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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL CURSO DE DOUTORADO RENATO SAMPAIO LIMA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA SOCIAL NO RIO DE JANEIRO ENTRE AS DÉCADAS DE 1960 e 1990 RIO DE JANEIRO 2008

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL CURSO DE DOUTORADO

RENATO SAMPAIO LIMA

HISTÓRIA DA PSICOLOGIA SOCIAL NO RIO DE JANEIRO

ENTRE AS DÉCADAS DE 1960 e 1990

RIO DE JANEIRO

2008

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RENATO SAMPAIO LIMA

HISTÓRIA DA PSICOLOGIA SOCIAL NO RIO DE

JANEIRO ENTRE AS DÉCADAS DE 1960 e 1990

Tese apresentada, como requisito para obtenção do título de doutor, ao Programa de Pó-Graduação em Psicologia Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria Jacó-Vilela

Rio de Janeiro

2008

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais.

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AGRADECIMENTO

Ao CNPq pelo financiamento da pesquisa. À minha orientadora e aos amigos Marcelo Ferreri e Alessandra Daflon pelas conversas inspiradoras. À minha companheira Cristine pela compreensão e carinho. Aos entrevistados pela grande contribuição para a realização deste trabalho. Aos amigos que, de formas diferentes, ajudaram a concluir esta tese. A Isabel que fez pacientemente a revisão deste material.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo principal apresentar uma história da Psicologia

Social no Rio de Janeiro no período compreendido entre as décadas de 60 e

90. Iniciamos este trabalho discutindo a crise no campo da Psicologia Social

que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos a partir de meados dos anos 60.

No Brasil, a crise começou a ter desdobramentos apenas na década de 70.

Iniciava-se a crítica a Psicologia Social cognitiva norte-americana e a busca de

novas teorias, metodologias e interlocutores no campo da Psicologia Social. No

Rio de Janeiro, o principal representante desta perspectiva foi Aroldo

Rodrigues. Sua principal opositora foi Silvia Lane. Em Minas Gerais, O Setor de

Psicologia Social foi outro importante eixo de oposição. Ao longo da tese,

buscamos compreender como alguns enunciados presentes nos anos 60 e 70,

entre os movimentos de resistência como o CPC da UNE, o Tropicalismo e a

Teologia da Libertação, como crítica e alternativa aos ditames positivistas. Era

necessária uma Psicologia Social que permitisse pensar a realidade social

brasileira. As categorias universalizantes da Psicologia Social norte-americana,

que pensavam o homem fora da história e da cultura, passaram a ser objeto de

crítica. Como afirmamos, buscamos apresentar uma história da Psicologia

Social no Rio de Janeiro no período histórico já definido anteriormente. Para

isso, além do levantamento de referências sobre o tema fizemos entrevistas

com vários dos personagens que participaram desta mesma história, como

professores, pesquisadores e alunos.

Palavras-chave: História da Psicologia – Psicologia Social no Rio de Janeiro – Teorias em Psicologia Social

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RÉSUMÉ

Ce travail a comme objectif principal de présenter une historie de la

Psychologie Sociale à Rio entre les années 60 e 90. On y discuite la crise de la

Psychologie Social qui est arriviée dans l’Europe et dans les Etats-Unis à-peu-

près de la moitié des annés 60. Au Brésil, la crise a commencé seulement dans

les annes 70. À partir de cela, on a vu naître la critique de la Psychologie

Sociale Cognitive nord-américane et la recherche des nouvelles théories,

méthodologies et interlocuteurs dans le champ de la Psychologie Sociale. À

Rio, c’est Aroldo Rodrigues, le principal représentant de cette perspective. On a

eu Silvia Lane comme sa principale opposante. À Minas Gerais, le secteur de

Psychologie Social a eté un autre important centre d’opposition. Au long de

cette thèse, on cherche à comprendre comme quelques ennoncés présents

dans les anneés 60 e 70, dans les mouvements de résistance comme le CPC

de l’UNE, dans le “Tropicalisme” et dans la théologie de la Libertácion se

présentent comme critique et alternative aux mouvements positivistes. On avait

besoin d’une Psychologie Social qui permetterait à penser la realité sociale

brésilienne. Les catégories universelles de la Psychologie Sociale nord-

américane, qui pensaient l’homme hors de l’histoire et de la culture,

commencent à être objet de critique. On cherche à présenter une histoire de la

Psychologie Sociale à Rio dans la période historique dejá définie. Pour cela,

au-delá de la recherche des références sur le thème, on a fait des interviews

avec plusieurs professeurs qui ont participé à la même histoire.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................10 A Escola dos Annales e a Nova Escola ........................................................13 A história das Mentalidades ..........................................................................16 História – Narrativa – Enunciação .................................................................18 O efeito Foucault .............................................................................................20 Psicologia e História .......................................................................................23 CAPÍTULO 1: A HISTÓRIA DE UMA CRISE: CONFRONTOS NO CAMPO DA PSICOLOGIA SOCIAL .....................................................................................29 1.1 A Crise .......................................................................................................33 1.2 Uma Crítica aos Fundamentos da Psicologia Positivista .....................38 1.3 O Modelo da Psicologia Histórica ...........................................................43 1.4 A Psicologia Social Moderna ...................................................................47 1.5 A Crise da Psicologia Social Moderna ...................................................52 1.6 Ciência Universal e Ciência Local ...........................................................57 1.7 A Busca da Relevância Social .................................................................60 1.7.1 Ciência e tecnologia a serviço do homem .........................................61 1.7.2 Um outro sentido .................................................................................65 1.7.3 Relevância social e psicologia: uma problematização ....................71 CAPÍTULO 2: UM OLHAR SOBRE ALGUNS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA NO BRASIL NAS DÉCADAS DE 60, 70 e 80.......................................................................................................................76 2.1 Os Anos 60: Período de Engajamento .................................................79 2.2 O Tropicalismo........................................................................................86

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2.3 “Tô te Explicando pra te Confundir, Tô te Confundindo pra te

Esclarecer”..................................................................................................88 2.4 O Concílio Vaticano II e a Conferência Geral do Episcopado Latino-

Americano em Medellín ............................................................................90 2.5 A Década de 70: ”Brasil: Ame-o ou Deixe-o”.......................................98 2.6 Anos 80: “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita” ......................................100 2.7 E na Psicologia, o que acontecia? ......................................................102 CAPÍTULO 3: A PSICOLOGIA SOCIAL NO RIO DE JANEIRO ...................108 3.1 Recordar e Contar já é Interpretar ......................................................109 3.2 Dois Importantes Personagens da História da Psicologia Social no

Rio de Janeiro ........................................................................................113 3.2.1 A Contribuição de Eliezer Schneider ...............................................114 3.2.2 A Influência de Aroldo Rodrigues ....................................................117 3.3 Um Debate em torno da Neutralidade Científica e da Liberdade

Acadêmica...............................................................................................121 3.3.1 Pontifícia Universidade Católica: A primeira chefia de Aroldo

Rodrigues (1966-1969)........................................................................125 3.3.2 A segunda chefia (1972-1976)............................................................125 3.4 A Psicologia Social “Envergonhada” .................................................128 3.5 A Psicologia Social Comunitária .........................................................131 3.5.1 O conceito de comunidade ...............................................................134 3.5.2 Os anos 70 e 80 ..................................................................................137 3.5.3 O compromisso social da psicologia ...............................................141 3.5.4 E no Rio de Janeiro? .........................................................................143 3.6 A Análise Institucional ..........................................................................151 3.6.1 Grupos: uma instituição em análise ................................................154 3.6.2 E a psicologia social? ........................................................................156

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3.6.3 Alguns conceitos ...............................................................................158 3.6.4 O IBRAPSI ...........................................................................................164 3.7 Teoria das Representações Sociais .....................................................168 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................177 REFERÊNCIAS ..............................................................................................180

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INTRODUÇÃO

A história ensina também a rir das solenidades da origem. [...] Gosta-se de acreditar que as coisas em seu início se encontravam em estado de perfeição; que elas saíram brilhantes das mãos do criador, ou na luz sem sombra da primeira manhã. A origem está sempre antes da queda, antes do corpo, antes do mundo e do tempo; ela está do lado dos deuses, e para narrá-la se canta sempre uma teogonia. Mas o começo histórico é baixo. Não no sentido de modesto ou de discreto como o passo da pomba, mas de derrisório, de irônico, próprio a desfazer todas as enfatuações. (Foucault, 1990)

O anúncio de um trabalho histórico produz, muitas vezes, a espera de

um retorno às origens, a busca das fontes de um pensamento, ou mesmo de

uma repetição de nomes, datas e fatos apresentados de forma cronológica e

sucessiva. Atentos a essa tendência hegemônica em reduzir o trabalho

historiográfico1 a uma busca incessante de uma verdade localizada no passado

e traçada de forma contínua, o que explicaria o presente, buscaremos

apresentar, de diferentes modos, alguns modelos de críticas na teoria histórica

de perspectivar o passado e pensar a sua relação com o presente. Com tais

críticas manteremos um diálogo ao longo deste trabalho, cujo título tem relação

direta com essa forma de perspectivar o trabalho historiográfico.

Vamos expor, durante nossa escrita, várias histórias de personagens

distintos da Psicologia Social no Rio de Janeiro, além de relatos que misturam

experiências pessoais com acontecimentos históricos. Nosso objetivo é

apresentar uma história da Psicologia Social no Rio de Janeiro que considere

inicialmente a descontinuidade do processo histórico e, por outro lado, o

caminho singular percorrido por alguns personagens que contribuíram para a

apresentação de novos problemas e para a escolha de novos interlocutores no

campo da Psicologia Social. Preocupamos-nos também em ocupar um espaço

de discussão que considere alguns momentos da história da Psicologia Social

em São Paulo e Minas Gerais.

Delimitamos um período de tempo: entre as décadas de 60 e 90.

Optamos por esse recorte temporal em função de partirmos da

1 A historiografia é o estudo histórico e crítico acerca da história ou dos historiadores.

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problematização da Psicologia Social a partir do advento de sua denominada

“crise”, em meados da década de 60, e por termos escolhido dialogar com os

nossos entrevistados, que se graduaram, pós-graduaram e se tornaram

professores e pesquisadores no campo da psicologia e da Psicologia Social no

período histórico determinado.

Dosse (2003) afirma que “a história, como um discurso específico,

nasceu de uma lenta emergência e sucessivas rupturas com o gênero literário,

como uma forma de busca da verdade.” (p.13). O autor refere-se ao trabalho

de investigação realizado por um personagem até então desconhecido, o

histor, que tem por objetivo retardar o desaparecimento dos traços da atividade

humana. Em oposição ao poeta contador de lendas, Heródoto estabelece uma

nova forma de olhar o passado dos homens, não são mais os deuses e as

musas que se expressam para contá-lo:

Na verdade, celebra-se não mais a lembrança das grandes façanhas, mas procura-se a conservação na memória daquilo que os homens realizaram, glorificando não mais os grandes heróis, mas os valores do coletivo dos homens, no quadro das cidades. (DOSSE, 2003, p.14).

