 23. 541 Id., ibid., p. 23-24. 542 Id., ibid., p. 24.

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indivíduos com déficit respiratório (bronquites, enfisemas, fibrose pulmonar etc.).543 Além

disso, o cigarro possui também, várias substâncias irritantes, como o óxido e o dióxido de

carbono, os derivados carbonílicos, os ácidos, os fenóis, os cresóis e quinomas.

Rosemberg informa que:

Estes componentes e muitos outros, pelas reações irritativas e inflamatórias desde a faringe, laringe, traquéia, brônquios até os alvéolos, são responsáveis pelos efeitos no aparelho respiratório: a) imediatos: irritativos, inflamatórios e do tipo alérgico, com manifestações de tosse, broncoconstrição, paralisação dos movimentos ciliares (ciliostase); b) mediatos: estimulação da secreção das glândulas de muco dos brônquios, perda dos cílios, alterações outras do epitélio bronquial, injúrias à atividade enzimática e imunitária dos macrófagos alveolares, processos inflamatórios crônicos bronquiais e destruição dos alvéolos. Em resumo, as substâncias irritativas do fumo do tabaco são as principais responsáveis pelo desenvolvimento da bronquite, da vulnerabilidade broncopulmonar às infecções e da doença pulmonar obstrutiva crônica (enfisema).544

No cigarro encontram-se ainda vários hidrocarbonetos aromáticos policíclicos que são

cancerígenos como o acetonaftaleno, o acetonaftileno, o fluoreno, o fenantreno, o antraceno, o

pireno, o fluranteno, o 1,2 bezantaceno, o pirileno, o antantreno, o coroneno, o acenaftenol, o

acenaftileno, o bezantraceno e o 3,4 benzopireno.545

543 Id., ibid., p. 25. Rosemberg explica que: “em suma, as células dos tabagistas vivem praticamente com déficit

de oxigênio, com os conhecidos efeitos sobre os sistemas nervoso central e circulatório, sobretudo o miocárdio. Para estes dois últimos a diminuição do oxigênio e o aumento da carboxihemoglobina exercem influência negativa, pois para eles a saturação normal de oxigênio no sangue é fundamental. Está bem comprovado que o monóxido de carbono exerce um papel importantíssimo no desenvolvimento da aterosclerose.” (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 25).

544 ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 27. 545 Todavia, outras substâncias isoladas do fumo do cigarro também possuem propriedades cancerígenas, em

graus variáveis, como o formaldeído e as nitrosaminas. Mais recentemente atribuíram-se propriedades cancerígenas a produtos resultantes da pirólise da nicotina, como seja a nornicotina éter-solúvel. A nitrosonornicotina, especialmente, revelou-se altamente cancerígena para os brônquios dos ratos. A acroleína produz nas algas mononucleares anomalias estruturais comparáveis às verificadas nos tumores de animais; este aldeído interfere na síntese do ácido ribonucléico nas culturas das células renais do rato. Invocam-se ainda os efeitos cancerígenos do arsênico, até há alguns anos usados como inseticida nas culturas de tabaco, de metais como o níquel, do qual existem traços no fumo do cigarro, e dos elementos radioativos, como o rádio, tório, chumbo 210, polônio 210, carbono 14, potássio 40 e até estrôncio 90, encontrado no tabaco canadense. As folhas do tabaco fixam e acumulam carbono 14, radioativo, com ação cancerígena isolada ou em sinergia com o 3-4-benzopireno; na queima de cigarros pode-se isolar o carbono do alcatrão, do monóxido e do dióxido de carbono. O contador Geiger revela que todas as três frações contém carbono 14, sendo a mais rica a primeira; com base nessa demonstração, calculando-se o consumo diário de 10 cigarros, um indivíduo acumulará anualmente 0,0001 micruries de carbono 14, o que pela sua longa vida pode criar a possibilidade de se acumular no organismo até ultrapassar o limite de segurança . O polônio 210 se volatiliza no ato de fumar nas temperaturas entre 252ºC e 970ºC, conforme se demonstra com máquinas de fumar; como a temperatura na ponta do cigarro aceso varia entre 835ºC a 884ºC, quase todo o polônio nele contido se transforma em vapor e é inalado; embora sua quantidade seja desprezível, acumula-se na árvore bronquial e nos alvéolos, pois sua vida média é de 138 dias. Demonstrou-se a impregnação com polônio do epitélio brônquico de fumantes. Não está provado que qualquer dos filtros empregados nos cigarros retenha esse elemento. A maioria dos elementos radioativos mencionados, pelo baixo teor no fumo do cigarro e pela

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No entanto, de todos esses hidrocarbonetos cancerígenos, o mais estudado é o 3,4

benzopireno. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, esta substância não apresenta

segurança, mesmo sendo consumida em níveis pequenos.

Rossetti explica que o benzopireno é

Um potente agente cancerígeno, formado pela combustão incompleta do tabaco, hulha e óleo. Ele é encontrado no alcatrão da fumaça do cigarro e pode ser um fator na relação entre fumo e câncer de pulmão, câncer de laringe e da cavidade oral, e possivelmente câncer de bexiga e pâncreas. O benzopireno e outros hidrocarbonetos polinucleares estão também presentes em carnes fortemente grelhadas sobre carvão e em peixe defumado, assim como na atmosfera sobre grandes cidades, onde eles são poluentes do ar.546

Além disso, vale ressaltar que são também empregadas no tabaco substâncias

adventícias, com alto potencial nocivo, desde o seu cultivo até a sua manufaturação. Isto

ocorre porque o fumo é bastante suscetível a várias pragas, sendo então, necessário o uso de

potentes agrotóxicos na lavoura, aumentando assim a quantidade de veneno no cigarro.547

Portanto, por todo o exposto, ainda que se admita como lícita a comercialização do

cigarro, é necessário que se esclareça ao consumidor, através de uma bula informativa, todas

as substâncias que contém este produto e os males que estas podem gerar à sua saúde.

Como já foi ressaltado, é dever do fornecedor de produtos informar de forma ostensiva

e adequada, a respeito da nocividade ou periculosidade do produto, para que não seja

infringido o princípio da boa-fé, que norteia o Código de Defesa do Consumidor.

Em razão desta carência de informações por parte das empresas tabagistas, não há que

se falar em culpa exclusiva da vítima, pois existe uma “assimetria de informações”. Assim,

faz-se válida a inversão do ônus da prova, já que o fabricante de cigarros possui mais

temperatura insuficiente para a valorização de alguns deles, não parece exercer um papel essencial na carcinogênese (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 27-28).

546 DICIONÁRIO ROSSETTI DE QUÍMICA. Disponível em: <http://www.rossetti.etc.br/discuser/detalhe.asp? vini=28vfim=28vcodigo=66>. Acesso em: 9 maio 2007. p. 1.

547 Os nitratos e fertilizantes podem ser precursores do óxido e dióxido de nitrogênio, irritantes e de nitrosaminas de certa ação cancerígena. Como inseticida, o arsênico, considerado cancerígeno, foi muito empregado nos Estados Unidos até 1950; atualmente os inseticidas orgânicos como o DDT e o TDE podem originar componentes irritantes. Os fungicidas à base de ditiocarbamatos são precursores do ácido sulfídrico e sulfeto de carbono, ambos tóxicos. Vários polióis umectantes adicionados na preparação do tabaco originam eventualmente o ácido paraminohipúrico e fenóis irritantes. O mentol incluído no tabaco no final da manufatura de alguns tipos de cigarro pode também ser precursor dos dois últimos componentes mencionados e de ácidos voláteis de aldeídos, todos de ação irritante. Outras substâncias são adicionadas pelos fabricantes para dar sabor aos cigarros com baixo teor de alcatrão e nicotina; nada se sabe ainda sobre seus possíveis efeitos nocivos (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 29).

176

conhecimento do produto e torna-se mais fácil este provar que o cigarro não é um produto

nocivo ou perigoso à saúde do consumidor.548

3.3 DOENÇAS RELACIONADOS AO TABAGISMO

Atualmente várias pesquisas apontam o potencial morbígeno do cigarro. O

tabagismo549 é a mais devastadora causa evitável de doenças e mortes da história. 550 O

consumo de cigarros mata mais que a soma das mortes por AIDS, cocaína, heroína, álcool,

suicídios e acidentes de trânsito.551

De acordo com os dados do INCA, o tabagismo é responsável por 90% dos casos de

morte de câncer de pulmão, 80% dos casos de morte por enfisema pulmonar, 25% dos casos

548 Fato este (inversão do ônus da prova) foi admitido pela Quarta Turma do STJ no Recurso Especial 140097/SP

e movido pela Associação de Defesa da Saúde do Fumante contra a Philip Morris S/A e a Souza Cruz S/A, já citado no decorrer do trabalho.

549 Conforme Anderson, a palavra tabagismo etimologicamente tem a seguinte origem: “Tabagismo do taino tabaco, que designava o instrumento em forma de Y com que os índios fumavam. S.m.1. Grande erva, molemente tormentosa, da família das solanáceas (Nicotiana tabacum), de origem sul-americana, de folhas amplas, oblongas, acuminadas e macias, flores vistosas, tubulosas e róseas, e que possui nicotina, razão por que a infusão das folhas serve para matar parasitos. Dessecadas, as folhas constituem o fumo ou tabaco; 2. Fumo (do latim “fumu”); 3. Brasileirismo: N.E.Rapé. (ANDERSON, Holmes. Direito, justiça e informática. Disponível em: <http://www.dji.com.br/dicionario/tabaco.htm>. Acesso em: 21 set. 2006. p. 1).

550 Devido aos males causados pelo cigarro, atualmente as indústrias tabagistas lançaram no mercado os chamados “pseudo-cigarros”, considerados menos tóxicos, chamados nos Estados Unidos de Potencial Reduced Exposure Products (PREPs). Estes produtos “retiram” as substâncias cancerígenas do tabaco e diminuem a vontade de fumar, podendo dessa forma, ajudar no tratamento para cessação do vício. Rosemberg destaca três produtos: a) Eclipse, da RJ Reynolds. Possui um mecanismo que transporta glicerina em sistema de conta-gotas dentro de um cilindro revestido de lâmina de alumínio, no qual há carvão em pó como combustível, isolado por fibras de vidro; b) Accord, da Phillip Morris. Contém dispositivo que emite leve luz que tosta mas não queima o tabaco. Contém tabaco reconstituído “com menos tóxicos”. Ambos os produtos reduzem a quantidade de fumaça que o fumante consegue aspirar. Através do carvão combustível, o tabaco reconstituído vaporiza-se. A glicerina também se vaporiza e facilita o transporte do tabaco. A nicotina, em menor concentração, é transportada através desse dispositivo, também vaporizada; c) Quest, da Vector, sucessora da Ligget. É confeccionado com tabaco modificado por engenharia genética, com quantidade mínima de nicotina (ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007, p. 28). Todavia, Rosemberg explica que: “esses produtos objetivam reduzir a pirólise ou queima do tabaco, reduzindo seus elementos tóxicos. Haveria mudança substancial na liberação dos elementos tóxicos, inclusive os cancerígenos. Esse processo deve ser considerado como muito complexo. Estudos com estes produtos, entretanto, revelam que não são reduzidos todos os tóxicos do tabaco. Por exemplo, já se constatou que o Eclipse eleva a exposição ao monóxido de carbono em comparação com os cigarros usuais. Verificaram-se casos em que fibras de vidro chegam até aos alvéolos pulmonares, havendo sérias restrições ao uso do produto., Também se constatou que, com freqüência, a redução de tóxicos não atinge a nicotina. A redução das substâncias tóxicas é parcial. Assinalou-se aumento da acroleina e do monóxido de carbono. Argumenta-se também que esses produtos não são eficazes, pois os fumantes como fazem com os chamados cigarros de baixos teores, tragam de forma diferente, fazendo a compensação necessária para satisfazer o grau de sua nicotino-dependência. Assim, apurou-se que esses pseudo-cigarros elevam significantemente o monóxido de carbono e a concentração de nicotina no sangue.” (ROSEMBERG, José. Op. cit., 2007, p. 29).

551 SILVA, Vera Luíza da Costa; GOLDFARB, Luisa Mercedes da Costa e Silva; CAVALCANTE, Tânia Maria; FEITOSA, Tereza Maira Piccinini; MEIRELLES, Ricardo Henrique Sampaio. Falando sobre tabagismo. 3. ed. Instituto Nacional do Câncer, 1998. p. 13.

177

de morte de infarto do miocárdio e 40% dos casos de morte por bronquite crônica e derrame

cerebral.552

A mais grave das doenças relacionadas ao tabagismo é o câncer de pulmão, pois como

já foi ressaltado, 90% da ocorrência de câncer de pulmão têm no tabagismo seu agente

causal.553 Todavia vale destacar ainda que nestes números não estão incluídas aquelas mortes

relacionadas ao tabagismo passivo, que corresponde a 1/3 dos casos de câncer de pulmão

restantes.554

Em 1761 já havia suspeitas de que o consumo de cigarros pudesse causar câncer de

pulmão. Conforme Delfino, Fahr no começo da década de 20 já havia apontado esta

chance. 555 Em 1927, Tylecote também apresentou sua contribuição sobre a matéria. 556

Ochsner e Debakey (1939) reconheceram o paralelo entre o aumento da incidência de câncer

do pulmão e o crescimento do tabagismo.557

Todavia, a relação causal entre tabagismo e câncer de pulmão ocorreu entre 1950558 e

1960 559 devido aos estudos realizados nos Estados Unidos560 , Inglaterra561 e Canadá. E,

552 BRASIL. Ministério da Saúde. INCA (Instituto Nacional do Câncer). Disponível em:

<http://www.inca.gov.br/atualidades/ano11_1/pulmao.htm> Acesso em: 14 maio 2007. p. 1. 553 Conforme os dados recolhidos pela Organização Mundial de Saúde, os coeficientes de mortalidade por câncer

do pulmão, de 1950 a 1975 subiram em 35 países; essa elevação nos homens variou de 22% (Áustria) até 626% (Japão) e na mulher respectivamente de 2% (Chile) até 544% (Japão) (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 99).

