habeas corpus
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
HUMBERTO MACCHIONE DE PAULA e LEON DENIZ BUENO DA
CRUZ, brasileiros, inscritos na OAB/GO 21.295 e OAB/GO 11.430, o
primeiro com endereço profissional na Avenida Portugal nº. 741, Setor
Marista e o segundo na Rua 101, nº. 289, Qd. F-17, Lote 29, Setor Sul,
ambos na cidade de Goiânia, Goiás, vêm, ante a elevada presença de Vossa
Excelência, Eminente Desembargador Presidente desta ínclita Corte,
impetrar ordem de
HABEAS CORPUS com pedido liminar
Com fundamento no inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, no Dever
de Inocência, bem como nos arts. 282, I, II, §1º, §2º, 315, 312, parágrafo único, 319,
I, II, III, IV, V, IX, 320, 322, parágrafo único, 325, II, 334, 350, 439 e nos artigo 647
e seguintes do Código de Processo Penal Brasileiro
em favor de ***************************, brasileira, casada, advogada,
inscrita na OAB/GO sob n.º *****, CPF n.º ***** e *************,
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brasileiro, advogado, inscrito na OAB/GO sob n.º ******; CPF n.º
************, ambos com endereço profissional na Rua **********, n.º 96,
Setor Central, nesta cidade de Jataí/GO, por seus procuradores “in fine”
assinados, com instrumento de procuração anexo (doc. 01), em razão de ato
coercitivo praticado pelo r. juízo substituto da Vara Criminal de Jataí,
Goiás, que pratica o constrangimento ilegal, consistente na decretação de
prisão preventiva dos Pacientes com base na conveniência da instrução
criminal e na aplicabilidade da lei penal.
Breve Resenha
1. Houve, em 04 de junho de 2012, representação da autoridade policial
pela prisão preventiva dos Pacientes pela suposta prática dos delitos
tipificados nos arts. 343, parágrafo único e art. 344 do Código Penal.
2. Em apertada síntese, constou na peça policial que o acusado
Jonnathan Sthal aceitou firmar acordo com a autoridade policial para
realizar a delação premiada e que, após tal fato, fora abordado pelos
Pacientes, advogados do corréu, para que mudasse seu depoimento.
3. O pedido de representação pela prisão preventiva, formulado pela
autoridade policial (fls. 02 a 08), pautou-se em argumentos insuficientes
e desautorizados pelo nosso caderno processual para a manutenção dos
Pacientes no cárcere, o que acabou por convencer o Douto Juízo “a quo”
acerca da necessidade de segregação cautelar.
4. Assim, sobreveio a r. decisão do Insigne Julgador em 06 de junho de
2012, decretando a prisão dos indiciados pelos seguintes fundamentos:
possibilidade de obstruir e dificultar as investigações policiais e futuro
resguardo da aplicação da lei penal.
5. Na visão respeitosa da defesa, Excelência, é possível e justa a
liberdade dos Pacientes, por não haver qualquer razão que justifique a
restrição provisória de suas liberdades, conforme se verá pelas razões
abaixo expendidas.
6. O fato delituoso que teria ocorrido fora datado do início do mês de
maio e, daquele momento até o presente, os Pacientes não realizaram
qualquer ato que indicasse intervenção no curso investigatório.
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7. De mesma forma, não se ventilou qualquer fato sobre deixar a
Comarca, até mesmo porque, como advogados, os Pacientes têm a
profissão vinculada a órgão de classe, além de possuírem escritórios
profissionais, residências fixas e vidas estabelecidas na Comarca de
Jataí, Goiás. Daí os motivos de enfrentarem o processo criminal.
8. É de se notar que os Pacientes possuem todos os requisitos para o
Habeas Corpus.
9. As medidas cautelares do art. 319 do Código de Processo Penal podem
substituir a prisão preventiva, qualquer que seja a circunstância
fundamentadora do decreto prisional, o que o Magistrado de 1º Grau não
o fez.
10. Para evitar contato dos Pacientes com as testemunhas e o corréu
bastaria ao Magistrado de 1º Grau ter aplicado as medidas cautelares do
art. 319, inc. III, do CPP.
11. Ainda, poderia eventualmente, ter aplicado fiança, pois não há
restrição legal aplicável ao caso.
- Documentos anexos: 01 - Decisão que decretou a prisão preventiva; 02 - denúncia;
03 - documento comprovando endereço; 04 - documento comprovando ligação com
território; 05 - documento comprovando emprego; 06 - documento comprovando
antecedentes.
1. DOS FATOS, DA ILEGALIDADE DA PROVA COLHIDA. DA
AUSÊNCIA DE TIPIFICAÇÃO LEGAL PELOS CRIMES IMPUTADOS E
DA DECISÃO ATACADA
No dia 06 de junho de 2012, a senhora Nilce Sthal foi até
a 14ª Delegacia Regional de Polícia de Jataí para registrar uma ocorrência
de supostos crimes praticados pelos Pacientes, asseverando que havia sido
subornada e ameaçada para que convencesse seu filho a alterar a verdade
dos fatos no processo criminal n.º 201200215120, tendo declarado
expressamente, nesta oportunidade, que não desejava representar
criminalmente em desfavor dos Pacientes (vez que o crime de ameaça é de
ação penal pública condicionada à representação).
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No momento em que narrava a suposta notitia criminis,
a senhora Nilce comprometeu-se a levar até a autoridade policial a gravação
da conversa que comprovaria a intenção dos Pacientes de alterar a verdade
dos fatos no processo supramencionado.
De plano, deve ser ressaltado que essa conversa, em que
se distinguem quatro vozes que se assemelham às vozes dos Pacientes, não
pode servir de base para qualquer tipo de incriminação, já que obtida de
forma ilícita, clandestina e sub-reptícia, ferindo o direito
constitucionalmente assegurado da privacidade (art. 5º, inciso X, CF), o que
desautoriza o valor probante de seu conteúdo.