Afastando-se, portanto, daquela forma de olhar para o passado e

acreditando romper com a história-relato, os historiadores, hoje, a partir das

mudanças ocorridas nesta disciplina2 “apontam para a noção de história

revestida de um valor polissêmico, designando ao mesmo tempo a ação

narrada e a narração em si, confundindo ou fundindo, a ação de um narrador

que é necessariamente o autor, com o objeto do relato.” (DOSSE, 2003, p.135).

Vamos nos debruçar, a partir deste ponto, em uma teoria crítica no campo da

história, responsável pelo início de um rompimento com uma maneira

tradicional de pensar as obras do homem no tempo.3

2 Segundo Reis (2000) a história renovou-se teórica e metodologicamente de forma profunda a partir da reconstrução da noção de tempo histórico. 3 Embora no campo da história haja uma familiaridade com esta e outras teorias históricas, que iremos apresentar ao longo desta introdução, julgamos ser importante em uma tese em história da psicologia, discutir esta temática para a fundamentação de nossa metodologia e pela ausência de familiaridade com a mesma entre os psicólogos.

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A Escola dos Annales e a Nova História

No final da década de 20, surge na França a revista denominada

Annales d’histoire économique et sociale,4 com Lucien Febvre e Marc Bloch,

que rompem com a historiografia tradicional e apresentam uma nova maneira

de pensar o presente e a sua relação com o passado. A revista foi planejada

para ser algo mais do que outra publicação em história. (BURKE, 1997). O seu

primeiro número foi publicado em 15 de janeiro de 1929 e, inicialmente,

marcada pelo predomínio dos historiadores econômicos. Nomes como Pirenne,

Eli Heckscher e Earl Hamilton são apresentados como exemplos dessa

primeira tendência. Essa publicação tornou-se, posteriormente, um importante

movimento5 no campo da historiografia francesa e mundial.

A apresentação da escola dos Annales pode ser feita a partir da

exposição de três fases ou gerações. Na primeira, entre 1920 e 1945, havia

Lucien Febvre e Marc Bloch. Na segunda, entre 1945 e 1968, o nome

dominante era Fernand Braudel. E, por último, a partir de 1968, a terceira fase

ou a terceira geração, caracterizou-se por uma fragmentação, ou seja, a

diversidade de enfoques e temas tornou difícil a apresentação de um ou dois

nomes que sintetizassem o movimento. No entanto, podemos citar alguns

autores como representantes desta terceira geração: Philippe Áries, Georges

Duby, Jacques Le Goff, Michel De Certeau, Paul Veyne, etc.

A primeira fase apresentou a história problemática de Lucien Febvre e

Marc Bloch e se caracterizou, primeiramente, pela busca da problematização

do tempo presente, além de uma história global e a centralização da pesquisa

histórica sobre o homem. A segunda geração, representada por Braudel,

também se caracterizou pela defesa da história global, mas podemos apontar

uma originalidade em seu pensamento, a idéia da fragmentação da história em

tempos múltiplos. Já a terceira geração não buscava constituir uma história

global e se distanciava mais radicalmente tanto da primeira quanto da segunda.

Essa fase, denominada por François Dosse de “história em migalhas”, não

4 Com o econômico, queria-se promover um domínio quase que completamente abandonado pela história tradicional. O social designaria algo indefinido e que permitiria aos historiadores tratarem dos temas mais variados. 5 Consideraremos o uso da expressão movimento, ao invés do termo escola, seguindo Peter Burke, para quem seria preferível o uso do primeiro termo em detrimento da denominação “escola”, tendo em vista que esta desconsidera e não engloba as diferenças. Os Annales não são um grupo monolítico, não representa uma prática histórica uniforme.

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buscava mais o absoluto, e não queria produzir mais uma obra de valor

universal, mas, pelo contrário, buscava o conhecimento múltiplo e não

definitivo, além de considerar muitos outros temas passíveis de análise

histórica. Segundo Caire-Jabinet (2003):

A expressão “nova história” data de 1978 quando se publica, sob a direção de Jacques Le Goff, com a assistência de Roger Chartier e Jacques Revel, pela editora Retz, um Dictionnaire de la nouvelle histoire. (p.133).

Em uma parte significativa da bibliografia sobre a escola dos Annales e

sobre a Nova História encontramos uma associação entre ambas (ver

Guriêvitch, 2003; Caire-Jabinet, 2003; Reis, 2005): a Nova História teria

nascido com a fundação da revista dos Annales sendo, portanto, os dois

nomes podendo ser usados como sinônimos. Entretanto, existem aqueles

como Jacques Le Goff e Pierre Nora (1995), além de um grande número de

historiadores que se debruçam sobre o tema da Nova História, que afirmam

que este último termo corresponde à terceira geração de historiadores

associados à escola dos Annales.

François Dosse, em A História em Migalhas: dos Annales à Nova

História (1994), defende a tese da interrupção, da descontinuidade entre a

escola dos Annales e a Nova História, pois para o autor houve uma traição ao

projeto original de Marc Bloch e Lucien Febvre. A principal acusação de Dosse

se reporta à mudança dos temas abordados, além da passagem de uma

história global para uma “história em migalhas”, termo que, como vimos, utiliza

para denominar a última fase. Usaremos, daqui em diante, o termo Nova

História para designar a terceira geração dos Annales.

A escola dos Annales rompeu com a idéia de que a história se faz

apenas com textos, como a história de Charles Victor Langlois e Charles

Seignobos6. Os autores dos Annales insistiam sobre a diversidade de

6 Langlois é considerado um dos mais importantes historiadores do século XIX, lembrado por seus livros e estudos da França medieval. Tornou-se professor da Sorbonne em 1909, onde lecionou as disciplinas paleografia, bibliografia e história da Idade Média. Com Charles Seignobos, escreveu Introducion aux Études Historiques (1898). Seignobos é um historiador de grande renome no século XIX, foi professor na Universidade de Paris e escreveu vários trabalhos sobre a história da França. Muitos de seus livros são usados como manuais da história francesa. Entre seus principais livros, destaca-se a obra Histoire Politique de l’Europe Contemporaine (1897) e o livro, já citado na nota anterior, escrito com Langlois. Nessa obra, os autores definiram as regras da escrita histórica. A história teria como objetivo descrever,

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documentos que deviam ser utilizados pelo historiador, ampliando, assim, a

noção de documento histórico. Ainda, segundo eles, a “novidade” desta teoria

estaria relacionada a três processos: “novos problemas, que colocam em causa

a própria história; novas abordagens, que modificam os setores tradicionais da

história; e os novos objetos, que aparecem no campo epistemológico da

história.” (SILVA, 2001, p.204). A história passa por uma redefinição, quer

dizer, os historiadores não buscam mais um saber absoluto, total, mas sim o

produto de uma época. Portanto, estaríamos diante de um saber que submete

suas afirmações à relatividade, a um estado plural; passa-se a falar de

“histórias”.

Outra importante diferença em relação à história tradicional é a nova

concepção de história imediata ou história do presente. O historiador não se

interessa apenas pelo passado, como na história tradicional, mas também

pelas questões do seu tempo. A nova história, ao eleger novos objetos que até

então não eram tematizados e, portanto, situavam-se fora do seu campo, como

a sexualidade, a morte, o clima, os jovens, se volta para os acontecimentos do

seu tempo. A história passa a ser um processo em construção, o que permite

ao historiador assumir uma posição relativista. (LE GOFF, 1995).

O processo histórico passou a necessitar do saber oriundo de outras

áreas do conhecimento, ou seja, observamos uma aproximação da história em

relação às chamadas ciências humanas e sociais, ao mesmo tempo em que a

sociologia, a antropologia e a psicologia investigavam seus objetos,

submetendo-os à história.

Como apresentamos anteriormente, Lucien Febvre e Marc Bloch,

historiadores da primeira geração dos Annales, deram início a uma grande

mudança em relação à história positivista do século XIX. Podemos

compreender esta transformação a partir da clássica oposição entre duas

concepções diferentes da história: a nominalista e a realista. Na entrevista

através dos documentos históricos, as sociedades do passado e suas metamorfoses. Para esses autores, não seria possível escrever a história da sociedade contemporânea, pois marcavam de forma radical a separação entre o passado e o presente.

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dada por Georges Duby a Guy Lardreau, presente no texto “Um nominalismo

bem temperado” (1989), temos a seguinte explicação para o nominalismo7:

A história se reduz, em suma, a uma série de discursos produzidos sobre o passado [...] Sendo o discurso que hoje se produz sobre a história mais um discurso, sem privilégio, não a verdade dos precedentes nem a verdade de todos os outros, apenas um discurso que é o do nosso presente, sobre um passado por si inventado, em última instância, em função dos seus próprios interesses [...] Lucien Febvre, pelo menos no fim, também não se encontrava muito afastado de uma posição desse tipo. (p.35-36).

No mesmo texto, entende-se que para os realistas8 o passado é de fato

algo existente, um real que é necessário restaurar. Não que se recusem a

admitir que há uma série de discursos, e que cada um desses, ao falar do

passado, não faz mais que falar dos interesses do seu presente. Mas

sustentam a possibilidade de determinar um ponto, exorbitante em relação à

série dos discursos, em suma: a possibilidade de construir um saber positivo.

Consideramos que há certa relação psicologia/história que supõe este ponto.

Ao longo desta tese nos afastaremos dessa forma de compreender a história.

A História das Mentalidades

Outra importante contribuição da Nova História é o conceito de

mentalidade. A história das mentalidades volta-se para aqueles gestos que

mudam lentamente. Para Ariès (1995), a noção de mentalidade designaria o

psiquismo coletivo, e, embora esse conceito não faça mais parte do

vocabulário da psicologia, passou a ser de uso corrente não apenas entre

muitos historiadores, mas também entre autores das demais ciências humanas

e sociais. No século XX, segundo Duby (1999), houve uma lenta mudança na

concepção de fenômenos sociais, além da infiltração das concepções

marxistas que levaram os historiadores a deslocarem o foco dos grandes

7 Na filosofia, a posição nominalista consiste em afirmar que um universal (como uma espécie ou gênero) não é nenhuma entidade real, nem tampouco está nas entidades reais. A tese defendida consiste em afirmar que os universais são simplesmente nomina, nomes, vocábulos. 8 Aos nominalistas se opuseram, sobretudo, os realistas, como Santo Anselmo. Os realistas não admitem a tese de que um universal é apenas um nome, uma vox. “O realismo designa uma das posições adotadas na questão dos universais: a que sustenta que os universais existem realiter ou que universalia sunt realia” (MORA, J. F., 1998, p. 619-623). Temos como alguns representantes do realismo Platão, Aristóteles e Abelardo.

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heróis, dos grandes feitos e dos grandes homens, para a massa. Houve,

portanto, um deslocamento do indivíduo para o grupo, para a observação dos

fenômenos coletivos (DUBY, 1999).

Lucien Febvre, George Duby, Robert Mandrou e Jacques Le Goff são

reconhecidos por suas importantes contribuições no campo da história das

mentalidades. O fundador da escola dos Annales, Lucien Febvre, em seus

artigos La Psychologie et l’histoire de 1938, e La Sensibilté dans l’histoire de

1941, lançava as bases da história das mentalidades, escrevendo sobre as

“atitudes mentais”. Desde então, podemos reconhecer no campo da história a

exploração de um novo domínio, o das atividades conscientes, voluntárias,

orientadas para a política, para a conduta dos homens e para os

acontecimentos. (apud ARIÈS, 1995).