554 BRASIL. INCA. Op cit., 2007, p. 1. 555 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002. 556 Id., ibid., p. 14. 557 Id., ibid., p. 14-15. 558 Também na década de 1950 foi publicada uma estatística feita em 605 homens com câncer pulmonar. 96,5%

deles haviam sido fumantes inveterados, sendo que os moderados também sofriam do mesmo mal, porém, com menos intensidade. Esta espécie de câncer ocorria muito raramente nos não-fumantes, ou seja, 2% (Relatório do Dr. Winder Graham). O monumental estudo dos Drs. Hammond e Horn, feito sob os auspícios da Sociedade Americana de Câncer, foi divulgado em 1953. Constitui uma pesquisa de 187.783 homens, entre as idades de cinqüenta e sessenta e seis anos. Os pacientes eram aparentemente saudáveis na ocasião em que o estudo começou. Os hábitos de saúde e o costume de fumar de cada um deles foram cuidadosamente anotados. Depois, durante o período de quatro anos de observação, as doenças e as mortes foram anotadas e estudadas. A taxa de morte entre os não-fumantes foi tomada como termo de comparação. Por exemplo: uma taxa de mortalidade de dois, indicava uma taxa de mortes duas vezes maior que entre os não-fumantes. As taxas de mortes nos fumantes aumentou progressivamente com a quantidade de cigarros fumados por dia. As pessoas que fumavam mais do que dois maços por dia tiveram uma taxa de morte 2,23 vezes maior que os não-fumantes. (COSTA, João Batista. Op. cit., 1984, p. 107).

559 O Diretor Geral Burney preparou uma “Declaração do Serviço de Saúde Pública” sobre “O Fumar e o Câncer de Pulmão” que apareceu no The Journal of the American Medical Association (Revista da Associação Médica Americana), de 28 de novembro de 1959. Por esse tempo a atenção estava focalizada no câncer pulmonar como o principal prejuízo para a saúde resultante do fumar. Os demais efeitos do uso de cigarros vieram à tona um pouco depois. A conclusão deste pronunciamento oficial reza: “O Serviço de Saúde Pública crê que as declarações seguintes são justificáveis diante de estudos atualizados: 1. O peso da evidência presente implica o fumar como principal fator etiológico (causativo) na crescente incidência de câncer pulmonar. 2. O fumar cigarros está particularmente associado com o aumento da possibilidade de desenvolver-se câncer do pulmão. 3. Abandonar o fumar cigarros mesmo após longa exposição é benéfico. 4.

178

somente em 1979, o Report of the Surgeon General on Smoking and Health afirmou que o

tabaco causa câncer de pulmão.

O tabaco tende a paralisar o movimento dos cílios da mucosa dos brônquios562 ,

deixando com o passar do tempo as células da mucosa brônquica exposta a agressões diretas,

o que pode gerar câncer brônquico ou carcinoma brônquico.563

Nenhum método de tratamento do fumo ou de filtragem da fumaça foi demonstrado eficiente em reduzir materialmente ou eliminar os riscos de câncer pulmonar. 5. O não-fumante tem uma incidência menos de câncer pulmonar do que o fumante em todos os estudos feitos sob controle, seja analisando-se em termos de localidades rurais, regiões urbanas, ocupações profissionais ou sexo. 6. Pessoas que jamais fumaram quaisquer tipos de produtos de fumo (charuto, cigarro, cachimbo) têm melhor probabilidade de escapar ao câncer pulmonar. 7. A menos que o uso do fumo possa ser tornado seguro, o risco de uma pessoa contrair câncer pulmonar pode ser reduzido da maneira melhor pela eliminação do hábito de fumar.” (SHRYOK, Haroldo. Op. cit., 1976, p. 73 e 75).

560 Em 1968 houve nos Estados Unidos, cerca de 55.000 mortes causadas por câncer pulmonar, e aproximadamente 90% de todas elas foram ocasionadas pelo hábito de fumar. A maioria dessas pessoas falecidas eram homens. Para avaliar o tamanho desse grupo de vítimas do câncer pulmonar, cumpre salientar que esse número é mais ou menos igual ao dos que morrem cada ano em acidentes de trânsito (SHRYOK, Haroldo. Op. cit., 1976, p. 63).

561 A partir do trabalho dos Drs. Doll e Hill na Inglaterra, em 1951, três estudos principais com projeção para o futuro foram concluídos. Representam estes o estudo de Doll e Hill com 40.000 médicos britânicos, o estudo de Hammond e Horn com 187.783 homens entre as idades de cinqüenta e sessenta e nove anos, e o estudo de Dorn com 198.926 militares veteranos dos Estados Unidos. Em cada um deles, um representativo número de pessoas supostamente sadias foram registradas para estudo, provendo cada indivíduo informação completa sobre seus hábitos costumeiros de fumar. Essa informação foi transformada em registros. No decorrer do estudo, exames periódicos eram efetuados em cada pessoa registrada. Em vista de que um grande número estava cadastrado, esperava-se que certa porcentagem haveria de morrer durante o período de observação, inclusive alguns que morreriam de câncer pulmonar. Com as informações relativas aos hábitos de fumar de cada pessoa já arquivadas, a questão de determinar se o câncer pulmonar foi a causa mais comum de morte entre os fumantes do que entre os não-fumantes resumiu-se a um simples procedimento de comparação de registros. Como indicado no gráfico que os acompanhava, os três estudos revelaram surpreendentemente resultados similares. Indicavam todos que o câncer pulmonar era muito raro entre aqueles que nunca haviam fumado. Entre fumantes inveterados, o câncer do pulmão é tragicamente freqüente. E quanto maior o número de cigarros fumados por dia, mais elevada a incidência de câncer pulmonar. (SHRYOK, Haroldo. Op. cit., 1976, p. 72).

562 Ordinariamente os cílios, pequenas estruturas semelhantes a pelos, expelem elementos que se intrometem nas vias respiratórias. Entretanto, aquelas substâncias tóxicas do fumo determinam a paralisia dessas estruturas, deixando-as sem defesa contra as partículas invasoras. Ao acumular-se nas passagens do ar, depois de muitos anos, começam a aumentar em número e, dentro de 20 anos em média, podem aparecer os sintomas do câncer pulmonar. Uma vez atacadas de câncer, procedentes dos pulmões, células cancerosas penetram os vasos sangüíneos e linfáticos, espalhando-se por todo o corpo. Quando o diagnóstico confirma a presença do câncer do pulmão, a enfermidade em geral, já se propagou além da possibilidade de controle da enfermidade. Esta é a razão por que, mesmo hoje, com todas as espetaculares conquistas da ciência médica, o câncer pulmonar mata 95% de suas vítimas. Ele hoje representa o grande assassino de homens que ultrapassam os 40 anos de idade. Há poucas décadas passadas era uma doença praticamente desconhecida. (COSTA, João Batista. Op. cit., 1984, p. 105).

563 Nos brônquios dos fumantes ocorrem metaplasias escamaosas, atipias nucleares e o carcinoma in situ, lesões precursoras do câncer. Nos consumidores de 10 e 40 cigarros diários, os dois primeiros desses achados histopatológicos surgem, respectivamente, em 80% e 90% dos casos e o último, em 11% e 70%. Compreende-se, portanto, o alto poder cancerígeno do cigarro. (BRASIL. Ministério da Saúde. Grupo Assessor para Controle do Tabagismo no Brasil. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Tabagismo e saúde: informação para profissionais de saúde. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1987. p. 12).

179

O Dr. Ilo Porto, renomado cardiologista da cidade de São Paulo, conforme foi

publicado em “11 CP – Em 100 casos de pessoas que tinham câncer de pulmão, 99 eram

fumantes”.564

Na investigação da American Cancer Society, o cotejo com os não-fumantes revelou

que nos tabagistas consumidores de 1 a 9, 10 a 19, 20 a 39, e 40 e mais cigarros por dia, o

câncer broncogênico incidiu, respectivamente, em 362%, 762%, 1369% e 1771% a mais.565

Já o estudo prospectivo realizado entre veteranos norte-americanos, consignou que os

iniciados no tabagismo com 25 ou mais anos de idade, com 20-24, com 15-19 e com menos

de 15 anos, em confronto com os não-fumantes, apresentaram mortalidade, respectivamente,

de 420%, 850%, 1340% e 1770% a mais.566

Em síntese, a relação entre tabagismo e câncer de pulmão567 está comprovada pelos

seguintes dados:

relação dose-resposta entre cigarros consumidos e prevalência do câncer de pulmão; distribuição demográfica do câncer de pulmão correlacionada com o hábito de fumar; diminuição dos óbitos por esse tumor nos ex-fumantes; produção de câncer em animais com o fumo do tabaco e de seus constituintes químicos.568

564 COSTA, João Batista. Op. cit., 1984, p. 108. De acordo com Rosemberg, “por outro lado, sugere-se a

possibilidade de o fumo do tabaco aumentar o risco de câncer do pulmão em organismos com predisposição constitucional para esse tumor, como parece existir em função de uma enzima principal. Trata-se da hidroxilase aril hidrocarboneto, uma enzima da membrana citoplasmática, implicada no metabolismo da química carcinogênica, encontrada em vários tecidos, com maior quantidade no pulmão e no fígado. Uma função dessa enzima é transformar hidrocarbonetos policíclicos oncogênicos em metabólitos, como epóxidos intermediários, geralmente mais cancerígenos que os compostos dos quais derivam. Há variações genéticas demonstráveis na cultura de linfócitos humanos. Pesquisas de Kellerman e col. Inferem que a população branca dos Estados Unidos pode ser dividida em 3 grupos de atividade da referida enzima: baixa, intermediária e alta, respectivamente com a freqüência de 44,7%, 45,9% e 9,4%. Em cancerosos pulmonares a frequência dos 3 grupos foi inversa, respectivamente 4%, 66% e 30%. A medição da hidroxilase aril hidrocarboneto nos macrófagos alveolares do pulmão revela baixa atividade nas células de não-fumantes e muito alta nas dos tabagistas. Cantrell e col. Observaram que os níveis da aludida enzima em abstêmios sobem após estes terem fumado uma semana para retornar aos níveis primitivos dois meses depois de suspenso o consumo de cigarros. A atividade da enzima foi onze vezes maior nos macrófagos dos fumantes que nos dos não-fumantes. Como a indução da atividade da hidroxilase aril hidrocarboneto resulta prejudicial por facilitar a ação cancerígena dos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, como essa atividade é exacerbada pelo fumo do tabaco e tendo em vista a vinculação daquela enzima com fatores genéticos, pode-se inferir que, além do comprovado maior risco de câncer pulmonar nos tabagistas, entre esses pode haver indivíduos nos quais esse risco é multiplicado. (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 123-124).

565 BRASIL. Ministério da Saúde. Op. cit., 1987, p. 12. 566 Id., ibid., p. 12. 567 As atividades enzimáticas das células pulmonares exacerbadas pelo fumo do tabaco podem também

representar importante papel no desenvolvimento da carcinogênese. Têm encontrado taxas de benzopirenohidrolase 50 vezes superiores nos fumantes em comparação com abstêmios. Chretien e col. Estabeleceram que o Benzo-a-pireno é transformado em certo número de produtos, dos quais o 7,8-diol-epoxil-benzo-a-pireno, que parece ser o último carcinógeno a se ligar covalentemente aos ácidos nucléicos. (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 103).

568 ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 102. Vale ressaltar que conforme Rosemberg, “o Informe Técnico 568 da Organização Mundial de Saúde publicou a média da mortalidade proporcional nos sete maiores inquéritos prospectivos, em relação a 22 doenças nos fumantes, figurando o câncer do pulmão no topo da lista, com 14,9.

180

Importante ressaltar que, de acordo com uma constatação universal, onde não existe

poluição atmosférica, como por exemplo, nas montanhas, o câncer de pulmão só se manifesta

nos fumantes.569

A boa notícia neste contexto é que após 10 anos de interrupção de fumo, os riscos dos

ex-tabagistas obter câncer de pulmão são baixíssimos e, depois de 20 anos são praticamente

os mesmos de quem nunca fumou.570

O cigarro causa também enfisema e bronquite crônica. O enfisema ocorre com a

destruição da parede dos alvéolos devido ao desequilíbrio do sistema enzimático do pulmão,

levando a uma diminuição da concentração sangüínea de oxigênio. Pelo desequilíbrio

enzimático que produz, o fumo causa o enfisema agindo por três vias: aumentando a elastase,

inativando a alfa-1 antiprotease e dificultando a neoformação da elastina.571

Nos médicos britânicos, em números percentuais, o câncer broncogênico incidiu nos fumantes com 24,0% a mais que o constatado nos abstêmios. Nos estudos prospectivos dos veteranos do Canadá, da população de 25 Estados norte-americanos e veteranos dos Estados Unidos, esses percentuais foram respectivamente 18,3%, 13,6% e 14,9%.” (Id., ibid., p. 110).

569 Um conceituado jornal médico americano aliou o câncer de pulmão à poluição ambiental. Pessoas que vivem em metrópoles muito poluídas têm 12% mais chance de desenvolver a doença. O agente causador está nas finas partículas poluentes do ar, presentes na fumaça negra dos ônibus, por exemplo, e que se instalam nos pulmões vencendo as suas defesas naturais. Essa conclusão partiu do cruzamento de dados sobre poluição ambiental, realizado durante 16 anos, com fichas médicas de 500 mil pessoas de 100 cidades, que participaram do estudo prévio da Sociedade Americana de Câncer. Porém, o maior fator de risco para câncer de pulmão ainda é o tabagismo, responsável por 90% dos casos dessa doença no mundo. (BRASIL. Ministério da Saúde. INCA (Instituto Nacional do Câncer). Disponível em: <http://www.inca.gov.br/atualidades/ano 11_1/pulmão.htm>. Acesso em: 14 maio 2007. p. 1). Nesse sentido, Rosemberg expõe que “dos diversos estudos concretizados em municípios da Califórnia, inferiu-se que as taxas de incidência do câncer pulmonar não variaram mais que 3 a 5 por 100.000 nos não-fumantes ao confrontar-se, em função da poluição, os dois extremos, ou seja, os habitantes das fazendas e dos centros urbanos; ao contrário, nas duas situações as aludidas taxas se elevaram muito nos fumantes. Essas conclusões são concordantes com as pesquisas efetuadas em Cincinnati, Chicago e em outras cidades norte-americanas (Mills e col., Weiss, e relatórios do Departamento de Saúde Pública). O Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos conclui que quem fuma 40 cigarros por dia expõe seus pulmões à quantidade de benzopireno 19 vezes superior a quem respira durante um ano o ar poluído de Los Angeles.” (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 119).

