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BEHAVIOURISMO E CEPTICISMO EM WITTGENSTEIN? José Avelino da Silva e Costa

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BEHAVIOURISMO E CEPTICISMO EM

WITTGENSTEIN?

José Avelino da Silva e Costa

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ÍNDICE

Resumo.........…………………………………………………………………………....3

Abstract............................................................................................................................4

INTRODUÇÃO….……………………………………………………………………..5

PARTE I………………………………………………………………………...9

1. O Verdadeiro Argumento da Linguagem Privada………………………….10

2. O Paradoxo Wittgensteiniano visto por Kripke…………………………….11

3. As Tentativas de Resposta Consagradas ao Paradoxo Wittgensteiniano…..12

4. A Solução Céptica para o Paradoxo Céptico.……………………………... 16

5. O Postscript e o Problema das Mentes Alheias………………………….....25

PARTE II……………………………………………………………………...28

1. Alex Byrne e a Interpretação Errada do Wittgenstein de Kripke........……..29

2. Warren Goldfarb versus Saul Kripke…...………………………………….32

3. Um Certo Causalismo em Paul A. Boghossian…………………………….37

4. Philip Pettit e o Carácter Público das Regras........…………………………39

5. L. C. Holborow e a Admissão de uma Linguagem Privada Dependente.....43

6. Andrew Lewis e a Defesa dos Critérios em Wittgenstein…………………50

7. As Razões que Assistem a Wittgenstein...………………………….……...52

PARTE III…………………………………………………………………….54

1. Wittgenstein e o Behaviourismo…………………………………………....55

2. O Argumento da Linguagem Privada……………………………………....56

3. Novamente a Questão do Behaviourismo Propriamente Dita……………...58

PARTE IV…………………………………………………………………….60

1. Denis McManus e uma Leitura Diferente do Tractatus de Wittgenstein….61

2. Andrea Kern e a Reinterpretação Paradoxal do Cepticismo……………….65

1

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3. Edward Minar e o Problema do Outro...…………………………………...69

PARTE V……………………………………………………………………...73

1. Stanley Cavell visto por Denis McManus………………………………….74

2. De Novo a Reinterpretação da Dúvida Céptica……………………………76

CONCLUSÃO………………………………………………………………...83

BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………...90

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RESUMO

Nas Investigações Filosóficas e em Remarks on the Foundations of

Mathematics, por exemplo, Wittgenstein tem sido visto como um combatente acérrimo

do behaviourismo e do cepticismo. Procurámos nesta dissertação contrariar, de alguma

forma, esta posição quase estabelecida.

Um dos fios condutores da dissertação é o paradoxo céptico no que a seguir-

regras diz respeito, proposto por Wittgenstein e interpretado por Saul Kripke em termos

behaviouristas. A análise da sua obra Wittgenstein on Rules and Private Language,

onde precisamente é defendida esta interpretação, ocupa a Parte I da dissertação.

Depois da análise desta obra, que vai ao arrepio das interpretações tradicionais

de Wittgenstein, faz-se o contraponto com outros autores que seguem a linha tradicional

do pensamento nesta questão. Terminamos a Parte II comentando algumas passagens de

Remarks on the Foundations of Mathematics em que o anti-cepticismo não é um ponto

assente.

Na Parte III da dissertação, procuramos opor algumas das passagens das

Investigações Filosóficas à interpretação anti-behaviourista tradicional, ressalvando que

Wittgenstein não é um behaviourista na verdadeira acepção do termo.

Na Parte IV, procuramos abordar algumas das posições de alguns autores que

relacionam Wittgenstein ao cepticismo. Nesta parte da dissertação, os tipos de

cepticismo analisados são o cepticismo em relação à existência de outras mentes e o

cepticismo em relação à existência do mundo exterior.

Na Parte V, baseamo-nos em alguns dos pontos de vista de Stanley Cavell, que

merecem a concordância de alguns dos autores reunidos na obra Wittgenstein and

Scepticism e também alguma da nossa concordância, nomeadamente acerca da questão

do cepticismo em Wittgenstein.

Na Conclusão, entre outros aspectos abordados, acrescenta-se mais alguns

pontos de vista da nossa responsabilidade em torno de alguns dos temas abordados.

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ABSTRACT

In the Philosophical Investigations and in Remarks on the Foundations of

Mathematics, namely, Wittgenstein has been regarded as a tough opponent of

behaviourism and scepticism. With this thesis we try to refuse, in some way, this almost

established position.

One of the main points of the thesis is the sceptical problem concerning rule-

following proposed by Wittgenstein and interpreted by Saul Kripke in behaviouristic

terms. The analysis of Kripke`s work Wittgenstein on Rules and Private Language,

where precisely this interpretation is defended, occupies the first part of the thesis.

After the analysis of this work, which goes against Wittgenstein´s traditional

interpretations, we make the counterbalance with other authors that follow the

traditional thinking on the matter. We finish the second part commenting some passages

of Remarks on the Foundations of Mathematics where the anti-sceptical view is not

very well assumed.

In the third part of this thesis, we try to oppose some of the passages of

Philosophical Investigations to the traditional anti-behaviouristic interpretation, making

sure that Wittgenstein is not a behaviourist thinker in the real sense of the word.

In the fourth part, we deal with some of the positions of some philosophers

which relate Wittgenstein to scepticism. In this part of our thesis, the kinds of

scepticism dissected are other minds scepticism and the external world scepticism.

In the fifth part, we take for granted some of Stanley Cavell´s points of view,

which deserve the agreement of some of the authors assembled in the work Wittgenstein

and Scepticism, namely on scepticism in Wittgenstein.

In the conclusion, among other issues, we add some remarks on our own about

some subjects discussed in this work.

.

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INTRODUÇÃO

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As interpretações mais comuns de Ludwig Wittgenstein consideram-no, por

exemplo nas Investigações Filosóficas (trad., pref. M. S. Lourenço, intr., coment. de

Tiago de Oliveira, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987) e em Remarks on the

Foundations of Mathematics (ed. by G. H. von Wright, R. Rhees, G. E. M. Anscombe;

translated by G. E. M. Anscombe, Cambridge Massachusetts and London England, MIT

Press, 1996), um combatente acérrimo do behaviourismo e do cepticismo.

As Investigações Filosóficas são uma obra sobre filosofia da linguagem que

explica os fenómenos relacionados com a nossa linguagem e o nosso pensamento

através da noção de jogos de linguagem. Estes, por sua vez, seriam explicados em

termos de formas de vida que seriam, nada mais nada menos, do que as convenções,

instituições, usos e costumes dos homens. As Remarks on the Foundations of

Mathematics versam essencialmente sobre a filosofia da matemática e nesta obra

também se procura – e isto é o que mais interessa para a nossa dissertação –

compreender a noção de seguir uma regra, enquadrada no âmbito da filosofia da

matemática quando, por exemplo, seguimos uma fórmula ou uma simples regra da

adição.

Convém lembrar, antes de prosseguir com esta introdução, que o behaviourismo

é uma teoria da psicologia com implicações filosóficas que consagra o princípio que o

estatuto mental de um sujeito é-lhe atribuído essencialmente pela observação das

relações entre estímulos que lhe são dirigidos e as suas subsequentes respostas, ou seja,

pela observação do seu comportamento. O cepticismo, por seu lado, é uma doutrina

filosófica que defende a suspensão ou a rejeição de juízos afirmativos em termos

gnoseológicos, metafísicos ou morais. Um exemplo de cepticismo gnoseológico radical

é o cepticismo pirrónico que defendia um tipo de cepticismo universal. Um outro tipo

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tipo de cepticismo epistemológico radical é o cepticismo de René Descartes, que é,

apesar de inicialmente radical, provisório pois permite atingir uma certeza fundadora, o

cogito. Um último exemplo de cepticismo é o cepticismo mitigado de David Hume que

defendia soluções cépticas para as dúvidas cépticas, soluções essas que não implicam a

suspensão do juízo e permitem a convivência com dúvidas insanáveis como, por

exemplo, a dúvida inexorável se o Sol se levantará amanhã. O tipo de cepticismo que

mais interessará à nossa dissertação é o cepticismo humeano, nomeadamente quando

este tipo de cepticismo envolve problemas como a nossa relação com outras mentes e

com o mundo exterior.

As leituras comuns de Wittgenstein têm, no que à temática da recusa ou não do

behaviourismo diz respeito, em Saul A. Kripke, em Wittgenstein on Rules and Private

Language (WRPL) uma excepção – defende-se aí uma interpretação behaviourista do

que é seguir uma regra. A análise desta obra ocupará a Parte I desta dissertação. A ideia

fundamental que procuraremos transmitir é que o anti-behaviourismo e o anti-

cepticismo em Wittgenstein não são um assunto fechado.

Depois da análise desta obra que vai ao arrepio das interpretações tradicionais

(leia-se: rejeição das interpretações behaviouristas) do que é seguir uma regra e do

argumento da linguagem privada, procuraremos fazer o contraponto com as

interpretações que outros autores fazem deste tema em Wittgenstein e que corroboram,

de uma forma ou de outra, esta linha tradicional de pensamento em relação ao filósofo

austríaco. Consideraremos assim filósofos tão díspares como Alex Byrne (versado em

filosofia da mente, epistemologia e metafísica), Warren Goldfarb (filósofo e

matemático), Paul A. Boghossian (filosofia da mente e filosofia da linguagem), Philip

Pettit (filósofo irlandês contemporâneo cujos interesses são a filosofia da mente e a

filosofia política), L. C. Holborow e Andrew Lewis. Depois deste confronto,

procuraremos também mostrar, a partir da análise de algumas passagens de Remarks on

the Foundations of Mathematics, que a posição anti-behaviourista de Wittgenstein não é

de modo algum um dado adquirido. Esta análise tem como propósito sublinhar, de

alguma forma de antemão e ainda que de forma ténue, a nossa posição

supramencionada. Estas duas análises fundamentais ocuparão a Parte II desta

dissertação.

Na Parte III desta dissertação, procuraremos opor algumas passagens das

Investigações à interpretação anti-behaviourista tradicional desta obra, ressalvando que

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não podemos concluir também que Wittgenstein é um behaviourista propriamente dito,

nesta ou em qualquer sua obra de referência.

Na Parte IV, abordaremos algumas das posições de alguns autores que

relacionam Wittgenstein ao cepticismo, salvaguardando novamente o facto que defender

claramente uma posição céptica em Wittgenstein, nomeadamente também em relação às

outras mentes e ao mundo exterior, não é uma tarefa fácil.

Na Parte V desta tese, apoiar-nos-emos em alguns pontos de vista de Stanley

Cavell reiterados por autores reunidos na obra Wittgenstein and Scepticism (WS), tendo

alguns dos pontos de vista referidos a nossa concordância, para reforçar a ideia que a

rejeição do behaviourismo e do cepticismo não são posições assim tão vincadas em

algumas obras de Ludwig Wittgenstein.

Terminaremos com uma conclusão, onde procuraremos transmitir uma

perspectiva particular sobre os temas fundamentais abordados ao longo desta

dissertação.

Em jeito de prestação de contas em relação a uma decisão metodológica e para

terminarmos esta introdução, convém referir que optámos pela citação de todos os

autores abordados nesta dissertação do original inglês, à excepção de Ludwig

Wittgenstein que tem a maior parte das suas obras de referência bem traduzidas para

português.

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PARTE I

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Wittgenstein On Rules and Private Language da autoria de Saul A. Kripke é

uma obra de referência na interpretação de Wittgenstein. Saul Kripke (n. 1940) é um

eminente filósofo e lógico norte-americano contemporâneo, reconhecido e galardoado

inclusivamente devido a trabalhos na área da Lógica (lógica modal), mas o seu trabalho

estende-se a outros domínios da filosofia em que se enquadram as suas teorias da

verdade e da referência. Esta obra da sua autoria estende-se ao longo de 145 páginas

divididas por três partes e um Postscript. A primeira parte da obra, denominada

Introdução, serve de lançamento ao problema a ser discutido neste ensaio.

1. O verdadeiro argumento da linguagem privada

Deste modo, podemos constatar, na sua introdução, que é opinião comum

considerar que o dito argumento da linguagem privada de Wittgenstein começa na

secção 243 das Investigações Filosóficas e continua nas secções posteriores. Este ponto

de vista leva a considerar, segundo Kripke, o argumento como estando relacionado com

aquilo que ele chama a linguagem das sensações. No entanto, para Kripke, o verdadeiro

argumento da linguagem privada deve ser encontrado em algumas das secções que

precedem a secção 243.

Ainda na sua introdução, um determinado problema ou, na terminologia

humeana, um problema céptico seria apresentado, no caso de Wittgenstein, sob a forma

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da noção de regra. Em seguida, Wittgenstein apresentaria, como solução para o

problema, aquilo a que David Hume teria chamado uma solução céptica. Uma solução

céptica em Hume leva-nos a procurar reintegrar a dúvida céptica no nosso quadro de

referências, não a dissolvendo mas apresentando uma solução que serena a nossa

inquietação como, por exemplo, em relação à causação: é o nosso hábito e somente o

nosso hábito que permite prever que um dado movimento de uma bola de bilhar dará

origem a um outro movimento de uma outra bola de bilhar, mas o que é certo é que esta

explicação serena a nossa inquietude e suspende o cepticismo mais ou menos

prolongadamente.

2. O paradoxo wittgensteiniano visto por Kripke

Na segunda parte da sua obra intitulada O Paradoxo Wittgensteiniano, Kripke

propõe uma perspectiva céptica sobre o paradoxo céptico que passa a apresentar.

Começa por supor que se depara com um céptico algo bizarro. Um céptico pode

sugerir estranhamente que, tendo em conta a forma como eu utilizei o sinal + no

passado, a resposta que eu daria a 68+57 seria 5. Estranha sugestão! Inicialmente

poderíamos sugerir a este céptico que voltasse à escola e aprendesse a somar de novo.

Kripke sugere-nos, no entanto, que deixemos o céptico continuar. Apesar de tudo, ele

afirma: se eu estou agora tão confiante que, dada a maneira como usei o símbolo + no

passado, a minha intenção era que 68+57 desse como resultado 125, no entanto, tal

poderá não acontecer porque eu dei a mim mesmo instruções em como 125 é o

resultado neste caso específico. Vamos supor que eu não fiz isso, mas aqui a ideia é

utilizar a regra que eu utilizei múltiplas vezes no passado. Mas como podemos saber

qual era a função que estava a ser aplicada no passado? A questão é que eu, no passado,

dei a mim mesmo somente um número finito de exemplos que instanciam esta função.

A resposta a 68+57 poderia ser 5 porque não há nada na minha história ou nada no meu

comportamento observável que me obrigue a responder 125 em vez de 5. Esta é a base

do paradoxo céptico levantado por Kripke tendo por referência a obra supramencionada

de Wittgenstein.

Seria possível, embora surpreendente, que eu, por exemplo, sob a influência de

qualquer droga, pudesse interpretar erradamente a regra da adição utilizada no passado,

interpretando-a agora como quadição e indo contra todas as minhas intuições

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linguísticas, calculando agora 68 mais 57 como 5. Não há também nenhum facto sobre

mim que me permita afirmar o meu significado de mais em contraponto com quais ou

com qualquer outro significado. Essa regra poderia implicar a função quais (a regra da

quadição) em vez de implicar a função mais. Se a função poderia ter tido esta forma é

porque a regra padece de uma arbitrariedade inultrapassável.

O céptico radicaliza o discurso quando afirma taxativamente que não há nada na

minha história pessoal ou nada que pertença ao meu comportamento que possa levar à

conclusão que eu tenha querido dizer, em quaisquer circunstâncias, mais em vez de

quais: “(…) For the sceptic holds that no fact about my past history – nothing that was

ever in my mind, or in my external behavior – establishes that I meant plus rather than

quus. (…)” (WRPL, p. 13). No entanto, em termos de adição, eu posso dar a mim

mesmo direcções para as computações futuras de + postas em termos de outras funções

e de outras regras. Ainda assim, não pode haver nenhum facto que indique o que eu

quero dizer por mais ou qualquer outra palavra em qualquer momento, não há nenhum

facto sobre mim que me permita distinguir entre o meu significado de mais e o meu

significado de qualquer outra coisa: “(…) there is no fact about me that distinguishes

between my meaning a definite function by “plus” (which determines my responses in

new cases) and my meaning at all.” (WRPL, p. 21). Este cepticismo do nosso céptico

bizarro sustenta, já se vê, uma interpretação behaviourista de Wittgenstein por Kripke:

dado nada haver de fixo a atribuir a um significado, tudo se parece resumir a um

exterior e a uma arbitrariedade incontornáveis.

O cepticismo quanto às regras proposto por Wittgenstein, segundo Kripke, tem

em conta o passado, todavia para reafirmar a dúvida céptica em relação às regras: se não

existiu nada como o meu querer dizer mais em vez de quais no passado, também não

poderá existir nada como o meu querer dizer mais em vez de quais no presente.

3. As tentativas de resposta consagradas ao paradoxo

wittgensteiniano

Uma resposta clara ao céptico, segundo Saul Kripke, seria considerar que eu

quero dizer mais em vez de quais em termos de disposição para um determinado

comportamento, em vez de estados mentais em curso. Mas esta resposta não convencerá

o céptico.

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Desde Gilbert Ryle, afirma Kripke, que as análises disposicionais passaram a

exercer muita influência sobre o pensamento contemporâneo. Alguns filósofos

vislumbram no Wittgenstein da maturidade uma tentativa de resolver o paradoxo

céptico através de disposições para o comportamento. De acordo com esta proposta, eu

estaria disposto a dar uma resposta 125 à soma 68+57.

O céptico poderá propor ainda a hipótese que antes eu queria dizer quadição

num sentido, enquanto ele propõe a hipótese que eu agora queira dizer quadição num

outro sentido. Uma perspectiva disposicionalista poderia ser decisiva para fazer recuar a

proposta do céptico, no entanto, podemos considerar que há um número inimaginável de

sentidos que o céptico pode apresentar para desempenhar a regra da quadição.

Por outro lado, se um disposicionalista tentar definir qual a função que eu queria

aplicar para um número extenso de argumentos, ele esquecerá o facto que a minha

capacidade é finita e só poderei responder a um número determinado de argumentos. Se

ele tentar apelar para as minhas respostas em condições ideais, ele terá sucesso somente

se esta idealização incluir o pormenor que eu responderei, nestas condições ideais, de

acordo com a tabela da função, e apenas da função, que eu queria utilizar. Mas então a

circularidade do processo torna-se evidente: as disposições idealizadas estão

determinadas porque está já estabelecido que função eu queria aplicar.

Ainda no decurso da análise disposicionalista que Kripke faz na tentativa de

resolver o paradoxo céptico, temos que a maioria de nós tem disposições para cometer

erros. Quando instados a somar certos números algumas pessoas esquecem-se de

transportar o número resultante da soma de cada coluna, dando assim uma resposta que

difere da tabela da adição convencional. Dizemos que estas pessoas cometeram um

erro. Mas o disposicionalista não pode dizer isto. De acordo com ele, estas pessoas

estariam dispostas a dar respostas que diferem da tabela convencional e não pode estar

suposto à partida qual a função que se quer dizer. Tudo isto não abona em favor, mais

uma vez, dos que rejeitam uma leitura céptica do paradoxo wittgensteiniano,

nomeadamente através da análise disposicional.

A falta de apetência que o disposicionalista tem para considerar um mero erro de

cálculo a falha através de uma resposta que difere da tabela da adição convencional

mostra como podemos notar que a interpretação behaviourista do paradoxo céptico de

Wittgenstein levada a cabo por Kripke pode ter a sua legitimidade porque não estaria

suposto à partida qual a função a utilizar e tudo passaria pelo crivo das respostas

observáveis pelo comportamento. Por outro lado, a resposta disposicionalista a uma

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eventual querela entre a função mais e a função quais poderia servir também de pretexto

a uma interpretação behaviourista porque tudo ficaria resumido a uma disposição para o

comportamento e não seria possível reduzir o significado a nenhum facto superlativo,

facto esse alvo de inquirição permanente por Kripke.

O disposicionalista dá um ponto de vista descritivo da relação entre a suposição

de que pelo sinal + queremos dizer adição e da forma como responderemos ao

problema 68+57 se por + queremos dizer adição, mas esta não é a melhor maneira de

ver a relação que, segundo Saul Kripke, é normativa e não descritiva: “(…) The relation

of meaning and intention to future action is normative, not descriptive.” (WRPL, p. 37).

A questão não é se eu quero dizer adição através do sinal +, então eu responderei 125,

mas sim se eu pretendo estar de acordo com o significado dado no passado para o sinal

`+´, então eu devo responder 125. A finitude da minha capacidade, erros de cálculo e

outros factores imprevisíveis podem levar-me a não estar disposto a responder como

devia, mas então não actuaria de acordo com as minhas intenções. A perspectiva

disposicionalista cai, assim, por terra porque, não actuando de acordo com as minhas

intenções, não obedeço a nenhuma normatividade que aliviasse a sensação de

cepticismo que rodeia o paradoxo céptico envolvendo as regras.

Saul Kripke procura ainda descrever outras formas – goradas – de compreensão

do paradoxo wittgensteiniano e do cepticismo que o rodeia.

Deste modo, considera que a simplicidade no acesso aos dados internos podia

ser relevante contra um céptico que defendesse que a intermediação no acesso aos

factos do significado e da intenção nos impediria de saber se nós quisemos realmente

dizer mais em vez de quais. O céptico não sustenta que as nossas próprias limitações de

acesso aos factos nos impeçam de aceder a alguma coisa misteriosamente escondida.

Uma outra forma de abordar o paradoxo céptico é considerar um estado mental

hipotético ou de dúvida, mas nenhum estado hipotético poderia satisfazer uma exigência

de justificação das minhas acções futuras tendo em linha de conta a utilização das

palavras com o mesmo significado que tinham no passado: se eu apenas posso formar

hipóteses sobre se agora eu quero dizer mais ou quais, se a verdade sobre esta questão

está inculcada no meu inconsciente e só pode ser considerada sob a forma de hipótese,

então no futuro só posso proceder com dúvidas, supondo que provavelmente devia

responder 125 ao problema 68+57 em vez de 5. Esta não é, mais uma vez, a melhor

forma de abordar a questão.

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Um outro caminho de resolução do paradoxo céptico seria o seguinte: o facto

que eu quero dizer adição por mais estaria relacionado com uma sensação idêntica a

quando tenho uma dor de cabeça e, assim, o facto que eu quero dizer adição por mais

teria o seu próprio quale: “(…) The fact that I mean addition by plus is to be identified

with my possession of an experience of this quality [quale]” (WRPL, p. 41). Os qualia

seriam sensações especiais que acompanhariam os passos da operação da adição.

Uma vez mais – como veremos a seguir – tal como no caso da perspectiva

disposicionalista e das outras perspectivas, esta teoria erra o alvo como uma resposta ao

desafio inicial do céptico. Relembremos que o céptico, no entender de Saul Kripke,

queria saber por que é que eu estava tão seguro que devia responder 125 quando

questionado sobre 68+57. Suponhamos que eu nunca tenha pensado nesta adição antes,

mas não será a interpretação do sinal + como quais compatível com tudo o que eu

pensei? Suponhamos que eu na realidade sinto uma dor de cabeça de um cariz especial

sempre que eu penso na regra da adição. Como é possível que esta dor de cabeça me

ajude a perceber se eu devia responder 125 em vez de 5 quando perguntado sobre

68+57? Nenhuma impressão interna, como um quale, poderia dizer-me como é que a

regra da adição deve ser aplicada noutros casos e esta é mais uma marca da

interpretação behaviourista que Kripke faz do paradoxo céptico. A experiência,

supostamente única e especial, de querer dizer adição por mais não existe claramente

para Wittgenstein, na maneira como é entendido por Saul Kripke, para quem querer

dizer adição por mais não é mais do que um facto arbitrário.

