república federativa do brasil fernando henrique cardoso · diretoria de gestão e planejamento...

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  • Repblica Federativa do Brasil Fernando Henrique Cardoso

    Ministrio da Educao (MEC) Paulo Renato Souza

    Secretaria Executiva do MEC Luciano Oliva Patrcio

    Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Maria Helena Guimares de Castro

    Diretoria de Gesto e Planejamento Solange Maria de Ftima Gomes Paiva Castro

  • Edson Nunes com a equipe

    Andr Nogueira David Morais Leandro Molhano Ribeiro Mrcia Marques de Carvalho Wagner Ricardo dos Santos

    Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) Ncleo de Anlise Interdisciplinar da Poltica Educacional e Regulatria (Naipe)

    Universidade Candido Mendes (Ucam)

    Braslia-DF, maro de 2002

  • COORDENAO-GERAL DE LINHA EDITORIAL E PUBLICAES Antonio Danilo Morais Barbosa COORDENAO DE PRODUO EDITORIAL Rosa dos Anjos Oliveira COORDENAO DE PROGRAMAO VISUAL Antonio Fernandes Secchin EDITOR Jair Santana Moraes REVISO Eveline de Assis Rosa dos Anjos Oliveira NORMALIZAO BIBLIOGRFICA Regina Helena Azevedo de Mello Rosa dos Anjos Oliveira PROJETO GRFICO F Secchin CAPA Marcos Hartwich ARTE-FINAL Marcos Hartwich TIRAGEM 2.000 exemplares EDITORIA Inep/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Esplanada dos Ministerios, Bloco L, Anexo I, 4o Andar, Sala 418 CEP 70047-900 - Braslia-DF - Brasil Fones: (61) 224-7092, 321-7376 Fax: (61)224-4167 E-mail: [email protected] DISTRIBUIO Cibec/lnep - Centro de Informaes e Biblioteca em Educao Esplanada dos Ministrios, Bloco L, Trreo CEP 70047-900 - Braslia-DF - Brasil Fone: (61) 323-3500 Fax: (61)223-5137 E-mail: [email protected] http://www.inep.gov.br

    A exatido das informaes e os conceitos e opinies emitidos so de exclusiva responsabilidade dos autores.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

    Teias de relaes ambguas: regulao e ensino superior/ Edson Nunes et al. - Braslia : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2002. 123 p.: il.

    1. Poltica da educao. 2. Instituies de ensino superior. 3. Reforma do ensino superior. 4. Relao Estado-educao. I. Nunes, Edson. II. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. III. Ncleo de Anlise Interdisciplinar da Poltica Educacional e Regulatria. IV. Universidade Candido Mendes.

    CDU: 378(81)

    mailto:[email protected]:[email protected]://www.inep.gov.br/

  • SUMARIO

    LISTA DE SIGLAS.......................................................................................................................... 5

    LISTA DE TABELAS....................................................................................................................... 7

    LISTA DE GRFICOS .................................................................................................................... 9

    LISTA DE QUADROS..................................................................................................................... 11

    OS AUTORES................................................................................................................................ 13

    APRESENTAO.......................................................................................................................... 15

    INTRODUO............................................................................................................................... 17

    Captulo 1

    REFORMA E REGULAO NO GOVERNO FHC: O CNE COMO AGNCIA REGULATRIA ...................................................................................... 21

    Captulo 2

    ENCRUZILHADAS: REGIMES REGULATRIOS E REGULAO FRAGMENTADA NA EDUCAO.......................................................................... 25

    Captulo 3

    DO CNE AO CNE: 70 ANOS DE POLTICA REGULATRIA............................................................ 31

    Captulo 4

    COMBATES E ARGUMENTOS, CRESCIMENTO E POTENCIAL DO ENSINO SUPERIOR ......................................................................................... 39

    Captulo 5

    SETOR PRIVADO E RESPONSABILIDADE .................................................................................... 57

  • Captulo 6

    PROFISSIONALIZAO PRECOCE, EDUCAO UNIVERSITRIA E ESCOLHAS ESTRATGICAS............................................................................. 67

    Captulo 7

    AUTARQUIA, CORPORAO E ACUMULAO DE RECURSOS E PODER............................................................................................................. 75

    Captulo 8

    GOVERNANA, TAXIONOMIA E POLTICA.................................................................................... 81

    Captulo 9

    O PBLICO, O PRIVADO E A MATURAO DOS INVESTIMENTOS.................................................................................................................. 87

    Captulo 10

    EMPACOTANDO O ENSINO SUPERIOR: ESCOPO E OBJETIVO DA MTRICA REGULATRIA ..................................................................... 91

    Captulo 11

    EDUCADORES, DIGNIDADE PROFISSIONAL E POLTICA ............................................................ 105

    Captulo 12

    REGULAO E DISSONNCIA COGNITIVA.................................................................................. 109

    Captulo 13

    REGULAO E ISOMORFISMO ................................................................................................... 111

    Captulo 14

    FINAL. CONTRADIES, RAZO E POLTICA PBLICA ............................................................... 113

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................................. 117

  • L ISTA DE S IGLAS

    AAUP Abmes Abruc Abruem Anaceu Anamec Anatel Andes Andifes ANE Aneel ANP Anpae ANPEd Anup Apec BC BNDES Capes CFE CGT CB CI CMB CR CNA CNC CNE CNI CNPq

    American Association of University Professors Associao Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior Associao Brasileira das Universidades Comunitrias Associao Brasileira de Reitores das Universidades Estaduais e Municipais Associao Nacional dos Centros Universitrios Associao Nacional de Mantenedoras de Escolas Catlicas Agncia Nacional de Telecomunicaes Associao Nacional dos Docentes das Instituies de Ensino Superior Associao Nacional dos Dirigentes das Insituies Federais de Ensino Superior Agncia Nacional de Educao Agncia Nacional de Energia Eltrica Agncia Nacional do Petrleo Associao Nacional de Poltica e Administrao da Educao Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao Associao Nacional das Universidades Particulares Associao Promotora de Estudos de Economia Banco Central Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social Fundao Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior Conselho Federal de Educao Confederao Geral dos Trabalhadores Condies Boas Condies Insuficientes Condies Muito Boas Condies Regulares Confederao Nacional da Agricultura Confederao Nacional do Comrcio Conselho Nacional de Educao Confederao Nacional da Indstria Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

  • CNT Consed CRE Crub CTC CUT DAC Dataprev Embrapa ENC ENCE Fasubra FHC Fiesp Fiocruz Fundap IBGE IES Ipea Iseb IQCD IQD IQDpsic ITCD luperj LDB Mare MEC Naipe OECD PIB PNB SBPC SDS SESu/MEC Siorg Ucam UFF UFMG UFRJ UNE

    Confederao Nacional do Transporte Conselho Nacional de Secretrios de Educao Conselho de Reforma do Estado Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras Conselho Tcnico-Cientfico da Capes Central nica dos Trabalhados Departamento de Aviao Civil Empresa de Processamento de Dados da Previdncia Social Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecurias Exame Nacional de Cursos Escola Nacional de Cincias Contbeis Federao de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras Fernando Henrique Cardoso Federao das Indstrias do Estado de So Paulo Fundao Oswaldo Cruz Fundo de Desenvolvimento Administrativo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica Instituies de ensino superior Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada Instituto Superior de Estudos Brasileiros ndice de qualificao do corpo docente ndice de qualificao docente ndice de qualificao docente das disciplinas de Psicologia ndice de titulao do corpo docente Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado Ministrio da Educao Ncleo de Anlise Interdisciplinar da Poltica Educacional e Regulatria Organisation for Economic Co-Operation and Development Produto Interno Bruto Produto Nacional Bruto Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia Social Democracia Sindical Secretaria de Educao Superior do Ministrio da Educao Sistema de Informaes Organizacionais do Governo Federal Universidade Candido Mendes Universidade Federal Fluminense Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal do Rio de Janeiro Unio Nacional dos Estudantes

  • L I S T A DE TABELAS

    1 - Distribuio dos estudantes segundo o tipo de instituio - Brasil e outros pases - 1998.................................................................................................... 18

    2 - Nmero de rgos reguladores, por ministrios, conforme classificao do governo.......................................................................................... 22

    3 - Nmero de rgos reguladores, por ministrios, conforme classificao do governo, por dcada..................................................................... 22

    4 - Nmero de pareceres e processos do CNE segundo a origem - 1996 a 2000......................... 34 5- Principais assuntos tratados nos pareceres do CNE - 1996 a 2000.......................................... 35 6 - Alunos matriculados e docentes no ensino superior - Brasil - 1999.......................................... 39 7 - Taxa de escolarizao lquida no ensino superior (18 a 21 anos)

    nos pases da OECD - 1996 .................................................................................................... 41 8 - Taxas de escolarizao bruta, por nvel de instruo

    - Brasil e outros pases- 1996................................................................................................. 42 9 - Taxas de escolarizao do primrio e secundrio,

    por nivel de instruo e grupo de idade - Brasil e outros pases- 1996 ................................... 42 10 - Instruo da populao de 25 anos ou mais - Brasil e outros pases ....................................... 43 11 - Instruo da populao de 25 anos ou mais, por mil pessoas

    - Brasil e outros pases - 1990-1991 ........................................................................................ 44 12 - Despesa pblica com a educao, com relao ao PNB

    - Brasil e outros pases - 1996................................................................................................. 47 13 - Despesa pblica com a educao por nvel de instruo

    - Brasil e outros pases- 1996..................................................................................................47 14 - Evoluo das matrculas, por nvel de ensino - Brasil - 1970-2010.............................................48 15 - Taxas de escolarizao bruta, por grupo de idade do 1 grau

    - Grandes regies e Estados selecionados - 1991-1996..........................................................49 16 - Taxas de escolarizao bruta, por grupo de idade do 2o grau

    - Grandes regies e Estados selecionados - 1991-1996..........................................................49 17 - Taxas de escolarizao bruta, por grupo de idade do ensino superior

    - Grandes regies e Estados selecionados - 1991-1996..........................................................50 18 - Concluintes do ensino mdio e vagas oferecidas no vestibular

    - Brasil e grandes regies - 1996-1999 ....................................................................................50

  • 19 - Matrculas no ensino mdio - Grandes regies e unidades da Federao- 1971-2000............................................ ..........................................51

    20 - Taxa de evoluo das matrculas no ensino mdio - Grandes regies e unidades da Federao - 1971-2000 ....................................52

    21 - Evoluo do total de IES, por dependncia administrativa - Brasil - 1980-1999 .......................53 22- Perspectivas do graduando ENC/99- Brasil .............................................................................54 23 - A percepo dos graduandos quanto ao ensino - Brasil - 2000...............................................54 24 - Associaes de representao de universidades,

    segundo total de instituies representadas e total de alunos .................................................58 25 - Alunos matriculados no ensino superior, por dependncia administrativa

    - Brasil e grandes regies - 1999 .............................................................................................58 26 - Nmero de vagas no vestibular no ensino superior, por dependncia administrativa

