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Page 1: RESENHA GARCIA, Elisa Frühauf. Identidades e Políticas Coloniais guaranis, índios infiéis, portugueses e espanhóis no Rio da Prata.docx

Relações sociais e seus desdobramentos na conquista ibérica do Rio da

Prata

GARCIA, Elisa Frühauf. Identidades e Políticas Coloniais: guaranis, índios infiéis,

portugueses e espanhóis no Rio da Prata, c.1750-1800. Anos 90, Porto Alegre, v. 18, n. 34, p.

55-76, 2011.

O texto apresentado é uma análise sobre as relações entre espanhóis, portugueses e guaranis

na ocupação da região do Rio da Prata. A autora expõe a dinâmica dessas relações

demonstrando que são essencialmente históricas, principalmente no que diz respeito às

categorias designadas aos seus agentes diretos. Estas são, muitas vezes, apenas classificações

gerais que nem sempre condizem com a realidade. As relações aqui citadas são elementos

variáveis segundo as condições presentes no momento e espaço específicos e, desta forma,

são características históricas criadas e transformadas ao longo do tempo. Elisa Garcia,

portanto, evidencia os hábitos políticos na colonização ibérica e como os nativos interagiam

nessa conjuntura.

Garcia inicia mostrando que o ideal de colonização para o governo espanhol seria a total

separação dos colonizadores e dos indígenas e usa uma citação de Jacques Poloni-Simard para

ressaltar sua afirmação. Contudo, este não era o cenário real em todas as regiões colonizadas,

principalmente nas regiões fronteiriças, como no caso do Rio da Prata, aqui trabalhado. Ali

havia índios, chamados de infiéis por não serem convertidos, que frequentemente eram

considerados obstáculos na expansão colonizadora. Garcia destaca também as missões,

usando uma citação de Bolton. Estas tiveram papel importante neste aspecto, sendo criadas

justamente com objetivo de defender o território conquistado contra as colonas expansionistas

de outro estado e da ameaça indígena não submetida.

Neste contexto, nem sempre os colonizadores possuíam poder bastante para enfrentar os

indígenas sendo que estes, assim, eram classificados numa categoria dicotômica entre amigos

(aqueles que se aliavam aos colonizadores e serviam de auxilio para a ação colonizadora) e

inimigos (os que deveriam ser exterminados por não trazerem benefícios aos colonizadores)

segundo a necessidade e a disposição de recursos para combatê-los.

No caso da disputa pela região do Rio da Prata, afirma Garcia, os indígenas foram separados

pela historiografia grosseiramente em grupos: os missioneiros estariam sempre do lado

espanhol enquanto os minuanos do lado português. Neste sentido, a distinção dos grupos

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indígenas entre amigos ou inimigos era uma classificação feita pelos ibéricos que espelhava as

suas visões e interesses políticos.

Outro aspecto apontado por Garcia, citando Santos e Baptista, é que havia uma

heterogeneidade dentro dos pueblos e dos grupos indígenas. Certamente a postura desses

grupos frente aos colonizadores lusos e espanhóis foi diversificada segundo os interesses

atuais desses povos. Muitas vezes a lealdade desses grupos foi contestada devido a tal

heterogeneidade Neste sentido, a classificação ibérica entre amigos e inimigos não era

totalmente válida, pois a posição de aliado ou inimigo para a conquista das regiões

fronteiriças estava condicionado aos interesses indígenas. Portanto, quanto maior a disputa

pelo território, maior serão os benefícios adquiridos pelos indígenas.

Não só os indígenas perceberam que em certas situações seria benéfica a aliança com os

missioneiros, mas também estes, por vezes, se juntavam aos infiéis por diversos motivos,

afirma Garcia. Neste sentido, as classificações coloniais foram usadas pelos infiéis ao seu

favor, principalmente quando ocorriam as disputas pelos territórios fronteiriços mostrando,

assim, que eram mais que formalidades e que afetavam a realidade social. Portanto, é

perceptível que o posicionamento dos grupos era parte de uma conjuntura histórica na qual os

índios reformulavam as suas representações a seu favor.

A autora destaca, ainda, o cenário criado pelo Tratado de Madri, que potencializou a disputa

por terras na região do Rio da Prata. As alianças com e entre os índios se fizeram

indispensáveis neste momento, tanto para os ibéricos quanto para os indígenas. Nesta situação

os minuanos decidiram se aliar aos missioneiros contra Portugal, contudo, mais tarde essa

“traição” seria perdoada e os minuanos buscariam outras recordações que exemplificasse a

sua suposta lealdade aos lusos. Portanto, Garcia mostra como esses povos se posicionavam e

usavam diferentes estratégias segundo lhes convinha e lhes era favorável.

A autora seguiu exemplificando as diferentes estratégias usadas pelos minuanos para garantir

benefícios e a própria sobrevivência. Neste jogo os indígenas nunca se colocavam como

inferiores aos lusos, mas sim como aliados importantes para a conquista de novas terras. Este

é um momento de grandes negociações, por volta do século XVIII, quando os colonizadores

buscavam tomar posse das fronteiras. Sem dúvida, como já destacado aqui, esta disputa traria

vantagens, porém, traria também os colonizadores que tinham o desejo de proteger seus

impérios. Mais uma vez é observada a característica de mudança segundo as situações no

presente com objetivo de planejar um futuro.

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A inconstância de posicionamento e tomada de decisão foi uma característica marcante dos

minuanos, mas também dos portugueses. Nem em todos os momentos Portugal se manteve

aliado aos minuanos, fator que variava segundo ordens da coroa lusa e que nem sempre eram

seguidas por seus funcionários, variavam segundo as políticas dos momentos específicos.

Esse posicionamento dependia, por vezes, da política aplicada, se mais agressiva ou não, das

reações dos índios, dos funcionários reais e da real possibilidade de dominação.

A autora segue exemplificando outras situações de mudança de posicionamento, tanto dos

lusos quantos dos espanhóis e índios. Na virada do século XVIII para o XIX os embates para

a conquista da região de Montevidéu se acirraram levando os espanhóis a buscar alianças com

os portugueses para derrotarem os infiéis. No entanto este pedido não foi concedido pelos

portugueses, que desta vez, não acreditaram na proposta dos espanhóis e desconfiavam da

verdadeira intenção destes. Com isto, Garcia expõe claramente como os acordos verbais ou

escritos eram passiveis de mudança, ou seja, eram construções históricas que mudavam

segundo interesses específicos.

Por fim, a autora conclui que as categorias utilizadas para classificar os grupos que

disputavam a região do Rio da Prata eram usadas segundo lhes convinha, numa situação

específica, contudo, eram importantes na afirmação desses elos quando tomados.

Elisa Garcia desenvolveu o tema proposto permeado de exemplos e citações de especialistas

no assunto de colonização. Obteve sucesso na construção e desenvolvimento do texto,

deixando claro e de fácil entendimento o que pretendia informar. O texto, além disso, é uma

ótima fonte para pesquisa na área de conquista da América, visto que tem uma visão ampliada

de todos os sujeitos da colonização, sem favorecer nenhum lado assim como nenhuma visão

específica.