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REPRESENTAÇÃO SOCIAL DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO
FÍSICA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE AS ATIVIDADES FÍSICAS
E O DESEMPENHO ACADÊMICO
por
Elaine Valéria Rizzuti
______________________
Dissertação Apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação Física da
Universidade Gama Filho
Como Requisito Parcial à Obtenção do
Título de Mestre em Educação Física
Maio, 1999
2
REPRESENTAÇÃO SOCIAL DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA
SOBRE A RELAÇÃO ENTRE AS ATIVIDADES FÍSICAS E O DESEMPENHO
ACADÊMICO
Elaine Valéria Rizzuti
Apresenta a Dissertação
Banca Examinadora:
_____________________________________
Prof. Dr. Sebastião Josué Votre
- Orientador -
______________________________________
Profª. Doutora Ludmila Mourão
_______________________________________
Prof. Tarso Bonilha Mazzotti
Maio, 1999
3
Dedico esse trabalho a Deus, ao meu Anjo da
Guarda, que estiveram sempre junto a mim.
Ao meu orientador, Prof. Sebastião Josué
Votre, por ter me ajudado a realizar esse
projeto de vida. Grande mestre que, com sua
insuperável capacidade intelectual e
profissional, soube sempre transmitir seus
conhecimentos com humildade, sabedoria e,
sobretudo, sem reservas. Erudito por
merecimento e sem orgulho por natureza, com
uma postura carinhosa, fraternal e amiga,
acreditou firmemente na minha capacidade, da
qual eu mesma duvidava.
4
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, exemplo de simplicidade e de amor puro, verdadeiro e perene.
Ao meu pai, pela sua capacidade de compreensão, pelo seu legado de responsabilidade,
honestidade e alegria, sempre.
À vovó Lia, com seus 90 anos e muita lucidez, que respeita nossos caminhos de
aperfeiçoamento, que a vida não lhe proporcionou.
Ao Preto, meu marido, apesar dos vislumbres e sintomas de desamor sentido pelos meus
momentos de ausência, incentivou-me a trilhar o caminho para a concretização desta etapa,
que com certeza, não foi só minha, mas dele também.
Aos meus irmãos, Vicente, Sônia, Neném, Didico e Julinho, presença sem a qual minha
vida não teria sentido, e que com orgulho e vaidade participaram felizes desta trajetória.
Ao meu irmão Marco Antônio, que com desprendimento financeiro auxiliou os custos do
meu curso de graduação e, ainda hoje, extremamente solidário e cooperativo, aguarda com
ansiedade a conclusão do meu curso de mestrado.
Aos meus queridos e amados sobrinhos, que sempre me encheram de motivação,
modelando-me e impulsionando-me intensamente a produzir, com suas formas singulares e
especiais de amar. De quem também tomei emprestado os nomes que configuram os nomes
fictícios dos informantes.
Ao Daniel e à Sabrina, filhos do meu marido, pois os incluí em minha vida e deles não me
separarei.
5
Ao meu tio Boião, e aos meus cunhados Pedrão, Fernando, Isabela, Odaléa e Valdete
pela afetividade surpreendente que me garantiram neste percurso.
A todos os meus familiares, que me acompanharam contemplando a minha vontade.
À Profª. Ludmila Mourão, a quem com toda admiração, agradeço pela capacidade de
cooperação e compreensão.
À Profª. Vera Lúcia de Menezes Costa, pelo carinho e amizade que me dedicou.
Ao Prof. Lamartine Pereira DaCosta, por ter aceitado o desafio de investir em mim.
A todos os Professores do Programa de Mestrado, pela capacidade de ensinar.
Aos meus companheiros e amigos de mestrado, em especial, Randy, Simone, Silvana,
Eveline e Geraldo, que me ensinaram e me ajudaram a dimensionar e, até ampliar as várias
formas de amar.
Ao Fabiano e à Márcia, pelos momentos compartilhados de angústia, ansiedade e
cooperação.
À FUNREI, instituição em que trabalho, e ao DECED, meu departamento de origem, que
permitiram e favoreceram minha liberação.
À CAPES, pelo apoio financeiro.
A Fabri, Néa, Emília, Homero, Vanessa e Renato, que sempre me atenderam
prontamente.
Às funcionárias da Biblioteca, Socorro, Vera, Cida e Dona Lêda, pela gentileza da
atenção.
A todos os meus amigos, desta e de “outra vida”, que se fizeram presentes, sempre.
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RIZZUTI, Elaine Valéria. (1999). Representação social dos professores de Educação
Física sobre a relação entre as atividades físicas e o desempenho acadêmico.
Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: PPGEF/UGF.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Sebastião Josué Votre
RESUMO
Este estudo apresenta-se com o objetivo de repensar o valor atribuído às atividades
físicas escolares junto ao corpo docente. Esse valor retira delas seu caráter lúdico e lhes
atribui um caráter utilitário, no sentido de servirem para algo, independentemente da
maneira como são desenvolvidas. As atividades físico-desportivas são importantes para o
desenvolvimento humano, sem, contudo, aparecer na prática o que de fato ocorre e qual a
melhor maneira para se alcançar favoravelmente o desenvolvimento humano, sobretudo em
relação à formação do conhecimento e ao desenvolvimento da linguagem verbal. Em
termos específicos, este estudo foi organizado de modo a captar os pontos convergentes e
divergentes de quatro teóricos do desenvolvimento humano e identificar as representações
sociais de oito professores de Educação Física sobre a possível relação entre as atividades
físicas, a formação do conhecimento e o desenvolvimento da linguagem verbal - que se
configuram, para efeitos desta dissertação, como desempenho acadêmico. Através da
análise do discurso, no tratamento dado às entrevistas que foram realizadas tentou-se captar
o núcleo central e o sistema periférico como elementos dinâmicos dessas representações
sociais. Concluiu-se, em termos gerais, que há uma crença, crença segundo a qual as
atividades físico-desportivas são importantes para a formação do conhecimento e da
linguagem verbal. No entanto, essa crença vai se desconstruindo à medida que aumenta o
nível de formação e de prática profissional dos informantes. A supervalorização das
atividades físico-desportivas na escola vai paulatinamente dando lugar à representação
social da Educação Física como área que beneficia todo e qualquer indivíduo quando
considerada como espaço sócio-educativo do prazer, e não que elas sejam detentoras de
7
benefícios poderosos que se transferem integralmente para o desenvolvimento pleno do ser
humano.
RIZZUTI, Elaine Valéria. (1999). Social representation of the Physical Educations teachers
about the relation between physical activities and academic performance. Dissertação
de Mestrado. Rio de Janeiro: PPGEF/UGF.
ADVISER: Prof. Dr. Sebastião Josué Votre
ABSTRACT
This study is presented with the objective to review the value attributed to the
schollar physical activities close to the teaching staff. This value take out of them their
playful character and also confer to them an utilitarian character, in order to be useful
independent of the way how they are developed. Physical sport activities are important for
the human development, without appearing in practice what in fact happens, and which is
the best way to obtain favorably the human development, above all in relation to the
formation of the knowledge and development of verbal language. In specific terms, this
study was organized in order to pick up the converging and disserting points from four
theoretician of the human development, and to identify the social representation from eight
Physical Education teachers about the possible relation between the physical activities, the
knowledge formation and the development of verbal languages which configures to this
dissertation as an academic performance. Through the speech analysis, in the treatment
given to the interviews which were done, we tried to pick up the central and peripheral
system as dynamic components of those social representations. We concluded, at all, that
there is one belief, in which sport physical activities are important to the knowledge
formation and verbal language. Although this belief starts to fail, as the formation level and
practice of the professionals increase. The high appreciation of the sport physical activities
at school will gradually give place to the social representation of Physical Education as an
area which benefits any individual when it is considered as a social educational way for
8
pleasure, and not being as holders of powerful benefits which are totally transfered to the
complete development of the human being.
ÍNDICE
Página
Capítulo I
I. O PROBLEMA ................................................................................... 10
Capítulo II
II. SUPORTE TEÓRICO ......................................................................... 20
. Teorias sobre o desenvolvimento humano .............................................. 21
. Síntese da proposta dos autores da psicologia do desenvolvimento ........ 34
. A Teoria das Representações Sociais ..................................................... 38
. Propostas de abordagem pedagógica da Educação Física ....................... 45
Capítulo III
III. METODOLOGIA ............................................................................ 52
. Etnometodologia ................................................................................... 53
. Contribuições de Richard Rorty ............................................................. 54
. Análise do Discurso ............................................................................... 56
. Sujeitos do estudo ................................................................................. 58
9
. Instrumentos para a coleta de dados ...................................................... 58
Capítulo IV
IV. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ............................ 64
. Análise vertical do conteúdo de cada entrevista ................................... 65
Entrevista 1 - mestrando em Educação Física ............................. 66
Entrevista 2 - mestre em Educação Física ................................ .. 70
Entrevista 3 - mestranda em Educação Física .............................. 75
Entrevista 4 - doutorando em Educação Física ......................... . 82
Entrevista 5 - especialista em Educação Física ........................... 87
Entrevista 6 - doutorando em Educação Física ........................... 93
Entrevista 7 - doutora em Educação Física ............................... 100
Entrevista 8 - doutora em Educação Física .............................. 107
. Análise horizontal das entrevistas ..................................................... 112
. Análise do questionário ..................................................................... 118
Capítulo V
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES .............................. 123
VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................... 127
10
. ANEXOS: Entrevistas transcritas .................................................... 131
I. O PROBLEMA
Introdução
O interesse em compreender a relação entre performance físico-desportiva e
desempenho cognitivo e verbal manifestou-se claramente para a autora em 1984, em uma
escola pública de São João Del-Rei, onde, ministrando aulas de Educação Física da 5ª à 8ª
série do 1º grau, observou que uma turma de 8ª série apresentava bom, senão muito bom
desempenho físico-desportivo, espírito cooperativo, criatividade e determinação. Constatou
ainda que, coincidentemente ou não, e correlacionando-se positivamente com as múltiplas
maneiras de se expressarem nas aulas de Educação Física, esses alunos eram brilhantes
também nas demais atividades de sala de aula, tendo essa turma sido considerada pelos
professores da escola como a de melhor desempenho acadêmico. A temática da correlação
positiva entre desempenho físico-desportivo e desempenho cognitivo e verbal tornou-se,
para a autora, extremamente interessante e passível de ser investigada, culminando em
Monografia apresentada no Curso de Especialização em Educação Física e Desporto
Escolar, realizado em 1990 na Universidade Federal de Viçosa; e hoje constitui-se como
objeto de estudo para esta Dissertação de Mestrado1
.
1 Esse trabalho foi apresentado para a disciplina “Bases Teóricas da Educação Física, Esporte e Lazer”, 97.1,
sob a coordenação do Prof. Dr. Lamartine Pereira DaCosta, no Programa de Pós-Graduação em Educação
Física da Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro.
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O ponto de partida da presente pesquisa foi um trabalho realizado em 19971 , cujos
resultados foram apresentados na AISEP - Congresso Mundial de Educação Física, sob o
título: Importância das Atividades Físicas no Desenvolvimento Cognitivo Sob a Ótica dos
Profissionais de Educação Física2 . Ao se considerar o movimento como principal objeto de
estudo da Educação Física, bem como um dos aspectos mais significativos para o
desenvolvimento do ser humano – pois é através dele que o homem se relaciona com o
meio ambiente –, assumiu-se como relevante verificar seu papel como contribuição para o
desenvolvimento cognitivo.
Os movimentos corporais são típicos de todas as atividades humanas, quer na fase
do recém-nascido, da criança, do jovem, do adulto ou do idoso. Dentro das atividades há
que se considerar o quotidiano, as atividades de rotina, o trabalho, o lazer e, sobretudo,
qualquer atividade física. Sendo assim, é lícita a presença do corpo como o principal
veículo ou objeto do estudo que se propôs.
A primeira manifestação do homem enquanto ser vivo é o movimento e, como
manifestação de vida, este é fator essencial em todo o seu processo de desenvolvimento.
"Os movimentos são de grande importância biológica, psicológica, social, cultural e
evolutiva; pois é através dos movimentos que o ser humano interage com o meio ambiente"
(Tani et alii, 1988, p.13).
Por outro lado, é fundamental o desenvolvimento cognitivo. Guilford (apud
Magill, 1984) considera a cognição como um conjunto de atividades intelectuais cuja
2 São autores deste: Elaine Valéria Rizzuti e Prof. Sebastião Josué Votre, 1977 (mimeo.).
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característica comum é aquilo que o organismo faz com a informação de que dispõe.
Descoberta ou reconhecimento de informação (cognição), retenção ou armazenamento de
informação, geração de informação a partir de certos dados e tomada de decisão ou feitura
de julgamento acerca da informação, são atividades que ocorrem no domínio cognitivo.
Existe embasamento teórico para elucidar tanto o desenvolvimento motor quanto o
desenvolvimento cognitivo. Depara-se, no entanto, com a escassez de literatura (pesquisas
teóricas e/ou empíricas) no que diz respeito à relação entre cognição e movimento, de
maneira que possa evidenciar a importância dos movimentos na formação da inteligência,
bem como o papel do cognitivo no mecanismo de performance motora humana. Tani et alii
(1987) defendem a idéia de que as experiências motoras iniciadas na infância têm uma
importância fundamental para a cognição:
"A criança obtém as primeiras informações do mundo através da
exploração do meio ambiente, utilizando movimentos para isso. Acredita-
se que a atuação motora da criança é a base para todo desenvolvimento
cognitivo posterior." (p.6)
Os mesmos autores chegam a afirmar que
“a programação e controle de ações motoras são funções da cognição (...) a
maior capacidade de elaboração, planejamento, raciocínio e outras funções
do domínio cognitivo terão influência direta sobre o comportamento motor.
No mesmo tempo, o papel do movimento no desenvolvimento da cognição
é vital.” (p.118)
13
O movimento humano constitui-se em um dos principais objetos de estudo da
Educação Física, mesmo que através de uma visão fragmentada no que diz respeito ao ser
humano. Assim, o objetivo central do trabalho que realizamos em 1997 foi, considerando o
ser humano como um todo, investigar a inter-relação entre cognição e movimento, bem
como a influência de um sobre o outro. Nosso objetivo específico era avaliar o papel do
movimento como um meio para o desenvolvimento cognitivo e verbal, sobretudo para
crianças da 1ª à 4ª série do 1º grau.
A metodologia do estudo envolveu, além da revisão da literatura da área, entrevistas
com cinco professores graduados em Educação Física, que ministravam aulas para a 1ª série
do 1º grau de escolas particulares da Zona Sul do Rio de Janeiro, onde se procurou
identificar as Representações Sociais sobre o binômio cognição e movimento existentes em
seus discursos. Verificou-se, através da análise de conteúdo das entrevistas, que os
informantes apresentavam dificuldades enunciativas na elaboração das respostas,
dificuldades essas claramente evidenciadas pelas pausas entre palavras e frases, pela
repetição expressiva de palavras, pela fala entrecortada, entremeada de gaguejos, e também
por falsos começos e recomeços quando se deparavam com o binômio cognição e
movimento. Ainda no decurso da análise de conteúdo das manifestações verbais, percebeu-
se que as idéias pareciam estar sendo formuladas pela primeira vez no ato da fala, tendo em
vista a falta de fluência na comunicação, denotando surpresa, falta de informação ou pouca
familiaridade com o tema.
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Pôde-se inferir, assim, que os informantes, embora afirmassem acreditar de forma
incisiva na contribuição das atividades físicas para o desenvolvimento cognitivo de crianças
da 1ª à 4ª série do 1º grau, deixavam vagas as justificativas para tal afirmação, ora
reproduzindo como argumento elementos da psicomotricidade (o que não havia sido
focalizado no roteiro da entrevista), ora atribuindo o fracasso dessa possível contribuição à
estrutura social desordenada, à estrutura escolar fracassada e mesmo à falta de competência
dos profissionais que trabalhavam com as crianças.
Em vista do caráter inconclusivo desses resultados – devido, inclusive, à
característica meramente exploratória do estudo realizado em 1997 – , e persistindo o
interesse da autora em aprofundar a análise das Representações Sociais dos professores de
Educação Física sobre a relação entre atividades físicas e desempenho acadêmico, este é o
tema da presente pesquisa.
Desenvolvimento do estudo
Ao examinarmos o processo de desenvolvimento da criança, como a formação do
conhecimento, as várias manifestações da inteligência, os hábitos motores (inatos e
adquiridos), a linguagem, o pensamento, a afetividade, a sociabilização e, sobretudo, sua
interação com o meio circundante; percebe-se que há um conjunto de questões que
constituem preocupações na área de atuação dos profissionais de Educação Física, em
15
função da necessidade de compreensão das formas e conteúdos da expressão humana, dos
movimentos e das correlações entre essas dimensões.
A partir dos resultados do trabalho realizado em 1997, e constatadas as dificuldades
inerentes à interpretação das posições assumidas pelos professores entrevistados a respeito
do binômio cognição e movimento, impôs-se, primeiramente, a necessidade de uma ampla
revisão da literatura sobre o desenvolvimento humano em suas múltiplas dimensões. Os
estudos de quatro importantes teóricos dessa área são focalizados: em Jean Piaget, o
processo de construção do conhecimento no indivíduo desde a infância; a teoria de Lev S.
Vygotsky sobre a linguagem enquanto sistema de signos; a teoria de Alexandr R. Luria
sobre linguagem e desenvolvimento intelectual; e a teoria de Henri Wallon sobre a estreita
interdependência do biológico e do social desde o nascimento do ser humano. Buscaremos,
nessa revisão, estabelecer os pontos de convergência e divergência dos autores
selecionados.
Paralelamente, são abordados os postulados da linha de pesquisa sobre as
Representações Sociais, iniciada por Serge Moscovici em 1961, principalmente através das
contribuições de Jean-Claude Abric, Denise Jodelet e Sandra Jovchelovitch. A
Representação Social tem uma lógica e uma linguagem particulares, e uma estrutura de
implicações que assenta em valores, conceitos, teorias e ciências coletivas sui generis,
destinadas à interpretação e elaboração do real (Moscovici, 1978). A organização desses
elementos se dá através das interações sociais, pelo universo do quotidiano, pelas falas e
discursos homogeneizantes que circulam e se cristalizam em nosso meio, como as crenças e
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o senso comum, sendo estes os objetos de análise daqueles que se dedicam à pesquisa das
Representações Sociais.
Partindo do pressuposto de que as interações sociais são campos instituintes de
nossas ações, investigaremos, então, as Representações Sociais de professores de Educação
Física de diferentes níveis de especialização, sendo que os professores graduados
configuraram a amostra do estudo preliminar, sobre os processos interacionais em que se
verifica a manifestação dos hábitos motores, a formação do conhecimento e da linguagem
como um sistema social complexo de signos e de "sinais coletivos" da criança, que
favorecem suas interações e ações no mundo, como uma fonte promissora de "questões
produtivas e contribuições construtivas" para a compreensão das representações sociais das
atividades físicas educativas.
Objetivos do estudo
Tendo como fontes de sustentação teórica as obras de Piaget, Vygotsky, Luria e
Wallon sobre o desenvolvimento humano e os postulados da linha de pesquisa sobre
Representação Social, o presente estudo tem como objetivos:
- mapear as representações sociais dos professores de Educação Física sobre a influência
das atividades físicas desenvolvidas no contexto escolar na formação do conhecimento e da
linguagem verbal;
- identificar as possíveis relações convergentes, divergentes ou nulas entre as
Representações Sociais dos professores de Educação Física sobre a relação entre as
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atividades físicas desenvolvidas no contexto escolar, a formação do conhecimento e da
linguagem verbal.
Atingidos estes objetivos, poderão ser ou não confirmadas as seguintes questões a
investigar:
1) A crença dos professores de Educação Física na relação entre atividade física, formação
do conhecimento e da linguagem verbal decorre de uma necessidade de legitimação
enquanto disciplina heurística no espaço escolar, devido a um certo complexo de
inferioridade e estigma das atividades físicas ou corporais que circula ainda em nosso
meio, onde não se definiu sequer se a Educação Física é uma área de conhecimento, uma
ciência da motricidade humana ou uma prática pedagógica.
2) O discurso da relação entre atividade física e construção do conhecimento e da
linguagem verbal decorre da apropriação do discurso cientificista da psicomotricidade.
3) O discurso da relação entre atividade física e construção do conhecimento e da
linguagem verbal oculta a prática de controle social e disciplina para a manutenção da
ordem escolar.
4) O discurso acadêmico (Piaget, Vygotsky, Luria e Wallon) comprova parcialmente as
crenças dos docentes representados pela amostra aqui adotada.
Justificativa
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Na trajetória do Curso de Mestrado, à medida que o contato com o conhecimento
mais sistematizado e, em contrapartida, multifacetado, foi nos proporcionando um
amadurecimento intelectual, desconstruiu-se uma verdade na qual estávamos mergulhados:
a certeza da presente, marcante e forte correlação positiva entre as atividades físicas,
sobretudo as desenvolvidas na escola de 1a. à 4
a. série, para o desenvolvimento integral
(motor, cognitivo, verbal e social) do ser humano. A descristalização dessa certeza foi
ocorrendo ao longo do Curso, e com o presente estudo estamos em busca de resultados
objetivos que contribuam para confirmar ou não uma possível relação entre as atividades
físicas, a formação do conhecimento e da linguagem verbal.
Procuraremos cristalizar ou descristalizar os pressupostos, valores ou visões da
"reificação" das atividades físicas escolares na formação do conhecimento e da linguagem
verbal, através da revisão dos autores selecionados e da análise das Representações Sociais
dos professores de Educação Física – sobretudo os saberes e crenças que poderão
corresponder a uma conduta, movimento, pensamento ou sentimento de necessidade. Não
só o esforço dos autores que aqui serão contemplados, mas o de todos aqueles que, por
razões diversas, insistem nessas investigações sobre o fantástico e mágico funcionamento
da mente humana ou outras terminologias que representam esse funcionamento e
desenvolvimento de todas as funções inerentes e vitais ao ser humano.
Relevância
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Este estudo é relevante por propor-se a investigar o processo de consolidação das
Representações Sociais sobre uma possível contribuição das atividades físicas
desenvolvidas na escola, sobretudo da 1ª à 4ª série do 1º grau, para a formação do
conhecimento e da linguagem verbal. Considera-se importante também ressaltar que esta
discussão das RSs sobre a relação entre as atividades físicas e desempenho acadêmico pode
criar um contexto próprio, que venha a fertilizar a própria dinâmica da prática dos
professores de Educação Física, tendo em vista que, ainda hoje, essas práticas são bastante
mecânicas e visam, prioritariamente, o bom desempenho e o rendimento motores.
Pressupõe-se que tal discussão não é freqüente entre os professores de Educação Física.
Neste estudo tem-se também a intenção de abrir novos caminhos, no sentido de
quebrar a idéia de separação artificial entre os distintos domínios do desenvolvimento, que
“mostra” que a atividade física e educativa é considerada, ainda hoje, nas escolas, como
sendo uma atividade não-cognitiva. Sendo assim, a discussão, por si só, será profícua ao
proporcionar um debate provocativo entre o corpo docente da Educação Física.
20
II. SUPORTE TEÓRICO
Neste capítulo são apresentadas as fontes de sustentação teórica do presente estudo:
as obras de Piaget, Vygotsky, Luria e Wallon sobre o desenvolvimento humano e os
postulados da linha de pesquisa sobre a Teoria das Representações Sociais. Considerando
que durante a realização deste trabalho nos deparamos com questões que envolviam os
objetivos, métodos e formas de trabalho da Educação Física, a terceira seção deste capítulo
traz um breve mapeamento das propostas de abordagem pedagógica da Educação Física,
através de alguns autores de maior influência em nosso meio acadêmico.
Procuraremos identificar os traços e elementos identificadores das propostas de
cada um dos quatro autores selecionados. Será um exercício de apropriação, com vistas à
produção de nossa própria síntese e de uma redescrição das idéias desses autores no quadro
de nossa realidade educacional. A intenção é claramente de apropriação e reelaboração das
idéias, no contexto teórico-prático dos pontos convergentes e dos pontos divergentes. Isso
significa que estamos partindo do pressuposto de que os autores selecionados abordam
21
estes pontos sobre o desenvolvimento infantil por nós reconstruídos. Neste momento de
leitura e redescrição dos princípios norteadores de cada contribuição, trabalhamos sem uma
predileção específica, e optamos por uma leitura flutuante, associada ao esforço de nos
impregnarmos, progressivamente, dos traços das contribuições que se revelarem mais
pertinentes, mais marcantes, bem como dos elementos identificadores das concepções de
cada autor, sem, contudo, compará-los.
Teorias sobre o desenvolvimento humano
Jean Piaget
Pode-se dizer que Piaget é considerado hoje um clássico da psicologia. Recorre-se a
ele também em estudos centrados na compreensão da formação dos mecanismos mentais da
criança, quer na psicologia, na pedagogia e em toda a área da educação, com propostas de
métodos didáticos (cita-se como exemplo o construtivismo lançado por Emília Ferreiro,
cuja teoria é atribuída à capacidade do sujeito) e pedagógicos, na tentativa de facilitar a
aprendizagem da criança, explorando ao máximo suas potencialidades. Piaget tornou-se,
assim, fundamento para esses estudos, sendo utilizado, reciclado, aperfeiçoado e redescrito.
A teoria proposta por Piaget para a passagem do estado de menor para o de maior
conhecimento, processo pelo qual se dá a constituição do conhecimento científico, é
funcional - genético - e as formas [estruturas] são momentos nos quais há certo equilíbrio
instável próprio de cada etapa daquele processo. Piaget é estruturo-funcionalista, ou
defensor do estruturalismo genético. Sua dimensão mais significativa é a da continuidade
funcional do modo de operar “cognitivo” - comum a todos os homens -, a qual determina a
22
negação de ruptura epistemológica entre o senso comum e o senso científico. Para a
epistemologia genética é essencial sustentar a continuidade funcional entre o senso comum
e
o senso científico. Por esta continuidade se pode afirmar segundo Mazzotti (1999)3, que o
sistema cognitivo é aberto tanto na direção de maior capacidade operatória e, portanto, de
abstração; e no sentido orgânico, pelo qual se faz a “encarnação” daqueles processos nas
atividades biológicas dos humanos - tanto as sensório-motoras inatas quanto as não inatas.
Também há que se levar em consideração o momento sócio-histórico e as
condições que foram oferecidas para que Piaget semeasse suas idéias e teorias pelo mundo
acadêmico. Acredita-se que, se estas vingaram fortemente, é porque existiam e ainda
existem "crenças" e condições objetivas favoráveis a elas, senão os estudiosos não
recorreriam à teoria piagetiana, quer como meio de sustentação aos seus estudos, quer como
utilização para críticas epistemológicas sobre elas.
O foco central utilizado neste estudo sobre Piaget será sua concepção sobre a
linguagem, o pensamento e o conhecimento na criança, atentando-se para as fases
estruturais e a expressão dos movimentos, sem a preocupação em descrevê-las ou copiá-las
ipsis litteris.
Em seus estudos, Piaget dedicou-se sobretudo no livro A Epistemologia Genética
(1971), à questão do sujeito epistêmico, isto é, ao processo de construção do conhecimento
no indivíduo desde a sua infância. O desenvolvimento da criança, segundo ele, é
23
essencialmente progressivo e contínuo, caracterizando-se por uma profunda unidade
funcional mas apresenta também elementos variáveis, pela construção contínua de
estruturas
de conjunto, cada vez mais livres dos dados imediatos e exigindo uma atividade original,
diferente de uma criança para outra. Piaget se propõe a examinar a variedade de
conhecimentos a serem adquiridos pelo sujeito, “desde as formas mais elementares, e seguir
sua evolução até os níveis seguintes, até, inclusive, o pensamento científico” (p.8).
Em conformidade com essa universalidade, em A formação do símbolo na criança
(1978), Piaget afirma que esses estágios, com seus subestágios ou fases, são hierárquicos,
"seguem uma seqüência invariável para todas as crianças de todas as culturas” (p.10) ,
tornando-se parte integrante da estrutura ou fase seguinte, sendo flexível somente a idade
em que isso ocorrerá, de acordo com a maturação da criança. Esse axioma, porém, se
desestrutura quando passa a ser criticado; no sentido de que não há uma lógica de
funcionamento em se tratando de "cultura", muito menos estabelecer, para crianças
deficientes, o mesmo desenvolvimento e funcionamento de estruturas internas de crianças
normais.
Em sua teoria a respeito do desenvolvimento mental da criança, Piaget enfoca
aspectos da evolução biológica, identificando estruturas para cada nível de idade,
mostrando como se adaptam mutuamente às exigências ambientais e como estas modificam
o que o ambiente exige; ou seja, a "adaptação" é o fator de equilíbrio dominante nas trocas
Tarso Bonilha Mazzotti, 1999. (mimeo).
24
entre o organismo e o meio ambiente (assimilação e acomodação)4 , sendo a inteligência o
que
permite ao sujeito lidar efetivamente com seu meio ambiente, alcançando seus objetivos.
Note-se, portanto, a relação sujeito-objeto tão presente nas obras do autor.
Resumidamente, passa-se às fases ou estágios de desenvolvimento para maior
entendimento da teoria piagetiana. Existem mecanismos funcionais e comuns a todos os
estágios, que são as ações, e “cada ação corresponde a uma necessidade”. Os seis estágios,
fases ou períodos de desenvolvimento marcam o aparecimento das estruturas que se
constróem ao longo dos anos, tais como a linguagem, o pensamento, a afetividade, o
movimento e ações sensoriais, perceptivas e sociais, permitindo, assim, ao sujeito, sua
interação com o mundo, pessoas e ambiente.
"1º) O estágio dos reflexos, ou mecanismos hereditários, assim como
também das primeiras tendências instintivas (nutrições) e das
primeiras emoções. 2º) O estágio dos primeiros hábitos motores e
das primeiras percepções organizadas, como também dos primeiros
sentimentos diferenciados. 3º) O estágio da inteligência senso-
motora ou prática (anterior à linguagem), das regulações afetivas
“... a noção de assimilação implica a de integração dos dados a uma estrutura anterior ou mesmo a constituição de
nova estrutura sob a forma de um esquema (repetir um mesmo gesto para alcançar um objetivo). No que se refere a ações
primitivas, não coordenadas entre si, dois casos são possíveis: no primeiro a estrutura preexiste por ser hereditária (por
exemplo os reflexos de sucção) e a assimilação consiste apenas em incorporar-lhe novos objetos não previstos na
programação orgânica. No segundo caso, a situação é imprevista. ( A Epistemologia Genética, 1971, p.18).
Acomodação será o processo complementar ao da assimilação, provocando mudanças na estrutura interna, adaptando o
corpo àquilo que foi assimilado.
25
elementares e das primeiras fixações exteriores da afetividade. Esses
três primeiros estágios constituem o período de lactância (até por
volta de um ano e meio a dois anos, isto é, anterior ao
desenvolvimento da linguagem e do pensamento). 4º) O estágio da
inteligência intuitiva, dos sentimentos interindividuais espontâneos e
das relações sociais de submissão ao adulto (de dois a sete anos, ou
segunda parte da primeira infância). 5º) O estágio das operações
intelectuais concretas (começo da lógica) e dos sentimentos morais e
sociais de cooperação (de sete a onze-doze anos). 6º) O estágio das
operações intelectuais abstratas, da formação da personalidade e da
inserção afetiva e intelectual na sociedade dos adultos
(adolescência)". (Piaget, 1997, p.15).
Pode-se dizer que, para Piaget, o pensamento é anterior à linguagem, sendo esta "o
núcleo motor da inteligência refletida” (1997, p. 17). Inteligência que se desenvolve por
meio de ações e abstrações, e não por meio da linguagem.
A tecnicidade com que Piaget desenvolve sua teoria permite conclusões às vezes
apressadas ou prematuras, podendo incorrer-se em erros passíveis de críticas pesadas e
indefensáveis. Como proposição, permitimo-nos silenciar no momento, para posteriormente
traçar um paralelo entre Piaget e os demais autores enfocados neste capítulo. No entanto,
torna-se necessário não omitir a fraqueza de não se argumentar ou criticar a teoria
26
piagetiana, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento mental da criança. Cabe citar
e analisar um comentário de Bjorn Ramberg, (citado por Jurandir Freire Costa, 1998):
"(...) o naturalismo pragmático é um conceito amplo, deflacionário,
comparado ao determinismo biologizante das teorias materialistas.
Isso significa dizer que as habilidades mentais dos seres humanos,
embora entendidas como naturais, podem e devem ser descritas de
múltiplas maneiras, nenhuma delas „mais fundamental‟, „mais
analítica‟, ou „mais explicativa‟ que a outra(...)”. (p.16, nota de
rodapé).
Lev Semenovich Vygotsky
Vygotsky (1993)5 conseguiu tornar seus estudos relevantes no âmbito da psicologia
e da pedagogia, com núcleos e pontos teóricos sobre desenvolvimento psicológico,
pensamento e linguagem infantis. Contrário à concepção universalista dos fenômenos de
existência concebida por Piaget, adota uma visão marxista, com traços básicos de uma
abordagem sócio-histórica do desenvolvimento humano, contingente e sujeito às
especificidades de seu contexto cultural. Vygotsky se assemelha a Wallon quando aborda o
biológico, o cérebro (como sistema aberto), a cultura, as funções psicológicas superiores e o
papel sócio-histórico no desenvolvimento humano. São núcleos e pontos teóricos básicos
da concepção vygotskiana: a crença no método genético ou evolutivo, “filogenético”6 para
Esta obra foi publicada originalmente em 1934.
Origem das funções naturais.
27
a espécie, histórico para o grupo cultural, ontogênico para o indivíduo", ou seja, uma
configuração do processo individual, singular e único de desenvolvimento; a tese de que a
natureza das funções psicológicas superiores (consciência, vontade e intenção) têm sua
origem nos processos e influências sociais, maiores em relação ao sistema hereditário;
postula a cultura como mediadora para o ser humano face à compreensão de sinais e signos,
como processo de "recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados".
A linguagem verbal - e, consequentemente, humana -, ocupa um espaço importante
para o autor como sistema simbólico. Da mesma forma, o pensamento. A linguagem auxilia
os processos de abstração do intercâmbio social, ou seja, receber, captar, interpretar e
decodificar as informações recebidas e transformá-las em dados de representação da
realidade. Inicialmente, pensamento e linguagem são desvinculados e independentes um do
outro. Antes de se associarem, o pensamento passa por fases (nas palavras de Vygotsky -
seria uma "pré-lingüística do pensamento”) em que há a utilização de instrumentos e
“inteligência prática” como mediação da linguagem verbal. Segundo Oliveira
(1993),
"quando os processos de desenvolvimento do pensamento e da
linguagem se unem, surgindo a linguagem racional, o ser humano
passa a ter a possibilidade de um modo de funcionamento psicológico
mais sofisticado, mediado pelo sistema simbólico da linguagem. ... o
surgimento dessa possibilidade não elimina a presença da linguagem
sem pensamento (como na linguagem puramente emocional ou na
28
repetição de frases decoradas, por ex.), nem do pensamento sem
linguagem (nas ações que requerem o uso da inteligência prática, do
pensamento instrumental)”. (p.47)
Considera-se que o "pensamento verbal" (sentidos e significados dados através da
linguagem) é predominantemente importante para "a compreensão do funcionamento do
homem enquanto ser sócio-histórico". Esses são alguns dos pontos fundamentais para se
começar a compreender um pouco da concepção vygotskiana de linguagem.
Rastrear essas concepções como profissional de Educação Física deixou-nos com
um quê de perplexidade frente às desinformações que temos em relação às teorias
"clássicas" que circulam no mercado das práticas pedagógicas e educacionais. Tendo em
vista os dados obtidos dos informantes durante a coleta de dados para esta dissertação,
percebemos que alguns valores atribuídos às atividades físicas, que ainda circulam em
nosso meio, é mera ilusão generalizada, ou seja, a via de informação teórica para a
compreensão do processo de funcionamento e desenvolvimento humano torna-se esvaziada.
Esta talvez seja uma consideração precoce ou prematura, mas que nos leva a refletir sobre o
procedimento e desenvolvimento de muitas das nossas práticas. Também não se pretende
elevar ostensivamente as concepções de Vygotsky, uma vez que acreditamos que seus
estudos também apresentam lacunas e que nosso processo de desenvolvimento não é tão
linear e tão pautado em fases, como ele apresenta.
Alexandr Romanovich Luria
29
Na trajetória de suas pesquisas teórico-metodológicas sobre a inteligência e a
linguagem no processo de formação de crianças, Luria (1987)7 configura uma tendência
7 Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1927.
unidirecional, onde a fala tem um papel vital na organização e formação dos processos
mentais. Para os autores, os processos verbais capacitam as crianças em suas formas mais
complexas, como memorização, "conduta volitiva", construção de ações conscientes,
formulação de objetivos, capacidade imaginativa e comportamentos essenciais. Os
resultados de investigações anteriores foram tomados como ponto de partida para a
postulação dessa teoria, onde o autor identificou falhas em alguns enfoques, como o
idealista e o mecanicista, pois estes deixavam sem respostas questões relacionadas à
formação e ao processo do desenvolvimento. Luria examinou as psicologias anteriores à
década de trinta, como a soviética e a materialista. A primeira enfoca o
desenvolvimento
complexo da criança como sendo uma simples qualidade espiritual inata. A segunda
considera a formação mental como sendo influenciada por alguma força não explicável ou
uma "força interior" não analisável, "que não se sujeita a nenhuma formação, e que
simplesmente aparece e se manifesta no processo de desenvolvimento" (p.8). No crescente
da história da teoria das psicologias, chega-se a Vygotsky, com o estudo do
desenvolvimento mental relacionado com o desenvolvimento da linguagem. Começou-se
30
então a enfatizar a importância da palavra e da linguagem para posteriores
desenvolvimentos vitais infantis. O papel do desenvolvimento da linguagem passa, a ser
considerado central, enunciador e formador de conexões com a organização e formação do
desenvolvimento mental com as atividades normais de funcionamento da mente.
Dessa forma, de acordo com a nossa visão, no contexto dos estudos de
desenvolvimento centrados na linguagem oral, tornam-se marginais os surdos e mudos, pois
têm suas capacidades de audição e fala subdesenvolvidas. Esse subdesenvolvimento
perpassa também "sérios déficits", com atraso nos processos de formação mental e,
consequentemente, em suas condutas vitais, entenda-se como condutas motoras. Também
crianças com casos de atraso no desenvolvimento da linguagem são contempladas por Luria
(1987) sugerindo-se que, a "aquisição artificialmente acelerada da linguagem pode
conduzir não só ao enriquecimento da atividade verbal, como também a uma
reorganização essencial de desenvolvimento mental geral da criança" (p.26).
Henri Wallon
Wallon (1995)8, em suas críticas, se assemelha a Luria, contrapondo-se às
concepções idealistas, cujo propósito de estudo é a introspecção, o psiquismo reduzido à
vida interior; à concepção idealista de Bergson, em que, além do individualismo, a intuição
seria a única via de acesso à realidade; contrapõe-se também à concepção materialista
mecanicista, que se apresenta com propostas reducionistas e organicistas, cuja visão são as
Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1949.
31
bases biológicas da ciência e consciência psicológica; e à concepção positivista, que tem a
intenção de reduzir as ciências do homem, mantendo um distanciamento das variáveis que
podem modificar-se à medida que são observadas. Esta pode ter sido uma das razões que
levaram Augusto Comte a desconsiderar a psicologia dentro do quadro das ciências, por
escapar ao rigor e à objetividade.
Wallon se distancia de Luria no momento em que assume a concepção dialética
materialista, aplicando-a na sociomotricidade. Em sua corrente de pensamento, são muito
freqüentes as abordagens e inserções marcantes da psicologia e da psiquiatria, com suas
funções e disfunções neurológicas. Segundo La Taille et alii (1992), sua psicogenética9 se
desenvolveu a partir das patologias; ou seja, utiliza-se a doença, o patológico, como
elemento fundante para a compreensão da normalidade. Wallon estuda as bases
neurológicas como concepção metodológica e faz estudos "comparativos e evolutivos em
diferentes espécies animais e em diferentes momentos da história humana individual e
coletiva” (p.36).
Izabel Galvão (1998), em sua análise, escreve que Wallon parte do princípio de que
o ser humano é “organicamente social”, isto é, que a cultura e o conhecimento são dois
elementos, utilizando uma expressão vygotskiana, extra-corticais (fora do cérebro),
intervenientes na estrutura orgânica. A partir desses elementos, o cortical e o extra-cortical,
ou o orgânico e o cultural, é que Wallon assume sua escolha pelo materialismo dialético.
Estudo da origem e da evolução das funções psíquicas, psicogenia. (Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa).
Psicocinética: Princípios metodológicos próprios que norteiam uma visão global de educação. (Revista
Motrivivência, 1993, p.186).
32
Quanto ao desenvolvimento infantil,
“Recusando-se a selecionar um único aspecto do ser humano e isolá-
lo do conjunto, Wallon propõe o estudo integrado do
desenvolvimento, ou seja, que este abarque os vários campos
funcionais nos quais se distribui a atividade infantil (afetividade,
motricidade, inteligência). Vendo o desenvolvimento do homem ser
geneticamente social, como processo em estreita dependência das
condições concretas em que ocorre. Propõe o estudo da criança
contextualizada, isto é, nas relações com o meio. Podemos definir o
projeto teórico de Wallon como a elaboração de uma psicogênese da
pessoa completa”. (Galvão, 1995, p.32).
Assim, para estudar a criança contextualizada, torna-se necessário perceber a
dinâmica de seus recursos, de sua interação com os sujeitos, e a trama ambiental na qual
está inserida.
Segundo Galvão (1998), de acordo com as etapas de formação da criança, esta
retira desse contexto os recursos para o seu desenvolvimento, com um caráter de
relatividade, que determinam essa reciprocidade entre o ambiente e a cultura, e a dinâmica
de sua conduta. Mais determinante no início, o biológico vai, progressivamente cedendo
espaço de determinação ao social. Presente desde a aquisição de habilidades motoras
básicas, como a preensão e a marcha, a influência do meio social torna-se muito mais
33
decisiva na aquisição de condutas psicológicas superiores, como a inteligência simbólica. A
cultura e a linguagem é que fornecem ao pensamento os instrumentos para sua evolução. O
simples amadurecimento do sistema nervoso não garante o desenvolvimento de habilidades
intelectuais mais complexas. Para que se desenvolvam, precisam interagir com o "alimento
cultural”, isto é, “linguagem e conhecimento” (p. 41).
Concluindo, não há limite fixo para se desenvolver a inteligência, nem o sujeito,
pois estes dependem "das condições oferecidas pelo meio" e do "grau de apropriação que
os indivíduos fazem destas condições”(p.43) Para o desenvolvimento da pessoa, a
concepção psicogenética de Wallon (1995), propõe cinco estágios:
- Estágio "impulsivo-emocional”: é o primeiro ano de vida da criança, onde a emoção e a
afetividade geram as primeiras reações, dada a interação com o ambiente e o contato físico
com as pessoas.
- Estágio “sensório-motor e projetivo”: vai até o terceiro ano de vida e é
fundamentalmente marcado pelo “desenvolvimento da função simbólica e da linguagem”.
