resenha - a guerra dos lugares

2
Professora: Alicia Castellis Acadêmico: Jefferson Virgílio Disciplina: Antropologia Urbana ARANTES, Antônio. A guerra dos lugares. in: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico. Nacional. IPHAN. nº 23. Pps.: 190-203. 1994. Antônio A. Arantes, em sua leitura dos fenômenos sociais que circulam a praça paulista, apesar de não referir diretamente, em muito dialoga com as percepções de outros teóricos sobre associações e relações coletivas. Notadamente, penso que é possível relacionar as suas percepções com as reflexões que sugerem em como o individual é capaz de dialogar, em duplo sentido de intervenção, com o coletivo. As comparações do que Arantes sugere ser o feitio de construção das identidades (de uso) sociais de espaços públicos, assim como as transições entre diferentes extremos identitários (deste uso), acabam por afetar e definir o escopo morfológico do todo que define as partes do meio social. A ideia de estrutura estruturada e estruturante, tão frequente nas leituras de teóricos franceses, como Pierre Bourdieu 1 , sobre o social, em muito poderia dialogar com o que Arantes quer descrever como a construção de identidades dos espaços públicos. A analogia entre os usuários do espaço público, suas identidades, a identidade do espaço público e os usos que os diferentes tipos de usuários fazem do espaço público, e a posterior, quase que redefinição, deste espaço público, poderia auxiliar o autor a atingir níveis mais desenvolvidos de análise crítica sobre os fenômenos observados. Ao mesmo tempo em que o espaço molda de certa forma, aqueles que lá estão, para eles, e para terceiros, o espaço público é também construído, por aqueles que o utilizam, sejam sob a sua perspectiva, ou para a perspectiva de terceiros. Não muito distante da ideia de Bourdieu para a construção do (e ser construído pelo) social nos (e para os) indivíduos, atinge-se facilmente o que Sherry Ortner no geral resume como a teoria da prática (ainda remetendo à Bourdieu), e ao conceito de agência (este mais desenvolvido por Ortner). Não somente, o que se é entendido como agência, mas principalmente a noção de projeto que são apresentados e discutidos por Sherry Ortner poderiam trazer a tona algumas reflexões sobre a intencionalidade dos participantes em agir contra e para o espaço público aos quais são usuários. 1 Por tratar de categorias de análise amplamente conhecidas por cientistas sociais (o que de fato torna ainda mais grave a postura de Arantes), optei por não referenciar, em detrimento de tantas outras, quaisquer de suas obras.

Upload: jefferson-virgilio

Post on 29-Nov-2015

222 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Resenha simples do texto de Antonio Arantes: A guerra dos lugares.

TRANSCRIPT

Page 1: Resenha - A guerra dos lugares

Professora: Alicia Castellis

Acadêmico: Jefferson Virgílio

Disciplina: Antropologia Urbana

ARANTES, Antônio. A guerra dos lugares. in: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico.

Nacional. IPHAN. nº 23. Pps.: 190-203. 1994.

Antônio A. Arantes, em sua leitura dos fenômenos sociais que circulam a praça

paulista, apesar de não referir diretamente, em muito dialoga com as percepções de outros

teóricos sobre associações e relações coletivas. Notadamente, penso que é possível relacionar

as suas percepções com as reflexões que sugerem em como o individual é capaz de dialogar,

em duplo sentido de intervenção, com o coletivo. As comparações do que Arantes sugere ser

o feitio de construção das identidades (de uso) sociais de espaços públicos, assim como as

transições entre diferentes extremos identitários (deste uso), acabam por afetar e definir o

escopo morfológico do todo que define as partes do meio social.

A ideia de estrutura estruturada e estruturante, tão frequente nas leituras de teóricos

franceses, como Pierre Bourdieu1, sobre o social, em muito poderia dialogar com o que

Arantes quer descrever como a construção de identidades dos espaços públicos. A analogia

entre os usuários do espaço público, suas identidades, a identidade do espaço público e os

usos que os diferentes tipos de usuários fazem do espaço público, e a posterior, quase que

redefinição, deste espaço público, poderia auxiliar o autor a atingir níveis mais desenvolvidos

de análise crítica sobre os fenômenos observados.