Nesse diapasão, na ação penal n.º 307-3/DF, já decidiu o
Supremo Tribunal Federal, por meio do voto do Ministro Celso de Mello:
"A gravação de conversação com terceiros, feita através
de fita magnética, sem o conhecimento de um dos
sujeitos da relação dialógica, não pode ser contra este
utilizada pelo Estado em juízo, uma vez que esse
procedimento, precisamente por realizar-se de modo
sub-reptício, envolve quebra evidente de privacidade,
sendo, em conseqüência, nula a eficácia jurídica da
prova coligida por esse meio. O fato de um dos
interlocutores desconhecer a circunstância de que a
conversação que mantém com outrem está sendo objeto
de gravação atua, em juízo, como causa obstativa desse
meio de prova. O reconhecimento constitucional do
direito à privacidade (CF, art. 5.º, X) desautoriza o
valor probante do conteúdo de fita magnética que
registra, de forma clandestina, o diálogo mantido com
alguém que venha a sofrer a persecução penal do
Estado. A gravação de diálogos privados, quando
executadas com total desconhecimento de um dos seus
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partícipes, apresenta-se eivada de absoluta desvalia,
especialmente quando o órgão da acusação penal
postula, com base nela, a prolação de um decreto
condenatório".
Dada a patente relação entre os resultados da gravação
clandestina e as provas subsequentemente colhidas, não é possível apegar-se
a essas últimas – frutos da operação ilícita inicial – sem, de fato, emprestar
relevância probatória à escuta vedada.
Desse modo, todos os demais atos oriundos da ilegal
forma de colheita de provas, que são ilícitos por derivação, devem ser
anulados, inclusive o decreto de prisão preventiva expedido pelo Magistrado
de 1º grau.
A absoluta ineficácia probatória dos elementos de
convicção torna imprestável a prova penal em questão, subtraindo-lhe,
assim, a possibilidade de fundamentar, com apoio exclusivamente nela,
qualquer eventual decreto preventivo ou condenação de índole penal.
Ademais, verifica-se que no presente caso não há a
possibilidade de decretação da prisão preventiva em razão da inexistência
dos crimes indicados pela autoridade policial.
O crime de corrupção ativa de testemunha ou perito,
previsto no artigo 343 do Código Penal, que serviu de base à decretação da
prisão preventiva, não está, no caso em comento, configurado, eis que
ausente a qualidade de testemunha de Nilce Sthal à época dos fatos
noticiados por ela.
Com efeito, a notícia de que os Pacientes ofereceram
dinheiro à Sra. Nilce Sthal para que influísse no depoimento que seria
prestado por seu filho, Jonathan Sthal, foi levado ao conhecimento da
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autoridade policial no dia 06 de maio de 2012 (fls. 11 a 13 dos autos), antes,
portanto, do aditamento da denúncia, ocorrido no dia 09 de junho (fl. 28 dos
autos), em que se requereu a oitiva de Nilce como testemunha do processo.
O artigo em questão define que o crime se consuma
quando o sujeito ativo dá, oferece ou promete dinheiro ou qualquer outra
vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer
afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos,
tradução ou interpretação.
Segundo a doutrina abalizada de Cléber Masson (Direito
Penal Esquematizado, Volume 3, Parte Especial, Editora Método, 2011, pág.
837), testemunha é “a pessoa humana, equidistante dos interessados e
chamada pela autoridade, de ofício ou atendendo a pedido dos interessados,
para discorrer sobre fatos perceptíveis pelos seus sentidos e relacionados à
questão investigado no inquérito policial ou debatida no processo judicial ou
administrativo, ou ainda no juízo arbitral”.
Ora, no momento do suposto oferecimento de vantagem
pecuniária, a Sra. Nilce não era testemunha do processo, de modo que não
poderia influir ou ter qualquer relevância no deslinde do julgamento, o que
afasta a caracterização do crime de corrupção ativa de testemunha ou perito.
Como é cediço, dado o rol limitativo de pessoas elencadas
no artigo, não é possível fazer a interpretação extensiva “in malam partem”,
sob pena de se ferir o princípio constitucional expresso da taxatividade dos
tipos penais.
Em relação ao outro suposto crime praticado, de coação
no curso do processo, previsto no artigo 344 do Código Penal, que tem pena
de 1 a 4 anos, e que também serviu de supedâneo ao decreto preventivo de
restrição à liberdade dos Pacientes, temos que sua subsunção depende da
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utilização de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse
próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que
funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou
administrativo, ou em juízo arbitral.
A violência é o emprego de força física contra alguém,
mediante lesão corporal ou vias de fato.
A grave ameaça, por sua vez, é a promessa de realização
de mal grave, apto a intimidar a autoridade, parte ou qualquer outra pessoa
que seja chamada a intervir em processo (judicial, administrativo ou juízo
arbitral).
Não se vislumbra, no caso em epígrafe, a utilização, pelos
Requerentes, de quaisquer desses meios contra a vítima.
Do pretenso crime noticiado, a própria comunicante –
Nilce Sthal – informa que não houve violência e que as supostas ameaças
que lhe foram dirigidas eram indiretas (histórico do boletim de ocorrência à
fl. 12 dos autos), tanto que na ocasião não manifestou interesse em
representar criminalmente os Requerentes pelo crime de ameaça.
Todavia, ainda que se entendesse pela configuração deste
crime, o Código de Processo Penal não autorizaria a prisão preventiva dos
Pacientes, já que por expressa previsão legal, na hipótese destes autos, só se
admitiria a restrição cautelar de acusados que cometessem crimes com pena
privativa de liberdade máxima superior a 4 anos.
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será
admitida a decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de
liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em
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sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto
no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar
contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo
ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das
medidas protetivas de urgência;
Parágrafo único. Também será admitida a prisão
preventiva quando houver dúvida sobre a identidade
civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos
suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser
colocado imediatamente em liberdade após a
identificação, salvo se outra hipótese recomendar a
manutenção da medida.
Mesmo as gravações transcritas pelos agentes policiais
não revelam qualquer ameaça ou intimidação à Sra. Nilce Sthal, como se
depreende dos trechos do relatório, abaixo reproduzidos:
“Aparentemente a conversa foi gravada na casa de
NILCE, uma vez que é possível concluir que ela recebe
os outros três amigavelmente” (fls. 14).
“Jonnathan é doente e viciado em drogas e tem que
jogar tudo no rabo de Deivid”.
“Eles (referindo-se ao Poder Judiciário) vão meter uma
pena no Jonnathan que Deus o livre”.
