estudos tupis e tupi-guaranis: confrontos e revisões

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ESTUDOS TUPIS E TUPI-GUARANIS

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  • ESTUDOS TUPIS E TUPI-GUARANIS

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    FREDERICO G. EDEL WEISS I!

    ~STUDOS TUPIS E TUPI-GUARANIV

    CONFRONTOS vE REVISES

    LIVRARIA BRASILIANA EDITORA RIO DE JANEIRO

    ,,.j

    Digitalizado pela Biblioteca Digital Curt Nimuendaj. Disponvel para download no endereo http://biblio.etnolinguistica.org/edelweiss_1969_estudos

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    PM1111 .G ~')._, AVISO PRELIMINAR

    I No grande o nmero daqueles que se do boa conta da onipresena do tupi ( 1 ) na vida brasileira .e,. por isso,. nem sem-pre com justia que se tala em tupimania, vendo demasia em todo esfro, que procura dar o devido relvo ao muito, que de-vemos ao povo dominant~~~em nosso litoral chegad do europeu.

    Entretanto, d apdo, cujos laivos de menosprzo tm a sua origem no despreparo da grande rnaiorict dos nossos .tupinistas, justitica-se, quando profliga certos exageros e generalizaes, principalmente no cq,mpo etimolgico, onde pululam os pseudo-

    .. entendidos carentes dg mai~ comezinho preparo - os etimolo-gistas de vocabuLrios.

    Evidentemente, no bastam lxicos para discutir tatos de linguagern, destrinar procedncias ou compor trmos novos, tan-to mais, quanto os vocabulrios tupis existentes (1) perten-cem a pocas e regies diversas, representam dialetos vrios em es-tdios entre si remotos. Se nles h vocbulos iguais, tambm os h divergentes, de forma e s~ntido, em nmero muito_ maior ( 2).

    Essa diversidade lxica no podia passar despercebida aos interessados e nos mais escrup,ulosos devia provocar uma pru-dente tomada de posio.

    o procedimento, no caso mais consentrieo ao esprito cien-tifico, fra a seriao preliminar dos lxiCos por dialtos, pocas e reas, que nortearia todo critrio, dando consistncia s de~ dues. Todavia, uma cousa lobrigar> o certO, e outra mllis rdua acert r e nivelar . o caminho, que a le co~duz.

    (1) - o que vale para o tupi, do litoral paulista ao Amazonas, cabe ao guarani, nos estados do Paran, Santa Catarina e Rio Grande do sul.

    '- (2) - A diluio sinttica ainda muito mais acentuada.

    7

  • At publicao do lxico tupi jesutico, o Vocabulrio na Lngua Brasilica, em 1938 (3 ), no havia soluo possvel; fal-tava o elo inicial. Sem o dicionrio tupi dos jesutas conti-_nuaria1n ignoradas as .formas vocabulares /legtimas ao tempo o descobrimento, que representam o pontp de partida para qualquer estudo comparativo, qualquer traduo conscienciosa de textos.

    Nesse dilema,_ aos no~sos etimologistas amadores s restava o recurso de considerar a famlia lingstica tupi-guarani como lngua indistinta, tanto no espao como nQ tempo, a despeito

    _dq,s mlti]Jlas divergncias nitidamente caracterizadas. Pata sse complexo heterogneo nas formas, Teodoro Sam-

    pa:J, louvan~o..;se em Martius, escolheu a_ denominao gen-, .rtca de Lngua--Tupi (~). -

    Mais tarde; com muito 1nenos razo, por ser o divulgador do Vocab~rio na Lngua BrasUca, Plnio Ayrosa, primeiro catedr-tico de Tupi na Universidade de So Paulo, manifesta a mesma tndncia de fugir a laboriosas distines, ao perfilhar o inde-jensvel trmol~ngua tupi-guarani(5), um mistifrio, onde, mais . par; a alv.io do mestre do que . do discpulo .. espantado, . caberia tudo: o legtimo vocbulo guarani, de Montoya, atorma castia do tupi anchietano, nivelado, em condies de igualdade, ao seu

    . estropiado descendente nheengatu, remanejado, atravs de s-culos, por .bcas estranhas.

    Tais denominaes genricas de . amadoresca . impreciso no poderiam satisfazer por muito tempo o esprito persctuta-dor das nossas Faculdades de Filosofia. A divulgao do iJoca-bulrio tupi dos jesutas no tardaria de seguir o reconhecimento gradativo-das caracctersticas marcantes, que distinguem. o tupi de Anchieta, Arajo e Figueira do guarani de Montoya e Resti-vo, sem falar 'nas peculiaridades locais, que se iam notando de um autor para outro dentro da prpria esfera do tupi antigo.

    Entretanto, muito mais patente, desnorteante mesmo, a divergncia verificada entre o vocabulrio j-esuta e .Q_Dic.ipn:rio Portugus e Brasiliano, que-, at a publicao daqele, era tido em conta de livro fundamental, ainda . que znsuficiente, -do ldi-mo tupi original.

    Surgiu, pois, no apenas a convenincia de c.ircunscrever novamente o tupi e o guarani de acrdo com O velho critrio

    (3) -Volume XX da Coleo do Departamento da Cultura; So . Paulo.. . . _

    ( 4) -Compare o prefcio do seu Tupi na Geografia, Nacional. (5) ~ J o estigmatizamo~ em trmos algo candentes em nosso

    Tupis e Guaranis.

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    de Hervs (6), 1nas tambm a necessidade de repartir o de-senvolvimento histrico do tupi em suas fases principais.

    No desempenho dessa tarefa julga1nos conveniente, destacar do tupi original do Quinhentos duas fases de progressiva acul-turao. A primeira delas fruto da grande miscigenao, no apenas entre ndios e brancos, mas tambm por efeito do aldea-mento conjunto de ndios de outras fa1nlias lingsticas com tri-bos tupis, segundo a praxe dos jesutas.

    Apelidamos de "brasiliano" o dialeto tupi, que assim se toi formando na8 populaes marginais. O seu representante

    ''bibliogrfico mais divulgado o Dicionrio. Portugus e Brasi-liano, que nos forneceu o nonte. Reproduz o tupi falado, no Estado do Maranho, por volta de 1700. Dle sur'giu, no correr os anos, a segunda etapa de deterioramento, um dialeto de in-tercmbio no Amazonas, por eufemismo crismado de nheengatu - lngua boa!

    cremos desnecessrio frisar .. que o tal nheengatu em tempo algum. foi fa,lado. por qualquer tribo tupi. ~ Aos que m.e~indr,f!!em as nossas repetidas re~er~ncias a deperecimentos lingsticos, lembraremos que no tupz nao houve prpriamente desenvglvimento sistemtico, mas estropria.mentos e tda a sorte por ndios de outras. fa,mlias lin{l_jj,_isticas e mestios.

    Pois bem, -as pginas que se seguem so dedicadas a9 es-clarecimento dessa gradativa amalgamt.C?: influncia vria dos jesutas; a comentrios lingisticos dialetais. e cronolgicos em volta do tupi original, do brasiliano e do nheengatu; ao estudo comparativo de algumas das suas alteraes sucessivas mais gerais atravs dos vocabulrios impress~s e c~ia~ pa-tritica, mas. prematura, da Ctedra . de Tupz na Unwerszdade de So Paulo.

    :Es~s captulos . estavam elaborados de longa data , esp.era de uma oportunidade para a sua divulgao,. quando elementos novos vierant a exigir considervel e paciente alargamen,to do plano primitivo. ..

    A leviana insistncia de A . M traux na generalizao do gentlico tupinamb a todos os tupis costeiros, confirmada no Manual dos ndios Sul-Americanos (7), acabou Zastimvelmente por infiltrar-se nos estudos lingisticos. Nisso, alis, nenhuma

    (6) - Catlogo de las Lenguas etc. - Edelweiss, F -=-; Tupis e Guaranis; pp. 3-4. - . ' (7) ___:_ Handbook o f South American IndiansJ vol. III Washln~o,~, 19~8; p. 95.

    9

  • -"

    culpa direta ca.be a M traux, que ali no trata da lngua tupi- e a ela sempre deu pouca ateno com sensvel prejuzo de duas das suas obras (8) .

    Impu,nha-:se, pois~ demonstrar a inconsistncia da subser-viente generalizao de tupinamb em lugar ~de tupi, principal-mente quaruto ap-licado lngua bras~lica; e, pensamos ter res-saltado, mais uma vez, as graves inexatides cometidas nos es-tudos etnolgicos pelo desprepa~o lingstico de certos mentores.

    A reedio de velhas diatribes contra os compndios tupis dos jesutas~ des~a feita num livro destina.do s nossas Uni-'l'ersidades, exigiu uma srie de retificaes, que pretendem ser mais dO que simples crtica; so um complemento ao nosso pri-meiro captulo e com le aspiram a restabelecer a ver.dadc t~o ignbilnente vilipendiada por Pombal, detratores antigos e no-vos, num setor em, que a Companhia foi digna dos maiores en-cmios; _Outro desenvolvimento teriam tido os estudos das nos-sas lnguas indgenas, se a iconoclastia poml;Jalina no ocasio-nasse a perda irreparvel de tantos manuscritospreciosos.

    Incidentemente vai a nossa resposta queles especialiStas que pensam dever substituir a Ctedra de Tupi, no por um pro-gram,a tupi mais racional, mas por estudos de lnguas indge-nas vivas, quando o c:erto seria batalhar a favor de a.mbos. De forma alguma os estudos gerais de lnguas ndias vivas podero substituir o tupi, cujo conhecimento rudimentar um im.perativo da Cultura Nacional.

    Finalmente, o estudo recente e preliminar de trs cdices da Universidade de Coimbra, um 'dles da autoria de Bettendorff, permitiram,. no apenas cerrar e comprovar ainda melhor a cronologia tupi, mas demonstrar, base de textos dantes igno-rados, as divergncias sintticas muito maiores do que as lxi-cas entre o tupi e o brasiliano. ,

    Eis, portanto, o_ segundo complemento ao nosso "Tupis e Guaranis''. A tardana deve ser levada conta de circunstn-cias adversas, que refoge?n. ao nosso valimento.

    Cidad~ do Salvador, aos 2 de julho de 1966.

    (S) - La Civilisation Matrielle Des Tribus Tupi-Guarani e La Religion Des Tupinamba.

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    A NOSSA GRAFIA

    Na representao dos trmos indgenas continuamos a man-ter o nosso sistema grfico.

    As vogais normais a1 e, z, o, u tm o valor que lhes damos no portugus; e e o so sempre fechados.

    Y - representa lo t gutural do tupi-guarani. As vogais nasaladas levam til (-) : , e, Z, u, i a no ser que

    sejam imediatamente precedidas ou seguidas de outra vogal na-salada; de m ou n, que sempre nasa.Uzam as vogais vizinhas.

    Das consoantes portugusas no usamos: c, , f, l, q, v, (w), z. _

    k - substitui q, qu e o c oclusivo. s - tem o valor de ou ss do nosso portu~us atual. g - sempre representa a oclusiva velar. j- Pronuncia-se maneira doPO. rtugus. . . . x - corresponde ao ch portugus ou francs. nh - tem o valor do fonema portugus nh, do ii espanhol ou gn

    franc-s.

    Tonicidade.

    T,dasas palavra.,s oxtonas terminadas em a, e, i, o, u normal levam acento agudo(~). ~-

    Tambm so ~xtonas, embora no levem acento, as pala-vras acabadas em y, em vogal tilada e em consoarite.

    A1?J formas lx~;:tS paroxtonas no levam ac~nto .. Acabam sempre em qualquer vogal normal ou semivogal. .

    As paAlav;ras. proparoxtonas tomam regularmente acento agudo.

    . O acento grave ( ') marca as silabas subtnicas.

    11

    )

  • Sinais diacrticos .

    As semivogais dos ditongos crescentes ou decrescentes levam acento circunflexo (i, u, y) .

    O trema ( ) s se emprega no e (e) para designar o y tono.

    O til ( - ) caracteriza as vogais nasaladas das slabas t-nicas e das tonas em que a nasalao no fr indicada pela presena de m ou n ou de outra vogal nasalada.

    Abreviaes usadas

    Abb. - Frei. Cludio d'Abbeville; adj. BC. Cl. Dbp.

    Dlg. 69

    Dlg. 81

    Dpb. Pm.

    S.