Depois de explanar algumas tentativas goradas de resposta ao paradoxo céptico,

Kripke dedica-se agora à abordagem do interior e da introspecção em Wittgenstein. O

autor, apesar de tecer uma interpretação behaviourista do paradoxo, não deixa de

considerar que Wittgenstein não baseia os seus argumentos em quaisquer pontos de

partida behaviouristas que releguem o interior para segundo plano. Para ele e pelo

contrário, uma grande parte da sua argumentação é baseada em considerações

introspectivas demoradas.

Ainda em relação à introspecção e segundo o autor, nas secções 137-242 das

Investigações, Wittgenstein elabora sobre o seu paradoxo céptico que é também o

problema deste ensaio de Kripke. Depois de uma reflexão geral sobre o processo de

compreensão supostamente associado à introspecção, Wittgenstein considera a questão

em relação com o caso especial de ler e para ele os aspectos que dizem respeito ao

significado parecem ser, do ponto de vista introspectivo, ilusórios. Ler é tão-só para

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Wittgenstein um caso especial de seguir uma regra. No entanto, fala em diversos

processos mentais introspectivos que, em circunstâncias especiais, ocorrem quando eu

compreendo uma palavra, mas nenhum destes corresponde ao processo de compreensão

propriamente dito.

Em clara oposição a Wittgenstein, Kripke defende que compreender ou aprender

parecem-lhe ser processos mentais, se é que alguma coisa o é. Por outro lado, querer

dizer adição através de mais não pode ser considerado um estado introspectivo, embora

nós estejamos conscientes disso com alguma certeza sempre que isso acontece porque,

se assim não fosse, não daríamos respostas certas e coerentes a problemas de adição,

parece-nos. Compreender ou aprender são processos mentais tais que permitem seguir

uma regra, como no caso especial de ler.

Kripke assume que Wittgenstein tem afinidades importantes com o

behaviourismo. Wittgenstein afirma, a dada altura, nas Investigações, que a minha

atitude para com alguém é uma atitude para com uma alma, o que não quer dizer que se

possa dizer que essa pessoa tenha uma alma. Kripke considera uma afirmação como esta

demasiado behaviourista. No nosso entendimento, afirmar que não se pode dizer que

alguém tenha uma alma – o que quer que isso seja – é uma afirmação com um pendor

fisicalista e até behaviourista que não podemos negligenciar. O autor, por seu lado,

inclina-se a pensar que qualquer pessoa que pensa que uma outra pessoa não é

consciente está errada, mas não é má, ou até monstruosa, por persistir nesta atitude.

4. A solução céptica para o paradoxo céptico

Na última parte do seu ensaio intitulada A Solução e o Argumento da Linguagem

Privada, Kripke procura dar resposta às questões levantadas pelo paradoxo céptico,

sempre apoiado em Wittgenstein.

O filósofo retoma ainda o pensamento de Wittgenstein, nomeadamente na

secção 201 das Investigações, em que este afirma que não pode haver alguma coisa que

possa ser significada por uma palavra, qualquer intenção presente pode ser desmentida

por uma outra qualquer aplicação que queiramos dar a uma determinada palavra:“(…)

Each new application we make is a leap in the dark; (…)” (WRPL, p. 55). Posto isto,

não pode haver acordo nem desacordo quanto ao significado de uma palavra.

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Sendo assim, em torno da questão do significado levanta-se o problema de saber

se há quaisquer factos objectivos aos quais nos possamos referir e parece-nos que

Wittgenstein não consegue aqui desviar as atenções de um possível cepticismo, embora

não se possa considerar Wittgenstein um céptico na acepção mais forte da palavra.

Quine, segundo Kripke, parece corroborar estas posições com as suas conhecidas

referências à indeterminação da tradução e à inescrutabilidade da referência que

levantam efectivamente a questão se há quaisquer factos objectivos aos quais nos

possamos referir. Convém referir que Quine, no que à indeterminação da tradução diz

respeito, defende que os enunciados significativos não são traduzíveis em enunciados

sobre a experiência imediata e este defende também quanto à referência que não existe

uma relação directa entre frases consideradas isoladamente e estados de coisas. A

questão do acordo quanto ao significado é também uma questão cara a Quine (sendo ele

um eliminitivista dos significados ou dos factos dos significados) e os problemas

levantados pela compreensão daquilo que é a atribuição do significado são problemas

que envolvem disposições para o comportamento em Quine. É claro, mais uma vez,

que, quanto à disposição para o comportamento como solução do paradoxo céptico,

Kripke não afina pelo mesmo diapasão de Gilbert Ryle, por exemplo.

A solução de Kripke para o paradoxo céptico será uma solução céptica baseada

em Wittgenstein. A solução de Wittgenstein conteria o argumento contra a linguagem

privada porque a solução não admitirá uma linguagem desse tipo uma vez que se trata

de uma solução céptica.

A interpretação céptica do argumento contra a linguagem privada presente neste

ensaio não está de acordo com as perspectivas tradicionais que, segundo Kripke, são

muito verosímeis, a menos que sejam definitivamente afastadas, e essas perspectivas só

consideram como identificações as identificações de sensações. A interpretação céptica

do argumento contra a linguagem privada, que não dá a noção de identificação de

sensações como um dado adquirido, conduz a questão num outro sentido.

Para compreendermos a solução do paradoxo céptico é necessário comparar o

cepticismo de Wittgenstein com o cepticismo de David Hume. David Hume pensa,

segundo Kripke, que uma impressão ou uma imagem podem constituir uma ideia, sem

perceber que uma imagem nunca nos diz como ela deve ser aplicada. Para Kripke, o

principal problema em Wittgenstein é que ele parece ter mostrado que todas as

formações de conceitos são incompreensíveis ou até mesmo impossíveis. Wittgenstein

defende, nas secções 183-93 das Investigações, segundo Kripke, a ideia que o nosso

17

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conceito mais vulgar do significado é o resultado de um mal-entendido filosófico em

relação a algumas expressões: “(…) the appearance that our ordinary concept of

meaning demands such a fact [a superlative fact] is based on a philosophical

misconstrual – albeit a natural one – of such ordinary expressions as `he meant such-

and-such´, `the steps are determined by the formula´, and the like. (…)” (WRPL, p. 66).

O significado também não é, deste modo, um facto interior para Wittgenstein.

Uma solução céptica para um problema filosófico de cariz céptico começa por

conceder que as afirmações destrutivas do céptico não têm sentido. Apesar disso, as

nossas crenças habituais estão justificadas porque, apesar de não parecer, elas não

precisam da justificação que o céptico considera imprescindível. O céptico levanta

questões que pura e simplesmente não têm resposta.

Comparar o cepticismo de Wittgenstein com o cepticismo de Hume é ver, de

alguma forma, em Hume que, quando os acontecimentos a e b são considerados

isoladamente, nenhuma noção causal é aplicável à situação. A esta conclusão humeana

chama Kripke a impossibilidade da causação privada e aqui as semelhanças com

Wittgenstein são evidentes. Parece claro, mais uma vez, que Kripke está a sugerir que o

argumento de Wittgenstein contra a linguagem privada tem uma estrutura parecida com

a estrutura do argumento de Hume contra a causação privada. Wittgenstein também

defende um paradoxo céptico e, tal como Hume, ele aceita o seu próprio argumento

céptico e dá-nos uma solução que não deixa de ser céptica para tornear a aparência de

paradoxo do argumento que, a nosso ver, tal como em Kripke, não desaparece. A sua

solução envolve uma interpretação céptica sobre aquilo que está envolvido em

afirmações comuns como, por exemplo, Jones quer dizer adição através do sinal +. A

impossibilidade da linguagem privada acontece como apogeu do desenvolvimento do

argumento céptico de Wittgenstein (não há nenhum facto superlativo ou privado do

significado), tal como acontece em relação à impossibilidade da causação privada em

Hume (não existe nenhum facto mental que possa justapor causalmente os factos a e b).

A solução céptica propõe-nos que não pode haver nenhum indivíduo, considerado em

qualquer momento, como querendo dizer alguma coisa: “(…) It turns out that the

sceptical solution does not allow us to speak of a single individual considered by

himself and in isolation, as ever meaning anything.(…)” (WRPL, p.69). Daí o

comunitarismo como solução céptica apresentada por Kripke para o paradoxo céptico,

isto é, só no interior de uma comunidade ou de uma forma de vida é que certos

comportamentos podem querer dizer isto ou aquilo.

18

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Para o autor, Wittgenstein concorda com o seu próprio hipotético céptico em

como não há nenhum “facto superlativo” quando eu quero dizer adição através do sinal

+, nem nenhum facto desse tipo, quer no mundo exterior quer no mundo interior.

Mas não se pode considerar Wittgenstein nem um realista clássico nem um

platonista das entidades. A análise filosófica wittgensteiniana é uma análise da

linguagem, e quando olha para a linguagem, Wittgenstein olha de uma determinada

maneira: por exemplo, qualquer leitor das secções iniciais das Investigações poderá

estar ciente que Wittgenstein não está interessado em dar especial destaque a frases

proferidas no modo indicativo (é só verificar os primeiros exemplos de frases no modo

imperativo Pilar!, Laje!, etc.). Algo como isto desempenha um papel fundamental na

sua rejeição da visão realista clássica. Por outro lado, Wittgenstein rejeita também a

concepção platonista das entidades e pede-nos que não pensemos a priori e que

prestemos atenção (Não penses, olha!) às circunstâncias em que, por exemplo, as

proposições matemáticas são ditas e às funções que elas desempenham nas nossas vidas

ou no nosso quotidiano.

Como já vimos, não há quaisquer factos correlativos, mas também não há

quaisquer condições de verdade que sustentem a afirmação Jones quer dizer adição

através do sinal +. De acordo com esta ideia, afirma Kripke: (…) Jones now means

addition by + if he presently intends to use the + sign in one way, quaddition if he

intends to use it another way. But nothing is said to illuminate the question as to the

nature of such an intention.(…) (WRPL, p. 77). A natureza da intenção ou o facto

superlativo permanecem sempre obscuros e quanto maior o número de funções

possíveis de aplicar maior será essa obscuridade.

Ainda quanto ao argumento da linguagem privada, Wittgenstein pensa que, se

não perdermos de vista as suas conclusões sobre as regras, estaremos habilitados a

perceber melhor as suas perspectivas sobre a matemática e a experiência interior. Desta

forma, as suas conclusões sobre a aplicação (ou não) das regras são de crucial

importância, quer para a filosofia da matemática, quer para a filosofia da mente. Kripke

propõe que, embora na sua análise das sensações (secção 243 das Investigações em

diante) Wittgenstein não cite meramente as suas conclusões gerais sobre o tema mas

saliente este como um caso especial, apenas aumentaremos a nossa incapacidade de

compreender um argumento já de si complexo se, segundo Kripke, chamarmos ao

argumento contido nas secções 243 e seguintes o verdadeiro argumento da linguagem

privada, e mais ainda se o fizermos fora do contexto geral da obra, uma vez que para

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Kripke a colocação deste argumento neste ponto da obra não é inocente e terá que ver,

pensamos nós e de acordo com o vocabulário kripkeano, com a justificação da

impossibilidade de uma linguagem das sensações no contexto de uma interpretação

céptica do problema das regras em Wittgenstein.

Assim, a discussão das regras nas secções anteriores à secção 243 é que é para

Kripke fundamental à resolução do paradoxo céptico, mas o autor salienta a

ambiguidade das regras e a possibilidade de uma regressão infinita na necessidade de

regras para interpretar regras (Wittgenstein). Na perspectiva de Wittgenstein, não há

necessidade de regras para interpretar regras porque seguir a regra é somente uma

praxis (IF, 202) e, para ele, quando eu sigo uma regra, eu não escolho, eu sigo a regra

de uma forma cega (IF, 219). Toda a acção subordinada à regra (seguir a regra é uma

praxis) é, por si só, uma interpretação da regra, para a qual não é necessária uma nova

regra. Estas ideias de Wittgenstein poderão consubstanciar uma interpretação

behaviourista do problema das regras porque, se não necessárias regras para interpretar

regras, tudo se resumirá aos dados observáveis pelo comportamento de quem segue uma

determinada regra.

Por outro lado, devemos estar atentos à forma como afirmações como Jones

quer dizer adição através do sinal + são usadas e aqui assoma a questão do uso como

central para a solução céptica que Wittgenstein vai apresentar para o seu problema

céptico.

Sempre segundo o pensamento de Saul Kripke, ninguém observando, se isso

fosse possível, a mente de alguém ou o seu comportamento, poderia dizer qualquer

coisa como Ele está errado se não fizer alguma coisa que esteja de acordo com as suas

próprias intenções no passado; a grande questão do argumento céptico era a de que não

podia haver quaisquer factos sobre uma pessoa em virtude dos quais ela concordasse ou

não com as suas intenções. Tudo o que podemos afirmar, se considerarmos uma única

pessoa isoladamente, é que a nossa prática usual lhe permite aplicar a regra da forma

que ela considere mais convincente (“to apply the rule in the way it strikes him”,

WRPL, p. 88).

No entanto, se alguém de quem normalmente penso que dá respostas que eu

daria em circunstâncias normais começa a dar respostas diferentes das habituais, poderei

então pensar que alguma coisa lhe aconteceu e que ele já não está a seguir o padrão de

respostas anterior. Se isto lhe acontece normalmente e se as suas respostas obedecem a

um padrão indiscernível, então poderei pensar que provavelmente terá enlouquecido,

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estará sob o efeito prolongado de uma droga pesada ou outra coisa qualquer de igual

modo estranha.

De acordo com Saul Kripke, a nossa comunidade actual (Wittgenstein) é quase

uniforme nas suas práticas em relação à adição. Qualquer indivíduo que julgue já ter

dominado o conceito de adição será avaliado positivamente pela comunidade se as suas

respostas coincidirem com as respostas da comunidade em número satisfatório,

sobretudo no caso das respostas mais simples e se as suas respostas não são

estranhamente erradas, como no caso de 5 para 68+57, mas sim se forem parecidas com

as nossas respostas no procedimento, mesmo quando comete um erro de cálculo. A

passagem do problema céptico pelo crivo da comunidade constitui, como já tinha sido

referido atrás, parte da solução céptica proposta por Wittgenstein.

Kripke relaciona também o tema dos jogos de linguagem com a solução do

paradoxo céptico wittgensteiniano. Na verdade, quando jogamos um jogo de linguagem

e reconhecemos os outros como manejadores de conceitos, não nos detemos sobre

algum estado especial das suas mentes, mas reconhecêmo-los, ainda que

provisoriamente, como parte da comunidade, o que só deixará de acontecer se eles

optarem por um comportamento desviante. No entanto e concretamente, um

comportamento deste tipo raramente ocorre. Os diferentes jogos de linguagem dão-nos,

assim, autoridade para a atribuição de conceitos aos outros e para excluir alguém da

comunidade num caso excepcional de incumprimento dos requisitos desses jogos de

linguagem.

A solução céptica apresentada por Wittgenstein também consiste nesta forma de

descrição da atribuição de conceitos aos outros. Essa descrição providencia a nossa

capacidade de atribuição de conceitos aos outros e dá-nos uma ideia da utilidade desse

tipo de jogos no nosso quotidiano e nas diferentes formas de vida: “(…) It provides both

conditions under which we are justified in attributing concepts to others and an account

of the utility of this game in our lives.(…)” (WRPL, p. 95).

Na concepção de Wittgenstein, tal como em Quine de resto, o acordo é essencial

ao jogo de atribuição de conceitos e de regras aos outros, por isso, seres que

aquiescessem em dar, de forma consistente, respostas estranhas do tipo quais

partilhariam, obviamente, uma outra forma de vida. Esta questão vem já de trás (Gottlob

Frege), Wittgenstein tenta lidar com ela da melhor maneira e na contemporaneidade

mais próxima é conhecida como a questão do logical alien. O acordo da comunidade é,

mais uma vez e em Wittgenstein, uma forma de resposta ao paradoxo céptico e

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partilhamos a ideia que o acordo obtido dentro da comunidade é sempre válido, salvo

raras excepções, como já foi adiantado.

Por outro lado, poderia parecer que o paradoxo de Wittgenstein defende que não

há um motivo a priori pelo qual uma criatura não pudesse seguir a regra quais em vez

de mais e, deste modo, neste sentido, podemos considerar essas criaturas como

concebíveis, mas também é perfeitamente natural da nossa parte que nós sigamos a

regra da adição da forma específica como nós o fazemos no interior das nossas formas

de vida.

A solução céptica de Wittgenstein para o problema céptico, que é também a

solução kripkeana encontrada em termos wittgensteinianos, baseia-se no acordo e na

verificabilidade (checkability nas palavras de Kripke), verificabilidade esta que nos

permite confirmar se uma outra pessoa segue a regra da maneira como nós o fazemos.

Ainda quanto aos critérios exteriores de verificação, para Wittgenstein, o

comportamento e as circunstâncias características da dor, por exemplo, são

determinantes para o êxito da sua solução céptica. É isto que o filósofo austríaco quer

dizer com o comentário: Um “processo interior” necessita de critérios exteriores (IF,

580). A procura de critérios exteriores não corresponde a uma premissa verificacionista

ou behaviourista que Wittgenstein dê por adquirida no seu argumento da linguagem

privada. Se, segundo Kripke, a sua procura de critérios exteriores é de alguma forma

concretizada, ela é-o de uma forma dedutiva que se aproximaria da forma de dedução

kantiana. Para nós e em Kant, a dedução transcendental das categorias não esquece

nunca a importância do que é empírico. Havendo autores que pensam que Kant esquece

completamente a importância do que é empírico, seria melhor destacar que o próprio

Kant considera, no final da Crítica da Razão Pura, que as suas propostas filosóficas vão

ao encontro de um realismo empírico e na dedução transcendental das categorias não é

só o sujeito transcendental (enquanto sujeito a priori que seria o mesmo em todos nós, o

que quer que isso seja) que se revela, mas também o sujeito empírico, sujeito à

experiência e, portanto, variável.

Os critérios exteriores de verificação aplicados às sensações e àquilo a que

costumam chamar o argumento da linguagem privada, contra a vontade de Kripke,

permitem dizer que deve haver alguma expressão natural ou, pelo menos, algumas

circunstâncias exteriores, além da minha simples inclinação para dizer que a mesma

sensação está a ocorrer novamente, em virtude das quais alguém possa dizer se a

sensação está presente e se eu, por exemplo, já domino o termo sensação correctamente.

22

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Assim, a perspetiva correcta seria: para cada frase da forma “Eu tenho a sensação S”

deve haver um critério exterior associado a S, além da sua mera verbalização, através do

qual os outros reconheçam a presença ou a ausência de S. Este é mais um indício da

interpretação behaviourista que Kripke faz do paradoxo céptico wittgensteiniano e ele

reserva-se o direito de, a respeito da verificabilidade, salientar que qualquer perspectiva

que suponha que um processo interior necessita sempre de critérios exteriores parece-

lhe empiricamente falsa. Parece-lhe perfeitamente evidente assumir que nós temos

sensações de um tipo especial (qualia) que não possuem manifestações naturais e que só

são reconhecíveis desde que nós as verbalizemos: (…) It seems to me that we have

sensations or sensation qualia that we can perfectly well identify but that have no

“natural” external manifestations; an observer cannot tell in any way whether an

individual has them unless that individual avows them.(…) (WRPL, p. 103).

Aquilo que Kripke sublinhou não significa que a linguagem do nosso falante

possa ter a forma duvidosa de uma suposta linguagem privada em que qualquer coisa

que ele afirme ser certo é definitivamente certo. O falante pode demonstrar através de

inúmeros casos de sensações que exigem critérios públicos que ele dominou a

linguagem das sensações. Tudo isto está sujeito à correcção exterior e corresponde a

uma parte elementar do nosso jogo de linguagem, mas se o indivíduo satisfizer critérios

para a utilização geral da linguagem das sensações, então respeitaremos a sua vontade

sempre que ele disser que identificou uma sensação, mesmo que essa sensação não

esteja relacionada com alguma coisa exteriormente observável. Nesse caso, podemos

dizer que o único critério que permite a justificação da identificação da sensação é a

verbalização sincera por parte do falante. Esta honestidade do falante é fundamental no

processo de identificação de sensações privadas.

No entanto, Wittgenstein rejeita aquilo que seria um modelo privado de seguir

regras, em que o facto de uma pessoa seguir determinada regra deve ser analisado em

termos de factos sobre essa pessoa e em que ela não é considerada como pertencendo a

uma comunidade mais vasta. Por isso, uma pessoa considerada isoladamente não pode

ser considerada como estando a seguir regras, considerada por si só dentro da

comunidade ou considerada fisicamente isolada.

5. O Postscript e o problema das mentes alheias

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Como acrescento à sua obra, Saul Kripke inclui um Postscript intitulado

Wittgenstein e o Problema das Outras Mentes (nossa tradução) que aborda uma

temática que vai ser também do nosso interesse ao longo desta dissertação.

Kripke começa por lembrar Norman Malcolm que, no seu conhecido comentário

sobre as Investigações Filosóficas1, sublinha que Wittgenstein desfere também um

ataque externo à linguagem privada, para além do seu ataque interno. O que é atacado,

de acordo com Malcolm, é a afirmação que, se eu sei pelo meu próprio caso o que são a

dor, a consciência ou a comichão, então eu poderei transferir esse conhecimento para

objectos exteriores a mim. Esta é, contando com a ajuda de Norman Malcolm, a questão

que subjaz ao problema das outras mentes.

Kripke engendra agora um enquadramento para o problema das outras mentes,

um problema complexo de abordar, como adiante se verá. Alguns filósofos – os

chamados solipsistas – duvidam ou recusam liminarmente que algum corpo exterior a

mim tenha uma mente. Outros filósofos – os pampsiquistas – atribuem mente a todos os

objectos, inclusive os objectos materiais. Outros ainda – os cartesianos – admitem que

há mente nos corpos humanos, mas não nos corpos animais e muito menos nos corpos

inanimados. A posição mais habitual talvez seja a que atribui mente quer aos corpos

humanos quer aos animais, mas nunca aos corpos inanimados. A abordagem deste

assunto, de todas as perspetivas filosóficas, envolve um preconceito sobre aquilo que é

um dado objecto material ter ou não ter uma mente. Para Kripke e para muitos outros

filósofos há um problema de base que é o de saber se os objectos têm mente e por que é

que eles devem ser entendidos como tendo ou não tendo uma mente: (…)All presuppose

without argument that we begin with an antecedently understood general concept of a

given material object`s “having”, or not having, a mind; there is a problem as to which

objects in fact have minds and why they should be thought to have (or lack) them.(…)

(WRPL, p. 115).

Para Wittgenstein, segundo Kripke, a atribuição de sensações aos outros é

duvidosa se, seguindo o modelo tradicional, tentarmos especular a partir do nosso

próprio caso. Atribuir sensações aos outros seria um caso particular de um problema

mais geral que seria aplicar um conceito a um qualquer novo caso: (…) That imagining

the pain of others on the model of my one is “none too easy a thing to do” would simply

be a special case of the more general point that applying any concept to a new case is

“none too easy a thing to do”.(…) (WRPL, p. 118). No modelo tradicional, Wittgenstein

1 Malcolm, 1954

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defende que é discutível que possamos ter crenças em outras mentes e em sensações que

devam ser justificadas. Parafraseando Wittgenstein, será difícil imaginar dores que eu

não sinto a partir da dor que eu realmente sinto.

