renovações nas formas narrativas

Upload: pedro-benevides

Post on 10-Jan-2016

7 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

sobre renovações nas formas narrativas

TRANSCRIPT

  • Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 25 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Innovations in narrative forms and presentation of television news as an approximation strategies with viewers

    Lvia CIRNE1

    1 Jornalista, doutora em Comunicao pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora do

    curso de Comunicao Social - Jornalismo da Universidade Federal do Maranho. Contato: [email protected]

    Resumo O desenvolvimento da televiso, delimitado (principalmente) pelas mudanas tecnolgicas e pelos processos de convergncia, tem demandado novos desafios s emissoras, que esto sendo foradas a reverem seus modelos de comunicao. Os telejornais, por exemplo, que se diferenciam de outros programas por pertencerem a um gnero que tem o carter de seriedade como tom principal, tentam estabelecer uma relao mais prxima com a audincia, com bastante frequncia. O presente trabalho discute sobre a estratgia de renovao que as emissoras tm encontrado para fugir de um formato engessado de apresentao, produzindo nfases mais argumentativas e provocando sentidos de conversao na tentativa de incluir o telespectador no enunciado. Observaremos que essa estratgia se materializa no s com a produo de linguagem conversada, performtica e menos narrada, mas at mesmo com a readaptao do cenrio, que d mobilidade aos jornalistas.

    Palavras-chave Jornalismo; Telejornalismo; Renovao; Linguagem; Participao.

    Abstract The development of television, delimited (mostly) by technological change and the processes of convergence, has demanded new challenges to broadcasters, who are being forced to revise their models of communication. Television news, for example, which differ from other programs because they belong to a genre that has the character of seriousness as the main tone, try to establish a closer relationship with the audience, quite often. This paper discusses a innovation strategy that broadcasters have found to escape a "cast" presentation format, producing more argumentative emphasis senses and provoking conversation - in an attempt to include the viewer in the statement. Observe that this strategy is embodied not only in language production conversed, performance and less reported, but even with the upgrading of the scenario, which gives mobility to journalists.

    Keywords Journalism; TV News; Innovation; Language; Speech; Participation.

    RECEBIDO EM 25 DE OUTUBRO DE 2014

    ACEITO EM 03 DE MAIO DE 2015

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 26

    s telejornais esto mudando suas formas de apresentao e

    renovando sua linguagem, geridos pela intencionalidade de se

    aproximar cada vez mais dos seus telespectadores. Nos ltimos

    anos, sobretudo sob a influncia da digitalizao e dos processos de

    convergncia, eles tm rearranjado seu modo de enunciao, oferecendo

    espao para manifestaes das experincias pessoais dos jornalistas e at

    incluindo esses espectadores nos textos veiculados.

    Explicando resumidamente a teoria da enunciao, podemos dizer

    que sob o ponto de vista discursivo, toda enunciao implica na presena

    de um enunciado, ou seja, a existncia de um dito. Se h um dito, h

    tambm algum que o produziu dirigido a um outro algum, o que sugere

    concluir que toda produo de enunciado pressupe dois actantes

    instaurados na cena: 1) um enunciador (um eu), ou seja, um emissor,

    que efetiva o ato de dizer, 2) e um enunciatrio (um tu), isto , um

    receptor, para quem a mensagem destinada, quer dizer, aquele para

    quem se fala2. Isso significa que, na ao de enunciar, o eu no s se

    define, mas tambm assegura a existncia de um tu, a quem deseja

    convencer, a quem se manifesta uma inteno de fazer crer naquilo que

    dito, de alguma maneira. A enunciao, ento, um ato de interao,

    que visa, de algum modo, unir um eu a um tu (BENVENISTE, 1989).

    De acordo com Benveniste (1989), esse tu, apesar de ser

    indispensvel, j que o enunciador s se estabelecer como tal ao interagir

    com ele, no dispe da mesma competncia do eu, porque na ao de

    constituio do discurso, todo o sentido de temporalidade e espacialidade

    regido pelo eu falante. A inscrio do enunciado se d, pois, tomando

    como referncia o tempo e o espao em que se ordenam, na dependncia

    do enunciador. Nesse sentido, o aqui refere-se ao ambiente do eu, a

    partir do qual os demais espaos se apresentam como ali, l, a, etc.,

    e o agora ao instante marcado pela combinao entre o tempo do fato

    2 Esse tu, mesmo sendo um receptor, no um ser passivo e manipulvel. um actante que, ao mesmo tempo em que recebe as informaes produzidas pelo eu, interpreta, reavalia e constri significaes.

    O

  • As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 27 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    exposto e a enunciao do fato em si (FIORIN, 2008), a partir do qual os

    outros momentos se caracterizam como passado e futuro.

    A partir disso, temos que a enunciao se baseia na trade: actante,

    espao e tempo, e essas trs categorias se arranjam, no discurso, a

    depender da inteno que se deseja produzir. O mecanismo de

    instaurao dessas instncias o que se entende por debreagem (FIORIN,

    1995). Debreagem a operao em que a instncia de enunciao

    disjunge de si e projeta para fora de si, no momento da discursivizao,

    certos termos ligados a sua estrutura de base com vistas constituio

    dos elementos fundadores do enunciado, isto , pessoa, espao e tempo

    (GREIMAS & COURTS, 1979, p. 79, apud, FIORIN, 1995, p. 26). De tal

    forma, a discursivizao apresenta-se como o procedimento instaurador

    da pessoa, tempo e espao reais e as suas representaes actancial,

    espacial e temporal do enunciado. A manifestao explcita, ou no, do

    eu, do aqui e do agora que vai determinar os efeitos de sentido

    atribudos a enunciao.

    Mas, e no telejornal, como so estabelecidas tais analogias? No

    exerccio de produzir e transmitir informao, essa modalidade televisiva

    pe em interao os diferentes nveis a que se fez meno. Fechine

    (2008), ao refletir sobre as disposies dos papis enunciativos

    apropriados ao telejornal, entende que o enunciador corresponde, na

    realidade, a um conjunto de funes responsveis pelo processo de

    produo do programa. O eu pressuposto a equipe que coordena,

    pensa e elabora os contedos do telejornal, almejando, de certo modo,

    um pblico especfico. Esse pblico obedece ao que Vizeu (2005) classifica

    como audincia presumida: uma plateia construda simbolicamente pelo

    telejornal. Desse modo, a equipe do programa produz um discurso para

    um tu pressuposto, que se configura como uma ideia pr-concebida dos

    provveis perfis de telespectadores que, naquele horrio de exibio,

    ocupariam o lugar da recepo.

    Inserido no enunciado, existe a voz do(s) apresentador(es), que se

    responsabiliza(m) pelo texto em situao de comunicao, comandando

    toda a cena e dirigindo sua mensagem no mais a um pblico idealizado,

    e, sim, a uma audincia figurativizada, que est lhe(s) assistindo, e que,

    inclusive, tambm pode ser inscrita no discurso, por meio de diversas

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 28

    maneiras, como quando interrogada (voc gosta de viajar?), quando

    recebe orientaes (para se inscrever, voc precisa de...) ou ordem

    (preste ateno..., veja...), por exemplo. Nesse caso, tais atores

    enunciativos so seres reais, dotados de intenes, que se equivalem ao

    eu e o tu projetados no interior do enunciado, instaurando-se,

    portanto, como o narrador (locutor) e o narratrio (locutrio), conforme

    representa a Figura 01.