    T. Vlb. Vpb.

    12

    -Adjetivo; - Batista Caetano de Almeida Nogueira; - Caderno da Lngua; ~ Dicionrio Brasiliano-Portugus; - Dicionrio da Lngua-Geral; Cdice n.o 69 da Univer-

    sidade de Coimbra; - Dicionrio da Lngua-Geral; Cdice n.0 81 da Univer-

    sidade de Coimbra; - Dicionrio Portugus e Brasiliano; ;_ Pornduba Maranhense, de frei Francisco de N. Sra.

    dos Prazeres (Maranho); - Substantivo; - Frei Andr Thevet; - Vocabulrio na Lngua Braslica (dos Jesutas). - Vocabulrio. Portugus-Braslico.

    f'NDICE GERAL

    I Parte

    I - O ensino do tupi e do portugus nas misses do Brasil, segundo os documentos jesuticos e a palavra de Pombal .................................. ............. 17

    II -- Idias errneas a r_espeito do tupi e da finalidade do seu ensino universitrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

    III- O tupi no currculo universitrio. Comentrio em tr-no de uma iniciativa paulista . . .. .. .. . .. .. .. .. .. .. .. . 55

    11 Parte

    I - Em lingstica, "tupinmb" no sinnimo de "tupi" li - O dialeto "brasiliano" . . ....................... ; ..... .

    III - O Vocabulrio Portugus-Braslico . . ,. .. ~ ........... . IV - O Dicinrio Portugus-Brasiliano e Brasiliano-Por'-

    tug'us . . ......... ~ ........... ,' ..................... ..... . V- O "C'adern d~ Lngua", de frei Joo de Arronches .. VI- Trs cdices brasilianos da Universidade de Coimbra ..

    VII - O "anil" no lxico tupi . . ........................... -~ VIII - O trmo "xeringa" na cronologia tupi ................ .

    IX --- Os lusismosnos vocabulrios braslicos . ; ............. . X - O dialeto nheengatu . . .............................. .

    XI - O trmo "nheengatu" . . .......... ~ .................. .

    111 Parte

    I- Estudos comparativos do Vocabulrio na Lngua Era-slica, do vocabulrio Pdrtugus-Braslico e do Dicionrio

    69 109 112

    12~

    134. 138 159 166 172 188 197

    Portugus- Brasiliano. e Brastliano-Portugu_s . . ........ 207. II- Dlgresso em trno das formas nominais, paroxto-

    nas, terminadas em a . . ............ ~ . . . . . . . . . . . . . . . . . 235 III - Do sufixo verbal "aba" no tupi, no guarani e no "bra-

    siliano" . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 244

  • _::; IV - O sufixo tupi "sera" e os seus correspondentes no "brasiliano, e nas lnguas tupi;..guarani.s mais estu-dadas ....... ; . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . 251.

    V ..;_ O sufixo .agente "ara", "sara" nas lingua,,s tupi-gua-ranis .............. ................................... 266

    VI - A negao brasiliana "nitio'' . . ....... ~ ............... . 281 Bibliog'rafia . . ................................................. . 285 lndice de nomes . . ; ............ ' ............................ 4 295 5

    lndice-;de. algu~-~.trmosr especi:Ueos ~ :~.na8 '!pr~cipais pala:vtas av\ns:a8 eofu.ent"das . ~~ .............. .':;: ~ ..... ~ :. . .. . . . . . . . . . . . . 299

    I PARTE

    ,, I

  • u f

    I

    ~O ENSINO DO TUPI E DO PORTUGUS NAS MISSES DO BRASIL, SEGUNDO OS DOCUMENTOS

    JESUTICOS E A PALAVRA DE POMBAL

    Muito j se tem escrito sbre a funo dos nossos jesutas no magistrio e perdura- em geral a impresso de que, se foram abnegados missionrios, servindo a religio e a sua Ordem at ao sacr~ficio da prpria vida, muito me:rior; quase nulo foi o seu esfro para incorporar o ndio sociedade colonial, fazendo dle um cidado.

    H. quem vai mai~ longe, atribuindo aos jesutas ,a tendn-cia manifesta e persistente de impedir apromiscuida:d~clits duas raas, dificultando aos ndios a aprendizagem do portugus-plo ~ultivo exclusivo da sua prpria lngua, ou, quando muito,_ da lngua-geral brasilica.

    Esta ltima opinio fruto evidente da p:ropaganda pom-balina e; como tal, inicialmente sm;;peita. Ela merece, portanto, uma anlise desapaixonada, excltisivamente baseada ern do-cumentos anteriores luta.

    o que pretendemos tentar em resumidas notas.

    Na mal isfarada inteno de apertar cada vez mais o crco aos. jesutas, Pombal fez publicar por seu irmo, 'Francisco Xa-vit~r de Mendona Furtado, com data de 3 de maio de 1757, o clebre Diretrio que se deve observar nas povoaes dos ndios do Par e Maranho, enquanto Sua Majestade no mandar o contrrio.

    1!:sse Diretrio procurou no apenas corrigir o incuo alvara de 7 de junho de 1755, que entregara a juri~dio tempoJ;al aos prprios chefes indgenas, mas encaminhar visivelmente a ex-pulso dos j esuitas, particularmente visados I1es8 dumeh to .

    17

    Biblioteca Digital Curt Nimuendaj http://biblio.etnolinguistica.org

  • Confirmado o Diretrio e conv~rtido em lei, pelo alvar e 17 de agsto de 1758, queremos dle destacar nesta ocasio, para algumas consideraes histricas, o pargrafo 6., que trata do ensino do portugus e tupi. nas misses.

    Ei-lo: " 6 ~ Sempre foi mxima inaltervelmente praticada em

    tdas as naes, que conquistaram novos domnios~ introduzir logo nos povos conquistado~ o . seu pr-prio idioma, por ser indisput vel que ste um dos meios mais eficazes para .. desterrar dos povos rsti-cos a barbaridade dos seus antigos costumes; e ter mostrado . a. experincia que . ao mesmo passo ,que se introduz nles o uso da lngua do prncipe que os conquistou, se lhes radi:ca tambm o afeto, a vene- rao e a obedincia ao mesmo prncipe.

    Observando pois tdas as naes polidas d.o mundo ste prudente e slido sistema, nesta Con-quista se praticou tanto' pelo contrrio,' que s cuida-ram os primeiros conquistadores estabelecer nela o uso da lngua que chamam geral, inveno ver...: dade,iramente abominvel e diblica, para que, privados os ndios de todos aqules meios que os podiam civilizar, permanecessem na rstica e b;r ...

    bar a sujeio em . que at agora se conservaram. Para desterrar ste pernicioso abuso ser m

    dos principais cuidados dos diretores estabelecer. nas suas respectivas povoaes o us da lngua por-tugus~. no consentindo por modo algum, que os meninos e meninas que pertencem s escolas e to-dos aqules ndios que forem capazes de instruo nesta matria usem a lngua prpria das suas na-es, ou da chamada geral, mas unicamente a por-. tugusa, na forma que sua Majestade tem recomen-dado em repetidas ordens, que at agora se no observaram, com total runa .. espiritual-e temporal do Estado" (1) .

    .. Temos' neste trecho, oficializada, a gravissima imputao tendenciosa de inspirao pombalina e, veladamente ainda, feita aos jesutas, os exmios, seno nicos cultors 'do tupi (2 ). de

    (1) Coleo de Legislao Portugusa; ano de 1757. ~- . (2), 7""" Entendemos par tupi a ltngua'brasHica, unificada, tal como a registrar~m Anchieta, Figueira, Arajo e o ,Vlb' -

    18

    S\

    subtrarem les os ndios influncia da civilizao pela uin-veno" verdadeiramente abominv-el e diablica do uso da ln-gua-geral.

    Na Relao Abreviada a mesma acusao vem repetida (p. 13) e ainda ampliada regio guarani {p. 2).

    Antes do mais, chamemos a ateno dos estudiosos p~ra, o trmo inveno) a com o sentido muito claro de astcia, ma-nha (3), mas que, tomado na acepo mais corrente, fez correr mundo a balela de ser a lngua-geral um invento jesutico, uma lngua artificial.

    As acusaes propriamente ditas e o seu fundamento, con-siderada a perseguio ferrenha, que Pombal movia aos jesutas; exigem detido exame histrico, em que falem, acima de tudo, os documentos anteriores era pombalina e os escritos jesutas a partir da sua chegada. ao Brasil.

    Para maior clareza e melhor apreenso de possveis mudan-as na prtica dos jesutas por motivos vrios, convm, outros-

    . sim, examinarmos separadamente: o primeiro sculo da sua e~tada no B.J;asil, as pocas posteriores e as suas atividades no antigo Estado do Mar~nho e Gro-Par, pois as condies do Norte divergiam sensivelmente das meridionais.

    Foroso tambm ser examinarmos eventuais. mudanas de opinio na prpria crt~ de Lisboa~ a fim de no cairmos no rro de certos historiadores, imputandoocomo crime de lesa-ptria o que na ocasio tinha chancela oficial, a exemplo do q~e fez Pombal mui de indstria, para justificar e facilitar as suas re-formas no ensino,. cujo mrito no nos cabe apreciar aqui.

    Trs eram os tipos de ensino ministrado pelos jesutas: Escolas de ler, escrever e contar, Colgios e Semrinrios. ~

    Dsses estabelecimentos interessam-nos aqui principalmente as escolas primrias entre os ndfos.

    A INSTRUO PRIMARIA NA ZONA LESTE

    As aulas de ler, escrever e contar comeam, por assim di-zer, com a chegada dos jesutas. No havia decorrido um ms

    (3) - a astcia que seria abominvel e diablica, pois o in-. vento de uma lngua antes engenhoso e a sua introduo num povo seria fato nico.

    19

    .!),

  • d.o seu d~sembarque e j o. irmo Vicente. Rijo (4) tinha aberto escola de ler e escrev~r ( 5) . . . . p.Stes primeiros alunos, possivelmente, foram os "dois me-J)inos da t_erra ~.que Nbrega prtenqia: mandar ao Reino par

    .continuarem l ali os seus estudos e com o tempo se ordenarem se no recebesse ordem contrda, como lemos. em uma carta' daitada delO de julho de 1552 (6) . . 1 '

    Decorrido mais um ano ('i), Nbrega est em So Vicente todo, absorvido na organizao. da casa e procurando libertar o~ companheiros, tanto quanto possv~l, de preocupaes materiais, a fim de reservar o mximo do tempo ao ensino e catequese{s).

    Durante a I,onga estada de Nbrega em So Vicente, as cartas de j\r}h~eta preeJ:lchem parte das lacunas, que se notam na cor-respondi:tia de seu superior. Muitas das notcias contidas nes-sasm_isivas fqrm, sem dvida, fornecidas por Nbreg~, que se conservava em contato com as vf.t'ias casas do litoral at Per-nambuco. Algumas so expressamente redigidas por sua ordem ..

    Assim sabemos por Anchieta," que, em 1554,. se ensinavam os rudimentos aos filhos dos portuguses, moradores de Prto se-guro (9 ) ; que, na mesma poca, o ensino elementar florecia em

    . ( 4 ) - Passou a chamar-se Vicente Rodrigues; O seu irmo, pe. Jrge Rijo, foi professor de Anchieta, em Coimbr~ segundo Seratim Leite,_ na parte bibliogrfica da sua Histria da Companhia. Compare tambem o vo1. I, p. 58.

    (5) --'- Nbrega, Pe. Manuel da _,.; Opera omnia; p. 20. "O irmo Vicente Rijo ensina a doutrina aos meninos cada dia

    e tambm tem escola de ler .e escrever; parece-me bom modo ste para trazer o.s . ndios desta terra ... "

    (6) ---:-Ibidem; p. 124. "Eu.- tinha . dois meninos da terra para mandar a V. R. (pe. Si-

    mo Rodrigues) os quais sero muito. para a Companhia. Sabem ler e escrever 'e cantar e so c pregadores e nQ h c _mais_ que aprender; e ma~dava-os para aprenderem l virtudes . um ano e algum pouco de lati~; para -se ordenarem como tiverem idade". ~

    A expresso meninos da terra no especifica se eram ndios ou mestios. - '

    ( 7 ) - Carta de 15 de junho de 1553 ao pe. Lus/G

  • Cf3ahi~) era freqentada por 150 moos(lS) . No mesmo ano ain-la o s~u n,mero uitrpassaria duz;entos(19). . Como se trate . de aldeias, poderamos julgar que 7 as- aulas ~ram apenas de catecismo. Entretanto, uma carta de Mem de S dissipa qualquer dvida, afirmando, que nas diversas mi~sesem volta da Bahia havia, em 1560, esc-olas de 360 moos
  • j_~stas publi.cadas at hoje~ Mesmo o pe .. Serafim Leite, que PS,Sui elelll.entos de. pesquisa 4e grande eficincia, notando a exigidade .das referncias instruo prilnria dos ndios e portug'!lses, procur~ explic-la com diversos argumntos(36).

