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1 REPRESENTAÇÃO SOCIAL DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE AS ATIVIDADES FÍSICAS E O DESEMPENHO ACADÊMICO por Elaine Valéria Rizzuti ______________________ Dissertação Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Gama Filho Como Requisito Parcial à Obtenção do Título de Mestre em Educação Física Maio, 1999

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1

REPRESENTAÇÃO SOCIAL DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO

FÍSICA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE AS ATIVIDADES FÍSICAS

E O DESEMPENHO ACADÊMICO

por

Elaine Valéria Rizzuti

______________________

Dissertação Apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Educação Física da

Universidade Gama Filho

Como Requisito Parcial à Obtenção do

Título de Mestre em Educação Física

Maio, 1999

2

REPRESENTAÇÃO SOCIAL DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE AS ATIVIDADES FÍSICAS E O DESEMPENHO

ACADÊMICO

Elaine Valéria Rizzuti

Apresenta a Dissertação

Banca Examinadora:

_____________________________________

Prof. Dr. Sebastião Josué Votre

- Orientador -

______________________________________

Profª. Doutora Ludmila Mourão

_______________________________________

Prof. Tarso Bonilha Mazzotti

Maio, 1999

3

Dedico esse trabalho a Deus, ao meu Anjo da

Guarda, que estiveram sempre junto a mim.

Ao meu orientador, Prof. Sebastião Josué

Votre, por ter me ajudado a realizar esse

projeto de vida. Grande mestre que, com sua

insuperável capacidade intelectual e

profissional, soube sempre transmitir seus

conhecimentos com humildade, sabedoria e,

sobretudo, sem reservas. Erudito por

merecimento e sem orgulho por natureza, com

uma postura carinhosa, fraternal e amiga,

acreditou firmemente na minha capacidade, da

qual eu mesma duvidava.

4

AGRADECIMENTOS

À minha mãe, exemplo de simplicidade e de amor puro, verdadeiro e perene.

Ao meu pai, pela sua capacidade de compreensão, pelo seu legado de responsabilidade,

honestidade e alegria, sempre.

À vovó Lia, com seus 90 anos e muita lucidez, que respeita nossos caminhos de

aperfeiçoamento, que a vida não lhe proporcionou.

Ao Preto, meu marido, apesar dos vislumbres e sintomas de desamor sentido pelos meus

momentos de ausência, incentivou-me a trilhar o caminho para a concretização desta etapa,

que com certeza, não foi só minha, mas dele também.

Aos meus irmãos, Vicente, Sônia, Neném, Didico e Julinho, presença sem a qual minha

vida não teria sentido, e que com orgulho e vaidade participaram felizes desta trajetória.

Ao meu irmão Marco Antônio, que com desprendimento financeiro auxiliou os custos do

meu curso de graduação e, ainda hoje, extremamente solidário e cooperativo, aguarda com

ansiedade a conclusão do meu curso de mestrado.

Aos meus queridos e amados sobrinhos, que sempre me encheram de motivação,

modelando-me e impulsionando-me intensamente a produzir, com suas formas singulares e

especiais de amar. De quem também tomei emprestado os nomes que configuram os nomes

fictícios dos informantes.

Ao Daniel e à Sabrina, filhos do meu marido, pois os incluí em minha vida e deles não me

separarei.

5

Ao meu tio Boião, e aos meus cunhados Pedrão, Fernando, Isabela, Odaléa e Valdete

pela afetividade surpreendente que me garantiram neste percurso.

A todos os meus familiares, que me acompanharam contemplando a minha vontade.

À Profª. Ludmila Mourão, a quem com toda admiração, agradeço pela capacidade de

cooperação e compreensão.

À Profª. Vera Lúcia de Menezes Costa, pelo carinho e amizade que me dedicou.

Ao Prof. Lamartine Pereira DaCosta, por ter aceitado o desafio de investir em mim.

A todos os Professores do Programa de Mestrado, pela capacidade de ensinar.

Aos meus companheiros e amigos de mestrado, em especial, Randy, Simone, Silvana,

Eveline e Geraldo, que me ensinaram e me ajudaram a dimensionar e, até ampliar as várias

formas de amar.

Ao Fabiano e à Márcia, pelos momentos compartilhados de angústia, ansiedade e

cooperação.

À FUNREI, instituição em que trabalho, e ao DECED, meu departamento de origem, que

permitiram e favoreceram minha liberação.

À CAPES, pelo apoio financeiro.

A Fabri, Néa, Emília, Homero, Vanessa e Renato, que sempre me atenderam

prontamente.

Às funcionárias da Biblioteca, Socorro, Vera, Cida e Dona Lêda, pela gentileza da

atenção.

A todos os meus amigos, desta e de “outra vida”, que se fizeram presentes, sempre.

6

RIZZUTI, Elaine Valéria. (1999). Representação social dos professores de Educação

Física sobre a relação entre as atividades físicas e o desempenho acadêmico.

Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: PPGEF/UGF.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Sebastião Josué Votre

RESUMO

Este estudo apresenta-se com o objetivo de repensar o valor atribuído às atividades

físicas escolares junto ao corpo docente. Esse valor retira delas seu caráter lúdico e lhes

atribui um caráter utilitário, no sentido de servirem para algo, independentemente da

maneira como são desenvolvidas. As atividades físico-desportivas são importantes para o

desenvolvimento humano, sem, contudo, aparecer na prática o que de fato ocorre e qual a

melhor maneira para se alcançar favoravelmente o desenvolvimento humano, sobretudo em

relação à formação do conhecimento e ao desenvolvimento da linguagem verbal. Em

termos específicos, este estudo foi organizado de modo a captar os pontos convergentes e

divergentes de quatro teóricos do desenvolvimento humano e identificar as representações

sociais de oito professores de Educação Física sobre a possível relação entre as atividades

físicas, a formação do conhecimento e o desenvolvimento da linguagem verbal - que se

configuram, para efeitos desta dissertação, como desempenho acadêmico. Através da

análise do discurso, no tratamento dado às entrevistas que foram realizadas tentou-se captar

o núcleo central e o sistema periférico como elementos dinâmicos dessas representações

sociais. Concluiu-se, em termos gerais, que há uma crença, crença segundo a qual as

atividades físico-desportivas são importantes para a formação do conhecimento e da

linguagem verbal. No entanto, essa crença vai se desconstruindo à medida que aumenta o

nível de formação e de prática profissional dos informantes. A supervalorização das

atividades físico-desportivas na escola vai paulatinamente dando lugar à representação

social da Educação Física como área que beneficia todo e qualquer indivíduo quando

considerada como espaço sócio-educativo do prazer, e não que elas sejam detentoras de

7

benefícios poderosos que se transferem integralmente para o desenvolvimento pleno do ser

humano.

RIZZUTI, Elaine Valéria. (1999). Social representation of the Physical Educations teachers

about the relation between physical activities and academic performance. Dissertação

de Mestrado. Rio de Janeiro: PPGEF/UGF.

ADVISER: Prof. Dr. Sebastião Josué Votre

ABSTRACT

This study is presented with the objective to review the value attributed to the

schollar physical activities close to the teaching staff. This value take out of them their

playful character and also confer to them an utilitarian character, in order to be useful

independent of the way how they are developed. Physical sport activities are important for

the human development, without appearing in practice what in fact happens, and which is

the best way to obtain favorably the human development, above all in relation to the

formation of the knowledge and development of verbal language. In specific terms, this

study was organized in order to pick up the converging and disserting points from four

theoretician of the human development, and to identify the social representation from eight

Physical Education teachers about the possible relation between the physical activities, the

knowledge formation and the development of verbal languages which configures to this

dissertation as an academic performance. Through the speech analysis, in the treatment

given to the interviews which were done, we tried to pick up the central and peripheral

system as dynamic components of those social representations. We concluded, at all, that

there is one belief, in which sport physical activities are important to the knowledge

formation and verbal language. Although this belief starts to fail, as the formation level and

practice of the professionals increase. The high appreciation of the sport physical activities

at school will gradually give place to the social representation of Physical Education as an

area which benefits any individual when it is considered as a social educational way for

8

pleasure, and not being as holders of powerful benefits which are totally transfered to the

complete development of the human being.

ÍNDICE

Página

Capítulo I

I. O PROBLEMA ................................................................................... 10

Capítulo II

II. SUPORTE TEÓRICO ......................................................................... 20

. Teorias sobre o desenvolvimento humano .............................................. 21

. Síntese da proposta dos autores da psicologia do desenvolvimento ........ 34

. A Teoria das Representações Sociais ..................................................... 38

. Propostas de abordagem pedagógica da Educação Física ....................... 45

Capítulo III

III. METODOLOGIA ............................................................................ 52

. Etnometodologia ................................................................................... 53

. Contribuições de Richard Rorty ............................................................. 54

. Análise do Discurso ............................................................................... 56

. Sujeitos do estudo ................................................................................. 58

9

. Instrumentos para a coleta de dados ...................................................... 58

Capítulo IV

IV. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ............................ 64

. Análise vertical do conteúdo de cada entrevista ................................... 65

Entrevista 1 - mestrando em Educação Física ............................. 66

Entrevista 2 - mestre em Educação Física ................................ .. 70

Entrevista 3 - mestranda em Educação Física .............................. 75

Entrevista 4 - doutorando em Educação Física ......................... . 82

Entrevista 5 - especialista em Educação Física ........................... 87

Entrevista 6 - doutorando em Educação Física ........................... 93

Entrevista 7 - doutora em Educação Física ............................... 100

Entrevista 8 - doutora em Educação Física .............................. 107

. Análise horizontal das entrevistas ..................................................... 112

. Análise do questionário ..................................................................... 118

Capítulo V

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES .............................. 123

VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................... 127

10

. ANEXOS: Entrevistas transcritas .................................................... 131

I. O PROBLEMA

Introdução

O interesse em compreender a relação entre performance físico-desportiva e

desempenho cognitivo e verbal manifestou-se claramente para a autora em 1984, em uma

escola pública de São João Del-Rei, onde, ministrando aulas de Educação Física da 5ª à 8ª

série do 1º grau, observou que uma turma de 8ª série apresentava bom, senão muito bom

desempenho físico-desportivo, espírito cooperativo, criatividade e determinação. Constatou

ainda que, coincidentemente ou não, e correlacionando-se positivamente com as múltiplas

maneiras de se expressarem nas aulas de Educação Física, esses alunos eram brilhantes

também nas demais atividades de sala de aula, tendo essa turma sido considerada pelos

professores da escola como a de melhor desempenho acadêmico. A temática da correlação

positiva entre desempenho físico-desportivo e desempenho cognitivo e verbal tornou-se,

para a autora, extremamente interessante e passível de ser investigada, culminando em

Monografia apresentada no Curso de Especialização em Educação Física e Desporto

Escolar, realizado em 1990 na Universidade Federal de Viçosa; e hoje constitui-se como

objeto de estudo para esta Dissertação de Mestrado1

.

1 Esse trabalho foi apresentado para a disciplina “Bases Teóricas da Educação Física, Esporte e Lazer”, 97.1,

sob a coordenação do Prof. Dr. Lamartine Pereira DaCosta, no Programa de Pós-Graduação em Educação

Física da Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro.

11

O ponto de partida da presente pesquisa foi um trabalho realizado em 19971 , cujos

resultados foram apresentados na AISEP - Congresso Mundial de Educação Física, sob o

título: Importância das Atividades Físicas no Desenvolvimento Cognitivo Sob a Ótica dos

Profissionais de Educação Física2 . Ao se considerar o movimento como principal objeto de

estudo da Educação Física, bem como um dos aspectos mais significativos para o

desenvolvimento do ser humano – pois é através dele que o homem se relaciona com o

meio ambiente –, assumiu-se como relevante verificar seu papel como contribuição para o

desenvolvimento cognitivo.

Os movimentos corporais são típicos de todas as atividades humanas, quer na fase

do recém-nascido, da criança, do jovem, do adulto ou do idoso. Dentro das atividades há

que se considerar o quotidiano, as atividades de rotina, o trabalho, o lazer e, sobretudo,

qualquer atividade física. Sendo assim, é lícita a presença do corpo como o principal

veículo ou objeto do estudo que se propôs.

A primeira manifestação do homem enquanto ser vivo é o movimento e, como

manifestação de vida, este é fator essencial em todo o seu processo de desenvolvimento.

"Os movimentos são de grande importância biológica, psicológica, social, cultural e

evolutiva; pois é através dos movimentos que o ser humano interage com o meio ambiente"

(Tani et alii, 1988, p.13).

Por outro lado, é fundamental o desenvolvimento cognitivo. Guilford (apud

Magill, 1984) considera a cognição como um conjunto de atividades intelectuais cuja

2 São autores deste: Elaine Valéria Rizzuti e Prof. Sebastião Josué Votre, 1977 (mimeo.).

12

característica comum é aquilo que o organismo faz com a informação de que dispõe.

Descoberta ou reconhecimento de informação (cognição), retenção ou armazenamento de

informação, geração de informação a partir de certos dados e tomada de decisão ou feitura

de julgamento acerca da informação, são atividades que ocorrem no domínio cognitivo.

Existe embasamento teórico para elucidar tanto o desenvolvimento motor quanto o

desenvolvimento cognitivo. Depara-se, no entanto, com a escassez de literatura (pesquisas

teóricas e/ou empíricas) no que diz respeito à relação entre cognição e movimento, de

maneira que possa evidenciar a importância dos movimentos na formação da inteligência,

bem como o papel do cognitivo no mecanismo de performance motora humana. Tani et alii

(1987) defendem a idéia de que as experiências motoras iniciadas na infância têm uma

importância fundamental para a cognição:

"A criança obtém as primeiras informações do mundo através da

exploração do meio ambiente, utilizando movimentos para isso. Acredita-

se que a atuação motora da criança é a base para todo desenvolvimento

cognitivo posterior." (p.6)

Os mesmos autores chegam a afirmar que

“a programação e controle de ações motoras são funções da cognição (...) a

maior capacidade de elaboração, planejamento, raciocínio e outras funções

do domínio cognitivo terão influência direta sobre o comportamento motor.

No mesmo tempo, o papel do movimento no desenvolvimento da cognição

é vital.” (p.118)

13

O movimento humano constitui-se em um dos principais objetos de estudo da

Educação Física, mesmo que através de uma visão fragmentada no que diz respeito ao ser

humano. Assim, o objetivo central do trabalho que realizamos em 1997 foi, considerando o

ser humano como um todo, investigar a inter-relação entre cognição e movimento, bem

como a influência de um sobre o outro. Nosso objetivo específico era avaliar o papel do

movimento como um meio para o desenvolvimento cognitivo e verbal, sobretudo para

crianças da 1ª à 4ª série do 1º grau.

A metodologia do estudo envolveu, além da revisão da literatura da área, entrevistas

com cinco professores graduados em Educação Física, que ministravam aulas para a 1ª série

do 1º grau de escolas particulares da Zona Sul do Rio de Janeiro, onde se procurou

identificar as Representações Sociais sobre o binômio cognição e movimento existentes em

seus discursos. Verificou-se, através da análise de conteúdo das entrevistas, que os

informantes apresentavam dificuldades enunciativas na elaboração das respostas,

dificuldades essas claramente evidenciadas pelas pausas entre palavras e frases, pela

repetição expressiva de palavras, pela fala entrecortada, entremeada de gaguejos, e também

por falsos começos e recomeços quando se deparavam com o binômio cognição e

movimento. Ainda no decurso da análise de conteúdo das manifestações verbais, percebeu-

se que as idéias pareciam estar sendo formuladas pela primeira vez no ato da fala, tendo em

vista a falta de fluência na comunicação, denotando surpresa, falta de informação ou pouca

familiaridade com o tema.

14

Pôde-se inferir, assim, que os informantes, embora afirmassem acreditar de forma

incisiva na contribuição das atividades físicas para o desenvolvimento cognitivo de crianças

da 1ª à 4ª série do 1º grau, deixavam vagas as justificativas para tal afirmação, ora

reproduzindo como argumento elementos da psicomotricidade (o que não havia sido

focalizado no roteiro da entrevista), ora atribuindo o fracasso dessa possível contribuição à

estrutura social desordenada, à estrutura escolar fracassada e mesmo à falta de competência

dos profissionais que trabalhavam com as crianças.

Em vista do caráter inconclusivo desses resultados – devido, inclusive, à

característica meramente exploratória do estudo realizado em 1997 – , e persistindo o

interesse da autora em aprofundar a análise das Representações Sociais dos professores de

Educação Física sobre a relação entre atividades físicas e desempenho acadêmico, este é o

tema da presente pesquisa.

Desenvolvimento do estudo

Ao examinarmos o processo de desenvolvimento da criança, como a formação do

conhecimento, as várias manifestações da inteligência, os hábitos motores (inatos e

adquiridos), a linguagem, o pensamento, a afetividade, a sociabilização e, sobretudo, sua

interação com o meio circundante; percebe-se que há um conjunto de questões que

constituem preocupações na área de atuação dos profissionais de Educação Física, em

15

função da necessidade de compreensão das formas e conteúdos da expressão humana, dos

movimentos e das correlações entre essas dimensões.

A partir dos resultados do trabalho realizado em 1997, e constatadas as dificuldades

inerentes à interpretação das posições assumidas pelos professores entrevistados a respeito

do binômio cognição e movimento, impôs-se, primeiramente, a necessidade de uma ampla

revisão da literatura sobre o desenvolvimento humano em suas múltiplas dimensões. Os

estudos de quatro importantes teóricos dessa área são focalizados: em Jean Piaget, o

processo de construção do conhecimento no indivíduo desde a infância; a teoria de Lev S.

Vygotsky sobre a linguagem enquanto sistema de signos; a teoria de Alexandr R. Luria

sobre linguagem e desenvolvimento intelectual; e a teoria de Henri Wallon sobre a estreita

interdependência do biológico e do social desde o nascimento do ser humano. Buscaremos,

nessa revisão, estabelecer os pontos de convergência e divergência dos autores

selecionados.

Paralelamente, são abordados os postulados da linha de pesquisa sobre as

Representações Sociais, iniciada por Serge Moscovici em 1961, principalmente através das

contribuições de Jean-Claude Abric, Denise Jodelet e Sandra Jovchelovitch. A

Representação Social tem uma lógica e uma linguagem particulares, e uma estrutura de

implicações que assenta em valores, conceitos, teorias e ciências coletivas sui generis,

destinadas à interpretação e elaboração do real (Moscovici, 1978). A organização desses

elementos se dá através das interações sociais, pelo universo do quotidiano, pelas falas e

discursos homogeneizantes que circulam e se cristalizam em nosso meio, como as crenças e

16

o senso comum, sendo estes os objetos de análise daqueles que se dedicam à pesquisa das

Representações Sociais.

Partindo do pressuposto de que as interações sociais são campos instituintes de

nossas ações, investigaremos, então, as Representações Sociais de professores de Educação

Física de diferentes níveis de especialização, sendo que os professores graduados

configuraram a amostra do estudo preliminar, sobre os processos interacionais em que se

verifica a manifestação dos hábitos motores, a formação do conhecimento e da linguagem

como um sistema social complexo de signos e de "sinais coletivos" da criança, que

favorecem suas interações e ações no mundo, como uma fonte promissora de "questões

produtivas e contribuições construtivas" para a compreensão das representações sociais das

atividades físicas educativas.

Objetivos do estudo

Tendo como fontes de sustentação teórica as obras de Piaget, Vygotsky, Luria e

Wallon sobre o desenvolvimento humano e os postulados da linha de pesquisa sobre

Representação Social, o presente estudo tem como objetivos:

- mapear as representações sociais dos professores de Educação Física sobre a influência

das atividades físicas desenvolvidas no contexto escolar na formação do conhecimento e da

linguagem verbal;

- identificar as possíveis relações convergentes, divergentes ou nulas entre as

Representações Sociais dos professores de Educação Física sobre a relação entre as

17

atividades físicas desenvolvidas no contexto escolar, a formação do conhecimento e da

linguagem verbal.

Atingidos estes objetivos, poderão ser ou não confirmadas as seguintes questões a

investigar:

1) A crença dos professores de Educação Física na relação entre atividade física, formação

do conhecimento e da linguagem verbal decorre de uma necessidade de legitimação

enquanto disciplina heurística no espaço escolar, devido a um certo complexo de

inferioridade e estigma das atividades físicas ou corporais que circula ainda em nosso

meio, onde não se definiu sequer se a Educação Física é uma área de conhecimento, uma

ciência da motricidade humana ou uma prática pedagógica.

2) O discurso da relação entre atividade física e construção do conhecimento e da

linguagem verbal decorre da apropriação do discurso cientificista da psicomotricidade.

3) O discurso da relação entre atividade física e construção do conhecimento e da

linguagem verbal oculta a prática de controle social e disciplina para a manutenção da

ordem escolar.

4) O discurso acadêmico (Piaget, Vygotsky, Luria e Wallon) comprova parcialmente as

crenças dos docentes representados pela amostra aqui adotada.

Justificativa

18

Na trajetória do Curso de Mestrado, à medida que o contato com o conhecimento

mais sistematizado e, em contrapartida, multifacetado, foi nos proporcionando um

amadurecimento intelectual, desconstruiu-se uma verdade na qual estávamos mergulhados:

a certeza da presente, marcante e forte correlação positiva entre as atividades físicas,

sobretudo as desenvolvidas na escola de 1a. à 4

a. série, para o desenvolvimento integral

(motor, cognitivo, verbal e social) do ser humano. A descristalização dessa certeza foi

ocorrendo ao longo do Curso, e com o presente estudo estamos em busca de resultados

objetivos que contribuam para confirmar ou não uma possível relação entre as atividades

físicas, a formação do conhecimento e da linguagem verbal.

Procuraremos cristalizar ou descristalizar os pressupostos, valores ou visões da

"reificação" das atividades físicas escolares na formação do conhecimento e da linguagem

verbal, através da revisão dos autores selecionados e da análise das Representações Sociais

dos professores de Educação Física – sobretudo os saberes e crenças que poderão

corresponder a uma conduta, movimento, pensamento ou sentimento de necessidade. Não

só o esforço dos autores que aqui serão contemplados, mas o de todos aqueles que, por

razões diversas, insistem nessas investigações sobre o fantástico e mágico funcionamento

da mente humana ou outras terminologias que representam esse funcionamento e

desenvolvimento de todas as funções inerentes e vitais ao ser humano.

Relevância

19

Este estudo é relevante por propor-se a investigar o processo de consolidação das

Representações Sociais sobre uma possível contribuição das atividades físicas

desenvolvidas na escola, sobretudo da 1ª à 4ª série do 1º grau, para a formação do

conhecimento e da linguagem verbal. Considera-se importante também ressaltar que esta

discussão das RSs sobre a relação entre as atividades físicas e desempenho acadêmico pode

criar um contexto próprio, que venha a fertilizar a própria dinâmica da prática dos

professores de Educação Física, tendo em vista que, ainda hoje, essas práticas são bastante

mecânicas e visam, prioritariamente, o bom desempenho e o rendimento motores.

Pressupõe-se que tal discussão não é freqüente entre os professores de Educação Física.

Neste estudo tem-se também a intenção de abrir novos caminhos, no sentido de

quebrar a idéia de separação artificial entre os distintos domínios do desenvolvimento, que

“mostra” que a atividade física e educativa é considerada, ainda hoje, nas escolas, como

sendo uma atividade não-cognitiva. Sendo assim, a discussão, por si só, será profícua ao

proporcionar um debate provocativo entre o corpo docente da Educação Física.

20

II. SUPORTE TEÓRICO

Neste capítulo são apresentadas as fontes de sustentação teórica do presente estudo:

as obras de Piaget, Vygotsky, Luria e Wallon sobre o desenvolvimento humano e os

postulados da linha de pesquisa sobre a Teoria das Representações Sociais. Considerando

que durante a realização deste trabalho nos deparamos com questões que envolviam os

objetivos, métodos e formas de trabalho da Educação Física, a terceira seção deste capítulo

traz um breve mapeamento das propostas de abordagem pedagógica da Educação Física,

através de alguns autores de maior influência em nosso meio acadêmico.

Procuraremos identificar os traços e elementos identificadores das propostas de

cada um dos quatro autores selecionados. Será um exercício de apropriação, com vistas à

produção de nossa própria síntese e de uma redescrição das idéias desses autores no quadro

de nossa realidade educacional. A intenção é claramente de apropriação e reelaboração das

idéias, no contexto teórico-prático dos pontos convergentes e dos pontos divergentes. Isso

significa que estamos partindo do pressuposto de que os autores selecionados abordam

21

estes pontos sobre o desenvolvimento infantil por nós reconstruídos. Neste momento de

leitura e redescrição dos princípios norteadores de cada contribuição, trabalhamos sem uma

predileção específica, e optamos por uma leitura flutuante, associada ao esforço de nos

impregnarmos, progressivamente, dos traços das contribuições que se revelarem mais

pertinentes, mais marcantes, bem como dos elementos identificadores das concepções de

cada autor, sem, contudo, compará-los.

Teorias sobre o desenvolvimento humano

Jean Piaget

Pode-se dizer que Piaget é considerado hoje um clássico da psicologia. Recorre-se a

ele também em estudos centrados na compreensão da formação dos mecanismos mentais da

criança, quer na psicologia, na pedagogia e em toda a área da educação, com propostas de

métodos didáticos (cita-se como exemplo o construtivismo lançado por Emília Ferreiro,

cuja teoria é atribuída à capacidade do sujeito) e pedagógicos, na tentativa de facilitar a

aprendizagem da criança, explorando ao máximo suas potencialidades. Piaget tornou-se,

assim, fundamento para esses estudos, sendo utilizado, reciclado, aperfeiçoado e redescrito.

A teoria proposta por Piaget para a passagem do estado de menor para o de maior

conhecimento, processo pelo qual se dá a constituição do conhecimento científico, é

funcional - genético - e as formas [estruturas] são momentos nos quais há certo equilíbrio

instável próprio de cada etapa daquele processo. Piaget é estruturo-funcionalista, ou

defensor do estruturalismo genético. Sua dimensão mais significativa é a da continuidade

funcional do modo de operar “cognitivo” - comum a todos os homens -, a qual determina a

22

negação de ruptura epistemológica entre o senso comum e o senso científico. Para a

epistemologia genética é essencial sustentar a continuidade funcional entre o senso comum

e

o senso científico. Por esta continuidade se pode afirmar segundo Mazzotti (1999)3, que o

sistema cognitivo é aberto tanto na direção de maior capacidade operatória e, portanto, de

abstração; e no sentido orgânico, pelo qual se faz a “encarnação” daqueles processos nas

atividades biológicas dos humanos - tanto as sensório-motoras inatas quanto as não inatas.

Também há que se levar em consideração o momento sócio-histórico e as

condições que foram oferecidas para que Piaget semeasse suas idéias e teorias pelo mundo

acadêmico. Acredita-se que, se estas vingaram fortemente, é porque existiam e ainda

existem "crenças" e condições objetivas favoráveis a elas, senão os estudiosos não

recorreriam à teoria piagetiana, quer como meio de sustentação aos seus estudos, quer como

utilização para críticas epistemológicas sobre elas.

O foco central utilizado neste estudo sobre Piaget será sua concepção sobre a

linguagem, o pensamento e o conhecimento na criança, atentando-se para as fases

estruturais e a expressão dos movimentos, sem a preocupação em descrevê-las ou copiá-las

ipsis litteris.

Em seus estudos, Piaget dedicou-se sobretudo no livro A Epistemologia Genética

(1971), à questão do sujeito epistêmico, isto é, ao processo de construção do conhecimento

no indivíduo desde a sua infância. O desenvolvimento da criança, segundo ele, é

23

essencialmente progressivo e contínuo, caracterizando-se por uma profunda unidade

funcional mas apresenta também elementos variáveis, pela construção contínua de

estruturas

de conjunto, cada vez mais livres dos dados imediatos e exigindo uma atividade original,

diferente de uma criança para outra. Piaget se propõe a examinar a variedade de

conhecimentos a serem adquiridos pelo sujeito, “desde as formas mais elementares, e seguir

sua evolução até os níveis seguintes, até, inclusive, o pensamento científico” (p.8).

Em conformidade com essa universalidade, em A formação do símbolo na criança

(1978), Piaget afirma que esses estágios, com seus subestágios ou fases, são hierárquicos,

"seguem uma seqüência invariável para todas as crianças de todas as culturas” (p.10) ,

tornando-se parte integrante da estrutura ou fase seguinte, sendo flexível somente a idade

em que isso ocorrerá, de acordo com a maturação da criança. Esse axioma, porém, se

desestrutura quando passa a ser criticado; no sentido de que não há uma lógica de

funcionamento em se tratando de "cultura", muito menos estabelecer, para crianças

deficientes, o mesmo desenvolvimento e funcionamento de estruturas internas de crianças

normais.

Em sua teoria a respeito do desenvolvimento mental da criança, Piaget enfoca

aspectos da evolução biológica, identificando estruturas para cada nível de idade,

mostrando como se adaptam mutuamente às exigências ambientais e como estas modificam

o que o ambiente exige; ou seja, a "adaptação" é o fator de equilíbrio dominante nas trocas

Tarso Bonilha Mazzotti, 1999. (mimeo).

24

entre o organismo e o meio ambiente (assimilação e acomodação)4 , sendo a inteligência o

que

permite ao sujeito lidar efetivamente com seu meio ambiente, alcançando seus objetivos.

Note-se, portanto, a relação sujeito-objeto tão presente nas obras do autor.

Resumidamente, passa-se às fases ou estágios de desenvolvimento para maior

entendimento da teoria piagetiana. Existem mecanismos funcionais e comuns a todos os

estágios, que são as ações, e “cada ação corresponde a uma necessidade”. Os seis estágios,

fases ou períodos de desenvolvimento marcam o aparecimento das estruturas que se

constróem ao longo dos anos, tais como a linguagem, o pensamento, a afetividade, o

movimento e ações sensoriais, perceptivas e sociais, permitindo, assim, ao sujeito, sua

interação com o mundo, pessoas e ambiente.

"1º) O estágio dos reflexos, ou mecanismos hereditários, assim como

também das primeiras tendências instintivas (nutrições) e das

primeiras emoções. 2º) O estágio dos primeiros hábitos motores e

das primeiras percepções organizadas, como também dos primeiros

sentimentos diferenciados. 3º) O estágio da inteligência senso-

motora ou prática (anterior à linguagem), das regulações afetivas

“... a noção de assimilação implica a de integração dos dados a uma estrutura anterior ou mesmo a constituição de

nova estrutura sob a forma de um esquema (repetir um mesmo gesto para alcançar um objetivo). No que se refere a ações

primitivas, não coordenadas entre si, dois casos são possíveis: no primeiro a estrutura preexiste por ser hereditária (por

exemplo os reflexos de sucção) e a assimilação consiste apenas em incorporar-lhe novos objetos não previstos na

programação orgânica. No segundo caso, a situação é imprevista. ( A Epistemologia Genética, 1971, p.18).

Acomodação será o processo complementar ao da assimilação, provocando mudanças na estrutura interna, adaptando o

corpo àquilo que foi assimilado.

25

elementares e das primeiras fixações exteriores da afetividade. Esses

três primeiros estágios constituem o período de lactância (até por

volta de um ano e meio a dois anos, isto é, anterior ao

desenvolvimento da linguagem e do pensamento). 4º) O estágio da

inteligência intuitiva, dos sentimentos interindividuais espontâneos e

das relações sociais de submissão ao adulto (de dois a sete anos, ou

segunda parte da primeira infância). 5º) O estágio das operações

intelectuais concretas (começo da lógica) e dos sentimentos morais e

sociais de cooperação (de sete a onze-doze anos). 6º) O estágio das

operações intelectuais abstratas, da formação da personalidade e da

inserção afetiva e intelectual na sociedade dos adultos

(adolescência)". (Piaget, 1997, p.15).

Pode-se dizer que, para Piaget, o pensamento é anterior à linguagem, sendo esta "o

núcleo motor da inteligência refletida” (1997, p. 17). Inteligência que se desenvolve por

meio de ações e abstrações, e não por meio da linguagem.

A tecnicidade com que Piaget desenvolve sua teoria permite conclusões às vezes

apressadas ou prematuras, podendo incorrer-se em erros passíveis de críticas pesadas e

indefensáveis. Como proposição, permitimo-nos silenciar no momento, para posteriormente

traçar um paralelo entre Piaget e os demais autores enfocados neste capítulo. No entanto,

torna-se necessário não omitir a fraqueza de não se argumentar ou criticar a teoria

26

piagetiana, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento mental da criança. Cabe citar

e analisar um comentário de Bjorn Ramberg, (citado por Jurandir Freire Costa, 1998):

"(...) o naturalismo pragmático é um conceito amplo, deflacionário,

comparado ao determinismo biologizante das teorias materialistas.

Isso significa dizer que as habilidades mentais dos seres humanos,

embora entendidas como naturais, podem e devem ser descritas de

múltiplas maneiras, nenhuma delas „mais fundamental‟, „mais

analítica‟, ou „mais explicativa‟ que a outra(...)”. (p.16, nota de

rodapé).

Lev Semenovich Vygotsky

Vygotsky (1993)5 conseguiu tornar seus estudos relevantes no âmbito da psicologia

e da pedagogia, com núcleos e pontos teóricos sobre desenvolvimento psicológico,

pensamento e linguagem infantis. Contrário à concepção universalista dos fenômenos de

existência concebida por Piaget, adota uma visão marxista, com traços básicos de uma

abordagem sócio-histórica do desenvolvimento humano, contingente e sujeito às

especificidades de seu contexto cultural. Vygotsky se assemelha a Wallon quando aborda o

biológico, o cérebro (como sistema aberto), a cultura, as funções psicológicas superiores e o

papel sócio-histórico no desenvolvimento humano. São núcleos e pontos teóricos básicos

da concepção vygotskiana: a crença no método genético ou evolutivo, “filogenético”6 para

Esta obra foi publicada originalmente em 1934.

Origem das funções naturais.

27

a espécie, histórico para o grupo cultural, ontogênico para o indivíduo", ou seja, uma

configuração do processo individual, singular e único de desenvolvimento; a tese de que a

natureza das funções psicológicas superiores (consciência, vontade e intenção) têm sua

origem nos processos e influências sociais, maiores em relação ao sistema hereditário;

postula a cultura como mediadora para o ser humano face à compreensão de sinais e signos,

como processo de "recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados".

A linguagem verbal - e, consequentemente, humana -, ocupa um espaço importante

para o autor como sistema simbólico. Da mesma forma, o pensamento. A linguagem auxilia

os processos de abstração do intercâmbio social, ou seja, receber, captar, interpretar e

decodificar as informações recebidas e transformá-las em dados de representação da

realidade. Inicialmente, pensamento e linguagem são desvinculados e independentes um do

outro. Antes de se associarem, o pensamento passa por fases (nas palavras de Vygotsky -

seria uma "pré-lingüística do pensamento”) em que há a utilização de instrumentos e

“inteligência prática” como mediação da linguagem verbal. Segundo Oliveira

(1993),

"quando os processos de desenvolvimento do pensamento e da

linguagem se unem, surgindo a linguagem racional, o ser humano

passa a ter a possibilidade de um modo de funcionamento psicológico

mais sofisticado, mediado pelo sistema simbólico da linguagem. ... o

surgimento dessa possibilidade não elimina a presença da linguagem

sem pensamento (como na linguagem puramente emocional ou na

28

repetição de frases decoradas, por ex.), nem do pensamento sem

linguagem (nas ações que requerem o uso da inteligência prática, do

pensamento instrumental)”. (p.47)

Considera-se que o "pensamento verbal" (sentidos e significados dados através da

linguagem) é predominantemente importante para "a compreensão do funcionamento do

homem enquanto ser sócio-histórico". Esses são alguns dos pontos fundamentais para se

começar a compreender um pouco da concepção vygotskiana de linguagem.

Rastrear essas concepções como profissional de Educação Física deixou-nos com

um quê de perplexidade frente às desinformações que temos em relação às teorias

"clássicas" que circulam no mercado das práticas pedagógicas e educacionais. Tendo em

vista os dados obtidos dos informantes durante a coleta de dados para esta dissertação,

percebemos que alguns valores atribuídos às atividades físicas, que ainda circulam em

nosso meio, é mera ilusão generalizada, ou seja, a via de informação teórica para a

compreensão do processo de funcionamento e desenvolvimento humano torna-se esvaziada.

Esta talvez seja uma consideração precoce ou prematura, mas que nos leva a refletir sobre o

procedimento e desenvolvimento de muitas das nossas práticas. Também não se pretende

elevar ostensivamente as concepções de Vygotsky, uma vez que acreditamos que seus

estudos também apresentam lacunas e que nosso processo de desenvolvimento não é tão

linear e tão pautado em fases, como ele apresenta.

Alexandr Romanovich Luria

29

Na trajetória de suas pesquisas teórico-metodológicas sobre a inteligência e a

linguagem no processo de formação de crianças, Luria (1987)7 configura uma tendência

7 Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1927.

unidirecional, onde a fala tem um papel vital na organização e formação dos processos

mentais. Para os autores, os processos verbais capacitam as crianças em suas formas mais

complexas, como memorização, "conduta volitiva", construção de ações conscientes,

formulação de objetivos, capacidade imaginativa e comportamentos essenciais. Os

resultados de investigações anteriores foram tomados como ponto de partida para a

postulação dessa teoria, onde o autor identificou falhas em alguns enfoques, como o

idealista e o mecanicista, pois estes deixavam sem respostas questões relacionadas à

formação e ao processo do desenvolvimento. Luria examinou as psicologias anteriores à

década de trinta, como a soviética e a materialista. A primeira enfoca o

desenvolvimento

complexo da criança como sendo uma simples qualidade espiritual inata. A segunda

considera a formação mental como sendo influenciada por alguma força não explicável ou

uma "força interior" não analisável, "que não se sujeita a nenhuma formação, e que

simplesmente aparece e se manifesta no processo de desenvolvimento" (p.8). No crescente

da história da teoria das psicologias, chega-se a Vygotsky, com o estudo do

desenvolvimento mental relacionado com o desenvolvimento da linguagem. Começou-se

30

então a enfatizar a importância da palavra e da linguagem para posteriores

desenvolvimentos vitais infantis. O papel do desenvolvimento da linguagem passa, a ser

considerado central, enunciador e formador de conexões com a organização e formação do

desenvolvimento mental com as atividades normais de funcionamento da mente.

Dessa forma, de acordo com a nossa visão, no contexto dos estudos de

desenvolvimento centrados na linguagem oral, tornam-se marginais os surdos e mudos, pois

têm suas capacidades de audição e fala subdesenvolvidas. Esse subdesenvolvimento

perpassa também "sérios déficits", com atraso nos processos de formação mental e,

consequentemente, em suas condutas vitais, entenda-se como condutas motoras. Também

crianças com casos de atraso no desenvolvimento da linguagem são contempladas por Luria

(1987) sugerindo-se que, a "aquisição artificialmente acelerada da linguagem pode

conduzir não só ao enriquecimento da atividade verbal, como também a uma

reorganização essencial de desenvolvimento mental geral da criança" (p.26).

Henri Wallon

Wallon (1995)8, em suas críticas, se assemelha a Luria, contrapondo-se às

concepções idealistas, cujo propósito de estudo é a introspecção, o psiquismo reduzido à

vida interior; à concepção idealista de Bergson, em que, além do individualismo, a intuição

seria a única via de acesso à realidade; contrapõe-se também à concepção materialista

mecanicista, que se apresenta com propostas reducionistas e organicistas, cuja visão são as

Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1949.

31

bases biológicas da ciência e consciência psicológica; e à concepção positivista, que tem a

intenção de reduzir as ciências do homem, mantendo um distanciamento das variáveis que

podem modificar-se à medida que são observadas. Esta pode ter sido uma das razões que

levaram Augusto Comte a desconsiderar a psicologia dentro do quadro das ciências, por

escapar ao rigor e à objetividade.

Wallon se distancia de Luria no momento em que assume a concepção dialética

materialista, aplicando-a na sociomotricidade. Em sua corrente de pensamento, são muito

freqüentes as abordagens e inserções marcantes da psicologia e da psiquiatria, com suas

funções e disfunções neurológicas. Segundo La Taille et alii (1992), sua psicogenética9 se

desenvolveu a partir das patologias; ou seja, utiliza-se a doença, o patológico, como

elemento fundante para a compreensão da normalidade. Wallon estuda as bases

neurológicas como concepção metodológica e faz estudos "comparativos e evolutivos em

diferentes espécies animais e em diferentes momentos da história humana individual e

coletiva” (p.36).

Izabel Galvão (1998), em sua análise, escreve que Wallon parte do princípio de que

o ser humano é “organicamente social”, isto é, que a cultura e o conhecimento são dois

elementos, utilizando uma expressão vygotskiana, extra-corticais (fora do cérebro),

intervenientes na estrutura orgânica. A partir desses elementos, o cortical e o extra-cortical,

ou o orgânico e o cultural, é que Wallon assume sua escolha pelo materialismo dialético.

Estudo da origem e da evolução das funções psíquicas, psicogenia. (Dicionário Aurélio da Língua

Portuguesa).

Psicocinética: Princípios metodológicos próprios que norteiam uma visão global de educação. (Revista

Motrivivência, 1993, p.186).

32

Quanto ao desenvolvimento infantil,

“Recusando-se a selecionar um único aspecto do ser humano e isolá-

lo do conjunto, Wallon propõe o estudo integrado do

desenvolvimento, ou seja, que este abarque os vários campos

funcionais nos quais se distribui a atividade infantil (afetividade,

motricidade, inteligência). Vendo o desenvolvimento do homem ser

geneticamente social, como processo em estreita dependência das

condições concretas em que ocorre. Propõe o estudo da criança

contextualizada, isto é, nas relações com o meio. Podemos definir o

projeto teórico de Wallon como a elaboração de uma psicogênese da

pessoa completa”. (Galvão, 1995, p.32).

Assim, para estudar a criança contextualizada, torna-se necessário perceber a

dinâmica de seus recursos, de sua interação com os sujeitos, e a trama ambiental na qual

está inserida.

Segundo Galvão (1998), de acordo com as etapas de formação da criança, esta

retira desse contexto os recursos para o seu desenvolvimento, com um caráter de

relatividade, que determinam essa reciprocidade entre o ambiente e a cultura, e a dinâmica

de sua conduta. Mais determinante no início, o biológico vai, progressivamente cedendo

espaço de determinação ao social. Presente desde a aquisição de habilidades motoras

básicas, como a preensão e a marcha, a influência do meio social torna-se muito mais

33

decisiva na aquisição de condutas psicológicas superiores, como a inteligência simbólica. A

cultura e a linguagem é que fornecem ao pensamento os instrumentos para sua evolução. O

simples amadurecimento do sistema nervoso não garante o desenvolvimento de habilidades

intelectuais mais complexas. Para que se desenvolvam, precisam interagir com o "alimento

cultural”, isto é, “linguagem e conhecimento” (p. 41).

Concluindo, não há limite fixo para se desenvolver a inteligência, nem o sujeito,

pois estes dependem "das condições oferecidas pelo meio" e do "grau de apropriação que

os indivíduos fazem destas condições”(p.43) Para o desenvolvimento da pessoa, a

concepção psicogenética de Wallon (1995), propõe cinco estágios:

- Estágio "impulsivo-emocional”: é o primeiro ano de vida da criança, onde a emoção e a

afetividade geram as primeiras reações, dada a interação com o ambiente e o contato físico

com as pessoas.