O teor amistoso da conversa, as possíveis estratégias de
defesas traçadas e a impressão de que a pena aplicada pelo Poder Judiciário
pudesse ser alta, de modo algum implicam em intimidações ou ameaças,
nem demonstram o uso de violência ou grave ameaça, o que descaracteriza o
indicado crime de coação no curso do processo.
É de se notar ainda que os Pacientes não representam
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nenhuma ameaça para a sociedade, máxime porque os supostos crimes
praticados, com os meios pretensamente escolhidos, não autorizam a
restrição da liberdade antes do trânsito em julgado.
Ademais, os Requerentes são advogados conhecidos,
possuem residência fixa nesta cidade, são primários, não possuem
antecedentes criminais e são benquistos pelos seus pares, conforme pode ser
comprovado pelos documentos anexos.
O fato de primarem por tais atributos, aliado à
circunstância de que jamais tentaram furtar-se à instrução criminal, já são
motivos mais do que suficientes para a revogação da nefasta medida
repressiva.
De qualquer modo, a segregação cautelar tão somente
encontraria razão de ser ante a existência de fatos concretos a recomendá-la,
o que não se evidencia no presente caso.
Isto porque o decreto prisional que estabeleceu a prisão
preventiva teve como fundamentos a conveniência da instrução criminal,
baseada em supostos indícios – sobejamente refutados – de que os Pacientes
estariam ameaçando e intimidando a Sra. Nilce Sthal, e a aplicabilidade da
lei penal, embora não haja nos autos elementos que informem que os
Pacientes tenham tentando empreender fuga ou demonstrado intenção de
furtar-se à ação da Justiça.
Não há, no caso em comento, fatos concretos que
justifiquem que os Pacientes possam representar um perigo para a instrução
criminal ou à aplicabilidade da lei penal, conforme, minudentemente, se
verá.
2. DOS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE
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PERICULUM LIBERTATIS
2.1 Da ausência de fatos que ensejam o requisito da garantia da aplicação
da lei penal
Não foram levados aos autos, Excelência, fatos concretos
que indicassem que os Pacientes pretendiam evadir-se da comarca, como
tentativa de fuga1, compra de bens em outros lugares, vende de bens2,
compra de passagens aéreas3 ou compra de passagens de ônibus.
Os próprios elementos da vida dos Pacientes também não
indicam essa possibilidade, que seria visível nos casos de terem sido
foragidos4, de não possuírem domicílio fixo5, de tentarem fugir6, de não
possuírem vínculo no distrito da culpa7 ou ainda de já terem fugido para
outro Estado8.
Mais que isso, os Pacientes têm residência fixa e
endereço profissional estabelecido há anos e nenhuma testemunha ou
documento foram encontrados de modo que indicassem intenção de fuga.
1 HC 207.564/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe
05/03/2012
2 HC 45.772/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 25/10/2005, DJ
14/11/2005, p. 363
3 HC 46.501/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2006, DJ
20/03/2006, p. 318
4 HC 206.952/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2012, DJe
08/03/2012
5 HC 198.675/MT, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe
05/03/2012, STJ
6 HC 207.564/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe
05/03/2012
7 HC 223.900/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em
14/02/2012, DJe 06/03/2012
8 HC 212.173/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe
24/02/2012
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A jurisprudência do STJ exige elementos concretos que
indiquem a fuga como fato e o STF adere a tal posicionamento, assim como a
doutrina processual penal pátria:
EMENTA : HABEAS CORPUS. PRISÃO
PREVENTIVA. APLICAÇÃO DA LEI PENAL
PACIENTE RESIDENTE NO EXTERIOR.
ENDEREÇO DEVIDAMENTE FORNECIDO AO
JUÍZO PROCESSANTE PELA ADVOGADA
CONSTITUÍDA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA.
ORDEM CONCEDIDA. 1. Não há como validar decreto
de prisão assentado, tão-somente, na mudança da
acusada para o exterior. Mudança decorrente de
casamento com estrangeiro e devidamente noticiada
nos autos do processo-crime.
2. Em matéria de prisão provisória, a garantia da
fundamentação das decisões judiciais (inciso IX do art.
93 da Carta Magna) importa o dever judicante da real
ou efetiva demonstração de que a segregação atende a
pelo menos um dos requisitos do art. 312 do Código de
Processo Penal. Sem o que se dá a inversão da lógica
elementar da Constituição, segundo a qual a presunção
de não-culpabilidade é de prevalecer até o momento do
trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
3. Admite-se a decretação da prisão preventiva para a
garantia da aplicação da lei penal quando as peças que
instruírem o respectivo processo-crime revelarem um
nítido propósito do acusado de furtar-se à aplicação da
lei penal. No caso, a mera referência à mudança da
paciente para o exterior não tem a força de
corresponder à finalidade do art. 312 do CPP, no ponto
em que se admite a prisão preventiva para assegurar a
aplicação da lei penal. Mormente porque, no caso,
dúvidas não há sobre o paradeiro dela, paciente, que, a
qualquer momento, poderá ser conectada para fins
processuais.
4.Ordem concedida
(HC 102460, Relator(a): Min. AYRES BRITTO,
Segunda Turma, julgado em 23/11/2010, DJe-028
DIVULG 10-02-2011 PUBLIC 11-02-2011 EMENT
VOL-02462-01 PP-00070) Grifo nosso.
O professor Renato Marcão, com a maestria que lhe é
peculiar, já asseverou:
Em certas situações, ciente da gravidade do crime
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cometido e convencido da condenação da
correspondente condenação que daí advirá num futuro
próximo, seguindo orientação ou mesmo por ideação
sua, o increpado começa a se desfazer de seus bens
móveis, pede demissão do emprego, coloca sua casa à
venda etc. Nestes casos em que a proximidade da fuga
se faz evidente e desde que demonstrada nos autos, tem
cabimento a prisão preventiva, se atendidos os demais
requisitos legais. A possibilidade de fuga, quando
evidenciada em elementos concretos, autoriza e
recomenda a decretação da prisão preventiva; já a mera
suspeita, desacompanhada de elementos seguros de
convicção, não dá ensejo à segregação excepcional.9
O Magistrado só deverá decretar a prisão preventiva com
base em elementos concretos dos autos que confirmem de maneira
insofismável, que o agente pretende se subtrair à ação da justiça. Nesse
sentido, o ensinamento de Renato Brasileiro:
[...] Sob pena de evidente violação ao princípio da
presunção de inocência, não se pode presumir a fuga do
agente simplesmente em virtude de sua condição
socioeconômica. Meras ilações ou conjecturas
desprovidas de base empírica concreta não autorizam a
decretação da prisão do agente com base nesse
pressuposto. O juiz só esta autorizado a decretar a
prisão preventiva com base em elementos concretos dos
autos que confirmem de maneira insofismável, que o
agente pretende se subtrair à ação da justiça.10
No presente caso, então, merece afastamento esse
requisito prisional com a máxima urgência, pois após o decreto prisional,
seguindo as investigações, nada se levou ao juízo monocrático sobre as
hipóteses apresentadas pelo Ilustre Delegado de Polícia.
