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Mestrado Integrado em Medicina Dissertação | Artigo de Revisão Bibliográfica Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína A Propósito de um Caso Clínico: Enfarte Agudo de Miocárdio Recidivante por Consumo de Cocaína Pedro Filipe Mendonça Azevedo Mestrado Integrado em Medicina – 6º Ano Profissionalizante Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar Universidade do Porto Morada: Rua de Aguim, 15 4405-721 Vila Nova de Gaia – Portugal [email protected] Orientador: Dr. António Hipólito Reis Assistente Hospitalar Graduado em Cardiologia Hospital de Santo António – Centro Hospitalar do Porto Porto, Ano Letivo 2011/2012

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Mestrado Integrado em Medicina

Dissertação | Artigo de Revisão Bibliográfica

Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

A Propósito de um Caso Clínico:

Enfarte Agudo de Miocárdio Recidivante por Consumo de Cocaína

Pedro Filipe Mendonça Azevedo

Mestrado Integrado em Medicina – 6º Ano Profissionalizante

Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar

Universidade do Porto

Morada: Rua de Aguim, 15

4405-721 Vila Nova de Gaia – Portugal

[email protected]

Orientador:

Dr. António Hipólito Reis

Assistente Hospitalar Graduado em Cardiologia

Hospital de Santo António – Centro Hospitalar do Porto

Porto, Ano Letivo 2011/2012

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A cocaína é uma droga de abuso que se encontra em circulação há muitos anos

e que tem sido objeto de uma ampla investigação científica. Para além disso, continua a

ser uma droga de abuso muito prevalente em todo o mundo, observando-se um recente

aumento sustentado no caso de Portugal. Neste contexto, será importante assumir que

os recursos aos serviços de saúde motivados por consequências do consumo desta

droga não sejam infrequentes nem que tenham tendência a diminuir.

Apesar de poder exercer vários efeitos deletérios em diferentes orgãos, o

coração assume-se como um dos alvos que mais preocupação deve suscitar à classe

médica, uma vez que existe um largo espectro de patologias causadas pela cocaína,

potencialmente fatais tanto a curto como a longo prazo e que exigem uma identificação

rápida e tratamento adequado.

Assim, esta revisão bibliográfica, ilustrada com um caso clínico de enfarte agudo

do miocárdio recidivante relacionado com o consumo de cocaína, surge com o objetivo

de reunir, duma forma prática e resumida, a mais recente informação sobre as

repercussões cardíacas do consumo de cocaína incluindo, tanto quanto possível, a sua

epidemiologia, a fisiopatologia, o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico.

A pesquisa inicial de literatura para a realização desta revisão foi feita com

recurso às bases de dados Pubmed™ e UpToDate™ e o critério de seleção utilizado,

inicialmente, foi a data de publicação entre os anos 2000 e 2012 embora,

posteriormente, o autor tenha sido reencaminhado para artigos publicados antes do ano

2000.

Palavras-chave: repercussões cardíacas da cocaína; cocaína; coração; enfarte

agudo de miocárdio; arritmia; miocardiopatia; miocardite; endocardite; droga de abuso.

RESUMO

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Cocaine is a drug of abuse that has been around for many years and has been

the subject of an extensive scientific research until now. Furthermore, it remains a drug

of abuse quite prevalent throughout the world and with a recent sustained increase in

Portugal. Therefore, it is logical to assume that episodes requiring medical care due to

negative consequences of cocaine abuse are not infrequent nor tend to decrease.

Despite affecting several organs in many ways, the heart is one of cocaine’s

targets that should raise more concern to the clinician, because the spectrum of cardiac

pathologies that cocaine can cause is wide, potentially fatal in the short and long term

and requires rapid identification and proper treatment.

Thus, this systematic review aim is to gather, in a practical and summarized way,

the latest information about the cardiac effects of cocaine abuse including, as much as

possible, its epidemiology, pathophysiology, diagnosis, treatment and prognosis. Also, it

is illustrated with a case report of recurrent acute myocardial infarction related to cocaine

abuse.

Initial literature researches for the elaboration of this review were conducted

using the PubMed™ and UpToDate™ databases and the selection criterion used was

the original date of publication between the years 2000 and 2012 although, later, the

author has been forwarded to articles originally published before the year 2000.

Keywords: cardiac effects of cocaine; cocaine; heart; acute myocardial

infarction; arrhythmia; myocardiopathy; myocarditis; endocarditis; drug of abuse;

ABSTRACT

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AAS – Ácido Acetilsalicílico

ACD – Artéria Coronária Direita

AHA – American Heart Association

ARA – Antagonista dos Recetores da

Angiotensina

ATP – Adenosina Trifosfato

AV - Auriculoventricular

BCC – Bloqueadores dos Canais de

Cálcio

BMS – Bare-Metal Stent

BNP – Péptido Natriurético Cerebral

bpm – batimentos por minuto

CK – Creatinoquinase

CK-MB – Fração MB da creatinoquinase

DES – Drug-Eluting Stent

EAM – Enfarte Agudo do Miocárdio

ECG - Eletrocardiograma

EUA – Estados Unidos da América

EV - Endovenoso

FC – Frequência Cardíaca

HTA – Hipertensão Arterial

HVE – Hipertrofia Ventricular Esquerda

ICC – Insuficiência Cardíaca Congestiva

ICP – Intervenção Coronária Percutânea

IECA – Inibidor da Enzima de Conversão

da Angiotensina

IL – Interleucina

MCD – Meios Complementares de

Diagnóstico

NADPH – Fosfato de Dinucleótido de

Nicotinamida e Adenina

NO – Óxido Nítrico

OMS – Organização Mundial da Saúde

PA – Potencial de Acão

PET – Tomografia por Emissão de

Positrões

SIDA – Síndrome da Imunodeficiência

Adquirida

SNC – Sistema Nervoso Central

SU – Serviço de Urgência

TA – Tensão Arterial

TAD – Tensão Arterial Diastólica

TAS – Tensão Arterial Sistólica

TdP – Torsades de Pointes

VD – Ventrículo Direito

VE – Ventrículo Esquerdo

VIH – Vírus da Imunodeficiência Humana

LISTA DE ABREVIATURAS

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Introdução 1

Repercussões Cardíacas 5

- Isquemia e Enfarte Agudo do Miocárdio 5

- Arritmias 11

- Cardiomiopatia e Miocardite 15

- Endocardite 19

Conclusão 21

Agradecimentos 23

Referências Bibliográficas 24

Anexo 1 33

- Caso Clínico 34

ÍNDICE

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

Tese de Mestrado Integrado em Medicina 1

Objetivo. O objetivo desta revisão bibliográfica é realizar uma revisão da literatura

científica existente, de modo a elaborar um bom documento de consulta para os

profissionais de saúde, elucidativo sobre as repercussões cardíacas do consumo de

cocaína incluindo, tanto quanto possível, dados relativos à epidemiologia,

fisiopatologia, diagnóstico, tratamento e prognóstico de cada uma das patologias

cardíacas resultantes do consumo de cocaína.

Para dotar esta revisão bibliográfica de um componente mais prático, inclui-se,

em anexo, a apresentação resumida e análise de um caso clínico relacionado com o

tema em questão. Trata-se duma doente jovem, com múltiplos internamentos no

Centro Hospitalar do Porto, nos últimos 10 anos, por enfarte agudo de miocárdio

(EAM) de repetição, secundário ao consumo de cocaína.

Métodos. Para realizar esta revisão bibliográfica, consultou-se a bibliografia existente

em bases de dados como o UptoDate™ e PubMed™ e, partindo da consulta das

referências bibliográficas de cada um dos artigos inicialmente selecionados, estendeu-

se a consulta a mais alguns. Inicialmente, o critério de seleção definido para a escolha

dos artigos foi a data de publicação desde o ano 2000 até 2012. Isto resultou na

recolha de aproximadamente 30 artigos diretamente relacionados com este tema,

alguns dos quais já de revisão bibliográfica. No entanto, sendo a cocaína uma droga

conhecida, consumida e também estudada há muitas décadas, alguns dos artigos

para que se foi, posteriormente, remetido datam de anos anteriores ao critério de

seleção inicialmente estabelecido.

Em relação ao caso clínico, toda a informação foi retirada do processo clínico

da doente. Não houve qualquer contacto com a doente, pelo que a informação

disponível é limitada e obrigou a que o caso clínico fosse apresentado de uma forma

mais resumida, servindo apenas de exemplo prático para uma das possíveis

patologias cardíacas causadas pelo consumo de cocaína.

Curiosidades Históricas. Pelo menos desde o século VI que os índios da América do

Sul mascavam folhas de coca para atenuar os efeitos do frio, fome e fadiga.