- Estágio “sensório-motor e projetivo”: vai até o terceiro ano de vida e é

fundamentalmente marcado pelo “desenvolvimento da função simbólica e da linguagem”.

O termo projetivo, segundo Galvão (1998), refere-se às características do funcionamento

mental. “(...) o ato mental projeta-se em atos motores. Ao contrário do estágio anterior,

neste predominam as relações cognitivas com o meio (inteligência prática e

simbólica)”(p.15).

- Estágio “do personalismo”: ocorre aproximadamente dos três aos sete anos, seu ponto

central é a formação da personalidade, a construção da consciência de si mesmo, que vai

34

se desenvolvendo através e por meio das “interações sociais”, incorporando a afetividade,

os recursos intelectuais e a linguagem.

- Estágio “categorial”: inicia-se por volta dos seis anos. “Os progressos intelectuais

dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e a conquista do

mundo exterior, imprimindo às suas relações com o meio a preponderância do aspecto

cognitivo”(p.17).

- Estágio “da adolescência”: caracterizado por momentos conturbados nas questões

pessoais, morais e existenciais. Devido às ações hormonais, é fortemente marcado pela

necessidade de “uma nova definição dos contornos da personalidade”(p.20), onde é

premente o retorno à afetividade.

Esses estágios de desenvolvimento apresentam um ritmo descontínuo, que Wallon

analogicamente compara ao movimento de um pêndulo, que oscila entre pólos opostos;

porém, assumem características próprias a cada etapa ou estágio do desenvolvimento.

Síntese da proposta dos autores da psicologia do desenvolvimento

Propõe-se, aqui, condensar as idéias principais de - Piaget, Vygotsky, Luria,

Wallon, tendo em vista buscar um respaldo científico de produção acadêmica para a área da

Educação Física.

Piaget apresenta-se como um estruturalista clássico. Ele considera que os estágios

ou subestágios de desenvolvimento são hierárquicos, seguindo uma seqüência invariável

para todas as crianças de todas as culturas, sendo flexível somente a idade, ou seja, cada

35

criança tem seu tempo próprio para entrar em cada fase. Sua proposta de organização

cognitiva da criança é formulada como universal, independentemente das culturas. É

prioritariamente a inteligência que permite às crianças lidar favoravelmente com o seu meio

ambiente. Também postula que a interação da criança com o mundo, com as pessoas e com

o ambiente é favorecida através do aparecimento e desenvolvimento das fases ou estágios e,

das estruturas que vão se construindo ao longo dos anos tais como: a linguagem, o

pensamento, a afetividade, o movimento e as ações sensoriais, perceptivas e sociais.

Enfatiza as fontes biológicas das estruturas cognitivas e lógicas, desprezando as fontes

sociais e culturais, concebendo a criança como solucionadora de problemas lógicos

(estágios pré-operatório e operatório concreto).

Em Piaget, o fundamental para os efeitos desta dissertação é que o pensamento é

anterior à linguagem, pois a inteligência se desenvolve por meio de ações e abstrações, e

não por meio da linguagem. Surge então, com este postulado, o pressuposto do porquê da

divulgação e, consequentemente, da valorização da teoria piagetiana, tão presente nos

currículos dos cursos de Educação Física, sobretudo nos cursos de graduação. É o

movimento - ações - favorecendo a inteligência e o desenvolvimento do pensamento.

Vygotsky se apresenta contrário a Piaget em relação à interação com o meio,

adotando uma concepção marxista com traços de uma abordagem de desenvolvimento

humano sócio-histórico, contingente e sujeito às especificidades do contexto cultural. Para

ele, a consciência, a vontade e a intenção têm sua origem nos processos e influências

sociais, que sobrepujam o sistema hereditário. Inicialmente, pensamento e linguagem

36

estariam dissociados. Pois o pensamento, considerado como a fase pré-lingüística, utiliza-

se da inteligência prática para atingir a linguagem verbal. Portanto, quando pensamento e

linguagem se unem, desenvolve-se a linguagem verbal e o ser humano passa a ter

possibilidade de um modo de funcionamento psicológico mais sofisticado, mediado pelo

seu sistema simbólico, que inclui a compreensão e a interpretação de sinais e signos.

O ponto fulcral da teoria vygotskyana, nos termos desta dissertação, centra-se no

pensamento e na linguagem que, após se unirem, tornam-se igualmente importantes para a

compreensão do funcionamento do indivíduo enquanto ser sócio-histórico.

Os estudos de Luria centram-se na linguagem como mecanismo enunciador e

formador de conexões. Indicam uma tendência unidirecional, em que a linguagem tem um

papel vital na organização e formação dos processos mentais. Através dos processos verbais

a criança torna-se capaz de construir suas ações mais complexas e conscientes como a

memorização, a imaginação, a vontade e objetivos pessoais.

Focalizando a linguagem como meio indispensável para os demais processos de

desenvolvimento da criança, sobretudo o mental, Luria não se assemelha aos demais

autores aqui analisados. Desta maneira, distancia-se do foco da Educação Física, que é o

movimento corporal humano, o que pode justificar estar esta teoria distante dos currículos

dos cursos de graduação, e também ser tão pouco veiculada no nosso meio acadêmico. No

entanto, considerando que um dos objetos desta dissertação é a linguagem, tornou-se

relevante abordar a teoria de Luria, buscando maior compreensão do processo de

37

desenvolvimento desta, como subsídio para se chegar a conclusões não somente de caráter

empírico, mas também teórico.

Para Luria a palavra, a fala ou a linguagem, favorecem o pensamento e,

consequentemente os posteriores desenvolvimentos vitais da criança. Faz-se uma ressalva,

no momento em que para que o trabalho corporal compartilhe com esta proposta de Luria,

torna-se necessário centrar-se na primeiramente na linguagem, para que o mesmo venha

contribuir de forma positiva e favorável para o desenvolvimento global.

Wallon utiliza-se de casos patológicos como meio de sustentação para se aproximar

do conceito de normalidade, donde conclui que, o ser humano é genética e organicamente

social. Para ele cultura e conhecimento são elementos intervenientes na estrutura orgânica.

O autor propõe o estudo dos processos de formação e desenvolvimento da criança

contextualizados, isto é, em suas relações com o meio. A cultura e a linguagem é que

fornecem ao pensamento os instrumentos necessários para sua evolução.

Considerou-se relevante a revisão das teorias dos quatro autores selecionados sobre

o desenvolvimento humano, embora, com exceção de Piaget, os três outros sejam pouco

veiculados no meio acadêmico da Educação Física. Avançar no estudo das teorias destes

autores pode significar o surgimento de novas propostas para a Educação Física, na medida

em que amplia seu campo de conhecimento. De uma maneira ou de outra, é nossa opinião

que se deva conhecer a psicologia do desenvolvimento para traçar os objetivos da prática,

considerando sua diversidade e centralizando seu foco na melhor maneira de adequar o

ser humano às práticas, e as práticas às características do ser humano.

38

Num esforço de síntese das teorias e propostas aqui revistas, pode-se dizer que:

A) Não há consenso sobre a relação entre pensamento e linguagem verbal: todos os quatro

autores.

B) Aparece uma relação forte sobre o contexto sócio-histórico-cultural: Vygotsky, Luria e

Wallon.

C) Aparece a relação forte entre ação e pensamento: Piaget.

D) A linguagem verbal é derivada e irrelevante fora do contexto sócio-histórico: Vygotsky.

Portanto, Piaget é o autor que mais se aproxima do tema deste estudo sobre a

relação entre atividade física e desempenho acadêmico, quando concebe que a inteligência

se desenvolve por meio de ações e abstrações, e não por meio da linguagem. O que

confirma o motivo pelo qual este autor é com freqüência abordado nos cursos de graduação

em Educação Física.

A Teoria das Representações Sociais

Nesta seção, proceder-se-á à apresentação dos traços e elementos mais marcantes,

para efeito de identificação e entendimento das Representações Sociais, com base nas

concepções de Moscovici e seus seguidores - Abric e Jodelet. Também serão abordados

outros autores brasileiros, estudiosos da Teoria das RS10

, dentre eles: Celso Pereira de Sá,

Mary Jane Spink, Pedrinho Guareschi e Sandra Jovchelovitch.

No entendimento de Moscovici (In: Guareschi & Jovchelovitch, 1995, Prefácio), as

Representações Sociais são racionais, na medida em que são sociais e coletivas. Elas se dão

39

a partir de grupos sociais, e não do "individual", sendo um centro único e possível de

análises para todo e qualquer processo psicossocial. Eis aqui - considera Moscovici -, o

grande equívoco e também uma crítica aos estudos da Psicologia Social, que não

conseguiram estabelecer uma relação entre indivíduo e grupo social pertencente, pois

"fenômenos psicossociais possuem uma lógica interna diferente da lógica individual".

Pode-se assim considerar que a Teoria das Representações Sociais emergiu

verdadeiramente ao centrar sua visão e seus objetivos na relação entre os dois: indivíduo e

sociedade. Jovchelovitch complementa: "ao fazer isso, ela [RS] recupera um sujeito que,

através de sua atividade e relação com o objeto-mundo, constrói tanto o mundo como a si

mesmo" (In Guareschi & Jovchelovitch, 1995,p.19).

Entretanto, Moscovici (1978) reconstrói sua crítica - valorizando os aspectos,

categorias, objetos de estudo e corpo de conhecimento de toda ciência - para modelar e

definir nova ciência e novas teorias através do senso comum. Ou seja: o foco central de

cada ciência socializa-se, tornando-se senso comum, e para que isso ocorra faz-se

necessário desconstruir, reconstruir, para, consequentemente, construir novamente, dando

nova roupagem ao objeto social em construção.

Representação Social é, para Moscovici (1978),

"não um simulacro, mas sim constitutiva da realidade que

experienciamos e na qual a maioria das pessoas se movimenta. A

Representação Social é o sinal e a reprodução de um objeto

10 RS será utilizado ao longo desta dissertação como abreviatura para as Representações Sociais.

40

socialmente valorizado. Representar alguém é edificar uma doutrina

que facilite a tarefa de decifrar, predizer ou antecipar os seus atos.

(...) É um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades

psíquicas graças às quais os homens tornam inteligível a realidade

física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação quotidiana de

trocas e liberam os poderes de sua imaginação" (p.28).

RS é um sistema que tem "uma lógica e uma linguagem particulares, uma

estrutura de implicações que assenta em valores e em conceitos (...) teorias, ciências

coletivas sui generis, destinadas à interpretação e elaboração do real" (Moscovici, 1978,

p.50).

Pode-se dizer que a teoria de Moscovici caracteriza-se pelas interações sociais, pelo

universo do quotidiano, pelas falas e discursos homogeneizantes que circulam e se

cristalizam em nosso meio, como as crenças e o senso comum, sendo estes os objetos de

análise para as Representações Sociais.

Segundo Abric 91994), toda Representação Social é organizada dentro de um

núcleo central, que se constitui como "elemento fundamental", determinando sua natureza,

sua significação, unificação, estabilização e "organização interna". Portanto, para toda

Representação Social deve haver um núcleo central, sem o qual essa Representação não

teria sentido ou não existiria. O núcleo central é:

41

“um subconjunto da representação, composto de um ou mais

elementos, donde sua ausência desestrutura a representação e lhe dá

outra significação completamente diferente" (p.74).

Esses elementos podem ser "equivalentes quantitativamente", podendo um estar no

núcleo central e o outro no sistema periférico, donde o que importa é a sua "dimensão

qualitativa", dimensão esta considerada como fator preponderante em dar sentido à

representação.

O sistema central é constituído pelo núcleo central, que apresenta as seguintes

características:

“ele é diretamente relacionado e determinado pelas condições

históricas, sociológicas e ideológicas, e é fortemente marcado pela

memória coletiva do grupo e pelo sistema de normas ao qual se

refere;

ele constitui a base comum, coletivamente partilhada da

Representação Social. Sua função é consensual. É por ele que se

realiza e se define a homogeneidade de um grupo social;

ele é estável, coerente, resiste à mudança, assegurando uma segunda

função, a da continuidade e da permanência da Representação;

é relativamente dependente do contexto social e material imediato,

donde se coloca a representação em evidência” (Abric, 1994, p.79).

42

As características do sistema central e do sistema periférico de uma Representação

Social, são apresentadas no seguinte quadro:

“Sistema Central Sistema Periférico

- Ligado à memória coletiva e à história do grupo - Permite a integração de experiências

e histórias individuais;

- Consensual; define a homogeneidade do grupo - Suporta a heterogeneidade do grupo;

- Estável; coerente; rígido; - Subserviente; suporta contradições;

- Resiste à mudanças; - Evolutivo;

- Pouco sensível ao contexto imediato. - Sensível ao contexto imediato;

- Flexível.

Funções: Funções:

. Gera a significação da representação; . Permite a adaptação à realidade

concreta;

. Determina sua organização. . Permite a diferenciação do

conteúdo;

. Protege o sistema central”.

(Abric, 1994, p.81).

43

Os elementos periféricos se distinguem um pouco do núcleo central, apresentando-

se "menos estáveis e mais flexíveis". Porém, são eles elementos indispensáveis ao núcleo

central, pois que, se apresentam com características funcionais de defesa e manutenção da

representação. "Eles vão desempenhar um papel essencial na intervenção dos processos de

defesa ou de transformação da representação" (Abric, 1994, p.76).

Para que uma Representação Social seja transformada, torna-se imprescindível que

também seu núcleo central seja modificado; e essas mudanças iniciam-se pelo sistema

periférico. Pereira de Sá (1998) complementa essa temática do núcleo central destacando

sua relevância para a pesquisa, com dois tópicos básicos: "a transformação das

representações e a comparação entre representações.”(p.77). Segundo o autor, quanto à

transformação, esta começa sempre pelo

"sistema periférico, face a modificações introduzidas nas práticas

sociais; e pode apresentar diferentes desenvolvimentos e estados

finais, dependendo de variadas circunstâncias. Quanto à comparação

entre as representações mantidas por dois grupos distintos ou por um

mesmo grupo em diferentes momentos, a teoria proporciona o

seguinte critério: elas são diferentes se - e apenas se - os seus núcleos

centrais tiverem composições significativamente diferentes”

(p.77).

44

Com base nas contribuições de Abric e Pereira de Sá, pode-se questionar: será que

não estamos no caminho para modificar nossa Representação Social em relação às

contribuições verdadeiramente efetivadas e proporcionadas pela prática das atividades

escolares? A discussão desse questionamento será mais elaborada a partir da análise das

entrevistas, feita no próximo capítulo.

Para Jodelet (1989), Representação Social

"é uma forma de conhecimento, socialmente elaborado e

partilhado, tendo um objetivo prático e concorrendo para a

construção de uma realidade comum a um conjunto social" (p.10).

Para a autora, a contribuição das representações se dá a partir do momento em que

elas nos auxiliam no processo de compreensão de nossa relação com a realidade e com o

quotidiano. Dessa forma, elas estão presentes e "atuantes na vida social", circulando em

nossos discursos através das "palavras, veiculadas nas mensagens e imagens mediáticas,

cristalizadas nas condutas e nos agenciamentos materiais ou espaciais" (p.3), fazendo com

que se construam visões consensuais dos objetos que representam a realidade, podendo

determinar a "ação sobre o mundo e sobre o outro". Resumidamente, pode-se dizer que as

representações se formam no meio interdiscursivo com um fim prático em seus principais

elementos, tais como: "informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores,

atitudes, opiniões e imagens" (p.5).

Tendo as Representações Sociais, segundo as concepções de Jodelet (1989), estes

elementos descritos acima, sobretudo as crenças, valores e opiniões, pode-se dizer que

45

nosso estudo se relaciona perfeitamente às propostas da Teoria das Representações Sociais,

uma vez que se tem como objetivo descristalizar as crenças e imagens hipoteticamente

existentes nos discursos dos profissionais de Educação Física sobre a relação positiva entre

as atividades físicas, a formação do conhecimento e da linguagem verbal.

Também dentro da dinâmica das Representações Sociais e da escolha da amostra

deste estudo, supõe-se existir um meio de adesão às concepções de Jodelet (1989) - no que

concerne à categorização da amostra, assim como à expressão e identidade desse grupo:

"O lugar, a posição social que ocupam os indivíduos ou a função que

preenchem, determinam os conteúdos das representações e sua

organização, via a relação ideológica que mantêm com o mundo

social, as normas institucionais e os modelos ideológicos que

obedecem" (p.15).

Propostas de abordagem pedagógica da Educação Física

Sabe-se que a Educação Física percorre por longos anos caminhos que a fazem

buscar, cada vez mais acentuadamente, sua legitimidade e identidade. Da mesma forma, à

medida que amplia seu campo de conhecimentos, vai diversificando sua abordagem

teórica, seus métodos e suas formas de trabalho. Não se pretende aqui fazer uma varredura

na sua história, apenas destacar nomes de alguns autores que não poderiam, em hipótese

nenhuma, ser omitidos.

46

Rui Barbosa é considerado por Inézil Penna Marinho (1975), como o grande

“paladino da Educação Física” no Brasil. Rui Barbosa, nos deixa seu legado de

contribuições para a Educação em geral e, especificamente, para a Educação Física, sendo

que, para ele esta deveria ter como alvo o desenvolvimento da natureza humana moral e

intelectual do homem.

Abordando Fernando de Azevedo (1960), temos como uma visão panorâmica de

sua obra, que ele visava, da mesma maneira que Rui Barbosa, uma Educação Física com

fins gerais e claramente definidos sobre o desenvolvimento dos aspectos “mentais, morais e

sociais”. Em uma passagem de seu livro o autor reforça esta idéia, que deve sobrepujar

somente os aspectos corporais:

“É preciso, pois, insistir sobre a amplitude da ação da Educação

Física que não se limita à que exerce sobre o corpo humano, pelo seu

adestramento sistemático, mas se estende, quando bem orientada

segundo planos racionais, à inteligência, à formação da

personalidade, à criação de hábitos morais e sociais, indispensáveis à

vida comum, numa sociedade organizada conforme estes ou aqueles

modelos”. (p.19).

Nessa obra, Azevedo vai tecendo todos os objetivos que para ele são

imprescindíveis para o desenvolvimento global do ser humano, através das atividades

físicas. Delega o autor responsabilidades que, sob nosso ponto de vista, são por demais

47

abrangentes e utópicas para a Educação Física, nos termos como hoje esta é adotada nas

escolas, sobretudo nas primeiras séries do 1ºgrau. Por outro lado, as contribuições de

Azevedo são inestimáveis, tendo em vista terem sido publicadas na década de 20 e se

tornado fulcrais para as novas teorias, literaturas, propostas e objetivos da Educação

Física.

Mais recentemente, considera-se que a Educação Física, à medida que amplia seu

campo de conhecimentos, vai fragmentando sua identidade. Assim, ela é adotada no meio

acadêmico com várias denotações. Hoje, pode-se considerá-la em meio a uma diversidade

muito profícua de interesses, leituras, pesquisas, denominações, áreas de trabalho com suas

diversas especialidades, por exemplo: a esportivização, treinamento, atividades escolares,

lazer e outras. Seu dinamismo e sua multidisciplinaridade a tornam particularmente

singular.

Para caracterizar o que é Educação Física é preciso lidar com divergências,

confrontos, embates, debates e muita polêmica, como pode ser verificado neste breve

mapeamento de alguns dos autores de maior influência no meio acadêmico contemporâneo.

Começando por Manoel Sérgio Cunha (1989), que concebe a Educação Física como uma

Ciência da Motricidade Humana, pois acredita que as “condutas motoras” (todos os

comportamentos onde são exigidos movimentos) emergem das atividades abarcadas pela

área, como o esporte, a dança, a ginástica, o jogo competitivo ou esportivo, num campo

“próprio do lazer e da recreação, da ergonomia, da educação especial e da reabilitação,

com a regularidade que permite a construção de estruturas ou modelos, que permite afinal

48

uma generalização” (p.35). Pode-se pressupor que o autor define dessa maneira a

Educação Física na tentativa de atender a uma designação ampla do termo, e que, por

desenvolver pesquisas científicas, reducionistas ou não, a mesma necessita deste corte

epistemológico, tornando-se assim, uma ciência, na visão de Manoel Sérgio Cunha.

Nessa linha, as respostas às questões desta dissertação poderão ser negativas ou

neutras, sem afirmarem correlação entre as atividades físico-desportivas e o desempenho ou

rendimento acadêmico.

Numa outra vertente, a Educação Física, por se apropriar de elementos de outras

áreas e ciências, como a psicologia, a medicina, a sociologia, a antropologia, dentre outras,

pode ser também concebida como um campo de conhecimento. Por outro lado, autores

como Adroaldo Gaya (1994) a interpreta como “disciplina normativa que se concretiza

através de uma prática pedagógica com objetivos formativos”. (p.31). Aqui, ao contrário

do que se vê em Manoel Sérgio Cunha, há um espaço ótimo para a correlação entre as

atividades físico-desportivas e o desempenho ou rendimento acadêmico; como uma

transferência para a produção acadêmica, através da concentração, disciplina, esforço

contínuo, autocontrole e responsabilidade.

Walter Bratch (1995), não vê a Educação Física como uma ciência:

“é claro que a reflexão filosófica e a prática científica estão presentes

no âmbito da Educação Física, mas também estão presentes no

49

âmbito de uma série de outras práticas sociais, sem que isso as

transforme em ciência ou em filosofia”. (p. III).

Com este posicionamento, Bratch se coloca entre os dois autores anteriormente citados,

assumindo, pelo que se percebe, um papel de mediador.

Nessa linha, surgem os conflitos, instalando-se a polêmica sobre a identidade da

Educação Física. No entanto, torna-se imprescindível dizer que, de uma maneira ou de

outra, todos os autores centram seu foco principal na melhor maneira de adequar o ser

humano às práticas da Educação Física, e as práticas às características do ser humano.

Durante a realização deste estudo, deparamo-nos com temas como cultura

corporal, expressão corporal. Por isso considerou-se necessário fazer uma configuração,

para que não se tornem inócuos nem flutuantes, evitando conotações diversas e,

consequentemente, polêmicas. Nesta nova corrente da Cultura Corporal, o conceito que

parece mais veicular no meio acadêmico é o adotado pelo livro Metodologia da Educação

Física (Coletivo de Autores, 1992), reunindo as colaborações de: Carmem Lúcia Soares,

Celi Nelza Zülke Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar

e Walter Bracht.

Denominam estes autores a Educação Física como Cultura Corporal , porque essa

área de conhecimento está presente pedagogicamente nas escolas como uma prática docente

que deve estar comprometida com “o processo de transformação social”. Às questões

terminológicas e às construções teóricas, os autores chamam de paradigmas. Portanto, para

50

cada paradigma que surge, deve haver uma prática pedagógica correspondente. Na idéia

dos autores, os jogos, a dança, a ginástica, o esporte são considerados como “manifestações

da Cultura Corporal”, sendo a expressão corporal admitida como “linguagem social e

historicamente construída”.

Nesta linha insere-se a contribuição de Richard Rorty (1994), com seus princípios

sobre as descrições do mundo. Segundo Rorty, “o mundo não fala, nós é que falamos”.

(p.26). Dessa maneira, interpretando esta passagem do autor, pode-se dizer que o mundo

está diante de nós e não está pronto. Para descobri-lo, torna-se necessário descobrirmos

novas “metáforas”, adquirindo assim uma nova capacidade de (re)descrevermos este

mundo, mundo este que, para efeitos da dissertação se refere à Educação Física. Assim, de

acordo com o autor, deve-se criar, recriar, descobrir, redescobrir uma nova forma de

redescrever o mundo, tendo em vista as interações, os estímulos do meio e a época que se

vive.

Para se considerar as atividades corporais como Cultura Corporal torna-se

necessário verificar suas normas, suas condições de adaptação à realidade na qual estarão

inseridas, ou seja, a “realidade social e cultural da comunidade que o pratica, cria e

recria”. (p.71). Conclui-se que todo e qualquer programa proposto pela escola - pelos

professores de Educação Física - deve levar em consideração o contexto sócio-histórico-

cultural, onde está inserida toda a comunidade escolar.

Os autores aqui abordados hoje se apresentam com propostas mais elaboradas e

posicionamentos mais progressivos. O pano de fundo (Educação Física) não foi alterado,

51

mas a figura (propostas) foi atualizada de acordo com novos conhecimentos adquiridos, as

pesquisas desenvolvidas e todo o universo constitutivo da área, tendo em vista as

mudanças e demandas sociais.

Em síntese, a interpretação da autora é que, independentemente da acepção

acolhida, a Educação Física pode contribuir para a construção da pessoa em sua plenitude,

isto é, sem discriminar o espírito e sua manifestação pluriforme, em que se destaca a

linguagem e a cultura corporal, social e histórica.

52

III. METODOLOGIA

Para responder às questões a serem investigadas, foi utilizada uma abordagem

plurimetodológica.

Com base no suporte teórico apresentado no Capítulo II, e cuidando para não

conduzir os resultados com o propósito de confirmar idéias preconcebidas, o estudo se

pautou pela tentativa de captar o núcleo central e o sistema periférico das representações

sociais dos professores de Educação Física entrevistados. O núcleo central, como princípio

organizador, desempenha um papel fundamental e norteador na estruturação e no

funcionamento das Representações Sociais, designando desdobramentos inteiramente

significativos na busca de sentido para as representações que são objeto de nossa pesquisa.

Por sua vez, o sistema periférico estaria associado às construções elaboradas no

quotidiano, com forte componente etnometodológico, de acordo com os fundamentos

estabelecidos por Alain Coulon (1995). Estes fundamentos serão aqui revistos, juntamente

com as contribuições de Richard Rorty (1994) a respeito da construção da realidade. A

análise das entrevistas foi orientada pelos preceitos da análise do discurso, conforme

53

estipulados por Laurence Bardin (1997), Michel Pêcheux (1995) e Dominique

Maingueneau (1997). Neste capítulo são também apresentados os sujeitos do estudo e os

instrumentos para coleta dos dados.

Etnometodologia

A etnometodologia surgiu na década de 60, como uma corrente da sociologia norte-

americana da Costa Oeste. Teve como seu precursor Harold Garfinkel, com sua obra

intitulada Studies in Ethnometodology. Esta corrente surge em oposição ao pensamento

sociológico tradicional, com vistas a ampliar o pensamento social, atribuindo maior

importância à compreensão do que à explicação dos fenômenos do mundo quotidiano,

considerando que: “O real já se acha descrito pelas pessoas. A linguagem comum diz a

realidade social, descreve-a e ao mesmo tempo a constitui” (Coulon, 199511

, p. 7-8).

A etnometodologia privilegia a abordagem qualitativa em oposição à quantitativa,

pois esta não revelaria os processos pelos quais os dados da realidade são construídos,

tendo em vista seu caráter reducionista. Este foi seu foco principal de oposição e ruptura

com a sociologia tradicional (Durkheim, Weber e Pareto), conferindo-lhe importância

teórica e epistemológica. Privilegiando os fenômenos microssociais, esta abordagem tenta

compreender como é que os atores sociais vêem, descrevem, dão sentido, entendem,

interpretam e constroem a realidade e o mundo social.

54

Dentre os vários conceitos chave da etnometodologia será abordada a indicialidade,

pela sua aproximação com esta dissertação. Para Coulon (1995), a vida social se constitui

através da linguagem quotidiana, e, por esse motivo, a linguagem torna-se um dos pontos

11 Esta obra foi publicada originalmente em 1987.

fulcrais sobre o qual a etnometodologia vai se centrar. Olhar para a indicialidade como um

problema do discurso quotidiano aponta para o fato de que a compreensão do diálogo dos

atores está em íntima relação com esta propriedade. Os distintos significados da palavra

dependem do contexto em que ela é dita, da história e das intenções do locutor, além da

relação e da história das conversações que se mantém com o interlocutor, e somente há a

possibilidade de uma leitura do mundo no qual os atores sociais estão inseridos.

Outra categoria relevante da abordagem etnometodológica é a de membro do grupo,

membro que, conforme Coulon define, é:

“alguém que, tendo incorporado os etnométodos de um grupo social

considerado, exibe naturalmente a competência social que o agrega a

esse grupo e lhe permite fazer-se reconhecer e aceitar” (1995, p. 48),

no contexto real em que vivem e desenvolvem suas práticas.

Neste estudo, que tem como objeto de investigação o grupo dos professores de

Educação Física, esta abordagem etnometodológica tornou-se pertinente e relevante, dado

que a autora também é professora de Educação Física, tendo familiaridade com os termos

55

específicos e experiência prática profissional. Desta forma, sua aproximação com o objeto

de estudo teve um caráter etnográfico centrado no próprio “grupo de pertença”.

Contribuições de Richard Rorty (1994) para a análise e interpretação dos resultados

Richard Rorty (1994), com suas contribuições, destacou para a autora a importância

de interpretar e produzir sentido para as entrevistas com um olhar de redescoberta de

outras construções, visões e redescrições dentro do contexto da linguagem e deste estudo.

Ao introduzir a noção de que é através da linguagem e das palavras que se vai não apenas

representando ou expressando a realidade, mas construindo-a, o autor proporcionou uma

nova maneira de nos centrarmos na retextualização e redescrições dos dados coletados, e

que nos são reais.

Avançando em suas concepções, Rorty sugere uma outra maneira de interpretar os

dados da realidade, sobretudo desta em que se insere este estudo, com uma visão de que

não existem verdades absolutas, pois não há como adquirir controle e previsão dos fatos

que circunscrevem nossa realidade. Para ele,

“o mundo está diante de nós, mas as descrições do mundo não. Só as

descrições do mundo podem ser verdadeiras ou falsas; o mundo por si

próprio - sem auxílio das atividades descritas dos seres humanos -

não pode” (p.25).

56

Com base não apenas nesta citação, mas em toda a obra de Rorty, procurou-se

manter a dissertação fiel e “solidária”, respeitando-se os posicionamentos dos informantes,

como uma busca do alargamento do círculo do “nós” (“grupo de pertença” - da

etnometodologia).

Na produção e na construção dos discursos destes informantes, representados pela

amostra do estudo, foi possível traçar uma linha interpretativa para os fatos, à medida que

eram redescritos e resignificados por eles, e que, neste caso, representavam e representam

suas (informantes) e nossas (grupo) práticas.

A análise do discurso

Para o tratamento das entrevistas, utilizou-se como metodologia básica a análise do

discurso (AD). Que teve como seu precursor Michel Pêcheux (1990). Adotando o discurso

como objeto e o texto como unidade (contrapondo-se assim à lingüística, que tem a língua

como objeto de estudo e a palavra como unidade), a análise do discurso opera com a

materialidade histórica discursiva. A análise de discurso vai além da superfície discursiva

ou das formas de funcionamento da língua, trabalhando com questões enunciativas mais

profundas. Seu principal contraponto com a lingüística está na "historicidade discursiva",

ou seja, o analista do discurso deve questionar os processos de produção que estão

implícitos no discurso analisado, identificando que o sujeito fala de determinado lugar

social e, portanto, possui interesses individuais e coletivos. Comparada ao estudo das

Representações Sociais, esta formulação é paralela às proposições de Jodelet (1989), em

57

que as normas e regras são produzidas nas interações, levando-se em conta os processos e o

contexto social. Assim, o sujeito, tendo em vista sua posição social, direciona

estrategicamente sua fala, e para desvendá-la, a análise do discurso deve procurar identificar

as marcas que denunciam a presença de "outras vozes", do "não-dito". Percebe-se

novamente a semelhança com a teoria das Representações Sociais, sobretudo em Mead

(citado por Jovchelovitch, 1995), sobre a questão da alteridade: "o outro generalizado é que

dá sentido ao sujeito; sua possível unidade enquanto eu, e não há possibilidade de um

desenvolvimento do eu sem a internalização de outros" (p.69). Podemos nos reportar aqui

`a "heterogeneidade mostrada" a que se referem Pêcheux (1995) e Maingueneau (1997).

Pêcheux fala do "(...) discurso do outro, colocado em cena pelo sujeito, ou discurso do

sujeito se colocando em cena como um outro (..) (p.316), conduzindo, assim, para uma

temática das "formas lingüístico-discursivas do discurso-outro". Isso significa que o

discurso não nasce em nós mesmos, mas é uma apropriação de vozes de terceiros. Dessa

forma, todo dizer tem relação com outros; quando se fala, mobiliza-se um saber construído

sócio-histórico-culturalmente.

Maingueneau (1997) considera a “heterogeneidade mostrada” como “as

manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de

enunciação” (p. 75). Agrupa nesta categoria da heterogeneidade mostrada um conjunto de

mecanismos que devem ser utilizados pela análise do discurso. No contexto desta

dissertação, torna-se relevante abordar um dos mecanismos considerados por

Maingueneau, a “polifonia”, que nada mais é que um coro de vozes em que se identificam

58

os enunciadores e locutores. O autor introduz em sua obra as idéias de O. Ducrot, que

considera que há polifonia quando se distingue um enunciador, que são aqueles cujas vozes

estão presentes na “enunciação, sem que, se lhes possa atribuir palavras precisas” (p.76),

mas cuja enunciação permite que seu ponto de vista seja expresso; e locutores, que são

aqueles responsáveis pelo enunciado, mas não necessariamente seus produtores físicos. O

locutor pode enunciar posições diversas da sua.

Avançando nas concepções sobre a heterogeneidade, tem-se as formações

discursivas, que se apresentam de duas maneiras: em sua auto-relação e em sua relação com

o exterior (que se inclui na categoria da “heterogeneidade constitutiva”, que não será

tratada aqui). Dentro da formação discursiva, Maingueneau (1997) integra a comunidade

discursiva, isto é, “o grupo ou a organização de grupos no interior dos quais são

produzidos, gerados os textos que dependem da formação discursiva” (p. 56). Entendendo-

se por comunidade os grupos, organizações e classes (nesta dissertação, a classe de

professores de Educação Física) onde se inclui plano de organização física, material e

“modos de vida”. Desta maneira, deve-se valorizar, antes da análise das entrevistas, toda

essa relação do indivíduo com o seu meio, seu quotidiano, suas atividades e experiência

prática, onde são construídas as significações dos discursos dos entrevistados.

Assim, no quadro da análise do discurso, busca-se descrever, desmitificar, traduzir o

não-dito, buscando compreender o significado dos discursos coletados através das

entrevistas.

59

Sujeitos do estudo

A amostra constituiu-se de oito professores de Educação Física, de cidades distintas,

em pleno exercício de suas atividades profissionais, com escolha aleatória de faixa etária e

instituição de formação. São apresentados com nomes fictícios e divididos por categorias,

da seguinte maneira: dois doutores - Isabel e Fernanda; dois doutorandos - Bruno e

Gustavo; dois mestres - Lucas e Vinícius; um mestrando - Sabrina e, um especialista -

Pedro.

Instrumentos para a coleta de dados

Para captar o núcleo central e o sistema periférico que dará sentido às

representações sociais dos sujeitos do estudo, os principais instrumentos utilizados foram

uma entrevista semi-estruturada (gravada e posteriormente transcritas literalmente) e um

questionário, que permitiu uma análise mais compreensiva dos dados obtidos através da

entrevista.

O roteiro para a entrevista semi-estruturada, resultante de uma primeira depuração

realizada na fase inicial da pesquisa, fundamentou-se em alguns questionamentos

imprescindíveis para a captação do material ou fonte para análise e estudo: (a) importância

das atividades físicas sistematizadas; (b) identificação dos valores que a atividade física

representa para a formação do conhecimento e da linguagem verbal; (c) verificação dos

aspectos mais importantes proporcionados pela atividade física sistematizada; (d) captação

da conduta pedagógica dos professores de Educação Física como meio facilitador de

aprendizagem, e não apenas dos movimentos corporais e habilidades motoras;

60

(e) identificação, pelos professores de Educação Física, dos valores dos aspectos

acadêmico, cultural e social; (f) identificação do modo como o professor de Educação

Física valoriza sua prática; (g) identificação do papel que a Educação Física representa no

ambiente/contexto escolar; (h) explicitação de uma possível política corporativa.

O roteiro da entrevista foi o seguinte:

1-) Qual o papel das aulas de Educação Física nas escolas?

2-) Discorra sobre a função das aulas de Educação Física para as crianças.

3-) Que papel as aulas de Educação Física representam para a sociedade?

4-) Você observa alguma relação entre o rendimento escolar e as atividades físicas ou

corporais? Como se dá essa relação? (em caso de resposta negativa, pedir para

justificar).

5-) Em que medida ou até onde as atividades físicas esportivas contribuem para o

desenvolvimento da linguagem verbal? Fale mais sobre isso...

6-) As atividades físicas esportivas contribuem para a formação do conhecimento? Como?

Fale mais sobre esse aspecto.

7-) Quais os meios que você utiliza para verificar a existência da relação entre atividades

físicas e formação do conhecimento?

8-) Quais os meios que você utiliza para verificar a existência da relação entre atividades

físicas e desenvolvimento da linguagem verbal?

61

9-) Em caso de respostas negativas para as perguntas 7 e 8; Quais os meios que você

utiliza para verificar ou justificar a negação da relação entre atividades físicas e

formação do conhecimento?

10-) Em caso de respostas negativas para as perguntas 7 e 8; Quais os meios que você

utiliza para verificar ou justificar a negação da relação entre as atividades físicas e

desenvolvimento da linguagem verbal?

O questionário foi aplicado imediatamente após a entrevista. Abordando alguns

pontos já apresentados no roteiro da entrevista, a Escala de Likert objetivou permitir que

fosse aferida a coerência dos discursos dos informantes, pela comparação com seus

depoimentos por escrito. Além disso, as respostas ao questionário poderiam sugerir nuanças

não captadas pelas entrevistas, e vice-versa.

Quanto ao questionário aplicado, este obedeceu ao modelo abaixo:

Dados pessoais:

Nome: (opcional) ..........................................................................................

Grau de instrução:......................................... Profissão:.................................

Instituição: ................................................... Idade: ....................................

62

ESCALA DE LIKERT

concordo

plenamente

concordo

parcialmente

discordo

plenamente

discordo

parcialmente

não

tenho

opinião

1) Crianças com dificuldade de aprendizagem

podem ser beneficiadas por um programa de

atividades físicas, melhorando seu

desempenho escolar.

2) Atividades físicas contribuem para a

formação e aquisição do

conhecimento/cognição.

3) Desenvolvimento da linguagem é pré-

requisito para o bom desempenho das

atividades físicas esportivas.

4) Inteligência e conhecimento favorecem

muito o bom desempenho das atividades

físicas esportivas.

5) Crianças que apresentam um excelente

rendimento escolar também apresentam um

excelente desempenho motor.

6) A escola é essencialmente acadêmica,

desprezando as atividades físicas esportivas.

7) A escola separa o corpo da mente.

63

8) A permanência das aulas de Educação

Física nas escolas é de caráter corporativo.

OBS: Caso queira fazer algum comentário sobre sua(s) resposta(s), fale com o

entrevistador.

Durante as entrevistas, diversas ocorrências foram observadas e anotadas em

caderneta de campo pela entrevistadora, considera-se importante relatar algumas delas. A

informante Fernanda pediu-nos para ver o roteiro da entrevista; de início isso foi recusado,

pois acreditávamos que ela poderia, antecipadamente, elaborar suas respostas. Por sorte, a

informante Isabel, mais experiente, que já havia feito a entrevista mas ainda permanecia na

sala, alertou-nos dizendo ser ético mostrar aos entrevistados, quando solicitado, o roteiro

das entrevistas. Essa mesma informante, Isabel, no momento de sua entrevista relatou

muitos casos sobre filhos, inclusive sobre seu filho de três anos: sua percepção, sua

inteligência, seu vocabulário precoce e, de certo modo, rico, tendo em vista serem os pais

intelectuais. Já o informante Pedro manteve-se tímido quando falamos sobre o objetivo da

pesquisa. Respondeu às perguntas com um pouco de insegurança, manteve-se de cabeça

baixa quase que o tempo todo, não dirigia seu olhar para a entrevistadora enquanto

respondia às perguntas e, no momento de marcar as respostas do questionário, apenas

preencheu o cabeçalho, deixando as questões em branco. O informante Lucas muito disse

de sua experiência com o esporte competitivo, sem, no entanto, conseguir estabelecer uma

ponte de ligação com as perguntas que estavam sendo colocadas. A informante Sabrina,

64

uma “contadora de histórias”, relatou muito sobre sua experiência profissional junto à

Educação Física.

Por terem sido esses os fatos mais marcantes durante o processo das entrevistas, os

mesmos não deveriam ser omitidos.

IV. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

Esta análise não será de “retomada e de descrição exata” com limites fixados sobre

o que se pode ler e interpretar através das falas. Nestes termos, esta “balizagem” foi

tomada como medida para todas as entrevistas.

Considera-se oportuno, antes de passarmos à apresentação das entrevistas, citar

uma passagem de Foucault (1996), quando ele, nas considerações finais de seu livro - A

ordem do discurso - , agradece as contribuições de M. Dumézil e, fala das maneiras de se

“ler” um discurso:

“Foi ele quem me ensinou a analisar a economia interna de um

discurso de modo totalmente diferente dos métodos de exegese

tradicional ou do formalismo lingüístico; foi ele quem me ensinou a

65

detectar, de um discurso ao outro, pelo jogo das comparações, o

sistema das correlações funcionais; foi ele quem me ensinou como

descrever as transformações de um discurso e as relações com a

instituição.”(p.71).

A análise do discurso dos professores de Educação Física será apresentada no

sentido vertical, onde trechos de cada uma das oito entrevistas foram destacados e

interpretados, e no sentido horizontal, em que se procurou realizar uma síntese do que foi

detectado na análise das entrevistas. O questionário, que continha uma Escala de Likert

construída com a intenção de captar a coerência e/ou incoerência das respostas dos

informantes, recebeu um tratamento segundo a orientação de Chizzotti (1998) e

Richardson e colaboradores (1985).

Análise vertical do conteúdo de cada entrevista

Na análise das entrevistas no sentido vertical, os informantes foram divididos em

três grupos, de acordo com os pontos referenciais que os distinguiram: 1) O primeiro grupo,

constituído de dois informantes que expressaram “crença total” na relação positiva entre as

atividades físicas desenvolvidas no contexto escolar e a formação do conhecimento e da

linguagem verbal; 2) O segundo grupo, constituído por cinco informantes, caracteriza-se

pela “descrença” nessa relação; 3) O terceiro grupo, foi constituído pelos informantes que

evidenciaram surpresa ao se defrontarem com as perguntas formuladas durante a entrevista,

e que buscaram nos discursos atualmente veiculados no meio acadêmico os elementos para

66

construírem suas respostas, de maneira a torná-las socialmente aceitas. Neste grupo, além

dos dois informantes que completam a amostra, foram incluídos os cinco informantes do

Grupo 2, que apresentaram algumas das características do Grupo 3, acima descritas,

perfazendo assim uma interseção.

Entrevista 1 – Lucas, Mestre em Educação Física

Inicialmente, procurou-se na apresentação desta entrevista focalizar os aspectos do

primeiro grupo estabelecido acima, como um roteiro para a leitura das análises das oito

entrevistas que se seguem.