No curso dos anos de 1960, o reaparecimento das mentalidades subverte inteiramente a historiografia francesa. Os sumários das grandes revistas, inclusive as mais conservadoras, mudam, assim como os temas de mestrado e doutorado. Observa-se, então e na década de 70, um declínio dos temas socioeconômicos, um desinteresse relativo em relação aos temas demográficos da década precedente e, em compensação, a invasão de temas outrora desconhecidos ou raríssimos. (ARIÈS, 1995, p.160). (grifo nosso).

O termo mentalidade designa a maneira geral de pensar de uma

sociedade, são as atitudes mentais que não são específicas de um indivíduo,

mas de todo um grupo. Devemos ressaltar o fato de Lucien Febvre ser amigo

dos psicólogos Charles Blondel9 (1876-1939) e Henri Wallon10 (1879-1962), e

talvez nessa proximidade valer para estes dois saberes: a história e a

psicologia, estabelecendo uma aliança. (DUBY, 1999).

Para os historiadores, a Psicologia Social permitiria incluir entre seus

interesses a habilidade de observação dos comportamentos humanos.

9 Blondel foi professor de Psicologia Experimental na Universidade de Strasbourg e professor de Psicologia Patológica, substituindo George Dumas, na Sorbone. Entre suas obras destacamos “Introdução à Psicologia Coletiva” de 1928 e “Mentalidade Primitiva” de 1926. 10 Antes de se interessar pela psicologia, Wallon estudou filosofia e medicina e ao longo de sua vida foi se aproximando, do campo da educação. Viveu num período marcado por instabilidade social e turbulência política. Entre os anos de 1920 e 1937 foi encarregado de conferências sobre a psicologia da criança na Sorbonne. Produziu intensamente sobre esse tema e seu último livro de 1945, tem o título Origens do Pensamento na Criança. Em 1948, criou a revista “Enfance”, que permanece como uma importante fonte de pesquisa para os educadores.

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Permitiria também à história avançar sobre a noção de “consciência coletiva”,

pois a Psicologia Social, dando ênfase à relação entre o eu e o outro,

possibilita aos historiadores entenderem como um quadro mais geral das

mentalidades propostas por um grupo condicionaria uma personalidade, mas

também como uma resposta individual poderia gerar mudanças no meio

cultural, portanto, teríamos uma relação dialética entre individual e o coletivo.

Já para a Psicologia Social, a história permitiria entrever a produção de seus

objetos, como eles são produtos do tempo, de um determinado grupo social. “O

historiador das mentalidades encontra-se muito particularmente com o

psicólogo social.” (LE GOFF; NORA, 1995, p.70).

O conceito de mentalidade proporcionou um aumento do “território do

historiador” (LE GOFF, 1995). Temas como família, idades da vida, sexo e

morte passam a ser estudados.

A historiografia positivista do século XIX e do início do século XX admitia desigualdades tecnológicas, econômicas, ‘atrasos’ devidos à falta de conhecimento, decadências, mas não diferenças em nível da percepção e da sensibilidade. (ARIÈS, 1995, p.172).

O historiador das mentalidades usa todos os tipos de fontes para suas

análises, fixa-se em tudo aquilo que expressa uma tradição e, como

conseqüência, tenta ao menos chegar ao conhecimento da psicologia coletiva

das sociedades.

Considerando o que apresentamos até este momento, podemos afirmar

que ao longo da tese, nos aproximaremos de uma concepção de história que

concebe a pesquisa do passado como algo que passa necessariamente por

uma reflexão, realizada pelo pesquisador, das questões do seu presente.

História- Narrativa- Enunciação

Na apresentação da Nova História, fizemos menção a alguns

importantes nomes da terceira geração, nos quais voltaremos a nos debruçar,

pois será de grande valia para continuarmos esclarecendo a forma como

estamos nos aproximando do trabalho historiográfico, a fim de procurar definir

algumas escolhas teóricas e metodológicas que faremos em nosso trabalho.

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No início da década de 70, Paul Veyne publica o texto “Como se escreve

a história”, que propõe a retomada da reflexão sobre a história como relato. Ele

afirma:

Os acontecimentos não são coisas, objetos consistentes, substâncias; eles são um corte que realizamos livremente na realidade, um aglomerado de procedimentos em que agem e sofrem substâncias em interação, homens e coisas. Os acontecimentos não apresentam uma unidade natural; não se pode, como o bom cozinheiro de Fedro, cortá-los conforme suas articulações, pois eles não a possuem [...]. Isso só se poderia explicar pelo caráter fortemente factual da historiografia até o século XIX e pela pobreza de sua visão; havia uma grande história, principalmente política [...]. A história não-factual foi uma espécie de telescópio que, mostrando no céu milhões de estrelas além daquelas que os astrônomos antigos conheciam, nos faria compreender que nossa decomposição do céu estrelado, em constelação, era subjetiva. (VEYNE, 1995, p. 30-31).

Ele ainda anunciou que a explicação, em história, é apenas a maneira

como o relato se organiza em intriga compreensível, e o que se afirma como

verdade e causa de algum acontecimento é um episódio escolhido, entre

outros, da intriga.

Michel de Certeau em A escrita da história (2002), tematiza a prática

histórica como prática de escritura. Contrapõe-se à história relato e, mais

ainda, ao relato histórico que desempenha o papel de “rito de enterro”,

apontando para o fato de que, se a história é, antes de tudo, relato, ela é

também uma prática que se refere ao lugar da enunciação. (CERTEAU, 2002).

Para Certeau, a história é um discurso que emerge de uma prática e de um

lugar institucional e social. Tal compreensão é importante para pensarmos, em

nossa tese, como a própria história da Psicologia Social no Rio de Janeiro tem

uma relação direta com instituições como universidades e Programas de Pós-

Graduação, que falam sobre ela.

Dar importância à singularidade da análise histórica, como faz Certeau,

é questionar a possibilidade de uma sistematização totalizante. Esse

historiador considerava fundamental a necessidade de apontarmos para a

pluralidade dos procedimentos científicos e de suas funções sociais: “enquanto

falam da história, estão sempre situados na história.” (CERTEAU, 2002, p. 32).

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O discurso histórico não é abstrato, não são palavras que flutuam no

vazio, mas pode ser visto como um texto que organiza unidades de sentido.

Não podemos compreendê-lo independentemente da prática de que resulta, e

nem dos “modelos de história” e das “regularidades”, que servem de base para

explicar documentos e fenômenos históricos. “Por esta razão, entendo como

história esta prática (uma “disciplina”), o seu resultado (o discurso) ou a relação

de ambos sob a forma de uma ‘produção’.” (CERTEAU, 2002, p. 32).

Dosse (2003) comenta a este respeito:

Levar em conta o lugar da operação historiográfica abre um vasto campo: aquele da investigação historiográfica para reconstituir, cada vez, o discurso histórico na contemporaneidade de sua produção. Michel de Certeau, apreendendo o discurso histórico em sua tensão entre ciência e ficção, é particularmente sensível ao fato de que ele é relativo a um lugar particular de enunciação e mediatizado pela técnica que faz dele uma prática institucionalizada, referente a uma comunidade de pesquisadores. (DOSSE, p.138).

Nossa posição situa-se em concordância com Paul Veyne e Michel De

Certeau, conforme apresentamos anteriormente. Toda história deve ser atual,

visto que é produto de um espírito cuja atividade se situa no presente e que

cria sua imagem histórica sob a influência de interesses e motivos atuais.

Nesse sentido, faremos uso durante a realização de nossa pesquisa, dessa

posição teórica e metodológica que se afasta de uma pretensa neutralidade em

relação ao objeto histórico, e que o contextualiza a partir do que ocorre no

presente, daquilo que vivemos.

O Efeito Foucault

Foucault nos apresenta uma importante discussão sobre a teoria

histórica. Embora não faça parte do movimento da Nova História, suas

posições são semelhantes em alguns momentos. Foucault criticava a

historiografia positivista, seus neutralismos e universalizações. Por isto, como

afirma Paul Veyne (1995), em “Foucault revoluciona a história”:

A história-genealogia a Foucault preenche, pois, completamente o programa da história tradicional; não deixa de lado a sociedade, a economia, etc., mas estrutura essa matéria

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de outra maneira: não os séculos, os povos nem as civilizações, mas as práticas; as tramas que ela narra são a história das práticas em que os homens enxergaram verdades e das suas lutas em torno dessas verdades. (p. 180).

Em um importante texto de Foucault (1990), “Nietzsche, a Genealogia e

a História” temos boas pistas para compreender o caminho próprio que o

pensamento de Foucault percorreu. Influenciado por Nietzsche, Foucault se

opôs à busca da origem, da Ursprung. O projeto da genealogia foucaultiana

propõe:

[...] que atrás das coisas há “algo inteiramente diferente”: não seu segredo essencial e sem data, mas o segredo que elas são sem essência, ou que sua essência foi construída peça por peça a partir de figuras que lhe eram estranhas. (FOUCAULT, 1990, p. 17-18).

O genealogista necessita da história para afastar a quimera da origem. A

genealogia não recua no tempo para restabelecer o que foi esquecido, não

busca a continuidade, ela é, antes de tudo, crítica, busca demarcar os

acidentes, os desvios.

A contribuição de Foucault para a teoria histórica e, sobretudo, para as

ciências humanas está em apontar o erro daqueles que buscaram a constância

“nada no homem – nem mesmo seu corpo – é bastante fixo para compreender

outros homens e se reconhecer neles.” (1990, p.27).

Na história, a repercussão de seu pensamento provocou muitas

discordâncias e acusações. (RAGO, 2004). Nas demais ciências humanas e,

particularmente, na psicologia e no Brasil das décadas de 80 e 90, tornou-se

instrumento de crítica aos saberes e práticas estabelecidas.

Foucault veio ao Brasil na década de 1970. Mais especificamente,

pronunciou um conjunto de cinco palestras na PUC-RJ, entre os dias 21 e 25

de maio de 1973 que viraram o livro A Verdade e as Formas Jurídicas. Ainda

no Rio de Janeiro, Foucault se encontrou com médicos e psiquiatras e

tematizou a história da medicina social. No mesmo mês, Foucault realizou em

Belo Horizonte, no Hospital Psiquiátrico André Luiz, uma conferência sobre

temas do seu livro a História da Loucura. Ainda em Belo Horizonte, mas em

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outro compromisso de trabalho, Foucault vai à FAFICH (Faculdade de Filosofia

e Ciências Humanas, da UFMG):

Na platéia, além dos professores do Departamento de Filosofia, notava-se a presença de professores dos Departamentos de Ciências Políticas, Sociologia, História e Psicologia. Neste último, uma inconciliável batalha era travada entre behavioristas e adeptos da Psicologia Social e/ou psicanalistas freudo-lacanianos. (CORRÊA, 2004, p. 11).

Em um último compromisso em Belo Horizonte, Foucault pronunciou

uma conferência no Hospital Psiquiátrico Santa Clara.

Sua segunda visita ao Brasil ocorreria no ano seguinte, em 1974, nos

meses de outubro e novembro, no Rio de Janeiro,

Organiza dois seminários sobre “Urbanização e saúde pública” e “Genealogia da psicanálise no seio das práticas da psiquiatria do século XIX”. Foucault faz seis conferências, uma das quais sobre a psiquiatria do século XIX, no quadro de um curso de medicina social na Universidade do Estado. (MOTTA, 1999, p.40).