    - Brasil e grandes regies - 1999 .............................................................................................58 27 - Alunos ingressantes no ensino superior, por dependncia administrativa

    - Brasil e grandes regies - 1999 .............................................................................................59 28 - Concluintes do ensino superior, por dependncia administrativa - 1998...................................59 29 - Docentes do ensino superior, por dependncia administrativa - 1999 ...................................... 59 30 - Indicadores de qualificao docente, discente e de cursos

    dos setores pblico e particular - Brasil - 1999........................................................................60 31 - Evoluo do nmero de docentes mestres - Brasil ................................................................... 60 32 - Nmero e porcentual de cursos com conceito no ENC/2000 - Brasil........................................ 60 33 - Nmero de componentes das comisses, por natureza da instituio

    de origem, segundo a comisso a que pertence ...................................................................... 62 34 - Docentes, por dependncia administrativa da instituio de origem,

    segundo a titulao - Brasil - 1999........................................................................................... 63 35 - Nmero de componentes das comisses, por regio da instituio de origem,

    segundo a comisso a que pertence........................................................................................ 63 36 - Nmero de docentes, por regio da instituio de origem - Brasil - 1999 ................................ 64 37 - Nmero de componentes das Comisses de Especialistas e de Avaliao e nmero

    de docentes do Brasil, segundo regio e dependncia da instituio de origem ...................... 64 38 - Ganhadores do Prmio Nobel com nacionalidade americana, por dcadas do sculo 20........ 76 39 - Ganhadores do Prmio Nobel de instituies americanas, por dcadas do sculo 20 ............. 76 40 - Itens da Avaliao das Condies de Ofertas dos Cursos - 1998-2000.................................... 92 41 - Parmetros para se obter conceito "A" no item biblioteca........................................................... 92 42 - Critrios necessrios ao conceito "A" das condies de oferta

    - Titulao stricto sensu .......................................................................................................... 100

  • LISTA DE GRFICOS

    1 - Nmero de pessoas (em milhes) que o Brasil precisa formar no 2o e 3o graus para obter estoque da populao com escolarizao equivalente a dos pases citados ............45

    2 - Nmero de vezes em que a proporo da populao com escolaridade superior dos pases citados maior que a proporo da populao brasileira com essa escolaridade......................46

    3 - Evoluo das matrculas - Brasil ................................................................................................48 4 - Evoluo do ensino mdio - Brasil e Regies - 1970-2000.........................................................51 5 - Evoluo do nmero de universidades - Brasil ..........................................................................53 6 - Porcentual de ganhadores do Prmio Nobel com nacionalidade americana,

    por dcadas do sculo 20 ..........................................................................................................77 7 - Porcentual de ganhadores do Prmio Nobel de instituies americanas,

    por dcadas do sculo 20..........................................................................................................77

  • L I S T A DE QUADROS

    1 - Entidades consultadas para a elaborao da lista trplice de integrantes da Cmara de Educao Superior ............................................................................................ 33

    2 - Critrios necessrios ao conceito "A" das condies de oferta - Biblioteca-2000 ..................... 93 3 - Itens avaliados no curso de Direito em 1998 e 2001 ................................................................ 101 4 - Itens de avaliao do corpo docente para o curso de Direito - 1998 e 2001 ............................ 103

  • OS A U T O R E S

    Andr Nogueira

    Doutorando em Cincia Poltica, mestre em Cincia Poltica pelo luperj, graduado em Cincias Sociais pela UFRJ. Assessor da Pr-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento da Univer-sidade Candido Mendes. pesquisador do Naipe/Ucam/Databrasil - Ensino e Pesquisa.

    Realizou diversas pesquisas eleitorais, institucionais e de mercado, tendo prestado consultoria a empresas e instituies pblicas e privadas

    Autor de: Ambiente e desenvolvimento em perspectiva, Comisso de Valores Mobilirios - imagem e avaliao institucional: Poder e retrica: linguagem e mdia na poltica. Co-autor de: Futu-ros possveis, passados indesejveis: selo de qualidade da OAB, Provo e ensino superior no Brasil: Economia poltica do poder e modernizao na democracia brasileira; O Paraba do Sul e o Ceivap: poltica das guas e gesto sustentvel; A lei das guas e o Ceivap: aspectos institucionais na perspec-tiva das prefeituras; e Instituies, poder e poltica na sade: um marco de referncia.

    E-mail: [email protected]

    David Morais

    Doutorando em Geografia Humana pela UFRJ, mestre em Sociologia pelo luperj, gradu-ado em Cincias Sociais pela UFMG Assessor da Pr-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Foi pesquisador da Universidade das Naes Unidas junto Universidade de Chicago e Universida-de de Los Andes.

    pesquisador do Naipe/Ucam/Databrasil - Ensino e Pesquisa. Realiza pesquisas eleito-rais e de mercado, concentrando-se em pesquisas e consultorias na rea de Sociologia Criminal Participa de diversas palestras e conferncias sobre segurana pblica.

    Autor de: O morar s: A sociedade fragmentada, Violncia e segurana no Rio de Janeiro: breves consideraes sbre o medo e A noo de rea de risco de violncia na cidade do Rio de Janeiro.

    E-mail: [email protected]

    Edson Nunes

    Doutor em Cincia Poltica pela University of California, Berkeley, mestre em Cincia Po-ltica pelo luperj, graduado em Direito e Cincias Sociais pela UFF Foi pesquisador e vice-presidente executivo do Ipea, secretrio-geral adjunto do Ministrio do Planejamento, presidente do IBGE, repre-sentante do Ministrio do Planejamento no Rio de Janeiro e membro do Conselho de Administrao do BNDES e do Dataprev.

    mailto:[email protected]:[email protected]

  • Professor do mestrado em Economia Empresarial da Universidade Candido Mendes, exerce atualmente a funo de pr-reitor de Planejamento e Desenvolvimento; tambm coordena o Naipe/Ucam e diretor-geral do Databrasil - Ensino e Pesquisa.

    Autor de: A gramtica poltica do Brasil; A revolta das barcas: populismo, violncia e con-flito poltico; Reforma administrativa, reforma regulatria; a nova face da relao Estado-economia no Brasil. Organizador dos livros: A aventura sociolgica: objetividade, paixo, improviso e mtodo na pesquisa social; e State and society in Brazil: continuity and change Co-autor de: Futuros possveis, passados indesejveis: selo de qualidade da OAB, Provo e ensino superior no Brasil; Poltica social e reforma fiscal: as reas de sade e educao no Brasil: Evoluo; Institucionalizao do ensino supe-rior privado no Brasil: 1968-1990: e Dilemmas of state-led modernization in Brazil.

    E-mail: [email protected]

    Leandro Molhano Ribeiro

    Doutorando em Cincia Poltica, mestre em Cincia Poltica pelo luperj, graduado em Cincias Sociais pela UFMG.

    pesquisador do Naipe/Ucam/Databrasil - Ensino e Pesquisa. Participou de pesquisas sobre avaliao educacional no Laboratrio de Medidas Educacionais do Departamento de Estatsti-ca da UFMG.

    Autor de: Partidos polticos e gastos sociais em Minas Gerais - 1994/1996 Co-autor de: Futuros possveis, passados indesejveis: selo de qualidade da OAB, Provo e ensino superior no Brasil e Clculo do valor agregado dos cursos de Direito, Administrao e Engenharia Civil das Institui-es de Ensino Superior de Minas Gerais.

    E-mail: [email protected]

    Mrcia Marques de Carvalho

    Graduada em Estatstica pela Ence, mestre em Pesquisa Operacional pela UFRJ, asses-sora da Pr-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento, professora do mestrado em Economia Empresarial da Ucam.

    responsvel pela Estatstica Educacional e pela pesquisa com os concluintes dos cur-sos superiores da Ucam, e pesquisadora do Naipe/Ucam/Databrasil - Ensino e Pesquisa.

    Autora de Modelos de transio: educao e renda. E-mail: [email protected]

    Wagner Ricardo dos Santos

    Graduado em Histria pela UFMG, assessor especial da Pr-Reitoria de Graduao da Ucam. pesquisador do Naipe/Ucam/Databrasil - Ensino e Pesquisa.

    Co-autor de O Paraba do Sul e o Ceivap: poltica das guas e gesto sustentvel. E-mail: [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]

  • A P R E S E N T A O

    Este ensaio reflete as atividades e a pauta de estudos e pesquisas do Ncleo de Anlise Interdisciplinar da Poltica Educacional e Regulatria (Naipe) do Databrasil - Ensino e Pesquisa, rgo associado Universidade Candido Mendes, sob a coordenao da Pr-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento. Paralelamente a este, trazido a pblico pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesqui-sas Educacionais (Inep), publicou-se, pela editora Garamond, o livro Futuros possveis, passados indesejveis: selo da OAB, Provo - avaliao do ensino superior e profissionalizao precoce.

    O Naipe concentra sua ateno nos processos de regulao e avaliao do sistema universitrio brasileiro, segundo perspectiva comparada. Tem como propsito a compilao de infor-maes, a preparao de bases de dados, a realizao de pesquisas originais, a sistematizao da bibliografia mundial sobre estudos relacionados ao ensino superior, contemplando tanto trabalhos divulgados sob a forma de publicaes e relatrios, quanto seminrios e cursos avanados, versan-do sobre sistemas de ensino superior, sua governana e as polticas pblicas correlatas.

    Vrios colegas e especialistas ofereceram seus comentrios e crticas a verses iniciais deste texto. Alguns, como Joo Batista de Arajo e Oliveira e Nelson de Castro Senra, especial e gentilmente produziram recomendaes detalhadas e valiosas. Outros profissionais competentes e leitores atentos, como Andr Mendes de Almeida, Claudio Moura Castro, Cludio Neiva, Leonardo Burlamaqui, Melissa Melo e Souza, Paulo Elpdio de Menezes Neto, Rosana Heringer contriburam ao longo do tempo para o aperfeioamento do texto em processo.

    Registre-se, tambm, o valioso apoio de Roberto Bunheiro e Riva Karen, mencionan-do-se, ainda, a decidida segurana trazida pelo inesgotvel conhecimento de Helena Maria A. M. Barroso sobre a legislao, sua histria e vicissitudes Se nem todas as recomendaes foram inte-gralmente acatadas, por teimosia ou inadvertencia dos autores, todas foram integralmente valoriza-das e reconhecidas, registrando-se aqui nosso mais sincero agradecimento.

    Os Autores

  • INTRODUO

    Este ensaio destina-se a delinear um 'campo analtico' para o estudo do ensino de ter-ceiro grau no Brasil, tendo por objetivo subsidiar uma agenda acadmica de estudos e pesquisas sobre o tema. Estou convencido da imperiosa necessidade de colocar a discusso sobre o terceiro grau - includa a, por suposto, a ps-graduao - em perspectiva ampla, tanto terica quanto estra-tgica, a fim de que nos seja permitido - enquanto partcipes deste campo intelectual e profissional -a abordagem do tema sem as tradicionais restries geradas pelo enviesado debate entre o pblico' e o "privado".