Ao mesmo tempo em que o espaço molda de certa forma, aqueles que lá estão, para

eles, e para terceiros, o espaço público é também construído, por aqueles que o utilizam,

sejam sob a sua perspectiva, ou para a perspectiva de terceiros.

Não muito distante da ideia de Bourdieu para a construção do (e ser construído pelo)

social nos (e para os) indivíduos, atinge-se facilmente o que Sherry Ortner no geral resume

como a teoria da prática (ainda remetendo à Bourdieu), e ao conceito de agência (este mais

desenvolvido por Ortner). Não somente, o que se é entendido como agência, mas

principalmente a noção de projeto que são apresentados e discutidos por Sherry Ortner

poderiam trazer a tona algumas reflexões sobre a intencionalidade dos participantes em agir

contra e para o espaço público aos quais são usuários.

1 Por tratar de categorias de análise amplamente conhecidas por cientistas sociais (o que de fato torna ainda mais

grave a postura de Arantes), optei por não referenciar, em detrimento de tantas outras, quaisquer de suas obras.

Page 2: Resenha - A guerra dos lugares

Em um outro lado da escola francesa, mais contemporânea (ou mais clássica, quando

se concentra a leitura em Tarde), é possível sugerir a ação de múltiplos atores sociais, no

resgate teórico que Bruno Latour faz da teoria de Gabriel Tarde sobre o que é uma sociedade.

Se bem aplicado, tais considerações permitiriam sugerir como espaço, tempo, pessoas,

animais e objetos, além de discursos e práticas, são os atores sociais, que estão envoltos na

construção da rede de relações que definem o que é a praça, assim como o uso que todos

fazem (ou não fazem) dela e como tais situações repercutem na identidade de cada um dos

envolvidos (e do espaço “compartilhado”).

A incapacidade em dialogar com autores estrangeiros que não sejam da temática de

discursos urbanos (i.e. antropologia urbana), salvo as raras exceções como Victor Turner (no

conceito de liminaridade) é invertida quando se trata de autores nacionais. Uma série de

autores que seriam facilmente identificados como óbvios na analise do fenômeno social

urbano (principalmente pelo fato dado: contexto brasileiro), como Gilberto Velho, e seu

campo de possibilidades (em diálogo com Ortner), e questionamentos mais particulares e

específicos de público e privado (objetivando dialogar com o dentro e o fora da “estrutura”),

apresentados pelo professor Roberto DaMatta, são de certa forma inexistentes em seu relato.

A (reduzidíssima) coleção de citações está mais “preocupada” em validar os

argumentos construídos do que de fato permitir algum nível de dialogo teórico, que permita o

desenvolvimento ou “avanço” do campo de estudo.

Desta forma, eu concluo que não somente a leitura, e a escrita, realizadas acabam por

se tornar exageradamente breves, com tendência ao erro e simplórias, como são também

incapazes de representarem algo próximo ao que, de fato, uma analise não orientada a

argumentos pré-construídos e princípios pessoais, acadêmicos, políticos e/ou regionais podem

ter induzido na produção de Antônio Arantes.

Não somente são ignorados outros teóricos que em muito alargariam o discurso teórico

da temática específica, como também são ignoradas leituras básicas sobre o contexto social

brasileiro. Neste sentido, o que entendo por algo que remeta a uma “construção do saber

científico” é limitado em perspectiva comparativa e pré-orientado por supervalorizações

teóricas (e talvez pessoais e/ou políticas) do autor.

Saliento, por fim, que em oposição a um “quase resumo” do texto de Arantes, onde

ocorre a primazia pela coleta de categorias de análise, breves comentários sobre, e a

construção da (e posterior, aceite/discordância com a) proposta do autor, como é comum ser

realizado neste tipo de leitura/escrita acadêmica, optei por uma análise um pouco menos usual

e um tanto quanto arriscada da referência bibliográfica (não) utilizada.