    Figura 01: Actantes da enunciao telejornalstica3

    Baseado em: Fechine (2008)

    Observa-se, ainda, que, sendo o telejornal o produto de uma

    montagem de vozes, por projeo, os apresentadores no se instauram

    como os nicos sujeitos, pois essas mesmas relaes se estabelecem na

    instncia do enunciado englobado, no qual os reprteres se organizam

    como os responsveis pelo novo discurso. Os apresentadores funcionam,

    ento, como condutores, que delegam voz aos reprteres, os quais tm

    por funo evidenciar os fatos, introduzindo-se, cada qual, como um outro

    eu, que fala para um tu correspondente. Nesse intercmbio,

    delimitam-se os diferentes papis enunciativos do ato, no qual o

    apresentador assume a conduta de narrador principal, no telejornal, e os

    reprteres como narradores secundrios, nas unidades menores, como a

    (FECHINE, 2008).

    Embora os reprteres constituam uma voz projetada no discurso

    (tambm promovendo interao com o telespectador) e desempenhem

    3 Na figura, fazemos referncia ao nvel do enunciador/enunciatrio e o nvel do narrador/narratrio. O primeiro corresponde ao autor e leitor do texto, mas, no, os reais, fisicamente falando, pertencentes ao mundo extralingustico. So uma imagem implcita do autor e do leitor construdas pelo enunciado. So uma idealizao de quem produziu o discurso. Referem-se ao eu e o tu pressupostos. J o segundo nvel diz respeito ao eu e ao tu que ocupam posies dentro da cena enunciativa. O narrador e o narratrio so o eu e o tu projetados no interior do texto, que aparecem, efetivamente, figurativizados no enunciado. So os atores individualizados postos em ao pelo enunciador.

  • As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 29 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    participao fundamental para o programa, com o compromisso de revelar

    os fatos reais, deteremos nossa investigao aos apresentadores, por

    entendermos que eles alcanaram um status especial na mediao, no s

    por regerem a entrada dos demais jornalistas, mas por serem imputados

    como a marca registrada do programa. Alm disso, diferentemente dos

    outros actantes envolvidos na composio do telejornal, a sua presena

    no discurso parmetro para um conjunto de relaes espaciotemporais,

    pois o espao e o instante de fala deles so o aqui e o agora. A

    atuao ao vivo estabelece a sincronia entre a narrao do

    apresentador, a transmisso do programa e a recepo do telespectador.

    O mesmo no possvel garantir ao convocar os reprteres, j que suas

    intervenes, na maioria das vezes, no acontecem simultaneamente

    exibio do telejornal, pois boa parte das matrias captada e editada,

    para ser exibida num momento posterior ao acontecido.

    Desse modo, a concomitncia entre o apresentador-narrador e o

    telespectador-narratrio pode ancorar vnculos e sustentar uma interao

    mais prxima da conversa. Por isso, acreditamos que a funo dos

    apresentadores parece suscitar um olhar mais atento em relao ao

    desenvolvimento de suas performances, uma vez que elas so

    estratgicas e tm um impacto incisivo na aceitao ou no da audincia.

    Ao se manifestarem como os eus projetados, dependendo de como

    deixam (ou no) suas marcas no enunciado, eles acabam por imprimir

    certos efeitos de sentido (proximidade vs. distanciamento) ao telejornal,

    provocando maior engajamento ou no, do telespectador. Somado a isso,

    h uma discreta busca por uma postura mais leve, mais ntima e com

    descontrao. Essas operaes esto subjugadas, primeiro, aos interesses

    do enunciador, do eu pressuposto, que tem a competncia de propor o

    tom principal da emisso. O tom da emisso (JOST, 2007) se refere, em

    linhas gerais, ao planejamento das prticas sociais e discursivas, que

    podem ser conferidas ao programa veiculado, com o intuito de satisfazer

    s expectativas do enunciatrio. Em sntese, os tais efeitos so o tom

    proposto no nvel do enunciador e posto em ato pelo narratrio, como

    trataremos a seguir.

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 30

    Sobre o tom dos telejornais e os efeitos de sentido na enunciao

    Na concepo dos programas televisivos, preside uma lgica

    mercadolgica e tecnolgica, mas tambm a discursiva, que determina

    suas formas de manifestao ou como ser tratado seu pblico (DUARTE,

    2004). As vrias edies dos telejornais distribudas pela grade de

    programao televisiva, em distintos horrios, por exemplo, no s

    impem cuidados diferenciados na produo dos acontecimentos

    retratados, como preveem diferentes possibilidades de articulao entre

    os apresentadores e telespectadores. Os modos de endereamento

    utilizados, empregando certos efeitos de sentido, ainda que paream

    espontneos, so fruto de um planejamento pensado nas etapas de

    concepo do programa. Eles tm a ver com o tom.

    Na narrativa televisual, de acordo com Duarte (2004), o tom diz

    respeito ao conjunto de aspectos de contedo da situao comunicativa

    atualizada por um programa, responsvel pela determinao de uma

    ancoragem especfica, por meio da qual o enunciador deseja que o

    enunciatrio reconhea o produto que lhe est sendo ofertado. atravs

    dele que um programa se diferencia de outros, fundando uma relao

    particular com a audincia. A conferncia do tom (ou tonalizao) uma

    deciso estratgica, pois ele que vai ditar como os actantes devero se

    comportar na emisso. Conforme a autora,

    O tom confere, ento, ao discurso produzido, um modo de dizer que se projeta diretamente sobre os sujeitos da comunicao (...), operando sobre o conhecer para fazer sentir e sobre o sentir para fazer conhecer; sobre o dizer para fazer fazer e sobre o fazer para fazer dizer. Quando esse tom muitas vezes reiterado nas produes de um mesmo sujeito, acaba por se transformar em uma marca estilstica (...) de determinados programas televisivos. (DUARTE, 2004, p. 123)

    Essa deliberao tonal se orienta pelo esforo em compatibilizar o

    gnero do programa com: o seu tema, o horrio de veiculao, o tipo de

    audincia prevista e a maneira com que se deseja manter uma interao

    com ela, a partir de um dizer especfico. Trata-se de um jogo, no qual a

    inteno do emprego preconcebido do tom nutrir um engajamento

  • As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 31 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    ritualizado entre as partes envolvidas na instncia da enunciao, capaz

    de torn-las cmplices e o programa, cativo. Quando se acerta o tom,

    significa afirmar que houve a conquista do telespectador.

    Cada modalidade televisiva aciona um tom principal ao discurso

    produzido ser o determinante no programa , que est relacionado

    expectativa do gnero, ou seja, ao que j intuitivo e adequado. Em

    seguida, combina-o com outros tons, os tons complementares, que se

    inscrevem na discursivizao, permitindo que dado programa assuma

    caractersticas especficas. Isto , um programa hipottico pode ter como

    tom principal a ludicidade, mas, ao mesmo tempo, pode agregar

    informalidade, ironia, superficialidade e proximidade. Um enunciado

    qualquer, por exemplo, pode tambm, alm de se ajustar a outros tons,

    oscilar entre mais ou menos superficialidade. Assim, dependendo da

    significao que se deseja aplicar ao produto televisivo, o texto pode

    variar entre movimentos de modulao ou de gradao de tons, em que o

    primeiro diz respeito mudana do tom principal para os outros

    complementares e, o outro, ampliao ou reduo da nfase de certo

    tom.