2.2 Da plena higidez da garantia da instrução criminal
9 MARCÃO, Renato. Prisões cautelares, liberdade provisória e medidas cautelares restritivas de acordo
com a Lei n. 12.403, de 4-5-2011. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 150-151. 10
BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Nova prisão cautelar. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 243-244.
13
Ainda cumpre esclarecer, Ínclitos Julgadores, que a
prisão preventiva ocorreu dias após o suposto fato, sendo que em tal período
nada de irregular fora praticado pelos Pacientes.
Isso demonstra que a idéia de intervenção investigativa,
se existiu, está plenamente esgotada, até mesmo porque pela natureza dos
fatos indicados pela autoridade policial, não haveria justa razão ou
viabilidade nas mudanças dos depoimentos de Jonnathan Sthal.
Daí porque não haveria interesse em nova ingerência ou
risco a ele ou sua família, mesmo pelo fato de que a situação tomou vulto
social amplo, o que engessa qualquer medida possível.
Então, é desarrazoado pensar que os Pacientes –
profissionais conhecidos – pensem em por em risco suas carreiras e vidas
para falarem ou se encontrarem com alguém que os denunciou.
Pois bem.
A autoridade policial fez a descrição das condutas que
acreditou restarem típicas, contudo, salienta-se que tais tipos penais são
instantâneos e, dito isso, é de se notar que não há periculum libertatis, posto
que o próprio fato investigado se relaciona com ingerência no inquérito que,
já esgotada, não pode ser novamente empreendida.
Outro ponto de extrema pertinência é que os
depoimentos já foram colhidos e documentados, a prova técnica já foi
produzida, a autoridade policial já apresentou sua versão sobre os fatos e os
denunciantes estão blindados de qualquer contato com os Pacientes.
Assim, com todo o conteúdo probatório já produzido, não
é possível ou provável que os Pacientes, soltos, façam intervenções.
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A autorização para que se acione tal requisito depende de
fatos (nunca suposições), tais como ameaças realizadas contra
testemunhas11, criação de óbices à colheita de provas12, comprovadas compra
de testemunhas13, destruição de documentos14, destruição de objetos,
agressão ou intimidação a testemunhas, vítimas ou familiares15 etc.
No caso concreto, Doutos Julgadores, nada disso ocorreu
e nem se mostrou provável de ocorrência já que os Pacientes ficaram muito
tempo soltos após o fato.
O mestre Aragoneses Martinez16 afirma que prender
para garantir a prova “es menos convincente, ya que las fuentes de prueba
podrían conservarse estableciendo medidas tendentes a su aseguramiento, o
bien previendo la práctica anticipada de prueba”.
No que se refere, então, a tutela de prova, “existem
outras formas e instrumentos que permitem sua coleta segura com um custo
(social e para o imputado) infinitamente menor que o de uma prisão
cautelar”.17
Ora, todas as testemunhas da acusação já se
11
HC 167.841/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em
07/02/2012, DJe 01/03/2012
12
HC 199.905/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em
06/12/2011, DJe 19/12/2011
13
HC 141.017/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 04/02/2010, DJe
15/03/2010
14
HC 107.316/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em
24/11/2008, DJe 19/12/2008
15
HC 220.665/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe
16/12/2011
16
ARAGONESES MARTINEZ, Sara. Derecho procesal penal. 8 ed. Madrid: Ramon Acerces, 1996, p.
406. 17
LOPES JR., Aury. O novo regime jurídico da prisão processual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.
96.
15
manifestaram no inquérito policial. Logo, a sua prova já está produzida, não
restando motivos para que os Pacientes possam tentar algo.
Portanto, é de ser afastado esse requisito, visto que a
autoridade policial não trouxera nada de novo após a sua construção
prisional.
Não se vislumbra, nos autos, uma adequada
fundamentação para manter os Pacientes provisoriamente recolhidos,
estando o decreto condenatório em dissonância ao disposto no artigo 315 do
Código de Processo Penal, que dispõe: “O despacho que decretar ou denegar
a prisão preventiva será sempre fundamentado.”
Contraria-se, assim, nossa Carta Constitucional, que
prescreve, em seu artigo 93, inciso X, que as decisões sempre serão
motivadas. “In verbis”:
Art. 93- Lei complementar, de iniciativa do Supremo
Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da
Magistratura, observados os seguintes princípios:
X- as decisões administrativas dos tribunais serão
motivadas, sendo as disciplinares pelo voto da maioria
absoluta de seus membros.”
A jurisprudência é pacífica neste sentido:
"A prisão preventiva, pela sistemática do nosso Direito
Positivo, é medida de exceção. Só é cabível em situações
especiais. Aboliu-se seu caráter obrigatório. Assim, não
havendo razões sérias e objetivas para sua decretação e
tratando-se de réu primário, sem antecedentes
criminais, com profissão definida e residente no foro do
delito, não há motivos que a autorizem" (TACrimSP RT
528/315).
16
A liberdade dos Pacientes não acarretará qualquer
prejuízo ao processo, já que não procrastinarão e não frustrarão a instrução
criminal e a eficácia da aplicação da lei penal.
Além disso, como já reiterado, não há elementos que
indiquem eventual obstrução à ação da Justiça Penal, já que não ofereceram
nem oferecem nenhum tipo de ameaça à sociedade.
Há de entender que a permanência dos Pacientes em
cárcere não é necessária para a elucidação dos fatos, estando juntadas aqui,
Excelência, para comprovar a inexistência de perigo à instrução criminal e à
aplicabilidade da lei penal, certidões e documentos que atestam o
comportamento ilibado dos Pacientes, que nunca responderam a qualquer
processo criminal, de qualquer natureza nem responderam a nenhum
processo ético disciplinar de seu órgão de classe.