No século XVI, a coca foi trazida para a Europa, mas foi no século XIX que se

tornou popular devido ao reconhecimento dos seus efeitos na cognição. Foi, ainda,

nesse século que o alcaloide cocaína foi isolado pela primeira vez, na Alemanha, e

INTRODUÇÃO

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

Tese de Mestrado Integrado em Medicina 2

que se descobriram os seus efeitos medicinais na depressão, na fadiga, no vício do

álcool e no da morfina. A cocaína começou a ser amplamente consumida e vários

produtos contendo esta substância, entre eles o vinho de coca, apareceram no

mercado e tornaram-se famosos.

Em 1886, um elixir que continha cocaína proveniente das folhas da coca e

cafeína extraído da noz-de-cola africana começou a ser comercializado em Atlanta,

nos EUA. Era vendido como um tónico cerebral recomendado para ser utilizado sob a

forma de medicamento para cefaleias, alcoolismo, vício da morfina, dores abdominais

e menstruais. Este elixir, a que foi dado o nome de Coca-Cola™, rapidamente se

tornou uma das bebidas mais populares no país. No entanto, devido aos efeitos

adversos já identificáveis na altura, a Coca-Cola Company™ aceitou retirar a cocaína

da sua fórmula em 1903 e, em 1914, a cocaína foi oficialmente ilegalizada nos EUA.

Posteriormente, devido ao seu efeito anestésico, a cocaína utilizou-se em

cirurgias oftalmológicas e nasais. No entanto, a sua utilização foi abandonada porque

tem um potencial arritmogénico importante e porque pode levar a cicatrizações

patológicas, sendo substituída por outros medicamentos mais eficazes e com menos

efeitos adversos.

Atualmente, a cocaína só é utilizada como droga de abuso. É processada em

laboratórios artesanais localizados nas florestas da Colômbia, Peru e Bolívia e é

traficada ilegalmente até aos consumidores finais. De cada vez que o produto muda de

mãos é “diluído”, isto é, misturado com aditivos como açúcares, anestésicos locais,

quinino ou talco para aumentar o lucro dos traficantes. Assim, o consumidor final pode

estar a consumir cocaína com uma pureza entre 1% e 95%, não conseguindo apurar

que quantidade efetiva de cocaína está a consumir nem antecipar que efeitos

adversos poderão os aditivos provocar.

No entanto, a folha de coca continua a ser consumida legalmente em muitos

países da América do Sul. O ato de mastigar coca é uma tradição cultural mantida viva

por muitas populações e o chá de coca tornou-se muito popular naquele continente,

pois quando utilizada segundo estas duas formas dá uma sensação de maior energia

e bem-estar e atenua as cefaleias e náuseas, pelo que é usada para aliviar o “mal da

montanha”. Para essas populações, a folha da coca tem, ainda, um significado

religioso muito importante nas ofertas a vários deuses e nas artes divinatórias (1).

Epidemiologia. Excluindo o álcool e segundo a OMS a cocaína é a quarta droga mais

consumida a nível mundial, sendo que as três primeiras são a cannabis, as

anfetaminas e os opiáceos (2). A nível nacional, a cocaína assume um papel mais

importante, uma vez que é a segunda droga mais consumida em Portugal (prevalência

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

Tese de Mestrado Integrado em Medicina 3

de 1,9%), a seguir à cannabis, e também a segunda droga responsável por mais

recursos ao sistema de saúde, tratamentos médicos, gastos em saúde e mortes, a

seguir aos opiáceos. A prevalência do consumo de cocaína tem vindo a subir

ligeiramente na população total e mais acentuadamente na população em idade

escolar, em que a prevalência atual é de 2,8% (3).

O que é? A benzoilmetilecgonina (C17H21NO4), vulgo cocaína, é um alcaloide extraído

da folha do arbusto da coca (Erythroxylon coca). Cada folha contém 0,5-1,0% de

cocaína (4).

Formas. Está disponível para consumo em 2 formas (4,5):

- O cloridrato de cocaína, um sal branco em pó, obtido através da dissolução

do alcaloide em ácido clorídrico e posterior ebulição. Este pode ser consumido por via

oral, intranasal ou endovenosa;

- A cocaína na forma de base, normalmente conhecida como “base livre” ou

“crack” (devido ao som crepitante que emite quando aquecida), que é obtida através

da alcalinização do cloridrato de cocaína com amónia ou bicarbonato de sódio e

posterior extração com solventes, que dá origem a uma substância sólida com ponto

de fusão de 98ºC, permitindo que seja fumada.

Farmacocinética. Uma vez que é facilmente absorvida por todas as membranas

mucosas, a cocaína pode ser administrada por via intranasal, sublingual, intravaginal,

rectal, para além de poder ser fumada ou injetada diretamente nas veias (5).

Consoante o modo de administração, os seus efeitos podem ocorrer 3

segundos a 20 minutos após o consumo, atingir o seu máximo após 1-90 minutos e

desaparecer após 5-180 minutos, sendo que a administração através de mucosas tem

uma ação mais duradoura, com início mais lento e pico máximo mais tardio quando

comparado com a administração endovenosa e a inalação (fumada), que é a que tem

efeitos mais rápidos e efémeros (4).

A cocaína é depois metabolizada por colinesterases hepáticas e plasmáticas

em solutos inativos hidrossolúveis (benzoilecgonina – 40-50% e ecgonina metiléster –

30-50%), que são excretados na urina. Uma pequena percentagem (aproximadamente

5%) é metabolizada em norcocaína, o único metabolito ativo da cocaína, pelo

citocromo P450 (6,7). É ainda de salientar que quando a cocaína é consumida

simultaneamente ao consumo de álcool, o que é frequente, forma-se o metabolito

cocaetileno, cuja semivida é muito longa, prolongando os efeitos da cocaína, e que

tem um risco de eventos cardíacos agudos 40 vezes superior e de morte súbita 25

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vezes superior ao consumo de cocaína isolada (8,9). O cocaetileno é mais potente do

que a molécula da cocaína a inibir os canais iónicos das células do miocárdio. Logo, a

quantidade de cocaína necessária para produzir os mesmos efeitos arrítmicos, na

presença de etanol, é muito maior do que na sua ausência (10,11,12).

A cocaína propriamente dita só é detetável na urina e/ou sangue até algumas

horas após o consumo. No entanto, os seus metabolitos podem ser identificados na

urina até 72 horas e no cabelo, através de radioimunoensaio, até várias

semanas/meses após a sua utilização (4,13).

Efeitos Gerais. A cocaína atua inibindo a recaptação de dopamina a nível dos

neurónios do circuito da recompensa do Sistema Nervoso Central (SNC). Assim, ela

aumenta a concentração de dopamina na sinapse e amplifica o sinal nos neurónios

recetores, causando a tal sensação inicial de gratificação. Estes efeitos iniciais

aparecem quase imediatamente e fazem o consumidor sentir-se eufórico, energético,

extrovertido e mentalmente mais alerta aos sentidos. Também diminui

temporariamente a necessidade de ingestão calórica e de sono. Fisiologicamente, os

efeitos a curto prazo incluem vasoconstrição, midríase, hipertermia, taquicardia e

hipertensão arterial (HTA).

A longo prazo, com o consumo de maiores doses de cocaína em “bólus”, os

utilizadores começam a desenvolver tolerância e a ficarem mais sensíveis aos efeitos

tóxicos da droga, revelando irritabilidade, ataques de pânico, paranoias e psicoses.

Dependendo da via de administração, podem ainda perder o olfato, ter hemorragias

nasais, inflamação crónica do septo nasal, gangrena intestinal, esclerose venosa e

reações alérgicas (14).

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

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Isquemia e Enfarte Agudo do Miocárdio

Epidemiologia. O enfarte agudo do miocárdio (EAM) é a complicação cardíaca do

consumo de cocaína mais frequente e mais estudada (15,16). A sua incidência

correlaciona-se temporalmente com o consumo de cocaína, sendo o risco 24 vezes

superior na 1ª hora após o consumo, diminuindo progressivamente a partir desse

momento (15,17). No entanto, a incidência é difícil de avaliar, por dificuldades no

diagnóstico e na atribuição do consumo de cocaína como causa direta de muitos EAM,

mas será baixa quando comparada com a população total de consumidores (18). No

estudo NHANES, a percentagem de EAM atribuível à cocaína foi de 25% (19). Noutra

série com 4000 doentes com EAM, só 1% foram relacionados com o consumo de

cocaína (17). No entanto, algo que parece unânime é que a média de idades dos

doentes com EAM relacionáveis com o consumo de cocaína é significativamente

menor do que a média de idades dos doentes com EAM não relacionados com a

droga (17,19) – 44 anos versus 61 anos, respetivamente, na mesma série de 4000

doentes (17).

Fatores de Risco. A incidência de EAM parece ser totalmente independente da

frequência de consumo – podendo surgir tanto em consumidores crónicos como na

primeira vez que se experimenta a droga –, da dose e do modo de administração

(15,20,21). Uma importante percentagem de casos (32-50%) ocorre em indivíduos

sem evidência de aterosclerose nas artérias coronárias (22). Logo, a doença

cardiovascular pré-existente não é um requisito obrigatório. Na verdade, a maioria dos

doentes só apresenta outro fator de risco cardiovascular para além do consumo de

cocaína – o tabagismo (20,22).