    No caso particular do telejornal, entendemos que, por se reportar

    ao real, apoiado numa transmisso direta, o gnero possui uma

    composio enunciativa cristalizada, que guia toda a produo na

    tentativa de provocar a noo de verdade no telespectador. Essa verdade,

    obviamente, no a dos fatos, em si, mas a verdade discursiva, ou seja,

    aquela que construda pela televiso. So fragmentos de realidade,

    inclusive estruturados por uma srie de operaes tcnicas, tais como:

    enquadramento e movimento de cmeras, edio das imagens, escolha

    das fontes, etc. Essa verdade discursiva apresentada pelos telejornais

    busca criar relaes de credibilidade, estabelecer um regime de crena.

    Ela tem que parecer incontestvel recepo do telespectador. E,

    independentemente do suporte, essa uma caracterstica,

    epistemologicamente reconhecida, dos princpios jornalsticos.

    Historicamente, as diversas modalidades jornalsticas estiveram ancoradas

    em regras particulares e em valores-padro que indicassem essa maneira

    mais adequada de se transmitir informao.

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 32

    justamente nesse sentido que Duarte & Freitas (2007) afirmam

    que a prescrio estratgica de um tom principal imprescindvel. As

    autoras compreendem que a tonalizao do telejornal se refere

    categoria disposio, pois o que deve imperar a seriedade. Nos diversos

    modelos de telejornais, observamos que as equipes se dizem sempre

    compromissadas com investigaes e relatos bem apurados e corretos,

    procurando, com cautela, ouvir vozes (comuns ou autoridades no assunto)

    que possam legitimar o que est sendo mostrado. Eles se atm,

    fundamentalmente, ao carter de novidade das informaes e os temas

    so de interesse pblico e/ou que lidam com questes alusivas

    responsabilidade social e prestao de servios. A entoao pausada do

    texto, a postura intelectual, as tcnicas de iluminao, com

    harmonizao de cores, o cenrio discreto, a sonorizao, os registros das

    cmeras, os recursos de edio e o vesturio dos narratrios tambm

    reforam a seriedade.

    Esse tom, que planejado no nvel enunciativo, posto em ao,

    principalmente, atravs do comportamento do apresentador-narrador,

    como porta-voz oficial do programa, tanto nos mecanismos de

    expressividade adotados, quanto nas estratgias discursivas. Como

    condutor dos demais atores da edio telejornalstica, ele responsvel

    no s por manter a seriedade, mas tambm, dependendo do tempo de

    exibio e dos prprios acontecimentos, por combin-la com outros tons

    complementares, que tradicionalmente foram se validando, como:

    formalidade, profundidade, regularidade (repetio de cenrios, do

    nmero de apresentadores e nmero de blocos, por exemplo),

    distanciamento, etc. (DUARTE & FREITAS, 2007). o apresentador,

    sobretudo, que realiza a dinmica da modulao e da gradao tonais e,

    exatamente nessas oscilaes, tencionam-se algumas das atuais e

    principais mudanas nos telejornais, em especial no que diz respeito

    dedicao ao tom formal e de distanciamento consagrados nos primeiros

    formatos.

    Ao longo dos anos e com o desenvolvimento tecnolgico, a

    transformao cultural e, acima de tudo, com a chegada do processo de

    digitalizao, os telejornais vm, com sutileza, operando rupturas em suas

    configuraes, em funo das nuances /formalidade vs. informalidade/ e

  • As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 33 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    /distanciamento vs. proximidade/. A postura sisuda, os comentrios

    contidos, a performance bem comportada dos apresentadores por trs

    de uma bancada, que so indicativos da formalidade, isso tudo, aos

    poucos, foi cedendo espao, a uma conduta menos engessada, mais

    descontrada, valendo-se de frases com termos coloquiais, com maior

    liberdade de avaliao crtica dos assuntos exibidos e explorando

    possibilidades de locomoo no estdio ou at fora dele, separando-se de

    uma estrutura cnica clssica. A informalidade tambm notada nas

    demonstraes de irritao de alguns apresentadores ou no provisrio

    desuso do teleprompter, cabendo uma improvisao provocada. Ou

    quando os apresentadores sorriem, aderem ao uso de bordes, de

    provrbios e trocadilhos e no so mais convocados por nome e

    sobrenome e, sim, s pelo nome. Ou, ainda, quando se entreolham e

    partilham experincias pessoais, durante a transmisso.

    Tudo isso se alia a um maior grau de proximidade, ao organizarem

    uma forma particular de proferirem seus textos, em vez do distanciamento

    conferido aos formatos mais antigos. Enquanto que nos modelos

    tradicionais, via de regra, predominava a busca pelo sentido de

    objetividade, com uma narrativa impessoal do apresentador,

    principalmente, em alguns atuais observada no s uma manuteno da

    objetividade em momentos especficos, como uma inclinao acentuada

    por um efeito de subjetividade na narrativa, construindo, no interior do

    discurso, uma relao cordial com o telespectador. Nesse caso, o que vai

    conferir esses efeitos de sentido so exatamente as debreagens realizadas

    na enunciao.

    A rigor, imputou-se que delimitando o campo de atuao do

    apresentador-narrador, como um actante onisciente, que no participa

    dos acontecimentos, suprimindo o eu do enunciado, para dar nfase ao

    ele, ou seja, a uma produo de texto em terceira pessoa,

    acompanhado de verbos que se flexionam no infinitivo, sem predicados

    substanciais, estar-se-ia conferindo maior preciso s informaes e uma

    aparente neutralidade ao discurso do telejornal, conforme mostramos na

    narrao do apresentador abaixo, datada de 08 de julho de 1991:

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 34

    Cid Moreira: O INAMPS probe, em todo o estado do Rio, o uso do soro que matou trs crianas. Os fabricantes dos produtos tambm sero responsabilizados pela contaminao de mais oito bebs. (...) O ministrio da sade enviou um comunicado s secretarias estaduais de sade determinando a suspenso imediata do consumo do soro dos hospitais e a interdio dos estoques. O uso desse soro vai ficar suspenso at o resultado da anlise, que est sendo feita pela Fundao Oswaldo Cruz. (JORNAL NACIONAL, documento web)

    Os apresentadores, por muito tempo, apenas operaram esse tipo

    de discurso, obedecendo s regras de imparcialidade, fabricando a iluso

    de afastamento, por meio da elaborao de um discurso do ele, no

    tempo do ento e no espao do l. Esse sujeito funcionou,

    inicialmente, apenas como uma voz que tem o papel de relatar os fatos e

    os pareceres de outros (especialistas, fontes, etc.). Todavia, nos ltimos

    anos, a intensidade desse tom tem diminudo, configurando um texto com

    pretensas buscas por aproximao entre o apresentador-narrador e o

    telespectador-narratrio, no qual o primeiro assume um eu, que se

    manifesta declaradamente como eu, e fala para um tu, denominado

    como tu. O discurso construdo de um eu que se inscreve

    enunciativamente como um ser comum. H uma recorrente instaurao

    de um texto em primeira pessoa, com o uso de pronomes possessivos

    (seu(a), nosso(a), etc.) e demonstrativos (este(a), esse(a), etc.), bem

    como advrbios, principalmente, de intensidade (bem, mal, muito, pouco,

    etc.) e modo (comumente, literalmente, etc.). Por meio de movimentos de

    planos e de ngulos de cmeras (com tomadas em close at), os

    apresentadores so focalizados atribuindo juzo s notcias, simulando

    interao com o telespectador ou realizando interlocues com outros

    reprteres, ao vivo. Os destaques propositais em itlico do trecho a seguir

    servem para demonstrar como essas marcas de subjetividade fluem no

    texto do apresentador:

    Evaristo Costa: Catadora de pilhos, voc j ouviu falar, Sandra? [risos] Sandra Annemberg: Nunca tinha ouvido, at agora. [risos]

  • As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 35 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    Evaristo Costa: E voc j ouviu falar? [apontando para o telespectador] Pois , tem gente ganhando dinheiro com isso. Sandra Annemberg: A melhor maneira de combater esse inseto, quase invisvel, dar uma olhada na cabea das crianas e passar, literalmente, um pente fino. Pelo menos uma vez na semana. (JORNAL HOJE, 22 maio 2013)

    Esses mecanismos de projeo, de um eu-indivduo, propiciam a

    imagem de um apresentador que, de alguma forma, tambm se identifica

    com a experincia do telespectador. Entendemos que tal simulao da

    conversao entre os dois eixos do nvel do narrador/narratrio e o efeito

    de intimidade creditado a alguns telejornais atuais, acionados para

    provocar a aprovao e a adeso da audincia, tm sido enxergados como

    uma tendncia para os futuros formatos digitais. Mas, obviamente, essa

    expanso foi gradual; no sucedeu de uma hora para outra.

    A readaptao da linguagem, os desdobramentos dos tons do

    telejornal e a descoberta pelos ajustes entre os procedimentos de

    modulaes e gradaes aconteceram a partir de experimentaes

    discretas, para que o programa no perdesse as caractersticas do gnero.

    As tentativas foram inseridas, sobretudo, com base nos investimentos dos

    recursos tecnolgicos e no acompanhamento das modificaes culturais.

    Na medida em que uma nova tcnica era incorporada e o comportamento

    da sociedade mudava, padres de apresentao tendiam a ser

    reconfigurados, com vistas a atender a expectativa do telespectador.

    Sendo assim, abordaremos, agora, como essas modificaes na

    apresentao agiram no mbito da prtica, ou seja, como os

    apresentadores foram mudando sua atuao, no decorrer dos anos.

    As mudanas de apresentao no telejornalismo No incio do telejornalismo brasileiro (Imagens do Dia, 1950;

    Telenotcias Panair, 1951; O Que Vai Pelo Mundo, 1952), quando no

    havia profissionais especializados na produo de televiso, as tcnicas de

    apresentao se baseavam nos boletins e nos programas informativos

    veiculados nas rdios. Os jornalistas de TV (um para cada edio) eram,

    na realidade, locutores4, com pouca desenvoltura expressiva, que,

    4 Muitos no eram jornalistas, de fato, mas artistas que faziam sucesso no rdio ou no teatro.

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 36

    adotando uma postura de seriedade e linguagem formal, em frente

    bancada, apropriavam-se das recorrentes improvisaes do ao vivo, bem

    como escreviam e liam as matrias com entonao radiofnica. Em virtude

    da precariedade tecnolgica do setor audiovisual da poca, no se

    explorava muito a imagem e s algumas notcias eram narradas auxiliadas

    pela filmagem de ilustraes em preto e branco e sem som (CIRNE,

    2012). As dificuldades de captao e revelao impediam a explorao de

    uma cobertura dos factuais pelos reprteres, e os apresentadores

    detinham muito espao na transmisso.

    A partir do lanamento do Reprter Esso (1953), o primeiro

    telejornal de sucesso do Pas, passou-se a desenhar um novo modelo de

    apresentao das notcias, que embora tivesse, ainda, um processo

    produtivo similar ao que era caracterstico do rdio, marcou por iniciar

    uma narrativa muito mais televisiva (PATERNOSTRO, 2006), com o

    apresentador focalizado em plano americano, oralizando um texto objetivo

    (frases curtas e sem adjetivos). Mesmo que se prezasse pela objetividade

    na enunciao, j se tentava uma linguagem mais direcionada ao

    telespectador, a comear pelo slogan de abertura criado: Aqui fala o seu

    Reprter Esso, testemunha ocular da histria. O formato do programa foi

    se solidificando, e os jornalistas comearam a ser guiados por um Manual

    do Reprter Esso, que padronizava essa forma de apresentao e balizava

    regras bsicas do texto para TV.

    O estilo radiofnico na TV s comeou a ser ameaado em 1962,

    com a estreia do Jornal Vanguarda, quando se explorou a possibilidade de

    incorporar mais jornalistas no estdio, inclusive, inovando, com a

    presena de comentarista, com discursos informais, tornando a

    apresentao mais dinmica5. Nesse perodo, as emissoras comearam a

    fazer uso do videotape (VT), que facilitou a renovao da linguagem do

    telejornalismo, pois as edies que contavam com longos planos-

    sequncia e poucas matrias passaram a ser compostas, tambm, por

    vrias matrias, sendo elas gravadas e com um melhor acabamento de

    5 O af pela inovao era tamanho, que houve momento de dez apresentadores se dividirem no estdio.

  • As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 37 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    edio. Nos estdios, as apresentaes podiam ter mais ao, a partir do

    uso de vrios planos de cmera e das chamadas pelos VTs.

    O incio das grandes mudanas enunciativas, porm, s veio com a

    inaugurao da TV Globo6 (1965) e o subsequente lanamento do Jornal

    Nacional (1969), o primeiro telejornal transmitido em rede, com pontos de

    ao vivo espalhados pelo Brasil, graas ao avano do sistema de emisso

    por micro-ondas e por satlite. O Jornal Nacional (JN) foi responsvel por

    uma srie de inovaes (MEMRIA GLOBO, 2004) e por instituir uma

    frmula7 de referncia para telejornalismo em todo o Pas, criando um

    estilo de apresentao apoiado no modelo americano ento vigente. A

    possibilidade de percorrer o Pas8, atravs dos links, introduziu com mais

    ousadia o conceito de instantaneidade, promovendo a sensao de que o

    noticirio est acompanhando todos os acontecimentos em tempo real.

    Em razo disso, revelou-se uma preocupao dos idealizadores do

    programa em padronizar a fala dos jornalistas (eliminando sotaques),

    justificada como uma tentativa de gerar uma neutralidade, em respeito

    diversidade regional, e de, consequentemente, facilitar o entendimento

    dos telespectadores, sem admitir interpretaes erradas. Os

    apresentadores passaram a ter no s um comportamento-padro,

    como um sotaque-padro.

    Dentre as novidades, destaca-se, ainda, o reforo da importncia

    do uso das imagens e uma busca por textos mais objetivos, melhor

    distribudos, pausados, com maior nmero de frases, mas, ao mesmo

    tempo, evitando informaes suprfluas (MEMRIA GLOBO, 2004). A

    valorizao da imagem implicou uma diminuio da participao dos

    apresentadores durante o telejornal e, de certa maneira, a apropriao de

    uma performance mais contida. A adoo de dois jornalistas posicionados

    atrs da bancada lendo os textos de forma alternada passou a ser regular

    6 Em 1965, quando surgiu a TV Globo, nasceu tambm o Tele Globo, veiculado duas vezes por dia. Permitiu-se, a partir da a possibilidade de explorar dois tipos de sentidos enunciativos, de acordo com o horrio do telejornal: na verso diurna, a entonao dos apresentadores era mais ponderada e a composio dos blocos era dada por matrias leves; na noturna, a postura dos apresentadores era mais sria e as matrias tinham informaes mais densas do Brasil e do Mundo. (CIRNE, 2012) 7 Nessa poca, a TV Globo criou o conceito de Padro Globo de Qualidade, que, dentre outras funes, previa a reduo dos improvisos e estabelecia normas de produes mais sofisticadas, a partir do desenvolvimento tcnico e do treinamento dos profissionais. 8 Com o avano do sistema de transmisso em longas distncias, o Jornal Nacional se destacou tambm por ser o primeiro a fazer uso dos correspondentes internacionais.