    .Ai.nda assim, encontramos algumas inlicaes esparsas, co-nto as refentes a Camamu, de 1658, e a Reritiba, de 166.7. Elas mostram, que o sistema inicial continuava mantido entre os tupis do litoral(37).

    Eiltl'etanto, a populao. no mestiada da costa desapare-cia a olhos. vistos, seja por incorporao gradativa sociedade colonial, .seja pela. extraordinria mortali

  • __::,

    Por outro lado, sobressai. o enorme exagro geralmente co-metido na estimativa da popUlao indgena existente na faixa m~tima, de So Vicente Paraba, em princpios do sculo de~ zoito;- Como_ corolrio, .ainda mesmo tomando na devida conta a PI'edOminncia do mestio, deve ser relegado ao domnio da fantasia a to repetida afirmativa de que,

    "-~t._ o como do sculo dezoito, a proporo entre as duas lnguas faladas na colnia, era mais ou menos de trs para um, do tupi para o portugus" ( 43) .

    Alm da populao muito reduzida dos ndios tupis aldea-dos ou dissenlinados, quem haveria de falar tupi, da Bahia a Pernambuco, por exemplo, na segunda metade do sculo dezes-_sete? 1

    A imigrao reino! crescera de ano para ano e muito mais a sua_ descendncia branca e _ prda. Mas, . nestes ltimos, os marneluc.os eram muito menos numerosos do que os mulatos e naqueles era pondervel o sangue .cariri, principalmente nas regies algo ma-is afastadas d litoral e no So Francisco.

    Evidentemente, no um quadro, que, para a poca, favo-rece a persistncia da lngua tupi na populao colonial das regies centrais da nossa costa.

    A favor da rpida extino do tupi nessa faixa, no correr do sculo dezessete, tambm fala o fato de no ter surgido nenhuma nova publicao tupi, promovida por padres nela re-sidentes. Os prprios catecismos, tanto a segunda edio do mais extenso, coordenado pelo pe. Antnio de Arajo( 44), como o resumido, composto a instncias_ do pe. Antnio Vieira(45), r oram ambos impressos por diligncia e sob a direo do pe. Bettendorff, missionrio d Maranho e Par.

    Na Amaznia, a rea tupi tinha- profundidade muito, maior e, devido a morosidade do pOvoamento colonizador por fat-res vrios, a sua populao indgenaresistiria muito mais tempo ao aniquilamento e absoro.

    o ensino jesuta dessa parte que passaremos._.a-examinar, tanto mais, quanto as invectivas de Pombal, a julgar pelo signa-trio do Diretrio, visam mais particularmente o Norte.

    (43) ,.,_ Sampaio, Teodoro -, O Xupi na _Geografia Nacional.; 3. ed. p. 3.

    (44) - Catecismo na Lngua Braslica; Lisboa, 1686. . (45) - B.ettendortt, Joo Filipe-; Cornpnd1o da Doutrina Crist

    . nci.Lngu.a Por-tugusa .e Braslica; Lisboa, 1687. Compare: Antnio Vieira -......,._ Cartas; vol. IlL. pp. 70&--09, _ onde

    d' as razes d edio abreviada, alis impressa muito mais_ tarde.

    26

    O ENSINO J.ESUTA DO TUPI E PORTUGUS NO MARANHAO E PARA

    A praxe adotada pelos jesutas no Maranho e Gro-Par para o ensino no destoou inicialmente da seguida no Sul.

    Por volta de 1626, o pe. Lus 1 Figueira j havia psto em funcionamento a primeira escola do Maranho, naturalmente destinada aos filhos dos portuguses( 46). Fechada com a_ reti- _ rada dos padres, em 1649, temos notcia da sua reabertura por uma carta de Antnio Vieira; de 1653(47 ), onde gaba. a emulao dos alunos, em nmero superior a setenta, que assistem li cte catecismo, tanto em tup como em portugus, por saberem les ambas as lnguas.

    Do como do ensino primrio no Par possumos refern-cias do pe. Bettendorff, que tambm nos fala do funcionamento inicial do colg.io e da sua interrupo( 48 ) at 1695, quando se .reabriram os cursos. O ensino na cidade do Par destinava-se, como no Maranho, os filhos dos portuguses. Ocasionalmente tambm ali admitiam algum filho de chefe ndio, como o jovem da .tribo dos iruris, que, ao que refere Bettendorff, foi levado a Belm para, no colgio, aprender a lngua-geral( 49), provvel-mente com as matrias rudimentares comuns e qui um pouco de portugus. ~

    Ao lado dstes dois colgios, Serafim Leite cita "alguns pe-quenos senlinrios", que aqui no nos interessam(50).

    De escolas entre os ndios temos a primeira notc~a a.1da por Antnio Vieira, ao mencionar le os tobajaras da serra de Ibiapaba(51). _ ' _

    "Amam aos padres, do-lhes todos seus filhos para os. en- -sinarem, como ensinam, a ler, ecr~:ver, contar e a .tQda a polcia que nles cabe ......... "(52). o trecho refere-se entrada feita por dois padres, em 1656.

    Essas aulas seriam dadas_ em tupi, pois os ndios ch~mados 'toQa-j aras eram de lngua-geral.

    (46) - Leite, Pe. Serajim -; Histria da Companhia,; vol. IV. p. 262. - Idem; -Lus Fig.ueir:a,~ p; 54.

    '(47) _;_ Cartas; Edio Lcio d'Azevedo, vol. I. pp .. 351-52 e- 405. (48) - Bettendortt, Pe. Joo Filipe - , Crni~a etc. p. 280.

    Veja tambrii' Setjim Leite - Histria; vol. IV. pp. 271-72. (49) _ Witte:rf}; p. 354. /(O) -:--- HistHa etc. vol. 'IV. p. 263 . (51) - Tobajara, que alguns autores escrevem tabajara, alcunha .

    Compare o nosso Tupis -e Guaranis; p. 12 e S. Leite-- Histria; vol., III. p. 38. .

    (52) - Vieira, Pe. Antnio --; Cartas; vol. I, p. 478.

    , 27

  • Tambm nsua "Visit'' o pe. Vi1ra dedica algumas obser-vaes instruo dos ndios.

    " 15 __, (Escola). Acabada esta doutrina (da manh) iro, podendo ser, todos os nossos(53) para a escola, que estar da nossa portaria para dentro, aortde os, mais hbeis se ensinaro a ler e escrever . ~ .. ''(54)

    Pori~o depois da chegada do pe. Bettendorff ao Maranho, em 1661, ep:contramo~lo en~inando o a-b-c a ndios grandes e pequenos da aldeia de Mortigura, uma das misses de "gua sal-gada;', .o: ''do salgado", isto , da costa do mar, em contraposi-o s misses "de gua doce'', margem dos rios, no interior. Mrtigura foi. a primeira aldeia a servio do colgio do Par (55') .

    Eis, como Bettendorff r ela ta essa sua fase inicial de ms-sionrio:

    " ... (o su,bprior) mandando ficar-me a mim por companhei-ro do-pe. Francisco.da Veiga para aprender a lngua (o tu-pi), .ensinando o ABC_ aos menino~, voltou~se para o Par". "Dei-me belamente com o pe. Francisco da Veiga, tomando - minha conta a doutrina de cada dia e a classe dos me-ninos para ensin-los a ler e- escrever. Juntaram-se muitos qiscpulos e entre les o Capito Jacar~. E so stes meus discpulos, hoje, (em 1697) os mais autorizados: e velhos da aldeia; e por que, por falta de livros, tinta e papelno dei-xassem de aprender' lhes mandei fazer tinta de carvo e sumo de algumas ervas e com ela escre:viam em as flhas grandes de pacobeiras(56); e para lhes faclitar tudo, lhes pus um pauzinho na mo por pena e os ensinei a formar ,e con~ecer as letras, assim grandes como pequenas, no p e na areia das praias, com quegostartam tanto, queenchiam a aldeia e as praias de.letras'-'(r7).

    '(53) -:- "Todos. os nossos" compreende todos os ndios das aldeias a servio dos colgios, com excluso daS do servio real e das de re-partio, que formam as trs classes d-e aldeias., segundo--a--legislao da poca. Compare: .Serajim Leite -- Histria,' vol. IV. pp. 97 -lO~. . .

    (54) - Leite, Pe. Serajim -; Histria; etc. vol. IV. p. 112 . .. As diretrizes_da ''Visita~'. comQ pondera. o.padre. S. Leite, devem

    ter sido elaboradas.depois de 1658 e antes de 1661. isto , durante o perodo em que-. Vieira foi "visitador" no Maranho.

    . (55) -O ensino aos menih.os dessa aldeia obedecia, como vimos, regulamentao da "Visita'' do pe. Antnio Vieira de acrdo com o~~ 15 acima transcrito. . '

    (56}~ Hibridismo formado do tupi pacoba ~banana e do sufixo portugus eira - bananeira.

    : (57) - Crnica; p. i:56.

    28

    So sses trs passos referidos as aluses mais diretas al-fabetizao dos . ndios maranhenses pelos jesutas. Prescrita na "Visita" do pe. Vieira para as aldeias a servio dos col-gios, como Mortigura por algum tempo, as .aulas de ler, escrever e contar no eram exclusividade delas, como vimos rio caso dos tobajaras da serra de Ibiapaba. Etitre~anto, a instruo primria nunca atingiu nas misses'jesutas do Norte o desenvolvimento que lhe vimos no Sul. -

    que, no territrio do Maranho antigo, as condies eram muito diferentes. As aldeias eram numerosas, as distncias enor~ mes, as comunicaes dificeis a despeito dos cursos d'gua, e~ ds tribos populosas apenas uma parte era tupi. Por outro lado, os padres eram poucos: crca de 20, em i55; uns 30, qutro anos depois; em 1690 no passariam de 60, entre padres e le.igos, como se conclui das listas de chegadas da Companhia, deduzidos os que haviam sucumbido pela idade e as vtimas da fadiga, do clima e das dQenas(5S).--

    . Ouamos ainda o pe. Vieira, que nos entremostra a situao inicial, em 1659, fadada a perdurar por muito tempo:

    " ,'"F'izeram-se steo ano trs misses, (tdas foradas e ne-nhm:ria volunt:riat(59); a que fomos os trs professas, e tanto o nmero ds almas, assiln tlescidas do sert_o como convertidas f e vassalagem de el.:.rei, na vizinhan~a deSte- Par, que s uma partida delas passa de quarenta mil(!) ............................... " ......... ~- .. , ....... , .. o pe. Francisco Gonalves enfrmo com uma febre .lenta,. que nos d grande cuidado. O pe. Man~el Nunes est quase cego e j no escreve ............... . ;. os demais so .. poucos e pouco velhos, ps to que todos trabalham muito e po:r. mui...; tos. Dos irmos .levou Deus para si o irmo Francisco Lopes, e, em nmero to limitado tudo faz falta". ~

    "Para pormos um s padre com as quarenta mil almas que digo, ser necessrio que volte eu logo do Maranho para suprir o lugar de quem houver de deixar outras alms para acudir a estas. Padres h nesta misso que tm sua conta

    (58) - Compare: Serjim Leite; Histria; vol._ IV. pp. 101, 133, 333-359 etc. cujas informaes parecem conflitar com s .. que citamos abaixo, referentes nota 70.

    (G9J - Trata-se evientemente de . ndios descidos pra serem aldeados maisperto do Par, a fim de servirem nalavoura dos-caio-nos. F.sses descimentos pelas autoridades locais foram lima das gran.:. des dores de cabea dos jesutas.

    29

    \

  • les ss, mais almas de ndios, do que so tdas as que te-mos nossa contaem todo o Brasil"! (60) Um ano depois, a situao pouco havia mudado e, Vieira,

    Como para justificar as visitas muito espaadas s ~isses~ es-'ereve'ao prvineial .. do Brasil:

    " .................. . que na casa do Maranfio e Paro no re-side ordinriamente mais que um sacerdote. Todos os mais esto dividi~os pelas residncias, onde cada um tem trs e quatro aldeias sua conta, e algum h que tem o.f!.z.e"! (61 ) .J nofim da sua multifr.ia vida, Vieira recorda ufano as

    realizaiJ;es na poca da sua estada no. Maranho e Gro-Par, onde, con1. miSsionrio e superior, em nove anos e

    ' ,: < '

    "e:rn qistncias. de quatrocentas lguas levantou . dezsseis -igrej~, fa?iendo catecismos .~m sete lnguas. diferentes" (62 ).