No ano de 1976, no mês de novembro, Foucault realizou uma

conferência na Faculdade de Filosofia da Bahia, na qual fez uma “crítica da

concepção jurídica do poder, de Marx e de Freud, da social-democracia e do

investimento do campo sexual pelo Estado.” (MOTTA, 1999, p. 45).

Em maio de 1978, o italiano Rovatti utilizou a expressão “effeto Foucault”

para se referir à extrema esquerda italiana. Teria havido um “efeito Foucault”

sobre a psicologia no Brasil? Parece-nos que o “convite” feito a Foucault para

seminários e conferências nos anos de 1973, 1974 e 1976 evidenciou o

interesse de algumas áreas de conhecimento no Brasil pelo seu pensamento.

Consideramos possível sustentar a hipótese de que, nas décadas de 80

e 90, o “efeito Foucault” se produzia entre os psicólogos no Brasil. Segundo

Coimbra e Nascimento (2001):

O efeito Foucault nos tem permitido estranhar a separação entre psicologia e política, pois em momento algum esses dois domínios se excluem. Ao trabalhar em psicologia - na pesquisa, na docência, na orientação de alunos, nas intervenções em diferentes estabelecimentos - estamos

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atravessados e constituídos a todo momento pelos conhecimentos específicos de nossa área, pelo lugar legitimado de saber/poder que ocupamos socialmente, por nossas implicações e crenças políticas, pelo contexto histórico em que vivemos, pelos diferentes saberes-experiências que vão nos constituindo ao longo de nossa trajetória, pelas diferentes escolhas e opções que vamos realizando, pelos múltiplos encontros e agenciamentos que vão acontecendo em nossas vidas. Hoje é impossível para nós separar o que é psicológico do que é político; negamos suas essências, apostamos na constituição histórica desses campos de conhecimento e nas articulações que se operam entre eles. (p. 245-248).

O pensamento de Foucault provocou desassossego e desnaturalização

de práticas institucionalizadas na psicologia. Em relação ao campo específico

da Psicologia Social, permitiu-lhe, juntamente com outras contribuições que se

faziam presentes, como o marxismo, interrogar-se sobre suas bases teóricas e

sobre suas práticas.

Psicologia e História

A relação da Psicologia com a História, enquanto campos disciplinares,

é relativamente recente. Essa associação ocorre através da história das

ciências, ou seja, era necessário voltar no tempo e rememorar os fracassos da

ciência, mas, sobretudo, seus grandes feitos. E no caso da Psicologia,

buscava-se suas origens, os primeiros temas desenvolvidos e seus

fundadores. Através de uma linha contínua, buscou-se fazer uma história das

idéias psicológicas, fazendo menção a seus “heróis” e a “mitos” do passado.

Essa forma de perspectivar o passado recebeu o nome, na história das

ciências, de internalismo. Em tal abordagem, temos a reconstituição da lógica

da descoberta científica e a presença de uma análise que busca entender o

real a partir da evolução do conhecimento. Diferentemente, numa outra

narrativa, denominada externalista, busca-se examinar o “[...] pensamento

psicológico no contexto dos desenvolvimentos contemporâneos em outras

ciências e, de fato, no meio social, cultural e político em que as idéias

psicológicas foram formuladas.” (WERTHEIMER, 1998, p.31). Na abordagem

externalista, analisa-se o efeito do contexto sociocultural e da história da

sociedade sobre o desenvolvimento da ciência, seus conceitos e práticas.

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Uma das razões para o estudo da história da psicologia – como de

qualquer outra disciplina – é a possibilidade de aprendermos com aqueles que

nos antecederam. A obviedade desse primeiro motivo, que não nos tranqüiliza,

nos força a buscar outras razões para o estudo da história desse saber. Assim,

supomos que esse olhar para o passado nos permite fazer um levantamento

dos temas que foram mais relevantes e que permitiram, no final do século XIX,

o surgimento da psicologia. A história pode nos ajudar a tomar consciência de

nossas heranças, o presente emerge em uma luz diferente quando visto a

partir da perspectiva histórica. Devemos buscar compreender as razões

sociais, econômicas e políticas que estavam presentes na elaboração de uma

teoria ou pensamento. “Não se pode compreender um projeto intelectual e seu

desenvolvimento sem referência a um espaço teórico, institucional e político.”

(ERIBON, 1990, p.15).

Como havíamos anunciado, anteriormente, nossa relação com a história

decorre a partir de uma determinada perspectiva, ou seja, buscamos a

produção de um conhecimento que se assuma subjetivo e que derive de

pertencimentos institucionais e referências teóricas do pesquisador. Portanto, a

apresentação desta dicotomia internalista-externalista nos auxilia, sobretudo,

na compreensão da relação psicologia/história, principalmente, a qual temos

acesso através dos manuais de psicologia norte-americanos e europeus da

primeira metade do século XX. Entretanto, buscaremos ao longo desta tese

ultrapassar essa compreensão de história objetiva da psicologia, para isso

faremos uso de uma metodologia que contemple tanto o desenvolvimento dos

conceitos quanto a influência dos meios social, político e econômico.

Uma das características do trabalho historiográfico é a preocupação em

demarcar o seu objeto de forma espacial e temporal. Essa posição

metodológica vem ao encontro de um dos nossos objetivos neste projeto: o de

pesquisar a história da Psicologia Social no Rio de Janeiro, entre as décadas

de 60 e 90.

Ao longo da nossa formação inicial em Psicologia - entre o final dos anos

80 e o início da década de 90 – voltamo-nos aos poucos para o campo da

Psicologia Social. A leitura de filósofos como Deleuze, Foucault, Bergson e

Nietzsche, entre outros, além de historiadores como Philippe Áries, Jacques le

Goff, Paul Veyne e Georges Duby, foi importante para a formação de um

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interesse e de um descontentamento com a Psicologia Social que então era

apresentada. A leitura dos principais autores desse campo produziu mais

dificuldades que certezas. Voltarmo-nos, hoje, para o tema da história da

Psicologia Social no Rio de Janeiro tem uma relação direta com nossas

interrogações mais recentes, mas também com nossos antigos

descontentamentos.

Em meados da década de 60, ocorreu a denominada crise na Psicologia

Social. Questionamentos teóricos e metodológicos estabeleceram a

necessidade de repensar esse campo. Segundo Rodrigues (1979), a Psicologia

Social passou a ter como um novo imperativo em suas pesquisas a busca da

relevância social. No Brasil, a repercussão da crise, iniciada nos Estados

Unidos e na Europa, não encontrou uma repercussão imediata. Somente a

partir da década de 70 foi possível observarmos a procura, por parte dos

psicólogos sociais, de novos interlocutores. Nomes como Pagés, Moscovici,

Vygotsky, e, posteriormente, Foucault, Marx, Deleuze, Guattari, Lapassade e

Lourau, entre outros, passaram a ser lidos, porém não podemos afirmar que

tais autores fizessem parte da formação dos psicólogos. Nos cursos de

Psicologia Social, havia um predomínio de autores norte-americanos e

europeus. O livro de Aroldo Rodrigues, Psicologia Social, de 1972, passou a

ser usado por muitos professores como referência obrigatória. A Psicologia

Social estabelecida por Aroldo Rodrigues no Rio de Janeiro na PUC e na

Gama Filho se deparou, a partir do final da década de 70 e início da década de

80, com discordância e contraposições. Em São Paulo, Silvia Lane se

constituiu em importante opositora. Em Minas Gerais, o denominado Setor de

Psicologia Social da UFMG também se firmou numa posição de crítica à

Psicologia Social cognitiva norte-americana.

No Rio de Janeiro, como em São Paulo e Minas Gerais, havia um

movimento de crítica à posição defendida por Aroldo Rodrigues.

Acontecimentos, como os ocorridos na PUC-Rio na década de 70 e na UFF, na

década seguinte, que serão apresentados ao longo da tese, alimentaram as

discordâncias teóricas e metodológicas.

Ao longo desta tese, buscaremos apresentar uma história da Psicologia

Social no Rio de Janeiro, dando relevância às suas especificidades que

ocorrem em função das instituições e seus personagens. Para isso, fizemos,

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além de um levantamento bibliográfico sobre a Psicologia Social e o contexto

histórico, político e social brasileiro das décadas de 60, 70 e 80, entrevistas

com psicólogos que foram importantes no campo da Psicologia Social à época.

Tivemos muita dificuldade em encontrar textos que apresentassem a história

mais recente da Psicologia Social no Rio de Janeiro. Essa ausência talvez

possa se transformar em argumento que justifique a relevância desta tese.

A psicologia, a partir da década de 80, foi se constituindo como um

saber voltado para a discussão do social. A fundação da ABRAPSO, em 1980,

foi importante na consolidação desta preocupação, e, também, para as

reflexões e o fortalecimento de novas propostas teóricas e metodológicas no

campo da Psicologia Social.

A partir da “crise”, como sustenta Rodrigues (1979), a Psicologia Social

passou a se preocupar com a relevância social das pesquisas em psicologia,

porém, diferentemente desse autor que fez uso da solução apresentada por

Varela com a Tecnologia Social, os psicólogos sociais críticos à posição de

Aroldo Rodrigues sustentaram a necessidade da psicologia transformar a

realidade social brasileira. Nossa compreensão do processo histórico nos levou

a relacionar esses rompimentos presentes na Psicologia Social, a partir da

década de 70, com o que vivíamos no país em termos de resistência, nas

décadas de 60 e 70, a ditadura militar, e, a partir da década de 80, a luta pela

consolidação da democracia.

O que nos possibilita, a partir da pesquisa que realizamos nesta tese,

apontar para algumas especificidades presentes na história da Psicologia

Social no Rio de Janeiro é o fato de que a constituição de um campo de crítica

à Psicologia Social cognitiva norte-americana ocorreu a partir da participação

de psicólogos que não se diziam psicólogos sociais e tinham receio de

receberem tal rótulo. Em São Paulo, tínhamos em torno da professora Silvia

Lane um importante eixo de resistência. Em Minas Gerais, o Setor reunia as

reflexões, experiências e a busca de novos interlocutores, como Lapassade e

Lourau. No Rio de Janeiro, não tivemos um nome ou uma instituição para

apontar como responsável pelos rompimentos. O movimento institucionalista foi

fundamental, enquanto um dos sustentáculos teóricos, para a constituição de

uma Psicologia Social crítica. Além da Análise Institucional, devemos fazer

menção à Psicologia Comunitária e à Teoria das Representações Sociais como

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temas que fazem parte da história que constituiremos no decorrer da tese. Em

relação à Psicologia Comunitária no Rio de Janeiro, sustentamos, a partir de

algumas considerações que apresentaremos mais à frente, o uso da

denominação “trabalhos em comunidade”. Ao nosso ver, há, na história desta

teoria da Psicologia Social no Rio de Janeiro, diferenças em relação ao seu

desenvolvimento em São Paulo e Minas Gerais.

E quanto a Teoria das Representações Sociais? Certamente a sua

apresentação é importante para o desenvolvimento de nossa tese. O seu

desdobramento no Rio de Janeiro e a análise da sua relação com temas como

a crise da Psicologia Social e a questão da relevância social, apresentados na

discussão da Análise Institucional e da Psicologia Comunitária, foram

diferentes, contudo, não menos importantes.