570 Todavia, alguns outros estudos e especialmente o realizado entre os médicos ingleses revelaram que, ao cabo de 20 anos, a incidência desse tipo de câncer nos ex-fumantes ainda se situa em torno do dobro da dos não-fumantes. No maior estudo citado apurou-se que nos ex-fumantes, em comparação com aqueles que nunca fumaram, a mortalidade por câncer do pulmão após 1 a 4, 5 a 9, 10 a 19 e 20 e mais anos de abandono do vício foi, respectivamente, de 1783%, 673%, 376% e 110% a mais. O risco de câncer nos ex-fumantes está diretamente relacionado com o número de cigarros diários e com o número de anos de tabagismo. (BRASIL, 1987, p. 12-13).

571 BRASIL, 1987, p. 9. As proteases, principalmente a elastase dos neutrófilos (PMN) e possivelmente elastases nos macrófagos alveolares pulmonares (MAP), trabalham sem demora para destruir as estruturas alveolares e sua rede de elastina. Os tabagistas têm números aumentados de MAP e os PMN são recrutados para seus pulmões, de forma que podem ser demonstrador números aumentados de ambos os tipos celulares no lavado broncoalveolar. O recrutamento de PMN para os pulmões seria uma conseqüência da elaboração de fatores quimiotáticos pelos MAP estimulados pelo tabagismo. Além disso, os componentes da fumaça podem causar a liberação de elastase pelos PMN por meio da indução de reações citotóxicas e pela estimulação da secreção de células viáveis. Os macrófagos expostos à fumaça do cigarro in vitro aumentam a secreção de uma enzima semelhante à elastase. Este potencial de sobrecarga de protease (primariamente elastase) deve ser equilibrado pelo sistema de defesa antiprotease pulmonar. (DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 19-20).

181

O enfisema aparece com maior incidência em tabagistas do sexo masculino e de raça

branca e geralmente após os 50 anos de idade.572 Os sintomas de tosse com expectoração

ocorrem desde cedo, todavia faltas de ar surgem apenas quando 50% do parênquima

pulmonar encontra-se alterado. Com isso, ocorre perda de peso, pele arroxeada, deformidades

no tórax e hipotrofia dos músculos acessórios da respiração.

Vale ressaltar, que além do exame físico e dos antecedentes familiares, o RX do tórax

é um grande recurso para diagnosticar enfisemas que apresentam lesões moderadas.573 E mais,

o achado necroscópico de enfisema é infreqüente nos que nunca fumaram, ao passo que é

encontrado em mais de 90% dos fumantes com mais de quarenta anos de idade.574

É raro se encontrar um pulmão indene de enfisema, mesmo moderado, entre fumantes

de 20 e mais cigarros diários.575 Neste sentido, é válido registrar que “a mortalidade por

enfisema pulmonar entre os 56 e 75 anos de idade foi de cerca de 40/100.000, atingindo

430/100.000 nos fumantes.”576

Já a bronquite crônica577 ocorre pela inflamação da mucosa dos brônquios, fazendo

com que haja uma produção exacerbada de catarro infectado,578 dificultando deste modo que

572 Uma predisposição genética para o enfisema pulmonar se traduz pela deficiência, no soro, de uma

glicoproteína, a alfa-1-antitripsina. Esta possui propriedades inibidoras da atividade da tripsina e de outras enzimas proteolíticas. A deficiência severa dessa glicoproteína é relativamente rara, mas taxas subnormais encontram-se em 2% a 10% da população, conforme as regiões. Trata-se de um distúrbio hereditário. Alguns alelos com Z, S e O estão associados com deficiência substancial de alfa-1-antitripsina. Tem-se observado que taxas muito altas, intermediárias e normais estão associadas respectivamente a homozigotos PIZZ, MZ e MM. Largo leque de níveis séricos de alfa-1-antitripsina é encontrado em decorrência das particularidades dos alelos implicados. (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 79).

573 Um estudo pessoal foi efetuado em dupla leitura de 200 radiografias de homens entre 40 e 50 anos de idade, sendo metade de fumantes de 1 a 2 maços de cigarros diários pelo espaço de 15 a 20 anos e outra metade de indivíduos que jamais fumaram. A interpretação radiológica realizou-se com desconhecimento do hábito de fumar dos indivíduos observados. Avaliaram-se imagens de reforço acentuado da trama vasobrônquica, espessamento das paredes brônquicas, nódulos peribronquiais e clareamentos parciais dos campos pulmonares, sugestivos de áreas enfisematosas. O diagnóstico de “pulmão de tabagista” foi confirmado em 79% dos fumantes; por outro lado, o diagnóstico de “não-fumantes” concordou em 86% dos abstêmios. Dois radiologistas norte-americanos leram independentemente radiografias de 92 mulheres; nas mulheres de menos de 50 anos a identificação foi exata em mais de 70% dos casos, e o índice foi de 90% para as que tinham fumado mais de 2 e meio maços diários. As anomalias predominantes foram fibrose linear e nodular nos dois campos pulmonares. Em geral, as alterações estiveram quantitativamente relacionadas com a quantidade de cigarros consumidos e tempo do hábito de fumar. Outra avaliação semelhante, feita por Weiss em 2825 adultos, encontrou fibrose pulmonar difusa em relação direta com a quantidade de cigarros consumida. Os achados foram maiores nos homens do que nas mulheres e estiveram em ambos os sexos associados a sintomas respiratórios e anomalias ventilatórias peculiares à pneumonia obstrutiva crônica. Quadros radiológicos de fibrose difusa pulmonar são encontrados mais precocemente e em maior porcentagem nos tabagistas expostos a poluentes como pó de carvão, asbesto e sílica. (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 96).

574 BRASIL. Ministério da Saúde. Op. cit., 1987, p. 10. 575 Id., ibid., p. 10. 576 Id., ibid., p. 11. 577 Aldeídos, acetonas, ácidos diversos, álcoois e amônia provocam inflamação contínua dos brônquios e

hipertrofia das glândulas mucíparas, aumentando a secreção de muco e causando modificação da função ciliar,

182

o ar dos pulmões seja expulsado.579 Nestes pacientes, encontramos também os sibilos (chiados

no peito) como manifestação sonora da dificuldade de expiração de ar (também devido à

obstrução brônquica). A cianose de pele arroxeada também é muito freqüente nesses casos.580

O enfisema pulmonar e a bronquite crônica, juntamente com outra doença pulmonar,

caracteriza a chamada Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (ou DPOC). Isto ocorre porque

estas duas doenças têm como fator etiológico o consumo de cigarros e a poluição ambiental, o

que faz com que surja a obstrução crônica das vias aéreas inferiores.581 Esta doença atinge

muitos fumantes no Brasil, principalmente após os 40 anos de idade.582

A poluição atmosférica, como foi ressaltado, é um fator que contribui para o

desenvolvimento da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. Todavia, Rosemberg adverte que:

Um inquérito efetuado por Lambert e Reid na Inglaterra em 9975 pessoas acima de 35 anos de idade indicou que os processos bronquíticos estão mais correlacionados com o hábito de fumar do que com a poluição atmosférica. A proporção de pessoas com tosse, expectoração e bronquite crônica revelou-se maior nos residentes em áreas com alta poluição que nos habitantes de áreas de baixa poluição. O grau de poluição das áreas habitadas pelas pessoas inquiridas foi definido, de acordo com a classificação de Douglas-Waller, em “muito baixa, moderada e alta”. O confronto entre abstêmios e fumantes mostrou que, embora a freqüência de tosse com expectoração e da bronquite crônica aumente com o grau de poluição, a incidência é mais do dobro nos tabagistas com qualquer nível de poluição atmosférica. Assim, nas quatro áreas de poluição consideradas, a prevalência da bronquite nos fumantes foi respectivamente mais 2,95, 2,51, 2,37 e 2,94.

desaparecimento dos cílios, metaplasias e estratificação do epitélio e fibrose, alterações características da bronquite. É comum o aumento do número dos macrófagos alveolares que, todavia, apresentam bioatividade prejudicada. (Id., ibid., p. 8-9).

578 O excesso de produção de muco nos pulmões determina o principal traço do bronquítico crônico que consiste na tosse com expectoração. Esta expectoração pode ser esbranquiçada ou amarelada. (FARMALAB CHIESE. Departamento Médico Científico-DMC. Bronquite crônica. Disponível em: <http://www.farmalabchiese.com. br/faserbronquite.htm>. Acesso em: 14 maio 2007, p. 2).

579 Ocorrem também falta de ar e incapacidade para atividades físicas, a exemplo do que ocorre com a asma, devido à obstrução dos brônquios e à presença de infecções freqüentes. (Id., ibid., p. 2).

580 Id., ibid., p. 2. 581 Sabe-se que esta doença pode acometer cerca de 20% dos fumantes. No Brasil, estima-se que mais de 30% da

população seja tabagista, o que equivaleria ao comprometimento de aproximadamente oito milhões de pessoas. Ao longo de vários anos, tem sido a segunda maior causa (após as pneumonias) de morte por doença pulmonar, além de aumentar o número de incapacitados para o trabalho, internações hospitalares, benefícios e licenças de trabalho. É uma doença que atinge os pulmões e brônquios, caracterizada, principalmente, pela dificuldade de colocar o ar para fora dos pulmões, sem haver comprometimento significativo da saída do ar dos pulmões. (DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 19).

582 Sem sombra de dúvida, o hábito de fumar desempenha um papel importantíssimo no desenvolvimento tanto da bronquite crônica quanto do enfisema. Só para termos uma idéia, hoje já se sabe que a incidência de DPOC se eleva de 19,7% em homens que nunca fumaram para 87,7% em fumantes de mais de dois maços de cigarro por dia. Isso significa dizer que os fumantes de mais de dois maços de cigarro/dia têm um risco 4,5 vezes maior de desenvolver DPOC do que os não-fumantes. Os fumantes de cachimbo e charuto, por não inalarem a fumaça tão freqüentemente quanto os fumantes de cigarros, apresentam uma menor incidência de DPOC. No entanto, continuam apresentando uma incidência maior da doença do que os não-fumantes. (FARMALAB CHIESE. Op. cit., 2007, p. 1).

183

Essa correlação com o fumo de tabaco este presente em todos os grupos etários estudados, compreendidos entre 35 e 69 anos.583

A probabilidade dos consumidores de cigarros sofrerem doenças coronarianas também

é grande.584 De acordo com uma pesquisa publicada na revista médica The Lancet, “fumar

pode triplicar o risco de um ataque cardíaco e a exposição ao tabaco sob todas as formas

(cigarros, cachimbos, cigarros de palha, tabaco para mascar, fumo passivo) faz mal ao

coração.”585 Ainda conforme este estudo:

O risco de infarto depende do número de cigarros fumados diariamente: aumenta em 63% para as pessoas que fumam atualmente menos de dez cigarros por dia e se multiplica por 2,6 para aquelas que consomem de 10 a 19 cigarros diários, e por 4,6 para as que fumam 20 cigarros ou mais. Há uma “relação clara” entre o número de cigarros fumados diariamente e o risco de infarto, ressaltam Salim Yusuf, Koon Teo (McMaster University, Ontário, Canadá) e seus colegas. Entre os “fumantes leves” (menos de dez cigarros por dia), o risco maior desaparece de três a cinco anos depois que o indivíduo deixa o cigarro. Mas para os “fumantes intensos”, o risco residual (cerca de 20%) resiste por vinte anos após a pessoa parar de fumar.586

Um cigarro é suficiente para contrair todos os vasos sangüíneos do corpo. O fumo

causa endurecimento das artérias fazendo o coração trabalhar mais depressa.587 A nicotina,

por intermédio da circulação, excita as glândulas supra-renais que segregam mais adrenalina.

Conduzida ao sangue, provoca contração das paredes arteriais ocasionando espasmos das

583 ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 80. 584 Autópsias mostram a estreita vinculação do uso do cigarro com lesões endoteliais arteriais e com o

espessamento e fibrose das coronárias e arteríolas intramiocárdicas. A freqüência e extensão desses distúrbios estão correlacionadas com a quantidade de cigarros consumidos. Em um desses estudos, o espessamento fibroso das coronárias foi moderado em 59% e 72% do que, em vida, tinham fumado, respectivamente, menos de 20 cigarros e de 21 a 40 cigarros diários. Com essas duas quantidades de cigarros consumidas, a fibrose das coronárias foi avançada em, respectivamente, 10% a 19% dos casos. Nos que nunca fumaram, esses achados caíram para 29% (fibrose moderada) e 0,8% (fibrose avançada). (BRASIL. Ministério da Saúde. Op. cit., 1987, p. 16).

585 BRASIL. Ministério da Saúde. INCA (Instituto Nacional do Câncer). Disponível em: <http://www.inca.gov. br/tabagismo/atualidades/ver.asp?id=563>. Acesso em: 14 jan. 2007. p. 1).

586 Id., ibid., p. 1. 587 A aterosclerose ou o endurecimento das artérias ocasiona a espécie comum de cardiopatia. Quando as artérias

que abastecem o músculo cardíaco são envolvidas pelo processo da aterosclerose, é reduzido o habitual suprimento de sangue ao coração, e isto diminui a quantidade de trabalho que este órgão é capaz de executar. Quando a enfermidade das artérias coronárias se torna adiantada, poderá haver um repentino fechamento de alguma ramificação de uma das artérias, com o resultado de que certa parte da parede do coração não receberá sangue. O conseqüente “ataque cardíaco” será fatal se for afetada uma parte suficientemente grande da parede do coração. Destarte, a cardiopatia é realmente uma lesão cardíaca ocasionada por uma condição doentia das artérias coronárias. Em conexão com o hábito de fumar, que contribui para a aterosclerose, é apropriado usar, portanto, a expressão “distúrbios das artérias coronárias”, embora estes transtornos em geral só recebam atenção depois que prejudicarem o coração. (SHRYOCK, Haroldo. Op. cit., 1976, p. 51).