Lucas, informante com mestrado em Educação Física, inicialmente denota em seu

discurso evidências de sua própria crença, segundo a qual as atividades físicas contribuem

para a formação do conhecimento e da linguagem verbal: “Eu acredito que sim, é uma, é

talvez a grande dificuldade que a gente tenha hoje, é de perceber como isso ocorra,

porque a Educação Física na escola foi sempre colocada como uma coisa secundária,

uma coisa extra (...). O informante desconstrói a Representação Social de forma

progressiva, no curso de sua própria fala: “ As pessoas não vêem muito essa relação.(...) eu

posso até acreditar, acredito que tenha, eu sei que tem importância”.

67

Lucas não situa as atividades físico-desportivas no quadro das outras disciplinas

escolares: “(...) ela não tá muito relacionada com as outras disciplinas”. No entanto,

segundo a percepção da autora, varrendo-se seu discurso vê-se que ele não constrói

respostas muito coerentes, ou talvez não saiba inicialmente explicitá-las, pois percebe-se

que ele afirma acreditar na relação das atividades físicas com as atividades acadêmicas e na

sua importância para os desempenhos investigados: “ Eu acredito que várias concepções

de, da formação básica, têm relação com a Educação Física”. Cita exemplos de jogos e

brincadeiras como suporte e tentativa de explicitação de suas idéias.

Segundo Lucas, através destas atividades consegue-se auxílio para a matemática (o

raciocínio lógico de Piaget), para a alfabetização e para a linguagem verbal. “Durante o

desenvolvimento dos jogos infantis você pode ensinar soma, (...) trabalhar esses

elementos que estão relacionados diretamente com a questão da matemática. (...)

desenvolver a parte de linguagem também, com formação de palavras, cada casa da

amarelinha, por exemplo(...). Então é uma forma de você tá trabalhando a alfabetização e

tá trabalhando a atividade física de uma forma direta”.

No processo interativo de construção de suas respostas, Lucas passa a considerar

alguns outros aspectos relacionados às atividades físicas, como a saúde, na tentativa de

adquirir maior qualidade de vida, e mesmo da saúde mental, através das atividades de

recreação: ”É, na minha concepção, tem vários aspectos relevantes. É o aspecto da saúde

(...). pra que ele busque a qualidade de vida através do esporte. (...) Não só da saúde. Eu

acredito que o lado, a recreação de certa forma tá aliada à saúde mental”.

68

Pode-se constatar que, à medida que vai se delineando a entrevista, Lucas começa a

envolver-se na busca incessante de tentar tornar suas repostas mais válidas e coerentes, no

sentido de mais ajustadas ao contexto; e, novamente, tenta reconstruir as respostas e as

perguntas. Este processo torna-se um pouco mais evidente quando perguntado sobre

rendimento físico e rendimento acadêmico. Lucas passa, então, a construir novas idéias,

ilustradas nestas falas: “Eu não tô conseguindo ver, perceber essa correlação direta assim

não. É porque eu tô tentando lembrar aqui da minha, da época, que eu estudava (...) Eu

num consigo ver como que eu poderia fazer essa relação, não (...)”.

Da mesma maneira, construindo suas respostas no curso de sua fala, na troca com a

entrevistadora, o informante se exprime em relação às atividades físicas e ao desempenho

verbal, mudando de opinião durante a enunciação, passando da negação à afirmação parcial,

conforme se ilustra a seguir: “Essa questão eu acho que tá contemplada naquela segunda

ou primeira que eu te falei. (...). Não tenho condição de te dar essa resposta. Eu não

conheço. Não tenho leitura, nem conhecimento. É, eu aí já tô colocando de uma forma

não muito comprovada. Parece que eu já ouvi falar que tem essa relação direta, de

pessoas que começam a desenvolver atividade física”. Por fim, denota sua certeza, ao

afirmar: “ Isso faz com que desencadeie nela um processo de motivação muito bom pra

outro tipo de coisa e que, de certa forma, isso faz com que ela tenha um rendimento melhor

na hora de desenvolver a linguagem, essa coisa”. Pode-se inferir dessas novas informações

do entrevistado que, embora acredite ou passe a acreditar nas relações abordadas durante a

entrevista, Lucas se surpreende com as perguntas e com suas próprias respostas, tenta

69

clarificá-las da melhor maneira possível, e parece querer dizer que apenas não sabe como

justificar e argumentar suas idéias.

Lucas, face à sua visão sobre a maneira como a Educação Física vem sendo

trabalhada hoje nas escolas, caracteriza-se por uma certa dúvida sistemática em relação a

seus resultados. Acredita que, em algum aspecto, a prática indica falhas, responsáveis pelo

fato de as aulas de Educação Física não atingirem os objetivos esperados. Critica, não tão

sutilmente, a maneira como as aulas se desenvolvem: “ Porque o que é feito pela academia

e o conhecimento que é demandado pra quem trabalha, eu acho que há um vácuo grande

aí. Por exemplo, as nossas dissertações. Elas são todas lindas, mas eu não sei quando

que elas vão virar produto de consumo para quem trabalha na prática. Então, eu acho

que isso dá uma, um pouco de... É, e não é um hiato. Dá um pouco de angústia, achar que

você tá trabalhando pra quê?”. O informante, em seu discurso, denota alguns indícios

nítidos de corporativismo: “(...) eu acredito que as pessoas que começam a se envolver com

atividade física têm várias possibilidades em termos de qualidade de vida. (...) Começa a

perceber que tem coisas muito mais além daquele mundo que ela tá acostumada a entender

como o mundo dela (referindo-se à criança). Eu acho que a atividade física colabora

nessa, nesse aspecto”.

A entrevista de Lucas fornece evidência positiva para a concepção de Mary Jane

Spink (1996), segundo a qual o discurso como produção de sentido se verifica no processo

de interação, via confronto, conflito e reajustes ou rupturas.

70

Entrevista 2 – Vinícius, Mestre em Educação Física

Na apresentação desta entrevista procurou-se enfatizar os pontos que indicam estar

presentes a “crença” do informante sobre a relação entre as atividades físicas, a formação do

conhecimento e da linguagem verbal. Com efeito, para avançar-se nos indícios sobre a

“crença” do entrevistado subjacente em suas falas, seguem abaixo as evidências destas falas

que, possivelmente, irão oportunizar uma melhor compreensão e maior clareza do conteúdo e

significado desta entrevista para o leitor.

Incluído no primeiro grupo de informantes, Vinícius enuncia em seu discurso, como

descrito acima, sua crença na relação entre atividade física e rendimento escolar: “É

importante. É importante que às vezes muitas coisas que a gente faz na quadra eles

fazem na sala de aula, né?” Cita exemplos de atividades práticas, como jogos e

brincadeiras, possivelmente utilizadas como um reforço à sua resposta, com objetivos de

auxiliar à matemática, onde acredita o informante que há uma transferência quase que

71

imediata: “Então, aquela amplitude que ele tem na quadra, seria uma habilidade motora

ampla, depois ele vai transportar isso pra uma habilidade motora fina, na sala de aula,

então a quadra ajuda”. A entrevistadora o aborda com a pergunta sobre uma possível

transferência, e prontamente ele afirma que ela ocorre: “Há sempre. Há uma relação

muito íntima entre a quadra, né? Entre as nossas aulas e aquilo que se passa, é, na sala

de aula, né?”

O discurso sugere que Vinícius atribui um valor máximo às atividades físicas e ao

seu trabalho, em detrimento de outras disciplinas, ao mesmo tempo em que se queixa da

importância atribuída à Educação Física: “Você vê, basicamente, nós trabalhamos muito

mais do que na sala de aula, nós, a nossa disciplina pode inserir em todas as outras

disciplinas e nem todas as outras se inserem na nossa.” Percebe-se que Vinícius parece

incerto na formulação de suas idéias, pois não estabelece relação de coerência em sua

resposta, quando diz que há uma troca. Ora, se existe troca/transferência, é porque as

disciplinas se inter-relacionam, justificando sua resposta como uma possível falta de

reconhecimento para com a Educação Física: “Então, há uma troca, há uma importância

muito grande na nossa, que ainda não foi dado o real valor a isso”.

Com relação aos aspectos relevantes, o informante acredita no todo, porém de uma

maneira bastante genérica, passando vagamente a falar de “transcendência”, pois dá

indícios de que não consegue enumerar o que ele considera como o mais relevante: “É

aquela coisa, a gente tem que usar a Educação Física escolar como um meio da gente

atingir outras, outras características dos alunos, (...), sociabilidade, (...), o respeito ao

72

outro. (...) Porque transcende, é uma transcendência muito grande”. Solicitado

a enumerar a mais importante dessas características, segundo sua visão, diz: “É muito

difícil, porque o aluno é um todo, né?” Daí, a partir desta fala, inferiu-se o porquê do

informante utilizar a expressão “transcendência”, como uma maneira de alcançar o “todo”,

a que ele se refere acima. No entanto, dar um sentido específico e único para a palavra

“transcendência” utilizada aqui, tornou-se complicado, admitindo-se, então, a atribuição a

ela apenas como uma inferência. Para chegarmos a esta consideração, respaldamos em uma

nota de Luiz Francisco Dias (1997), onde ele afirma que há uma dificuldade em “conciliar

a polissemia da palavra com sua unicidade” (p.106).

Quando se pergunta ao informante a respeito do que ele pensa sobre a relação das

atividades físicas como contribuição para o desenvolvimento da linguagem verbal, há

indícios de um processo de evasão muito claro em seu discurso, pois ele não se posiciona

com clareza, tornando difícil sua compreensão: “Importante porque através da, eles vão

ouvir, né? O que você vai falar, eles vão entender, esse entendimento é o quê? É o

desenvolvimento de uma, da inteligência, é onde ele compreende, onde ele percebe, e

perceber é o quê? (...) Seria perceber, seria detectar, reconhecer e mudar o seu

comportamento, né?” Percebe-se uma certa busca do informante para dar significação à

sua resposta, que forneça indicação de sua própria “crença” na importância das atividades

físicas para o desenvolvimento da linguagem verbal. Da mesma maneira, observa-se a

tentativa de construção de sua resposta no momento da entrevista: “Então aí, através da

linguagem, quando o professor trabalha a linguagem, por isso que demonstração pura e

73

simples não atinge muito, como nós tamos querendo atingir o aluno, né? Porque

demonstrar é o quê? É você repetir o que você está vendo né? E através da linguagem dá

muito mais subsídios pra eles se desenvolverem intelectualmente, (...) Vai sendo

desenvolvida. Então é importante... ”

A entrevistadora apresenta novamente a questão, tentando configurar maior

clareza para a resposta esperada. Vinícius, fornece indicações de tentar avançar na análise

de sua fala, tornando-a mais explícita, porém a mesma, com um caráter implícito do

reconhecimento da importância das relações aqui investigadas, continua um pouco obscura

e confusa: “(...) então é importante ele ouvir, a linguagem verbal, ele trabalha como

estimulador, né? De outras atividades que também a cognição está relacionada com

isso”.

Vinícius menciona idéias gerais de autores como Piaget, Vygotsky e Wallon, sem,

contudo, falar do corpus das propostas teóricas dos respectivos autores: “Não, eu acredito

muito em várias teorias, né? Tem Vygotsky, tem Wallon, né? (...) Então, é importante. O

Piaget (...)”. Refere-se aos autores acreditando ser a maneira mais adequada para a

resposta sobre os meios que ele utiliza para confirmar sua “crença” na relação entre

atividades físicas e desempenho acadêmico: “Cabe à gente aferir esse aprendizado, né?

Que a gente tá querendo desenvolver nos alunos. Então, é importante, importante, e já foi

comprovado no dia- a- dia, né? A gente vê isso no dia a dia. O modo de você dialogar

com a turma, a linguagem verbal que você usa vai te dar um bom trabalho, ou não”. Este

é, certamente, um dado empírico interessante, que foi oferecido sem ter sido perguntado.

74

Finalmente, Vinícius conclui com respostas mais específicas à questão fundamental

para a investigação: “Fatalmente, essa relação é fundamental pro sucesso deles, né? Pro

desenvolvimento deles”.

A Dissertação de Mestrado em Educação Física apresentada por Vinícius é uma

pesquisa em que, segundo ele, estudou os mesmos autores aqui abordados neste estudo. No

término de sua entrevista, sentiu-se entusiasmado em falar sobre ela. No entanto, abordou

apenas o método de coleta dos dados, deixando em aberto o conteúdo e o resultado de sua

pesquisa. O que justifica a insistência da autora em testar, junto ao próprio Vinícius, quais

eram os aspectos que ele considerava fundamentais para a análise - e que, no final das

contas, não apareceram.

75

Entrevista 3: - Sabrina, mestranda em Educação Física

Sabrina inclui-se no terceiro grupo, onde os entrevistados foram classificados como

aqueles que fornecem indícios de acreditar nas relações aqui investigadas, e, no entanto, se

surpreendem com as perguntas, fornecendo evidências de que estão construindo suas

respostas no momento da entrevista, conduzindo-as para modelos socialmente aceitos. Esta

verificação se dá tendo em vista procedimentos como gaguejos, repetições de palavras,

falsos começos e recomeços, conforme Marcuschi (1998) .

Sabrina aponta como papel das aulas de Educação Física situar as crianças em

relação à cultura corporal e cultura de movimentos: “Qual seria o papel? Eu acho que

seria situar o aluno frente a diversidade de culturas, corporais, culturas de movimento,

das diversas formas de movimento, situar pra,... é,... situar o aluno dentro da sua cultura,

integrando com as várias culturas diferentes que vêm dos vários alunos, das várias partes,

né?” Tenta situar o aluno dentro de seu contexto cultural ou do grupo de pertença: “Mesmo

que seja só um bairro, cada um vem de uma família, às vezes de bairros diferentes (...).”

76

Sabrina aproxima-se da teoria da Cultura Corporal proposta pelo Coletivo de

Autores (1992), sem, contudo, oferecer intertexto explícito, ou seja, não contextualiza

especificamente seu discurso, frente às questões abordadas, como parece que gostaria de

fazer: “... e, interagindo com as várias formas de movimento corporal, ele consegue não

só se comunicar melhor, como se situar melhor enquanto pessoa, naquela condição toda,

enquanto movimento, além de outros lados também de expressão, de comunicação, de

saber se colocar culturalmente em uma sociedade coletiva, né?”. Concluindo sua resposta

sobre o papel das aulas de Educação Física, Sabrina diz: “(...) a Educação Física cuida

especificamente da linguagem do movimento, eu diria assim.” Embora esta afirmação dê

algum subsídio para se interpretar a Educação Física apenas como forma de movimento, no

decorrer de sua entrevista percebe-se que Sabrina acredita nas relações abordadas, mesmo

que às vezes pareça fornecer respostas controversas: “(...) então, o papel de Educação

Física vem sendo conquistado aos poucos, na medida em que ele considera esse

rendimento necessário pra formação do conhecimento do próprio aluno em relação às

possibilidades que essa movimentação oferece, tanto na comunicação, pra própria

comunicação, né?” Esta enunciação, por si só, reitera e compõe maneiras de se perceber a

inter-relação entre as atividades físicas, a formação do conhecimento e da linguagem

verbal.

Buscando compreender a forma de relacionamento entre as atividades físicas e

formação do conhecimento na visão de Sabrina, a entrevistadora faz uma pergunta direta e

explícita. Sabrina responde, num percurso de experiência prática, com sua queixa frente ao

77

projeto político pedagógico da escola, pelo qual se relega à Educação Física um plano não

desejável. Começa então a construir, por ensaio e erro, seu discurso : “Bom, aí, tem várias,

essa pergunta tem várias questões, né? Porque se você coloca, vai depender do projeto

político-pedagógico, se a escola tem, se a Educação Física tá presente dentro da escola

na sua totalidade ou se ela tá isolada como ela sempre teve, né?” Demonstra com clareza

sua insatisfação frente ao tratamento diferenciado atribuído à Educação Física no quadro

das disciplinas e professores, respectivamente: “E o maior rebuliço foi criado quando eu

bati a mão na mesa e falei assim: por que que eu não estou presente no conselho de

classe? Sou professora de Educação Física, não sou tapa buraco. (...) a escola é local de

conhecimento, então a Educação Física também tem o seu papel importante.” Percebe-se

um esforço - talvez mesmo consciente - em construir uma resposta mais direta e clara:

“Maneira de comunicação verbal, escrita, motora, a movimentação do corpo, tudo isso

faz parte do ser humano, o conhecimento, ele se, o homem se apropria do conhecimento

em virtude dessas formas de linguagem (parece referir-se a todo e qualquer tipo de

linguagem, o que não exclui a linguagem corporal, escrita e cultural), uma delas, só a

presença dela ali o tempo todo, não tem como. Porque, então, seria uma solução muito

prática, era só cortar a cabeça, deixar a cabeça dentro da sala de aula e mandar o corpo

pra Educação Física.”

Sabrina, respondendo ainda à mesma questão, depois de um longo discurso

consegue fazer uma síntese que denota sua “crença” na influência da atividade física e

formação do conhecimento: “Você não pode desconsiderar o corpo dentro da sala de

78

aula, assim como eu (Sabrina, professora de Educação Física), não posso dispensar o

raciocínio e o pensamento dentro da aula de Educação Física, porque senão eu, né?”

(...). Ela tem, ela tem. Eu acredito que ela tenha influência.” (...) “ Ajuda. Sem dúvida.

(...) Claro que sim.”

Em relação à contribuição das atividades físicas para a linguagem verbal, Sabrina

responde com uma longa fala, como no item anterior. Cita atividades práticas, sua

experiência pessoal na escola em que trabalha, e sua formação profissional também como

Contadora de Estórias: “Tá. Essa questão da linguagem escrita, o que me dá experiência

de responder isso não é a prática da Educação Física, é a prática de Contadora de

Estória.” Sabrina dá indícios, ao longo da composição de sua fala, de estar tentando

elaborar seu pensamento e construir uma resposta inteligível, tendo em vista ser professora

de Educação Física, mestranda e Contadora de Estórias. “Então, eu acho que tudo tá na

sistematização desse conhecimento e na prática que o professor de Educação Física pode

fazer pra essa linguagem correta, pra ter as coisas explicadas. É sempre um vai e vem, eu

não acredito em nada isolado, nada. Eu acredito no vai e vem.”

Pergunta-se a Sabrina quais os meios utilizados por ela, como forma de sustentação

às suas respostas, que evidenciem serem relevantes as contribuições das aulas de Educação

Física para com o desempenho acadêmico, ao que ela responde: “As cartas que a gente

recebe dos alunos quando eles gostam de uma atividade muito interessante. (...) E as cartas

são espontâneas”. Pergunta-se sobre o conteúdo das cartas: “ Adorei sua aula, queria

trabalhar, conheci um jogo na casa da minha avó (...)”.

79

Sabrina, provocada pela entrevistadora, vai novamente tentando elaborar sua

resposta, com um trajeto longo de falas, experiências pessoais e suposições empíricas, sem

suporte teórico. Não faz nenhuma referência a conteúdos científicos ou aos teóricos do

desenvolvimento humano: “E essas coisas saem nos textos, nas redações, principalmente

em relação com outras literaturas, isso acontece muito, eles cruzam essa informação.”

Quanto ao papel que a Educação Física desempenharia, nos termos em que vem

sendo trabalhada hoje nas escolas, Sabrina se mostra descrente e descontente, duvidando

inclusive das contribuições positivas que ela parece acreditar existirem: “ Não, não

acredito. Não acredito da maneira, eu acredito que haja essa interação que eu já te falei,

mas que eles (refere-se aos profissionais da área) não têm, eles não têm consciência dela,

ela não deixa de ocorrer porque o homem continua sendo o homem, entendeu? Em relação

a, e eu acredito na relação que eu faço mesmo na prática do outro.” Sabrina muda de

direção, referindo-se às escolas: “Agora, na rede pública, voltando, na rede pública,

apesar da diferenciação, eu acho que há algum foco, que começam algumas mudanças,

em menor escala, claro, nós temos um buraco de formação, aí vai demorar muito.”

Ressalta a escola onde atua como profissional, dizendo ter autonomia para mudar o que

não lhe agrada: “Aí, vai depender da escola, porque assim, isso tudo, essa riqueza toda

que tô te mostrando, a minha escola me permite, por ser uma escola de identidade, (...),

eu bato a mão na mesa, eu grito, eu xingo, eu esperneio, eu mostro, eu tenho toda essa

liberdade de fazer isso, porque eu tô fazendo o meu trabalho, como professora

universitária.” Sabrina responsabiliza os professores da rede pública pela situação as

80

Educação Física: “O professor da rede pública, ele não tem, ele tem medo de perder o

emprego, ele tem que ter três, quatro empregos, dois, três, quatro empregos pra poder se

manter, ele não tem tempo pro estudo, sabe?” Sabrina, acredita que através de

investimentos e recursos para a formação do professor é que poderão ocorrer mudanças

favoráveis para a Educação Física: “(...) eu acho que tem que atacar direto na formação, e

é uma coisa cara.”

Portanto, Sabrina dá indícios, na sua fala, de uma insatisfação em relação aos

professores, e, de forma sutil, parece responsabilizá-los pela situação fragilizada que ela vê

face à Educação Física hoje: “ O professor, de uma maneira geral, não conhece nem a,

nem a cultura que tem em volta dele, que dirá outra, né? Não tem, então, que tipo de

formação que ele tem que pra passar pro aluno? (...) A formação do outro professor

(refere-se ao seu companheiro de trabalho) não permite essa visão, porque ele foi educado

para mandar, pra dar voz de comando e o outro obedecer, e é muito mais fácil, né? (...)

Mas eu acho, eu nem culpo tanto a academia, não (parece proteger a formação acadêmica),

eu acho que a maturidade tá nesse meio do caminho, aí.”

Sabrina continua responsabilizando o professor de Educação Física pela falta de

tempo para estudar, pelo despreparo, pela falta de conhecimento, pela falta de reflexão e

pela falta de uma “educação continuada”. Por outro lado, não se refere explicitamente, em

nenhum momento, à política pública, ao estado ou aos governos municipal, estadual e

federal: “Pega o lado da formação, pega o lado que, os, eles têm três ou quatro empregos

pra poder sobreviver. (...) Sabe aonde que ele prepara a aula? No ônibus, no caminho, e

81

aí, nesse sentido, é muito mais fácil, ele tá com o modelo tecnicista (...). E, durante o seu

trajeto, mesmo que seja mais criativo, ele vê um joguinho ali, é esse que eu vou dar pro

meu aluno esse mês. Não. Só quer saber de rendimento, se a criança aprendeu ou não o

movimento que ele trouxe.”

Sabrina representa uma experiência única, entre os informantes, pela relação que

vivencia entre linguagem verbal como uma das manifestações da linguagem corporal;

corrobora Spink (1996), ao mostrar que várias de suas idéias, embora cruas, tendem a

aprimorar-se.

82

Entrevista 4: - Bruno, doutorando em Educação Física

Bruno se insere no segundo grupo estabelecido aqui, apresentando-se cético ou

descrente em relação à contribuição das atividades físicas para o desempenho acadêmico.

Vai construindo sua enunciação no momento da entrevista. Parece nunca haver refletido

efetivamente sobre as correlações aqui abordadas.

Quando exprime sua opinião a respeito do papel das aulas de Educação Física,

Bruno adota a proposta do Coletivo de Autores (1992), introduzindo em sua fala alguns dos

parâmetros que configuram esta proposta: “O papel das escolas é tentar mostrar que existe

um conhecimento, é universal, que é historicamente construído (...). E, nesse sentido, a

Educação Física na escola vai mostrar que a cultura corporal de movimento é

construída historicamente”. Bruno não fornece os aspectos mais aprofundados da

proposta da Cultura Corporal, apenas a menciona, deixando de fazer uma ligação mais

direta e prática com a Educação Física, que os autores do Coletivo de Autores chamam de

Cultura Corporal: “ dá condições desses alunos, aí pra apreender essa cultura corporal

de movimento, que é uma postura corporal de movimento, é, é, de interpretar o mundo a

partir dessa cultura corporal de movimento, mais do que interpretar, despertar nesse

aluno, é, o desejo de interferir nessa realidade.”

83

Sobre a função das aulas de Educação Física na escola, Bruno a vê relegada a

segundo plano pela escola: “Me parece claro, porque a escola, do jeito que ela é formada,

do jeito que ela tá hoje estruturada, ela costumou relegar a um segundo plano, é,

algumas áreas do conhecimento, não é só a Educação Física” Menciona as outras

disciplinas de acordo com seu ponto de vista, e a posição da escola frente à Educação

Física: “Mas muitas vezes não vê ela como um espaço, é, reflexivo de construção do

conhecimento e a colocam em oposição outras disciplinas, por exemplo, História, que é

o lugar de estudar; a Educação Física, não.” Apesar dessa enunciação, Bruno não parece

querer dizer com isto que acredita nas correlações aqui investigadas, pois no decorrer de sua

entrevista isto é colocado mais claramente.

Por outro lado, às vezes denota algumas controvérsias em sua enunciação, ao falar

dos próprios professores que “aproximam” a Educação Física do “lazer” : “(...) porque no

lazer, na recreação, você pode construir conhecimento, é, quando essa disciplina devia

assumir a responsabilidade de construção do conhecimento, de elaboração de

conhecimento, de crítica de conhecimento.” Infere-se que Bruno, com essas falas iniciais,

vai aos poucos fazendo desdobramentos, para posteriormente posicionar-se.

Em relação à possível contribuição das atividades físicas para a formação do

conhecimento/ rendimento escolar, do ponto de vista do informante, isso descentraliza a

Educação Física das demais responsabilidades que são a ela atribuídas: “Eu acho que a

Educação Física escolar não deveria ser compreendida nessa dimensão. É, a Educação

Física, ela não pode ser operacionalizada como uma forma de ajudar, não pode ser

assim.” Desconstrói assim a “crença” de a Educação Física ser uma disciplina redentora

84

para os vários aspectos escolares: “Como se pode alfabetizar utilizando a Educação

Física? A Educação Física tem uma especificidade e deve ser trabalhada dentro dessa

especificidade, o que não significa um diálogo e a construção de uma nova prática

pedagógica.”

Perguntamos a Bruno, de forma direta, com a intencionalidade de se obter uma

resposta mais transparente: -- E para o rendimento acadêmico, você acha que não tem nada

a ver? Bruno responde: “Não.”

Bruno, concorda com a possível contribuição da atividade física para a linguagem

verbal, porém faz as considerações e distinções entre linguagem verbal e corporal: “Veja

bem, ela vai contribuir de alguma forma... (...) agora, pro desenvolvimento da linguagem

ela pode contribuir se você considerar que no fundo essa classificação que a gente faz

entre linguagem verbal e linguagem corporal é uma classificação. Efetivamente, ela não

existe, quer dizer, ninguém fala só, ou só se movimenta.” Bruno, tenta explicar sua

premissa, e parece fazê-lo de maneira coerente, embora não conclua o pensamento:

“Porque se comunica com o corpo, em palavras, em gestos, isso é um complexo de

relações, então, nesse sentido, ela pode contribuir, que ela vai trabalhar especificamente

um desses elementos, mas...” Diz-se que o informante não conclui tendo em vista a pausa,

caracterizada pelas reticências.

Bruno parece um pouco surpreendido com a pergunta e, retoma a questão para

reconstruí-la ou tentar explicá-la melhor. Permitimo-nos inferir que a tentativa de

reconstrução de seu discurso não se torna efetivamente uma maneira de apenas responder à

entrevistadora, mas também para si próprio: “Eu acho que ela, eu volto a falar, que ela

85

pode contribuir nesse sentido, quando trabalha outras dimensões, é, do ser humano, que

vão tá em, intricadas nesse processo complexo, então ela vai contribuir nesse sentido. Mas

a função primordial dela não é contribuir com a linguagem escrita, é contribuir com a

expressão humana daquela criança.” “Expressão humana” é também um dos aspectos

propostos pelo Coletivo de Autores (1992). Bruno continua sua enunciação: “Então,

quando ela contribui com a expressão humana daquela criança, ela acaba contribuindo

com outras coisas que fazem parte dessa expressão humana, então, mas não que ela vá

contribuir diretamente com a linguagem escrita, ela contribui indiretamente, quando ela

contribui com o eixo central disso tudo que é a expressão humana, que é a existência

humana.”

Em relação aos moldes de acordo com os quais Bruno supõe que a Educação Física

vem sendo trabalhada atualmente, ele faz críticas e não acredita na funcionalidade das

atividades nem para aquilo que ele considera como específico: “Ela não contribui nem

com a expressão humana. (...) Contribui, ela tem uma contribuição maravilhosa pra esse

tipo de ser humano que tá aí, é, concebido realmente pela escola.” Passa a criticar a

sociedade dominante à qual a escola e a educação estão submetidas: “É de reportar as

diferenças, é de reforçar as desigualdades, estabelecer critérios rígidos, é, de

movimentação corpórea que, na prática esportiva somente, é, de reportar esse modelo de

esporte que tá colocado, que é um modelo que privilegia os mais fortes, privilegia aqueles

que são mais capacitados, privilegia os considerados normais pela sociedade.” Parece

querer reelaborar sua resposta, quando diz: “É, então é isso que, deixa eu, é uma

suposição, né?” Passa a se referir ao modelo desejável: “É, suponho que ela esteja

86

contribuindo pra esse modelo de ser humano. A gente quer um outro modelo de ser

humano, é, livre, é, livre pra pensar e pra intervir na sociedade.”

Bruno, numa posição reflexiva, propõe novos rumos para a prática da Educação

Física: “A gente vai ter que reformular essa, essa prática, e aí vai ter alguns propósitos

que avançam, é, que tenham algumas propostas efetivas de avanço nessa perspectiva, que

também tem seu limite, né?”

Bruno cita algumas pesquisas para fundamentar sua resposta sobre os meios que

lhe permitem ter todo este posicionamento durante a entrevista: “Tem pesquisas recentes

que indicam pra isso, (...), a partir de propostas apresentadas em congressos, na nossa

área, que podem apontar essa perspectiva.”

87

Entrevista 5: - Pedro, Especialista em Educação Física

Pedro se insere no segundo e no terceiro grupo de informantes, conforme foi

estabelecido neste estudo, por se perceber uma interseção de seus enunciados. Pedro ora se

apresenta com um quê de ceticismo, ora se exprime com um quê de “crença” na

contribuição das atividades físicas para o desempenho acadêmico. Isto pode ser percebido

na maneira como o informante constrói e desconstrói seus pontos de vista, ou quando

parece não conseguir formulá-los adequadamente, conforme aparentemente gostaria de

fazê-lo.

Inicialmente, pergunta-se ao informante qual sua opinião sobre o papel das aulas de

Educação Física nas escolas. Antes de responder à questão propriamente dita, Pedro parece

justificar-se com dados de sua experiência profissional: “Bom, eu acho que, na minha

opinião, hoje, eu, como eu não atuo na rede, como eu não atuo na rede, por exemplo, ou

estadual ou municipal, por exemplo, de 1a à 4

a. série, é (...) e assim por diante”. Dá mais

alguns detalhes sobre sua experiência profissional hoje. Este processo induz a predizer que

Pedro estava construindo sua resposta: “(...) como eu vejo, na minha opinião, como uma

educação pra vida, né? E é isso que eu prego no dia a dia nas minhas atividades (...) mas

preparar a criança ou o adolescente pra vida eu acho que é um papel fundamental do

profissional de Educação Física”. Pedro passa para o profissional a responsabilidade de

educar, assim como ele mesmo tenta fazê-lo na entrevista. Por outro lado, afirma não

acreditar que alguns professores de Educação Física estejam conscientes dessa

responsabilidade, conforme o informante desejaria que ocorresse. “Não, não com todos. É

88

aquilo que eu disse, eu acho que tem profissional que talvez tenha experiências

anteriores (...) e tenta colocar aquilo, no meu ponto de vista (...) agora no geral, não, no

geral, do meu ponto de vista, os profissionais de Educação Física ...” Pedro não conclui

seu enunciado, deixando vaga sua resposta, apenas citando um exemplo de descaso para

com o planejamento adequado para atender às necessidades da criança.

Suas respostas vão se consolidando, embora com desfalques em suas falas, à medida

que a entrevista vai ocorrendo. Perguntado sobre a função das aulas de Educação Física,

responde com elementos de habilidades básicas, que circulam em nosso meio acadêmico:

“Coordenação, basicamente isso, eu acredito que, estimular... Motora, motora,

coordenação motora.” Percebe-se que Pedro vai construindo uma resposta que se

suponha aceitável, mas parece apresenta com dificuldades para fazê-lo. Essas dificuldades

se caracterizam através das repetições de palavras, e sobretudo das pausas12

: “(...)

coordenação motora fina nessa faixa etária, e, aí você vai na seqüência, né? De trabalho,

depois vem pra, pras outras atividades, de acordo com a faixa etária da criança ou do

adolescente, mas eu acho que basicamente contribui pras habilidades gerais ... Básicas,

básicas do educando”. Pedro, assim, demostra uma certa insegurança até terminar sua

resposta, sem nada concluir.

O informante indica acreditar que as atividades físicas podem ser importantes para

o desenvolvimento do aspecto social, além do motor: “Eu acho que o social, né? Eu

acho que o social, ele tem uma, uma ... (...) ... dentro desse trabalho. Eu acho que uma

Pausas e silêncios são identificados pelas reticências.

89

contribuição grande, porque você tem experiência como, você começa a conviver em um

grupo (...) que contribui pra socialização de cada participante, então é ...” Pergunta-se ao

informante se, do seu ponto de vista, o social é mais importante que o aspeto motor ou as

“habilidades gerais”, consideradas por ele. Pedro, afirma: “Sem dúvida. Sem dúvida. Sem

dúvida, porque o mundo lá, eu penso que o mundo, é, teria que ser dessa forma, já é, mas,

teria que ser dessa forma, fosse cada vez mais, né? Ajudar o próximo, contribuir pra

ajudar. (...) o grupo nunca é homogêneo, né? O grupo é heterogêneo, mas você tenta de

alguma forma, é conduzir a atividade, ou brincadeiras, ou, ou a própria atividade

principal.” Apesar de passar a impressão de que se mostra convicto em relação ao seu

ponto de vista, Pedro se apresenta um pouco evasivo nesta questão.

Quando interpelado sobre a contribuição das atividades físicas para o rendimento

escolar, assim descreve sua “crença” : “Olha, eu acho que contribui, porque o aluno ou

atleta, ele, no caso, o aluno, né? Ele, todo momento ele tem que pensar, seja lá, dentro da

sala de aula, seja na atividade fora da sala de aula, atividade de Educação Física.” O

informante, no desenvolvimento de sua resposta, faz algumas considerações gerais,

permitindo assim inferir que duvida desta correlação positiva: “Agora, na questão de, de

fazer uma análise ou de fazer uma pesquisa (...). Eu não posso afirmar, mas acredito

que contribui (...).” Pedro, da mesma maneira que os informantes 1 e 2, cita sua posição e

exemplos de atividades físicas, tentando tornar mais clara a sua resposta: “Então, é, da

mesma forma que eles tem que pensar ali (se referindo às atividades práticas), que é uma

atividade, é, o futebol, eu acredito que é o mesmo trabalho que acontece dentro da sala de

90

aula e que faz com que ele também tenha que pensar em determinadas atividades de

matemática e português.”

Pedro parece acreditar na transferência automática das atividades motoras para as

atividades de cunho acadêmico, porém não estende esta sua enunciação para o desempenho

da linguagem verbal, tendo em vista atuar como professor da área de futebol, onde existe

um vocabulário específico, o qual ele o denomina de gíria : “Olha, sinceramente, eu não

vejo, agora, como responder pra você, tá entendendo? Porque, no meu caso, que tô

trabalhando com futebol, é (...) dentro do futebol existe muito, a, gírias, né?” O informante

repensa para falar, e finaliza sua resposta com o silêncio: “(...) eu não vejo, sinceramente

eu não vejo (...). Então, eu não sei ...” Entretanto, apesar dos comportamentos verbais

acima considerados, o informante, se mostra bastante cooperativo, reconsiderando seu

discurso e recriando um novo discurso. Assume, então, a postura de que não sabe

responder à questão, apesar de atribuir ao professor a responsabilidade de ter que adquirir

conhecimentos para, de alguma maneira, auxiliar o educando: “Agora, na Educação Física,

em geral, acredito que o profissional de Educação Física também tem que ter, porque ele

não pode ser só um profissional fechado, mas ele tem que ter um quê de conhecimento pra

que as pessoas ou pra que as crianças não possam corrigir o professor, né? Então, o

professor é, tem o seu, o seu, lá o seu leque de conhecimento pra poder instruir, né? Na, na

forma e no momento certo.”

Percebe-se que Pedro parece se surpreender às vezes com o conteúdo das perguntas.

Além das evidências acima, ele se confunde ao responder sobre os meios que utiliza para

91

adotar este posicionamento diante das atividades físicas: “ Bom, mas voltando a ... A

pergunta que você fez, é ... ” Começa a responder, e novamente se concentra na

metalinguagem da pergunta e da resposta, respectivamente: “E, peraí que me fugiu. Volta,

volta de, a pergunta.” A entrevistadora refaz e reformula a pergunta mais três vezes, ao

que ele responde: “Correto. É, aí é que tá, ó, por exemplo, da, do desenvolvimento da

linguagem verbal, pronto, é, agora, em âmbito geral, independente de ser uma, uma, por

exemplo, você tá me dizendo ... Sim. Isso. É”.

A entrevistadora, face ao que está ocorrendo, pontua as questões, bem como as

respostas, tentando posicionar e ajudar o informante. Este, após mais algumas tentativas,

chega finalmente à questão: “É difícil, é, a bem da verdade, se eu olhar assim ... (...) pra

verificar, então eu acho que é muito relativo de cada, de cada indivíduo, né?” Pedro fala

novamente de sua “crença”, apesar de o fazer com tom de certa descrença: “Acredito que

tem, eu vejo assim no geral.” Percebe-se uma certa dificuldade do informante na

elaboração de seu discurso, pois este o constrói e reconstrói, ao mesmo tempo que acredita

e desacredita na contribuição das atividades físicas sobre o rendimento acadêmico: “Não,

que eu saí pra pesquisar ou pra analisar, mas acho que, no geral, contribui de alguma

forma, não tão, uma forma assim, é, tão eficaz. Talvez não seria esse o trabalho que

deveria ser feito, né, pra desenvolver a linguagem, mas acredito que contribui, mesmo que

mínimo, mas contribui.” Anteriormente, em relação ao desempenho da linguagem verbal,

o informante dissera não ter condições para responder a esta questão; no entanto, aqui ele

diz acreditar, mesmo que minimamente. Finalmente, Pedro volta à questão, respondendo:

92

“Então, contribui, no caso da pergunta que você fez, não, não tem uma afirmação de

bibliografia, de criança, nada, mas do dia-a-dia, do trabalho que a gente, é, que eu já

exerci. (...) Eu acho que a contribuição, não só por isso, mas, a grande contribuição

também para o desenvolvimento do corpo em si, é, da atividade física, da qualidade de

vida, né? Então eu acho que é bem por aí, eu acho que ... ”

Pedro, pelas suas respostas, apresenta-se, de certa maneira, semelhante ao

informante Bruno, pois é evidente a sua tentativa de reconstrução de seu discurso, não

apenas para responder à entrevistadora, mas também para responder, ou tentar responder,

para si próprio. Neste aspecto há pontos em comum entre Bruno e Pedro. No entanto, as

diferenças estão no posicionamento frente à relação entre as atividades físicas e o

desempenho acadêmico: o primeiro posiciona-se como descrente, e o segundo como um

crente ou surpreendido pelas perguntas. Um outro aspecto é a forma de construções

elaborativas e elucidativas das respostas. Isto permite a autora inferir que as respostas de

Bruno e Pedro diferem na forma enunciativa, tendo em vista o grau de formação de ambos

e, consequentemente, o lugar social que por ora ocupam.

93

Entrevista 6: - Gustavo, doutorando em Educação Física

Gustavo se insere no segundo grupo de informantes, neste estudo caracterizado

como aqueles informantes que são descrentes e céticos em relação à contribuição das

atividades físicas para o desempenho acadêmico. Estes informantes, duvidando desta

possível contribuição, estabelecem como justificativas em seu discurso o papel das políticas

públicas, o despreparo dos professores e a falta de profissionalismo destes. Por outro lado,

direcionam suas dúvidas sobre o real/ideal objetivo que deveria ser atribuído às aulas de

Educação Física.

Gustavo, em relação ao papel que as aulas de Educação Física representam nas

escolas, parece assumir um posicionamento de subestima em relação às mesmas. Esta

inferência surge a partir do momento em que ele enuncia em seu discurso que o papel

fundamental é a interação, não se importando com o conteúdo ministrado, muito menos

com o profissional que as está ministrando: “É, do meu ponto de vista tem um significado,

é, pra mim mais de interação social, independente da, do conteúdo ministrado, da forma

como ela tá sendo trabalhada, do nível de formação, se ele é leigo, se ele é professor, eu

acho que o, a grande virtude das atividades nas aulas, nas aulas de Educação Física na

escola é essa, é essa interação, né?” Esta “crítica”, positiva ou não, permite que se levante

a hipótese de um certo distanciamento da realidade da prática das atividades físicas. Não se

pode afirmar categoricamente se Gustavo está ou não certo. Não existem verdades

absolutas, segundo Rorty (1994), e não há como adquirir um controle e uma previsão do

que de fato acontece. A posição do autor é: “o mundo está diante de nós, mas as descrições

94

do mundo não. Só as descrições do mundo podem ser verdadeiras ou falsas; o mundo por si

próprio - sem auxílio das atividades descritas dos seres humanos - não pode” (p.25).

Considerou-se oportuno inserir esta citação fertilizadora de Rorty, a fim de que todos os

posicionamentos dos informantes fossem respeitados a partir de suas redescrições e

resignificações de como vêem os fatos.

Gustavo continua ainda nesta questão, redescrevendo seu ponto de vista, ainda que

de forma crítica, mas acreditando que existe algum aspecto que favorece os educandos:

“Esse processo de interação social entre os presentes, os alunos, os participantes e uma

certa tomada de consciência do povo, do, de uma visão do movimento, mesmo que seja

um pouco alienada, um pouco desconectada com, com uma postura um pouco mais

crítica do processo que tá ocorrendo ali nas aulas.” Gustavo reforça novamente que

acredita na “interação social” como papel fundamental de contribuição das atividades

físicas para o educando: “ Mas eu acho que é, é fundamental isso, interação social e uma

certa descoberta desse corpo do adolescente, da criança, né? E no convívio com outras

crianças.”

Quando interpelado sobre a função das atividades físico-desportivas, Gustavo

começa a enunciar indícios de descrença sobre as relações investigadas neste estudo: “É, o

que tá lá na, nos programas oficiais, que tá lá o plano de aula, né? Que, na verdade,

muitas das vezes não são atingidos por uma série de fatores, né?” Gustavo, com

“desfalques” e “disfluências” em sua fala, denota estar construindo ou reconstruindo seu

enunciado: “É, e eu acho que reforço essa idéia, mais da interação e da ajuda na

95

descoberta desse corpo, dessa ludicidade, desse espírito também que é meio agônico13

,

né? Meio competitivo no sentido, no sentido melhor da palavra, né?” Parecem confusas as

palavras do informante; porém, atuam destacando o caráter competitivo atribuído hoje às

atividades físicas: “Eu acho que tem esse caráter também prá, é, de caráter de contato

físico, de corpos, caráter de uma certa, é, competição, mas no sentido de medição de, de

forças, não no sentido de, de uma competição como a gente percebe hoje que existe, que

é, que é estimulada até mesmo nas aulas, né?” Pondera seu enunciado, voltando à

“interação”: “De Educação Física, é, voltadas muito pro esporte, mas eu acho que pra,

pra criança ela tem esse sentido de um embate, de um desafio e de uma convivência.”