Um trabalho que busque apresentar a constituição recente do campo da

Psicologia Social no Rio de Janeiro, mais que contribuir para a apresentação

de temas que provoquem uma reflexão sobre os rompimentos teóricos e

metodológicos a partir da crise da Psicologia Social, deve permitir pensarmos

sobre outros caminhos que começam a se delinear na Psicologia Social em

nosso país.

Em nosso primeiro capítulo, discorreremos sobre a denominada crise no

campo da Psicologia Social. Discutiremos o conceito de crise em Kuhn e o que

compreendemos ser tal crise. Além disso, apontaremos os confrontos que se

estabeleceram no campo da Psicologia Social. A partir de uma caracterização

da Psicologia Social cognitiva norte-americana e da crítica de seus

fundamentos, apresentaremos a posição de dois importantes personagens da

época, Aroldo Rodrigues e Silvia Lane que, no final da década de 70 e início de

80, discutiram modelos diferentes de Psicologia Social.

No capítulo dois, apresentaremos alguns movimentos sociais de

resistência no Brasil, das décadas de 60, 70 e 80. Entre eles, o Centro Popular

de Cultura (CPC) da UNE, o Tropicalismo, a Igreja Católica a partir da Teologia

da Libertação e as forças de consolidação da democracia. A necessidade

desse percurso sobre a história mais recente do Brasil ocorreu em função da

nossa aposta de estabelecer relações entre os acontecimentos históricos e os

rompimentos no campo da Psicologia Social no Brasil.

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No capitulo três, discutiremos o campo da Psicologia Social no Rio de

Janeiro. Começaremos fundamentando a análise de nossas entrevistas a partir

das contribuições da História Oral. Em seguida, apresentaremos dois nomes

importantes na história da Psicologia Social no Rio de Janeiro: Eliezer

Schneider e Aroldo Rodrigues. Por último, apresentaremos três grandes

teorias: a Psicologia Comunitária, a Análise Institucional e a Teoria das

Representações Sociais. A partir das entrevistas com 14 psicólogos buscamos

produzir uma história da Psicologia Social no Rio de Janeiro entre as décadas

de 60 e 90.

A escolha do tema que desenvolveremos ao longo desta tese, ou seja, a

história da Psicologia Social no Rio de Janeiro entre as décadas de 60 e 90,

nos permitirá não apenas repensar a história mais recente deste campo, mas

entender determinados desdobramentos históricos, políticos e epistemológicos,

além das possíveis conjecturas sobre o futuro da Psicologia Social no Rio de

Janeiro.

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CAPÍTULO 1

A HISTÓRIA DE UMA CRISE: CONFRONTOS NO CAMPO DA

PSICOLOGIA SOCIAL

[...] Eu vinha dos EUA onde a Psicologia Social era estritamente científica. Eu obtive meu Ph.D. antes da chamada crise da Psicologia Social; o que interessava era a correção da metodologia, uma hipótese bem formulada e amparada numa teoria sólida e a Psicologia Social não era uma área aplicada, era uma área puramente especulativa, uma área puramente científica e sem preocupação com aplicações. A preocupação com as aplicações da Psicologia Social, pelo menos no cenário americano, só recebeu mais atenção depois da chamada crise da Psicologia Social [...]. Aroldo Rodrigues, Rio de Janeiro, 2007.

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Esse trecho de entrevista dada por Aroldo Rodrigues, que será

analisada no capítulo 3, nos apresenta um pouco do clima que animava a

Psicologia Social no Brasil e no Rio de Janeiro, nos fins da década de 60 e

início da década de 70. Nos anos 80 e 90, persistiram as críticas e os

confrontos, porém, a Psicologia Social não foi exclusivamente representada

pela perspectiva norte-americana, mas por uma diversidade de outros

interlocutores e concepções de homem e sociedade.

No início dos anos 70, acumulávamos apenas duas décadas de

existência do curso de psicologia em nosso país11, e o campo já se deparava

com questionamentos a respeito da sua cientificidade, do seu direito à

existência e do seu pertencimento às ciências naturais ou às ciências

humanas. Estávamos diante do que alguns autores (LANE 1981, 2004;

RODRIGUES, 1979) denominaram de “crise” da psicologia.

Mas a crítica à psicologia vinha de longe. No dia 18 de dezembro de

1956 Canguilhem (1904-1995) pronunciou uma conferência que foi publicada

em 1958, pela Revue de métaphysique et de morale, com o título “Qu’est-ce

que la Psychologie?”12. Esse texto representou não apenas uma crítica ao

campo da psicologia, como também deu mais força ao movimento de

questionamento de suas bases filosófica, científica e política (BRAUSTEIN,

2004).

Canguilhem (1973) trouxe importantes contribuições para a reflexão

relativa ao campo da psicologia, questões como: o que podemos entender

como psicologia? Qual é a razão da sua diversidade? Estaria a psicologia

protegida dos usos políticos de seus conceitos? Estas indagações faziam parte

de suas provocações. Não devemos deixar de considerar sua crítica sobre o

estatuto “pouco claro” da psicologia, o que levou Canguilhem a afirmar que tal

saber seria uma mistura de “uma filosofia sem rigor, uma ética sem exigência e

uma medicina sem controle.” (p. 105). Seguiu-se a isso seu célebre conselho

aos psicólogos:

11 O primeiro curso de psicologia do país surgiu na PUC/RJ, em março de 1953. 12 No Brasil, sua tradução foi publicada na revista Tempo Brasileiro, número 30/31 em 1973. É interessante que sua tradução brasileira seja publicada somente na época em que suas idéias “fazem sentido” na realidade brasileira.

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Quando se sai da Sorbonne pela rue Saint-Jacques, pode-se subir ou descer; se se sobe, aproxima-se do Pantheon, que é o conservatório de alguns grandes homens, mas se se desce dirige-se certamente para a chefatura de polícia. (1973, p. 123).

Em torno da questão “o que é a psicologia?”, o autor, para tornar claro

seu pensamento, esboçou uma história desse saber. Primeiramente, em seu

texto, encontramos uma psicologia como ciência natural que “em suma, como

psicofisiologia e psicopatologia, a psicologia remonta ainda atualmente ao

século II.” (CANGUILHEM, 1973, p. 109).

Num segundo momento, a psicologia é apresentada como ciência da

subjetividade, nascendo como psicofísica por dois motivos: em primeiro lugar,

porque só dessa maneira a psicologia é levada a sério pelos físicos; em

segundo, porque ela deve buscar “na estrutura do corpo humano, a razão de

existência dos resíduos irreais da experiência humana.” (CANGUILHEM, 1973,

p. 110). Essa mesma psicologia é ampliada por Wundt em sua psicologia

experimental. “Mas a ciência da subjetividade não se reduz à elaboração de

uma física do sentido externo, ela se propõe e se apresenta como a ciência da

consciência de si ou a ciência do sentido interno.” (CANGUILHEM, 1973, p.

111).

Por último, Canguilhem apresenta a psicologia como ciência das

reações e do comportamento. “Ora, o que caracteriza, segundo nós, esta

psicologia dos comportamentos, em relação aos outros tipos de estudos

psicológicos, é sua incapacidade de aprender e exibir na claridade seu projeto

instaurador.” (1973, p. 118).

Esta psicologia que se afasta da filosofia e vê na aproximação dos

outros projetos psicológicos um sinal de fraqueza, se identifica como um

instrumento, ou seja, temos presente a idéia de utilidade do homem, “a

natureza do homem é de ser ferramenta, sua vocação é ser colocado no seu

lugar, na sua tarefa.” (CANGUILHEM, 1973, p.119). No entanto, o que assinala

Canguilhem (1973) é que esse homem não é um instrumento ingênuo. “Subir”

para o Pantheon ou “descer” para a chefatura de polícia depende da tomada de

consciência de “saber de quem ou de que ele é instrumento” (p. 118).

Muitas foram as interpretações desse texto na França. Entretanto,

segundo Braustein (2004), muitos concordaram em considerar a psicologia

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como uma forma de controle social. Nomes como o de Badiou em Y a-t-il une

unité de la psychologie?, Foucault em La psychologie de 1850 à 1950, Lacan

em L’objet de la psychanalyse e Deleule em La psychologie, mythe cientifique

estavam entre aqueles autores que nas décadas de 50 e 60 concordavam a

respeito dessa vocação do saber psicológico. (apud BRAUSTEIN, 2004).

No texto de Foucault La psychologie de 1850 a 1950, publicado um ano

após a conferência de Canguilhem, portanto, em 1957 (Edição Francesa),

temos também, a partir da historicização do saber psicológico, uma exposição

de argumentos críticos à constituição da psicologia como ciência.

Uma das críticas apresentadas por Foucault (1999) à psicologia foi sua

preocupação “de alinhar-se com as ciências da natureza e de encontrar no

homem o prolongamento das leis que regem os fenômenos naturais.” (p. 122).

Essa psicologia científica se apoiaria, necessariamente, na mesma

metodologia das ciências naturais, que buscavam relações quantitativas,

construção de hipóteses e a verificação experimental.

As psicologias do final do século XIX, apesar de sua diversidade,

buscaram nas ciências naturais o modelo de objetividade que lhes asseguraria

o status de conhecimento científico. Segundo Foucault (1999), essas

psicologias teriam suas bases teóricas e metodológicas estabelecidas em três

modelos: o físico-químico, o orgânico e o evolucionista.

No entanto, ao longo da sua história, a psicologia buscou se afastar

desses modelos que se baseavam predominantemente no positivismo. Mas,

mesmo essas novas psicologias ainda se deparam com questionamentos

sobre a sua validade e sua justificação. Foucault nos pergunta a esse respeito:

O futuro da psicologia não estaria, doravante, no levar a sério essas contradições, cuja experiência, justamente, fez nascer a psicologia? Por conseguinte, não haveria desde então psicologia possível senão pela análise das condições de existência do homem e pela retomada do que há de mais humano no homem, quer dizer, sua história. (1999, p. 139).

Canguilhem, Foucault, Badiou, Lacan e Deleule, entre outros, na

tradição da filosofia francesa, impuseram à psicologia a necessidade de

repensar seus fundamentos: qual seria seu projeto instaurador? Ou o que

estaria por detrás deste? Mais do que uma crítica epistemológica, estaria em

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jogo uma crítica ética e política a esse campo de conhecimento que, desde o

final do século XIX, pretendeu ser concebido como uma ciência.

No Brasil, a primeira edição do texto de Canguilhem, em 1973, ocorre

juntamente com manifestações de insatisfação em relação à psicologia.

Buscava-se redefinir os caminhos desse saber entre nós, ou seja, surgiam as

críticas a um certo modelo de psicologia que se caracterizava pela neutralidade

e pelos ideais positivistas. Tal crítica permitiu a vários autores, como Penna

(1991), Schneider (1978), Lane (1981) e Célio Garcia (1971) buscarem novas

metodologias, teorias e estabelecerem interlocuções com autores de outros

campos como a sociologia, a antropologia, a história e as demais ciências

humanas. Esses autores seriam importantes, posteriormente, na psicologia no

Brasil. A busca de uma proximidade com as ciências naturais já não era

obrigatória para um saber marcado pela diversidade.13

1.1- A Crise

O que de fato foi esta crise vivida pela psicologia? Como os psicólogos

no Brasil, e, mais especificamente, no Rio de Janeiro, pensaram esta crise?