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 38

    e, diferentemente do que havia na poca, esses apresentadores podiam

    gozar, moderadamente, de uma linguagem mais ntima do telespectador,

    atravs do Boa Noite!9, por exemplo, agindo com naturalidade, porm

    tinham por dever manter a formalidade, evitando gesticulaes

    exageradas, imposio da voz ou abuso de expresses fisionmicas.

    Pouco tempo depois, nos anos 70, o investimento no teleprompter

    possibilitou que os apresentadores dirigissem o olhar ao telespectador e

    pudessem ler o texto com mais espontaneidade, simulando a ideia de

    que o locutor est na sala da casa quase conversando com quem est

    assistindo (MEMRIA GLOBO, 2004, p. 51). Nesse mesmo perodo, a

    implementao da recepo e transmisso em cores, tambm

    protagonizada pelo JN, introduziu, mais uma vez, a renovao nas formas

    de apresentao, no s obrigando uma transformao esttica (cenrio,

    vinhetas e figurinos), como sinalizando uma maior precauo nas marcas

    de expresso dos condutores do programa, j que, com um sistema

    colorido, os telespectadores percebiam com mais preciso os detalhes.

    Ficou mais evidente que a postura, as vestimentas, a maquiagem, o corte

    de cabelo e o penteado, que constituem a identidade visual do

    telejornalista, eram estratgicos e poderiam engendrar certos sentidos ao

    Jornal Nacional, no s exercendo influncia sobre a mensagem veiculada,

    mas tambm assegurando critrios-base do jornalismo, como: seriedade,

    credibilidade e imparcialidade. O cuidado com a construo dessa

    identidade visual, reforada pela transmisso em cores do JN, de forma

    sutil, acabou ditando a uniformizao do discurso esttico dos jornalistas

    de televiso (AQUINO, 2011).

    Aps todos esses investimentos, no final dos anos 70, os

    telespectadores j estavam totalmente familiarizados com o formato de

    telejornalismo proposto pela TV Globo, e profissionais especializados na

    rea foram surgindo. A partir da as emissoras ampliaram seus manuais

    com o objetivo de orientar normas de conduo dos programas

    informativos e apresentar as prticas das redaes de TV. Tinha incio

    uma linguagem jornalstica especfica para televiso, destituindo-se

    9 Foi o telejornal que adotou o recurso da saudao ao telespectador como promessa de intimidade.

  • As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 39 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    totalmente do que se figurava na rdio. Assim, essas emissoras passaram

    a seguir, basicamente, o mesmo formato descentralizado: o(s)

    apresentador(es) lendo as notcias em estdio sem manifestar opinies

    pessoais e anunciando as entradas dos reprteres. Foi-se

    convencionando, ento, o que Machado (2000) chamou de telejornalismo

    de tipo polifnico. Nesse modelo, o apresentador funciona como um

    regente de enunciados, em que as diversas vozes que compem o

    telejornal (reprteres, entrevistados, entrevistadores, correspondentes,

    etc.) tm um peso e uma importncia equivalente aos dele. A funo do

    apresentador no de gerir comentrios, expondo seu ponto de vista ou

    suas concluses sobre os temas10, mas de delegar voz aos demais

    jornalistas, amarrando os vrios enunciados englobados que constituem o

    telejornal. Todos os protagonistas da enunciao envolvidos no telejornal

    so, de certo modo, autnomos, cada um contribuindo para o todo.

    O enunciado televisual, neste caso, se constri atravs de um discurso indireto: o apresentador chama o reprter, que por sua vez chama o entrevistado e assim vamos encaixando uma voz dentro da outra, como no recurso lingustico das citaes. No por acaso, nesse tipo de estrutura, o apresentador nunca usa a primeira pessoa (nunca diz eu acho...), mas recorre sempre ao plural quando precisa designar o agente enunciador (ns, do telejornal X, achamos que...) (MACHADO, 2000, p. 108).

    Porm, no fim dos anos 80, em 1988, quando a TV j estava mais

    acessvel populao brasileira, o SBT teve a ideia de inovar o jornalismo

    do canal e confrontar esse modelo tradicional que havia se estabelecido,

    com a concepo do TJ Brasil. A diferena proposta pelo TJ Brasil, de

    imediato, estava no fato de o cenrio ser a prpria redao, com vrios

    monitores acoplados ao fundo e jornalistas trabalhando no entorno,

    porm no era s isso. Houve mudana no comportamento do

    apresentador. Na poca, os noticirios norte-americanos experimentavam

    a ideia de o apresentador concentrar tambm o cargo de editor-chefe e, a

    direo do SBT, com o intuito de atrair a ateno das classes mais altas e

    10 Nesse modelo enunciativo, essa uma atribuio dos comentaristas, especialistas ou analistas, que interpretam os acontecimentos, num tom crtico ou explicativo, com marcas explcitas do eu no discurso, deixando claro que o texto expresso a sua opinio, ainda que, de forma velada, seja tambm a da emissora.

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 40

    mais politizadas, decidiu apostar nesse esquema de apresentao, no qual

    o jornalista condutor do programa11 comanda vrias atividades, isto ,

    alm da funo bsica de exibir o telejornal, ele tambm elegia os

    assuntos que iriam ao ar, em qual formato (nota simples, VT, link, nota

    coberta, etc.) e com que importncia. Alm disso, no s guiava as

    notcias do programa, como fazia comentrios, retrucava as informaes

    dos entrevistados e, principalmente, polemizava, destituindo-se daquele

    perfil de jornalista que prezava pela iseno e imparcialidade. Embora

    esse apresentador lesse o texto, assim como os demais do estilo

    polifnico, ele sabia exatamente do que est falando e que fora deveria

    atribuir notcia, porque ele participava da rotina de produo, alterando

    o que lhe for conveniente. Assim, as nfases, as pausas e o tom do texto

    eram, propositalmente, melhor explorados, com ganchos dramticos.

    Surgia no Brasil, portanto, a figura do ncora12 e,

    consequentemente, o modelo de noticirio centralizado e opinativo

    (MACHADO, 2008). Nesse modelo, a voz over do apresentador costuma

    se sobrepor s matrias e s outras vozes do telejornal, emoldurando-as

    com o crivo de seu comentrio (MACHADO, 2008, p. 107). O ncora se

    tornava a liderana de toda a cadeia de produo jornalstica, uma

    autoridade simblica. Um protagonista, com fortes poderes de deciso e

    de organizao dos enunciados.

    No caso especificamente do TJ Brasil, que lanou essa modalidade

    no Pas, o ncora era o responsvel por criar um modo prprio de

    dramatizar as notcias, recebendo reforo por meio de uma profuso de

    planos de cmeras e de gestualidades. Boris Casoy, que comandava o

    programa, criou bordes13 para apregoar indignaes e rompeu at com o

    padro de postura ereta e "mecnica dos apresentadores, aparecendo,

    em algumas situaes, ao final de um VT e retomada para o estdio,

    11 Boris Casoy. 12 O termo foi apropriado vulgarmente no Brasil, mas na verso real que inspirou o termo, a funo dos apresentadores norte-americanos no emitir comentrios ou opinies declaradas nos telejornais. De certo modo, a personalizao aparece velada na produo, montagem e transmisso dos programas, j que so esses jornalistas que exercem papel de editores-chefes

    (SQUIRRA, 1995). 13 Isso uma vergonha e preciso passar o Brasil a limpo.