Ainda quanto aos pontos de vista de Malcolm, é de salientar que lhe foram

movidas acusações de verificacionismo quando este, contra Wittgenstein, parecia

defender que um critério para atribuir sensações aos outros seria uma forma de saber se

os outros têm essas sensações.

Apesar destas críticas, parece que, em certa medida, a necessidade de critérios

exteriores desempenha um papel importante na tarefa difícil que é atribuir sensações aos

outros a partir do modelo das minhas próprias sensações. Kripke não assume claramente

esta posição, mas admite que se trata de um argumento a ter em conta nesta discussão.

Para melhor continuar a explanação deste problema céptico, que será exposto

explicitamente mais à frente, seria bom recordar a concepcão de sujeito presente no TLF

de Wittgenstein. Este defende que a existência de um sujeito metafísico no mundo é

uma questão espúria e um mito que transbordou da filosofia ao longo dos séculos e a

analogia que o próprio faz com a relação entre o olho e o campo visual é elucidativa:

nada no campo visual nos permite inferir que o olho faz parte desse mesmo campo

visual.

Wittgenstein recorda entretanto Lichtenberg e a sua noção de sensações sem

sujeito. Wittgenstein adoptaria esta linguagem quando atribuições de sensações aos

outros tivessem a forma de expressões como O corpo A está a comportar-se de forma

semelhante à forma como X se comporta quando este sente dores, em que X pode ser a

designação para aquilo a que habitualmente distingo como o meu corpo. Esta é uma

afirmação behaviourista e simplista daquilo que podemos entender como imaginar as

dores de outrem a partir do modelo da minha própria dor, no entanto, atribuir uma

sensação a A de modo algum quer dizer que em A se passa alguma coisa semelhante ao

que acontece quando eu sinto dores, ou melhor, quando o meu corpo sente dores. Esta

atracção de Wittgenstein por esta combinação de solipsismo e de behaviourismo nunca

se deu sem um certo desalento. Apesar disso, durante a sua fase mais verificacionista,

Wittgenstein reconheceu que, uma vez que o comportamento é a única forma de

verificação da nossa atribuição de sensações aos outros, a solução behaviourista é tudo o

que nos resta para uma competente atribuição de sensações aos outros (nomeadamente,

segundo Kripke, em Philosophical Remarks, secções 64-65). Quanto a nós, podemos no

entanto pensar que imaginar dores nos outros a partir do nosso próprio modelo é

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legítimo desde que os outros sejam sinceros na manifestação das dores e desde que

sejam verificadas as condições dessa sinceridade.

Saltitando entre as questões do behaviourismo e do solipsismo, Saul Kripke faz a

seguinte pergunta: Assumindo que eu posso imaginar que uma dor está localizada

noutro corpo, fará sentido a suposição de que alguém pode estar com dores? Para

perceber esta pergunta é vital retomar a terminologia lichtenbergiana: se há dor, talvez

haja dor na pedra (pampsiquismo?) ou talvez haja dores nesse braço, em que esse braço

não é o meu braço. Acreditaríamos que Wittgenstein concordaria com esta terminologia

quando, por exemplo, questiona por que é que a dor deve ter sequer um portador (IF,

secção 285).

Acerca do problema da identidade, uma outra questão pode eventualmente ser

colocada: Qual é a diferença entre a situação em que Eu tenho dores noutro corpo

(relações com o pampsiquismo?) e uma outra situação em que dores noutro corpo são

efetivamente dores de outra pessoa e não minhas? Uma das formas de tentar responder a

esta questão é tentar saber o que é para um corpo ter uma mente. Wittgenstein tenta

apontar um caminho na secção 302 das Investigações Filosóficas, citado por Kripke:

“(…) O comportamento de dor pode apontar para o lugar da dor – mas o sujeito da dor é

a pessoa que lhe dá expressão.” Para Kripke, tal consideração parece contrariar

efectivamente o conteúdo da secção 285. No entanto, e agora Kripke socorre-se do

pensamento de Lichtenberg, só uma concepção – ilusória – do que é um outro Eu e da

sua relação – também ilusória – com o seu corpo e com as suas sensações, poderia dar

uma ideia do que é para uma outra pessoa ou para um outro objecto sentir dores ou

qualquer outra sensação.

Em Philosophical Remarks, secção 65, Wittgenstein volta a dizer: A experiência

de sentir dores não quer dizer que uma pessoa Eu sente alguma coisa. Eu distingo uma

intensidade, um lugar, etc., na dor, mas não um portador. Isto parece, segundo Kripke e

mais uma vez, um repúdio total da noção de portador da dor. Por outro lado, e logo a

seguir, Wittgenstein pergunta de uma forma contraditória: Que tipo de coisa seria uma

dor que ninguém tem? Uma dor pertencendo a rigorosamente ninguém? Tudo isto torna

a noção de que uma pessoa pode estar a sentir dores num outro corpo ainda mais

complexa, segundo Kripke, e o eventual pampsiquismo que podemos entrever nas

anteriores afirmações de Wittgenstein e de Lichtenberg aparece agora como

contraditório.

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Como no caso do paradoxo céptico envolvendo as regras, Wittgenstein

apresenta-nos um problema céptico: parece impossível imaginar a vida mental dos

outros a partir do modelo da minha própria vida mental. Não tem sentido por isso

atribuir sensações aos outros da mesma forma que as atribuímos a nós? Devemos

contentar-nos com uma afirmação behaviourista a este respeito? O próprio Wittgenstein,

deixou-se seduzir, a dada altura, por estas conclusões pessimistas, mas uma reavaliação

da sua filosofia tardia mostra que essas conclusões são precipitadas se tivermos em

linha de conta as posições mais amadurecidas de Wittgenstein. Wittgenstein sugere que,

em alternativa, abandonemos a tentativa de saber o que é um Eu e que vejamos qual a

função que as atribuições de estados mentais desempenham nas nossas vidas. Deste

modo, poderemos conseguir uma solução céptica para o nosso novo paradoxo céptico,

mas o próprio Kripke sugere na página 135 de WRPL que o comportamento adequado

poderá determinar se existe ou não uma dor em determinados casos: “(…) `He is in pain

´ is said when the behavior of another person is appropriate.(…)”. O comportamento de

dor pode alertar para algo interior que supere a mera visibilidade.

Não há, por isso, maior legitimidade em duvidar se nós fazemos o que está certo

quando aplicamos está com dores aos outros do que duvidar se nós estamos certos em

proceder como procedemos com a regra da adição.

Concluindo este Postscript, Saul Kripke sublinha que este novo paradoxo

apresentado gira em torno do solipsismo: a ideia que deve haver mentes para além da

minha com os seus pensamentos e as suas sensações parece não fazer sentido. Por seu

lado, Wittgenstein fornece-nos uma solução céptica para este novo problema céptico,

defendendo que, quando as pessoas utilizam expressões atribuindo sensações aos outros,

elas não querem de modo algum dar qualquer sentido a afirmações cuja inteligibilidade

é denunciada pelo céptico solipsista. Segundo Kripke, a interpretação correcta do nosso

discurso comum implica uma inversão: nós não temos pena dos outros porque

atribuimos dores aos outros, nós atribuímos dores aos outros porque nós temos pena

deles, ou melhor, a nossa atitude torna-se uma atitude para com uma alma em virtude

da nossa pena e de sentimentos afins. Esta seria, no entender de Saul Kripke, a solução

céptica apresentada por Wittgenstein para este novo paradoxo céptico. Este é o ponto de

vista de Kripke em relação a esta questão, em contradição com uma sua afirmação na

presente obra que esclarece, em termos gerais, que ele não a escreveu para transmitir os

seus próprios pontos de vista.

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PARTE II

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1. Alex Byrne e a má interpretação do Wittgenstein de Kripke

Depois da análise da obra Wittgenstein on Rules and Private Language, cuja

interpretação behaviourista do paradoxo céptico wittgensteiniano do que é seguir uma

regra consubstancia um marco na história da filosofia e que adensa algumas nuvens de

cepticismo que pairam sobre Ludwig Wittgenstein, procuraremos auscultar os pontos de

vista de autores que rejeitam a presença de qualquer forma de behaviourismo ou de

cepticismo em Wittgenstein, alguns deles corrigindo aquilo a que chamam uma má

interpretação do que Kripke quis dizer sobre Wittgenstein..

Começaremos com o artigo de Alex Byrne (filósofo norte-americano versado,

entre outras áreas, em filosofia da mente, epistemologia e metafísica) intitulado On

Misinterpreting Kripke´s Wittgenstein (Philosophy and Phenomenological Research,

vol. 56, No. 2). Este autor começa por considerar que o Wittgenstein de Kripke pergunta

por que tipo de coisa é essa que faz com que eu queira dizer qualquer coisa através de

uma palavra, por exemplo, adição através de mais, como no célebre exemplo de Kripke.

Para Byrne, uma conclusão provisória a retirar desta dúvida é que não pode haver

alguma coisa como querer dizer qualquer coisa através de uma palavra (nossa

tradução, WRPL, p.55). Este paradoxo céptico não poderia ser mais perturbador. Uma

reacção a ter em conta e possível é acolher esta afirmação literalmente e tomar uma

atitude radical em relação às atribuições de significado, ou seja, afirmar que todas elas

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são falsas. O Wittgenstein de Kripke, no entanto, não vê com bons olhos esta opção

mais simples.

De acordo com os pontos de vista de referência, Wittgenstein, pela voz de

Kripke, diria que atribuições de significado não são afirmações de factos,

contrariamente ao que tudo faria supor. Sendo frases do tipo declarativo, elas parecem

afirmações de factos, todavia elas desempenham uma função diversa. Este tipo de

pontos de vista é suportado, segundo Byrne, por comentários de Kripke como: (…)

since the indicative mood is not taken [by Wittgenstein] as in any sense primary or

basic, it becomes more plausible that the linguistic role of utterances in the indicative

mood that superficially look like assertions need not be one of “stating facts” (…)

(WRPL, p. 73). Afirmar isto poderá ser aludir ao emotivismo em ética. Sempre nas

palavras de Alex Byrne, um seguidor do emotivismo em ética poderá afirmar que,

contra todas as aparências, X é bom pode não salientar facto algum. O autor socorre-se

de Paul A. Boghossian, para quem o emotivismo é um não-factualismo de tipo ético,

assim, não correspondendo a afirmações factuais, as frases de tipo ético não teriam

condições de verdade. Sobre frases da forma s quer dizer p, o Wittgenstein de Kripke,

defende uma perspectiva semelhante, ele é, deste modo, um não-factualista em relação

ao significado.

Alex Byrne lembra Paul A. Boghossian – um filósofo que será analisado neste

contexto posteriormente -, quando este defende que um não-factualismo exercido sobre

qualquer tipo de frase implica uma concepção de verdade não-deflacionária, ou seja,

uma concepção de verdade robusta porque, no âmbito de uma concepção deflacionária

da verdade, uma frase terá condições de verdade somente se for propensa a uma

interpretação semântica. E será adequada a uma interpretação semântica se for do tipo

declarativo e se tiver um significado, todavia é essencial a uma proposta não-factualista

a negação a algumas frases do tipo declarativo de condições de verdade. Resulta daqui a

conclusão, segundo Boghossian, que uma tese não-factualista sobre qualquer tema

implica uma concepção de verdade mais rica do que a concepção deflacionária da

verdade

O Wittgenstein de Kripke advoga, no entanto, que Jones quer dizer adição por +

pode afirmar um facto no sentido mais comum de facto e, por isso, Byrne admite que

Kripke possa não ser um não-factualista, mas então por que é que Kripke é contraditório

quando afirma que Wittgenstein defende, com o céptico, que não há nenhum facto que

diga se eu quero dizer mais ou quais? (nossa tradução, WRPL, pp. 70-71). O problema

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é resolvido da seguinte forma: a falta de um facto, que Kripke qualifica como

superlativo, que distinga mais de quais não quer dizer certamente, de acordo com o

Wittgenstein de Kripke, a falta de qualquer tipo de facto, tratando-se aqui de uma defesa

indirecta do ponto de vista de Wittgenstein. A falta de evidência gritante que justifique a

regra da adição não quer dizer que esta não envolva factos como seguir uma regra que

se justificam de certa forma a eles mesmos, pensamos nós.

Saul Kripke discordaria, a dada altura, com a perspectiva – atribuída por ele a

Wittgenstein – que sublinha que a nossa noção comum de significado não implica um

compromisso com factos superlativos. Kripke considera, lembrado por Byrne,

afirmações da irrelevância do cepticismo filosófico face às crenças do homem comum

como quase invariavelmente suspeitas (WRPL, pp. 65-66). Se o argumento céptico é

adequado, Kripke defende que não há nenhum facto superlativo e também qualquer

facto na origem da atribuição de significado. Kripke acredita que Wittgenstein poderia

defender esta perspectiva, mas Kripke, segundo Byrne, contradiz-se quando na página

86 de WRPL salienta que Wittgenstein não a defende. No entanto e sempre segundo a

linha argumentativa de Byrne, não podemos esquecer que para Wittgenstein o erro é

dizer que há qualquer coisa que consiste querer dizer alguma coisa (Fichas, secção 16,

citação de Alex Byrne, nossa tradução do inglês).

De acordo com o Wittgenstein de Kripke, afastamo-nos do abismo se

adoptarmos a noção de comunidade que nos mostra que nenhum significado portador de

verdade é imprescindível à justificação das nossas práticas linguísticas. Jones quer dizer

adição por +, não porque nós tenhamos qualquer evidência desse conteúdo portador de

verdade especial, mas porque nós pensamos que Jones continuará da mesma maneira

que nós no que a problemas de adição diz respeito e no que a outras regras da aritmética

diz respeito, dada a sua inserção na nossa comunidade e as respectivas sanções quando

se dá um incumprimento ostensivo das regras. E não ficam por aqui as regras cujo

respeito poderá ou não ser validado pela comunidade e cuja transgressão ocasiona o

afastamento da comunidade: num âmbito mais lato e, no nosso entender, determinadas

normas de conduta, quando não são respeitadas, poderão obrigar o indivíduo a um

afastamento da comunidade, compulsivo ou não (questões culturais ou éticas, por

exemplo). Byrne formula a ideia de que fomos atraídos nesta questão por perspectivas

filosóficas erróneas mas, desde que nós as vejamos tal qual elas são, poderemos

concordar que eu quero efectivamente dizer adição por mais, embora tal não seja o facto

superlativo que as nossas perspectivas iniciais fizeram crer: “(…) We were seduced (as

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usual) by misleading philosophical pictures; but once we see them for what they are, we

can rest assured that is a fact that I mean addition by `plus´, albeit not the superlative

one that our pictures led us to expect.” (p. 343). Esta tese é uma clara defesa da posição

de Wittgenstein que rejeitaria satisfatoriamente o cepticismo, para nós, as contradições

do Wittgenstein de Kripke não afastam, pelo menos de forma clara, a nuvem carregada

de algum cepticismo que sobre ele paira.

Uma certa perspectiva filosófica, de acordo com Byrne, da maneira como os

nomes funcionam leva-nos a exigir algum tipo de reflexão sobre o que torna afirmações

como Holmes consumiu cocaína verdadeiras. Teria de haver certamente alguma

entidade ficcional que consumisse cocaína para transformar esta frase numa frase

verdadeira, mas não existe tal entidade ou tal pessoa neste caso particular. Um paradoxo

céptico poderá acabar por surgir nesta altura: afirmações sobre personagens ficcionais

seriam todas sem sentido ou, pelo menos, falsas. No entanto, uma atenção mais cuidada

ao papel que a ficção desempenha nas nossas vidas, também uma atenção mais cuidada

ao jogo de linguagem representado pela narrativa de Sherlock Holmes, à la

Wittgenstein, mostram-nos, segundo Byrne, como a frase Holmes consumiu cocaína

poderá ser verdadeira e corresponder a um facto sem que no mundo se dê a existência

efectiva de qualquer pessoa com o nome de Sherlock Holmes. A frase poderá, assim, ser

verdadeira enquanto considerarmos a existência de Sherlock Holmes como pertencendo

a um mundo imaginário ou a um imaginário, no qual existem factos que, sendo

imaginários, não necessitam de uma prova empírica, testemunhal ou de qualquer outra

espécie.

2. Warren Goldfarb versus Saul Kripke

Outro autor mais ou menos de acordo com as posições de Wittgenstein é Warren

Goldfarb (filósofo e matemático cujos interesses são a lógica e a história da filosofia

analítica, dos quais se destaca Wittgenstein), e nomeadamente no seu artigo Kripke On

Wittgenstein On Rules (The Journal of Philosophy, vol. 82, No. 9).

Para este e quanto às atribuições de significado, nós justificamo-las no momento

em que sentimos necessidade de o fazer, o mesmo é dizer que nós esclarecemos

obscuridades gramaticais em relação a factos e a nossa vida não sofre alterações devido

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a essas situações. No entanto, e mais importante do que isto, é Goldfarb considerar que

o desafio céptico se funda em considerações ontológicas, pois estas questionam se tudo

o que existe fosse colocado diante de nós, se nós estaríamos em condições de retirar as

atribuições de significado correctas a partir dessa realidade diante de nós. Kripke, no

entanto, contenta-se em suscitar meras possibilidades de atribuições à margem do

padrão comunitário (quais em vez de mais em WRPL). É a noção de tudo o que há,

segundo Goldfarb, que deve fornecer a base para o desafio céptico porque se nada no

mundo nos permite colocar uma questão entre uma ou outra possibilidade de atribuição

de significado, então não há nenhuma questão a ser levantada, ou seja, não há lugar para

questões como as que apontam para saber se há quaisquer razões específicas para

duvidar de uma atribuição de significado. Para Goldfarb, é a noção de facto ou a noção

de tudo o que há que deve servir de base à compreensão do desafio céptico.

O peso desta noção pode talvez ser avaliado recorrendo à forma como Gottlob

Frege se confrontaria com o paradoxo céptico. Segundo Goldfarb e de acordo com

Frege, não podemos nunca estar numa posição de dúvida genérica sobre se as palavras

que usamos ou as afirmações que proferimos têm significado. A concepção fregeana de

facto impede-nos de pôr em causa o nosso acesso imediato ao reino do significado, quer

isto dizer que não podemos, de forma alguma, pôr em causa a existência de factos

semânticos.

Por outro lado, o fisicalismo que Kripke apresenta em boa parte de WRPL como

hipótese de fundamento para as atribuições de significado é no entanto modificado pela

admissão de sensações simples e introspectivas e as suas qualidades concomitantes (o

fisicalismo é uma corrente contemporânea da filosofia analítica que se equipara, de

alguma forma, ao materialismo que o precedeu e que reduz o estatuto do ser humano –

ou a mente humana melhor dizendo – a uma base significativamente biológica, mas não

só, como é evidente). Dadas quaisquer perspectivas implícitas nesta posição, Kripke

defende que os factos do significado irredutíveis podem apenas ser factos do significado

mentais que têm qualidades introspectivas – como já vimos – e semânticas.

O problema das atribuições de significado tornou-se familiar a partir das críticas

de Noam Chomsky ao behaviourismo e tem por base as limitações humanas e a

consequente necessidade de frases caeteris paribus. Quer dizer que se, seguindo W. V.

Quine (um reputado behaviourista), nós entendermos uma disposição como um estado

físico que provoca uma determinada resposta a um estímulo específico, então qualquer

pessoa que possua essa disposição deveria inexoravelmente dar sempre essa resposta a

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esse estímulo. Contudo, segundo Goldfarb, as pessoas têm capacidades finitas e são,

entre outras coisas, propensas ao erro, à apatia e a lapsos de atenção. Ninguém tem uma

disposição (no sentido quineano) para responder correctamente porque ninguém tem a

capacidade de apresentar sempre o comportamento verbal correcto. A posição de Kripke

é salientar que a caracterização da relação do comportamento com o significado requer

por si só a utilização de noções de significado e, por conseguinte, não há um modo

estritamente fisicalista de apontar um estado físico que possa ser identificado com

querer dizer uma palavra de uma determinada forma.

Segundo Warren Goldfarb, para alguém que defenda razões internas para as

atribuições de significado, as verdadeiras justificações dos juízos de correcção das

respostas estariam escondidas, seriam factos profundamente inculcados no nosso

cérebro. No entanto, Kripke, quando afirma que o facto deve mostrar como é que eu

estou justificado, parece querer dizer que as justificações devem, de alguma forma, ser

transparentes (WRPL, pp. 27-37, referência de Goldfarb). O reducionista não poderia

aceitar isto, segundo Goldfarb, porque se há uma resposta-padrão reducionista a esta

questão que diz que estes estados físicos não são o que nós pensamos conscientemente

quando atribuimos usualmente um significado, qualquer que ele seja, e, por isso, não

parece que nós estejamos a tecer quaisquer considerações de ordem fisiológica, isto é, a

elaborar sobre estados físicos ocultos, mas parece que para Goldfarb é isso que nós

estamos a fazer, tal como nós falamos implicitamente sobre constituição molecular

quando afirmamos que um copo qualquer está cheio com água.

Ao dar-nos a perspectiva fisicalista do facto, Kripke pode estar a querer dizer,

segundo Goldfarb, que o arsenal conceptual não precisa ser utilizado na resposta a este

problema e, considerando mais aturadamente esta questão, o arsenal conceptual

explorado por Kripke é difícil de avaliar. Apesar disto, sempre segundo Goldfarb, o seu

desafio céptico associa a ideia que as nossas práticas comuns do significado exibem

qualidades conceptuais que devem ser preservadas (normatividade, transparência, etc.)

com a ideia que dessas práticas não resultam justificações das nossas atribuições de

significado.

Para este autor, Kripke defende que é permitido atribuir um significado ou aderir

a uma regra se a pessoa responder da forma que ela estiver inclinada a responder – e a

inclinação desempenha um papel importante em Goldfarb no que a seguir regras diz

respeito. Esta questão também é trazida à colação para explicar o comentário de

Wittgenstein que afirma que, em alguns casos desse tipo, pensar que alguém estava a

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obedecer à regra seria a mesma coisa que obedecer à regra (IF, 202, referência de

Goldfarb). Este é um claro apoio a um argumento de Wittgenstein, mas a inclinação,

pensamos, não permite justificar que a regra está a ser cumprida porque ela não

corresponde a um facto que garanta que a regra esteja a ser cumprida.

Kripke entende que a comunidade – tal como em Wittgenstein de certa forma –

pode fornecer o que é necessário para distinguir entre aquilo que alguém está inclinado

a dizer e aquilo que é exigido para uma atribuição permitida do significado. Nestes

termos, a consequência extraída quando se afirma que qualquer coisa que alguém tome

por correcta é correcta, numa eventual linguagem solitária, como a descreve Goldfarb,

cai por terra. Levantar questões sobre as razões últimas que orientam a decisão entre

possibilidades de significado é irrelevante porque a normatividade é abandonada no que

respeita às justificações anteriores necessárias à correcção de respostas futuras no

âmbito das atribuições de significado.

Goldfarb, na esteira de Wittgenstein, sublinha que, se nós começássemos, tal como

Wittgenstein nos exortaria a fazer, do usual, então o desafio céptico nunca poderia

surgir porque ninguém pode descrever tudo o que existe sobre uma pessoa salientando a

linguagem que a pessoa fala.