Buscaremos responder a essas perguntas ao longo deste capítulo.

Apontar uma data que precise o início da crise do saber psicológico é

algo que foge aos nossos interesses, inclusive por não partilharmos da idéia de

uma “origem” e contra a qual nos posicionamos na introdução do presente

texto.

Para este trabalho, consideraremos como crise o momento de reflexão

que a psicologia começou a viver em meados dos anos 60 e início dos anos

70. Parecia que a necessidade de uma interrupção se fazia presente, quer

dizer, o questionamento sobre “onde estamos e para onde devemos ir” passou

a mobilizar a psicologia como um todo. Comentando a crise na Psicologia

Social, Arruda (1992) afirma: 13 Usaremos o termo diversidade como foi apresentado por Luis Alfredo Garcia-Rosa em seu texto Psicologia: um espaço de dispersão do saber, de 1977. O autor expõe que a psicologia é caracterizada por uma diversidade conceitual, ou seja, ela apresenta vários objetos e vários métodos, diferentemente das ciências naturais e exatas que apresentam como característica a unidade conceitual. Esta diversidade de objetos e métodos deu origem aos vários sistemas psicológicos como o estruturalismo, a psicanálise, o behaviorismo e a gestalt. Portanto, como afirma Garcia-Rosa (1977), “o termo ‘psicologia’ designa um espaço de dispersão do saber, cuja coerência interna é um ideal provavelmente inatingível.” (p.22).

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O pós-guerra encontra, portanto, um arsenal de teorias e técnicas, que criam grande otimismo quanto às possibilidades da Psicologia Social: com ela, talvez fosse possível achar as soluções para as questões sociais! Depois da década de 50, a euforia começa a declinar (LANE 1984), e no fim dos anos 60, sobretudo na França e Inglaterra, a insatisfação é grande. Maio de 68 vai questionar a inércia da disciplina, diante dos problemas candentes do momento, sua utilidade para resolve-los, seus objetos de estudo, sua legitimidade como ciência, enfim (MOSCOVICI). Também a hegemonia das teorias, metodologias e técnicas norte-americanas começa a incomodar, indicando a necessidade de uma reflexão consistente e autóctone. Instala-se a crise na Psicologia Social. (p. 359-360).

Certamente a crise da Psicologia Social não pode ser pensada fora do

contexto maior da psicologia. Desde a década de 50, a psicologia foi alvo de

críticas, principalmente, da filosofia: a respeito da sua cientificidade e do

caráter ideológico de suas teorias e de suas práticas. A crise trouxe para o

campo específico da Psicologia Social a retomada de temas já estabelecidos e

de outros novos. Essa reflexão permitiu, na América Latina e no Brasil, a busca

de uma Psicologia Social que atendesse aos interesses e realidades dessa

região. Mas voltemos ao conceito de crise. Como é possível a sua

compreensão e o seu uso no campo da psicologia?

A partir do exame do conceito de crise utilizado por Kuhn, em seu livro

The structure of scientific revolutions, publicado em 196214, nos deparamos

com a idéia de que “crise” aponta para a substituição de um paradigma por

outro; no entanto, essa passagem não significa a resolução automática dos

problemas do paradigma anterior. Diferentemente disso, teríamos novas

maneiras de pensar os problemas e novos questionamentos a serem

considerados.

Partindo de Kuhn (2005), devemos entender o conceito de paradigma

como um consenso, uma maneira aceita pelos praticantes da ciência de

soluções de problemas por meio de exemplos ou modelos e também como um

conjunto de valores compartilhados pelos membros de uma determinada

comunidade científica. Não podemos pensar no empreendimento científico do

14 A primeira edição brasileira é da Perspectiva, SP, Coleção Debates, 1976. Nossas referências são da 9ª edição, de 2005.

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pesquisador sem subordiná-lo à noção de paradigma, pois fazer ciência nos

leva necessariamente a um trabalho social e institucionalizado.

Na psicologia, essa noção de paradigma encontra um uso corrente,

porém, como nos apresenta Iray Carone (2003), em seu livro A psicologia tem

paradigma?, a aplicação das idéias de Kuhn nessa disciplina foi heterogênea e

muito superficial.

Outros autores no campo da psicologia concordam com a dificuldade do

uso do conceito de paradigma para pensamos este saber. Massimi (2002)

afirma: “o termo paradigma não parece ser, do ponto de vista historiográfico, a

expressão mais adequada para definir a natureza epistemológica da

psicologia.” (p. 34). Ao invés do conceito de paradigma, muitos autores

preferem o uso do termo “matrizes” (FIGUEIREDO, 1996), que assegura a

pluralidade, a heterogeneidade do campo psicológico.

Voltando a Carone (2003), um erro cometido pelos psicólogos, embora

menos freqüente, “foi de identificar uma multiplicidade de paradigmas

coexistentes e revoluções sucessivas nesses campos de conhecimento, em

desacordo completo com a própria noção de paradigma”, em Kuhn (p. 36).

A psicologia apresenta uma variedade de objetos e métodos, ou melhor,

ao longo de sua história, diversos projetos teóricos e metodológicos, como o

behaviorismo, a gestalt e a psicanálise, se fizeram presentes. E como afirma

Garcia-Rosa (1977), a psicologia é melhor dita no plural, ou seja, psicologias.

O reconhecimento dessa diversidade talvez explique o uso comum, na

psicologia, do conceito de paradigma no plural e não no singular: dessa forma,

“as psicologias” estariam submetidas a paradigmas diferentes. No entanto,

como afirma Carone (2003), esse uso poderia ser visto como um exemplo de

“má leitura”, pois Kuhn não postula a idéia de pluralidade de paradigmas, mas

a substituição de um desses após episódios revolucionários.

Em Kunh (2005), os conceitos de “paradigma” e de “ciência normal” são

inseparáveis: uma ciência normal apresenta necessariamente um paradigma. A

relação entre estes nos leva a considerar outro fundamento nas discussões

desse teórico, isto é, um paradigma pressupõe uma universalização, um

consenso estável entre pesquisadores de uma mesma ciência.

A ausência de um consenso na psicologia nos aponta para mais uma

dificuldade no uso do conceito de paradigma para pensarmos o saber

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psicológico. A crise da psicologia, mencionada anteriormente, não pode ser

discutida a partir das posições teóricas de Kuhn, pois a crise, para este teórico,

não só supõe um paradigma dominante quanto prenuncia o surgimento de um

novo paradigma.

Embora tenhamos apresentado argumentos que sustentem a nossa

discordância no uso do conceito de paradigma para pensarmos a psicologia,

gostaríamos de chamar a atenção para a forma como alguns autores, em

discordância com o que apresentamos, fazem uso desse mesmo termo no

campo da Psicologia Social.

Para Sandoval, a emergência de um paradigma latino-americano na

Psicologia Social se torna possível pelo surgimento de teorias que buscam

focalizar o desenvolvimento humano e a mudança social. As ditaduras, como

um traço em comum entre vários países Latino-Americanos, permitiriam que

pensássemos em um modelo de psicologia no qual seus atores buscariam um

engajamento em lutas sociais e movimentos políticos. Assim, “pela primeira vez

o pensamento psicológico latino-americano é pioneiro na abertura de caminhos

novos.” (SANDOVAL, 2000, p.108).

Já Jurberg procura compreender como a noção de diferentes

paradigmas em psicologia foram usados para pensar a relação entre

individualismo e coletivismo. Segundo a autora, durante os anos 80, várias

regiões do país buscavam alternativas para a tendência positivista e

pragmatista em psicologia. “Assim surge uma nova tendência, de base

materialista-histórica, voltada para discussões e trabalhos comunitários, e que

passa a ser discutida [...] pela recém-criada ABRAPSO, no início dos anos

oitenta.” (JURBERG, 2000, p.150).

Para Guareschi, há indicações que permitem entrevermos a

possibilidade de nascimento e constituição de um novo paradigma. “Nosso

intuito foi apenas analisar os ‘sinais dos tempos’, vislumbrar os horizontes para

poder perceber alguns sinais [...], de uma nova sociedade que possa ser

gerada.” (GUARESCHI, 2000, p. 219).

Embora compreendamos que os referidos autores apresentem um

sentido diferente no uso da noção de paradigma, afastando-se da definição

clássica de Kuhn, não podemos deixar de considerar os problemas e

dificuldades epistemológicas que enfrentamos na sustentação desse termo no

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campo da psicologia. Apesar disso, consideramos de forma positiva o fato

desses autores apontarem o surgimento do “novo” no campo da Psicologia

Social Latino-Americana: tanto Sandoval quanto Jurberg sustentam uma

Psicologia Social fruto do contexto histórico, político e social latino-americano.

Já Guareschi se preocupa em mapear os sinais que identificariam a eclosão de

um “novo” paradigma. Outro ponto positivo é que os autores vêm ao encontro

de um dos nossos interesses neste capítulo, qual seja: ressaltar um aspecto de

“quebra”, de “crise” da psicologia em geral e, especificamente, da Psicologia

Social.

Segundo Iñiguez-Rueda (2003):

Efectivamente, la crisis fue sobre todo um espacio en el que se debatia intensamente sobre el qué, el como y el para qué de la Psicologia Social. La vivencia, [...] el interes de cada quién que intervino en este debate, era muy distinto.” (p. 222-223).

Além de apontar para a crise propriamente dita, o autor destaca a

diversidade de opiniões sobre o significado, a importância e o que foi a “crise”

da Psicologia Social. Ainda segundo Iñiguez-Rueda (2003), podemos apontar

em um momento de pós-crise, como um dos pontos consensuais, a idéia de

que o método experimental criava contextos muito afastados das realidades

sociais. “Igualmente, las propuestas de abandonar la investigación des-

conectada con la realidad social, recebían, al menos en Europa, una fuerte

adhesión aparadas en la autoridad de autores como Serge Moscovici (1972) e

Henry Tajfel (1972).” (p. 224). Um segundo consenso se faria em torno da

necessidade de pensar os problemas sociais. A partir dessa exigência, muitos

psicólogos e psicólogos sociais reafirmaram seus compromissos com a

transformação social.

A crise no campo da Psicologia Social não propiciou a resolução do

problema da intolerância em relação à diversidade teórica. E, ainda, permitiu

que se visse na aplicabilidade da Psicologia Social uma saída para os

problemas levantados pela mesma crise. Para Iñiguez-Rueda (2003):

Una separación notoria de las prácticas interventoras del proyecto general de la disciplina junto con el encapsulamento

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de la psicologia convencional en investigaciones rutinizadas según unos estándares completamente convencionales, han dado al traste com esta alternativa. Y sin embargo, es en la Psicologia Social como praxis donde hay una de las posibles alternativas de salida. (p. 228).

Como afirmamos anteriormente, a crise vivida pela psicologia, ao longo

de sua história, teve vários significados e fatores propiciadores, porém, o que

gostaríamos de destacar nessa diversidade de sentidos é o fato dessa mesma

crise ser como uma das possíveis causas de contestação, de busca de

modelos, de mudança de paradigma, ou mesmo, como algo que propicia a

diversidade presente na psicologia.