Fisiopatologia. A cocaína tem 3 grandes efeitos a nível cardíaco:

- Inibe a recaptação de noradrenalina e de dopamina pelos neurónios do

sistema nervoso simpático, levando assim a uma potenciação da resposta à

estimulação simpática e à infusão de catecolaminas (23,24,25);

- Aumenta a libertação central e periférica de catecolaminas (23);

- Promove a formação de trombos através da ativação plaquetária, do aumento

da capacidade de agregação das plaquetas e da potenciação da formação de

REPERCUSSÕES CARDÍACAS

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

Tese de Mestrado Integrado em Medicina 6

tromboxano, bem como do aumento do inibidor do ativador do plasminogénio

(26,27,28).

Assim, de acordo com os efeitos descritos, várias hipóteses foram propostas

para explicar o desequilíbrio entre a necessidade e o fornecimento de oxigénio e

consequente isquemia miocárdica induzida pela cocaína. Atualmente pensa-se que

todos os seguintes mecanismos estejam implicados:

- Aumento do inotropismo, aumento do cronotropismo (a cocaína aumenta a

frequência cardíaca (FC) basal em 30bpm) e aumento da TA (+20mmHg TAS e

+10mmHg TAD), pelo efeito simpaticomimético. Assim, a necessidade miocárdica de

oxigénio também é aumentada (23,24,29);

- Vasoconstrição sustentada (redução do diâmetro das coronárias entre 5 a

20%) após um curto período inicial de vasodilatação, e espasmo das artérias

coronárias, pela estimulação dos recetores alfa-adrenérgicos, libertação de endotelina-

1 e inibição da produção de NO (29,30,31);

- Trombose das artérias coronárias (26,27,28,32);

Alguns autores também defendem a hipótese de que a cocaína acelera o

processo de aterosclerose coronária e que pode estar na génese de aneurismas e

ectasias coronárias (33,34).

Diagnóstico. O diagnóstico de EAM devido ao consumo de cocaína é difícil de

estabelecer pois a relação com o consumo nem sempre é óbvia (5).

O sintoma mais frequentemente presente é a dor torácica, cujas características

são em tudo semelhantes às dos EAM com outras etiologias, tornando impossível a

distinção (20,35). Normalmente há uma relação temporal entre o consumo de cocaína

e o aparecimento da dor, que surge tipicamente na 1ª hora após o consumo, quando a

concentração sanguínea de cocaína é maior, mas também pode ser causada mais

tardiamente por algum dos metabolitos, nomeadamente a norcocaína (36,37). No

entanto, convém referir que apenas uma pequena parte dos doentes com dor torácica

relacionável com o consumo de cocaína têm EAM – de 0,7% a 6%, conforme os

estudos (20,38,39) –, sendo que 21% a 77% destes ocorrem na parede anterior do

miocárdio e 32% a 50% na parede inferior (21,22). Na grande maioria dos casos, a dor

torácica é não-isquémica e a sua etiologia continua obscura e mal compreendida na

maioria dos doentes consumidores de cocaína. Entre as possíveis causas estão as

relacionadas com o aparelho músculo-esquelético, como a rabdomiólise, ou os

barotraumas nos doentes que fumam a cocaína (40,41,42). Apesar disto, 57% dos

doentes com dor torácica acabam por ser hospitalizados para confirmação/exclusão

de EAM com o recurso a meios complementares de diagnóstico (MCD) (20).

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

Tese de Mestrado Integrado em Medicina 7

Nestes doentes, o eletrocardiograma (ECG) tem uma utilidade mais limitada

devido a uma maior dificuldade na sua interpretação. Tal facto deve-se a uma alta

incidência de repolarização precoce e de hipertrofia ventricular esquerda (HVE) nestes

doentes e a 43% dos consumidores de cocaína sem EAM terem elevações do

segmento ST em 2 ou mais derivações do ECG. Para além destes fatores, pode haver

EAM sem qualquer alteração no ECG ou apenas com alterações inespecíficas. Tudo

isto faz com que, no total, 84% dos doentes com dor torácica associada a cocaína

tenham alterações no ECG (20,43,44), apesar de, no máximo, só 6% terem EAM

como foi referido anteriormente (20,38). Assim, o ECG tem uma especificidade de

90%, uma sensibilidade de apenas 36%, um valor preditivo positivo de 18% e um valor

preditivo negativo de 96% no diagnóstico de EAM devido ao consumo de cocaína (20).

Em relação a outros MCD, nomeadamente os marcadores de necrose do

miocárdio, a especificidade da CK sérica é muito influenciada pela cocaína, estando a

sua concentração aumentada em quase 50% dos consumidores de cocaína sem EAM.

A sua fração CK-MB também é influenciada, embora em menores proporções. Este

aumento pode ser devido à rabdomiólise ou a um aumento da atividade motora do

indivíduo. Logo, o doseamento de ambas não é aconselhado pois não são fiáveis para

o diagnóstico de EAM causado pelo consumo de cocaína (45). Pelo contrário, a

concentração da troponina I não é afetada pela cocaína, mantendo-se a sua

especificidade inalterada e sendo por isso aconselhado o seu doseamento nestas

situações (45,46,47).

Tratamento. O tratamento do EAM causado pelo consumo de cocaína não difere

muito do tratamento causado por outras etiologias. No entanto, tendo em conta a

dificuldade no diagnóstico e a baixa percentagem de EAM em doentes consumidores

de cocaína que se apresentam no serviço de urgência (SU) com dor torácica, alguns

autores defendem que se faça uma estratificação do risco. Assim, doentes com

elevação/depressão do segmento ST>1mm, elevação dos marcadores de necrose

miocárdica, dor torácica recorrente ou instabilidade hemodinâmica são considerados

de alto risco, devendo ser imediatamente hospitalizados e tratados de acordo com as

indicações abaixo. Todos os outros, de risco baixo/intermédio, devem ser sujeitos a

um período de avaliação de 9-12 horas que inclua administração de ácido

acetilsalicílico - AAS, nitratos e benzodiazepinas, realização de vários ECG’s de 12

derivações, doseamentos seriados de troponina I, uma observação por Cardiologia 9

horas após a admissão e uma prova de esforço facultativa antes de terem alta, com o

objetivo de evitar hospitalizações e tratamentos desnecessários. Esta estratificação do

risco com base em critérios bem definidos já foi testada e mostrou-se eficaz e segura,

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

Tese de Mestrado Integrado em Medicina 8

pelo que atualmente também é preconizada pela American Heart Association (AHA)

(36,48).

Nos doentes de alto risco e nos de baixo risco em que se tenha comprovado a

ocorrência de um EAM, o tratamento de primeira linha consiste em administrar

benzodiazepinas, nitratos e AAS, caso estes ainda não tenham sido utilizados (48). As

benzodiazepinas intravenosas estão indicadas pois atuam no controlo da frequência

cardíaca, controlo da TA e por causa dos seus efeitos sedativos/ansiolíticos, uma vez

que existe uma ligação comprovada entre os efeitos estimuladores centrais da cocaína

e as complicações cardiovasculares (49,50,51). Os nitratos atuam na reversão da

vasoconstrição e da dor torácica e, também, no controlo da TA (49,52,53). O AAS atua

na prevenção da formação de trombos. A estes 3 fármacos pode ainda associar-se a

oxigenoterapia, numa tentativa de limitar a isquemia miocárdica (4).

Como 2ª linha do tratamento, surgem os bloqueadores dos canais de cálcio

(BCC) e a fentolamina. Os BCC são uma alternativa aos nitratos e às benzodiazepinas

na redução do vasospasmo e, também, do cronotropismo e o seu uso é aconselhado

por vários autores como sendo tão eficaz como os nitratos e não necessitar de

qualquer cuidado especial (54). No entanto, tal utilização não é consensual. Outros

defendem que o seu papel não está bem definido e alguns estudos apontam para um

maior risco de convulsões com a sua utilização (razão pela qual nunca devem ser

administrados sem antes se administrar benzodiazepinas), assim como para a

ausência de efeito benéfico na taxa de mortalidade (55,56). A AHA defende ainda que

a nifedipina de curta ação nunca deve ser utilizada e que o verapamil e diltiazem

podem ser administrados como tratamento de 2ª linha, mas devem ser evitados em

doentes com evidência de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) ou disfunção do

ventrículo esquerdo (48). A fentolamina é um bloqueador dos recetores α-adrenérgicos

que pode ser utilizada no tratamento da isquemia miocárdica associada à cocaína pois

reverte a vasoconstrição. No entanto, a sua segurança e eficácia necessita de ser

melhor investigada pois, até agora, as evidências existentes provêm de um número

muito limitado de estudos (57).

