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74 www.backstage.com.br REPORTAGEM onsiderado um dos mais criativos grupos de rock do mundo, os Mutantes faziam uma mistura de psicode- lismo com samba e até música clássica, passando inclusive por uma fase claramente influenciada pelo rock progressivo (já sem Rita e Arnaldo). Passando sempre à margem – embora sempre influenciando e influenciada – por movimentos como a Jovem Guarda e Tropicália, a banda criava uma música totalmente estranha aos padrões brasileiros da época. C Fernando de Oliveira [email protected] Talvez os momentos mais importantes para a consolidação do grupo (além de ter a canção “Panis et Circenses” como faixa-título do disco que consolidava a Tropicália) tenham sido as apresentações ao lado de Gilberto Gil no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record de São Paulo (1967), com a música “Domingo no Parque” e Caetano Veloso, no III Festival Internacional da Canção da TV Globo (1968), com “É Proibido Proibir”. Indo aonde a arte levar Formada em meados dos anos 60, em São Paulo, pelos irmãos Sérgio Dias (guitarra, baixo, vocais), Arnaldo Baptista (baixo, teclado, vocais) e Rita Lee (vocais), e chegando ao sucesso com a inclusão de Liminha (baixo) e Dinho Leme (bateria), os Mutantes permaneceram adormecidos por mais de duas décadas até a redescoberta do grupo, que passou pelo lançamento dos CDs “O A e o Z” (1992), o esquecido “Tecnicolor” e o triunfal retorno com “Mutantes Ao Vivo – Barbican Theatre, Londres 2006”, com direito a capa no New York Times e tudo

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REPORTAGEM

onsiderado um dos mais criativos grupos de rock domundo, os Mutantes faziam uma mistura de psicode-

lismo com samba e até música clássica, passando inclusive poruma fase claramente influenciada pelo rock progressivo (jásem Rita e Arnaldo). Passando sempre à margem – emborasempre influenciando e influenciada – por movimentoscomo a Jovem Guarda e Tropicália, a banda criava uma músicatotalmente estranha aos padrões brasileiros da época.

C

Fernando de [email protected]

Talvez os momentos mais importantes para a consolidaçãodo grupo (além de ter a canção “Panis et Circenses” comofaixa-título do disco que consolidava a Tropicália) tenhamsido as apresentações ao lado de Gilberto Gil no III Festivalde Música Popular Brasileira da TV Record de São Paulo(1967), com a música “Domingo no Parque” e CaetanoVeloso, no III Festival Internacional da Canção da TVGlobo (1968), com “É Proibido Proibir”.

Indo aonde a arte levarFormada em meados dos anos 60, em São Paulo, pelos irmãos SérgioDias (guitarra, baixo, vocais), Arnaldo Baptista (baixo, teclado, vocais) eRita Lee (vocais), e chegando ao sucesso com a inclusão de Liminha(baixo) e Dinho Leme (bateria), os Mutantes permaneceram adormecidospor mais de duas décadas até a redescoberta do grupo, que passou pelolançamento dos CDs “O A e o Z” (1992), o esquecido “Tecnicolor” e otriunfal retorno com “Mutantes Ao Vivo – Barbican Theatre, Londres 2006”,com direito a capa no New York Times e tudo

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REPORTAGEM

SOM INCOMUM

Em seu disco de estréia (“Os Mutantes– 1968”) parcerias com Caetano Velo-so e canções de Jorge Ben e Sivuca semisturavam a composições próprias.“Panis et Circenses”, “Baby”, “Bat Ma-cumba” e “Ave Gengis Khan” já davamuma pequena mostra do quanto iriamalcançar, apesar das discretas venda-gens.Seguiram-se: “Mutantes” (1969), “ADivina Comédia ou Ando Meio Desli-gado” (1970), “Jardim Elétrico” (1971),“Mutantes e seus Cometas no País doBaurets” (1972), “Tudo Foi Feito peloSol” (1974), “O A e o Z” (gravado em1973 e lançado em 1992) e “Tecni-color” (gravado em 1970 e lançado em2000), além de alguns discos ao vivo eoutros não creditados.“No início dos anos 70, Rita Lee jáfazia algum sucesso e a gravadora re-solveu lançar o LP ‘Hoje é o PrimeiroDia do Resto de Sua Vida’ como umdisco solo, embora seja claramenteum disco dos Mutantes”, explicaFrancisco Ribeiro, um dos maioresconhecedores da obra do grupo.