  • As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 41 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    fazendo leves giros na cadeira, acompanhados pela cmera, e abusando

    de olhares pulsantes.

    Em vez das condutas distanciadas comuns aos apresentadores do

    consagrado modelo polifnico, Bris Casoy diferenciava-se por delimitar

    seus posicionamentos acentuadamente. De certo modo, esse

    comportamento trazia o pblico para perto, conquistando confiana, visto

    que muitas de suas anlises soavam como ecos do pensamento do

    telespectador.

    Para Squirra (1995, p.43),

    At a chegada deste modelo, todas as emissoras, mesmo as estatais, tinham no formato e estilo implantados pela Rede Globo o princpio televisivo a ser inquestionavelmente seguido. Pairava em todas as redaes um certo temor de fugir quele padro, que, justamente, por arrebatar a audincia, deveria ser idolatradamente reproduzido nas demais redes ou emissoras locais.

    Essa estratgia enunciativa ganhou destaque no SBT, e o sucesso

    foi tanto que o mesmo programa ganhou uma edio resumida antes do

    incio da madrugada. Na dcada de 1990, essa possibilidade de explorar

    um apresentador participativo, que atuasse na bancada, tambm esteve

    aliada a um momento particular da programao televisiva: a busca pela

    popularizao. A preocupao em boa parte das emissoras era delinear

    formatos mais populares. Para isso, muitos programas tentavam explorar

    histrias reais de forma quase teatral.

    O Aqui e Agora (1991), cpia do noticirio argentino Nuevodirio14,

    foi o precursor desse tipo de telejornal, no qual os reprteres e o

    apresentador eram excessivamente performticos e exploravam um texto

    sem cerimnias, envolvendo-se nas emoes e nas intimidades dos

    personagens das reportagens, sem preocupao com o acabamento

    perfeito das notcias. A coloquialidade estava to presente no repertrio

    do Aqui e Agora, que o texto das chamadas dos VTs chegava a conter

    trocadilhos, frases clichs e grias.

    14 O telejornal argentino j estava no ar h dez anos, no canal 9, em Buenos Aires.

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 42

    Muitas vezes, os dois apresentadores criavam em cima do script do telejornal, mudando o texto para uma linguagem mais popular, para despertar a ateno do telespectador. Abaixo, dois exemplos das mudanas feitas de ltima hora pelos apresentadores: (...) Ivo Morganti: Preto no branco!!! Traficante africano preso com seis quilos de cocana, em Recife! Cristina Rocha: O reprter Jota Ferreira gasta todo o ingls que tem direito e tenta arrancar alguma coisa do traficante... (SANTOS, 2006, p. 21-22, itlico do autor)

    Foi depois dessas apostas do SBT que presenciamos uma certa

    inclinao por esses formatos de noticirios com textos opinativos,

    linguagem coloquial e atuao dinmica. Nessa modalidade do telejornal

    centralizado, tem incio um recorrente investimento no que Lana (2007)

    chama de telejornalismo dramtico, no qual h uma predominncia pela

    construo de um discurso comovente, apelativo e espalhafatoso, como

    artifcio de proximidade da realidade.

    Para o telejornalismo dramtico, no basta s descrever o crime,

    mas necessrio aproximar-se do acusado, ver seu rosto, ouvir sua voz,

    preciso ver tambm de perto a cena do evento, mesmo que deserta, os

    objetos encontrados, a arma usada, ver e ouvir a vtima (LANA, 2007, p.

    36). Os apresentadores desses programas, portanto, passam a tecer uma

    lgica de conduta diferenciada, tomados por comentrios mais exaltados:

    espetacularizando as cenas e clamando vibrantemente por justia. A

    postura mais despojada na bancada: com cotovelos sobre a mesa,

    batidas das mos ou presso dos dedos sobre a bancada. Quando em p,

    andam pelo estdio, movimentam demasiadamente as mos, alargam os

    olhos e at chegam a apontar para o telespectador e a usar palavras

    grosseiras. Os seus textos so adjetivados e transmitem uma indignao

    que supostamente seria a do telespectador. Nesses modelos, os estdios

    tambm passaram a ser menos discretos e dotarem de mais cores,

    satisfazendo a ideia de um jornalismo-show.

    De acordo com Hagen (2008), eram tantos os telejornais que

    adotavam essa possibilidade de engajamento emocional dos

    apresentadores com telespectadores, nos anos 90, que at o rigor das

    tcnicas de apresentao prezando a objetividade do discurso jornalstico

  • As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 43 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    dos telejornais hegemnicos da TV Globo, na poca, teve que ser

    revisto15. O Jornal Nacional, por exemplo, que ainda mantinha o estilo

    tradicional de apresentao, substituiu a dupla de apresentadores Cid

    Moreira e Srgio Chapelin por William Bonner e Lillian Witte Fibe, mais

    jovens e envolvidos com a produo do telejornal, para dinamizar as

    coberturas.

    As emissoras comearam a perceber que apenas informar no era

    o suficiente, havia a necessidade de se constituir uma maior interao

    dialgica com aqueles que acompanhavam as notcias e de proporcionar

    algo que os fidelizassem durante a transmisso (HAGEN, 2008). Mais

    adiante, sob a influncia dos programas de auditrio (apresentador com

    mobilidade) e de entrevista (apresentador relaxado, acomodado em

    ambiente descontrado) que inovavam a programao popular, alguns

    telejornais diurnos e, principalmente, os de abrangncia local, passaram a

    experimentar, pontualmente, a flexibilidade do apresentador no estdio,

    com a retirada da bancada e a possibilidade de variar os enquadramentos

    em plano mdio e em plano geral. Em alguns formatos, o apresentador

    passou a ter uma liberdade em cena: movimentos com frequncia, olhares

    para os lados, aproximao das cmeras, sentar de mau jeito em bancos

    de apoio, gesticular muito e fazer interpelaes ao pblico16.

    Mesmo assim, salvo nos telejornais dramticos, essas mudanas

    foram comedidas. O grande impacto mesmo foi obtido pelo Bom Dia

    Brasil, em 1996, quando passou a investir na interao entre os

    apresentadores e os ncoras de outros estados, e a disposio do estdio

    foi repensada para a exibio de uma nova fase do programa, na tentativa

    de reconfigurar as expectativas da audincia.

    15 Em paralelo a esse momento, nasciam as operadoras de televiso por assinatura no Pas. A dcada de 90 foi apontada como a da multiplicidade da oferta, devido pluralidade dos canais de informao na televiso paga (narrowcast). J nos primeiros anos, o telespectador contava com o acesso a um maior nmero de canais e programaes que respondessem aos seus interesses especficos. Com o aparecimento das concesses de TVs fechadas, foram surgindo tambm novos formatos de programas e foram criadas condies mais ousadas de produo, que podiam ser experimentadas em uma audincia mais restrita, j que os altos custos das assinaturas impediram uma popularizao inicial do servio (CIRNE, 2012). Em 1996, surgiu o canal Globo News, com um novo padro de telejornalismo, o de notcias 24 horas. O primeiro telejornal transmitido, o Em Cima da Hora, passa a ser reconhecido pelo dinamismo e agilidade. A cada edio, novas informaes so adicionadas e as matrias so atualizadas. Aos assinantes, era permitida uma cobertura mais

    profunda das notcias. 16 Essa performance verificada em todos os telejornais dramticos.