O uso de β-bloqueadores é amplamente desaconselhado na fase aguda pois,

embora não existam estudos comparativos randomizados, todas as evidências e

observações apontam para que a administração de β-bloqueadores tenha um efeito de

estimulação dos recetores α-adrenérgicos sem qualquer oposição, levando a um

agravamento importante da vasoconstrição causada pela cocaína (58,59). Alguns

autores argumentam que o uso cuidadoso dos β-bloqueadores, especificamente do

esmolol, que tem uma duração de ação muito curta, poderia trazer alguns benefícios

mas é praticamente consensual que os riscos implicados ultrapassam os possíveis

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

Tese de Mestrado Integrado em Medicina 9

benefícios (60,61). Assim, todos os artigos e guidelines recentes consultados

defendem que os β-bloqueadores são contraindicados na fase aguda. Em relação ao

labetolol, um bloqueador α e β, as opiniões são divergentes. Alguns estudos provaram

que o labetolol traz benefícios no controlo da TA e não altera o grau de vasoconstrição

(62). No entanto, outros defendem que tem um efeito β-bloqueador mais forte do que

α-bloqueador, pelo que a razão risco/benefício não compensa (63). Esta posição é

partilhada pela AHA, que acrescenta, ainda, que o labetolol aumenta o risco de

convulsões e morte em modelos animais na presença de toxicidade pela cocaína,

devendo por isso evitar-se a sua utilização (48).

Quanto a outros fármacos, os inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, embora

teoricamente a sua utilização pudesse trazer benefícios, não há qualquer estudo sobre

os seus efeitos e segurança, pelo que ainda não fazem parte das indicações

terapêuticas nestas situações (48). O efeito de inibidores da enzima de conversão da

angiotensina (IECA’s), antagonistas dos recetores da angiotensina (ARA’s), diuréticos

e estatinas também nunca foi bem estudado em consumidores de cocaína, mas não é

expectável que haja qualquer interação negativa (48). A morfina reverteu a

vasoconstrição causada pela cocaína e a dexmedetomidina, um agente simpatolítico

central, anulou os aumentos da TA, FC e atividade nervosa simpática secundários ao

consumo de cocaína (64,65). Já se identificou uma esterase exógena da cocaína, de

origem bacteriana, mais potente do que as endógenas e que, quando administrada em

ratos, preveniu ou reverteu o alargamento do complexo QRS, o prolongamento do

segmento QT, o supradesnivelamento do segmento ST, a HTA e a libertação de

troponinas, abrindo novas portas para futuros fármacos (66).

A AHA recomenda ainda a administração de heparina não-fracionada ou

heparina de baixo peso molecular nestes doentes, salvo se existirem contraindicações

(48). No entanto, esta indicação terapêutica não é referida em nenhum outro artigo

consultado.

Após esta terapêutica inicial, todos os doentes com EAM com elevação do

segmento ST devem ser sujeitos a angiografia coronária e intervenção coronária

percutânea (ICP) primária se indicada (48,67). A ICP primária é preferível em relação

à terapêutica fibrinolítica, e ainda mais num contexto de consumo de cocaína, por

várias razões: a mortalidade do EAM causada pela cocaína é baixa; a especificidade

da elevação do segmento ST é menor em pessoas mais jovens devido à repolarização

precoce benigna (44), logo há um maior risco de se instituir terapêutica fibrinolítica

indevidamente; para além disto, está provado que doentes consumidores de cocaína

têm um risco aumentado de hemorragia intracraniana após a terapêutica fibrinolítica

(69,70,71). Logo, a terapêutica fibrinolítica deve ser utilizada com especial cuidado e

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Tese de Mestrado Integrado em Medicina 10

apenas quando os sinais de EAM se mantêm após o tratamento farmacológico de 1ª

linha e a angiografia e ICP não estão disponíveis (43,48,50).

A colocação de stents ainda carece de evidência (principalmente os drug-

eluting stents - DES) mas está provado que há uma maior taxa de trombose do stent

em doentes consumidores de cocaína (72,73,74). Seria de esperar que, tal como em

qualquer EAM convencional, o DES tivesse uma menor taxa de reestenose do que os

bare-metal stents - BMS. No entanto, os DES exigem que se faça dupla anti

agregação plaquetária com AAS e clopidogrel durante pelo menos 1 ano. Assim, como

os doentes consumidores de cocaína são um grupo de doentes com uma expectável

fraca adesão à terapêutica e os BMS só exigem dupla anti agregação plaquetária no

1º mês, a partir do qual só é necessário um anti agregante plaquetário, na maioria dos

casos é mais aconselhável optar-se pela colocação dum BMS (48).

Após o tratamento na fase aguda, o doente deverá ser incentivado a cessar o

consumo de cocaína, podendo referenciar-se para vários tipos de intervenções

psicossociais e cognitivas (75). Como qualquer outro doente com EAM, deverá fazer

uma modificação agressiva dos fatores de risco cardiovasculares, especialmente se

houver evidência de aterosclerose. Os doentes, especialmente aqueles com evidência

de aterosclerose, deverão ainda fazer terapêutica de longo-prazo com AAS. Caso

tenha sido colocado stent, deverá adicionar clopidogrel durante 1 mês no caso dos

BMS ou durante 1 ano no caso dos DES. Os nitratos e BCC podem ser utilizados para

tratar sintomas anginosos mas não estão indicados para uso de rotina (76). No caso

de existir disfunção sistólica do VE existe indicação para introduzir um IECA (77). Em

relação aos β-bloqueadores e à sua utilização após a fase aguda, as guidelines

indicam que é uma decisão discutível, que deve ser tomada após ponderar bem os

riscos individuais para cada doente, nomeadamente o benefício em doentes com

disfunção sistólica ou arritmias ventriculares versus o risco de tornar a consumir

cocaína (78).

Prognóstico e Complicações. O prognóstico do EAM causado pelo consumo de

cocaína é, habitualmente, favorável, uma vez que a mortalidade é baixa (0%-2%). No

entanto, estes doentes têm uma maior probabilidade de vir a ter eventos isquémicos

recorrentes, não pelo EAM em si mas pelo consumo repetido de cocaína (68). Dos

doentes hospitalizados devido a dor torácica motivada pelo consumo de cocaína, 60%

admite ter tornado a consumir cocaína no ano seguinte (78). Em relação à incidência

de complicações após EAM motivado pelo consumo de cocaína, grande parte da

literatura refere que estas são menos comuns do que nos EAM por outras etiologias e

que uma possível explicação para este facto é que os doentes consumidores de

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cocaína são mais jovens e muitas vezes não possuem doença orgânica nem

comorbilidades importantes (68). Para além disso, a grande maioria delas (90%) surge

num período de 12h após a hospitalização. Num estudo com 130 pessoas com EAM

relacionado com o consumo de cocaína, 38% tiveram complicações, sendo que as

mais frequentes foram as arritmias (taquicardias ventriculares ou supraventriculares e

bradicardias) em 43% destes e ICC em 7% (68).

Arritmias

O consumo de cocaína já foi diretamente relacionado com o aparecimento de

vários tipos de arritmias, entre elas bradicardia e taquicardia sinusais, taquicardia

supraventricular, bloqueios de ramo, bloqueio auriculoventricular completo, ritmo

idioventricular acelerado, taquicardia ventricular, fibrilhação ventricular, torsade de

pointes (TdP), padrões eletrocardiográficos típicos de síndrome de Brugada, síndrome

de QT longo e assistolia (5,79,80,81).

Fisiopatologia. Há vários mecanismos fisiopatológicos responsáveis pela génese de

arritmias num contexto de consumo de cocaína, os quais podem estar presentes

simultaneamente, atuando uns como substrato anatómico e outros como trigger da

arritmia. Uma vez que a cocaína pode apresentar os 2 mecanismos, o seu consumo

aumenta muito a probabilidade do aparecimento de arritmias.

Começando pelo substrato anatómico, a cocaína leva ao aparecimento de

eventos isquémicos, miocardiopatia (hipertrófica ou dilatada), miocardite com necrose

das bandas de contração e fibrose. Todas estas repercussões cardíacas secundárias

ao consumo de cocaína levam ao aparecimento e à instalação de alterações

anatómicas que destroem a homogeneidade elétrica do coração, predispondo a

fenómenos de reentrada e ao aparecimento de arritmias (5,82). Para além disto,

podem ainda coexistir mutações genéticas e alterações anatómicas congénitas

individuais desconhecidas até à altura em que o indivíduo consumiu cocaína,

tornando-se sintomáticas devido aos efeitos adversos da cocaína – estado

hiperadrenérgico, aumento do stress cardíaco e outros (83).

No entanto, como já foi enunciado, a cocaína não se limita a proporcionar as

condições anatómicas ideais para o aparecimento de arritmias. Ela própria

desencadeia essas arritmias através da sua ação como agente simpaticomimético –

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Tese de Mestrado Integrado em Medicina 12

aumentando a vulnerabilidade ventricular, diminuindo o limiar para a fibrilhação

ventricular e induzindo taquicardia (84,85) – e do seu efeito direto nos canais iónicos e,

consequentemente, na génese e condução do potencial de ação (PA) (86,87).