184

artérias.588 Com isso, ocorre o aumento da pressão arterial e conseqüentemente os problemas

coronários e cardiovasculares.589

Já, o monóxido de carbono é o agente causador da crescente incidência de

arteriosclerose (depósito de colesterol nas artérias) em fumantes de cigarro.590

Rosemberg salienta que:

O monóxido de carbono, conforme se viu nas pesquisas experimentais, concorre decisivamente para o desenvolvimento da aterosclerose, mantendo no sangue taxas apreciáveis de carboxihemoglobina. Avaliações estatísticas revelam que indivíduos com índices acima de 5% de carboxihemoglobina no sangue correm 5 a 20 vezes maior risco de aterosclerose do que outros do mesmo sexo e idade, cujas concentrações são inferiores a 3%. Imaginem-se as conseqüências para os tabagistas de mais de 40 cigarros diários que chegam a ter no sangue 10% a 20% de carboxihemoglobina. Por outro lado, foi demonstrada, em fumantes com doenças ateroscleróticas (trombose das coronárias, angina do peito, obliteração das artérias periféricas), média mais alta de taxas de carboxihemoglobina no sangue do que nos fumantes sem essas doenças. Alguns investigadores relatam níveis séricos de colesterol mais elevados nos tabagistas que podem ser explicados pela elevação dos níveis de carboxihemoglobina. Os altos níveis desta no sangue dos fumantes têm sido correlacionados com as injúrias encontradas nas artérias, por analogia com o observado nos animais; porém, para as alterações encontradas no homem pairam suspeitas de que a nicotina também concorre, desde que é inalada conjuntamente com o monóxido de carbono. Já foi mencionado que a nicotina estimula a liberação de catecolaminas pelas glândulas supra-renais, favorece a adesão das plaquetas sangüíneas e a trombose, concorrendo assim para o agravamento do processo de aterosclerose quando há aumento da concentração dos lípides no sangue.591

Ademais, o hábito de fumar danifica as paredes dos vasos sangüíneos e dificulta o

bombeamento de sangue até as extremidades, causando o Mal de Buerger. Há casos em que a

má circulação provoca gangrena e obriga à amputação.592

588 FUMO. Disponível em: <http://www.ctl.org.br/fumo.htm>. Acesso em: 16 maio 2007, p. 1. 589 Costa explica que a nicotina desencadeia uma ação, por via reflexa, sobre as glândulas supra-renais, liberando

catecolamina e aumentando a pressão arterial via humoral e, dessa forma, verificou-se que a ação da nicotina aumenta a deposição de colesterol nos vasos sangüíneos, produzindo a arteriosclerose. Quanto maior for a quantidade de cigarros fumados e o período de tempo de consumo de fumo, mais alta será a taxa de colesterol depositada no sangue, levando, presumivelmente, a formação de placas de colesterol no revestimento das artérias, compreendendo-se a íntima relação entre o alto teor de colesterol e a freqüência dos ataques cardíacos. (COSTA, João Batista. Op. cit., 1984, p. 86).

590 Id., ibid., p. 86. 591 ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 141. 592 REVISTA TRIP. Newscotina. Autópsia. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/trip/newscotina/

materiais/autopsia.htm>. Acesso em: 16 maio 2007. p. 2. A tromboangeíte obliterante também denominada Doença de Buerger. Esse nome foi dado em homenagem ao Dr. Leo Buerger, um dos primeiros a estudar a doença. Trombo significa coágulo, angeíte, inflamação dos vasos sangüíneos, e obliterante indica a obstrução vascular, características das situações em que a doença de Buerger está em avançado estado. O fumo, sob qualquer forma que seja usado, é um potente veneno causador e agravador da tromboangeíte obliterante. Claudicação intermitente, dores, palidez e frio nos dedos das mãos e dos pés pode ser o prenúncio de

185

Vale salientar, que o risco de infarto do miocárdio em mulheres fumantes que usam

anticoncepcionais orais é muito maior do que nas não fumantes. 593 Calcula-se que o

tabagismo seja responsável por 40% dos óbitos nas mulheres com menos de 65 anos e por

10% das mortes por doença coronariana nas mulheres de idade superior a esta.594

Assim sendo, pode-se dizer que a ação nociva do fumo do tabaco atua sobre o coração,

especificamente aos seguintes mecanismos:

a) a nicotina aumenta o trabalho do músculo cardíaco, elevando sua freqüência e as pressões sistólica e diastólica, o que exige maior demanda de oxigênio; b) o monóxido de carbono eleva as taxas de carboxihemoglobina no sangue, com menor saturação de oxigênio, gerando a hipóxia; c) a diminuição do fornecimento de oxigênio à fibra cardíaca em consequência do exposto em b) é ainda agravada pela isquemia decorrente da vasoconstrição exercida pela própria nicotina; d) pela ação isolada ou combinada do monóxido de carbono e da nicotina surgem condições para o aumento da adesão das plaquetas e do colesterol, causando dificuldade do fluxo sangüíneo ou obstrução em níveis macro e microvasculares. O mecanismo sucintamente descrito produz efeito inotrópico negativo, reduz o limiar de fibrilação pela isquemia, com a conseqüente hipóxia do miocárdio; o débito circulatório é também diminuído pela aterosclerose, que também produz isquemia, podendo a circulação ser obstruída pela trombose e resultando na oclusão dos vasos.595

O cigarro causa também os acidentes vasculares cerebrais (AVC), chamados

popularmente de derrames cerebrais. Os AVC resultam de um sangramento dentro do cérebro,

levando à paralisia do corpo e, muitas vezes, ao estado de coma e morte.596

Além disso tudo, fumar enfraquece também o sistema imunológico e torna o corpo

vulnerável a doenças como a lupus erithematosus, que provoca calvície, aumenta as chances

do consumidor vir a ter catarata, envelhece a pele, deixando-a seca e enrugada, obstrui os

vasos sangüíneos e reduz o fluxo de sangue para o ouvido, provoca melanoma, um tipo de

câncer de pele que pode ser fatal, amarela os dentes e contribui para a formação de tártaro, o

que provoca cáries, diminui a resistência às bactérias que geram a úlcera de estômago,

ulcerações e flebites superficiais que, em estágio adiantado da doença, levam à gangrena e à amputação do membro ou membros atingidos. (COSTA, João Batista. Op. cit., 1984, p. 84).

593 As mulheres tabagistas estão igualmente sujeitas a maior risco de coronariopatias. Oliver consignou em mulheres com idade inferior a 45 anos maior mortalidade por cardiopatia isquêmica vinculada ao maior consumo de cigarros, risco esse agravado com a associação de hipercolesterinemia e hipertensão. Slone e col., em mulheres abaixo dos 50 anos que sofreram infarto do coração, não-usuárias de anticoncepcionais orais e com exclusão de outros fatores de risco, verificaram a proporção de 89% de fumantes contra 55% entre as abstêmias; entre as consumidoras de 35 ou mais cigarros diários, a média de infartos foi vinte vezes maior em confronto com as que jamais fumaram. (ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 149).

594 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 18. 595 ROSEMBERG, José. Op. cit., 1981, p. 142. 596 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 20.

186

aumenta o risco de câncer cervical e uterino, afeta a fertilidade feminina, gera complicações

na gravidez e na hora do parto, apressa a menopausa, reduz o número de espermatozóides

ativos, diminui o fluxo sangüíneo para o pênis, pode afetar o desempenho sexual, causar

impotência, aumenta em até três vezes mais a chance de desenvolver psoríase, uma doença

crônica que provoca escamas esbranquiçadas e manchas vermelhas na pele, entre outros

males.597

Assim, em razão do que foi apresentado, pode-se afirmar que é possível estabelecer

uma relação adequada e eficiente entre o consumo significativo de cigarro e as doenças por

ele provocadas. Portanto, visto dessa forma, tenta-se comprovar aqui o nexo causal entre a

produção/comercialização de cigarros e a ocorrência de danos à saúde (através de uma análise

baseada em um juízo de probalidade e ponderação, como já foi ressaltado), requisito este

necessário para que ocorra a indenização do consumidor na responsabilidade civil objetiva

pelo fato do produto estabelecido no Código de Defesa do Consumidor.

3.4 DOS DANOS GERADOS PELO CONSUMO DE CIGARROS

O dano é o elemento ou requisito essencial na etiologia da responsabilidade civil.598

Não há responsabilidade sem dano. O dano é o elemento indispensável para que haja

indenização. Portanto, ocorrendo lesão a um direito é necessário que ocorra um prejuízo

material ou imaterial. O dano nada mais é que um prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial

resultante de uma lesão causada por um terceiro. Não havendo prejuízo, não haverá dano e da

mesma forma, não haverá reparação.599

De acordo com o artigo 186 do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Porém, este pressuposto não é autônomo, pois para que se constitua a obrigação de

indenizar é necessário que haja ação e nexo causal. Na verdade, o dano é um dos elementos

597 Conforme as informações fornecidas pela Revista Trip, Op. cit., 2007, p. 1-2. 598 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 37. 599 Com efeito, dano e prejuízo são coisas distintas. No plano da responsabilidade jurídica civil por dano

patrimonial, prejuízo é a perda econômica experimentada pela pessoa em razão do dano sofrido. O dano é, pois, a causa do prejuízo econômico. Com isso, pode-se pensar que ocorram casos em que, embora verificado o dano não se verifica o conseqüente prejuízo econômico (ARRUDA, Augusto F.M. Ferraz de. Dano moral puro ou psíquico. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 11).

187

do trinômio ato, nexo causal, dano, sem o qual não há falar em responsabilidade civil.600 No

sentido genérico, dano consiste na diminuição do patrimônio do ofendido, porém existem

outras lesões não-patrimoniais que também devem ser consideradas, como a vida, a saúde, a

imagem, a honra, etc.

Alvim citando Ficher, explica que dano “na linguagem jurídica constitui todo o

prejuízo que o sujeito, de direito sofra através da violação dos seus bens jurídicos, com

exceção única daquele que a si mesmo tenha causado.”601

Salienta-se que, a indenização visa restabelecer o status quo ante à vítima, ou seja,

devolvendo a reparação integral ao estado em que se achava antes da ocorrência do dano.602

Todavia, isto nem sempre é possível. Sendo assim, procura-se a compensação financeira,

através do pagamento de indenização em dinheiro para reparar o dano.603

Desta forma, para ressarcir o dano, é necessário que este seja certo e atual. O dano é

certo quando se concebe um pedido de reparação de um prejuízo real e efetivo. É necessário

que seja demonstrada a sua efetividade, em face de um evento que tenha repercutido ou

invadido injustamente a esfera jurídica da vítima, por fato de outrem.604

600 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Dano moral à pessoa e sua valoração. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.

p. 1 601 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. São Paulo: Saraiva, 1949. p. 155. 602 É que, na medida que não se indeniza o prejuízo em si, mas o dano representado pela lesão de um interesse

tutelado pelo ordenamento jurídico, a ser apurado em liquidação, desse modo recoloca-se necessariamente, na liquidação, a problemática das circunstâncias ligadas aos sujeitos (ativo e passivo) da relação obrigacional; à ação causadora do dano, subjetiva e objetivamente considerada; aos antecedentes do fato e suas conseqüências; às formas de indenização e às cominações legais; circunstâncias essas que, em seu conjunto, condicionam a avaliação do dano indenizável, especificando-lhe o modo de reparação ou ressarcimento e determinando-lhe a justa medida. (CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 122).

603 Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum praticamente a todos os autores, de que o dano é não somente o fato constitutivo, mas, também, determinante do dever de indenizar. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2003a, p. 90).

604 ALONSO, Paulo Sérgio Gomes. Pressupostos da responsabilidade civil objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 129. Neste mesmo sentido, Marmitt ressalta que: “Dano certo é aquele que tem existência determinada. É o dano efetivo e materializado, embora vinculada a sua apuração a eventualidades futuras, como probabilidade de lucros ou prêmios. É o caso de um veículo preparado para uma corrida importante, com possibilidades de conseguir valioso troféu. As perdas e danos compreenderiam aí, além do valor normal do automóvel, a parcela extraordinária, relativa à chance de consagrar-se grande campeão, ou a láurea respectiva. As peculiaridades de cada situação apontarão a melhor maneira de obtenção do justo ressarcimento, com a inclusão ou a exclusão de referida parcela. (MARMITT, Arnaldo. Perdas e danos. 3. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1997. p. 19).

188

Além de certo, o dano deve ser atual. De acordo com Pereira, “diz-se atual o dano que

já existe ou já existiu no momento da ação de responsabilidade.”605 No entanto, vale ressaltar

que atualmente a doutrina tem admitido o ressarcimento de prejuízos causados por danos

futuros.606

Dano futuro é o dano in fieri, aquele que ainda não brotou no mundo jurídico. Apesar

de certo, ainda não está definido ao ensejo da propositura da demanda ressarcitória.607

Pereira citando Planiol, Ripert e Esmein afirma que:

Possa ser ressarcido um prejuízo ainda não positivado, se a sua realização é desde logo previsível pelo fato da certeza do desenvolvimento atual, em evolução, mas incerto no que se refere a sua quantificação; ou, ainda, se consistir na seqüela de um fato atual, como seria o caso do dano causado a uma pessoa, implicando na sua incapacidade para o trabalho.608

Todavia, quando o dono não possui atualidade e certeza, caracteriza-se como eventual.

Dano eventual é de difícil indenizabilidade eis que quase impossível é admitir ou indenizar

um prejuízo meramente hipotético, apenas existente na fantasia ou na imaginação.609

Ademais, o dano pode ser também “reflexo” ou “ricochete”. Este dano ocorre quando

uma pessoa sofre um prejuízo “reflexo” devido ao dano causado a uma outra pessoa.