O termo projetivo, segundo Galvão (1998), refere-se às características do funcionamento
mental. “(...) o ato mental projeta-se em atos motores. Ao contrário do estágio anterior,
neste predominam as relações cognitivas com o meio (inteligência prática e
simbólica)”(p.15).
- Estágio “do personalismo”: ocorre aproximadamente dos três aos sete anos, seu ponto
central é a formação da personalidade, a construção da consciência de si mesmo, que vai
34
se desenvolvendo através e por meio das “interações sociais”, incorporando a afetividade,
os recursos intelectuais e a linguagem.
- Estágio “categorial”: inicia-se por volta dos seis anos. “Os progressos intelectuais
dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e a conquista do
mundo exterior, imprimindo às suas relações com o meio a preponderância do aspecto
cognitivo”(p.17).
- Estágio “da adolescência”: caracterizado por momentos conturbados nas questões
pessoais, morais e existenciais. Devido às ações hormonais, é fortemente marcado pela
necessidade de “uma nova definição dos contornos da personalidade”(p.20), onde é
premente o retorno à afetividade.
Esses estágios de desenvolvimento apresentam um ritmo descontínuo, que Wallon
analogicamente compara ao movimento de um pêndulo, que oscila entre pólos opostos;
porém, assumem características próprias a cada etapa ou estágio do desenvolvimento.
Síntese da proposta dos autores da psicologia do desenvolvimento
Propõe-se, aqui, condensar as idéias principais de - Piaget, Vygotsky, Luria,
Wallon, tendo em vista buscar um respaldo científico de produção acadêmica para a área da
Educação Física.
Piaget apresenta-se como um estruturalista clássico. Ele considera que os estágios
ou subestágios de desenvolvimento são hierárquicos, seguindo uma seqüência invariável
para todas as crianças de todas as culturas, sendo flexível somente a idade, ou seja, cada
35
criança tem seu tempo próprio para entrar em cada fase. Sua proposta de organização
cognitiva da criança é formulada como universal, independentemente das culturas. É
prioritariamente a inteligência que permite às crianças lidar favoravelmente com o seu meio
ambiente. Também postula que a interação da criança com o mundo, com as pessoas e com
o ambiente é favorecida através do aparecimento e desenvolvimento das fases ou estágios e,
das estruturas que vão se construindo ao longo dos anos tais como: a linguagem, o
pensamento, a afetividade, o movimento e as ações sensoriais, perceptivas e sociais.
Enfatiza as fontes biológicas das estruturas cognitivas e lógicas, desprezando as fontes
sociais e culturais, concebendo a criança como solucionadora de problemas lógicos
(estágios pré-operatório e operatório concreto).
Em Piaget, o fundamental para os efeitos desta dissertação é que o pensamento é
anterior à linguagem, pois a inteligência se desenvolve por meio de ações e abstrações, e
não por meio da linguagem. Surge então, com este postulado, o pressuposto do porquê da
divulgação e, consequentemente, da valorização da teoria piagetiana, tão presente nos
currículos dos cursos de Educação Física, sobretudo nos cursos de graduação. É o
movimento - ações - favorecendo a inteligência e o desenvolvimento do pensamento.
Vygotsky se apresenta contrário a Piaget em relação à interação com o meio,
adotando uma concepção marxista com traços de uma abordagem de desenvolvimento
humano sócio-histórico, contingente e sujeito às especificidades do contexto cultural. Para
ele, a consciência, a vontade e a intenção têm sua origem nos processos e influências
sociais, que sobrepujam o sistema hereditário. Inicialmente, pensamento e linguagem
36
estariam dissociados. Pois o pensamento, considerado como a fase pré-lingüística, utiliza-
se da inteligência prática para atingir a linguagem verbal. Portanto, quando pensamento e
linguagem se unem, desenvolve-se a linguagem verbal e o ser humano passa a ter
possibilidade de um modo de funcionamento psicológico mais sofisticado, mediado pelo
seu sistema simbólico, que inclui a compreensão e a interpretação de sinais e signos.
O ponto fulcral da teoria vygotskyana, nos termos desta dissertação, centra-se no
pensamento e na linguagem que, após se unirem, tornam-se igualmente importantes para a
compreensão do funcionamento do indivíduo enquanto ser sócio-histórico.
Os estudos de Luria centram-se na linguagem como mecanismo enunciador e
formador de conexões. Indicam uma tendência unidirecional, em que a linguagem tem um
papel vital na organização e formação dos processos mentais. Através dos processos verbais
a criança torna-se capaz de construir suas ações mais complexas e conscientes como a
memorização, a imaginação, a vontade e objetivos pessoais.
Focalizando a linguagem como meio indispensável para os demais processos de
desenvolvimento da criança, sobretudo o mental, Luria não se assemelha aos demais
autores aqui analisados. Desta maneira, distancia-se do foco da Educação Física, que é o
movimento corporal humano, o que pode justificar estar esta teoria distante dos currículos
dos cursos de graduação, e também ser tão pouco veiculada no nosso meio acadêmico. No
entanto, considerando que um dos objetos desta dissertação é a linguagem, tornou-se
relevante abordar a teoria de Luria, buscando maior compreensão do processo de
37
desenvolvimento desta, como subsídio para se chegar a conclusões não somente de caráter
empírico, mas também teórico.
Para Luria a palavra, a fala ou a linguagem, favorecem o pensamento e,
consequentemente os posteriores desenvolvimentos vitais da criança. Faz-se uma ressalva,
no momento em que para que o trabalho corporal compartilhe com esta proposta de Luria,
torna-se necessário centrar-se na primeiramente na linguagem, para que o mesmo venha
contribuir de forma positiva e favorável para o desenvolvimento global.
Wallon utiliza-se de casos patológicos como meio de sustentação para se aproximar
do conceito de normalidade, donde conclui que, o ser humano é genética e organicamente
social. Para ele cultura e conhecimento são elementos intervenientes na estrutura orgânica.
O autor propõe o estudo dos processos de formação e desenvolvimento da criança
contextualizados, isto é, em suas relações com o meio. A cultura e a linguagem é que
fornecem ao pensamento os instrumentos necessários para sua evolução.
Considerou-se relevante a revisão das teorias dos quatro autores selecionados sobre
o desenvolvimento humano, embora, com exceção de Piaget, os três outros sejam pouco
veiculados no meio acadêmico da Educação Física. Avançar no estudo das teorias destes
autores pode significar o surgimento de novas propostas para a Educação Física, na medida
em que amplia seu campo de conhecimento. De uma maneira ou de outra, é nossa opinião
que se deva conhecer a psicologia do desenvolvimento para traçar os objetivos da prática,
considerando sua diversidade e centralizando seu foco na melhor maneira de adequar o
ser humano às práticas, e as práticas às características do ser humano.
38
Num esforço de síntese das teorias e propostas aqui revistas, pode-se dizer que:
A) Não há consenso sobre a relação entre pensamento e linguagem verbal: todos os quatro
autores.
B) Aparece uma relação forte sobre o contexto sócio-histórico-cultural: Vygotsky, Luria e
Wallon.
C) Aparece a relação forte entre ação e pensamento: Piaget.
D) A linguagem verbal é derivada e irrelevante fora do contexto sócio-histórico: Vygotsky.
Portanto, Piaget é o autor que mais se aproxima do tema deste estudo sobre a
relação entre atividade física e desempenho acadêmico, quando concebe que a inteligência
se desenvolve por meio de ações e abstrações, e não por meio da linguagem. O que
confirma o motivo pelo qual este autor é com freqüência abordado nos cursos de graduação
em Educação Física.
A Teoria das Representações Sociais
Nesta seção, proceder-se-á à apresentação dos traços e elementos mais marcantes,
para efeito de identificação e entendimento das Representações Sociais, com base nas
concepções de Moscovici e seus seguidores - Abric e Jodelet. Também serão abordados
outros autores brasileiros, estudiosos da Teoria das RS10
, dentre eles: Celso Pereira de Sá,
Mary Jane Spink, Pedrinho Guareschi e Sandra Jovchelovitch.
No entendimento de Moscovici (In: Guareschi & Jovchelovitch, 1995, Prefácio), as
Representações Sociais são racionais, na medida em que são sociais e coletivas. Elas se dão
39
a partir de grupos sociais, e não do "individual", sendo um centro único e possível de
análises para todo e qualquer processo psicossocial. Eis aqui - considera Moscovici -, o
grande equívoco e também uma crítica aos estudos da Psicologia Social, que não
conseguiram estabelecer uma relação entre indivíduo e grupo social pertencente, pois
"fenômenos psicossociais possuem uma lógica interna diferente da lógica individual".
Pode-se assim considerar que a Teoria das Representações Sociais emergiu
verdadeiramente ao centrar sua visão e seus objetivos na relação entre os dois: indivíduo e
sociedade. Jovchelovitch complementa: "ao fazer isso, ela [RS] recupera um sujeito que,
através de sua atividade e relação com o objeto-mundo, constrói tanto o mundo como a si
mesmo" (In Guareschi & Jovchelovitch, 1995,p.19).
Entretanto, Moscovici (1978) reconstrói sua crítica - valorizando os aspectos,
categorias, objetos de estudo e corpo de conhecimento de toda ciência - para modelar e
definir nova ciência e novas teorias através do senso comum. Ou seja: o foco central de
cada ciência socializa-se, tornando-se senso comum, e para que isso ocorra faz-se
necessário desconstruir, reconstruir, para, consequentemente, construir novamente, dando
nova roupagem ao objeto social em construção.
Representação Social é, para Moscovici (1978),
"não um simulacro, mas sim constitutiva da realidade que
experienciamos e na qual a maioria das pessoas se movimenta. A
Representação Social é o sinal e a reprodução de um objeto
10 RS será utilizado ao longo desta dissertação como abreviatura para as Representações Sociais.
40
socialmente valorizado. Representar alguém é edificar uma doutrina
que facilite a tarefa de decifrar, predizer ou antecipar os seus atos.
(...) É um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades
psíquicas graças às quais os homens tornam inteligível a realidade
física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação quotidiana de
trocas e liberam os poderes de sua imaginação" (p.28).
RS é um sistema que tem "uma lógica e uma linguagem particulares, uma
estrutura de implicações que assenta em valores e em conceitos (...) teorias, ciências
coletivas sui generis, destinadas à interpretação e elaboração do real" (Moscovici, 1978,
p.50).
Pode-se dizer que a teoria de Moscovici caracteriza-se pelas interações sociais, pelo
universo do quotidiano, pelas falas e discursos homogeneizantes que circulam e se
cristalizam em nosso meio, como as crenças e o senso comum, sendo estes os objetos de
análise para as Representações Sociais.
Segundo Abric 91994), toda Representação Social é organizada dentro de um
núcleo central, que se constitui como "elemento fundamental", determinando sua natureza,
sua significação, unificação, estabilização e "organização interna". Portanto, para toda
Representação Social deve haver um núcleo central, sem o qual essa Representação não
teria sentido ou não existiria. O núcleo central é:
41
“um subconjunto da representação, composto de um ou mais
elementos, donde sua ausência desestrutura a representação e lhe dá
outra significação completamente diferente" (p.74).
Esses elementos podem ser "equivalentes quantitativamente", podendo um estar no
núcleo central e o outro no sistema periférico, donde o que importa é a sua "dimensão
qualitativa", dimensão esta considerada como fator preponderante em dar sentido à
representação.
O sistema central é constituído pelo núcleo central, que apresenta as seguintes
características:
“ele é diretamente relacionado e determinado pelas condições
históricas, sociológicas e ideológicas, e é fortemente marcado pela
memória coletiva do grupo e pelo sistema de normas ao qual se
refere;
ele constitui a base comum, coletivamente partilhada da
Representação Social. Sua função é consensual. É por ele que se
realiza e se define a homogeneidade de um grupo social;
ele é estável, coerente, resiste à mudança, assegurando uma segunda
função, a da continuidade e da permanência da Representação;
é relativamente dependente do contexto social e material imediato,
donde se coloca a representação em evidência” (Abric, 1994, p.79).
42
As características do sistema central e do sistema periférico de uma Representação
Social, são apresentadas no seguinte quadro:
“Sistema Central Sistema Periférico
- Ligado à memória coletiva e à história do grupo - Permite a integração de experiências
e histórias individuais;
- Consensual; define a homogeneidade do grupo - Suporta a heterogeneidade do grupo;
- Estável; coerente; rígido; - Subserviente; suporta contradições;
- Resiste à mudanças; - Evolutivo;
- Pouco sensível ao contexto imediato. - Sensível ao contexto imediato;
- Flexível.
Funções: Funções:
. Gera a significação da representação; . Permite a adaptação à realidade
concreta;
. Determina sua organização. . Permite a diferenciação do
conteúdo;
. Protege o sistema central”.
(Abric, 1994, p.81).
43
Os elementos periféricos se distinguem um pouco do núcleo central, apresentando-
se "menos estáveis e mais flexíveis". Porém, são eles elementos indispensáveis ao núcleo
central, pois que, se apresentam com características funcionais de defesa e manutenção da
representação. "Eles vão desempenhar um papel essencial na intervenção dos processos de
defesa ou de transformação da representação" (Abric, 1994, p.76).
Para que uma Representação Social seja transformada, torna-se imprescindível que
também seu núcleo central seja modificado; e essas mudanças iniciam-se pelo sistema
periférico. Pereira de Sá (1998) complementa essa temática do núcleo central destacando
sua relevância para a pesquisa, com dois tópicos básicos: "a transformação das
representações e a comparação entre representações.”(p.77). Segundo o autor, quanto à
transformação, esta começa sempre pelo
"sistema periférico, face a modificações introduzidas nas práticas
sociais; e pode apresentar diferentes desenvolvimentos e estados
finais, dependendo de variadas circunstâncias. Quanto à comparação
entre as representações mantidas por dois grupos distintos ou por um
mesmo grupo em diferentes momentos, a teoria proporciona o
seguinte critério: elas são diferentes se - e apenas se - os seus núcleos
centrais tiverem composições significativamente diferentes”
(p.77).
44
Com base nas contribuições de Abric e Pereira de Sá, pode-se questionar: será que
não estamos no caminho para modificar nossa Representação Social em relação às
contribuições verdadeiramente efetivadas e proporcionadas pela prática das atividades
escolares? A discussão desse questionamento será mais elaborada a partir da análise das
entrevistas, feita no próximo capítulo.
Para Jodelet (1989), Representação Social
"é uma forma de conhecimento, socialmente elaborado e
partilhado, tendo um objetivo prático e concorrendo para a
construção de uma realidade comum a um conjunto social" (p.10).
Para a autora, a contribuição das representações se dá a partir do momento em que
elas nos auxiliam no processo de compreensão de nossa relação com a realidade e com o
quotidiano. Dessa forma, elas estão presentes e "atuantes na vida social", circulando em
nossos discursos através das "palavras, veiculadas nas mensagens e imagens mediáticas,
cristalizadas nas condutas e nos agenciamentos materiais ou espaciais" (p.3), fazendo com
que se construam visões consensuais dos objetos que representam a realidade, podendo
determinar a "ação sobre o mundo e sobre o outro". Resumidamente, pode-se dizer que as
representações se formam no meio interdiscursivo com um fim prático em seus principais
elementos, tais como: "informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores,
atitudes, opiniões e imagens" (p.5).
Tendo as Representações Sociais, segundo as concepções de Jodelet (1989), estes
elementos descritos acima, sobretudo as crenças, valores e opiniões, pode-se dizer que
45
nosso estudo se relaciona perfeitamente às propostas da Teoria das Representações Sociais,
uma vez que se tem como objetivo descristalizar as crenças e imagens hipoteticamente
existentes nos discursos dos profissionais de Educação Física sobre a relação positiva entre
as atividades físicas, a formação do conhecimento e da linguagem verbal.
Também dentro da dinâmica das Representações Sociais e da escolha da amostra
deste estudo, supõe-se existir um meio de adesão às concepções de Jodelet (1989) - no que
concerne à categorização da amostra, assim como à expressão e identidade desse grupo:
"O lugar, a posição social que ocupam os indivíduos ou a função que
preenchem, determinam os conteúdos das representações e sua
organização, via a relação ideológica que mantêm com o mundo
social, as normas institucionais e os modelos ideológicos que
obedecem" (p.15).
Propostas de abordagem pedagógica da Educação Física
Sabe-se que a Educação Física percorre por longos anos caminhos que a fazem
buscar, cada vez mais acentuadamente, sua legitimidade e identidade. Da mesma forma, à
medida que amplia seu campo de conhecimentos, vai diversificando sua abordagem
teórica, seus métodos e suas formas de trabalho. Não se pretende aqui fazer uma varredura
na sua história, apenas destacar nomes de alguns autores que não poderiam, em hipótese
nenhuma, ser omitidos.
46
Rui Barbosa é considerado por Inézil Penna Marinho (1975), como o grande
“paladino da Educação Física” no Brasil. Rui Barbosa, nos deixa seu legado de
contribuições para a Educação em geral e, especificamente, para a Educação Física, sendo
que, para ele esta deveria ter como alvo o desenvolvimento da natureza humana moral e
intelectual do homem.
Abordando Fernando de Azevedo (1960), temos como uma visão panorâmica de
sua obra, que ele visava, da mesma maneira que Rui Barbosa, uma Educação Física com
fins gerais e claramente definidos sobre o desenvolvimento dos aspectos “mentais, morais e
sociais”. Em uma passagem de seu livro o autor reforça esta idéia, que deve sobrepujar
somente os aspectos corporais:
“É preciso, pois, insistir sobre a amplitude da ação da Educação
Física que não se limita à que exerce sobre o corpo humano, pelo seu
adestramento sistemático, mas se estende, quando bem orientada
segundo planos racionais, à inteligência, à formação da
personalidade, à criação de hábitos morais e sociais, indispensáveis à
vida comum, numa sociedade organizada conforme estes ou aqueles
modelos”. (p.19).
Nessa obra, Azevedo vai tecendo todos os objetivos que para ele são
imprescindíveis para o desenvolvimento global do ser humano, através das atividades
físicas. Delega o autor responsabilidades que, sob nosso ponto de vista, são por demais
47
abrangentes e utópicas para a Educação Física, nos termos como hoje esta é adotada nas
escolas, sobretudo nas primeiras séries do 1ºgrau. Por outro lado, as contribuições de
Azevedo são inestimáveis, tendo em vista terem sido publicadas na década de 20 e se
tornado fulcrais para as novas teorias, literaturas, propostas e objetivos da Educação
Física.
Mais recentemente, considera-se que a Educação Física, à medida que amplia seu
campo de conhecimentos, vai fragmentando sua identidade. Assim, ela é adotada no meio
acadêmico com várias denotações. Hoje, pode-se considerá-la em meio a uma diversidade
muito profícua de interesses, leituras, pesquisas, denominações, áreas de trabalho com suas
diversas especialidades, por exemplo: a esportivização, treinamento, atividades escolares,
lazer e outras. Seu dinamismo e sua multidisciplinaridade a tornam particularmente
singular.
Para caracterizar o que é Educação Física é preciso lidar com divergências,
confrontos, embates, debates e muita polêmica, como pode ser verificado neste breve
mapeamento de alguns dos autores de maior influência no meio acadêmico contemporâneo.
Começando por Manoel Sérgio Cunha (1989), que concebe a Educação Física como uma
Ciência da Motricidade Humana, pois acredita que as “condutas motoras” (todos os
comportamentos onde são exigidos movimentos) emergem das atividades abarcadas pela
área, como o esporte, a dança, a ginástica, o jogo competitivo ou esportivo, num campo
“próprio do lazer e da recreação, da ergonomia, da educação especial e da reabilitação,
com a regularidade que permite a construção de estruturas ou modelos, que permite afinal
48
uma generalização” (p.35). Pode-se pressupor que o autor define dessa maneira a
Educação Física na tentativa de atender a uma designação ampla do termo, e que, por
desenvolver pesquisas científicas, reducionistas ou não, a mesma necessita deste corte
epistemológico, tornando-se assim, uma ciência, na visão de Manoel Sérgio Cunha.
Nessa linha, as respostas às questões desta dissertação poderão ser negativas ou
neutras, sem afirmarem correlação entre as atividades físico-desportivas e o desempenho ou
rendimento acadêmico.
Numa outra vertente, a Educação Física, por se apropriar de elementos de outras
áreas e ciências, como a psicologia, a medicina, a sociologia, a antropologia, dentre outras,
pode ser também concebida como um campo de conhecimento. Por outro lado, autores
como Adroaldo Gaya (1994) a interpreta como “disciplina normativa que se concretiza
através de uma prática pedagógica com objetivos formativos”. (p.31). Aqui, ao contrário
do que se vê em Manoel Sérgio Cunha, há um espaço ótimo para a correlação entre as
atividades físico-desportivas e o desempenho ou rendimento acadêmico; como uma
transferência para a produção acadêmica, através da concentração, disciplina, esforço
contínuo, autocontrole e responsabilidade.
Walter Bratch (1995), não vê a Educação Física como uma ciência:
“é claro que a reflexão filosófica e a prática científica estão presentes
no âmbito da Educação Física, mas também estão presentes no
49
âmbito de uma série de outras práticas sociais, sem que isso as
transforme em ciência ou em filosofia”. (p. III).
Com este posicionamento, Bratch se coloca entre os dois autores anteriormente citados,
assumindo, pelo que se percebe, um papel de mediador.
Nessa linha, surgem os conflitos, instalando-se a polêmica sobre a identidade da
Educação Física. No entanto, torna-se imprescindível dizer que, de uma maneira ou de
outra, todos os autores centram seu foco principal na melhor maneira de adequar o ser
humano às práticas da Educação Física, e as práticas às características do ser humano.
Durante a realização deste estudo, deparamo-nos com temas como cultura
corporal, expressão corporal. Por isso considerou-se necessário fazer uma configuração,
para que não se tornem inócuos nem flutuantes, evitando conotações diversas e,
consequentemente, polêmicas. Nesta nova corrente da Cultura Corporal, o conceito que
parece mais veicular no meio acadêmico é o adotado pelo livro Metodologia da Educação
Física (Coletivo de Autores, 1992), reunindo as colaborações de: Carmem Lúcia Soares,
Celi Nelza Zülke Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar
e Walter Bracht.
Denominam estes autores a Educação Física como Cultura Corporal , porque essa
área de conhecimento está presente pedagogicamente nas escolas como uma prática docente
que deve estar comprometida com “o processo de transformação social”. Às questões
terminológicas e às construções teóricas, os autores chamam de paradigmas. Portanto, para
50
cada paradigma que surge, deve haver uma prática pedagógica correspondente. Na idéia
dos autores, os jogos, a dança, a ginástica, o esporte são considerados como “manifestações
da Cultura Corporal”, sendo a expressão corporal admitida como “linguagem social e
historicamente construída”.
Nesta linha insere-se a contribuição de Richard Rorty (1994), com seus princípios
sobre as descrições do mundo. Segundo Rorty, “o mundo não fala, nós é que falamos”.
(p.26). Dessa maneira, interpretando esta passagem do autor, pode-se dizer que o mundo
está diante de nós e não está pronto. Para descobri-lo, torna-se necessário descobrirmos
novas “metáforas”, adquirindo assim uma nova capacidade de (re)descrevermos este
mundo, mundo este que, para efeitos da dissertação se refere à Educação Física. Assim, de
acordo com o autor, deve-se criar, recriar, descobrir, redescobrir uma nova forma de
redescrever o mundo, tendo em vista as interações, os estímulos do meio e a época que se
vive.
Para se considerar as atividades corporais como Cultura Corporal torna-se
necessário verificar suas normas, suas condições de adaptação à realidade na qual estarão
inseridas, ou seja, a “realidade social e cultural da comunidade que o pratica, cria e
recria”. (p.71). Conclui-se que todo e qualquer programa proposto pela escola - pelos
professores de Educação Física - deve levar em consideração o contexto sócio-histórico-
cultural, onde está inserida toda a comunidade escolar.
Os autores aqui abordados hoje se apresentam com propostas mais elaboradas e
posicionamentos mais progressivos. O pano de fundo (Educação Física) não foi alterado,
51
mas a figura (propostas) foi atualizada de acordo com novos conhecimentos adquiridos, as
pesquisas desenvolvidas e todo o universo constitutivo da área, tendo em vista as
mudanças e demandas sociais.
Em síntese, a interpretação da autora é que, independentemente da acepção
acolhida, a Educação Física pode contribuir para a construção da pessoa em sua plenitude,
isto é, sem discriminar o espírito e sua manifestação pluriforme, em que se destaca a
linguagem e a cultura corporal, social e histórica.
52
III. METODOLOGIA
Para responder às questões a serem investigadas, foi utilizada uma abordagem
plurimetodológica.
Com base no suporte teórico apresentado no Capítulo II, e cuidando para não
conduzir os resultados com o propósito de confirmar idéias preconcebidas, o estudo se
pautou pela tentativa de captar o núcleo central e o sistema periférico das representações
sociais dos professores de Educação Física entrevistados. O núcleo central, como princípio
organizador, desempenha um papel fundamental e norteador na estruturação e no
funcionamento das Representações Sociais, designando desdobramentos inteiramente
significativos na busca de sentido para as representações que são objeto de nossa pesquisa.
Por sua vez, o sistema periférico estaria associado às construções elaboradas no
quotidiano, com forte componente etnometodológico, de acordo com os fundamentos
estabelecidos por Alain Coulon (1995). Estes fundamentos serão aqui revistos, juntamente
com as contribuições de Richard Rorty (1994) a respeito da construção da realidade. A
análise das entrevistas foi orientada pelos preceitos da análise do discurso, conforme
53
estipulados por Laurence Bardin (1997), Michel Pêcheux (1995) e Dominique
Maingueneau (1997). Neste capítulo são também apresentados os sujeitos do estudo e os
instrumentos para coleta dos dados.
Etnometodologia
A etnometodologia surgiu na década de 60, como uma corrente da sociologia norte-
americana da Costa Oeste. Teve como seu precursor Harold Garfinkel, com sua obra
intitulada Studies in Ethnometodology. Esta corrente surge em oposição ao pensamento
sociológico tradicional, com vistas a ampliar o pensamento social, atribuindo maior
importância à compreensão do que à explicação dos fenômenos do mundo quotidiano,
considerando que: “O real já se acha descrito pelas pessoas. A linguagem comum diz a
realidade social, descreve-a e ao mesmo tempo a constitui” (Coulon, 199511
, p. 7-8).
A etnometodologia privilegia a abordagem qualitativa em oposição à quantitativa,
pois esta não revelaria os processos pelos quais os dados da realidade são construídos,
tendo em vista seu caráter reducionista. Este foi seu foco principal de oposição e ruptura
com a sociologia tradicional (Durkheim, Weber e Pareto), conferindo-lhe importância
teórica e epistemológica. Privilegiando os fenômenos microssociais, esta abordagem tenta
compreender como é que os atores sociais vêem, descrevem, dão sentido, entendem,
interpretam e constroem a realidade e o mundo social.
54
Dentre os vários conceitos chave da etnometodologia será abordada a indicialidade,
pela sua aproximação com esta dissertação. Para Coulon (1995), a vida social se constitui
através da linguagem quotidiana, e, por esse motivo, a linguagem torna-se um dos pontos
11 Esta obra foi publicada originalmente em 1987.
fulcrais sobre o qual a etnometodologia vai se centrar. Olhar para a indicialidade como um
problema do discurso quotidiano aponta para o fato de que a compreensão do diálogo dos
atores está em íntima relação com esta propriedade. Os distintos significados da palavra
dependem do contexto em que ela é dita, da história e das intenções do locutor, além da
relação e da história das conversações que se mantém com o interlocutor, e somente há a
possibilidade de uma leitura do mundo no qual os atores sociais estão inseridos.
Outra categoria relevante da abordagem etnometodológica é a de membro do grupo,
membro que, conforme Coulon define, é:
“alguém que, tendo incorporado os etnométodos de um grupo social
considerado, exibe naturalmente a competência social que o agrega a
esse grupo e lhe permite fazer-se reconhecer e aceitar” (1995, p. 48),
no contexto real em que vivem e desenvolvem suas práticas.
Neste estudo, que tem como objeto de investigação o grupo dos professores de
Educação Física, esta abordagem etnometodológica tornou-se pertinente e relevante, dado
que a autora também é professora de Educação Física, tendo familiaridade com os termos
55
específicos e experiência prática profissional. Desta forma, sua aproximação com o objeto
de estudo teve um caráter etnográfico centrado no próprio “grupo de pertença”.
Contribuições de Richard Rorty (1994) para a análise e interpretação dos resultados
Richard Rorty (1994), com suas contribuições, destacou para a autora a importância
de interpretar e produzir sentido para as entrevistas com um olhar de redescoberta de
outras construções, visões e redescrições dentro do contexto da linguagem e deste estudo.
Ao introduzir a noção de que é através da linguagem e das palavras que se vai não apenas
representando ou expressando a realidade, mas construindo-a, o autor proporcionou uma
nova maneira de nos centrarmos na retextualização e redescrições dos dados coletados, e
que nos são reais.
Avançando em suas concepções, Rorty sugere uma outra maneira de interpretar os
dados da realidade, sobretudo desta em que se insere este estudo, com uma visão de que
não existem verdades absolutas, pois não há como adquirir controle e previsão dos fatos
que circunscrevem nossa realidade. Para ele,
“o mundo está diante de nós, mas as descrições do mundo não. Só as
descrições do mundo podem ser verdadeiras ou falsas; o mundo por si
próprio - sem auxílio das atividades descritas dos seres humanos -
não pode” (p.25).
56
Com base não apenas nesta citação, mas em toda a obra de Rorty, procurou-se
manter a dissertação fiel e “solidária”, respeitando-se os posicionamentos dos informantes,
como uma busca do alargamento do círculo do “nós” (“grupo de pertença” - da
etnometodologia).
Na produção e na construção dos discursos destes informantes, representados pela
amostra do estudo, foi possível traçar uma linha interpretativa para os fatos, à medida que
eram redescritos e resignificados por eles, e que, neste caso, representavam e representam
suas (informantes) e nossas (grupo) práticas.
A análise do discurso
Para o tratamento das entrevistas, utilizou-se como metodologia básica a análise do
discurso (AD). Que teve como seu precursor Michel Pêcheux (1990). Adotando o discurso
como objeto e o texto como unidade (contrapondo-se assim à lingüística, que tem a língua
como objeto de estudo e a palavra como unidade), a análise do discurso opera com a
materialidade histórica discursiva. A análise de discurso vai além da superfície discursiva
ou das formas de funcionamento da língua, trabalhando com questões enunciativas mais
profundas. Seu principal contraponto com a lingüística está na "historicidade discursiva",
ou seja, o analista do discurso deve questionar os processos de produção que estão
implícitos no discurso analisado, identificando que o sujeito fala de determinado lugar
social e, portanto, possui interesses individuais e coletivos. Comparada ao estudo das
Representações Sociais, esta formulação é paralela às proposições de Jodelet (1989), em
57
que as normas e regras são produzidas nas interações, levando-se em conta os processos e o
contexto social. Assim, o sujeito, tendo em vista sua posição social, direciona
estrategicamente sua fala, e para desvendá-la, a análise do discurso deve procurar identificar
as marcas que denunciam a presença de "outras vozes", do "não-dito". Percebe-se
novamente a semelhança com a teoria das Representações Sociais, sobretudo em Mead
(citado por Jovchelovitch, 1995), sobre a questão da alteridade: "o outro generalizado é que
dá sentido ao sujeito; sua possível unidade enquanto eu, e não há possibilidade de um
desenvolvimento do eu sem a internalização de outros" (p.69). Podemos nos reportar aqui
`a "heterogeneidade mostrada" a que se referem Pêcheux (1995) e Maingueneau (1997).
Pêcheux fala do "(...) discurso do outro, colocado em cena pelo sujeito, ou discurso do
sujeito se colocando em cena como um outro (..) (p.316), conduzindo, assim, para uma
temática das "formas lingüístico-discursivas do discurso-outro". Isso significa que o
discurso não nasce em nós mesmos, mas é uma apropriação de vozes de terceiros. Dessa
forma, todo dizer tem relação com outros; quando se fala, mobiliza-se um saber construído
sócio-histórico-culturalmente.
Maingueneau (1997) considera a “heterogeneidade mostrada” como “as
manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de
enunciação” (p. 75). Agrupa nesta categoria da heterogeneidade mostrada um conjunto de
mecanismos que devem ser utilizados pela análise do discurso. No contexto desta
dissertação, torna-se relevante abordar um dos mecanismos considerados por
Maingueneau, a “polifonia”, que nada mais é que um coro de vozes em que se identificam
58
os enunciadores e locutores. O autor introduz em sua obra as idéias de O. Ducrot, que
considera que há polifonia quando se distingue um enunciador, que são aqueles cujas vozes
estão presentes na “enunciação, sem que, se lhes possa atribuir palavras precisas” (p.76),
mas cuja enunciação permite que seu ponto de vista seja expresso; e locutores, que são
aqueles responsáveis pelo enunciado, mas não necessariamente seus produtores físicos. O
locutor pode enunciar posições diversas da sua.
Avançando nas concepções sobre a heterogeneidade, tem-se as formações
discursivas, que se apresentam de duas maneiras: em sua auto-relação e em sua relação com
o exterior (que se inclui na categoria da “heterogeneidade constitutiva”, que não será
tratada aqui). Dentro da formação discursiva, Maingueneau (1997) integra a comunidade
discursiva, isto é, “o grupo ou a organização de grupos no interior dos quais são
produzidos, gerados os textos que dependem da formação discursiva” (p. 56). Entendendo-
se por comunidade os grupos, organizações e classes (nesta dissertação, a classe de
professores de Educação Física) onde se inclui plano de organização física, material e
“modos de vida”. Desta maneira, deve-se valorizar, antes da análise das entrevistas, toda
essa relação do indivíduo com o seu meio, seu quotidiano, suas atividades e experiência
prática, onde são construídas as significações dos discursos dos entrevistados.
Assim, no quadro da análise do discurso, busca-se descrever, desmitificar, traduzir o
não-dito, buscando compreender o significado dos discursos coletados através das
entrevistas.
59
Sujeitos do estudo
A amostra constituiu-se de oito professores de Educação Física, de cidades distintas,
em pleno exercício de suas atividades profissionais, com escolha aleatória de faixa etária e
instituição de formação. São apresentados com nomes fictícios e divididos por categorias,
da seguinte maneira: dois doutores - Isabel e Fernanda; dois doutorandos - Bruno e
Gustavo; dois mestres - Lucas e Vinícius; um mestrando - Sabrina e, um especialista -
Pedro.
Instrumentos para a coleta de dados
Para captar o núcleo central e o sistema periférico que dará sentido às
representações sociais dos sujeitos do estudo, os principais instrumentos utilizados foram
uma entrevista semi-estruturada (gravada e posteriormente transcritas literalmente) e um
questionário, que permitiu uma análise mais compreensiva dos dados obtidos através da
entrevista.
O roteiro para a entrevista semi-estruturada, resultante de uma primeira depuração
realizada na fase inicial da pesquisa, fundamentou-se em alguns questionamentos
imprescindíveis para a captação do material ou fonte para análise e estudo: (a) importância
das atividades físicas sistematizadas; (b) identificação dos valores que a atividade física
representa para a formação do conhecimento e da linguagem verbal; (c) verificação dos
aspectos mais importantes proporcionados pela atividade física sistematizada; (d) captação
da conduta pedagógica dos professores de Educação Física como meio facilitador de
aprendizagem, e não apenas dos movimentos corporais e habilidades motoras;
60
(e) identificação, pelos professores de Educação Física, dos valores dos aspectos
acadêmico, cultural e social; (f) identificação do modo como o professor de Educação
Física valoriza sua prática; (g) identificação do papel que a Educação Física representa no
ambiente/contexto escolar; (h) explicitação de uma possível política corporativa.
O roteiro da entrevista foi o seguinte:
1-) Qual o papel das aulas de Educação Física nas escolas?
2-) Discorra sobre a função das aulas de Educação Física para as crianças.
3-) Que papel as aulas de Educação Física representam para a sociedade?
4-) Você observa alguma relação entre o rendimento escolar e as atividades físicas ou
corporais? Como se dá essa relação? (em caso de resposta negativa, pedir para
justificar).
5-) Em que medida ou até onde as atividades físicas esportivas contribuem para o
desenvolvimento da linguagem verbal? Fale mais sobre isso...
6-) As atividades físicas esportivas contribuem para a formação do conhecimento? Como?
Fale mais sobre esse aspecto.
7-) Quais os meios que você utiliza para verificar a existência da relação entre atividades
físicas e formação do conhecimento?
8-) Quais os meios que você utiliza para verificar a existência da relação entre atividades
físicas e desenvolvimento da linguagem verbal?
61
9-) Em caso de respostas negativas para as perguntas 7 e 8; Quais os meios que você
utiliza para verificar ou justificar a negação da relação entre atividades físicas e
formação do conhecimento?
10-) Em caso de respostas negativas para as perguntas 7 e 8; Quais os meios que você
utiliza para verificar ou justificar a negação da relação entre as atividades físicas e
desenvolvimento da linguagem verbal?
O questionário foi aplicado imediatamente após a entrevista. Abordando alguns
pontos já apresentados no roteiro da entrevista, a Escala de Likert objetivou permitir que
fosse aferida a coerência dos discursos dos informantes, pela comparação com seus
depoimentos por escrito. Além disso, as respostas ao questionário poderiam sugerir nuanças
não captadas pelas entrevistas, e vice-versa.
Quanto ao questionário aplicado, este obedeceu ao modelo abaixo:
Dados pessoais:
Nome: (opcional) ..........................................................................................
Grau de instrução:......................................... Profissão:.................................
Instituição: ................................................... Idade: ....................................
62
ESCALA DE LIKERT
concordo
plenamente
concordo
parcialmente
discordo
plenamente
discordo
parcialmente
não
tenho
opinião
1) Crianças com dificuldade de aprendizagem
podem ser beneficiadas por um programa de
atividades físicas, melhorando seu
desempenho escolar.
2) Atividades físicas contribuem para a
formação e aquisição do
conhecimento/cognição.
3) Desenvolvimento da linguagem é pré-
requisito para o bom desempenho das
atividades físicas esportivas.
4) Inteligência e conhecimento favorecem
muito o bom desempenho das atividades
físicas esportivas.
5) Crianças que apresentam um excelente
rendimento escolar também apresentam um
excelente desempenho motor.
6) A escola é essencialmente acadêmica,
desprezando as atividades físicas esportivas.
7) A escola separa o corpo da mente.
63
8) A permanência das aulas de Educação
Física nas escolas é de caráter corporativo.
OBS: Caso queira fazer algum comentário sobre sua(s) resposta(s), fale com o
entrevistador.
Durante as entrevistas, diversas ocorrências foram observadas e anotadas em
caderneta de campo pela entrevistadora, considera-se importante relatar algumas delas. A
informante Fernanda pediu-nos para ver o roteiro da entrevista; de início isso foi recusado,
pois acreditávamos que ela poderia, antecipadamente, elaborar suas respostas. Por sorte, a
informante Isabel, mais experiente, que já havia feito a entrevista mas ainda permanecia na
sala, alertou-nos dizendo ser ético mostrar aos entrevistados, quando solicitado, o roteiro
das entrevistas. Essa mesma informante, Isabel, no momento de sua entrevista relatou
muitos casos sobre filhos, inclusive sobre seu filho de três anos: sua percepção, sua
inteligência, seu vocabulário precoce e, de certo modo, rico, tendo em vista serem os pais
intelectuais. Já o informante Pedro manteve-se tímido quando falamos sobre o objetivo da
pesquisa. Respondeu às perguntas com um pouco de insegurança, manteve-se de cabeça
baixa quase que o tempo todo, não dirigia seu olhar para a entrevistadora enquanto
respondia às perguntas e, no momento de marcar as respostas do questionário, apenas
preencheu o cabeçalho, deixando as questões em branco. O informante Lucas muito disse
de sua experiência com o esporte competitivo, sem, no entanto, conseguir estabelecer uma
ponte de ligação com as perguntas que estavam sendo colocadas. A informante Sabrina,
64
uma “contadora de histórias”, relatou muito sobre sua experiência profissional junto à
Educação Física.
Por terem sido esses os fatos mais marcantes durante o processo das entrevistas, os
mesmos não deveriam ser omitidos.
IV. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
Esta análise não será de “retomada e de descrição exata” com limites fixados sobre
o que se pode ler e interpretar através das falas. Nestes termos, esta “balizagem” foi
tomada como medida para todas as entrevistas.
Considera-se oportuno, antes de passarmos à apresentação das entrevistas, citar
uma passagem de Foucault (1996), quando ele, nas considerações finais de seu livro - A
ordem do discurso - , agradece as contribuições de M. Dumézil e, fala das maneiras de se
“ler” um discurso:
“Foi ele quem me ensinou a analisar a economia interna de um
discurso de modo totalmente diferente dos métodos de exegese
tradicional ou do formalismo lingüístico; foi ele quem me ensinou a
65
detectar, de um discurso ao outro, pelo jogo das comparações, o
sistema das correlações funcionais; foi ele quem me ensinou como
descrever as transformações de um discurso e as relações com a
instituição.”(p.71).
A análise do discurso dos professores de Educação Física será apresentada no
sentido vertical, onde trechos de cada uma das oito entrevistas foram destacados e
interpretados, e no sentido horizontal, em que se procurou realizar uma síntese do que foi
detectado na análise das entrevistas. O questionário, que continha uma Escala de Likert
construída com a intenção de captar a coerência e/ou incoerência das respostas dos
informantes, recebeu um tratamento segundo a orientação de Chizzotti (1998) e
Richardson e colaboradores (1985).
Análise vertical do conteúdo de cada entrevista
Na análise das entrevistas no sentido vertical, os informantes foram divididos em
três grupos, de acordo com os pontos referenciais que os distinguiram: 1) O primeiro grupo,
constituído de dois informantes que expressaram “crença total” na relação positiva entre as
atividades físicas desenvolvidas no contexto escolar e a formação do conhecimento e da
linguagem verbal; 2) O segundo grupo, constituído por cinco informantes, caracteriza-se
pela “descrença” nessa relação; 3) O terceiro grupo, foi constituído pelos informantes que
evidenciaram surpresa ao se defrontarem com as perguntas formuladas durante a entrevista,
e que buscaram nos discursos atualmente veiculados no meio acadêmico os elementos para
66
construírem suas respostas, de maneira a torná-las socialmente aceitas. Neste grupo, além
dos dois informantes que completam a amostra, foram incluídos os cinco informantes do
Grupo 2, que apresentaram algumas das características do Grupo 3, acima descritas,
perfazendo assim uma interseção.
Entrevista 1 – Lucas, Mestre em Educação Física
Inicialmente, procurou-se na apresentação desta entrevista focalizar os aspectos do
primeiro grupo estabelecido acima, como um roteiro para a leitura das análises das oito
entrevistas que se seguem.
Lucas, informante com mestrado em Educação Física, inicialmente denota em seu
discurso evidências de sua própria crença, segundo a qual as atividades físicas contribuem
para a formação do conhecimento e da linguagem verbal: “Eu acredito que sim, é uma, é
talvez a grande dificuldade que a gente tenha hoje, é de perceber como isso ocorra,
porque a Educação Física na escola foi sempre colocada como uma coisa secundária,
uma coisa extra (...). O informante desconstrói a Representação Social de forma
progressiva, no curso de sua própria fala: “ As pessoas não vêem muito essa relação.(...) eu
posso até acreditar, acredito que tenha, eu sei que tem importância”.