Começando pelos canais de Na+, descobriu-se que a cocaína se liga

preferencialmente a canais de Na+ quando estes estão abertos e inativos (88), devido

a um mais fácil e rápido acesso ao seu local de ligação e a uma alteração da sua

conformação aquando da abertura que aumenta a afinidade para a molécula de

cocaína (88,89,90). Esta ligação é influenciada pela FC – quanto maior a FC, maior o

bloqueio dos canais de Na+ (91) – e pelo pH – quanto menor o pH, maior o bloqueio

(92,93). Assim, a cocaína estabiliza os recetores num estado inativado e não-condutor,

do qual eles recuperam muito lentamente (86,88). Isto vai levar a um prolongamento

do período refratário para a génese do potencial de ação (PA) e a uma diminuição das

correntes de Na+, diminuindo a condução miocárdica e explicando assim o

prolongamento do intervalo QRS associado com o consumo de cocaína (88,91). Em

alternativa, existem vários relatos de alterações compatíveis com síndrome de

Brugada induzidas pelo consumo de cocaína. A razão da ocorrência destas alterações

não é conhecida, mas estará relacionada com o bloqueio dos canais de Na+ pela

cocaína (94,95,96).

Em relação aos canais de K+, vários estudos demonstraram que a cocaína

prolonga o PA dos miócitos do ventrículo esquerdo (VE) e, consequentemente,

prolonga o intervalo QT, predispondo a várias arritmias tais como síndromes de QT

longo e TdP (97,98). Atualmente conhece-se o mecanismo anatomofisiopatológico

envolvido nestas alterações. A cocaína inibe um canal de K+ regulado por voltagem

chamado “rapid delayed rectifier potassium current” (Ikr) (99,100), também conhecido

por canal hERG (embora, para ser exato, hERG é o nome de uma das subunidades do

canal e do gene que codifica essa subunidade) (101,102). O Ikr está diretamente

envolvido no PA ventricular, mais especificamente numa fase tardia da repolarização,

através da saída de K+ do miócito (100). A molécula de cocaína liga-se ao canal no

seu estado aberto e impede essa saída de K+ e os efeitos deletérios aparecem logo

após o consumo de cocaína (103,104). Tal como nos canais de Na+, a acidemia

também leva a um maior grau de inibição dos canais Ikr, aumentando o prolongamento

do intervalo QT (105). Recentemente descobriu-se ainda que a cocaína também inibe

outro tipo de canais de K+, regulados pelo ATP cardíaco – o canal KATP – que, em

condições fisiológicas, se mantêm sempre inativos, só se ativando em condições de

isquemia. Aí, o efeito desses canais leva a um estreitamento do PA, que poderá

proteger os miócitos da sobrecarga de cálcio. Uma vez que a cocaína facilita o

aparecimento de eventos isquémicos, colocou-se a hipótese destes canais também

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Tese de Mestrado Integrado em Medicina 13

terem um papel importante nas arritmias relacionadas com o consumo de cocaína,

mas até à data não existe mais informação científica disponível (106).

Finalmente, a cocaína interfere ainda com as correntes de Ca2+, aumentando a

concentração de Ca2+ no citosol através de vários mecanismos. O primeiro é o próprio

efeito nos recetores de K+ que, ao levar ao prolongamento da repolarização leva

também, consequentemente, a uma maior acumulação de iões Ca2+ no citosol (36).

Adicionalmente, a cocaína atua ainda nos recetores do tipo L do próprio Ca2+,

envolvidos na entrada do Ca2+ nos miócitos. Aqui, em baixas concentrações, a cocaína

atua como agonista e aumenta a concentração de Ca2+ intracelular. Em altas

concentrações, aparentemente bloqueia estes canais e dificulta a entrada do Ca2+

(107). Para além disto, como o Ca2+ é um segundo mensageiro da ativação dos

recetores adrenérgicos, o excesso de catecolaminas pode ser associado com um fluxo

aumentado de Ca2+ através dos miócitos. Esta acumulação excessiva de iões Ca2+

pode levar a uma despolarização da membrana durante o período refratário relativo.

Se esta pós-despolarização precoce ou tardia, de magnitude significativa, ocorrer

numa altura em que um número suficiente de células consegue conduzir o impulso

elétrico, ocorre um batimento cardíaco ectópico – evidenciado no ECG como uma

onda T anormal ou onda U no caso de pós-despolarizações precoces e como pequena

onda P extra no caso de pós-despolarizações tardias – que pode ser o trigger de

arritmias como taquicardia ventricular ou TdP (108).

Tratamento. Em geral, os doentes com arritmias associadas ao consumo de cocaína

devem receber o tratamento standard, incluindo o tratamento da isquemia (se

presente), a correção de distúrbios metabólicos (eletrolíticos, ácido-base ou

hipoxemia), a administração dos agentes antiarrítmicos apropriados e pacing

temporário, se necessário. Antiarrítmicos da classe Ia, Ic e também III devem ser

evitados pois podem agravar o prolongamento do QRS e do intervalo QT

(5,24,109,110).

Vários estudos verificaram que a forma protonada da molécula de cocaína

estabelece uma ligação aos canais de Na+ que, embora seja menos imediata do que a

ligação estabelecida pela forma neutra, é muito mais forte e estável. Assim sendo,

aumentos do pH estão diretamente relacionados com um aumento da quantidade

relativa de cocaína na forma neutra e com a prevenção do alargamento do complexo

QRS (92,93,111). Esta subida do pH pode ser feita à custa da administração de

bicarbonato de sódio, que não só aumenta o pH como aumenta a concentração

extracelular de Na+ (112,113). Este aspeto aumenta o seu poder terapêutico visto que

o Na+ e a cocaína têm locais de ligação diferentes mas que se sobrepõem e a ligação

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de um deles impede a ligação do outro através de forças eletrostáticas. Assim,

aumentando a concentração extracelular de Na+, enfraquece-se a ligação da cocaína

e reduz-se a sua afinidade (91,114). Logo, na presença de arritmias causadas pelo

bloqueio dos recetores de Na+, que são altamente prováveis quando se está perante

um doente com sinais de toxicidade aguda da cocaína (HTA, taquicardia, diaforese,

midríase, agitação psicomotora) e um aumento do QRS no ECG, após se otimizar a

oxigenação e a ventilação do doente e se administrar benzodiazepinas para controlo

da FC e da agitação, a administração sistémica de soluções hipertónicas de

bicarbonato de sódio repõe o pH fisiológico e produz uma rápida reversão do

alargamento do complexo QRS, tornando-o um tratamento de escolha para estas

arritmias. Poder-se-á começar com a administração de um bólus de 1-2mEq/Kg e

seguidamente bólus intermitentes quando necessário ou infusão contínua de

bicarbonato de sódio isotónico, sem nunca deixar o pH subir acima de 7,50-7,55

(109,110).

Outro fármaco que pode desempenhar um papel de antídoto na ação da

cocaína sobre os canais de Na+ é a lidocaína uma vez que, tal como o Na+, tem um

local de ligação sobreponível com o da cocaína (115). Assim, uma vez que a ligação

da lidocaína é mais rápida do que a da cocaína, a administração de lidocaína poderá

inibir a ligação da cocaína e impedir os seus efeitos (116,117). No entanto, alguns

estudos revelaram que esta só é eficaz em doses superiores às doses terapêuticas

habituais e que, em conjunto com a cocaína, poderá baixar o limiar convulsivo, pelo

que será uma alternativa de 2ª linha, a usar caso o bicarbonato de sódio hipertónico

não seja eficaz e apenas depois da administração de benzodiazepinas (118,119).

Quanto às alterações típicas de Síndrome de Brugada (bloqueio de ramo

direito e elevação do segmento ST em V1-V3), quando estas aparecem no contexto de

consumo de cocaína normalmente também desaparecem quando a cocaína é

metabolizada, voltando o ECG ao normal. No entanto, não se sabe se alguma

terapêutica é necessária ou eficaz enquanto estão presentes as alterações

electrocardiográficas e, como há uma maior preocupação para que o doente tenha

risco aumentado de morte súbita, a atitude mais sensata será referenciá-lo a um

cardiologista/eletrofisiologista para que seja estudada e considerada a implantação

dum cardioversor-desfibrilhador implantável (109,110).

Em relação às arritmias relacionadas com o efeito da cocaína nos canais de K+,

uma vez que os efeitos deletérios aparecem logo após o consumo da droga, se este

tipo de arritmias surge já no decorrer da hospitalização provavelmente estar-se-á

perante um doente que está/continua a consumir cocaína (exemplo: correio de droga),

podendo tomar-se medidas para limitar a absorção da substância (120). Assim, não

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existem tratamentos ou antídotos específicos para este tipo de arritmias, pelo que a

terapêutica é apenas de suporte até que a molécula de cocaína tenha sido

metabolizada. A única exceção é no caso de o doente apresentar prolongamento do

QT e TdP, situação na qual a administração de Mg2+ EV mostrou-se eficaz na

prevenção do desenvolvimento e da recorrência da TdP (121).