Ainda neste artigo, é sublinhado que Wittgenstein não coloca o ónus da

fundamentação do que é seguir uma regra sobre o acordo dentro de uma comunidade. O

acordo, segundo Warren Goldfarb, está implícito e é exibido no seguir-regras, mas não

o fundamenta: “ (…) Wittgenstein, however, puts no such onus on agreement, I believe.

Agreement is exhibited in rule following, but does not ground it.” (p. 485). Este

argumento, partilhado de certa forma por Wittgenstein, e o facto concomitante da

impossibilidade de fundamentação do seguir-regras pelo acordo dentro da comunidade,

não implica que o ponto de vista de Goldfarb, apoiado em Wittgenstein, não defenda

que o perguntar pelas razões tenha de parar em algum lugar.

As preocupações de Wittgenstein são, no entanto, diferentes das de Kripke. Para

começar a esclarecer estas divergências, podemos abordar com Goldfarb a passagem

com a qual Wittgenstein começa a tratar a questão de seguir regras.

Nas Investigações Filosóficas, secção 185, Wittgenstein apresenta o cenário de

uma criança refractária que escreve a sequência +2 correctamente até 1000, mas após

esta sequência escreve erradamente 1004, 1008, … e torna-se, desta forma, resistente à

correcção. O cenário por esta altura parece ter-se alterado substancialmente. Muitos

comentadores, Kripke inclusive, interpretam Wittgenstein como estando a usar o

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cenário para justificar que nada esclarece ou determina como continuar a sequência.

Este cenário, segundo Goldfarb, porém, não é de molde a dar razão aos intérpretes de

Wittgenstein porque o cenário apresenta um caso a partir do qual nós podemos pensar

que a criança compreendeu, mas vemo-nos forçados a reconhecer que a criança não

compreendeu o que estava em causa. A resistência da criança à correcção é de alguma

forma bizarra, mas se nós não conseguimos que ela compreenda o que queremos dizer

por continuar da mesma maneira, então a conclusão pode ser, naturalmente, que a

criança não é capaz de compreender o que nós queremos dizer. Mais precisamente, para

Warren Goldfarb, nada a obriga a continuar da forma que nós entendemos como

correcta, no entanto, a questão da forma de continuação é, num certo sentido,

determinada: no sentido em que se ela quer continuar a série que nós lhe pedimos para

continuar, então ela deve continuar escrevendo 1002, 1004, 1006… Este cenário traçado

por Wittgenstein e aproveitado por Goldfarb para fazer valer os seus pontos de vista é

uma clara resposta à interpretação céptica que Kripke faz da questão de seguir uma

regra em Wittgenstein.

A resposta àquilo que seria seguir regras – nomeadamente através do exemplo –

não funciona dirigindo a atenção para qualquer coisa que vá para lá da própria resposta.

Wittgenstein é claro quando afirma que nós falamos e agimos e isto está implícito em

tudo o que se diz. Esta é a única resposta às dúvidas cépticas, nota Goldfarb.

Goldfarb termina este seu artigo com uma clara contestação a uma tese

defendida por Kripke: a tese que afirma que o argumento da linguagem privada estaria

plasmado na secção 202 das Investigações Filosóficas. Para Goldfarb, o argumento da

linguagem privada não é dado na secção 202 e não surge imediatamente das ideias de

Wittgenstein, na mesma obra, sobre aquilo que se quer dizer com seguir uma regra.

Este argumento só se pode associar ao argumento da linguagem privada através da

ideia de verificação daquilo que pode fornecer uma noção de fixação da correcção em

cada caso. Uma verificação deste tipo é a tarefa das catorze secções que se situam entre

a proposta de Wittgenstein de uma linguagem privada na secção 243 e a secção que

apresenta o argumento da linguagem privada propriamente dito, isto é, a secção 258:

“(…) Such an examination, I take it, is the task of the fourteen sections between

Wittgenstein´s proposal of the idea of a `private language´ in 243 and the section

containing the private-language proper, 258.” (p. 488). Parece-nos que a Wittgenstein

repugnaria menos esta tese de Goldfarb do que a menos ortodoxa advogada por Saul

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Kripke, porque é em algumas das secções apontadas por Goldfarb que Wittgenstein

ataca efectivamente a possibilidade de uma linguagem privada.

3. Um certo causalismo em Paul A. Boghossian

Um outro ponto de vista a ter em conta é o de Paul A. Boghossian (filósofo

norte-americano cujos interesses são, entre outros, a filosofia da mente e a filosofia da

linguagem) incluído no artigo The Rule-Following Considerations (Mind, New Series,

vol. 98, No. 392).

Para Boghossian, a famosa conclusão céptica que Kripke atribuiria a

Wittgenstein estaria plasmada na pág. 21 de WRPL, que, por ser crucial, nós

resolvemos traduzir para português:

“Não há nenhum facto sobre mim que distinga o meu querer dizer claramente

uma função através de + e o meu querer dizer absolutamente nada.”

Esta reivindicação pode ser considerada indisputável, seguindo a argumentação

de Boghossian, no que respeita a factos sobre o uso de significados e sobre os

fenómenos qualitativos e podemos depreender das Investigações de Wittgenstein que

nenhum destes tipos de factos, isoladamente ou em combinação, podem mostrar-nos o

que é para um símbolo ter um significado.

Paul Boghossian socorre-se, em parte deste artigo, do pensamento de Colin

McGinn e da sua abordagem das relações entre linguagem e pensamento. Segundo

McGinn, não temos um acesso privilegiado e independente às expressões da nossa

linguagem do pensamento e não sabemos, por exemplo, a sua caracterização. Assim,

nós não podemos ter qualquer tipo de intenção semântica a respeito delas e, deste modo,

não podemos fazer com que faça sentido utilizá-las correcta ou incorrectamente. O facto

do significado e da sua origem também não seria resolvido por McGinn e pensamos que

a porta do cepticismo fica neste ponto entreaberta para que Boghossian a tente fechar.

Para Boghossian tem de existir alguma coisa – um estado, um acontecimento ou

qualquer coisa particular – cuja disposição para ser exemplificada, em determinadas

circunstâncias, constitui, no âmbito de uma teoria disposicional, a posse de um

determinado conteúdo e embora este compromisso seja, strictu sensu, contestável, pode

também ser muito natural. Os conteúdos aparecem numa vida mental sob um modo

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particular – crença, desejo ou juízo – e, por isso, são compreendidos como propriedades

dos estados ou acontecimentos que instanciam esses modos particulares.

Paul Boghossian adverte que o problema de Kripke poderá ser eminentemente

epistemológico e diz respeito à capacidade de um falante em defender uma atribuição de

significado particular, enquanto o problema levantado pelo próprio é de índole

constitutiva e não epistemológica e diz respeito à possibilidade do significado e não ao

nosso conhecimento do significado.

Se o céptico de Kripke é capaz de mostrar que, mesmo com o benefício do

acesso a todos os dados importantes, o seu interlocutor não é capaz de justificar

qualquer afirmação particular sobre o que ele queria dizer, tal não nos deixaria outra

opção a não ser concluir pela não-existência de factos sobre o significado. Mas mais

uma vez Boghossian não se ficará pelos ajustes, todavia, é claro que para ele o problema

é constitutivo na sua essência, embora possa também ter uma vertente epistemológica.

De acordo com Crispin Wright, autor lembrado por Boghossian, Kripke não estaria

interessado nas condições de correcção que poderiam, pelo menos no nosso próprio

caso, ser conhecidas não-inferencialmente, Kripke estará obviamente mais interessado

naquilo que constitui o facto que subjaz à nossa atribuição de significado.

O cepticismo quanto ao paradoxo céptico – passe a redundância – continua a ser

atenuado quando Boghossian afirma taxativamente que o conceito comum de seguir

uma regra, enquanto contrário ao conceito de se conformar simplesmente com a regra, é

o conceito de um acto intencional, o que faz balançar a questão, através da intenção,

para o lado contrário ao cepticismo behaviourista extraído por Kripke desta parte da

obra de Wittgenstein.

Boghossian partilha da visão de Kripke quando este afirma que quaisquer que

sejam as disposições que nós identifiquemos, elas podem, na melhor das hipóteses, nos

fornecer padrões para a escolha de uma função que nós queiramos dizer. Essas

disposições não nos podem fornecer indicações, ou seja, uma descrição do que é ser fiel

a uma regra anterior. Por estas razões, Boghossian não considera, ao contrário de

Kripke, que as disposições não sejam suficientes para nos dar um padrão para as regras

que queiramos seguir.

Por seu lado, a perspectiva comunitária advogada por Saul Kripke é uma

resposta ou uma solução, em parte à la Wittgenstein, para a reiterada incapacidade de

proceder a uma distinção, no plano do indivíduo, entre disposições correctas e

disposições incorrectas, que poderia abrir caminho à solução do paradoxo céptico. No

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entanto, a afirmação que a prática comunitária é imprescindível ao significado é uma

afirmação surpreendente aos olhos de Boghossian porque para ele uma breve reflexão

sobre o conceito de significado não mostra nada disso.

O céptico de Kripke não só esboça uma conclusão anti-reducionista mas também

conclui, muito mais radicalmente, que não pode haver, de maneira alguma,

propriedades de conteúdo de qualquer significado. Já próximo da conclusão do seu

artigo, Paul A. Boghossian defende que as propriedades do significado não parecem ser

nem elimináveis nem redutíveis e seria altura de aprendermos a viver com este facto.

Esta seria a atitude céptica de Kripke e Kripke nem sequer tentaria defender um

princípio reducionista baseado no intencional, contra os desejos de Boghossian.

O autor aproxima-se, na parte final do seu artigo, de uma posição mais

condizente com o anti-cepticismo, defendendo que as atitudes proposicionais existem

claramente e são racionalizáveis em parte pelo seu conteúdo, isto é, e cita um exemplo,

é tendo em conta a crença de Neil que há vinho no seu copo que ele se movimenta em

direcção ao copo: “(…) – it is partly because Neil´s belief is that there is wine in his

glass, that he reaches for it; (…)” (p. 549).

Assim, as explicações em termos de atitudes proposicionais levam-nos a

defender que as propriedades de conteúdo desempenham uma função causal real na

explicação da acção intencional. Há, nesta perspectiva resumida de Boghossian, um

certo tipo de reducionismo causal que é – e Boghossian tem consciência disso –

incompatível, por exemplo, com a completude da Física: “ (…) But, now, how is an

anti-reductionist about content properties to accord them a genuine causal role without

committing himself, implausibly, to the essential incompleteness of physics?” (p. 549).

Esta perspectiva, parece-nos, é, apesar de tudo, esclarecedora quanto ao efeito que pode

ter a explicação em termos de atitudes proposicionais para a melhor compreensão da

acção intencional.

4. Philip Pettit e o carácter público das regras

Philip Pettit (filósofo contemporâneo irlandês versado em filosofia da mente e

filosofia política), por seu turno, no seu artigo intitulado The Reality of Rule-Following

(Mind, New Series, vol. 99, No. 393), parece mostrar algumas afinidades com o

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pensamento de Saul Kripke, mas a conclusão do seu artigo é de pendor claramente

wittgensteiniano.

Começa, logo na pág. 2, por sublinhar, de uma certa forma, uma das posições

defendidas por Paul Boghossian ao explicar que a conformidade com uma regra deve

ser intencional, sendo alguma coisa que é conseguida, pelo menos em parte, tendo por

base a crença e o desejo. Seguir uma regra é estar de acordo com as suas prescrições,

mas o acto de tentar estar de acordo com as suas prescrições deve ser intencional. E o

seguidor de uma regra deve ser capaz de nomear apenas de forma falível o que uma

regra exige, se fosse de outro modo, a tentativa de integrar isto na noção mais

abrangente de acção intencional seria posta em causa.

Na sequência da tentativa de enquadramento da problemática que envolve aquilo

a que chamamos seguir uma regra, seria útil, para Philip Pettit, considerar dois

domínios em que nos é exigida a capacidade de seguir regras: primeiro porque somos

falantes e, em segundo lugar, mais problemático muito embora, porque somos seres

pensantes. Pensar exigiria mais do que ter apenas atitudes intencionais, atitudes que

estariam mais ou menos de acordo com aquelas que a maioria das pessoas estaria

preparada para formular: atitudes de crença e de desejo. Um sistema possuirá essas

atitudes na medida em que o seu comportamento for explicado pela presença dessas

atitudes, contudo um sistema intencional nesta precisa acepção não precisa ser um

sistema pensante. Pensar, apesar do que foi dito, parece exigir, tal como no discurso, a

capacidade de seguir regras e tal não surpreende, já que pensar parece estar de acordo

com aquilo que tradicionalmente tem sido descrito como discurso interior, quer dizer,

falar consigo mesmo.

O desafio céptico proposto por Kripke merece da parte deste autor um pequeno-

grande reparo que não destoa, no entanto, de alguma afinidade de pensamento que ele

demonstra em relação a Kripke neste particular. Para ele, apenas uma diferença na

ênfase separa a sua versão do desafio céptico da versão de Kripke. Deste modo, Kripke

procura perguntar que facto sobre a pessoa poderia constituir aquilo que é dar sequência

a uma regra, enquanto ele pergunta que tipo de coisa pode constituir uma regra que a

pessoa pode seguir, mas esta mudança de atitude não implica qualquer possível

resolução do problema céptico de Kripke.: “(…) He [Wittgenstein] tends to ask after

what fact about a person could constitute his following a rule whereas I shall ask after

what sort of thing could constitute a rule that the person might follow.(…)” (p. 6).

Assim, ele encontrar-se-á aberto à possibilidade de haver alguma coisa que se chame

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seguir uma regra sem que haja qualquer coisa que constitua uma regra. A aparência de

paradoxo desta última ideia não deixa, para nós, de denotar algum cepticismo a não

descurar.

A interpretação behaviourista do paradoxo céptico wittgensteiniano que Kripke

leva a cabo não terá o acordo de Philip Pettit, mas o que é facto é que, para este, não há

nenhuma maneira através da qual eu possa estar em contacto de forma adequada com

um objecto de tal infinitude, ou seja, com a regra que se pretende seguir. Seguindo as

orientações de Wittgenstein neste particular, o autor reitera que não há nenhum objecto

finito que a mente possa contemplar que, sem ambiguidade, nos permita identificar uma

restrição normativa para uma variedade infinita de casos.

Philip Pettit ocupa-se agora de umas das possíveis respostas que o próprio

Kripke dá ao seu desafio céptico. Para Pettit, a resposta em termos de disposições, nada

nos transmite sobre o que é uma regra e insiste em afirmar que existe algo como seguir-

regras. Ela identifica seguir uma regra com uma disposição para continuar segundo um

certo padrão, um padrão que serviria, por exemplo, para aplicar a palavra mais a novos

casos. Esta teoria, salienta o autor, é alvo de inúmeras críticas por parte de Kripke, dado

que a disposição falha como candidato a um facto que me deva dizer como continuar

uma série em novos casos. Uma teoria deste tipo, segundo Pettit, não ajuda a explicar

como é que eu, seguindo determinada regra, sou guiado directa mas falivelmente por

alguma coisa que me diz antecipadamente o que eu devo responder. Uma disposição

pode esclarecer sobre o que eu faço, mas não pode fazer luz sobre este ser guiado.

A importância da inclinação no que a seguir-regras diz respeito também é

desvalorizada neste artigo de Pettit, pois as suas propostas não exigem que o seguidor

de uma regra tenha qualquer tipo de consciência da inclinação provocada pelos

exemplos da própria regra, muito menos que prestem atenção a essa inclinação

propriamente dita. O seguidor de uma regra focar-se-ia tão-somente na regra e nos

exemplos da própria regra. No entanto, se a inclinação está associada a priori com a

regra, então a inclinação está relacionada com a regra que se adequa àquela de forma

apropriada. Se a inclinação deve estar relacionada a posteriori com qualquer coisa,

então ela deve relacionar-se com uma regra que lhe está associada de uma outra forma,

talvez uma regra que pode não se ajustar perfeitamente a ela. Tal regra pode ajustar-se à

minha inclinação somente na medida em que certas condições benignas forem

preenchidas, isto é, quando surge um tipo de condições favoráveis em que eu posso

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dizer que em alguns casos elas não são preenchidas e que, por conseguinte, eu segui a

regra erradamente ou a minha resposta foi perturbada por algumas condições invulgares.

A regra a seguir resultaria de uma inclinação standardizada, ou seja, de uma

inclinação gerada pelos exemplos que instanciam uma única regra. Para Pettit, teríamos

de esperar pelo esforço da inclinação padronizada para ver como é que a regra funciona

em novos casos, no entanto, tal significa tão-somente que a qualquer momento

poderemos não estar certos sobre o que a regra exige para novos casos e não significa

que haja qualquer tipo de indeterminação a priori sobre a exigência para novos casos. O

facto de não estarmos certos sobre a regra a seguir não implica que haja uma

indeterminação antes que o novo caso seja abordado.

Kripke, segundo Pettit, é por vezes acusado de colocar um desafio tendencioso:

o desafio de identificar o facto seguir uma regra de forma redutora com este ou aquele

tipo de facto psicológico. O filósofo em causa coloca-se ao lado de Kripke neste

particular porque, para ele, este desafio seria tendencioso somente na medida em que tal

desafio assumisse que seguir regras não é um facto psicológico sui generis. No entanto,

para ele, desde que não tenhamos a tentação de analisar seguir regras em termos

redutores não enfrentaremos o tipo de problemas que Kripke enfrentou ao querer

responder de forma redutora às questões que seguir uma regra levanta. Para Pettit, por

seu turno, é importante apenas tentar dar uma explicação de como é para um seguidor

ver-se a si mesmo como tendo cometido um erro e tentar explicar como é que nós

podemos ver que a sua inclinação falhou.

O fenómeno de seguir-regras, seguindo a linha de pensamento de Pettit, não é

apenas precário, deve ser também interactivo. Seguir uma regra exige que o sujeito que

segue uma regra interaja ou possa interagir com outros portadores da inclinação ou com

uma contraparte que actue nele, isto é, com outras pessoas ou com ele mesmo em

tempos não recuados. Sem essa interacção não poderia haver uma relação estreita entre

a inclinação e a regra. Enquanto eu posso lutar de forma falível por ser fiel a uma regra

objetiva na tarefa de seguir-regras, a regra que eu estou a seguir é determinada pela

minha natureza e pela natureza da minha espécie. Alguém a quem faltasse esta natureza,

alguém a quem faltasse esta contraparte que eu sigo, não poderia vislumbrar que tipo de

regra eu estou a seguir ou sequer se eu estou mesmo a seguir uma regra.

Há uma condição que é comumente aceite na noção de regra: a noção que a

regra deve ser pública, num sentido mais ou menos wittgensteiniano. Mas suponhamos

que uma pessoa identifica a regra tendo por base uma inclinação interiormente

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intertemporal, ou seja, registada em tempos diferentes, ela não esperará com certeza que

os outros identifiquem a regra de forma convergente. Em tais condições, eu apenas

posso acreditar que uma outra pessoa identificou a regra, uma regra que eu represento

para mim mesmo padronizada e intertemporalmente, mas eu não posso saber se ela

identificou a regra da mesma forma que eu o fiz. No entanto, se há uma regra

exemplificada que nós partilhamos, então eu estou em condições de dizer de que regra

se trata e poderá, deste modo, haver acordo entre nós.

O desafio céptico continua a ser respondido quando, na parte final do seu artigo,

Pettit afirma que há uma condição que é habitualmente imposta na noção de uma regra e

essa condição é que a regra devia ser pública num sentido mais ou menos

wittgensteiniano: “(…) There is a condition that is commonly imposed on the notion of

a rule, (…). This is that the rule should be public in roughly the Wittgensteinian sense.

(…) (p. 19). Se seguir uma regra tem de ser um facto público, então os seguidores de

uma regra devem interagir uns com os outros assim como com os seus eus anteriores e

posteriores. Este é um tipo de justificação para a perspectiva, alegadamente

wittgensteiniana, que defende que seguir uma regra só seria possível num contexto

comunitário. A interacção com outras pessoas só deve ser exigida se a regra for pública,

isto é, se for uma regra que uma outra pessoa possa saber que eu estou a seguir. A

publicidade das regras é, no entanto, parece-nos, ainda uma solução céptica para o

problema das regras porque continua a não haver um facto – superlativo ou não –

propriamente dito ao qual eu me possa referir quando sigo uma regra.

5. L. C. Holborow e a admissão de uma linguagem privada

dependente

Um artigo mais talhado para a discussão do problema do behaviourismo em

Wittgenstein é da autoria de L. C. Holborow e intitula-se Wittgenstein´s Kind of

Behaviourism? (The Philosophical Quarterly, vol. 17, No. 69). Neste artigo, o autor não

consegue esconder alguma discordância em alguns aspectos com o pensamento de

Wittgenstein, como veremos adiante.

Nele, Holborow começa por abordar, entre outras coisas, o célebre argumento

da linguagem privada de Wittgenstein. Para isso, dirige uma crítica ao artigo de C. W.

K. Mundle intitulado “Private Language” and Wittgenstein´s Kind of Behaviourism

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(The Philosophical Quarterly, Jan. 1966, pp. 35-46) que, por sua vez, apontaria algumas

falhas ao pensamento de Wittgenstein. Segundo Holborow, Mundle nota acertadamente

que o argumento do diário é colocado de tal forma que se o diarista pode dar uma

descrição ou revelar a natureza da sensação E, então tal não serve como exemplo de

uma experiência privada. A restrição por parte de Wittgenstein do termo privado a

sinais que parecem não ter justificação em português parece não fazer sentido para

Mundle dado que ele não vê razões para Wittgenstein objectar se E está a ser usada para

descrever sensações com palavras da nossa linguagem comum, dado que estas, para

Wittgenstein, não são utilizadas habitualmente para descrever sensações privadas.

Todavia, não é a possibilidade da utilização de E neste sentido permitido que preocupa

Wittgenstein, mas sim a utilização que o diarista faz da sensação num sentido proibido.

Não há aqui, portanto e para Holborow, qualquer tipo de mal-entendido porque esta

ideia resulta da maneira, por exemplo, como podemos ensinar o vocabulário de dor.

Podemos ensinar o vocabulário de dor somente se houver expressões públicas de dor e

também podemos concluir que qualquer palavra que represente uma sensação

exprimível pode ser ensinada sem necessidade de uma linguagem privada.

A abordagem do argumento da linguagem privada começa, para L. C.

Holborow, nas secções 243-4 das Investigações Filosóficas com uma descrição da

aprendizagem dos nomes das sensações. É relevante notar que esta é uma descrição de

como podemos aprender a dar o nome às sensações e não uma aprendizagem de tudo

quanto podemos fazer com as palavras depois de as termos aprendido, como Mundle

parece fazer crer, segundo Holborow. As sensações privadas imediatas referidas nas IF,

na secção 243, são diferentes das experiências interiores que podem ser exprimidas na

nossa linguagem comum, as sensações privadas imediatas são efetivamente privadas já

que não têm aquilo a que Wittgenstein chama uma expressão natural. Segundo

Holborow, Wittgenstein ficaria satisfeito com a existência de experiências que não são

exprimíveis em linguagem ou outro tipo de comportamento, mas o que ele pretende

negar é que pudesse haver uma linguagem que se referisse a experiências que são

radicalmente privadas, quer dizer, experiências sem qualquer tipo de expressão natural.