Quanto à questão da importância das atividades físicas para o rendimento escolar,

Gustavo demonstra, com clareza, que não percebe nenhuma relação direta e positiva: “É,

eu não percebo uma relação direta entre Educação Física e rendimento escolar, e não

sei se alguém já fez esse estudo, já procurou, né? Associar uma, com rendimento escolar,

né?” Gustavo concebe esta idéia como “falaciosa” , de postura de obrigação, de um

corolário. Desta maneira, pode-se considerar que seu discurso se transforma em um

discurso francamente favorável à hipótese da desconstrução da “crença” instituída no meio

acadêmico, ou no imaginário acadêmico, o que, de certa maneira, pode corroborar um dos

objetivos deste estudo, com a desconstrução dessa crença, atribuindo às atividades

físico-desportivas seu papel original, e não um papel de redenção e salvação para os vários

problemas que os educandos possam apresentar. Ou que sejam consideradas apenas como

Esta palavra não foi possível detectar efetivamente na gravação, portanto, não se sabe bem ao certo se o

informante queria dizer antagônico.

96

um meio facilitador de aprendizagens outras, e não “ferramenta” de transferência direta do

aspecto motor para o aspecto geral do desenvolvimento humano.

Gustavo, com seus posicionamentos, concedeu à autora estas considerações acima

descritas. Prosseguindo na análise da sua entrevista sobre as atividades físicas e o

rendimento escolar, vê-se que Gustavo continua negando esta premissa: “(...) então eu acho

que são visões, é, visões erradas, né? Que acho que foi se construindo a partir de uma

cultura, é, até mesmo, é, uma falsa cultura ou uma falsa idéia da Educação Física na

escola, né?” O informante não sabe dizer bem ao certo de onde surgiram tais idéias,

inconcebíveis para ele, porém vai tentando se fazer entender e, da mesma maneira,

procurando deixar mais transparente seu enunciado: “E por algum momento pode até, as

aulas ou, podem até ter possibilitado esse tipo de situação, de leitura, né? Por uma prática

de Educação Física mais conservadora, mais levado pra, talvez, prum tipo de rendimento,

que possa, talvez tenha criado essa idéia meio absurda, né? De que aluno, há uma certa

relação de rendimento escolar e Educação Física.” Observe-se a consciência de que a

“crença” é construída, além de “absurda”.

Procurando investigar mais sobre o posicionamento de Gustavo, a entrevistadora

solicita que ele discorra sobre a formação do conhecimento como uma possível

contribuição das atividades físicas: “Eu acho que é uma idéia falsa.” O informante

permanece coerente com as idéias expostas acima, apesar de alguns gaguejos e repetições

de palavras: “Pode se vender uma idéia de que a Educação Física contribua para a

formação do indivíduo, do estudante, possa contribuir para o seu rendimento escolar, né?

97

(...) eu acho que ela tem uma função própria de possibilitar, a partir da sua, do seu

conteúdo, né? O conhecimento e desenvolvimento do indivíduo em todas as esferas, mas

não que isso esteja articulado na, na direção de que, é, a Educação Física, é, se justificar

na escola pelo, por esse viés aí, de que ela é fundamental para o rendimento escolar,

porque (...)” O informante acredita em algumas contribuições, sem contudo enumerá-las.

Por outro lado, ele considera que as atividades físicas fora do espaço escolar também

deveriam, então, ter essa responsabilidade de formação do conhecimento, e questiona o

porquê atribuir à escola essas atribuições: “É, é, ou nas práticas de cultura corporal,

lúdica, fora da escola, isso também se daria, né? Então, por que que só a escola, só na

escola isso ... (...) Teria que, esse poder. E por que lá?” Gustavo se exprime por iniciativa

própria, com um olhar duvidoso dirigido à escola: “Eu acho que às vezes acontece o

contrário, quando entra lá a coisa acaba, é, dificultando essa melhor relação entre a, o, a

criança, o indivíduo, seu corpo e a própria escola, as duas coisas ainda ca ... é, passam

por um momento de tensão, né? Às vezes a escola limita o desempenho. O desempenho

não, mas o início, a, explicitação do, da corporeidade, né? (...) pelas suas próprias regras

de disciplinamento.”

Sobre a contribuição das atividades físicas para o formação da linguagem verbal, o

informante demonstra uma certa surpresa com a pergunta, e parece construir uma resposta

tanto para a entrevistadora como para si próprio. Menciona a falta de pesquisa científica que

comprove esta possível contribuição: “É porque não há uma comprovação, inclusive acho

que talvez, né? Com uma pesquisa, ou efetiva que diz, que diga isso, né?” Finalmente,

conclui sua resposta com a consideração de que, em processo de integração da Educação

98

Física com outras disciplinas, talvez possa haver alguma colaboração: “Há uma percepção

que nessa integração, a Educação Física, um processo formativo, um processo, o projeto

pedagógico, o processo formativo da escola é logicamente, ela é elemento fundamental na

construção da personalidade, da construção da personalidade motora, da personalidade

social das pessoas, né? Sem dúvida nenhuma.”

Nos moldes como a Educação Física diferente da que se apresenta hoje nas escolas,

Gustavo parece acreditar em uma prática que, trabalhada com os demais conteúdos

disciplinares, possa vir a contribuir de uma maneira geral para com os aspectos de formação

do ser humano. “Uma discussão com crítica sobre o modo como ela, se é bom ou ruim a

forma como vem sendo aprendida, eu acho que depende muito de um projeto mais

ampliado (...). Então, é complicado a, discutir, a gente fazer uma, um julgamento de valor,

né? (...) O que tá se apresentando diferente do que se faz aí, eu acho que um projeto

pedagógico mais ampliado, dentro da escola, inserindo a Educação Física, procurando

trabalhá-la junto com o conjunto, como um conjunto maior de um projeto, né?”

Quando interpelado sobre os meios utilizados para adotar o posicionamento

proposto, Gustavo enuncia: “Não são conclusões, mas são, refletem mesmo um, um

estágio de, de incertezas pela, pela qual a própria área passa com todas essas mudanças

que vão, que estão ocorrendo. Seja no, enquanto a Educação Física objeto de estudo,

enquanto, enquanto prática pedagógica e frente a uma nova ordenação legal forte com a

nova LDB também, né?” Gustavo nesta questão apresenta-se centrado no aqui-e-agora,

citando várias possibilidades, onde em todas elas poderiam se inserir respostas de outros

99

profissionais ou informantes. Seu discurso pode ser um reflexo do processo de busca de

identidade da Educação Física: “Então em, a nossa posição ou nossa percepção exprime

vários, várias coisas, vários, várias situações. Exprime uma, uma experiência. Exprime

uma, uma certa descrença. Exprime também uma certa ideologia. Exprime contradições

da nossa própria fala , né? E alguma coisa do, de um, de leituras que a gente tem às vezes

oportunidade de (...). E que também não mostram, que não apontam, não apontam pra

soluções, né? Pra fórmulas, para soluções fechadas, né? E que mostram que há, há toda

uma incerteza, né?”

Esta enunciação permite inferir também que, além da busca de identidade da

Educação Física , este leque de possibilidades apresentadas por Gustavo sobre os meios,

mecanismos ou recursos utilizados por ele para que assuma estas enunciações, tenham fruto

em sua própria descrença sobre as contribuições das atividades físicas para com o

rendimento acadêmico.

Entrevista 7: - Isabel, Doutora em Educação Física

100

Isabel foi incluída no segundo grupo de informantes. Ela parece não acreditar na

influência das atividades físicas sobre a formação do conhecimento e da linguagem verbal.

Suas respostas são elaboradas de acordo com seu grau de formação (doutora), e forneceram

subsídios para a análise que se segue abaixo.

Perguntou-se a Isabel como ela identifica o papel das aulas de Educação Física nas

escolas. Isabel atribuiu à Educação Física o que seria seu verdadeiro papel, sem devaneios

metafísicos, de acordo com o que se espera adquirir com os resultados deste estudo. Isabel

acredita na contribuição das atividades físicas sobretudo para a formação do cidadão, o que

ela considera como papel de todas as disciplinas e também da escola: “(...) tem a questão

da formação do cidadão, que eu acho que toda e qualquer disciplina é responsável por

essa promoção, de formação desse garoto, dessa menina, né? Desde que eles venham pra

escola, até que saem dela, né? (...) então isso aí eu acho que é uma responsabilidade de

todas as disciplinas, da escola, e da Educação Física também.” Sobre este aspecto, Isabel

retoma a Educação Física tendo como parâmetro a supervalorização atribuída a ela: “(...)

eu acho que hoje há uma, uma supervalorização das disciplinas para com a Educação

Física e, às vezes ela perde a sua essência pra trabalhar o movimento em detrimento de

ficar dimensionando demais esses aspectos e fazendo uma certa confusão.” Isabel

explicita o que considera como papel constitutivo das atividades físicas: “(...) fazer o

trabalho da responsabilidade dela, da sua singularidade, né?” A informante enuncia,

então, o que concebe como o sentido dessa singularidade das atividades físicas: “Que é o

trabalhar os movimentos nessa criança que tem, sobretudo, movimentos, se é que a gente

101

pode falar assim, uma Educação Física, vamos dizer assim, é que traga significado e

prazer nas suas atividades pra criança. Então, eu acho que a grande contribuição da

Educação Física é mostrar, é representar um movimento pros seus alunos como algo que

promove satisfação, prazer, saúde, (...).” Isabel, no processo contínuo de seu discurso,

enuncia e conclui coerentemente com o que disse inicialmente nesta questão: “(...) em

todas essas dimensões e, é, vamos dizer assim, é, apresentar pra esse homem um

componente - movimento, atividade física - com um componente que ele pode levar como

hábitos pra sua formação enquanto cidadão, né? Não ficar restrito às dimensões apenas

esportivas, né?” Apesar de algumas “disfluências”, caracterizadas pela repetição de

algumas palavras, Isabel critica sutilmente a questão esportiva: “O esporte não apresenta

o que as, é, as diferentes possibilidades que a Educação Física pode trabalhar outras

coisas que não só o esporte. Agora, eu acho que o grande, a grande chave da Educação

Física é trabalhar com significado, pro aluno, né?”. Entendeu-se este “significado”

mencionado pela informante como um aspecto formativo de desenvolvimento do ser

humano.

Sobre a função das aulas de Educação Física nas escolas, a informante afirma não

acreditar na função como auxílio para a Matemática ou para o Português, conforme

indicaram os informantes Lucas e Vinícius. Isabel parece ser contra esta proposta, pois,

segundo ela, isto desviaria os objetivos da Educação Física, gerando assim uma certa

confusão de propostas. “Eu acho que é trabalhar o movimento, o movimento. Eu sou

absolutamente contra a Educação Física ser bengala de 1a. à 4

a. série (...). É, eu sou

102

radicalmente contra isso.(...). Quer dizer, que todos se integrem, porque sempre quando

tem uma idéia de, de um trabalho interdisciplinar, é a proposta da Educação Física

trabalhar com o corpo, dimensões matemáticas, dimensões e, eu não, não acho que é,

(...)”. Apesar de Isabel apresentar “disfluências” em sua enunciação, o que poderia ser

considerado como resposta de caráter um pouco inconsistente, ela vai construindo seu

ponto de vista, tornando-o mais evidente: “Então, fica só essa coisa de (...) como ela gosta

de se movimentar nessa faixa etária, quem sabe vai aprender a contar dividindo os times,

sabe? Isso eu não acredito. Eu não acho que é por aí, né ? Eu não acho que é por aí.”

Isabel retoma a questão da função das aulas de Educação Física escolar,

reafirmando seu ponto de vista adotado anteriormente: “Agora, a função dela, na minha

opinião, específica, é trabalhar experiências com o corpo, signi ..., experiências

significativas, que tenham sentido, que possam fazer, é, é, que possam fazer o aluno, é,

vamos dizer assim, é, adquirir confiança, desenvolvimento, é, psicomotor, confiança em

si, a partir do trabalho com movimento. Trabalhar com a realização através da

Ludicidade, do jogo, quer dizer, eu vejo um desenvolvimento belíssimo que a Educação

Física pode proporcionar à criança, ao jovem, ao adolescente, (...), é uma atividade

fantástica pra vida dele (...). A idéia da representação, não só da saúde mas do prazer,

através da atividade física, né?”

Portanto, Isabel apresenta-se meio descrente em relação ao desenvolvimento efetivo

das atividades físicas escolares, da maneira como foram descritas por ela. Acredita na

intencionalidade dos profissionais, mas duvida da realização: “Olha, eu vejo ... eu vejo

103

assim, é, por experiência, muita gente bem intencionada, né? Mas daí a, a isso acontecer

com, eu tenho minhas dúvidas, né?” A informante, em uma instância de “crença” pessoal,

fala sobre o que acredita estar se movendo em direção aos primeiros efeitos de mudança em

relação às atividades físicas: “(...) eu acho que a gente já tem, já pode dizer que tá

mudando a idéia da Educação Física, né? Eu acho que já há uma preocupação com

essa dimensão mais lúdica, mais significativa, da, de levar em conta a, a dimensão da

cultura onde o grupo tá inserido.” Isabel, com a repetição de frases, vai tentando construir

ou elaborar melhor suas idéias. Pode-se de antemão inferir que ela acredita em um trabalho

de Educação Física, límpido, sem “imaginários ou crenças”, em um trabalho que se

preocupa em alcançar as verdadeiras propostas de contribuições da Educação Física para

com o ser humano: “ (...) eu acho que a gente tem alguma coisa já mudando nesse

sentido, agente já pode dizer que tem alguma coisa mudando nesse sentido, porque

cresceram muito as possibilidades, né? (...). Você pode fazer algumas reflexões tímidas,

mas tem noção a respeito, que eu acho que isso já é positivo, entendeu?”

Conforme se pode perceber, no diálogo acima incluem-se posições pessoais da

autora que, através deste estudo se encontra na busca de fazer crescer a área da Educação

Física. Uma Educação Física desprovida de despotismo ou favoritismos pessoais e

profissionais, na ânsia de manter sua legitimação. Ora, a Educação Física é legítima por si

só, quando tem como objetivo desenvolver, aprimorar e estimular as potencialidades do

homem, enquanto ser, ator e “autor” social.

104

Quanto à contribuição das atividades físicas para o rendimento escolar, Isabel, diz

não acreditar em uma relação direta. Através de um discurso longo, que poderia ser

interpretado de múltiplas maneiras, ela vai tecendo sua própria descrença: “Olha, tem

alguns estigmas, né? Do tipo: o aluno que é bom em Educação Física é péssimo nas

outras disciplinas.” A informante acredita que, se o aluno desempenha bem algum tipo de

atividade, seja ela física ou mental, é porque dedica seu tempo para a atividade que mais

gosta ou para a atividade que prioriza como melhor para si mesmo: “Mas eu não acho que

ele é péssimo ou que ele é burro porque ele não consegue aprender, é porque dedica a

maior parte do tempo dele praquilo que ele gosta, que é ficar jogando bola, então não

acho que ele é, é que ele prioriza, né?” A informante percorre outros caminhos, para,

posteriormente, concluir a sua idéia: “A Educação Física, na, mas não acho que o aluno

que faz mais Educação Física seja mais inteligente, tira nota melhor em matemática,

entendeu? Isso não acho que há uma relação direta. Eu acho que há uma relação, o que

eu acho que há uma relação é de como eu tô encarando aquele espaço ali, né? (ao dizer

eu, ela está se referindo ao aluno) Se eu vou encarar aquele espaço ali só como um espaço

de lazer, provavelmente eu vou me, me, vou interagir melhor com o professor de Educação

Física, com o professor de, de artes, de música, porque tudo isso vai ter mais significado

pra ele do que as outras coisas.” Ainda sobre a questão do rendimento escolar, Isabel dá

mais detalhes sobre sua opinião, espontaneamente, sem que tenha sido abordada

novamente: “Pois é. Então, eu acho assim: tem relação de causa e efeito? Eu não tenho

nenhuma, assim, que eu possa te dizer, evidência de que o aluno que tem o repertório

105

muito rico, experiente, bem vivido seja o aluno de rendimento alto. De que o aluno tem

esse repertório comprometido, seja o aluno de desempenho baixo.”

Isabel, à semelhança de Pedro, quando abordada sobre uma possível contribuição

das atividades físicas escolares para o desempenho da linguagem verbal afirma que toda

experiência pode favorecer construtivamente, ou produzir algum efeito positivo para o

enriquecimento da linguagem: “Eu acho que pode, eu acho que toda e qualquer

experiência que a criança tem, que trás significado pra ela, ajuda nessa construção.”

Isabel faz algumas considerações a respeito de estudos ou pesquisas que efetivamente

comprovem esta relação. O que não descaracteriza sua “crença” ou possibilidade nesta

hipótese: “Sempre aprende, agora, eu acho que quanto mais, quanto mais satisfação, eu

acho que, mais fácil o aprendizado, mais significativo, eu tenho a impressão que acelera,

(...). Eu acho que sim, claro que contribui porque você pára e pensa, né? Pára e pensa

numa discussão técnica, numa determinada atividade, contribui muito, né?” Pondera, com

um quê de insegurança, não haver encontrado estudos que destaquem essa correlação.

Isabel continua tentando construir uma justificativa para sua resposta positiva acerca desta

contribuição das atividades físicas para a linguagem verbal: “(...) eu acho que todo espaço

que trabalha com, aliado à linguagem, de repente contribui mais até do que um espaço que

trabalha só com imagem, né? Que trabalha de forma múltipla, né? De expressão, de, mas,

é, eu acho que, até onde eu não sei responder. Até qual o limite aí, que ela contribuiu,

mas eu acho que ela contribui.” Isabel, com pouca extensa enunciação, demonstra

106

acreditar na relação, não só através das atividades físicas, como também através de outras

experiências vivenciadas pela criança.

Pergunta-se a Isabel quais os meios que ela utiliza(ou) para chegar a estas

conclusões enunciadas em seu discurso: “(...), eu, eu fico no eu acho, porque é muito

experimental o meu, muito empírico, muita observação empírica, né?” Cita algumas

experiências, os filhos, a família, e mostra-se cooperativa quando diz não saber explicar

categoricamente o porquê de sua “crença”: “Mas, o que eu sempre ouço falar, que nunca

estudei isso, sinceramente não sou uma, uma pessoa que lê sobre isso, que estuda sobre

isso assim de forma mais atenta, então, é mesmo mais de ouvir as pessoas que fazem

falarem, né? (...) no nível do achismo mesmo, porque eu não sei te dizer, olha, o estudo tal

mostra isso ,o outro mostra aquilo, não tenho essas referências de leitura, mas é, é assim

sabe? (...) Agora, que Educação Física é essa que vai levar determinadas promoções é que

é a grande questão.”

107

Entrevista 8: - Fernanda, Doutora em Educação Física

Da mesma forma que a informante anterior, Fernanda foi incluída no segundo

grupo, caracterizado como o grupo dos céticos ou descrentes em relação às possíveis

contribuições das atividades físicas escolares para a formação do conhecimento e da

linguagem verbal.

Sua entrevista, com algumas considerações que serão desenvolvidas ao longo da

análise, permitiu inferir inicialmente que Fernanda se apresenta coerente em seu discurso,

ao mesmo tempo em que transforma os modelos teóricos e instrumentos conceituais em

propósitos de um discurso fiel e realista, desprovido de idealismo.

Indagada sobre como concebia o papel das aulas de Educação Física escolares,

Fernanda pareceu firme e não hesitou em responder: “Eu acho, na escola, ela, do modo

como ela é, é vivenciada hoje, ela tem um papel de controle, de controle das crianças, né?

A Educação Física, é, pensando que ali ela vai ter um desgaste de energia e, com isso, ela

estará \ mais forte pra fazer as atividades de sala de aula, então eu acho que tem uma

atividade instrumental. Ela se caracteriza como uma atividade de controle do

comportamento das crianças, acho que é esse o papel que ela tem hoje, tá?”

Fernanda enuncia qual deveria ser o papel das aulas de Educação Física, e não o que

para ela apresentam hoje essas aulas, como descrito acima: “Embora eu pense que o papel

dela não deveria ser esse, o papel dela deveria ser de, é, encaminhamento da criança, de

reconhecer essa, essas vivências corporais da comunicação que pode fazer com esse

108

corpo, com as outras crianças, todo o interior dele. Não creio que os professores

trabalhem neste sentido.”

Sobre a função das aulas de Educação Física escolares, Fernanda segue a orientação

da questão anterior, de uma maneira mais reelaborada, como se estivesse não só

completando sua opinião, como também tentando justificar a questão sobre o “controle”

mencionado por ela: “Eu acho que as crianças têm a função de expansão, né? Quer dizer,

elas vivem, é, dentro de uma formação estagnada dentro da sala de aula, elas vivem

contidas, né? Nos seus movimentos.” Parece que Fernanda vai aos poucos mostrando o

porquê, ou o sentido que atribuiu à palavra “controle”: “Então, a aula de Educação Física

é aquele momento assim de expansão, de explosão de toda energia delas que, que tá

controlada, o momento em que ela vai poder sorrir, ela vai poder gritar, ela vai poder, é,

sentir emoções, vivenciar emoções sem a censura que a sala de aula, a professora, os

próprios colegas, né, e têm sobre ela.” Fernanda conclui sua resposta sobre a função das

aulas de Educação Física, deixando implícito o conceito de “controle” exercido pela escola

para com as crianças e a própria aula: “Na aula de Educação Física é um momento assim

de, de expansão e, muitas vezes até de explosão mesmo, dessas energias contidas,

amarradas, controladas (...). Acho que o grupo interno da escola é que tem uma

finalidade instrumental específica, controlar as crianças, né?” Completa seu pensamento:

“Quer dizer, porque a escola toda exerce controle, então a escola toda exerce controle e

as aulas de Educação Física seguem, naturalmente, a ideologia da escola.”

A informante não evidencia acreditar na relação positiva das atividades físicas

sobre o rendimento acadêmico. É o que parece indicar sua fala: “Olha só, eu penso que

109

condições se formam a partir de atividades de movimento, eu penso isso. Agora, a questão

de alto, de baixo rendimento, no meu entender não, não tem relação, né? Porque há

pessoas que não, não praticam atividade física nenhuma e são altamente inteligentes e

têm um rendimento alto. Eu não posso afirmar, eu desconheço pesquisas que

comprovem essa relação de causa e efeito.” Fernanda, negando a relação aqui investigada,

fornece pistas de contribuições que ela acredita favorecerem o indivíduo que pratica

atividade física: “No meu ponto de vista, eu penso assim, quem pratica uma atividade

física tem mais controle sobre si, vai ter mais disciplina, vai ter mais, é, metodolo ...” (é

um desfalque, caracterizado como uma pausa para elaboração ou construção da resposta;

também pode denotar surpresa em relação à pergunta). “(...) métodos de estudos, vai ter

condição metodológica de se estudar, de se, de organizar os horários de estudo, né? Vai,

é, se tranqüilizar mais, então tem mais disponibilidade, né?” Por outro lado, Fernanda,

como o fizera acima, aborda novamente a questão dos inativos, ou seja, aqueles que não

praticam atividade física e que se apresentam com um desenvolvimento satisfatório:

“Agora, há pessoas que não fazem, não praticam essa atividade e também conseguem, é,

essa autodisciplina, essa, essa disponibilidade pra isso. Então, eu creio que não haja uma

relação direta, né?”

Não se pode dizer que Fernanda está equivocada sobre o desenvolvimento daqueles

que não praticam atividades físicas, sejam escolares ou não. Há, inclusive, coerência em seu

discurso, porém, não é esta a questão que está sendo investigada, o que não significa

desprezar o enunciado da informante.

110

Por outro lado, Fernanda em uma construção menos elaborada sobre o que disse

acima, acredita que possa haver uma relação que favoreça outras aprendizagens, e

apresenta-se com repetições de palavras: “Acho que há uma facilitação de aprendizagens

pelo movimento, acho que, é, há uma, pode haver uma associação de facilitação de

aprendizagens, quer dizer, umas aprendizagens corporais se tornam mais facilitadas, as,

as aprendizagens realizadas através, é, de movimentos corporais serão mais facilitadas

porque é aquilo que está escrito, né?” Fernanda deixou um pouco vaga sua resposta e, com

a presença de indícios de não conseguir construí-la, termina dizendo que não acredita que

haja relação: “No próprio corpo, é uma coisa mais concreta, mais concreta, mas não sei

não, eu não acredito que haja uma relação direta, né? Eu acho que é uma questão de

aprendizagem concreta pra uma aprendizagem mais abstrata, mais complexa”.

De uma certa maneira, esta sua resposta vem colaborar para desconstruir a “crença”

das atividades físicas como fundamentais e indispensáveis para o desempenho acadêmico.

Pergunta-se a Fernanda se ela crê em alguma forma de contribuição das atividades

físicas escolares para a formação e aquisição de conhecimentos. A informante,

aparentemente surpreendida, diz: “É, eu tenho dúvida de responder essa, não sei se vai

ajudar.” Ainda assim, tenta elaborar uma resposta para si própria e para a entrevistadora,

porém torna-se repetitiva, e também duvida da qualidade das aulas: “Aquilo que eu já

coloquei antes em relação se ele tiver uma, uma autodisciplina (...). Agora, eu duvido um

pouco da qualidade das aulas que vêm sendo ministradas nas escolas, por „n‟ pesquisas

que a gente tem por aí, que já, já determinaram, então, não sei se ela tá contribuindo.”

111

Fernanda, além de duvidar da qualidade das aulas, parece criticá-las: “No meu entender

ela contribui mais pro controle da criança do que propriamente pra, pra expansão dela,

pra criação. Eu acho que as atividades são extremamente automatizadas, pouco

criativas, acho.” Fernanda, descreve as atividades com um ceticismo muito grande, e

pondera posteriormente, dizendo-se desatualizada: “Eu tô, eu estou fora de sala de aula

há mais de dez anos, quer dizer, nem com estagiário eu tô trabalhando, então pode ser que

eu esteja bastante desatualizada e eu não tenho acompanhado, pode ser que eu esteja

bastante desatualizada.”

No conteúdo de sua descrição, Fernanda retoma particularmente as aulas de

Educação Física como um espaço privilegiado e volta a denunciar o professor: “(...). É um

espaço de muita convivência, aula de Educação Física, é um espaço de muita convivência,

né? (...), há um clima de muita confiança no professor de Educação Física, há um clima

de alegria, é, de disponibilidade do próprio professor pra ouvir os alunos, pra vivenciar,

é, brincadeiras próprias da idade dele.(...) Agora, mesmo assim, com essa doçura toda, na

realidade o professor quer é colocar o aluno na linha, né? Colocar o aluno, é,

obediente.”

Interpelada sobre os meios utilizados para adotar o posicionamento aqui redescrito,

Fernanda diz: “É, não tenho acesso a pesquisas nesse sentido, a que, as duas coisas

(formação do conhecimento/rendimento acadêmico e linguagem verbal). Eu não tenho

acesso e tô afastada dessa, dessa prática. (...) Eu acho que o meio que utilizei foi, foram

as coisas que eu li, é, as coisas que eu li e as coisas que eu vivi na escola.”

112

Por oportuno, destaca-se aqui, com uma certa dose de particularidade, que Fernanda

e Isabel apresentam diferenças em relação aos demais profissionais entrevistados. Falam de

um lugar acadêmico privilegiado (doutora), que lhes dá subsídios, fundamentos, elementos

argumentativos e capacidade de elaboração mais clara para as respostas. Neste quadro, não

se pretende destituir os discursos de Fernanda e Isabel, mas apenas destacá-los.

Análise horizontal das entrevistas

Os dados analisados permitem afirmar, face aos objetivos deste estudo, que:

1) No geral, os informantes acreditam em algum tipo de relação entre atividade

física, desempenho verbal e formação do conhecimento, dividindo-se em dois grupos, com

algumas áreas de interseção: a) dois informantes (Grupo 1) acreditam na relação entre as

atividades físicas, a formação do conhecimento e da linguagem verbal e, embora

produzindo discursos pouco elucidativos, tentam justificar e argumentar suas idéias; b)

cinco informantes (Grupo 2) não acreditam na relação acima, apresentando-se, face ao

resultado da análise vertical, “descrentes” sobre a relação entre atividade física e

desempenho ou rendimento acadêmico; c) dois informantes - sendo que um deles, Pedro, se

insere também no terceiro grupo, ora duvidando ora acreditando nas relações; sem, contudo,

elucidar suas respostas; apresentando respostas desfalcadas (com hesitação, falsos começos,

gaguejos e repetições de palavras) - tentam buscar idéias para posicionarem-se frente ao

assunto tratado, através de falas também com desfalques, com construção de respostas que

são ou que já estão estabelecidas como socialmente aceitas.

113

Seguem alguns exemplos das falas dos informantes classificados no Grupo (1),

quando inquiridos se acreditam ou não na contribuição das atividades físicas para a

formação do conhecimento e da linguagem verbal:

Lucas: “Eu acredito que sim (...) eu posso até acreditar, acredito que tenha, eu sei que tem

importância”.

Vinícius: “É primordial. (...) É importante. É importante que às vezes muitas coisas que a

gente faz na quadra eles fazem na sala de aula, né? (...) Há sempre. Há uma relação muito

íntima entre a quadra, né ? Entre as nossas aulas e aquilo que se passa, é, na sala de aula,

né?”

Os cinco informantes do Grupo (2) - aqueles que não acreditam na relação proposta

como objeto de investigação -, tem-se como exemplo algumas de suas falas:

Pedro: “É, eu não percebo uma relação direta entre a Educação Física e rendimento

escolar (...)”.

Isabel: “Eu acho que sim, claro que contribui, porque você pára e pensa, né? Pára e pensa

numa discussão técnica, numa determinada atividade, contribui muito, né? Nessas aulas,

né?... Fora as outras coisas todas que a gente já comentou da contribuição, contribuição,

eu acho que, sem dúvida, contribui, nossa, muitos dos problemas, né? (...) Agora, tudo isso

depende muito de como o professor trabalha, né? O professor também pode entrar ali e

fazer, tentar fazer... (...) é, eu acho que, até onde eu não sei responder, até qual é o limite

aí que ela contribui, mas eu acho que ela contribui”.

114

Bruno: “Eu acho que a Educação Física escolar não deveria ser compreendida nessa

dimensão. É, a Educação Física, ela não pode ser operacionalizada como uma forma de

ajudar, não pode ser assim”.

Lucas: “É muita presunção alguém achar que uma determinada atividade vai desenvolver

outra, né? (...) Eu não posso querer que a Educação Física é, é, é, é, é faça o aluno crescer

numa determinada disciplina ou outra disciplina dentro da escola (...)”.

2) A maior parte dos informantes apresenta argumentos sem nenhuma base de

estudo de caráter científico, isto é, com apenas algumas referências à sua experiência

prática, raramente com referência aos teóricos do desenvolvimento infantil estudados nesta

dissertação. Seguem algumas falas que parecem sustentar essa parte da análise:

Vinícius: “eu acredito em muito em várias teorias, né? Tem Vygotsky, tem Piaget, tem

Wallon, né? Então não é uma, uma teoria. A gente tem que fazer um suco dessas teorias e

tirar o que há de melhor em cada uma, né? Então, é importante. (...) Então, é importante,

importante e já foi comprovado no dia a dia, né?”. Observa-se que o informante crê na

possibilidade de uma síntese dessas teorias, mas não a apresenta.

Bruno: “(...) pra isso, por exemplo a pesquisa do Lamartine, que foi publicada. (...) a

pesquisa de, da tese de mestrado da Beth, me parece, é muito interessante (...)”. Aqui,

também, o informante cita pesquisas e estudos, porém, sem falar sobre o seu conteúdo.

Gustavo começa explicitamente a falar em caráter exploratório: “Não são conclusões, mas

são, refletem mesmo um, um estágio de incertezas pela, pela qual a própria área passa com

todas essas mudanças que vão, que estão ocorrendo, seja no, enquanto a Educação Física

115

objeto de estudo, enquanto, enquanto prática pedagógica e frente a uma nova ordenação

legal forte com a nova LDB também, né? Então, em, a nossa posição ou nossa percepção

exprime vários, várias coisas, vários, várias situações, exprime uma, uma experiência,

exprime uma, uma certa descrença, exprime também uma certa ideologia, exprime

contradições da nossa própria fala, né? E alguma coisa do, de um, de leituras que a gente

tem às vezes oportunidade de acompanhar, né? E que também não mostram, que não

apontam, não apontam pra soluções, né? Pra fórmulas, para soluções fechadas, né? E que

mostram que há, há todo um, há toda uma incerteza, né?”

Palavras como: incertezas, várias situações, uma experiência, descrença e ideologia

podem ser consideradas como algumas marcas de construção de sentido. Por outro lado, o

informante busca sem bússola, sem rumo, em estilo ensaio e erro; do que resulta uma lista

aberta de possibilidades, não necessariamente articuladas. Expressam essa idéia palavras

como: enquanto a Educação Física objeto de estudo, prática pedagógica, nossa posição,

nossa percepção.

Fernanda: “(...) foram as coisas que eu li, é, as coisas que li e as coisas que eu vivi na

escola. (...) É, literatura ou escrita, mas, é, não literatura comprovada, porque não é muito

a minha área, aprendizagem motora, velocidade, então eu não tenho é profundidade nisso,

eu não tenho dados (...) do conhecimento que eu tenho dessa área é mais o que eu vivenciei

na escola”.

No decorrer das entrevistas emergem alguns sentidos de afirmações com suporte

empírico:

116

Vinícius: “já foi comprovado no dia-a-dia”.

Sabrina: “porque ela é prima pobre da educação”.

Pedro: “eu vejo assim no geral. Não que eu saí pra pesquisar ou pra analisar, mas acho

que no geral, contribui de alguma forma, não tão, uma forma assim, é, tão eficaz”.

3) No Grupo (3) se encontram dois informantes, sendo que também se incluem no

primeiro e no segundo grupo. Com respostas pouco elucidativas e desfalcadas, permitem-

nos inferir que eles as estão construindo no momento da entrevista, pois talvez ainda não

haviam refletido sobre o tema da relação entre atividades físico-desportivas e desempenho

ou rendimento acadêmico. Por outro lado, têm-se também informantes do segundo grupo,

que também apresentam características de falas desfalcadas.

Sabrina: “(...)em relação às possibilidades que essa movimentação oferece, tanto na

comunicação, pra própria comunicação, né? Na, na, pra ele se reconhecer enquanto

pessoa, enquanto, enquanto ser (...)”.

Pedro: “Motora, motora, coordenação motora. (...) mas eu acho que, basicamente,

contribui pras habilidades gerais... (pausa)”.

Dois informantes utilizam política pública e ideologia como argumentação para o

que, por ora, não se verifica na prática; Sabrina, Bruno.

Uma informante duvida da qualidade das aulas de Educação Física - da maneira

como ela é trabalhada hoje - para se alcançar os objetivos propostos e desejados pelos

profissionais da área.

117

Fernanda: “ Agora eu duvido um pouco da qualidade das aulas que vêm sendo ministradas

nas escolas. Por „n‟ pesquisas que a gente tem por aí, que já, já determinaram, então não

sei se ela tá contribuindo ou, no meu entender, ela contribui mais pro controle da criança,

do que propriamente pra, pra, expansão dela, pra criação, eu acho que as atividades são

extremamente automatizadas, pouco criativas (...)”.

Alguns informantes apresentam respostas com pouca coerência interna,

evidenciando que não estão convencidos e não são convincentes em relação ao tema

abordado.

Os informantes, à medida que aumentam o grau de instrução, tendem a ser mais

prudentes e cautelosos em suas respostas. Quando entrevistados, oferecem pistas que não

permitem afirmar se acreditam ou não na forma como vem ocorrendo a prática das aulas de

Educação Física; se estas podem beneficiar os alunos além da ludicidade e da expressão

humana. Conforme foi possível observar na Análise Vertical - com respostas mais bem

elaboradas e menos elucidativas -, adotam discursos circulantes em nosso meio acadêmico

e profissional, como a valorização da Educação Física pela escola, a legitimação através de

políticas públicas que, além disso subsidiem a reciclagem dos profissionais e forneçam às

escolas condições físicas, materiais e recursos humanos.

118

Análise do Questionário:

Como tabulação geral, permitindo uma visão panorâmica das respostas, assinaladas

pelos informantes na Escala de Likert, temos:

1) Crianças com dificuldade de aprendizagem podem ser beneficiadas por um

programa de atividades físicas, melhorando seu desempenho escolar.

- concordam plenamente 3 informantes: Lucas, Vinícius e Fernanda.

- concordam parcialmente 3 informantes: Sabrina, Gustavo e Isabel .

- discorda parcialmente 1 informante: Bruno.

2) Atividades físicas contribuem para a formação e aquisição do conhecimento ou

cognição.

- concordam plenamente 3 informantes: Lucas, Vinícius e Sabrina.

- concordam parcialmente 4 informantes: Bruno, Gustavo, Isabel e Fernanda.

3) Desenvolvimento da linguagem é pré-requisito para o bom desempenho das

atividades esportivas.

- concordam parcialmente 5 informantes: Lucas, Vinícius, Bruno, Gustavo.

- discordam plenamente 3 informantes: Sabrina, Isabel e Fernanda.

4) Inteligência e conhecimento favorecem muito o bom desempenho das atividades

físicas esportivas.

- concorda plenamente 1 informante: Lucas.

- concordam parcialmente 3 informantes: Vinícius, Bruno e Fernanda.

- discordam parcialmente 3 informantes: Sabrina, Gustavo e Isabel.

119

5) Crianças que apresentam um excelente rendimento escolar também apresentam

um excelente desempenho motor.

- concorda plenamente 1 informante: Sabrina, responde “na maioria das vezes”.

- concordam parcialmente 2 informantes: Lucas e Vinícius.

- discordam plenamente 3 informantes: Bruno, Gustavo e Fernanda.

- Não tem opinião: 1 informante, Isabel.

6) A escola é essencialmente acadêmica, desprezando as atividades físicas

esportivas. - concordam parcialmente 5 informantes: Sabrina, que acrescentou

“quase sempre”, Bruno, Gustavo, Isabel e Fernanda.

- discordam plenamente 2 informantes: Lucas e Vinícius .

7) A escola separa o corpo da mente.

- concordam plenamente 2 informantes: Bruno e Fernanda.

- concordam parcialmente 2 informantes: Sabrina, que acrescentou “quase

sempre”, e Gustavo.

- discordam plenamente 3 informantes: Lucas, Vinícius e Isabel.

8) A permanência das aulas de Educação Física nas escolas é de caráter corporativo.

- concordo plenamente 1 informante: Fernanda.

- concordam parcialmente 3 informantes: Lucas, Vinícius e Bruno.

- discordam plenamente 3 informantes: Sabrina e Isabel.

- discordo parcialmente 1 informante: Gustavo.

120

OBS: Pedro não respondeu a nenhuma das respostas, preencheu somente o

cabeçalho, deixando todo o restante em branco. Sabrina acrescentou

expressões, ao invés de apenas marcar com “x” suas respostas.

Lucas, mestre em Educação Física, apresenta aspectos de coerência em relação às

respostas da Escala e sua respectiva entrevista. Fazendo parte do grupo aqui categorizado

como o de crença total na relação entre atividades físicas e desempenho acadêmico

(Grupo 1), as respostas parecem confirmar essa crença.

Vinícius, mestre em Educação Física, da mesma maneira que Lucas, se inclui no

grupo daqueles que acreditam na relação entre atividades físicas e desempenho acadêmico.

Também se apresenta de maneira coerente frente à crença desta relação, mantendo coesão

entre o questionário e as concepções emitidas durante a entrevista.

Sabrina, mestranda em Educação Física, se inclui no grupo classificado como

aqueles que embora forneçam indícios de acreditar na relação investigada, demostram

surpresa com as perguntas e vão construindo suas respostas à medida em que as responde.

Esta evidência parece clara em relação ao questionário, respondido por Sabrina, em que não

apenas assinalava a opção, mas também emitia respostas como; “na maioria das vezes” e

“quase sempre”.

Bruno, doutorando em Educação Física, se inclui no grupo dos céticos, ou seja,

aqueles que se apresentam descrentes em relação à contribuição das atividades físicas para

o desempenho acadêmico (Grupo 2). Bruno demonstra uma certa falta de coesão em suas

respostas. Em sua entrevista, diz que essa relação existiria somente se a Educação Física

121

fosse trabalhada de maneira diversa da que hoje se apresenta, mas no questionário o

informante concorda parcialmente nas questões em que são abordados temas relacionando

atividade física, conhecimento e linguagem verbal. Este fato talvez seja um aspecto

importante para se validar a análise de sua entrevista, onde existem algumas evidências

permitindo-nos inferir de ainda não haver refletido efetivamente sobre a relação aqui

investigada.

Pedro, especialista em Educação Física, deixando o questionário em branco, não

permitiu relacioná-lo com os dados de sua entrevista. Infere-se, porém, que este resultado

faz sentido, se se levar em consideração que Pedro, pela sua entrevista, se insere

simultaneamente no grupo dos céticos e no grupo daqueles que às vezes parecem acreditar,

pois vão construindo e desconstruindo seus discursos no decorrer das entrevistas (Grupo 2

e 3).

Gustavo, doutorando em Educação Física, se insere no grupo daqueles que se

apresentam céticos ou descrentes na contribuição das atividades físicas para o desempenho

acadêmico (Grupo 2). Nas três primeiras questões da Escala de Likert, em que são

abordados aspectos desta possível contribuição, Gustavo marca a opção de “concordo

parcialmente”. Este fato pode ser considerado como uma certa contraposição entre a fala

ou discurso e a escrita. Outra interpretação pode ser feita, tendo em vista que Gustavo

aponta na entrevista outros fatores contributivos das atividades físicas, como a interação

social, tomada de consciência através do movimento e outras, mas não as enumera.

122

Isabel, doutora em Educação Física, incluída no Grupo 2, dos céticos ou descrentes,

confirma não acreditar na interferência das atividades físicas sobre a formação do

conhecimento e da linguagem verbal. Nas duas primeiras questões da Escala, Isabel marca a

opção “concordo parcialmente”; nas questões restantes, permanece coerente com o que foi

exposto em sua entrevista, inferência que pode ser confirmada pela análise de sua

entrevista.

Fernanda, doutora em Educação Física, incluída no grupo dos céticos (Grupo 2),

apresenta-se de forma bastante coerente em relação às opções marcadas no questionário e

seu posicionamento durante a entrevista, como se verifica na análise de seu discurso.

123

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES

Os autores utilizados como suporte teórico neste estudo corroboram a relação

positiva entre atividade física, desempenho verbal e formação do conhecimento

(inteligência, intelecto, cognição, cognitivo), fazendo com que a psicomotricidade se torne

relevante. Segundo esses autores, é inegável a importância do desenvolvimento das

habilidades motoras dentro do ciclo da vida, para a formação plena do ser humano, com a

finalidade de explorar e aprimorar ao máximo suas potencialidades em todos os domínios.

Piaget, no entanto, é o que mais se aproxima dos objetivos propostos pela Educação Física,

dado que o autor concluiu que é da ação que se chega à inteligência. Este postulado

permitiu também justificar o porquê da teoria piagetiana ser a que mais comumente se

observa circular no meio acadêmico.