Nas arritmias associadas com o Ca2+, que estão intimamente ligadas às

relacionadas com o K+ como já foi explicado anteriormente, como o risco de pós-

despolarizações precoces está aumentado em frequências cardíacas baixas, poder-

se-ia considerar o pacing ventricular para limitar o prolongamento da repolarização. No

entanto, tal atitude não é aconselhada pois um aumento da FC iria exacerbar o

bloqueio dos canais de Na+ pela cocaína (110). Outro possível tratamento seria a

utilização dos BCC, que se mostraram eficazes em modelos animais (122,123). Mais

estudos em humanos são necessários, mas os BCC atualmente são uma possibilidade

de tratamento, especialmente se houver isquemia com risco de desenvolvimento de

arritmias ventriculares (109,110).

Prognóstico. O prognóstico é dependente do tipo de arritmia presente, que pode ser

auto-limitada e desaparecer quando a cocaína é metabolizada (exemplo: taquicardia

sinusal) ou pode ser potencialmente fatal (exemplo: fibrilhação ventricular) (124). Num

estudo cujo objetivo era avaliar especificamente a paragem cardíaca devido ao

consumo de cocaína, as conclusões foram que os consumidores de cocaína, em

comparação com outros doentes com paragem cardíaca, são mais facilmente

reanimados, têm uma menor taxa de mortalidade a curto-prazo e recuperam com

menos (ou mesmo nenhuma) sequelas neurológicas (125).

Cardiomiopatia e Miocardite

O consumo de cocaína causa alterações estruturais no miocárdio com

características tanto de dilatação miocárdica como de hipertrofia (126,127,128), a que

se associam achados histológicos de miocardite (129).

Epidemiologia. As informações em relação à incidência e prevalência destas

complicações são escassas. Num dos poucos estudos realizados, em 84 utilizadores

de cocaína intravenosa assintomáticos e aparentemente saudáveis, 7% tinha

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cardiomiopatia com disfunção sistólica do VE associada (126). Noutro, 570 de 11258

doentes (5,1%) que recorreram ao SU por ICC aguda descompensada tinham

consumido cocaína e a sua fração de ejeção do VE era significativamente inferior à

dos restantes – 23% versus 40% (130). Em relação à miocardite, está presente na

autópsia de 20-30% das pessoas que morrem por overdose de cocaína e também é

frequentemente encontrada em biópsias de consumidores ativos (129).

Fisiopatologia. Os mecanismos fisiopatológicos que conduzem a estas complicações

não são totalmente conhecidos, assim como a quantidade e duração do consumo de

cocaína necessários ao seu aparecimento (131). Inúmeras hipóteses foram sendo

propostas com base em modelos teóricos, experiências animais e achados

histológicos.

Os eventos isquémicos são uma das possíveis causas da cardiomiopatia

subaguda e crónica. Isto é apoiado pelo facto de alguns destes doentes terem história

prévia de isquemia coronária aguda e/ou EAM extensos, recorrentes e apresentarem

alterações regionais na motilidade da parede miocárdica, no ecocardiograma. No

entanto, outros doentes apresentam disfunção global da contração do miocárdio, que

poderá ser explicada por fenómenos não isquémicos (131,132).

Entre os fenómenos não isquémicos, um dos que tem mais evidências a apoiá-

lo é o efeito da estimulação crónica de catecolaminas no miocárdio. Como já foi

referido, a cocaína aumenta a concentração de catecolaminas circulantes através do

aumento da libertação de catecolaminas no SNC e na medula da suprarrenal e da

inibição da sua recaptação pelos neurónios pré-sinápticos. Um dos efeitos que esta

acumulação de catecolaminas tem é o aumento do stress da parede miocárdica, que

está relacionado com diminuições da fração de ejeção do VE (133). Para além disso,

os exames histológicos destes doentes revelaram necrose das bandas de contração e

miocardite focal (necrose focal, depois substituída por fibrose focal, rodeada por

miócitos aparentemente normais), achados semelhantes aos encontrados em doentes

com feocromocitoma (134,135).

Outro dos mecanismos não isquémicos propostos é o aumento do influxo de

cálcio nos miócitos. A curto prazo, este efeito leva a um aumento da força de

contração. No entanto, posteriormente leva a despolarizações oscilatórias com

extrassístoles e taquicardias, ao comprometimento da contração dos miofilamentos e

consequente diminuição da performance do VE e, a longo prazo, verifica-se que as

concentrações de cálcio baixam apesar do contínuo estímulo adrenérgico,

perpetuando a depressão da função miocárdica (136,137).

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Em algumas experiências animais em que se administrou simultaneamente

cocaína e inibidores da NADPH-oxidase e da xantina oxiredutase a ratos, verificou-se

que esta prevenção da produção excessiva de espécies reativas de oxigénio impediu

o aparecimento de cardiomiopatia relacionada com a cocaína, podendo sugerir que o

aumento do stress oxidativo possa ser outro dos mecanismos envolvidos na génese

da cardiomiopatia (138).

Para além destes mecanismos, já foi posto como hipótese para a génese da

cardiomiopatia o efeito tóxico direto da cocaína nos miócitos. A cocaína altera a

produção de citoquinas no endotélio e nos leucócitos circulantes (139), induz a

transcrição de genes responsáveis por alterações na composição do colagénio e da

miosina do miocárdio (140) e induz a apoptose dos miócitos (141). Isto leva a uma

fibrose, dilatação do VE e ICC. Para além destes efeitos, o bloqueio dos canais iónicos

das células do miocárdio pela cocaína pode explicar uma diminuição aguda da

contractilidade miocárdica (136).

A HTA secundária ao consumo de cocaína também pode desempenhar um

papel no aparecimento da cardiomiopatia hipertrófica relacionada com o consumo da

droga. O que se verificou é que há um aumento da massa muscular do VE causado

por um aumento do conteúdo proteico dos cardiomiócitos através de mecanismos

dependentes da proteína cinase C (142).

Finalmente, os contaminantes presentes na cocaína (143), as alterações

metabólicas e dos equilíbrios hidroeletrolítico e ácido-base presentes numa importante

percentagem dos consumidores de cocaína e a introdução de agentes infeciosos

aquando do consumo endovenoso da droga podem ser causa de disfunção aguda do

miocárdio e da cardiomiopatia relacionada com a cocaína (5).

Diagnóstico. As características clínicas da cardiomiopatia induzida pela cocaína

normalmente são semelhantes às de outras formas de cardiomiopatia, salvo algumas

exceções. A primeira é que estes doentes são mais novos (3ª-4ª década de vida) do

que os restantes. A segunda é que, embora os sintomas sejam semelhantes (dispneia,

diaforese, ansiedade, palidez, palpitações, tonturas, hipotensão em caso de choque),

como podem aparecer mais subitamente e sem um pródromo prolongado,

frequentemente não são acompanhados dos achados de ICC crónica (exemplo:

edema maleolar). Podem ainda estar presentes sintomas/sinais de um tónus

adrenérgico aumentado (HTA, taquicardia, febre, midríase) e qualquer outra

repercussão cardíaca da cocaína (131,136).

Em relação aos exames complementares de diagnóstico, os resultados

laboratoriais são semelhantes às das outras formas de ICC. Para além do ECG,

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ecocardiograma, pró-BNP, devem ainda ser pedidos exames de deteção de cocaína

ou dos seus metabolitos na urina, perfil toxicológico completo, hemoculturas se houver

sinais de infeção e, ainda, serologias para hepatites víricas e VIH (136). O ECG pode

ser compatível com hipertrofia ventricular esquerda e/ou ter alterações não específicas

do segmento ST-T, assim como apresentar sinais de isquemia ou das arritmias

anteriormente descritas (131). O ecocardiograma poderá mostrar uma dilatação das

câmaras cardíacas ou, em alternativa, um aumento do índice de massa do VE

(103g/m2 nos consumidores de cocaína versus 77g/m2 nos indivíduos controlo)

principalmente à custa de um aumento da espessura da parede posterior. Poderá,

ainda, revelar alterações regionais ou globais da contração da parede do miocárdio,

típicas da cardiomiopatia de etiologia isquémica ou de causas não isquémicas,

respetivamente (145). O Raio-X de tórax poderá ser normal ou pode ter sinais que

evidenciem a cardiomiopatia, como por exemplo a cardiomegalia e um reforço da

vascularização pulmonar. Todas estas alterações podem ser indistinguíveis das

alterações presentes noutras formas de cardiomiopatia (131,136).

A histologia dos fragmentos de biópsia estudados até agora revelaram necrose

das bandas de contração e infiltrados mononucleares dispersos associados a

alterações degenerativas, necrose de miócitos e fibrose intersticial. No entanto, em

estadios iniciais a biópsia pode não revelar qualquer alteração patológica, não se

observando a evidência de miocardite (146).