    Necessrio, para tanto, reconstituir a viso sobre o campo de trabalho. A constituio terica de um objeto de estudo exige a especificao de suas fronteiras e

    o detalhamento das conexes de sua existncia, encadeamentos para trs e para a frente. Pressu-pe, para alm do entendimento de sua articulao com reas vizinhas e campos intelectuais asse-melhados, compreender a 'arqueologia' - por se tratar de campo novo - de sua pretenso e sua justificativa existncia autnoma, ao lado de tantas outras temticas relevantes.

    O ensino do terceiro grau no Brasil preenche requisitos para sua constituio como campo analtico de estudo autnomo. Em primeiro lugar, em virtude da prpria complexidade que caracteriza sua existncia histrica. Em segundo lugar, em decorrncia da percepo dos atores sociais relevantes que dele participam, e que acabaram por transform-lo em palco de confrontos ideolgicos. Em terceiro lugar, porque existe, nas cincias sociais, substancial produo acadmica sobre profisses, cientistas, colgios invisveis, o que j constitui uma especializao profissional Quarto, porque so poucos os pases do mundo nos quais a presena do setor privado seja to forte quanto no Brasil (Tabela 1).2 Quinto, et pour cause, pela relevncia estratgica que o tema assume em tal contexto 3 Sexto, porque, desde a perspectiva da economia poltica, este um setor econmico ativo, com agendas, interesses e conflitos, internos e externos ao setor, com necessidade de se relacionar com outros atores pblicos e privados, obedecer, influenciar ou capturar aparatos regulatrios, interagir com o Judicirio, na falha ou na oposio ao aparato colegiado pertinente, exercer representao e presso via Legislativo, engajar-se em poltica burocrtica com o setor pbli-co, fazer poltica interna e externa ao setor, atuar nas eleies para os legislativos e executivos.

    Apesar de sua singularidade mundial, o setor, dado o seu enorme componente econ-mico privado, em nada difere, no contexto da economia poltica do poder - e, portanto, no mbito de sua constituio como um campo analtico - , de qualquer outro setor da economia.

    1 A idia de campo e sua aplicao em diversas reas como campo cientifico, campo burocrtico, campo politico, entre outros foi desenvolvida por Pierre Bourdieu em diversos trabalhos Ver particularmente os captulos "A gnese dos conceitos de habitus e de campo' no livro Poder simblico (1989) 'O campo cientfico', no livro Pierre Bourdieu. organizado por Renato Ortiz (1994). e 'Esprito de Estado gnese e estrutura do campo burocrtico" em Razes prticas sobre a teoria da ao (1996) Tertiary Education is controlled and managea by public authorities in most countries The exceptions to this pattern are found in Brazil, Indonesia, Japan, Korea, the Netherlands, the Philippines Poland and United Kingdom" (OECD. 1998, p. 180)

    3 Naturalmente ao tentar desenhar os contemos deste campo analtico, terei a inevitvel oportunidade de sugerir temas para pesquisas subsequentes visto que muitas indagaes permanecero em aberto Tentativa anterior de configurao de campo analtico semelhante pode ser lida em Edson Nunes (1977)

  • Tabela 1 - Distribuio dos estudantes segundo o tipo de instituio -Brasil e outros pases - 1998*

    Tipo da instituio do 3o nivel de inst ruo** Tipo B Tipo A

    Pases Pblica

    Privada dependente do governo

    Privada independente Pblica

    Privada dependente do governo

    Privada independente

    Alemanha 62,7 37,3 - 100,0 - - Argentina 62,7 23,6 - - - Austrlia 97,7 2.3 - 100,0 - - ustria 65,3 34,7 97,4 2,6 -

    Brasil*** - - 40,1 - 59,9 Canad 96,8 3,2 100,0 -

    Chile 8,5 6,6 84,9 23,9 43,2 Coria 13,9 -

    32,8 24,3 - 75.7

    Espanha 82,5 6,3 86,1 11.2 89,5 - 10.5

    Estados Unidos 92,6 - 7.4 68,9 - 31,1 Filipinas - - - 24.8 - 75.2 Frana 74,1 9,2 16,6 91,0 0,8 8,2

    Holanda 9,8 90,2 - 32,5 67,5 4,1 Indonsia 58,7 - 41.3 29.7 70,3 -

    Itlia 44,8 55.2 87,9 - 12.1 Japo 9,2 - 90,8 26,1 - 73,9

    Malsia 61,7 - 38,3 92,9 - 7.1 Mxico - - - 73,5 - 26.5

    Noruega 72.0 28,0 - 90.7 9.3 - Polnia 93,0 - 80,3 19.7 Portugal 73,2 26.8 - 63,3 36,7 -

    Reino Unido - 100,0 - 100,0 Sucia - - - 94,3 5,7 - Sua 46,5 30,3 23,2 93,9 5,2 0,9

    Tailndia 55,4 44,6 - 85.8 14,2 - Turquia 99,0 1.0 - 98,3 1.7 -

    Uruguai 87,6 12,4 92,9 - 9,3

    Fonte: OECD. Education at a glance: OECD indicators. Pans. 2000. * Clark (1993). Para os demais casos desviantes ver Weidman e Park (2000) e Swinerton (1991 ). O desenvolvimento da vida acadmica na

    Coria. Malsia. Singapura e Japo, em comparao com a Inglaterra pode ser lido em Kim (2001 ). ** Instituies Tipo A: so aquelas cujos programas tm forte fundamentao terica, sendo desenhados para prover qualificao suficiente

    para o ingresso em programas de pesquisa e em profisses que requerem alto grau de habilidade - ex.: Medicina, Odontologia, Arquitetura. Possuem durao correspondente a pelo menos trs anos de estudo em tempo integral, sendo comum estenderem-se por quatro anos ou mais. Instituies Tipo B: possuem programas mais curtos, concentrados no desenvolvimento de habilidades prticas, tcnicas e ocupacionais tendo em vista o imediato ingresso no mercado de trabalho. A durao minima de dois anos, correspondendo ao que no Brasil hoje se chama de cursos seqenciais ou tecnolgicos. *** De acordo com dados do Inep para o ano de 1999. o porcentual de

    estudantes em IES privadas, no Brasil, era de 64.9%. Considerando-se apenas as matriculas em universidades, observa-se que 55.2% do total de estudantes increveram-se na rede de ensino pnvada (Instituto..., 2000b).

    Do ponto de vista analtico, desenhar o setor requer observar suas questes internas, a "cozinha de sua vida domstica", sua capacidade de agregao e articulao, sua competio inter-na, relacionando-as a seu task environment, seu ambiente operativo, que traz sua vida novas interfaces, novos atores, novos desafios. Seu ambiente operativo inclui os estudantes, os docentes e seus sindi-catos, as ordens profissionais e sua zanga com as escolas superiores privadas, a opinio pblica e as famlias, o aparato regulatrio do Estado. Tentaremos mostrar, nesta primeira abordagem ao tema, a relevncia de cada um destes atores para o dimensionamento analtico do campo.

    Dada a prvia natureza intervencionista do Estado brasileiro, em virtude do programa dos dois governos eleitos FHC, opostos ao Estado varguista, e tendo em vista o programa de refor-mas enunciado pelo governo, faz-se necessrio iniciar o esboo analtico do setor por meio das

  • propostas de interveno vigentes. Parte-se do suposto de que estas constituiriam o marco regulatrio - demarcariam, portanto, a lgica das coalizes e da ao racional dos agentes - no qual o setor vai constituir-se, fazer poltica e operar.

    Para entender o contexto em que opera o setor educacional, no conjunto dos setores econmicos brasileiros, ser necessrio, de incio, 'deseducacionalizar' a anlise, colocando-a na perspectiva prpria ao entendimento de sua insero na economia poltica do poder.

  • CAPITULO 1

    REFORMA E REGULAO NO GOVERNO FHC: O CNE COMO AGENCIA REGULATRIA

    As polticas educacionais, sobre as quais se digladiam os diversos atores no Governo FHC, se inserem em um contexto de reforma, privatizao e desregulamentao. As reformas consti-tucionais e o programa nacional de desestatizao permitiram crer que haveria a necessidade de novos entes reguladores, em substituio aos anteriores, que atuavam em um cenrio onde o Estado era produtor e prestador de servios bsicos,

    Os rpidos avanos tecnolgicos e a vantagem competitiva internacional, demonstra-dos por algumas economias mais liberalizadas, com maior capacidade de investimentos, certamente contriburam para a emergncia de um novo modelo de Estado, no qual se insere um novo modelo de regulao. A validade deste modelo pode e deve ser discutida, mas, para entender como poder vir a ser este novo tipo de regulao, preciso interpretar o discurso, pesquisar, documentar, analisar e avaliar os processos pelos quais opera o regime que se quer constituir.

    No Estado brasileiro, h grande nmero de entidades que so descritas, pela nomencla-tura de planto, como reguladoras ou normatizadoras. Sistema classificatrio das entidades gover-namentais, tornado disponvel no primeiro Governo FHC, listava (Tabela 2) centenas de rgos sob esta rubrica, ou arena, como diria Lowi.1

    Obviamente, razovel supor que, desde o ponto de vista classificatrio, exista algum exagero - h quem afirme que, de fato existe, isto sim, 'subenumerao" - na atribuio de papis regulatrios a estas trs centenas de rgos. Seja como for, como a classificao do prprio gover-no, que sirva, seno como tema de pesquisa, de aviso acautelatrio para todos ns.

    Para efeito deste texto, em linha com os trabalhos recentes nesta rea que os europeus denominaram de "comitologia",2 chamaremos de agncia regulatria apenas aquelas que "regulam para fora", ou seja, regulam para o pblico e no apenas para o prprio Estado. Devem no apenas sugerir ou criar normas, mas precisam tambm fiscalizar seu cumprimento e ter competncia para impor penalidades aos infratores. Regulam e fiscalizam relaes de mercado, relaes entre consu-midor e produtor e/ou prestador de servio. Por esta razo, observamos o Conselho Nacional de Educao (CNE) como agncia regulatria. independentemente de sua natureza jurdica ws ws outras agncias O CNE um dos atores constitutivos essenciais do desenho analtico do terceiro grau, como um campo de estudo.

    Agncias atuam sobre setores vitais para a economia e para a sociedade, apresentando diferentes graus de dinamismo e avanos tecnolgicos. Caracterizam-se por atrair, complementar ou contrariar interesses privados e pblicos, produzindo regras e normas que imputam custos s unida-des reguladas. Toda regulao tem impacto sobre os custos das unidades produtivas reguladas Regular , tambm, imputar custos. No seja surpresa, portanto, a permanente e inevitvel atrao fatal que os regulados tm pelos reguladores. Se no se pode evit-los, resta convenc-los. Se no se pode convenc-los, resta domestic-los. Se no se pode domestic-los, resta captur-los.