Assim, não subsistem quaisquer razões apontadas para o
encarceramento cautelar.
Em casos ainda mais graves, como no crime de homicídio,
esta Egrégia Corte já assentou firme posicionamento:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO.
MOTIVO FÚTIL. AUSÊNCIA DE DECISÃO
FUNDAMENTADA.
1- Não havendo na decisão, que indeferiu a liberdade
provisória do requerente, referência a fato concreto que
justifique a manutenção da segregação e, mais,
comprovados os predicados pessoais favoráveis,
primariedade, residência fixa, bons antecedentes e
ocupação lícita, impõe-se a revogação da prisão.
2- Ordem conhecida e concedida. (TJGO, Habeas
Corpus 147918-02.2011.8.09.0000, Rel. Dr(a). Lilia
17
Monica De Castro Borges, 1ª Câmara Criminal, julgado
em 10/05/2011, Dje 827 de 27/05/2011) Grifo Nosso.
HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO.
EMPREGO DE ARMA. CONCURSO DE PESSOAS.
NEGATIVA DE AUTORIA.PRISÃO PREVENTIVA.
REVOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO
CONCRETA. SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO
CAUTELAR PELA LIBERDADE PROVISÓRIA
VINCULADA.
(...)
2. Se a decisão que manteve a prisão preventiva do
paciente restou totalmente carente de motivação,
impõe-se revogá-la, nos termos do art. 93, inciso IX, da
Constituição Federal.
3. Ficando comprovado a favorabilidade dos predicados
pessoais do Paciente, substituição da prisão cautelar
pela liberdade provisória vinculada é medida
impositiva. 4. Ordem conhecida e concedida. (TJGO,
Habeas Corpus 512371-30.2011.8.09.0000
(201195123710), Rel. Dr. Gerson Santana Cintra, 1ª
Câmara Criminal, julgado em 07/02/2012). Grifo
Nosso.
3. VIABILIDADE DAS MEDIDAS DO ART. 319 DO CPP
Anota-se, Excelências, que as medidas cautelares
alternativas à prisão preventiva foram elaboradas para refrear a
possibilidade de ações que venham a obstar a investigação policial (art. 319,
incs. II, III e VI), para evitar a fuga (incs. I, IV e V) e para evitar novos
crimes (incs. I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX).
Logo, a visão doutrinária de que as medidas são cabíveis
até em crimes violentos – o que não é o caso – se deve à possibilidade das
18
medidas cautelares criarem escudos contra qualquer dos requisitos da
prisão preventiva.
Razão esta pela qual a prisão torna-se ultima ratio da
nova sistemática prisional e as cautelares, recomenda-se, seriam as
primeiras formas de cautelaridade.
Com a entrada em vigor da Lei 12.403, em 4 de julho de
2011, acentuou-se ainda mais a prisão como medida de exceção. Com as
novas medidas cautelares, a prisão provisória só se justifica quando
demonstrada na decisão judicial sua inaplicabilidade.
Tais medidas, então, são aplicadas quando há os
requisitos prisionais, mas quando estes podem ser refreados com medidas
outras que não apenas e tão somente a prisão.
Ademais, a substituição da prisão preventiva pelas
cautelares “é cabível em qualquer espécie de infração penal, exceto naquelas
para as quais não há cominação da pena privativa de liberdade, ou seja, nas
contravenções penais”.18
O Supremo Tribunal Federal em decisão recente, em caso
de grande complexidade, com pluralidade subjetiva e penas imensamente
superiores as do presente caso, já decidiu:
EMENTA Habeas Corpus. Processual Penal. Prática de
ilícitos penais por organização criminosa denominada
Primeiro Comando da Capital (PCC), na região do ABC
paulista. Paciente incumbida de receber e transmitir
ordens, recados e informações de interesse da
quadrilha, bem como auxiliar na arrecadação de
valores. Sentença penal condenatória que vedou a
possibilidade de recurso em liberdade. Pretendido
acautelamento do meio social. Não ocorrência. Ausência
dos requisitos justificadoras da prisão preventiva (art.
312 do CPP). Última ratio das medidas cautelares (§ 6º
18
GOMES, Luiz Flavio. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011.
São Paulo: RT, 2011, p. 172.
19
do art. 282 do CPP - incluído pela Lei nº 12.403/11).
Medidas cautelares diversas: I - Comparecimento
periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas
pelo juiz, para informar e justificar atividades; II -
Proibição de acesso ou frequência a determinados
lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao
fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante
desses locais para evitar o risco de novas infrações; e III
- Proibição de manter contato com pessoa determinada
quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o
indiciado ou acusado dela permanecer distante. (art.
319 do CPP – com a alteração da Lei nº 12.403/11).
Aplicabilidade à espécie, tendo em vista o critério da
legalidade e proporcionalidade. Paciente que, ao
contrário dos outros corréus, não foi presa em
flagrante, não possui antecedentes criminais e estava
em liberdade provisória quando da sentença
condenatória. Substituição da prisão pelas medidas
cautelares diversas (Incisos I a III do art. 319 do CPP).
Ordem parcialmente concedida. 1. O art. 319 do Código
de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº
12.403/2011, inseriu uma série de medidas cautelares
diversas da prisão, dentre elas: I - Comparecimento
periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas
pelo juiz, para informar e justificar atividades; II -
Proibição de acesso ou frequência a determinados
lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao
fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante
desses locais para evitar o risco de novas infrações; e III
- Proibição de manter contato com pessoa determinada
quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o
indiciado ou acusado dela permanecer distante. 2.