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 44

    A bancada no foi totalmente substituda, porm uma sala de estar

    foi includa no cenrio, para que os ncoras pudessem andar pela cena,

    conversar sobre notcias mais leves e agregar a descontrao agilidade

    jornalstica. Os novos mveis romperam com aquela representao

    simblica da bancada, como uma cabine divisria entre a fala autorizada e

    a audincia. Simularam tambm uma extenso da casa, assegurando um

    ambiente propcio para criar um bate-papo, com tranquilidade, como se

    o(s) narrador(es) e o narratrio fossem ntimos.

    As notcias com maior teor de informao ou de grande impacto (as

    hardnews) continuaram a ser expostas sob a forma tradicional, com os

    ncoras na bancada, porm com uma ntida preocupao em atribuir

    comentrios e combinar o tom de seriedade com outros tons, a depender

    do tema, realizando as devidas gradaes entre formal e informal,

    proximidade e distanciamento.

    Essa configurao preconizada pelo Bom Dia Brasil conquistou mais

    espao e ganhou outros desdobramentos nos anos 2000. A partir desse

    perodo, a prtica se tornou muito comum nas edies de alcance local ou

    regional. Nos telejornais locais, a rigidez das premissas jornalsticas de

    narrador implcito tem, cada vez mais, diminudo e as marcas do eu-aqui-

    agora do apresentador e o tom informal esto cada vez mais evidentes.

    Em muitas situaes, quando antecedem temas mais leves, sobretudo, h

    uma busca pela personalizao do apresentador (FECHINE, 2008), o

    qual, muitas vezes, em p, reproduz a conversao cotidiana e parece

    interromper sua posio social (profissional) para se comportar como um

    cidado comum e uma companhia agradvel, adotando o eu individual,

    conforme evidencia o dilogo abaixo:

    Bruno Sakaue: Vamos, agora, falar com quem, mais do que nunca, entende de forr, dona Karine, que j fez essa reportagem do milho, a, hein, Karine? Ontem eu mostrei toda a minha habilidade no forr, n? [risos] No JPB So Joo. Todo mundo ficou impressionado com tanta habilidade... E voc entende alguma coisa desse assunto? Karine Tenrio: Eu tenho habilidade, viu, Bruno? Bruno Sakaue: [risos] Eu no tenho nenhuma. Karine Tenrio: Ainda no demonstrei, mas tenho... [risos]

  • As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 45 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    Bruno Sakaue: [risos] Mas, vamos em frente... (JPB 1 Edio, 15/07/2013)

    Nos telejornais nacionais, que com exceo do Bom Dia Brasil

    resguardaram toda apresentao junto bancada, registra-se a

    preocupao com a reorganizao de outra cenografia, para, de alguma

    forma, manter a audincia ntima do programa e dos apresentadores. As

    bancadas foram elevadas para um mezanino e transformadas em uma

    rea de trabalho, com computadores. O entorno foi modificado e os

    estdios passaram a compartilhar o ambiente com as redaes, de modo

    que os telespectadores pudessem acompanhar toda a realizao do

    telejornal como cortina de fundo17. Em geral, no incio dos telejornais e, s

    vezes, na abertura de cada bloco, costuma-se mostrar a estrutura fsica do

    programa e as atividades dos demais envolvidos na sua produo. Essa

    reformulao tem a funo de revelar toda a ao do staff e dar acesso

    preocupao da equipe em estar alerta ao que acontece fora daquele

    espao.

    Alm disso, nos cenrios, foram introduzidos teles, para facilitar

    uma interao entre as informaes e entre os jornalistas ao vivo, bem

    como para que o telespectador monitorasse simultaneamente as locaes

    externas e internas. Alguns telejornais que no dispem de monitores nos

    estdios procuram provocar o mesmo efeito de instantaneidade com a

    diviso da imagem, a partir do uso da edio grfica.

    Outra inovao importante na maneira de apresentar tem registro

    em 2006, quando o Jornal Nacional deu incio exibio do programa fora

    da instalao prpria do noticirio e fez a gerao completa de telejornal

    ao ar livre18, no palco dos fatos, atravs da Caravana do Jornal Nacional,

    na qual uma unidade mvel (com os dois ncoras e, em mdia, treze 17 Essa inovao j havia sido, inicialmente, proposta pelo TJ Brasil. Mas no repercutiu tanto nos outros formatos existentes na poca. 18 Quando apontamos essa experincia, fazemos referncia a uma edio especfica em que o apresentador principal deslocado para o local do acontecimento. Antes disso, durante a cobertura da Conferncia Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Rio-92), o Jornal Nacional havia executado uma experincia similar, utilizando o conceito de ncora mvel. No entanto, os apresentadores oficiais do programa, Srgio Chapelin e Cid Moreira, continuaram no estdio e o reprter Carlos Nascimento e a jornalista Valria Monteiro foram designados para comandar a editoria especialmente criada para o evento. Eles foram instalados num estdio montado no Riocentro e narravam todos os assuntos referentes ao evento. Em algumas Copas, tambm houve esse tipo de cobertura, mas, como percebemos, o apresentador principal se mantinha no estdio.

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 46

    profissionais da equipe) percorreu vrias regies do Brasil, durante dois

    meses, em busca de histrias de irregularidades no Pas (CIRNE, 2012).

    Aps esse projeto, tm-se intensificado coberturas especiais que exigem o

    deslocamento do apresentador para o local do acontecimento, ou seja, o

    narrador e o fato narrado frente-a-frente, dividindo o mesmo espao. Nos

    eventos de grande repercusso (tais como: torneios olmpicos ou copa do

    mundo; visita, renncia ou morte do Papa; acidente de grandes

    propores; desastres naturais; manifestao poltica unificada, etc.), o

    deslocamento do ncora propicia uma performance com mais liberdade,

    com uma narrativa subjetiva e autorreferente (atravs do testemunho),

    descrevendo cenas e sentimentos.

    Um episdio marcante desse formato de apresentao aconteceu

    aps o incndio na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul,

    onde morreram quase 250 pessoas, durante uma festa, em 2013. Por ter

    sido considerada a quinta maior tragdia da histria do Brasil, no dia

    seguinte ao ocorrido, as principais emissoras abertas (com exceo da

    Rede TV19) tiveram seus telejornais nacionais ancorados em frente ao que

    restou da boate, com a presena dos seus apresentadores mais

    importantes.

    Se, segundo Fechine (2008b, p.1), a credibilidade do telejornal

    influenciada diretamente pela confiana que os espectadores depositam

    nos seus apresentadores, entende-se que o relato das experincias

    pessoais pelos ncoras mveis (como, inclusive, a descrio dos

    bastidores da viagem at cidade, em que eles se colocam no discurso

    como personagens) pode gerar densidade cobertura e aproximar mais

    audincia. Assim, a ideia de retirar o apresentador principal da bancada e

    lev-lo para o local dos acontecimentos tem a inteno de garantir que,

    naquela edio, seja apagada qualquer tentativa de prevalecimento da

    objetividade, ou seja, do efeito de distanciamento, e que suas marcas

    estejam inscritas no enunciado (estou aqui..., mais cedo, vi..., agora,

    no s ns, mas as outras emissoras esto fazendo suas transmisses

    daqui... etc).