Na secção 259, Wittgenstein pergunta pelo que é isso de dar o nome à sensação

e como é que tal poderia constituir uma regra, para, em 260, concluir que até agora o

sinal E não desempenhou qualquer função. De acordo com Holborow e na sequência

das secções anteriores, a secção 261 mostrar-nos-ia que nenhuma regra poderia seguir-

se de se ter dado o nome à sensação porque sensação é uma palavra da nossa linguagem

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corrente que precisa de uma justificação pública de um tipo que o diarista deve

abandonar se quiser chamar à sua linguagem uma linguagem radicalmente privada (a

expressão é de L. C. Holborow). A questão de saber se poderá existir um qualquer tipo

de linguagem privada permanecerá em aberto durante mais algumas etapas deste artigo.

A. J. Ayer é lembrado e citado neste artigo quando defende que não há

diferenças substanciais entre reconhecer um objecto privado e reconhecer um objecto

público (The Concept of a Person, London, 1963, pp. 41-2). Mas as primeiras

considerações de Holborow em relação ao argumento de Wittgenstein sobre a

linguagem privada apontam num outro sentido no que concerne a distinção entre

reconhecimento de um objecto privado e reconhecimento de um objecto público. É que

o nosso diarista não estabeleceu um critério para a definição ostensiva interior e muito

menos um critério para a utilização do sinal E. Ayer não aprecia esta parte do

argumento de Wittgenstein porque ele defende que, neste particular, a linguagem

pública não está em melhor posição do que a linguagem privada porque o que quer que

torne a emissão de um som ou a inscrição de alguns riscos na significação de um sinal

pode muito bem funcionar em ambos os casos, quer a linguagem seja pública quer a

linguagem seja privada.

Em jeito de resposta a parte deste argumento, Holborow sublinha que em

nenhuma parte Wittgenstein afirma que fornecer uma definição ostensiva do cariz

proposto por Ayer é suficiente para que a pessoa seja compreendida e Wittgenstein

reitera que uma definição deste tipo pode ser interpretada erradamente. No início das

Investigações, Wittgenstein salienta o facto de que a nossa relação com o mundo não é

de tal forma que torne a definição ostensiva num método eficiente de ensino, no entanto,

é claramente errado supor, segundo Holborow, que Wittgenstein queira defender que só

pelo facto de eu não poder dar uma definição ostensiva de uma palavra, eu não posso ter

sucesso em atribuir um significado a essa palavra ou a qualquer outra. Isto é tanto mais

certo quanto em IF, 288, Wittgenstein descreve como é que se poderia ensinar o

significado da palavra dor a alguém que não o soubesse de todo e isto não tem nada que

ver com a definição ostensiva de um objecto.

Seguindo ainda a linha de pensamento de Holborow, Mundle faria uma tentativa

gorada de defesa de uma linguagem privada quando defende o argumento do diário

como um contra-exemplo às ideias de Wittgenstein de negação da existência de uma

linguagem privada. O diarista com problemas de estômago que o seu médico não

consegue diagnosticar faz afirmações que não são privadas em várias acepções.

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Expressões como problemas estomacais, dores de estômago ou malditas dores não são

radicalmente privadas porque nós podemos ensinar o seu uso da mesma forma que nós

ensinamos o uso da palavra dor. Porém, isto não é suficiente para sensações designadas

pela letra E, pois este sinal representaria não só qualquer tipo de dor de estômago, mas

também um tipo de sensação especial que a pessoa que a sofre consideraria

inexprimível na nossa linguagem pública.

Holborow riposta, considerando que nem Mundle nem Wittgenstein estão

totalmente certos, admitindo a existência de uma linguagem parcialmente privada. No

entanto, admitir a existência de uma linguagem deste tipo não é considerar que o

argumento wittgensteiniano do diário não é um argumento forte. O autor não está em

desacordo total com a perspectiva wittgensteiniana.

Wittgenstein socorre-se de um cenário em que uma determinada sensação daria

origem a um aumento da pressão arterial registada num manómetro. Para Holborow,

que segue o caminho trilhado por Wittgenstein, a relação da sensação com essa

alteração no organismo de alguém seria apenas uma relação de contingência porque a

subida da pressão arterial não está relacionada com esta sensação da mesma forma que

as expressões da dor estão relacionadas com a dor. Não se trata efectivamente de um

facto contingente quando gemo e contorço-me quando sinto dores muito fortes. O que

Wittgenstein quer mostrar é que uma relação contingente deste tipo não consegue apoiar

a ideia que eu terei eventualmente identificado uma sensação privada.

No caso da repetição das duas sensações já descritas (a dor de estômago

particular e a sensação associada ao aumento da pressão arterial), Wittgenstein afirma

que não há lugar para a correcção ou para o erro. Tanto no caso da sensação especial

representada pelo diarista pela letra E como no caso da sensação registada pelo

manómetro, a única razão que nos leva a considerar que eles tiveram a mesma sensação

é que eles utilizaram o mesmo sinal nas duas ocasiões diferentes. Não há lugar em

Wittgenstein para duas sensações privadas exactamente iguais. Por outro lado, esta

forma de colocar a questão não pode fazer-nos esquecer que a falta de uma justificação

independente num caso específico – e aqui Holborow coloca-se ao lado de Wittgenstein

– não impede uma afirmação que inclua uma sensação porque para Wittgenstein quando

eu, em circunstâncias normais, afirmo que estou com dores não tenho necessidade de

qualquer justificação ulterior.

Holborow imagina também um cenário. Imaginemos que duas pessoas discutem

se a intensidade de um choque eléctrico seria algo semelhante a um ataque brutal com

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agulhas e alfinetes. Provavelmente estariam de acordo que se tratava de tremores, mas a

concordância ficaria por aí porque quanto à intensidade e descrição do choque eles

estariam inclinados a dizer coisas diferentes. A sensação experimentada pelo diarista é,

no entanto, de um registo diferente do abordado neste último cenário.

Seria importante notar que, para Wittgenstein e segundo Holborow, nestes casos

ou nestes cenários, não há lugar para a dúvida: (…) duvidar se eu estou com dores não

quer dizer nada (IF, 288). Holborow vê, no entanto, estas últimas palavras como um

erro se é que está em causa a impossibilidade de alguma vez dar sentido a estas

palavras. Seria verdade que muitas vezes é de facto impossível duvidar se alguém está

com dores, mas pelo menos em casos em que alguns pacientes manifestam dores

internas, pelo menos a princípio, o grau de incerteza é maior e, para Holborow, onde há

lugar para a incerteza pode haver lugar para o erro, pelo menos a princípio. Pela nossa

parte, corroboramos esta posição de Holborow, no sentido que pode haver

efectivamente sensações internas de tal maneira particulares onde não haja lugar a

qualquer tipo de exteriorização e onde a dúvida se há alguma sensação a ocorrer se pode

colocar.

Todos estes casos citados por Holborow não implicam a retirada das objecções

iniciais do autor à ideia da existência de qualquer coisa como a privacidade radical das

sensações. Quando o autor afirma que talvez pudéssemos tomar uma sensação por

qualquer coisa que não ela, Wittgenstein recusa esta posição, no entanto, o autor

corrobora a posição do filósofo austríaco quando este defende que não há um critério

privado de identidade para as sensações. Porém, o número de casos abordados perfaz

também a extensão do desacordo com Wittgenstein, nomeadamente nos casos em que se

pode duvidar da presença da sensação.

Para Holborow, é claro, por exemplo, que Mundle se enganou ao assumir que

Wittgenstein defendia que nós nunca poderíamos falar sobre as nossas próprias imagens

mentais. Este erro resultaria do facto de ele não distinguir entre experiências

radicalmente privadas e outras experiências que são privadas num sentido menos

problemático. Uma linguagem privada dependente seria admissível para Holborow no

caso de sensações internas particularmente distintas e, como já vimos, sem uma

exteriorização, pelo menos num momento inicial.

Podemos pensar que a afirmação do diarista pode ser corroborada no futuro pelo

facto de ele ter padecido de uma úlcera e outros poderão afirmar que padeceram do

mesmo tipo de úlcera que teve associada a mesma sensação diferente de qualquer outra.

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Esta hipótese é colocada por Holborow para justificar as suas posições, mas

Wittgenstein não está tão certo disto. Wittgenstein utilizaria para se justificar a distinção

que faz em IF, 354 e 376 (ref. de Holborow), entre critérios e sintomas. A partir desta

distinção, se o tipo de úlcera sofrido corresponde a um critério para identificação da

sensação, nada de errado veria Wittgenstein nesta hipótese, mas se a úlcera sofrida pelo

paciente é apenas um sintoma associado à sensação, então há necessidade de uma

verificação independente de tal sensação. Holborow não subscreve a proposta de

Mundle que afirma que não é necessária qualquer comprovação quando se verificam

condições fisiológicas semelhantes que dariam origem a sensações semelhantes em

diferentes pessoas. Holborow, embora discordando deste princípio considerado

isoladamente, utiliza-o para subscrever que ele é útil para a confirmação das nossas

expressões da sensação e, como tal, se verificarmos também que cada um de nós é

capaz de ter a mesma sensação E, então o princípio referido poderá ser salvaguardado e

aplicado.

Mundle aceita o modelo do argumento dos escaravelhos-na-caixa (o cenário

traçado por Wittgenstein em que eu não sei se o que está na caixa é um escaravelho ou

outra coisa qualquer, acrescido do facto de não saber o que se passa nas caixas dos meus

vizinhos até dada altura) mas rejeita as suas consequências. Mas se o comportamento e

a descrição das sensações dão razões tão boas como as supracitadas para a compreensão

do que está envolvido na identificação de uma sensação, então o modelo escaravelhos-

na-caixa já não teria nenhum papel a desempenhar. Como Mundle sublinha, segundo

Holborow, é uma característica das coisas tais quais elas são que cada uma das pessoas

saiba o que é um escaravelho apenas pela observação do escaravelho que está na sua

caixa, porém Mundle também admite que podemos dizer o que está na caixa olhando

para fora dela. Deste modo, Mundle vê-se forçado a admitir que as palavras para a

sensação estão naturalmente amarradas às nossas expressões naturais das sensações (a

citação é de Wittgenstein lembrada por Holborow). Para Wittgenstein, a evidência

suscitada pelas expressões naturais das sensações não se podem desligar das palavras

para a sensação, embora ele admita, num outro contexto, que haja sensações sem

manifestações naturais, sem nunca admitir, no entanto, uma linguagem privada para

essas sensações.

Holborow, em coerência com o teor do seu artigo, procura destacar-se da

posição de Wittgenstein que afirma que a caixa não é de modo algum transparente. Para

Holborow, a caixa é, pelo menos em parte, transparente. Alguns aspectos mais gerais do

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que estaria dentro da caixa podem ser naturalmente transmitidos aos outros, mas

aspectos mais precisos do seu interior só são acessíveis ao proprietário da caixa. Para

Wittgenstein, no entanto, afirmações sobre o que está dentro da caixa não têm sentido.

Justifica-se aqui uma tomada de posição da nossa parte: só o proprietário poderá ter

acesso a pormenores peculiares que envolvam o conteúdo da caixa, qualquer que seja

esse conteúdo porque nenhuma sensação é susceptível de uma transmissão exacta.

L. C. Holborow admite como se tem visto um ataque, embora parcial, à proposta

de Wittgenstein de rejeição de uma linguagem privada defendendo uma linguagem

parcialmente privada. Ora, esta ofensiva tem por base a concepção de que uma

linguagem parcialmente privada admitiria, pelo menos, a existência de sensações

especiais – que podem ser qualia – que não teriam uma exteriorização, manifestação ou

verbalização tão óbvias como Wittgenstein admite. Admitimos que a posição de

Wittgenstein no argumento da linguagem privada não é fácil. A rejeição de uma

linguagem privada para as sensações, no entanto, corre o risco de querer tornar público

tudo o que pertence a uma interioridade que algumas vezes não encontra expressão nas

palavras da nossa linguagem comum e portanto pública. É esta visão radicalmente

exteriorista que Holborow rejeita, admitindo, muito embora, que Wittgenstein teria

razão se não radicalizasse o discurso e admitisse a existência de algum tipo de

expressões confinadas a uma expressão meramente privada. Que eventualmente

ninguém percebesse, especularíamos nós.

No sumário deste artigo que Holborow empreendeu é sublinhado que a

interpretação de Wittgenstein que ele esboçou difere da de Mundle na medida em que a

interpretação de Mundle apresenta um Wittgenstein preocupado apenas em negar o que

Holborow chamou uma linguagem privada independente, enquanto os pontos de vista

do autor diferem dos de Wittgenstein na medida em que, embora concordando que não

pode haver uma linguagem privada radicalmente independente, pode haver, contudo,

uma linguagem privada dependente.

Wittgenstein não é, segundo Holborow, apesar desta divergência, um

behaviourista em qualquer dos sentidos conhecidos relevantes e esta afirmação é

perfeitamente compatível com a insuficiência do argumento do diário e do argumento

dos escaravelhos que já foi registada por Holborow: “(…) but that he was no

behaviourist in any important sense is not only compatible with the diary and beetles

arguments, but also apparent in various other passages not mentioned by Mundle (…)”

(p. 357).

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6. Andrew Lewis e a defesa dos critérios em Wittgenstein

O último artigo a analisar deste rol de autores que mais ou menos se identificam

com a posição original wittgensteiniana tem por nome Wittgenstein and Rule-Scepticism

e é da responsabilidade de Andrew Lewis.

Nele, o autor sublinha que a ideia atribuída a Wittgenstein, em que este se

contentaria com a apresentação do paradoxo céptico, é contrariada energicamente na

continuação da secção 201 das Investigações em que Wittgenstein defende que há um

mal-entendido na forma como interpretamos uma regra, contentando-nos por breves

instantes com uma interpretação para logo depois procurarmos outra por trás daquela. O

que isso mostra, para Wittgenstein, é que há uma maneira de captar uma regra que não é

uma interpretação, mas que é aquilo que nós compreendemos como obedecer à regra ou

não obedecer à regra em casos reais.

Do ponto de vista de Wittgenstein, não somente se pode seguir uma regra sem

interpretação mas, em contraste com o que é referido no argumento céptico, quando

alguém segue uma regra deve segui-la sem interpretação. Esta noção, ainda que

arriscada, dada a maneira como Wittgenstein pensa, de dever contrasta, parece-nos, com

o ponto de vista algo céptico do filósofo quando este afirma que quando eu sigo uma

regra eu sigo-a de forma cega.

Para Wittgenstein, segundo Lewis, não usamos uma interpretação para seguir

uma regra, mas também quando a seguimos não aplicamos o nosso conceito de

identidade, não utilizamos considerações pragmáticas ou também, por exemplo, não

ouvimos vozes interiores naquilo que poderia ser uma intuição. Se nós alegássemos

qualquer uma destas razões para justificar aquilo que é seguir uma regra não estaríamos,

na perspectiva wittgensteiniana, a seguir uma regra, o que não quer dizer que nós não

possamos dar razões que justifiquem o facto de seguirmos a regra sem interpretação.

Apesar disto, podemos encontrar no artigo de Andrew Lewis, mais uma

interpretação firme da posição de Wittgenstein em relação ao seu próprio paradoxo

céptico: a perspetiva de Wittgenstein é que nós não fazemos uma escolha quando nos

deparamos com uma regra, apenas uma possibilidade se nos depara – que 1002, 1004,

1006, … é o que é exigido pela regra +2 – e, por isso, não há nenhuma escolha a fazer.

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É o treino incansável da criança, por exemplo, que lhe permite aprender a seguir

a regra +2. Se as opiniões divergissem quanto àquilo que consubstancia uma regra deste

tipo, a criança não estaria disponível para dar respostas adequadas quando questionada

sobre como prosseguir em relação à regra em questão ou em relação a qualquer outra

regra.

A perspectiva de Wittgenstein parece, à primeira vista, fornecer boas indicações

para a rejeição do cepticismo. Se nós reagimos como reagimos à regra +2 porque nós

somos um determinado tipo de criatura, vivendo num certo tipo de mundo e fomos

treinados a dar este tipo de respostas, então se nós somos ou não somos capazes de dar

razões para a forma como seguimos a regra +2 não tem nada que ver com a resposta

que damos e esta incapacidade não nos impedirá, à revelia do que pensa o céptico, de

dar uma resposta consentânea com a aplicação da regra +2.

Em apoio do céptico podia ser dito que, de acordo com Lewis,

independentemente de quantas formas testarmos se alguém tem uma capacidade

particular de adição, é ainda possível que essa pessoa possa satisfazer esses testes e

contudo não possuir essa capacidade. Então não podemos nunca estar absolutamente

certos que sabemos como continuar a regra +2, mas, do ponto de vista de Wittgenstein,

os testes apropriados para determinar se alguém tem uma capacidade particular são

critérios que avalizam a posse dessa capacidade: “(…) it is part of the meaning of `x

understands «plus 2» that if someone satisfies the requisite tests we are justified,

coeteris paribus, in asserting with perfect certainty that he has this ability. (…)” (p.

299). Esta é uma clara resposta ao paradoxo céptico que Kripke adoptou de

Wittgenstein e à correspondente interpretação behaviourista que ele faz do referido

paradoxo.

Mas, se eu estou com dores e digo realmente que estou, eu não posso atribuir a

mim mesmo procedimentos e critérios como forma de demonstrar que eu estou

efectivamente com dores, isto, claro, na perspectiva wittgensteiniana da auto-atribuição

das sensações. Neste sentido e só neste sentido, eu não sei se tenho dores porque não

tenho uma forma de saber criteriosamente se eu estou com dores. As semelhanças desta

atitude de Wittgenstein face às sensações com a atitude do céptico face às regras

mostram que Wittgenstein e ele não estão assim tão distantes quanto a tudo aquilo que

caracteriza seguir uma regra, o que não é de estranhar, para Andrew Lewis, dada a

forma como Wittgenstein entende os objectivos da filosofia.

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Todavia, na parte final do seu artigo, Lewis defende que o ideal do céptico seria

dizer que até mesmo uma criatura com uma história natural completamente diversa da

nossa seria capaz de dizer que esta ou aquela aplicação da regra seria a correcta, no

entanto, para Wittgenstein a nossa prática usual de seguir uma regra falha muitas vezes

inapelavelmente este ideal. A uma criatura de um universo completamente diverso do

nosso seria muito difícil, mesmo que treinada intensamente, replicar as nossas respostas

e perceber as nossas regras. O ideal do céptico é incoerente porque não existe algo como

uma prática não deficiente. Se Wittgenstein e o céptico se aproximam quanto à

caracterização genérica do que é seguir uma regra, distanciam-se largamente quanto à

possibilidade das regras. Neste particular, Lewis sublinha a afirmação de Wittgenstein

que aponta as reivindicações do céptico como nem sequer falsas, mas sim absurdas.

7. As razões que assistem a Wittgenstein

Depois de uma breve análise de algumas posições que apoiam, de uma forma ou

de outra e com maior ou menor discordância, a solução do paradoxo céptico proposta

por Wittgenstein, procuraremos encontrar na obra Remarks on the Foundations of

Mathematics, como forma de terminarmos esta parte da dissertação, alguns indícios que

apontem para aspectos em que o cepticismo é definitivamente afastado, bem como para

aspectos que não tomam a solução anti-céptica como irrepreensível.

Na Parte I da referida obra, Wittgenstein afirma, a dada altura, que eu respondo

2006 aplicando a regra +2 sem hesitação, mas isto não quer dizer que isto tenha sido

determinado anteriormente, e o mesmo é dizer que o facto de eu não ter dúvidas em

relação à questão não implica que ela tenha sido respondida antecipadamente. No

entanto, a ausência de uma justificação mais ou menos rigorosa ou de um princípio para

a forma como eu respondo ao problema +2 parece-nos uma lacuna do pensamento de

Wittgenstein.

Na Parte VI, secção 31., Wittgenstein coloca a seguinte questão: Como é que eu

posso explicar a natureza de uma regra a mim mesmo? A resposta passaria não por

escavar debaixo do chão, mas mais difícil seria reconhecer o chão que se nos apresenta

como chão. O facto de eu não saber o chão que calco em termos de regras e o facto de

eu não poder explicar a natureza de uma regra a mim mesmo salpicam este argumento

de Wittgenstein com alguma dose de cepticismo.

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Ainda no fim da Parte VI e no início da parte VII da obra, Wittgenstein discute

ainda o tema das regras, perguntando pela forma como é que a palavra Laje pode indicar

o que eu devo fazer quando, afinal de contas, eu posso realizar qualquer acção de

acordo com qualquer interpretação? Esta pergunta céptica tem uma resposta

concludente no início da Parte VII, secção 47.: se tudo pode também ser interpretado

como seguir uma regra, isso não quer dizer que qualquer coisa seja seguir uma regra.

Wittgenstein é ainda mais assertivo e nitidamente anti-céptico quando, ainda na

Parte V, defende que o filósofo é o homem que tem de se curar de muitas doenças da

compreensão antes de alcançar as noções adequadas da compreensão humana. Se a cura

total não é possível, a terapia pelo menos é possível, e é quase um dever do filósofo.

Na Parte VI, secção 24., da obra e finalmente, Wittgenstein salienta que

qualquer pessoa possui um conceito particular da regra, no entanto, se alguém seguir a

regra, então a partir daquele número só se pode chegar a este número. Trata-se, segundo

o filósofo, de uma decisão espontânea e não há qualquer tipo de justificação para esta

decisão. No entanto, esta sujeição ao cepticismo é apenas aparente porque o facto de se

tratar de uma decisão espontânea não significa apenas que é a maneira como eu ajo que

importa e que não se pergunte pelas razões. Podemos sempre perguntar pelas razões,

também no nosso entender.

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PARTE III

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1. Wittgenstein e o behaviourismo

Após a análise da interpretação behaviourista que Saul Kripke faz do paradoxo

céptico wittgensteiniano na obra Wittgenstein on Rules and Private Language e após o

confronto com autores que não fazem o mesmo tipo de interpretação do problema, é

altura de dar a palavra, novamente, ao próprio Wittgenstein a partir da análise de

algumas secções das IF, agora com o intuito mais claro de justificar parte da tarefa que

nos propusemos: mostrar que, em parte, Wittgenstein não rejeita liminarmente o

behaviourismo e o cepticismo, nomeadamente nas Investigações.

O paradoxo céptico de Wittgenstein sobre as regras é abordado de forma

behaviourista quando este afirma que aquilo que nos dá o direito de dizer que alguém

sabe continuar a regra são as circunstâncias nas quais essa pessoa teve uma tal vivência

(IF, secção 155). A compreensão está associada às circunstâncias e esta pode ser

considerada uma posição exteriorista. Em 157 pode ler-se que “a transformação que foi

tendo lugar quando o aluno começou a ler foi uma transformação do seu

comportamento; (…)”. Mesmo tendo em conta a ambiguidade do itálico usado nesta

ocasião, a tendência behaviourista desta afirmação não poderá sofrer muita contestação.

A publicidade invade também o âmbito do dito argumento da linguagem

privada, deste modo, a expressão desta dor que eu poderei, por exemplo, estar agora a

sentir terá necessariamente, segundo Wittgenstein, de ser pública, isto é, pertencer ao

comportamento de dor concomitante e ao respetivo jogo de linguagem.

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Também para Wittgenstein a intenção está cá fora, imersa na situação, nos

costumes e nas instituições dos homens (IF, 337). Relembremos, para o efeito, o que

significa para ele a convenção e a intencionalidade dos movimentos inerentes a jogar

uma partida de xadrez.

A técnica, perdoe-se-nos a expressão, utilizada por Wittgenstein nesta obra de

oscilação mental, ou seja, a abordagem de um problema sob vários pontos de vista,

deixa-nos, não raras vezes, com dúvidas sobre as suas reais intenções. Na secção 256,

por exemplo, a interpretação behaviourista parece algo afastada: (…) – Mas como é no

caso em que não tenho qualquer exteriorização natural da sensação? Então associo

simplesmente nomes com sensações e uso estes nomes numa descrição.