67
Lucas não situa as atividades físico-desportivas no quadro das outras disciplinas
escolares: “(...) ela não tá muito relacionada com as outras disciplinas”. No entanto,
segundo a percepção da autora, varrendo-se seu discurso vê-se que ele não constrói
respostas muito coerentes, ou talvez não saiba inicialmente explicitá-las, pois percebe-se
que ele afirma acreditar na relação das atividades físicas com as atividades acadêmicas e na
sua importância para os desempenhos investigados: “ Eu acredito que várias concepções
de, da formação básica, têm relação com a Educação Física”. Cita exemplos de jogos e
brincadeiras como suporte e tentativa de explicitação de suas idéias.
Segundo Lucas, através destas atividades consegue-se auxílio para a matemática (o
raciocínio lógico de Piaget), para a alfabetização e para a linguagem verbal. “Durante o
desenvolvimento dos jogos infantis você pode ensinar soma, (...) trabalhar esses
elementos que estão relacionados diretamente com a questão da matemática. (...)
desenvolver a parte de linguagem também, com formação de palavras, cada casa da
amarelinha, por exemplo(...). Então é uma forma de você tá trabalhando a alfabetização e
tá trabalhando a atividade física de uma forma direta”.
No processo interativo de construção de suas respostas, Lucas passa a considerar
alguns outros aspectos relacionados às atividades físicas, como a saúde, na tentativa de
adquirir maior qualidade de vida, e mesmo da saúde mental, através das atividades de
recreação: ”É, na minha concepção, tem vários aspectos relevantes. É o aspecto da saúde
(...). pra que ele busque a qualidade de vida através do esporte. (...) Não só da saúde. Eu
acredito que o lado, a recreação de certa forma tá aliada à saúde mental”.
68
Pode-se constatar que, à medida que vai se delineando a entrevista, Lucas começa a
envolver-se na busca incessante de tentar tornar suas repostas mais válidas e coerentes, no
sentido de mais ajustadas ao contexto; e, novamente, tenta reconstruir as respostas e as
perguntas. Este processo torna-se um pouco mais evidente quando perguntado sobre
rendimento físico e rendimento acadêmico. Lucas passa, então, a construir novas idéias,
ilustradas nestas falas: “Eu não tô conseguindo ver, perceber essa correlação direta assim
não. É porque eu tô tentando lembrar aqui da minha, da época, que eu estudava (...) Eu
num consigo ver como que eu poderia fazer essa relação, não (...)”.
Da mesma maneira, construindo suas respostas no curso de sua fala, na troca com a
entrevistadora, o informante se exprime em relação às atividades físicas e ao desempenho
verbal, mudando de opinião durante a enunciação, passando da negação à afirmação parcial,
conforme se ilustra a seguir: “Essa questão eu acho que tá contemplada naquela segunda
ou primeira que eu te falei. (...). Não tenho condição de te dar essa resposta. Eu não
conheço. Não tenho leitura, nem conhecimento. É, eu aí já tô colocando de uma forma
não muito comprovada. Parece que eu já ouvi falar que tem essa relação direta, de
pessoas que começam a desenvolver atividade física”. Por fim, denota sua certeza, ao
afirmar: “ Isso faz com que desencadeie nela um processo de motivação muito bom pra
outro tipo de coisa e que, de certa forma, isso faz com que ela tenha um rendimento melhor
na hora de desenvolver a linguagem, essa coisa”. Pode-se inferir dessas novas informações
do entrevistado que, embora acredite ou passe a acreditar nas relações abordadas durante a
entrevista, Lucas se surpreende com as perguntas e com suas próprias respostas, tenta
69
clarificá-las da melhor maneira possível, e parece querer dizer que apenas não sabe como
justificar e argumentar suas idéias.
Lucas, face à sua visão sobre a maneira como a Educação Física vem sendo
trabalhada hoje nas escolas, caracteriza-se por uma certa dúvida sistemática em relação a
seus resultados. Acredita que, em algum aspecto, a prática indica falhas, responsáveis pelo
fato de as aulas de Educação Física não atingirem os objetivos esperados. Critica, não tão
sutilmente, a maneira como as aulas se desenvolvem: “ Porque o que é feito pela academia
e o conhecimento que é demandado pra quem trabalha, eu acho que há um vácuo grande
aí. Por exemplo, as nossas dissertações. Elas são todas lindas, mas eu não sei quando
que elas vão virar produto de consumo para quem trabalha na prática. Então, eu acho
que isso dá uma, um pouco de... É, e não é um hiato. Dá um pouco de angústia, achar que
você tá trabalhando pra quê?”. O informante, em seu discurso, denota alguns indícios
nítidos de corporativismo: “(...) eu acredito que as pessoas que começam a se envolver com
atividade física têm várias possibilidades em termos de qualidade de vida. (...) Começa a
perceber que tem coisas muito mais além daquele mundo que ela tá acostumada a entender
como o mundo dela (referindo-se à criança). Eu acho que a atividade física colabora
nessa, nesse aspecto”.
A entrevista de Lucas fornece evidência positiva para a concepção de Mary Jane
Spink (1996), segundo a qual o discurso como produção de sentido se verifica no processo
de interação, via confronto, conflito e reajustes ou rupturas.
70
Entrevista 2 – Vinícius, Mestre em Educação Física
Na apresentação desta entrevista procurou-se enfatizar os pontos que indicam estar
presentes a “crença” do informante sobre a relação entre as atividades físicas, a formação do
conhecimento e da linguagem verbal. Com efeito, para avançar-se nos indícios sobre a
“crença” do entrevistado subjacente em suas falas, seguem abaixo as evidências destas falas
que, possivelmente, irão oportunizar uma melhor compreensão e maior clareza do conteúdo e
significado desta entrevista para o leitor.
Incluído no primeiro grupo de informantes, Vinícius enuncia em seu discurso, como
descrito acima, sua crença na relação entre atividade física e rendimento escolar: “É
importante. É importante que às vezes muitas coisas que a gente faz na quadra eles
fazem na sala de aula, né?” Cita exemplos de atividades práticas, como jogos e
brincadeiras, possivelmente utilizadas como um reforço à sua resposta, com objetivos de
auxiliar à matemática, onde acredita o informante que há uma transferência quase que
71
imediata: “Então, aquela amplitude que ele tem na quadra, seria uma habilidade motora
ampla, depois ele vai transportar isso pra uma habilidade motora fina, na sala de aula,
então a quadra ajuda”. A entrevistadora o aborda com a pergunta sobre uma possível
transferência, e prontamente ele afirma que ela ocorre: “Há sempre. Há uma relação
muito íntima entre a quadra, né? Entre as nossas aulas e aquilo que se passa, é, na sala
de aula, né?”
O discurso sugere que Vinícius atribui um valor máximo às atividades físicas e ao
seu trabalho, em detrimento de outras disciplinas, ao mesmo tempo em que se queixa da
importância atribuída à Educação Física: “Você vê, basicamente, nós trabalhamos muito
mais do que na sala de aula, nós, a nossa disciplina pode inserir em todas as outras
disciplinas e nem todas as outras se inserem na nossa.” Percebe-se que Vinícius parece
incerto na formulação de suas idéias, pois não estabelece relação de coerência em sua
resposta, quando diz que há uma troca. Ora, se existe troca/transferência, é porque as
disciplinas se inter-relacionam, justificando sua resposta como uma possível falta de
reconhecimento para com a Educação Física: “Então, há uma troca, há uma importância
muito grande na nossa, que ainda não foi dado o real valor a isso”.
Com relação aos aspectos relevantes, o informante acredita no todo, porém de uma
maneira bastante genérica, passando vagamente a falar de “transcendência”, pois dá
indícios de que não consegue enumerar o que ele considera como o mais relevante: “É
aquela coisa, a gente tem que usar a Educação Física escolar como um meio da gente
atingir outras, outras características dos alunos, (...), sociabilidade, (...), o respeito ao
72
outro. (...) Porque transcende, é uma transcendência muito grande”. Solicitado
a enumerar a mais importante dessas características, segundo sua visão, diz: “É muito
difícil, porque o aluno é um todo, né?” Daí, a partir desta fala, inferiu-se o porquê do
informante utilizar a expressão “transcendência”, como uma maneira de alcançar o “todo”,
a que ele se refere acima. No entanto, dar um sentido específico e único para a palavra
“transcendência” utilizada aqui, tornou-se complicado, admitindo-se, então, a atribuição a
ela apenas como uma inferência. Para chegarmos a esta consideração, respaldamos em uma
nota de Luiz Francisco Dias (1997), onde ele afirma que há uma dificuldade em “conciliar
a polissemia da palavra com sua unicidade” (p.106).
Quando se pergunta ao informante a respeito do que ele pensa sobre a relação das
atividades físicas como contribuição para o desenvolvimento da linguagem verbal, há
indícios de um processo de evasão muito claro em seu discurso, pois ele não se posiciona
com clareza, tornando difícil sua compreensão: “Importante porque através da, eles vão
ouvir, né? O que você vai falar, eles vão entender, esse entendimento é o quê? É o
desenvolvimento de uma, da inteligência, é onde ele compreende, onde ele percebe, e
perceber é o quê? (...) Seria perceber, seria detectar, reconhecer e mudar o seu
comportamento, né?” Percebe-se uma certa busca do informante para dar significação à
sua resposta, que forneça indicação de sua própria “crença” na importância das atividades
físicas para o desenvolvimento da linguagem verbal. Da mesma maneira, observa-se a
tentativa de construção de sua resposta no momento da entrevista: “Então aí, através da
linguagem, quando o professor trabalha a linguagem, por isso que demonstração pura e
73
simples não atinge muito, como nós tamos querendo atingir o aluno, né? Porque
demonstrar é o quê? É você repetir o que você está vendo né? E através da linguagem dá
muito mais subsídios pra eles se desenvolverem intelectualmente, (...) Vai sendo
desenvolvida. Então é importante... ”
A entrevistadora apresenta novamente a questão, tentando configurar maior
clareza para a resposta esperada. Vinícius, fornece indicações de tentar avançar na análise
de sua fala, tornando-a mais explícita, porém a mesma, com um caráter implícito do
reconhecimento da importância das relações aqui investigadas, continua um pouco obscura
e confusa: “(...) então é importante ele ouvir, a linguagem verbal, ele trabalha como
estimulador, né? De outras atividades que também a cognição está relacionada com
isso”.
Vinícius menciona idéias gerais de autores como Piaget, Vygotsky e Wallon, sem,
contudo, falar do corpus das propostas teóricas dos respectivos autores: “Não, eu acredito
muito em várias teorias, né? Tem Vygotsky, tem Wallon, né? (...) Então, é importante. O
Piaget (...)”. Refere-se aos autores acreditando ser a maneira mais adequada para a
resposta sobre os meios que ele utiliza para confirmar sua “crença” na relação entre
atividades físicas e desempenho acadêmico: “Cabe à gente aferir esse aprendizado, né?
Que a gente tá querendo desenvolver nos alunos. Então, é importante, importante, e já foi
comprovado no dia- a- dia, né? A gente vê isso no dia a dia. O modo de você dialogar
com a turma, a linguagem verbal que você usa vai te dar um bom trabalho, ou não”. Este
é, certamente, um dado empírico interessante, que foi oferecido sem ter sido perguntado.
74
Finalmente, Vinícius conclui com respostas mais específicas à questão fundamental
para a investigação: “Fatalmente, essa relação é fundamental pro sucesso deles, né? Pro
desenvolvimento deles”.
A Dissertação de Mestrado em Educação Física apresentada por Vinícius é uma
pesquisa em que, segundo ele, estudou os mesmos autores aqui abordados neste estudo. No
término de sua entrevista, sentiu-se entusiasmado em falar sobre ela. No entanto, abordou
apenas o método de coleta dos dados, deixando em aberto o conteúdo e o resultado de sua
pesquisa. O que justifica a insistência da autora em testar, junto ao próprio Vinícius, quais
eram os aspectos que ele considerava fundamentais para a análise - e que, no final das
contas, não apareceram.
75
Entrevista 3: - Sabrina, mestranda em Educação Física
Sabrina inclui-se no terceiro grupo, onde os entrevistados foram classificados como
aqueles que fornecem indícios de acreditar nas relações aqui investigadas, e, no entanto, se
surpreendem com as perguntas, fornecendo evidências de que estão construindo suas
respostas no momento da entrevista, conduzindo-as para modelos socialmente aceitos. Esta
verificação se dá tendo em vista procedimentos como gaguejos, repetições de palavras,
falsos começos e recomeços, conforme Marcuschi (1998) .
Sabrina aponta como papel das aulas de Educação Física situar as crianças em
relação à cultura corporal e cultura de movimentos: “Qual seria o papel? Eu acho que
seria situar o aluno frente a diversidade de culturas, corporais, culturas de movimento,
das diversas formas de movimento, situar pra,... é,... situar o aluno dentro da sua cultura,
integrando com as várias culturas diferentes que vêm dos vários alunos, das várias partes,
né?” Tenta situar o aluno dentro de seu contexto cultural ou do grupo de pertença: “Mesmo
que seja só um bairro, cada um vem de uma família, às vezes de bairros diferentes (...).”
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Sabrina aproxima-se da teoria da Cultura Corporal proposta pelo Coletivo de
Autores (1992), sem, contudo, oferecer intertexto explícito, ou seja, não contextualiza
especificamente seu discurso, frente às questões abordadas, como parece que gostaria de
fazer: “... e, interagindo com as várias formas de movimento corporal, ele consegue não
só se comunicar melhor, como se situar melhor enquanto pessoa, naquela condição toda,
enquanto movimento, além de outros lados também de expressão, de comunicação, de
saber se colocar culturalmente em uma sociedade coletiva, né?”. Concluindo sua resposta
sobre o papel das aulas de Educação Física, Sabrina diz: “(...) a Educação Física cuida
especificamente da linguagem do movimento, eu diria assim.” Embora esta afirmação dê
algum subsídio para se interpretar a Educação Física apenas como forma de movimento, no
decorrer de sua entrevista percebe-se que Sabrina acredita nas relações abordadas, mesmo
que às vezes pareça fornecer respostas controversas: “(...) então, o papel de Educação
Física vem sendo conquistado aos poucos, na medida em que ele considera esse
rendimento necessário pra formação do conhecimento do próprio aluno em relação às
possibilidades que essa movimentação oferece, tanto na comunicação, pra própria
comunicação, né?” Esta enunciação, por si só, reitera e compõe maneiras de se perceber a
inter-relação entre as atividades físicas, a formação do conhecimento e da linguagem
verbal.
Buscando compreender a forma de relacionamento entre as atividades físicas e
formação do conhecimento na visão de Sabrina, a entrevistadora faz uma pergunta direta e
explícita. Sabrina responde, num percurso de experiência prática, com sua queixa frente ao
77
projeto político pedagógico da escola, pelo qual se relega à Educação Física um plano não
desejável. Começa então a construir, por ensaio e erro, seu discurso : “Bom, aí, tem várias,
essa pergunta tem várias questões, né? Porque se você coloca, vai depender do projeto
político-pedagógico, se a escola tem, se a Educação Física tá presente dentro da escola
na sua totalidade ou se ela tá isolada como ela sempre teve, né?” Demonstra com clareza
sua insatisfação frente ao tratamento diferenciado atribuído à Educação Física no quadro
das disciplinas e professores, respectivamente: “E o maior rebuliço foi criado quando eu
bati a mão na mesa e falei assim: por que que eu não estou presente no conselho de
classe? Sou professora de Educação Física, não sou tapa buraco. (...) a escola é local de
conhecimento, então a Educação Física também tem o seu papel importante.” Percebe-se
um esforço - talvez mesmo consciente - em construir uma resposta mais direta e clara:
“Maneira de comunicação verbal, escrita, motora, a movimentação do corpo, tudo isso
faz parte do ser humano, o conhecimento, ele se, o homem se apropria do conhecimento
em virtude dessas formas de linguagem (parece referir-se a todo e qualquer tipo de
linguagem, o que não exclui a linguagem corporal, escrita e cultural), uma delas, só a
presença dela ali o tempo todo, não tem como. Porque, então, seria uma solução muito
prática, era só cortar a cabeça, deixar a cabeça dentro da sala de aula e mandar o corpo
pra Educação Física.”
Sabrina, respondendo ainda à mesma questão, depois de um longo discurso
consegue fazer uma síntese que denota sua “crença” na influência da atividade física e
formação do conhecimento: “Você não pode desconsiderar o corpo dentro da sala de
78
aula, assim como eu (Sabrina, professora de Educação Física), não posso dispensar o
raciocínio e o pensamento dentro da aula de Educação Física, porque senão eu, né?”
(...). Ela tem, ela tem. Eu acredito que ela tenha influência.” (...) “ Ajuda. Sem dúvida.
(...) Claro que sim.”
Em relação à contribuição das atividades físicas para a linguagem verbal, Sabrina
responde com uma longa fala, como no item anterior. Cita atividades práticas, sua
experiência pessoal na escola em que trabalha, e sua formação profissional também como
Contadora de Estórias: “Tá. Essa questão da linguagem escrita, o que me dá experiência
de responder isso não é a prática da Educação Física, é a prática de Contadora de
Estória.” Sabrina dá indícios, ao longo da composição de sua fala, de estar tentando
elaborar seu pensamento e construir uma resposta inteligível, tendo em vista ser professora
de Educação Física, mestranda e Contadora de Estórias. “Então, eu acho que tudo tá na
sistematização desse conhecimento e na prática que o professor de Educação Física pode
fazer pra essa linguagem correta, pra ter as coisas explicadas. É sempre um vai e vem, eu
não acredito em nada isolado, nada. Eu acredito no vai e vem.”
Pergunta-se a Sabrina quais os meios utilizados por ela, como forma de sustentação
às suas respostas, que evidenciem serem relevantes as contribuições das aulas de Educação
Física para com o desempenho acadêmico, ao que ela responde: “As cartas que a gente
recebe dos alunos quando eles gostam de uma atividade muito interessante. (...) E as cartas
são espontâneas”. Pergunta-se sobre o conteúdo das cartas: “ Adorei sua aula, queria
trabalhar, conheci um jogo na casa da minha avó (...)”.
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Sabrina, provocada pela entrevistadora, vai novamente tentando elaborar sua
resposta, com um trajeto longo de falas, experiências pessoais e suposições empíricas, sem
suporte teórico. Não faz nenhuma referência a conteúdos científicos ou aos teóricos do
desenvolvimento humano: “E essas coisas saem nos textos, nas redações, principalmente
em relação com outras literaturas, isso acontece muito, eles cruzam essa informação.”
Quanto ao papel que a Educação Física desempenharia, nos termos em que vem
sendo trabalhada hoje nas escolas, Sabrina se mostra descrente e descontente, duvidando
inclusive das contribuições positivas que ela parece acreditar existirem: “ Não, não
acredito. Não acredito da maneira, eu acredito que haja essa interação que eu já te falei,
mas que eles (refere-se aos profissionais da área) não têm, eles não têm consciência dela,
ela não deixa de ocorrer porque o homem continua sendo o homem, entendeu? Em relação
a, e eu acredito na relação que eu faço mesmo na prática do outro.” Sabrina muda de
direção, referindo-se às escolas: “Agora, na rede pública, voltando, na rede pública,
apesar da diferenciação, eu acho que há algum foco, que começam algumas mudanças,
em menor escala, claro, nós temos um buraco de formação, aí vai demorar muito.”
Ressalta a escola onde atua como profissional, dizendo ter autonomia para mudar o que
não lhe agrada: “Aí, vai depender da escola, porque assim, isso tudo, essa riqueza toda
que tô te mostrando, a minha escola me permite, por ser uma escola de identidade, (...),
eu bato a mão na mesa, eu grito, eu xingo, eu esperneio, eu mostro, eu tenho toda essa
liberdade de fazer isso, porque eu tô fazendo o meu trabalho, como professora
universitária.” Sabrina responsabiliza os professores da rede pública pela situação as
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Educação Física: “O professor da rede pública, ele não tem, ele tem medo de perder o
emprego, ele tem que ter três, quatro empregos, dois, três, quatro empregos pra poder se
manter, ele não tem tempo pro estudo, sabe?” Sabrina, acredita que através de
investimentos e recursos para a formação do professor é que poderão ocorrer mudanças
favoráveis para a Educação Física: “(...) eu acho que tem que atacar direto na formação, e
é uma coisa cara.”
Portanto, Sabrina dá indícios, na sua fala, de uma insatisfação em relação aos
professores, e, de forma sutil, parece responsabilizá-los pela situação fragilizada que ela vê
face à Educação Física hoje: “ O professor, de uma maneira geral, não conhece nem a,
nem a cultura que tem em volta dele, que dirá outra, né? Não tem, então, que tipo de
formação que ele tem que pra passar pro aluno? (...) A formação do outro professor
(refere-se ao seu companheiro de trabalho) não permite essa visão, porque ele foi educado
para mandar, pra dar voz de comando e o outro obedecer, e é muito mais fácil, né? (...)
Mas eu acho, eu nem culpo tanto a academia, não (parece proteger a formação acadêmica),
eu acho que a maturidade tá nesse meio do caminho, aí.”
Sabrina continua responsabilizando o professor de Educação Física pela falta de
tempo para estudar, pelo despreparo, pela falta de conhecimento, pela falta de reflexão e
pela falta de uma “educação continuada”. Por outro lado, não se refere explicitamente, em
nenhum momento, à política pública, ao estado ou aos governos municipal, estadual e
federal: “Pega o lado da formação, pega o lado que, os, eles têm três ou quatro empregos
pra poder sobreviver. (...) Sabe aonde que ele prepara a aula? No ônibus, no caminho, e
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aí, nesse sentido, é muito mais fácil, ele tá com o modelo tecnicista (...). E, durante o seu
trajeto, mesmo que seja mais criativo, ele vê um joguinho ali, é esse que eu vou dar pro
meu aluno esse mês. Não. Só quer saber de rendimento, se a criança aprendeu ou não o
movimento que ele trouxe.”
Sabrina representa uma experiência única, entre os informantes, pela relação que
vivencia entre linguagem verbal como uma das manifestações da linguagem corporal;
corrobora Spink (1996), ao mostrar que várias de suas idéias, embora cruas, tendem a
aprimorar-se.
82
Entrevista 4: - Bruno, doutorando em Educação Física
Bruno se insere no segundo grupo estabelecido aqui, apresentando-se cético ou
descrente em relação à contribuição das atividades físicas para o desempenho acadêmico.
Vai construindo sua enunciação no momento da entrevista. Parece nunca haver refletido
efetivamente sobre as correlações aqui abordadas.
Quando exprime sua opinião a respeito do papel das aulas de Educação Física,
Bruno adota a proposta do Coletivo de Autores (1992), introduzindo em sua fala alguns dos
parâmetros que configuram esta proposta: “O papel das escolas é tentar mostrar que existe
um conhecimento, é universal, que é historicamente construído (...). E, nesse sentido, a
Educação Física na escola vai mostrar que a cultura corporal de movimento é
construída historicamente”. Bruno não fornece os aspectos mais aprofundados da
proposta da Cultura Corporal, apenas a menciona, deixando de fazer uma ligação mais
direta e prática com a Educação Física, que os autores do Coletivo de Autores chamam de
Cultura Corporal: “ dá condições desses alunos, aí pra apreender essa cultura corporal
de movimento, que é uma postura corporal de movimento, é, é, de interpretar o mundo a
partir dessa cultura corporal de movimento, mais do que interpretar, despertar nesse
aluno, é, o desejo de interferir nessa realidade.”
83
Sobre a função das aulas de Educação Física na escola, Bruno a vê relegada a
segundo plano pela escola: “Me parece claro, porque a escola, do jeito que ela é formada,
do jeito que ela tá hoje estruturada, ela costumou relegar a um segundo plano, é,
algumas áreas do conhecimento, não é só a Educação Física” Menciona as outras
disciplinas de acordo com seu ponto de vista, e a posição da escola frente à Educação
Física: “Mas muitas vezes não vê ela como um espaço, é, reflexivo de construção do
conhecimento e a colocam em oposição outras disciplinas, por exemplo, História, que é
o lugar de estudar; a Educação Física, não.” Apesar dessa enunciação, Bruno não parece
querer dizer com isto que acredita nas correlações aqui investigadas, pois no decorrer de sua
entrevista isto é colocado mais claramente.
Por outro lado, às vezes denota algumas controvérsias em sua enunciação, ao falar
dos próprios professores que “aproximam” a Educação Física do “lazer” : “(...) porque no
lazer, na recreação, você pode construir conhecimento, é, quando essa disciplina devia
assumir a responsabilidade de construção do conhecimento, de elaboração de
conhecimento, de crítica de conhecimento.” Infere-se que Bruno, com essas falas iniciais,
vai aos poucos fazendo desdobramentos, para posteriormente posicionar-se.
Em relação à possível contribuição das atividades físicas para a formação do
conhecimento/ rendimento escolar, do ponto de vista do informante, isso descentraliza a
Educação Física das demais responsabilidades que são a ela atribuídas: “Eu acho que a
Educação Física escolar não deveria ser compreendida nessa dimensão. É, a Educação
Física, ela não pode ser operacionalizada como uma forma de ajudar, não pode ser
assim.” Desconstrói assim a “crença” de a Educação Física ser uma disciplina redentora
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para os vários aspectos escolares: “Como se pode alfabetizar utilizando a Educação
Física? A Educação Física tem uma especificidade e deve ser trabalhada dentro dessa
especificidade, o que não significa um diálogo e a construção de uma nova prática
pedagógica.”
Perguntamos a Bruno, de forma direta, com a intencionalidade de se obter uma
resposta mais transparente: -- E para o rendimento acadêmico, você acha que não tem nada
a ver? Bruno responde: “Não.”
Bruno, concorda com a possível contribuição da atividade física para a linguagem
verbal, porém faz as considerações e distinções entre linguagem verbal e corporal: “Veja
bem, ela vai contribuir de alguma forma... (...) agora, pro desenvolvimento da linguagem
ela pode contribuir se você considerar que no fundo essa classificação que a gente faz
entre linguagem verbal e linguagem corporal é uma classificação. Efetivamente, ela não
existe, quer dizer, ninguém fala só, ou só se movimenta.” Bruno, tenta explicar sua
premissa, e parece fazê-lo de maneira coerente, embora não conclua o pensamento:
“Porque se comunica com o corpo, em palavras, em gestos, isso é um complexo de
relações, então, nesse sentido, ela pode contribuir, que ela vai trabalhar especificamente
um desses elementos, mas...” Diz-se que o informante não conclui tendo em vista a pausa,
caracterizada pelas reticências.
Bruno parece um pouco surpreendido com a pergunta e, retoma a questão para
reconstruí-la ou tentar explicá-la melhor. Permitimo-nos inferir que a tentativa de
reconstrução de seu discurso não se torna efetivamente uma maneira de apenas responder à
entrevistadora, mas também para si próprio: “Eu acho que ela, eu volto a falar, que ela
85
pode contribuir nesse sentido, quando trabalha outras dimensões, é, do ser humano, que
vão tá em, intricadas nesse processo complexo, então ela vai contribuir nesse sentido. Mas
a função primordial dela não é contribuir com a linguagem escrita, é contribuir com a
expressão humana daquela criança.” “Expressão humana” é também um dos aspectos
propostos pelo Coletivo de Autores (1992). Bruno continua sua enunciação: “Então,
quando ela contribui com a expressão humana daquela criança, ela acaba contribuindo
com outras coisas que fazem parte dessa expressão humana, então, mas não que ela vá
contribuir diretamente com a linguagem escrita, ela contribui indiretamente, quando ela
contribui com o eixo central disso tudo que é a expressão humana, que é a existência
humana.”
Em relação aos moldes de acordo com os quais Bruno supõe que a Educação Física
vem sendo trabalhada atualmente, ele faz críticas e não acredita na funcionalidade das
atividades nem para aquilo que ele considera como específico: “Ela não contribui nem
com a expressão humana. (...) Contribui, ela tem uma contribuição maravilhosa pra esse
tipo de ser humano que tá aí, é, concebido realmente pela escola.” Passa a criticar a
sociedade dominante à qual a escola e a educação estão submetidas: “É de reportar as
diferenças, é de reforçar as desigualdades, estabelecer critérios rígidos, é, de
movimentação corpórea que, na prática esportiva somente, é, de reportar esse modelo de
esporte que tá colocado, que é um modelo que privilegia os mais fortes, privilegia aqueles
que são mais capacitados, privilegia os considerados normais pela sociedade.” Parece
querer reelaborar sua resposta, quando diz: “É, então é isso que, deixa eu, é uma
suposição, né?” Passa a se referir ao modelo desejável: “É, suponho que ela esteja
86
contribuindo pra esse modelo de ser humano. A gente quer um outro modelo de ser
humano, é, livre, é, livre pra pensar e pra intervir na sociedade.”
Bruno, numa posição reflexiva, propõe novos rumos para a prática da Educação
Física: “A gente vai ter que reformular essa, essa prática, e aí vai ter alguns propósitos
que avançam, é, que tenham algumas propostas efetivas de avanço nessa perspectiva, que
também tem seu limite, né?”
Bruno cita algumas pesquisas para fundamentar sua resposta sobre os meios que
lhe permitem ter todo este posicionamento durante a entrevista: “Tem pesquisas recentes
que indicam pra isso, (...), a partir de propostas apresentadas em congressos, na nossa
área, que podem apontar essa perspectiva.”
87
Entrevista 5: - Pedro, Especialista em Educação Física
Pedro se insere no segundo e no terceiro grupo de informantes, conforme foi
estabelecido neste estudo, por se perceber uma interseção de seus enunciados. Pedro ora se
apresenta com um quê de ceticismo, ora se exprime com um quê de “crença” na
contribuição das atividades físicas para o desempenho acadêmico. Isto pode ser percebido
na maneira como o informante constrói e desconstrói seus pontos de vista, ou quando
parece não conseguir formulá-los adequadamente, conforme aparentemente gostaria de
fazê-lo.
Inicialmente, pergunta-se ao informante qual sua opinião sobre o papel das aulas de
Educação Física nas escolas. Antes de responder à questão propriamente dita, Pedro parece
justificar-se com dados de sua experiência profissional: “Bom, eu acho que, na minha
opinião, hoje, eu, como eu não atuo na rede, como eu não atuo na rede, por exemplo, ou
estadual ou municipal, por exemplo, de 1a à 4
a. série, é (...) e assim por diante”. Dá mais
alguns detalhes sobre sua experiência profissional hoje. Este processo induz a predizer que
Pedro estava construindo sua resposta: “(...) como eu vejo, na minha opinião, como uma
educação pra vida, né? E é isso que eu prego no dia a dia nas minhas atividades (...) mas
preparar a criança ou o adolescente pra vida eu acho que é um papel fundamental do
profissional de Educação Física”. Pedro passa para o profissional a responsabilidade de
educar, assim como ele mesmo tenta fazê-lo na entrevista. Por outro lado, afirma não
acreditar que alguns professores de Educação Física estejam conscientes dessa
responsabilidade, conforme o informante desejaria que ocorresse. “Não, não com todos. É
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aquilo que eu disse, eu acho que tem profissional que talvez tenha experiências
anteriores (...) e tenta colocar aquilo, no meu ponto de vista (...) agora no geral, não, no
geral, do meu ponto de vista, os profissionais de Educação Física ...” Pedro não conclui
seu enunciado, deixando vaga sua resposta, apenas citando um exemplo de descaso para
com o planejamento adequado para atender às necessidades da criança.
Suas respostas vão se consolidando, embora com desfalques em suas falas, à medida
que a entrevista vai ocorrendo. Perguntado sobre a função das aulas de Educação Física,
responde com elementos de habilidades básicas, que circulam em nosso meio acadêmico:
“Coordenação, basicamente isso, eu acredito que, estimular... Motora, motora,
coordenação motora.” Percebe-se que Pedro vai construindo uma resposta que se
suponha aceitável, mas parece apresenta com dificuldades para fazê-lo. Essas dificuldades
se caracterizam através das repetições de palavras, e sobretudo das pausas12
: “(...)
coordenação motora fina nessa faixa etária, e, aí você vai na seqüência, né? De trabalho,
depois vem pra, pras outras atividades, de acordo com a faixa etária da criança ou do
adolescente, mas eu acho que basicamente contribui pras habilidades gerais ... Básicas,
básicas do educando”. Pedro, assim, demostra uma certa insegurança até terminar sua
resposta, sem nada concluir.
O informante indica acreditar que as atividades físicas podem ser importantes para
o desenvolvimento do aspecto social, além do motor: “Eu acho que o social, né? Eu
acho que o social, ele tem uma, uma ... (...) ... dentro desse trabalho. Eu acho que uma
Pausas e silêncios são identificados pelas reticências.
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contribuição grande, porque você tem experiência como, você começa a conviver em um
grupo (...) que contribui pra socialização de cada participante, então é ...” Pergunta-se ao
informante se, do seu ponto de vista, o social é mais importante que o aspeto motor ou as
“habilidades gerais”, consideradas por ele. Pedro, afirma: “Sem dúvida. Sem dúvida. Sem
dúvida, porque o mundo lá, eu penso que o mundo, é, teria que ser dessa forma, já é, mas,
teria que ser dessa forma, fosse cada vez mais, né? Ajudar o próximo, contribuir pra
ajudar. (...) o grupo nunca é homogêneo, né? O grupo é heterogêneo, mas você tenta de
alguma forma, é conduzir a atividade, ou brincadeiras, ou, ou a própria atividade
principal.” Apesar de passar a impressão de que se mostra convicto em relação ao seu
ponto de vista, Pedro se apresenta um pouco evasivo nesta questão.
Quando interpelado sobre a contribuição das atividades físicas para o rendimento
escolar, assim descreve sua “crença” : “Olha, eu acho que contribui, porque o aluno ou
atleta, ele, no caso, o aluno, né? Ele, todo momento ele tem que pensar, seja lá, dentro da
sala de aula, seja na atividade fora da sala de aula, atividade de Educação Física.” O
informante, no desenvolvimento de sua resposta, faz algumas considerações gerais,
permitindo assim inferir que duvida desta correlação positiva: “Agora, na questão de, de
fazer uma análise ou de fazer uma pesquisa (...). Eu não posso afirmar, mas acredito
que contribui (...).” Pedro, da mesma maneira que os informantes 1 e 2, cita sua posição e
exemplos de atividades físicas, tentando tornar mais clara a sua resposta: “Então, é, da
mesma forma que eles tem que pensar ali (se referindo às atividades práticas), que é uma
atividade, é, o futebol, eu acredito que é o mesmo trabalho que acontece dentro da sala de
90
aula e que faz com que ele também tenha que pensar em determinadas atividades de
matemática e português.”
Pedro parece acreditar na transferência automática das atividades motoras para as
atividades de cunho acadêmico, porém não estende esta sua enunciação para o desempenho
da linguagem verbal, tendo em vista atuar como professor da área de futebol, onde existe
um vocabulário específico, o qual ele o denomina de gíria : “Olha, sinceramente, eu não
vejo, agora, como responder pra você, tá entendendo? Porque, no meu caso, que tô
trabalhando com futebol, é (...) dentro do futebol existe muito, a, gírias, né?” O informante
repensa para falar, e finaliza sua resposta com o silêncio: “(...) eu não vejo, sinceramente
eu não vejo (...). Então, eu não sei ...” Entretanto, apesar dos comportamentos verbais
acima considerados, o informante, se mostra bastante cooperativo, reconsiderando seu
discurso e recriando um novo discurso. Assume, então, a postura de que não sabe
responder à questão, apesar de atribuir ao professor a responsabilidade de ter que adquirir
conhecimentos para, de alguma maneira, auxiliar o educando: “Agora, na Educação Física,
em geral, acredito que o profissional de Educação Física também tem que ter, porque ele
não pode ser só um profissional fechado, mas ele tem que ter um quê de conhecimento pra
que as pessoas ou pra que as crianças não possam corrigir o professor, né? Então, o
professor é, tem o seu, o seu, lá o seu leque de conhecimento pra poder instruir, né? Na, na
forma e no momento certo.”
Percebe-se que Pedro parece se surpreender às vezes com o conteúdo das perguntas.
Além das evidências acima, ele se confunde ao responder sobre os meios que utiliza para
91
adotar este posicionamento diante das atividades físicas: “ Bom, mas voltando a ... A
pergunta que você fez, é ... ” Começa a responder, e novamente se concentra na
metalinguagem da pergunta e da resposta, respectivamente: “E, peraí que me fugiu. Volta,
volta de, a pergunta.” A entrevistadora refaz e reformula a pergunta mais três vezes, ao
que ele responde: “Correto. É, aí é que tá, ó, por exemplo, da, do desenvolvimento da
linguagem verbal, pronto, é, agora, em âmbito geral, independente de ser uma, uma, por
exemplo, você tá me dizendo ... Sim. Isso. É”.
A entrevistadora, face ao que está ocorrendo, pontua as questões, bem como as
respostas, tentando posicionar e ajudar o informante. Este, após mais algumas tentativas,
chega finalmente à questão: “É difícil, é, a bem da verdade, se eu olhar assim ... (...) pra
verificar, então eu acho que é muito relativo de cada, de cada indivíduo, né?” Pedro fala
novamente de sua “crença”, apesar de o fazer com tom de certa descrença: “Acredito que
tem, eu vejo assim no geral.” Percebe-se uma certa dificuldade do informante na
elaboração de seu discurso, pois este o constrói e reconstrói, ao mesmo tempo que acredita
e desacredita na contribuição das atividades físicas sobre o rendimento acadêmico: “Não,
que eu saí pra pesquisar ou pra analisar, mas acho que, no geral, contribui de alguma
forma, não tão, uma forma assim, é, tão eficaz. Talvez não seria esse o trabalho que
deveria ser feito, né, pra desenvolver a linguagem, mas acredito que contribui, mesmo que
mínimo, mas contribui.” Anteriormente, em relação ao desempenho da linguagem verbal,
o informante dissera não ter condições para responder a esta questão; no entanto, aqui ele
diz acreditar, mesmo que minimamente. Finalmente, Pedro volta à questão, respondendo:
92
“Então, contribui, no caso da pergunta que você fez, não, não tem uma afirmação de
bibliografia, de criança, nada, mas do dia-a-dia, do trabalho que a gente, é, que eu já
exerci. (...) Eu acho que a contribuição, não só por isso, mas, a grande contribuição
também para o desenvolvimento do corpo em si, é, da atividade física, da qualidade de
vida, né? Então eu acho que é bem por aí, eu acho que ... ”
Pedro, pelas suas respostas, apresenta-se, de certa maneira, semelhante ao
informante Bruno, pois é evidente a sua tentativa de reconstrução de seu discurso, não
apenas para responder à entrevistadora, mas também para responder, ou tentar responder,
para si próprio. Neste aspecto há pontos em comum entre Bruno e Pedro. No entanto, as
diferenças estão no posicionamento frente à relação entre as atividades físicas e o
desempenho acadêmico: o primeiro posiciona-se como descrente, e o segundo como um
crente ou surpreendido pelas perguntas. Um outro aspecto é a forma de construções
elaborativas e elucidativas das respostas. Isto permite a autora inferir que as respostas de
Bruno e Pedro diferem na forma enunciativa, tendo em vista o grau de formação de ambos
e, consequentemente, o lugar social que por ora ocupam.
93
Entrevista 6: - Gustavo, doutorando em Educação Física
Gustavo se insere no segundo grupo de informantes, neste estudo caracterizado
como aqueles informantes que são descrentes e céticos em relação à contribuição das
atividades físicas para o desempenho acadêmico. Estes informantes, duvidando desta
possível contribuição, estabelecem como justificativas em seu discurso o papel das políticas
públicas, o despreparo dos professores e a falta de profissionalismo destes. Por outro lado,
direcionam suas dúvidas sobre o real/ideal objetivo que deveria ser atribuído às aulas de
Educação Física.
Gustavo, em relação ao papel que as aulas de Educação Física representam nas
escolas, parece assumir um posicionamento de subestima em relação às mesmas. Esta
inferência surge a partir do momento em que ele enuncia em seu discurso que o papel
fundamental é a interação, não se importando com o conteúdo ministrado, muito menos
com o profissional que as está ministrando: “É, do meu ponto de vista tem um significado,
é, pra mim mais de interação social, independente da, do conteúdo ministrado, da forma
como ela tá sendo trabalhada, do nível de formação, se ele é leigo, se ele é professor, eu
acho que o, a grande virtude das atividades nas aulas, nas aulas de Educação Física na
escola é essa, é essa interação, né?” Esta “crítica”, positiva ou não, permite que se levante
a hipótese de um certo distanciamento da realidade da prática das atividades físicas. Não se
pode afirmar categoricamente se Gustavo está ou não certo. Não existem verdades
absolutas, segundo Rorty (1994), e não há como adquirir um controle e uma previsão do
que de fato acontece. A posição do autor é: “o mundo está diante de nós, mas as descrições
94
do mundo não. Só as descrições do mundo podem ser verdadeiras ou falsas; o mundo por si
próprio - sem auxílio das atividades descritas dos seres humanos - não pode” (p.25).
Considerou-se oportuno inserir esta citação fertilizadora de Rorty, a fim de que todos os
posicionamentos dos informantes fossem respeitados a partir de suas redescrições e
resignificações de como vêem os fatos.
Gustavo continua ainda nesta questão, redescrevendo seu ponto de vista, ainda que
de forma crítica, mas acreditando que existe algum aspecto que favorece os educandos:
“Esse processo de interação social entre os presentes, os alunos, os participantes e uma
certa tomada de consciência do povo, do, de uma visão do movimento, mesmo que seja
um pouco alienada, um pouco desconectada com, com uma postura um pouco mais
crítica do processo que tá ocorrendo ali nas aulas.” Gustavo reforça novamente que
acredita na “interação social” como papel fundamental de contribuição das atividades
físicas para o educando: “ Mas eu acho que é, é fundamental isso, interação social e uma
certa descoberta desse corpo do adolescente, da criança, né? E no convívio com outras
crianças.”
Quando interpelado sobre a função das atividades físico-desportivas, Gustavo
começa a enunciar indícios de descrença sobre as relações investigadas neste estudo: “É, o
que tá lá na, nos programas oficiais, que tá lá o plano de aula, né? Que, na verdade,
muitas das vezes não são atingidos por uma série de fatores, né?” Gustavo, com
“desfalques” e “disfluências” em sua fala, denota estar construindo ou reconstruindo seu
enunciado: “É, e eu acho que reforço essa idéia, mais da interação e da ajuda na
95
descoberta desse corpo, dessa ludicidade, desse espírito também que é meio agônico13
,
né? Meio competitivo no sentido, no sentido melhor da palavra, né?” Parecem confusas as
palavras do informante; porém, atuam destacando o caráter competitivo atribuído hoje às
atividades físicas: “Eu acho que tem esse caráter também prá, é, de caráter de contato
físico, de corpos, caráter de uma certa, é, competição, mas no sentido de medição de, de
forças, não no sentido de, de uma competição como a gente percebe hoje que existe, que
é, que é estimulada até mesmo nas aulas, né?” Pondera seu enunciado, voltando à
“interação”: “De Educação Física, é, voltadas muito pro esporte, mas eu acho que pra,
pra criança ela tem esse sentido de um embate, de um desafio e de uma convivência.”