Face às idéias gerais desses autores, pudemos verificar que os informantes, em seu

conjunto, têm uma visão aparentemente heterogênea, e no fundo homogênea sobre a

questão, tendo em vista a característica de formação (aperfeiçoamento) . Neste estudo,

considera-se que, por um lado, há um discurso homogeneizante, que circula em nosso meio

profissional e é quase consensual, com características de reificado, familiar, coisificado,

pelo fato de alguns dos professores acreditarem nos benefícios das atividades físico-

desportivas para o desenvolvimento da linguagem e do conhecimento. Os discursos vão se

modificando de acordo com o lugar social e acadêmico que os informantes ocupam, bem

124

como seu grau de formação e seus conhecimentos e práticas adquiridos (exemplo: professor

de futebol, professor de universidade, professor de escola).

Percebeu-se que, da formação do graduado aos doutores, passando pelo especialista

e mestres, foi-se paulatinamente desconstruindo a “crença” da relação positiva entre as

atividades físicas, a formação do conhecimento e da linguagem verbal. Lembrando que, os

professores graduados que constituíram o “corpus” da fase anterior à dissertação,

apresentaram-se “crentes” e favoráveis em relação às contribuições do binômio movimento

e cognição.

Tendo em vista os dados coletados e analisados, incluindo-se aí também os

resultados do trabalho realizado em 1997, citado acima, e que constituiu-se no ponto de

partida para a presente dissertação, afirma-se que há uma crença, e que, por ser uma crença

de base intuitiva dos professores, está desprovida de caráter "científico", no sentido de que

as atividades físicas são consideradas como redentoras e salvadoras do ser humano; - de

que, sem elas, possivelmente, os homens e o mundo seriam diferentes. As respostas, em

geral, mostram que são igualmente esquecidos aqueles que, por razões diversas, não se

movimentam ou não podem se movimentar. Embora não sendo este o foco de nossas

investigações, questiona-se: seriam, então, estas crianças de hoje - e adultos no futuro -,

seres "acéfalos", sem inteligência ou sem competência para desenvolver as atividades e

atribuições básicas exigidas no quotidiano? Da mesma forma, também as crianças que não

participam das aulas de Educação Física seriam prejudicadas em seu desenvolvimento

mental?

125

Essa supervalorização das atividades físicas permite, preliminarmente, interpretar

que se supervalorizam os efeitos da atividade físico-desportiva, possivelmente como um

mecanismo que ajuda a garantir o mercado de trabalho (não sendo este fato, em si,

reprovável); supervaloriza-se o trabalho do professor de Educação Física como essencial e

como inerente ao bom desenvolvimento do ser humano; há a impressão - pela leitura das

respostas dos docentes entrevistados - de que se supervaloriza o próprio trabalho, porque

tem que ser assim para que o mesmo continue a existir enquanto área de conhecimento que

se amplia e se torna cada vez mais multifacetada. Por outro lado, há aqueles informantes

que não concordam com o trabalho que vem sendo desenvolvido pelos profissionais.

Entretanto, há uma diferença entre os efeitos imaginados, em termos ideais, e os

efeitos constatados na prática corrente. Assim como a Educação Física se apresenta, não se

poderia dizer: "ou muda tudo ou reformulam-se seus objetivos enquanto atividade escolar”?

Esta idéia deve ser mediada, uma vez que pode-se optar, e deve-se optar, por uma Educação

Física que tenha como meta operacionalizar seus reais objetivos, sem relevar por demais o

desenvolvimento ou favorecimento do conhecimento, da cognição, da linguagem como

forma de se impor, na busca de valorizar por esta via a área da Educação Física. A

Educação Física beneficia todo e qualquer indivíduo, no momento em que a consideremos

como um espaço sócio-educativo do prazer.

Sugere-se que, a partir da leitura desta dissertação, repensemos como andam nossas

práticas, e que, sem a preocupação de nos impormos perante a escola, incluindo toda a

comunidade escolar e a sociedade em geral, nos façamos presentes como legitimamente

126

responsáveis pelo espaço que nos pertence, recuperemos e supervalorizemos os recursos,

que são acima de tudo “humanos”, e busquemos proporcionar aos indivíduos toda uma

gama de oportunidades que os façam se sentir harmoniosa e plenamente em

desenvolvimento.

127

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131

ANEXOS

Entrevista 1: Lucas, mestre em Educação Física

E: Você, dentro do que a gente conversou, você acredita que existe uma correlação, essa

correlação de uma maneira, uma relação positiva entre as atividades físicas e o rendimento

escolar?

Lucas: Eu acredito que sim, é uma, é talvez a grande dificuldade que a gente tenha hoje é de

perceber como que isso na prática ocorra porque a Educação Física na escola foi sempre

colocada como uma coisa secundária, uma coisa extra, e (...), essa percepção de que a

Educação Física tem importância, ela não tá muito relacionada com as outras disciplinas.

As pessoas não vêem essa relação. Então para nós, profissionais, isso fica muito difícil.

Tentar impor, tentar contrapor essas, essas idéias nas outras pessoas porque, esbarra na

falta de objetividade, de mostrar realmente como que essas coisas podem, possam estar

interrelacionadas porque uma vez que eu falo tem essa relação direta eu não sei mostrar,

demonstrar como isso, eu posso até acreditar, acredito que tenha, eu sei que tem

importância, aí fala: então demonstra pra mim, aí muitas vezes o profissional da Educação

Física, ele não tá preparado pra demonstrar como. E uma vez que você não demonstra como

você perde a, a, a, a, você perde a credibilidade, eu acredito que seja por aí.

E: É, pra você, as atividades físicas estão relacionadas a qual aspecto, qual aspecto ou

comportamento essencial da vida. Pra você as atividades físicas estão relacionadas a que

aspecto que comportamento da vida escolar? Em que que ela pode ajudar? É uma relação

mesmo.

Lucas: Tem várias coisas. Eu acredito que várias concepções de, de, da formação básica,

tem relação com a Educação Física. É, é, é, durante o desenvolvimento dos jogos infantis

você pode ensinar soma, é, ... adição, subtração, você pode dar noção de elementos de, é,

(silêncio) elementos: círculo, quadrado, é, esfera, você tem como, dentro da Educação

Física, trabalhar esses elementos que estão relacionados diretamente com a questão

matemática. E você pode também, dentro de atividades ou jogos recreativos como a

132

amarelinha, desenvolver a parte de linguagem também, com formação de palavras, cada

casa da amarelinha, por exemplo, representaria uma letra e a criança sai formando as

palavras. Então, eu acredito que dentro desse contexto há vários outros eventos que

poderiam ser dado, é, por exemplo: você poderia, vamos colocar até nos jogos já, nos jogos

é, é, é pré esportivos, de uma queimada que seria a preparação pro handball, você coloca as

pessoas com número ou coloca as pessoas com letra e, a, a criança tem que seguir uma

determinada hierarquia de letras ou de números pra que a equipe dela ganhe o ponto. Então

é uma forma de você tá trabalhando a alfabetização e tá trabalhando a atividade física de

uma forma direta. É aí que foi a questão?

E: Foi. Que aspectos da vida você considera relevante pro ser humano partindo do

princípio, desses aspectos que você citou, que aspecto você considera assim relevante?

Lucas: A relevância da atividade física nesse contexto?

E: Não. Qual o aspecto mais relevante da atividade física. Da relação da atividade física

com algum aspecto mais relevante?

Lucas: É, na minha concepção tem vários aspectos relevantes. É o aspecto daaaa saúde hoje

é o mais batido deles, é o mais perceptivo que você, é, orienta o indivíduo pra que ele

busque a qualidade de vida através do esporte então eu acho que uma coisa tá relacionada

com a outra, é isso, eu acredito que nessa parte infantil, nessa parte inicial da formação, se

você consegue canalizar informações pra que a criança entenda os valores dessa atividade

provavelmente ela tende a reproduzir isso com mais freqüência e num estágio mais

avançado da vida, ou na questão, quando ele atinge a maioridade, a idade adulta, ele

consegue perceber, consegue ter uma prática sistemática em função dessa percepção que ele

teve na fase infantil.

E: Então pra você o aspecto mais relevante é a saúde?

Lucas: Não só da saúde. Eu acredito que o lado, o, a, a recreação de certa forma tá aliado à

saúde mental. Eu acho, eu acredito que o lazer é, é um, também um forte indício dessas

necessidades.

E: Necessidades. Pra que isso se prolongue pela vida.

133

Lucas: Isso.

E: Como você no handball?

Lucas: É, poderia ser.

E: Que é uma coisa que foi despertada na infância?

Lucas: Não, não. Eu, eu fui tê conhecimento do handball mesmo depois dos 16 anos, por

incrível que pareça. Até então eu via mas não praticava.

E: Você teve atividade física...

** Os dois falam juntos.

Lucas: Tive, tive. Eu sempre fui daqueles alunos que na parte física sempre tava disputando

os primeiros lugares, é, pra querer participar. Eu não admitia de jeito nenhum ficar de fora

de nada.

E: Mas então você tá dentro do quadro da aprendizagem, conforme aprendemos, quando

chega aos 16, de 16 aos 18 anos é a fase da definição.

Lucas: É, mas eu acredito que essa definição minha deu mais por falta de oportunidade do

que propriamente por ter segmentado ou vivenciado outras coisas e depois optado. O meu

caso não foi nessa de ver uma gama muito grande de atividades e depois optar. Não, não foi

isso. Foi por falta de oportunidade. Eu acredito que se eu tivesse desde, desde, da infância,

da primeira infância, conhecido o handball teria sido amor a primeira vista também.

E: Olha, que interessante. Paixão mesmo.

Lucas: É mas eu praticamente jogava tudo também, a verdade é essa.

E: Agora era aquele aluno que é prazeroso, era...

Lucas: Entrava em primeiro lugar na fila pra tá fazendo tudo primeiro de todo mundo.

E: Ah, esses alunos são tão bons! Correlacione pra mim, o bom desempenho físico,

esportivo, com outro tipo de rendimento, como o acadêmico por exemplo.

Lucas: O bom rendimento físico com o rendimento acadêmico. Eu não tô conseguindo

perceber essa correlação direta assim não. É, porque eu tô tentando lembrar aqui ..., da

minha, da época que eu estudava, lembrando, eu num consigo lembrar se os melhores

alunos estavam relacionados com o rendimento físico e, na parte já da, da, da, da

134

universidade, como todo mundo era da atividade de Educação Física fica mais difícil fazer a

correlação porque havia uma, uma, uma curva de nível de aluno muito, é...

E: Acentuada?

Lucas: Acentuada. Alunos muito bons, uma grande parte na intermediária e alunos muito

ruins, que, eu tô falando isso quanto a, a, a formação intelectual e não só como a formação

física, a percepção física. Tô sendo claro?

E: Tá.

Lucas: Eu num consigo ver como que eu poderia fazer essa relação não. Porque tinha

alunos que jogavam muito bem em algumas modalidades, que era o primeiro da turma nas

disciplinas de, de teóricas. Outros que eram muito bons atletas e nas disciplinas teóricas

eram péssimos alunos. E essa, e invertia, da mesma forma que ia prum lado, essa curva, ela

invertia também. Alunos que não tinham percepção nenhuma esportiva dentro da quadra e

que eram excelentes alunos do ponto de vista, do ponto de vista teórico, da, da teoria.

E: É, como as atividades físicas sistematizadas contribuem para o desenvolvimento verbal?

Lucas: Essa questão eu acho que tá contemplada naquela segunda ou primeira que eu te

falei. É você buscar atividade que faça com que a criança ou indivíduo recorde essa, essa,

essa formação, essa percepção de linguagem. Você cria atividades, jogos recreativos, jogos

educativos que façam com que ela passe por essas atividades tendo o contato com a

linguagem. Tendo contato, né? É, jogos de, de tiro ao alvo com letras, jogos, queimada,

handball com alguma, outro tipo de informação que a criança tenha que desenvolver uma

linguagem.

E: Você acha que você seria capaz de, pela atividade física, desenvolver a fala?

Lucas: Não tenho condição de te dar essa resposta. Eu não conheço. Não tenho leitura nem

conhecimento. É, eu aí já tô colocando de uma forma não muito comprovada. Parece que eu

já ouvi falar que tem essa relação direta, de pessoas que começam a desenvolver atividade

física, isso faz com que desencadeie nela um processo de motivação muito bom pra outro

tipo de coisa e que, de certa forma, isso faz com que ela tenha um rendimento melhor na

135

hora de desenvolver a linguagem, essa coisa. Mas isso pra mim é muito especulativo, essa

informação. Eu não tenho leitura pra...

E: Seria interessante, né? Conseguir perceber, tentar trabalhar assim, né?

Lucas: É, quando acadêmico, eu fiz uma disciplina que chamava, é, é, é natação especial

aonde trabalhávamos com o pessoal da APAE, em Minas, e essa disciplina foi até muito

engraçada porque eu, eu me senti totalmente impotente diante da, do que tava ocorrendo, eu

peguei um menino que era pra trabalhar natação com ele, o menino tinha Síndrome de

Down, paralisia infantil, mongolismo e era negro, você imagina uma criança com essas

quatro situações. Síndrome de Down, mongolismo é a mesma coisa, ele tinha outro, tinha

uma outra deficiência, visual, é isso, além da Síndrome de Down, paralisia infantil, tinha

uma deficiência visual e ainda era negro. Então você imagina a rejeição que essa criança

tinha sob todos os aspectos. Eu fui trabalhar com essa criança, me dediquei muito. Eu

gastava meia hora pra conduzir, pra conseguir levar ela pra dentro da piscina. Meia hora pra

tirar ela de dentro do meu pescoço, que ela ficava garrada e gritando. Depois que eu

conseguia colocar ela dentro da piscina, já tinha terminado a aula há muito tempo, eu

gastava meia hora pra tirar. Eu fiquei traumatizado. Até tranquei a disciplina. Eu me senti

totalmente incompetente. Eu falei: não, não é isso. Eu me cobrei muito. Eu falei: não, eu

num tô na Educação Física, pra mim, apesar de reconhecer essa importância, não é isso que

eu vim buscar na Educação Física. Então a gente também, às vezes, começa a se cobrar

algumas coisas e a gente tem que avaliar se realmente é aquilo que a gente queria quando

foi escolher a Educação Física, e não foi isso. Aí depois de você conversar, as pessoas

começaram a me fazer entender isso, que eu não tinha que me cobrar também.

E: É porque a gente, as vezes, se propõe a trabalhar com corpos perfeitos.

Lucas: É, a princípio a minha proposta era essa, trabalhar com treinamento, com...

E: Pessoas que trabalham com deficientes, com corpos deficientes, se propõe a fazer esse

tipo de trabalho.

Lucas: Tem pessoas, e a gente tem que ver que, muitas vezes, a gente num tá realmente com

condição de fazer isso.

136

E: Então quer dizer que a sua resposta foi no sentido de que você não teve êxito.

Lucas: Não, foi um fracasso porque, aí no outro dia eu ia dar aula era o mesmo processo:

demorava meia hora com o menino que ele ia pra beirada da piscina, na beirada da piscina,

meia hora pendurado no meu pescoço, depois meia hora pra tirar, aí eu falei: num dá.

Larguei, cancelei a disciplina. Não fiz sucesso.

E: Eu achei...

Lucas: É, então eu acho que de certa forma pode ilustrar, mas nós estamos falando de uma

pessoa, tinha várias seqüelas, que não é uma pessoa que, de uma forma comum, a gente vê

na, na, nas classes de ensino, né? Seriam classes especiais.

E: Exatamente. Uma vez eu peguei uma classe de alunos superativos, nunca mais eu passei

pela porta da escola, nunca não, mas por um bom tempo. A gente tá preparado pra

trabalhar só com corpos perfeitos e mente também perfeita, não é verdade? Penso que nós

devemos nos especializarmos pra trabalhar com deficientes.Como, eu acho que você já

respondeu mas de qualquer forma eu vou colocar que pode ser que você acrescente mais

alguma coisa. Como as atividades físicas esportivas contribuem para o desenvolvimento,

desenvolvimento e formação do conhecimento?

Lucas: Como que a atividade física...

E: Contribui para a formação do conhecimento.

Lucas: Olha, teria que ver sob dois pontos, eu tô conseguindo ver dois pontos. Eu não sei

qual deles que eu vou tocar naquilo que você quer. Primeiro: atividade física para a

(silêncio), difusão de conhecimento, eu acho que há um hiato muito grande, né?, porque o

que é feito pela academia e o conhecimento que é demandado pra quem trabalha. Eu acho

que há um va, va, vácuo grande aí. Por exemplo: as nossas teses, elas são todas lindas mas

eu não sei quando que elas vão virar produto de consumo pra quem trabalha na prática.

Então eu acho que isso dá uma, ... um pouco de...

E: É um hiato mesmo.

Lucas: É e não é hiato. Dá um pouco de angústia, achar que você tá trabalhando,

trabalhando pra que? Eu acho que nessa vertente, eu não sei se é aí tô respondendo essa

137

questão. E outra atividade contribuindo, se for olhar por outro lado, é, eu acredito que as

pessoas que começam a se envolver com atividade física tem várias possibilidades em

termos de qualidade de vida porque você começa a conhecer pessoas, começa a viajar,

principalmente eu tô falando pra quem tem uma atividade física que passa a ser

competitiva. Começa a conhecer outras coisas fora do seu contexto social ..., você começa

a conviver com outras pessoas, começa a ter um despertar para outras possibilidades de

vida, de...

E: Abre um leque...

Lucas: Isso. No sentido de que ...

E: De conhecimento, de ampliar esse conhecimento?

Lucas: Ah bom. Começa a perceber que tem coisas muito mais além daquele mundo que ela

tá acostumada a entender como o mundo dela. Eu acho que a atividade física colabora

nessa, nesse aspecto.

E: Quais os meios que você utiliza, ou então, ou melhor, não vou falar nem quais os meios.

A existência dessa relação positiva entre as atividades físicas e a formação do conhecimento

e linguagem, você poderia falar diretamente pra mim sobre esses três aspectos? Atividade

física, a formação do conhecimento e, digamos, o desenvolvimento da linguagem. A

contribuição para a formação da linguagem.

Lucas: Isso é complicado. Eu acho que eu toquei em todas essas opções nas anteriores, eu...

E: Tocou.

Lucas: É, repete por favor, eu tô: atividade física, formação do conhecimento e

desenvolvimento da linguagem.

E: Exatamente.

Lucas: Você quer que eu faça...

E: O que você sabe, o que você consiga falar, uma relação sobre essas três. Se você tivesse

que falar sobre isso.

Lucas: Ah, sim. Atividade física...

E: Atividade física, formação do conhecimento e desenvolvimento da linguagem verbal.

138

Lucas: Juntos? Eu num tô conseguindo entender a questão.

E: Para, como se fosse um bloco, tá? Porque você já falou que existe uma correlação, só

que não há como comprovar...

Lucas: Não, tem como comprovar mas as pessoas num tão preparadas pra comprovar.

E: É, exatamente.

Lucas: Não é que não tenha como comprovar, tem, as coisas é que num tão. Então a...

E: Nem sempre a gente tá atento pra isso também, não é?

Lucas: É

E: Então seria falar sobre esses três itens: atividade física, formação do conhecimento e

desenvolvimento da linguagem verbal.

** Silêncio (longo).

Lucas: Eu tô achando que essa questão, ela tá...

E: É até bom que você tá...

Lucas: Eu tô achando que essa questão tá confusa. Confusa no sentido de que eu num tô

entendendo o que que você, como que eu deveria dar essa resposta, então eu acho que você

deveria, depois eu quero te falar sobre uma outra também que eu acho que pode ser

discutida.

E: Tá ótimo. Se eu te fizer ela de outra forma, vamos ver se a gente vai. Que meios você

utiliza pra argumentar, pra verificar a existência dessa correlação, da correlação entre os

três? Você utiliza seu conhecimento, você utiliza sua prática, você...

Lucas: Ah agora acho que ficou mais claro. Você tem, eu acredito que tenha que aliar o

conhecimento que você tem com o conhecimento prático. Você buscar atividades que dêem

uma, uma seqüência dessas suas questões. Um atividade onde você possa comprovar, é,

atividade física uma, importante pra formação do conhecimento e que tenha relação com o

desenvolvimento da linguagem verbal.

E: Sim.

Lucas: Agora, isso aí teria vários, é, teria que, teria condição de buscar várias alternativas

pra esse desenvolvimento.

139

E: Processos pedagógicos?

Lucas: É, processo pedagógico. Você, eu acho que tem até bastante receita de bolo aí nesses

livrinhos que ensinam alguma coisa aí, nesse sentido.

E: Mas aí você tá tentando, vê se eu consigo pegar o que você tá falando. Seria o de fazer

uma atividade mais elaborada pra que abarcasse essas ou um desses três aspectos. Ou você

acha que, claro...

Lucas: Eu acho que ela não tem essa preocupação não. Do jeito que ela tá sendo montada na

escola, do jeito que a gente vê, num consigo, não tô vendo que tenha essa preocupação em

desenvolver o conhecimento da linguagem verbal. Não consigo ver essa preocupação.

E: Embora...

Lucas: Embora possa diretamente, embora possa não, embora esteja diretamente

relacionada. Mas não consigo perceber que o professor tenha essa preocupação hoje.

E: Pra que isso ocorra efetivamente acho que tenha que ser uma coisa mais elaborada...

Lucas: Teria que ser elaborada porque, preocupando justamente em fazer isso.

E: Como você justifica pra mim ou como você argumentaria a existência, a permanência da

Educação Física hoje nas escolas?

Lucas: Ela permanece, eu acredito que hoje há uma pressão muito grande pra que ela

continue na escola porque tem uma gama de profissionais muito grande que simplesmente

não dá pra falar assim: vamos tirar e o que que vai fazer com esse profissional? Eu acho que

essa parte legal é que segura mais ela do que propriamente das pessoas que estão envolvidas

na concepção de escola, realmente credencie a Educação Física ser importante. Ou seja, eu

acredito que o fato de entender que há muitos profissionais aí que não pode colocar bota

fora neles, é muito mais determinante pra ela continuar na escola do que propriamente pelo

fato das pessoas que estão no processo de coordenação desse, dessa educação, entender que

ela realmente seja útil. A utilidade dela é questionável pra mim. Eu acredito que ela tem que

vir de uma forma mais livre, sem tanta formalidade como é pra esporte dentro dos

regulamentos. Agora, como essas pessoas podem entender isso é muito complicado porque

a Educação Física tem estigma de ser aquela hora em que ninguém vai fazer nada, que tem

140

lá um "Bobo da Corte" pra deixar as pessoas não fazerem nada da forma que eles querem.

Dá a impressão que é isso. Mas a importância dela é muito grande levando em consideração

que é nessa fase de formação que a criança precisa estar orientada pra conhecer seu corpo,

conhecer o que que é limite de corpo, então tem essa, essa, essa função muito determinante.

E: É, eu acho que você já tá falando, eu só queria complementar a minha última questão

que é falar da importância da aula de Educação Física, qual a importância das aulas de

Educação Física, tanto pras crianças, quanto pra escola, pra sociedade? Você poderia

indicar uma coisa assim que seja bem consistente, que justificasse mesmo a existência das

aulas.

Lucas: Olha, é, o que...

E: Pra criança, pra escola, pra sociedade.

Lucas: Tá. Pra criança: parte do princípio que eu já falei. A necessidade de se conhecer, a

necessidade de vivenciar atitudes e coisas que somente a atividade física, é, ... de uma

forma talvez sistematizada poderia favorecer a percepção de vários aspectos como:

equilíbrio, coordenação, é, que a criança tem o contato durante o período da Educação

Física na escola que provavelmente numa outra atividade, a não ser que ela busque uma

escolinha, mas isso não é, não é, não é uma possibilidade de todas as crianças, aí entra a

limitação sócio-econômica, que nem toda criança tem essa condição. Então na escola é o

lugar onde que ela tem essa condição de vivenciar. Se tá vivenciando, se tá mal dado, aí são

outros quinhentos, eu num vou falar que tá uma coisa correta, que tá acontecendo como

deveria mas que é o lugar apropriado pra isso ocorrer é. Com relação a segunda, a escola.

Pra escola, do ponto de vista da administração da escola, eu acredito que as pessoas que

estão na administração realmente não conseguem, são poucos que tem essa percepção da

importância de que a Educação Física pode fazer para a formação geral da criança, não só

na formação física. É o que a gente já falou anteriormente, sobre a sociabilidade, sobre a

condição da alfabetização, o domínio da linguagem. Isso tem uma relação muito direta.

Agora, se a administração da escola não é sensível, não entende isso, por mais que o

professor chega lá e tenta demonstrar, se ela não tem sensibilidade de querer entender,

141

perde a importância. Então a escola depende da organização, depende da, dos princípios da

escola, é que realmente essa Educação Física, essa atividade física tenha essa visão e tenha

essa importância dentro da escola. Com relação a sociedade, aí a gente teria vários aspectos

a serem abordados. Primeiro do ponto de vista de formar o cidadão com plenas condições

de desenvolver suas, suas, suas atividades extras. E o que que é isso? É saber que ele tem

possibilidade de recreação, possibilidade de lazer, e isso tem uma relação com essa

formação que ele teve na escola. E também a formação esportiva, pra competição. A

sociedade hoje, ela tá muito voltada pro esporte de competição e essa, essa base que a

escola pode dar pode, de certa forma, interferir, favorecer esse processo de formação do

esporte de alto rendimento que é uma das maiores evidências da sociedade hoje. As

pessoas, toda a sociedade se envolve por jogo, se envolve com uma forma de competição.

E, eu acredito que essa relação é bastante direta, é bastante intensa. Se a escola tem

condição de perceber isso e fazer com que a criança tenha essa, esse entendimento, isso, de

certa forma, vai relacionar com toda sociedade.

E: Está ótimo professor. Muito obrigada.

Obs: Iniciou-se um bate papo informal, sobre entrevistas como recurso de pesquisa e

consideramos desnecessário transcrevê-lo.

142

ANEXO 2

Entrevista 2: Vinícius, mestre em Educação Física

E: É, pra você, qual o papel que as aulas de Educação Física, representam nas escolas? Qual

a função delas nas escolas?

Vinícius: Primeiro segmento, segundo segmento?

E: Primeiro segmento, de primeira a quarta.

Vinícius: Primeiro segmento a gente vê como a, a possibilidade maior de movimento,

quanto mais movimento melhor, né? Porque elas fazem de início a entrada no, no colégio,

então nós procuramos, eu que dou aula de 1ª à 4ª série, nós procuramos, é, fazer com que os

alunos vivenciem a maior gama de, de movimentos possível.

E: Qual a função das aulas de Educação Física para as crianças. O que você consideraria

como a sua função?

Vinícius: De formação de equilíbrio, né? Formação corporal, de atenção, memória,

percepção, tudo é formado, desenvolvido e é formado nessa época, então é super importante

pra isso. Tanto é que eles gostam, participam, né? Então a gente tem que saber o que vai

trabalhar pra poder realmente contribuir pra esse desenvolvimento.

E: Realmente trabalhar com planejamento... (Vinícius interrompe a entrevistadora para

responder)

Vinícius: Isso, é, tudo tem uma meta, tem um caminhar, pra não se tornar uma aula chata,

né? A aula precisa ser sempre agradável, motivaste pra ter a participação de quase todos os

alunos, né? A gente nunca consegue 100% mas a gente trabalha pra poder chegar nos

100%.

E: Você está vendo uma função das aulas para as crianças. Essa mesma função, como é que

você faz essa ponte, quer dizer, uma ponte disto para a sociedade?

Vinícius: É super importante porque é através dos jogos, dessas brincadeiras, é que nós

estamos formando o, o caráter dos nossos alunos, do nosso seres humanos. Futuros

143

dirigentes, futuros professores, médicos, então toda essa formação é necessária porque mais

tarde eles vão ser adultos, né?

E: Então você acha que contribui fundamentalmente...

Vinícius: É primordial. Por isso que nós não temos adultos bem, bem formados, né? Porque

eles foram reformados, não foram formados.

E: Ou deformados.

Vinícius: Ou deformados. É, também.

E: Você vê alguma relação entre a atividade física e o rendimento escolar?

Vinícius: É importante. É importante que as vezes muitas coisas que a gente faz na quadra

eles fazem na sala de aula, né? Sentadinhos, por exemplo: matemática, o oito, quando a

gente trabalha o oito no basquete, eles depois fazem o oito na sala de aula numa, numa,

num grau mais específico, né? Porque é o número oito e ele na quadra, ele trabalha o oito.

Então aquela amplitude que ele tem na quadra seria uma habilidade motora ampla depois

ele vai transportar isso pra uma habilidade motora fina na sala de aula, então a quadra

ajuda.

E: Há uma transferência.

Vinícius: Há sempre. Há uma relação muito íntima entre a quadra, né? Entre as nossas aulas

e aquilo que se passa, é, na sala de aula, né? Você vê, basicamente nós trabalhamos muito

mais do que na sala de aula, nós, a nossa disciplina pode inserir em todas as outras

disciplinas e nem todas as outras inserem na nossa. Então há uma troca, há uma importância

muito grande na nossa área que ainda não foi dado o real valor a isso.

E: Você conseguiria, eu acho que você já falou alguma coisa mas só pra ficar mais claro,

esse rendimento escolar, essa relação de rendimento escolar com rendimento das atividades

físicas, não vou nem colocar como rendimento mas sim, como desempenho. Você disse que

tem uma relação com desempenho escolar, tá? Você vê esses dois aspectos, é, com outros,

você vê consegue ver relação com outros aspectos da vida? Além do oito, você falou do

oito, o oito, depois você falou que há uma relação direta pra trabalhar isso na coordenação

motora fina dentro da sala de aula.

144

Vinícius: Tem o que é usar a ... . É aquela coisa, a gente tem que usar a Educação Física

escolar como um meio da gente atingir outras, outras características dos alunos e

desenvolvê-las como, é, sociabilidade, né? O jogo com regras, o respeito ao outro, né?

Todos esses valores nós trabalhamos no dia a dia, nas aulas. Por isso que, simplesmente, a

gente não pode dar uma bola e deixar correr o jogo, né? Porque transcende, é uma

transcendência muito grande que existe nas nossas aulas que a gente tem que saber gerir

isso.

E: Você conseguiria enumerar um aspecto mais importante?

Vinícius: É muito difícil porque o aluno é um todo, né? E você se ater, realmente, o que

você, eu posso até citar um aspecto pra um certo aluno é o mais relevante e pro outro não é.

Ele precisa ser trabalhado em outro aspecto, né? Aquele outro aspecto pro outro é relevante,

aquele pra ele já não é. Então como a gente trabalha o ser como um todo, a gente procura

passar por todos esses aspectos.

E: Até onde você acha que as atividades físicas escolares contribuem para o

desenvolvimento da linguagem verbal? Porque temos uma linguagem corporal e temos uma

linguagem verbal.

Vinícius: Importante porque através da, eles vão ouvir, né? O que você vai falar, eles vão

entender, esse entendimento é o que? É um desenvolvimento de uma, da, da inteligência, é

onde ele compreende, onde ele percebe, e perceber é o que? É detectar, reconhecer, né?

Seria perceber, seria detectar, reconhecer e mudar o seu, seu comportamento, né? Então aí,

através da linguagem, quando o professor trabalha a linguagem, por isso que demonstração

pura e simples não atinge muito, como nós tamos querendo atingir o aluno, né? Porque

demonstrar é o que? É você repetir o que você está vendo, né? E através da linguagem dá

muito mais subsídios pra eles se desenvolverem intelectualmente, que ele vai ter que ouvir,

vai ter que prestar atenção, vai ter que perceber, né? Vai estar motivado pra ouvir o que

você está falando. Então essas outras características vão sendo desenvolvidas e

automaticamente a inteligência também vai sendo trabalhada, é, paralelamente a isso, né?

Vai sendo desenvolvida. Então é importante...

145

E: E isso facilita o desenvolvimento da linguagem?

Vinícius: Isso. Tanto é que ele entra no colégio com poucas palavras e com o passar do

tempo, ele rapidamente chega a mil palavras, duas mil palavras falando porque ele ouve,

troca, então é importante ele ouvir, a linguagem verbal ele trabalha como um estimulador,

né? De outras atividades físicas e também a cognição está relacionada com isso.

E: Que meios você utiliza pra trabalhar numa prática, você tá me dando respostas

afirmativas sobre essa relação, relação do conhecimento e também com a linguagem verbal.

É, você acha que isso é uma crença ou que meios você utiliza pra verificar a existência

dessa relação. São as teorias, livros, leituras, prática ... .

Vinícius: Não, eu acredito muito em várias teorias, né? Tem Vygotsky, tem Piaget, tem

Wallon, né? Então não é uma, uma teoria. A gente tem que fazer um suco dessas teorias e

tirar o que há de melhor em cada uma, né? Então é importante. O Piaget diz que a gente

aprende de dentro pra fora. O Vygotsky diz que é de fora pra dentro. É, existem esses dois

caminhos, né? Tanto de dentro pra fora quanto de fora pra dentro. Cabe a gente gerir esse

aprendizado, né? Que a gente tá querendo desenvolver nos alunos. Então é importante,

importante e já foi comprovado no dia a dia, né? A gente vê isso no dia a dia. O modo de

você dialogar com a turma, a linguagem verbal que você usa vai te dar um bom trabalho ou

não. Fatalmente essa relação é fundamental pro sucesso deles, né? Pro desenvolvimento

deles.

E: Então você tá querendo dizer que além do seu conhecimento teórico, da sua experiência,

... . ( a entrevistadora é interrompida por Vinícius).

Vinícius: É.

E: Então você considera que além da teoria, você também utiliza a sua experiência e a sua

observação, e isso te leva cada vez mais valorizar a atividade física e essa formação.

Vinícius: É, quando ela é bem trabalhada, ela tem um bom feedback, né? Agora, quando ela

não é bem trabalhada você vê, em algumas turmas você perde muito mais tempo, dá muito

mais trabalho mas você consegue um resultado. Agora tem aquelas que você falou, já vai

logo, já atinge o que você quer, né? Mas aquelas que não atingem dá muito mais trabalho,

146

né? Aí tem que ter sempre uma coisa que eu acho fundamental, é o bom senso, né? Você

tem que trabalhar com bom senso, quanto mais com criança, né? Então, se você não tiver

bom senso...

E: Adequar o máximo possível.

Vinícius: É, tudo, tudo tem que ser pensado, não, não como se fosse, se você dá isso pra ela,

ela já sabe. Não. Você não pode partir desse princípio, tem que partir do princípio que ela

precisa daquele tipo de movimento, ela precisa desenvolver aquele tipo de movimento, ela

precisa ouvir aquelas palavras naquele momento. Então não adianta, você como adulto

achar: ah, eu vou fazer uma atividade lateralizada, o equilíbrio, pra que ele já põe, já, ele já

sabe, já, não sabe, você tem que passar isso pra ele, pra quem já sabe, desenvolver, e pra

quem não sabe, aprender, né? É aquele medo do erro mas não, a hora do erro é essa, a hora

da aula. É errar pra vocês aprenderem, se você não erra, não quero fazer porque não sei,

não, tenta fazer se você não souber tudo bem mas você tem que tentar. Então, a linguagem,

né, nessas horas de você chamar e dar um apoio, dar um reforço positivo é fundamental. Se

você demonstrar que não tem esse, essa afetividade, esse carinho, tanto é que o professor,

eu acho que, o professor jamais poderá ser substituído por, é, computador, né? Por causa do

lado afetivo. O computador não é afetivo, ele sabe fazer tudo mas não é afetivo, ele não

chega perto de você e te dá um reforço positivo, né? Te dá uma força na hora que você

precisa, não tira uma dúvida na hora que você precisa, não ouve o aluno quando ele precisa

falar, chorar, chegar perto, então...

E: Ele é impessoal, não tem coração.

Vinícius: É, não dá, é ... exatamente isso.

E: É, você já falou da correlação, eu até tinha colocado como separado mas...

Vinícius: É, são coisas que você não pode separar, né? Que você vai falando, vai, acaba

passando na outra, entrando na outra pergunta.

E: É, eu acho que tá bom, é isso mesmo que eu queria.

Vinícius: Aí cabe a você, agora, separar esses subsídios pra encaixar nessa. Você já leu o

Schmidt?

147

E: Não.

Vinícius: É, o Schmidt, ele fala na prática, aprendizagem e fala dessa importância da

linguagem verbal. A sua faixa etária vai pegar o que? Vai até a quarta?

E: A quarta. Primeira a quarta.

Vinícius: Importante, tem poucos trabalhos sobre isso. O meu trabalho de mestrado também

foi até a quarta.

E: É?

Vinícius: Sobre linguagem.

E: Não acredito. Que fantástico, é mesmo?

Vinícius: Linguagem mediando o movimento nas aulas de Educação Física.

E: Meu Deus!

Vinícius: Por isso que eu falei pra você, quando você for defender, me chame.

E: E a sua dissertação, onde eu encontro?

Vinícius: Na UERJ deve tá lá no 9º andar, não, no 11º, na biblioteca da Educação Física

tem um volume.

E: Nossa! Você foi pra prática?

Vinícius: Fui, eu filmei as aulas e depois analisei, o que a linguagem verbal, que tipo de

movimento tava ensinando pros meus alunos. Não me aprofundei muito porque tinha muito

mais coisa pra falar, né? Mas...

E: Mas aí já vai ... .

Vinícius: Não, e também não tinha tempo pra isso, né? Eu só filmei seis aulas. Não deu pra

filmar. As seis aulas transcritas já deram 70 páginas. Então, vários dias sentado ali, no

computador, voltando e, ouvindo e digitando, né? Então deu muita coisa.

E: Você filmou e esse foi o método que você utilizou de coleta de dados? Seis aulas...

Vinícius: Eu filmei, é, eu filmei e depois transcrevi as aulas associando a fala do professor a

movimentação da turma. Então é...

E: Que interessante...

148

Vinícius: Então o professor falava: sentados, aí todos sentavam, só alguns sentavam, né? Aí

entra o conceito, né? Qual é o conceito que nós tamos querendo falar? Nós queremos

movimento na aula ou não queremos movimento, quando ele manda sentar, ficar quietinho,

cala a boca, não sei que, né? Essas contradições que eu não entrei nesse ponto mas falei,

né? Então...

E: Nossa, mas que coisa mais interessante!

Vinícius: É.

E: E você pegou de primeira a quarta?

Vinícius: É, porque eu dou aula de primeira a quarta.

E: Mas aí na hora da filmagem não era você quem?

Vinícius: Não, não. Eu fui em outro colégio, e pedi que o pessoal filmasse os outros

colegas, filmar eles, deixar a análise deles.

E: E você acha que houve diferença no momento da filmagem?

Vinícius: Não, não, porque eles aceitam bem, aí nós até, nós botamos a câmera num poste e

eu dei sorte que eles, professores, tanto o que filmou e o que exercitou era conhecido deles,

né? Então não teve problema nenhum. Eu fiquei do lado de fora só anotando algumas

coisas, não fiquei ligado na aula, né? Não fiquei olhando, fiquei do lado de fora anotando

algumas coisas porque as vezes não dá pra pegar tudo, né? Na hora que você tá filmando, tá

virado prum lado, acontecem outras coisas do outro lado que não dá, então eu ficava

anotando pra depois juntar.

E: Além da filmagem, as anotações.

Vinícius: Tanto é que meu professor queria dez aulas, eu falei: não, dez não, é impossível.

Não, e eu tive que pagar, cada duas aulas cem reais pro rapaz filmar, profissionalmente. E

era colega meu, professor, mas ele falou: eu faço isso profissionalmente, podia chamar um

outro, chamou, chamou, e ele conhecia porque ele dá aula lá, né? Então ficou mais fácil

pros alunos não ficarem naquela: ah, que bom, é uma brincadeira que nós vamos fazer,

entendeu? Aí passou sem ter muito problema. Tanto é que você vê coisas do arco da velha,

depois você, lá pro fim das aulas, você morre de rir, tem cada lance...

149

E: Como assim?

Vinícius: Não, e até no sentido dos professores que participaram, quererem motivar, fazer

mais movimento, acaba você, não é pela utilização demasiada da linguagem verbal que

você vai motivar o movimento deles participarem, né? Você pode propor um monte de

coisas, ah, agora nós vamos fazer isso, "ra ra ra ra", mas se não quiserem fazer, não tem

resposta, né?

E: Interessante. E a conclusão que ficou é que há uma relação positiva?

Vinícius: É, intimamente relacionada a linguagem com o movimento, né? Então essa

adequação da linguagem, principalmente quando você vem do C.A., na entrada do colégio,

aquelas coisas todas, já, naqueles alunos, tem que haver uma melhora da articulação da

linguagem verbal pra que realmente surta o efeito que eles se movimentem.

E: E a sua base foi Vygotsky?

Vinícius: É, foi basicamente Vygotsky, basicamente Vygotsky .

E: Mas você usou outros autores?

Vinícius: É, eu falei alguma coisa mas foi mais Vygotsky, porque Vygotsky fala dessa

mediação, entendeu? Existe um outro, essa mediação que foi através da linguagem verbal, é

que motivou o movimento ou não, né?

E: Que maravilha. Nossa, eu vou atrás dessas informações que eu acho que são...

Vinícius: É, eu, algumas coisas até, a banca, porque lá a gente entrega a versão final e

depois não pode mexer mais, então você entrega, você não pode mexer mais, então a banca

fez algumas sugestões na hora da defesa, eu já tô até mexendo nela e tudo, mas ainda não

acabei, seria bom você depois entrar em contato comigo, principalmente na conclusão,

pôxa, você tem tantos dados aqui e você, mas eu não quis colocar porque senão ia ficar um

negócio muito grande, né? Já foram quase 200 folhas e ainda, se eu fosse falar mais coisas,

não sei que...

E: Ficaria muito extensa, você acha.

Vinícius: Ah, é, agora com as aulas transcritas simplificou tudo, né?

E: Tem muito material, né?

150

Vinícius: Ah, tem.

E: Dá ainda pra fazer até novas análises, né?

Vinícius: É, eu agora, eu vou apresentar lá em Foz, no Congresso de Foz, eu vou.

E: É.?

Vinícius: Mandei dois trabalhos e os dois foram aceitos. Um foi dando enfoque em, nas

interferências verbais, né? Analisando a, assim é, como é que eu vou dizer? Então, é,

castigos, né? Imobilidade, né? Então eu vou falar um pouco mais, vou entrar no que eu não

falei no meu trabalho de mestrado, eu vou falar, apresentar agora, entendeu? Porque

justamente é o que eu posso usar depois, né? Então eu vou falar sobre essas outras

características, né? Que vão mediar ou não...

Obs: Encerrou-se a transcrição pois o restante, foi apenas uma conversa informal.

151

ANEXO 3

Entrevista 3: Sabrina, mestranda em Educação Física

E: Eu vou colocar aqui, terceira entrevista, só pra me situar, no dia 27 de outubro de 1998.

Mestranda em Educação Física para o estudo do lazer. Sabrina, para você, qual o papel das

aulas de Educação Física escolar?

Sabrina: Eu acho que...

E: Nas escolas, o desenvolvimento...

Sabrina: O desenvolvimento, né? Qual seria o papel não o que acontece?

E: Não, o papel...