Considerando que a prisão é a última ratio das medidas
cautelares (§ 6º do art. 282 do CPP - incluído pela Lei nº
12.403/11), deve o juízo competente observar
aplicabilidade, ao caso concreto, das medidas cautelares
diversas elencadas no art. 319 do CPP, com a alteração
da Lei nº 12.403/11. 3. No caso, os argumentos do Juízo
de origem para vedar à paciente a possibilidade de
recorrer em liberdade não demonstram que a sua
liberdade poderia causar perturbações de monta, que a
sociedade venha a se sentir desprovida de garantia
para a sua tranquilidade, fato que, a meu ver, retoma o
verdadeiro sentido de se garantir a ordem pública -
acautelamento do meio social -, muito embora, não
desconheça a posição doutrinária de que não há
definição precisa em nosso ordenamento jurídico para
esse conceito. Tal expressão é uma cláusula aberta,
alvo de interpretação jurisprudencial e doutrinária,
cabendo ao magistrado a tarefa hermenêutica de
explicitar o conceito de ordem pública e sua amplitude.
4. Na espécie, o objetivo que se quer levar a efeito -
20
evitar que a paciente funcione como verdadeiro pombo-
correio da organização criminosa, como o quer aquele
Juízo de piso -, pode ser alcançado com aquelas
medidas cautelares previstas nos incisos I a III do art.
319 do CPP em sua nova redação. 5. Se levado em conta
o critério da legalidade e da proporcionalidade e o fato
de a paciente, ao contrário dos outros corréus, não ter
sido presa em flagrante, não possuir antecedentes
criminais e estar em liberdade provisória quando da
sentença condenatória, aplicar as medidas cautelares
diversas da prisão seria a providência mais coerente
para o caso. 6. Ordem parcialmente concedida para que
o Juiz de origem substitua a segregação cautelar da
paciente por aquelas medidas cautelares previstas nos
incisos I a III do art. 319 do Código de Processo Penal.
(HC 106446, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Primeira
Turma, julgado em 20/09/2011, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 10-11-2011 PUBLIC
11-11-2011)
Nota-se que a doutrina afirma que “as condições pessoais
do investigado ou acusado também representam valioso elemento para
indicar, dentre as alternativas previstas na lei, a medida mais idônea para
acautelar os interesses da persecução penal”.19
Os Pacientes têm residência fixa (doc. anexo), emprego
fixo (doc. anexo), relacionamento amoroso estável (doc. anexo), são bem
vistos pela sociedade e sérios em seus afazeres (doc. anexo) e não são
condenados na Justiça (doc. anexo).
Logo suas condições pessoais permitem a aplicação das
medidas, o fácil cumprimento destas, a fiscalização ampla e plena, bem como
a segurança necessária aos envolvidos.
3.1 Das medidas aptas a substituírem a prisão diante dos requisitos do r.
decisum
19
FERNANDES, Og. Medidas cautelares no processo penal. Prisões e suas alternativas. São Paulo: RT,
2011, p. 43.
21
Luiz Flavio Gomes prega que a aplicação de medida
cautelar “é cabível em qualquer espécie de infração penal, exceto naquelas
para as quais não há cominação da pena privativa de liberdade, ou seja, nas
contravenções penais”20.
No presente caso há cominação de pena privativa de
liberdade que, caso haja condenação pela pena máxima em cada um dos
crimes, o que é improvável do ponto de vista técnico, levariam os acusados
ao regime semiaberto e não ao regime fechado.
Importa lembrar que o i. decreto prisional apresentou
como motivo basilar o fato dos Pacientes terem possibilidade de intervir nas
investigações ao tentar novo contato com os envolvidos e a chance de
escaparem aos olhos da Justiça
Consoante lição doutrinária, em casos nos quais os
fundamentos são estes e os acusados contam com condições de vida seguras,
as medidas cautelares são tão eficazes para a finalidade processual quanto a
própria prisão.
Deve-se, tal raciocínio, ao fato de que, em liberdade e
fiscalizados de perto, não há possibilidade dos réus investirem contra provas
e testemunhas sem o alerta estatal.
Mais que isso, interessante apontar que as pessoas mais
interessadas na prisão dos Pacientes – Sr. Jonnathan Sthal e sua mãe –
poderão ter em seu favor proibições de aproximação por parte dos Pacientes
e, assim, se houver qualquer contato, a liberdade poderá ser revogada a
qualquer tempo.
Portanto, a liberdade dos Pacientes será fiscalizada pelo
Estado e pelas vítimas.
20
GOMES, Luiz Flavio. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011.
São Paulo: RT, 2011, p. 172.
22
Arvora-se, aqui, argumento favorável aos Pacientes em
condição de liberdade assistida e que impõe restrições de acesso às
testemunhas, situação que, numa cidade de pequeno porte, é facilmente
fiscalizável inclusive pela sociedade.
De mais a mais, como advogados, a própria atividade
profissional põe forte freio a qualquer invasão do saneamento investigatório,
já que os Pacientes têm contato cotidiano com o aparato judiciário, podendo
comparecer a qualquer convocação, ato fiscalizatório ou chamamento do r.
juízo.
Visto isso, eis algumas medidas em espécie, previstas na
lei:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas
condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar
atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados
lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao
fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante
desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa
determinada quando, por circunstâncias relacionadas
ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer
distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a
permanência seja conveniente ou necessária para a
investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos
dias de folga quando o investigado ou acusado tenha
residência e trabalho fixos;
IX - monitoração eletrônica.
A aplicação dessas medidas, Excelência, segundo a
doutrina, pode ser conjunta, não havendo óbices a isso, ou seja, cria-se um
leque de opções que antecipam o encarceramento.
Passa-se à análise de cada uma das medidas e da sua
23
eficácia no caso concreto do paciente.
Inciso I
Aury Lopes Jr. ensina que, quanto ao previsto no inciso I,
“é uma medida que permite, a um só tempo, o controle da vida cotidiana e
também certificar-se do paradeiro do imputado, servindo como instrumento
para tutela da eficácia da aplicação da lei penal”21.
Luiz Flávio Gomes prega que “tem a finalidade de
vincular o acusado ao processo, evitando que ele empreenda fuga do distrito
da culpa ou frustre o andamento do processo. Serve também para o acusado
comprovar que está exercendo ocupação lícita, o que cria a presunção de que
não continua a delinquir, ou seja, de que não está colocando em risco a
ordem pública”22
Portanto, cabível no presente caso, para substituir o risco
de fuga, que, na verdade, sendo medida que onera menos o Estado, evita o
desamparo das famílias dos Pacientes – máxime porque a paciente Sinthia
Resende Castro Silva tem filhos menores e dependentes – e tem a mesma
eficácia para evitar eventuais fugas.