    Para Lowi (1964) areas de polticas ou de atividades governamentais constituem arenas de poder real cada qual com sua estrutura poltica caracterstica seu processo poltico elites e relaes entre grupos Conferir, ademais no que se refere especificamente poltica regulatria o imperdvel trabalho de Lowi (1985) 'The State in politics the relation between policy and administration' Sobre a discusso, consulte Armstrong (2000). especialmente o capitulo 3 "Comitology"

  • Tabela 2 - Nmero de rgos reguladores, por ministrios, conforme classificao do governo

    Ministrios N

    Agncia Espacial Brasileira 1

    Conselho do Governo 7 Estado-Maior das Foras Armadas 17

    Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado Ministrio da Aeronutica 7

    Ministrio da Agricultura e do Abastecimento 6 Ministrio da Cincia e Tecnologia 8

    Ministrio da Cultura 9 Ministrio da Educao e do Desporto 115

    Ministrio da Fazenda 27 Ministrio da Indstria, do Comrcio e do Turismo 8

    Ministrio da Justia 14 Ministrio da Marinha

    Ministrio da Previdncia e Assistncia Social 4

    10 Ministrio da Sade 6

    Ministrio das Comunicaes 3 Ministrio das Relaes Exteriores 2

    Ministrio das Minas e Energia 9 Ministrio do Exrcito 3

    Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia Legal 9 Ministrio do Planejamento e Oramento 19

    Ministrio do Trabalho 7 Ministrio dos Transportes 17

    Ministrio Extraordinrio de Poltica Fundiria 2 Secretaria de Assuntos Estratgicos 4

    Secretaria de Comunicao Social da Presidncia da Repblica 1 Total 319

    Fonte: Elaborada pelo Naipe, com base nos dados obtidos em 1998. junto ao Siorg/Mare.

    Tabela 3 - Nmero de rgos reguladores, por ministrios, conforme classificao do governo, por dcada

    rgo Regulador 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990

    Ministrio da Educao e do Desporto 7 22 27 38 6 15 Ministrio do Planejamento e Oramento 2 3 1 13

    Ministrio da Previdncia e Assistncia Social Ministrio da Justia

    2 3 - 12 4 - 2 1 2 5

    Ministrio da Fazenda 4 - 1 6 6 5 11Estado-Maior das Foras Armadas 1 1 2 3 7 3

    Ministrio dos Transportes 1 1 4 4 4 3

    Fonte: Elaborada pelo Naipe, com base nos dados obtidos em 1998, junto ao Siorg/Mare.

    Regulados e reguladores so xifpagos gerados pela economia de mercado. O aparato regulatrio, criado para sanar imperfeies do mercado, torna-se, ele mesmo, um mercado, onde regulao 'comprada' e 'vendida'. Provedores de servios, quaisquer servios - educacionais, advocatcios, de manicure, limpeza de chamins - licenciados pelo Estado, entendero perfeitamen-te que a regulao uma mercadoria monopolista do Estado Tanto pode ser boa como no ser. Tanto pode ser democrtica quanto preservadora de monoplios. Tudo depende de quem a deman-da, e de quem tiver poder para faz-la existir.

  • No existe regulao neutra. Nem existe regulao inocente. Nem toda regulao contra o regulado. Muitos regulados abenoaro e, neste sentido, buscaro normas regulatrias que os protejam da competio, que lhes diminuam custos, que criem barreiras de entrada competio, que os mantenham no mercado Nem toda regulao a favor do pblico. Nem toda regulao a favor do regulado. O mercado regulatrio um selvagem campo de lutas de interesses Regula quem pode, no quem quer3

    Em sua prtica normativa, a agncia tem atividades assemelhadas s legislativas e, por conta mesmo de sua atividade arbitral, possui atividades quase judiciais As agncias podem assumir distintos estatutos jurdicos, desde sua participao na administrao direta, at sua existncia autrquica e independente.4

    Sejamos lcidos. A era que se inaugura no Brasil, nos anos 90, tem significado, magni-tude e conseqncias para o aparato estatal do Pas, que so semelhantes quelas que se atribuem aos anos 30, na constituio do moderno Estado nacional, quando, por sinal, foi criado o primeiro CNE Inaugura-se nova relao Estado/economia pela quebra da longeva tradio estadista A nova era, iniciada com a abrupta abertura dos portos, providenciada por Fernando Collor, desdobrou-se em desmontes vrios, seguidos de robusta privatizao e de nova poltica regulatria.

    O regime regulatrio, que se inaugura com as privatizaes, constitui verdadeira refor-ma do Estado Esse regime caracteriza-se pela redefinio do papel do Estado na economia. Por intermdio de delegao legislativa, cria-se um novo poder entre os poderes, exercido por novas agncias regulatrias, que apontam para a existncia de um 'Estado dentro do Estado'

    s agncias competem funes do Executivo, tais como a concesso e fiscalizao de atividades e direitos econmicos. A elas so atribudas funes do Legislativo, como criao de nor-mas, regras, procedimentos, com fora legal sob a rea de sua jurisdio. Ao julgar, impor penalida-des. interpretar contratos e obrigaes, desempenham tambm, as agncias, funes judicirias.

    A relao deste (mini, sub, supra) Estado com o outro Estado que lhe d origem, ainda demandar enorme trabalho de ajuste. Reparem, ao delegar-lhes funes assim complexas, o legislativo deu-lhes um mandato com contornos imprecisos No poderia ser diferente, tendo em vista a com-plexidade das atividades que regulam. Caber s prprias agncias fundar mais completamente os poderes decorrentes do mandato genrico, buscar formas prticas de reinforcement de seus coman-dos, gerar e manter a legitimidade de sua atuao, determinar e garantir suas fronteiras jurisdicionais.

    Essa inevitvel impreciso do mandato gera procedente inquietude cvica. O usurio dos servios e produtos regulados , antes de ser usurio, eleitor daqueles que conferiram mandatos s agncias Estes, legisladores, no reservaram para si superviso legislativa das atividades mandatrias. No se reservou, portanto, ao mandante ltimo, o eleitor, poder sobre aqueles que regularo reas cruciais de sua vida. Obviamente, a qualquer tempo, a seu critrio, o legislativo pode sempre inquirir as agncias. Verdade. Porm, esta hiptese s presumvel em caso de crise que justifique a convocao.

    Transformado apenas em consumidor, o cidado eleitor carece de meios para inquirir e interpelar o {mini, sub, supra) Estado que governar a gua que bebe, a eletricidade que consome, o telefone que usa, o rdio que ouve e a televiso que v, o ensino que obtm, o transporte que utiliza, o remdio que d a seu filho. Todas estas coisas j so, ou esto por serem, reguladas e comanda-das por agncias, pelo novo {mini, sub, supra) Estado, do qual o CNE um dos instrumentos.

    Apesar do tom um tanto radical do texto, ele reflexo de vasto debate sobre regulao e liberdade Sua verso mais concisa bem escrita respeitada e controversa est em Sligler (1975) Sta mltipla personalidade no e especifica do Brasil "Regulatory agencies come in many sizes and forms Some are headed by commissions - a group of coequal heads who make decisions by voting on formal proposals much like a legislature - while others have a single administrative head. Some are independent agencies technically outside the President's administrative control, while other are lodged in executive branch departments. Some are what amounts to the first court in the judicial system with the power to fine regulated firms or even to ban them from markets while others must achieve their ends by fighting regulated firms in the federal courts Some have very narrow responsibilities Others.

    like the Occupational Health and Safety Administration regulate every business in the nation " (cl. Noll. 1984 p 10)

  • No momento em que o governo, por intermdio de seus representantes em fruns, de-clara desistir da criao da Agncia Nacional de Educao (ANE), que no parea incorreto insistir -como aqui est sendo feito - em analisar o CNE como uma agncia regulatria Busca-se verificar a harmonia ou a contradio de seus atos com a orientao poltica mais genrica - vitoriosa em duas eleies - , qual formaria os contornos do regime regulatrio brasileiro, conforme o programa presi-dencial aprovado duas vezes pelo voto.

    Estranho seria o contrrio, luz dos argumentos apresentados e da evidncia internaci-onal, ignorar que o CNE de fato uma agncia regulatria, com quadros nomeados pelo presidente, apesar da ausncia do escrutnio senatorial. A inexistncia de superviso legislativa sobre seus atos no difere o CNE das irms mais conhecidas e constitudas como autarquias especiais - Agncia Nacional do Petrleo (ANP); Agncia Nacional de Energia Eltrica (Aneel); Agncia Nacional de Tele-comunicaes (Anatel); e o Banco Central (BC) L, tambm, o Legislativo - e, neste sentido, o Estado brasileiro - no se reservou algum carter revisor, ou linha de accountability Delegou a um conjunto de homens o poder para lidar com assuntos vitais sociedade brasileira Da energia educao No reservou papel para o Congresso, no reservou papel para o cidado, no criou uma decidida sunshine policy, ou seja, uma poltica com aes transparentes Nossas agncias parecem mais com as burocracias insuladas do passado do que com as agncias que serviram de exemplos em outros pases. Ningum controla os reguladores, ningum os supervisiona, ningum lhes escreve e conceitua um mandato.

    Por mais tcnicos e independentes que sejam os comits assessores, os conselhos, as agncias, num pas federativo-presidencialista, o marco regulatrio deve refletir a pauta poltica do grupo vencedor nas urnas Ou, pelo menos, assim se espera para que o desenho institucional faa sentido. No Brasil, entretanto, inexiste, uma diretriz regulatria. Pode-se pesc-la, como fiz, nos pro-gramas e propostas do governo eleito. Mas, pasmem, todas as agncias, comits e conselhos, co-meam do zero. So seus prprios chefes. Um miniestado.

  • CAPITULO 2

    ENCRUZILHADAS: REGIMES REGULATRIOS E REGULAO FRAGMENTADA NA EDUCAO

    Regimes regulatrios so arranjos poltico-institucionais, uma configurao historicamente especfica de polticas e instituies que estruturam o relacionamento entre interesses sociais, Esta-do, e atores econmicos, tais como empresas, sindicatos e associaes rurais, em mltiplos setores da economia (Eisner, 1993, p. 2). So, portanto, padres de interveno poltico-institucional, que estruturam as relaes entre Estado e mercado.

    Entendidos sob uma perspectiva nacional, regimes regulatrios constituem uma espec-fica constelao de idias e instituies que definem a relao entre o Estado, as empresas ou as organizaes reguladas As idias ou a orientao impressa ao regime do direo e forma, so a essncia do regime, mesmo que no plenamente realizadas nas instituies e nas polticas postas em prtica Essa dimenso refere-se aderncia ou subordinao, dos atores de Estado a doutrinas. ou sua crena em mtodos de interveno governamental na economia.

    Uma segunda dimenso refere-se s instituies ou organizao e articulao do regime na sua relao com os agentes privados. As instituies se constituem pelas idias somadas a contextos - incentivos e restries - institucionais preexistentes e acabam modificando, na prtica, as idias que as inspiraram (Vogel, 1996, p. 20).

    A mudana formal do regime regulatrio brasileiro ocorreu em paralelo ao processo global de reforma administrativa, tanto nas idias que preconizava, quanto nas instituies que pre-tendia constituir Houve estrita correlao, embora nem sempre aparente, entre uma e outra.