Sabrina: Qual seria o papel. Eu acho que seria situar o aluno frente a diversidade de

culturas, corporais, culturas de movimento, das diversas formas de movimento, situar pra, é,

situar o aluno dentro da sua cultura integrando com as várias culturas diferentes que vêm

dos vários alunos, das várias partes, né? Mesmo que seja só um bairro cada um vem de uma

família, as vezes de bairros diferentes, e interagindo com as várias formas de movimento

corporal ele consegue não só se comunicar melhor como se situar melhor enquanto pessoa,

na, nas suas relações com os outros. Naquela condição toda, enquanto movimento, além de

outros lados também de expressão, comunicação, de, saber se colocar culturalmente em

uma sociedade coletiva, né? Onde você tem desde um comportamento básico de postura

corporal mesmo, dependendo do lugar que você estiver, até a questão da saúde, do

movimento e engloba tudo, né? Pra mim é uma linguagem diferente na escola, apesar de

não, não, não existir só linguagem oral ou só a linguagem escrita, o ser humano, né? A

Educação Física cuida especificamente da linguagem do movimento, eu diria assim.

E: Corporal?

152

Sabrina: Da linguagem do movimento corporal, nas várias culturas corporais na perspectiva

da comunicação. A escola é conhecimento e comunicação, é todo conhecimento corporal

dele próprio, do seu próprio corpo e das relações que esse corpo tem com o coletivo. Por aí.

E: Dentro do que você tá colocando aí, que você falou dessa linguagem, que as escolas tem

com essas aulas de Educação Física, e a função dessas aulas para a turma.

Sabrina: Dessas aulas específicas de Educação Física.

E: Sim. Você pode discorrer um pouquinho sobre isso, o que que você acha?

Sabrina: O que que vem acontecendo?

E: É, qual é a função dela para as crianças?

Sabrina: Eu acho que, para a primeira fase de escolarização? Primeira a quarta que você

diz? Criança. Eu acho que o que vem acontecendo é diferente do que tá pra acontecer ou

que deveria estar acontecendo. Quando há duas coisas, primeiro o lado da formação que a

gente teve, toda, toda de um modelo sempre a ser seguido, de um comportamento único,

específico denominado comportamento certo, utilitarista para um determinado fim, depois

vem o desportismo, que o certo era fazer esporte, então você separa grupos, né? Onde, os

que gostam vão poder tá atuando sempre na aula de Educação Física e os que não gostam

nunca vão ter seu espaço e a gente esquece nesse momento que o corpo pode se

movimentar de várias formas, sem ser só no esporte ou só em modelos, então o papel de

Educação Física vem sendo conquistado aos poucos na medida em que ele considera esse

rendimento necessário pra formação do conhecimento do próprio aluno em relação as

possibilidades que essa movimentação oferece. Tanto na comunicação, mais pra própria

comunicação, né? Na, na, pra ele se reconhecer enquanto pessoa, enquanto corpo que se

comunica, enquanto ser, ele se conhecer primeiro pra depois ele poder conhecer o corpo.

E: Fazendo um gancho daí, das crianças. E pra sociedade, como você a considera?

Sabrina: Esse conhecimento que ele aprende na escola, como que ele leva pra sociedade?

Como que ele traz, né? Porque primeiro ele traz, o conhecimento que ele tem lá de fora e

quando o professor sabe então aproveitar isso, socializar toda aquela atitude corporal, toda

aquela diferenciação de movimento, de, por exemplo, na primeira fase, escolarização

153

lúdica, o lúdico, o brinquedo, como é que ele trata aquelas várias diferenças, como é que ele

lida com aquilo ali sabendo adaptar, aceitar a idéia do outro que pra mim é o que ele vai

levar de bom pra essa sociedade é exatamente essa oportunidade da interação. Não é o meu

brinquedo que é o certo, não é o seu brinquedo que é o certo mas a gente pode construir um

novo brinquedo a partir daqui, né? Então você brinca de amarelinha de um jeito e eu brinco

desse jeito, nós podemos tentar um terceiro modo, uma outra pessoa brinca de uma outra

maneira. Então, pra mim a comunicação tá aí, na necessidade da comunicação, e o

conhecimento para a comunicação é pra você viver coletivamente nas várias diferenciações

culturais que existe em todo lugar. O ser humano é um ser absolutamente social, que vive

no coletivo, mas as culturas são diferenciadas, entendeu? De região, de classe social, várias

separações. Então o papel da escola seria um papel de socializar esse conhecimento, faz

parte o conhecimento corporal na Educação Física, na Educação Física. Traz o

conhecimento corporal dele, do próprio corpo, se interage com as outras formas de

movimento, quer dizer, ele traz o que a sociedade dá pra ele, que é família, vizinho, dão pra

ele e ele traz pra escola, e ele trabalha aquilo ali sistematizando esse conhecimento, porque

escola é local de conhecimento, de aprendizagem, né? Sistematizando esse conhecimento e

devolvendo pra sociedade, sabendo interagir essas áreas é ... culturais.

E: É, você consegue observar nessa prática, você tem uma prática muito grande, né?

Sabrina: Eu sou professora de Educação Física mesmo há uns sete anos. Pra pré-escola e

creche.

E: Você consegue ver alguma relação da Educação Física com as atividades físicas

corporais, vamos colocar assim, a Educação Física escolar com o rendimento escolar ou

rendimento acadêmico, notas.

Sabrina: Bom, aí tem várias, essa pergunta tem várias questões, né? Porque se você coloca,

vai depender do projeto político pedagógico, se a escola é, se a Educação Física tá presente

dentro da escola na sua totalidade ou se ela tá isolada como ela sempre teve, né? Isso teria

como professor de Educação Física ou de entrar numa escola pública onde você daria aula

pra primeira fase do primeiro grau, 1ª a 4ª série. Pra você ter uma idéia, as crianças de 1ª

154

série deveriam ter aulas de natação, aí a professora mais antiga separou, me deu 32 homens,

ficou com 28 mulheres, e o primeiro dia da aula, que eu cheguei, já, já, foi no meio do ano,

então eles já estavam habituados a metodologia da outra professora, eles se colocavam em

fila, duas filas, e cada um tinha oportunidade de entrar mais ou menos umas três vezes na

piscina, eles atravessavam a piscina, cada um tinha uma forma diferente e entrava no final

da fila. Eu criei um rebuliço muito grande quando eu entrei dentro da piscina com os

meninos e mudei toda a característica da aula. E o maior rebuliço foi criado quando eu bati

a mão na mesa e falei assim: por que que eu não estou presente no conselho de classe? Sou

professora de Educação Física, não sou tapa buraco. Então peraí um pouquinho, cadê a

Educação Física dentro da escola? Nesse momento ela não era dentro da escola. Nesse

momento, a Educação Física, passando por aquela etapa de fortificação, ela era uma, entre

aspas, de uma escolinha, de, de, só, completamente isolada do contexto escolar. O professor

não participava de reuniões, não participava de conselho de classe, e assim por diante. Só

que essa prática foi mudando. E, hoje em dia, a diretora do nosso colégio é professora de

Educação Física, e não é por isso que mudou, foi, agora uma conquista, da área se

posicionando. A escola é local de conhecimento então a Educação Física também tem o seu

papel importante. Agora, juntando isso na escola, como na primeira fase a gente tem muita

oportunidade de trabalhar realmente integrado com o professor de sala de aula, a gente

percebe que todas essas atividades corporais, sei lá que nome, né? Mas depois...

** Falamos ao mesmo tempo.

Sabrina: Maneira de comunicação verbal, escrita, motora, a movimentação do corpo, tudo

isso, faz parte do ser humano, o conhecimento, ele se, o homem se apropria do

conhecimento em virtude dessas formas de linguagem, e a Educação Física é uma delas Só

a presença ali o tempo todo não tem como tá fugindo disso. Porque então, seria uma

solução muito prática, era só cortar a cabeça, deixar a cabeça dentro da sala de aula e

mandar o corpo pra Educação Física. Então todos os problemas estariam solucionados, sabe

por que? Porque ia caber muito mais cabeça dentro da sala de aula e a professora não ia ter

que tá preocupada com cadeira, com os meninos, sabe? Não ia ter que ficar preocupada em

155

mandar menino sentar. O problema era só calar a boca, né? O grito a gente ia ter que

agüentar. Então, quando a gente parte dessa coisa, de planejar uma aula e considerar tanto o

professor de arte, quanto o professor de Educação Física, quanto o professor de sala de aula,

em iguais condições, condições, apesar que, o professor de arte e o de Educação Física tem

tempo menor, então compensa, que é menor. O professor de sala de aula tá presente no

quotidiano, o de Educação Física tá três vezes por semana, o professor de arte tá uma ou

duas vezes por semana mas o planejamento foi feito em conjunto. E no começo, era uma

coisa assim, dependendo do conteúdo que o professor de sala de aula estivesse trabalhando

a Educação Física e a arte entravam pra ajudar. Atualmente não é mais assim. O conteúdo é

selecionado pelos três em razão do que tá mandando na sala de aula, porque os meninos

trazem os problemas pra sala de aula pra serem discutidos então o conteúdo, ele é, ele é

buscado a partir do momento daquele grupo da sala de aula e três professores resolvem qual

conteúdo vai ser trabalhado em, com a ajuda dos alunos, quer dizer, os alunos colocam, a

gente leva pra reunião do planejamento e a gente discute em conjunto o conteúdo que vai

ser trabalhado e como ele vai ser trabalhado em Educação Física, e como ele vai ser

trabalhado na arte e como ele vai ser trabalhado na sala de aula, com a matemática, com os

estudos sociais, com a linguagem escrita e etc. Então, quando acontece isso, a Educação

Física tá presente dentro do contexto escolar com a mesma função do, de toda e qualquer

disciplina e não é mais ela a única responsável pelo corpo. Nem é mais ela só responsável

pelo corpo, ela também é responsável pelas diversas formas de linguagem só que,

especificamente, ela lida com conhecimento da cultura corporal. Ela enfoca mais, ela dá

mais direção. Você não pode desconsiderar o corpo dentro da sala de aula, assim como eu

não posso dispensar o raciocínio e o pensamento dentro da aula de Educação Física, porque

senão eu vou estar cada vez mais dividindo, né?

E: E dentro desse conhecimento corporal que você tá colocando você acha que, pelo que

você falou, essa é a sua experiência na escola, né? Você acha que isso poderia, que a

prática das atividades físicas tem influência, não importando de que forma ela esteja sendo

trabalhada?

156

Sabrina: Ela tem, ela tem. Eu acredito que ela tenha influência.

E: Que ela ajuda no rendimento escolar?

Sabrina: Ajuda. Sem dúvida.

E: Favorece a formação do conhecimento, o conhecimento, além do corporal?

Sabrina: Ajuda, porque a partir do momento que você tem uma liberdade de expressão pra

fazer a linguagem, você constrói um sistema, você abre a outras linguagens. Eu acredito

muito nisso, e eu não acredito que o homem se desenvolva por uma etapa só, que ele

desenvolva pro esporte, outras, é outro departamento, mas...

E: Sim ... . (falamos ao mesmo tempo).

Sabrina: Ele se desenvolve sempre na sua integralidade, mesmo que você fique só

ensinando, mas o corpo tá ali presente, ele pode ser um pouco preso mas sempre tá ali. E

ele vai, quando você dá essa oportunidade dessa movimentação livre, do pensar sobre o agir

corporal você tá trabalhando outras disciplinas. Todas elas. Não acredito nessa coisa de

rendimento daquela forma assim, é, que a gente tá acostumada a ver na Educação Física, faz

uma aula bem agitada pros meninos ficarem calmos em sala de aula, pelo contrário. Eu

acho que quanto mais agitada, mais agitada fica. Agora, então, como ela tem que

exatamente vir pra aula de Educação Física, e não é gastar sua agitação não, é se

sistematizar e ver como ela pode se comportar perante aquele estágio da educação, ela vai

aprender de acordo com o que o ambiente oferece. É provavelmente na aula de Educação

Física que ela vai ter uma liberdade corporal maior, mas ela tem que, de alguma forma,

dominar esse estágio da educação. A vivência, vivência é assim mesmo mas de alguma

forma dominar também, pra aprender a se situar nos vários contextos. Então eu acredito

que, pra esses alunos, a coisa não acontece de forma isolada. Cê não aprende linguagem

escrita, é, linguagem corporal, você aprende o tempo todo.

E: Dentro do que você tá colocando aí, daria pra falar mais um pouco? Porque, na verdade,

e aí eu tô pensando em tirar um pouquinho mais, eu acho que ainda pode sair muito mais

coisa daí.

157

Sabrina: Tá. Essa questão da linguagem escrita, o que me dá experiência de responder isso

não é a prática da Educação Física, é a prática de Contadora de Estórias, exatamente lidava

nas aulas de Educação Física, mas como a gente lida com a comunicação, e quando você, é,

tem uma, uma, uma, como é que eu diria isso, uma comunicação oral e gestual, como é o

caso da Contadora de Estórias, você pra ter essa oralidade fluente, essa coisa fluente, ela faz

parte um pouco da coisa escrita, pois bem, eu não sei exatamente o que eu tô te falando. Eu

não sei te responder direito. Mas é mais ou menos o caminho que a gente utiliza aqui, que é

aproximar na linguagem literária da linguagem oral, a criança vai se identificando mais com

a linguagem escrita, porque a linguagem literária é transmitida de uma forma oral. As

palavras que saem da boca são extremamente literárias, quando a criança tem essa

compreensão ela é capaz de se desenvolver mais em tudo. Isso é prática que a gente tem.

Agora, também qualquer tipo de dramatização, de movimento, de construção lógica,

digamos assim, eu acredito que auxilie na linguagem escrita. No homem todas as coisas não

se desenvolvem separadamente, isoladamente, sozinho. Da minha infância, uma coisa serve

a outra porque elas são interligadas. Então qualquer raciocínio lógico, que tá construindo, o

corpo, a cabeça, esse tipo de coisa do ser humano, ele vai servir as várias formas de

linguagem que ele tem, vai servir a escrita, vai servir a comunicação oral, vai servir a

comunicação gestual, então há várias formas de sistematização, de raciocínio lógico, é que

vão poder influenciar. E também a forma de comunicação dentro da aula de Educação

Física, né? Pra você explicar um jogo, você passa o conhecimento desse jogo oralmente.

E: E aí você acha que há uma transferência?

Sabrina: Claro que sim. Na, na, na experiência que eu tenho lá dentro do colégio, é o, entre

aspas, companheiro, mas que a gente trabalha com sócio-interacionismo, eles partem da,

eles partem da, da, da linguagem quotidiana deles pra escrever, e eles vão percebendo que

tem uma maneira deles escreverem que só eles entendem, que daqui a pouco tem uma

maneira, que eu vou aprendendo, que todo mundo entende. Essa maneira que todo mundo

entende é a linguagem escrita, é português correto, é a que a gente não usa no quotidiano, é

o que em Goiás, que é a minha terra, é uma coisa mais, talvez, mais deplorável que nos

158

outros estados porque não se usa o plural, não se diz, é ... , as palavras são todas cortadas

pela metade: cê é você. Não é comendo, não é você está comendo, nem você está

caminhando, é, cê tá andando? Cê tá bom ,cê tá bom, cê tá bom? Então essas coisas, essa

diferenciação da linguagem oral pra linguagem escrita pra mim é nó, é um nó, aí fora é a

dificuldade que a criança tem. A gente fala de um jeito e escreve de outro, que coisa difícil

é essa? Então eu acho que tudo tá na sistematização desse conhecimento e na apropriação

que o professor de Educação Física pode fazer pra essa linguagem correta, pra ter as coisas

explicadas. É sempre um vai e vem, nunca, eu não acredito em nada isolado, nada. Eu

acredito sempre no vai e vem das coisas.

E: Então você acha que a Educação Física não resolveria o problema de tudo.

Sabrina: Nunca, de jeito nenhum.

E: É ... , (Sabrina interrompe a fala da entrevistadora para concluir o que falava).

Sabrina: Ela pode até resolver, se for daquele jeito que eu te falei, então deixa a escola com

a cabeça e deixa o corpo lá com agente, aí pode ser que ela resolva. Resolve o problema do

mundo. O ser humano é muito complexo, muito cheio, muito aberto pra essas...

E: Para a formação do conhecimento, a Educação Física contribui?

Sabrina: Claro que contribui, não unicamente e nem...

E: Não unicamente, porque senão teria que separar a cabeça do corpo.

Sabrina: É. A cabeça ficaria fora , que ela tá pensa, e joga o corpo lá com a gente. É até

bom que o nosso corpo lá não vai gritar, né? Não vai dar palpite, não vai interferir na sua

aula, se der uma orelha não vai chamar de burro.

E: Além da sua prática, que meios você utiliza pra, não diria nem pra confirmar, pra

verificar que existe essa relação, você já falou muito sobre isso, né? Eu voltaria, eu pediria

que você falasse um pouquinho mais, que meios você utiliza pra dizer que existe essa

relação favorável entre as atividades físicas e a formação do conhecimento e da linguagem

verbal?

Sabrina: Eu te dou uma referência prática disso, você quer uma referência prática, uma

experiência de vida?

159

E: Uma experiência prática ou uma experiência de...

Sabrina: As cartas que a gente recebe dos alunos quando eles gostam de uma atividade

muito interessante. Tanto como Contadora de Estórias, como a aula de Educação Física. E

as cartas são espontâneas.

E: E o que diz nas cartas?

Sabrina: Adorei sua aula, queria trabalhar, conheci um jogo na casa da minha avó, adorei

sua história, conheço um pedaço da história, conheço a história diferente, conheço esse jogo

diferente. Queria que você fosse na minha casa conhecer, queria que você fosse na minha

casa conhecer a minha avó porque ela não sai mais. Isso tudo aparece, e aparece no texto

que as crianças fazem pra professora em sala de aula, meia volta, volta e meia sempre tem

conteúdo trabalhado na aula de Educação Física, porque é conteúdo do quotidiano deles. É

conteúdo de jogo nessa primeira fase escolar, mesmo depois, mesmo na segunda fase de

escolarização, mesmo quando eles tão trabalhando com todos os esportes, levantando a

história do esporte, mostrando como é que o vôlei foi feito para sedentários e velhos. As

reformas todas, então pode colocar 30 alunos num lado da quadra e 30 alunos do outro que

vai sair vôlei do mesmo jeito, entendeu? Quando a gente trabalha com essa questão do, os

alunos começam a descobrir coisas interessantes, começam a fazer relação com, olha o

anúncio que saiu no jornal, olha que coisa ridícula. Eles aprendem a criticar, porque a gente

trabalha muito com a realidade, o que a mídia oferece, o que eu pensava, o que eu penso

agora, o que os meninos me dão, a gente trabalha o máximo com todos os tipos de

informação, né? E nesse sentido, o aluno troca sempre o que vai pra sala de aula, o que vem

pra sala de Educação Física. Há intercâmbio dessas informações, eles levam pra casa, eles

levam pro grupo de amigos e eles levam pro professor de sala de aula e isso sai no texto

deles, todo o conteúdo que é trabalhado, todo o conteúdo que é significativo pra cada um

deles, que vai ser sempre diferenciado. Eu como professora ê, ê, ê, elegi o conteúdo sim,

mas não necessariamente, aquele conteúdo que eu elegi vai ter, é, vai ter o mesmo

significado e mesma importância pra todo mundo, vai ter sempre, uns vão ter mais, uns vão

se identificar com determinados conteúdos mais, outros menos. E essas coisas saem nos

160

textos, nas redações, principalmente em relação com outras literaturas, isso acontece muito,

eles cruzam essa, esse conhecimento.

E: Você usa o seu trabalho, você, usa seu trabalho e, tem outros professores que trabalham

da mesma forma que você?

Sabrina: Na minha escola sim, mas é necessário dizer que é uma escola especial, que é uma

escola que todo mundo tem formação profissional, graduação, que é uma escola da

universidade, né? Tipo colégio aplicação que é sempre centro de pesquisa e extensão ligado

à educação atualmente. Então um colégio de, de, eu acho que é uma realidade diferente.

Agora...

E: Interessante.

Sabrina: Muito interessante. Agora, tem também...

E: Se você puxar pra outras realidades?

Sabrina: Pra outra realidade. Se eu puxar pra realidade pública, da escola pública. Tem-se

tentado fazer um trabalho, agora, a questão da formação do professor ainda é muito forte.

Lá em Goiás, por exemplo, a formação é muito, foi muito tecnicista até dois anos atrás,

começou a mudar pra dois, três anos atrás, é muito pouco.

E: E esse tecnicismo, eu diria, você trabalha mais o corpo e não visando a mente, o

conhecimento?

Sabrina: Exatamente. É a divisão...

E: Aliás, o corpo e a cabeça.

Sabrina: É, o corpo e a cabeça. O corpo também ... . (nesse momento falamos ao mesmo

tempo).

E: Não teria relação, pra você não teria relação nenhuma nesse sentido?

Sabrina: Eles fazem...

E: Trabalharia mais o ... .

Sabrina: Eles fazem uma relação assim de, é, como é que, aquela coisa de saúde, mente sã e

corpo são. Se o corpo tem saúde a sua mente também é saudável, se você exercita bem lá na

quadra, quer dizer que você não tem o raciocínio aqui na sala de aula.

161

E: Mas nisso você não acredita?

Sabrina: Não. Eu acredito nisso de forma totalmente diferente. Eu acredito no homem, com

o corpo todo, com as suas várias maneiras de se expressar, de se comunicar, de apreender os

conhecimentos que lhe vem, usar cada um de uma maneira.

E: Então diríamos assim, que nessa prática que às vezes a gente vê correndo, que é comum

da Educação Física, digamos assim, e ainda é comum, você não acredita nessa relação?

Sabrina: Não, não acredito.

E: Que haja uma... . (Sabrina, novamente interrompe para continuar sua fala).

Sabrina: Não acredito da maneira, eu acredito que haja essa interação que eu já te falei mas

que eles não tem, eles não tem consciência dela, ela não deixa de ocorrer porque o homem

continua sendo o homem, entendeu? Em relação a, e eu acredito na relação que eu faço

mesmo na prática do outro. Porque a gente sem saber, inconscientemente, agora, é claro que

a relação é feita em menor escala, porque quando você não tem consciência, quando a

relação é feita inconscientemente ela escapole. Quando você tem consciência você passa a

dominar, então você, o seu leque se amplia muito, né? Agora quando você não tem esse

conhecimento você fica reduzido aquilo ali, corre aqui pra poder, faz um, aprende um

movimento, uma destreza, um determinado toque, pra ter um raciocínio lógico pra você

aprender direito matemática, você aprender direito literatura, e não é por aí. Agora, uma

outra coisa por exemplo, uma experiência que eu tenho no colegial, é de trabalhar ioga, com

alunos do 3º

Colegial, em sala de aula, aí sim eles escrevem bem, uma relação direta,

porque aí a gente trabalha com o que? Atenção, capacidade de concentração,

desmistificação dos medos e de tabus, consciência corporal, corpo, etc. Isso tudo eles levam

pra sala de aula, eu indico, quer dizer, levam pra sala de aula, eu falo mesmo, abertamente,

faça o exercício de respiração no meio da prova, tá nervoso, tá confuso, para, concentra,

esvazia a cabeça, deixa que o que você estudou venha, mas descansa, fica com a mente

limpa, então, dessa forma eu acho que eu acabo induzindo a essa relação.

E: Você está dizendo que contribui muito?

Sabrina: Eu acho que sim.

162

E: Trabalha com esporte...

Sabrina: Agora, na rede pública, voltando, na rede pública, apesar da diferenciação, eu acho

que há algo que começam, algumas mudanças, em menor escala, claro, nós temos um

buraco de formação aí vai demorar muito.

E: E aí você acha que a contribuição é menor ou não?

Sabrina: Aí vai depender da escola porque assim, isso tudo, essa riqueza toda que eu tô te

mostrando, a minha escola me permite, por ser uma escola de universidade, por eu ter voto

lá dentro, ativo, tanto quanto qualquer outro professor, eu me considero de um meio

universitário então eu boto a mão na mesa, eu grito, eu xingo, eu esperneio, eu mostro, eu

tenho toda essa liberdade de fazer isso, porque eu tô fazendo o meu trabalho como

professora universitária. O professor da rede pública, ele não tem, ele tem medo de perder o

emprego, ele tem que ter três, quatro empregos, dois, três, quatro empregos pra poder se

manter, ele não tempo pro estudo, sabe? Então na realidade eu, eu, eu acredito e sei da

existência de vários focos que são pequenos ainda, é pouca coisa ainda, não é uma mudança

significativa, é um início, mas não é ainda uma mudança significativa, e pra essa mudança

ser significativa, eu acho que tem que se atacar direto na formação, que é uma coisa cara. O

professor de uma maneira geral não conhece nem a, nem a cultura que tem em volta dele,

quem dirá outras, né? Não tem, então que tipo de formação que ele tem pra passar pro

aluno, ele não aceita o que vem do aluno como é que ele vai pegar todas aquelas diferentes

formas de manifestações, de cultura corporal e vai socializar entre um e outro, ele também

não conhece, eu num tô falando que eu conheço tudo não, de jeito nenhum mas a

quantidade de coisas que os alunos me trazem que eu sou capaz de conhecer com eles e

garantir essa troca, né? Da dialética da educação. A formação do outro professor não

permite essa visão, porque ele foi educado pra mandar, pra dar voz de comando e o outro

obedecer, e é muito mais fácil, né?

E: Você então acredita que a formação do professor de Educação Física é, não que a

formação acadêmica mas que depois ele se perde por causa do trabalho.

163

Sabrina: Eu acho que a formação acadêmica é fraca. E aí, quando ele sai da graduação, é

onde ele vai começar a experiência profissional dele, essa experiência precisava duma

formação continuada, entendeu? Porque...

E: Na academia mesmo.

Sabrina: Na academia...

E: Nos livros ... .

Sabrina: É, nos livros, mas na prática dele também porque quando se falar, adolescente que

a gente entra pra universidade, né? Meninos de 17, 18, 19 anos, sai com 22, 23, ele não tem

uma maturidade pra enxergar o mundo ainda como um sistema de * (inaudível esta

palavra), de entender isso tudo, Então seria muito interessante se o professor principalmente

em escola pública, eu vejo assim, a minha luta não é nem pra aumentar salário não, eu tô

perto dos 40 anos e dar 36 aulas semanais, deveria dar duas aulas mas e as outras cinco

serem garantidas, obrigatórias e tudo. Porque aí você tá realmente tendo a oportunidade de

construir a sua prática e ficar refletindo essa prática de verdade. A escola, a formação

acadêmica da graduação, não te dá condição de refletir, é muito fraca. Mas eu acho, eu nem

culpo tanto a academia não, eu acho que a imaturidade tá nesse meio do caminho, aí. Puxa

vida, um jovem tem que viver a sua juventude, ele não tem que ficar, aparece, acontece

umas pessoas raras, né? Tem professores que deixam de viver, que mergulham tanto na,

tudo bem, vai ser ótimo, né? Também não é por aí, sabe? Eu acho que o jovem tem que ter

o seu tempo de vida mesmo, ele fica na academia e fica vivendo depois quando ele for pra

prática, se ele tiver essa oportunidade dessa reflexão continuada sempre, grupos de estudos

nas escolas, cursos de especialização, congressos, isso tudo, se ele tem sempre essas

oportunidades, com certeza a prática dele vai ter, pode favorecer essa, favorecer toda essa

relação, com certeza. Eu acho que o grande problema nosso tá na formação e a rede pública

tem esses dois lados, né? Pega o lado da formação, pega o lado que tem, tem três, quatro

empregos pra poder sobreviver. Como é, que tempo você acha que ele vai preparar a aula?

Sabe aonde que ele prepara a aula? No ônibus, no caminho, e aí, nesse sentido, é muito

mais fácil ele tá com o modelo tecnicista, porque as aulas tão prontas, você lê um livrinho,

164

vê um joguinho, lê um, né? E durante o seu trajeto, mesmo que um professor mais

inovador, mais criativo, ele vê um joguinho ali, é esse que eu vou dar pro meu aluno esse

mês.

E: E ele não quer saber se esse joguinho tem relação com a escrita, com a linguagem verbal.

Sabrina: Não. Só quer saber de rendimento, se a criança aprendeu ou não o movimento que

ele trouxe. Nem quer saber se a criança já sabe, né? Quantas vezes a gente, a gente própria

se pega, ensinar a criança a lidar com uma bola. Qual é a criança que nunca jogou uma bola

antes? Por que que eu não vou ver primeiro o que que ela sabe com a bola? Pra depois dar

outras idéias? Quem disse que eu sou dona da verdade, que eu sei todos os movimentos

com bola? Mesmo que eu seja malabarista ou campeã de GRD com bola? Quem é que disse

que eu tenho, né?

E: Nossa, fantástica suas propostas. É, eu acho que o que eu, né? O que a gente conversou

aqui deu uma boa entrevista.

Sabrina: Tomara, porque eu gosto de contribuir com a Educação Física, principalmente

porque ela é a prima pobre da educação, né? Ela é educação, ela não é a prima pobre da

educação, ela é a própria educação, e isso é um fato..

E: E agora, se você puder responder o questionário, eu, antecipadamente, agradeceria

165

ANEXO 4

Entrevista 4: Bruno, doutorando em Educação Física

E: Nesta entrevista, eu vou falar seu nome, mas na transcrição permanece o anonimato, tá?

O trabalho é na verdade, sobre representações sociais. Ver até que nível existem as

representações ou não, sobre as atividades físicas, e o desempenho acadêmico. Em que que

ela pode ajudar, se é que ela ajuda, se existe uma crença, entre a atividade física e o

desenvolvimento cognitivo ou a formação do conhecimento, né? Também vou pesquisar

sobre o desenvolvimento da linguagem. Então, neste aspecto aí vai pra uma das primeiras

perguntas: qual seria qual o papel das aulas de Educação Física? Qual a função que as aulas

de Educação Física tem nas escolas, principalmente com crianças de 1A. à 4

A. série.

Bruno: Bom, então eu vou falar sobre, primeiro sobre o papel das escolas, né? O papel das

escolas é tentar mostrar que existe um conhecimento, é, universal, que é *historicamente

construído e faz parte, é, são diversas linguagens que possibilitam, devem possibilitar ao

aluno compreender o mundo, é, à sua volta e deveriam possibilitar que ele também

interviesse nessa realidade. E nesse sentido a Educação Física na escola, ah ... , ela vai

mostrar que a cultura corporal de movimento é construída historicamente, dá condições

desses alunos, aí pra apreender essa cultura corporal de movimento, que é uma postura

corporal de movimento, é, que é a de interpretar o mundo a partir dessa cultura corporal de

movimento, mais do que interpretar, despertar nesse aluno, é, o desejo de interferir nessa

realidade.

E: Hum, hum.

Bruno: Eu penso que deveriam ser assim.

166

E: Deveriam?

Bruno: Deveriam ter.

E: Qual o papel que tem hoje pra você ?

Bruno: Hoje eu acho que nós tamos num momento de transição e a produção acadêmica

avançou bastante mas a gente ainda não conseguiu, é, vulgarizar essa produção acadêmica,

tanto a nível da formação profissional quanto a nível das pessoas que já estão formadas.

Então, é, me parece que a gente vê hoje um discurso, é uma coisa muito híbrida, é, é, muitas

pessoas, é, incorporaram algumas des... alguns desses avanços no nível do discurso mas não

no nível da sua prática, né? E algumas pessoas sequer incorporaram isso no, no nível de

discurso e no nível da prática, mas a gente já percebe algumas experiências bastante

interessantes, bastante animadoras e algumas propostas que efetivamente tão ajudando a

construir essa, esse modelo de intervenção a título do que eu falei anteriormente.

E: Você já trabalhou com criança?

Bruno: Já trabalhei com criança mas não na escola.

E: Não? Mas com a Educação Física ou com outras atividades físicas ou escolares?

Bruno: Só com esporte.

E: Sistematizadas ou não?

Bruno: Acho que não.

E: É, regularmente, era uma turma que fazia as aulas com freqüência?

Bruno: Sim.

E: Três vezes por semana, duas vezes por semana?

Bruno: Isso.

E: E quais as idades?

Bruno: Eram crianças de seis a oito anos e de oito a dez anos.

E: Mas aí você trabalhava todo tipo de...

Bruno: É.

E: Era um leque amplo onde você não pegava uma atividade e ficava só com aquilo?

Bruno: Não, não. Falo da minha experiência no SESC.

167

E: Onde, em São Paulo?

Bruno: Foi, um estágio que eu fiz em São Paulo, não em uma unidade do SESC. Era uma

oficina, era dentro de um projeto de lazer e uma equipe multidisciplinar que tinha, é, artista

plástico, é, pessoal de música, pessoal de teatro, sociólogos, pessoal de Educação Física,

né? Então a gente trabalhava com uma oficina chamada Brincadeiras Desportivas, alguma

coisa assim. Na verdade não tinha a obrigação de trabalhar com um esporte ou só com

esporte.

E: Não?

Bruno: Não, não, não, era, eu poderia trabalhar com todos os elementos da cultura corporal

de movimento. Mesmo na interface com o teatro, com a música, com a dança.

E: Legal. Ô Bruno, e, você falou um pouco sobre isso, né? Sobre a, sobre o valor das aulas

de Educação Física e o papel dessas aulas pras crianças, que que você acha que significa pra

elas?

Bruno: Parece...

E: A função das aulas?

Bruno: Me parece assim, que, eu li uma pesquisa recente que mostra que as crianças, a

Educação Física está entre as disciplinas que as crianças mais gostam mas também tá entre

aquelas que as crianças consideram menos importante, né? Me parece claro porque a escola

do jeito que ela é formada, do jeito que ela tá hoje estruturada, ela acostumou delegar a um

segundo plano, é, algumas, algumas áreas do conhecimento, não é só a Educação Física,

mas é a educação artística, o teatro, essas disciplinas são consideradas menos importantes,

por exemplo, no caso do vestibular, né? Não tem uma, não teria uma utilidade nessa

perspectiva que tá apontada, mas não interessa se as crianças gostam muito ou tendem a

gostar da, da aula de Educação Física. Mas muitas vezes não vê ela como um espaço, é,

reflexivo de construção do conhecimento e a colocam em oposição a outras disciplinas,

é ... . História que é o lugar de estudar, a Educação Física não.

168

E: Tá, então em termos de construção do conhecimento, é, formação do conhecimento, você

colocou como construção do conhecimento. Você acredita que existe uma relação da

Educação Física com uma possível contribuição?

Bruno: Eu acho que a escola não vê essa relação, não é só as crianças. As crianças, os pais e

a escola, os outros professores não vêem essa relação. Muitas vezes os próprios professores

de Educação Física aproximam a disciplina um pouco, algo próximo ao lazer.

E: Lazer?

Bruno: É. Quanto, pra mim...

E: Recreativo?

Bruno: É, como se fosse recreativo. Recreativo no pior sentido da palavra recreativo,

porque também na, no lazer, na recreação você pode construir conhecimento, é, quando

essa disciplina devia assumir a responsabilidade de construção do conhecimento, de

elaboração de conhecimento, de crítica de conhecimento.

E: E você, como profissional, critica essa... . (neste momento Bruno interrompe a

entrevistadora para continuar respondendo)

Bruno: Critico.

E: Bom, você falou da formação do conhecimento, né, a partir do momento que você fala

que ajuda na formação do conhecimento, do rendimento escolar. Você acha que contribui,

rendimento escolar assim, notas, rendimento das aulas, rendimento acadêmico...

Bruno: Eu acho que a Educação Física escolar não deveria ser compreendida nessa

dimensão, é, a Educação Física, ela não pode ser operacionalizada como uma forma de

ajudar, não pode ser compreendida assim. Como se pode alfabetizar utilizando a Educação

Física? A Educação Física tem uma peculiaridade, uma especificidade e deve ser trabalhada

dentro dessa especificidade, o que não significa (???)**

, um diálogo e a construção de uma

nova prática (???).

E: Uma (???)

**

Palavras inaudíveis.

169

Bruno: Ou até mais que uma disciplina é uma interdisciplinaridade. Tamos falando de

construir alguma coisa que seja síntese do diálogo entre todas as disciplinas.

E: Ah, tá, e formar uma?

Bruno: É, formar uma abordagem, quer dizer, nesse diálogo nenhuma das disciplinas vai

perder completamente sua especificidade mas nenhuma delas vai manter as suas des...

fronteiras, é, epistemológicas, né? Isso é um projeto bastante difícil, por certo, né? Mas me

parece uma perspectiva fascinante.

E: Você acha que contribui ou não? Mesmo da forma como ela é trabalhada, porque no

senso comum a gente sabe que ela existe.

Bruno: Contribui pras outras disciplinas, que você diz?

E: É, pro rendimento acadêmico? Você acha que não tem nada a ver?

Bruno: Não.

E: Não? Então para a linguagem verbal, menos ainda ou você acha que ela pode contribuir.

Bruno: Veja bem, ela vai contribuir de alguma forma...

E: Para o rendimento, você acha que não?

Bruno: Não, agora, pro desenvolvimento da linguagem ela pode contribuir se você

considerar que no fundo essa classificação que a gente faz entre linguagem verbal e

linguagem corporal é uma classificação, que efetivamente ela não existe, quer dizer,

ninguém fala só, ou só se movimenta, porque você se comunica com o corpo, em palavras,

em gestos, isso é um complexo de relações, então, nesse sentido, ela pode contribuir. Que

ela vai trabalhar especificamente um desses elementos.

E: Mas, é, na escrita? Movimento pra linguagem escrita, linguagem escrita ou facilidade

para escrever?

Bruno: Eu acho que ela não foi...

E: Capacidade de escrever.

Bruno: Eu acho que ela, eu volto a falar, que ela pode contribuir nesse sentido, quando

trabalha outras dimensões, é, do ser humano, que vão tá em, intrincadas nesse processo

complexo, então ela vai contribuir nesse sentido mas a função primordial dela não é

170

contribuir com a linguagem escrita, é contribuir com a expressão humana, daquela criança.

Então quando ela contribui com a expressão humana daquela criança, ela acaba

contribuindo com outras coisas que fazem parte dessa expressão humana, então, mas, não

que ela vá contribuir diretamente com a linguagem escrita, ela contribui indiretamente

quando ela contribui com o eixo central disso tudo que é a expressão humana, que é a

existência humana.

E: Ô Bruno deixa eu ver se eu tô conseguindo captar legal o seu pensamento, você acha que

da forma como tá não há essa contribuição?

Bruno: É, da forma como ela tá, como eu suponho que ela esteja, como eu suponho que

esteja.

E: Hum, hum.

Bruno: Ela não contribui nem com a expressão humana, ela não contribui para a expressão

humana. Se ela contribui, contribui a partir de um contexto de expressão humana que a

gente deve questionar na perspectiva de uma superação dessa ordem social. Então, é, esse

modelo de relações que a escola, é, hoje estabelece, ele é um modelo que contribui pra

manutenção da, dessa sociedade da forma como ela está.

E: Cabeça na sala, corpo na, na quadra?

Bruno: Cabeça na sala, corpo na quadra, é, só passando um determinado tipo de

conhecimento que é dito importante, os outros conhecimentos não são ditos importantes.

São conhecimentos completamente desvinculados da realidade da criança, que não ajudam

ela a, a refletir sobre a sua realidade, sobre a realidade que ela tá inserida. Então esse

determinado tipo de modelo, que tá sendo construído, que ele é um modelo que reforça, é,

reforça o status quo, reforça essas características dessa sociedade que aí, é, se instala.

Precisava construir uma outra, é, escola que possa indagar o processo contrário, no processo

de levar a, a criança, o adulto, quem tiver na escola, a repensar constantemente essa

sociedade, a criticar essa sociedade.

E: Então se houver uma mudança acredita que possa haver essas contribuições?

171

Bruno: Sim, como eu te falei, eu acho que ela pode contribuir quando ela contribui pra

expressão...

E: Humana?

Bruno: Humana, quando ela contribui pra, pra esse complexo de sentimentos, de relações

que é o ser humano, mas não que ela tenha uma direção, uma ligação direta com a

linguagem, por exemplo, escrita.

E: Nem com a verbal?

Bruno: Nem com a verbal. Direta não, ela tem direta quando ela contribui pra, pra, pra esse

ser e como esse ser humano é um complexo disso tudo, de linguagem verbal, escrita, é,

corpórea, gestual, e aí se ela contribui nesse sentido, ela diretamente tá contribuindo

também com as outras.

E: Deixa eu te perguntar uma outra coisa. O que que você, em que que você se baseia, que

meios você utiliza, pode utilizar, você pode me falar de alguma coisa, que te faça chegar a

ter esse posicionamento? Que, se ela mudar ela vai favorecer através da expressão humana,

e que do jeito que tá ela não vai contribuir para o desempenho acadêmico.

Bruno: Ué, ela contribui pra...

E: Pra?

Bruno: Prá ... , nessa perspectiva de como ela tá colocada na escola.

E: Essa que a gente falou...

Bruno: Contribui, ela tem uma contribuição maravilhosa pra esse tipo de ser humano que tá

aí, é, concebido realmente pela escola.

E: Qual contribuição? Seria...

Bruno: Contribuição é de...

E: Uma contribuição...

Bruno: É de reforçar as diferenças, é de reforçar as desigualdades, estabelecer

comportamentos rígidos, é, de movimentação corpórea que visa a prática esportiva

somente, é, de reforçar esse modelo de esporte que tá colocado, que é um modelo que

privilegia os mais fortes. Privilegia aqueles que são mais capacitados, privilegia os

172

considerados normais pela sociedade, é, então é isso que, deixa eu, é uma suposição, né? É,

suponho que ela esteja contribuindo pra esse modelo de ser humano, a gente quer um outro

modelo de ser humano, é, livre, é, livre pra pensar e pra intervir na sociedade, aí a gente vai

ter que reformular essa, essa prática, e aí vai ter alguns propósitos que avançam, é, que

tenham algumas propostas efetivas de avanço nessa perspectiva, que também tem o seu

limite, né? Mas que já tão começando inclusive a serem questionadas, reestruturando uma

nova proposta.

E: Você tem como me dizer uma coisa dessa nova proposta, ou citar alguma coisa assim?

Bruno: É, eu acho que toda a base desse conhecimento aí que...

E: Que você adquiriu?

Bruno: É, eu vi, eu gosto muito da, da produção do pessoal, é, daquele livro Coletivo de

Autores, é, Metodologia do Ensino da Educação Física. Eles tem uma proposta que

costumam chamar de cultura corporal de movimento, é, que é uma proposta que, hoje se

sabe que tem limites, me parece que foi uma das primeiras propostas que efetivamente

conseguiu, é, apresentar alternativas pragmáticas de intervenção a partir de uma

perspectiva teórica diacrônica não anacrônica, né? Eu gosto muito da produção deles, acho

que já tem gente avançando nesse conhecimento, já tem gente elaborando, já tem gente

reelaborando a partir das suas experiências práticas superando os limites que essa proposta

apresenta. Então eu gosto muito desse livro.

E: E pra você se basear nessa, voltando na outra questão, né? Que, uma Educação Física

que do jeito que tá teria que ser reformulada. Que meios que você utiliza pra, é só a sua

prática ou só a sua convivência na academia (universidade) que meios, o que que te dá

subsídio pra você ter essa opinião?

Bruno: Não entendi essa pergunta.

E: É, essa prática sem, vamos supor, sem citar o Coletivo de Autores, tirando isso.