O método, se quisermos, da oscilação mental resvala algumas vezes para a

ambiguidade, todavia, parece evidente que Wittgenstein, por vezes, pensa como um

behaviourista ou, pelo menos, mostra algumas afinidades com o behaviourismo, o que é

mais nítido nesta obra do que em outras obras do autor.

Uma questão importante a colocar seria saber se existe uma interioridade

propriamente dita em Wittgenstein, mas este parece não negar a existência de um

interior quando fala, ainda que algo ironicamente, em descrições da minha vida interior.

Para Wittgenstein, tudo – ou quase tudo – o que é do foro interior terá de ser

forçosamente exprimível em termos públicos o que anula a possibilidade de existência

de uma interioridade propriamente dita com as suas convulsões, contradições e

indefinições, algumas delas inexprimíveis em termos públicos. Os processos de uma

vida mental privada seriam, para Wittgenstein, mais ou menos inessenciais ou

evanescentes, o que não quer dizer que este rejeite a noção de interior, por mais

rudimentar que seja.

2. O argumento da linguagem privada

Abordando mais explicitamente o argumento da linguagem privada temos que

em 253 é referido: Uma outra pessoa não pode ter as minhas dores. Pergunta-se pelo

critério da identidade pessoal: A que é que podemos chamar as minhas dores? Algo

como esta dor particular que eu poderia, por exemplo, estar agora a sentir não existe,

uma vez que uma outra pessoa pode sentir o que eu estou agora a sentir. Algo como

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uma dor única, irrepetível, incomunicável e, portanto, uma sensação totalmente privada

são inconcebíveis em Wittgenstein.

O célebre exemplo que afirma que a minha mão direita não pode dar dinheiro à

minha mão esquerda reflecte metaforicamente a impossibilidade ou a falta de

fecundidade de qualquer definição privada de uma palavra que seja. Definição privada

de uma palavra que poderá consistir em alguém dizer a palavra para si próprio e

concentrar a sua atenção numa sensação, no entanto, dada esta impossibilidade, segundo

Wittgenstein, qualquer definição de uma palavra que dê o nome a uma sensação terá de

ser pública.

O essencial na vivência privada, no entanto, não é que cada pessoa possui o seu

próprio exemplar (ESTA dor), mas que nenhuma sabe se outra tem isto (esta dor) ou

outra coisa qualquer. É também esta a essência do argumento do escaravelho, que

ninguém sabe se o que está na caixa do outro é um escaravelho ou outra coisa qualquer

(argumento do escaravelho).

As impressões cromáticas, a impressão cromática deste azul, por exemplo, não

pertence apenas a mim. Aponto para o azul do céu e digo para alguém que esse tom de

azul é lindo, esta é uma sensação partilhada, não é uma sensação privada, assim como

não podemos apontar para nós mesmos e dar um nome à sensação numa suposta

linguagem privada.

A falta de fecundidade de qualquer definição privada de uma palavra (a minha

mão direita não pode dar dinheiro à minha mão esquerda), o facto de eu não saber se

uma outra pessoa sente ESTA dor particular ou outra coisa qualquer e o facto de toda e

qualquer sensação ter de ser apresentada publicamente, dizem alguma coisa sobre a

inclinação behaviourista ou quase behaviourista de algumas secções das Investigações.

Wittgenstein admite que haja dor sem comportamento de dor, mas só de pessoas

vivas e do que lhes é semelhante (com comportamento semelhante) podemos dizer que

têm sensações (secção 281, p. 351). Com o exemplo característico, como já vimos, do

escaravelho na caixa – ou da sua ausência da caixa – a atribuição da palavra dor a um

fenómeno fica fora de sentido. A dor será sempre um fenómeno exteriorizável e nunca

um fenómeno privado ou particular.

Em 302, Wittgenstein rejeita a ideia de uma dor sem portador, defendida

anteriormente nas IF, porque o comportamento de dor pode apontar para o lugar da

dor – mas é a pessoa que sofre que exterioriza a dor. A dor pode, afinal, ter um

portador.

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Wittgenstein chega a ser dramático, concludente é com certeza, quando afirma

que a apresentação privada é uma ilusão (secção 311, p. 364). Fazer como que uma

ideia das dores é também uma ilusão e a afirmação privada de uma sensação é algo de

misterioso porque inconcebível em Wittgenstein. A apresentação de uma dor, por

exemplo, não passa disso mesmo: um simples e vazio acto de apresentar.

3. Novamente a questão do behaviourismo propriamente dita

Podemos reparar num assomo comportamentalista de Wittgenstein em 377 como

forma de ilustrar a sua faceta céptica. O critério de uma imagem mental – do vermelho,

por exemplo – para uma outra pessoa que não eu é o que ela diz e o que ela faz, ou seja,

o seu comportamento: Qual é o critério da vermelhidão de uma imagem mental? Para

mim, quando a outra pessoa tem essa imagem, o critério é o que ela diz e o que ela faz.

Para mim, quando eu a tenho, nada. (IF, 377, p. 391).

Se não houver circunstâncias especiais (simulação, por exemplo) que alterem a

minha interpretação, posso interpretar um certo sorriso como sendo amistoso e poderei

agir correspondentemente (IF, secção 539). A possibilidade de simulação mostra que

nem tudo poderá estar à vista no comportamento e este é um pormenor que vai contra o

puro behaviourismo. Situações de simulação que Wittgenstein parece desvalorizar, em

certa medida.

Wittgenstein reforça algum do pendor behaviourista da sua obra quando salienta

que muitas vezes podemos prever as acções de uma pessoa a partir da expressão exterior

da sua decisão. No entanto, a expressão mais explícita da intenção não é evidência

suficiente da intenção (IF, 641). A posição behaviourista é aqui recusada e é aberto

espaço à intromissão de alguma interioridade na intenção.

Na segunda Parte das Investigações Filosóficas, em iv, Wittgenstein tem uma

afirmação que nós reputamos de um behaviourismo algo esclarecedor: O corpo do

homem é a melhor imagem da sua alma. A mente de qualquer um de nós estaria

“exposta” no seu próprio corpo e o exteriorismo daquela afirmação é incontornável, o

que poderia dar origem à pergunta retórica: Será que a minha mente está de alguma

forma fora da minha cabeça?

Em 16, vi, ainda na segunda Parte das Investigações, descreve o grito, não só

como a manifestação da dor, mas também com a função de descrição de um estado de

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consciência. O grito é ainda considerado como a manifestação primitiva de um estado

de alma. Esta atitude exteriorista continua quando o filósofo austríaco afirma, óbvia e

taxativamente, que numa outra pessoa a crença é-me revelada pelo seu comportamento

e pelas suas palavras (IF, II Parte, x, 16).

Para Wittgenstein, em algumas circunstâncias, a intenção pode ser deduzida a

partir de certos factos e esta é também uma marca behaviourista, agora em relação ao

fenómeno da intenção. Afirmar algo como Só ele pode saber que intenção está a ter é

absurdo. A minha intenção é exteriorizável e, mais do que isso, pode estar perfeitamente

visível e disponível para os outros, no entanto, a simulação ou a dissimulação também

mostram que a atitude behaviourista wittgensteiniana não pode ser assim tão

contundente.

O próprio Wittgenstein mostra ainda que a intenção é relevante no contexto da

acção, citado por Elizabeth Anscombe em Intention: Eu não me envergonho do que fiz,

mas da intenção com que o fiz.

Wittgenstein dissolve, segundo G.P. Baker e P.M. Hacker em Wittgenstein

Meaning and Understanding, o problema da intencionalidade da expectativa. A

expectativa de que uma arma será disparada, por exemplo, não contém já, de uma forma

misteriosa, o facto futuro que a arma será disparada. Por isso, nem o facto do disparo da

arma satisfazer a minha expectativa que a arma seria disparada consiste em obter uma

relação peculiar entre um evento interno e um evento externo. A intencionalidade, neste

caso da expectativa, parece também estar imersa nas circunstâncias exteriores, o que

reforça claramente a posição wittgensteiniana da inexistência de uma interioridade

privada (argumento da linguagem privada).

Finalmente, o paradoxo céptico wittgensteiniano de seguir uma regra – assunto

que é um dos maiores fios condutores desta dissertação – também é abordado por estes

autores. Para Wittgenstein, como também para estes autores, nós estamos sempre

inclinados a procurar alguma coisa comum a todos os casos de seguir uma regra e

supomos que isto deve ser alguma coisa interior, isto é, alguma experiência particular

sobre algum processo mental ou sobre algum acto acompanhando o comportamento

exterior. Esta tendência seria reforçada pela ideia que as regras seriam, para os autores,

entidades abstractas. Wittgenstein utiliza, como sabemos, exemplos característicos para

atacar estes mal-entendidos sobre o que é seguir uma regra. Os aspectos qualitativos do

que é seguir uma regra são eliminados, desta forma, por Wittgenstein, tornando as

regras concretas porque exteriores.

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PARTE IV

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1. Denis McManus e uma leitura diferente do Tractatus de

Wittgenstein

Na quarta parte desta dissertação, abordaremos, a partir da análise de alguns

contributos para a obra Wittgenstein and Scepticism (WS), as relações – problemáticas –

de Wittgenstein com o cepticismo, nomeadamente com o problema das outras mentes e

com o cepticismo relativo ao mundo exterior.

Na introdução a esta obra, Denis McManus, o seu organizador, começa por

salientar que foi a Wittgenstein que muitos filósofos contemporâneos recorreram em

busca de uma resposta às ameaças de cepticismo. Alguns filósofos viram em Da

Certeza uma grande diversidade de respostas ao cepticismo e, por isso, as obras de

Wittgenstein têm sido rotuladas como uma refutação, ou mais frequentemente, como

uma dissolução do problema do cepticismo (excluiríamos o Tractatus desta discussão,

mas também é certo que as próprias Investigações Filosóficas foram lidas como uma

tentativa de dissolução do cepticismo). Uma refutação do cepticismo mostraria, por

exemplo, segundo McManus, que os pontos de vista do céptico são falsos e que, na

verdade, podemos saber que há um mundo exterior ou que podemos conhecer as mentes

alheias. Para o autor, tal objectivo não se coadunaria sem alguma perturbação com o

tema recorrente nos escritos de Wittgenstein que se resume à ideia que os problemas

filosóficos são, de alguma forma, inexistentes (Tractatus).

As respostas mais variadas ao cepticismo mostram que o céptico não é tão

inocente como aparenta ser. Uma estratégia de resposta mais ousada acrescentaria que o

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céptico está mais comprometido do que ele próprio pensa com os pontos de vista dos

quais discorda. Para Kant, por exemplo, a minha consciência no tempo permitir-me-ia,

através da consciência dos meus estados interiores, reter as coisas exteriores a mim

permitindo a consciência plena da minha existência no tempo.

Wittgenstein tem sido visto, na perspectiva de McManus, como mostrando que

uma filosofia da mente internalista e fraca é pressuposta pelo céptico em relação à

existência do mundo exterior e que uma distinção metafísica problemática entre estados

mentais e comportamento é pressuposta pelo cepticismo em relação às outras mentes.

Se assim for, segundo McManus, estas conclusões surpreendentes não serão mais

atractivas do que as perspectivas metafísicas que elas pressupõem. Outros, ainda

segundo McManus, viram no filósofo uma mudança metodológica essencial quanto ao

uso das palavras. Nos seus trabalhos iniciais, Wittgenstein seria visto como querendo

dizer que a familiaridade entre algumas palavras seria mais profunda do que aquilo que

se nos apresenta aos nossos olhos. O Wittgenstein tardio seria interpretado como

querendo dizer que os significados de palavras como saber ou duvidar variariam com o

contexto: “(…) In his early work, he argues that “surface grammatical” similarities

between words may suggest that the use of different words is more similar than it really

is. This theme is given a twist in his later work with the proposal that the very same

words used in one context might serve to say something different, or indeed nothing at

all, when invoked in another.(…)” (WS, p. 3).

O cepticismo em relação ao mundo exterior e em relação às outras mentes é

também abordado por Crispin Wright que, segundo o autor, defenderia que, embora seja

questionável se os nossos pensamentos sobre o mundo exterior e mesmo sobre as outras

mentes têm um tipo de arquitectura inferencial, Wright propõe que seria absurdo

defender que os nossos pensamentos sobre as leis naturais e sobre o passado também

não possuem esta arquitectura. A necessidade de confirmação de afirmações sobre a

existência do mundo exterior ou sobre a existência de outras mentes poderá não

implicar uma regressão infinita das mesmas, mas também não nos indica um caminho

de saída para o problema. Wright pensa que se depurarmos o pensamento do tipo de

inferências mencionado, não seríamos mais agentes racionais e como a acção racional

não é uma opção no ser humano mas sim uma necessidade, estamos obrigatoriamente

“amarrados” a este tipo de inferências.

Para McManus, o Tractatus, embora menos frequentemente debatido, no

contexto do cepticismo, do que as considerações tardias de Wittgenstein sobre este,

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oferece uma incisiva mas breve avaliação do cepticismo como não irrefutável, mas

nitidamente sem sentido (TLF, 6.51). Segundo o autor, essa acusação será mais bem

entendida apoiando-nos na crença que, implícitas nas preocupações do céptico sobre o

nosso conhecimento do mundo, estariam questões mais profundas, não admitidas pelo

céptico, acerca da inteligibilidade do mundo, questões de tipo kantiano, por exemplo,

sobre como é que o pensamento e o mundo devem ser de maneira a que o primeiro

represente o segundo.

Que Wittgenstein pode libertar-nos do cepticismo mas apenas fazendo-nos

conformar com um não menos atractivo idealismo não é uma acusação rara, segundo

McManus. Uma forma que a acusação toma, segundo McManus, é a proposta que

Wittgenstein nos afasta do cepticismo em relação às outras mentes apenas

“impingindo--nos” um certo tipo de behaviourismo em que não podemos saber da

realidade dos pensamentos alheios, quando o que temos perante nós é apenas a certeza

fugidia dos seus comportamentos: “(…) is the proposal that Wittgenstein saves us from

other minds scepticism only by foisting upon us as a species of behaviourism, dispelling

the puzzle over how we can know the reality of another´s thoughts – when all we have

available are the “appearances” constituted by their behaviour – by insisting that there is

nothing to that elusive “reality” (WS, p. 11).

Ilham Dilman, filósofo lembrado por McManus, rejeita que o Wittgenstein

tardio possa ser considerado um idealista linguístico, mas a solução sugerida pelos

defensores do realismo linguístico também não é melhor: a aplicação de palavras a tipos

seguir-se-ia de uma similaridade entre os tipos, o que só é óbvio para quem já aprendeu

a dominar uma linguagem. O idealista linguístico afirma que há uma arbitrariedade na

nomeação desses tipos e tanto uns como outros não respondem ao desafio de saber o

que está por trás da atribuição de palavras aos diferentes tipos.

No artigo de Denis McManus integrado nesta obra, intitulado Solipsism and

Scepticism in the Tractatus, o autor procura vislumbrar traços de solipsismo e de

cepticismo no Tractatus de Wittgenstein, tarefa difícil, diga-se, porque aquela obra pode

ser vista como uma certa forma de recusa do cepticismo tendo em conta o atomismo

lógico aí defendido, mas as referências e os comentários de McManus também não são

despiciendos.

McManus interpreta a proposição de Wittgenstein “o mundo é o meu mundo”

(TLF 5.62) como mostrando-se a si mesma, sendo também um comentário que, para ele,

é a chave de interpretação do solipsismo. A chave de interpretação do solipsismo não se

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esgota no entanto nesta afirmação porque dizer que os limites da minha linguagem são

os limites do meu mundo poderá também ter uma conotação solipsista porque o nosso

uso particular de um símbolo não nos ensina como é que o mundo exterior a nós é ou se

esse mundo exterior existe.

Contrariamente a esta linha de pensamento, Wittgenstein não fala do solipsismo

como sendo verdadeiro, mas apenas na medida em que o solipsismo é uma verdade,

uma vez que “o que o solipsismo significa é bastante correcto, só que não pode ser dito,

mas apenas mostrado” (TLF 5.62). O céptico, tal como, de certa forma, o behaviourista

levantam dúvidas onde não devem existir perguntas e tal estado desemboca num

verbalismo estéril, segundo Wittgenstein.

Denis McManus engendra uma resposta terapêutica ao céptico, na linha da

reinterpretação das dúvidas cépticas: o céptico responde a exigências da sua própria

metafísica confusa. Nestes termos, a teoria que ele precisa, uma teoria tal que sem ela

não podemos filosofar como o céptico, tem de ser posta de lado, abjurada. Em segundo

lugar, a terapia do cepticismo deve reconhecer que o céptico precisa de uma teoria que

lhe forneça direcção, ele não pode olhar para o conteúdo das suas dúvidas tornando-as

meras dúvidas verbais, citando a expressão de McManus. Por outro lado, uma vez que

não há nada que possa calar as dúvidas do céptico, também não é necessária uma teoria

epistemológica para responder a dúvidas deste tipo que são, para McManus, meras

dúvidas verbais.

Na conclusão deste artigo, o autor procura traçar continuidades entre a crítica

terapêutica do cepticismo (Wittgenstein incluído) e as reflexões do próprio Wittgenstein

sobre a linguagem privada, o que não se afigura tarefa fácil, mas o autor esboça um de

vários caminhos que se podem traçar. Estas reflexões wittgensteinianas põem em causa

a noção de que apenas as nossas sensações podem ser objecto de conhecimento,

contrariamente aos objectos de conhecimento do mundo exterior. Wittgenstein

acrescenta, segundo McManus, que nós temos consciência das nossas sensações porque

nós não poderemos saber o que é para alguém desconhecê-las: “ (…) Wittgenstein

challenges the notion that I know my own sensations on the grounds that we have

assigned no real sense to what it would be for someone to be ignorant of them.(…) ”

(WS, p. 156). A nós cabe-nos acrescentar que o facto de eu nunca poder ser ignorante

em relação às minhas próprias sensações não me impede de afirmar que eu conheço, sei

o que são as minhas próprias sensações ou, pelo menos, tenho uma noção mais ou

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menos exacta do que elas poderão representar para mim e – mais dificilmente – para os

outros.

Retomando o pensamento do autor sobre o cepticismo e finalmente, a

perspectiva confusa de que nós nos aproximamos irrefletidamente, nesta altura, segundo

Denis McManus, é a de uma pessoa que não estaria sequer presa dentro de um círculo

de aparências à medida que pensamos ter perdido contacto com aquelas também,

colocando questões como Como é que as coisas lhe parecem?, Como é que as coisas

são sentidas por ela?, etc. Mas tal criatura não é tão-somente ignorante, segundo o

autor, ela já não é um Sujeito, já não é mais uma criatura a quem tenha sentido

perguntar, por exemplo, Como é que isso é para si?. É uma criatura sem direcção, já

não é uma pessoa porque também já não é portador de uma identidade e de uma

interioridade indiscutível, e a quem falta também pontos de referência no exterior.

2. Andrea Kern e a reinterpretação paradoxal do cepticismo

Outro contributo para esta obra Wittgenstein and Scepticism é da autoria de

Andrea Kern e tem como título Understanding Scepticism.

Andrea Kern começa por fazer um enquadramento do problema do cepticismo e

declara que no decurso de reflexões mais aprofundadas fazemos, por exemplo, a

descoberta ostensiva que não nos é possível, em princípio, ter conhecimento do mundo

exterior ou dos estados interiores de outros sujeitos. Com Wittgenstein surge a ideia que

os problemas filosóficos levantados pela autorreflexão semeiam um tipo de confusão

que só pode ser eliminada com uma terapia filosófica. O erro aqui, de acordo com

Wittgenstein, não é que nós nos deparemos com uma falsa teoria sobre a matéria em

questão, em vez disso, ficamos perante uma confusão que resulta da forma da nossa

reflexão, cujo carácter não nos é transparente. Wittgenstein responde, segundo a autora,

aos problemas levantados pelo cepticismo não com uma teoria filosófica que resolveria

estes problemas, mas com uma terapia que poderia libertar-nos de sermos perturbados

por eles, o que não implica a rejeição de concepções afirmativas no que concerne o

conhecimento: “Philosophy is therapy, not theory. This does not imply that either

Wittgenstein himself or the present-day philosophers who in his wake advocate a

therapeutic method in philosophy, abandon positive conceptions of knowledge. (…)”

(WS, p. 200).

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A terapia filosófica proposta por Wittgenstein visa curar o espírito de

enfermidades ditadas pelos equívocos ditados pela própria linguagem. A tentação de

responder ao céptico pode ser muito forte, mas Wittgenstein não está seriamente

preocupado em resolver o problema do cepticismo, no nosso entender. O céptico,

segundo Wittgenstein e Denis McManus, por exemplo, enreda-se num emaranhado de

preconceitos linguísticos para os quais deseja uma solução epistemológica. Ele levanta

questões, segundo estes filósofos, onde elas não podem ser levantadas e de uma forma

que não lhe permite escapar a um mero verbalismo inconsequente. A noção de terapia

em Wittgenstein vai para lá da cura das enfermidades do espírito, mas no nosso

entender não nos tranquiliza totalmente em relação ao cepticismo, isto se virmos o

céptico para além do mero verbalismo e se o considerarmos enquanto duvidando

consequentemente no campo epistemológico.

Desta forma, podemos distinguir, de acordo com Andrea Kern, pelo menos duas

concepções de terapia filosófica. A primeira das quais é exemplificada pelos escritos de,

por exemplo, John McDowell, Cora Diamond e Marie McGinn. De acordo com esta

concepção, uma terapia filosófica procura dissolver o cepticismo: ela tenta mostrar que

a dúvida céptica é inteligível apenas à luz de preconceitos filosóficos que podem ser

evitados. A segunda concepção é exemplificada claramente pela obra de Stanley Cavell.

De acordo com esta, uma terapia filosófica resulta de uma operação que é

assumidamente paradoxal, uma operação que procura contornar a dúvida céptica, não a

dissolvendo, mas integrando-a no nosso pensamento: “(…) an operation that is properly

paradoxical: it seeks to overcome doubt, not by dissolving, but by affirming it.

However, as it affirms the sceptic´s doubt, it reinterprets its meaning. Its goal, then, is

not to show the sceptic that her doubt is meaningless, but that it has a meaning different

from the one she herself ascribes to it.(…)” (WS, p. 201).

De acordo com os defensores da terapia da dissolução do cepticismo, o nosso

uso de predicados psicológicos é baseado no uso que fazemos de predicados corporais.

À luz desta ideia, a nossa relação epistémica fundamental com outros sujeitos é

concebida como uma relação não com um ser humano, mas sim com um corpo humano

e só depois é que nos deparamos com a questão do que poderá estar a ocorrer na sua

mente. Porém, esta concepção, de acordo com John McDowell, não é de todo

obrigatória, ela é o resultado de uma deslocação conceptual da descrição filosófica da

nossa experiência com outros sujeitos. O céptico e o anti-céptico removem o conceito

de ser humano da sua posição central e colocam no seu lugar um conceito de corpo

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humano inventado (o termo é de McDowell) pela filosofia. Eles tentam explicar o

conceito de ser humano aproveitando este artifício filosófico, embora com uma

previsível falta de sucesso. Para o terapeuta da dissolução, o juízo experiencial que nos

pode dizer que alguém está com dores não se baseia num comportamento cujos

conceitos dizem respeito ao corpo. Em vez disso, segundo Andrea Kern, quando nos

deparamos com alguém em sofrimento, catalogamos o seu comportamento enquanto

manifestação desse sofrimento ou dessa dor: “(…) The behavioural criteria for pain,

then, are satisfied if and only if the behaviour in question is expressive of pain.” (WS, p.