O ESTOURO

E O FIM

Vivendo em clima decomunidade hippie, di-vidindo responsabili-dades, drogas, parceirossexuais e comando cri-ativo, o grupo (já comRita e Arnaldo devida-mente casados) alcançao ápice de sua criativi-dade com o lançamentode “A Divina Comédiaou Ando Meio Desliga-do”, que, além da faixameio-título (“Ando Meio

Desligado”) trazia outras pequenasobras-primas como “Meu RefrigeradorNão Funciona” (um blues com um quêde Janis Joplin), a doce balada “Hey Boy”e uma escrachada e sensacional versãopara o clássico de Sílvio Caldas, “Chãode Estrelas”.Em 1973, com a saída (não muitoamigável) de Arnaldo e Rita, o co-mando passa totalmente para as mãosde Sérgio Dias, que recruta bons mú-sicos e continua a carregar o nome osMutantes, com um rock progressivo,bem diferente do psicodelismo popao qual o público estava acostumado,indo até 1976, quando oficialmente ogrupo foi desfeito.

CARREIRAS-SOLO,

DESASTRES E RETORNO

Rita se tornou a estrela maior do rocknacional, Sérgio também partiu paratrabalhos próprios e Arnaldo se arris-cou em uma esporádica carreira-soloe a criação do grupo Patrulha do Es-paço. Em 1982, já combalido pelo ex-cesso de drogas, cai do terceiro andarde um prédio e fica com seqüelas queimpedem um seguimento normal dasua vida artística.No início dos anos 2000, circulavamrumores de que Sérgio poderia reuniralguns velhos companheiros da épo-ca progressiva. “Túlio (Mourão), Rui(Motta), (Antônio) Pedro e eu nosreunimos para levar um som. Nãopensávamos em uma volta. Na verda-de, nunca pensei nisso. Tudo aconte-ceu de maneira absurda, mágica”,conta Sérgio Dias sobre o retorno em

2006, com a volta deArnaldo, Dinho (quenão tocava bateria ha-via décadas), além deZélia Duncan como no-va Mutante, e a subse-qüente gravação do CD“Mutantes Ao Vivo –Barbican Theatre, Lon-dres 2006”.Antes disso, as luzes jáhaviam sido acesas no-vamente sobre os Mu-tantes, com a redesco-berta do grupo pelo pú-blico e imprensa da Eu-ropa e Estados Unidos e

Considerado um dos mais criativos grupos de rock domundo, os Mutantes faziam uma mistura de

psicodelismo com samba e até música clássica, passandoinclusive por uma fase claramente influenciada pelo rock

progressivo (já sem Rita e Arnaldo)

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REPORTAGEM

com o lançamento de “Tecnicolor”,disco gravado em 1970 dirigido ao mer-cado externo, que trazia versões em in-glês para canções como “Ando MeioDesligado” (“I Feel a Little SpacedOut”), “Panis et Circensis”, “A MinhaMenina” (“She’s My Shoo Shoo”), maspouco acrescenta à obra do grupo, ser-vindo mais como item de colecionadore chance de alguns ganharem uns tro-cados em nome da banda.“Somos o oposto do marketing. Toca-mos porque gostamos e vamos sem-pre aonde a arte nos leva. Exemplodisso é que conseguimos fechar umaturnê no exterior sem nem mesmotermos ensaiado”, conta Sérgio sobreos shows que culminaram com a gra-vação do disco ao vivo.

PLANOS FRUSTADOS

E MUTANTES DEPOIS

De volta ao Brasil, Sérgio, Arnaldo,Zélia & Cia fizeram alguns showspelo país e iniciaram os planos para agravação de um novo trabalho com

canções inéditas. Infelizmente os as-tros pareceram novamente conspirarcontra a banda e, em setembro de2007, Arnaldo e Zélia anunciam suassaídas da banda. Seria o fim?

“Trabalhar com a Zélia foi um orgulho,um prazer, um tesão. Ela é uma das me-lhores intérpretes do Brasil. Não háproblemas para que ela participe de al-gum projeto dos Mutantes no futuro,mas não temos nada definido. Já a saídado Arnaldo é mais complicada. Masamo meu irmão e vamos seguir em fren-te mesmo sem Zélia e Arnaldo”, comen-ta Dias sobre o futuro dos Mutantes e asúltimas novas baixas no grupo.Em abril deste ano Sérgio lançou aprimeira música inédita do grupo emmuito tempo (“Mutantes Depois”) eanunciou os planos para um novoCD, que deverá contar com as partici-pações de Devendra Banhart e TomZé. “Vamos aonde a arte nos levar”,repete a frase Sérgio Dias, ao respon-der sobre os rumos após o lançamen-to do novo trabalho (ainda sem datapara chegar ao mercado).A letra de “Mutantes Depois” foi fei-ta para os fãs e precisa ser lida mais deuma vez, já que vai do “lado quânticoaté o agradecimento”. Afinal, diz Sér-gio, “O que os fãs farão no dia em queos Mutantes acabarem?”.

“Somos o oposto domarketing. Tocamos

porque gostamos e vamossempre aonde a arte nosleva. Exemplo disso é queconseguimos fechar uma

turnê no exterior sem nemmesmo termos ensaiado”

Sérgio Dias