Pereira ressalta que:

Não se trata da responsabilidade indireta, que compreende responsabilidade por fato de terceiro. A situação aqui examinada é a de uma pessoa que sofre o “reflexo” de um dano causado a outra pessoa. Pode ocorrer, por exemplo, quando uma pessoa, que presta alimentos a outra pessoa, vem a perecer em conseqüência de um fato que atingiu o alimentante, privando o alimentado do benefício. Seria o caso do ex-marido que deve à ex-mulher ou aos filhos uma pensão devida em conseqüência de uma separação ou divórcio, vir a perecer ou ficar incapacitado para prestá-la, como conseqüência de um dano que sofreu. Levanta-se nesses, e em casos análogos, a indagação se o prejudicado tem ação contra o causador do dano, embora não seja ele diretamente o atingido. Examinando o assunto, Geneviève Viney informa que o princípio da reparação desses danos, chamados par ricochet ou danos

605 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., 1998, p. 40. Nas palavras de Marmitt, “dano atual é o dano presente,

como o próprio adjetivo expressa. Não precisa ser certo, mas relativamente ao fato ilícito deve estar consumado, findo, definido, com a geração de todos os seus efeitos. Não há dano sem conseqüências, ou sem lesão ao direito de outrem.” (MARMITT, Arnaldo. Op. cit., 1997, p. 19).

606 Em princípio, um dano futuro não justifica uma ação de indenização. No entanto, como admite o próprio Lalou, a ação de perdas e danos por um prejuízo futuro é possível quando este é conseqüência de um dano presente e que os tribunais tenham elementos de apreciação para avaliar o prejuízo futuro. (ALONSO, Paulo Sérgio Gomes. Op. cit., 2000, p. 129).

607 MARMITT, Arnaldo. Op. cit., 1997, p. 19. 608 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., 1998, p. 40. 609 MARMITT, Arnaldo. Op. cit., 1997, p. 19.

189

“reflexos”, é admitido largamente na França, embora em alguns direitos estrangeiros tenha encontrado reticências. A caracterização da natureza do dano – se pode ser ele considerado autônomo, ou mero reflexo do dano inicial – tem preocupado a jurisprudência, segundo informa a autora.610

No dano reflexo ou ricochete existem duas vítimas e duas ações fundadas em apenas

um fato danoso. Neste sentido, pode-se afirmar que os fumantes passivos sofrem danos

reflexos tanto pelos sofrimentos suportados pelas vítimas do cigarro quanto pelos males que

possam vir a sofrer, como também pelos gastos com tratamento de saúde, pois, o dano reflexo

pode ser tanto um dano moral quanto um dano estético ou material, uma vez que o prejuízo da

vítima reflexa pode ser das três espécies.

Dano material ou patrimonial é a lesão concreta que atinge a um interesse patrimonial

da vítima e que poderá traduzir-se na perda ou deterioração, total ou parcial, de bens que lhe

são economicamente úteis e, por conseguinte, suscetíveis de avaliação pecuniária.611 Este

dano reduz de forma determinável o patrimônio da estima, “gerando uma menos-valia, que

deve ser indenizada para que se reconduza o patrimônio ao seu status quo ante, seja por uma

reposição in natura ou por equivalente pecuniário.”612

610 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., 1998, p. 43. 611 BAUAB, José D’Amico. A ação individual de responsabilidade civil e a reparação de danos patrimoniais e

morais. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). Responsabilidade civil por danos a consumidores. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 80. Conforme Marmitt, “o dano material ou patrimonial atinge os bens do patrimônio do cidadão. O vocábulo bens aí tem a compreensão mais ampla possível, envolvendo os objetos corpóreos e incorpóreos, sempre alienáveis em pecúnia. O dano patrimonial lesa bens apreciáveis pecuniariamente. Sua definição é dada em contraposição ao dano moral, que prejudica valores sem específico teor econômico. No dano patrimonial a pessoa é lesada no que tem, e no dano moral a pessoa é lesada no que é. Mas em termos clássicos o dano material equivale a uma diminuição no patrimônio, entendido esse como um conjunto de relações jurídicas apreciáveis pecuniariamente. Mas o dano em si, em sentido amplo, é sempre a lesão a um direito, desimportando a natureza.” (MARMITT, Arnaldo. Op. cit., 1997, p. 14). Andrada confirma que “a perfeita caracterização jurídica de dano patrimonial envolve somente os direitos de natureza econômica, ou seja, aqueles que podem ser reduzidos a valor pecuniário, portanto, o dano patrimonial caracteriza-se pela diminuição econômica do patrimônio – bens materiais e imateriais – podendo ser aferido por simples cálculo aritmético, subtraindo-se do patrimônio existente antes do evento danoso o patrimônio que restou depois deste evento, o resultado será o dano experimentado pelo lesado.” (ANDRADE, Ronaldo Alves de. Op. cit., 2000, p. 5-6).

612 SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996b. p. 40. Silva explica que: “da diminuição patrimonial obrigatória para se caracterizar o dano patrimonial, extrai-se o princípio segundo o qual o dano só tem relevância jurídica como fato consumado, isto é, como resultado final de um processo cujas circunstâncias benéficas (atenuantes) ou prejudiciais (agravantes) foram levadas em conta. Esta idéia corresponde exatamente à expressão compensatio lucri cum damno (compensação do lucro com o dano), que é usada em matéria de responsabilidade civil, quando o autor do dano pretende diminuir a indenização que tem de pagar, sob a alegação de que o fato trouxe, por sua vez, a oportunidade, para a vítima ou sua família, de obter vantagens pecuniárias que não ocorreriam sem o evento. Em outras palavras, a expressão compensatio lucri cum damno refere-se ao instituto da compensação de vantagens que é aplicado quando o prejudicado por um dano ficaria em situação melhor, pela reparação, do que antes que ele ocorresse. Nestas condições, deve compensar a vantagem que resulte diretamente do dano, com a indenização que lhe é devida, e que não constitua proveito para o responsável por ele.” (SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 32-33).

190

O dano material se subdivide em dano emergente e lucro cessante. O dano emergente,

também conhecido como dano positivo, consiste num déficit real e concreto no patrimônio do

lesado, patrimônio este que sofre uma diminuição em virtude de destruição, privação de uso e

gozo dos bens que existiam na época da ação lesiva.613

Cavalieri Filho salienta que:

A mensuração do dano emergente, como se vê, não enseja maiores dificuldades. Via de regra, importará no desfalque sofrido pelo patrimônio da vítima, será a diferença do valor do bem jurídico entre aquele que ele tinha antes e depois do ato ilícito. Assim, valendo-se de um exemplo singelo, um acidente de veículo com perda total, o dano emergente será o integral valor do veículo. Mas, tratando-se de perda parcial, o dano emergente será o valor do conserto, e assim por diante. Dano emergente é tudo aquilo que se perdeu, sendo certo que a indenização haverá de ser suficiente para a restitutio in integrum.614

Em relação às perdas e danos sofridos pela vítima, o artigo 402 do Código Civil expõe

que: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor

abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”

Portanto, perdas e danos no dano emergente consiste em todo o prejuízo sofrido pelo credor

em razão do devedor não ter cumprido com a sua obrigação, ou ainda quando provenha de um

dano que cause diminuição no patrimônio do credor.

Por sua vez, no lucro cessante, a lesão causada à vítima cessa seus rendimentos,

impedindo-a desta forma de aumentar o seu patrimônio.615 E aqui não estamos falando de um

lucro futuro, mas remoto ou eventual. Estamos falando de um lucro in potentia proxima,

embasado numa probabilidade objetiva passível de verificação.616

Para Alonso,

O lucro cessante, na maioria das vezes, coloca-se em termos de futuro, ou seja, é aquilo que a pessoa deixou de aferir em decorrência da lesão obstativa do lucro, o que dificulta estabelecer critérios seguros para a sua determinação; diferentemente, o dano emergente, por ser atual, faz surgir de imediato o direito à reparação.617

613 BAUAB, José D’Amico. Op. cit., 1992, p. 80. 614 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., 2003a, p. 91. 615 Cavalieri Filho salienta que: “lucro cessante é a perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de

lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. Pode decorrer não só da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima, como, por exemplo, da cessação dos rendimentos que alguém já vinha obtendo da sua profissão, como, também da frustração daquilo que era razoavelmente esperado.” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., 2003a, p. 91).

616 BAUAB, José D’Amico. Op. cit., 1992, p. 80. 617 ALONSO, Paulo Sério Gomes. Op. cit., 2000, p. 138.

191

Ressalta-se que na liquidação do dano verifica-se o quantum da indenização. No dano

emergente torna-se mais fácil tal processo já que é possível constatar o desfalque causado no

patrimônio. Todavia, no lucro cessante, julga-se mais complexo estabelecer uma indenização,

por se tratar de prejuízos futuros, para tanto, utiliza-se a razão e o bom senso para se verificar

as perdas e os danos618 atuais ou potenciais.

Os danos materiais do consumidor de cigarro surgem dos gastos com o tratamento de

saúde ocasionado pelas doenças adquiridas bem como também pelo pagamento dos danos

futuros. (lucro cessante) até o termo de convalescença, pois de acordo com o artigo 949 do

Código Civil, “no caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das

despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum

outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”

Se o dano ocasionado à saúde do consumidor de cigarros resultar em defeito pelo qual

o ofendido não possa exercer o seu ofício de profissão, ou se lhe diminua a capacidade de

trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da

convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se

inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu (art. 950 do Código Civil).

No caso de morte do indivíduo em razão do consumo de cigarros, a indenização

consiste, sem excluir outras reparações, no pagamento das despesas com o tratamento da

vítima, seu funeral e o luto da família bem como também na prestação de alimentos às

pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima

(artigo 948, incisos I e II do Código Civil).

A lesão causada ao ofendido pode resultar também em dano moral. Há na doutrina

diferentes conceitos de dano moral tanto de ordem negativa quanto de ordem substancial.

Severo salienta que:

A ordem negativa defende o conceito de dano moral em contraposição com o conceito de dano patrimonial. Já a ordem substancial consigna o conceito de dano moral com a representação de dor. Todavia, segundo o autor, “as tentativas de uma conceituação substancial de dano extrapatrimonial têm enfrentado dois tipos de problemas: a ausência de um caractere distintivo e a tendência ao alargamento dos danos ressarcíveis. Inicialmente, vislumbrava-

618 Marmitt estabelece que: “a expressão perdas e danos indica a soma de prejuízos a serem satisfeitos por quem

os causou a outrem, ou seja, o responsável pelo ato ou fato ensejador dos danos. Juridicamente a locução perdas e danos representa uma só coisa: os prejuízos sofridos por alguém. Alguns preferem o termo perdas e interesses, por melhor significar dano emergente e lucro cessante. Outros reservam o emprego perdas e danos para as relações contratuais, deixando a palavra indenização para a responsabilidade civil aquiliana. (MARMITT, Arnaldo. Op. cit., 1997, p. 9-10).

192

se a dor como o caractere distintivo capaz de conduzir a uma conceituação substancial: porém, cada vez mais se observa uma tendência no sentido de abolir tal subjetivismo do campo do dano extrapatrimonial, de forma que este elemento foi desbotando progressivamente e tende a ser superado. É uma tendência contemporânea a libertação dos conceitos fechados, ou a submissão da justiça do caso concreto a limites conceituais rígidos, de modo que novos mecanismos vêm sendo buscados como forma de alcançar a realidade concreta, como no caso dos conceitos indeterminados e das cláusulas gerais.”619

A ofensa ao dano moral não gera uma perda pecuniária, mas sim uma perda no

patrimônio moral do ofendido no momento em que atinge a sua honra, dignidade, boa

reputação, afetividade, prestígio social...

619 SEVERO, Sérgio. Op. cit., 1996b, p. 41. Vejamos a opinião de alguns autores. Na ordem negativa: Magalhães

ressalta que a definição de dano moral tem que ser dada sempre em contraposição a dano material, sendo este o que lesa bens apreciáveis pecuniariamente e aquele, ao contrário, o prejuízo a bens de valores que não têm conteúdo econômico. (MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopes de. O dano estético: responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 7). Severo explica que dano extrapatrimonial é a lesão de interesse sem expressão econômica, em contraposição ao dano patrimonial, não justificando-se a busca de uma definição substancial, uma vez que tal concepção constituir-se-ia numa limitação desnecessária ao instituto. (SEVERO, Sérgio. Op. cit., 1996b, p. 43). Na ordem substancial: para Deda, dano moral é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. (DEDA, Artur Oscar de Oliveira. A reparação dos danos morais: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 8). Andrade admite que o dano moral somente existe quando afeta direitos da personalidade, não constituindo teratologia definir o dano moral com o dano decorrente da ofensa a direito da personalidade natural ou jurídica. (ANDRADE, Ronaldo Alves de. Op. cit., 2000, p. 11). Alonso expõe que o dano moral constitui agressão, provocada por terceiro, aos bens jurídicos da pessoa, dotada de valores intrínsecos e extrínsecos, atingindo-a na sua intimidade e no seu relacionamento social, porque neste repercute o fato violador. (ALONSO, Paulo Sérgio Gomes. Op. cit., 2000, p. 139). Sharp Júnior afirma que: “Configuram danos morais a violação de direitos da personalidade, como sofrimento psíquico, perturbação às relações anímicas, à esfera ética ou ideal do indivíduo, às suas afeições, atentado à segurança, à tranqüilidade de espírito, à paz interior, aos valores internos, inflição de aborrecimentos, incômodos, transtornos, pânico, desconforto, desgostos, mal-estar, sentimentos de impotência, susto, emoção, espanto, dor, constrangimento, angústia, humilhação, mágoa e tristeza causados injustamente a uma pessoa, sem qualquer repercussão patrimonial.” (SHARP JÚNIOR, Ronald A. Dano moral. 2. ed. Rio de Janeiro: Destaque, 2001. p. 5). Reis argumenta que no dano moral fulmina-se o bem psíquico, compensando-o através de uma soma em dinheiro que assegure à vítima uma “satisfação compensatória”. (REIS, Clayton. Dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 5). Segundo Mendes, os danos morais afetam a pessoa em sua dignidade subjetiva, ou seja, em sua esfera íntima, naquilo que pensa de si mesmo e em sua dignidade objetiva, consistente na reputação que goza no meio social, e que são preciosos valores humanos, tutelados pelo Direito. (MENDES, Robinson Bogue. Dano moral e obrigação de indenizar: critérios de fixação do quantum. Campo Grande: UCDB, 2000, p. 18). No entender de Monteiro Filho, conceitua-se dano moral como a dor em função de conduta contrária ao direito, ou, tecnicamente, como o efeito moral da lesão a interesse juridicamente protegido. (MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rego. Elementos de responsabilidade civil por dano moral. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 40). Cahali salienta que “Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, como privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se, desse modo, em dano que afeta a “parte social do patrimônio moral” (honra, reputação etc.) e dano que molesta a “parte afetiva do patrimônio moral” (dor, tristeza, saudade etc.); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante etc.) e dano moral puro (dor, tristeza etc.).” (CAHALI, Yussef Said. Op. cit., 1998, p. 20). Gusso opina que dano moral é todo sofrimento injusto experimentado por pessoa (física ou jurídica), em decorrência de um ato ilícito cometido por terceiro, que violentou profundamente os sentimentos éticos e morais do ofendido, ou abalou o crédito e/ou conceito da empresa. (GUSSO, Moacir Luiz. Dano moral. São Paulo: Direito, 2001, p. 30).