Andrey Borges de Mendonça23 aduz que essa medida
pode obrigar ao comparecimento diário, o que elide a chance de um crime
praticado em outro lugar do Estado.
A fiscalização é eficaz em razão dos maiores interessados
na liberdades, os Pacientes, situação que merece crédito, pois comparecerão
quantas vezes o juízo quiser e quando quiser.
Inciso II
21
LOPES JR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas
cautelares diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 123. 22
GOMES, Luiz Flavio. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011.
São Paulo: RT, 2011, p. 179. 23
BORGES DE MENDONÇA, Andrey. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. São Paulo: Método,
2011, p. 430.
24
A plausibilidade de tal medida deve-se a alegação policial
de que os Pacientes poderiam fugir ou coagir testemunhas.
A simples proibição de os Pacientes frequentarem a casa
das pretensas vítimas ou o lugar em que se encontrem, serve à tutela do
objeto processual.
Para que sejam os réus fiscalizados, há muitas
possibilidades, dentre as quais o uso de telefonemas à sua residência e a
conversa direta com os Pacientes, bem como visitas de policiais.
Inciso III
O inciso III tem situação mais concreta, segundo Aury
Lopes Jr:
[...] melhor circunscrita que a do inciso anterior, na
medida em que a proibição tem um objeto de tutela
mais claro: uma pessoa determinada, em regra, a
vítima, testemunha e até mesmo um coautor do crime,
mas sempre alguém devidamente individualizado.
Neste ponto, é perfeitamente possível que a medida
cumpra uma função de cautela da prova. Inclusive a
efetividade desta cautela será mais concreta, na
medida em que a própria pessoa protegida se
encarregará de denunciar eventual descumprimento da
ordem24.
No presente caso, havendo explicitação das pessoas com
as quais eles não podem ter contato, se houver descumprimento da medida,
retirada novamente será a liberdade.
Portanto, a eficácia da medida é forte e não depende dos
acusados ou do Estado e sim daqueles que já querem os acusados presos,
portanto, mais acertada a medida do que a simples prisão.
24
LOPES JR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas
cautelares diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 126.
25
Além do mais, a doutrina prega a eficácia da medida
como substitutiva à mera prisão antecipadora de pena, pois da prisão o
sujeito ativo fica oculto e munido de álibi para eventual novo crime, e aos
olhos da sociedade e luzes da mídia, não.
Também é medida de simples fiscalização, da forma que
previu Aury Lopes Jr., já que fica a cargo de quem não quer o réu solto.
Logo, se houver ingerência, o juízo terá ciência e os Pacientes voltarão
novamente ao cárcere.
Assim a medida é apta a substituir a prisão.
Inciso IV
No inciso IV, existe outra prevenção para substituir a
prisão quanto à aplicação da lei penal, porquanto ficam os acusados
vinculados por decisão judicial ao processo, sendo obrigados a estarem na
em sua cidade.
Essa medida é utilizada para “minorar o risco de fuga”25,
conforme lecionam Aury Lopes Jr e Marcellus Polastri26.
É de se lembrar que os Pacientes não praticaram
quaisquer atos no sentido de se furtar à aplicação da lei.
Mesmo assim, a medida é mais conveniente, por não
onerar os Pacientes, retirando-os de sua família e privando o sustento desta,
mantendo, ainda assim, a prevenção do processo.
Por contarem com endereço certo, simples é a fiscalização
de tal medida, bastando ligar para a residências, escritórios ou requerer
deslocamento dos Pacientes ao juízo criminal.
25
LOPES JR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas
cautelares diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 128. 26
POLASTRI, Marcellus. Da prisão e da liberdade provisória (e demais medidas cautelares substitutivas
da prisão) na reforma de 2011 do Código de Processo Penal: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011, p. 159.
26
Inciso V
Quanto ao inciso V, é de se destacar, novamente, que os
Pacientes têm residência fixa, logo, resta fácil a fiscalização de tal medida,
bastando simples ligação.
Com essa medida cautelar, evitam-se saídas noturnas e
há possibilidade de controle pelo Estado das ações dos Pacientes.
Inciso IX
No tocante ao inciso IX, monitoração eletrônica, cumpre
notar que os Pacientes podem ser enquadrados no dispositivo, já que se pode
monitorar todos os passos e locais nos quais estão, com fiscalização em
tempo real do Estado, sendo medida preferível à prisão cautelar
antecipadora de pena, que é exceção, jamais a regra.
Destarte, percebe-se logo que as medidas cautelares são
tão funcionais quanto a prisão e evitam custos humanos e estatais, o que faz
delas melhores do que a prisão preventiva, ainda mais para os Pacientes
com emprego e residência fixa, como é o caso dos autos.
4 DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA FIANÇA COMO MEDIDA
LEGALMENTE APLICÁVEL
A fiança no presente caso é possível e viável, por não
constar no rol de delitos que a tem como item vedado.
Eis o dispositivo que versa sobre a possibilidade de fiança
a quase todo delito, inclusive, por óbvio, nos crimes imputados aos
Pacientes:
Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder
fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade
máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
27
Em que pese a já explicitada ausência de subsunção das
condutas dos Pacientes aos tipos penais imputados, é importante analisar
que a fiança, no presente caso, também substitui com eficácia a prisão
acauteladora.
A pena serve como elemento de determinação valorativo
e não como óbice ao uso da contracautela processual, conforme preconiza o
art. 325 do CPP, ao permitir a fiança entre 10 e 200 salários no caso de
crimes com pena superior a 04 (quatro) anos e entre 1 e 100 salários para
crimes com penas de até 04 (quatro) anos.
Nos termos do art. 334 do CPP, a fiança pode ser
prestada a qualquer tempo após a prisão, tendo apenas como limite o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória, quando passa a existir
a pretensão executória da pena. “In verbis”:
Art. 334. A fiança poderá ser prestada enquanto não
transitar em julgado a sentença condenatória.
Nucci ainda dispõe, acerca da fiança, que:
“Finalmente, corrige-se um grave erro da lei anterior:
qualquer crime é afiançável, salvo algumas exceções,
pouco importando a sua pena máxima27”.
Outro festejado autor, Luiz Flavio Gomes, prega o mesmo
entendimento:
“Agiu muito bem o legislador em não mais vincular o
cabimento da fiança à pena mínima cominada ao delito.