205).

A base epistémica para os meus juízos sobre os outros deve ter uma forma tal

que exclua qualquer possibilidade de erro. Ainda que os critérios de verificação dos

comportamentos sejam cumpridos, a pessoa em causa pode a qualquer momento estar a

fingir sentir dores e, assim, não podemos saber se ela está realmente com dores ou se

está a fingir quando se contorce, eventualmente, com dores.

O céptico e o anti-céptico, segundo o terapeuta da dissolução, falham ao não

considerar a nossa relação com os outros do ponto de vista de um participante numa

comunidade humana e consideram-na, em vez disso, a partir do ponto de vista de um

observador cósmico, ou seja, de um observador amplo. Assim sendo, cépticos e anti-

cépticos não defendem simplesmente uma tese falsa sobre a natureza do nosso

conhecimento das outras pessoas, eles defendem também uma perspectiva falsa sobre o

nosso conhecimento. Eles defenderiam, segundo McDowell, uma perspectiva lateral ou

uma perspetiva exterior da nossa relação com os outros, isto é a causa da confusão

filosófica à volta desta questão e por isso colocamos em causa conceitos que dizem

respeito à vida interior dos outros. É disto que se trata no entender de John McDowell.

O ponto de vista do observador cósmico, por seu lado, resultaria da pressão de

determinadas forças históricas e sociais e do cientismo característico do ambiente

intelectual contemporâneo.

O terapeuta da dissolução do cepticismo avança com uma concepção de acordo

com a qual os estados interiores de uma outra pessoa não estão além da minha

experiência, mas estariam disponíveis para mim apenas indirectamente. Andrea Kern

socorre-se de Wittgenstein nas Investigações que supostamente apoiaria esta concepção

quando se refere a alguém sentindo medo, dizendo mais ou menos isto: É possível dizer

Eu leio medo na sua face mas, de qualquer forma, o medo não parece estar meramente

associado, exteriormente ligado, com o rosto; mas o medo está lá vivo nas marcas do

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rosto. Se as marcas do rosto se alterarem ligeiramente, podemos falar de uma mudança

no medo (IF 537). É possível vislumbrar nesta passagem, na nossa perspectiva, alguns

indícios claros de behaviourismo que não são assim tão raros em Wittgenstein, como,

por exemplo, quando este afirma que uma alteração no seu rosto implicaria uma

mudança no tipo de medo que a pessoa estaria a sentir. A expressão seria assim

transparente aos olhos de quem a visse.

A aceitação da concepção disjuntiva da experiência de que alguém está com

dores – a conceção que afirma que, se os critérios que demonstram o comportamento de

dor estão lá, então a pessoa está realmente com dores, se por outro lado, não existirem

tais critérios, então a pessoa não está a sentir dores – implica que aceitemos que o nosso

conhecimento não tem uma base experiencial, mas sim inferencial e, deste modo, a

dúvida céptica não seria mais inteligível, o que Andrea Kern e Stanley Cavell apoiam.

Andrea Kern, sob a influência directa do pensamento de Stanley Cavell, concebe

a terapia filosófica da dúvida céptica ou do cepticismo propriamente dito como uma

reinterpretação paradoxal dos mesmos.

A verdadeira terapia do cepticismo consistiria não na sua dissolução, mas a sua

razão de ser terá de consistir numa compreensão adequada da dúvida céptica. Esta

forma de terapia reinterpretaria o conteúdo da descoberta do céptico: a

insustentabilidade dos nossos juízos sobre os estados interiores dos outros não mostra,

de modo algum, que as nossas faculdades são limitadas, mas revela que a nossa relação

fundamental com os outros não é epistémica. A reinterpretação paradoxal da dúvida

céptica não procura responder declaradamente ao céptico, mas enquadrar e integrar as

suas angústias legítimas nos nossos esquemas de pensamento. O terapeuta da

reinterpretação distingue-se, no entanto, do terapeuta da dissolução do cepticismo, na

medida em que este procura dissolver a dúvida céptica, enquanto o terapeuta da

reinterpretação aceita a dúvida céptica embora num enquadramento diferente do

proposto pelo céptico.

Finalmente, para Kern, o terapeuta da reinterpretação admite, apesar de tudo,

que deve haver critérios para o uso de conceitos psicológicos se os nossos juízos sobre

os estados interiores dos outros têm de ter algum conteúdo, mas o facto de que há

critérios para utilizar um determinado conceito significa que há uma prática de uso deste

conceito nos juízos – tal é o acordo com Wittgenstein nesta questão. Wittgenstein

esclarece esta questão quando diz que os nossos juízos sobre os estados interiores dos

outros têm conteúdo porque somos mestres de uma técnica e, por isso, praticantes de

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um uso habitual de conceitos psicológicos (o conceito de dor, por exemplo). A

utilização do conceito de dor só faz sentido após termos aprendido pelo hábito ou pela

prática – como prefere Andrea Kern – a sua utilização, isto é, depois de termos

aprendido a responder ao comportamento de dor dos outros através da manifestação de

pena, providenciando ajuda ou dando-lhe a medicação, por exemplo. A satisfação dos

critérios será, para o terapeuta da reinterpretação, a satisfação do critério de resposta aos

outros e a satisfação do critério da expressão da dor, onde não há lugar para a colocação

de dúvidas epistémicas.

3. Edward Minar e o problema do outro

A análise deste conjunto de artigos que, entre outras coisas, relacionam

Wittgenstein ao problema do cepticismo, termina com a abordagem do artigo intitulado

Living with the Problem of the Other da autoria de Edward Minar.

O tipo de cepticismo que foi abordado ao longo destes artigos foi essencialmente

o cepticismo relativo à existência de outras mentes. Ainda em relação a este tipo de

cepticismo, Edward Minar tenta esboçar algum tipo de refutação do cepticismo quando

sublinha que podemos pensar que certos tipos de crenças e de comportamentos

fornecem boas razões para certos tipos de crenças sobre outras mentes, ou podemos

virar-nos para o nosso próprio caso e extrapolar de quaisquer correlações entre estados

mentais e comportamento para outros casos, mas, à maneira de Wittgenstein, imaginar a

partir do modelo da minha própria dor a dor de outro não é uma tarefa fácil de levar a

cabo porque tenho de imaginar dores que não sinto a partir do modelo das dores que

sinto. Este argumento de Wittgenstein não deixa dúvidas quanto às dúvidas que o

próprio levanta em relação a saber o que imaginar dores num outro portador ou num

outro Sujeito, à la McManus, possa ser.

Nesta suposta tentativa de refutar o cepticismo, Minar considera que as crenças

sobre o comportamento dos outros são epistemicamente anteriores às crenças sobre as

suas vidas interiores e tudo isto parecerá indicar que as dúvidas quanto à existência de

outras mentes estarão dissipadas. No entanto, tudo não passará de uma ilusão se

colocarmos a hipótese – que o próprio Edward Minar coloca – que o comportamento

não fornece evidência epistémica suficiente que apoie a existência de outras mentes, ou

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seja, que ele não mostra que haja uma mente por trás, como tanto o céptico pretende

saber de ciência certa.

Segundo Minar, é plausível, pelo menos à primeira vista, supor que todas as

manifestações de comportamento poderão existir independentemente de quaisquer

processos mentais particulares que elas pareçam mostrar e também é plausível supor

que um processo mental individual poderá encontrar um leque de diferentes

manifestações, se é que pode encontrar algumas em alguns casos, por isso, as crenças

sobre o comportamento são epistemicamente anteriores às crenças sobre outras mentes:

“(…) It may now seem to be a short step to the conclusion that we could have complete

knowledge of someone`s behaviour without having any knowledge of what is going on

in his or her mind.(…)” (WS, p. 223).

Reconhecemos, ordenamos e classificamos os tipos de comportamento

referindo-nos aos tipos de estados mentais de que eles são expressão. Tal como,

segundo Minar, Wittgenstein defende (IF 285) quando vemos um tipo de

comportamento como um sorriso, estamos a fazer mais do que escolher e rotular uma

categoria de configurações geométricas que surgem contra um plano de fundo oval.

Atente-se no pormenor exteriorista desta afirmação só comparável, entre outras, à

afirmação de Wittgenstein: Eu leio medo na sua face.

Será um lugar-comum afirmar que há alguns tipos de comportamento que não

são acompanhados pelos estados mentais que lhes são normalmente associados, mas o

céptico não se conforma com estas posições, para ele terá de haver sempre um estado

mental por trás do comportamento e ele não considera sequer a hipótese do estado

mental estar incorporado no próprio comportamento. É o que acontece quando dizemos

que vemos ou lemos medo na sua face em vez de dizermos que inferimos medo da face

que se nos apresenta.

Wittgenstein realça aqui algum do seu cepticismo porque, se suspendermos a

nossa capacidade de atribuir sentido ao comportamento como expressão da mente,

alteramos o contexto com o qual estamos a lidar e só através disto criamos a

necessidade de uma perspectiva geral à qual Wittgenstein resiste.

Minar não aceita que a independência lógica entre os estados mentais e os

respectivos comportamentos e que a posição do céptico – que defende que se deve

demonstrar a existência de estados mentais por trás dos comportamentos – obscureça a

ideia da inexistência de um fosso epistemológico entre estes dois domínios. Stanley

Cavell, segundo Minar, aprovaria, no entanto, a existência de uma verdade no

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cepticismo: a nossa relação com os outros não é uma relação de cariz epistémico. Tal

não representa uma falha da nossa parte, mas significa que as restrições no nosso

relacionamento com os outros não implicam uma limitação metafísica da nossa

capacidade de conhecer.

Wittgenstein lembra-nos amiúde que conceitos mentais como dor estão

intrinsecamente ligados à expressão do comportamento e que aprendemos como utilizar

o conceito de dor na nossa linguagem por referência a um leque variado de

comportamentos que exprimem a dor ou diferentes tipos de dor. Mais uma vez, nós

podemos ver ou ler dor no comportamento apresentado pela pessoa que sofre.

No que respeita às nossas atitudes para com os outros, Minar não é menos

eloquente do que Wittgenstein porque, para ele, a mudança de questões sobre as nossas

atitudes e relações para com os outros abandona o caso do céptico quando se torna a

nossa capacidade de resposta o cerne do problema. Eu posso ou não desejar e ser capaz

de providenciar ajuda, conforto e simpatia em relação à dor do outro, mas o meu

reconhecimento das exigências que as suas expressões me colocam e a minha noção de

saber o que conta como uma reacção adequada são inseparáveis da minha compreensão

do que entendo por dor. Esta explicação, parece-nos, não elimina o cepticismo em torno

da questão da dor, tal como quando Wittgenstein afirma que é a minha pena e não a dor

do outro propriamente dita o móbil da minha compreensão e da minha ajuda, o que

parece também anular o fenómeno da dor do ponto de vista epistémico ou de um ponto

de vista epistemológico, isto numa terminologia filosófica mais precisa.

Stanley Cavell considera esta situação particular ou esta pessoa particular como

aquilo que está em questão. Tudo isto torna a mudança de paradigma proposta por

Cavell como uma parte da contingência inerente às nossas vidas e não como a

consequência das nossas reflexões sobre a limitação das nossas capacidades. Devemos

estar preparados para enfrentar uma névoa de desconhecimento existencial e devemos

estar preparados para o resultado, à primeira vista chocante, de, por exemplo,

reconhecermos que uma pessoa nossa conhecida não nos é tão familiar como

pensávamos. Isto é parte da essência da vida quotidiana e não há aqui nenhum problema

epistemológico a considerar. O que motiva erradamente o céptico é o seu desejo de

generalização relativo às ansiedades e preocupações que nos ligam aos outros na vida

quotidiana, e as suas dúvidas em relação aos outros só mostram a sua relutância em

aproximar-se dos outros, levantam uma dúvida metafísica onde ela não deve existir e

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tentam tecer uma teia filosófica fora dos nossos interesses quotidianos e mais prosaicos

(aqui o senso comum afigura-se-nos inultrapassável).

Concluindo o seu artigo, Edward Minar reconhece que, apesar do céptico negar

todo e qualquer conhecimento, esta negação exprime um desejo compreensível – e mais

vulgar do que se pensa – de legitimar o rigor das nossas relações com os outros, no

entanto, muitas vezes, não estamos longe de reconhecer o seu fracasso: “To live our

scepticism is to read our ignorance of others, our failures of intimacy and

understanding, as out of our hands.” (WS, p. 236).

O balanço destes artigos sobre a relação entre Wittgenstein e o cepticismo

poderá ser de algum espanto, mas o facto de Wittgenstein ter algumas afinidades com o

cepticismo não poderia ser assim tão surpreendente dada a ambiguidade ou a

contradição de algumas das suas afirmações importantes (vide, por exemplo, Eu sou o

meu mundo, TLF, 5.62), quer seja no Tractatus, quer seja nas Investigações Filosóficas.

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PARTE V

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Na Parte V desta dissertação procuraremos aproximar-nos de algumas das

posições filosóficas de Stanley Cavell e de outros autores que o apoiam, nomeadamente

em relação ao cepticismo e em relação a algumas posições de Wittgenstein e de

filósofos que também o apoiam, relembrando que algumas destas posições são vistas

por aqueles como não resolvendo o problema do cepticismo.

1. Stanley Cavell visto por Denis McManus

Um dos autores que apoiam as posições de Cavell é, como já vimos, Denis

McManus para quem Cavell interpretou Wittgenstein como ajudando a expor alguma

verdade no cepticismo e a expor a possibilidade que, no caso das outras mentes, nós

possamos viver com o nosso cepticismo. Apesar disso, a obra de Wittgenstein tem sido

rotulada tradicionalmente, aliás como já vimos, como uma refutação, ou mais

frequentemente, como uma dissolução do cepticismo.

As questões levantadas pelo céptico não são, por isso, despiciendas, já que este

suscita questões pertinentes, como as que coloca em relação às outras mentes, ao mundo

exterior, ao passado, etc., e este preparou-se com o arsenal teórico resultante de um

trabalho vasto de reflexão filosófica. As questões levantadas pelo céptico, da forma que

ele as coloca, não têm pura e simplesmente uma resposta clara.

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Em relação às dúvidas sobre a existência do mundo exterior, para McManus,

uma resposta possível ao céptico seria considerar que, se o pensamento e as palavras do

céptico devem ser inteligíveis, deve então haver, pese embora o céptico, uma

comunidade de outras pessoas e um mundo exterior para elas o povoarem, naquilo que

seria uma boa forma de responder às dúvidas do céptico em relação à existência de um

mundo real, exterior, independente e continuado. Este argumento em defesa da certeza

da existência de um mundo real, exterior, independente e continuado parece partir

somente do pensamento e da linguagem de alguém tomado isoladamente, mas como a

sua inteligibilidade carece de aprovação de uma comunidade que habitaria o mundo

exterior, o argumento parece-nos, pelo menos aceitável, quanto à existência de uma

comunidade de outras pessoas. Não nos parecerá tão avisado aceitá-lo como justificação

da existência de um mundo exterior, porque extrapolar da existência das pessoas para a

existência do mundo exterior parece-nos um salto algo arriscado.

Em relação ao problema das outras mentes, ainda de acordo com McManus e a

sua leitura de Cavell, o céptico, da maneira como é lido por Cavell em Wittgenstein,

epistemologiza o problema das outras mentes, acrescentando um problema cognitivo, ou

seja, gnoseológico aos problemas existenciais que caracterizam o que é realmente

conhecer alguém, sentir que alguém já não conhece outra pessoa, sentir-se enganado

pela forma como alguém se comporta, etc.

O cepticismo em relação à existência de outras mentes e o cepticismo em relação

à existência de um mundo exterior toma por vezes contornos bizarros. Uma das

analogias lembradas por Denis McManus é proposta por Dretske e Nozick, em que estes

afirmam que se o céptico insiste em duvidar da existência do mundo exterior é porque

ele não sabe se ele não é apenas um cérebro num recipiente, o que, diga-se de passagem,

poderá ser incompatível com a afirmação da existência de um mundo que me seja

familiar. Neste âmbito, McManus lembra ainda Crispin Wright quando este afirma que

não podemos correr o risco de desistir de juízos que envolvam proposições contra o

cepticismo porque, se assim fosse, nunca nos encontraríamos numa situação em que a

partir de um certo domínio ou de um certo estado de coisas poderíamos extrapolar para

um outro domínio para além dele mesmo.

O cepticismo em relação ao passado revela-se em Wittgenstein nas IF,

essencialmente em 472 e 478, onde o filósofo sublinha a crença na uniformidade da

natureza que se revelaria, por exemplo, nas sensações que precedem uma dada

expectativa. Assim, a crença na uniformidade da natureza e o reconhecimento da

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importância do passado, embora relativizada, é deste modo apresentada: Nada me pode

levar a pôr a minha mão na chama, embora eu só me tenha, de facto, queimado no

passado (IF 472). Em 478, o cepticismo em relação ao passado prossegue o seu

caminho quando Wittgenstein pergunta que tipo de fundamento é que tenho para crer

que será com dor que cravo a ponta de um lápis na mão. Uma resposta céptica de tipo

humeano seria considerar o hábito como origem dessa crença.

Denis McManus, que defende que mesmo no Tractatus há indícios de

behaviourismo associado ao cepticismo, salienta que, embora mais raramente discutido

que as reflexões tardias de Wittgenstein sobre o cepticismo, o Tractatus oferece-nos

uma corajosa mas pequena avaliação do cepticismo como irrefutável, mas claramente

sem sentido, como já salientámos de resto (Parte IV, p. 61).

Se, tal como Wittgenstein afirma, eu sou o meu mundo, então o céptico,

contemplando a eventualidade desse mundo não existir, está a contemplar uma situação

em que o sujeito seria negado, não só o seu conhecimento, mas também o meio para a

sua existência: o céptico está à procura de uma prova da existência de alguma coisa sem

a qual as suas dúvidas não seriam possíveis. Assim, McManus defende – e nós

corroboramos a sua tese – que o céptico tenta duvidar numa zona de pensamento onde

nenhuma questão pode ser levantada. Esta firme posição anti-céptica mostra não só que

o cepticismo poderá não ter sentido, mas também, segundo McManus, poderá ser

refutável e desmontável, embora esta suposição seja assumida por nós enquanto vemos

o cepticismo e as suas várias formas como não tendo utilidade prática e como não

contendo em si nenhuma posição definitiva – e de outra forma não poderia ser – sobre a

existência ou não do mundo exterior ou sobre a existência ou não de outras mentes. A

dúvida sobre estas matérias pode ser apenas reflexiva e provisória pois o mundo lá fora

e os outros impõem-se-nos irremediavelmente.

2. De novo a reinterpretação da dúvida céptica

Outro dos autores que têm afinidades com o pensamento de Stanley Cavell sobre

o cepticismo é, também tal como já vimos, Andrea Kern. De acordo com esta, uma

verdadeira terapia de combate ao cepticismo filosófico não passaria pela sua dissolução,

como pretendem filósofos mais próximos das posições de Wittgenstein, mas por uma

operação que seria assumidamente paradoxal: tal operação procuraria ultrapassar a

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dúvida céptica, não a dissolvendo mas afirmando-a, como já destacámos anteriormente.

Porém, esta posição, para além de reiterar a dúvida céptica, reinterpreta o seu

significado. O objetivo desta posição não é mostrar ao céptico que a sua dúvida não tem

sentido, mas que esta tem um significado diferente daquele que ele lhe atribui. A dúvida

do céptico, para Cavell bem como para Andrea Kern, contém uma verdade

incontestável, uma verdade que o próprio céptico, no entanto, não pode compreender já

que, como já vimos também, ele levanta questões numa área do pensamento onde elas

não podem ser levantadas.

Andrea Kern refere, contra os apoiantes de Wittgenstein, que, se a terapia

filosófica for conduzida pelo objectivo de dissolver o problema levantado pelo

cepticismo, ela não pode evitar ser remisturada no turbilhão do problema que ela queria

eliminar e cair nos preconceitos que ela mesma tinha apontado ao cepticismo. No

entanto, Andrea Kern crê que Wittgenstein, apesar de tudo e também na nossa

interpretação, não pretende dissolver o problema do cepticismo, mas fornece um tipo de

terapia em que os critérios desempenham um papel crucial na rejeição da dúvida

céptica.

Os defensores da terapia da dissolução do cepticismo afirmam que o conteúdo

da minha experiência de outra pessoa e o conteúdo do meu juízo em relação ao estado

interior dessa pessoa são uma e a mesma coisa. Desta forma, critérios comportamentais

dizem-nos, de forma claramente plausível, que este ou aquele estado interior existe.

Será uma consequência desta compreensão dos critérios que eu não posso estar

mais certo que os critérios de um determinado estado interior são satisfeitos do que eu

estou certo que um estado interior correspondente existe. A observação que outra pessoa

está a exprimir dor e o juízo que ela está com dores não são logicamente independentes

um do outro, poderei estar certo da validade da observação à medida que estou certo da

validade do juízo e a situação inversa também é verdadeira. Juízo e comportamento

estariam de tal maneira imbricados que isto corresponderia, segundo Kern e lembrando

Gadamer, a um círculo hermenêutico. Deste modo, a terapia da dissolução relega o

céptico para um estado menor: de observador cósmico para elemento integrante de uma

comunidade humana que observa comportamentos e emite juízos.

No entanto, a concepção do terapeuta da dissolução que afirma que a nossa

experiência dos estados interiores se manifesta no comportamento, longe de dissolver o

cepticismo, apenas reinstala a dúvida céptica. Os critérios para a dor, por exemplo,

serão satisfeitos se o comportamento em causa representa de alguma forma a dor e isto

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implica uma concepção disjuntiva da experiência, ou seja, a conceção que afirma que,

se um juízo sobre a dor, por exemplo, está correcto, então as evidências dadas na

experiência consistem no facto que o critério ou os critérios para a dor são cumpridos,

por seu lado, se o juízo é incorrecto, tal consiste no facto que os critérios apenas

parecem estar a ser cumpridos. Parafraseando Stanley Cavell, esta concepção não nos

conduz a resultados palpáveis porque ela pode preservar a certeza da ligação entre um

critério e aquilo de que é um critério apenas à custa de nunca sabermos com certeza se o

critério é satisfeito e se aquilo a que ele pertence está lá. O critério poderá estar na

melhor das hipóteses a ser satisfeito de forma aparente e esta aparência não pode

convencer Cavell.

A concepção disjuntiva da experiência parece aos olhos do céptico um fracasso e

parece não responder ao seu problema de forma adequada. A concepção disjuntiva da

experiência pode explicar por que é que os critérios nos podem fornecer a certeza em

relação aos estados interiores de outros sujeitos deixando também por resolver a questão

que se resume a como é que nós podemos estar certos que um critério nos é dado na

experiência. Não temos uma maneira de saber se a situação é tal que os critérios para a

dor são satisfeitos ou se a situação é tal que os critérios apenas parecem estar a ser

satisfeitos.