193

A doutrina classifica o dano moral quanto à natureza, quanto ao momento da lesão e

quanto aos seus efeitos. Quando à natureza, o dano moral pode ser puro ou impuro. O dano

moral puro é aquele que ocorre quando o efeito do evento lesivo incide exclusivamente sobre

os interesses extrapatrimoniais do lesado. É decorrência exclusiva da ação violadora.620 Já o

dano moral impuro é aquele que se dá quando o efeito do evento lesivo incide sobre o acervo

patrimonial e, também, sobre a esfera extrapatrimonial do lesado. É decorrência híbrida da

ação violadora.621

Quanto ao momento da lesão, o dano moral pode ser direto ou indireto. O dano moral

direto consiste em uma lesão que afeta o bem extrapatrimonial contido nos direitos da

personalidade ou nos atributos da pessoa de forma imediata.

Todavia, ressalta-se que alguns doutrinadores defendem que para o dano moral ser

direto ele deve ser certo e atingir um interesse legítimo e pessoal. Para estes, o dano direto é

aquele que decorre de uma relação suficiente de causa e efeito, de modo que o dano remoto

são seria indenizável.622

O dano moral indireto é aquele que consiste no efeito decorrente de outro dano de

ordem patrimonial. A afetação moral é conseqüência do dano material, sendo assim,

decorrência mediata da ação violadora.623 Desta forma, é indireto o dano que, consistindo

numa conseqüência da perda imediatamente sofrida pelo lesado, representa uma repercussão

ou efeito da causa noutros bens que não os diretamente atingidos pelo fato.624

Por sua vez, quanto aos seus efeitos, o dano pode ser também objetivo ou subjetivo. O

dano moral será objetivo quando atinja interesses não econômicos que não repercutem na sua

esfera interna, ou subjetivo, quando importe em sofrimento psíquico ou físico.625 Enquadram-

620 MENDES, Robinson Bogue. Op. cit., 2000, p. 20. 621 Id., ibid., p. 20. 622 VARGAS, Glaci de Oliveira Pinto. Reparação do dano moral: controvérsias e perspectivas. Porto Alegre:

Síntese, 1997. p. 18. A autora explica ainda que: “Quanto à certeza, considera-se o dano que é razoável e não o meramente eventual, ou seja, o dano confere a existência real ou indica a probabilidade de uma existência futura, enquanto o dano eventual não passa de uma expectativa. Nesta digressão, ainda no que tange à certeza, recomendam que se deva apreciar o prejuízo atual e futuro, bem como a perda de uma chance. Assim, consideram como prejuízo atual aquilo que a pessoa efetivamente perdeu – dano emergente – e como prejuízo futuro o que deixou de lucrar – lucro cessante. Desta maneira, o dano atual é definido como a lesão de interesse de que a vítima dispõe no presente, seja ele patrimonial ou moral (extrapatrimonial), e o dano futuro aquele que existe em potência, cuja realização é previsível.” (VARGAS, Glaci de Oliveira Pinto. Op. cit., 1997, p. 18).

623 MENDES, Robinson Bogue. Op. cit., 2000, p. 21. 624 VARGAS, Glaci de Oliveira Pinto. Op. cit., 1997, p. 19-20. Vale ressaltar que conforme a autora, a

reparabilidade dos danos indiretos deve ser incluída na fixação de indenização, por se situar na esfera da abrangência dos interesses protegidos pela norma constitucional e pela legislação ordinária, ainda que não expressamente declarados nos dispositivos legais (Id., ibid., p. 20).

625 SEVERO, Sérgio. Op. cit., 1996b, p. 45.

194

se nesta categoria os valores referentes à honra objetiva, como o nome, a fidelidade conjugal,

a honestidade...

O dano moral será subjetivo quando provocar violação à integridade moral da pessoa

no plano de sua intimidade psíquica. É decorrência interna da ação violadora.626 Elencam-se

como dano moral subjetivo os valores íntimos da pessoa como a integridade física, a

intimidade, as afeições legítimas...

Assim, não só as coisas suscetíveis de avaliação econômica integram o patrimônio da

pessoa, mas também as coisas imateriais, atributos do ser humano que ele adquiriu com

sacrifício e dedicação.627

Portanto, o fundamento da reparabilidade do dano moral está que, a par do patrimônio

em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não

podendo conformar-se à ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos.628

Todavia, doutrinadores e juristas percorrem caminhos divergentes na interpretação da

reparação do dano moral, fazendo com que haja vários posicionamentos na doutrina e na

jurisprudência. Essas divergências dividem as opiniões em três correntes doutrinárias: a

corrente favorável, a corrente contrária e a corrente eclética ou mista.

A corrente favorável à reparação do dano moral é a que possui maior força hoje no

direito brasileiro. Os doutrinadores nacionais, na sua maioria, admitem a reparação de

qualquer dano, e que essa reparação deva ser a mais extensiva possível.629

De acordo com esta corrente doutrinária, se o dano existe deve ser reparado, ainda que

de forma imperfeita, dada a natureza do bem lesado, pois de caráter subjetivo, íntimo, pessoal,

cuja conseqüência, a dor, é de repercussão espiritual.630 Isto se deve ao fato de que além do

626 MENDES, Robinson Mendes. Op. cit., 2000, p. 21. 627 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 150. 628 VARGAS, Glaci de Oliveira Pinto. Op. cit., 1997, p. 21. 629 Conforme REIS, Clayton. Op. cit., 1997, p. 44. 630 VARGAS, Glaci de Oliveira Pinto. Op. cit., 1997, p. 39-40. Conforme Vargas, “as manifestações que o dano

provoca são negativas, dolorosas e deprimentes e só quem as experimenta pode precisar sua extensão. Refutam o entendimento dos adeptos da corrente contrária que, mesmo reconhecendo a consagração do instituto no ordenamento jurídico, atentam para o perigo de a vítima “abusar” desse direito, como se pode ver na afirmativa: ‘A par da veracidade, há que atentar para ao fato de a Constituição Federal ter concedido ampla abertura para a reparação do dano moral, mas isso não pode ser levado ao uso, como já vem acontecendo, através de ações inconsistentes’.” (Id., ibid., p. 40). Reis ressalta que é inadmissível aceitar, em época de tão acentuado avanço científico e tecnológico, a idéia da impossibilidade de compensação da dor moral. Seria, em realidade, negar a existência de um patrimônio moral. Por outro lado, a aceitação dessa tese levar-nos-ia à constatação de um exclusivo patrimônio material. (REIS, Clayton. Op. cit., 1997, p. 45).

195

patrimônio em sentido técnico, está o indivíduo como titular de direitos de sua personalidade

(integridade física, liberdade, honra), que não podem ser impunemente atingidos.631

Ressalta-se que no Brasil, a Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, inciso X,

elencou como invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Por outro lado, a corrente doutrinária contrária à reparação do dano moral afirma que é

impossível a reparação632 sob o fundamento de que a reconstituição de um patrimônio lesado

não se dá pela reparação do dano moral apenas, sendo que, para os defensores dessa corrente,

a dor é inindenizável em dinheiro.633 Assim, de forma genérica apontam a irreparabilidade

com fundamento na inadmissibilidade do pagamento do pretium doloris ou pretium luctus –

preço da dor e na impossibilidade de se avaliar o dano em dinheiro, o que implicaria

inaceitável arbítrio judicial de sua fixação.634 A tese encontra respaldo na doutrina clássica,

631 REMÉDIO, José Antonio. Dano moral: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 21. 632 Esta corrente atenta para a impossibilidade de reparar um dano moral, seja pela dificuldade de avaliar a lesão

sofrida, seja pela impraticabilidade de se fazer equivalência econômica com um bem moral. Há ainda nesta corrente os que entendem que as faculdades humanas, os bens constitutivos da personalidade, situam-se fora do Direito. Negam a possibilidade de se atestar a existência ou a intensidade da dor e dos sofrimentos íntimos. Dizem que a dor não pode ser tarifada, que a dor não tem preço e que não se pode confundir honra com dinheiro. Sentem repugnância e ficam indignados só pela tentativa de alguns, mediante pecúnia, dar preço ao sofrimento das vítimas. Não há que se admitir compensação pela honra, pelo afeto aos filhos, pelo bom nome, pelo prestígio, pois nada é viável de compensação pecuniária. (VARGAS, Glaci de Oliveira Pinto. Op. cit., 1997, p. 42).

633 REMÉDIO, José Antonio. Op. cit., 2000, p. 21. 634 ALONSO, Paulo Sérgio Gomes. Op. cit., 2000, p. 143-144. Segundo Vargas, as objeções em que se amparam

os contrários à reparação do dano moral podem ser agrupadas da seguinte forma: 1. transitoriedade do dano, ou seja, falta de um efeito penoso durável; 2. escândalo de levar a juízo discussão dos sentimentos íntimos de afeição e decoro; 3. incerteza de um direito violado; 4. impossibilidade de uma avaliação rigorosa do dano; 5. indeterminação do número de pessoas lesadas; 6. perigo do arbítrio judicial, em função do ilimitado poder atribuído ao juiz; 7. impossibilidade legal da reparação do dano; 8. enriquecimento ilícito do ofendido; 9. imoralidade de compensação da dor com dinheiro. (VARGAS, Glaci de Oliveira Pinto. Op. cit., 1997, p. 42-54). Diniz também enumera as objeções à reparação do dano moral: “a) efemeridade do dano moral; b) escândalo da discussão, em juízo, sobre sentimentos íntimos de afeição e decoro; c) incerteza, dos danos morais, de um verdadeiro direito violado e de um dano real; d) dificuldade de descobrir-se a existência do dano; e) impossibilidade de uma rigorosa avaliação pecuniária do dano moral; f) indeterminação do número de lesados, pois a lesão atingiria não só a vítima, mas também seus parentes, amigos, noivo, namorado, cônjuge e até mesmo amante; g) imoralidade da compensação da dor com o dinheiro; h) perigo de inevitabilidade de interferência do arbítrio judicial conferindo ao magistrado poder ilimitado na apreciação dos danos morais, ao avaliar o montante compensador do prejuízo; i) enriquecimento sem causa, pois o credor teria, com a reparação do dano moral, um aumento patrimonial, sem que tivesse tido nenhum desembolso; j) impossibilidade jurídica de se admitir tal reparação.” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1994. v. 4. p. 69-70). Neste mesmo sentido, Silva explica que “os argumentos dos adversários do ressarcimento do dano moral podem ser metodicamente resumidos ao seguinte: a) falta de efeito penoso durável; b) incerteza do direito violado e de um dano real; c) dificuldades em descobrir a existência do dano moral; d) indeterminação do número das pessoas lesadas; e) impossibilidade de rigorosa avaliação em dinheiro; f) imoralidade da compensação de uma dor com o dinheiro; g) extensão do arbítrio concedido ao juiz (ilimitado poder que se tem de conferir ao juiz); h) a impossibilidade jurídica de se admitir tal reparação; i) a reparação do dano moral implica num enriquecimento sem causa do prejudicado; j) a reparação somente se daria no caso do ofendido ser pobre; k)

196

que consiste na reparação do dano na proporção dos prejuízos causados, que é aferido pelos

métodos de medição material.635

No entanto, há doutrinadores que formam a escola eclética ou mista que defendem a

reparabilidade do dano moral quando este possuir reflexos no patrimônio moral da vítima.

De acordo com Vargas:

Há ainda, dentro desta, outra divisão, representada pelos que fazem distinção entre a parte social do patrimônio moral que seria a honra, a reputação; e a parte afetiva, que é a dor, negando reparação, quando o dano afeta somente esta última. Nela apóiam-se muitas decisões dos magistrados que sustentaram, por algum tempo, receio na reparação do dano moral por não surgir concomitantemente com o dano de natureza econômica.636

O dano moral pode ser reparado de diversas formas. A recomposição in natura visa o

chamado restitutio in integrum da situação anterior ao evento lesivo. Portanto, esta reparação

tem, necessariamente, que operar a substituição dos efeitos de um determinado fato lesivo,

pelos efeitos da prática de um ato outro, reparatório, que reconduzirá o estado de espírito do

lesado à mesma situação em que se encontrava primitivamente.637 Todavia, esta reparação não

exclui a possibilidade de indenização em moeda corrente, situação esta em que caberá ao juiz

avaliar as circunstâncias e a gravidade da lesão para aplicá-la de forma conjunta e

suplementar.638

A reparação in natura pode ser constatada em algumas situações de danos

extrapatrimoniais, como a publicação de uma decisão judicial, ou na reposição de um bem

semelhante em alguns casos.639

só podem ser reparados os danos oriundos do extracontratual.” (SILVA, Américo Luís Martins da. Op. cit., 1999, p. 42).

635 REIS, Clayton. Op. cit., 1997, p. 49. 636 VARGAS, Glaci de Oliveira Pinto. Op. cit., 1997, p. 46. 637 MENDES, Robinson Bogue. Op. cit., 2000, p. 153. 638 Sharp Júnior explica que a compensação da vítima mediante o recebimento de uma quantia em dinheiro deve

servir para impor uma pena ao lesionador, de modo a que a sua diminuição patrimonial opere como um castigo substitutivo do primitivo sentimento de vingança privada do ofendido. Num mundo cada vez mais capitalista, a pena expressa em pecúnia assume relevante significado, contribuindo para que o autor dos danos morais sinta efetivamente em seu próprio bolso, principalmente se for fornecedor de produtos ou serviços. Busca-se, de um lado, atribuir à vítima uma importância em dinheiro para que ela possa amenizar seu sofrimento, adquirindo bens ou permitindo a fruição de outras utilidades que ajudem a aplicar o seu sofrimento. O dinheiro funciona como um lenitivo ou um sucedâneo da lesão moral, já que se mostra impossível o retorno à situação original nessa espécie de dano. (SHARP JÚNIOR, Ronaldo. Op. cit., 2001, p. 12).