Quanto à questão da importância das atividades físicas para o rendimento escolar,
Gustavo demonstra, com clareza, que não percebe nenhuma relação direta e positiva: “É,
eu não percebo uma relação direta entre Educação Física e rendimento escolar, e não
sei se alguém já fez esse estudo, já procurou, né? Associar uma, com rendimento escolar,
né?” Gustavo concebe esta idéia como “falaciosa” , de postura de obrigação, de um
corolário. Desta maneira, pode-se considerar que seu discurso se transforma em um
discurso francamente favorável à hipótese da desconstrução da “crença” instituída no meio
acadêmico, ou no imaginário acadêmico, o que, de certa maneira, pode corroborar um dos
objetivos deste estudo, com a desconstrução dessa crença, atribuindo às atividades
físico-desportivas seu papel original, e não um papel de redenção e salvação para os vários
problemas que os educandos possam apresentar. Ou que sejam consideradas apenas como
Esta palavra não foi possível detectar efetivamente na gravação, portanto, não se sabe bem ao certo se o
informante queria dizer antagônico.
96
um meio facilitador de aprendizagens outras, e não “ferramenta” de transferência direta do
aspecto motor para o aspecto geral do desenvolvimento humano.
Gustavo, com seus posicionamentos, concedeu à autora estas considerações acima
descritas. Prosseguindo na análise da sua entrevista sobre as atividades físicas e o
rendimento escolar, vê-se que Gustavo continua negando esta premissa: “(...) então eu acho
que são visões, é, visões erradas, né? Que acho que foi se construindo a partir de uma
cultura, é, até mesmo, é, uma falsa cultura ou uma falsa idéia da Educação Física na
escola, né?” O informante não sabe dizer bem ao certo de onde surgiram tais idéias,
inconcebíveis para ele, porém vai tentando se fazer entender e, da mesma maneira,
procurando deixar mais transparente seu enunciado: “E por algum momento pode até, as
aulas ou, podem até ter possibilitado esse tipo de situação, de leitura, né? Por uma prática
de Educação Física mais conservadora, mais levado pra, talvez, prum tipo de rendimento,
que possa, talvez tenha criado essa idéia meio absurda, né? De que aluno, há uma certa
relação de rendimento escolar e Educação Física.” Observe-se a consciência de que a
“crença” é construída, além de “absurda”.
Procurando investigar mais sobre o posicionamento de Gustavo, a entrevistadora
solicita que ele discorra sobre a formação do conhecimento como uma possível
contribuição das atividades físicas: “Eu acho que é uma idéia falsa.” O informante
permanece coerente com as idéias expostas acima, apesar de alguns gaguejos e repetições
de palavras: “Pode se vender uma idéia de que a Educação Física contribua para a
formação do indivíduo, do estudante, possa contribuir para o seu rendimento escolar, né?
97
(...) eu acho que ela tem uma função própria de possibilitar, a partir da sua, do seu
conteúdo, né? O conhecimento e desenvolvimento do indivíduo em todas as esferas, mas
não que isso esteja articulado na, na direção de que, é, a Educação Física, é, se justificar
na escola pelo, por esse viés aí, de que ela é fundamental para o rendimento escolar,
porque (...)” O informante acredita em algumas contribuições, sem contudo enumerá-las.
Por outro lado, ele considera que as atividades físicas fora do espaço escolar também
deveriam, então, ter essa responsabilidade de formação do conhecimento, e questiona o
porquê atribuir à escola essas atribuições: “É, é, ou nas práticas de cultura corporal,
lúdica, fora da escola, isso também se daria, né? Então, por que que só a escola, só na
escola isso ... (...) Teria que, esse poder. E por que lá?” Gustavo se exprime por iniciativa
própria, com um olhar duvidoso dirigido à escola: “Eu acho que às vezes acontece o
contrário, quando entra lá a coisa acaba, é, dificultando essa melhor relação entre a, o, a
criança, o indivíduo, seu corpo e a própria escola, as duas coisas ainda ca ... é, passam
por um momento de tensão, né? Às vezes a escola limita o desempenho. O desempenho
não, mas o início, a, explicitação do, da corporeidade, né? (...) pelas suas próprias regras
de disciplinamento.”
Sobre a contribuição das atividades físicas para o formação da linguagem verbal, o
informante demonstra uma certa surpresa com a pergunta, e parece construir uma resposta
tanto para a entrevistadora como para si próprio. Menciona a falta de pesquisa científica que
comprove esta possível contribuição: “É porque não há uma comprovação, inclusive acho
que talvez, né? Com uma pesquisa, ou efetiva que diz, que diga isso, né?” Finalmente,
conclui sua resposta com a consideração de que, em processo de integração da Educação
98
Física com outras disciplinas, talvez possa haver alguma colaboração: “Há uma percepção
que nessa integração, a Educação Física, um processo formativo, um processo, o projeto
pedagógico, o processo formativo da escola é logicamente, ela é elemento fundamental na
construção da personalidade, da construção da personalidade motora, da personalidade
social das pessoas, né? Sem dúvida nenhuma.”
Nos moldes como a Educação Física diferente da que se apresenta hoje nas escolas,
Gustavo parece acreditar em uma prática que, trabalhada com os demais conteúdos
disciplinares, possa vir a contribuir de uma maneira geral para com os aspectos de formação
do ser humano. “Uma discussão com crítica sobre o modo como ela, se é bom ou ruim a
forma como vem sendo aprendida, eu acho que depende muito de um projeto mais
ampliado (...). Então, é complicado a, discutir, a gente fazer uma, um julgamento de valor,
né? (...) O que tá se apresentando diferente do que se faz aí, eu acho que um projeto
pedagógico mais ampliado, dentro da escola, inserindo a Educação Física, procurando
trabalhá-la junto com o conjunto, como um conjunto maior de um projeto, né?”
Quando interpelado sobre os meios utilizados para adotar o posicionamento
proposto, Gustavo enuncia: “Não são conclusões, mas são, refletem mesmo um, um
estágio de, de incertezas pela, pela qual a própria área passa com todas essas mudanças
que vão, que estão ocorrendo. Seja no, enquanto a Educação Física objeto de estudo,
enquanto, enquanto prática pedagógica e frente a uma nova ordenação legal forte com a
nova LDB também, né?” Gustavo nesta questão apresenta-se centrado no aqui-e-agora,
citando várias possibilidades, onde em todas elas poderiam se inserir respostas de outros
99
profissionais ou informantes. Seu discurso pode ser um reflexo do processo de busca de
identidade da Educação Física: “Então em, a nossa posição ou nossa percepção exprime
vários, várias coisas, vários, várias situações. Exprime uma, uma experiência. Exprime
uma, uma certa descrença. Exprime também uma certa ideologia. Exprime contradições
da nossa própria fala , né? E alguma coisa do, de um, de leituras que a gente tem às vezes
oportunidade de (...). E que também não mostram, que não apontam, não apontam pra
soluções, né? Pra fórmulas, para soluções fechadas, né? E que mostram que há, há toda
uma incerteza, né?”
Esta enunciação permite inferir também que, além da busca de identidade da
Educação Física , este leque de possibilidades apresentadas por Gustavo sobre os meios,
mecanismos ou recursos utilizados por ele para que assuma estas enunciações, tenham fruto
em sua própria descrença sobre as contribuições das atividades físicas para com o
rendimento acadêmico.
Entrevista 7: - Isabel, Doutora em Educação Física
100
Isabel foi incluída no segundo grupo de informantes. Ela parece não acreditar na
influência das atividades físicas sobre a formação do conhecimento e da linguagem verbal.
Suas respostas são elaboradas de acordo com seu grau de formação (doutora), e forneceram
subsídios para a análise que se segue abaixo.
Perguntou-se a Isabel como ela identifica o papel das aulas de Educação Física nas
escolas. Isabel atribuiu à Educação Física o que seria seu verdadeiro papel, sem devaneios
metafísicos, de acordo com o que se espera adquirir com os resultados deste estudo. Isabel
acredita na contribuição das atividades físicas sobretudo para a formação do cidadão, o que
ela considera como papel de todas as disciplinas e também da escola: “(...) tem a questão
da formação do cidadão, que eu acho que toda e qualquer disciplina é responsável por
essa promoção, de formação desse garoto, dessa menina, né? Desde que eles venham pra
escola, até que saem dela, né? (...) então isso aí eu acho que é uma responsabilidade de
todas as disciplinas, da escola, e da Educação Física também.” Sobre este aspecto, Isabel
retoma a Educação Física tendo como parâmetro a supervalorização atribuída a ela: “(...)
eu acho que hoje há uma, uma supervalorização das disciplinas para com a Educação
Física e, às vezes ela perde a sua essência pra trabalhar o movimento em detrimento de
ficar dimensionando demais esses aspectos e fazendo uma certa confusão.” Isabel
explicita o que considera como papel constitutivo das atividades físicas: “(...) fazer o
trabalho da responsabilidade dela, da sua singularidade, né?” A informante enuncia,
então, o que concebe como o sentido dessa singularidade das atividades físicas: “Que é o
trabalhar os movimentos nessa criança que tem, sobretudo, movimentos, se é que a gente
101
pode falar assim, uma Educação Física, vamos dizer assim, é que traga significado e
prazer nas suas atividades pra criança. Então, eu acho que a grande contribuição da
Educação Física é mostrar, é representar um movimento pros seus alunos como algo que
promove satisfação, prazer, saúde, (...).” Isabel, no processo contínuo de seu discurso,
enuncia e conclui coerentemente com o que disse inicialmente nesta questão: “(...) em
todas essas dimensões e, é, vamos dizer assim, é, apresentar pra esse homem um
componente - movimento, atividade física - com um componente que ele pode levar como
hábitos pra sua formação enquanto cidadão, né? Não ficar restrito às dimensões apenas
esportivas, né?” Apesar de algumas “disfluências”, caracterizadas pela repetição de
algumas palavras, Isabel critica sutilmente a questão esportiva: “O esporte não apresenta
o que as, é, as diferentes possibilidades que a Educação Física pode trabalhar outras
coisas que não só o esporte. Agora, eu acho que o grande, a grande chave da Educação
Física é trabalhar com significado, pro aluno, né?”. Entendeu-se este “significado”
mencionado pela informante como um aspecto formativo de desenvolvimento do ser
humano.
Sobre a função das aulas de Educação Física nas escolas, a informante afirma não
acreditar na função como auxílio para a Matemática ou para o Português, conforme
indicaram os informantes Lucas e Vinícius. Isabel parece ser contra esta proposta, pois,
segundo ela, isto desviaria os objetivos da Educação Física, gerando assim uma certa
confusão de propostas. “Eu acho que é trabalhar o movimento, o movimento. Eu sou
absolutamente contra a Educação Física ser bengala de 1a. à 4
a. série (...). É, eu sou
102
radicalmente contra isso.(...). Quer dizer, que todos se integrem, porque sempre quando
tem uma idéia de, de um trabalho interdisciplinar, é a proposta da Educação Física
trabalhar com o corpo, dimensões matemáticas, dimensões e, eu não, não acho que é,
(...)”. Apesar de Isabel apresentar “disfluências” em sua enunciação, o que poderia ser
considerado como resposta de caráter um pouco inconsistente, ela vai construindo seu
ponto de vista, tornando-o mais evidente: “Então, fica só essa coisa de (...) como ela gosta
de se movimentar nessa faixa etária, quem sabe vai aprender a contar dividindo os times,
sabe? Isso eu não acredito. Eu não acho que é por aí, né ? Eu não acho que é por aí.”
Isabel retoma a questão da função das aulas de Educação Física escolar,
reafirmando seu ponto de vista adotado anteriormente: “Agora, a função dela, na minha
opinião, específica, é trabalhar experiências com o corpo, signi ..., experiências
significativas, que tenham sentido, que possam fazer, é, é, que possam fazer o aluno, é,
vamos dizer assim, é, adquirir confiança, desenvolvimento, é, psicomotor, confiança em
si, a partir do trabalho com movimento. Trabalhar com a realização através da
Ludicidade, do jogo, quer dizer, eu vejo um desenvolvimento belíssimo que a Educação
Física pode proporcionar à criança, ao jovem, ao adolescente, (...), é uma atividade
fantástica pra vida dele (...). A idéia da representação, não só da saúde mas do prazer,
através da atividade física, né?”
Portanto, Isabel apresenta-se meio descrente em relação ao desenvolvimento efetivo
das atividades físicas escolares, da maneira como foram descritas por ela. Acredita na
intencionalidade dos profissionais, mas duvida da realização: “Olha, eu vejo ... eu vejo
103
assim, é, por experiência, muita gente bem intencionada, né? Mas daí a, a isso acontecer
com, eu tenho minhas dúvidas, né?” A informante, em uma instância de “crença” pessoal,
fala sobre o que acredita estar se movendo em direção aos primeiros efeitos de mudança em
relação às atividades físicas: “(...) eu acho que a gente já tem, já pode dizer que tá
mudando a idéia da Educação Física, né? Eu acho que já há uma preocupação com
essa dimensão mais lúdica, mais significativa, da, de levar em conta a, a dimensão da
cultura onde o grupo tá inserido.” Isabel, com a repetição de frases, vai tentando construir
ou elaborar melhor suas idéias. Pode-se de antemão inferir que ela acredita em um trabalho
de Educação Física, límpido, sem “imaginários ou crenças”, em um trabalho que se
preocupa em alcançar as verdadeiras propostas de contribuições da Educação Física para
com o ser humano: “ (...) eu acho que a gente tem alguma coisa já mudando nesse
sentido, agente já pode dizer que tem alguma coisa mudando nesse sentido, porque
cresceram muito as possibilidades, né? (...). Você pode fazer algumas reflexões tímidas,
mas tem noção a respeito, que eu acho que isso já é positivo, entendeu?”
Conforme se pode perceber, no diálogo acima incluem-se posições pessoais da
autora que, através deste estudo se encontra na busca de fazer crescer a área da Educação
Física. Uma Educação Física desprovida de despotismo ou favoritismos pessoais e
profissionais, na ânsia de manter sua legitimação. Ora, a Educação Física é legítima por si
só, quando tem como objetivo desenvolver, aprimorar e estimular as potencialidades do
homem, enquanto ser, ator e “autor” social.
104
Quanto à contribuição das atividades físicas para o rendimento escolar, Isabel, diz
não acreditar em uma relação direta. Através de um discurso longo, que poderia ser
interpretado de múltiplas maneiras, ela vai tecendo sua própria descrença: “Olha, tem
alguns estigmas, né? Do tipo: o aluno que é bom em Educação Física é péssimo nas
outras disciplinas.” A informante acredita que, se o aluno desempenha bem algum tipo de
atividade, seja ela física ou mental, é porque dedica seu tempo para a atividade que mais
gosta ou para a atividade que prioriza como melhor para si mesmo: “Mas eu não acho que
ele é péssimo ou que ele é burro porque ele não consegue aprender, é porque dedica a
maior parte do tempo dele praquilo que ele gosta, que é ficar jogando bola, então não
acho que ele é, é que ele prioriza, né?” A informante percorre outros caminhos, para,
posteriormente, concluir a sua idéia: “A Educação Física, na, mas não acho que o aluno
que faz mais Educação Física seja mais inteligente, tira nota melhor em matemática,
entendeu? Isso não acho que há uma relação direta. Eu acho que há uma relação, o que
eu acho que há uma relação é de como eu tô encarando aquele espaço ali, né? (ao dizer
eu, ela está se referindo ao aluno) Se eu vou encarar aquele espaço ali só como um espaço
de lazer, provavelmente eu vou me, me, vou interagir melhor com o professor de Educação
Física, com o professor de, de artes, de música, porque tudo isso vai ter mais significado
pra ele do que as outras coisas.” Ainda sobre a questão do rendimento escolar, Isabel dá
mais detalhes sobre sua opinião, espontaneamente, sem que tenha sido abordada
novamente: “Pois é. Então, eu acho assim: tem relação de causa e efeito? Eu não tenho
nenhuma, assim, que eu possa te dizer, evidência de que o aluno que tem o repertório
105
muito rico, experiente, bem vivido seja o aluno de rendimento alto. De que o aluno tem
esse repertório comprometido, seja o aluno de desempenho baixo.”
Isabel, à semelhança de Pedro, quando abordada sobre uma possível contribuição
das atividades físicas escolares para o desempenho da linguagem verbal afirma que toda
experiência pode favorecer construtivamente, ou produzir algum efeito positivo para o
enriquecimento da linguagem: “Eu acho que pode, eu acho que toda e qualquer
experiência que a criança tem, que trás significado pra ela, ajuda nessa construção.”
Isabel faz algumas considerações a respeito de estudos ou pesquisas que efetivamente
comprovem esta relação. O que não descaracteriza sua “crença” ou possibilidade nesta
hipótese: “Sempre aprende, agora, eu acho que quanto mais, quanto mais satisfação, eu
acho que, mais fácil o aprendizado, mais significativo, eu tenho a impressão que acelera,
(...). Eu acho que sim, claro que contribui porque você pára e pensa, né? Pára e pensa
numa discussão técnica, numa determinada atividade, contribui muito, né?” Pondera, com
um quê de insegurança, não haver encontrado estudos que destaquem essa correlação.
Isabel continua tentando construir uma justificativa para sua resposta positiva acerca desta
contribuição das atividades físicas para a linguagem verbal: “(...) eu acho que todo espaço
que trabalha com, aliado à linguagem, de repente contribui mais até do que um espaço que
trabalha só com imagem, né? Que trabalha de forma múltipla, né? De expressão, de, mas,
é, eu acho que, até onde eu não sei responder. Até qual o limite aí, que ela contribuiu,
mas eu acho que ela contribui.” Isabel, com pouca extensa enunciação, demonstra
106
acreditar na relação, não só através das atividades físicas, como também através de outras
experiências vivenciadas pela criança.
Pergunta-se a Isabel quais os meios que ela utiliza(ou) para chegar a estas
conclusões enunciadas em seu discurso: “(...), eu, eu fico no eu acho, porque é muito
experimental o meu, muito empírico, muita observação empírica, né?” Cita algumas
experiências, os filhos, a família, e mostra-se cooperativa quando diz não saber explicar
categoricamente o porquê de sua “crença”: “Mas, o que eu sempre ouço falar, que nunca
estudei isso, sinceramente não sou uma, uma pessoa que lê sobre isso, que estuda sobre
isso assim de forma mais atenta, então, é mesmo mais de ouvir as pessoas que fazem
falarem, né? (...) no nível do achismo mesmo, porque eu não sei te dizer, olha, o estudo tal
mostra isso ,o outro mostra aquilo, não tenho essas referências de leitura, mas é, é assim
sabe? (...) Agora, que Educação Física é essa que vai levar determinadas promoções é que
é a grande questão.”
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Entrevista 8: - Fernanda, Doutora em Educação Física
Da mesma forma que a informante anterior, Fernanda foi incluída no segundo
grupo, caracterizado como o grupo dos céticos ou descrentes em relação às possíveis
contribuições das atividades físicas escolares para a formação do conhecimento e da
linguagem verbal.
Sua entrevista, com algumas considerações que serão desenvolvidas ao longo da
análise, permitiu inferir inicialmente que Fernanda se apresenta coerente em seu discurso,
ao mesmo tempo em que transforma os modelos teóricos e instrumentos conceituais em
propósitos de um discurso fiel e realista, desprovido de idealismo.
Indagada sobre como concebia o papel das aulas de Educação Física escolares,
Fernanda pareceu firme e não hesitou em responder: “Eu acho, na escola, ela, do modo
como ela é, é vivenciada hoje, ela tem um papel de controle, de controle das crianças, né?
A Educação Física, é, pensando que ali ela vai ter um desgaste de energia e, com isso, ela
estará \ mais forte pra fazer as atividades de sala de aula, então eu acho que tem uma
atividade instrumental. Ela se caracteriza como uma atividade de controle do
comportamento das crianças, acho que é esse o papel que ela tem hoje, tá?”
Fernanda enuncia qual deveria ser o papel das aulas de Educação Física, e não o que
para ela apresentam hoje essas aulas, como descrito acima: “Embora eu pense que o papel
dela não deveria ser esse, o papel dela deveria ser de, é, encaminhamento da criança, de
reconhecer essa, essas vivências corporais da comunicação que pode fazer com esse
108
corpo, com as outras crianças, todo o interior dele. Não creio que os professores
trabalhem neste sentido.”
Sobre a função das aulas de Educação Física escolares, Fernanda segue a orientação
da questão anterior, de uma maneira mais reelaborada, como se estivesse não só
completando sua opinião, como também tentando justificar a questão sobre o “controle”
mencionado por ela: “Eu acho que as crianças têm a função de expansão, né? Quer dizer,
elas vivem, é, dentro de uma formação estagnada dentro da sala de aula, elas vivem
contidas, né? Nos seus movimentos.” Parece que Fernanda vai aos poucos mostrando o
porquê, ou o sentido que atribuiu à palavra “controle”: “Então, a aula de Educação Física
é aquele momento assim de expansão, de explosão de toda energia delas que, que tá
controlada, o momento em que ela vai poder sorrir, ela vai poder gritar, ela vai poder, é,
sentir emoções, vivenciar emoções sem a censura que a sala de aula, a professora, os
próprios colegas, né, e têm sobre ela.” Fernanda conclui sua resposta sobre a função das
aulas de Educação Física, deixando implícito o conceito de “controle” exercido pela escola
para com as crianças e a própria aula: “Na aula de Educação Física é um momento assim
de, de expansão e, muitas vezes até de explosão mesmo, dessas energias contidas,
amarradas, controladas (...). Acho que o grupo interno da escola é que tem uma
finalidade instrumental específica, controlar as crianças, né?” Completa seu pensamento:
“Quer dizer, porque a escola toda exerce controle, então a escola toda exerce controle e
as aulas de Educação Física seguem, naturalmente, a ideologia da escola.”
A informante não evidencia acreditar na relação positiva das atividades físicas
sobre o rendimento acadêmico. É o que parece indicar sua fala: “Olha só, eu penso que
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condições se formam a partir de atividades de movimento, eu penso isso. Agora, a questão
de alto, de baixo rendimento, no meu entender não, não tem relação, né? Porque há
pessoas que não, não praticam atividade física nenhuma e são altamente inteligentes e
têm um rendimento alto. Eu não posso afirmar, eu desconheço pesquisas que
comprovem essa relação de causa e efeito.” Fernanda, negando a relação aqui investigada,
fornece pistas de contribuições que ela acredita favorecerem o indivíduo que pratica
atividade física: “No meu ponto de vista, eu penso assim, quem pratica uma atividade
física tem mais controle sobre si, vai ter mais disciplina, vai ter mais, é, metodolo ...” (é
um desfalque, caracterizado como uma pausa para elaboração ou construção da resposta;
também pode denotar surpresa em relação à pergunta). “(...) métodos de estudos, vai ter
condição metodológica de se estudar, de se, de organizar os horários de estudo, né? Vai,
é, se tranqüilizar mais, então tem mais disponibilidade, né?” Por outro lado, Fernanda,
como o fizera acima, aborda novamente a questão dos inativos, ou seja, aqueles que não
praticam atividade física e que se apresentam com um desenvolvimento satisfatório:
“Agora, há pessoas que não fazem, não praticam essa atividade e também conseguem, é,
essa autodisciplina, essa, essa disponibilidade pra isso. Então, eu creio que não haja uma
relação direta, né?”
Não se pode dizer que Fernanda está equivocada sobre o desenvolvimento daqueles
que não praticam atividades físicas, sejam escolares ou não. Há, inclusive, coerência em seu
discurso, porém, não é esta a questão que está sendo investigada, o que não significa
desprezar o enunciado da informante.
110
Por outro lado, Fernanda em uma construção menos elaborada sobre o que disse
acima, acredita que possa haver uma relação que favoreça outras aprendizagens, e
apresenta-se com repetições de palavras: “Acho que há uma facilitação de aprendizagens
pelo movimento, acho que, é, há uma, pode haver uma associação de facilitação de
aprendizagens, quer dizer, umas aprendizagens corporais se tornam mais facilitadas, as,
as aprendizagens realizadas através, é, de movimentos corporais serão mais facilitadas
porque é aquilo que está escrito, né?” Fernanda deixou um pouco vaga sua resposta e, com
a presença de indícios de não conseguir construí-la, termina dizendo que não acredita que
haja relação: “No próprio corpo, é uma coisa mais concreta, mais concreta, mas não sei
não, eu não acredito que haja uma relação direta, né? Eu acho que é uma questão de
aprendizagem concreta pra uma aprendizagem mais abstrata, mais complexa”.
De uma certa maneira, esta sua resposta vem colaborar para desconstruir a “crença”
das atividades físicas como fundamentais e indispensáveis para o desempenho acadêmico.
Pergunta-se a Fernanda se ela crê em alguma forma de contribuição das atividades
físicas escolares para a formação e aquisição de conhecimentos. A informante,
aparentemente surpreendida, diz: “É, eu tenho dúvida de responder essa, não sei se vai
ajudar.” Ainda assim, tenta elaborar uma resposta para si própria e para a entrevistadora,
porém torna-se repetitiva, e também duvida da qualidade das aulas: “Aquilo que eu já
coloquei antes em relação se ele tiver uma, uma autodisciplina (...). Agora, eu duvido um
pouco da qualidade das aulas que vêm sendo ministradas nas escolas, por „n‟ pesquisas
que a gente tem por aí, que já, já determinaram, então, não sei se ela tá contribuindo.”
111
Fernanda, além de duvidar da qualidade das aulas, parece criticá-las: “No meu entender
ela contribui mais pro controle da criança do que propriamente pra, pra expansão dela,
pra criação. Eu acho que as atividades são extremamente automatizadas, pouco
criativas, acho.” Fernanda, descreve as atividades com um ceticismo muito grande, e
pondera posteriormente, dizendo-se desatualizada: “Eu tô, eu estou fora de sala de aula
há mais de dez anos, quer dizer, nem com estagiário eu tô trabalhando, então pode ser que
eu esteja bastante desatualizada e eu não tenho acompanhado, pode ser que eu esteja
bastante desatualizada.”
No conteúdo de sua descrição, Fernanda retoma particularmente as aulas de
Educação Física como um espaço privilegiado e volta a denunciar o professor: “(...). É um
espaço de muita convivência, aula de Educação Física, é um espaço de muita convivência,
né? (...), há um clima de muita confiança no professor de Educação Física, há um clima
de alegria, é, de disponibilidade do próprio professor pra ouvir os alunos, pra vivenciar,
é, brincadeiras próprias da idade dele.(...) Agora, mesmo assim, com essa doçura toda, na
realidade o professor quer é colocar o aluno na linha, né? Colocar o aluno, é,
obediente.”
Interpelada sobre os meios utilizados para adotar o posicionamento aqui redescrito,
Fernanda diz: “É, não tenho acesso a pesquisas nesse sentido, a que, as duas coisas
(formação do conhecimento/rendimento acadêmico e linguagem verbal). Eu não tenho
acesso e tô afastada dessa, dessa prática. (...) Eu acho que o meio que utilizei foi, foram
as coisas que eu li, é, as coisas que eu li e as coisas que eu vivi na escola.”
112
Por oportuno, destaca-se aqui, com uma certa dose de particularidade, que Fernanda
e Isabel apresentam diferenças em relação aos demais profissionais entrevistados. Falam de
um lugar acadêmico privilegiado (doutora), que lhes dá subsídios, fundamentos, elementos
argumentativos e capacidade de elaboração mais clara para as respostas. Neste quadro, não
se pretende destituir os discursos de Fernanda e Isabel, mas apenas destacá-los.
Análise horizontal das entrevistas
Os dados analisados permitem afirmar, face aos objetivos deste estudo, que:
1) No geral, os informantes acreditam em algum tipo de relação entre atividade
física, desempenho verbal e formação do conhecimento, dividindo-se em dois grupos, com
algumas áreas de interseção: a) dois informantes (Grupo 1) acreditam na relação entre as
atividades físicas, a formação do conhecimento e da linguagem verbal e, embora
produzindo discursos pouco elucidativos, tentam justificar e argumentar suas idéias; b)
cinco informantes (Grupo 2) não acreditam na relação acima, apresentando-se, face ao
resultado da análise vertical, “descrentes” sobre a relação entre atividade física e
desempenho ou rendimento acadêmico; c) dois informantes - sendo que um deles, Pedro, se
insere também no terceiro grupo, ora duvidando ora acreditando nas relações; sem, contudo,
elucidar suas respostas; apresentando respostas desfalcadas (com hesitação, falsos começos,
gaguejos e repetições de palavras) - tentam buscar idéias para posicionarem-se frente ao
assunto tratado, através de falas também com desfalques, com construção de respostas que
são ou que já estão estabelecidas como socialmente aceitas.
113
Seguem alguns exemplos das falas dos informantes classificados no Grupo (1),
quando inquiridos se acreditam ou não na contribuição das atividades físicas para a
formação do conhecimento e da linguagem verbal:
Lucas: “Eu acredito que sim (...) eu posso até acreditar, acredito que tenha, eu sei que tem
importância”.
Vinícius: “É primordial. (...) É importante. É importante que às vezes muitas coisas que a
gente faz na quadra eles fazem na sala de aula, né? (...) Há sempre. Há uma relação muito
íntima entre a quadra, né ? Entre as nossas aulas e aquilo que se passa, é, na sala de aula,
né?”
Os cinco informantes do Grupo (2) - aqueles que não acreditam na relação proposta
como objeto de investigação -, tem-se como exemplo algumas de suas falas:
Pedro: “É, eu não percebo uma relação direta entre a Educação Física e rendimento
escolar (...)”.
Isabel: “Eu acho que sim, claro que contribui, porque você pára e pensa, né? Pára e pensa
numa discussão técnica, numa determinada atividade, contribui muito, né? Nessas aulas,
né?... Fora as outras coisas todas que a gente já comentou da contribuição, contribuição,
eu acho que, sem dúvida, contribui, nossa, muitos dos problemas, né? (...) Agora, tudo isso
depende muito de como o professor trabalha, né? O professor também pode entrar ali e
fazer, tentar fazer... (...) é, eu acho que, até onde eu não sei responder, até qual é o limite
aí que ela contribui, mas eu acho que ela contribui”.
114
Bruno: “Eu acho que a Educação Física escolar não deveria ser compreendida nessa
dimensão. É, a Educação Física, ela não pode ser operacionalizada como uma forma de
ajudar, não pode ser assim”.
Lucas: “É muita presunção alguém achar que uma determinada atividade vai desenvolver
outra, né? (...) Eu não posso querer que a Educação Física é, é, é, é, é faça o aluno crescer
numa determinada disciplina ou outra disciplina dentro da escola (...)”.
2) A maior parte dos informantes apresenta argumentos sem nenhuma base de
estudo de caráter científico, isto é, com apenas algumas referências à sua experiência
prática, raramente com referência aos teóricos do desenvolvimento infantil estudados nesta
dissertação. Seguem algumas falas que parecem sustentar essa parte da análise:
Vinícius: “eu acredito em muito em várias teorias, né? Tem Vygotsky, tem Piaget, tem
Wallon, né? Então não é uma, uma teoria. A gente tem que fazer um suco dessas teorias e
tirar o que há de melhor em cada uma, né? Então, é importante. (...) Então, é importante,
importante e já foi comprovado no dia a dia, né?”. Observa-se que o informante crê na
possibilidade de uma síntese dessas teorias, mas não a apresenta.
Bruno: “(...) pra isso, por exemplo a pesquisa do Lamartine, que foi publicada. (...) a
pesquisa de, da tese de mestrado da Beth, me parece, é muito interessante (...)”. Aqui,
também, o informante cita pesquisas e estudos, porém, sem falar sobre o seu conteúdo.
Gustavo começa explicitamente a falar em caráter exploratório: “Não são conclusões, mas
são, refletem mesmo um, um estágio de incertezas pela, pela qual a própria área passa com
todas essas mudanças que vão, que estão ocorrendo, seja no, enquanto a Educação Física
115
objeto de estudo, enquanto, enquanto prática pedagógica e frente a uma nova ordenação
legal forte com a nova LDB também, né? Então, em, a nossa posição ou nossa percepção
exprime vários, várias coisas, vários, várias situações, exprime uma, uma experiência,
exprime uma, uma certa descrença, exprime também uma certa ideologia, exprime
contradições da nossa própria fala, né? E alguma coisa do, de um, de leituras que a gente
tem às vezes oportunidade de acompanhar, né? E que também não mostram, que não
apontam, não apontam pra soluções, né? Pra fórmulas, para soluções fechadas, né? E que
mostram que há, há todo um, há toda uma incerteza, né?”
Palavras como: incertezas, várias situações, uma experiência, descrença e ideologia
podem ser consideradas como algumas marcas de construção de sentido. Por outro lado, o
informante busca sem bússola, sem rumo, em estilo ensaio e erro; do que resulta uma lista
aberta de possibilidades, não necessariamente articuladas. Expressam essa idéia palavras
como: enquanto a Educação Física objeto de estudo, prática pedagógica, nossa posição,
nossa percepção.
Fernanda: “(...) foram as coisas que eu li, é, as coisas que li e as coisas que eu vivi na
escola. (...) É, literatura ou escrita, mas, é, não literatura comprovada, porque não é muito
a minha área, aprendizagem motora, velocidade, então eu não tenho é profundidade nisso,
eu não tenho dados (...) do conhecimento que eu tenho dessa área é mais o que eu vivenciei
na escola”.
No decorrer das entrevistas emergem alguns sentidos de afirmações com suporte
empírico:
116
Vinícius: “já foi comprovado no dia-a-dia”.
Sabrina: “porque ela é prima pobre da educação”.
Pedro: “eu vejo assim no geral. Não que eu saí pra pesquisar ou pra analisar, mas acho
que no geral, contribui de alguma forma, não tão, uma forma assim, é, tão eficaz”.
3) No Grupo (3) se encontram dois informantes, sendo que também se incluem no
primeiro e no segundo grupo. Com respostas pouco elucidativas e desfalcadas, permitem-
nos inferir que eles as estão construindo no momento da entrevista, pois talvez ainda não
haviam refletido sobre o tema da relação entre atividades físico-desportivas e desempenho
ou rendimento acadêmico. Por outro lado, têm-se também informantes do segundo grupo,
que também apresentam características de falas desfalcadas.
Sabrina: “(...)em relação às possibilidades que essa movimentação oferece, tanto na
comunicação, pra própria comunicação, né? Na, na, pra ele se reconhecer enquanto
pessoa, enquanto, enquanto ser (...)”.
Pedro: “Motora, motora, coordenação motora. (...) mas eu acho que, basicamente,
contribui pras habilidades gerais... (pausa)”.
Dois informantes utilizam política pública e ideologia como argumentação para o
que, por ora, não se verifica na prática; Sabrina, Bruno.
Uma informante duvida da qualidade das aulas de Educação Física - da maneira
como ela é trabalhada hoje - para se alcançar os objetivos propostos e desejados pelos
profissionais da área.
117
Fernanda: “ Agora eu duvido um pouco da qualidade das aulas que vêm sendo ministradas
nas escolas. Por „n‟ pesquisas que a gente tem por aí, que já, já determinaram, então não
sei se ela tá contribuindo ou, no meu entender, ela contribui mais pro controle da criança,
do que propriamente pra, pra, expansão dela, pra criação, eu acho que as atividades são
extremamente automatizadas, pouco criativas (...)”.
Alguns informantes apresentam respostas com pouca coerência interna,
evidenciando que não estão convencidos e não são convincentes em relação ao tema
abordado.
Os informantes, à medida que aumentam o grau de instrução, tendem a ser mais
prudentes e cautelosos em suas respostas. Quando entrevistados, oferecem pistas que não
permitem afirmar se acreditam ou não na forma como vem ocorrendo a prática das aulas de
Educação Física; se estas podem beneficiar os alunos além da ludicidade e da expressão
humana. Conforme foi possível observar na Análise Vertical - com respostas mais bem
elaboradas e menos elucidativas -, adotam discursos circulantes em nosso meio acadêmico
e profissional, como a valorização da Educação Física pela escola, a legitimação através de
políticas públicas que, além disso subsidiem a reciclagem dos profissionais e forneçam às
escolas condições físicas, materiais e recursos humanos.
118
Análise do Questionário:
Como tabulação geral, permitindo uma visão panorâmica das respostas, assinaladas
pelos informantes na Escala de Likert, temos:
1) Crianças com dificuldade de aprendizagem podem ser beneficiadas por um
programa de atividades físicas, melhorando seu desempenho escolar.
- concordam plenamente 3 informantes: Lucas, Vinícius e Fernanda.
- concordam parcialmente 3 informantes: Sabrina, Gustavo e Isabel .
- discorda parcialmente 1 informante: Bruno.
2) Atividades físicas contribuem para a formação e aquisição do conhecimento ou
cognição.
- concordam plenamente 3 informantes: Lucas, Vinícius e Sabrina.
- concordam parcialmente 4 informantes: Bruno, Gustavo, Isabel e Fernanda.
3) Desenvolvimento da linguagem é pré-requisito para o bom desempenho das
atividades esportivas.
- concordam parcialmente 5 informantes: Lucas, Vinícius, Bruno, Gustavo.
- discordam plenamente 3 informantes: Sabrina, Isabel e Fernanda.
4) Inteligência e conhecimento favorecem muito o bom desempenho das atividades
físicas esportivas.
- concorda plenamente 1 informante: Lucas.
- concordam parcialmente 3 informantes: Vinícius, Bruno e Fernanda.
- discordam parcialmente 3 informantes: Sabrina, Gustavo e Isabel.
119
5) Crianças que apresentam um excelente rendimento escolar também apresentam
um excelente desempenho motor.
- concorda plenamente 1 informante: Sabrina, responde “na maioria das vezes”.
- concordam parcialmente 2 informantes: Lucas e Vinícius.
- discordam plenamente 3 informantes: Bruno, Gustavo e Fernanda.
- Não tem opinião: 1 informante, Isabel.
6) A escola é essencialmente acadêmica, desprezando as atividades físicas
esportivas. - concordam parcialmente 5 informantes: Sabrina, que acrescentou
“quase sempre”, Bruno, Gustavo, Isabel e Fernanda.
- discordam plenamente 2 informantes: Lucas e Vinícius .
7) A escola separa o corpo da mente.
- concordam plenamente 2 informantes: Bruno e Fernanda.
- concordam parcialmente 2 informantes: Sabrina, que acrescentou “quase
sempre”, e Gustavo.
- discordam plenamente 3 informantes: Lucas, Vinícius e Isabel.
8) A permanência das aulas de Educação Física nas escolas é de caráter corporativo.
- concordo plenamente 1 informante: Fernanda.
- concordam parcialmente 3 informantes: Lucas, Vinícius e Bruno.
- discordam plenamente 3 informantes: Sabrina e Isabel.
- discordo parcialmente 1 informante: Gustavo.
120
OBS: Pedro não respondeu a nenhuma das respostas, preencheu somente o
cabeçalho, deixando todo o restante em branco. Sabrina acrescentou
expressões, ao invés de apenas marcar com “x” suas respostas.
Lucas, mestre em Educação Física, apresenta aspectos de coerência em relação às
respostas da Escala e sua respectiva entrevista. Fazendo parte do grupo aqui categorizado
como o de crença total na relação entre atividades físicas e desempenho acadêmico
(Grupo 1), as respostas parecem confirmar essa crença.
Vinícius, mestre em Educação Física, da mesma maneira que Lucas, se inclui no
grupo daqueles que acreditam na relação entre atividades físicas e desempenho acadêmico.
Também se apresenta de maneira coerente frente à crença desta relação, mantendo coesão
entre o questionário e as concepções emitidas durante a entrevista.
Sabrina, mestranda em Educação Física, se inclui no grupo classificado como
aqueles que embora forneçam indícios de acreditar na relação investigada, demostram
surpresa com as perguntas e vão construindo suas respostas à medida em que as responde.
Esta evidência parece clara em relação ao questionário, respondido por Sabrina, em que não
apenas assinalava a opção, mas também emitia respostas como; “na maioria das vezes” e
“quase sempre”.
Bruno, doutorando em Educação Física, se inclui no grupo dos céticos, ou seja,
aqueles que se apresentam descrentes em relação à contribuição das atividades físicas para
o desempenho acadêmico (Grupo 2). Bruno demonstra uma certa falta de coesão em suas
respostas. Em sua entrevista, diz que essa relação existiria somente se a Educação Física
121
fosse trabalhada de maneira diversa da que hoje se apresenta, mas no questionário o
informante concorda parcialmente nas questões em que são abordados temas relacionando
atividade física, conhecimento e linguagem verbal. Este fato talvez seja um aspecto
importante para se validar a análise de sua entrevista, onde existem algumas evidências
permitindo-nos inferir de ainda não haver refletido efetivamente sobre a relação aqui
investigada.
Pedro, especialista em Educação Física, deixando o questionário em branco, não
permitiu relacioná-lo com os dados de sua entrevista. Infere-se, porém, que este resultado
faz sentido, se se levar em consideração que Pedro, pela sua entrevista, se insere
simultaneamente no grupo dos céticos e no grupo daqueles que às vezes parecem acreditar,
pois vão construindo e desconstruindo seus discursos no decorrer das entrevistas (Grupo 2
e 3).
Gustavo, doutorando em Educação Física, se insere no grupo daqueles que se
apresentam céticos ou descrentes na contribuição das atividades físicas para o desempenho
acadêmico (Grupo 2). Nas três primeiras questões da Escala de Likert, em que são
abordados aspectos desta possível contribuição, Gustavo marca a opção de “concordo
parcialmente”. Este fato pode ser considerado como uma certa contraposição entre a fala
ou discurso e a escrita. Outra interpretação pode ser feita, tendo em vista que Gustavo
aponta na entrevista outros fatores contributivos das atividades físicas, como a interação
social, tomada de consciência através do movimento e outras, mas não as enumera.
122
Isabel, doutora em Educação Física, incluída no Grupo 2, dos céticos ou descrentes,
confirma não acreditar na interferência das atividades físicas sobre a formação do
conhecimento e da linguagem verbal. Nas duas primeiras questões da Escala, Isabel marca a
opção “concordo parcialmente”; nas questões restantes, permanece coerente com o que foi
exposto em sua entrevista, inferência que pode ser confirmada pela análise de sua
entrevista.
Fernanda, doutora em Educação Física, incluída no grupo dos céticos (Grupo 2),
apresenta-se de forma bastante coerente em relação às opções marcadas no questionário e
seu posicionamento durante a entrevista, como se verifica na análise de seu discurso.
123
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES
Os autores utilizados como suporte teórico neste estudo corroboram a relação
positiva entre atividade física, desempenho verbal e formação do conhecimento
(inteligência, intelecto, cognição, cognitivo), fazendo com que a psicomotricidade se torne
relevante. Segundo esses autores, é inegável a importância do desenvolvimento das
habilidades motoras dentro do ciclo da vida, para a formação plena do ser humano, com a
finalidade de explorar e aprimorar ao máximo suas potencialidades em todos os domínios.
Piaget, no entanto, é o que mais se aproxima dos objetivos propostos pela Educação Física,
dado que o autor concluiu que é da ação que se chega à inteligência. Este postulado
permitiu também justificar o porquê da teoria piagetiana ser a que mais comumente se
observa circular no meio acadêmico.