Voltando pra prática, que se repete sempre, entendeu onde que eu quero chegar com a

mesmice?, que essas mesmas coisas que tão se repetindo. O que que te dá subsídios pra

formar essa opinião sua, não diria nem opinião, esse conceito que você tem, eu acho, visão

173

que você tem, que meios que você utiliza pra, pra que tenham essa formação, se isso é

passado, se isso é uma crença, se isso é, é um corporativismo. O que que te deu subsídios

pra você ter essa posição ou dois tipos de posição, da que existe e da que pode vir a existir

que a...

Bruno: São algumas pesquisas recentes que apontam pra isso, por exemplo, a pesquisa do

Lala que foi publicada na Revista Lulu. Nesse negócio da valorização e da importância da

Educação Física pelas crianças. A pesquisa de, da tese de mestrado da Naná, me parece, é

muito interessante quando ela mostra que, olha os conhecimentos que produz aqui não tá

chegando lá na escola, né? Então mostra que, há uma, é, e alguma, alguns pesquisadores

que tem, é, o professor Loló tem uma pesquisa recente bastante interessante, é, fazendo uma

crítica a algumas propostas de somatização curricular, pelo bom, como um diferencial

teórico pessoal que produz a nova sociologia do currículo, é, o professor Walter Bracht que

tem algumas reflexões muito interessantes sobre a questão da identidade da Educação

Física enquanto área de conhecimento e a sua intervenção na escola. Teses produzidas, a

partir de pesquisa, a partir de propostas apresentadas em congressos, na nossa área, que

podem apontar essa perspectiva.

E: Muito bom Prof., e se você quiser falar mais alguma coisa, comentar, aí eu ... .

Bruno: Não, acho que tá bom.

(Nesse ponto o gravador é desligado)

174

ANEXO 5

Entrevista 5: Pedro, especialista em Educação Física

Pedro: Sou um recreacionista, mas na verdade eu tô num ritmo em função do trabalho

específico que é do futebol, mas não é um trabalho, é um trabalho bem, tanto é de formar a

criança em esporte de alto nível mais recente, no caso específico do futebol.

E: Que legal. Pedro, é, mas seu trabalho é de 5ª a 8ª no município ou como que é?

Pedro: Não, é, é específico num centro social, Centro Social Urbano que chama, CSU, e lá

eu só desenvolvo esse trabalho, de futebol, as crianças vão pra lá, é duma região pobre, as

crianças vão pra lá, fazem as atividades de futebol. Tem atividade de natação também com

a outra professora e uma das coisas que eles buscam lá também é o, é a própria alimentação,

né? Então, além desse trabalho que a gente faz, eles se alimentam lá nessa, nesse, nesse

centro social. Não todos, né? Assim, são super carentes mas a maioria, né? A maioria.

E: Caramba. Deixa eu, então vamos começar, vamos falar aqui da entrevista, né? Pra você,

qual, o que você não souber você pode me perguntar, a gente vai fazer uma, na verdade é

uma conversa, uma troca de opiniões, ou uma troca de informações, interação mesmo, tá?

Pedro: Tá.

175

E: Pra você, qual que é o papel que as aulas de Educação Física tem nas escolas hoje, pra

você como profissional, ou pra você como estudante, ou pra você da forma como se sente,

você tá livre pra responder assim: Qual o papel que as aulas de Educação Física tem nas

escolas de 1a. à 4

a. série hoje?

Pedro: Bom, eu acho, na minha opinião, hoje eu, como eu não atuo na rede, como eu não

atuo na rede, por exemplo, ou estadual ou municipal, por exemplo, de 1ª à 4ª, é, ou de 5ª à

8ª e assim por diante, mas enquanto à vivência que eu tenho, específica no, com

treinamento de futebol, eu acho que, não só pra atividade, o papel do profissional de

Educação Física, não só com atividade específica que ele tiver desenvolvendo mas como eu

vejo, na minha opinião, como uma educação pra vida, né? E é isso que eu prego no dia a dia

das minhas atividades. Além do trabalho, é, o educando em si, né? O papel do professor,

não só trabalhar por exemplo a recreação, ou só trabalhar por exemplo a, a, a, o futebol, ou

seria a natação, o basquete, o vôlei, etc., mas preparar a criança ou o adolescente pra vida.

Eu acho que é um papel fundamental do profissional de Educação Física. No meu...

E: Nas escolas?

Pedro: Nas escolas.

E: E você acha que isso acontece nessa prática, efetivamente?

Pedro: Não, não com todos. É aquilo que eu disse, eu acho que tem profissional que talvez

tenham, tenham experiências anteriores, como por exemplo, experiência de vida anterior,

aquilo que ele, aquilo que ele mesmo vivenciou no passado dele, né? E tenta colocar aquilo,

no meu ponto de vista, tenta colocar isso pra aquelas crianças, por exemplo, passar sua

própria experiência de vida, que ele vivenciou na sua trajetória e aí poder passar pra aquelas

crianças, que ele tá trabalhando. Agora, no geral não, no geral, do meu ponto de vista, os

profissionais de Educação Física ... . Vou citar um caso específico: nós tínhamos ganho,

né? O profissional de Educação Física tinha conquistado um espaço grande que era

trabalhar com as crianças de 1ª a 4ª e, hoje, as crianças de 1ª a 4ª, voltou o profissional, ou

seja, o profissional que trabalha com V 1, né? Ou P 1 no caso, então foi uma perda muito

grande. Por que? Eu não, eu não cheguei a trabalhar mas o comentário grande é que o

176

profissional simplesmente dava uma bola pra criança e ponto final, né? Ele não vinha, ele

não tinha uma, um planejamento, um trabalho pra poder desenvolver, é, todas as

habilidades daquela criança.

E: É, nesse aspecto ainda. Qual seria a função das aulas de Educação Física para as

crianças? Em que que ela contribui?

Pedro: Coordenação, basicamente isso, eu acredito que, estimular...

E: Coordenação motora?

Pedro: Motora, motora, coordenação motora. Depende muito da faixa etária também, né?

Porque, claro, desde da, vou citar, por exemplo, jardim, jardim 1, jardim 2, é, é, a pré-

escola, então eu acho que, ver coordenação motora fina nessa faixa etária, e aí você vai na

seqüência, né? De trabalho, depois vem pra, pras outras atividades de acordo com a faixa

etária da criança ou do adolescente, mas eu acho que basicamente contribui pras habilidades

gerais...

E: Básicas?

Pedro: Básicas da, do educando.

E: Você vê alguma, além dessas habilidades, digamos, habilidades motoras, qualidades

físicas básicas como alguns chamam, você vê em outro aspecto da vida? Você trabalha com

crianças, qual a faixa etária?

Pedro: De 7 a 14.

E: De 7 a 14. É, o que que você acha que ainda, de todo desempenho esportivo, além de

todas as qualidades que você tá desenvolvendo aí, aprimorando nesses meninos, é, você

acha que isso contribui pra outro aspecto da vida?

Pedro: Eu acho que o social, né? Eu acho que o social, ele tem uma, uma, den, den, dentro

desse trabalho, eu acho que uma contribuição grande, porque você tem experiência como,

você começa a, enfim um grupo, o grupo tá de uma forma, você tem um trabalho, um

período, você determina pro grupo, sei lá, um mês, três meses, seis meses, um ano, o grupo

tá diferente porque, no meu trabalho que eu desenvolvo com o futebol, você não fica

naquele trabalho só, é, da atividade em si, ali, do dia a dia, mas você tem as participações

177

deles, você tem no futebol, a participação deles tem em jogos na escola, a participação deles

em confraternizações, em dias específicos, por exemplo, no dia da criança, entre outras

atividades que contribui pra socia, socia, socialização de cada participante, então é...

E: Você acha que esse é o aspecto, pra vida, mais importante além do movimento motor?

Pedro: Sem dúvida. Sem dúvida. Sem dúvida. Porque o mundo lá, eu penso que o mundo,

é, é, teria que ser dessa forma, já é mas teria que ser dessa forma, fosse cada vez mais, pró,

pró o próximo, contribuir pra ajudar.

E: Atividade física pra ajudar... .

Pedro: É. É claro que, você tem dentro do grupo, grupos, o grupo nunca é homogêneo, né?

O grupo é heterogêneo mas você tenta de alguma forma, é, conduzir a atividade, ou

brincadeiras, ou, ou a própria atividade principal.

E: Você observa alguma relação entre rendimento escolar, quando eu falo em rendimento

escolar é rendimento em notas, rendimento acadêmico mesmo e a atividade física, quer

dizer, as atividades físicas, eu vou, vou colocar toda a pergunta e depois vou reformular

onde você não entender, tá? Você observou alguma relação entre o rendimento escolar e as

atividades físicas ou corporais? Você acha que tem alguma relação direta, indireta? Ela

contribui para a formação do conhecimento?

Pedro: Olha, eu acho que contribui porque o aluno ou atleta, ele, no caso aluno, né? Ele,

todo momento ele tem que pensar, seja lá, dentro da sala de aula, seja na atividade fora da

sala de aula, atividade de Educação Física. Agora, na questão de, de análise, de fazer uma

análise ou de fazer uma pesquisa até dentro do próprio treinamento que eu desenvolvo, é,

isso só verbalmente, as vezes você pergunta prum garoto ou outro como é que tá na escola.

Mas nunca tive o prazer de fazer um trabalho dizendo assim: olha, vou querer ver, por

exemplo, seu boletim ou coisa parecida. Não, nunca isso, não. Eu não posso afirmar mas

acredito que contribui. Principalmente quando você, no futebol por exemplo, quando ele,

que eu desenvolvo muitas vezes algumas atividades não dirigidas, mas algumas atividades

que eles mesmos possam criar, né? Por exemplo, vamos dizer assim, um determinado drible

que você vai desenvolver dirigido, não, fala: eu quero assim com a perna direita, assim com

178

a perna esquerda, né? E muitas vezes você sai dos trabalhos dirigidos e vai pro trabalho

livre, que é um trabalho para que eles possam criar. Então, é, da mesma forma que eles tem

que pensar ali, que é uma atividade, é, o futebol, eu acredito que é o mesmo trabalho que

acontece dentro da sala de aula e que faz com que ele também tenha que pensar em

determinadas atividades de matemática, português e assim por diante.

E: Já que você citou o português, em que você acha que ela pode, ou de que forma as aulas

de Educação Física ou atividades corporais, atividades físicas, aí? Já que você citou o

português, é, em que que ela pode contribuir ou se contribui, na sua opinião, pra, pro

desenvolvimento da linguagem verbal? Porque nós temos a linguagem verbal, (acontece

alguma coisa e a gravação é interrompida). O que que ela pode contribuir pras atividades

físicas ou as aulas de Educação Física, até mesmo sua forma de trabalho pra, pro

desenvolvimento da linguagem verbal? O desempenho verbal, se você acha que contribui,

se você acha que não?

Pedro: Olha eu, sinceramente eu não, num, num, não vejo agora como responder pra você,

tá entendendo? Porque, no meu caso, que tô trabalhando por exemplo com futebol, é, prá

linguagem verbal. Dentro do futebol existe muito a, gírias, né? E, denominações que não

usadas no dia a dia da linguagem correta, né? É, que as pessoas utilizam pra falar o seu

português mas, é, ... eu não vejo, sinceramente eu não vejo, porque de repente você, é

como se fosse um, uma gíria dentro do futebol, uma gíria dentro do basquete, uma gíria

dentro do, do vôlei e assim por diante. Então eu não sei se...

E: Seria um vocabulário próprio, específico?

Pedro: Próprio, específico do, do, da, daquele meio que as pessoas tão vivendo ali, né?

Quando saem dali acabam até usando isso também, fora desse convívio mas, quer dizer,

então eu acho que, se for analisar pelo lado do futebol não é uma contribuição, é,

significativa, ou seja, uma contribuição, é, boa, vamos dizer assim, pro português, né? Que,

se você falar da maneira correta, tudo direitinho, depois chegar na, num espaço desses as

pessoas falam diferente, e aí você vai acostumando a falar diferente também e não da

maneira correta, vamos dizer assim, para o português, pros outros detalhes da, da matéria

179

em si. Então, existem essas gírias dentro de cada modalidade específica. Agora, na

Educação Física geral, acredito que o profissional de Educação Física também tem que ter,

porque ele não pode ser só um profissional fechado, mas ele tem que ter um que de

conhecimento pra poder usar os termos corretos pra que as pessoas ou pra que as crianças

não possam corrigir o professor, né? Então o professor é, tem o seu, o seu, sei lá, o seu

leque de conhecimento pra poder instruir, né? Na, na forma e no momento certo.

E: É, bom, você já falou, né? Dessa linguagem verbal e da formação do conhecimento

verbal. Que meios que você utiliza, você disse que, que da linguagem você não pode dizer

muita coisa, né? Em que, que você se baseia pra dizer isso? Você tem alguma bibliografia

ou se parte só da sua prática, você parte de outras práticas, de outras vivências, de contatos.

Pedro: Ó, outras vivências seria até na própria formação, né? Digo, hoje, por exemplo, eu

fazendo um curso de comunicação social, fazendo faculdade, até pra tentar verificar num

futuro próximo, de fazer um trabalho direcionado entre comunicação social e esporte ou, é,

comunicação social específico, um trabalho com esporte, por exemplo, ou radialista, ou

locutor, ou alguma coisa assim.

E: Que legal!

Pedro: Então esse é o encaminhamento que eu...

E: Você entrou agora?

Pedro: Eu entrei agora, esse meio do ano, em comunicação.

E: Você já foi direto ou você precisou fazer vestibular?

Pedro: Eu não fiz vestibular porque como eu já sou formado, né? Então...

E: Ah, é portador de diploma de curso superior, né?

Pedro: Isso, então eu entrei direto. Então eu tinha essa vontade...

E: E aí vai unir os dois?

Pedro: Tinha essa vontade já há muito tempo então agora...

E: Que fantástico, então, mas você vai unir os dois, né? Você não vai ficar fazendo uma...

Pedro: Não, nesse momento eu tô, tô só cursando, não tenho trabalho assim, eu também já

fiz um curso de radiodifusão, né? Mas era um curso, não é um curso só de um ano, é no

180

SENAC, e que te dava certa, assim, a oportunidade de você desenvolver alguma coisa mas

nada de nível superior, né? Um curso de especialização, vamos dizer assim. Bom, mas

voltando a...

E: A pergunta.

Pedro: A pergunta que você fez, é...

E: Quais os meios que você, que meios você utiliza, né? Pra dizer se existe ou não a

relação.

Pedro: É, então, a outra vivência, a outra vivência que eu tive e que acho que, que a relação

aí de, de esporte específico física, né? Do caso, da pessoa que tá no futebol, da pessoa que

sai do futebol e vai falar alguma coisa fora do meio que ele vivencia. Já tive uma

experiência de igreja também, né? Que, de trabalho com jovens, né? E peraí que me fugiu...

E: Não, não tem problema. O...

Pedro: Volta, volta de novo a pergunta.

E: O trabalho com os jovens ou se o desenvolvimento da linguagem, porque você disse que

não tem muito, muita coisa pra dizer pra mim.

Pedro: É que eu não entendi.

E: É, é, mas o que, em que que você se baseia pra dizer se essa, na sua experiência, pra

dizer que você não tem, não tem como me dizer isso, é, que você não, não pode me dar essa

resposta, porque você acha que não existe contribuição nenhuma, trocando em miúdos, vou

reformular, você, é, pra ficar uma coisa fechada, tá? É, você acha que existe, que a

Educação Física, as aulas de Educação Física, sistematizadas, sistematizadas seriam as

aulas, três aulas por semana, aquela coisa de escola, tá?

Pedro: Correto.

E: Você acha que ela, você acha que ela contribui pro desenvolvimento da linguagem

verbal? Tá? Eu refaço a pergunta. Você acha que isso tem...

Pedro: É, aí é que tá, ó, por exemplo, da, do desenvolvimento da linguagem verbal, ponto,

é, agora, em âmbito geral, independente de, de, de ser uma, uma, por exemplo, você tá me

dizendo...

181

E: Eu puxei a pergunta porque você citou o português, matemática e tal, agora, você acha

que, por exemplo, a gente vai pra quadra, trabalha com as crianças, é, aula de Educação

Física, vai, joga bola, faz isso, num sei que, jogos recreativos, aula de educação esportiva.

Você acha que isso ajuda a criança a desenvolver a linguagem dela, verbal? Você acha,

você acredita nos elementos de psicomotricidade?

Pedro: Sim.

E: Então a gente poderia dizer que você acredita que há uma relação?

Pedro: Há uma relação, talvez até...

E: E que ela pode contribuir...

Pedro: Isso.

E: ... ou que contribui? Eu quero essa resposta assim.

Pedro: É.

E: Que sim, que não, se é, se não é, entendeu?

Pedro: É difícil, ó, a bem da verdade, se eu olhar assim...

E: Eu posso dizer novamente, sem problema nenhum.

Pedro: Não, não, porque quando eu num, eu num, até eu mesmo não sair a campo pra

verificar se isso, é, por exemplo, vamos supor, se saiu do zero aqui, com uma criança, e

trabalhando lá, o professor da sala e o professor de Educação Física, e uma criança, por

exemplo, que saiu também do zero e só trabalhou na sala e não trabalhou a Educação

Física, pra verificar, então eu acho que é muito relativo de cada, de cadaaaa indivíduo, né?

Acredito que tem, eu vejo assim no geral, não que eu saí pra pesquisar ou pra analisar, mas

acho que, no geral, contribui de alguma forma. Não tão, uma forma assim, é, tão eficaz,

talvez não seria esse o trabalho que deveria ser feito, né? Pra desenvolver a linguagem, mas

acredito que contribui, mesmo que mínimo mas, contribui de alguma forma.

E: E você disse que, que ela ajuda, que a Educação Física pode ajudar na aquisição de

conhecimento, né? No desenvolvimento da socialização. Que meios também você utiliza

pra dar essa resposta afirmativa, que ela contribui? Se tem algum conhecimento, alguma

literatura, ou algum congresso, ou é sua prática mesmo, ou é uma crença que você tem, que

182

foi essa crença que tá sendo passada. Porque você acha, porque que você tem essa opinião,

essa formação, porque que você tem esse conceito, essa visão: que a Educação Física

contribui favoravelmente pro desenvolvimento das crianças dentro da sala de aula?

Pedro: Eu acho que a vivência, eu acho, como você citou, eu acho que a vivência é que me

mostrou isso, tanto que tem a...

E: Você fala a vivência prática ou a vivência histórica, ...?

Pedro: Bom a vivência...

E: A vivência acadêmica, né? A graduação...

Pedro: Isso, na graduação e também na vivência prática, você trabalhando com a, com as

crianças, (?) (palavra inaudível), feito com base, né? Na época teve um caso que, de você

observar essas, essas situações de que, é aquilo que eu disse, quando você inicia um

trabalho, a criança tá de uma forma e num determinado período desse trabalho, que você tá

desenvolvendo, você notou, é, diferenciação dentro da, do seu trabalho, que você tá

desenvolvendo. Então contribui, no caso da pergunta que você fez, não, não tem uma

afirmação de bibliografia, de criança, nada, mas do dia a dia, do trabalho que a gente, é, que

eu já exerci, porque, também, hoje eu trabalho com futebol mas já trabalhei com outras

atividades, né? É, é, é atividades recreativas, é, atividades, também, culturais, é, grandes

eventos de ... , da própria igreja, né? Pra chegar ao ponto, com adolescentes, pra chegar ao

ponto de ver que, é como se fosse uma, é uma, um, um grupo, né? Que, que sentou pra

fazer algo, nesse caso, atividade física ou atividade recreativa.

E: É, uma última perguntinha, é, eu acho que já tá basicamente embutida em todas as suas

respostas porque a gente não tem muito como separar tudo, né? Começa a gente vai

respondendo uma coisa e acaba respondendo antes de eu perguntar, você já tá, mas é assim,

não tem jeito de separar muito.

Pedro: Uma completa a outra.

E: Isso é verdade. É, qual de, eu vou colocar até em termos de sua prática, você trabalha

com meninos, né? Qual a contribuição do seu trabalho pra sociedade? Você consegue ver

função desse seu trabalho ou papel dele pra sociedade?

183

Pedro: Olha, eu acho...

E: Pra eles, você já me disse que é a coordenação motora, o desenvolvimento,

aprimoramento das qualidades básicas, a socialização, né? E, em termos assim gerais, pra

sociedade, que que você pode tirar, o que essa sociedade, é, aproveita desse seu tipo de

trabalho, desse trabalho nosso, né? Seu, o meu também, né? Que também sou professora de

Educação Física.

Pedro: Ó, hoje em dia tá muito na moda dizer que o professor só tá vendo o esporte,

fazendo uma atividade física, ela, a criança no caso, ela vive fora, ela vive na rua, ela não

vive no meio das drogas e, é muito comum as pessoas dizerem isso mas eu acho que a

contribuição, é, vamos supor, você tem uma família, que você tem o pai e a mãe que

trabalham e aquela criança que fica em casa, eu acho que a contribuição do profissional ou

das instituições é fazer com que aquela criança esteja realmente fazendo alguma atividade

dentro da instituição ou dentro da, daquilo que o profissional de Educação Física tá

propondo, seja atividade de rua ou atividade em campos de, de bairros, etc. Eu acho que a

contribuição, não só por isso, mas, a grande contribuição também para o desenvolvimento

do corpo em si, é, da atividade física, da qualidade de vida, né? Então eu acho que é bem

por aí, eu acho que...

E: A sociedade, ela deixa de aproveitar...

Pedro: De aproveitar essas situações, ou direta ou indiretamente.

E: Ótimo, Pedro. Muito obrigada...

184

ANEXO 6

Entrevista 6: Gustavo, doutorando em Educação Física

E: Pra você, qual o papel das aulas de Educação Física para os alunos de Educação Física

nas escolas, nas escolas de 1a. à 4

a. série, como você entende o papel delas, sua função?

Gustavo: Pergunta difícil heim? Bem, nessa altura, na altura dos fatos, né? Mas eu acho que

é, falando da experiência de como o, é, é, é sujeito dessas aulas no tempo passado e também

como profissional, né? É ... , meu ponto de vista tem um significado, é, ... , pra mim mais

de interação social, independente da, do conteúdo ministrado, da forma ministrada, do nível

de formação profissional, se ele é leigo, se ele é professor, eu acho que o, a grande virtude

das, o grau de significado nas aulas, nas aulas de Educação Física na escola é essa, é essa

interação, né? Esse processo de interação social entre os presentes, os alunos, os

participantes e uma, uma certa tomada de consciência do, do, do povo, do, de uma visão do

movimento. Mesmo que seja um pouco alienada, um pouco desconectada com, com uma

postura um pouco mais crítica do processo que tá ocorrendo ali nas aulas, mas eu acho que

é, é fundamentalmente isso: interação social e uma certa descoberta desse corpo do

adolescente, da criança, né? E no convívio com outras crianças com outros adolescentes.

E: E a função dessas aulas de Educação Física pras crianças, o que que você pontuaria, né?

Você conseguiria discorrer melhor sobre isso?

Gustavo: Função?

E: É.

185

Gustavo: Não sei bem o que que...

E: Se tem algum objetivo ou alguma coisa assim?

Gustavo: É, o que tá lá na, nos programas oficiais, que tá no plano de aula, né? Que, na

verdade, muitas das vezes não, não, não são atingidos por uma série de fatores, né? É, e eu

acho que vai um pouco em cima do que eu disse anteriormente, eu acho que reforço essa

idéia, mais da interação e da, da ajuda na descoberta desse corpo, dessa Ludicidade, desse

espírito também que é meio agônico, né? Meio competitivo no sentido, no sentido melhor

da palavra, né? Eu acho que tem esse caráter também pra, é, essa, de caráter de contato

físico, de corpos, caráter de uma certa, é, competição mas no, mas no sentido de medição

de, de forças não no sentido de, de uma competição como a gente percebe hoje que existe,

que é, que é estimulada até mesmo nas aulas, né?, de Educação Física, é, voltadas muito pro

esporte mas eu acho que pra, pra criança ela tem esse sentido de um embate, de um desafio

e de uma convivência.

E: Puxando ainda, é, um gancho dessa pergunta, e pra sociedade, a importância ou a função,

é, o papel. Você acha que tem algum papel, você acha que não tem, como você vê isso?

Gustavo: A sociedade é muito confusa, né? No, é, em ver a importância das coisas, né? A

sociedade, sobretudo a nossa sociedade atual, é muito movida pela, por coisas que estão

fora dela, por exemplo, pela mídia, pelo, por outros fatores externos a ela, então eu acho

que a sociedade acaba, e em função dos condicionamentos que os indivíduos vivem no, no

tempo de hoje, é, preocupados com, com a sobrevivência, preocupados com outros fatores,

eu não sei, é, até que ponto ela enxerga, é, a importância da, da Educação Física ou da

própria Educação Física na escola, né? Da forma que, que aqui, que deveria ser, ser

compreendida e da forma que a Educação Física deveria ser, escolar deveria ser mostrada à

sociedade. Eu acho que, tanto a sociedade tem dificuldade de perceber como a própria

Educação Física as vezes tem dificuldade de se mostrar a sociedade, né? Então eu acho que

é uma visão um pouco nebulosa, um pouco confusa da sociedade, seguramente ela se, ela

vê, ela vê a Educação Física muito na ótica do esporte, o valor que ela consegue enxergar é

aproximar a Educação Física da, da, do esporte, como se o esporte fosse mesmo a, na

186

verdade, a Educação Física, né? Eu acho que a sociedade, é, percebe a Educação Física na

ótica do esporte, né? De ensinar e aprender um, uma modalidade, um ensinar e aprender

destrezas motoras ou esportivas, né? Ou, é, acredito que seja muito do, daquilo que o

esporte do, é mostrado daqui pro, o gesto, o movimento é mostrado na televisão, é o que a

sociedade acha que a Educação Física também deve fazer.

E: Bom, é, você acha, ou você observa alguma relação entre essas atividades físicas? Que a

gente vem falando da Educação Física com o desenvolvimento, o rendimento escolar? Seria

rendimentos em termos de nota, rendimento acadêmico mesmo, das crianças? Você acha

que existe alguma relação, você consegue observar alguma relação e como, se você acha

que existe, como você acha que se dá essa relação?

Gustavo: É, eu não percebo uma relação direta entre Educação Física e rendimento escolar

e não sei se alguém já fez esse estudo, já procurou, né? Associar uma, com rendimento

escolar, né? O que a gente percebe é, é ... uma postura dos alunos que tem um rendimento

escolar “X” ou outro que tem rendimento escolar “Y” frente a prática de, frente a Educação

Física na escola, né? Às vezes uma postura negativa porque se associa, na verdade, idéias

meio falaciosas ou falsas de que o aluno estudioso, dedicado ao estudo, ele não gosta de

Educação Física, não gosta do lazer, não gosta de praticar atividade esportiva, recreativa, tá,

é, descoordenado e, e vai sempre dar mal na aula de Educação Física, é aquele sempre mal,

posto no final da fila ou posto, ou aquele que não participa, é deixado de lado. Em

contrapartida se associar o aluno que, é, tem um rendimento, um desempenho interessante,

motor, esportivo nas aulas, como aquele que é, é, não tem concentração nas aulas de, na

escola, é um aluno que vai mal na, tem um, não tem um bom rendimento escolar, então eu

acho que são visões, é, são visões erradas, né? Que acho que, foi se construindo a partir de

uma cultura, é, até mesmo, é, uma falsa cultura ou uma falsa idéia da Educação Física na

escola, né? E por algum momento pode até, as aulas ou, podem até ter possibilitado esse

tipo de situação, de leitura, né? Por uma prática de Educação Física mais conservadora,

mais levado pra, talvez, prum tipo de rendimento, que possa, talvez tenha criado essa idéia

187

meio absurda, né? De que aluno, há uma certa relação de, de rendimento escolar e

Educação Física.

E: Voltando ainda a essa pergunta que você tá falando que você consideraria que existe uma

crença e que essa crença pode passar até mesmo pelo corporativismo de que há uma

relação, que a Educação Física ajuda, que os bons alunos em sala de aula são ótimos na

prática, você acabou de falar, né? Você acha que isso pode, é uma crença, é um mito ou...

Gustavo: Eu acho que é uma falsa idéia.

E: Peraí, essa falsa idéia pode estar embutida aí no corporativismo, ou seja, na manutenção

da Educação Física nas escolas, como obrigatória, você acha que pode passar por aí

também?

Gustavo: Pode se vender uma idéia de que a Educação Física contribua para a formação do

indivíduo, do estudante, possa contribuir para o seu rendimento escolar, né? Mas, na

verdade, eu acho que ela tem uma função própria de possibilitar, a partir da sua, do seu

conteúdo, né? O conhecimento e desenvolvimento do indivíduo em todas as esferas mas

não que isso esteja articulado na, na direção de que, é ... , a Educação Física, é, se justificar

na escola pelo, por esse viés aí, de que ela é fundamental para o rendimento escolar porque

na prática em, não formal, fora da escola, né? É, é ... , ou nas práticas de cultura corporal,

lúdica, fora da escola, isso também se daria, né? Então porque que só a escola, só na escola

isso...

E: Isso poderia.

Gustavo: Teria que, esse poder. E por que lá? Eu acho que as vezes acontece o contrário,

quando entra lá a coisa acaba, é, dificultando essa melhor relação entre a, o, a criança, o

indivíduo, seu corpo e a própria escola, as duas coisas ainda ca... é, passam por um

momento de tensão, né? Às vezes a escola limita o desempenho. O desempenho não mas

limita a, a explicitação do, da corporeidade, né? A explicitação da Ludicidade pela sua

própria, pelas suas próprias regras de disciplinamento, então dizer que possibilitaria esse

rendimento, é, eu acho que ela possibilita, ela poderia, ela possibilita uma interação, uma,

um processo de construção social de corpos, de interação entre corpos, né? Num ambiente

188

pedagógico, num ambiente de, de educação formal. Pode vir a contribuir, quem sabe, na

medida que se possa identificar problemas e ajudar na superação desses problemas numa

relação, aí sim, de, disciplinar, numa relação com outras, com outras disciplinas, se houver

essa possibilidade de fazer um trabalho conjunto, aí sim, nessa dimensão, a Educação

Física, ela é parte do processo educativo escolar porque ela trabalha em conjunto, na

formação do indivíduo, na formação do educando, né? Em conjunto com o, em conjunto

com as demais áreas, né? Ela é também parte do processo formativo.

E: Dessa maneira você acreditaria que essa relação, toda essa relação seria positiva?

Gustavo: É, nesse sentido, sim, né? Não na expectativa de rendimento, no sentido, né? É,

no sentido de que...

E: De produção acadêmica?

Gustavo: De produção...

E: De notas.

Gustavo: De notas, de avaliação. Não nesse sentido e sim no processo da formação do...

E: Da aquisição de conhecimentos? Você acha que ela ajudaria?

Gustavo: Aquisição de conhecimento de uma cultura, né? Corporal, de uma cultura de

relacionamentos sociais, de interação, de convivência, né? Nesse sentido sim.

E: E a linguagem verbal? E ainda, já que você tá nesse processo aí? Onde você colocaria a

linguagem verbal? Porque você parte do princípio que, da forma colo ela vem sendo dada,

pra você não existe uma correlação, nesse sentido, uma correlação tão positiva?

Gustavo: É.

E: Que seja tão categórica, que se possa afirmar que realmente existe.

Gustavo: É porque não há uma comprovação, inclusive acho que talvez, né? Científica ou

efetiva que diz, que diga isso, né? Há uma percepção que, nessa, integrada a Educação

Física, um processo formativo, um processo, o projeto pedagógico, o processo formativo da

escola é logicamente, ela é elemento fundamental na construção da personalidade, da

construção da personalidade motora, da personalidade social das pessoas, né? Sem dúvida

nenhuma.

189

E: Mas, sendo assim dessa forma, dessa forma melhorada ou não, da forma como é dada,

se você quiser falar de forma diferente, né? É, da forma como ela vem sendo dada para o

desenvolvimento da linguagem? E se for da forma como você propõe, você acredita que se,

ajuda ou não a criar uma relação, ou não, se essa relação é positiva ou não?

Gustavo: Essa forma depende muito da, a forma como vem sendo dada, ela, é, fazer uma

análise, né? Uma discussão com crítica sobre o modo como ela, se é bom ou é ruim a forma

como vem sendo aprendida, eu acho que depende muito de um projeto mais ampliado, de

quem tá trabalhando o conteúdo e do projeto da escola. Muitas das vezes uma forma tida

como arcaica, ultrapassada de trabalhar um, na Educação Física, ela pode surtir efeitos

interessantes, né? Na, sobretudo naquilo que a gente, na, na formação social, na formação

do indivíduo, não só motora mas também na formação social. Então é complicado a ... ,

discutir, a gente fazer uma, um julgamento de valor, né? Que, é, nessa direção, né? Então

qual seria a melhor forma, né? O que que tá se apresentando diferente do que se faz aí, eu

acho que um projeto pedagógico mais ampliado, dentro da escola, inserindo a Educação

Física, procurando trabalhá-la junto com o conjunto, como sendo um conjunto maior de um

projeto, né? Independente do conteúdo dado, trabalhado com responsabilidade por pessoas

que tem esse compromisso, que tem uma responsabilidade na formação do indivíduo, da

criança, do adolescente, eu acho que todos os conteúdos são possíveis, são, são importantes,

seja o conteúdo esportivo, seja o conteúdo, é, lúdico, seja os demais conteúdos.

E: Ótimo, tá sendo ótimo, tá sendo excelente. É, você conseguiria falar ou você acha que

você colocou, é, quais os meios que você utiliza, ou que você adquiriu, ou se você tem pra

ter esse posicionamento dessa fala sua, dessa percepção sua? O que que você utiliza, é uma

teoria, é uma prática, é uma vivência teórica, é uma vivência prática, são anos de formação

mesmo de opinião, né? Que vão se construindo ao longo dos anos dessa prática. É, o que

que te fez, resumindo, o que que te fez chegar hoje a essa conclusão? Porque recém

formado provavelmente as respostas seriam outras.

Gustavo: É, com certeza.

E: E hoje, que meios você utiliza pra ver se, pra falar dessa relação, se...

190

Gustavo: Não são conclusões mas são, refletem mesmo um, um estágio de, de incertezas

pela, pela qual a própria área passa com todas essas mudanças que vão, que estão ocorrendo

seja no, no, no, enquanto a Educação Física objeto de estudo, enquanto, enquanto prática

pedagógica e frente a uma nova ordenação legal forte com a nova LDB também, né? Então

em, a nossa posição ou nossa percepção exprime vários, várias coisas, vários, várias

situações, exprime uma, uma experiência, exprime uma, uma certa descrença, exprime

também uma certa ideologia, exprime contradições da nossa própria fala, né? E alguma

coisa do, de um, de leituras que a gente tem às vezes oportunidade de, de acompanhar, né?

E que também não mostram, que não apontam, não apontam pra soluções, né? Pra

fórmulas, para soluções fechadas, né? E que mostram que há, há todo um, há toda uma

incerteza, né? Nesse diálogo com a Educação Física na escola, as suas propostas

pedagógicas, os seus conteúdos com, afinal de contas o tipo de Educação Física, pra que

Educação Física, de que maneira ela é, realmente é efetiva ou não na escola, né?

E: Ótimo! Muito bom, professor. Valeu!

191

ANEXO 7:

Entrevista 7: Isabel, doutora em Educação Física

E: Pra você, qual o papel das aulas de Educação Física nas escolas? O que você pensa sobre

isso?

Isabel: Bom, vamos lá. Eu acho que ela tem um papel, é, na formação de um modo geral,

né? E eu vou tentar dividir em alguns pontos, embora eu não veja isso de forma tão dividida

mas de qualquer maneira tem a questão da, do, tem a questão da, da formação do, do

cidadão, que eu acho que todo e qualquer disciplina é responsável por essa promoção, da

formação desse garoto, dessa menina, né? Desde que eles venham pra escola, até que saem

dela, né? E aí tem essa, essa dimensão, essa responsabilidade, é ... , de formar o cidadão pra

sociedade em que ele vai enfrentar, né? Que ele vai atuar, então isso aí eu acho que é uma

responsabilidade de todas as disciplinas da escola e da Educação Física também. Tem uma,

até uma crítica em relação a Educação Física sob esse aspecto, eu acho que hoje há uma,

uma supervalorização dessa dimensão na Educação Física e as vezes ela perde a sua

essência pra trabalhar o movimento em detrimento de ficar dimensionando demais esses

aspectos e fazendo uma certa confusão. Eu acho que ela é tão responsável quanto o grupo

de disciplinas por estar atenta pra formação desses garotos, para o terceiro milênio, eu acho

que a sociedade precisa rever os valores, precisa trabalhar melhor alguns pontos que tão

distorcidos e tal, então isso é, é, eu vejo a Educação Física inserida nesse contexto junto

com todas as outras disciplinas, né? Então esse é um ponto que eu acho que ela deve

desempenhar seu papel mas não deve se perder no desempenho só desse papel, né? E o

outro que é ela fazer o trabalho da responsabilidade dela, da sua singularidade, né? Que é o

192

trabalhar os movimentos nessa criança que tem, sobretudo, movimentos, se é que a gente

pode falar assim, de uma Educação Física, vamos dizer assim, é ... , que traga significado e

prazer nas suas atividades pra criança, então eu acho que a grande contribuição da

Educação Física é mostrar, é representar um movimento pros seus alunos como algo que

promove satisfação, prazer, saúde, aí eu tô pensando na dimensão fisiológica, psicológica,

social, né?, os valores em todas essas dimensões e, é, vamos dizer assim, é, apresentar pra

esse homem um componente - movimento, atividade física - como um componente que ele

pode levar como hábitos pra sua formação enquanto cidadão, né? Não ficar restrito as

dimensões apenas esportivas, (?) palavra inaudível, né?, mas às vezes ficam restritas ao

esporte, não apresenta o que as, é, as diferentes possibilidades que a Educação Física pode

trabalhar outras coisas que não só o esporte. Agora, eu acho que o grande, a grande chave

da Educação Física é trabalhar com significado, pro aluno, né? Eu acho que a gente tá um

pouco perdido. E a gente tem que resgatar o significado de determinadas relações, né?

Então, por exemplo, é...

** (falamos ao mesmo tempo).

Isabel: Nós estamos completamente, hoje, por exemplo, nós tamos completamente afastada

do significado de corpo, dessa geração que tá aí, então a gente tem propostas e passa longe

daquilo que tá aí, por outro lado a gente deixa de formar esse cidadão, pelo ponto de vista

do movimento, da musculação, da ginástica, de tudo isso que tá cercando o dia a dia desses

jovens e em outros setores que não a escola, nós deixamos de informar, pra tudo isso e

negamos determinados trabalhos porque compreendemos que isso não é possível, que não é

por aí, né? Então a gente vive determinados conflitos, defasagens, porque a gente não,

talvez não esteja trabalhando em compasso ou não esteja criando prospecções, ou, ou, se a

gente não quiser trabalhar com prospecções, que a gente trabalhe com as coisas que tão

acontecendo, né? Por exemplo, eu não entendo hoje uma Educação Física de segundo grau

que não discute questão de anabolizante, questão de trabalho de força que esses meninos

tão todos fazendo inadvertidamente no período “x”, tentando explicar que tipo de trabalho é

esse, que deve ser feito, que pode ser feito ou que vai trazer. No entanto a Educação Física

193

na escola não tem abordado nada disso, não tem informado, não tem, tudo, na minha

opinião, pelo ponto de vista específico, formativo.

E: Do significado?

Isabel: Trabalha longe do significado do aluno, da criança, do adolescente, da, né? Então até

a 4ª série as coisas vão relativamente bem, depois começa a ter conflito, conflito, conflito,

conflito de interesse, desinteresse, como é que pode ter um desinteresse? Pra uma atividade

que é super valorizada fora do espaço da escola. É um fenômeno fora do espaço da escola,

nunca cresceu tanto e chega na escola, é, parece que é luta que foi.

E: Realmente... (risos)

Isabel: Acho que falta, é realmente uma, é, alguma coisa aí que realmente não cria

proximidade, né? Interface, não sei.

E: Não tá funcionando.

Isabel: Não deve tá...

E: Sim.

Isabel: É, não tá funcionando.

E: Quer dizer, não funciona bem.

Isabel: Aí criam-se outros modelos, né? Na própria escola. Outras maneiras, às vezes com o

mesmo professor e as outras maneiras dão certo.

E: É, você tava falando do papel, né? Agora, se você conseguisse aí, fazendo um gancho em

toda sua fala acima, você consegue falar alguma coisa sobre a função das aulas de Educação

Física especificamente para as crianças? Mesmo que seja nesse contexto que você colocou

fora da escola, ou assim, dentro da escola, a organização fora da escola...

Isabel: Você pergunta criança pensando em que, até 10, 11 anos?

E: É.

Isabel: Até 4ª série, é isso?

E: Até 4ª série. Até 5ª, mais ou menos por aí. Quinta série já tá bom, acima não ... .

Isabel: É, 10, 11 anos, dez anos, né? Bom, é...

194

E: Qual a função da Educação Física, que que a Educação Física, qual é a função dela

mesmo, né?

Isabel: Eu acho que é trabalhar o movimento, o movimento. Eu sou absolutamente contra a

Educação Física ser bengala de 1ª a 4ª série, sobretudo porque na 5ª série já fica um pouco

mais difícil, de integração, tá entendendo? É...

E: Bengala?

Isabel: É. Eu sou radicalmente contra isso. Eu acho que se houver uma proposta de

integração, é, da Educação Física com as demais disciplinas é de integração global, né?

Quer dizer, que todos se integrem porque, sempre quando tem uma idéia de, de um trabalho

interdisciplinar, é a proposta da Educação Física trabalhar com o corpo dimensões

matemáticas, dimensões e, e eu não, não acho que, é, primeiro que eu não, num vejo, né?

Nessas integrações um fruto muito certo porque a coisa normalmente fica em função da

gente trabalhar, não necessariamente os conceitos mas algumas atividades, então... Agora,

se for uma integração realmente, é, que passe, né? Via conceito, pra que todos busquem

aquilo, eu acho que nós, na aula de Educação Física, vamos trabalhar sob determinados

conceitos e os, utilizando o movimento, e os professores em sala vão trabalhar sob

determinados conceitos também utilizando-se de outros recursos próprios da sua área e

também do movimento, por que não, né? Então fica só essa coisa de: como o movimento

tem significado, como ele gosta de se movimentar nessa faixa etária, quem sabe vai

aprender a contar dividindo os times, A, B e C. Isso eu não acredito. Eu acho que não é por

aí, né? Eu acho que não é por aí. É, então bota pra jogar amarelinha que eles vão conhecer

os números, também acho que não é por aí. Acho que, se houver, é uma discussão desse

tipo, que só mesmo pelo conceito, como é que ele vai, a gente vai poder trabalhar junto

conceito de tempo e espaço, tá legal, a matemática vai dar alguns recursos, português outros

e a Educação Física outros porque a gente precisa trabalhar essa noção, espaço e tempo e

tal, tal, tal. Tá, tudo bem, aí, nessas coisas eu acredito mais do que a propriamente dita

Educação Física habitual entendeu? Ah, então, vou fazer um joguinho...

E: Sim.