639 SEVERO, Sérgio. Op. cit., 1996a, p. 193. No entanto, conforme Severo, deve-se reconhecer que a reparação in natura é uma situação excepcional, reservada a alguns casos de ofensa aos direitos da personalidade, pois os danos extra-patrimoniais na maioria das situações demonstram-se impassíveis de reposição por um bem idêntico ou por neutralização total dos efeitos lesivos. (Id., ibid., p. 193).

197

Ante à impossibilidade de reparar o dano através da reparação in natura, ou no caso do

lesado não aceitar esta reparação, ou seja, insuficiente para abrandar o sofrimento moral da

vítima, aplicar-se-á uma reparação pecuniária. Esta forma de reparação consiste na atribuição

de uma soma pecuniária para compensar o prejuízo. Trata-se aqui das perdas e danos.640 O

dinheiro assume a posição de recomposição do sofrimento causado pelo evento lesivo.

Portanto, verifica-se que na indenização pecuniária, o dinheiro não exerce com relação ao

dano moral a função de equivalência no sentido de restabelecimento integral do patrimônio

danificado, que exerce nos casos de ressarcimento de dano material (dinheiro-fim).641

O que se deseja é o equilíbrio, aa razoabilidade, que deve orientar a fixação do

quantum da indenização, para que esta cumpra, com eficácia, as suas funções e, por

conseqüência, mantenha a paz social.642

A reparação do dano moral possui também natureza compensatória. No campo da

responsabilização por danos morais, a satisfação devida à vítima é efetivada através de uma

compensação que substitui a satisfação pelo equivalente que ocorre nos casos de reparação de

dano material.643

Andrade lembra que:

Tendo-se em conta a impossibilidade de avaliação pecuniária dos direitos da personalidade, a reparação do dano moral deverá ser feita por indenização de caráter satisfativo. Portanto, muito embora carregue certo cunho de pena, na medida em que por sua natureza não é o dano moral redutível a valor pecuniário equivalente ao dano sofrido, a indenização do dano moral tem natureza jurídica de reparação porque tem por finalidade satisfazer a vítima proporcionando-lhe satisfação equivalente às perdas havidas em decorrência do ato lesivo.644

Na natureza compensatória do dano moral se procura um bem que venha recompensar

o sofrimento do ofendido com a lesão. Troca-se o conceito de equivalência, típico de dano

640 SEVERO, Sérgio. Op. cit., 1996a, p. 194. De acordo com Severo, inicialmente deve-se ter em mente que o

estabelecimento de uma equivalência pecuniária é uma obra dificultada em face da sua arbitrariedade, o que pode ser observado através da comparação de valores monetários que expressam bens de distintas naturezas e usos, em que invariavelmente se encontram distorções bastante acentuadas. Tais dificuldades podem ser observadas pela própria regra capital do mercado, a oferta-procura, que possibilita constantes variações no valor pecuniário dos bens. (Id., ibid., p. 195).

641 MENDES, Robinson Bogue. Op. cit., 2000, p. 155. 642 Id., ibid., p. 156. 643 Id., ibid., p. 157. Na reparação dos danos morais, a satisfação é compensatória porque visa a atenuação, a

mitigação do sofrimento através de um derivativo adequado para tal fim, o que decorre da natureza abstrata do amor; lá, na reparação de danos materiais, a satisfação é por equivalência, por tratarem-se de valores de aferição concreta, passíveis de serem imediatamente recompostos por bens de igual ou correspondente valor. (Id., ibid., p. 157).

644 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Op. cit., 2000, p. 28.

198

material, pelo conceito de compensação. Portanto, apesar da satisfação compensatória não

contemplar uma avaliação de equivalência, ela deve reconduzir o ofendido do dano moral ao

estado de normalidade.

Alguns doutrinadores645 defendem também que a reparação do dano moral possui

função punitiva, a qual deve objetivar através da condenação uma sanção pensar ao ofensor

como advertência, intimando-o para que desta forma este não venha mais transgredir os

valores morais de terceiros. A condenação deveria repercutir para o ofensor como uma

admoestação financeira, para que este, além do dever de reparar, sentisse efetivamente a

repulsa da ordem jurídica face a sua conduta, mediante a exacerbação do quantum

indenizatório.646 Todavia, este entendimento não é pacífico. Existem autores que não aceitam

a natureza punitiva do dano moral.

Mendes defende que:

Não há uma previsão legal para tal imposição, do que se infere que a condenação em um valor a título de pena privada fere frontalmente o princípio da legalidade insculpido nos arts. 5º, II da CF e 1º do Código Penal, que dizem: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. [...] Ainda que se fale em unificação das jurisdições civil e penal, o que teria como reflexo a unificação das penas, tal argumento, de forma alguma, tem força e fundamento para afastar o princípio da legalidade invocado, que como garantia fundamental do cidadão, é intocável, por compor o rol das cláusulas pétreas de nossa Constituição, e o “non bis in idem” que impede que uma pessoa seja punida duas vezes pelo mesmo fato.647

645 Yussef Said Cahali apresenta vastas referências doutrinárias com o objetivo de defender o caráter punitivo da

indenização do dano moral. Conforme o autor, “o direito moderno sublimou, assim, aquele caráter aflitivo da obrigação de reparar os danos causados a terceiro, sob a forma de sanção legal que já não mais se confunde – embora conserve certos resquícios – com o rigoroso caráter de pena contra o delito ou contra a injúria, que lhe emprestava o antigo direito, apresentando-o agora como conseqüência civil da infração de conduta exigível, que tiver causado prejuízo a outrem.” (CAHALI, Yussef Said. Op. cit., 1998, p. 39). Para Monteiro Filho, não se admite que, a pretexto de punição, se imponha obrigação de indenizar, se não há efeito danoso a ser reparado. Justifica-se o aspecto de punição se, e somente se, houver os pressupostos da responsabilidade civil: dano, nexo causal e, indispensável para este fim, culpa. (MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rego. Op. cit., 2000, p. 152). Andrade ressalta que embora admitindo a natureza jurídica da indenização do dano moral como reparatória de dano, não podemos deixar de enxergar certo caráter de pena, aliás eficaz, onde a indenização funciona como meio coibitivo de ofensa aos direitos da personalidade, mormente naqueles casos nos quais o direito atingido assume caráter extremamente subjetivo à sua caracterização (ANDRADE, Ronaldo Alves de. Op. cit., 2000, p. 29-30).

646 MENDES, Robinson Bogue. Op. cit., 2000, p. 158-159. 647 Id., ibid., p. 161.

199

Nesse mesmo sentido, Theodoro Júnior explica que:

A reserva legal nem mesmo permite que haja leis penais vagas ou em branco e muito menos penas instituídas por meio de simples regulamentos. É ainda, a partir de normas de valorização e não de pura desobediência, com base em norma de dever, que as leis penais configuram os delitos contra os bens jurídicos da coletividade. Dentro dessa perspectiva, a Constituição não tolera que a lei penal “se destine a tutelar puramente morais ou a desempenhar fins estritamente educativos”.648

E, mais adiante conclui:

Se nem a lei incompleta pode atribuir a outros órgãos a cominação de pena, muito menos pode o Judiciário, por iniciativa própria, considerar determinada conduta, nunca tipificada pelo legislador, como merecedora de punição, segundo critério puramente judicial.649

Assim sendo, nesta linha de raciocínio reconhece-se “à reparabilidade do dano moral

uma função coibidora potencial, natural do dever de indenizar.”650 Ademais, vale lembrar que

a possibilidade do indivíduo sofrer uma condenação civil e criminal em razão de ofensa a

dano moral gera uma sensação coibidora, o que faz com que as pessoas venham a refletir

antes de praticar determinados atos, pois como bem salienta Mendes, “uma teoria de

desestímulo deve buscar fundamento na pronta resposta do Judiciário, na eficiência e

seriedade deste órgão, na aplicação da lei ao caso concreto. Só assim viabiliza-se a realização

do Direito, impõe-se o devido respeito e inibe-se a reiteração de fatos lesivos.”

No Brasil, os critérios para o arbitramento judicial do dano moral encontram-se no

artigo 949 do Código Civil,651 no artigo 53 da Lei n. 52.250/67 (Lei de Imprensa),652 no artigo

648 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 4. ed. atual. e ampl. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p.

56-57. 649 Id., ibid., p. 57. 650 MENDES, Robinson Bogue. Op. cit., 2000, p. 163. 651 Artigo 949: “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do

tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”

652 Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta notadamente: I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido; II – a intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal, ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação; III – a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido.

200

243, § 1º e 2º da Lei n. 4.737/65 do Código Eleitoral653 e no artigo 84 da Lei n. 4.117/62 do

Código Brasileiro de Telecomunicações.654

De acordo com a doutrina e a jurisprudência, na fixação judicial do dano moral, o juiz

deve julgar utilizando critérios de prudência e equidade.655 Portanto, para aproximar-se de um

arbitramento prudente e eqüitativo, deve-se levar em consideração, segundo estas, o nível

econômico do ofendido, o porte econômico do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender e a

gravidade e repercussão da ofensa.

Os danos gerados pelo cigarro ferem não somente a integridade física do consumidor

como também a sua incolumidade psíquica, causando-lhe diversos dissabores como angústia,

humilhação, aflição, mal-estar, dor, entre outros. Estas lesões não necessitam de prova656, por

se tratarem de danos morais puros, característicos de subjetividade da personalidade humana

de cada ser.

Vale salientar ainda que, de acordo com a Súmula 37 do STF, “são cumuláveis as

indenizações por dano material e moral oriundas do mesmo fato.”

A Terceira Turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido de forma

unânime que:

Se há um dano material e outro moral, que podem existir autonomamente, se ambos dão margem à indenização, não se percebe porque isso não deve ocorrer quando os dois se tenham como presentes, ainda que oriundos do mesmo fato. De determinado ato ilícito decorrendo lesão material, esta haverá de ser indenizada. Se apenas de natureza moral, igualmente devido o ressarcimento. Quando reunidas, a reparação há de referir-se a ambas. Não há porque cingir-se de uma delas, deixando a outra sem indenização. (Resp.

653 Art. 243 – Não será tolerada propaganda: § 1º - O ofendido por calúnia, difamação ou injúria, sem prejuízo e

independentemente da ação penal competente, poderá demandar, no Juízo Civil a reparação do dano moral respondendo por este o ofensor e, solidariamente, o partido político deste, quando responsável por ação ou omissão a quem que favorecido pelo crime, haja de qualquer modo contribuído para ele (incluído pela Lei n. 4.961, de 04/05/1966); § 2º - No que couber aplicar-se-ão na reparação do dano moral, referido no parágrafo anterior, os artigos 81 a 88 da Lei n. 4.117, de 27/08/1962 (incluído pela Lei n. 4.961, de 04/05/1966).

654 Art. 84 – Na estimação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente, a posição social ou política do ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e repercussão da ofensa (Revogado pelo Decreto-Lei n. 236, de 28/02/1967). § 1º - O montante da reparação terá o mínimo de 5 (cinco) e o máximo de 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País. § 2º - O valor da indenização será elevado ao dobro quando comprovada a reincidência do ofensor em ilícito contra a honra, seja por que meio for. § 3º - A mesma agravação ocorrerá no caso de ser o ilícito contra a honra praticado no interesse de grupos econômicos ou visando a objetivos antinacionais.

655 Assim, conforme Severo, há uma ampla margem de discricionariedade a cargo do juiz, que ao aplicar a lei deve atender “aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, na forma do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. (SEVERO, Sérgio. Op. cit., 1996a, p. 208).

656 Para Sharp Júnior, diante do dano moral, não se há que exigir a prova de sua existência, mas tão somente a pertinente ao respectivo fato gerador, porque este induz necessariamente àquele. (SHARP JÚNIOR, Ronald A. Op. cit., 2001, p. 24).

201

n. 6.852-RS e Resp. n. 4.235 – Relator Ministro Eduardo Ribeiro – In Lex – JSTJ – 29/190).

Ademais, o artigo 6º, inciso VI da Lei n. 8.078/90 salienta que são direitos básicos do

consumidor, a efetiva prevenção e a reparação dos danos morais e patrimoniais, individuais,

coletivos e difusos, o que evidencia a possibilidade de acumulação.

O dano também pode ser de natureza estética. Este dano será relacionado a uma ofensa

estética. Todavia, ele não atinge apenas a vaidade do indivíduo, mas a sua própria integridade

humana. Exatamente por isso está intimamente ligado aos direitos inerentes à pessoa: é a

lesão a um direito da personalidade.657

Há algum tempo atrás, tanto a doutrina como a jurisprudência entendiam que o dano

estético só seria caracterizado quando ocorressem lesões de natureza grave ou gravíssima.

Hoje, no entanto, predomina o entendimento de que o que se deve levar em consideração não

é a gravidade da lesão, mas sim o sofrimento, o constrangimento ou o vexame causado ao

ofendido.658

657 Conforme Silva, “entende-se como direitos da personalidade aqueles que são inerentes à própria pessoa, ou

seja, direitos que resguardam a todos aqueles que possuem personalidade jurídica, logo a toda pessoa humana. Há quem defenda que são direitos subjetivos originários, pois nascem com o indivíduo e com ele permanecem até o final da vida. Tal entendimento jusnaturalista, que enxerga os direitos da personalidade como aqueles que são inatos ao homem, tem sido o posicionamento majoritário da doutrina. Em contrapartida, para a corrente positivista, não se tratam de direitos naturais, e sim de uma construção cultural, ou seja, de direitos concedidos pela norma jurídica a cada pessoa para defender um bem que a natureza lhe deu. Em razão disso, muito se discute a respeito de sua nomenclatura, havendo quem os considere como direitos individuais, direitos sobre a própria pessoa, direitos inatos e até mesmo como direitos personalíssimos. Impende mesmo é observar que, independentemente da denominação, esses direitos refletem a necessidade de se defender a dignidade de qualquer pessoa, e, portanto, a proteção de direitos essenciais à vida humana.” (SILVA, Nereida Veloso. Dano estético. São Paulo: LTr, 2004. p. 22-23). Para Magalhães, “os direitos da personalidade são as prerrogativas do sujeito em relação às diversas dimensões de sua própria pessoa. Assim, na sua dimensão física exerce o homem os direitos sobre sua vida, seu próprio corpo vivo ou morto ou sobre suas partes separadamente. Isto é o que chamaríamos de direitos sobre a integridade física. Como é óbvio, faz parte dessa integridade a saúde física e a aparência estética; por isso foi que afirmamos ser o dano estético, como dano moral, uma ofensa a um direito da personalidade.” (MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopes de. Op. cit., 1980, p. 25).