    As ~ndanas penosas, a grande variedade das: lnguas e a falta de missionrios conhecedores delas foram os grandes obs-tculos catequese apontados por Vieira, que, apoiado na pr-pria experincia e na dos seus antecessores, durante tda a vida defendeu a tese d.e que s na lngua dles, se leva o ndi-o e o negro. converso, incorporando-os lentamente sociedade.

    Vejamos com que argumentos,. ainda poucos ans antes da sua morte, le insiste nesse porito, no apenas. no que tange ao Maranho, mas Colnia inteira:

    '' ........... sendo muito maior, sem comparao ( !) o n-me~o de negros que o dos ndios (isto na Bahia de 1690), assim como os ndios so catequizados e doutrinados nas suas prprias lnguas, assim os negros o so na sua, d.e que neste colgio da Bahia temos quatro opertdos" muito pr-ticos, como tambm outros no Rio de Janeiro e Pernam-buco. E, porque sem a cincia das lnguas tudo o mais que em outras misses .se ensina no P.assa dos :partuguses, tan-tas so as escolas das mesmas lnguas que temos institudo nesta provnCia, quanta a variedade delas,. ds- quais no

    (60) -Cartas; vol. III. pp. 726-27. uma das informaes mais expressivas para a compreenso das peculiaridades amazonenses. Haveria ento, espalhados nas misses do Maranho, ou seja do Cear ao Alnazonas, uns trinta jesuitas! -

    (61) __:.:. Ibidem; p. 731. __,.. somarim ento, entre padres, estu-dants .e leigos uns.- sessenta residentes.

    (62) - Ibidem; pp.' 666~67. - seria isso de 1652 a 1661, ano em que foi expulso com os companheiros -e nunca- mais retornou.

    30

    podem passar a outros estudos os nossos religiosos moos, sem primeiro serem examinados e aprovados" ( o.a) . No. menos ressalta a necessidade de saber o missionrio a

    -1ngua dos seus catecmenos de certa referncia .do pe. Betten-dorff(64), na descrio de uma viagem de inspeo do governa-dor Antnio de Albuquerque Coelho e comitiva:

    "Da foi visitar os reverendos padres Piedosos, de Gurupa:.. tiba, que tinham scedido em nossa igreja e casa(65); e es-tavam sem saber duas palavras da lngua daqueles ndios, falando-lhes por intrpretes ou em portugus, que debalde pretendiam traduzir, sem nunca os acharem capazes de aprend-lo, salvo na cidade ............ servindo anos .e anos aos brancos". sse final aponta a longa convivncia como nico meio de

    se fam~liarizar o ndio com a lngua portugusa. A . observao tem' sido confirmada por quantos lidam com o nosso indgena.

    Para os prprios padres a tarefa inicial de aprender lnguas incultas to s pelo trato direto em meio faina diria, era mui-to rdua, mesmo quando moos, por terem poucos sse pendor inato. A morte de um lingua PO:dia raiar pela calamidade, prin-cipalmente nos mundos perdidos da Amaznia(66). Por isso, re-petidas vzes, se colhe- em suas cartas a impresso de querer Vieira como queixar-se do Cu, por arr~batar_ dste mundo =YL!l-~ _ tos companheiros exmios, na flor da idade, ou pelo menos ca .. pazes de ainda prestar bons serVios no preparo de sucessores:

    " ......... nas terras do Cabo do Norte permitiu (Deus) que matassem ou martirizassem os brbaros o maior sujeito que l tnhamos ............ Nesta provncia .. _ ...... -- .. permit.iu Deus ......... , que em menos de doiS meses se-pultssemos, neste colgio da Bahia;' oito de tdas as idades, -e dois dles, um em exerccio de mais de vinte anos, e outro em iguais esperanas, os mais insignes missionrios,~ e de maior cincia e prtica nas lnguas dos brbaros "(67~

    Consola-se, porm, Vieira com as realizaes humana:.. mente possveis: "S afirlllO ...... sem paixo nem afeto prprio, que os meios de salvar as almas, principalmente dste gnero, em nenhuma Religio esto mais bem orde

    (63) -Ibidem; p. 604. -'- Muito poucos ousariam noje contestar essa opinio de Vieira.

    (64) -- Crnica; pp. 617-18. (65) -Alude grande repartio das misses do Par e d~limi

    tao das respectivas reas, em 1693. (66) -Cartas; vol. m. p. 604. Compare tambm p. 608. (67) - Ibidem; pp. 618-19.

    31

  • -~ nados e estabelecidos que na Companhia,- pelo fundamento das ln'guas; no. infusas pelo Esprito Santo, mas aprendidas

    1 co:m imenso trabalho". (68) So as distncias e ~ falta. de missionrios capzes que vm

    a dar. origem a concentraes, em determinadas reas, de vtrias aldeias da mesma. f:mlia lingstic, principalmente depois do decrscimo da populao indgena pelas epidemias. So fre-qentes as refer]lcias a sses agrupamentos populacionais na

    Crnica de Bettendorff. Mais tarde, outra medida d.e grande alcance civilizadora

    foi posta em p(rtica, como se v dos Aditamentos do pe. Eckart: "Ao tempo em que me achava na misso dos Abacaxis, com-ps com grande trabalho pequenos catecismos nas lnguas de duas naes: os ariquenas e os bars, para poder prepa-rar para o batismo doentes e velhos, que j no estavam em C>ndio de. aprender alngua-gerctl" (!) E pouco mais baixo:

    "Como as misses do Par se compunham geralment.e de tribos diferentes, os indios, ainda que falassem com o padre na lngua~geral, em casa todos falavam a sua pr-pria"(69) .

    Temos a, tambm para o Maranho e o Par, lguns teste-munhos jesmtas concernerltes ao uso do tupi e portugus. Dles se colhe a certeza de que o ensino 4o portugus no era praxe fora dos colgios das _cidades. Nem-para sso haveria tempo du-rante o p:rimeiro sculo da ocupao territorial do norte do Pas, por causa do reduzido nmero de mission!Iios para atenderem aos variadssimos problemas das necessidades materias de ma--neira tal, que ainda sobrasse o tempo considerado indispens-vel direo espiritual, pois os jesutas, acima de tudo, eram missionrios.

    Dois documentos de 1692, talvez algo suspeitos, atestam a presena de apenas oito padres nas misses indgenas do Par e Maranho(7), naturalmente excludos os ocup-'dos nos co-'lgios, os leigos e seminaristas. ;Foi essa carnci de jesutas o argumento de pso de todos .que, por aquela poca, pediram a.o

    (68).- Ibidem; p. 619. -Vieira nnca cessa de :encarecer a ne-cessidade __ absOluta do conhecimento .. das:lnguas e a su experincia no, permite duvidarmos da sua sincerJ.dade.

    '(69) - zusiitze zu Pedro Cudena (alis Cadena>; p. 562. " (70) - Kiemen; frei Mathias ~; The Indian Poliey ot Portugal;"

    P. 173. - Compare acima a nossa nota 58 e o texto a que se refere ..

    32

    rei a repartio das m1ssoes amazon1cas por . diversas ordens religiosas, e, entre les, figurava o prprio pe. Bettendorff(71)!

    A despeito dessa distribuio, o nmero de missionrios es-tava longe de corresponder s necessidades e, em tais circuns-tncias, no deve surpreender, que os jesutas mant.ivessem a prtica antiga e ainda hoje a nica vivel: a de aprender o missionrio, que um e tem preparo, a lngua da tr.ibo a ser convertida, por ser aJ tribo composta de muitos, de tdas as ida-des. e cujas condies de aprender so precarssimas .

    'A essa primeira etapa de aproximao seguia-se, na regio amaznica, a da concentrao de vll"ias aldeias. Seriam elas, a princpio, de preferncia da mesma famlia lingstica. sses agrupamentos sucessivos foram sugeridos por trs fatres: o fortalecimento contra os ataques, o decrscimo da populao in-dgena pelas epidemias e certa racionalizao da agricultura e de outros meros de subsistncia pelos dirigentes jesutas.

    Uma, vez conquistada a confiana do ndio e vencida, pelo menos parcialment.e, a natural averso' entre indivduos de ln-guas difelrentes, os jesutas costumavam dar mais um passo im-portant,e. Como no Maranho e na margem direita do Amazonas, nas misses a les a~ribudas, predominavam os tupis, foram agregando a diversas algeias dstes, de acrdo com o seu sistema, certo nmero de famlias indgenas de -ou,tras lnguas e assim, pela predominncia dos tupis e pela convivtrcia, o tupi -ac:'b'ou---sehdo falado por todos os aldeados das misses jesutas, como informa Eckart(72). A essa tti.ca altamente incorporadora .dos jesutas nose deu at hoje o devido destaqe. Foi a nosso ver o passo mais erficiente para reduo dos ndios no tupis, o com-o da sua aproximao sociedade brasileira pela lngua brasi-lica, falada, ou pelo. menos entendida por grande parte dos co-lonos.

    No Amazonas, mais do que em qualquer outra regio do Brasil, o tupi tornou-se de fato a lngua-geral,. na catequese e no intercmbio. lVIais do que qualquer outro meio, o tupi abriu o Amazonas penetrao.

    Mas tambm, por outro lado, foi na bca dos ngios tapuias e mestios que o tupi acabou por abastardar-se no nheengatu moderno ( 73 ) .

    .\ (71) -Idem; ibidem; p. 173, nota 115. -Veja tambm: Serajim

    Le.tte; Histria; vol. IV. pp. 133 e seguintes; Bettendorff,- Crnica; p. 495.

    (72) - Zusiitze -etc. p. 562. (73) - Nheengat -lngua boa, em tupi, apenas traduz a__.faci-

    lidade proporcionada ao recproco entendimento,. pela sua grande difuso. o nheengatu quase nada conserva da estrutura do tupi an-tigo e nunca foi falado por qualquer tribo tupi no aculturada ~

    33

  • --" No h dvida que a propagao da lngua tupi tenha sido ttica muito ponderad dos jesutas, a ttica por etapas, to efi-ciente nas aculturaes.

    Nas outras ordens religiosas sse sistema inaciano parece ter sido olhado com certa a verso dif.cil de explicar em verda-deiros missionrios . S os franciscanos, ao que nos consta, cons-tituram exceo, a julgarmos pelos vocabulrios e. compndios didticos maranhnses por les compilados no incio do Sete-centos(74) ;

    o contrrio\do que muitos julgam ainda hoje, sse mtodo jesutico estava devidamente amparado. Tempos houve em. ~ue o prprio govrno portugus reconhecera as vantagens da lm-

    . gua tup e favorecia a sua propagao. Em 20 de abril de 1688, a crte passou instrues aos jesutas do Par, ordenando-lhes o ensino da lngua.:. geral tambm .. aos filhos dos portuguses; mas como, por qualquer motivo, no dessem execuo imediata ordem, o Senado da Cmara de .Belm queixou~se ao sobe-rano, por ofcio de 30 de novembro de 1689(75).

    Essa ordem rgia, apoiada pelos colonos, equivale ao reco-nhecimento, por todos, do acrto dosjesutas na sua tendncia, no de abolirem as lnguas de outras famlias, mas de conse-guirem a generalizao . da lngua daquela famlia que predo: minava, tanto pelo seu nmero como pela ~rea ocupada: do. t~p1, estudado e falado inicialmente- ao longo da costa do Bras1l In-_teiro.

    , Entretanto, os tempos mudam e mudam os homens e as idias. Decorridos escassos quarenta anos, percebem-se os pri-meiros sinais daquele movimento renovador, que atingiria a sua culminncia durante a era pombalina.

    Em 12 de setembro de 1727, uma carta rgia j no recla-ma o ensino do tup aos filhos dos portuguses, mas o ensino do portugus aos ndios, uma exigncia evidentemente extempo-rnea a que voltaremos abaixo( 76).

    Houve, entretanto, de fato, um hiato no e~ino primrio dos jesutas por aquela poca. Os motivos da iterrup.o e o

    (74) _ Dles o mais conhecido o Vocabulrio Portugus-,B_ra-slico !e o Dicionrio Portugus e Brasiliano com o seu reverso leg1t1mo reproduzido pelo autor da Poranduba Maranhense, frei Francisco de N. s. dos Prazeres. Nles, principalmente no segundo, j se percebe claramente a transio para o nheengatu.