Face às idéias gerais desses autores, pudemos verificar que os informantes, em seu
conjunto, têm uma visão aparentemente heterogênea, e no fundo homogênea sobre a
questão, tendo em vista a característica de formação (aperfeiçoamento) . Neste estudo,
considera-se que, por um lado, há um discurso homogeneizante, que circula em nosso meio
profissional e é quase consensual, com características de reificado, familiar, coisificado,
pelo fato de alguns dos professores acreditarem nos benefícios das atividades físico-
desportivas para o desenvolvimento da linguagem e do conhecimento. Os discursos vão se
modificando de acordo com o lugar social e acadêmico que os informantes ocupam, bem
124
como seu grau de formação e seus conhecimentos e práticas adquiridos (exemplo: professor
de futebol, professor de universidade, professor de escola).
Percebeu-se que, da formação do graduado aos doutores, passando pelo especialista
e mestres, foi-se paulatinamente desconstruindo a “crença” da relação positiva entre as
atividades físicas, a formação do conhecimento e da linguagem verbal. Lembrando que, os
professores graduados que constituíram o “corpus” da fase anterior à dissertação,
apresentaram-se “crentes” e favoráveis em relação às contribuições do binômio movimento
e cognição.
Tendo em vista os dados coletados e analisados, incluindo-se aí também os
resultados do trabalho realizado em 1997, citado acima, e que constituiu-se no ponto de
partida para a presente dissertação, afirma-se que há uma crença, e que, por ser uma crença
de base intuitiva dos professores, está desprovida de caráter "científico", no sentido de que
as atividades físicas são consideradas como redentoras e salvadoras do ser humano; - de
que, sem elas, possivelmente, os homens e o mundo seriam diferentes. As respostas, em
geral, mostram que são igualmente esquecidos aqueles que, por razões diversas, não se
movimentam ou não podem se movimentar. Embora não sendo este o foco de nossas
investigações, questiona-se: seriam, então, estas crianças de hoje - e adultos no futuro -,
seres "acéfalos", sem inteligência ou sem competência para desenvolver as atividades e
atribuições básicas exigidas no quotidiano? Da mesma forma, também as crianças que não
participam das aulas de Educação Física seriam prejudicadas em seu desenvolvimento
mental?
125
Essa supervalorização das atividades físicas permite, preliminarmente, interpretar
que se supervalorizam os efeitos da atividade físico-desportiva, possivelmente como um
mecanismo que ajuda a garantir o mercado de trabalho (não sendo este fato, em si,
reprovável); supervaloriza-se o trabalho do professor de Educação Física como essencial e
como inerente ao bom desenvolvimento do ser humano; há a impressão - pela leitura das
respostas dos docentes entrevistados - de que se supervaloriza o próprio trabalho, porque
tem que ser assim para que o mesmo continue a existir enquanto área de conhecimento que
se amplia e se torna cada vez mais multifacetada. Por outro lado, há aqueles informantes
que não concordam com o trabalho que vem sendo desenvolvido pelos profissionais.
Entretanto, há uma diferença entre os efeitos imaginados, em termos ideais, e os
efeitos constatados na prática corrente. Assim como a Educação Física se apresenta, não se
poderia dizer: "ou muda tudo ou reformulam-se seus objetivos enquanto atividade escolar”?
Esta idéia deve ser mediada, uma vez que pode-se optar, e deve-se optar, por uma Educação
Física que tenha como meta operacionalizar seus reais objetivos, sem relevar por demais o
desenvolvimento ou favorecimento do conhecimento, da cognição, da linguagem como
forma de se impor, na busca de valorizar por esta via a área da Educação Física. A
Educação Física beneficia todo e qualquer indivíduo, no momento em que a consideremos
como um espaço sócio-educativo do prazer.
Sugere-se que, a partir da leitura desta dissertação, repensemos como andam nossas
práticas, e que, sem a preocupação de nos impormos perante a escola, incluindo toda a
comunidade escolar e a sociedade em geral, nos façamos presentes como legitimamente
126
responsáveis pelo espaço que nos pertence, recuperemos e supervalorizemos os recursos,
que são acima de tudo “humanos”, e busquemos proporcionar aos indivíduos toda uma
gama de oportunidades que os façam se sentir harmoniosa e plenamente em
desenvolvimento.
127
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131
ANEXOS
Entrevista 1: Lucas, mestre em Educação Física
E: Você, dentro do que a gente conversou, você acredita que existe uma correlação, essa
correlação de uma maneira, uma relação positiva entre as atividades físicas e o rendimento
escolar?
Lucas: Eu acredito que sim, é uma, é talvez a grande dificuldade que a gente tenha hoje é de
perceber como que isso na prática ocorra porque a Educação Física na escola foi sempre
colocada como uma coisa secundária, uma coisa extra, e (...), essa percepção de que a
Educação Física tem importância, ela não tá muito relacionada com as outras disciplinas.
As pessoas não vêem essa relação. Então para nós, profissionais, isso fica muito difícil.
Tentar impor, tentar contrapor essas, essas idéias nas outras pessoas porque, esbarra na
falta de objetividade, de mostrar realmente como que essas coisas podem, possam estar
interrelacionadas porque uma vez que eu falo tem essa relação direta eu não sei mostrar,
demonstrar como isso, eu posso até acreditar, acredito que tenha, eu sei que tem
importância, aí fala: então demonstra pra mim, aí muitas vezes o profissional da Educação
Física, ele não tá preparado pra demonstrar como. E uma vez que você não demonstra como
você perde a, a, a, a, você perde a credibilidade, eu acredito que seja por aí.
E: É, pra você, as atividades físicas estão relacionadas a qual aspecto, qual aspecto ou
comportamento essencial da vida. Pra você as atividades físicas estão relacionadas a que
aspecto que comportamento da vida escolar? Em que que ela pode ajudar? É uma relação
mesmo.
Lucas: Tem várias coisas. Eu acredito que várias concepções de, de, da formação básica,
tem relação com a Educação Física. É, é, é, durante o desenvolvimento dos jogos infantis
você pode ensinar soma, é, ... adição, subtração, você pode dar noção de elementos de, é,
(silêncio) elementos: círculo, quadrado, é, esfera, você tem como, dentro da Educação
Física, trabalhar esses elementos que estão relacionados diretamente com a questão
matemática. E você pode também, dentro de atividades ou jogos recreativos como a
132
amarelinha, desenvolver a parte de linguagem também, com formação de palavras, cada
casa da amarelinha, por exemplo, representaria uma letra e a criança sai formando as
palavras. Então, eu acredito que dentro desse contexto há vários outros eventos que
poderiam ser dado, é, por exemplo: você poderia, vamos colocar até nos jogos já, nos jogos
é, é, é pré esportivos, de uma queimada que seria a preparação pro handball, você coloca as
pessoas com número ou coloca as pessoas com letra e, a, a criança tem que seguir uma
determinada hierarquia de letras ou de números pra que a equipe dela ganhe o ponto. Então
é uma forma de você tá trabalhando a alfabetização e tá trabalhando a atividade física de
uma forma direta. É aí que foi a questão?
E: Foi. Que aspectos da vida você considera relevante pro ser humano partindo do
princípio, desses aspectos que você citou, que aspecto você considera assim relevante?
Lucas: A relevância da atividade física nesse contexto?
E: Não. Qual o aspecto mais relevante da atividade física. Da relação da atividade física
com algum aspecto mais relevante?
Lucas: É, na minha concepção tem vários aspectos relevantes. É o aspecto daaaa saúde hoje
é o mais batido deles, é o mais perceptivo que você, é, orienta o indivíduo pra que ele
busque a qualidade de vida através do esporte então eu acho que uma coisa tá relacionada
com a outra, é isso, eu acredito que nessa parte infantil, nessa parte inicial da formação, se
você consegue canalizar informações pra que a criança entenda os valores dessa atividade
provavelmente ela tende a reproduzir isso com mais freqüência e num estágio mais
avançado da vida, ou na questão, quando ele atinge a maioridade, a idade adulta, ele
consegue perceber, consegue ter uma prática sistemática em função dessa percepção que ele
teve na fase infantil.
E: Então pra você o aspecto mais relevante é a saúde?
Lucas: Não só da saúde. Eu acredito que o lado, o, a, a recreação de certa forma tá aliado à
saúde mental. Eu acho, eu acredito que o lazer é, é um, também um forte indício dessas
necessidades.
E: Necessidades. Pra que isso se prolongue pela vida.
133
Lucas: Isso.
E: Como você no handball?
Lucas: É, poderia ser.
E: Que é uma coisa que foi despertada na infância?
Lucas: Não, não. Eu, eu fui tê conhecimento do handball mesmo depois dos 16 anos, por
incrível que pareça. Até então eu via mas não praticava.
E: Você teve atividade física...
** Os dois falam juntos.
Lucas: Tive, tive. Eu sempre fui daqueles alunos que na parte física sempre tava disputando
os primeiros lugares, é, pra querer participar. Eu não admitia de jeito nenhum ficar de fora
de nada.
E: Mas então você tá dentro do quadro da aprendizagem, conforme aprendemos, quando
chega aos 16, de 16 aos 18 anos é a fase da definição.
Lucas: É, mas eu acredito que essa definição minha deu mais por falta de oportunidade do
que propriamente por ter segmentado ou vivenciado outras coisas e depois optado. O meu
caso não foi nessa de ver uma gama muito grande de atividades e depois optar. Não, não foi
isso. Foi por falta de oportunidade. Eu acredito que se eu tivesse desde, desde, da infância,
da primeira infância, conhecido o handball teria sido amor a primeira vista também.
E: Olha, que interessante. Paixão mesmo.
Lucas: É mas eu praticamente jogava tudo também, a verdade é essa.
E: Agora era aquele aluno que é prazeroso, era...
Lucas: Entrava em primeiro lugar na fila pra tá fazendo tudo primeiro de todo mundo.
E: Ah, esses alunos são tão bons! Correlacione pra mim, o bom desempenho físico,
esportivo, com outro tipo de rendimento, como o acadêmico por exemplo.
Lucas: O bom rendimento físico com o rendimento acadêmico. Eu não tô conseguindo
perceber essa correlação direta assim não. É, porque eu tô tentando lembrar aqui ..., da
minha, da época que eu estudava, lembrando, eu num consigo lembrar se os melhores
alunos estavam relacionados com o rendimento físico e, na parte já da, da, da, da
134
universidade, como todo mundo era da atividade de Educação Física fica mais difícil fazer a
correlação porque havia uma, uma, uma curva de nível de aluno muito, é...
E: Acentuada?
Lucas: Acentuada. Alunos muito bons, uma grande parte na intermediária e alunos muito
ruins, que, eu tô falando isso quanto a, a, a formação intelectual e não só como a formação
física, a percepção física. Tô sendo claro?
E: Tá.
Lucas: Eu num consigo ver como que eu poderia fazer essa relação não. Porque tinha
alunos que jogavam muito bem em algumas modalidades, que era o primeiro da turma nas
disciplinas de, de teóricas. Outros que eram muito bons atletas e nas disciplinas teóricas
eram péssimos alunos. E essa, e invertia, da mesma forma que ia prum lado, essa curva, ela
invertia também. Alunos que não tinham percepção nenhuma esportiva dentro da quadra e
que eram excelentes alunos do ponto de vista, do ponto de vista teórico, da, da teoria.
E: É, como as atividades físicas sistematizadas contribuem para o desenvolvimento verbal?
Lucas: Essa questão eu acho que tá contemplada naquela segunda ou primeira que eu te
falei. É você buscar atividade que faça com que a criança ou indivíduo recorde essa, essa,
essa formação, essa percepção de linguagem. Você cria atividades, jogos recreativos, jogos
educativos que façam com que ela passe por essas atividades tendo o contato com a
linguagem. Tendo contato, né? É, jogos de, de tiro ao alvo com letras, jogos, queimada,
handball com alguma, outro tipo de informação que a criança tenha que desenvolver uma
linguagem.
E: Você acha que você seria capaz de, pela atividade física, desenvolver a fala?
Lucas: Não tenho condição de te dar essa resposta. Eu não conheço. Não tenho leitura nem
conhecimento. É, eu aí já tô colocando de uma forma não muito comprovada. Parece que eu
já ouvi falar que tem essa relação direta, de pessoas que começam a desenvolver atividade
física, isso faz com que desencadeie nela um processo de motivação muito bom pra outro
tipo de coisa e que, de certa forma, isso faz com que ela tenha um rendimento melhor na
135
hora de desenvolver a linguagem, essa coisa. Mas isso pra mim é muito especulativo, essa
informação. Eu não tenho leitura pra...
E: Seria interessante, né? Conseguir perceber, tentar trabalhar assim, né?
Lucas: É, quando acadêmico, eu fiz uma disciplina que chamava, é, é, é natação especial
aonde trabalhávamos com o pessoal da APAE, em Minas, e essa disciplina foi até muito
engraçada porque eu, eu me senti totalmente impotente diante da, do que tava ocorrendo, eu
peguei um menino que era pra trabalhar natação com ele, o menino tinha Síndrome de
Down, paralisia infantil, mongolismo e era negro, você imagina uma criança com essas
quatro situações. Síndrome de Down, mongolismo é a mesma coisa, ele tinha outro, tinha
uma outra deficiência, visual, é isso, além da Síndrome de Down, paralisia infantil, tinha
uma deficiência visual e ainda era negro. Então você imagina a rejeição que essa criança
tinha sob todos os aspectos. Eu fui trabalhar com essa criança, me dediquei muito. Eu
gastava meia hora pra conduzir, pra conseguir levar ela pra dentro da piscina. Meia hora pra
tirar ela de dentro do meu pescoço, que ela ficava garrada e gritando. Depois que eu
conseguia colocar ela dentro da piscina, já tinha terminado a aula há muito tempo, eu
gastava meia hora pra tirar. Eu fiquei traumatizado. Até tranquei a disciplina. Eu me senti
totalmente incompetente. Eu falei: não, não é isso. Eu me cobrei muito. Eu falei: não, eu
num tô na Educação Física, pra mim, apesar de reconhecer essa importância, não é isso que
eu vim buscar na Educação Física. Então a gente também, às vezes, começa a se cobrar
algumas coisas e a gente tem que avaliar se realmente é aquilo que a gente queria quando
foi escolher a Educação Física, e não foi isso. Aí depois de você conversar, as pessoas
começaram a me fazer entender isso, que eu não tinha que me cobrar também.
E: É porque a gente, as vezes, se propõe a trabalhar com corpos perfeitos.
Lucas: É, a princípio a minha proposta era essa, trabalhar com treinamento, com...
E: Pessoas que trabalham com deficientes, com corpos deficientes, se propõe a fazer esse
tipo de trabalho.
Lucas: Tem pessoas, e a gente tem que ver que, muitas vezes, a gente num tá realmente com
condição de fazer isso.
136
E: Então quer dizer que a sua resposta foi no sentido de que você não teve êxito.
Lucas: Não, foi um fracasso porque, aí no outro dia eu ia dar aula era o mesmo processo:
demorava meia hora com o menino que ele ia pra beirada da piscina, na beirada da piscina,
meia hora pendurado no meu pescoço, depois meia hora pra tirar, aí eu falei: num dá.
Larguei, cancelei a disciplina. Não fiz sucesso.
E: Eu achei...
Lucas: É, então eu acho que de certa forma pode ilustrar, mas nós estamos falando de uma
pessoa, tinha várias seqüelas, que não é uma pessoa que, de uma forma comum, a gente vê
na, na, nas classes de ensino, né? Seriam classes especiais.
E: Exatamente. Uma vez eu peguei uma classe de alunos superativos, nunca mais eu passei
pela porta da escola, nunca não, mas por um bom tempo. A gente tá preparado pra
trabalhar só com corpos perfeitos e mente também perfeita, não é verdade? Penso que nós
devemos nos especializarmos pra trabalhar com deficientes.Como, eu acho que você já
respondeu mas de qualquer forma eu vou colocar que pode ser que você acrescente mais
alguma coisa. Como as atividades físicas esportivas contribuem para o desenvolvimento,
desenvolvimento e formação do conhecimento?
Lucas: Como que a atividade física...
E: Contribui para a formação do conhecimento.
Lucas: Olha, teria que ver sob dois pontos, eu tô conseguindo ver dois pontos. Eu não sei
qual deles que eu vou tocar naquilo que você quer. Primeiro: atividade física para a
(silêncio), difusão de conhecimento, eu acho que há um hiato muito grande, né?, porque o
que é feito pela academia e o conhecimento que é demandado pra quem trabalha. Eu acho
que há um va, va, vácuo grande aí. Por exemplo: as nossas teses, elas são todas lindas mas
eu não sei quando que elas vão virar produto de consumo pra quem trabalha na prática.
Então eu acho que isso dá uma, ... um pouco de...
E: É um hiato mesmo.
Lucas: É e não é hiato. Dá um pouco de angústia, achar que você tá trabalhando,
trabalhando pra que? Eu acho que nessa vertente, eu não sei se é aí tô respondendo essa
137
questão. E outra atividade contribuindo, se for olhar por outro lado, é, eu acredito que as
pessoas que começam a se envolver com atividade física tem várias possibilidades em
termos de qualidade de vida porque você começa a conhecer pessoas, começa a viajar,
principalmente eu tô falando pra quem tem uma atividade física que passa a ser
competitiva. Começa a conhecer outras coisas fora do seu contexto social ..., você começa
a conviver com outras pessoas, começa a ter um despertar para outras possibilidades de
vida, de...
E: Abre um leque...
Lucas: Isso. No sentido de que ...
E: De conhecimento, de ampliar esse conhecimento?
Lucas: Ah bom. Começa a perceber que tem coisas muito mais além daquele mundo que ela
tá acostumada a entender como o mundo dela. Eu acho que a atividade física colabora
nessa, nesse aspecto.
E: Quais os meios que você utiliza, ou então, ou melhor, não vou falar nem quais os meios.
A existência dessa relação positiva entre as atividades físicas e a formação do conhecimento
e linguagem, você poderia falar diretamente pra mim sobre esses três aspectos? Atividade
física, a formação do conhecimento e, digamos, o desenvolvimento da linguagem. A
contribuição para a formação da linguagem.
Lucas: Isso é complicado. Eu acho que eu toquei em todas essas opções nas anteriores, eu...
E: Tocou.
Lucas: É, repete por favor, eu tô: atividade física, formação do conhecimento e
desenvolvimento da linguagem.
E: Exatamente.
Lucas: Você quer que eu faça...
E: O que você sabe, o que você consiga falar, uma relação sobre essas três. Se você tivesse
que falar sobre isso.
Lucas: Ah, sim. Atividade física...
E: Atividade física, formação do conhecimento e desenvolvimento da linguagem verbal.
138
Lucas: Juntos? Eu num tô conseguindo entender a questão.
E: Para, como se fosse um bloco, tá? Porque você já falou que existe uma correlação, só
que não há como comprovar...
Lucas: Não, tem como comprovar mas as pessoas num tão preparadas pra comprovar.
E: É, exatamente.
Lucas: Não é que não tenha como comprovar, tem, as coisas é que num tão. Então a...
E: Nem sempre a gente tá atento pra isso também, não é?
Lucas: É
E: Então seria falar sobre esses três itens: atividade física, formação do conhecimento e
desenvolvimento da linguagem verbal.
** Silêncio (longo).
Lucas: Eu tô achando que essa questão, ela tá...
E: É até bom que você tá...
Lucas: Eu tô achando que essa questão tá confusa. Confusa no sentido de que eu num tô
entendendo o que que você, como que eu deveria dar essa resposta, então eu acho que você
deveria, depois eu quero te falar sobre uma outra também que eu acho que pode ser
discutida.
E: Tá ótimo. Se eu te fizer ela de outra forma, vamos ver se a gente vai. Que meios você
utiliza pra argumentar, pra verificar a existência dessa correlação, da correlação entre os
três? Você utiliza seu conhecimento, você utiliza sua prática, você...
Lucas: Ah agora acho que ficou mais claro. Você tem, eu acredito que tenha que aliar o
conhecimento que você tem com o conhecimento prático. Você buscar atividades que dêem
uma, uma seqüência dessas suas questões. Um atividade onde você possa comprovar, é,
atividade física uma, importante pra formação do conhecimento e que tenha relação com o
desenvolvimento da linguagem verbal.
E: Sim.
Lucas: Agora, isso aí teria vários, é, teria que, teria condição de buscar várias alternativas
pra esse desenvolvimento.
139
E: Processos pedagógicos?
Lucas: É, processo pedagógico. Você, eu acho que tem até bastante receita de bolo aí nesses
livrinhos que ensinam alguma coisa aí, nesse sentido.
E: Mas aí você tá tentando, vê se eu consigo pegar o que você tá falando. Seria o de fazer
uma atividade mais elaborada pra que abarcasse essas ou um desses três aspectos. Ou você
acha que, claro...
Lucas: Eu acho que ela não tem essa preocupação não. Do jeito que ela tá sendo montada na
escola, do jeito que a gente vê, num consigo, não tô vendo que tenha essa preocupação em
desenvolver o conhecimento da linguagem verbal. Não consigo ver essa preocupação.
E: Embora...
Lucas: Embora possa diretamente, embora possa não, embora esteja diretamente
relacionada. Mas não consigo perceber que o professor tenha essa preocupação hoje.
E: Pra que isso ocorra efetivamente acho que tenha que ser uma coisa mais elaborada...
Lucas: Teria que ser elaborada porque, preocupando justamente em fazer isso.
E: Como você justifica pra mim ou como você argumentaria a existência, a permanência da
Educação Física hoje nas escolas?
Lucas: Ela permanece, eu acredito que hoje há uma pressão muito grande pra que ela
continue na escola porque tem uma gama de profissionais muito grande que simplesmente
não dá pra falar assim: vamos tirar e o que que vai fazer com esse profissional? Eu acho que
essa parte legal é que segura mais ela do que propriamente das pessoas que estão envolvidas
na concepção de escola, realmente credencie a Educação Física ser importante. Ou seja, eu
acredito que o fato de entender que há muitos profissionais aí que não pode colocar bota
fora neles, é muito mais determinante pra ela continuar na escola do que propriamente pelo
fato das pessoas que estão no processo de coordenação desse, dessa educação, entender que
ela realmente seja útil. A utilidade dela é questionável pra mim. Eu acredito que ela tem que
vir de uma forma mais livre, sem tanta formalidade como é pra esporte dentro dos
regulamentos. Agora, como essas pessoas podem entender isso é muito complicado porque
a Educação Física tem estigma de ser aquela hora em que ninguém vai fazer nada, que tem
140
lá um "Bobo da Corte" pra deixar as pessoas não fazerem nada da forma que eles querem.
Dá a impressão que é isso. Mas a importância dela é muito grande levando em consideração
que é nessa fase de formação que a criança precisa estar orientada pra conhecer seu corpo,
conhecer o que que é limite de corpo, então tem essa, essa, essa função muito determinante.
E: É, eu acho que você já tá falando, eu só queria complementar a minha última questão
que é falar da importância da aula de Educação Física, qual a importância das aulas de
Educação Física, tanto pras crianças, quanto pra escola, pra sociedade? Você poderia
indicar uma coisa assim que seja bem consistente, que justificasse mesmo a existência das
aulas.
Lucas: Olha, é, o que...
E: Pra criança, pra escola, pra sociedade.
Lucas: Tá. Pra criança: parte do princípio que eu já falei. A necessidade de se conhecer, a
necessidade de vivenciar atitudes e coisas que somente a atividade física, é, ... de uma
forma talvez sistematizada poderia favorecer a percepção de vários aspectos como:
equilíbrio, coordenação, é, que a criança tem o contato durante o período da Educação
Física na escola que provavelmente numa outra atividade, a não ser que ela busque uma
escolinha, mas isso não é, não é, não é uma possibilidade de todas as crianças, aí entra a
limitação sócio-econômica, que nem toda criança tem essa condição. Então na escola é o
lugar onde que ela tem essa condição de vivenciar. Se tá vivenciando, se tá mal dado, aí são
outros quinhentos, eu num vou falar que tá uma coisa correta, que tá acontecendo como
deveria mas que é o lugar apropriado pra isso ocorrer é. Com relação a segunda, a escola.
Pra escola, do ponto de vista da administração da escola, eu acredito que as pessoas que
estão na administração realmente não conseguem, são poucos que tem essa percepção da
importância de que a Educação Física pode fazer para a formação geral da criança, não só
na formação física. É o que a gente já falou anteriormente, sobre a sociabilidade, sobre a
condição da alfabetização, o domínio da linguagem. Isso tem uma relação muito direta.
Agora, se a administração da escola não é sensível, não entende isso, por mais que o
professor chega lá e tenta demonstrar, se ela não tem sensibilidade de querer entender,
141
perde a importância. Então a escola depende da organização, depende da, dos princípios da
escola, é que realmente essa Educação Física, essa atividade física tenha essa visão e tenha
essa importância dentro da escola. Com relação a sociedade, aí a gente teria vários aspectos
a serem abordados. Primeiro do ponto de vista de formar o cidadão com plenas condições
de desenvolver suas, suas, suas atividades extras. E o que que é isso? É saber que ele tem
possibilidade de recreação, possibilidade de lazer, e isso tem uma relação com essa
formação que ele teve na escola. E também a formação esportiva, pra competição. A
sociedade hoje, ela tá muito voltada pro esporte de competição e essa, essa base que a
escola pode dar pode, de certa forma, interferir, favorecer esse processo de formação do
esporte de alto rendimento que é uma das maiores evidências da sociedade hoje. As
pessoas, toda a sociedade se envolve por jogo, se envolve com uma forma de competição.
E, eu acredito que essa relação é bastante direta, é bastante intensa. Se a escola tem
condição de perceber isso e fazer com que a criança tenha essa, esse entendimento, isso, de
certa forma, vai relacionar com toda sociedade.
E: Está ótimo professor. Muito obrigada.
Obs: Iniciou-se um bate papo informal, sobre entrevistas como recurso de pesquisa e
consideramos desnecessário transcrevê-lo.
142
ANEXO 2
Entrevista 2: Vinícius, mestre em Educação Física
E: É, pra você, qual o papel que as aulas de Educação Física, representam nas escolas? Qual
a função delas nas escolas?
Vinícius: Primeiro segmento, segundo segmento?
E: Primeiro segmento, de primeira a quarta.
Vinícius: Primeiro segmento a gente vê como a, a possibilidade maior de movimento,
quanto mais movimento melhor, né? Porque elas fazem de início a entrada no, no colégio,
então nós procuramos, eu que dou aula de 1ª à 4ª série, nós procuramos, é, fazer com que os
alunos vivenciem a maior gama de, de movimentos possível.
E: Qual a função das aulas de Educação Física para as crianças. O que você consideraria
como a sua função?
Vinícius: De formação de equilíbrio, né? Formação corporal, de atenção, memória,
percepção, tudo é formado, desenvolvido e é formado nessa época, então é super importante
pra isso. Tanto é que eles gostam, participam, né? Então a gente tem que saber o que vai
trabalhar pra poder realmente contribuir pra esse desenvolvimento.
E: Realmente trabalhar com planejamento... (Vinícius interrompe a entrevistadora para
responder)
Vinícius: Isso, é, tudo tem uma meta, tem um caminhar, pra não se tornar uma aula chata,
né? A aula precisa ser sempre agradável, motivaste pra ter a participação de quase todos os
alunos, né? A gente nunca consegue 100% mas a gente trabalha pra poder chegar nos
100%.
E: Você está vendo uma função das aulas para as crianças. Essa mesma função, como é que
você faz essa ponte, quer dizer, uma ponte disto para a sociedade?
Vinícius: É super importante porque é através dos jogos, dessas brincadeiras, é que nós
estamos formando o, o caráter dos nossos alunos, do nosso seres humanos. Futuros
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dirigentes, futuros professores, médicos, então toda essa formação é necessária porque mais
tarde eles vão ser adultos, né?
E: Então você acha que contribui fundamentalmente...
Vinícius: É primordial. Por isso que nós não temos adultos bem, bem formados, né? Porque
eles foram reformados, não foram formados.
E: Ou deformados.
Vinícius: Ou deformados. É, também.
E: Você vê alguma relação entre a atividade física e o rendimento escolar?
Vinícius: É importante. É importante que as vezes muitas coisas que a gente faz na quadra
eles fazem na sala de aula, né? Sentadinhos, por exemplo: matemática, o oito, quando a
gente trabalha o oito no basquete, eles depois fazem o oito na sala de aula numa, numa,
num grau mais específico, né? Porque é o número oito e ele na quadra, ele trabalha o oito.
Então aquela amplitude que ele tem na quadra seria uma habilidade motora ampla depois
ele vai transportar isso pra uma habilidade motora fina na sala de aula, então a quadra
ajuda.
E: Há uma transferência.
Vinícius: Há sempre. Há uma relação muito íntima entre a quadra, né? Entre as nossas aulas
e aquilo que se passa, é, na sala de aula, né? Você vê, basicamente nós trabalhamos muito
mais do que na sala de aula, nós, a nossa disciplina pode inserir em todas as outras
disciplinas e nem todas as outras inserem na nossa. Então há uma troca, há uma importância
muito grande na nossa área que ainda não foi dado o real valor a isso.
E: Você conseguiria, eu acho que você já falou alguma coisa mas só pra ficar mais claro,
esse rendimento escolar, essa relação de rendimento escolar com rendimento das atividades
físicas, não vou nem colocar como rendimento mas sim, como desempenho. Você disse que
tem uma relação com desempenho escolar, tá? Você vê esses dois aspectos, é, com outros,
você vê consegue ver relação com outros aspectos da vida? Além do oito, você falou do
oito, o oito, depois você falou que há uma relação direta pra trabalhar isso na coordenação
motora fina dentro da sala de aula.
144
Vinícius: Tem o que é usar a ... . É aquela coisa, a gente tem que usar a Educação Física
escolar como um meio da gente atingir outras, outras características dos alunos e
desenvolvê-las como, é, sociabilidade, né? O jogo com regras, o respeito ao outro, né?
Todos esses valores nós trabalhamos no dia a dia, nas aulas. Por isso que, simplesmente, a
gente não pode dar uma bola e deixar correr o jogo, né? Porque transcende, é uma
transcendência muito grande que existe nas nossas aulas que a gente tem que saber gerir
isso.
E: Você conseguiria enumerar um aspecto mais importante?
Vinícius: É muito difícil porque o aluno é um todo, né? E você se ater, realmente, o que
você, eu posso até citar um aspecto pra um certo aluno é o mais relevante e pro outro não é.
Ele precisa ser trabalhado em outro aspecto, né? Aquele outro aspecto pro outro é relevante,
aquele pra ele já não é. Então como a gente trabalha o ser como um todo, a gente procura
passar por todos esses aspectos.
E: Até onde você acha que as atividades físicas escolares contribuem para o
desenvolvimento da linguagem verbal? Porque temos uma linguagem corporal e temos uma
linguagem verbal.
Vinícius: Importante porque através da, eles vão ouvir, né? O que você vai falar, eles vão
entender, esse entendimento é o que? É um desenvolvimento de uma, da, da inteligência, é
onde ele compreende, onde ele percebe, e perceber é o que? É detectar, reconhecer, né?
Seria perceber, seria detectar, reconhecer e mudar o seu, seu comportamento, né? Então aí,
através da linguagem, quando o professor trabalha a linguagem, por isso que demonstração
pura e simples não atinge muito, como nós tamos querendo atingir o aluno, né? Porque
demonstrar é o que? É você repetir o que você está vendo, né? E através da linguagem dá
muito mais subsídios pra eles se desenvolverem intelectualmente, que ele vai ter que ouvir,
vai ter que prestar atenção, vai ter que perceber, né? Vai estar motivado pra ouvir o que
você está falando. Então essas outras características vão sendo desenvolvidas e
automaticamente a inteligência também vai sendo trabalhada, é, paralelamente a isso, né?
Vai sendo desenvolvida. Então é importante...
145
E: E isso facilita o desenvolvimento da linguagem?
Vinícius: Isso. Tanto é que ele entra no colégio com poucas palavras e com o passar do
tempo, ele rapidamente chega a mil palavras, duas mil palavras falando porque ele ouve,
troca, então é importante ele ouvir, a linguagem verbal ele trabalha como um estimulador,
né? De outras atividades físicas e também a cognição está relacionada com isso.
E: Que meios você utiliza pra trabalhar numa prática, você tá me dando respostas
afirmativas sobre essa relação, relação do conhecimento e também com a linguagem verbal.
É, você acha que isso é uma crença ou que meios você utiliza pra verificar a existência
dessa relação. São as teorias, livros, leituras, prática ... .
Vinícius: Não, eu acredito muito em várias teorias, né? Tem Vygotsky, tem Piaget, tem
Wallon, né? Então não é uma, uma teoria. A gente tem que fazer um suco dessas teorias e
tirar o que há de melhor em cada uma, né? Então é importante. O Piaget diz que a gente
aprende de dentro pra fora. O Vygotsky diz que é de fora pra dentro. É, existem esses dois
caminhos, né? Tanto de dentro pra fora quanto de fora pra dentro. Cabe a gente gerir esse
aprendizado, né? Que a gente tá querendo desenvolver nos alunos. Então é importante,
importante e já foi comprovado no dia a dia, né? A gente vê isso no dia a dia. O modo de
você dialogar com a turma, a linguagem verbal que você usa vai te dar um bom trabalho ou
não. Fatalmente essa relação é fundamental pro sucesso deles, né? Pro desenvolvimento
deles.
E: Então você tá querendo dizer que além do seu conhecimento teórico, da sua experiência,
... . ( a entrevistadora é interrompida por Vinícius).
Vinícius: É.
E: Então você considera que além da teoria, você também utiliza a sua experiência e a sua
observação, e isso te leva cada vez mais valorizar a atividade física e essa formação.
Vinícius: É, quando ela é bem trabalhada, ela tem um bom feedback, né? Agora, quando ela
não é bem trabalhada você vê, em algumas turmas você perde muito mais tempo, dá muito
mais trabalho mas você consegue um resultado. Agora tem aquelas que você falou, já vai
logo, já atinge o que você quer, né? Mas aquelas que não atingem dá muito mais trabalho,
146
né? Aí tem que ter sempre uma coisa que eu acho fundamental, é o bom senso, né? Você
tem que trabalhar com bom senso, quanto mais com criança, né? Então, se você não tiver
bom senso...
E: Adequar o máximo possível.
Vinícius: É, tudo, tudo tem que ser pensado, não, não como se fosse, se você dá isso pra ela,
ela já sabe. Não. Você não pode partir desse princípio, tem que partir do princípio que ela
precisa daquele tipo de movimento, ela precisa desenvolver aquele tipo de movimento, ela
precisa ouvir aquelas palavras naquele momento. Então não adianta, você como adulto
achar: ah, eu vou fazer uma atividade lateralizada, o equilíbrio, pra que ele já põe, já, ele já
sabe, já, não sabe, você tem que passar isso pra ele, pra quem já sabe, desenvolver, e pra
quem não sabe, aprender, né? É aquele medo do erro mas não, a hora do erro é essa, a hora
da aula. É errar pra vocês aprenderem, se você não erra, não quero fazer porque não sei,
não, tenta fazer se você não souber tudo bem mas você tem que tentar. Então, a linguagem,
né, nessas horas de você chamar e dar um apoio, dar um reforço positivo é fundamental. Se
você demonstrar que não tem esse, essa afetividade, esse carinho, tanto é que o professor,
eu acho que, o professor jamais poderá ser substituído por, é, computador, né? Por causa do
lado afetivo. O computador não é afetivo, ele sabe fazer tudo mas não é afetivo, ele não
chega perto de você e te dá um reforço positivo, né? Te dá uma força na hora que você
precisa, não tira uma dúvida na hora que você precisa, não ouve o aluno quando ele precisa
falar, chorar, chegar perto, então...
E: Ele é impessoal, não tem coração.
Vinícius: É, não dá, é ... exatamente isso.
E: É, você já falou da correlação, eu até tinha colocado como separado mas...
Vinícius: É, são coisas que você não pode separar, né? Que você vai falando, vai, acaba
passando na outra, entrando na outra pergunta.
E: É, eu acho que tá bom, é isso mesmo que eu queria.
Vinícius: Aí cabe a você, agora, separar esses subsídios pra encaixar nessa. Você já leu o
Schmidt?
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E: Não.
Vinícius: É, o Schmidt, ele fala na prática, aprendizagem e fala dessa importância da
linguagem verbal. A sua faixa etária vai pegar o que? Vai até a quarta?
E: A quarta. Primeira a quarta.
Vinícius: Importante, tem poucos trabalhos sobre isso. O meu trabalho de mestrado também
foi até a quarta.
E: É?
Vinícius: Sobre linguagem.
E: Não acredito. Que fantástico, é mesmo?
Vinícius: Linguagem mediando o movimento nas aulas de Educação Física.
E: Meu Deus!
Vinícius: Por isso que eu falei pra você, quando você for defender, me chame.
E: E a sua dissertação, onde eu encontro?
Vinícius: Na UERJ deve tá lá no 9º andar, não, no 11º, na biblioteca da Educação Física
tem um volume.
E: Nossa! Você foi pra prática?
Vinícius: Fui, eu filmei as aulas e depois analisei, o que a linguagem verbal, que tipo de
movimento tava ensinando pros meus alunos. Não me aprofundei muito porque tinha muito
mais coisa pra falar, né? Mas...
E: Mas aí já vai ... .
Vinícius: Não, e também não tinha tempo pra isso, né? Eu só filmei seis aulas. Não deu pra
filmar. As seis aulas transcritas já deram 70 páginas. Então, vários dias sentado ali, no
computador, voltando e, ouvindo e digitando, né? Então deu muita coisa.
E: Você filmou e esse foi o método que você utilizou de coleta de dados? Seis aulas...
Vinícius: Eu filmei, é, eu filmei e depois transcrevi as aulas associando a fala do professor a
movimentação da turma. Então é...
E: Que interessante...
148
Vinícius: Então o professor falava: sentados, aí todos sentavam, só alguns sentavam, né? Aí
entra o conceito, né? Qual é o conceito que nós tamos querendo falar? Nós queremos
movimento na aula ou não queremos movimento, quando ele manda sentar, ficar quietinho,
cala a boca, não sei que, né? Essas contradições que eu não entrei nesse ponto mas falei,
né? Então...
E: Nossa, mas que coisa mais interessante!
Vinícius: É.
E: E você pegou de primeira a quarta?
Vinícius: É, porque eu dou aula de primeira a quarta.
E: Mas aí na hora da filmagem não era você quem?
Vinícius: Não, não. Eu fui em outro colégio, e pedi que o pessoal filmasse os outros
colegas, filmar eles, deixar a análise deles.
E: E você acha que houve diferença no momento da filmagem?
Vinícius: Não, não, porque eles aceitam bem, aí nós até, nós botamos a câmera num poste e
eu dei sorte que eles, professores, tanto o que filmou e o que exercitou era conhecido deles,
né? Então não teve problema nenhum. Eu fiquei do lado de fora só anotando algumas
coisas, não fiquei ligado na aula, né? Não fiquei olhando, fiquei do lado de fora anotando
algumas coisas porque as vezes não dá pra pegar tudo, né? Na hora que você tá filmando, tá
virado prum lado, acontecem outras coisas do outro lado que não dá, então eu ficava
anotando pra depois juntar.
E: Além da filmagem, as anotações.
Vinícius: Tanto é que meu professor queria dez aulas, eu falei: não, dez não, é impossível.
Não, e eu tive que pagar, cada duas aulas cem reais pro rapaz filmar, profissionalmente. E
era colega meu, professor, mas ele falou: eu faço isso profissionalmente, podia chamar um
outro, chamou, chamou, e ele conhecia porque ele dá aula lá, né? Então ficou mais fácil
pros alunos não ficarem naquela: ah, que bom, é uma brincadeira que nós vamos fazer,
entendeu? Aí passou sem ter muito problema. Tanto é que você vê coisas do arco da velha,
depois você, lá pro fim das aulas, você morre de rir, tem cada lance...
149
E: Como assim?
Vinícius: Não, e até no sentido dos professores que participaram, quererem motivar, fazer
mais movimento, acaba você, não é pela utilização demasiada da linguagem verbal que
você vai motivar o movimento deles participarem, né? Você pode propor um monte de
coisas, ah, agora nós vamos fazer isso, "ra ra ra ra", mas se não quiserem fazer, não tem
resposta, né?
E: Interessante. E a conclusão que ficou é que há uma relação positiva?
Vinícius: É, intimamente relacionada a linguagem com o movimento, né? Então essa
adequação da linguagem, principalmente quando você vem do C.A., na entrada do colégio,
aquelas coisas todas, já, naqueles alunos, tem que haver uma melhora da articulação da
linguagem verbal pra que realmente surta o efeito que eles se movimentem.
E: E a sua base foi Vygotsky?
Vinícius: É, foi basicamente Vygotsky, basicamente Vygotsky .
E: Mas você usou outros autores?
Vinícius: É, eu falei alguma coisa mas foi mais Vygotsky, porque Vygotsky fala dessa
mediação, entendeu? Existe um outro, essa mediação que foi através da linguagem verbal, é
que motivou o movimento ou não, né?
E: Que maravilha. Nossa, eu vou atrás dessas informações que eu acho que são...
Vinícius: É, eu, algumas coisas até, a banca, porque lá a gente entrega a versão final e
depois não pode mexer mais, então você entrega, você não pode mexer mais, então a banca
fez algumas sugestões na hora da defesa, eu já tô até mexendo nela e tudo, mas ainda não
acabei, seria bom você depois entrar em contato comigo, principalmente na conclusão,
pôxa, você tem tantos dados aqui e você, mas eu não quis colocar porque senão ia ficar um
negócio muito grande, né? Já foram quase 200 folhas e ainda, se eu fosse falar mais coisas,
não sei que...
E: Ficaria muito extensa, você acha.
Vinícius: Ah, é, agora com as aulas transcritas simplificou tudo, né?
E: Tem muito material, né?
150
Vinícius: Ah, tem.
E: Dá ainda pra fazer até novas análises, né?
Vinícius: É, eu agora, eu vou apresentar lá em Foz, no Congresso de Foz, eu vou.
E: É.?
Vinícius: Mandei dois trabalhos e os dois foram aceitos. Um foi dando enfoque em, nas
interferências verbais, né? Analisando a, assim é, como é que eu vou dizer? Então, é,
castigos, né? Imobilidade, né? Então eu vou falar um pouco mais, vou entrar no que eu não
falei no meu trabalho de mestrado, eu vou falar, apresentar agora, entendeu? Porque
justamente é o que eu posso usar depois, né? Então eu vou falar sobre essas outras
características, né? Que vão mediar ou não...
Obs: Encerrou-se a transcrição pois o restante, foi apenas uma conversa informal.
151
ANEXO 3
Entrevista 3: Sabrina, mestranda em Educação Física
E: Eu vou colocar aqui, terceira entrevista, só pra me situar, no dia 27 de outubro de 1998.
Mestranda em Educação Física para o estudo do lazer. Sabrina, para você, qual o papel das
aulas de Educação Física escolar?
Sabrina: Eu acho que...
E: Nas escolas, o desenvolvimento...
Sabrina: O desenvolvimento, né? Qual seria o papel não o que acontece?
E: Não, o papel...