    Pelo lado institucional o processo de reforma administrativa no primeiro Governo FHC esteve subordinado a trs rgos, que tinham como atribuies especficas debater e propor polti-cas e diretrizes para a Reforma do Estado: a Cmara da Reforma do Estado da Presidncia da Rep-blica, o Conselho de Reforma do Estado (CRE)' e o Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado (Mare).

    A Cmara de Reforma do Estado da Presidncia da Repblica foi responsvel pela dimen-so poltico-estratgica da reforma. Deveria aprovar, acompanhar e avaliar os projetos de Reforma, como um dos rgos colegiados do Conselho de Governo.2 O CRE desempenhou funo consultiva. analtica e de articulao, perante a sociedade civil, dos programas propostos,3 no estando seus con-selheiros vinculados administrao pblica. Diferente dos outros dois rgos, o Conselho no fazia parte do governo, constitudo idealmente como rgo do Estado4. O Ministrio da Administrao Fede-ral e Reforma do Estado (Mare) teve como um dos assuntos de sua competncia - segundo a Medida Provisria n 1.450, de 10 de maio de 1996, que disps sobre a organizao da Presidncia da Repbli-ca e dos Ministrios - a recomendao de "polticas e diretrizes para a reforma do Estado".5

    1 Cmara da Relorma do Estado da Presidncia da Repblica criada em 20 de junho de 1995 pelo Decreto n 1 526 Conselho de Reforma do Estado (CRE) criado em 8 de dezembro de 1996 pelo Decreto n 1 738 2 A competncia do Conselho de Governo e

    assessorar o Presidente da Repblica na formulao de diretrizes governamentais 3 Idem 4 Para referncia ao caso japons, do qual. declaradamente, se tomou emprestada a idia ver Watanabe (1984) 5 Artigo 14, inciso I. alinea "a"

  • A produo, as anlises e as propostas desses trs rgos constituem material indispen-svel ao estudo das idias que permearam as propostas de mudana do regime regulatrio, no mbito da Reforma Administrativa e da Reforma do Estado no Governo FHC. No obstante, a ideologia - ou doutrina - da reforma deve ser buscada em fonte nica: na pltora de textos de Luiz Carlos Bresser Pereira (1989, 1992, 1995, 1996a, 1996b, 1996c, 1997), ministro da pasta do incio do governo at sua desincompatibilizao do cargo Em verdade. Bresser Pereira tem sido o mais prolfico estrategista-doutrinrio - idelogo, prefeririam alguns - do movimento de reforma, insistindo didaticamente na divul-gao de sua concepo de administrao gerencial. A ele se deve a estruturao de um argumento doutrinrio organizado para o movimento de reforma administrativa do governo.

    A Reforma do Estado do Governo FHC pode ser condensada em quatro aspectos principais:

    delimitao do tamanho do Estado; redefinio do papel regulador do Estado; recuperao da governana; e aumento da governabilidade. Quanto delimitao do tamanho do Estado, a inteno era reduzir seu porte, sobretu-

    do no que condizia ao quadro de pessoal, por meio de processos de privatizao, "publicizao" -transferir para o setor pblico no-estatal servios sociais e cientficos que so potencialmente com-petitivos - e terceirizao.

    No tocante redefinio do papel regulador do Estado, o objetivo era reduzir o grau de interferncia estatal, aumentando o controle via mercado. O Estado seria responsvel pela promoo da capacidade do Pas em competir no mercado globalizado

    O aumento da governana referiu-se capacidade do Estado de tornar efetivas as deci-ses do governo. Envolvia, alm do ajuste fiscal, mudana no padro de administrao pblica. A administrao, ento burocrtica, deveria tornar-se gerencial, ou seja, haveria controle dos resultados e no dos processos de execuo de polticas pblicas Para isso, seria necessrio separar o ncleo estratgico do Estado, responsvel pela formulao das polticas e que deve manter o padro burocr-tico, dos servios monopolistas (cf. Brasil, Presidncia da Repblica, 1995, p. 22), isto , servios que s o Estado poderia realizar, mas que podiam e deviam adotar o modelo gerencial de administrao.

    O aumento da governabilidade envolveria dois processos: o aperfeioamento da demo-cracia representativa e maior abertura do poder pblico ao controle social. Pretendia-se, ao mesmo tempo, garantir melhor intermediao de interesses, e aumentar o poder e a legitimidade do governo

    Interessa aqui, para melhor entender as polticas inerentes ao terceiro grau, a redefinio do papel regulador do Estado. A despeito do longo esforo de reforma, no existiu, at 31 de maio de 1996, nenhuma definio clara de como deveriam ser pensados e estruturados os rgos respons-veis pelos servios monopolistas, pela fiscalizao e pela regulao dos servios pblicos. Naquele dia, o Conselho de Reforma do Estado recomendou uma srie de princpios a serem seguidos na construo do Marco Legal dos Entes Reguladores.6 Com a recomendao, buscava-se "a formula-o de uma poltica regulatria que (desse) consistncia e coerncia s propostas de governo' Neste documento, o Conselho de Reforma do Estado diagnosticou o aparato regulatrio brasileiro como "enorme, obsoleto, burocratizante e, em essncia, intervencionista, sendo necessrio primeiro desregular para, a seguir, regular por novos critrios e formatos mais democrticos, menos intervencionistas e burocratizados'.7

    Para tanto, foram sugeridos cinco princpios bsicos, que seriam os norteadores da constituio dos entes reguladores:

    6 Na ocasio, compunham o Conselho de Reforma do Estado Malson Ferreira da Nbrega (presidente). Antnio Ermirio de Moraes. Antnio dos Santos Maciel Neto. Bolivar Lamounier Celina Vargas do Amaral Peixoto Gerald Dinu Reiss. Hlio Mattar Joo Geraldo Piquet Carneiro Joaquim Falco. Jorge Wilheim. Luiz Carlos Mandelli Srgio Henrique Hudson de Abranches, e o Ministro do Mare. Luiz Carlos Bresser Pereira

    7 Construo do Marco Legal dos Entes Reguladores, Recomendao de 31 de maio de 1996. Conselho de Reforma do Estado

  • autonomia e independncia decisoria; ampla publicidade de normas, procedimentos e aes; celeridade processual e simplificao das relaes entre consumidores e investidores; participao de todas as partes interessadas no processo de elaborao de normas

    regulamentares, em audincias pblicas; e limitao da interveno estatal na prestao de servios pblicos, aos nveis indis-

    pensveis sua execuo.8 A fim de assegurar a autonomia financeira do ente regulador, recomendava-se que este

    fosse organizado sob a forma de autarquia. Quanto sua autonomia decisoria, alguns procedimentos deveriam ser observados: nomeao dos dirigentes aps aprovao pelo Senado Federal; processo decisrio colegiado; dedicao exclusiva dos dirigentes; uso do critrio de mrito e de competncia profissional, vedada a representao corporativa para recrutamento dos dirigentes; perda de mandato somente em virtude de deciso do Senado, por provocao do Presidente da Repblica; perda auto-mtica de mandato de membro do Colegiado, por insuficincia de comparecimento s reunies.

    Outros pontos deveriam ser observados, quando da formulao de anteprojeto de um ente regulador. O CRE aconselhava que o texto dispusesse sobre o nmero de membros do colegiado, preferivelmente no superior a cinco. O texto deveria, tambm, definir os termos para a participao de usurios, consumidores e investidores, na elaborao de normas ou soluo de controvrsias relativas prestao de servios, mediante audincia pblica. Caberia a ele, tambm, dispor sobre a competncia do rgo para acolher compromissos de cessao de prtica econmica especfica e compromisso de desempenho, como forma de solucionar conflitos entre consumidores e prestadores de servio. Seria vedada a deciso tomada com base exclusiva em informaes trazidas pelos inte-ressados, devendo o ente regulador buscar fontes independentes, tais como consultorias tcnicas do Brasil e do exterior

    Os entes reguladores deveriam: promover e assegurar a competitividade do respectivo mercado; garantir o direito de consumidores e usurios dos servios pblicos; estimular o investi-mento privado; buscar qualidade e segurana dos servios aos menores custos possveis para os usurios; garantir remunerao adequada dos investimentos realizados nas empresas prestadoras de servio; dirimir conflitos entre consumidores e empresas prestadoras de servio; e, finalmente, prevenir abusos de poder econmico por agentes prestadores de servios pblicos.

    O CRE no elaborou proposta de desenho da rede de instituies regulatrias, e de sua relao com as demais instncias e esferas de deciso de governo Assim, no se produziu recomen-dao sobre a governana do sistema regulatrio, sobre eventual comunicao e interpenetrao de suas reas constitutivas, nem sobre a formulao do aparato doutrinrio que deveria presidir o regi-me regulatrio brasileiro No obstante, muitas das recomendaes acima inscritas indicam que o CRE pretendeu desenhar um sistema onde existissem freios e contrapesos adequados defesa dos usurios individuais e contrrios captura corporativa.

    H indicaes slidas de que algumas dessas recomendaes foram ignoradas pelo modelo que vem se constituindo. O "desenho" futuro do regime regulatrio dever, ainda, na prtica, ou na luta judicial e poltica, inevitavelmente, determinar a relao das agncias com o Legislativo, com o Judicirio, com o aparato administrativo do governo, e com os usurios e cidados, de modo a clarificar as caracteristicas e a doutrina da governana regulatria".9

    O novo regime regulatrio brasileiro ainda conviver com o aparato regulador estatal, abrangente e longevo. A constituio do novo regime dever confrontar uma srie de desafios impor-tantes. A descentralizao dever constituir tpico crucial, se de fato se deseja uma relao mais prxima com o usurio e com os diversos interesses. At o momento, a maioria das audincias pblicas continua a ocorrer em Braslia, o que dificulta, decididamente, a participao de muitos

    Construo do Marco Legal dos Entes Reguladores Recomendao de 31 de maio de 1996. Conselho de Reforma do Estado O desenho do regime regulatrio sua governana e incentivos como um desafio prtico de governo, em perspectiva comparada pode ser visto em Levy e Spilier (1996)

  • interessados. A insistncia no foco brasiliense far com que, naturalmente, apenas os interesses organizados e mais poderosos tenham presena atuante junto s agncias.

    Exceto pela Agncia Nacional do Petrleo (ANP), feita refm do Rio de Janeiro por compe-tente lobby poltico, todas as demais agncias, independentemente de onde estejam os produtores e consumidores, padecem do vezo "brasilianista". Isto traz, certamente, vantagens e desvantagens. No lado das vantagens, existe uma certa tranqilidade para o trabalho substantivo. J as desvantagens so inmeras. Fica o usurio distanciado do regulador. Fica o regulador exposto quase exclusivamente presena do regulado, com poder e recursos para se apresentar em Braslia. Fica o jogo da regulao excessivamente restrito ao dilogo entre reguladores e regulador. No caso brasileiro, acresa-se s desvantagens o pantagrulico preo das passagens areas, setor ao qual a desregulamentao ainda no chegou.10 Acresa-se, ademais, o tnue peso das organizaes no-govemamentais representati-vas dos diversos interesses.