Essa vinculação criava a seguinte disparidade: os
autores de infrações mais leves tinham de prestar
fiança para obter a liberdade provisória, enquanto os
autores de crimes mais graves a obtinham sem o
pagamento da contracautela (nos termos da redação
anterior do parágrafo único do art. 310). Nesse sentido,
precisas as palavras de Eduardo Reale Ferrari de que
„houve uma preocupação (no projeto de lei em comento) 27
NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e liberdade: as reformas processuais introduzidas pela Lei 12.403,
de 4 de maio de 2011. São Paulo: RT, 2011, p. 96-97.
28
em encerrar a estapafúrdia contradição de ser o
indiciado por crime menos grave solto mediante o
pagamento de fiança, e ser o indiciado por crime mais
grave solto sem qualquer condição, quando ausentes os
requisitos da prisão preventiva, a não ser o
comparecimento a todos os atos do processo28”.
Marcellus Polastri - também ao falar da nova lei - explica
a possibilidade e relevância do instituto da fiança:
“Não há mais empecilho ou limite de pena para se
conceder a fiança, mas o seu valor é extremamente
maleável pelo juiz, o que não será útil como cautelar
mas para prevenir a criminalidade[...] a fiança é uma
espécie de liberdade provisória vinculada (aliás a de
maior vinculação), ou seja, o agente, além do valor
depositado, fica com ônus processuais a serem
cumpridos”29.
Diante do exposto, Excelência, há que se verificar que:
a) A fiança pode ser arbitrada a quase todo crime,
inclusive os delitos que serviram de supedâneo ao decreto preventivo dos
Pacientes;
b) Para a concessão da fiança, não há mais restrição
quanto à pena;
c) A doutrina recomenda seu uso como forma de evitar a
prisão e, efetivamente, acautelar o processo, o que não foi feito pelo
Magistrado a quo.
No presente caso, não existem hipóteses de vedação à
fiança, previstas no art. 323 do CPP, já que não se trata de crime de tráfico
28
GOMES, Luiz Flavio. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011.
São Paulo: RT, 2011, p. 193-194. 29
POLASTRI, Marcellus. Da prisão e da liberdade provisória (e demais medidas cautelares substitutivas
da prisão) na reforma de 2011 do Código de Processo Penal: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011, p. 221.
29
de drogas, racismo, tortura, terrorismo, de crimes hediondos ou ainda de
grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Os supostos crimes praticados pelos Pacientes não tem o
condão de lesar os bens jurídicos mais relevantes, comportando a fiança
como cautela da liberdade provisória.
Logo, a medida é acertada para cumprir a Constituição
Federal e, ao mesmo tempo, acautelar o processo.
Assim, era possível substituir a prisão preventiva dos
Pacientes pela fiança para evitar a antecipação da pena antes do trânsito em
julgado da sentença condenatória, o que, a toda evidência, não foi feito.
5 – DA LIMINAR PLEITEADA
No presente caso, a liminar pleiteada se impõe como uma
necessidade, pois os ora Pacientes encontram-se, de forma flagrante, sofrendo
ilegal constrangimento e com flagrante nulidade do decreto de prisão
preventiva, visto que a fundamentação do combatido decreto em momento
algum se reportou às regras estabelecidas pela Lei n. 12.403/2011, a qual
impõe a análise da possibilidade de aplicação das medidas cautelares
diversas da prisão antes de decretar a medida odiosa, que é, segunda TODA
a doutrina, a ultima ratio do sistema prisional cautelar.
Em virtude disto, por mais esta razão, é a respeitável decisão
do juízo a quo fonte de nulidade insanável geradora de constrangimento
ilegal, posto que não respeitou o cânon do dever de motivação de todo e
qualquer decreto constritivo da liberdade, violadora, com efeito, do art. 93, IX
da Constituição Federal e do novo art. 31530 do Código de Processo Penal.
30
Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada.”
30
Em outras palavras, o magistrado singular, ao não
fundamentar o porquê da não aplicação das medidas cautelares menos
gravosas que a prisão, deixou de motivar adequadamente a sua decisão,
agredindo, com isso, além do Princípio da Motivação das Decisões Judiciais, o
próprio Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade, tendo aplicado
medida muito mais gravosa do que aquela que seria plenamente suficiente
para acautelar o processo.
Diante de flagrante ilegalidade, seria inócuo neste momento,
discutir-se a respeito do perigo de mora do r. pronunciamento judicial em
atenção ao presente mandamus.
Está mais do que claro a ocorrência do perigo de mora, haja
vista que os Pacientes estão atualmente reclusos, o que está por degradar as
suas personalidades, moral, profissional e social.
Evidente, pois, que a cada dia passado no cárcere provisório,
representa um risco incalculável, tanto para a vida, quando para a
integridade física e moral dos ora Pacientes.
Por esses motivos (nulidade das provas colhidas no inquérito
policial, nulidade da decisão por não ter abordado a possibilidade de
aplicação das medidas cautelares diversas da prisão e ausência de requisitos
concretos da prisão preventiva) resta incontroversa a flagrante ilegalidade, a
qual aliada à nocividade de uma prisão processual, faz com que a concessão
da medida liminar figure como imprescindível no presente momento.
O que se requer a partir de agora
6 – DOS REQUERIMENTOS FINAIS
Isto posto, é a presente no sentido de requerer, mui
respeitosamente, se dignem Vossas Excelências em receber o presente writ
31
e, após o oferecimento da quota ministerial e da prestação das informações
de praxe, dar provimento ao presente pedido para revogar a prisão
preventiva, com a consequente expedição do alvará de soltura em nome de
******************* e *********************************, recolhidos
atualmente no 15º Batalhão da Polícia Militar de Jataí/GO, com a aplicação,
caso Vossas Excelências entendam necessário, das medidas cautelares
diversas da prisão ou ainda da fiança, que serão cumuladas com o estado de
liberdade, TUDO SEM PREJUÍZO DA LIMINAR PLEITEADA, por ser medida da
mais escorreita JUSTIÇA!
Nestes termos,
Pedem deferimento.
Goiânia, GO, 15 de junho de 2012.
HUMBERTO MACCHIONE DE PAULA LEON DENIZ BUENO DA CRUZ
OAB/GO 21.295 OAB/GO 11.430