    (75) --Arquivo Histrico Ultramarino - Seco Par; Papis Avulsos, 30 de no'\ilembro de 1689. - Apud; Frei Kiemen- The In-di"ari Policy etc. p. 170.

    (76) .:_Idem; ibidem; p. 1'7'0; nota 100.

    tempo que durou no foram revelados; sabemos apenas que a suspenso dos cursos se deu sem anuncia da direo geral da Companhia, pois, em 1730, o superior exigiu o seu restabeleci-mento, "por serem as escolas de ler e escrever mais teis e ne-cessrias do q-ue as classes de latim(77).

    Dessa poca em diante o afluxo de jesutas ao Maranho e Par experimentou sensveis melhoras, subindo de 102 mem-bros para 155, entre 1730 e 1759, quando sobreveio a expulso(78), numa poca em que a Companhia, depois de quase um sculo e meio de lutas e vicissitudes, havia finalmente atingido um grau de desenvolvimento, que fazia prever aprecivel e rpido pro-gresso na obra_ da civilizao dos ndios .

    Mas, querer isto dizer que os jesutas conseguiriam incu-tir o portugus aos ndios das suas aldeias, como exigia Pom::. bal' no seu Diretrio? 1 :

    Seria fato virgem entre povos de vida rudimentar como a dos nossos indgenas. A sua luta pela sobrevivncia era e con-tinua rdua e mnimo o seu pendor para tudo que exige um esfro adicional, principalmente metdico e assduo.

    Se, por outro lado, Pombal afirma, que "nas conquistas sem-pre se costumou introdcuzir a lngua dos conquistadores", fal-seia a verdade para determinados fins. Em qJlalquer terra sub-----metida, o vencedor s consegue impor a sua lngua a povos incultos pela superioridade numrica dos seus colonos, que pode. ser local a princpio, regional a seguir e finalmente geral. No Maranho e Par, de populao branca reduzidssima, essas con-. di>es no existiam e no existiriam, ainda durante-muito tempo.

    O que ali houve, desde o incio, foram algumas misses jesuitas florescentes de ndios tUJpis, utilizados pelos padres como agentes a .. culturativos para ndios de outras \famlias lirig\isti-cas, com impor-lhes, pela convivncia, principalmente a sua lngua. Na faina civilizadora do Norte, a lngua-geral foi o ,me-lhor atalho trilhado, aps madura reflexo, pelos j esuitas e, ain-da um sculo depois da sua expulso, por seus sucessores escla-recidos, a despeito da crescente populao branca e do uso pro-gressivo da lngua portugusa.

    Em 1851, por decreto de 10 de outubro, foi criada, no semi-nrio episcopal do Par, a Cadeira de Lngua Ingena Ge-ral(79), que j no era o tupi dos primeiros tempos, fixado pelos

    (77) - Le.ite, Pe. serajim -; Histria; vol. IV. pp. 262-63~ (78) - Idem; ibidem; pp. 221-22 e 363-368. (79) -compare a dedicatria do Vocabulrio composto pelo pa

    dre M. J. Seixas, primeiro regente da Cadeira. --- Par ,1853 ~

    35

  • jesutas, mas uma lngua-geral remanejada, de estrutura com-pletamente deturpada, que lhe havia tomado o lugar no inter-cmbio pelo Rio;.;.mar, o nheengatu, cujo conhecimento era en-to quaseto indispensJvel quanto anteriormente o fra o tup, em muitos trechos do. seu vale. E, ainda e_m .1909, D. Frederico Costa, bispo do Amazonas, editava pequeno compndio de ru-dimentos do mesmo nheengatu, pelo

    ''desejo' de auxiliar os sacerdotes que t-iverem de exercer o ministrio nesta parte importantssima do Amazonas"(SO), que. a .. bacia do Rio Negro.

    Entretanto, por sua vez, a rea do nheengatu foi minguan-do,com.o avano da dvilizao. Mesmo assim, ainda nos. dias de hpj_e. de utilidade ein alguns rinces perdidos da Amaznia .

    Entrementes, e muito em tempo, a lngua portugusa pene-trou nos ltimos confins em sua trajectria natural, sem impo-si()es ou arrogncia. Mui to ao contrrio. Silenciosamente vai preenchendo os claros deixados pelos falares nativos, recolhendo no cminho. ~centenas .de trmos prestimosos e pitorescos, in-dispens v eis mesmo, no ambiente. que lhe novo~

    Em breves anos, o ltimo dialeto ter desaparecido com o derradeiro ndio, mas no sem deixar .. impresso, na lngua dos seus sucessores, profundos e eloqentes vestgios da sua pre-cedncia.

    CONCLUSES

    As premissas do. 6 do DIRETRIO no correspondem ver-dade histrica.

    1.0 Em colnia alguma os conquistadores conseguiram impor a sua lngua aos povos de baixa cultura, seno" mui vaga-rosamente e apenas em ncleos onde os colo;nos chegaram a fornir contingente aprecivel comparado populao in-dgena. '

    2.0 Nos, primeiros sculos, a Vngua tup foi muito mais impor-portante na ocupao da terra do que a portugusa. As fa-cilidades que o tup proporciona v a, em tda a extenso da costa, se deve em grande parte a integridade territorial da nossa Ptria.

    (SO) - 'Carta Pastoral; p. 155.

    36

    3 No foram os conquistadores lusos que estabeleceram o uso do tup. Muito ao contrrio; serviram-se do tupi nipre-

    presente, ou mais exatamente, da lngua-geral, pelas vanta.-gens que lhes proporcionava. ~

    4.0 Ressalta ela nossa exposio, que as prprias autoridades coloniais e. reinis favoreciam o tupi e insistiam na sua aprendizagem ainda no fim do sculo dezessete.

    5.0 Quanto instruo nas misses, de Pernambuco ao sul mi-nistrava-se regularmente o ensino prim~rio do tempo, em tupi, e h indcios da aprendizagem do portugus pelos n-dios ~Ideados .

    6.0 No Maranho e Par, o ensino resttringia-se s aldeias a ''servio,. dos padres e aos colgios. Sment~e nestes lti-mos ensinava-se o portugus.

    7.0 "A total runa espiritual e temporal" do Estado do Mara-nho, atritiuda no>final-do Diretrio ao uso da lngua-ge;.. ral, pura invencionice. Muito ao revs, a total runa das misses foi um dos efeitos. deletrios da reforma pombalina veriftcada e irretorquivelmente assoalhada na Viagem Fi~ losjica, de Alexandre Rodrigues Ferreira.

    8.0 No temos elementos para investigar, se nas das ltimas dcadas antes da sua expUlso~ do territrio nacional os jesutas dedicaram instruo primria do Norte. s culda-..: . dos cr~scentes, que o aumento do seu nmero autoriza a exigir, segundo a praxe seguida mais, ao sul.

    37

  • II

    IDIAS ERRNEAS A RESPEITO DO TUPI E DA FINALIDADE DO SEU ENSINO

    UNIVERSIT RIO

    No .. temos o menor escrpulo em afirmar, que, at hoje, a .realidade tupi, tal como, em traos gerais, deixamos delineado o .seu desenvolvimento histrico,. conhecida de muito poucos,_ mesmo entre os tidos por espeeialistas na matria. que os incentivos so diminutos e. a luta _pela vida poucos lazeres deixa para exames em profundidade de assunto margem das preo-cupaes dirias da Vida prtica.

    por isso, que, em nossas Fa;culdades de Filo~ofia,. os ra-rssimos cultores da lingstica indgena do Brasil preferem ape.;. nas aflorar o tema com umas poucas afirmaes .sumrias, d-bias ou visivelmente errneas, mesmo no que di-z respeito ao mais estudado dos idiomas, ao tupi.

    No raro a frase altiloqente. e categri-ca costuma substi-tuir quod erat demonstrandum, tarefa realmente rdua e comple-xa, como podero verificar aqules, que se inteirarem dos ca-ptulos segUintes.

    O mais recente dstes pronunciamentos afoitos, evidente-mente sincero, mas influenciado pelas mlttiplas repeties, fi-gura na Introduo s Lnguas Indgenas Brasileiras(1), de J. 'ft1 attoso Cmara Jr.

    As nossas restries concentram-se quas~ exclusivamente no captulo VI, Os Estudos Lingisticos n P(lssado - A Tupino-logia., que, de permeio com uma srie de sugestes e ensinamen-tos de real proveito, volta a quebrar lanas a favor de camba-leantes opinies leigas, que hoje s merecem referidas para contundente refutao. Opor-lhes-emos a seguir a nossa opi-nio com o pensamento tambm naqueles que tm tomado posi-o idntica.

    (1) --- Segunda edio; Rio de Janeiro, 1965.

    38

    Comecemos por um reparo. de ordem geral, estranhando mais uma vez a pl'ltica, que se vai introduzindo at em livros des-tinados exclusivamente a estudantes brasil(eiros, de escrever com maiscula e sem desinncia de plural, gentlicos to familiares como tupi, guarani, tapuia etc. ainda quando empregados aQ.j e:-tivamente: os ndios Tupi, as tribos Guarani, as lnguas Tapuia/ . Os que assim procedem observam no particular uma regra da gramtica inglsa (!), talvez para compensar o desprezo votado por tantos portugusa(2).

    Profliguemos a seguir a repetio de uma velha afirmativa: Os tupis vieram . do sul ( s) . Confrange ver ainda repe1tida . essa

    velha balela em nossas Universidades, sem a mnima restrio. As primeiras levas tupi-.guarans devem ter-se dirigido, .de

    modo gerai, para o sul. A vinda inicial dos tupis da regio gua-rani lingisticamen te insustentvel.

    Como(' provamos em nossos estudos comparativos, o gua-rani desenvolveu-se substancialmente de formas tupis~ enquan-to o inverso seria difcil sustentar de maneira sistemti-ca. Basta-ler o nosso trabal1hO sbre o adjetivo guasjus para se convencer.

    claro que essa direo inicial preponderante no exclui migra:es . posteriqres, de t.ribos isoladas ou agrupadas, em di-versas direes, ,como ressalt_~m achegas outras(4).

    No menos falha tda uma srie de apreciag~s ~eneralizadas, que Mattoso Cmara avana, quando passa s etYnsilfe~~ raes lingsti-cas propriamente ditas. No que diz respeito aos mestres do tupi, so feeis de refutar. ,

    Demonstremo-lo, demolindo, uma por uma, as suas princi-pais afirma ti v as. ,

    1.0 - o missionrio, sempre apressado em sua propaganda religiosa, vai alijando os elementos mais dif.ceis das lnguas fraricas(5).

    (2) _ No ingls os gentlicos, adjetivos t;_ ~ubstall;tivp~, escr~:vem-se com maiscula e, excetuados certos etnon1mos hLStoncos, sao invariveis.

    (S) _Introduo; p. 99. , d ,. (4) _ Veja na Bibliografia os trabalhos de Metraux e. Drlpllon .

    (5) _"O objetivo central do missi~n~rio era a comun1caao com os nativos para fiXI;l de propag'a;n?a r:e~~1~s~ ....... . Estudavam (o tupl) com proposlto utl11tar10. . ..... : . ..: ....... . Ora, ste justamente o esprito que favorece a cnaao das cha-madas lnguas francas; ......................... :- ... ; o indivduo entra .em contato com um povo de outra hngua, e se preocupa em obter um meio trmo lings~ico ................ , ., .. ,. Da a tendncia a deixar de lado tudo aqu1lo que atrapalha muito e. no prejudica , ..... essencialmente ... , ... O que s~ c~a~~u~a lngua franca, isto. , intercurso prfA.co, em que se supnme~ d~-. ficuldades .......... ; .... " (p. 101) ~-

    39

    Biblioteca Digital Curt Nimuendaj http://biblio.etnolinguistica.org

  • Emitida essa opinio pessoal gratuita, conclui, sempre por conta prpria,_ que as primcias tupis representam uma sistema-tizao ~implifica.da(6 ), a lngua franca tupi, o seja o tupi je-sutico, :que a' "lngua,... geral". (1) .

    9 que se cham torcer os fatos para ilusrio amparo de iqias preconcebidas.