Sabrina: Qual seria o papel. Eu acho que seria situar o aluno frente a diversidade de
culturas, corporais, culturas de movimento, das diversas formas de movimento, situar pra, é,
situar o aluno dentro da sua cultura integrando com as várias culturas diferentes que vêm
dos vários alunos, das várias partes, né? Mesmo que seja só um bairro cada um vem de uma
família, as vezes de bairros diferentes, e interagindo com as várias formas de movimento
corporal ele consegue não só se comunicar melhor como se situar melhor enquanto pessoa,
na, nas suas relações com os outros. Naquela condição toda, enquanto movimento, além de
outros lados também de expressão, comunicação, de, saber se colocar culturalmente em
uma sociedade coletiva, né? Onde você tem desde um comportamento básico de postura
corporal mesmo, dependendo do lugar que você estiver, até a questão da saúde, do
movimento e engloba tudo, né? Pra mim é uma linguagem diferente na escola, apesar de
não, não, não existir só linguagem oral ou só a linguagem escrita, o ser humano, né? A
Educação Física cuida especificamente da linguagem do movimento, eu diria assim.
E: Corporal?
152
Sabrina: Da linguagem do movimento corporal, nas várias culturas corporais na perspectiva
da comunicação. A escola é conhecimento e comunicação, é todo conhecimento corporal
dele próprio, do seu próprio corpo e das relações que esse corpo tem com o coletivo. Por aí.
E: Dentro do que você tá colocando aí, que você falou dessa linguagem, que as escolas tem
com essas aulas de Educação Física, e a função dessas aulas para a turma.
Sabrina: Dessas aulas específicas de Educação Física.
E: Sim. Você pode discorrer um pouquinho sobre isso, o que que você acha?
Sabrina: O que que vem acontecendo?
E: É, qual é a função dela para as crianças?
Sabrina: Eu acho que, para a primeira fase de escolarização? Primeira a quarta que você
diz? Criança. Eu acho que o que vem acontecendo é diferente do que tá pra acontecer ou
que deveria estar acontecendo. Quando há duas coisas, primeiro o lado da formação que a
gente teve, toda, toda de um modelo sempre a ser seguido, de um comportamento único,
específico denominado comportamento certo, utilitarista para um determinado fim, depois
vem o desportismo, que o certo era fazer esporte, então você separa grupos, né? Onde, os
que gostam vão poder tá atuando sempre na aula de Educação Física e os que não gostam
nunca vão ter seu espaço e a gente esquece nesse momento que o corpo pode se
movimentar de várias formas, sem ser só no esporte ou só em modelos, então o papel de
Educação Física vem sendo conquistado aos poucos na medida em que ele considera esse
rendimento necessário pra formação do conhecimento do próprio aluno em relação as
possibilidades que essa movimentação oferece. Tanto na comunicação, mais pra própria
comunicação, né? Na, na, pra ele se reconhecer enquanto pessoa, enquanto corpo que se
comunica, enquanto ser, ele se conhecer primeiro pra depois ele poder conhecer o corpo.
E: Fazendo um gancho daí, das crianças. E pra sociedade, como você a considera?
Sabrina: Esse conhecimento que ele aprende na escola, como que ele leva pra sociedade?
Como que ele traz, né? Porque primeiro ele traz, o conhecimento que ele tem lá de fora e
quando o professor sabe então aproveitar isso, socializar toda aquela atitude corporal, toda
aquela diferenciação de movimento, de, por exemplo, na primeira fase, escolarização
153
lúdica, o lúdico, o brinquedo, como é que ele trata aquelas várias diferenças, como é que ele
lida com aquilo ali sabendo adaptar, aceitar a idéia do outro que pra mim é o que ele vai
levar de bom pra essa sociedade é exatamente essa oportunidade da interação. Não é o meu
brinquedo que é o certo, não é o seu brinquedo que é o certo mas a gente pode construir um
novo brinquedo a partir daqui, né? Então você brinca de amarelinha de um jeito e eu brinco
desse jeito, nós podemos tentar um terceiro modo, uma outra pessoa brinca de uma outra
maneira. Então, pra mim a comunicação tá aí, na necessidade da comunicação, e o
conhecimento para a comunicação é pra você viver coletivamente nas várias diferenciações
culturais que existe em todo lugar. O ser humano é um ser absolutamente social, que vive
no coletivo, mas as culturas são diferenciadas, entendeu? De região, de classe social, várias
separações. Então o papel da escola seria um papel de socializar esse conhecimento, faz
parte o conhecimento corporal na Educação Física, na Educação Física. Traz o
conhecimento corporal dele, do próprio corpo, se interage com as outras formas de
movimento, quer dizer, ele traz o que a sociedade dá pra ele, que é família, vizinho, dão pra
ele e ele traz pra escola, e ele trabalha aquilo ali sistematizando esse conhecimento, porque
escola é local de conhecimento, de aprendizagem, né? Sistematizando esse conhecimento e
devolvendo pra sociedade, sabendo interagir essas áreas é ... culturais.
E: É, você consegue observar nessa prática, você tem uma prática muito grande, né?
Sabrina: Eu sou professora de Educação Física mesmo há uns sete anos. Pra pré-escola e
creche.
E: Você consegue ver alguma relação da Educação Física com as atividades físicas
corporais, vamos colocar assim, a Educação Física escolar com o rendimento escolar ou
rendimento acadêmico, notas.
Sabrina: Bom, aí tem várias, essa pergunta tem várias questões, né? Porque se você coloca,
vai depender do projeto político pedagógico, se a escola é, se a Educação Física tá presente
dentro da escola na sua totalidade ou se ela tá isolada como ela sempre teve, né? Isso teria
como professor de Educação Física ou de entrar numa escola pública onde você daria aula
pra primeira fase do primeiro grau, 1ª a 4ª série. Pra você ter uma idéia, as crianças de 1ª
154
série deveriam ter aulas de natação, aí a professora mais antiga separou, me deu 32 homens,
ficou com 28 mulheres, e o primeiro dia da aula, que eu cheguei, já, já, foi no meio do ano,
então eles já estavam habituados a metodologia da outra professora, eles se colocavam em
fila, duas filas, e cada um tinha oportunidade de entrar mais ou menos umas três vezes na
piscina, eles atravessavam a piscina, cada um tinha uma forma diferente e entrava no final
da fila. Eu criei um rebuliço muito grande quando eu entrei dentro da piscina com os
meninos e mudei toda a característica da aula. E o maior rebuliço foi criado quando eu bati
a mão na mesa e falei assim: por que que eu não estou presente no conselho de classe? Sou
professora de Educação Física, não sou tapa buraco. Então peraí um pouquinho, cadê a
Educação Física dentro da escola? Nesse momento ela não era dentro da escola. Nesse
momento, a Educação Física, passando por aquela etapa de fortificação, ela era uma, entre
aspas, de uma escolinha, de, de, só, completamente isolada do contexto escolar. O professor
não participava de reuniões, não participava de conselho de classe, e assim por diante. Só
que essa prática foi mudando. E, hoje em dia, a diretora do nosso colégio é professora de
Educação Física, e não é por isso que mudou, foi, agora uma conquista, da área se
posicionando. A escola é local de conhecimento então a Educação Física também tem o seu
papel importante. Agora, juntando isso na escola, como na primeira fase a gente tem muita
oportunidade de trabalhar realmente integrado com o professor de sala de aula, a gente
percebe que todas essas atividades corporais, sei lá que nome, né? Mas depois...
** Falamos ao mesmo tempo.
Sabrina: Maneira de comunicação verbal, escrita, motora, a movimentação do corpo, tudo
isso, faz parte do ser humano, o conhecimento, ele se, o homem se apropria do
conhecimento em virtude dessas formas de linguagem, e a Educação Física é uma delas Só
a presença ali o tempo todo não tem como tá fugindo disso. Porque então, seria uma
solução muito prática, era só cortar a cabeça, deixar a cabeça dentro da sala de aula e
mandar o corpo pra Educação Física. Então todos os problemas estariam solucionados, sabe
por que? Porque ia caber muito mais cabeça dentro da sala de aula e a professora não ia ter
que tá preocupada com cadeira, com os meninos, sabe? Não ia ter que ficar preocupada em
155
mandar menino sentar. O problema era só calar a boca, né? O grito a gente ia ter que
agüentar. Então, quando a gente parte dessa coisa, de planejar uma aula e considerar tanto o
professor de arte, quanto o professor de Educação Física, quanto o professor de sala de aula,
em iguais condições, condições, apesar que, o professor de arte e o de Educação Física tem
tempo menor, então compensa, que é menor. O professor de sala de aula tá presente no
quotidiano, o de Educação Física tá três vezes por semana, o professor de arte tá uma ou
duas vezes por semana mas o planejamento foi feito em conjunto. E no começo, era uma
coisa assim, dependendo do conteúdo que o professor de sala de aula estivesse trabalhando
a Educação Física e a arte entravam pra ajudar. Atualmente não é mais assim. O conteúdo é
selecionado pelos três em razão do que tá mandando na sala de aula, porque os meninos
trazem os problemas pra sala de aula pra serem discutidos então o conteúdo, ele é, ele é
buscado a partir do momento daquele grupo da sala de aula e três professores resolvem qual
conteúdo vai ser trabalhado em, com a ajuda dos alunos, quer dizer, os alunos colocam, a
gente leva pra reunião do planejamento e a gente discute em conjunto o conteúdo que vai
ser trabalhado e como ele vai ser trabalhado em Educação Física, e como ele vai ser
trabalhado na arte e como ele vai ser trabalhado na sala de aula, com a matemática, com os
estudos sociais, com a linguagem escrita e etc. Então, quando acontece isso, a Educação
Física tá presente dentro do contexto escolar com a mesma função do, de toda e qualquer
disciplina e não é mais ela a única responsável pelo corpo. Nem é mais ela só responsável
pelo corpo, ela também é responsável pelas diversas formas de linguagem só que,
especificamente, ela lida com conhecimento da cultura corporal. Ela enfoca mais, ela dá
mais direção. Você não pode desconsiderar o corpo dentro da sala de aula, assim como eu
não posso dispensar o raciocínio e o pensamento dentro da aula de Educação Física, porque
senão eu vou estar cada vez mais dividindo, né?
E: E dentro desse conhecimento corporal que você tá colocando você acha que, pelo que
você falou, essa é a sua experiência na escola, né? Você acha que isso poderia, que a
prática das atividades físicas tem influência, não importando de que forma ela esteja sendo
trabalhada?
156
Sabrina: Ela tem, ela tem. Eu acredito que ela tenha influência.
E: Que ela ajuda no rendimento escolar?
Sabrina: Ajuda. Sem dúvida.
E: Favorece a formação do conhecimento, o conhecimento, além do corporal?
Sabrina: Ajuda, porque a partir do momento que você tem uma liberdade de expressão pra
fazer a linguagem, você constrói um sistema, você abre a outras linguagens. Eu acredito
muito nisso, e eu não acredito que o homem se desenvolva por uma etapa só, que ele
desenvolva pro esporte, outras, é outro departamento, mas...
E: Sim ... . (falamos ao mesmo tempo).
Sabrina: Ele se desenvolve sempre na sua integralidade, mesmo que você fique só
ensinando, mas o corpo tá ali presente, ele pode ser um pouco preso mas sempre tá ali. E
ele vai, quando você dá essa oportunidade dessa movimentação livre, do pensar sobre o agir
corporal você tá trabalhando outras disciplinas. Todas elas. Não acredito nessa coisa de
rendimento daquela forma assim, é, que a gente tá acostumada a ver na Educação Física, faz
uma aula bem agitada pros meninos ficarem calmos em sala de aula, pelo contrário. Eu
acho que quanto mais agitada, mais agitada fica. Agora, então, como ela tem que
exatamente vir pra aula de Educação Física, e não é gastar sua agitação não, é se
sistematizar e ver como ela pode se comportar perante aquele estágio da educação, ela vai
aprender de acordo com o que o ambiente oferece. É provavelmente na aula de Educação
Física que ela vai ter uma liberdade corporal maior, mas ela tem que, de alguma forma,
dominar esse estágio da educação. A vivência, vivência é assim mesmo mas de alguma
forma dominar também, pra aprender a se situar nos vários contextos. Então eu acredito
que, pra esses alunos, a coisa não acontece de forma isolada. Cê não aprende linguagem
escrita, é, linguagem corporal, você aprende o tempo todo.
E: Dentro do que você tá colocando aí, daria pra falar mais um pouco? Porque, na verdade,
e aí eu tô pensando em tirar um pouquinho mais, eu acho que ainda pode sair muito mais
coisa daí.
157
Sabrina: Tá. Essa questão da linguagem escrita, o que me dá experiência de responder isso
não é a prática da Educação Física, é a prática de Contadora de Estórias, exatamente lidava
nas aulas de Educação Física, mas como a gente lida com a comunicação, e quando você, é,
tem uma, uma, uma, como é que eu diria isso, uma comunicação oral e gestual, como é o
caso da Contadora de Estórias, você pra ter essa oralidade fluente, essa coisa fluente, ela faz
parte um pouco da coisa escrita, pois bem, eu não sei exatamente o que eu tô te falando. Eu
não sei te responder direito. Mas é mais ou menos o caminho que a gente utiliza aqui, que é
aproximar na linguagem literária da linguagem oral, a criança vai se identificando mais com
a linguagem escrita, porque a linguagem literária é transmitida de uma forma oral. As
palavras que saem da boca são extremamente literárias, quando a criança tem essa
compreensão ela é capaz de se desenvolver mais em tudo. Isso é prática que a gente tem.
Agora, também qualquer tipo de dramatização, de movimento, de construção lógica,
digamos assim, eu acredito que auxilie na linguagem escrita. No homem todas as coisas não
se desenvolvem separadamente, isoladamente, sozinho. Da minha infância, uma coisa serve
a outra porque elas são interligadas. Então qualquer raciocínio lógico, que tá construindo, o
corpo, a cabeça, esse tipo de coisa do ser humano, ele vai servir as várias formas de
linguagem que ele tem, vai servir a escrita, vai servir a comunicação oral, vai servir a
comunicação gestual, então há várias formas de sistematização, de raciocínio lógico, é que
vão poder influenciar. E também a forma de comunicação dentro da aula de Educação
Física, né? Pra você explicar um jogo, você passa o conhecimento desse jogo oralmente.
E: E aí você acha que há uma transferência?
Sabrina: Claro que sim. Na, na, na experiência que eu tenho lá dentro do colégio, é o, entre
aspas, companheiro, mas que a gente trabalha com sócio-interacionismo, eles partem da,
eles partem da, da, da linguagem quotidiana deles pra escrever, e eles vão percebendo que
tem uma maneira deles escreverem que só eles entendem, que daqui a pouco tem uma
maneira, que eu vou aprendendo, que todo mundo entende. Essa maneira que todo mundo
entende é a linguagem escrita, é português correto, é a que a gente não usa no quotidiano, é
o que em Goiás, que é a minha terra, é uma coisa mais, talvez, mais deplorável que nos
158
outros estados porque não se usa o plural, não se diz, é ... , as palavras são todas cortadas
pela metade: cê é você. Não é comendo, não é você está comendo, nem você está
caminhando, é, cê tá andando? Cê tá bom ,cê tá bom, cê tá bom? Então essas coisas, essa
diferenciação da linguagem oral pra linguagem escrita pra mim é nó, é um nó, aí fora é a
dificuldade que a criança tem. A gente fala de um jeito e escreve de outro, que coisa difícil
é essa? Então eu acho que tudo tá na sistematização desse conhecimento e na apropriação
que o professor de Educação Física pode fazer pra essa linguagem correta, pra ter as coisas
explicadas. É sempre um vai e vem, nunca, eu não acredito em nada isolado, nada. Eu
acredito sempre no vai e vem das coisas.
E: Então você acha que a Educação Física não resolveria o problema de tudo.
Sabrina: Nunca, de jeito nenhum.
E: É ... , (Sabrina interrompe a fala da entrevistadora para concluir o que falava).
Sabrina: Ela pode até resolver, se for daquele jeito que eu te falei, então deixa a escola com
a cabeça e deixa o corpo lá com agente, aí pode ser que ela resolva. Resolve o problema do
mundo. O ser humano é muito complexo, muito cheio, muito aberto pra essas...
E: Para a formação do conhecimento, a Educação Física contribui?
Sabrina: Claro que contribui, não unicamente e nem...
E: Não unicamente, porque senão teria que separar a cabeça do corpo.
Sabrina: É. A cabeça ficaria fora , que ela tá pensa, e joga o corpo lá com a gente. É até
bom que o nosso corpo lá não vai gritar, né? Não vai dar palpite, não vai interferir na sua
aula, se der uma orelha não vai chamar de burro.
E: Além da sua prática, que meios você utiliza pra, não diria nem pra confirmar, pra
verificar que existe essa relação, você já falou muito sobre isso, né? Eu voltaria, eu pediria
que você falasse um pouquinho mais, que meios você utiliza pra dizer que existe essa
relação favorável entre as atividades físicas e a formação do conhecimento e da linguagem
verbal?
Sabrina: Eu te dou uma referência prática disso, você quer uma referência prática, uma
experiência de vida?
159
E: Uma experiência prática ou uma experiência de...
Sabrina: As cartas que a gente recebe dos alunos quando eles gostam de uma atividade
muito interessante. Tanto como Contadora de Estórias, como a aula de Educação Física. E
as cartas são espontâneas.
E: E o que diz nas cartas?
Sabrina: Adorei sua aula, queria trabalhar, conheci um jogo na casa da minha avó, adorei
sua história, conheço um pedaço da história, conheço a história diferente, conheço esse jogo
diferente. Queria que você fosse na minha casa conhecer, queria que você fosse na minha
casa conhecer a minha avó porque ela não sai mais. Isso tudo aparece, e aparece no texto
que as crianças fazem pra professora em sala de aula, meia volta, volta e meia sempre tem
conteúdo trabalhado na aula de Educação Física, porque é conteúdo do quotidiano deles. É
conteúdo de jogo nessa primeira fase escolar, mesmo depois, mesmo na segunda fase de
escolarização, mesmo quando eles tão trabalhando com todos os esportes, levantando a
história do esporte, mostrando como é que o vôlei foi feito para sedentários e velhos. As
reformas todas, então pode colocar 30 alunos num lado da quadra e 30 alunos do outro que
vai sair vôlei do mesmo jeito, entendeu? Quando a gente trabalha com essa questão do, os
alunos começam a descobrir coisas interessantes, começam a fazer relação com, olha o
anúncio que saiu no jornal, olha que coisa ridícula. Eles aprendem a criticar, porque a gente
trabalha muito com a realidade, o que a mídia oferece, o que eu pensava, o que eu penso
agora, o que os meninos me dão, a gente trabalha o máximo com todos os tipos de
informação, né? E nesse sentido, o aluno troca sempre o que vai pra sala de aula, o que vem
pra sala de Educação Física. Há intercâmbio dessas informações, eles levam pra casa, eles
levam pro grupo de amigos e eles levam pro professor de sala de aula e isso sai no texto
deles, todo o conteúdo que é trabalhado, todo o conteúdo que é significativo pra cada um
deles, que vai ser sempre diferenciado. Eu como professora ê, ê, ê, elegi o conteúdo sim,
mas não necessariamente, aquele conteúdo que eu elegi vai ter, é, vai ter o mesmo
significado e mesma importância pra todo mundo, vai ter sempre, uns vão ter mais, uns vão
se identificar com determinados conteúdos mais, outros menos. E essas coisas saem nos
160
textos, nas redações, principalmente em relação com outras literaturas, isso acontece muito,
eles cruzam essa, esse conhecimento.
E: Você usa o seu trabalho, você, usa seu trabalho e, tem outros professores que trabalham
da mesma forma que você?
Sabrina: Na minha escola sim, mas é necessário dizer que é uma escola especial, que é uma
escola que todo mundo tem formação profissional, graduação, que é uma escola da
universidade, né? Tipo colégio aplicação que é sempre centro de pesquisa e extensão ligado
à educação atualmente. Então um colégio de, de, eu acho que é uma realidade diferente.
Agora...
E: Interessante.
Sabrina: Muito interessante. Agora, tem também...
E: Se você puxar pra outras realidades?
Sabrina: Pra outra realidade. Se eu puxar pra realidade pública, da escola pública. Tem-se
tentado fazer um trabalho, agora, a questão da formação do professor ainda é muito forte.
Lá em Goiás, por exemplo, a formação é muito, foi muito tecnicista até dois anos atrás,
começou a mudar pra dois, três anos atrás, é muito pouco.
E: E esse tecnicismo, eu diria, você trabalha mais o corpo e não visando a mente, o
conhecimento?
Sabrina: Exatamente. É a divisão...
E: Aliás, o corpo e a cabeça.
Sabrina: É, o corpo e a cabeça. O corpo também ... . (nesse momento falamos ao mesmo
tempo).
E: Não teria relação, pra você não teria relação nenhuma nesse sentido?
Sabrina: Eles fazem...
E: Trabalharia mais o ... .
Sabrina: Eles fazem uma relação assim de, é, como é que, aquela coisa de saúde, mente sã e
corpo são. Se o corpo tem saúde a sua mente também é saudável, se você exercita bem lá na
quadra, quer dizer que você não tem o raciocínio aqui na sala de aula.
161
E: Mas nisso você não acredita?
Sabrina: Não. Eu acredito nisso de forma totalmente diferente. Eu acredito no homem, com
o corpo todo, com as suas várias maneiras de se expressar, de se comunicar, de apreender os
conhecimentos que lhe vem, usar cada um de uma maneira.
E: Então diríamos assim, que nessa prática que às vezes a gente vê correndo, que é comum
da Educação Física, digamos assim, e ainda é comum, você não acredita nessa relação?
Sabrina: Não, não acredito.
E: Que haja uma... . (Sabrina, novamente interrompe para continuar sua fala).
Sabrina: Não acredito da maneira, eu acredito que haja essa interação que eu já te falei mas
que eles não tem, eles não tem consciência dela, ela não deixa de ocorrer porque o homem
continua sendo o homem, entendeu? Em relação a, e eu acredito na relação que eu faço
mesmo na prática do outro. Porque a gente sem saber, inconscientemente, agora, é claro que
a relação é feita em menor escala, porque quando você não tem consciência, quando a
relação é feita inconscientemente ela escapole. Quando você tem consciência você passa a
dominar, então você, o seu leque se amplia muito, né? Agora quando você não tem esse
conhecimento você fica reduzido aquilo ali, corre aqui pra poder, faz um, aprende um
movimento, uma destreza, um determinado toque, pra ter um raciocínio lógico pra você
aprender direito matemática, você aprender direito literatura, e não é por aí. Agora, uma
outra coisa por exemplo, uma experiência que eu tenho no colegial, é de trabalhar ioga, com
alunos do 3º
Colegial, em sala de aula, aí sim eles escrevem bem, uma relação direta,
porque aí a gente trabalha com o que? Atenção, capacidade de concentração,
desmistificação dos medos e de tabus, consciência corporal, corpo, etc. Isso tudo eles levam
pra sala de aula, eu indico, quer dizer, levam pra sala de aula, eu falo mesmo, abertamente,
faça o exercício de respiração no meio da prova, tá nervoso, tá confuso, para, concentra,
esvazia a cabeça, deixa que o que você estudou venha, mas descansa, fica com a mente
limpa, então, dessa forma eu acho que eu acabo induzindo a essa relação.
E: Você está dizendo que contribui muito?
Sabrina: Eu acho que sim.
162
E: Trabalha com esporte...
Sabrina: Agora, na rede pública, voltando, na rede pública, apesar da diferenciação, eu acho
que há algo que começam, algumas mudanças, em menor escala, claro, nós temos um
buraco de formação aí vai demorar muito.
E: E aí você acha que a contribuição é menor ou não?
Sabrina: Aí vai depender da escola porque assim, isso tudo, essa riqueza toda que eu tô te
mostrando, a minha escola me permite, por ser uma escola de universidade, por eu ter voto
lá dentro, ativo, tanto quanto qualquer outro professor, eu me considero de um meio
universitário então eu boto a mão na mesa, eu grito, eu xingo, eu esperneio, eu mostro, eu
tenho toda essa liberdade de fazer isso, porque eu tô fazendo o meu trabalho como
professora universitária. O professor da rede pública, ele não tem, ele tem medo de perder o
emprego, ele tem que ter três, quatro empregos, dois, três, quatro empregos pra poder se
manter, ele não tempo pro estudo, sabe? Então na realidade eu, eu, eu acredito e sei da
existência de vários focos que são pequenos ainda, é pouca coisa ainda, não é uma mudança
significativa, é um início, mas não é ainda uma mudança significativa, e pra essa mudança
ser significativa, eu acho que tem que se atacar direto na formação, que é uma coisa cara. O
professor de uma maneira geral não conhece nem a, nem a cultura que tem em volta dele,
quem dirá outras, né? Não tem, então que tipo de formação que ele tem pra passar pro
aluno, ele não aceita o que vem do aluno como é que ele vai pegar todas aquelas diferentes
formas de manifestações, de cultura corporal e vai socializar entre um e outro, ele também
não conhece, eu num tô falando que eu conheço tudo não, de jeito nenhum mas a
quantidade de coisas que os alunos me trazem que eu sou capaz de conhecer com eles e
garantir essa troca, né? Da dialética da educação. A formação do outro professor não
permite essa visão, porque ele foi educado pra mandar, pra dar voz de comando e o outro
obedecer, e é muito mais fácil, né?
E: Você então acredita que a formação do professor de Educação Física é, não que a
formação acadêmica mas que depois ele se perde por causa do trabalho.
163
Sabrina: Eu acho que a formação acadêmica é fraca. E aí, quando ele sai da graduação, é
onde ele vai começar a experiência profissional dele, essa experiência precisava duma
formação continuada, entendeu? Porque...
E: Na academia mesmo.
Sabrina: Na academia...
E: Nos livros ... .
Sabrina: É, nos livros, mas na prática dele também porque quando se falar, adolescente que
a gente entra pra universidade, né? Meninos de 17, 18, 19 anos, sai com 22, 23, ele não tem
uma maturidade pra enxergar o mundo ainda como um sistema de * (inaudível esta
palavra), de entender isso tudo, Então seria muito interessante se o professor principalmente
em escola pública, eu vejo assim, a minha luta não é nem pra aumentar salário não, eu tô
perto dos 40 anos e dar 36 aulas semanais, deveria dar duas aulas mas e as outras cinco
serem garantidas, obrigatórias e tudo. Porque aí você tá realmente tendo a oportunidade de
construir a sua prática e ficar refletindo essa prática de verdade. A escola, a formação
acadêmica da graduação, não te dá condição de refletir, é muito fraca. Mas eu acho, eu nem
culpo tanto a academia não, eu acho que a imaturidade tá nesse meio do caminho, aí. Puxa
vida, um jovem tem que viver a sua juventude, ele não tem que ficar, aparece, acontece
umas pessoas raras, né? Tem professores que deixam de viver, que mergulham tanto na,
tudo bem, vai ser ótimo, né? Também não é por aí, sabe? Eu acho que o jovem tem que ter
o seu tempo de vida mesmo, ele fica na academia e fica vivendo depois quando ele for pra
prática, se ele tiver essa oportunidade dessa reflexão continuada sempre, grupos de estudos
nas escolas, cursos de especialização, congressos, isso tudo, se ele tem sempre essas
oportunidades, com certeza a prática dele vai ter, pode favorecer essa, favorecer toda essa
relação, com certeza. Eu acho que o grande problema nosso tá na formação e a rede pública
tem esses dois lados, né? Pega o lado da formação, pega o lado que tem, tem três, quatro
empregos pra poder sobreviver. Como é, que tempo você acha que ele vai preparar a aula?
Sabe aonde que ele prepara a aula? No ônibus, no caminho, e aí, nesse sentido, é muito
mais fácil ele tá com o modelo tecnicista, porque as aulas tão prontas, você lê um livrinho,
164
vê um joguinho, lê um, né? E durante o seu trajeto, mesmo que um professor mais
inovador, mais criativo, ele vê um joguinho ali, é esse que eu vou dar pro meu aluno esse
mês.
E: E ele não quer saber se esse joguinho tem relação com a escrita, com a linguagem verbal.
Sabrina: Não. Só quer saber de rendimento, se a criança aprendeu ou não o movimento que
ele trouxe. Nem quer saber se a criança já sabe, né? Quantas vezes a gente, a gente própria
se pega, ensinar a criança a lidar com uma bola. Qual é a criança que nunca jogou uma bola
antes? Por que que eu não vou ver primeiro o que que ela sabe com a bola? Pra depois dar
outras idéias? Quem disse que eu sou dona da verdade, que eu sei todos os movimentos
com bola? Mesmo que eu seja malabarista ou campeã de GRD com bola? Quem é que disse
que eu tenho, né?
E: Nossa, fantástica suas propostas. É, eu acho que o que eu, né? O que a gente conversou
aqui deu uma boa entrevista.
Sabrina: Tomara, porque eu gosto de contribuir com a Educação Física, principalmente
porque ela é a prima pobre da educação, né? Ela é educação, ela não é a prima pobre da
educação, ela é a própria educação, e isso é um fato..
E: E agora, se você puder responder o questionário, eu, antecipadamente, agradeceria
165
ANEXO 4
Entrevista 4: Bruno, doutorando em Educação Física
E: Nesta entrevista, eu vou falar seu nome, mas na transcrição permanece o anonimato, tá?
O trabalho é na verdade, sobre representações sociais. Ver até que nível existem as
representações ou não, sobre as atividades físicas, e o desempenho acadêmico. Em que que
ela pode ajudar, se é que ela ajuda, se existe uma crença, entre a atividade física e o
desenvolvimento cognitivo ou a formação do conhecimento, né? Também vou pesquisar
sobre o desenvolvimento da linguagem. Então, neste aspecto aí vai pra uma das primeiras
perguntas: qual seria qual o papel das aulas de Educação Física? Qual a função que as aulas
de Educação Física tem nas escolas, principalmente com crianças de 1A. à 4
A. série.
Bruno: Bom, então eu vou falar sobre, primeiro sobre o papel das escolas, né? O papel das
escolas é tentar mostrar que existe um conhecimento, é, universal, que é *historicamente
construído e faz parte, é, são diversas linguagens que possibilitam, devem possibilitar ao
aluno compreender o mundo, é, à sua volta e deveriam possibilitar que ele também
interviesse nessa realidade. E nesse sentido a Educação Física na escola, ah ... , ela vai
mostrar que a cultura corporal de movimento é construída historicamente, dá condições
desses alunos, aí pra apreender essa cultura corporal de movimento, que é uma postura
corporal de movimento, é, que é a de interpretar o mundo a partir dessa cultura corporal de
movimento, mais do que interpretar, despertar nesse aluno, é, o desejo de interferir nessa
realidade.
E: Hum, hum.
Bruno: Eu penso que deveriam ser assim.
166
E: Deveriam?
Bruno: Deveriam ter.
E: Qual o papel que tem hoje pra você ?
Bruno: Hoje eu acho que nós tamos num momento de transição e a produção acadêmica
avançou bastante mas a gente ainda não conseguiu, é, vulgarizar essa produção acadêmica,
tanto a nível da formação profissional quanto a nível das pessoas que já estão formadas.
Então, é, me parece que a gente vê hoje um discurso, é uma coisa muito híbrida, é, é, muitas
pessoas, é, incorporaram algumas des... alguns desses avanços no nível do discurso mas não
no nível da sua prática, né? E algumas pessoas sequer incorporaram isso no, no nível de
discurso e no nível da prática, mas a gente já percebe algumas experiências bastante
interessantes, bastante animadoras e algumas propostas que efetivamente tão ajudando a
construir essa, esse modelo de intervenção a título do que eu falei anteriormente.
E: Você já trabalhou com criança?
Bruno: Já trabalhei com criança mas não na escola.
E: Não? Mas com a Educação Física ou com outras atividades físicas ou escolares?
Bruno: Só com esporte.
E: Sistematizadas ou não?
Bruno: Acho que não.
E: É, regularmente, era uma turma que fazia as aulas com freqüência?
Bruno: Sim.
E: Três vezes por semana, duas vezes por semana?
Bruno: Isso.
E: E quais as idades?
Bruno: Eram crianças de seis a oito anos e de oito a dez anos.
E: Mas aí você trabalhava todo tipo de...
Bruno: É.
E: Era um leque amplo onde você não pegava uma atividade e ficava só com aquilo?
Bruno: Não, não. Falo da minha experiência no SESC.
167
E: Onde, em São Paulo?
Bruno: Foi, um estágio que eu fiz em São Paulo, não em uma unidade do SESC. Era uma
oficina, era dentro de um projeto de lazer e uma equipe multidisciplinar que tinha, é, artista
plástico, é, pessoal de música, pessoal de teatro, sociólogos, pessoal de Educação Física,
né? Então a gente trabalhava com uma oficina chamada Brincadeiras Desportivas, alguma
coisa assim. Na verdade não tinha a obrigação de trabalhar com um esporte ou só com
esporte.
E: Não?
Bruno: Não, não, não, era, eu poderia trabalhar com todos os elementos da cultura corporal
de movimento. Mesmo na interface com o teatro, com a música, com a dança.
E: Legal. Ô Bruno, e, você falou um pouco sobre isso, né? Sobre a, sobre o valor das aulas
de Educação Física e o papel dessas aulas pras crianças, que que você acha que significa pra
elas?
Bruno: Parece...
E: A função das aulas?
Bruno: Me parece assim, que, eu li uma pesquisa recente que mostra que as crianças, a
Educação Física está entre as disciplinas que as crianças mais gostam mas também tá entre
aquelas que as crianças consideram menos importante, né? Me parece claro porque a escola
do jeito que ela é formada, do jeito que ela tá hoje estruturada, ela acostumou delegar a um
segundo plano, é, algumas, algumas áreas do conhecimento, não é só a Educação Física,
mas é a educação artística, o teatro, essas disciplinas são consideradas menos importantes,
por exemplo, no caso do vestibular, né? Não tem uma, não teria uma utilidade nessa
perspectiva que tá apontada, mas não interessa se as crianças gostam muito ou tendem a
gostar da, da aula de Educação Física. Mas muitas vezes não vê ela como um espaço, é,
reflexivo de construção do conhecimento e a colocam em oposição a outras disciplinas,
é ... . História que é o lugar de estudar, a Educação Física não.
168
E: Tá, então em termos de construção do conhecimento, é, formação do conhecimento, você
colocou como construção do conhecimento. Você acredita que existe uma relação da
Educação Física com uma possível contribuição?
Bruno: Eu acho que a escola não vê essa relação, não é só as crianças. As crianças, os pais e
a escola, os outros professores não vêem essa relação. Muitas vezes os próprios professores
de Educação Física aproximam a disciplina um pouco, algo próximo ao lazer.
E: Lazer?
Bruno: É. Quanto, pra mim...
E: Recreativo?
Bruno: É, como se fosse recreativo. Recreativo no pior sentido da palavra recreativo,
porque também na, no lazer, na recreação você pode construir conhecimento, é, quando
essa disciplina devia assumir a responsabilidade de construção do conhecimento, de
elaboração de conhecimento, de crítica de conhecimento.
E: E você, como profissional, critica essa... . (neste momento Bruno interrompe a
entrevistadora para continuar respondendo)
Bruno: Critico.
E: Bom, você falou da formação do conhecimento, né, a partir do momento que você fala
que ajuda na formação do conhecimento, do rendimento escolar. Você acha que contribui,
rendimento escolar assim, notas, rendimento das aulas, rendimento acadêmico...
Bruno: Eu acho que a Educação Física escolar não deveria ser compreendida nessa
dimensão, é, a Educação Física, ela não pode ser operacionalizada como uma forma de
ajudar, não pode ser compreendida assim. Como se pode alfabetizar utilizando a Educação
Física? A Educação Física tem uma peculiaridade, uma especificidade e deve ser trabalhada
dentro dessa especificidade, o que não significa (???)**
, um diálogo e a construção de uma
nova prática (???).
E: Uma (???)
**
Palavras inaudíveis.
169
Bruno: Ou até mais que uma disciplina é uma interdisciplinaridade. Tamos falando de
construir alguma coisa que seja síntese do diálogo entre todas as disciplinas.
E: Ah, tá, e formar uma?
Bruno: É, formar uma abordagem, quer dizer, nesse diálogo nenhuma das disciplinas vai
perder completamente sua especificidade mas nenhuma delas vai manter as suas des...
fronteiras, é, epistemológicas, né? Isso é um projeto bastante difícil, por certo, né? Mas me
parece uma perspectiva fascinante.
E: Você acha que contribui ou não? Mesmo da forma como ela é trabalhada, porque no
senso comum a gente sabe que ela existe.
Bruno: Contribui pras outras disciplinas, que você diz?
E: É, pro rendimento acadêmico? Você acha que não tem nada a ver?
Bruno: Não.
E: Não? Então para a linguagem verbal, menos ainda ou você acha que ela pode contribuir.
Bruno: Veja bem, ela vai contribuir de alguma forma...
E: Para o rendimento, você acha que não?
Bruno: Não, agora, pro desenvolvimento da linguagem ela pode contribuir se você
considerar que no fundo essa classificação que a gente faz entre linguagem verbal e
linguagem corporal é uma classificação, que efetivamente ela não existe, quer dizer,
ninguém fala só, ou só se movimenta, porque você se comunica com o corpo, em palavras,
em gestos, isso é um complexo de relações, então, nesse sentido, ela pode contribuir. Que
ela vai trabalhar especificamente um desses elementos.
E: Mas, é, na escrita? Movimento pra linguagem escrita, linguagem escrita ou facilidade
para escrever?
Bruno: Eu acho que ela não foi...
E: Capacidade de escrever.
Bruno: Eu acho que ela, eu volto a falar, que ela pode contribuir nesse sentido, quando
trabalha outras dimensões, é, do ser humano, que vão tá em, intrincadas nesse processo
complexo, então ela vai contribuir nesse sentido mas a função primordial dela não é
170
contribuir com a linguagem escrita, é contribuir com a expressão humana, daquela criança.
Então quando ela contribui com a expressão humana daquela criança, ela acaba
contribuindo com outras coisas que fazem parte dessa expressão humana, então, mas, não
que ela vá contribuir diretamente com a linguagem escrita, ela contribui indiretamente
quando ela contribui com o eixo central disso tudo que é a expressão humana, que é a
existência humana.
E: Ô Bruno deixa eu ver se eu tô conseguindo captar legal o seu pensamento, você acha que
da forma como tá não há essa contribuição?
Bruno: É, da forma como ela tá, como eu suponho que ela esteja, como eu suponho que
esteja.
E: Hum, hum.
Bruno: Ela não contribui nem com a expressão humana, ela não contribui para a expressão
humana. Se ela contribui, contribui a partir de um contexto de expressão humana que a
gente deve questionar na perspectiva de uma superação dessa ordem social. Então, é, esse
modelo de relações que a escola, é, hoje estabelece, ele é um modelo que contribui pra
manutenção da, dessa sociedade da forma como ela está.
E: Cabeça na sala, corpo na, na quadra?
Bruno: Cabeça na sala, corpo na quadra, é, só passando um determinado tipo de
conhecimento que é dito importante, os outros conhecimentos não são ditos importantes.
São conhecimentos completamente desvinculados da realidade da criança, que não ajudam
ela a, a refletir sobre a sua realidade, sobre a realidade que ela tá inserida. Então esse
determinado tipo de modelo, que tá sendo construído, que ele é um modelo que reforça, é,
reforça o status quo, reforça essas características dessa sociedade que aí, é, se instala.
Precisava construir uma outra, é, escola que possa indagar o processo contrário, no processo
de levar a, a criança, o adulto, quem tiver na escola, a repensar constantemente essa
sociedade, a criticar essa sociedade.
E: Então se houver uma mudança acredita que possa haver essas contribuições?
171
Bruno: Sim, como eu te falei, eu acho que ela pode contribuir quando ela contribui pra
expressão...
E: Humana?
Bruno: Humana, quando ela contribui pra, pra esse complexo de sentimentos, de relações
que é o ser humano, mas não que ela tenha uma direção, uma ligação direta com a
linguagem, por exemplo, escrita.
E: Nem com a verbal?
Bruno: Nem com a verbal. Direta não, ela tem direta quando ela contribui pra, pra, pra esse
ser e como esse ser humano é um complexo disso tudo, de linguagem verbal, escrita, é,
corpórea, gestual, e aí se ela contribui nesse sentido, ela diretamente tá contribuindo
também com as outras.
E: Deixa eu te perguntar uma outra coisa. O que que você, em que que você se baseia, que
meios você utiliza, pode utilizar, você pode me falar de alguma coisa, que te faça chegar a
ter esse posicionamento? Que, se ela mudar ela vai favorecer através da expressão humana,
e que do jeito que tá ela não vai contribuir para o desempenho acadêmico.
Bruno: Ué, ela contribui pra...
E: Pra?
Bruno: Prá ... , nessa perspectiva de como ela tá colocada na escola.
E: Essa que a gente falou...
Bruno: Contribui, ela tem uma contribuição maravilhosa pra esse tipo de ser humano que tá
aí, é, concebido realmente pela escola.
E: Qual contribuição? Seria...
Bruno: Contribuição é de...
E: Uma contribuição...
Bruno: É de reforçar as diferenças, é de reforçar as desigualdades, estabelecer
comportamentos rígidos, é, de movimentação corpórea que visa a prática esportiva
somente, é, de reforçar esse modelo de esporte que tá colocado, que é um modelo que
privilegia os mais fortes. Privilegia aqueles que são mais capacitados, privilegia os
172
considerados normais pela sociedade, é, então é isso que, deixa eu, é uma suposição, né? É,
suponho que ela esteja contribuindo pra esse modelo de ser humano, a gente quer um outro
modelo de ser humano, é, livre, é, livre pra pensar e pra intervir na sociedade, aí a gente vai
ter que reformular essa, essa prática, e aí vai ter alguns propósitos que avançam, é, que
tenham algumas propostas efetivas de avanço nessa perspectiva, que também tem o seu
limite, né? Mas que já tão começando inclusive a serem questionadas, reestruturando uma
nova proposta.
E: Você tem como me dizer uma coisa dessa nova proposta, ou citar alguma coisa assim?
Bruno: É, eu acho que toda a base desse conhecimento aí que...
E: Que você adquiriu?
Bruno: É, eu vi, eu gosto muito da, da produção do pessoal, é, daquele livro Coletivo de
Autores, é, Metodologia do Ensino da Educação Física. Eles tem uma proposta que
costumam chamar de cultura corporal de movimento, é, que é uma proposta que, hoje se
sabe que tem limites, me parece que foi uma das primeiras propostas que efetivamente
conseguiu, é, apresentar alternativas pragmáticas de intervenção a partir de uma
perspectiva teórica diacrônica não anacrônica, né? Eu gosto muito da produção deles, acho
que já tem gente avançando nesse conhecimento, já tem gente elaborando, já tem gente
reelaborando a partir das suas experiências práticas superando os limites que essa proposta
apresenta. Então eu gosto muito desse livro.
E: E pra você se basear nessa, voltando na outra questão, né? Que, uma Educação Física
que do jeito que tá teria que ser reformulada. Que meios que você utiliza pra, é só a sua
prática ou só a sua convivência na academia (universidade) que meios, o que que te dá
subsídio pra você ter essa opinião?
Bruno: Não entendi essa pergunta.
E: É, essa prática sem, vamos supor, sem citar o Coletivo de Autores, tirando isso.
Voltando pra prática, que se repete sempre, entendeu onde que eu quero chegar com a
mesmice?, que essas mesmas coisas que tão se repetindo. O que que te dá subsídios pra
formar essa opinião sua, não diria nem opinião, esse conceito que você tem, eu acho, visão
173
que você tem, que meios que você utiliza pra, pra que tenham essa formação, se isso é
passado, se isso é uma crença, se isso é, é um corporativismo. O que que te deu subsídios
pra você ter essa posição ou dois tipos de posição, da que existe e da que pode vir a existir
que a...