A terapia filosófica não pode consistir numa dissolução da dúvida céptica. Em

vez disso, a razão de ser da terapia filosófica terá de consistir em conduzir-nos a uma

compreensão adequada dessa dúvida. Enquanto a terapia da dissolução tem como

objectivo conduzir o céptico a uma concepção do nosso conhecimento em que a sua

dúvida não mais tenha lugar, a terapia da reinterpretação, advogada por Kern apoiada

em Cavell, tem como objectivo conduzi-lo a uma concepção do nosso conhecimento

que desarma a sua dúvida exactamente através da sua reinterpretação. Ao afirmar isto, o

terapeuta da reinterpretação reformula o conteúdo da descoberta do céptico: a

insustentabilidade dos nossos juízos sobre os estados interiores dos outros não prova

que as nossas faculdades são limitadas, mas revela que a nossa relação essencial com os

outros sujeitos (o termo é cavelliano adoptado por Kern) não é epistémica mas sim

existencial.

O anti-céptico e o terapeuta da dissolução partilham a ideia de que critérios

corporais constituem o conteúdo de juízos sobre os estados interiores de outras pessoas

e porque os critérios desempenhariam este papel transcendental, desempenhariam

também um papel epistémico. Os critérios atribuem conteúdo aos conceitos sobre

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estados interiores e, deste modo, fornecem uma base epistémica aos juízos sobre esses

mesmos estados e esta é a essência da premissa partilhada pelo anti-céptico e pelo

terapeuta da dissolução identificada pelo terapeuta da reinterpretação: é a premissa que

afirma que os nossos juízos sobre os estados interiores de alguém precisam de uma base

epistémica e que a satisfação dos critérios fornece essa base.

Ainda de acordo com as traves-mestras da terapia da reinterpretação, a ideia que

os critérios são o meio através do qual a existência de alguma coisa é estabelecida com

certeza – naquele que é talvez o exemplo mais paradigmático, que os critérios que

delimitam a existência da dor são o meio pelo qual podemos saber com certeza se outra

pessoa está com dores – constitui a verdadeira raiz da dúvida do céptico e da ansiedade

que o perturba porque os critérios nem sempre são fidedignos. A dor pode, por exemplo,

estar a ser fingida (como acontece com os actores no palco), mas o facto de nós termos

de usar o conceito de dor sempre que a dor está a ser apenas fingida para dizer o que é

que alguém está a fingir, mostra em que é que o conteúdo dos critérios deve consistir: os

critérios para se dizer que alguém está com dores identificam-se com a aplicação do

conceito de dor, quer seja no contexto em que alguém finge estar com dores, quer seja

no contexto em que alguém está realmente com dores. Os critérios não nos permitem

obter a certeza que alguém não finge meramente a dor e que está realmente com dores.

Os critérios só nos permitem identificar o que é que alguém está a fingir ou a

experienciar realmente enquanto dor.

Não há nenhuma razão epistémica (saliente-se aqui que o termo epistémica é da

exclusiva responsabilidade dos autores em causa) nos nossos juízos sobre a existência

da dor porque não há, digamos, nenhum passo a ser dado da identificação da dor para a

sua existência. O facto de não haver razões epistémicas para os nossos juízos sobre a

existência dos estados interiores dos outros não significa que há alguma coisa que falha

em ser justificada, mas que não há nada para ser justificado. Mais uma vez, a nossa

relação com os outros não é epistémica mas sim existencial.

Na interpretação de Andrea Kern, Cavell faz o seguinte reparo: o apelo de

Wittgenstein para os critérios, embora extraia a sua importância do problema do

cepticismo, não pode ser considerado uma refutação do cepticismo, pelo menos segundo

a forma que é comum pensar que uma refutação deve ter. Quer dizer, esse apelo não

refuta as teses concludentes do cepticismo, nomeadamente as teses que defendem que

nós não sabemos a certeza da existência do mundo exterior e, já agora, da existência de

outras mentes. Pelo contrário, Wittgenstein reitera essas teses ou toma-as como

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inegáveis e altera desta forma a sua importância, passando agora essas teses a significar

qualquer coisa como isto: a nossa relação com o mundo ou com os outros não é uma

relação de conhecimento onde o conhecimento surge como qualquer coisa certa. No

entanto, parafraseando Wittgenstein, também é verdade que nós não falhamos em

conhecer tais coisas. Mais acrescentaríamos nós: o nosso conhecimento do mundo e dos

outros em geral é um conhecimento instável e pode ser suspenso reflexivamente, mas é

um conhecimento que nos permite o estabelecimento das relações com o mundo exterior

e também com os outros. Sem este conhecimento instável, mas que não deixa de ser um

conhecimento, não nos adiantaria qualquer conhecimento interior, por muito que esse

conhecimento se bastasse a si mesmo, porque faltar-nos-ia direcção, como salienta

McManus. Este assunto voltará a ser abordado na conclusão desta dissertação mais

pormenorizadamente.

No que à relação da filosofia com o cepticismo diz respeito, Cavell salienta que

– e isto é inteiramente do nosso agrado – se os filósofos e a filosofia não assumissem a

perspectiva de um observador, não teriam realmente nada do que se ocupar e este

argumento vai claramente contra as ideias defendidas pelos defensores da terapia da

dissolução do cepticismo, entre eles John McDowell, que advogam que o combate ao

cepticismo pela filosofia só faz sentido quando os filósofos abandonam o lugar de

observadores cósmicos e se integram na comunidade humana à qual pertencem.

O facto de, na postura filosófica adequada, se recuar como observador não

significa que a reflexão filosófica termine necessariamente no cepticismo. Segundo

Andrea Kern, a filosofia é apenas uma condição necessária para o cepticismo e não uma

condição suficiente. Acrescentaríamos ainda, inversamente, que o cepticismo poderá ser

uma condição necessária à reflexão filosófica em determinadas situações, mas

raramente é uma condição suficiente para a reflexão filosófica e as excepções estarão

entre as posições mais arreigadas, claramente anti-filosóficas na sua essência, de alguns

tipos de cepticismo e provavelmente entre os existencialistas mais pessimistas.

Ainda quanto à relação da filosofia com o cepticismo, uma nota de alguma

assertividade: nenhuma reflexão filosófica propriamente dita sobre o nosso

conhecimento dos estados interiores dos outros poderia realmente começar sem

reconhecer que os sujeitos usufruem de uma prática de emitir juízos em que em alguns

desses juízos, por exemplo, estados interiores são atribuídos a outros sujeitos.

Na sua investigação filosófica, o céptico não somente recusa a nossa prática de

emitir juízos de forma a obter uma compreensão reflexiva, mas fá-lo também sem

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consciência do que está a fazer. Numa altura destas, ele está cego em relação ao facto

que a sua reflexão filosófica sobre a nossa prática começa precisamente com tal retirada

da nossa prática. Desta cegueira em relação ao carácter da sua reflexão filosófica resulta

que o céptico é obrigado a negar o conhecimento a que ele não pode fugir: o

conhecimento que está implícito na sua resposta prática ao mundo e aos outros em

geral. Defendemos que esta é uma resposta importante ao céptico, proporcionada por

Andrea Kern em termos cavellianos, mas esta resposta é uma resposta prática – tida em

conta enquanto nos consideramos agentes no mundo – ao cepticismo e não se pode

encará-la como uma tentativa de dissolução dos problemas levantados pelo céptico. No

entanto, podemos ter sempre a tentação de responder ao céptico, tentativas que, do

ponto de vista epistémico, podem, em certas alturas, sair frustradas.

Por outro lado, interpretar Cavell como aceitando, de alguma maneira, as

dúvidas do céptico é vê-lo através de lentes cépticas, é tomar por garantido o que ele

pretende recusar, ou seja, o aparato conceptual do céptico que quer fazer crer que as

concepções de certeza, evidência, conhecimento, etc., são directamente aplicáveis às

nossas relações mais prosaicas com o mundo e com os outros em geral.

No entanto e de acordo com Edward Minar, os pontos de vista cépticos não são

pontos de vista de somenos importância: trata-se de uma perspectiva respeitável que nos

obriga a saber de onde partimos e com o que devemos contar. Trata-se também de uma

perspectiva que também nos obriga a dar como incertos preconceitos arreigados em nós

sobre a nossa relação com o mundo e sobre a nossa relação com os outros. Preconceitos

equivalentes a certezas sobre o interior dos outros ou sobre o mundo e a sua natureza

intrínseca, natureza esta que é sempre polémica, todavia este tema daria uma outra

dissertação que iria para lá do estrito domínio filosófico.

Para terminar a abordagem que Stanley Cavell faz dos problemas levantados

pelo cepticismo segundo a interpretação de autores que o apoiam, existe uma oposição

de princípio entre o cepticismo relativo ao mundo exterior e o cepticismo em relação à

existência de outras mentes. Não podemos chegar ao cepticismo sobre as outras mentes

da mesma forma que chegamos ao cepticismo em relação ao mundo exterior. No que

diz respeito ao mundo exterior, uma abordagem rudimentar permite-nos considerar que

não podemos conviver com esse tipo de cepticismo, sob pena de nos imobilizarmos,

enquanto uma abordagem reflectida ao problema das outras mentes permite-nos

concluir que, na prática, nós podemos conviver com este tipo de cepticismo.

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A abordagem ao problema das outras mentes pode ser, portanto, uma abordagem

reflexiva: podemos suspender os nossos juízos sobre a sua existência e podemos em

consequência duvidar da sua existência com razões que igualam em firmeza a afirmação

que nós não falhamos na prática esse tipo de conhecimento, assim como não falhamos

na prática o conhecimento do mundo exterior. Podemos conviver, segundo cremos, com

algum tipo de cepticismo no que concerne as outras mentes, ainda que essa dificuldade

de convivência tenha uma origem eminentemente filosófica, não podemos, segundo

Andrea Kern e do nosso ponto de vista, duvidar de forma prolongada da existência de

um mundo exterior real, independente e continuado sob pena de nos imobilizarmos ou

até sob pena de pormos em causa a nossa existência quotidiana vulgar. No entanto, estes

dois tipos de cepticismo, com maior ou menor acuidade, serão sempre motivo de acesa

discussão.

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CONCLUSÃO

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A vida quotidiana não se compadece com dúvidas filosóficas em relação à

existência do mundo exterior porque a nossa relação com os objectos não é

prioritariamente uma relação reflexiva, parece-nos, enquanto em relação à existência

das outras mentes o quotidiano não nos impede de reduzir e integrar essas dúvidas na

nossa existência, sendo que a nossa relação com os outros pode ser, em determinadas

alturas, uma relação reflexiva.

Levar o céptico a sério, apesar da sua prontidão para fazer generalizações, é um

sinal de inteligência porque a sua desilusão com o conhecimento permite-nos

racionalizar e tornar mais rigoroso o nosso relacionamento – ainda que reflexivo – com

os outros e – menos no entanto – com o mundo. Podemos viver o nosso cepticismo,

apesar da corrosão do conhecimento que o céptico pretende operar.

Cremos, no entanto, e ao contrário de Cavell, que a nossa relação com os outros

pode ser uma relação epistémica porque por trás de um rosto que se me apresenta posso

ter a crença, a partir do modelo do meu próprio caso e através da minha imaginação, que

há uma outra mente para além da minha. Porém, não acreditamos que Wittgenstein

dissolva o problema do cepticismo – e no fundo também não o pretende – como bem

salienta Denis McManus, nem em relação à existência do mundo exterior, nem em

relação à existência de outras mentes porque o seu discurso, nestes domínios, é

contraditório, ora oscilando, no caso do mundo exterior, entre um solipsismo e um

quase realismo – realismo patente, por exemplo, no exteriorismo das formas de vida –

ora oscilando, no caso das outras mentes, entre um certo internalismo que não recusa a

existência de um interior e um quase behaviourismo quando afirma, por exemplo, que o

corpo e o seu comportamento são a melhor imagem da alma de uma pessoa.

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No âmbito do argumento da linguagem privada, Wittgenstein defende que

independentemente de uma prática de resposta a alguém com dores a ideia que alguém

está com dores não faz sentido. Do nosso ponto de vista, não é só a prática de resposta a

pessoas com dores que nos leva a pensar que alguém estará com dores: a nossa

coexistência enquanto seres humanos, o facto de partilharmos alguns dos mesmos

sentimentos e sensações obriga-nos a ter compaixão por essa pessoa, é por partilharmos

parte desta sensibilidade, de um ponto de vista existencial (Edward Minar) se

quisermos, e não só pela prática mecânica da resposta, que nós agimos quando alguém

está a sofrer e, em muitos casos, nós sabemos que alguém está a sofrer com dores,

apesar dos casos excepcionais de simulação. Os casos de simulação ou de dissimulação

não são muito explorados por Wittgenstein talvez porque ele pense que isso o colocaria

mais do lado do céptico, mas os casos excepcionais de simulação não põem em causa a

certeza da nossa relação com os outros, quer ela seja existencial ou mesmo epistémica.

No entanto, no entender de alguns autores referidos nesta dissertação – e é isso

que sobretudo interessa -, a nossa relação com os outros é existencial e não epistémica,

mas também é certo que, segundo Wittgenstein, nós não falhamos no conhecimento do

mundo, por exemplo, e, no entender de Denis McManus, um Sujeito sem esse

conhecimento seria um Sujeito sem direcção.

A leitura solipsista que McManus faz, nomeadamente do Tractatus de

Wittgenstein, e o consequente cepticismo em relação a mentes alheias e ao mundo

exterior (Eu sou o meu mundo) mostram o tom que perpassa esta dissertação no que

toca a Wittgenstein, o que não quer dizer que o consideremos um céptico porque o tom

das Investigações – embora perpassado por algum cepticismo e algum behaviourismo –

já não é o tom de quem está a escrever para depois, parafraseando Wittgenstein, subir

por uma escada, ver o mundo a direito e deitar fora a mesma escada que lhe permitiu

subir.

Andrea Kern, na interpretação que faz de Stanley Cavell, faz, como já vimos,

uma reinterpretação paradoxal da dúvida céptica porque o céptico coloca questões

ininteligíveis à luz daquilo que entendemos, latu sensu, por mentes alheias e mundo

exterior. Através da sua reinterpretação, Cavell coloca a dúvida céptica nos termos que

ela deve ser colocada, ou seja, reintegra a dúvida céptica dentro do curso normal dos

nossos pensamentos. Andrea Kern partilha com Wittgenstein a preocupação com os

critérios que justificam a aplicação de conceitos psicológicos como, por exemplo, a dor

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e tal preocupação é atenuada com o conceito de uso uma vez que nós somos mestres de

uma técnica (Wittgenstein) sempre que utilizamos este tipo de conceitos.

Edward Minar salienta também, na linha de Stanley Cavell, a relação existencial

– e não epistémica – que nos une aos outros e aquilo que é entendido por ele como o

problema do outro nada mais é em, última instância, do que a dificuldade que cada um

de nós sente em ultrapassar certas barreiras no caminho para o encontro, ou seja, para a

relação com os outros. Minar defende a posição do observador cósmico, tal como

Cavell, como a melhor maneira de contrariar o cepticismo, através daquilo a que

poderíamos chamar uma participação distante na comunidade que constitui a soma de

todos os outros.

Voltando ao paradoxo céptico wittgensteiniano, como já afirmámos um dos mais

importantes fios condutores desta dissertação, temos a acrescentar que a interpretação

kripkeana behaviourista do paradoxo será a mais ajustada porque Wittgenstein, talvez

sem o pretender, não consegue afastar o pendor behaviourista de alguns dos seus

argumentos, como foi referido ao longo da dissertação. No entanto, em Remarks on the

Foundations of Mathematics, o filósofo deixa a porta aberta à hipótese de um princípio

que resolveria o paradoxo céptico, que não passaria de uma tentação mas que, no

entanto, poderia dissolver o cepticismo neste caso que, ao contrário do que muitos

autores defendem, Wittgenstein parece-nos não conseguir fazer. Esta ideia está

plasmada na secção 21., Parte VI, da obra supramencionada numa frase traduzida por

nós do inglês: Porque aqui há uma grande tentação em dizer algo mais quando tudo foi

já descrito. A tentação de responder ao céptico não é só uma inclinação

wittgensteiniana, mas é também uma inclinação daqueles – filósofos ou não – que não

se contentam com afirmações, quer tenham a forma de juízo de valor ou não, negativas

ou radicais sobre a realidade envolvente.

Na linha do pensamento wittgensteiniano de solução do seu paradoxo céptico,

temos autores como Alex Byrne, para quem querer dizer adição através do sinal + não

é o facto superlativo inicial e comumente procurado. Temos de nos contentar com

afirmações arbitrárias no que às regras diz respeito. Wittgenstein não diria melhor.

Ainda em relação ao paradoxo céptico, Warren Goldfarb defende que, quanto a seguir

regras, nós falamos e agimos e isto está implícito em tudo o que dizemos sobre as

regras. Não podemos esquecer também que, para Goldfarb, o verdadeito argumento da

linguagem privada está na secção 258 e seguintes das Investigações, em clara oposição

à perspectiva de Kripke, para quem o verdadeiro argumento da linguagem privada teria

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de ser encontrado nas secções anteriores à 258. Esta posição de Kripke é menos

ortodoxa e para Goldfarb essas secções apenas seriam úteis para a fixação da correcção

do significado. Goldfarb está mais próximo da defesa daquilo que entendemos como o

verdadeiro argumento da linguagem privada.

Paul A. Boghossian tenta à sua maneira desenvencilhar-se do paradoxo céptico,

propondo que as explicações em termos de atitudes proposicionais como crenças,

desejos, etc., podem-nos levar a defender que as propriedades de conteúdo

desempenham uma função causal na explicação da acção intencional. Explicado desta

forma, o paradoxo céptico parece mitigado, mas não é assim de facto. Philip Pettit

propõe uma resposta menos afirmativa: para que qualquer regra seja seguida ela tem de

ser pública. A publicidade das regras faz parte, quanto a nós, da solução céptica vista

por Kripke em Wittgenstein, solução que passaria pelo acordo da comunidade quanto à

utilização ou não da regra.

Philip Pettit, para além da conclusão geral acima, retoma a questão dos erros de

computação ou de cálculo no que a seguir regras diz respeito. Para ele serão suficientes

a explicação de como é para um seguidor ver-se a si mesmo como tendo cometido um

erro e a tentativa de explicação de como é que podemos ver que a sua inclinação falhou.

Isto não resolve, obviamente, o paradoxo céptico porque continua a faltar um facto –

superlativo ou não – que sustente o deslindar do paradoxo céptico. Já Saul Kripke, na

análise disposicionalista do problema céptico, afirmara que a maioria de nós tem

disposições para cometer erros. No entanto, o disposicionalista não pode afirmar uma

coisa destas: estaríamos dispostos a responder de uma forma diferente da tabela

convencional e isso não teria nada que ver com a função que seria suposto seguirmos.

Como se pode verificar, nem a posição de Philip Pettit nem a posição do

disposicionalista, abordada por Saul Kripke, abonam mais claramente em favor de uma

interpretação anti-céptica do paradoxo wittgensteiniano e o problema concomitante do

cepticismo não fica debelado. Também o behaviourismo de W. V. Quine, lembrado por

Warren Goldfarb, para quem as disposições em termos de estados físicos redundariam

numa resposta a um determinado estímulo não eliminam o problema do erro porque

nem sempre estamos dispostos a ter o comportamento verbal correcto e pessoas que

apresentem o mesmo estado físico nem sempre dão as mesmas respostas a estímulos

idênticos.

Na esteira mais ou menos alinhada com o pensamento de Wittgenstein quanto ao

seu paradoxo, temos os pontos de vista de L. C. Holborow, já analisados, que sublinha o

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problema do behaviourismo em Wittgenstein. Para Holborow a sua perspectiva, em

jeito de resumo, diferiria da de Wittgenstein somente na medida em que, embora

concordando que não pode haver uma linguagem privada radicalmente independente,

pode haver uma linguagem privada dependente em que a identificação de sensações

possa ocorrer sem qualquer expressão natural ou sem qualquer exteriorização, sendo

uma experiência única e especial. Por fim, na análise do paradoxo, Andrew Lewis. Para

este filósofo, a defesa dos critérios em Wittgenstein como forma de afastar o cepticismo

parece-lhe a solução mais adequada para resolver o paradoxo céptico. Os critérios

seriam um meio de verificação da concordância entre um comportamento e a sensação –

que pode por vezes não ser exteriorizável – que lhe corresponde.

Não podemos esquecer – mais uma vez – na conclusão desta dissertação algum

do pendor behaviourista presente em algumas obras de Wittgenstein, nomeadamente nas

Investigações. Como ilustração desta perspectiva, temos que quando Wittgenstein

afirma que a minha relação para com alguém é uma relação para com uma alma, para

logo a seguir sublinhar que não crê que essa pessoa tenha uma alma, está a mostrar, na

nossa perspectiva, alguns traços de behaviourismo que perpassam pela sua obra, embora

de forma contraditória.

Esta conclusão não poderia deixar de destacar que Wittgenstein, ou melhor, os

intérpretes de Wittgenstein têm como quase certo que a segunda parte das Investigações

poderia ter versado sobre a Filosofia da Matemática, do que pode ser depreendida uma

possível relação entre a Filosofia da Mente (primeira parte das Investigações) e a

Filosofia da Matemática (segunda parte gorada das Investigações). Esta suposição

poder-nos-ia sugerir também uma possível relação entre um provável behaviourismo e

uma forma de cepticismo concomitante em Filosofia da Mente, por um lado, e um

intuicionismo, que rejeita claramente o platonismo, defendido por Wittgenstein em

Filosofia da Matemática. Esta suposição pode ser contestada se virmos Wittgenstein

através de lentes anti-cépticas, no entanto, já sublinhámos que para nós não é um ponto

assente catalogar Wittgenstein como um anti-céptico sem uma posterior justificação

convincente.

Em jeito de remate desta conclusão e desta dissertação, gostaríamos de

acrescentar que, mais do que uma discussão entre o cepticismo e o anti-cepticismo, os

temas suscitados pelas Investigações, nomeadamente o paradoxo céptico, entre outros,

não perdem nenhuma da sua valia e pertinência independentemente do rótulo que

queiramos atribuir a algumas dos excursos de Wittgenstein. A técnica, perdoe-se-nos

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novamente o termo, da oscilação de pontos de vista é isso mesmo: analisar um problema

sob os seus vários pontos de vista, o que semeia alguma confusão, deixando-nos, por

vezes, algumas dúvidas sobre as reais intenções do filósofo. Mas como em

Wittgenstein, e em toda a filosofia de resto, não há posições definitivas sobre qualquer

assunto e tendo também em linha de conta que Wittgenstein define essencialmente a

filosofia como a análise de problemas e não como a sua solução, tendo tudo isto em

linha de conta parecem-nos coerentes e plenamente aceitáveis as posições do filósofo

porque o que ele fez foram observações da história natural do homem e não contribuiu

com curiosidades mas com constatações das quais ninguém duvidou; e não são

observadas por estarem diante dos nossos olhos de uma maneira contínua (IF 415). E

tudo o que for acrescentado, de forma ilusória, a estas constatações poderá ser

considerado mera especulação, no sentido mais pernicioso da palavra, pensamos nós, o

que em nada contribui para que as nossas angústias se moderem e para a desvalorização

das questões levantadas pelo céptico, sempre pertinentes. O cepticismo pode ser

inicialmente a melhor atitude a tomar na abordagem de determinados problemas

filosóficos, mas não é, no entanto, a melhor forma de abordarmos outros tipos de

problemas filosóficos, nomeadamente problemas existenciais e éticos, entre outros.*

*Esta dissertação foi redigida de acordo com a antiga ortografia

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BIBLIOGRAFIA

OBRAS DE REFERÊNCIA PARA ESTA DISSERTAÇÃO:

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OUTRAS OBRAS E ARTIGOS:

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Goldfarb, Warren, 1985, “Kripke on Wittgenstein on Rules”, The Journal of

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