    19 A Rede TV realizou a cobertura com a presena do reprter. Os apresentadores permaneceram no estdio.

  • As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 47 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    Como estratgia discursiva, o deslocamento tinha o intuito de

    promover a forte comoo no telespectador e robustecer a legitimidade da

    cobertura, a partir de um narrador com texto em primeira pessoa e com

    frases adjetivadas, ainda mais sensibilizado por estar presenciando os

    fatos in loco (um cenrio desolador, essa grande tragdia, etc.). J

    que no havia sido concludo um parecer tcnico, que afirmasse com

    segurana as causas do acidente, os apresentadores buscaram focar em

    aspectos que pudessem satisfazer a curiosidade do telespectador,

    introduzindo-o na cena (como vocs podem ver..., voc, em casa, pode

    notar..., etc.). O complemento aos VTs introduzidos nas edies estava,

    justamente, nos depoimentos com tom de emoo do apresentador.

    Nesses casos, a personalizao confere a ideia de afabilidade e

    solidariedade, reforando a noo de um apresentador humanizado e com

    compromisso social, que tambm tocado pela mesma sensao de

    tristeza sentida pelo telespectador.

    Consideraes finais

    Assim, com base na no percurso argumentativo assumido at aqui,

    entendemos que, aos poucos, os telejornais, por meio da apresentao,

    vm se esforando para inserir adaptaes que os aproximem da

    audincia. As transformaes nos ambientes, nos enquadramentos de

    cmeras e, principalmente, nas formas de atuao e na linguagem verbal

    tm sido fundamental nesse processo. Com o passar dos anos, o tom de

    seriedade caracterstico das emisses jornalsticas, aliado aos tons de

    formalidade e ao tom de distanciamento, vem sofrendo constantes

    movimentos de modulao e gradao. A concepo de novos formatos

    telejornalsticos, com nfase na argumentao dos apresentadores,

    favoreceu essas oscilaes e propiciou a simulao de conversao.

    As narraes, com sutileza, foram inserindo a voz do apresentador-

    narrador no enunciado. As interpelaes verbais passaram a ser de um

    eu explcito que se dirige a um tu tambm marcado, ou seja, um

    telespectador-narratrio que includo no discurso. Embora, em alguns

    momentos, as falas do ncora estejam calcadas na regra da objetividade

    (como nas hard news), em diversos outros (como nos que antecedem

    matrias leves), elas se mostram como de algum ntimo, amparadas na

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 48

    lgica da subjetividade, as quais no s se manifestam como eu, como

    tm interesse em compartilhar suas experincias pessoais. Nesse sentido,

    a postura de sobriedade desse mediador tambm ganhou contornos

    performticos. Ele ri, esbraveja, emociona-se, etc. Alm disso, ele ainda

    pode sair do estdio e assumir uma ancoragem mvel autorreferente, em

    que, acima de tudo, deflagram-se os sentidos de proximidade com a

    audincia e de credibilidade da cobertura.

    Por ora, interessou-nos essa discusso, mas temos a certeza de

    que a busca pelo engajamento com a audincia no recai s sobre a

    linguagem conversada e as mudanas na conduta dos apresentadores.

    Esse apenas um dos vetores da renovao dos telejornais. Os demais

    so pautados em outros momentos (conforme CIRNE, 2014) e tambm

    esto mais diretamente associados insero da televiso no ambiente da

    digitalizao.

    Referncias AQUINO, Agda Patrcia Pontes de. Casal nacional: Significaes do corpo e do figurino no telejornalismo. Dissertao de mestrado do Programa de Ps-Graduao em Estudos da Mdia. Natal: UFRN, 2011. BENVENISTE, mile. Problemas de lingstica geral II. Campinas: Pontes, 1989. CIRNE, Lvia. Interatividade e perspectivas no telejornalismo da TV digital. Joo Pessoa: Marca de Fantasia, 2012. CIRNE, Lvia. Repensando o telejornalismo a partir da digitalizao da TV: em busca de formatos interativos. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Comunicao. Recife: UFPE, 2014. DUARTE, Elizabeth Bastos. Televiso: ensaios metodolgicos. Porto Alegre: Sulinas, 2004. DUARTE, Elizabeth e FREITAS, Rose Lumertz de. Telejornais: a ruptura tonal com as expectativas do subgnero. In: E-comps. Braslia, s/v, s/n, abril, 2007. Disponvel em: . Acesso em: 14 jun. 2013. DUARTE, Elizabeth Bastos e CURVELLO, Vanessa. Telejornais: quem d o tom? In: E-comps. Braslia, v.11, n.2, maio/ago, 2008. Disponvel em: . Acesso em: 14 jun. 2013.

  • As renovaes nas formas narrativas e de apresentao dos telejornais como lgicas de aproximao com os telespectadores

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 49 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    FECHINE, Yvana. Estratgias de personalizao dos apresentadores de TV: um estudo em um telejornal brasileiro. In: Revista DeSignis, Barcelona: Gedisa, v.2, s/n, 2002. Disponvel: . Acesso em: 06 jun. 2013. FECHINE, Yvana. Nova retrica dos telejornais: uma discusso sobre o ethos dos apresentadores. In: Anais do XVII Encontro da Comps. So Paulo: UNIP, 2008a. Disponvel em: . Acesso em: 06 jun. 2013. FECHINE, Yvana. Performance dos apresentadores dos telejornais: a construo do ethos. In: Revista Famecos. Porto Alegre, s/v, n. 36, ago, 2008b. Disponvel em: . Acesso em: 06 jun. 2013. FIORIN, Jos Luiz. Elementos de anlise do discurso. So Paulo: Contexto, 2008. FIORIN, Jos Luiz. A pessoa desdobrada. In: ALFA: Revista de Lingustica. So Paulo, v. 39, s/n, p. 23-44, 1995. HAGEN, Sean. A emoo como estratgia de fidelizao ao telejornal: um estudo de recepo sobre os laos entre apresentadores e telespectadores do Jornal Nacional. Tese apresentada ao Programa de Ps-graduao em Comunicao e Informao. UFRGS: Porto Alegre, 2009. Disponvel em: . Acesso em: 21 jun. 2013. HAGEN, Sean. A emoo como agente da cognio jornalstica. In: Anais do VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo - SBPJOR. UMESP: So Paulo, 2008. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2013. LANA, Lgia Campos de Cerqueira. Telejornalismo dramtico e vida cotidiana: Estudo de caso do programa Brasil Urgente. Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Comunicao Social da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas. UFMG: Belo Horizonte, 2007. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2013 MEMRIA GLOBO. Jornal Nacional: A notcia faz histria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

  • Lvia CIRNE

    Joo Pessoa Brasil | ANO 2 VOL.2 N.1 | JAN./JUN. 2015 | p. 25 a 50 50

    SANTOS, Martha Isabel Alves dos Santos. Telejornalismo do grotesco: telejornal Aqui e Agora. Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Comunicao da Universidade Paulista. UNIP: So Paulo, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 26 jun. 2013. SQUIRRA, Sebastio. O telejornalismo brasileiro num cenrio de competitividade. In: Revista Brasileira de Comunicao Intercom. So Paulo, volume XVIII, num 1, pag 37-49, jan/jun, 1995. Disponvel em: . Acesso em: 29 jun. 2013.