A crise mais geral no campo da psicologia se torna, a partir de meados

da década de 60, na Europa e nos Estados Unidos, também uma crise da

Psicologia Social. Posteriormente, a partir da década de 70, esta crise teve

seus desdobramentos no Brasil e talvez ainda esteja presente, nesse campo,

como crítica, reflexão, diversidade de enfoques e teorias.

Buscando compreender o projeto de Psicologia Social que perde sua

hegemonia no Brasil ao longo dos anos 70 e 80 e as bases de sua sustentação

teórica, metodológica e ideológica, apresentaremos algumas críticas à

Psicologia Social cognitiva norte-americana.

1.2- Uma Crítica aos Fundamentos da Psicologia Positivista

No final do século XIX, a psicologia, em busca de uma libertação das

influências da metafísica, se aproxima de uma perspectiva científica, cujas

bases eram dadas pela fisiologia e pela biologia: por um modelo de ciência

experimental que passou a possibilitar para a psicologia seu estatuto de

cientificidade.

O homem tornou-se, então, um “objeto de experiência”. E os fatos humanos tornaram-se decompostos, inventariados, descritos como sendo rigorosamente exatos e experimentais. Foi o período da redução dos fenômenos mentais aos fenômenos orgânicos e cerebrais. A psicologia, assim, escudava-se nas certezas matemáticas e experimentais, talvez para melhor defender-se do “imperialismo” filosófico. O homem passou a ser estudado em laboratórios. Tratava-se de provar a origem orgânica de seus comportamentos. E a psicologia enveredou-se pelos caminhos traçados pelo organicismo e pelo mecanicismo clássicos. (JAPIASSU, 1977, p.42).

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O afastamento da psicologia em relação à filosofia marca a sua entrada

no campo das ciências. Contudo, devemos considerar que o saber psicológico,

a partir de sua diversidade, oscila ainda hoje entre duas correntes: uma mais

filosófica e outra mais científica.

Com o modelo imposto pelas ciências naturais à psicologia, percebe-se

que o objeto humano é deslocado do plano subjetivo para o plano objetivo. Isso

significou que o homem deixou de pertencer à ordem dos valores e passou a

pertencer por completo à ordem dos fatos. (JAPIASSU, 1977).

Na busca da sua cientificização, a psicologia passou a fazer uso do

método advindo das ciências naturais: o método experimental. Esse método

deu a muitos de seus teóricos a certeza da precisão e do controle. Fechner,

Wundt, Watson e muitos outros importantes nomes do quadro da psicologia

científica concordavam a respeito da necessidade do uso desse método nas

pesquisas em psicologia.

A pesquisa experimental, nos laboratórios de psicologia passou a ser

uma etapa obrigatória na produção de conhecimento científico. Em muitos

centros de pesquisa norte-americanos e europeus, desde o final do século XIX,

passou-se a praticar, como modelo de conhecimento verdadeiro, a psicologia

experimental.

O desenvolvimento da psicologia nova está bem patente na criação de laboratórios em diversos países e no aparecimento de revistas especializadas: em França, depois dos Annales médico-psychologiques, a Année psychologique; na Alemanha, os Philosophische Studien e a Zeitschrift fur psychologie; nos Estados Unidos, o American Journal of Psychology e a Psychological Review. Esse desenvolvimento reflete-se também nas comunicações apresentadas aos congressos internacionais de psicologia [...] O I congresso de Psicologia experimental15, realizado em Paris, em 1889, sob a presidência nominal de Charcot foi, na verdade, efetivamente dirigido por Théodule Ribot [...] Seguiu-se-lhe um II congresso, realizado em Londres, em 1892. (MUELLER, 1964, p.28-29).

No final do século XIX e início do século seguinte, tínhamos no método

experimental a forma dominante de produção de conhecimento no campo da

15 Embora neste momento se conhecessem vários sentidos para “experimental”, posteriormente a noção que predominará será aquela utilizada pelo behaviorismo.

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psicologia; no entanto, ao longo da segunda metade do século XX, muitas

críticas foram feitas a esse método e sua sustentação passou a exigir resposta

às criticas ao seu uso.

As pesquisas experimentais no campo da Psicologia Social podem ser

subdivididas em dois grupos: experimentos de campo e experimentos de

laboratório. O primeiro caracteriza-se por estudar um fenômeno psicossocial no

ambiente natural. O segundo “simula uma situação da vida real e depois

pretende extrapolar os achados obtidos nesta situação artificial para a

realidade.” (RODRIGUES, A. ,1979, p.45).

Uma etapa posterior da pesquisa experimental científica é a

generalização dos resultados obtidos. Na psicologia, a partir da teoria de

Darwin, passou-se a fazer experiências com animais e extrapolar seus

resultados para uma psicologia humana. A generalização diz respeito não

apenas a uma psicologia comparada como também à psicologia em geral, pois

os resultados obtidos em uma pesquisa experimental podem ser estendidos

para os homens de todas as culturas e épocas da história.

Na psicologia, e mais especificamente na Psicologia Social, temos como

exemplos de pesquisa experimental os trabalhos desenvolvidos por Asch,

Festinger e Carlsmith. O experimento de Asch foi amplamente divulgado na

década de 60 e demonstrava a influência exercida pela pressão social. Como é

exposto por Rodrigues (1979): “tal experimento, replicado inúmeras vezes e em

diferentes contextos sócio-culturais, demonstra de forma inequívoca a

suscetibilidade dos seres humanos à opinião dos outros.” (p. 40). O segundo

experimento de Festinger e Carlsmith, de 1959, apresenta uma situação em

que uma pessoa é induzida a comportar-se de uma maneira contrária aos seus

princípios e valores em troca de uma recompensa. A teoria da dissonância

cognitiva, da mesma forma que a experiência anterior, tinha sua conclusão

estendida para os homens em geral.

Rodrigues, em sua obra Estudos em Psicologia Social (1979),

preocupou-se em responder às críticas apresentadas na América Latina, nos

anos 70, a essa característica do método experimental. Segundo Rodrigues

(1979), “os estudantes latino-americanos constantemente questionam a citação

em livros ou em aulas de dados obtidos nos países desenvolvidos do primeiro

mundo.” (p. 64). Ainda segundo este autor, tanto a posição que defende a

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transposição de estudos de uma realidade a outra como aquela que reprova

esta aplicabilidade universal seriam equivocadas.

Minha proposta de solução para o problema é que os psicólogos sociais latino-americanos não só desenvolvam programas de pesquisas próprias e centradas em nossa realidade, mas que também, paralelamente a isto, façam réplicas de estudos conduzidos em outros ambientes sócio-culturais, a fim de que se determine, objetivamente, se o que foi verificado no estrangeiro se repete ou não em nosso meio. (RODRIGUES, A. , 1979, p. 65).

Entretanto, como admite Rodrigues (1979), a sustentação desse

argumento encontra dificuldades, pois é muito difícil replicar, em Psicologia

Social, o que já foi feito em outras culturas. Essa impossibilidade não ocorreria

por motivos técnicos de pesquisa, mas sim devido à própria aplicação dessas

pesquisas em outra realidade.

Nas réplicas e testes de hipóteses conduzidos no Brasil por Rodrigues

(1981), encontramos os seguintes tópicos de Psicologia Social: poder social,

influência social, princípio de equilíbrio, teoria da dissonância cognitiva,

atribuição de causalidade, teoria da dissonância cognitiva, atribuição de

causalidade, teoria da reatância, teoria da equidade, mudança de atitude e

autoritarismo.

Na pesquisa experimental, está em jogo a observação realizada pelo

pesquisador que se encontra em uma posição privilegiada e distinta daquela

ocupada pelo senso comum, ou seja, o pesquisador observa, mas não se

mistura, nem se confunde com a realidade observada. Essa posição

metodológica permitiu que, nas ciências em geral e na psicologia que se

apresentava como defensora dos ideais positivistas, falássemos em

“neutralidade científica”. O princípio da neutralidade permitiu que os psicólogos,

tranqüilamente, passassem a observar seu objeto sem, no entanto, repetir os

erros do método introspectivo da psicologia clássica, isto é, a subjetividade do

pesquisador não interferiria na pesquisa e nem em seu resultado final.

Essa regra foi considerada na psicologia, sobretudo, no final do século

XIX e início do século XX. Contudo, críticas apresentadas por autores como

Rosenthal (1976) em sua obra Experimenter Effects in Behavioral Research,

conforme citado por Rodrigues (1979), ajudaram os psicólogos a repensarem

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suas posições em relação ao conhecimento produzido na psicologia. “De fato,

Rosenthal apresenta prova bastante convincente da influência de fatores, tais

como: o sexo, a idade, a raça e a religião do investigador.” (RODRIGUES, A. ,

1979, p. 53).

Alguns críticos dessa psicologia, que fizeram uma opção por um ideal de

ciência que privilegia a experimentação e a quantificação e, entre os problemas

abordados – as sensações, as percepções, a atenção, a memória e a duração

dos processos psíquicos – buscaram refletir esse ideal de isolamento do

cientista em relação ao seu objeto de estudo. Entretanto, seja o psicólogo ou o

cientista em geral, não podem desconsiderar a relação entre a experiência

social e a prática científica. Segundo Lane (1981),

Nessa perspectiva, sempre havia algo que me “perturbava” – porque todos aqueles experimentos (sobre atitudes, percepções sociais, etc) e pesquisas (sobre personalidade e cultura, socialização e outros) não apontavam, nem se quer induziam mudanças mais fundamentais nas práticas, mas pareciam resultar sempre em “adequar melhor os indivíduos à realidade” – como se esta realidade fosse algo estático e eterno. Como se o social, ou a sociedade, fosse um “acidente geográfico” a ser memorizado para não se errar o caminho. (p. 8).

Uma primeira crítica ao uso do método experimental na psicologia e nas

ciências humanas foi apresentada por Wilhelm Dilthey (1833- 1911) ainda no

século XIX. Esse pensador buscou diferenciar as ciências humanas das

ciências naturais e estabeleceu uma “epistemologia das diferenças”. O homem,

enquanto um ser moral e histórico, não poderia ser submetido, segundo

Dilthey, aos instrumentos de análise das ciências naturais. (REIS, 2003).

Portanto, seria necessária a utilização de métodos distintos para ambas as

ciências.

Na análise de Reis (2003), Dilthey teria buscado manter as ciências

humanas sob o estatuto de “ciência”, e, dessa forma submetendo-se ainda ao

ideal científico positivista de sua época. No entanto, sua concepção de ciência

o afastaria tanto do determinismo causal quanto das proposições de validade

universal apresentados pelas ciências naturais. Uma de suas grandes

contribuições foi a de estabelecer para as ciências humanas um objeto que se

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submeteria à história, pois não considerava possível a existência de leis

universais com validade para qualquer tempo, lugar e sociedade.

Apesar das críticas que se somaram ao longo, principalmente, do século

XX, ao método experimental e ao ideal positivista de ciência, predominou

hegemonicamente na psicologia um modelo de verdade em que se pensava o

homem independentemente do seu contexto histórico, social e político.