    Uma decidida sunshine policy, isto , uma poltica que privilegie a transparncia das aes deve ser, por isso, objetivo obrigatrio Nos Estados Unidos, o termo sunshine policy foi adota-do para indicar que a luz do soi, isto , a transparncia nos atos, o melhor detergente e a principal garantia da iseno das agncias. Neste sentido, no se deve desprezar a possibilidade de que algum procedimentalismo' venha a ser adotado, como forma de garantir a existncia de checks and balances no processo regulatrio

    Pode-se tirar, para este fim, enorme proveito dos meios que a Internet propicia. Todas as decises, pareceres e todos os votos dos conselheiros deveriam ser matria pblica, exemplo do que j faz o CNE, bem como deveriam estar permanentemente disponveis na Internet informaes sobre salrios, cargos, gratificaes e trabalhos em andamento." At o momento, talvez mesmo pela juventude do sistema, ainda no fcil a obteno de dados e informaes completas sobre as agncias. Os servidores ainda no abraam a poltica de full disclosure, e acabam dizendo que so sigilosas matrias que deveriam ser do conhecimento pblico.12

    Somente a total transparncia permitir a real discusso da natureza e orientao do regime regulatrio' que se est montando. No razovel imaginar-se, contudo, que o regime venha a ter orientao monoltica, visto que as direes e diretrizes acabaro sendo determinadas pelo complexo jogo de influncias, interesses privados, capacidade das agncias, presses polticas. Tal conjunto de fatores far com que. provavelmente, venha a se constituir um regime naturalmente frag-mentado, apresentando at mesmo tendncias contraditrias.

    No caso da poltica educacional e da vocao microrregulatria do CNE, evidencia-se que a proposta programtica do Governo FHC, para a lgica do arcabouo regulatrio do Estado brasileiro sob sua administrao, est sendo francamente desobedecida. Tendo em vista a sobrecar-ga regulatria, a preferncia pela microrregulao muitas vezes redundante, o que caracteriza o setor educacional, est em contradio com o que aprendemos da leitura do programa de governo acima resumido. Est, portanto, em contradio com o regime regulatrio vigente, se que se pode dizer que existe um.

    Se tal regime regulatrio no existe - ou se no se quer p-lo em funcionamento - , s nos sobra a ns, analistas e sujeitos da regulao, concluir que se opta simbolicamente por um regime harmnico modernizante, tilintante aos ouvidos de investidores internacionais, associado a um regime intervencionista e protecionista, tilintante ou. em certos casos irritante, a muitos outros ouvidos da coalizo governamental, incluindo-se aqui as mantenedoras privadas do terceiro grau,

    10 Sbre a rcgulao/desregulao do setor ver Mello (?000) 11 Pases como os EUA e Canad fazem pblicos os salrios beneficios, planos de carreira de sade, seguros de todos os dirigentes e

    servidores dos aparatos regulatrios. 12 Entre as agncias abordadas em 1998 e 1999 a nica de fato praticamente impenetrvel tem sido o DAC As outras, com pequenas variaes.

    so medianamente permeveis embora muitas vezes refuguem respostas, ignorem pedidos de informao, ou teimem em dizer que a estrutura de cargos salrios e gratificaes traietria politico-profissional dos dirigentes so assuntos confidenciais O CNF clara exceo sua produo legislativa votos dos conselheiros e exposies de motivos so pblicos O fluxo livre de informao como uma forma de soft power e fundamental para a constituio e o fortalecimento de instituies pblicas numa sociedade pluralista Argumento neste sentido deve ser lido em Keohane e Nye Jr (1998)

  • montadoras, industrias no-competitivas do conglomerado da Federao das Indstrias do Estado de So Paulo (Resp). Isto se deve. obviamente, amplido da coalizo de governo e sua necessi-dade, pelo tamanho, da negociao permanente, contexto que favorece a microrregulao episdica A resultante um no-regime regulatrio brasileiro' ou, talvez, um regime fragmentado Ou, ainda melhor, quando se falava ainda de corporativismo em termos comparativos, um regime que precisa ser desagregado em direo a produzir, futuramente, talvez um paper ou uma tese americana, que se chamar disaggregating the brazilian regulatory regime.

  • CAPTULO 3

    DO CNE AO CNE: 70 ANOS DE POLTICA REGULATRIA

    O Ministrio da Educao foi criado na dcada de 30, pelo Decreto n 19.402, de 14 de novembro de 1930, como urna Secretaria de Estado com a denominao de Ministrio dos Negocios da Educao e Sade Pblica, para exercer as atribuies do Governo Federal em tudo que fosse recorrente educao At esse momento, tal atribuio era da Secretaria da Justia e Negocios Interi-ores. Em 1931, o Decreto n 19.850 criou o Conselho Nacional de Educao, como rgo federal, com a funo de firmar as diretrizes gerais dos diversos ramos e nveis de ensino (artigo 5o, letra F).

    Com a Constituio de 1946, a presena do Estado se explicita. O artigo 5o define que "competir privativamente Unio legislar sobre as diretrizes e bases da educao nacional e sobre as condies de capacidade para o exerccio das profisses tcnico-cientficas e liberais". Este pre-ceito est tambm presente nas Constituies de 1967 (artigo 8, XVII) e de 1988 (artigo 22. XXIV).

    Ao longo do tempo, o Conselho foi ganhando novas atribuies, sempre atuando como rgo normativo subordinado ao Ministrio da Educao Em 20 de dezembro de 1961, por meio da Lei n 4.024, foi reformulado, passando a se chamar Conselho Federal de Educao, com esfera de ao meramente normativa. Em seu regulamento,' essa atuao foi ampliada, incluindo competncia para: adotar ou propor medidas que visem expanso e ao aperfeioamento do ensino; propor a poltica educacional para a formao e aperfeioamento do pessoal docente de ensino superior; e decidir sobre o funcionamento de universidades e estabelecimentos isolados de ensino superior, federais e particulares (artigo 15).

    Em outubro de 1994, o Ministro Murlio Hingel decidiu extinguir o Conselho Federal de Educao (CFE) O motivo aparente foi uma denncia de corrupo que teria sido feita ao ministro. Os conselheiros, em reunio, decidiram por unanimidade pedir que fosse aberta sindicncia para apurar tais denncias. O ministro decidiu no responder ao pedido dos Conselheiros, e extinguiu o CFE sem apurao detalhada do caso.2

    Um ano mais tarde, o Conselho retornou ao cenrio nacional, sob uma nova concepo de atuao, por intermdio da Lei n 9.131 de 24 de dezembro de 1995.3 Nesta Lei, cabe ao 'Minist-rio da Educao e do Desporto exercer as atribuies do poder pblico federal em matria de Educa-o, cabendo-lhe formular e avaliar a poltica nacional de Educao, zelar pela qualidade do ensino e velar pelo cumprimento das leis que o regem" (artigo 6o). No desempenho de suas funes, o Minis-trio da Educao e do Desporto contaria com a colaborao do Conselho Nacional de Educao e das Cmaras que o compusessem (pargrafo 1o).

    Dentre as finalidades principais do novo Conselho Nacional de Educao (CNE) esto: "colaborar na formulao da poltica nacional de educao, tendo atribuies normativas, deliberativas

    1 Portaria n 889 de 29 de dezembro de 1977 2 Entrevista realizada com o professor Ernani Baer. em 27 de agosto de 1998 3 Altera dispositivos da Lei n 4 024. de 20 de dezembro de 1961

  • e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educao e do Desporto, de forma a assegurar a participao da sociedade no aperfeioamento da educao nacional."4 Atribuies tpicas do que a literatura internacional convencionou chamar de agncia, ou 'governo por comits'.

    A Lei ainda prev que o Conselho ser composto por duas cmaras: Cmara de Educa-o Bsica e Cmara de Educao Superior. Cada rgo seria integrado por 12 conselheiros, os quais devem se reunir na forma de Conselho Pleno a cada dois meses.

    Quanto escolha de conselheiros, o pargrafo 1o. do artigo 8o, da Lei estabelece que a nomeao ser feita pelo Presidente de Repblica. Dispe-se que, pelo menos, a metade dos conse-lheiros, obrigatoriamente, ser escolhida dentre os indicados em listas elaboradas especialmente para cada cmara. Tais listas, segundo os Decretos n 1.716, de 24 de novembro de 1995, e n 3.295, de 15 de dezembro de 1999, seriam elaboradas mediante consulta a entidades da sociedade civil, relacionadas s reas de atuao dos respectivos colegiados.

    No antigo CFE, os conselheiros eram de livre nomeao do Presidente da Repblica. A consulta, que prev a nova lei, feita por meio de editais e portarias de convocao a cerca de 20 entidades. Cada cmara solicita s entidades que indiquem uma lista trplice de provveis conselhei-ros ao Ministrio da Educao e do Desporto. O ministrio, ao final do processo e aps anlise dos currculos indicados, submete ao presidente os nomes a serem nomeados para o CNE Agente im-portante do CNE tem avaliao positiva desse processo. 'Esse sistema de consulta quebra a vinculao entre o conselheiro e a entidade, porque passa a ser votado por vrias entidades ... dando maior legitimidade ao Conselho".5

    No entanto, observa-se que o caminho que se inicia com o comando da Lei n 9.131 e vai at os decretos mencionados acima que a regulamentam, bem como as Portarias n 1.455, de 29 de novembro de 1995, e n 12, de 5 de janeiro de 2000, que operacionalizam os referidos decretos, refizeram, e isto no fora de expresso, o CNE.

    Pela Lei n 9.131, a Cmara de Educao Bsica e a Cmara de Educao Superior deveriam ser constitudas por, pelo menos, 50% de integrantes indicados 'em listas elaboradas espe-cialmente para cada cmara, mediante consulta a entidades da sociedade civil, relacionadas s re-as de atuao dos respectivos colegiados'. Sendo que para a Cmara de Educao Superior a consulta envolver, necessariamente, indicaes formuladas por entidades nacionais, pblicas e par-ticulares, que congreguem os reitores de universidades, diretores de instituies isoladas, os docen-tes, os estudantes e segmentos representativos da comunidade cientfica" A Lei mandava que o CNE refletisse, no mnimo 50% de seu total, as recomendaes de organizaes da comunidade acadmi-ca e da comunidade cientfica.

    No mesmo dia em que sanciona a Lei, o Presidente FHC publica decreto infiel, com termos repetidos no Decreto de 1999, subvertendo a vontade da lei. No decreto, no mais seriam ouvidas as comunidades acadmica e cientfica, mas sim 'entidades da sociedade civil". Afirma o artigo 2o, de ambos os decretos, que 'a escolha de pelo menos a metade dos conselheiros que integraro cada uma das Cmaras ser feita mediante consulta a entidades da sociedade civil, coor-denada pelo Ministrio da Educao e do Desporto'. Devendo as entidades encaminharem lista trplice de indicados ao MEC.