Tratamento. Não existem estudos caso-controlo randomizados com recurso a

placebos para testar e avaliar diversas hipóteses de tratamento em doentes com

cardiomiopatia associada ao consumo de cocaína. Todas as recomendações

sugeridas na bibliografia baseiam-se em estudos animais, case reports e nas

guidelines da AHA para o tratamento das cardiomiopatias em geral. Dito isto, poucas

diferenças há em relação ao tratamento de cardiomiopatias não relacionadas com a

cocaína. Inicialmente, o doente deverá ter uma Consulta de Cardiologia durante o

internamento. A terapêutica inicial deverá ser semelhante à usada noutras formas de

cardiomiopatia, à base de diuréticos e vasodilatadores (77), com as diferenças de que

se deve associar as benzodiazepinas (uma vez que as manifestações cardíacas de

ICC têm uma forte ligação com os sintomas neuropsiquiátricos de toxicidade aguda da

cocaína e o tratamento destes ajuda a tratar a ICC) (131) e de que os β-bloqueadores

são contraindicados, pelo menos, na fase aguda, devido às mesmas razões que já

foram explicadas anteriormente (58). Devem ainda tratar-se as arritmias e os

fenómenos isquémicos que acompanhem a cardiomiopatia de acordo com as

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indicações dadas atrás e ainda administrar inotrópicos e vasopressores caso os

doentes se apresentem em choque (131).

O tratamento crónico destes doentes deverá ter como base os diuréticos e

vasodilatadores (aos quais se poderá acrescentar IECA’s, ARA-II, digitálicos) e, uma

vez mais, a introdução de β-bloqueadores merece uma cuidadosa ponderação entre

os potenciais benefícios e os riscos de tornar a consumir cocaína. O doente deverá

ainda ser aconselhado a não voltar a consumir cocaína uma vez que a cessação

influencia o prognóstico. Para além destas medidas, o doente deve ainda ser orientado

para Consulta de Cardiologia ao fim de alguns meses para reavaliar a progressão da

sua cardiomiopatia (77).

Prognóstico. A cardiomiopatia relacionada com a cocaína é reversível até estadios

avançados se se verificar a abstinência do consumo de cocaína (147,148). Estes

dados foram confirmados tanto por exames imagiológicos como por exames

histológicos em que as biópsias de miocárdio de consumidores de cocaína

inicialmente revelaram sinais de miocardite mas, passado algum tempo de

abstinência, foram indistinguíveis das de indivíduos saudáveis (149). No entanto, se

houver recaídas, ela torna a reaparecer (150). No estudo com 11258 doentes referido

anteriormente, 28% daqueles que inicialmente se apresentaram com ICC aguda

descompensada causada pelo consumo de cocaína, recorreram 3 ou mais vezes ao

SU nos 6 meses seguintes, enquanto que nos restantes doentes, com ICC aguda

descompensada sem qualquer relação com o consumo de cocaína, a percentagem é

de apenas 11% (130).

Endocardite

Epidemiologia e Fatores de Risco. O consumo de drogas EV é um fator de risco

para o aparecimento de endocardites. No entanto, no caso da cocaína, estabeleceu-se

que o próprio facto de a droga injetada ser a cocaína e não outra constitui outro fator

de risco. Isto porque a epidemiologia demonstrou que as endocardites nos

consumidores endovenosos de cocaína são mais frequentes do que as endocardites

relacionadas com o consumo endovenoso de qualquer outra droga (151).

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Fisiopatologia. A razão pela qual isto acontece não é conhecida. Já foram propostas

várias hipóteses mas sem qualquer base factual e nenhuma delas foi, até hoje,

identificada como sendo a razão pela qual a cocaína leva a um risco aumentado de

endocardites (5). Uma dessas propostas baseia-se na possibilidade de os utilizadores

de cocaína terem menos cuidados de higiene, serem mais viciados, injetarem-se mais

frequentemente e com agulhas mais contaminadas (151). Outra das hipóteses baseia-

se nos efeitos diretos da cocaína, propondo que a lesão, a promoção da formação de

trombos, os aumentos da FC e da TA poderão levar a lesão vascular e valvular que

predispõe à infeção bacteriana, também facilitada pelo estado de imunossupressão

provocada pela cocaína, especificamente pela supressão sistémica de IL-8 (139).

Finalmente, há ainda o facto de o processo de fabrico da cocaína e os aditivos

presentes também poderem aumentar o risco de endocardite (143).

Diagnóstico. Ao contrário das endocardites relacionadas com outras drogas, no caso

da cocaína a endocardite envolve predominantemente as válvulas cardíacas

esquerdas. Nos MCD’s deve procurar-se evidência de disfunção valvular e doença

embólica (151).

Tratamento e Prognóstico. Os artigos consultados não referem qualquer

especificidade no tratamento e prognóstico das endocardites relacionadas com o

consumo de cocaína, pelo que se depreende que sejam semelhantes às das restantes

endocardites.

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CONCLUSÃO

A nível nacional, o consumo de cocaína continua a aumentar em todos os

segmentos da sociedade portuguesa. Logo, será de esperar que a frequência de

repercussões cardíacas causadas por esse consumo também seja cada vez maior,

sendo que o seu diagnóstico e tratamento constituem um desafio para os profissionais

de saúde que esta revisão bibliográfica pode ajudar a superar.

A cocaína pode causar um amplo espectro de patologias cardíacas, entre elas

os eventos isquémicos (por exemplo: EAM), vários tipos de arritmias, cardiomiopatias

(evidenciadas clinicamente por ICC) e endocardite. Os eventos isquémicos, que são a

repercussão cardíaca mais frequente, já se encontram relativamente bem

caracterizados em termos clínicos e têm opções de tratamento efetivas. No entanto,

apesar de a cocaína ser uma droga há muito tempo em circulação e de ser das mais

estudadas, a base fisiopatológica ainda não é completamente clara. Em relação às

restantes repercussões, o desconhecimento é ainda maior, pois em alguns existem

apenas propostas de mecanismos fisiopatológicos hipotéticos, sendo necessário mais

estudos (e com maior robustez científica) para um maior esclarecimento das suas

bases clínicas, fisiopatologias e tratamentos. Para além disso, não existem guidelines

de tratamento específicas, pelo que poderão estar a ser tratados de forma

subotimizada pois a sua causa é desvalorizada. Mesmo as poucas indicações em

guidelines específicas existentes, nomeadamente para o EAM causado pelo consumo

de cocaína, tendem a ser conhecidas apenas por especialistas da área e não pelos

clínicos mais generalistas a quem cabe o primeiro contacto com o doente na fase

aguda.

A colheita da história clínica afirma-se, mais uma vez, como momento

determinante no seguimento destas patologias, pois a identificação do consumo de

cocaína como causa da sintomatologia pode influenciar a escolha do tratamento e o

prognóstico do doente. Apesar de algumas destas patologias causadas pelo consumo

de cocaína terem características distintas, a maior parte é clinicamente igual às

patologias equivalentes sem relação com a cocaína, pelo que se torna importante

questionar diretamente o doente sobre o consumo de drogas de abuso, em particular a

cocaína.

Independentemente da repercussão cardíaca existente e das medidas tomadas

na fase aguda, nenhum tratamento está completo sem a cessação do consumo da

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droga, pelo que todo e qualquer médico deve sensibilizar junto do doente a

importância da cessação do consumo de cocaína no tratamento e na prevenção de

recidivas das repercussões, oferendo ajuda e possibilidades de seguimento e de

referenciação para profissionais ou centros especializados em toxicodependência.

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AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Hipólito Reis, o meu sincero agradecimento por ter orientado este projeto e por ter posto o seu vasto conhecimento e o seu tempo à minha disposição incondicionalmente. Muito Obrigado.

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

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ANEXO 1

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

Tese de Mestrado Integrado em Medicina 34

Apresentação. O caso clínico refere-se a uma doente do sexo feminino de 42 anos,

fumadora, obesa com HTA e dislipidemia. Apresentava história de toxicodependência,

sendo VIH positiva, seguida por Infeciologia, pelo menos desde 2005. Durante os

eventos abaixo descritos encontrava-se em programa de substituição por metadona,

consumindo cocaína ocasionalmente.

Em Abril de 2005 recorreu ao SU do Centro Hospitalar do Porto por dor

precordial intensa, opressiva, com irradiação para os dois membros superiores,

acompanhada de hipersudorese, com 1h30 de evolução dos sintomas. Referia ter

consumido cocaína EV, aproximadamente, 24h antes. O ECG realizado no SU revelou

bloqueio auriculoventricular (AV) completo com resposta ventricular de 55 bpm e

elevação do segmento ST nas derivações inferiores. O doseamento da troponina I

atingiu um máximo de 0,36 ng/mL. Foi sujeita a ICP primária, que demonstrou lesão

osteal da artéria coronária direita (ACD) associada a espasmo com carácter oclusivo,

resolvida com implantação de stent revestido com paclitaxel, tendo ficado internada na

Unidade de Cuidados Intensivos Coronários. Durante o internamento foi medicada

com AAS, clopidogrel, nitratos, BCC e benzodiazepinas com boa evolução clínica. O

ecocardiograma pré-alta revelou hipocinesia do segmento basal das paredes inferior e

posterior mantendo, no entanto, uma boa função sistólica do VE. Teve alta medicada

com diltiazem, nitroglicerina, AAS e clopidogrel.