Bruno: São algumas pesquisas recentes que apontam pra isso, por exemplo, a pesquisa do
Lala que foi publicada na Revista Lulu. Nesse negócio da valorização e da importância da
Educação Física pelas crianças. A pesquisa de, da tese de mestrado da Naná, me parece, é
muito interessante quando ela mostra que, olha os conhecimentos que produz aqui não tá
chegando lá na escola, né? Então mostra que, há uma, é, e alguma, alguns pesquisadores
que tem, é, o professor Loló tem uma pesquisa recente bastante interessante, é, fazendo uma
crítica a algumas propostas de somatização curricular, pelo bom, como um diferencial
teórico pessoal que produz a nova sociologia do currículo, é, o professor Walter Bracht que
tem algumas reflexões muito interessantes sobre a questão da identidade da Educação
Física enquanto área de conhecimento e a sua intervenção na escola. Teses produzidas, a
partir de pesquisa, a partir de propostas apresentadas em congressos, na nossa área, que
podem apontar essa perspectiva.
E: Muito bom Prof., e se você quiser falar mais alguma coisa, comentar, aí eu ... .
Bruno: Não, acho que tá bom.
(Nesse ponto o gravador é desligado)
174
ANEXO 5
Entrevista 5: Pedro, especialista em Educação Física
Pedro: Sou um recreacionista, mas na verdade eu tô num ritmo em função do trabalho
específico que é do futebol, mas não é um trabalho, é um trabalho bem, tanto é de formar a
criança em esporte de alto nível mais recente, no caso específico do futebol.
E: Que legal. Pedro, é, mas seu trabalho é de 5ª a 8ª no município ou como que é?
Pedro: Não, é, é específico num centro social, Centro Social Urbano que chama, CSU, e lá
eu só desenvolvo esse trabalho, de futebol, as crianças vão pra lá, é duma região pobre, as
crianças vão pra lá, fazem as atividades de futebol. Tem atividade de natação também com
a outra professora e uma das coisas que eles buscam lá também é o, é a própria alimentação,
né? Então, além desse trabalho que a gente faz, eles se alimentam lá nessa, nesse, nesse
centro social. Não todos, né? Assim, são super carentes mas a maioria, né? A maioria.
E: Caramba. Deixa eu, então vamos começar, vamos falar aqui da entrevista, né? Pra você,
qual, o que você não souber você pode me perguntar, a gente vai fazer uma, na verdade é
uma conversa, uma troca de opiniões, ou uma troca de informações, interação mesmo, tá?
Pedro: Tá.
175
E: Pra você, qual que é o papel que as aulas de Educação Física tem nas escolas hoje, pra
você como profissional, ou pra você como estudante, ou pra você da forma como se sente,
você tá livre pra responder assim: Qual o papel que as aulas de Educação Física tem nas
escolas de 1a. à 4
a. série hoje?
Pedro: Bom, eu acho, na minha opinião, hoje eu, como eu não atuo na rede, como eu não
atuo na rede, por exemplo, ou estadual ou municipal, por exemplo, de 1ª à 4ª, é, ou de 5ª à
8ª e assim por diante, mas enquanto à vivência que eu tenho, específica no, com
treinamento de futebol, eu acho que, não só pra atividade, o papel do profissional de
Educação Física, não só com atividade específica que ele tiver desenvolvendo mas como eu
vejo, na minha opinião, como uma educação pra vida, né? E é isso que eu prego no dia a dia
das minhas atividades. Além do trabalho, é, o educando em si, né? O papel do professor,
não só trabalhar por exemplo a recreação, ou só trabalhar por exemplo a, a, a, o futebol, ou
seria a natação, o basquete, o vôlei, etc., mas preparar a criança ou o adolescente pra vida.
Eu acho que é um papel fundamental do profissional de Educação Física. No meu...
E: Nas escolas?
Pedro: Nas escolas.
E: E você acha que isso acontece nessa prática, efetivamente?
Pedro: Não, não com todos. É aquilo que eu disse, eu acho que tem profissional que talvez
tenham, tenham experiências anteriores, como por exemplo, experiência de vida anterior,
aquilo que ele, aquilo que ele mesmo vivenciou no passado dele, né? E tenta colocar aquilo,
no meu ponto de vista, tenta colocar isso pra aquelas crianças, por exemplo, passar sua
própria experiência de vida, que ele vivenciou na sua trajetória e aí poder passar pra aquelas
crianças, que ele tá trabalhando. Agora, no geral não, no geral, do meu ponto de vista, os
profissionais de Educação Física ... . Vou citar um caso específico: nós tínhamos ganho,
né? O profissional de Educação Física tinha conquistado um espaço grande que era
trabalhar com as crianças de 1ª a 4ª e, hoje, as crianças de 1ª a 4ª, voltou o profissional, ou
seja, o profissional que trabalha com V 1, né? Ou P 1 no caso, então foi uma perda muito
grande. Por que? Eu não, eu não cheguei a trabalhar mas o comentário grande é que o
176
profissional simplesmente dava uma bola pra criança e ponto final, né? Ele não vinha, ele
não tinha uma, um planejamento, um trabalho pra poder desenvolver, é, todas as
habilidades daquela criança.
E: É, nesse aspecto ainda. Qual seria a função das aulas de Educação Física para as
crianças? Em que que ela contribui?
Pedro: Coordenação, basicamente isso, eu acredito que, estimular...
E: Coordenação motora?
Pedro: Motora, motora, coordenação motora. Depende muito da faixa etária também, né?
Porque, claro, desde da, vou citar, por exemplo, jardim, jardim 1, jardim 2, é, é, a pré-
escola, então eu acho que, ver coordenação motora fina nessa faixa etária, e aí você vai na
seqüência, né? De trabalho, depois vem pra, pras outras atividades de acordo com a faixa
etária da criança ou do adolescente, mas eu acho que basicamente contribui pras habilidades
gerais...
E: Básicas?
Pedro: Básicas da, do educando.
E: Você vê alguma, além dessas habilidades, digamos, habilidades motoras, qualidades
físicas básicas como alguns chamam, você vê em outro aspecto da vida? Você trabalha com
crianças, qual a faixa etária?
Pedro: De 7 a 14.
E: De 7 a 14. É, o que que você acha que ainda, de todo desempenho esportivo, além de
todas as qualidades que você tá desenvolvendo aí, aprimorando nesses meninos, é, você
acha que isso contribui pra outro aspecto da vida?
Pedro: Eu acho que o social, né? Eu acho que o social, ele tem uma, uma, den, den, dentro
desse trabalho, eu acho que uma contribuição grande, porque você tem experiência como,
você começa a, enfim um grupo, o grupo tá de uma forma, você tem um trabalho, um
período, você determina pro grupo, sei lá, um mês, três meses, seis meses, um ano, o grupo
tá diferente porque, no meu trabalho que eu desenvolvo com o futebol, você não fica
naquele trabalho só, é, da atividade em si, ali, do dia a dia, mas você tem as participações
177
deles, você tem no futebol, a participação deles tem em jogos na escola, a participação deles
em confraternizações, em dias específicos, por exemplo, no dia da criança, entre outras
atividades que contribui pra socia, socia, socialização de cada participante, então é...
E: Você acha que esse é o aspecto, pra vida, mais importante além do movimento motor?
Pedro: Sem dúvida. Sem dúvida. Sem dúvida. Porque o mundo lá, eu penso que o mundo,
é, é, teria que ser dessa forma, já é mas teria que ser dessa forma, fosse cada vez mais, pró,
pró o próximo, contribuir pra ajudar.
E: Atividade física pra ajudar... .
Pedro: É. É claro que, você tem dentro do grupo, grupos, o grupo nunca é homogêneo, né?
O grupo é heterogêneo mas você tenta de alguma forma, é, conduzir a atividade, ou
brincadeiras, ou, ou a própria atividade principal.
E: Você observa alguma relação entre rendimento escolar, quando eu falo em rendimento
escolar é rendimento em notas, rendimento acadêmico mesmo e a atividade física, quer
dizer, as atividades físicas, eu vou, vou colocar toda a pergunta e depois vou reformular
onde você não entender, tá? Você observou alguma relação entre o rendimento escolar e as
atividades físicas ou corporais? Você acha que tem alguma relação direta, indireta? Ela
contribui para a formação do conhecimento?
Pedro: Olha, eu acho que contribui porque o aluno ou atleta, ele, no caso aluno, né? Ele,
todo momento ele tem que pensar, seja lá, dentro da sala de aula, seja na atividade fora da
sala de aula, atividade de Educação Física. Agora, na questão de, de análise, de fazer uma
análise ou de fazer uma pesquisa até dentro do próprio treinamento que eu desenvolvo, é,
isso só verbalmente, as vezes você pergunta prum garoto ou outro como é que tá na escola.
Mas nunca tive o prazer de fazer um trabalho dizendo assim: olha, vou querer ver, por
exemplo, seu boletim ou coisa parecida. Não, nunca isso, não. Eu não posso afirmar mas
acredito que contribui. Principalmente quando você, no futebol por exemplo, quando ele,
que eu desenvolvo muitas vezes algumas atividades não dirigidas, mas algumas atividades
que eles mesmos possam criar, né? Por exemplo, vamos dizer assim, um determinado drible
que você vai desenvolver dirigido, não, fala: eu quero assim com a perna direita, assim com
178
a perna esquerda, né? E muitas vezes você sai dos trabalhos dirigidos e vai pro trabalho
livre, que é um trabalho para que eles possam criar. Então, é, da mesma forma que eles tem
que pensar ali, que é uma atividade, é, o futebol, eu acredito que é o mesmo trabalho que
acontece dentro da sala de aula e que faz com que ele também tenha que pensar em
determinadas atividades de matemática, português e assim por diante.
E: Já que você citou o português, em que você acha que ela pode, ou de que forma as aulas
de Educação Física ou atividades corporais, atividades físicas, aí? Já que você citou o
português, é, em que que ela pode contribuir ou se contribui, na sua opinião, pra, pro
desenvolvimento da linguagem verbal? Porque nós temos a linguagem verbal, (acontece
alguma coisa e a gravação é interrompida). O que que ela pode contribuir pras atividades
físicas ou as aulas de Educação Física, até mesmo sua forma de trabalho pra, pro
desenvolvimento da linguagem verbal? O desempenho verbal, se você acha que contribui,
se você acha que não?
Pedro: Olha eu, sinceramente eu não, num, num, não vejo agora como responder pra você,
tá entendendo? Porque, no meu caso, que tô trabalhando por exemplo com futebol, é, prá
linguagem verbal. Dentro do futebol existe muito a, gírias, né? E, denominações que não
usadas no dia a dia da linguagem correta, né? É, que as pessoas utilizam pra falar o seu
português mas, é, ... eu não vejo, sinceramente eu não vejo, porque de repente você, é
como se fosse um, uma gíria dentro do futebol, uma gíria dentro do basquete, uma gíria
dentro do, do vôlei e assim por diante. Então eu não sei se...
E: Seria um vocabulário próprio, específico?
Pedro: Próprio, específico do, do, da, daquele meio que as pessoas tão vivendo ali, né?
Quando saem dali acabam até usando isso também, fora desse convívio mas, quer dizer,
então eu acho que, se for analisar pelo lado do futebol não é uma contribuição, é,
significativa, ou seja, uma contribuição, é, boa, vamos dizer assim, pro português, né? Que,
se você falar da maneira correta, tudo direitinho, depois chegar na, num espaço desses as
pessoas falam diferente, e aí você vai acostumando a falar diferente também e não da
maneira correta, vamos dizer assim, para o português, pros outros detalhes da, da matéria
179
em si. Então, existem essas gírias dentro de cada modalidade específica. Agora, na
Educação Física geral, acredito que o profissional de Educação Física também tem que ter,
porque ele não pode ser só um profissional fechado, mas ele tem que ter um que de
conhecimento pra poder usar os termos corretos pra que as pessoas ou pra que as crianças
não possam corrigir o professor, né? Então o professor é, tem o seu, o seu, sei lá, o seu
leque de conhecimento pra poder instruir, né? Na, na forma e no momento certo.
E: É, bom, você já falou, né? Dessa linguagem verbal e da formação do conhecimento
verbal. Que meios que você utiliza, você disse que, que da linguagem você não pode dizer
muita coisa, né? Em que, que você se baseia pra dizer isso? Você tem alguma bibliografia
ou se parte só da sua prática, você parte de outras práticas, de outras vivências, de contatos.
Pedro: Ó, outras vivências seria até na própria formação, né? Digo, hoje, por exemplo, eu
fazendo um curso de comunicação social, fazendo faculdade, até pra tentar verificar num
futuro próximo, de fazer um trabalho direcionado entre comunicação social e esporte ou, é,
comunicação social específico, um trabalho com esporte, por exemplo, ou radialista, ou
locutor, ou alguma coisa assim.
E: Que legal!
Pedro: Então esse é o encaminhamento que eu...
E: Você entrou agora?
Pedro: Eu entrei agora, esse meio do ano, em comunicação.
E: Você já foi direto ou você precisou fazer vestibular?
Pedro: Eu não fiz vestibular porque como eu já sou formado, né? Então...
E: Ah, é portador de diploma de curso superior, né?
Pedro: Isso, então eu entrei direto. Então eu tinha essa vontade...
E: E aí vai unir os dois?
Pedro: Tinha essa vontade já há muito tempo então agora...
E: Que fantástico, então, mas você vai unir os dois, né? Você não vai ficar fazendo uma...
Pedro: Não, nesse momento eu tô, tô só cursando, não tenho trabalho assim, eu também já
fiz um curso de radiodifusão, né? Mas era um curso, não é um curso só de um ano, é no
180
SENAC, e que te dava certa, assim, a oportunidade de você desenvolver alguma coisa mas
nada de nível superior, né? Um curso de especialização, vamos dizer assim. Bom, mas
voltando a...
E: A pergunta.
Pedro: A pergunta que você fez, é...
E: Quais os meios que você, que meios você utiliza, né? Pra dizer se existe ou não a
relação.
Pedro: É, então, a outra vivência, a outra vivência que eu tive e que acho que, que a relação
aí de, de esporte específico física, né? Do caso, da pessoa que tá no futebol, da pessoa que
sai do futebol e vai falar alguma coisa fora do meio que ele vivencia. Já tive uma
experiência de igreja também, né? Que, de trabalho com jovens, né? E peraí que me fugiu...
E: Não, não tem problema. O...
Pedro: Volta, volta de novo a pergunta.
E: O trabalho com os jovens ou se o desenvolvimento da linguagem, porque você disse que
não tem muito, muita coisa pra dizer pra mim.
Pedro: É que eu não entendi.
E: É, é, mas o que, em que que você se baseia pra dizer se essa, na sua experiência, pra
dizer que você não tem, não tem como me dizer isso, é, que você não, não pode me dar essa
resposta, porque você acha que não existe contribuição nenhuma, trocando em miúdos, vou
reformular, você, é, pra ficar uma coisa fechada, tá? É, você acha que existe, que a
Educação Física, as aulas de Educação Física, sistematizadas, sistematizadas seriam as
aulas, três aulas por semana, aquela coisa de escola, tá?
Pedro: Correto.
E: Você acha que ela, você acha que ela contribui pro desenvolvimento da linguagem
verbal? Tá? Eu refaço a pergunta. Você acha que isso tem...
Pedro: É, aí é que tá, ó, por exemplo, da, do desenvolvimento da linguagem verbal, ponto,
é, agora, em âmbito geral, independente de, de, de ser uma, uma, por exemplo, você tá me
dizendo...
181
E: Eu puxei a pergunta porque você citou o português, matemática e tal, agora, você acha
que, por exemplo, a gente vai pra quadra, trabalha com as crianças, é, aula de Educação
Física, vai, joga bola, faz isso, num sei que, jogos recreativos, aula de educação esportiva.
Você acha que isso ajuda a criança a desenvolver a linguagem dela, verbal? Você acha,
você acredita nos elementos de psicomotricidade?
Pedro: Sim.
E: Então a gente poderia dizer que você acredita que há uma relação?
Pedro: Há uma relação, talvez até...
E: E que ela pode contribuir...
Pedro: Isso.
E: ... ou que contribui? Eu quero essa resposta assim.
Pedro: É.
E: Que sim, que não, se é, se não é, entendeu?
Pedro: É difícil, ó, a bem da verdade, se eu olhar assim...
E: Eu posso dizer novamente, sem problema nenhum.
Pedro: Não, não, porque quando eu num, eu num, até eu mesmo não sair a campo pra
verificar se isso, é, por exemplo, vamos supor, se saiu do zero aqui, com uma criança, e
trabalhando lá, o professor da sala e o professor de Educação Física, e uma criança, por
exemplo, que saiu também do zero e só trabalhou na sala e não trabalhou a Educação
Física, pra verificar, então eu acho que é muito relativo de cada, de cadaaaa indivíduo, né?
Acredito que tem, eu vejo assim no geral, não que eu saí pra pesquisar ou pra analisar, mas
acho que, no geral, contribui de alguma forma. Não tão, uma forma assim, é, tão eficaz,
talvez não seria esse o trabalho que deveria ser feito, né? Pra desenvolver a linguagem, mas
acredito que contribui, mesmo que mínimo mas, contribui de alguma forma.
E: E você disse que, que ela ajuda, que a Educação Física pode ajudar na aquisição de
conhecimento, né? No desenvolvimento da socialização. Que meios também você utiliza
pra dar essa resposta afirmativa, que ela contribui? Se tem algum conhecimento, alguma
literatura, ou algum congresso, ou é sua prática mesmo, ou é uma crença que você tem, que
182
foi essa crença que tá sendo passada. Porque você acha, porque que você tem essa opinião,
essa formação, porque que você tem esse conceito, essa visão: que a Educação Física
contribui favoravelmente pro desenvolvimento das crianças dentro da sala de aula?
Pedro: Eu acho que a vivência, eu acho, como você citou, eu acho que a vivência é que me
mostrou isso, tanto que tem a...
E: Você fala a vivência prática ou a vivência histórica, ...?
Pedro: Bom a vivência...
E: A vivência acadêmica, né? A graduação...
Pedro: Isso, na graduação e também na vivência prática, você trabalhando com a, com as
crianças, (?) (palavra inaudível), feito com base, né? Na época teve um caso que, de você
observar essas, essas situações de que, é aquilo que eu disse, quando você inicia um
trabalho, a criança tá de uma forma e num determinado período desse trabalho, que você tá
desenvolvendo, você notou, é, diferenciação dentro da, do seu trabalho, que você tá
desenvolvendo. Então contribui, no caso da pergunta que você fez, não, não tem uma
afirmação de bibliografia, de criança, nada, mas do dia a dia, do trabalho que a gente, é, que
eu já exerci, porque, também, hoje eu trabalho com futebol mas já trabalhei com outras
atividades, né? É, é, é atividades recreativas, é, atividades, também, culturais, é, grandes
eventos de ... , da própria igreja, né? Pra chegar ao ponto, com adolescentes, pra chegar ao
ponto de ver que, é como se fosse uma, é uma, um, um grupo, né? Que, que sentou pra
fazer algo, nesse caso, atividade física ou atividade recreativa.
E: É, uma última perguntinha, é, eu acho que já tá basicamente embutida em todas as suas
respostas porque a gente não tem muito como separar tudo, né? Começa a gente vai
respondendo uma coisa e acaba respondendo antes de eu perguntar, você já tá, mas é assim,
não tem jeito de separar muito.
Pedro: Uma completa a outra.
E: Isso é verdade. É, qual de, eu vou colocar até em termos de sua prática, você trabalha
com meninos, né? Qual a contribuição do seu trabalho pra sociedade? Você consegue ver
função desse seu trabalho ou papel dele pra sociedade?
183
Pedro: Olha, eu acho...
E: Pra eles, você já me disse que é a coordenação motora, o desenvolvimento,
aprimoramento das qualidades básicas, a socialização, né? E, em termos assim gerais, pra
sociedade, que que você pode tirar, o que essa sociedade, é, aproveita desse seu tipo de
trabalho, desse trabalho nosso, né? Seu, o meu também, né? Que também sou professora de
Educação Física.
Pedro: Ó, hoje em dia tá muito na moda dizer que o professor só tá vendo o esporte,
fazendo uma atividade física, ela, a criança no caso, ela vive fora, ela vive na rua, ela não
vive no meio das drogas e, é muito comum as pessoas dizerem isso mas eu acho que a
contribuição, é, vamos supor, você tem uma família, que você tem o pai e a mãe que
trabalham e aquela criança que fica em casa, eu acho que a contribuição do profissional ou
das instituições é fazer com que aquela criança esteja realmente fazendo alguma atividade
dentro da instituição ou dentro da, daquilo que o profissional de Educação Física tá
propondo, seja atividade de rua ou atividade em campos de, de bairros, etc. Eu acho que a
contribuição, não só por isso, mas, a grande contribuição também para o desenvolvimento
do corpo em si, é, da atividade física, da qualidade de vida, né? Então eu acho que é bem
por aí, eu acho que...
E: A sociedade, ela deixa de aproveitar...
Pedro: De aproveitar essas situações, ou direta ou indiretamente.
E: Ótimo, Pedro. Muito obrigada...
184
ANEXO 6
Entrevista 6: Gustavo, doutorando em Educação Física
E: Pra você, qual o papel das aulas de Educação Física para os alunos de Educação Física
nas escolas, nas escolas de 1a. à 4
a. série, como você entende o papel delas, sua função?
Gustavo: Pergunta difícil heim? Bem, nessa altura, na altura dos fatos, né? Mas eu acho que
é, falando da experiência de como o, é, é, é sujeito dessas aulas no tempo passado e também
como profissional, né? É ... , meu ponto de vista tem um significado, é, ... , pra mim mais
de interação social, independente da, do conteúdo ministrado, da forma ministrada, do nível
de formação profissional, se ele é leigo, se ele é professor, eu acho que o, a grande virtude
das, o grau de significado nas aulas, nas aulas de Educação Física na escola é essa, é essa
interação, né? Esse processo de interação social entre os presentes, os alunos, os
participantes e uma, uma certa tomada de consciência do, do, do povo, do, de uma visão do
movimento. Mesmo que seja um pouco alienada, um pouco desconectada com, com uma
postura um pouco mais crítica do processo que tá ocorrendo ali nas aulas, mas eu acho que
é, é fundamentalmente isso: interação social e uma certa descoberta desse corpo do
adolescente, da criança, né? E no convívio com outras crianças com outros adolescentes.
E: E a função dessas aulas de Educação Física pras crianças, o que que você pontuaria, né?
Você conseguiria discorrer melhor sobre isso?
Gustavo: Função?
E: É.
185
Gustavo: Não sei bem o que que...
E: Se tem algum objetivo ou alguma coisa assim?
Gustavo: É, o que tá lá na, nos programas oficiais, que tá no plano de aula, né? Que, na
verdade, muitas das vezes não, não, não são atingidos por uma série de fatores, né? É, e eu
acho que vai um pouco em cima do que eu disse anteriormente, eu acho que reforço essa
idéia, mais da interação e da, da ajuda na descoberta desse corpo, dessa Ludicidade, desse
espírito também que é meio agônico, né? Meio competitivo no sentido, no sentido melhor
da palavra, né? Eu acho que tem esse caráter também pra, é, essa, de caráter de contato
físico, de corpos, caráter de uma certa, é, competição mas no, mas no sentido de medição
de, de forças não no sentido de, de uma competição como a gente percebe hoje que existe,
que é, que é estimulada até mesmo nas aulas, né?, de Educação Física, é, voltadas muito pro
esporte mas eu acho que pra, pra criança ela tem esse sentido de um embate, de um desafio
e de uma convivência.
E: Puxando ainda, é, um gancho dessa pergunta, e pra sociedade, a importância ou a função,
é, o papel. Você acha que tem algum papel, você acha que não tem, como você vê isso?
Gustavo: A sociedade é muito confusa, né? No, é, em ver a importância das coisas, né? A
sociedade, sobretudo a nossa sociedade atual, é muito movida pela, por coisas que estão
fora dela, por exemplo, pela mídia, pelo, por outros fatores externos a ela, então eu acho
que a sociedade acaba, e em função dos condicionamentos que os indivíduos vivem no, no
tempo de hoje, é, preocupados com, com a sobrevivência, preocupados com outros fatores,
eu não sei, é, até que ponto ela enxerga, é, a importância da, da Educação Física ou da
própria Educação Física na escola, né? Da forma que, que aqui, que deveria ser, ser
compreendida e da forma que a Educação Física deveria ser, escolar deveria ser mostrada à
sociedade. Eu acho que, tanto a sociedade tem dificuldade de perceber como a própria
Educação Física as vezes tem dificuldade de se mostrar a sociedade, né? Então eu acho que
é uma visão um pouco nebulosa, um pouco confusa da sociedade, seguramente ela se, ela
vê, ela vê a Educação Física muito na ótica do esporte, o valor que ela consegue enxergar é
aproximar a Educação Física da, da, do esporte, como se o esporte fosse mesmo a, na
186
verdade, a Educação Física, né? Eu acho que a sociedade, é, percebe a Educação Física na
ótica do esporte, né? De ensinar e aprender um, uma modalidade, um ensinar e aprender
destrezas motoras ou esportivas, né? Ou, é, acredito que seja muito do, daquilo que o
esporte do, é mostrado daqui pro, o gesto, o movimento é mostrado na televisão, é o que a
sociedade acha que a Educação Física também deve fazer.
E: Bom, é, você acha, ou você observa alguma relação entre essas atividades físicas? Que a
gente vem falando da Educação Física com o desenvolvimento, o rendimento escolar? Seria
rendimentos em termos de nota, rendimento acadêmico mesmo, das crianças? Você acha
que existe alguma relação, você consegue observar alguma relação e como, se você acha
que existe, como você acha que se dá essa relação?
Gustavo: É, eu não percebo uma relação direta entre Educação Física e rendimento escolar
e não sei se alguém já fez esse estudo, já procurou, né? Associar uma, com rendimento
escolar, né? O que a gente percebe é, é ... uma postura dos alunos que tem um rendimento
escolar “X” ou outro que tem rendimento escolar “Y” frente a prática de, frente a Educação
Física na escola, né? Às vezes uma postura negativa porque se associa, na verdade, idéias
meio falaciosas ou falsas de que o aluno estudioso, dedicado ao estudo, ele não gosta de
Educação Física, não gosta do lazer, não gosta de praticar atividade esportiva, recreativa, tá,
é, descoordenado e, e vai sempre dar mal na aula de Educação Física, é aquele sempre mal,
posto no final da fila ou posto, ou aquele que não participa, é deixado de lado. Em
contrapartida se associar o aluno que, é, tem um rendimento, um desempenho interessante,
motor, esportivo nas aulas, como aquele que é, é, não tem concentração nas aulas de, na
escola, é um aluno que vai mal na, tem um, não tem um bom rendimento escolar, então eu
acho que são visões, é, são visões erradas, né? Que acho que, foi se construindo a partir de
uma cultura, é, até mesmo, é, uma falsa cultura ou uma falsa idéia da Educação Física na
escola, né? E por algum momento pode até, as aulas ou, podem até ter possibilitado esse
tipo de situação, de leitura, né? Por uma prática de Educação Física mais conservadora,
mais levado pra, talvez, prum tipo de rendimento, que possa, talvez tenha criado essa idéia
187
meio absurda, né? De que aluno, há uma certa relação de, de rendimento escolar e
Educação Física.
E: Voltando ainda a essa pergunta que você tá falando que você consideraria que existe uma
crença e que essa crença pode passar até mesmo pelo corporativismo de que há uma
relação, que a Educação Física ajuda, que os bons alunos em sala de aula são ótimos na
prática, você acabou de falar, né? Você acha que isso pode, é uma crença, é um mito ou...
Gustavo: Eu acho que é uma falsa idéia.
E: Peraí, essa falsa idéia pode estar embutida aí no corporativismo, ou seja, na manutenção
da Educação Física nas escolas, como obrigatória, você acha que pode passar por aí
também?
Gustavo: Pode se vender uma idéia de que a Educação Física contribua para a formação do
indivíduo, do estudante, possa contribuir para o seu rendimento escolar, né? Mas, na
verdade, eu acho que ela tem uma função própria de possibilitar, a partir da sua, do seu
conteúdo, né? O conhecimento e desenvolvimento do indivíduo em todas as esferas mas
não que isso esteja articulado na, na direção de que, é ... , a Educação Física, é, se justificar
na escola pelo, por esse viés aí, de que ela é fundamental para o rendimento escolar porque
na prática em, não formal, fora da escola, né? É, é ... , ou nas práticas de cultura corporal,
lúdica, fora da escola, isso também se daria, né? Então porque que só a escola, só na escola
isso...
E: Isso poderia.
Gustavo: Teria que, esse poder. E por que lá? Eu acho que as vezes acontece o contrário,
quando entra lá a coisa acaba, é, dificultando essa melhor relação entre a, o, a criança, o
indivíduo, seu corpo e a própria escola, as duas coisas ainda ca... é, passam por um
momento de tensão, né? Às vezes a escola limita o desempenho. O desempenho não mas
limita a, a explicitação do, da corporeidade, né? A explicitação da Ludicidade pela sua
própria, pelas suas próprias regras de disciplinamento, então dizer que possibilitaria esse
rendimento, é, eu acho que ela possibilita, ela poderia, ela possibilita uma interação, uma,
um processo de construção social de corpos, de interação entre corpos, né? Num ambiente
188
pedagógico, num ambiente de, de educação formal. Pode vir a contribuir, quem sabe, na
medida que se possa identificar problemas e ajudar na superação desses problemas numa
relação, aí sim, de, disciplinar, numa relação com outras, com outras disciplinas, se houver
essa possibilidade de fazer um trabalho conjunto, aí sim, nessa dimensão, a Educação
Física, ela é parte do processo educativo escolar porque ela trabalha em conjunto, na
formação do indivíduo, na formação do educando, né? Em conjunto com o, em conjunto
com as demais áreas, né? Ela é também parte do processo formativo.
E: Dessa maneira você acreditaria que essa relação, toda essa relação seria positiva?
Gustavo: É, nesse sentido, sim, né? Não na expectativa de rendimento, no sentido, né? É,
no sentido de que...
E: De produção acadêmica?
Gustavo: De produção...
E: De notas.
Gustavo: De notas, de avaliação. Não nesse sentido e sim no processo da formação do...
E: Da aquisição de conhecimentos? Você acha que ela ajudaria?
Gustavo: Aquisição de conhecimento de uma cultura, né? Corporal, de uma cultura de
relacionamentos sociais, de interação, de convivência, né? Nesse sentido sim.
E: E a linguagem verbal? E ainda, já que você tá nesse processo aí? Onde você colocaria a
linguagem verbal? Porque você parte do princípio que, da forma colo ela vem sendo dada,
pra você não existe uma correlação, nesse sentido, uma correlação tão positiva?
Gustavo: É.
E: Que seja tão categórica, que se possa afirmar que realmente existe.
Gustavo: É porque não há uma comprovação, inclusive acho que talvez, né? Científica ou
efetiva que diz, que diga isso, né? Há uma percepção que, nessa, integrada a Educação
Física, um processo formativo, um processo, o projeto pedagógico, o processo formativo da
escola é logicamente, ela é elemento fundamental na construção da personalidade, da
construção da personalidade motora, da personalidade social das pessoas, né? Sem dúvida
nenhuma.
189
E: Mas, sendo assim dessa forma, dessa forma melhorada ou não, da forma como é dada,
se você quiser falar de forma diferente, né? É, da forma como ela vem sendo dada para o
desenvolvimento da linguagem? E se for da forma como você propõe, você acredita que se,
ajuda ou não a criar uma relação, ou não, se essa relação é positiva ou não?
Gustavo: Essa forma depende muito da, a forma como vem sendo dada, ela, é, fazer uma
análise, né? Uma discussão com crítica sobre o modo como ela, se é bom ou é ruim a forma
como vem sendo aprendida, eu acho que depende muito de um projeto mais ampliado, de
quem tá trabalhando o conteúdo e do projeto da escola. Muitas das vezes uma forma tida
como arcaica, ultrapassada de trabalhar um, na Educação Física, ela pode surtir efeitos
interessantes, né? Na, sobretudo naquilo que a gente, na, na formação social, na formação
do indivíduo, não só motora mas também na formação social. Então é complicado a ... ,
discutir, a gente fazer uma, um julgamento de valor, né? Que, é, nessa direção, né? Então
qual seria a melhor forma, né? O que que tá se apresentando diferente do que se faz aí, eu
acho que um projeto pedagógico mais ampliado, dentro da escola, inserindo a Educação
Física, procurando trabalhá-la junto com o conjunto, como sendo um conjunto maior de um
projeto, né? Independente do conteúdo dado, trabalhado com responsabilidade por pessoas
que tem esse compromisso, que tem uma responsabilidade na formação do indivíduo, da
criança, do adolescente, eu acho que todos os conteúdos são possíveis, são, são importantes,
seja o conteúdo esportivo, seja o conteúdo, é, lúdico, seja os demais conteúdos.
E: Ótimo, tá sendo ótimo, tá sendo excelente. É, você conseguiria falar ou você acha que
você colocou, é, quais os meios que você utiliza, ou que você adquiriu, ou se você tem pra
ter esse posicionamento dessa fala sua, dessa percepção sua? O que que você utiliza, é uma
teoria, é uma prática, é uma vivência teórica, é uma vivência prática, são anos de formação
mesmo de opinião, né? Que vão se construindo ao longo dos anos dessa prática. É, o que
que te fez, resumindo, o que que te fez chegar hoje a essa conclusão? Porque recém
formado provavelmente as respostas seriam outras.
Gustavo: É, com certeza.
E: E hoje, que meios você utiliza pra ver se, pra falar dessa relação, se...
190
Gustavo: Não são conclusões mas são, refletem mesmo um, um estágio de, de incertezas
pela, pela qual a própria área passa com todas essas mudanças que vão, que estão ocorrendo
seja no, no, no, enquanto a Educação Física objeto de estudo, enquanto, enquanto prática
pedagógica e frente a uma nova ordenação legal forte com a nova LDB também, né? Então
em, a nossa posição ou nossa percepção exprime vários, várias coisas, vários, várias
situações, exprime uma, uma experiência, exprime uma, uma certa descrença, exprime
também uma certa ideologia, exprime contradições da nossa própria fala, né? E alguma
coisa do, de um, de leituras que a gente tem às vezes oportunidade de, de acompanhar, né?
E que também não mostram, que não apontam, não apontam pra soluções, né? Pra
fórmulas, para soluções fechadas, né? E que mostram que há, há todo um, há toda uma
incerteza, né? Nesse diálogo com a Educação Física na escola, as suas propostas
pedagógicas, os seus conteúdos com, afinal de contas o tipo de Educação Física, pra que
Educação Física, de que maneira ela é, realmente é efetiva ou não na escola, né?
E: Ótimo! Muito bom, professor. Valeu!
191
ANEXO 7:
Entrevista 7: Isabel, doutora em Educação Física
E: Pra você, qual o papel das aulas de Educação Física nas escolas? O que você pensa sobre
isso?
Isabel: Bom, vamos lá. Eu acho que ela tem um papel, é, na formação de um modo geral,
né? E eu vou tentar dividir em alguns pontos, embora eu não veja isso de forma tão dividida
mas de qualquer maneira tem a questão da, do, tem a questão da, da formação do, do
cidadão, que eu acho que todo e qualquer disciplina é responsável por essa promoção, da
formação desse garoto, dessa menina, né? Desde que eles venham pra escola, até que saem
dela, né? E aí tem essa, essa dimensão, essa responsabilidade, é ... , de formar o cidadão pra
sociedade em que ele vai enfrentar, né? Que ele vai atuar, então isso aí eu acho que é uma
responsabilidade de todas as disciplinas da escola e da Educação Física também. Tem uma,
até uma crítica em relação a Educação Física sob esse aspecto, eu acho que hoje há uma,
uma supervalorização dessa dimensão na Educação Física e as vezes ela perde a sua
essência pra trabalhar o movimento em detrimento de ficar dimensionando demais esses
aspectos e fazendo uma certa confusão. Eu acho que ela é tão responsável quanto o grupo
de disciplinas por estar atenta pra formação desses garotos, para o terceiro milênio, eu acho
que a sociedade precisa rever os valores, precisa trabalhar melhor alguns pontos que tão
distorcidos e tal, então isso é, é, eu vejo a Educação Física inserida nesse contexto junto
com todas as outras disciplinas, né? Então esse é um ponto que eu acho que ela deve
desempenhar seu papel mas não deve se perder no desempenho só desse papel, né? E o
outro que é ela fazer o trabalho da responsabilidade dela, da sua singularidade, né? Que é o
192
trabalhar os movimentos nessa criança que tem, sobretudo, movimentos, se é que a gente
pode falar assim, de uma Educação Física, vamos dizer assim, é ... , que traga significado e
prazer nas suas atividades pra criança, então eu acho que a grande contribuição da
Educação Física é mostrar, é representar um movimento pros seus alunos como algo que
promove satisfação, prazer, saúde, aí eu tô pensando na dimensão fisiológica, psicológica,
social, né?, os valores em todas essas dimensões e, é, vamos dizer assim, é, apresentar pra
esse homem um componente - movimento, atividade física - como um componente que ele
pode levar como hábitos pra sua formação enquanto cidadão, né? Não ficar restrito as
dimensões apenas esportivas, (?) palavra inaudível, né?, mas às vezes ficam restritas ao
esporte, não apresenta o que as, é, as diferentes possibilidades que a Educação Física pode
trabalhar outras coisas que não só o esporte. Agora, eu acho que o grande, a grande chave
da Educação Física é trabalhar com significado, pro aluno, né? Eu acho que a gente tá um
pouco perdido. E a gente tem que resgatar o significado de determinadas relações, né?
Então, por exemplo, é...
** (falamos ao mesmo tempo).
Isabel: Nós estamos completamente, hoje, por exemplo, nós tamos completamente afastada
do significado de corpo, dessa geração que tá aí, então a gente tem propostas e passa longe
daquilo que tá aí, por outro lado a gente deixa de formar esse cidadão, pelo ponto de vista
do movimento, da musculação, da ginástica, de tudo isso que tá cercando o dia a dia desses
jovens e em outros setores que não a escola, nós deixamos de informar, pra tudo isso e
negamos determinados trabalhos porque compreendemos que isso não é possível, que não é
por aí, né? Então a gente vive determinados conflitos, defasagens, porque a gente não,
talvez não esteja trabalhando em compasso ou não esteja criando prospecções, ou, ou, se a
gente não quiser trabalhar com prospecções, que a gente trabalhe com as coisas que tão
acontecendo, né? Por exemplo, eu não entendo hoje uma Educação Física de segundo grau
que não discute questão de anabolizante, questão de trabalho de força que esses meninos
tão todos fazendo inadvertidamente no período “x”, tentando explicar que tipo de trabalho é
esse, que deve ser feito, que pode ser feito ou que vai trazer. No entanto a Educação Física
193
na escola não tem abordado nada disso, não tem informado, não tem, tudo, na minha
opinião, pelo ponto de vista específico, formativo.
E: Do significado?
Isabel: Trabalha longe do significado do aluno, da criança, do adolescente, da, né? Então até
a 4ª série as coisas vão relativamente bem, depois começa a ter conflito, conflito, conflito,
conflito de interesse, desinteresse, como é que pode ter um desinteresse? Pra uma atividade
que é super valorizada fora do espaço da escola. É um fenômeno fora do espaço da escola,
nunca cresceu tanto e chega na escola, é, parece que é luta que foi.
E: Realmente... (risos)
Isabel: Acho que falta, é realmente uma, é, alguma coisa aí que realmente não cria
proximidade, né? Interface, não sei.
E: Não tá funcionando.
Isabel: Não deve tá...
E: Sim.
Isabel: É, não tá funcionando.
E: Quer dizer, não funciona bem.
Isabel: Aí criam-se outros modelos, né? Na própria escola. Outras maneiras, às vezes com o
mesmo professor e as outras maneiras dão certo.
E: É, você tava falando do papel, né? Agora, se você conseguisse aí, fazendo um gancho em
toda sua fala acima, você consegue falar alguma coisa sobre a função das aulas de Educação
Física especificamente para as crianças? Mesmo que seja nesse contexto que você colocou
fora da escola, ou assim, dentro da escola, a organização fora da escola...
Isabel: Você pergunta criança pensando em que, até 10, 11 anos?
E: É.
Isabel: Até 4ª série, é isso?
E: Até 4ª série. Até 5ª, mais ou menos por aí. Quinta série já tá bom, acima não ... .
Isabel: É, 10, 11 anos, dez anos, né? Bom, é...
194
E: Qual a função da Educação Física, que que a Educação Física, qual é a função dela
mesmo, né?
Isabel: Eu acho que é trabalhar o movimento, o movimento. Eu sou absolutamente contra a
Educação Física ser bengala de 1ª a 4ª série, sobretudo porque na 5ª série já fica um pouco
mais difícil, de integração, tá entendendo? É...
E: Bengala?
Isabel: É. Eu sou radicalmente contra isso. Eu acho que se houver uma proposta de
integração, é, da Educação Física com as demais disciplinas é de integração global, né?
Quer dizer, que todos se integrem porque, sempre quando tem uma idéia de, de um trabalho
interdisciplinar, é a proposta da Educação Física trabalhar com o corpo dimensões
matemáticas, dimensões e, e eu não, não acho que, é, primeiro que eu não, num vejo, né?
Nessas integrações um fruto muito certo porque a coisa normalmente fica em função da
gente trabalhar, não necessariamente os conceitos mas algumas atividades, então... Agora,
se for uma integração realmente, é, que passe, né? Via conceito, pra que todos busquem
aquilo, eu acho que nós, na aula de Educação Física, vamos trabalhar sob determinados
conceitos e os, utilizando o movimento, e os professores em sala vão trabalhar sob
determinados conceitos também utilizando-se de outros recursos próprios da sua área e
também do movimento, por que não, né? Então fica só essa coisa de: como o movimento
tem significado, como ele gosta de se movimentar nessa faixa etária, quem sabe vai
aprender a contar dividindo os times, A, B e C. Isso eu não acredito. Eu acho que não é por
aí, né? Eu acho que não é por aí. É, então bota pra jogar amarelinha que eles vão conhecer
os números, também acho que não é por aí. Acho que, se houver, é uma discussão desse
tipo, que só mesmo pelo conceito, como é que ele vai, a gente vai poder trabalhar junto
conceito de tempo e espaço, tá legal, a matemática vai dar alguns recursos, português outros
e a Educação Física outros porque a gente precisa trabalhar essa noção, espaço e tempo e
tal, tal, tal. Tá, tudo bem, aí, nessas coisas eu acredito mais do que a propriamente dita
Educação Física habitual entendeu? Ah, então, vou fazer um joguinho...
E: Sim.