    As Portarias n 1.455 e n 12 listam as entidades a serem ouvidas para a nomeao de pelo menos 50% do CNE (Quadro 1). Se, por um lado, chama a ateno a ampliao do escopo de entidades a serem ouvidas, por outro, ressalta a evidncia de que o presidente decidiu nomear 100% dos conselheiros com base nas listas de indicao, transformado o CNE, essencialmente, em rgo representativo de interesses.

    4 Regimento Interno do Conselho Nacional de Educao Capitulo I artigo 1o 5 Entrevista realizada no dia 23 de julho de 1998 com Raimundo Miranda, diretor-geral do CNE

  • Quadro 1 - Entidades consultadas para a elaborao da lista trplice de integrantes da Cmara de Educao Superior

    Entidades consultadas, de acordo com as Portarias n 1.455 e n 12 1- Academia Brasileira de Cincias 2- Academia Brasileira de Educao 3- Associao Brasileira das Universidades Comunitrias (Abruc) 4- Associao Brasileira de Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (Abruem) 5- Associao Nacional de Poltica e Administrao da Educao (Anpae)* 6- Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd) 7- Associao Nacional das Universidades Particulares (Anup) 8- Associao Nacional dos Centros Universitrios (Anaceu)* 9- Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino Superior (Andifes)

    10- Central nica dos Trabalhadores (CUT) 11- Confederao Geral dos Trabalhadores (CGT) 12- Confederao Nacional da Agricultura (CNA) 13- Confederao Nacional do Comrcio (CNC) 14- Confederao Nacional da Indstria (CNI) 15- Confederao Nacional do Transporte (CNT)* 16- Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub) 17- Conselho Nacional de Secretrios de Educao (Consed) 18- Fora Sindical 19- Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies de Ensino Superior (Andes) 20- Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia (SBPC) 21- Unio Nacional dos Estudantes (UNE)* 22- Social Democracia Sindical (SDS)*

    Fonte: Portaria n 1.455. de 29 de novembro de 1995 e Portaria n 12. de 5 de janeiro de 2000. Entidades listadas apenas na Portaria n 12.

    No h como justificar, logicamente, esta deciso. Sabe-se que, em repblicas polirquicas, a representao de interesses faz-se por meio de corpos especialmente eleitos, pelo voto direto, para este fim Cmaras, assemblias e Congresso, so casas representativas destinadas a trazer poltica pblica a countervailling force da vontade popular, compondo harmnicamente um cenrio no qual os poderes esto divididos entre uma presidncia majoritria, um Judicirio profissionalizado e um Legislativo representativo.

    A Lei n 9.131 no alterou, conceitualmente, as bases constitucionais da Repblica, admitiu a indicao de conselheiros por rgos representativos da comunidade especializada e re-servou a possibilidade de assentos para a mo presidencial, majoritariamente eleita. Esta, contudo, por intermdio de decretos infiis, seguidos de portarias indefensveis, transformou o CNE em rgo de representao de interesses, subtraindo ao Congresso seu papel monoplico e usurpando, desde o ponto de vista da lgica da representao, o poder disponvel para a Presidncia, que no pode delegar poderes que no lhe pertencem Este quadro ilgico e de duvidosa legalidade precisa ser revisto.

    Alm da atividade normativa, a Cmara de Ensino Superior tem a responsabilidade de autorizar e credenciar cursos superiores, somando-se a isso o credenciamento de universidades. Todas essas atividades tm prazos estabelecidos para serem realizadas, e iniciam seus trmites le-gais na Secretaria de Educao Superior (SESu),6 do Ministrio da Educao e do Desporto Este rgo da administrao direta do ministrio responsvel por receber e analisar todos os pedidos referentes s diversas autorizaes em instituies de ensino superior, por meio das suas Comisses Verificadoras e Comisses de Especialistas.

    6 Todos os processos passam necessariamente pela anlise da SESu e s depois so enviados ao CNE

  • Aps a extino do Conselho Federal de Educao, o protocolo para a entrada de no-vos processos na SESu ficou techado nos anos de 1994 e 1995. Somente em maio de 1996, quando o novo Conselho Nacional de Educao tomou posse, o protocolo foi reaberto para novos pedidos, acumulando um dficit de dois anos.

    Naquele momento, cerca de quatro mil novas solicitaes, principalmente para autori-zao/habilitao e reconhecimento de novos cursos, foram feitas, somente para o ensino superior Isso levou os conselheiros a concentrarem sua ateno inevitavelmente na anlise desses proces-sos, o que retardou discusses mais amplas sobre polticas educacionais

    A Cmara de Educao Bsica, dado o menor nmero de atos deliberativos, vem aprofundando de forma mais profcua os debates concernentes sua esfera de atuao. Em sua esfera, tm sido discutidos assuntos como, por exemplo, as diretrizes para a carreira e remunerao do magistrio pblico.7

    Ento a Cmara de Educao Bsica, que no pressionada por processos, ela na minha opinio funciona muito mais, como eu acho que o Conselho como um todo deveria funcionar. Um grande rgo normativo e consultivo, e de assessoria ao Ministro; isso a Cmara de Educao Bsica realiza na sua plenitude.8

    A despeito das circunstncias e de sua trajetria simblica no Estado brasileiro, a presen-a desse novo CNE tem grande significado. O rgo tem sido responsvel, apesar de sua tendncia microrregulao. pela flexibilizao das polticas para o terceiro grau. Apesar de sua atuao presente e diversificada, o Conselho Nacional de Educao no faz poltica governamental estratgica, exceto nas entrelinhas de seus pareceres.

    Observe-se a discrepncia entre o nmero de processos e pareceres nas duas cma-ras, entre 1996 e 2000 (Tabela 4).

    Tabela 4 - Nmero de pareceres e processos do CNE, segundo a origem - 1996 a 2000

    Origem dos processos 1996 1997 1998 1999 2000 Cmara de Educao Bsica 5 19 24 17 28 Cmara de Educao Superior 361 3.722 1.581 1.282 1.739 Conselho Pleno 4 26 102 121 131 Total de processos do CNE 370 3.767 1.707 1.420 1.898

    Fonte: Elaborada pelo Naipe com base nos Relatrios de Ativiade do CAC/CNE - 1996/2000. publicados na Revista Documenta, publicao oficial do Conselho Nacional de Educao, Braslia, n 419, abr./jul. 1996 at o n 471, dez. 2000.

    Desde a sua reestruturao, em 1995, a Cmara de Ensino Superior trabalhou em funo da anlise dos processos acumulados, de abertura de novos cursos e credenciamento de universida-des. Isso tem feito com que a funo concedente venha dominando a agenda do Conselho.

    Quando se decompe a classificao acima, em termos do objetivo substantivo de cada ato, verifica-se, primeiro, que a agenda consumida quase completamente com a atividade concessria. E, segundo, que a amplitude de assuntos tratados, bem como sua minudncia, apon-tam, como j dito anteriormente, uma tendncia microrregulao ou, como diriam outros analistas. sinalizam um trend towards over-regulation.9 Leia-se, abaixo, exemplo de compilao preliminar das atividades deliberativas dos membros do CNE no perodo 1996-2000.

    7 Parecer/CEB 2/97 Revista Documenta, n 425 p 520 8 Entrevista realizada no dia 23 de julho de 1998, com Raimundo Miranda, diretor-geral do CNE 9 No que toca over-regulation e microrregulao. no se deve deixar de ler a refrescante obra de Mac Taggart ( 1998)

  • Tabela 5 - Principais assuntos tratados nos pareceres do CNE - 1996 a 2000

    (continua)

    Assuntos 1996 1997 1998 1999 2000 Total

    Total 361 (100%) 1.581

    (100%) 8.690

    (100%) Autorizao de curso/habilitao 175(48,5%)

    3.722 (100%)

    3.250 (87.3%)

    5.968 (68.7%)

    Reconhecimento de curso 80 (22,2%) 168

    (4,5%)

    1.071(67.7%)

    139 (8,8%)

    1.050 (12.1%)

    Recurso sbre deciso de parecer - - 94 (5.9%)

    1.282 (100%)

    592 (46.2%)

    292 (22,8%)

    105 (8,2%)

    1.739 (100%)

    876 (50.4%)

    371 (21,3%)

    115 (6,6%)

    314(3.6%)

    Alteraes de regimento e estatutrias 27 (7,5%) 300

    (3,5%) Aprovao de regime/estatuto 10 (2,8%)

    29 (0.8%)

    15 (0.4%)

    40(2.5%)

    22 (1,4%)

    92(7,2%)

    63 (4,9%)

    182(2.1%)

    Credenciamento 2 (0,6%) 16

    (0,4%) 8

    (0.5%) 26

    (2,0%)

    112 (6,4%)

    72 (4,1%)

    40 (2,3%)

    92 (1.1%)

    Consulta ao Ministrio da Educao e do Desporto

    1(0.3%)

    8(0.5%)

    17 (1.3%)

    30 (1.7%)

    60 (0.7%)

    Reconhecimento de habilitao 1 (0,3%)

    4(0,1%)

    22 (0,6%)

    18 (1.1%)

    15(1.2%)

    25 (1,4%)

    81(0,9%)

    Aumento do nmero de vagas 6 (1.7%)

    23 (0.6%)

    17 (1.1%)

    14 (1.1%)

    17 (1,0%)

    77(0,9%)

    Transformao de curso superior em bacharelado __ -

    6 (0,2%)

    2 (0,1%)

    12 (0.9%)

    16 (0,9%)

    36 (0,4%)

    Altera denominao da faculdade 3(0,1%)9

    (0,5%) 21

    (0.2%)

    Remanejamento de vagas 1 (0,3%) 7

    (0,2%)

    2 (0,1%)

    4 (0.3%)

    7 (0,5%)

    9 (0,7%)

    9 (0.5%)

    30 (0,3%)

    Denncia de irregularidades 1 (0,3%) - " 7

    (0,5%) 8

    (0,5%) 16

    (0,2%)Transferncia de mantenedora 8 (2,2%)

    12 (0.3%)

    12 (0.8%)

    5 (0,4%)

    7 (0,4%)

    44 (0,5%)

    Autorizao realizao de concursos vestibulares

    1 (0.28%) 1

    4 (0.3%)

    5 (0,3%)

    11 (0.1%)

    Criao de novo campus universitrio - 1 7 (0,4%)15

    (0.2%)Reconhecimento de cursos de mestrado

    e doutorado e relatrio - - 4

    (0,3%)

    3(0,2%)

    3 (0,2%)

    4 (0,2%)

    4 (0,2%)

    11 (0.1%)

    Registro profissional 3 (0.8%) 11

    (0,1%) 4

    (0.3%) 4

    (0.2%) 13

    (0.1%)

    Inqurito administrativo 1 (0,3%) 3

    (0,2%) 3

    (0.2%) 7

    (0.1%) Especializao em rea profissional 1 (0,1%)

    2(0,2%)

    2 (0,1%)

    5 (0.1%)

    Proposta de alterao de currculo (0.1%) 2(0.1%)2

    (0.2%) 2

    (0,1%) 8

    (0,1%)Aprovao de currculos 1 (0,3%) 1

    1 (0,1%) 4

    Autonomia das universidades federais ~ 2(0,1%)1

    (0.1%)