195

Isabel: Sim, porque aí eles vão, a gente fala pra eles juntar um time de dois e fazer um de

quatro que ele tá aprendendo a, quando a gente sabe que um menino, quando a gente sabe

que um menino pára no final e oferece pra você, negocia contigo uma caixa de chocolate

Baton e é reprovado dentro da escola em matemática, e ele faz conta com a caixa de

chocolate Baton, e negócio contigo ali, numa fração mínima de tempo que o sinal tá

fechado que se bobear você, que é alguém estudado, não consegue acompanhar o raciocínio

dele, aí chega lá e ele é reprovado, quer dizer, então se não for pruma leitura conjunta,

realmente pra avaliar o conceito da coisa, entendeu? Na prática da vida e na vida da escola,

são essas coisas que são absolutamente incoerentes.

E: Aí ela não faz sentido, ela não teria função, nesse sentido do conjunto.

Isabel: Agora, a função dela, na minha opinião, específica, - trabalhar conjunto e trabalhar

modelo - , experiências com o corpo, signi... experiências significativas, que tenham

sentido, que possam fazer, é, é, que possam fazer o aluno, é, vamos dizer assim, é, adquirir

confiança, desenvolvimento, é, psicomotor, confiança em si a partir do trabalho com

movimento, trabalhar o estímulo, a auto realização através da ludicidade, do jogo, quer

dizer, eu vejo um desenvolvimento belíssimo que a Educação Física pode proporcionar à

criança, o jovem, adolescente e que pode, sobretudo, formar no, em idéia de que essa

atividade é uma atividade fantástica pra vida dele, pra, pra ser assumida por seu quotidiano,

né? A idéia da representação não só da saúde mas do prazer através da atividade física, né?

Das, da, ele poder usar isso na sua vida, né? Agora...

E: E você acredita que isso acontece?

Isabel: Nas aulas?

E: De Educação Física.

Isabel: Olha, eu vejo... . Eu já vejo assim, é, por experiência, muita gente bem

intencionada, né? Mas daí a, a isso realmente acontecer com ... , eu tenho minhas dúvidas,

né? Realmente isso acontece com essa, como você falou, com esse nível de consciência,

com essa vontade de que aconteça assim, né? Mas...

196

E: E até mesmo com todas as dificuldades, né? Mas dentro da escola, se posicionar dentro

das escolas, as dificuldades que nós temos, uma guerra de força, é dentro da escola.

Isabel: É, é, tem uma representação um pouco, eu não sei se é melhor que ele, o profissional

dessa área da, da Educação Física, da nossa área na escola mas, é, eu acho que isso tá

mudando também, sabe? Tem dias que, eu vejo assim, de forma muito otimista, muito

otimista, entendeu? A atuação do profissional na escola, aqueles que estão na escola, que

tão ficando na escola, é, já mudou, muda muito, muda muito. Eu acho que a gente já tem, já

pode dizer que tá mudando a idéia da Educação Física, né? Eu acho que já há uma

preocupação com essa dimensão mais lúdica, mais significativa, da, da, da, de levar em

conta a, a dimensão da cultura aonde o grupo tá inserido, eu acho que essas coisas já, de

tentar respeitar e ao mesmo tempo fazer esse grupo crescer. Eu acho que a gente tem

alguma coisa já mudando nesse sentido, a gente já pode dizer que tem alguma coisa

mudando nesse sentido porque cresceram muitas, as possibilidades, né? Do profissional se

atualizar, isso tudo de uns vinte anos pra cá ampliou muito, né? Então já tem muita gente

refletindo, mesmo que nesse tempo curto como você mencionou, né? Você pode fazer

algumas reflexões tímidas mas tem pensando a respeito, que eu acho que isso já é positivo,

entendeu? Sem ser fazendo por fazer, já conseguindo pensar um pouco, discutindo um

pouco assim os seus âmbitos mais locais pra ver o que tá fazendo, querendo fazer

diferente...

E: É, até mesmo a própria produção científica mudou muito, né? Então...

** (aqui nós duas falamos quase ao mesmo tempo e muito baixo)

Isabel: Mil e um jogos, hoje em dia a gente já tá conseguindo, é, ler outras coisas e, e sente

até menos falta de ler sobre isso aí porque isso aí é, sai espontaneamente já.

E: Ô Isabel eu, você falou do papel das, da Educação Física nas escolas, né? Você falou da

função pras crianças. E pra sociedade, o que que seria a Educação Física para a sociedade?

Que papel que ela tem?

Isabel: Eu acho importantíssimo. Eu, o esporte, a atividade física, não vou nem pensar só no

esporte, é um fenômeno desse século que a gente tá vivendo. A virada desse século é um, é

197

um momento de desemprego, né? É um momento de aumento do tempo livre das pessoas,

né? E as pessoas, é, quanto mais oportunidade tiverem de conhecerem o físico, o seu corpo

e as suas potencialidades, é, melhor não conseguir conviver com tudo isso, inclusive em

criar - seu próprio corpo, seu próprio ser -, e eu acho que aí tem uma contribuição enorme

de uma consciência desse, desse corpo pela Educação Física, desse significado num

trabalho que gere prazer. Já imaginou? Você não precisa nada pra fazer parte de um grupo e

ter duas horas por dia de jogo com o grupo, as atividades com um grupo ou uma luta com o

grupo, de uma capoeira na rua aqui no Rio, né? O grupo, você não precisa dispor de nada só

um uniforme e uma vontade, consciência para aquilo, né? Ali no caso da capoeira até tem

uniforme mas invariavelmente, né? Quer dizer, a consciência da, também por outro lado, a

atividade física ecológica, você pode estar utilizando alguma coisa, eu acho que pra tudo

isso, mas aí é que eu não sei até que ponto nós tamos preparados pra essa formação nesse

cidadão também uma, dando a nossa contribuição, mas eu fico vendo assim “n” coisas, não

é só formar o atleta, né? Ou, ou descobrir algum atleta, isso acontece, às vezes até mais

tardiamente, né? Porque a gente não tá, é, focado nisso mas, é, não é só de esporte

institucionalizado, né? Tem “n” outras atividades, quer dizer, eu acho que nossa

contribuição é, nossa, eu acho que a gente até não tem idéia de tão, quanto importante que é

esse papel dentro, nessas coisas todas que vão, que tão presentes aí, né? A gente já tá vendo

aí, né? Já tão aí batendo na porta de todo mundo, difícil arrumar emprego, difícil isso,

difícil aquilo, a tendência é a pessoas irem se frustando, né? Se achando incapazes, então se

a gente não formar no convívio da escola, solucionar problemas pra saber criar, pra saber

como, pra sacar qual é, qual é essa, esse feeling que você tem que ter de conhecer, de

trabalhar o seu corpo, de, de poder ter consciência inclusive do que você pode fazer com

ele, né?

E: Eu acho que a gente não tem essa consciência.

Isabel: A gente não consegue nem despertar o prazer das pessoas pra atividade física.

Agora, por que que eu tô dizendo isso? Porque vários trabalhos nossos é que a maioria das

pessoas saem da escola detestando atividade física ao invés de gostando da atividade física,

198

uma, né? De bem com a atividade física, vamos dizer assim, sai mais de mal do que de

bem.

E: É, você consegue observar alguma relação, agora que vai entrar mais na pesquisa, entre

atividade física e rendimento escolar? Entre as atividades físicas e o rendimento escolar,

você consegue, você acha que favorece, que não favorece? Ou você acha que são duas

coisas distintas, que a gente colocou, em relação por exemplo a matemática, que você falou

que você trabalhava, não sei, com uma coisa mais global.

Isabel: É, eu...

E: O rendimento que, eu digo assim, em termos de nota mesmo, em termos acadêmico.

Isabel: Olha, tem alguns estigmas, né? Do tipo, o aluno que é bom em Educação Física é

péssimo nas outras disciplinas mas eu não acho que ele é péssimo ou que ele é burro porque

ele não consegue aprender, é porque ele dedica a maior parte do tempo dele praquilo que

ele gosta, que é ficar jogando bola lá embaixo, então não acho que ele é, é, que ele prioriza,

né? Ai, o menino é ótimo, passa o dia inteiro lendo, sim, passa o dia inteiro lendo não vai

ter atenção pra jogar bola, não vai ter atenção pra, é, subir em árvore, não vai ter atenção

pra jogar pipa, né? Soltar pipa, então que que acontece? Tem menino que ele prioriza a

leitura, se é aquilo que ele tá curtindo, gostando, adorando, entrando na Internet, fazendo

mil coisas, então é a geração da frente do computador, né? O computador é uma coisa que

atrai, dá, desperta a curiosidade e se essa curiosidade ou se esse interesse for maior do que

prás outras coisas ele vai ficar ali no computador, né? E aí ele, provavelmente, vai tá se

desenvolvendo fisicamente atrás de outros que também estão na maior parte do tempo deles

pra trabalhar aquelas habilidades, pra ir ganhando aquelas habilidades, sobretudo numa

faixa etária aonde se ganha isso, né? Aquela faixa etária da, da primeira, primeira fase do

ensino fundamental, né? Onde você realmente ganha aí experiências, né? E aí tem uma

série de, de enfoques diferentes. Eu acho que o aluno, é, ele é um aluno brilhante, se ele for

brilhante, se ele considerar todas as outras atividades que a escola dá, ele pode ser brilhante

em todas as opções que tem dentro da escola, né? A Educação Física, na, mas não acho que

o aluno que faz mais Educação Física seja mais inteligente, tira nota melhor em

199

matemática, entendeu? Isso não acho que há uma relação direta, eu acho que há uma

relação o que, eu acho que há uma relação, é, de como eu tô encarando aquele espaço ali,

né? Se eu vou encarar aquele espaço ali só como um espaço de lazer, provavelmente eu vou

me, me, vou interagir melhor com o professor de Educação Física, com o professor de, de

artes, de música, porque tudo isso vai ter mais significado pra ele do que as outras coisas. E,

é, que tem um conceito nessas coisas, eu sou reprovado, então tenho que ser bom, tenho que

passar, tenho que estudar. Mas há aqueles que nem com esse apelo tão preocupados em

ficar ali e corrigir, é sério, então... Mas o cara, ele não é, é, não vou dizer, interessado por

tudo, né? A gente não tem isso? Eu mesma tenho uma filha que odeia matemática e ela tira

dez em história, por história é apaixonada, por geografia também, aí o outro diz que ela á

muito inteligente porque ela tem as discussões que a maioria dos colegas não tem mas ela é

uma besta pro professor de matemática, ela devia se, ela tinha mais é que se suicidar porque

é o que tem de pior, então aí o professor de história diz pra ela assim: eu vou pro conselho

de classe te defender, que não sei que, e ela é um horror em física, o cara, o velho vai querer

detonar ela, né? Então a gente tá, tá entendendo? Porque a escola também é dividida assim,

é, foi muito engraçado agora, mãe o professor de história disse que vai lá me defender

porque eu tenho raciocínio lógico pra não sei que, então é, ela detesta o professor de

matemática, todos perseguiram ela, a vida dela inteira, ela não tem uma relação boa com

esse negócio aí, agora, tão lá, já devem ter resolvido, né? O resultado sai amanhã, quer

dizer, eu fico pensando assim, meu Deus do céu, será que ela vai ser reprovada? É, mas a

nossa escola reprova, não é porque é o filho de fulano, de beltrano, né? Se tiver que

reprovar, reprova.

E: Sim.

Isabel: É, agora aí tem o apelo pra aprovar, não aprovar, escola não tem esse poder, não

tem. Então lá as pessoas aparecem como elas são, que eu, que define, eu acho que ali na

nossa área, eu acho fundamental, só por isso, fundamental, as pessoas são o que elas são,

porque não tem apelo, é, tá ali, detesto aquele cara que fica: não, você pode ser reprovado

por falta, é uma hipocrisia, o cara vai, entra na justiça e ganha, na justiça, ah, eu já passei

200

por isso, eu tive um aluno que ganhou na justiça comum. Me desmoralizou. Mas por que?

Porque eu não entendi ainda qual era a minha consciência, qual era a da minha disciplina na

escola, eu não entendi, então eu queria mais era ficar, freqüentar ali e tal. Aquelas coisas

todas que, queria mais era isso e aí fui aprendendo, pô, não é nada disso, ali é um espaço de

se expressar, eu não trabalho com a, com o desempenho intelectual, eu trabalho com o

desempenho expressivo, quero que se dane o desempenho intelectual, trabalhe em outras.

Agora, que o desempenho é uma coisa maravilhosa, dessa criança de fazer o movimento,

quando você tá meio que estressada, enfim, movimentar, botar pra fora tudo aquilo que ele

sente, que ele, poder ser, fazer aquilo que dá prazer pra ele e ver um, motivado pra isso,

despertar aí essa florzinha, né? Essa sementinha dentro dele, né? Agora é claro que ali não

tá um ser dividido, não, ali tá um ser integral, eu acho que até mais integral do que o ser que

tá exaustivamente pensando na aula de matemática. Eu acho que tá até um ser mais integral,

porque eu entendo que ali a manifestação da expressão, do corpo e Tc, é maior do que as

outras, mas todas as outras tão presentes. Não é um ser acéfalo que tá ali, assim, muito pelo

contrário, não é isso? Pra lá de um ser pensante, um ser ativo, porque não tem filho, que tá

ali fazendo aquelas coisas todas, e expressa, porra, puta que pariu, em momento nenhum, aí

o cara bota fora de sala, não, não, esse espaço não é pra gente chegar aí mas acontece. Uma

vez saiu um palavrão na olimpíada: irmã, é impossível controlar um palavrão no meio de

um jogo final de uma olimpíada da escola numa turma de 8ª série, não, irmã, fica tranqüila,

não quer dizer que eles são mal educados, mas não é? Era num colégio que eu trabalhava,

eu trabalhei doze anos lá, aí ela dizia: mas é assim, irmã, pára e pensa se a senhora tivesse

jogando, volta um pouquinho no tempo, não é por aí, aí ela me olhava assim, ela primeiro

queria me mandar embora, porque falou palavrão, depois ela ia pensando, né? E eles

pensam?

E: Não tem como.

Isabel: Claro que não é partir para um telequete, não é isso, que tava acontecendo mas

escapa, né?

E: É a euforia, né?

201

Isabel: Pois é. Então eu acho assim, tem relação de causa e efeito? Eu num tenho nenhuma,

assim, que eu possa te dizer, assim, evidências de que o aluno que tem o repertório muito

rico, experiente, bem vivido seja o aluno de rendimento alto. De que o aluno tem esse

repertório comprometido, seja o aluno de desempenho baixo. Mas pensa o seguinte: pensa

nesses meninos que tem uma riqueza de experiência estúpida, que são esses meninos

desprivilegiados, que não tem estímulo, né? Até porque tem uma eficiência motora grande,

diferentes tipos de movimento. Não tô pensando nas especialidades porque esse quem tem é

o outro que faz escolinha, né? Eu tô pensando no, nos movimentos, é, sem ser

especializados mesmo, aleatórios, quer dizer, que tem um maior vivência, tem, talvez, um

domínio de corpo maior, porque as experiências maiores, são muito mais maduros porque

vivem muito mais intensamente o quotidiano, resolvem os problemas dos mais diversos,

talvez, quase toda hora do dia que eles são acordados, e chega na hora da escola pra ter um

bom desempenho é um desastre. Porque talvez a escola não fale a língua dele, né? Talvez,

é, é uma das hipóteses, né? Que a escola tá falando essas línguas, então não tenho essa

evidência de uma relação muito grande mas eu, eu tenho a impressão que o, aí é uma

questão assim de, de ver as experiências, que aquele aluno que tá feliz, integrado,

participativo, etc., ele tem um, uma, vamos dizer assim, bom na Educação Física, ele tem

um desempenho bom, não vou dizer que ele é nenhum gênio não, na sala de aula, ele tem

um relacionamento bom com os colegas, ele tem expressão, agora existe aquele aluno que é

extremamente tímido, tal e coisa, e as vezes é ótimo na sala de aula porque a sala de aula,

quanto mais timidez a gente tem, a gente se encaixa ali e aquilo não o atrapalha em nada,

chega aqui, ou atrapalha porque o espaço aqui é mais solto, né? A gente vê esse aluno aqui

e vê o aluno que as vezes é tímido aqui, tímido ali, não tem um comprometimento em

qualquer espaço, que não consegue se soltar, não se desempenha bem em lugar nenhum,

entendeu? Então eu acho que o aluno, bem plenamente integrado, ele tende a dar conta das

disciplinas, tem, nessas aulas, tende a dar conta da, e eu acho. Agora, eu fico pensando

assim, acho que a Educação Física escolar nessa faixa etária contribui a beça, pelo ponto de

vista da, do distensionamento das crianças, daquela explosão, né? Daquela vontade, né? Vai

202

na Educação Física e tal, não volta, mas até tem umas mais cansadinhas, eu acho que ela

ajuda pra caramba.

E: E fazendo um gancho pra linguagem, você chegou a falar alguma coisa de linguagem aí?

Vamos colocar assim, existe a linguagem corporal, você acha que também ela pode ajudar?

A Educação Física pode ajudar o desenvolvimento, o aprimoramento, o enriquecimento

dessa linguagem?

Isabel: Eu acho que pode, eu acho que toda e qualquer experiência que a criança tem, que

trás significado pra ela, ajuda nessa construção. Eu digo a você que nada você joga fora.

Ontem eu tava em casa conversando com a Renata, o Paulinho tava deitado no meu colo,

ele queria dormir, quando eu comecei aquela conversa mais assim com a Renata, e ele então

já não me chamou mais pra dormir, e aí ele, lá quieto, ficou no meu colo mas eu tenho

certeza que ele tava prestando atenção em tudo, que eu tava conversando, aí ele ficou ali

quietinho, com certeza, quando acabou o papo o Waldir ainda disse assim: depois a gente

não quer que o garoto saia com algumas coisas que não tem, que aparentemente não tem

nada a ver com o desenvolvimento dele então é, ele tem um nível de concentração e de

prestar atenção tão grande que, pode ter certeza, que nos próximos dias tá saindo, pode ter

certeza, mas coisas assim do arco da velha, e uns papos, a gente tava voltando do sítio e o

papo não tinha nada a ver ele perguntou pro Bruno: você vai pra casa do seu pai? E o

Bruno, e aí eu me meti no meio e falei assim: mas Paulinho isso não tem nada a ver com o

assunto que nós tamos conversando aqui, é uma pergunta fora de propósito, não é? E eu

perguntei pra ele: aonde você tirou isso? Sabe o que que ele me respondeu? Da minha

cabeça. Da minha cabeça, como quem diz, ora bolas, só porque está falando de abobrinha e

eu fui falar de tomate e eu não posso falar que... tava pensando em tomate, falei de tomate,

qual é?

E: E o Bruno respondeu pra ele?

Isabel: É, ele respondeu, não, não vou. O assunto não tinha nada a ver com aquilo, ninguém

falou em casa de pai. Agora, ele tem respostas, né? Então de onde ele foi tirar isso? Foi da

cabeça dele. Aí ele surpreende em tudo, sempre aprende em cada situação, né? Sempre

203

aprende, agora eu acho assim, que quanto mais, quanto mais satisfação, eu acho que mais

fácil o aprendizado, mais significativo, eu tenho impressão que acelera, nunca estudei isso,

mas eu acho que acelera. É diferente de você pegar uma coisa e achar que tem tudo a ver,

né? Tá naquela motivação, parece que nunca vai mais sair daquele momento. Então é uma

coisa assim, ai, ã, ã, ã..., né? Na época, ã, e coisa, tem já o esquecimento.

E: Então você acha que tem tudo a ver? Favorece, né? Ô Isabel, é, eu vou falar algumas

coisas, se eu já tiver te perguntado você fala já respondi, daquela forma...

Isabel: Tá, tá bom.

E: É, pra formação do conhecimento você acha que ela contribuiu, você acha que, desse

rendimento você já colocou alguma coisa assim, rendimento no esporte, né? A que

formação do conhecimento, eu colocaria assim...

Isabel: Bagagem?

E: É.

Isabel: Ter formação, ter conceito de, de...

E: É capacidade cognitiva, aprimoramento, também essa formação de conhecimento, até

também de bagagem.

Isabel: Eu acho que sim, claro que contribui porque você pára e pensa, né? Pára e pensa

numa discussão técnica numa determinada atividade, pensa muito, né? Nessas aulas, né? O

cara tem que passar o outro pra trás, se isso for bem trabalhado eu acho que isso forma

cidadão tranqüilo porque, agora, não é que a gente vai dar a atividade pra discutir isso, que

eu acho que não é por aí, mas quando aparecem coisas dentro de determinada atividade que

a gente trabalha que podem ser trabalhadas com a criança, com o adolescente, com o adulto,

isso pra mim é formação, isso pra mim é contribuição, né? Fora as outras coisas todas que a

gente comentou já da contribuição, eu acho que, sem dúvida, contribui, nossa! São tantos

problemas, né? Quantas vezes eu tenho que montar uma, uma forma de superar uma

dificuldade, eu tô num grupo e outro, criar regras pra resolver uma determinada coisa.

Agora tudo isso depende muito de como o professor trabalha, né? O professor também pode

entrar ali e fazer calistenia, fazer...

204

E: Aí não tem nada a ver, né?

Isabel: Entendeu? Pode fazer coisas que não venham a solicitar um trabalho maior de

formação, de, de participação do aluno, então eu acho que quanto mais o aluno participa,

né? Quanto mais o aluno interage, entre eles e com o professor, eu acho que tende a crescer

esse nível de contribuição. O aluno muito passivo, essas contribuições vão vindo mais na,

naquela idéia de um saco vazio, e o saco vai enchendo, será que só o saco cheio é difícil pra

você carregar o saco, né? Se eu não sei o que que eu vou fazer com o saco depois que ele

encheu, né? E aí fica aquele saco ali, tá ótimo, encheu, né? E aí, o que que eu vou fazer com

aquilo?

E: É, eu a, pelo que a gente tava, você já falou sobre praticamente tudo, né? É, até onde as

atividades físicas contribuem para o desenvolvimento da linguagem verbal?

Isabel: Até onde?

E: É.

Isabel: O até onde quer dizer o que?

E: Até quanto.

Isabel: Seria o quanto?

E: É, realmente seria o quanto, o quanto que contribui pra formação dessa linguagem

verbal.

Isabel: Seriam outras contribuições, eu acho que todo espaço que trabalha com, aliado a

linguagem, de repente contribui mais até do que um espaço que trabalha só com imagem,

né? Que trabalha de uma forma múltipla, né? De expressão, de, mas, é, eu acho que, até

onde eu não sei responder, até qual é o limite aí, que ela contribuiu mas eu acho que ela

contribui.

E: Favorece?

Isabel: Favorece, eu acho que é.

E: É, e pra formação do conhecimento eu acho que você já...

Isabel: Aí é.

205

E: Você acha que sim, né? É os meios, agora vem uma outra assim que, mas também tá

tudo, tá tudo muito dentro da sua, na sua fala, você já foi respondendo muita coisa, né?

Quais os meios que você utiliza pra verificar se essa relação existe para a formação do

conhecimento que a gente acabou de falar, que meios que você utiliza, que, em que que

você se baseia pra dizer que ... , que favorece a formação do conhecimento? É através de

literatura, é através de sua própria prática ou se é através de...

Isabel: Pra formação do aluno?

E: É.

Isabel: Acho que é através das experiências...

E: Das suas experiências ou das experiências dos alunos?

Isabel: Eu acho que é a relação que existe entre o que o professor concebe, né? O seu

trabalho metodologicamente aquilo que eu te falei, que a idéia era o aluno daqui,

certamente essa contribuição tende a ser (?) palavra inaudível, né? Tende a ser mais

restrita. Então eu acho que vai da metodologia do professor, quer dizer, como que o

professor vai proceder, né? É ... , da experiência do professor, que ele oferece e também

pegar a contribuição que o aluno traz. Já tô restringindo, o aluno, né? Já comecei aí a

restringir essa formação, é, que eu tenho, é, experiências, vamos dizer assim, na, numa

concepção de que eu tô, na verdade já tô restringindo, quer dizer, que o meu aluno não tem

nada a, a contribuir, já tô restringindo então eu acho que depende de como o professor vai

encarar essa forma de ensinar. Se ele vai trabalhar com o ensino da formação, né? Que o

cidadão, enquanto sujeito, enquanto elemento atuante, crítico, é, que vai conseguir ter um

desempenho mais ágil na sociedade, tá formando isso pra resolver questões, pejorativas,

pra ser questionador ou se ficar, entendeu? Fazendo ele virar um reprodutor do modelo que

tá aí. Aí eu penso que essa contribuição poderá ser maior ou menor de acordo com a

formação.

E: Pra preocupação da formação?

Isabel: Da Formação.

206

E: Eu acho que a gente já falou tudo sobre praticamente tudo, né? Agora só falta, assim, é,

quais os meios que você utiliza pra dizer que, se bem que você disse que não saberia dizer

onde a Educação Física, até onde as atividades físicas poderiam contribuir pra o

desenvolvimento da linguagem, você não sabe até aonde?

Isabel: É, eu tenho, eu posso dizer se contribui porque eu acho que tudo contribui, quer

dizer, o meio ambiente, esse meio é importantíssimo pro desenvolvimento da linguagem

porque você tem um meio próprio pra isso, né? Um meio com diferentes formas de

expressão, eu tenho impressão que isso contribui muito pro desenvolvimento da linguagem.

E: Que meios, você disse que o meio ambiente que contribui muito? É, poderia assim dizer,

que que você fazia, se é pela sua experiência, pela experiência do aluno, que você tem com

seus filhos, né?, ou outra contribuição, ou literatura, ou de testes que você aplicou...

Isabel: Não, eu nunca trabalhei nessa área de testes, eu, eu fico no eu acho porque é muito

experimental o meu, muito empírico, muita observação empírica. O Paulinho falou com dez

meses, pra mim foi um, ele falou em junho, ele fazia, fazia aniversário 13 de junho, e 13 de

junho ele disse mamãe, ele tinha dez meses, eu fiquei assim, que é isso, porque na minha

experiência, os outros dois ainda não tinham conseguido, foi bem mais tarde, ah, tem mais

estímulo, tem mais estímulo, né? Que eu escutava, então eu acho que essa é a idéia do...

(Aqui ocorre uma pequena interrupção)

Isabel: Essa é a idéia mais empírica que dá nível pra eu dizer isso pra você. Então fica

assim: o meio é um, foi um meio rico pra que isso ocorresse, com certeza, porque ele

convivia, né? E eu penso, ele convivia com um grupo que tava o tempo inteiro dando esse

tipo de estímulo, né? Mas e os outros não estavam? Estavam, mas era a mãe e o pai, agora

não, é a mãe, o pai, os irmãos que são todos, né? Mais velhos, então, certamente, esse meio

deve ter enriquecido muito mais, mas tem as características da própria, da própria, do

próprio...

E: Meio?

Isabel: Não. Da própria criança, né? Também, lógico que tem, isso aí que, de certa forma,

colaborou. Mas, o que eu sempre ouço falar, que nunca estudei isso, sinceramente não sou

207

uma, uma pessoa que lê sobre isso, que estuda sobre isso assim de forma mais atenta, então

é mesmo mais de ouvir as pessoas que fazem falarem, né? E de ter algumas experiências

que mostram que esses estímulos são ricos e eu acho que, por que não o estímulo da

Educação Física ser mais um estímulo pra isso? Eu acredito que sim, mas não há, eu acho

que eu, o garoto, vou dar uma, vou te dar uma resposta que o Tomás deu uma vez num

congresso que deu o maior auê, aliás foi o Tomás, que disse assim pra professora, a

professora que fez a pergunta à mesa, sabe? É, disse assim, o tetraplégico, se eu não me

engano, não era nem o paraplégico, o tetraplégico não aprende a ler, escrever, etc., então

fica essa coisa, grosseiro isso, né? Eu acho grosseiro porque, claro que contribui mas fica

essa idéia de que aquele que não se movimenta, não tem Educação Física, ou por restrição

ou porque, por não ter tido oportunidade, ele também vai se desenvolver, claro que vai, mas

eu acho que aquele que tem uma, condições de ter vários estímulos de forma diferenciadas

tem chance de se desenvolver com uma riqueza maior de oportunidades e de, de

desempenho também, por que não? Mas aí é no nível do achismo mesmo porque eu não sei

se, te dizer, olha, o estudo tal mostra isso o outro mostra aquilo, não tenho essas referências,

de leitura, mas é, é assim sabe? A experiência mostra que tem desempenho sim, né? Agora,

que Educação Física é essa que vai levar determinadas promoções é que é a grande questão.

Que vem sendo a batalha que as pessoas, né?

E: Tá ótimo.

Isabel: Tá bom?

E: Excelente, bom demais.

208

ANEXO 8:

Entrevista 8: Fernanda, doutora em Educação Física

E: É, pra você, qual o papel que as aulas de Educação Física tem nas escolas? Que papel

ela tem pras escolas? Sobretudo de primeira à quarta, ou de quinta...

Fernanda: Eu acho, na escola, ela, do modo como ela é ... , é vivenciada hoje, ela tem um

papel de controle, de controle das crianças, né? É face à, bota as crianças prá fazer isso. A

Educação Física, é, pensando que ali ela vai ter um desgaste de energia e, com isso, ela

estará mais forte pra fazer as atividades de sala de aula. Então eu acho que tem uma

atividade instrumen... ela se caracteriza como uma atividade instrumental de controle do

comportamento das crianças, acho que é esse o papel que ela tem hoje, tá? Embora eu pense

que o papel dela não deveria ser esse. O papel dela deveria ser de, é, encaminhamento da

criança, de reconhecer, reconhecer essa, essas vivências corporais da comunicação que pode

fazer com esse corpo, com as outras, com as outras crianças, todo o interior dele, que ele

pode fazer, não creio que os professores trabalhem nesse sentido.

E: Ótimo. É, eu, alguma coisa já fica meio repetida, né? Nas entrevistas, se você já tiver

respondido aí você pode fazer até fazer um comentário, não, eu respondi anteriormente. É,

209

eu perguntei sobre o papel, né? Pras escolas, e agora a função das aulas de Educação Física

pras crianças? Você falou pra mim...

Fernanda: Eu acho que as crianças tem a função de expansão, né? Quer dizer, elas vivem, é,

dentro de uma formação esquadrinhada de aula, da sala de aula, elas vivem contidas, né?

Nos seus movimentos, então a aula de Educação Física é aquele momento assim de

expansão, de explosão do toda aquela energia delas que, que tá controlada, o momento em

que ela vai poder sorrir, ela vai poder gritar, ela vai poder, é ... , sentir emoções, vivenciar

emoções sem a censura que a sala de aula, a professora, os próprios colegas, né?, e tem

sobre ela. Na aula de Educação Física é um momento assim de, de expansão e muitas vezes

até de explosão mesmo, dessas energias contidas, amarradas, controladas.

E: É, pra sociedade, você acredita que exista algum, que a Educação Física representa

alguma coisa, que ela tem algum papel, para a sociedade? A gente falou das aulas...

Fernanda: Você tá se referindo a sociedade pais ou...

E: A sociedade como um todo.

Fernanda: Como um todo.

E: É.

Fernanda: É, eu acho sim, eu acho que tem essa idéia de que as pessoas que praticam, que

vão às aulas de Educação Física, elas tem um auto domínio, elas têm condição de ter mais

saúde, de criar hábitos de, de prática. Eu acho que a sociedade pensa nisso, e tanto pensa

nisso que põe os filhos pra praticar as atividades fora da escola, as atividades específicas

ligadas ao interesse deles e até atividades que venham tratar de recuperação de asma, de

desvios de coluna, algumas coisas assim, mamãe bota no balé porque a menina tem desvio

na coluna, é, bota no judô porque o menino precisa se auto controlar e, e bota na natação

por causa da, da asma e por aí vai, então a sociedade, eu acho, que tem uma idéia de, que a

prática da atividade física pode ser terapêutica também, em relação a, a aquisição de saúde.

Independente disso, há uma idéia de que é uma prática saudável, então colocou os filhos

naquela atividade, naquele momento, lhe dá uma possibilidade de, de crescimento, de...

E: É, isso aí...

210

Fernanda: Eu acho que a sociedade...

E: ... segurança...

Fernanda: Segurança para...

E: Pra família e...

Fernanda: Pra família.

E: ...consequentemente pra sociedade.

Fernanda: É.

E: Né? É interessante...

Fernanda: Então eu acho que a sociedade valoriza as aulas de Educação Física, né? Acho

que o grupo interno da escola é que tem uma finalidade instrumental específica: controlar as

crianças, né? Quer dizer, porque a escola toda exerce controle, então a escola toda exerce

controle e as aulas de Educação Física seguem, naturalmente, a ideologia da escola.

E: É, você consegue observar ou você tem já alguma posição definida em relação ao

rendimento escolar e as atividades físicas, né? Que há uma, as atividades físicas ou

corporais, você acha que existe uma relação, que as atividades físicas favorecem ou que não

favorecem o rendimento escolar?

Fernanda: Olha só, eu penso que cognições se formam a partir de atividades de movimento,

eu penso isso, agora, a questão de alto, baixo rendimento, no meu entender não, não tem

relação, né? Porque há pessoas que não, não praticam atividade nenhuma e são altamente

inteligentes e tem um rendimento alto, eu não po..., eu desconheço pesquisas que

comprovem essa relação de causa e efeito e, no meu ponto de vista, eu penso assim, quem

pratica uma atividade física tem mais controle sobre si, vai ter mais disciplina, vai ter mais,

é, metodolo..., métodos de estudos, vai ter condição metodológica de se estudar, de se, de

organizar os horários de estudo, né? Vai, é, se tranqüilizar mais, então tem mais

disponibilidade, né? Para os aprendizados. Agora, há pessoas que não fazem, não praticam

essa atividade e também conseguem, é, essa auto disciplina, essa, essa disponibilidade pra

isso. Então eu creio que não haja uma relação direta, né? Acho que há facilitação de

aprendizagens pelo movimento, acho que, é, há uma, pode haver uma associação de

211

facilitação das aprendizagens, quer dizer, umas aprendizagens corporais se tornam mais

facilitadas, as, as aprendizagens realizadas através, é, de movimentos corporais serão mais

facilitadas porque é aquilo que tem escrito, né? No próprio corpo, é uma coisa mais

concreta, mais concreta, mas não sei se, não sei não, eu não acredito que haja uma relação

direta, né? Eu acho que é uma questão de aprendizagem concreta pra uma aprendizagem

mais abstrata, mais complexa.

E: É, o desempenho, quer dizer, essa questão aqui tá meio, meio repetitiva... (comentário

técnico)

Fernanda: Não tem problema, depois você elimina ela. (Idem)

E: Pode... (Idem)

Fernanda: Depois você elimina. (Idem)

E: É, pra você falar um pouco da relação do desempenho físico com outros aspectos do

rendimento físico, né? Ou, quer dizer, nem é rendimento físico, desempenho físico, o

desempenho escolar e outros aspectos da vida, se bem que eu acho que você já associou aí,

até mesmo a concentração, as disciplinas, né?

Fernanda: Eu acho que favorece por exemplo, eu acho que favorece relacionamentos, né?

Acho que favorece a questão da organização do tempo, a organização de tempo, que é uma

coisa, que a criança tá na fase de aprendizagem, né? Fase de aprender isso, a organizar seu

tempo, que momento ela tem, é, se ela pode se expandir, se no momento ela tem que se

concentrar, em que momento ela tem que produzir, em que momento ela tem que deleitar,

né? Então eu acho que a atividade física, o jogo principalmente, é, facilita, é, essas

aprendizagens, né? Isso feito ainda coletivamente vai ajudando que ele vá se conhecendo,

conhecendo suas emoções, que momento ele tem que, é, se auto controlar, que momento ele

pode ser mais agressivo ou o que que significa ser agressivo na, na reação com o outro, o

que significa ser amoroso na relação com o outro, então eu creio que essas coisas, essas

atividades, na prática, na vivência, elas são atividades de vivência, né? É, enriqueçam, na

educação da criança.

E: Você acha que, então, um aspecto assim, é, um aspecto forte das atividades?

212

Fernanda: Hum, hum.

E: Das atividades físicas, né?

Fernanda: É, se ela for planejada com essa intencionalidade.

E: Ah, tá.

Fernanda: Porque se não for, eu acho que, ela não consegue prejudicar porque as crianças se

auto regulam, né? Quer dizer, elas, elas se organizam sozinhas e, mas só que fica uma coisa

mais ligada a, ao entretenimento, não tem tanta essas intencionalidades pedagógicas que o

professor poderia, é, desencadear com atividade, entendeu?

E: Você acha que a Educação Física, é, num vou dizer a Educação Física, né? Que a gente

tá trabalhando com a, as atividades físicas, né? Podem contribuir, sobretudo a escolar, pro

desenvolvimento da linguagem verbal?

Fernanda: Eu creio que se o professor tiver um planejamento, intencionalmente organizado

pra que a criança desenvolva “n” modos de comunicação corporal, realmente ela vai

contribuir, né? Porque se a gente analisar o quotidiano da escola, a criança entra, é, fica

atrás de uma carteira um número “x” de horas, é, tem um movimento que é um movimento

de levar o olhar pro quadro, o máximo que ela faz é implicar lateralmente, né?, a nível do

horizontal, é, as outras crianças, é sempre um, uma linguagem, é, verbal que é determinada

pela professora quando ela pode e quando ela não pode falar, então se a gente tiver uma

Educação Física organizada, planejada pelo professor com a intencionalidade de, é,

favorecer a expansão das diferentes comunicações, né?, quer dizer, que ele seja capaz de,

com o corpo dele, construir determinadas mensagens, se ele for capaz de ler o corpo do

outro no seu próprio, né? É, determinadas mensagens, como acontecem nos jogos, porque

os jogos são assim, você não joga a bola pra frente indiscriminadamente, você joga, é, não

verbalmente, você joga pro outro que compreende o seu ato e se desloca prum determinado

lugar e recebe a bola de você, nem podia gritar, agora vou passar a bola pra você, chega pra

lá, não é assim, o outro capta, né? É, numa leitura corporal, o gesto que você, é, antecipa,

ele tem uma antecipação motriz, quer dizer, se antecipa ao que vai, o que vai fazer, né? É,

em termos gestuais e aquele colega numa sintonia de comunicação, se desloca pra um

213

determinado local e recebe essa bola. Assim é nas lutas corporais, quer dizer, você vai

lendo no corpo do outro se o cara vai atacar, se vai ras..., vai se defender. Então eu acho que

a Educação Física tem essa riqueza, as atividades corporais e a Educação Física deveria ser

trabalhado mais intencionalmente isso, né? Quer dizer, a, o desenvolvimento das diferentes

linguagens, né? Quer dizer, a linguagem corporal, é possível que, pode transformar

determinada mensagem num, numa linguagem de sinais do corpo numa linguagem de

desenhos, e por aí o professor vai vivenciando.

* (risos)

E: E, é, da mesma forma não, voltando a pergunta, pra formação do conhecimento? A nível

de bagagem, a nível de abertura pra receber as informações, pra captar o conhecimento, o

mesmo conhecimento que é passado na escola e os conhecimentos adquiridos, né? Nas

outras situações, você acha que a Educação Física pode contribuir pra alguma coisa, é,

contribuir assim, que dê resultados mesmo, resultado positivo.

Fernanda: É, eu tenho dúvida de responder essa, não sei se vai ajudar.

E: Adquirir mais conhecimentos?

Fernanda: Aquilo que eu já coloquei antes em relação se ele tiver uma, uma auto disciplina,

uma condição de organização do próprio tempo, ele terá mais disponibilidade de atenção,

de concentração e daí ele estará em approach das aprendizagens e ao estar em

disponibilidade ele vai produzir um conhecimento, agora eu duvido um pouco da qualidade

das aulas que vêm sendo ministradas. Não, por “n” pesquisas que a gente tem por aí, que já,

já determinaram, então não sei se ela tá contribuindo ou, no meu entender ela contribui

mais pro controle da criança do que propriamente pra, pra expansão dela, pra criação, eu

acho que as atividades são extremamente automatizadas, pouco criativas, acho. Eu tô, eu

estou fora de sala de aula há mais de dez anos, quer dizer, nem com estagiário eu não tô

trabalhando, então pode ser que eu esteja bastante desatualizada e eu, eu não tenho

acompanhado, pode ser que eu esteja bastante desatualizada.

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E: O que circula, né? É o que a gente normalmente, é, o que circula é que eu acho que é o

que tá acontecendo, né? Que a gente fica sabendo, eu acho que as aulas de Educação Física

ainda tem muito a crescer.

Fernanda: Hum, hum.

E: Então não sei. É...

Fernanda: Agora o que faltou te dizer é o seguinte: é um espaço de muita convivência, aula

de Educação Física, é um espaço de muita convivência, né? Quer dizer, há um clima de

muita confiança no professor de Educação Física, há um clima de alegria, é, de

disponibilidade do próprio professor pra ouvir os alunos, pra vivenciar, é, brincadeiras

próprias da idade dele, mais é a aceitação do aluno como é, eu acho que é um espaço assim.

Agora, mesmo assim, com essa doçura toda, na realidade o professor quer é colocar o aluno

na linha, né? Colocar o aluno, é, obediente.

E: Ô Fernanda, que meios que você utiliza pra verificar, em relação a formação do

conhecimento você acha que é mais de controle, que a Educação Física tá mais voltada pro

controle, que é o que circula. Você já justificou falando que tá afastada, né? É, em cada,

você me deu praticamente uma resposta negativa, poderia considerar assim? Ou é um meio

termo?

Fernanda: Eu não tenho segurança, talvez eu esteja no meio termo, eu acho que,

intelectualmente, eu não sei se eu posso dizer negativo, por isso que eu tô te dizendo que,

eu tenho medo das...

E: É, você tem dúvida por que? Porque você não tá na prática ou porque a leitura não

comprova, a literatura nunca provou nada, nunca provou assim, você nunca teve acesso a

algum tipo de literatura nesse sentido.

Fernanda: É, não tenho acesso a pesquisas nesse sentido, a que, as duas coisas, eu não tenho

acesso e tô afastada dessa, dessa prática. Eu, a idéia minha é o seguinte, da visão de hoje, é

muito mais na forma, entendeu, de, de, é, organizar a criança para o estar disponível para a

aprendizagem do que propriamente uma relação direta com o conteúdo, quer dizer, a

215

formação do conhecimento. Pode ser um absurdo nesse momento isso que eu estou

pensando.

E: E em relação a linguagem, eu diria, eu te perguntaria assim então, que meios que você

utiliza, né? Pra, pra falar essas coisas que você falou, é tudo baseado na sua experiência ou

são as suas crenças mesmo, eu não diria verdades, né? Mas os seus conceitos...

Fernanda: Você diria que eu falei sobre o que?

E: Sobre a relação do conhecimento, como a relação da linguagem, da forma como você

colocou, que a gente já abordou sobre isso, né? Que meios que você utiliza... (Fernanda

interrompe a pergunta para responder)

Fernanda: Eu acho que o meio que eu utilizei foi, foram as coisas que eu li, é, as coisas que

eu li e as coisas que eu vivi na escola.

E: E que você vê ainda hoje, poderia dizer assim? Assim, baseados em dados, em testes, ou

alguma coisa assim?

Fernanda: Não, não, não, claro que não. É, literatura ou escrita mas, é, não literatura

comprovada, porque não é muito a minha área, não é a minha área, aprendizagem motora,

velocidade, então eu não tenho, é, profundidade nisso, então eu não tenho dados, eu não

fico lendo, não fico, não é do meu interesse viver lendo, mas, do conhecimento que eu

tenho dessa área e mais o que eu vivenciei na escola.

E: Tá ótimo professora.

Fernanda: Ah, tão rápido.