195
Isabel: Sim, porque aí eles vão, a gente fala pra eles juntar um time de dois e fazer um de
quatro que ele tá aprendendo a, quando a gente sabe que um menino, quando a gente sabe
que um menino pára no final e oferece pra você, negocia contigo uma caixa de chocolate
Baton e é reprovado dentro da escola em matemática, e ele faz conta com a caixa de
chocolate Baton, e negócio contigo ali, numa fração mínima de tempo que o sinal tá
fechado que se bobear você, que é alguém estudado, não consegue acompanhar o raciocínio
dele, aí chega lá e ele é reprovado, quer dizer, então se não for pruma leitura conjunta,
realmente pra avaliar o conceito da coisa, entendeu? Na prática da vida e na vida da escola,
são essas coisas que são absolutamente incoerentes.
E: Aí ela não faz sentido, ela não teria função, nesse sentido do conjunto.
Isabel: Agora, a função dela, na minha opinião, específica, - trabalhar conjunto e trabalhar
modelo - , experiências com o corpo, signi... experiências significativas, que tenham
sentido, que possam fazer, é, é, que possam fazer o aluno, é, vamos dizer assim, é, adquirir
confiança, desenvolvimento, é, psicomotor, confiança em si a partir do trabalho com
movimento, trabalhar o estímulo, a auto realização através da ludicidade, do jogo, quer
dizer, eu vejo um desenvolvimento belíssimo que a Educação Física pode proporcionar à
criança, o jovem, adolescente e que pode, sobretudo, formar no, em idéia de que essa
atividade é uma atividade fantástica pra vida dele, pra, pra ser assumida por seu quotidiano,
né? A idéia da representação não só da saúde mas do prazer através da atividade física, né?
Das, da, ele poder usar isso na sua vida, né? Agora...
E: E você acredita que isso acontece?
Isabel: Nas aulas?
E: De Educação Física.
Isabel: Olha, eu vejo... . Eu já vejo assim, é, por experiência, muita gente bem
intencionada, né? Mas daí a, a isso realmente acontecer com ... , eu tenho minhas dúvidas,
né? Realmente isso acontece com essa, como você falou, com esse nível de consciência,
com essa vontade de que aconteça assim, né? Mas...
196
E: E até mesmo com todas as dificuldades, né? Mas dentro da escola, se posicionar dentro
das escolas, as dificuldades que nós temos, uma guerra de força, é dentro da escola.
Isabel: É, é, tem uma representação um pouco, eu não sei se é melhor que ele, o profissional
dessa área da, da Educação Física, da nossa área na escola mas, é, eu acho que isso tá
mudando também, sabe? Tem dias que, eu vejo assim, de forma muito otimista, muito
otimista, entendeu? A atuação do profissional na escola, aqueles que estão na escola, que
tão ficando na escola, é, já mudou, muda muito, muda muito. Eu acho que a gente já tem, já
pode dizer que tá mudando a idéia da Educação Física, né? Eu acho que já há uma
preocupação com essa dimensão mais lúdica, mais significativa, da, da, da, de levar em
conta a, a dimensão da cultura aonde o grupo tá inserido, eu acho que essas coisas já, de
tentar respeitar e ao mesmo tempo fazer esse grupo crescer. Eu acho que a gente tem
alguma coisa já mudando nesse sentido, a gente já pode dizer que tem alguma coisa
mudando nesse sentido porque cresceram muitas, as possibilidades, né? Do profissional se
atualizar, isso tudo de uns vinte anos pra cá ampliou muito, né? Então já tem muita gente
refletindo, mesmo que nesse tempo curto como você mencionou, né? Você pode fazer
algumas reflexões tímidas mas tem pensando a respeito, que eu acho que isso já é positivo,
entendeu? Sem ser fazendo por fazer, já conseguindo pensar um pouco, discutindo um
pouco assim os seus âmbitos mais locais pra ver o que tá fazendo, querendo fazer
diferente...
E: É, até mesmo a própria produção científica mudou muito, né? Então...
** (aqui nós duas falamos quase ao mesmo tempo e muito baixo)
Isabel: Mil e um jogos, hoje em dia a gente já tá conseguindo, é, ler outras coisas e, e sente
até menos falta de ler sobre isso aí porque isso aí é, sai espontaneamente já.
E: Ô Isabel eu, você falou do papel das, da Educação Física nas escolas, né? Você falou da
função pras crianças. E pra sociedade, o que que seria a Educação Física para a sociedade?
Que papel que ela tem?
Isabel: Eu acho importantíssimo. Eu, o esporte, a atividade física, não vou nem pensar só no
esporte, é um fenômeno desse século que a gente tá vivendo. A virada desse século é um, é
197
um momento de desemprego, né? É um momento de aumento do tempo livre das pessoas,
né? E as pessoas, é, quanto mais oportunidade tiverem de conhecerem o físico, o seu corpo
e as suas potencialidades, é, melhor não conseguir conviver com tudo isso, inclusive em
criar - seu próprio corpo, seu próprio ser -, e eu acho que aí tem uma contribuição enorme
de uma consciência desse, desse corpo pela Educação Física, desse significado num
trabalho que gere prazer. Já imaginou? Você não precisa nada pra fazer parte de um grupo e
ter duas horas por dia de jogo com o grupo, as atividades com um grupo ou uma luta com o
grupo, de uma capoeira na rua aqui no Rio, né? O grupo, você não precisa dispor de nada só
um uniforme e uma vontade, consciência para aquilo, né? Ali no caso da capoeira até tem
uniforme mas invariavelmente, né? Quer dizer, a consciência da, também por outro lado, a
atividade física ecológica, você pode estar utilizando alguma coisa, eu acho que pra tudo
isso, mas aí é que eu não sei até que ponto nós tamos preparados pra essa formação nesse
cidadão também uma, dando a nossa contribuição, mas eu fico vendo assim “n” coisas, não
é só formar o atleta, né? Ou, ou descobrir algum atleta, isso acontece, às vezes até mais
tardiamente, né? Porque a gente não tá, é, focado nisso mas, é, não é só de esporte
institucionalizado, né? Tem “n” outras atividades, quer dizer, eu acho que nossa
contribuição é, nossa, eu acho que a gente até não tem idéia de tão, quanto importante que é
esse papel dentro, nessas coisas todas que vão, que tão presentes aí, né? A gente já tá vendo
aí, né? Já tão aí batendo na porta de todo mundo, difícil arrumar emprego, difícil isso,
difícil aquilo, a tendência é a pessoas irem se frustando, né? Se achando incapazes, então se
a gente não formar no convívio da escola, solucionar problemas pra saber criar, pra saber
como, pra sacar qual é, qual é essa, esse feeling que você tem que ter de conhecer, de
trabalhar o seu corpo, de, de poder ter consciência inclusive do que você pode fazer com
ele, né?
E: Eu acho que a gente não tem essa consciência.
Isabel: A gente não consegue nem despertar o prazer das pessoas pra atividade física.
Agora, por que que eu tô dizendo isso? Porque vários trabalhos nossos é que a maioria das
pessoas saem da escola detestando atividade física ao invés de gostando da atividade física,
198
uma, né? De bem com a atividade física, vamos dizer assim, sai mais de mal do que de
bem.
E: É, você consegue observar alguma relação, agora que vai entrar mais na pesquisa, entre
atividade física e rendimento escolar? Entre as atividades físicas e o rendimento escolar,
você consegue, você acha que favorece, que não favorece? Ou você acha que são duas
coisas distintas, que a gente colocou, em relação por exemplo a matemática, que você falou
que você trabalhava, não sei, com uma coisa mais global.
Isabel: É, eu...
E: O rendimento que, eu digo assim, em termos de nota mesmo, em termos acadêmico.
Isabel: Olha, tem alguns estigmas, né? Do tipo, o aluno que é bom em Educação Física é
péssimo nas outras disciplinas mas eu não acho que ele é péssimo ou que ele é burro porque
ele não consegue aprender, é porque ele dedica a maior parte do tempo dele praquilo que
ele gosta, que é ficar jogando bola lá embaixo, então não acho que ele é, é, que ele prioriza,
né? Ai, o menino é ótimo, passa o dia inteiro lendo, sim, passa o dia inteiro lendo não vai
ter atenção pra jogar bola, não vai ter atenção pra, é, subir em árvore, não vai ter atenção
pra jogar pipa, né? Soltar pipa, então que que acontece? Tem menino que ele prioriza a
leitura, se é aquilo que ele tá curtindo, gostando, adorando, entrando na Internet, fazendo
mil coisas, então é a geração da frente do computador, né? O computador é uma coisa que
atrai, dá, desperta a curiosidade e se essa curiosidade ou se esse interesse for maior do que
prás outras coisas ele vai ficar ali no computador, né? E aí ele, provavelmente, vai tá se
desenvolvendo fisicamente atrás de outros que também estão na maior parte do tempo deles
pra trabalhar aquelas habilidades, pra ir ganhando aquelas habilidades, sobretudo numa
faixa etária aonde se ganha isso, né? Aquela faixa etária da, da primeira, primeira fase do
ensino fundamental, né? Onde você realmente ganha aí experiências, né? E aí tem uma
série de, de enfoques diferentes. Eu acho que o aluno, é, ele é um aluno brilhante, se ele for
brilhante, se ele considerar todas as outras atividades que a escola dá, ele pode ser brilhante
em todas as opções que tem dentro da escola, né? A Educação Física, na, mas não acho que
o aluno que faz mais Educação Física seja mais inteligente, tira nota melhor em
199
matemática, entendeu? Isso não acho que há uma relação direta, eu acho que há uma
relação o que, eu acho que há uma relação, é, de como eu tô encarando aquele espaço ali,
né? Se eu vou encarar aquele espaço ali só como um espaço de lazer, provavelmente eu vou
me, me, vou interagir melhor com o professor de Educação Física, com o professor de, de
artes, de música, porque tudo isso vai ter mais significado pra ele do que as outras coisas. E,
é, que tem um conceito nessas coisas, eu sou reprovado, então tenho que ser bom, tenho que
passar, tenho que estudar. Mas há aqueles que nem com esse apelo tão preocupados em
ficar ali e corrigir, é sério, então... Mas o cara, ele não é, é, não vou dizer, interessado por
tudo, né? A gente não tem isso? Eu mesma tenho uma filha que odeia matemática e ela tira
dez em história, por história é apaixonada, por geografia também, aí o outro diz que ela á
muito inteligente porque ela tem as discussões que a maioria dos colegas não tem mas ela é
uma besta pro professor de matemática, ela devia se, ela tinha mais é que se suicidar porque
é o que tem de pior, então aí o professor de história diz pra ela assim: eu vou pro conselho
de classe te defender, que não sei que, e ela é um horror em física, o cara, o velho vai querer
detonar ela, né? Então a gente tá, tá entendendo? Porque a escola também é dividida assim,
é, foi muito engraçado agora, mãe o professor de história disse que vai lá me defender
porque eu tenho raciocínio lógico pra não sei que, então é, ela detesta o professor de
matemática, todos perseguiram ela, a vida dela inteira, ela não tem uma relação boa com
esse negócio aí, agora, tão lá, já devem ter resolvido, né? O resultado sai amanhã, quer
dizer, eu fico pensando assim, meu Deus do céu, será que ela vai ser reprovada? É, mas a
nossa escola reprova, não é porque é o filho de fulano, de beltrano, né? Se tiver que
reprovar, reprova.
E: Sim.
Isabel: É, agora aí tem o apelo pra aprovar, não aprovar, escola não tem esse poder, não
tem. Então lá as pessoas aparecem como elas são, que eu, que define, eu acho que ali na
nossa área, eu acho fundamental, só por isso, fundamental, as pessoas são o que elas são,
porque não tem apelo, é, tá ali, detesto aquele cara que fica: não, você pode ser reprovado
por falta, é uma hipocrisia, o cara vai, entra na justiça e ganha, na justiça, ah, eu já passei
200
por isso, eu tive um aluno que ganhou na justiça comum. Me desmoralizou. Mas por que?
Porque eu não entendi ainda qual era a minha consciência, qual era a da minha disciplina na
escola, eu não entendi, então eu queria mais era ficar, freqüentar ali e tal. Aquelas coisas
todas que, queria mais era isso e aí fui aprendendo, pô, não é nada disso, ali é um espaço de
se expressar, eu não trabalho com a, com o desempenho intelectual, eu trabalho com o
desempenho expressivo, quero que se dane o desempenho intelectual, trabalhe em outras.
Agora, que o desempenho é uma coisa maravilhosa, dessa criança de fazer o movimento,
quando você tá meio que estressada, enfim, movimentar, botar pra fora tudo aquilo que ele
sente, que ele, poder ser, fazer aquilo que dá prazer pra ele e ver um, motivado pra isso,
despertar aí essa florzinha, né? Essa sementinha dentro dele, né? Agora é claro que ali não
tá um ser dividido, não, ali tá um ser integral, eu acho que até mais integral do que o ser que
tá exaustivamente pensando na aula de matemática. Eu acho que tá até um ser mais integral,
porque eu entendo que ali a manifestação da expressão, do corpo e Tc, é maior do que as
outras, mas todas as outras tão presentes. Não é um ser acéfalo que tá ali, assim, muito pelo
contrário, não é isso? Pra lá de um ser pensante, um ser ativo, porque não tem filho, que tá
ali fazendo aquelas coisas todas, e expressa, porra, puta que pariu, em momento nenhum, aí
o cara bota fora de sala, não, não, esse espaço não é pra gente chegar aí mas acontece. Uma
vez saiu um palavrão na olimpíada: irmã, é impossível controlar um palavrão no meio de
um jogo final de uma olimpíada da escola numa turma de 8ª série, não, irmã, fica tranqüila,
não quer dizer que eles são mal educados, mas não é? Era num colégio que eu trabalhava,
eu trabalhei doze anos lá, aí ela dizia: mas é assim, irmã, pára e pensa se a senhora tivesse
jogando, volta um pouquinho no tempo, não é por aí, aí ela me olhava assim, ela primeiro
queria me mandar embora, porque falou palavrão, depois ela ia pensando, né? E eles
pensam?
E: Não tem como.
Isabel: Claro que não é partir para um telequete, não é isso, que tava acontecendo mas
escapa, né?
E: É a euforia, né?
201
Isabel: Pois é. Então eu acho assim, tem relação de causa e efeito? Eu num tenho nenhuma,
assim, que eu possa te dizer, assim, evidências de que o aluno que tem o repertório muito
rico, experiente, bem vivido seja o aluno de rendimento alto. De que o aluno tem esse
repertório comprometido, seja o aluno de desempenho baixo. Mas pensa o seguinte: pensa
nesses meninos que tem uma riqueza de experiência estúpida, que são esses meninos
desprivilegiados, que não tem estímulo, né? Até porque tem uma eficiência motora grande,
diferentes tipos de movimento. Não tô pensando nas especialidades porque esse quem tem é
o outro que faz escolinha, né? Eu tô pensando no, nos movimentos, é, sem ser
especializados mesmo, aleatórios, quer dizer, que tem um maior vivência, tem, talvez, um
domínio de corpo maior, porque as experiências maiores, são muito mais maduros porque
vivem muito mais intensamente o quotidiano, resolvem os problemas dos mais diversos,
talvez, quase toda hora do dia que eles são acordados, e chega na hora da escola pra ter um
bom desempenho é um desastre. Porque talvez a escola não fale a língua dele, né? Talvez,
é, é uma das hipóteses, né? Que a escola tá falando essas línguas, então não tenho essa
evidência de uma relação muito grande mas eu, eu tenho a impressão que o, aí é uma
questão assim de, de ver as experiências, que aquele aluno que tá feliz, integrado,
participativo, etc., ele tem um, uma, vamos dizer assim, bom na Educação Física, ele tem
um desempenho bom, não vou dizer que ele é nenhum gênio não, na sala de aula, ele tem
um relacionamento bom com os colegas, ele tem expressão, agora existe aquele aluno que é
extremamente tímido, tal e coisa, e as vezes é ótimo na sala de aula porque a sala de aula,
quanto mais timidez a gente tem, a gente se encaixa ali e aquilo não o atrapalha em nada,
chega aqui, ou atrapalha porque o espaço aqui é mais solto, né? A gente vê esse aluno aqui
e vê o aluno que as vezes é tímido aqui, tímido ali, não tem um comprometimento em
qualquer espaço, que não consegue se soltar, não se desempenha bem em lugar nenhum,
entendeu? Então eu acho que o aluno, bem plenamente integrado, ele tende a dar conta das
disciplinas, tem, nessas aulas, tende a dar conta da, e eu acho. Agora, eu fico pensando
assim, acho que a Educação Física escolar nessa faixa etária contribui a beça, pelo ponto de
vista da, do distensionamento das crianças, daquela explosão, né? Daquela vontade, né? Vai
202
na Educação Física e tal, não volta, mas até tem umas mais cansadinhas, eu acho que ela
ajuda pra caramba.
E: E fazendo um gancho pra linguagem, você chegou a falar alguma coisa de linguagem aí?
Vamos colocar assim, existe a linguagem corporal, você acha que também ela pode ajudar?
A Educação Física pode ajudar o desenvolvimento, o aprimoramento, o enriquecimento
dessa linguagem?
Isabel: Eu acho que pode, eu acho que toda e qualquer experiência que a criança tem, que
trás significado pra ela, ajuda nessa construção. Eu digo a você que nada você joga fora.
Ontem eu tava em casa conversando com a Renata, o Paulinho tava deitado no meu colo,
ele queria dormir, quando eu comecei aquela conversa mais assim com a Renata, e ele então
já não me chamou mais pra dormir, e aí ele, lá quieto, ficou no meu colo mas eu tenho
certeza que ele tava prestando atenção em tudo, que eu tava conversando, aí ele ficou ali
quietinho, com certeza, quando acabou o papo o Waldir ainda disse assim: depois a gente
não quer que o garoto saia com algumas coisas que não tem, que aparentemente não tem
nada a ver com o desenvolvimento dele então é, ele tem um nível de concentração e de
prestar atenção tão grande que, pode ter certeza, que nos próximos dias tá saindo, pode ter
certeza, mas coisas assim do arco da velha, e uns papos, a gente tava voltando do sítio e o
papo não tinha nada a ver ele perguntou pro Bruno: você vai pra casa do seu pai? E o
Bruno, e aí eu me meti no meio e falei assim: mas Paulinho isso não tem nada a ver com o
assunto que nós tamos conversando aqui, é uma pergunta fora de propósito, não é? E eu
perguntei pra ele: aonde você tirou isso? Sabe o que que ele me respondeu? Da minha
cabeça. Da minha cabeça, como quem diz, ora bolas, só porque está falando de abobrinha e
eu fui falar de tomate e eu não posso falar que... tava pensando em tomate, falei de tomate,
qual é?
E: E o Bruno respondeu pra ele?
Isabel: É, ele respondeu, não, não vou. O assunto não tinha nada a ver com aquilo, ninguém
falou em casa de pai. Agora, ele tem respostas, né? Então de onde ele foi tirar isso? Foi da
cabeça dele. Aí ele surpreende em tudo, sempre aprende em cada situação, né? Sempre
203
aprende, agora eu acho assim, que quanto mais, quanto mais satisfação, eu acho que mais
fácil o aprendizado, mais significativo, eu tenho impressão que acelera, nunca estudei isso,
mas eu acho que acelera. É diferente de você pegar uma coisa e achar que tem tudo a ver,
né? Tá naquela motivação, parece que nunca vai mais sair daquele momento. Então é uma
coisa assim, ai, ã, ã, ã..., né? Na época, ã, e coisa, tem já o esquecimento.
E: Então você acha que tem tudo a ver? Favorece, né? Ô Isabel, é, eu vou falar algumas
coisas, se eu já tiver te perguntado você fala já respondi, daquela forma...
Isabel: Tá, tá bom.
E: É, pra formação do conhecimento você acha que ela contribuiu, você acha que, desse
rendimento você já colocou alguma coisa assim, rendimento no esporte, né? A que
formação do conhecimento, eu colocaria assim...
Isabel: Bagagem?
E: É.
Isabel: Ter formação, ter conceito de, de...
E: É capacidade cognitiva, aprimoramento, também essa formação de conhecimento, até
também de bagagem.
Isabel: Eu acho que sim, claro que contribui porque você pára e pensa, né? Pára e pensa
numa discussão técnica numa determinada atividade, pensa muito, né? Nessas aulas, né? O
cara tem que passar o outro pra trás, se isso for bem trabalhado eu acho que isso forma
cidadão tranqüilo porque, agora, não é que a gente vai dar a atividade pra discutir isso, que
eu acho que não é por aí, mas quando aparecem coisas dentro de determinada atividade que
a gente trabalha que podem ser trabalhadas com a criança, com o adolescente, com o adulto,
isso pra mim é formação, isso pra mim é contribuição, né? Fora as outras coisas todas que a
gente comentou já da contribuição, eu acho que, sem dúvida, contribui, nossa! São tantos
problemas, né? Quantas vezes eu tenho que montar uma, uma forma de superar uma
dificuldade, eu tô num grupo e outro, criar regras pra resolver uma determinada coisa.
Agora tudo isso depende muito de como o professor trabalha, né? O professor também pode
entrar ali e fazer calistenia, fazer...
204
E: Aí não tem nada a ver, né?
Isabel: Entendeu? Pode fazer coisas que não venham a solicitar um trabalho maior de
formação, de, de participação do aluno, então eu acho que quanto mais o aluno participa,
né? Quanto mais o aluno interage, entre eles e com o professor, eu acho que tende a crescer
esse nível de contribuição. O aluno muito passivo, essas contribuições vão vindo mais na,
naquela idéia de um saco vazio, e o saco vai enchendo, será que só o saco cheio é difícil pra
você carregar o saco, né? Se eu não sei o que que eu vou fazer com o saco depois que ele
encheu, né? E aí fica aquele saco ali, tá ótimo, encheu, né? E aí, o que que eu vou fazer com
aquilo?
E: É, eu a, pelo que a gente tava, você já falou sobre praticamente tudo, né? É, até onde as
atividades físicas contribuem para o desenvolvimento da linguagem verbal?
Isabel: Até onde?
E: É.
Isabel: O até onde quer dizer o que?
E: Até quanto.
Isabel: Seria o quanto?
E: É, realmente seria o quanto, o quanto que contribui pra formação dessa linguagem
verbal.
Isabel: Seriam outras contribuições, eu acho que todo espaço que trabalha com, aliado a
linguagem, de repente contribui mais até do que um espaço que trabalha só com imagem,
né? Que trabalha de uma forma múltipla, né? De expressão, de, mas, é, eu acho que, até
onde eu não sei responder, até qual é o limite aí, que ela contribuiu mas eu acho que ela
contribui.
E: Favorece?
Isabel: Favorece, eu acho que é.
E: É, e pra formação do conhecimento eu acho que você já...
Isabel: Aí é.
205
E: Você acha que sim, né? É os meios, agora vem uma outra assim que, mas também tá
tudo, tá tudo muito dentro da sua, na sua fala, você já foi respondendo muita coisa, né?
Quais os meios que você utiliza pra verificar se essa relação existe para a formação do
conhecimento que a gente acabou de falar, que meios que você utiliza, que, em que que
você se baseia pra dizer que ... , que favorece a formação do conhecimento? É através de
literatura, é através de sua própria prática ou se é através de...
Isabel: Pra formação do aluno?
E: É.
Isabel: Acho que é através das experiências...
E: Das suas experiências ou das experiências dos alunos?
Isabel: Eu acho que é a relação que existe entre o que o professor concebe, né? O seu
trabalho metodologicamente aquilo que eu te falei, que a idéia era o aluno daqui,
certamente essa contribuição tende a ser (?) palavra inaudível, né? Tende a ser mais
restrita. Então eu acho que vai da metodologia do professor, quer dizer, como que o
professor vai proceder, né? É ... , da experiência do professor, que ele oferece e também
pegar a contribuição que o aluno traz. Já tô restringindo, o aluno, né? Já comecei aí a
restringir essa formação, é, que eu tenho, é, experiências, vamos dizer assim, na, numa
concepção de que eu tô, na verdade já tô restringindo, quer dizer, que o meu aluno não tem
nada a, a contribuir, já tô restringindo então eu acho que depende de como o professor vai
encarar essa forma de ensinar. Se ele vai trabalhar com o ensino da formação, né? Que o
cidadão, enquanto sujeito, enquanto elemento atuante, crítico, é, que vai conseguir ter um
desempenho mais ágil na sociedade, tá formando isso pra resolver questões, pejorativas,
pra ser questionador ou se ficar, entendeu? Fazendo ele virar um reprodutor do modelo que
tá aí. Aí eu penso que essa contribuição poderá ser maior ou menor de acordo com a
formação.
E: Pra preocupação da formação?
Isabel: Da Formação.
206
E: Eu acho que a gente já falou tudo sobre praticamente tudo, né? Agora só falta, assim, é,
quais os meios que você utiliza pra dizer que, se bem que você disse que não saberia dizer
onde a Educação Física, até onde as atividades físicas poderiam contribuir pra o
desenvolvimento da linguagem, você não sabe até aonde?
Isabel: É, eu tenho, eu posso dizer se contribui porque eu acho que tudo contribui, quer
dizer, o meio ambiente, esse meio é importantíssimo pro desenvolvimento da linguagem
porque você tem um meio próprio pra isso, né? Um meio com diferentes formas de
expressão, eu tenho impressão que isso contribui muito pro desenvolvimento da linguagem.
E: Que meios, você disse que o meio ambiente que contribui muito? É, poderia assim dizer,
que que você fazia, se é pela sua experiência, pela experiência do aluno, que você tem com
seus filhos, né?, ou outra contribuição, ou literatura, ou de testes que você aplicou...
Isabel: Não, eu nunca trabalhei nessa área de testes, eu, eu fico no eu acho porque é muito
experimental o meu, muito empírico, muita observação empírica. O Paulinho falou com dez
meses, pra mim foi um, ele falou em junho, ele fazia, fazia aniversário 13 de junho, e 13 de
junho ele disse mamãe, ele tinha dez meses, eu fiquei assim, que é isso, porque na minha
experiência, os outros dois ainda não tinham conseguido, foi bem mais tarde, ah, tem mais
estímulo, tem mais estímulo, né? Que eu escutava, então eu acho que essa é a idéia do...
(Aqui ocorre uma pequena interrupção)
Isabel: Essa é a idéia mais empírica que dá nível pra eu dizer isso pra você. Então fica
assim: o meio é um, foi um meio rico pra que isso ocorresse, com certeza, porque ele
convivia, né? E eu penso, ele convivia com um grupo que tava o tempo inteiro dando esse
tipo de estímulo, né? Mas e os outros não estavam? Estavam, mas era a mãe e o pai, agora
não, é a mãe, o pai, os irmãos que são todos, né? Mais velhos, então, certamente, esse meio
deve ter enriquecido muito mais, mas tem as características da própria, da própria, do
próprio...
E: Meio?
Isabel: Não. Da própria criança, né? Também, lógico que tem, isso aí que, de certa forma,
colaborou. Mas, o que eu sempre ouço falar, que nunca estudei isso, sinceramente não sou
207
uma, uma pessoa que lê sobre isso, que estuda sobre isso assim de forma mais atenta, então
é mesmo mais de ouvir as pessoas que fazem falarem, né? E de ter algumas experiências
que mostram que esses estímulos são ricos e eu acho que, por que não o estímulo da
Educação Física ser mais um estímulo pra isso? Eu acredito que sim, mas não há, eu acho
que eu, o garoto, vou dar uma, vou te dar uma resposta que o Tomás deu uma vez num
congresso que deu o maior auê, aliás foi o Tomás, que disse assim pra professora, a
professora que fez a pergunta à mesa, sabe? É, disse assim, o tetraplégico, se eu não me
engano, não era nem o paraplégico, o tetraplégico não aprende a ler, escrever, etc., então
fica essa coisa, grosseiro isso, né? Eu acho grosseiro porque, claro que contribui mas fica
essa idéia de que aquele que não se movimenta, não tem Educação Física, ou por restrição
ou porque, por não ter tido oportunidade, ele também vai se desenvolver, claro que vai, mas
eu acho que aquele que tem uma, condições de ter vários estímulos de forma diferenciadas
tem chance de se desenvolver com uma riqueza maior de oportunidades e de, de
desempenho também, por que não? Mas aí é no nível do achismo mesmo porque eu não sei
se, te dizer, olha, o estudo tal mostra isso o outro mostra aquilo, não tenho essas referências,
de leitura, mas é, é assim sabe? A experiência mostra que tem desempenho sim, né? Agora,
que Educação Física é essa que vai levar determinadas promoções é que é a grande questão.
Que vem sendo a batalha que as pessoas, né?
E: Tá ótimo.
Isabel: Tá bom?
E: Excelente, bom demais.
208
ANEXO 8:
Entrevista 8: Fernanda, doutora em Educação Física
E: É, pra você, qual o papel que as aulas de Educação Física tem nas escolas? Que papel
ela tem pras escolas? Sobretudo de primeira à quarta, ou de quinta...
Fernanda: Eu acho, na escola, ela, do modo como ela é ... , é vivenciada hoje, ela tem um
papel de controle, de controle das crianças, né? É face à, bota as crianças prá fazer isso. A
Educação Física, é, pensando que ali ela vai ter um desgaste de energia e, com isso, ela
estará mais forte pra fazer as atividades de sala de aula. Então eu acho que tem uma
atividade instrumen... ela se caracteriza como uma atividade instrumental de controle do
comportamento das crianças, acho que é esse o papel que ela tem hoje, tá? Embora eu pense
que o papel dela não deveria ser esse. O papel dela deveria ser de, é, encaminhamento da
criança, de reconhecer, reconhecer essa, essas vivências corporais da comunicação que pode
fazer com esse corpo, com as outras, com as outras crianças, todo o interior dele, que ele
pode fazer, não creio que os professores trabalhem nesse sentido.
E: Ótimo. É, eu, alguma coisa já fica meio repetida, né? Nas entrevistas, se você já tiver
respondido aí você pode fazer até fazer um comentário, não, eu respondi anteriormente. É,
209
eu perguntei sobre o papel, né? Pras escolas, e agora a função das aulas de Educação Física
pras crianças? Você falou pra mim...
Fernanda: Eu acho que as crianças tem a função de expansão, né? Quer dizer, elas vivem, é,
dentro de uma formação esquadrinhada de aula, da sala de aula, elas vivem contidas, né?
Nos seus movimentos, então a aula de Educação Física é aquele momento assim de
expansão, de explosão do toda aquela energia delas que, que tá controlada, o momento em
que ela vai poder sorrir, ela vai poder gritar, ela vai poder, é ... , sentir emoções, vivenciar
emoções sem a censura que a sala de aula, a professora, os próprios colegas, né?, e tem
sobre ela. Na aula de Educação Física é um momento assim de, de expansão e muitas vezes
até de explosão mesmo, dessas energias contidas, amarradas, controladas.
E: É, pra sociedade, você acredita que exista algum, que a Educação Física representa
alguma coisa, que ela tem algum papel, para a sociedade? A gente falou das aulas...
Fernanda: Você tá se referindo a sociedade pais ou...
E: A sociedade como um todo.
Fernanda: Como um todo.
E: É.
Fernanda: É, eu acho sim, eu acho que tem essa idéia de que as pessoas que praticam, que
vão às aulas de Educação Física, elas tem um auto domínio, elas têm condição de ter mais
saúde, de criar hábitos de, de prática. Eu acho que a sociedade pensa nisso, e tanto pensa
nisso que põe os filhos pra praticar as atividades fora da escola, as atividades específicas
ligadas ao interesse deles e até atividades que venham tratar de recuperação de asma, de
desvios de coluna, algumas coisas assim, mamãe bota no balé porque a menina tem desvio
na coluna, é, bota no judô porque o menino precisa se auto controlar e, e bota na natação
por causa da, da asma e por aí vai, então a sociedade, eu acho, que tem uma idéia de, que a
prática da atividade física pode ser terapêutica também, em relação a, a aquisição de saúde.
Independente disso, há uma idéia de que é uma prática saudável, então colocou os filhos
naquela atividade, naquele momento, lhe dá uma possibilidade de, de crescimento, de...
E: É, isso aí...
210
Fernanda: Eu acho que a sociedade...
E: ... segurança...
Fernanda: Segurança para...
E: Pra família e...
Fernanda: Pra família.
E: ...consequentemente pra sociedade.
Fernanda: É.
E: Né? É interessante...
Fernanda: Então eu acho que a sociedade valoriza as aulas de Educação Física, né? Acho
que o grupo interno da escola é que tem uma finalidade instrumental específica: controlar as
crianças, né? Quer dizer, porque a escola toda exerce controle, então a escola toda exerce
controle e as aulas de Educação Física seguem, naturalmente, a ideologia da escola.
E: É, você consegue observar ou você tem já alguma posição definida em relação ao
rendimento escolar e as atividades físicas, né? Que há uma, as atividades físicas ou
corporais, você acha que existe uma relação, que as atividades físicas favorecem ou que não
favorecem o rendimento escolar?
Fernanda: Olha só, eu penso que cognições se formam a partir de atividades de movimento,
eu penso isso, agora, a questão de alto, baixo rendimento, no meu entender não, não tem
relação, né? Porque há pessoas que não, não praticam atividade nenhuma e são altamente
inteligentes e tem um rendimento alto, eu não po..., eu desconheço pesquisas que
comprovem essa relação de causa e efeito e, no meu ponto de vista, eu penso assim, quem
pratica uma atividade física tem mais controle sobre si, vai ter mais disciplina, vai ter mais,
é, metodolo..., métodos de estudos, vai ter condição metodológica de se estudar, de se, de
organizar os horários de estudo, né? Vai, é, se tranqüilizar mais, então tem mais
disponibilidade, né? Para os aprendizados. Agora, há pessoas que não fazem, não praticam
essa atividade e também conseguem, é, essa auto disciplina, essa, essa disponibilidade pra
isso. Então eu creio que não haja uma relação direta, né? Acho que há facilitação de
aprendizagens pelo movimento, acho que, é, há uma, pode haver uma associação de
211
facilitação das aprendizagens, quer dizer, umas aprendizagens corporais se tornam mais
facilitadas, as, as aprendizagens realizadas através, é, de movimentos corporais serão mais
facilitadas porque é aquilo que tem escrito, né? No próprio corpo, é uma coisa mais
concreta, mais concreta, mas não sei se, não sei não, eu não acredito que haja uma relação
direta, né? Eu acho que é uma questão de aprendizagem concreta pra uma aprendizagem
mais abstrata, mais complexa.
E: É, o desempenho, quer dizer, essa questão aqui tá meio, meio repetitiva... (comentário
técnico)
Fernanda: Não tem problema, depois você elimina ela. (Idem)
E: Pode... (Idem)
Fernanda: Depois você elimina. (Idem)
E: É, pra você falar um pouco da relação do desempenho físico com outros aspectos do
rendimento físico, né? Ou, quer dizer, nem é rendimento físico, desempenho físico, o
desempenho escolar e outros aspectos da vida, se bem que eu acho que você já associou aí,
até mesmo a concentração, as disciplinas, né?
Fernanda: Eu acho que favorece por exemplo, eu acho que favorece relacionamentos, né?
Acho que favorece a questão da organização do tempo, a organização de tempo, que é uma
coisa, que a criança tá na fase de aprendizagem, né? Fase de aprender isso, a organizar seu
tempo, que momento ela tem, é, se ela pode se expandir, se no momento ela tem que se
concentrar, em que momento ela tem que produzir, em que momento ela tem que deleitar,
né? Então eu acho que a atividade física, o jogo principalmente, é, facilita, é, essas
aprendizagens, né? Isso feito ainda coletivamente vai ajudando que ele vá se conhecendo,
conhecendo suas emoções, que momento ele tem que, é, se auto controlar, que momento ele
pode ser mais agressivo ou o que que significa ser agressivo na, na reação com o outro, o
que significa ser amoroso na relação com o outro, então eu creio que essas coisas, essas
atividades, na prática, na vivência, elas são atividades de vivência, né? É, enriqueçam, na
educação da criança.
E: Você acha que, então, um aspecto assim, é, um aspecto forte das atividades?
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Fernanda: Hum, hum.
E: Das atividades físicas, né?
Fernanda: É, se ela for planejada com essa intencionalidade.
E: Ah, tá.
Fernanda: Porque se não for, eu acho que, ela não consegue prejudicar porque as crianças se
auto regulam, né? Quer dizer, elas, elas se organizam sozinhas e, mas só que fica uma coisa
mais ligada a, ao entretenimento, não tem tanta essas intencionalidades pedagógicas que o
professor poderia, é, desencadear com atividade, entendeu?
E: Você acha que a Educação Física, é, num vou dizer a Educação Física, né? Que a gente
tá trabalhando com a, as atividades físicas, né? Podem contribuir, sobretudo a escolar, pro
desenvolvimento da linguagem verbal?
Fernanda: Eu creio que se o professor tiver um planejamento, intencionalmente organizado
pra que a criança desenvolva “n” modos de comunicação corporal, realmente ela vai
contribuir, né? Porque se a gente analisar o quotidiano da escola, a criança entra, é, fica
atrás de uma carteira um número “x” de horas, é, tem um movimento que é um movimento
de levar o olhar pro quadro, o máximo que ela faz é implicar lateralmente, né?, a nível do
horizontal, é, as outras crianças, é sempre um, uma linguagem, é, verbal que é determinada
pela professora quando ela pode e quando ela não pode falar, então se a gente tiver uma
Educação Física organizada, planejada pelo professor com a intencionalidade de, é,
favorecer a expansão das diferentes comunicações, né?, quer dizer, que ele seja capaz de,
com o corpo dele, construir determinadas mensagens, se ele for capaz de ler o corpo do
outro no seu próprio, né? É, determinadas mensagens, como acontecem nos jogos, porque
os jogos são assim, você não joga a bola pra frente indiscriminadamente, você joga, é, não
verbalmente, você joga pro outro que compreende o seu ato e se desloca prum determinado
lugar e recebe a bola de você, nem podia gritar, agora vou passar a bola pra você, chega pra
lá, não é assim, o outro capta, né? É, numa leitura corporal, o gesto que você, é, antecipa,
ele tem uma antecipação motriz, quer dizer, se antecipa ao que vai, o que vai fazer, né? É,
em termos gestuais e aquele colega numa sintonia de comunicação, se desloca pra um
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determinado local e recebe essa bola. Assim é nas lutas corporais, quer dizer, você vai
lendo no corpo do outro se o cara vai atacar, se vai ras..., vai se defender. Então eu acho que
a Educação Física tem essa riqueza, as atividades corporais e a Educação Física deveria ser
trabalhado mais intencionalmente isso, né? Quer dizer, a, o desenvolvimento das diferentes
linguagens, né? Quer dizer, a linguagem corporal, é possível que, pode transformar
determinada mensagem num, numa linguagem de sinais do corpo numa linguagem de
desenhos, e por aí o professor vai vivenciando.
* (risos)
E: E, é, da mesma forma não, voltando a pergunta, pra formação do conhecimento? A nível
de bagagem, a nível de abertura pra receber as informações, pra captar o conhecimento, o
mesmo conhecimento que é passado na escola e os conhecimentos adquiridos, né? Nas
outras situações, você acha que a Educação Física pode contribuir pra alguma coisa, é,
contribuir assim, que dê resultados mesmo, resultado positivo.
Fernanda: É, eu tenho dúvida de responder essa, não sei se vai ajudar.
E: Adquirir mais conhecimentos?
Fernanda: Aquilo que eu já coloquei antes em relação se ele tiver uma, uma auto disciplina,
uma condição de organização do próprio tempo, ele terá mais disponibilidade de atenção,
de concentração e daí ele estará em approach das aprendizagens e ao estar em
disponibilidade ele vai produzir um conhecimento, agora eu duvido um pouco da qualidade
das aulas que vêm sendo ministradas. Não, por “n” pesquisas que a gente tem por aí, que já,
já determinaram, então não sei se ela tá contribuindo ou, no meu entender ela contribui
mais pro controle da criança do que propriamente pra, pra expansão dela, pra criação, eu
acho que as atividades são extremamente automatizadas, pouco criativas, acho. Eu tô, eu
estou fora de sala de aula há mais de dez anos, quer dizer, nem com estagiário eu não tô
trabalhando, então pode ser que eu esteja bastante desatualizada e eu, eu não tenho
acompanhado, pode ser que eu esteja bastante desatualizada.
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E: O que circula, né? É o que a gente normalmente, é, o que circula é que eu acho que é o
que tá acontecendo, né? Que a gente fica sabendo, eu acho que as aulas de Educação Física
ainda tem muito a crescer.
Fernanda: Hum, hum.
E: Então não sei. É...
Fernanda: Agora o que faltou te dizer é o seguinte: é um espaço de muita convivência, aula
de Educação Física, é um espaço de muita convivência, né? Quer dizer, há um clima de
muita confiança no professor de Educação Física, há um clima de alegria, é, de
disponibilidade do próprio professor pra ouvir os alunos, pra vivenciar, é, brincadeiras
próprias da idade dele, mais é a aceitação do aluno como é, eu acho que é um espaço assim.
Agora, mesmo assim, com essa doçura toda, na realidade o professor quer é colocar o aluno
na linha, né? Colocar o aluno, é, obediente.
E: Ô Fernanda, que meios que você utiliza pra verificar, em relação a formação do
conhecimento você acha que é mais de controle, que a Educação Física tá mais voltada pro
controle, que é o que circula. Você já justificou falando que tá afastada, né? É, em cada,
você me deu praticamente uma resposta negativa, poderia considerar assim? Ou é um meio
termo?
Fernanda: Eu não tenho segurança, talvez eu esteja no meio termo, eu acho que,
intelectualmente, eu não sei se eu posso dizer negativo, por isso que eu tô te dizendo que,
eu tenho medo das...
E: É, você tem dúvida por que? Porque você não tá na prática ou porque a leitura não
comprova, a literatura nunca provou nada, nunca provou assim, você nunca teve acesso a
algum tipo de literatura nesse sentido.
Fernanda: É, não tenho acesso a pesquisas nesse sentido, a que, as duas coisas, eu não tenho
acesso e tô afastada dessa, dessa prática. Eu, a idéia minha é o seguinte, da visão de hoje, é
muito mais na forma, entendeu, de, de, é, organizar a criança para o estar disponível para a
aprendizagem do que propriamente uma relação direta com o conteúdo, quer dizer, a
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formação do conhecimento. Pode ser um absurdo nesse momento isso que eu estou
pensando.
E: E em relação a linguagem, eu diria, eu te perguntaria assim então, que meios que você
utiliza, né? Pra, pra falar essas coisas que você falou, é tudo baseado na sua experiência ou
são as suas crenças mesmo, eu não diria verdades, né? Mas os seus conceitos...
Fernanda: Você diria que eu falei sobre o que?
E: Sobre a relação do conhecimento, como a relação da linguagem, da forma como você
colocou, que a gente já abordou sobre isso, né? Que meios que você utiliza... (Fernanda
interrompe a pergunta para responder)
Fernanda: Eu acho que o meio que eu utilizei foi, foram as coisas que eu li, é, as coisas que
eu li e as coisas que eu vivi na escola.
E: E que você vê ainda hoje, poderia dizer assim? Assim, baseados em dados, em testes, ou
alguma coisa assim?
Fernanda: Não, não, não, claro que não. É, literatura ou escrita mas, é, não literatura
comprovada, porque não é muito a minha área, não é a minha área, aprendizagem motora,
velocidade, então eu não tenho, é, profundidade nisso, então eu não tenho dados, eu não
fico lendo, não fico, não é do meu interesse viver lendo, mas, do conhecimento que eu
tenho dessa área e mais o que eu vivenciei na escola.
E: Tá ótimo professora.
Fernanda: Ah, tão rápido.