658 Magalhães ressalta que: “apesar de autores antigos exigirem como requisito do dano estético a visibilidade em situações normais da vida quotidiana, não é necessário que a lesão deformante apareça, seja visível a toda hora, basta que ela exista no corpo, mesmo em suas partes mais íntimas. Além do mais, os hábitos de hoje não são os mesmos de 50 anos atrás e ninguém vai negar que nas praias e clubes muito pouco se esconde hoje em dia, para não se dizer que nas intimidades entre duas pessoas não há região do corpo que não possa ser conhecida. Assim, quando falamos em aparência externa quisemos significar que a lesão à estética pode estar em qualquer lugar do corpo humano, com a possibilidade de ser vista em quaisquer circunstâncias, e não somente que essa visibilidade se dê dentro das condições habituais de convívio social. Esta também é a opinião de Wilson Melo da Silva, Vicente de Azevedo Francheschini, Juan Martinez Gonzáles.” (MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopes de. Op. cit., 1980, p. 22). Nesse mesmo sentido, Silva explica que “para efeito de sanções civis, o dano estético não se limita a lesões aparentes, representadas tão só em deformações horripilantes ou em lesões que sejam de grande amplitude, e sempre visíveis. Ele se estende às lesões que, de alguma forma, provocam uma sensação de desprezo na vítima, expondo-a a situações de ridículo ou trazendo até mesmo complexos de inferioridade.” (SILVA, Nereida Veloso. Op. cit., 2004, p. 36).

202

Ressalta-se porquanto, que esta lesão deve ser considerada permanente ou duradoura,

pois são estas as características essenciais do dano estético.659

O que muito se discute em relação ao dano estético, é que se este possui realmente um

gênero autônomo ou se apenas apresenta características do dano moral ou do dano patrimonial.

Os posicionamentos são diversos. Grande parte da doutrina e da jurisprudência entende que o

dano estético, apesar de causar dano patrimonial ao ofendido, seria uma espécie de dano

moral em razão do mesmo causar ofensa aos direitos da personalidade.660

Por outro lado, existem doutrinadores que defendem a possibilidade de cumulação

entre dano estético e dano moral. Neste sentido, a cumulação desses danos se daria por duas

razões: 1ª razão: o dano estético integraria o dano moral lato sensu, o que de certa forma,

admitiria a sua cumulação com o dano moral puro; 2ª razão: o dano estético seria considerado

um dano moral indireto levando assim a sua cumulação com o dano moral.661

Destarte, há ainda uma outra corrente que considera que o dano estético possui

características do dano patrimonial, já que as lesões ocasionadas ao indivíduo geram despesas

no tratamento, nos lucros cessantes até o fim da convalescença, como bem preleciona o art.

949 do Código Civil.

659 Magalhães salienta que “para que exista dano estético é necessário que a lesão que enfeiou determinada

pessoa seja duradoura, caso contrário não se poderá falar em dano estético propriamente dita (dano moral) mas em atentado reparável à integridade física ou lesão estética passageira que se resolve em perdas e danos habituais.” (MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopes de. Op. cit., 1980, p. 20). Nesse mesmo sentido, Silva expõe que: “o que se entende é que se realmente não restou qualquer tipo de seqüela na vítima não se pode falar em dano estético, mas somente em atentado reparável à integridade física. Houve no caso o restitutio in integrum, ou seja, a total reparação do estado anterior do ofendido. A indenização vai restringir-se, por exemplo, ao prejuízo material com os gastos da cirurgia reparadora, ou ainda em danos morais, quando tiver de se submeter a determinado tratamento médico, o qual represente dores ou constrangimento.” E conclui mais adiante que: “a caracterização da deformidade como permanente é imprescindível para que não se configure o enriquecimento ilícito. A hipótese é exatamente a de que o ofendido, além de receber uma boa quantia indenizatória por dano estético, termine por se beneficiar também com a correção do dano.” SILVA, Nereida Veloso. Op. cit., 2004, p. 37-38).

660 De acordo com Silva, “aqueles que comungam com essa idéia, o dano estético pode inserir-se no dano moral puro ou no dano moral indireto. O primeiro caso acontecerá sempre que o prejuízo repercutir apenas no âmbito valorativo da pessoa, atingindo a honra objetiva ou subjetiva da vítima. E será dano moral indireto quando, além de atingir a esfera moral, acarretar prejuízos de ordem material. (SILVA, Nereida Veloso. Op. cit., 2004, p. 60). No entender de Arruda, “o que se pode concluir é que a lesão física (chamada de dano estético) é mais um entre tantos fatos-causas objetivos determinantes do fato-efeito subjetivo dano moral puro. Por conseguinte, o chamado dano estético não é outra coisa senão uma lesão física (fato-causa) que desperta na vítima um sentimento negativo (fato-efeito), que se traduz em termos jurídicos como dano moral puro. Tomar o dano estético como distinto do dano moral puro é permitir que o ofendido locuplete-se indevidamente e o infrator pague duas vezes pelo mesmo fato. (ARRUDA, Augusto F.M.Ferraz de. Op. cit., 1999, p. 32).

661 “Semelhante é a posição adotada pelo Ministro do STJ, Sálvio de Figueiredo Teixeira, quando no voto de acórdão publicado em 15.2.2001, assegurou que “as indenizações pelos danos moral e estético podem ser cumuladas, mesmo quando derivadas do mesmo fato, se inconfundíveis suas causas e passíveis de apuração em separado.” (4ª T. Resp. 289885/RJ) (SILVA, Nereida Veloso. Op. cit., 2004, p. 61-62).

203

Delfino defende ser “perfeitamente possível a cumulação de danos morais e estéticos,

encarando tal junção como um verdadeiro acréscimo à indenização fixada a título dos danos

psíquicos interiorizados na própria alma da vítima”.662

O consumo de cigarros causa danos estéticos. Isto ocorre devido a enfermidades como

a tromboangeíte obliterante (doença que dificulta a circulação sangüínea e pode levar à

amputação de membros), os cânceres (o tratamento com radioterapia e quimioterapia pode

causar danos estéticos), entre outros.

O Código Civil não fixa uma regra para se estabelecer a indenização do dano estético.

Assim sendo, leva-se em consideração na análise do feito de acordo com Silva, “a sua

gravidade objetiva, a idade, o sexo, a condição social, a beleza, a profissão ou a atividade

exercida pelo ofendido, como também a condição econômica do ofensor.”663 Portanto, cabe

ao juiz utilizar-se da eqüidade e do bom senso no momento 664 em que irá avaliar a

indenização auferida ao ofendido.

662 DELFINO, Lúcio. Op. cit., 2002, p. 155. 663 SILVA, Nereida Veloso. Op. cit., 2004, p. 100. Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande

do Sul estabelece que “a quantificação deve atender às circunstâncias relativas ao sofrimento experimentado pela vítima e sua composição, a capacidade econômica do causador do dano e, por fim, as condições sociais da ofendida, de modo a evitar o enriquecimento, de um lado, e a insolvência de outro.” (AP 70000250803, 12ª Câm., rel. dês. Roque Miguel Fank, j.16.8.2000).

664 Conforme Magalhães, no caso do dano estético, o momento da apreciação judicial deveria ser o mais tarde possível, de preferência no momento do julgamento, tendo ainda o juiz que considerar as possibilidades de mudanças futuras para que não ocorra um enriquecimento sem causa. (MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopes de . Op. cit., 1980, p. 77).

204

CONCLUSÃO

O cigarro é um produto que possui em torno de 4.700 substâncias químicas altamente

nocivas à saúde.

O tabagismo é a mais devastadora causa evitável de doenças e mortes da história.

Segundo os dados do INCA,665 o cigarro é responsável por 90% dos casos de morte de câncer

de pulmão, 80% dos casos de morte por enfisemas pulmonar, 25% dos casos de morte de

infarto do miocárdio e 40% dos casos de morte por bronquite crônica e derrame cerebral.

Além disto, o consumo de cigarro gera também úlcera de estômago, aumenta o risco de

câncer cervical e uterino, afeta a fertilidade, gera complicações no feto durante a gravidez,

apressa a menopausa, causa impotência, derrames cerebrais, entre outras enfermidades.

Estima-se que cerca de 200.000 mortes/ano são decorrentes do tabagismo, sendo 2,5

milhões nos países desenvolvidos e 1,5 milhões nos países em desenvolvimento.666

As empresas tabagistas apesar de saberem (ou dever saber) de todos os males que o

consumo de cigarro acarreta à saúde dos consumidores, sempre os omitiram, agindo assim,

em desrespeito aos princípios basilares da boa-fé, da transparência e da confiança tutelados no

Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor tutelou o direito à informação em vários artigos,

sendo um grande mecanismo de implementação do direito fundamental à saúde pela proteção

que ele oferece à integridade física e moral dos consumidores.

De acordo com o artigo 6º, inciso III, são direitos básicos do consumidor a informação

adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de

quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que

apresentem.

No artigo 8º, caput, ressalta-se que os produtos e serviços colocados no mercado de

consumo não acarretarão riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, exceto os

considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os

665 BRASIL. Ministério da Saúde. INCA (Instituto Nacional do Câncer). Disponível em: <http://www.inca.gov.

br/tabagismo/dadosnum/mundo.htm>. Acesso em: 18 ago. 2006, p. 1. 666 Id., ibid.

205

fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu

respeito.

Logo, o artigo 8º, parágrafo único, esclarece que em se tratando de produto industrial,

ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos

apropriados que devam acompanhar o produto.

E, conforme o artigo 9º, o fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos

ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a

respeito de sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas

cabíveis em cada caso concreto.

Por fim, o artigo 31 preza que a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem

assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas

características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e

origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos

consumidores.

A comercialização do cigarro desconsidera estas exigências legais, incidindo assim no

defeito de informação. A falta de informação infringe os princípios basilares da boa-fé, da

transparência e da confiança tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor.

As empresas tabagistas só prestaram informações quando leis específicas as

obrigaram. Informações estas incompletas, pois não esclarecem adequadamente todas as

substâncias que contém o cigarro e os males que elas geram para a saúde do fumante.

Ademais, quem presta estas informações é o Ministério da Saúde, por meio de

advertências, e não as empresas tabagistas, como bem preza o Código de Defesa do

Consumidor.

Ressalta-se que a publicidade enganosa e abusiva exercida por estas empresas antes

das imposições legais que as restringiram, em muito influenciou no livre opção do

consumidor, visto que estas, além de omitirem os males que o cigarro causa à saúde em sua

publicidade, utilizaram-se de meios abusivos para seduzir o consumidor, associando o seu

produto ao glamour, à beleza, ao sucesso, à liberdade, à independência financeira etc.

206

Por todo exposto, a responsabilidade civil das indústrias de cigarros está fundamentada

no artigo 12, caput, do Código de Defesa do Consumidor, o qual estabelece que o fabricante,

o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independente-

mente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por

defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,

apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes

ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

A apresentação do cigarro é feita de forma inadequada e insuficiente pelas indústrias

tabagistas, desde a publicidade até as informações que acompanham este produto.

Porquanto, quem iniciou no consumo de cigarros, influenciado pela publicidade

enganosa e abusiva exercida por estas empresas, deve argüir nas ações de reparação de danos,

além do defeito de informação, tal fundamento.

Ressalta-se que, para que se eximam desta responsabilidade, as empresas tabagistas

deveriam apresentar informações adequadas e claras ao consumidor sobre o cigarro,

especificando corretamente as características, a composição, a qualidade e, principalmente, os

riscos que este produto apresenta à saúde de quem o consome através de uma bula que

acompanhasse o produto.

Ademais, deveria também, o fabricante de tabaco, informar nas embalagens de cigarro,

a quantidade adequada que o consumidor pudesse vir a consumir por dia, sem que este viesse

lhe trazer maiores males a sua saúde.

Porquanto, em razão do defeito de informação existente na comercialização do cigarro,

o fumante ou seus familiares em caso de morte deste, deve(m) ser indenizado(s) pelos danos

materiais, morais e estéticos sofridos em razão do consumo de cigarros.

Para tanto, deverá o fumante ou seus familiares em caso de morte deste, provar: a) que

era ou é fumante; b) a marca do cigarro consumido ou que ainda consome; c) que a

enfermidade ou a morte ocorreu do consumo de cigarros; d) os danos sofridos.

O Código de Defesa do Consumidor prevê ainda a inversão do ônus da prova, a

critério do juiz, quando o consumidor for hipossuficiente e a sua alegação for verossímil, caso

em que as empresas tabagistas terão que comprovar que não existe relação entre o consumo

de cigarros e a enfermidade adquirida ou morte alegada pelo autor.

207

A prova de que a publicidade destas empresas não é enganosa ou abusiva cabe a elas

por determinação legal.

Conforme a Lei n. 8.078/90, os consumidores terão cinco anos a contar a partir do

conhecimento da enfermidade e de sua autoria para ingressarem com a ação de reparação civil

pelos danos surgidos em razão do consumo de cigarros.

Espera-se que haja conscientização por parte do julgador no momento de sentenciar

ações que visem a indenizações pelos danos oriundos do consumo de cigarros, pois o que está

em jogo nestas é o valor mais precioso tutelado pela Constituição Federal: o direito à saúde.

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Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Luterana do Brasil, 2007.

1. Direito 2. Cigarros 3. Direito do consumidor 4. Direito -

saúde 5. Empresas tabagistas 6. Responsabilidade civil I. Timm, Luciano Benetti II. Título

CDU: 34:614 347.451.031/.032 613.84

Patrícia da Rosa Corrêa

CRB10 / 1652