    1 (0,1%)

    1 (0,1%) 4

    Convalidao de estudos 20 (5,5%) 2

    (0.1%) 2

    (0,1%) 1

    (0,1%) 1

    (0.1%) 26

    (0,3%) Incluso de disciplinas em currculos

    de cursos 2

    (0,1%)1

    (0.1%) 1

    (0,1%) 4

    Mudana de turno - 1(0.1%)1

    (0,1%) 1

    (0,1%) 3

    Prope Comisso Especial 3 (0,8%) " 1

    (0,1%) 1

    (0,1%) 5

    (0,1%) Prope critrios para convalidao

    de estudos 1

    (0.3%) 1 1

    (0,1%) 3

  • (continuao)

    Assuntos 1996 1997 1998 1999 2000 Total

    Registro simultneo de habilitaes - 1 - 1 2 (0,1%)

    Altera denominao de habilitao 1 1

    Altera dispositivos 1 (0.1%) 1

    Apreciao de relatrio da SESu/MEC ; 2 (0.1%) 2

    Aprovao de professores 2 (0.1%) 2

    Aprovao de regimento unificado 1(0.0%) Atividades do Instituto Avanado em

    Educao 1

    (0.3%) " 1 Autorizao para desempenho de

    atribuies 1 " 1 Autorizao para liberao do limite de

    dependncias ' " 1

    Coibio a revalidao de diplomas 1 (0,3%) 1 (0.1%) 4

    Concesso de titulo de notrio saber 1 (0,3%)

    2(0.1%)

    " 3

    Consulta ao CNE - 4 (0,1%) 5

    (0,3%) 9

    Convnios 1

    Criao de curso 2(0,6%)

    1(0,1%)

    56 (3,5%)

    153 (1,8%)

    Declarao de excepcionalidade para inscrio em concurso -

    95 (2,6%) 2 2

    Delega competncia (0,3%) 1 (0,1%) 2

    Designa membros das Comisses Especiais

    2 (0,6%)

    - 1 (0,1%)

    3

    Estabelece prazos - 1 4 (0,3%)

    Incorporao de cursos 2 (0.6%) - 2

    Incorporao de faculdade 1 (0.3%) 1 2

    Normas para registro ~ 1 " 2 Procedimentos para o processo de

    avaliao de cursos (0,2%)

    Projetos de resoluo ~ 1 " 1 Prope Comisso Especial Mista (2

    Cmaras) (0.6%) 2

    Prorrogao de trabalhos 0 1 (0,1%) 1

    Reativao de curso 1 1

    Reconsiderao de parecer 2 (0,6%)10

    (0,3%)27

    (1.7%)39

    (0.4%) Registro de professor 1 5 (0,3%)

    6 (0,1%)

    Regulamentao de dispositivos - 1 3(0,2%) 4 Reserva de porcentual de vagas nos

    concursos vestibulares 1

    (0.3%) 1 1

    (0.1%) 3

  • (concluso)

    Assuntos 1996 1997 1998 1999 2000 Total

    Resolues sobre o ENC 1 1

    Revalidao de diploma de doutorado 2 (0,1%) 2 (0.1%) 4 Roteiro para autorizao de cursos e

    padres de qualidade 1 1 Sugesto de polticas e estratgias de

    ensino 1 (0,3%) Transferncia de alunos

    de uma universidade para outra 1 (0,1%) 1

    Transformao em universidade (0,3%) 11 (0,3%) 7 (0,4%) 19 (0,2%) Volta do francs ao exame de

    habilitao para o Instituto Rio Branco 1 (0,3%) 1

    Sem informao 12 (0,3%) 12 (0.1%)

    Fonte: Elaborada pelo Naipe com base nos dados da Revista Documenta, publicao oficial do Conselho Nacional de Educao, Braslia. n 419. abr./jul. 1996 at o n 447. dez. 1998.

    Argumentou-se, no incio deste ensaio, que a nica maneira que a sociedade tem para controlar a ao das agncias regulatrias por meio de absoluta transparncia de seus atos e votos Neste sentido, o CNE, dessemelhana de outras, agncia exemplar Sua documentao detalhada a ponto de permitir, como os analistas fazem nos EUA, acompanhar a ao individual de cada conselheiro e verificar sua adeso s propostas de sua constituency

    O CNE tem sido veculo de modernizao do terceiro grau, evidentemente com o apoio ministerial. Transformou-se, contudo, numa das principais arenas da poltica conflitiva, dos combates que permeiam o campo do terceiro grau brasileiro por constituir-se numa arena representativa. Esse , simultaneamente, um dos maiores erros e um dos maiores acertos estratgicos do governo brasileiro. Tanto o erro quanto o acerto, possivelmente, so frutos das vicissitudes prprias ao funcionamento de uma agncia regulatria representativa, mais do que do desenho racional.

    Comits, agncias, conselhos tcnicos independentes no deveriam ser representati-vos. Ao contrrio, deveriam ser tcnicos em funo mesmo da rea-fim sobre a qual teriam mandato regulatrio A teoria' que informa, contemporneamente, a criao dos comits independentes nos Estados modernos, a de que os temas sob escrutnio, por sua natureza especializada, mereceriam ateno tcnica incompatvel com a estrutura representativa regular do Estado moderno.10

    O CNE foi concebido como rgo representativo. Neste sentido, no - ou no devia ser - um rgo tcnico. Por isso, talvez, sua operao seja, de certa forma, estranha aos ritos e cnones do Estado brasileiro. O Conselho Nacional de Educao no tem, ao contrrio da burocracia regular, uma assessoria tcnica, tpica de rgos de governo.

    Representativo, o CNE passa a ser um 'pequeno congresso' especializado em assuntos educacionais. Este pequeno congresso, contudo, tem sua estrutura representativa exclusivamente deriva-da da representao corporativa, mais prpria ao Estado Novo do que ao sucessor da Nova Repblica.

    Sumrio competente do tema est em Eisner (1993) Perspectiva europia sobre o governo por comits e a decorrente 'cornitologia' de que se fala na Europa deve ser lida em Joerges e Vos (1999) A relevante preocupao com quem 'regula os reguladores" est cm Regulation inside government organizado por Hood et al (1999) Com referencia ideia de que os comits e as agncias constituem um quarto poder foi tema do governo Lyndon Johnson e, depois de maneira radical, do governo Reagan ver Welborn (1973) A preocupao com o excesso de poder no contexto republicano dos comits e agncias e o tema da governabilidade do sistema emergente deve ser lido em Wellborn (19//) Quem estiver interessado nas futuras vicissitudes e eventuais disfunes do sistema pelo qual nos apaixonamos recentemente os comits e agncias deve se instruir em Robert Chatov na seo "The Life Cycle Theory of Commission Behavior', da sua gestao juventude, desta maturidade e velhice Progressivamente menos fogosa e progressivamente mais longe do olho pblico, a agncia opera basicamente em ambiente controlado pelos regulados, os quais, primeiro vo se infiltrando e cooptando amigos at captur-la docemente A agncia, em sua velhice freqentemente defende os interesses daqueles que deveria regular (cf Chatov, 1990, capitulo 'Government Regulation process and substantive impacts' na obra organizada por Preston)

  • CAPITULO 4

    COMBATES E ARGUMENTOS, CRESCIMENTO E POTENCIAL DO ENSINO SUPERIOR

    Em funo da diminuta proporo de educados e educadores do terceiro grau na populao brasileira, este um domnio de elite. Majoritariamente alojado no Sudeste, onde se concentram mais de 50% de todos os estudantes e professores do terceiro grau (Tabela 6) tornou-se capaz de criar realidades conceituais, verdades estabelecidas e linhas intelectuais ou pautas de preferncias para o Brasil inteiro. Ao mesmo tempo, o terceiro grau assume papel economicamente relevante, movimentando bilhes de reais, educando quase dois milhes e meio de pessoas, em-pregando 173.836 professores e 193.387 servidores.

    Tabela 6 - Alunos matriculados e docentes no ensino superior - Brasil-1999

    Fonte: MEC/lnep/Seec. Resultados e tendncias da educao superior no Brasil. Brasilia. 2000.

    Antes de ser um campo analtico' harmnico, o terceiro grau um campo de lutas ideol-gicas e materiais, onde se confrontam educadores e educandos, intelectuais, estudantes, empresrios, cientistas, investidores, burocratas de governo, jornalistas, reguladores, pedagogos, especialmente aqueles vinculados ltima moda. a da avaliao.' Esses atores fazem uso, no combate, de vrios mecanismos organizacionais distintos representados por agncias de fomento, mdia, conselhos regulatrios, secretarias de Estado, corporaes profissionais e associaes cientficas e de classe. Tal confronto ocorre em torno da disputa pela governana legtima de um bem simblico, o qual, entretan-to, percebido pelos contendores como bem material, um territrio, uma fronteira.

    O combate, na maior parte, se trava em torno da capacidade de produzir polticas pblicas e, por conseqncia, na capacidade de generalizar opinies, posicionamentos e interesses que so especficos. Isso ocorre seja por meio de captura de instrumentos, seja por intermdio da influncia exercida na produo de leis. decretos, portarias e pareceres que reflitam a pauta preferencial de cada grupo. Simultaneamente, disputa-se, junto opinio pblica, a compreenso da "justeza" de cada fac-o em litgio, um recurso para alavancar seu potencial de influenciar a formulao de polticas de sua

    As lutas dos pedagogos principalmente contra a 'commodificao' do ensino superior so analisadas por Gimocex e Myrsiades (2001 ) J as guerras ideolgicas e culturais do moderno ao ps-moderno esto analisadas em Delanty (2001 )

  • preferncia Cumpre perceber que, do ponto de vista de sua voz, o campo dominado por intelectuais, includos a docentes, cientistas, divulgadores, os quais se digladiam tanto pelos mecanismos de for-mulao de polticas, quanto pela santidade da interpretao de tais polticas.2

    Se intelectuais vocalizam o campo de lutas, sob a tica material ele dominado por investidores nacionais privados e por governantes sazonais, ambos responsveis por investimen-tos materiais e pedaggicos no setor de educao e por polticas salariais e de emprego. Ainda no participantes, mas j relevantes na cena, so os investidores internacionais Estes, mais pesa-dos do que qualquer imaginao, associam grandes empreendimentos educacionais e massivos interesses industriais Observe-se que os grandes empreendimentos educacionais - em verdade. os americanos so os nicos atores importantes - no se pautam, como no Brasil, pela clivagem pblico/privado.

    Alm de no ser propriamente pblica ou privada, a universidade, na sua Meca, no tem nacionalidade.3 A corporao universitria do primeiro mundo literalmente internacionalizada, at mesmo por conta da supremacia global americana. Surpreende que ainda no se tenha transferido, ainda que marginalmente, para o resto do mundo. Para o Brasil, por exemplo. Se no o fez porque as polticas educacionais brasileiras so mercantilistas, para usar o termo certo, j que controlam as regras da aduana pertinente.

    Tais