    Num grupo social restrito, uma pessoa pode chegar a pr em circulao trmos isolados, mas no criar nunca uma lngua tranca. Muitos missionrios nunca tero chegado a dominar a lngua em que propagaram a f, mas a sua influncia no falar de Um grupo mais ou menos numeroso sempre ter1 sido mnima.

    As lnguas francas sur-gem na f-aixa marginal de grupos sociais de lnguas diferentes, pelo seu contato continuo ou in~ termitente, mas sempre duradouro(S).

    A lngua-geral do Brasil -costeiro a resultante do conv-vio _de :tupis com -portuguses: da camad' de mestios, crescen-do, no incio, entre a me ndia e. o pai portugs. A seguir, em escala progressiva e por muito tempo, tanto a m.e como o pai seriam. mestios e sustentculos em potencial da lngua-geral.

    S a gradativa preponderncia dos reinis conseguiu genera-lizar o portugus e, aos poucos, relegar a lngua-geral aQ defi!lli-tivo esquecimento nessa faixa.

    Atribuir a nossa lngua-geral influncia dos jesutas des-conhecer o verdadeiro desenvolvimento histrico do tupi. S os desprovidos da mais aguada tintura do tupi podem afirmar, que a_lingua braslica cultivada pelos j-esutas durante dois scu-los um tupi. si.m.plificado e corresponde chamada lngua-ge--ral.

    A lngua mais usada na costa do Brasil, referida por An-chieta no . front,ispcio da sua gramtica, o legtimo tupi dos ndios e no a lngua-geral falado pelos colonos e os seus descen-dentes. Para . convencer-s:e ba.sta reparar na distncia, que, j no Um do Quinhentos, vai entre as formas de certos vocbulos

    (6) - Por isso, o tupi que as primeiras exposies dos europeus . nos fornecem (naturalmente os missionrios, pois to s a les que se refere nas premissas) no aqule que os indgenas exatamente falavam:_ . uma sistematizao simplificada ......... ;" (p. 101).

    .. (7) __;;_ " ..... dessa espcie de lngua franca; que o tupt je-suti.co ou a "lngua geral" (p. 111) . .

    "Destarte foi se dando nos ndios aculturados e nos mestios a e_xp~nsd_ dessa lngua tupi trabalhada pelos jesutas. a chamada lngua g~ral ............ " (p. 102) .

    (S) ~ Os dialetos .cigapos e judaicos (idich), so- disso uma prova; variam sensivelm'en~ de acrdo com a rea onde se desen volveram.

    40

    tupis citados por aabriel Soares e as correspondentes do voca-bulrio j esuitico.

    Os autores jesuit.aS. antigos evitam o trmo lngua-getaz e as raras vzes, que lhes flui da- pena, sempre em conexo com a fala de tribos tupis~ Mesmo Pero Rodrigues, que certamente no foi um dos rbitros mais especializados, atm-se a essa norma, quando_ o emprega na sua Vida do Padre Anchieta(9) ... O mesmo proceger ainda se . nota nas ca;rtas do pe. Antnio Vieira(lO) .

    Do historiador-mor dos j esuitas do Br~sil, pe. Serafim Leite, fra de esperar; pelo menos no turvasse. a transparncia das fontes. Infelizmente, em assuntos lingsticos indgenas o seu critrio deixa :rp.uito a desejar. Para le so sinnimos, no ape-nas os trmos lng.ua braslica. e tupi, mas tambm lngua-geral (brasiliano)" e at nheengatu( 11 ). So ressaibos da sua estada no Amazonas, te1:1dentes a desnortearem os estudiosos.

    Restabelecida a Jndispensvel exatido num ponto da ter-minologia, passemos a certas opinies prpriamen te lings~ ticas.

    Muito ao contrrio do que afirma o sr. Mattoso Cmara, o escrpulo dos nossos j esuitas em _guestes de linguagem tupi foi to pronunciadol que, s depo~s de quqrenta anos de estudos e. de convivncia .diria com os. ndios.,. de repetidos cQnfrontos e retoques das notas dos mais capazes, les .se atreveram=a-dar estampa as suas primcias em lngua tupi(12).

    O primeiro pedido de -.licen. aos su~riores para a publica-o de. compndios tupis data de 1585, segundo serafim Leite(lS). Compreendia a traduo tupi d9 catecismo; feita por Leonardo do Vale, e de um dicionrio', sem indicao de autor. Em 1592, os padres voltaram carga .com pedido -semelhante(14) .Devem

    (9) - Anais da Biblioteca Nacional, Rio; vol. 29, p. 199: ''Esta lngua . a geral, comeando arriba do Rio do Maranho

    ........ at o Paraguai; ........... aqui entram os pitigares at Pernambuco, os tupinambas. da Bahia, os . tupinaquis e tumimins da capitania do Esprito Santo, os tamoios do Rio de Janeiro e muitas outras na6es a quem serve a mesma lngua ..... ~ ......... " .

    (lO) --- Veja Lcio d' Azevedo ;_ Cartas do Padre Antnio Vieira; vol. I. pp. 360, 394, 451, 475 e 554.

    (11) - Hi.stria; vol. 11. p. 551, com uma plida e vaga restrio nu!Da . das cinc? vezes que a emprega lngua-geraJ. - Cartas dos Pnmetros Jesuztfl8; vol. I. p. 554. 1

    ( 12) -Tambm os primeiros compndios guaranis s foram pu-blicados cinqenta anos aps a chegada dos primeiros jesutas no Paraguai. . --

    (13) - Histria etc. vol. n; p. 552.-(14) - Ibidem; p. 552j.p3 e 557/58..

    41

  • _::;ter feito outros, porque a licena finalmente concedida, em 1594, no. alude a nenhum dsses trabalhos, mas a dois do pe. An-chieta(l5). So a "gramtica'' e os "dilogos"(16), sendo ento publicada apenas a gramtica(17).

    Foi sern dvida essa referncia mpressa a obras de Anchieta e, publicao de uma delas, que deram a seu nome o lustre singular, que assumiu a seguir na literatura especfica.

    2.o - Realmente surpreendente a invectiva baseada nas seguintes verificaes:

    "Outra caracterstica dos estudos dos mission-rios(18) que les estavam sob a influncia das idias lingsticas do seu tempo. . ...................... "

    " certo que se imaginava uma uniformidade geral das lnguas do mundo e at se sonhava com um gramtica geral que servisse a tdas"(19).

    ."Ora, sse ideal gramatical era a estrutura da lilll-gua latina, porque o latim era considerado o mo-dlo .............. ... ~ .......... Da resultou que a discipliniza.o (sic) da lngua tup, encetada pelos missionrios(1B), obedeceu ao objetivo de aperfeioar . a lngua indgena ........................ ., ..... "

    "O missionrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . fez um tra-balho de disciplinizao, de interpretao do tup, de acr-d.o c~m certos ideais, certos preconceitos sbre a gramtica geral, que era no ,fundo a gram-tica latina. Usou a lngua, assim disciplinada, na catequese . . ..................................... "

    "Destarte, foi se dando nos ndios aculturados e nos mestios a expanso dessa lngua tup trabalha-da pelos jesutas. a lngua-geral, que chegou a se i1nplantar em certas regies do Brasil"(20) .

    Vamos por partes em nossas contestaes. Seria ftil negar a constante influncia do tempo sbre os

    homens; ~'no apertas do tempo, mas tambm go-~meio. o pr-

    (15) - Ibid. p. 55860. - Anchieta - Arte de Gramtica; Li-cena.

    (16) .:___ Dilogo da Doutrina Christa; segundo Serafim Leite; Histria etc. voL. li. p. 559 vol. vm. p. 28.

    (17) - Arte De Grammatica Da Lingoa. mais usada na costa do Brasil;- Coimbra; H>95.

    (18) - Entenda-se: missionrios jesutas, os nicos que publi-caram livros em tupi. .

    42

    (19) - Op. cit. p. 101. (2'0) - Ibidem; p. 102.

    prio Mattoso C~ara nos fornece disso a prova mais patente nas idias esposadas. '--

    Outro ponto dificilmente contestvel a presena da gra mtica latina no esprito dos tupinistas inacianos em suas elu-cubraes lingsticas.

    Entretanto, concluir da que a estrutura latina era .por les considerada o modlo e que, para melhorar o tup, o disciplina- . ram pela gramtica latina, ultrapassar os limites. E uma afir- . mativa no apenas impossvel de provar; mas ilgica, porque tais alteraes. dificultariam grandemente a evangeliza.o, so-mando, para gente. bronca, o abstruso de concepes religiosas, to diferentes, sua transmisso em Unguagem desaj ustada com a dos ndios. A histria mostra, que o jesuta no anularia grande part.e do seu esfro pela falta de adaptao lings-tica adequada. Ao contr.trio, sse preparo, segundo a declara-o expressa de Antnio Vieira(.21), foi sempre exigncia primor-dial entre os jesutas; ao ponto de sobreporem, para osmissio-nrios, o conhecimento do tupi ao do latim desde o tempo de Nbrega-( 22 ) e de admitirem de preferncia elementos conhece-dores do tupi, por haverem convivido com os ndios.

    Um dles foi CAntnio Rodrigues, o primeiro mestre dos es-_tudos tupis na Bahia e que no poderia pautar as suas lies pelo lati-m, porque no o sabia na ocasio.

    Alm disso, sempre houve entr os nossos jesut~ bons-:--co-:: nhecedores de outras lnguas no latinas, aos quais no poderiam escapar as diferenas estruturais de uma para outra. Na .Bahia chamavam de grego ao tup( 2:3 ), provvelmente por certas afini-dad.es na formao_ de palavras compostas(24).

    Vem aqui muito a plo regi~trar a crena entre os jesutas de o padre A~ilcueta Na varro ter tido maior facilidade na. apren-dizagem do tup por falar o vascono ou basco(2'5).

    i. 21) - "E. porque. sem a cincia das lnguas tudo o mais que em outras misses se ensina no passa dos: portuguses, .... : ...... : .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . no podem passar a outros estudos s nossos religi>s~ moos, sem primeiro serem examinados . e aprovados'. J. Lucw d' Azevedo - cmtas; vol. III. p. 604. Compare tambrn pp. 619, 732 e Serafim Leite, nota seguinte. '

    (212) - Serajim Leite - Histria, vol. li, pp. 562-565. (23) - Cartas Avulsas; p. 270. o (24) - Tambm Lry atribui ao tupinamb cer,tos contatos com

    o grego, no final do captulo 19 da sua Viagem. . ,~25~,- Nbre{/a; Car~as do Brasil; -p. 93.: :._ , e Ja sabe. a lmgua deles, que, ao que parece, muito se conforma

    com a biscainha". - -Seria antes devido ao pendor . e ao conhecimento de uma lngua

    onde predominam os sufixos e partculas pospostas. _ . '

    43

  • A que se reduz ento a latinizao do tupi pelos jesutas? Exclusivamente terminologia e disposi-o da gram-

    tica. No h na construo da frase tupi dos jesutas a menor

    aproXimao ao latim e ao portugus, e mesmo nas cat.egorias gramaticais as diferenas avultam(26). Os jesutas procuraram, acima de tudo, manter castia a linguagem dos ndios atravs do tempo e das influncias da aculturao, fazendo apenas as concesses inevitveis por meio do processo corriqueiro em t-das as lnguas, que a evoluo semntica.

    Prova disso principalmente a segunda edio do catecis-mo de .Arajo-Leo, de 1686, que supera em alguns pontos a pri-meira, de 1618, na pur~za, e sobretudo na transparncia da gra~ fia. Mesmo a substituio de uns poucos trmos cados em de-suso entre os _ndios mostra a escrupulosa identificao dos .seus escritos com a praxe indgena.

    Mais ainda. ,,. i: :'i'~::-.-:-"!

    De 1686-1687 os superiores permitiram a reedio da gra-mJtica dope. Figeira e do catecismo dope. Arajo. Na mesma poca deram licena ao pe. Bettendorff para a impresso ~e um catecismo tupi mais breve; mas, ao que podemos concluir, no se interessaram na publicao da Doutrina Christ I Em lngua geral dos tndios do Estado do Brasil I e Maranho, com-posta pelo p. Philippe Bette_ndorjj, 1 traduzida em lingua irre-gular e vulga.r usada / nestes tempos(27).

