resenha estudos organizacionais em perspectiva...

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92 ©RAE VOL. 45 Nº 1 ESTUDOS ORGANIZACIONAIS EM PERSPECTIVA Por Carlos Osmar Bertero Professor da FGV-EAESP E-mail: [email protected] Esta obra ambiciosa na área orga- nizacional, publicada originalmen- te em 1996, completa agora a sua versão em português com o lança- mento do terceiro volume. A pre- sente coletânea faz com que seja lem- brado o Handbook of Organizations, organizado por James G. March, lançado em 1965. A despeito da as- sociação, o Handbook de Estudos Organizacionais nunca se propôs ser uma atualização da obra pio- neira de March. Diferentemente, os organizadores se propuseram desde o início produzir algo que se afastasse e criticasse o chamado mainstream – cujo campo é predo- minantemente ocupado por auto- res e obras norte-americanos –, de orientação teórica funcionalista e de metodologia preferencialmente neopositivista. Isso foi feito com convites a acadêmicos europeus, norte-americanos e australianos filiados a diversas abordagens. A edição brasileira ainda contém, ao final dos capítulos, notas técnicas escritas por autores brasileiros, que se detêm sobre as aplicações ou re- flexões levantadas a partir do con- texto nacional. O editor brasileiro dividiu a obra original – publicada em apenas um volume – em três volumes. Os res- ponsáveis pela organização da edi- ção brasileira também alteraram a seqüência do texto original. Os vo- lumes ficaram divididos da seguin- te forma: o primeiro trata de “Mo- delos de análise e novas questões em Estudos Organizacionais”; o segun- do aborda “Reflexões e novas dire- ções”; e o terceiro, a “Ação e análise organizacionais”. Os autores são re- conhecidamente autoridades sobre os temas que exploram. Isso não excluiu inteiramente autores do mainstream, o que torna o livro aber- to a divergências. Embora se pro- pondo como alternativa crítica, a obra não deixa de colocar o leitor diante de posições e perspectivas oriundas das tendências predomi- nantes na área. HANDBOOK DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS De Stewart R. Clegg, Cynthia Hardy e Walter R. Nord (organizadores) Miguel Caldas, Roberto Fachin e Tânia Fischer (organizadores da edição brasileira) São Paulo: Editora Atlas, v. 1 (1999), v. 2 (2001), v. 3 (2004). RESENHA ESTUDOS ORGANIZACIONAIS EM PERSPECTIVA

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92 • ©RAE • VOL. 45 • Nº 1

ESTUDOS ORGANIZACIONAISEM PERSPECTIVA

Por Carlos Osmar BerteroProfessor da FGV-EAESP

E-mail: [email protected]

Esta obra ambiciosa na área orga-nizacional, publicada originalmen-te em 1996, completa agora a suaversão em português com o lança-mento do terceiro volume. A pre-sente coletânea faz com que seja lem-brado o Handbook of Organizations,organizado por James G. March,lançado em 1965. A despeito da as-sociação, o Handbook de EstudosOrganizacionais nunca se propôsser uma atualização da obra pio-neira de March. Diferentemente,os organizadores se propuseramdesde o início produzir algo quese afastasse e criticasse o chamadomainstream – cujo campo é predo-minantemente ocupado por auto-

res e obras norte-americanos –, deorientação teórica funcionalista ede metodologia preferencialmenteneopositivista. Isso foi feito comconvites a acadêmicos europeus,norte-americanos e australianosfiliados a diversas abordagens. Aedição brasileira ainda contém, aofinal dos capítulos, notas técnicasescritas por autores brasileiros, quese detêm sobre as aplicações ou re-flexões levantadas a partir do con-texto nacional.

O editor brasileiro dividiu a obraoriginal – publicada em apenas umvolume – em três volumes. Os res-ponsáveis pela organização da edi-ção brasileira também alteraram a

seqüência do texto original. Os vo-lumes ficaram divididos da seguin-te forma: o primeiro trata de “Mo-delos de análise e novas questões emEstudos Organizacionais”; o segun-do aborda “Reflexões e novas dire-ções”; e o terceiro, a “Ação e análiseorganizacionais”. Os autores são re-conhecidamente autoridades sobreos temas que exploram. Isso nãoexcluiu inteiramente autores domainstream, o que torna o livro aber-to a divergências. Embora se pro-pondo como alternativa crítica, aobra não deixa de colocar o leitordiante de posições e perspectivasoriundas das tendências predomi-nantes na área.

HANDBOOK DE ESTUDOS ORGANIZACIONAISDe Stewart R. Clegg, Cynthia Hardy e Walter R. Nord (organizadores)

Miguel Caldas, Roberto Fachin e Tânia Fischer (organizadores da edição brasileira)

São Paulo: Editora Atlas, v. 1 (1999), v. 2 (2001), v. 3 (2004).