Em Abril de 2006 voltou ao SU por recorrência da mesma sintomatologia,

algumas horas após consumo de cocaína. O ECG revelou taquicardia sinusal, ondas

Q patológicas e supradesnivelamento do segmento ST em DII, DIII, aVF e de V4 aV6

e infradesnivelamento de ST em DI, aVL e de V1 a V3. Fez cateterismo cardíaco que

evidenciou lesão não significativa na ACD proximal (<50% oclusão) com trombo

intraluminal não obstrutivo. Evoluiu sem complicações no internamento e o

doseamento máximo de troponina I foi de 11,82 ng/mL. É de salientar que no

internamento foi-lhe administrado propanolol e teve alta medicada com AAS,

clopidogrel, diltiazem, nitroglicerina, sinvastatina e pantoprazol.

Retornou ao SU 3 meses depois, em Julho de 2006, com as mesmas queixas

em contexto, novamente, de consumo de cocaína nesse mesmo dia. O ECG revelou

dissociação AV, supradesnivelamento ST em DII, DIII, aVF e de V4 a V6 e

CASO CLÍNICO

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

Tese de Mestrado Integrado em Medicina 35

infradesnivelamento ST em DI e aVL. A troponina I atingiu valores máximos de

43,97ng/mL. No entanto, neste episódio foi tratada com trombólise. Acabou por fazer

cateterismo devido a persistência da dor, que não revelou alterações de novo nem

reestenose do stent da ACD.

Ainda em 2006, no mês de Dezembro, teve novo episódio de EAM com

supradesnivelamento de ST. No entanto, desta vez negou ter consumido cocaína e

afirmou cumprir a medicação crónica. O ECG revelou dissociação AV completa com

escape juncional, supra-ST em DII, DIII, aVF e de V4 a V6. O doseamento máximo de

troponina I foi de 18,23 ng/mL e o pedido de rastreio de drogas na urina revelou

cocaína, metadona e opiáceos em quantidades significativas, confirmativas de

consumo recente. Fez ICP primária com implantação de stent na ACD. O

ecocardiograma pré-alta revelou acinesia médio-basal da parede inferior, boa função

global do VE e disfunção do VD com acinesia dos segmentos basais da parede livre

do VD.

Em 2007 não teve qualquer recurso ao SU mas voltou em Fevereiro de 2008

com sintomatologia semelhante à dos episódios anteriores. Negou ter consumido

cocaína mas admitiu suspensão de toda a medicação diária nos 3 dias anteriores, por

iniciativa própria. Foi feito o diagnóstico de EAM com supradesnivelamento de ST nas

derivações das paredes inferior e lateral. Foi submetida a ICP primária que revelou

trombose de um dos stents da ACD. Foi realizada aspiração do trombo e foram

implantados dois novos bare-metal stents a montante e a jusante do stent ocluído e

que, por sua vez, foi dilatado. Teve alta hospitalar medicada com AAS, clopidogrel,

bisoprolol, perindopril, omeprazol e sinvastatina.

Finalmente, a sua última ida ao SU, até à atualidade, foi em Novembro de

2010, com clínica de angina instável (3 episódios de dor torácica típica nas 24 horas

anteriores, com irradiação para o membro superior esquerdo, associada a sintomas

neurovegetativos e que cederam à administração de nitroglicerina sublingual). Admitiu

ter consumido cocaína antes do aparecimento dos sintomas. O ECG revelou

taquicardia sinusal, ondas Q patológicas presentes em DII, DIII e aVF e inversão da

onda T de V1 a V6. No dia seguinte, foi submetida a cateterismo eletivo que revelou

artéria descendente anterior e artéria circunflexa sem estenoses, com fluxo normal e

ACD com stents sem critérios de reestenose e com fluxo normal, mas com hiperplasia

difusa nos segmentos proximal e médio. É de salientar que foi medicada com

carvedilol na fase aguda.

Durante todo este período foi sempre seguida em Infeciologia devido à sua

infeção por VIH, verificando-se, também, adesão irregular à terapêutica antirretroviral.

Sem outras intercorrências relevantes e sem critérios de SIDA.

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

Tese de Mestrado Integrado em Medicina 36

Discussão. A doente apresentada na história clínica tem algumas particularidades

que a distinguem do típico consumidor de cocaína, como o facto de ser do sexo

feminino, ser obesa e ter factores de risco cardiovasculares (HTA e dislipidemia). Por

outro lado, partilha algumas características típicas das dos consumidores desta droga

de abuso, que foram sendo referidas ao longo da revisão bibliográfica. Trata-se de

uma doente fumadora, que teve o primeiro enfarte aos 35 anos, patologia não

esperada nesta faixa etária, mesmo na presença de todos os fatores de risco

cardiovascular, para além da cocaína. Após o primeiro enfarte, reincidiu no consumo

de cocaína e demonstrou má adesão às terapêuticas crónicas instituídas, tal como

está descrito nos consumidores de drogas de abuso.

A reincidência no consumo de cocaína demonstra o poder aditivo e viciante

desta droga. De facto, esta doente, mesmo após a ocorrência de um EAM, não

conseguiu manter-se em abstinência. Está provado que esta reincidência não é

causada somente por “simples” falta de motivação ou força de vontade, mas também

por uma necessidade fisiológica conhecida, relacionada com a diminuição do número

de recetores de dopamina expressos na superfície dos neurónios e, consequente

dessensibilização e tolerância à cocaína. Talvez esta doente fosse uma boa candidata

à realização de uma PET com recurso a radioisótopos que pudesse comprovar este

fenómeno (152).

A dificuldade na adesão à terapêutica, possivelmente relacionada com as

baixas condições socioeconómicas e com um estilo de vida errático típico desta

população, tem uma importância fulcral nestes casos porque, sendo alta a

probabilidade do doente não seguir as recomendações do médico, este facto deve ser

tido em conta aquando da escolha dos tratamentos a efetuar. Nesta doente, esse fator

de risco nem sempre foi ponderado pois, no primeiro EAM, foi-lhe implantado um drug-

eluting stent que exigiria a manutenção de dupla anti agregação plaquetária durante 1

ano, que a doente não cumpriu. Assim, o EAM ocorrido em Fevereiro de 2008 foi,

muito provavelmente, devido a este contexto.

Por outro lado, os múltiplos EAM sofridos por esta doente, poderão ser

diretamente relacionados com o consumo de cocaína, apesar das outras

comorbilidades associadas. Na verdade, previamente ao primeiro EAM, não havia

qualquer sinal nem evidência de aterosclerose clinicamente significativa, o que parece

confirmar que a doença cardiovascular pré-existente não é um requisito absoluto. Os

registos mostraram que alguns dos episódios de EAM foram tratados com β-

bloqueadores na fase aguda, o que é fortemente desaconselhado na grande maioria

das guidelines e dos artigos consultados na revisão bibliográfica. Desta forma é muito

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

Tese de Mestrado Integrado em Medicina 37

importante sensibilizar os profissionais de saúde para a diferente abordagem

terapêutica do EAM no contexto do uso da cocaína. A utilização dos β-bloqueadores,

após a fase aguda, é discutível; neste caso em particular, face ao registo das múltiplas

reincidências, também deveria ter sido evitado.

É ainda de salientar que três dos EAM foram acompanhados por distúrbios do

ritmo e da condução elétrica do coração, nomeadamente taquicardia sinusal e

bloqueio AV, o que por si só é um fator de mau prognóstico. Tal fato é independente

de se tratar de uma consequência direta ou indireta do consumo de cocaína, através

do seu efeito na condução elétrica ou através da isquemia, respetivamente. Para além

disso, há evidência, nos ecocardiogramas realizados, da presença de miocardiopatia,

de provável causa isquémica que, embora ainda não se manifeste sintomaticamente

com ICC, terá tendência a agravar, caso o consumo de cocaína se mantenha. A

ocorrência de arritmias e de cardiomiopatia, nestes episódios, mostra, ainda, que

podem coexistir várias repercussões cardíacas da cocaína no mesmo doente em cada

episódio, podendo estar interligadas por relações de causa-efeito, sendo a cocaína o

fator causal primário.

Finalmente, esta doente deverá ser mantida em vigilância apertada, alertada

em todas as consultas médicas para a importância determinante da não reincidência

no consumo de cocaína e para as consequências de voltar a consumir e de não

cumprir a terapia crónica, que inclui o controlo dos seus fatores de risco

cardiovasculares.

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Repercussões Cardíacas do Consumo de Cocaína

Tese de Mestrado Integrado em Medicina 38

Repercussões Cardíacas do Consumo de Drogas de Abuso

A Propósito de um Caso Clínico: Enfarte Agudo de Miocárdio Recidivante por Consumo de Cocaína

Pedro Filipe Mendonça Azevedo

Orientador: Dr. Hipólito Reis

2011/2012