    Atentemos bem no sentido dste ttulo, onde aparecem duas lnguas ndias; uma o tupi original, em que j eXistiam ca-tecismos; a outra, usada no Estacio do Maranho, ao tempo de Bettendorff, classificada de irregular e vulgar, o tupi dos mes-tios, a lngua-geral, que denomina:mos brasiliano. _

    Excetuando essa verso de Bettendorff, nenhuma das obras brasilianas conhecidas de jesuta, embora lhes vm sendo atri-budas enganadamente.

    ridculo ver no brasiliano o resultado da di_iplinao do tupi pelos jesutas. :msse brasiliano surgiu naturimente e muito cedo pelo contato de duas culturas. Basta reparar na det.erio-

    (26). - compar-e o texto transcrito no captulo: Trs Cdices Brasilianos da Universidade de. Coimbra.

    (27) - A letra g isolada foi riscada pelo copista:; ia eserev~~do geral, que o autor no empregara, cert~mente para e~ta! a repeti~o, mas, ao lado da l;ngua-geral dos ndios:, . .do tupi prQprlame!l~e d1to, havia a outra geral dos mestios de ndios e brancos, . o braslltano.

    compare o captulo "Trs Cdices Brasilianos da Universidade de Coimbra".

    44

    rao lxica de muitas das denominaes t1J.ps j ~registrados por Gabriel Soares, eomo vimos lembrando.

    Entretanto, as circunstncias infiltraram aqui a sua ironia. se, por um lado os, tupinistas jesutas .fizeram. tudo para con-servar a pureza original da lngua, por outro, a propagao .do tupi entre os chamados nheengabas do Amazonas, atravs de aldeamentos .conjuntos, tambm favoreceu naturalmente a sua' deteriorao. O nheengatu o resultado espontneo e final des-sa promiscuidade imposta pelo missionrio civilizador(28). e do intercmbio subseqente entre os ndios.

    Se, portanto, irrisrio atribuir aos tupinistas j esuft,as. cuja eloqncia e assimila-o perfeita entusiasmavam os prprios va-tes indgenas, "uma sistematizao simplificada do tup"(29L ''um tupi jesut.ico sensivelmente distanciado das lnguas tup~ naturais''(30), "a lngua-geral,, que chegou a se implantar em certas regies no Brasjl"(31), no o menos a invect-iva de te-

    . rem latinizado a grania,tica tupi. Como as gramticas deo Anchieta e Figueira eram destina-

    das a europeus e a tarefa primordial dos . missionrios consistia em transmitir aos tups o contedo de textos latinos ou por-tuguses, o conheccimento das formas correspondentes nas res~ pectivas lnguas era-lhes indispensvel. Isso exigia, como em todos os compndios para estrangeiros, o uso da terminelog-ia=e~ dos paradigmas conhecidos. EXPlanaes adicionais ressaltariam divergncias e fixarian1 as man~iras de tornar a verso rigoro-samente fiel, segundo os cnones vernculos indgenas e ajustada mentalidade dos ouvintes.

    Aos primeiros lingistas incumbia, pois, passar revista ao material disponvel com a finalidadede coorden-lo da man~ira mais adequada, tendo em mira, tanto a realidade tupi, quanto a condio dos estudantes. ,

    Anchieta, o desbravador, comeou mui racionalmente pela jonmica(32), captulo a que teremos de voltar para .conside.;. raes mais detidas .

    (28) - o pe. Anselmo Eckart informa o seguinte p. 562 dos seus "Aditamentos" a Pedro Cadena:

    "Como as misses do Par se compunham tdas de faces de diversas famlias lingsticas, os seus ndios, embora tratass.em com o padre na lngua-geral braslica, em suas casas cada nao falava a sua prpria".

    (29) - Mattoso Cmara; Introduo s_ Lnguas Indgenas Bra-sileiras; p. 101.

    (30) -Ibidem; p. 104. (31} - bid; p. 102. (32) - Arte de Gramtica; ff. 1 a 9 (sic) em lugar de 8.

    45

  • A seguir, pelos motivos expostos, .procurou ater-se ao ar-ranjo observado pelos gramticos mais respeitveis na poca, principalmente do latim, j que as gramticas portugusas mais antigas, a. de Ferno de Oliveira(33} e a de Joo . de Bar-roscssa) ,-.lhe seriam de limitadssima prestu.cia. Passando, pois, ao nom.e(M), logo na primeira linha frisa, que o tupi "no tem casos nem nmeros distintos, salvo o vocativo", que tem forma especial em algumas palavras.

    Ao tratar dos nomes compostos(B5) ministra ensinamentos, inclusive da maneira de traduzir a forma genitival, a que as exighcias modernas nada de essencial podem acresceu tar. Dos nomes derivados refere ali to s os formados por meio do su-fixo sudra(86 )' dedicando pargrafos especiais s derivaes por meio de outros sufixos ( saa) .

    o pargrafo mais inte.ressante e caracterstico no captulo do nome tupi , sem dvida, o dos tempos, pois os substantivo,s tupis tm pretrito? futuro e futuro do pretrito(31) .

    Haver em tudo isso alguma analogia com o latim?! Induzido provvelmente pelo nmero gramatical, Anchieta

    inclui os numerais no captulo dos nomes(38), mas nenhuma aluso faz ao artigo, ausente de ambos, do latim e do tupi.

    O captulo V, dedicado ao- pronome pessoal, talvez o mais fraco nas gramticas jesutas, porque nle no incluram o pronome verbal. Reconhecem-no como tal, :mas classificam-no dei artigo por certa semelhana funcional(E9) .

    Como de costume, Anchieta exemplifica as correspondncias entre as formas tupis e latinas, ressaltando que o pronome abso-luto assume funes poss~ssivas. Por sua vez, o possessivo leva Anchieta a tratar, no mesmo captulo, dos ndices de classes e

    (88) - GramtiCa da Linguagem Portugusa. Saiu em 1536. H uma 3.a edio :Beita em 1933, sob a direo de Rodrigo de S No-gueira.

    (SSa)- Gramtica da Lngua Portugusa, Lisboa, 1540. (34) - Arte, fl. 9 por 8. (35) - Ibidem; fl. 8 v. (36) - Ibid; fl. 10 e 10 v. (Ma) -Ibid; ff. 29v. a 34 e 51 v. (37) ~ Ibid~ ff. 33 - 34. (88) - Ibid. ff. 9v. e 10. (39) - Ibid. fl. 20v. - Figueira; pp. 10 e 11. - Assim como o

    artigo sempre vai acompanhado de um substantivo, no tupi o pro-nome verbal s se enuncia seguido de um verbo finito.

    46

    das modificaes a que esto sujeitos(40), incontestvelmente uma das categorias mais surpreendentes para gramticos cls-sicos.

    At aqui j lanamos uma rpida vista d'olhos tera parte das lies de Anchieta, contendo a maneira de trasladar a tupi castio certas formas lxicas' portugusas e latinas das classes de nome e pronome. A terminologia emprgada pelo ;M:es- tre de preferncia a latina, por ser a nica geralmente adotada e compreendida. Isso no obstante, desafiamos os eternos de-tratores, que nos apontem nessas dezoito flhas a mais mnima tendncia latinizao ou a concesses outras feitas no tupi je-sutico a qualquer lngua. Hajam vista especialmente: a plurali-zao de certos substantivos, a maneira de traduzir o genitivo latino, o adjunto preposicionado portugus, os ndices de classes com a sua funo possessiva na 6 terceira pessoa e os pronomes exclusivo e inc-lusivo dJ~. primeira pessoa do plural.

    3.0 - Passemos agora conjugao, o captulo mais visado pela crtica, por via de regra mal , informada.

    Ha no tupi combinaes lxicas capazes de traduzir corre-tamente qualquer ~modo e tempo da conjugao latina, embora nle no existam terminaes verbais .. As duas espcies de pro-nomes pessoais e diversas partculas servem-lhes dec:substttutos--oastantes. O m-issionrio, por mais ch mantivesse a verso da doutrina., no as poderia ignorarona transmisso dos seus textos algo mais complexos do que a linguagem corriqueira dos ndios.

    Foroso foi, assim, ao gramtico sistematizar e confrontar as equivalncias sem afastar-se \da genuna fala dos tupis. E, nessa tarefa foi muito conseqente, a despeito das aparncias, pois ainda que, tambm a, a finalidade prtica o prendesse terminologia latina, a realidade tupi o levou por mais . de um desvio.

    Os modos desdobram-se por isso, um tanto vacilantes, em: Indicativo, Imperativo, Permissivo, Condicional, Optativo, Con~ j'untivo, Gerndio, Particpios e Infinitivo. Alguns dles vm ca-racterizados mais atravs da funo do que pela denoinmae especificamente conferida. Os dois ltimos so formas nominais e nessa qualidade tm os tempos peculiares ao s~bstantivo tupi.

    Portanto, j nos modos h discordncia do la~im para o tupi, principalmente na construo divergente das formas. conjunti-va, optativa e permissiva, que no tupi no se confundem co:mo no

    (40) - Inclusive por anteposio dos posseSSivS. Anchieta Arte ff. 13 a 17. ' '

    47 (

  • latim ou portugus. Nestes tambm-nada existe, .que se compare forma! cl.upla. do particpio passivo tupi.

    Se, apesar disso, MattosoCmara afirma, que no tupi jesu-tico

    "os verbos passaram a ter uma conjugao latina"(4l), falseia consciente ou levianamente a verdade, ainda que a seguir procure atenuar o categorismo do seu aresto. Deturpa, no apenas os preceitos expressos, mas principalmente a inteno precp:Qa dos tupinistas missionrios: a de ensinar como se tra-duzem corr,etamente em tupi os paradigmas latinos. Alm disso ignora:-lhes a amplitude e o valor especfico dos ensinamentos, sonegando a soma esmagadoramente _maior de peculiaridades tupis expostas, que nenhum smile encontram no latim ou por-tugus.

    Mostram os padres tupinistas, que na modalidade equiva lente _ao indicativo s existem propriamente dUas formas,- ex-pressando respectivamente o pretrito e o futuro( 42), e, a se-guir, como a forma pretrita pode assumir cambiantes de tem-po, precedncia ou concomitncia, correspondentes ao presente, imperfeito e mais-que-perfeito, por meio de advrbios como: agora, j., ento e as suas combinaes, sempre que a clareza do enunciado o exigir, e, s nestes casos.

    Evidentemente, ainda que arrumado maneira de para-, digma, o verbo tupi, essencialmente invari,vel, combinado a seu jeito, com uma srie variada de partculas, no constitui uma conjugao latina, nada lhe imita naquilo em que, no latim ou no portugus, consiste propriamente a conjugao, embora lhes reproduza sofrivelmente as sutilezas clssicas e, para maior clareza, o arranjo e a terminologia .

    Finalmente, que diremos dos verbos tupis irregulares? da estranha conjugao relati:va ou subordinada? do freqente em-prgo taxativo das formas verbais equivalentes ao gerndio e su-pino latinos? das peculiaridades dos verbos transitivos diretos e transitiva;dos? da conjugao dos adjetivos e da bicategorieidade dos verbos intransitivos? stes dois ltimos porefeito da ca--racterizao ainda incompleta das classes de palavras ..

    . Haver algum que ouse ver latinizao do tupi nesses--sin-gulares idiomatismos, aflorados todos les pelos jesutas?

    (41) -Introduo etc. p. 104. (42) - Em rigor, sendo 9 futuro formado com auxilio .d~:'U.m

    advrbio arcaico, cabe-lhe o que dizemos a seguir do imp'ifeito e mais-que-perfeito, com a diferena de o futuro tupi ter sido de uso taxati:v.o .entrle os ndios.

    48

    Que mal houve finalmente, nos sculos 16 e 17, numa ter-minologia gramatical pouco. adequada aos fatos tupis, se, de um lado, no atentam contra a originalidade da frase .e do outro fa-vorecem a boa compreenso?

    l!:sses crticos andaro por acaso esquecidos- da pobreza das gramticas portuguesas do Quinhel)..tos(43), muito inferiores s tupis de Anchieta e. Figueira, e, da balbrdia reinante at hoje , em nossa prpria nomenclatura gramatical?

    4.0 - Quanto elasticidade do sentido das palavras, Mattoso Cmara parece .desorientar-se mais e mais no ddalo das suas idias preconcebidas, guindando-se aps elas a chocantes exa-geros: ,.

    " ......... todo o lxico,. tda a semntica da lngua se adaptou viso csmica ocidental, dando.,.se uma transfor-mao geral no quadro das significaes da lngua tupi .... o o o o o ."(

    44) ..