RESENHA • ESTUDOS ORGANIZACIONAIS EM PERSPECTIVA

092-097 26.01.05, 17:2992

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JAN./MAR. 2005 • ©RAE • 93

No primeiro volume, o capítulode Michael Reed estabelece um am-plo referencial, com o qual preten-de cobrir todas as tendências docampo a partir de diversas aborda-gens. Mesmo em um campo tãocomplexo e multifacetado como ode Estudos Organizacionais, o resul-tado é bastante satisfatório. Segue-se uma colocação de várias aborda-gens desenvolvidas nos últimos 25,30 anos, como ecologia populacio-nal de organizações, institucionalis-mo, contingência estrutural e teo-ria crítica e pós-modernismo, estemerecedor de um desdobramento,com um tratamento mais detidopara cada um dos tópicos.

Das questões emergentes, talvezo capítulo sobre “Abordagens femi-nistas em estudos organizacionais”seja o menos inovador, pois o as-sunto já vem sendo tratado há maisde três décadas, com razoávelacúmulo de trabalhos. Os demaissão realmente provocativos, comoo capítulo sobre a diversidade, quecarrega marca norte-americana,mas que deve incitar-nos a pensarno tema em outros contextos cul-turais, particularmente em um paíscomo o nosso, onde a diversidadepode ser encontrada em abundân-cia, seja etnicamente, seja do pon-to de vista de diversidades regio-nais, ou de distâncias sociais entreclasses e grupos. O volume concluicom o artigo de Gibson Burrell,que, pelo tema tratado, ficaria me-lhor no terceiro volume, por tratarde questões sobre teorização e di-versas abordagens da análise orga-nizacional.

O segundo e o terceiro volumestratam de tópicos que são os maisestabelecidos na literatura, taiscomo estratégia, cultura, liderança,aprendizagem, poder, processo de-cisório e indivíduos em organiza-ções. Há capítulos que tratam de

questões ainda pouco abordadaspelo campo, como a tecnologia deinformações e seu impacto e inter-face com os Estudos Organizacio-nais, e o excelente capítulo sobre aabordagem estética da vida organi-zacional.

Não é possível em uma resenhatentar passar o conteúdo de um li-vro do porte, fôlego e diversidadede assuntos deste Handbook. Po-rém, cabem algumas observações ereflexões. A primeira reflexão é so-bre o sentido de se produzir umtexto como esse. Estudos menosambiciosos têm adotado orientaçãoanáloga à do Handbook. Entre nóstem sido grande o número de tra-balhos que vêm se acumulando emencontros acadêmicos como oEnanpad, e que fazem revisão de li-teratura e da produção científicabrasileira, nas mais diversas áreas,inclusive na de organizações. Tra-ta-se de uma preocupação em co-nhecer o desenvolvimento da área.Porém, ela é também reveladora deuma ansiedade para ver se estamosevoluindo ou nos repetindo adinfinitum. É também uma forma defazer um balanço e de nos reasse-gurarmos de nossa situação.

A segunda reflexão refere-se àconstatação de que muito se temproduzido e que o campo, se nãochega a ter um padrão claro de acu-mulação, pelo menos se expandepela abertura de novos temas, abor-dagens e adoção de diversos refe-renciais teóricos. Bastaria compa-rar o conteúdo deste Handbook, de1996, com o de James March, de1965, e verificar o aumento deabordagens, tópicos discutidos,metodologias adotadas e, especial-mente, a diversidade de referenciaisteóricos. São exemplos dessa diver-sidade os matizes variados da abor-dagem crítica, o simbolismo orga-nizacional, a abordagem cultural e

a incorporação à análise organiza-cional de contribuições vindas dateoria econômica (teoria da firma,teoria dos custos de transação e teo-ria da agência). Isso leva à conclu-são de que a área inegavelmente seenriqueceu.

A terceira reflexão refere-se aoaspecto pedagógico do texto. Em-bora não seja um resumo e de for-ma alguma se aproxime do que po-demos chamar de ’ “manual” , oHandbook é um instrumento paraaqueles que atuam na área e aque-les que estão se inserindo nela. Asua leitura certamente permite quese avance e se aprofunde no conhe-cimento da área de forma mais sis-temática. Também evita que os ini-ciantes se percam trilhando cami-nhos que já foram desbravados,alertando para as armadilhas e osequívocos mais comuns.

Para nós, latino-americanos ebrasileiros em especial, cabe cons-tatar que, apesar de nossa volumo-sa publicação na área de organiza-ções, ainda não logramos inserçãono campo. Afinal, o Handbook con-tém contribuições de acadêmicosde diversos países. Não há brasilei-ros entre os autores nem há refe-rência à produção brasileira. Al-guns de nossos pesquisadores têmalcançado presença internacionalem algumas áreas, mas infelizmen-te ainda não em Estudos Organiza-cionais.

Apesar do distanciamento deoito anos entre a publicação do tex-to original e a edição brasileira, oHandbook continua sendo um tex-to cuja leitura é fundamental paraque se possa obter uma visão daabrangência, da problemática e dasdificuldades da área organizacional.Também fica a satisfação por seconstatar que há muito para ser fei-to e que a área não dá mostras deexaustão.

CARLOS OSMAR BERTERO

092-097 26.01.05, 17:2993