    E pe a tais arreganhas pomposos sse murcho arremate: "um exemplo muito expressivo o emprgo de tup para a idia crist o de Deus" ( 45) ~-

    Exemplo de que? saJllto Deus! De que tdo o lxico e tda a semntica tupi sofreram=trans-~

    formaes gerais, s porque os ndios, guiados pela observao e as explicaes dos missionrios em assuntos de religio, am-pliaram o sentido primitivo deo certas palavras, como no caso de tup?(46).

    Todo idioma, como espelho cristalino da cultura do povo que o fala, reflete fielmente, por evoluo semntica ou neologis-mos, o surgimento de novos elementos ou idias -culturais'" No houve, assim, violao alguma de processos lingsticQs no to-mar o trmo tup a acep-o de Deus ao lado da primitiva de raio e trovo, idias que tinham evidente afinidade(47) "e certa-mente coexistiram da por diante na mentalidade tupi.

    (43) -Referimo-nos s de Ferno de Oliveira (1536) e de Joo de Barros (1540).

    (44) - Introduo etc. pp. 104/105. (45) -Ibidem; p. 105. " (46) - Compare Cardim; Tratados; p. 163 e zvobrega; Cartas;

    p. 99. (47) - O Tup cristo seria o Deus temeroso, feio predomi-

    nante no ensino religioso da poca e conceito que se casavabem com as manifestaes atemorizantes do tup da mitologia tupi. O in~ ferno onipresente na doutrina e nas ilustraes apavorantes, repro:-duzidas nas redues guaranis, reforam sses traos.

    49

  • 5.0 ~ Que Mattoso Cmara tem a mira constantemente no :tupi intermedirio, que o nosso brasiliano, a lngua-geral, con-fundihdo~a com o tupi original dos jesutas, vemos em trechos como ste:

    "Ao mesmo tempo, como "lngua geral"', sse tupi jesutico se implantou no norte do Brasil, na zona do Rio Negro, on-de sofreu uma evoluo; ................................ Tem-se assim o nheengatu ....... "(48).

    Se Mattoso Cmara :tivesse algum conhecimento do tupi e do desenvolv-imento histrico da lngua-geral, no confundiria o,s dois dialetos. A chamada lngua-geral, como tantas vzes re-petimos, um tup modificado por efeito de aculturaes e de mestiagens. Ao contrrio, o tupi jesutico, a lngua brasilica,_ - o legtimo tup original dos ndios. Nle, a par do indispen-svel registro dos casos de evoluo semntica, oflci:Iizaram das variantes lxicas esparramadas pelas diversas tribos tupis, to s- as mais generalizadas. Nada inventaram e nad modifi-caram na respect-iva lexicologia(49.) .

    Essa uniformizao jesutica, uma exigncia inelut,vel da elaborao dos compndios e do projeto da sua publicao, no impedia na prtica a adapta-o local dos missionrios s jpe-quenas variantes lxicas.

    Quando que tal objetivo to claramente indicado pelos. jesutas vai entrar na cabe~ dos critiqueiros improvisados? .

    6.0 - Outra das afirmat-ivas inconsistentes de Mattoso C-mara a referente ao registro jesutico de uma fonmica sim-plificada. da lngua brasilica:

    -. . . . . . . . . . houve uma simplifi-cao fontica muito grande. O jesuta tendeu a deixar de lado tudo aquilo que era mui-to extico para le e de difcil reproduo"(50). " ............ no tup jesutico foram eliminados, como j vimos (??) , os traos fnicos e formais, ................ . .. " (51)

    Como prova desta montanha assim configurada, nasce dela. o calunguinho do rifo, quando afirma, com dois exemplos in ex-_

    (48) - Op. cit;. p. 105. (49) - Mattoso Cmara lembrou muito bem a semelhana dsse

    processo de unificao com os de alguns pases europeus ao tempo da Reforma, mas enganou-se no ajuizar a sua extenso no tupL . (pp. 103J04).

    50

    (M) - Ibidem; p. 104. (51) - Ibid; p. 107.

    pressivos, que, em vez de mba alguns jesutas grafaram ba; que costuma aparecer i normal em lugar do y tupi e que no in-dicaram outros traos fonticos im-portantes, como o acento de altura, que se encontra no mundurucu e em outras lnguas tupis de hoje.

    Efetivamente, no se encontram referncias ao acento de altura, a sse modular caracterstico, que, sem nada acres-centar ao sentido daS palavras, denuncia a procedncia do fa-lante. Se o houve, deve ter sido vrio e, no h como tach-lo de importante, na prtica. De forma alguma caberiam tais co-notaes nos compndios -de um lxico unificado como o da ln--gua braslica, do nosso tupi. Porm, invocar nessa conexo o testemunho do mundurucu, um dialeto, seno uma lngua ;to divergente do tupi, pelo menos um escorrgo.

    Anchieta meticuloso na exposio das alteraes fonti-cas. Trata dos casos de apofonia, e abrandamento, de apcope e haplologia, de consoi:rantizao, de nasalao por efeito de m, n ou vogal nasalada prximos. Entretanto, a sua grafia ain-da pouco pr.tica e inconstante, pelo -menos na gramtica im-pressa, cheia de imperfeies.

    Figueira melhora a grafia pela introdu-o do. y para o i. gu-tural(52), do k em lugar de qu e ao dar a qu o valor de q(53); mas, infelizmente, no caracteriza o f semivoga1(54) eco;y-=,to~ ~no (55) .

    No mais, de fato, tanto na gramtica de Figueira -como no Vl.b. figuram, certamente por incria, alguns vocbulos ~com a inicial b em lugar de mb.

    Tambm h no Vlb. substituies dQ y tupi por i, devidas principalmente grafia adotada antes da divulgao do livro de

    -Figueira(56 ) Entretanto, no o Vlb. pelas cpias hoje conhecidas, fei-

    tas por amanuenses de competncia lingstica duvidosa, nem as gramti-cas de Anchieta e Figueira, impressas em. Portugal sem a sua assistncia, que nos podem servir de base exclusiva para uma anlise acurada da fonmica tupi fixada pelos jesutas. As

    (52) - . o i grosso de Figueira e outros. ( 3) - Distino que o impressor nem sempre respeitou. (54) - No fazemos aqui diferena entre semivgal e semicon-

    soante. (55) - Figueira representa o fonema, o r cpor y . ora por i. e u .

    (56) -o y tupi era inicialmente representado por ig e, em alguns casos por um i, levando outro ponto sotoposto, que poucas vzes vem reproduzido.

    51

  • indicaes ortopicas _mais completas sbre o tup encontram-se na grrntica de Anchieta, mas elas ainda vm rematadas na preciosa Advertncia_ da segunda edio do catecismo, de Ara-jo-Leo. f:sse compndio tupi tem grafia real~ente sistemati-zada e -transparente para quem se der ao trabalho de nela se enfronhar (57 ) ;

    Ali se encontram, sem o atravancamento montoiano de si-nais-diacrticos, t~das as indlcaes fonmicas~- que se -poderiam

    - esperar-_ de_ lingistas conscienciosos do _sculo dezessete e sufi-cientes para nos darem uma idia muito aproximada dos sons da primitiva lngua tupi. No lhes falta a clara distino entre vogar e semivogal, nem mesmo a denotao da extica ocluso Iarngea (58)

    A despeito de escreverem para missionl"ios em contato com a lngua viva, a grafia dos tupinistas jesutas acabou sen-do _muito mais exata do que a de qualquer lngua culta de hoje. E, embora mais prpria traduo portugusa do que aos fatos r lingsticos tupis, a sua terminologia gramatical clssica, sem-pre convenientemente exemplificada, nada fica a dever, em

    sua singela clareza, pretensiosa barafunda de nossa movedia nomenclatura grama ti cal dos tempos atuais.

    7 .O - Finalmente Mattoso Cmara vtima, qui com ou,-tros, de lastimvel equvoco, quando atribui ao programa de ~ tupi finalidade e tendncias, que absolutamente no tem, e no lhe cabem, afirmando que

    " . . . . . . . . as nossas Faculdades de Filosofia ...... ; ..... . criaram uma Cadeira de Tupi-Guarani dentro da velha idia de que o tupi o prottipo das_ lnguas indgenas brasilei-ras. E a programao da Cadeira tende a desenvolver-se na base de uma filologia tupi dos textos jesuticos e no na do exame in loco das lng1Jas tupis ainda vivas"( 59). E destemperando-se, acrescenta um tanto enfatuado:

    "Nem admissvel a atitude implcita, e at explcita, de desprezo (nos Cursos de Tupi) pelas verifdeiras lnguas indgenas, que -passam a ser: tupi impuro, lnguas travadas e deturpaes do tupi clssico ......... ; ........... .- "(6)

    (57) ---Naturalmente no est isento de rros- tipogrficos, ainda que a edio tenha estado a cargo- do pe. ;Bettendorff.

    (58) -Veja as concisas caracterizaes fonticas ministradas pela citada Advertncia. -

    (:19) - Introduo etc. p. 107. (60) - IbidemJ p. 112.

    52

    Ora, s nossas Faculdades de Filosofia _incumbe, em primei--ro lugar ministrar o ensino de certas djsciplinas consideradas de ilustrao geral ou espec.ifica, que no fazem parte do currculo de outros institutos de ensino superior.

    nesta ltima tarefa -qUe se encaixam tanto o_ tupi como a lingstica geral e indgena, mas sem a m.inima ligao destas ltimas com o tupi.

    Os cursos de lingst-ica so de espe.cializao e como tais a representao dos fonemas deve nles obedecer a normas ri-gorosamente cientficas.

    Pelo contrrio, o tupi antigo ou deve ser considerado disci-plina complementar de mera ilustrao e, como tal, a sua gra-fia precisa ser clara e simples, mesmo para o leigo. Seria um contra-senso impor a semelhante ensino de lngua morta um al..; fabeto dos chamados fonticos. Ainda que tivssemos conheci-mento da essncia de todos os fonemas tupis antigos, a sua aprendizagem e represen ta.o cien tUca seriam de valor . mui to relativo para estudos lingsticos no especializados; tomaria ho-ras preciosas a matrias de maior alcance e a sua transmisso nesses smbolos fonticos afugentaria irremedi velmen te vasta corrente de interessados; anularia para ela o ensino, que lhe dedicado precipuamente. -= =~-

    Na qualidade de disciplina complementar, a cadeira de tupi no visa a formar lingistas, maso a dar conhecimentos bsicos da estrutura e do vocabulrio da lngua para os estudos brasi-leiros de Etnologia, Geografia, Histria, Cincias Naturais, Lin-guagem e Literatura.

    Milhares de~ trmos tupis oferecem nestes domnios a su-gesto da sua etimologia, espera de iniciados que a desvendem corretamente, conscientemente, atravs de estudos comparativos e raciocnios amparados em testemunhos fidedignos.

    O ensino universitrio do tupi para os estudos brasilianos pouco mais ou menos o que o grego e o latim representam para a terminologia cientfica.

    A Cadeira de Tupi incumbe levantar o nvel cultural num setor importante dos "Estudos Brasilianos", mas no se prope a formar especialistas em lingstica indgena. No se preocupa, a no ser incidentemente, com dialetos tupis de tribos ainda existentes. Se houver referncias a outras famlias lingsticas, ser to s para lembrar as suas contribuies, ainda querela-tivamente pequenas, e, de qualquer forma,. alertar coritra a mania de ver origens tupis em todos os trmos indgenas ocor-rentes.

    53

  • O currculo tup, que se no afinar com sse traado geral, est fadado inanio. Mas, por outro lado, at.entem os respon-sveis no imperdovel hiato, que a carncia total de estudos ' tups deixa em setores importantes da nossa Cultura Na-cional. (61 )

    (61) - Voltaremos ao mesmo assunto no captulo seguinte.

    54

    III

    O TUPf NO CURRCULO UNIVERSITRIO

    COMENTRIOS ENI TRNO DE UMA INICIATIVA PAULISTA

    Uma das constante$ preocupaes dos jesutas no Brasil foi a sua perfeita aprendizagem da lngua braslica, o tup. Nas in.:. form.aes, que, de cada membro d.a Companhia, iam sendo remetidas periodicamente direo central, os seus conhecimen-tos do tup sempre mereceram visvel destaque.

    Do primeiro esbo de gramtica temos notcias diretas, de 1556{1). Das tentativas iniciais para traduzir textos religiosos j nos d novas o pe. Na varro, em 1550(2 ) ===-c~~~

    A meticulosidade jesutica no permitiu, entretanto, que _se apressasse a publicao de qualquer estudo ou texto braslico, sem exaustivos aperfeioamentos e, assim, decorreram quarent