Sobre esse modelo de verdade, presente nas ciências em geral,

Detienne comenta:

Para nós, a verdade se define em dois níveis: por um lado, conformidade com alguns princípios lógicos, e, por outro, conformidade com o real, sendo, desse modo, inseparável das idéias de demonstração, verificação e experimentação. Dentre as noções que o senso comum veicula, a verdade é, sem dúvida, uma das que parece ter sempre existido, sem ter sofrido nenhuma transformação; uma das que parece, também, relativamente simples. Entretanto, basta considerar que a experimentação, por exemplo, que sustenta a nossa imagem do verdadeiro, só se tornou uma exigência numa sociedade onde era tida como uma técnica tradicional, ou seja, numa sociedade onde a física e a química conquistaram um papel importante. É possível, então, perguntar-se se a verdade como categoria mental não é solidária a todo um sistema de pensamento, se não é solidária à vida material e à vida social. (s.d, p. 13).

Na psicologia, esse conjunto de preceitos, o método experimental e um

modelo de verdade naturalizado, produziu o chamado princípio de

permanência, ou melhor, os psicólogos passaram a considerar o estudo das

funções psicológicas e do próprio homem a partir de uma fixidez, de uma

inalterabilidade que retira o objeto psicológico do tempo e do espaço.

1.3- O Modelo da Psicologia Histórica

Uma resistência a essa forma de compreender o homem pode ser

encontrada na chamada psicologia histórica apresentada por teóricos como

Charles Blondel (1876-1939), Ignace Meyerson (1888-1983) e Van Den Berg

(1914-1980). Suas reflexões permitiram romper com o a-historicismo exposto

pela psicologia de base positivista. Meyerson, como um importante

representante da psicologia histórica, trouxe, ao final da primeira metade do

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século passado, uma importante contribuição na busca de novas orientações

teóricas e metodológicas no campo da psicologia.

Esse polonês radicado na França publicou, no ano de 1948, seu único

livro, intitulado Les Fonctions Psychologiques et les Oeuvres16, lançando, com

isso, os fundamentos da psicologia histórica, disciplina dentro da qual o estudo

do homem está centrado nos pontos em que colocou mais de si: naquilo que

fabricou, construiu, instituiu, criou continuamente, século após século. Para

Meyerson (1987),

Le monde humain est un monde d’oeuvres: effet dense de l’activité. C’est ce monde des oeuvres qui est la matière véritable d’une exploration objective da la “nature” des hommes, il doit être pour la psychologie humaine ce que le monde des phénomènes de la nature est pour la physique. (p.81).17

Segundo a psicologia histórica, o pensamento humano se exprime pelas

suas obras, ou seja, o espírito não se exerce no vazio, nós o conhecemos nas

suas manifestações dirigidas, expressas e conservadas. Os estados mentais

tendem a se consolidarem, tornando-se objetos e por esse motivo, seria

possível estudá-los objetivamente. No entanto, cabe-nos assinalar a

contingência dos mesmos estados mentais, já que eles não permanecem

inalteráveis ao longo da história.

Para Meyerson, o mundo dos homens, ou como ele prefere denominar,

os mundos humanos, são artifícios e construções. O artifício não é uma

unidade, ele é dividido. Podemos dizer que estas divisões são domínios do

construído, domínios específicos e autônomos das obras. Cada um destes

domínios tem sua própria matéria, sua própria estrutura e formas elementares

que encerram seu próprio valor de realidade. Portanto, cada época e cada

lugar na história delimitam formas, regras de edificação e um conteúdo

significativo próprio a essa civilização.

16 Resultante da tese apresentada para exame de livre-docência para ingressar, como substituto, no ensino de psicologia na Sorbonne, no lugar de Henri Delacroix. 17 “[...] O mundo humano é um mundo de obras: efeito denso de atividades. Este mundo de obras que é a matéria verdadeira de uma exploração objetiva da natureza dos homens deve ser para a psicologia humana, o que o mundo dos fenômenos da natureza é para a física.” (Tradução nossa).

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Esta posição vem de encontro à psicologia como ciência natural, quando

considera o homem como artifício, como resultado da construção de uma

sociedade, de uma época e de um lugar.

Podemos afirmar, baseados na história da psicologia, que o afastamento

do testemunho que a história do homem e de suas obras fornece à psicologia

limitou-a duplamente. De um lado, sua pesquisa eliminou tudo o que não era

presente; de outro, a interpretação dos fatos, sem a luz da história, ficou

freqüentemente incompleta. Isso permitiu que se estabelecesse a idéia de uma

“natureza humana” dada desde sempre, de um espírito estável e permanente.

O método desta psicologia implicava a crença em um quadro constituído das

funções psicológicas. Meyerson (1948) problematiza estas limitações

afirmando:

Les civilisations, les institutions, les oeuvres ont un lieu et une date. L’analyse des comportements à travers des faits historiques modifie la perspective du psychologue. Il n’a pas à faire à l’homme abstrait, mais à l’homme d’un pays et d’une époque, dans son contexte social et materiel, vu à travers d’autres hommes également d’un pays et d’une époque. Une partie des études psychologiques prend ainsi un caractere historique: difficulté nouvelle, mais aussi source de connaissance nouvelle. (p.11). 18

A originalidade do pensamento de Meyerson legitima a necessidade de

trazermos suas contribuições para o campo da psicologia, reservando-lhe um

espaço de apresentação e de reflexão sobre suas idéias.

Meyerson definiu uma metodologia que permite à psicologia fazer uso da

análise histórica e criticar o dogma da permanência. Afirmou que não há uma

evolução criadora do espírito, não há uma imutabilidade, algo que seria efeito

de um espírito contínuo. “Não há progresso inscrito no seu devir” (MEYERSON,

1987, p.54). O pensamento humano e a ação do homem se exprimem através

de suas obras. A sociedade humana é uma invenção dos homens, uma obra

destes. O método de Meyerson baseia-se em uma concepção completamente

18“As civilizações, as instituições, as obras têm um lugar e uma data. A análise dos comportamentos através dos fatos históricos modifica a perspectiva do psicólogo. Não há um homem abstrato, mas um homem de um país e de uma época, comprometido com o seu contexto social e material, visto através de outros homens de um país e de uma época. Uma parte dos estudos psicológicos toma assim caráter histórico: dificuldade nova, mas também fonte de um novo conhecimento”. (Tradução nossa).

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diferente do espírito. Ele nos coloca, sem idéias preconcebidas, frente ao

conjunto dos fatos humanos, considerando suas variações.

Segundo Vernant (1914-2007), um dos continuadores do pensamento de

Meyerson e de sua psicologia histórica, não podemos mais aceitar sem

discussão o dogma da fixidez do espírito, da permanência das categorias e das

funções psicológicas. Para este autor, o preconceito fixista continua forte, ele

encontra dentro de nós muitas cumplicidades.

Depois de tantas outras ciências, a psicologia deve acrescentar ao seu objeto uma nova dimensão, a da história. História cuja sonda, para os fatos humanos, vai mais fundo: toca os acontecimentos, as instituições, as civilizações; atinge o próprio homem. (VERNANT, 2002, p. 141).

A psicologia define, entre seus objetos, algumas funções básicas, tais

como: as da personalidade, da vontade, da memória, da percepção, etc., todas

definidas como “substâncias permanentes”. Esta forma de pensar os seus

objetos não apenas afasta a psicologia da história, como também de um

pensamento crítico, que, como observa Meyerson, impede de considerar a

variação e a pluralidade dos comportamentos humanos.

Podemos afirmar, assim, que o a-historicismo estabelece padrões de

universalidade, ou seja, a própria ciência pode ser compreendida como o

produto de um trabalho que não depende, para a sua elaboração, das

condições culturais e sociais nas quais ela é produzida. No campo da

psicologia, isso implicaria pensarmos no pesquisador não só como um sujeito

neutro em relação à sua realidade material e social, mas também às próprias

condições gerais onde ocorre a produção do conhecimento.

Já havíamos afirmado que a psicologia viveu ao longo de sua história

várias crises, porém, voltaremos a chamar a atenção para a diferença de

sentido na discussão deste conceito. Após expormos essa mesma noção em

Kuhn, nos voltamos para outro sentido dado ao conceito de crise, ou seja, a

crise na psicologia, mais especificamente na Psicologia Social, que teve início

em meados dos anos 60 e início dos anos 70, compreendida como uma

reflexão sobre as bases teóricas, metodológicas e políticas de uma psicologia

que até então se reportava inteiramente aos ditames positivistas.

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Ao longo desta tese, iremos sustentar, além do que apontamos no

parágrafo anterior, um outro sentido para esta mesma noção de crise: sua

compreensão como uma crítica e reflexão de um saber datado, estabelecido

em um contexto político, social e econômico.

1.4- A Psicologia Social Moderna

Após a Segunda Guerra Mundial, a Psicologia Social obteve um grande

impulso nos Estados Unidos. Segundo um dos mais importantes historiadores

da Psicologia Social naquele país, Gordon Allport (1985): “While the roots of

social psychology lie in the intellectual soil of the whole western tradition, its

present flowering is recognized to be characteristically an American

phenomenon.”19 (p. 3-4).

A Psicologia Social em suas raízes européias pertenceu às

Geisteswissenschaften (ciências humanas e sociais), mas, após cruzar o

Atlântico, passa a pertencer ao campo das Naturwissenschaften (ciências da

natureza). (FARR, 2002). Esta mudança de orientação produziu

desdobramentos importantes na compreensão do homem em sua relação com

o social.

A migração dos psicólogos gestaltistas, da Áustria e da Alemanha para

os Estados Unidos em função do regime nazista, foi uma das fontes de

inspiração para a Psicologia Social norte-americana. As raízes deste campo

conceitual devem ser buscadas na fenomenologia, filosofia claramente distinta

do positivismo que vai inspirar nos Estados Unidos uma psicologia, no período

entre as duas guerras mundiais. Os psicólogos da Gestalt não tinham se

defrontado com o behaviorismo até que chegassem a este país e foi desse

conflito entre duas filosofias rivais (fenomenologia e positivismo), que a

Psicologia Social surgiu nos Estados Unidos, na forma característica que se

deu. (FARR, 2002).

Kurt Koffka (1886-1941), como um dos representantes do sistema da

gestalt, acabou se tornando inicialmente um dos principais personagens dessa

migração e, juntamente com Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Kohler

19 Enquanto as raízes da Psicologia Social estão plantadas no solo intelectual de toda a tradição ocidental, seu florescimento no presente é um fenômeno tipicamente norte-americano. (Tradução nossa).

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(1887-1967) e Kurt Lewin (1890-1947), apresentou para os norte-americanos

uma nova psicologia sem, contudo, deixar de se contrapor ao behaviorismo.

Obras como Principles of Gestalt Psychology de Koffka (1936) e Gestalt

Psychology de Kohler (1947) tiveram como objetivo apresentar esse sistema

aos norte-americanos. Para Farr (2002, p. 146-147), a exposição dos conceitos

de ambiente comportamental de Koffka, e de espaço vital psicológico de Lewin

resultou na individualização da Psicologia Social, pois a noção de percepção

repetiu o que os behavioristas geraram com o conceito de comportamento. Nos

dois conceitos da Gestalt, está em jogo a idéia de um indivíduo que reage a

certas condições do ambiente. Tal como no exemplo clássico de Koffka sobre o

lago Constance, o comportamento do cavaleiro ocorreu em função da planície

congelada e não de um lago.

Foi Lewin [...] que influenciou decisivamente o desenvolvimento da Psicologia Social experimental nos Estados Unidos no começo da era moderna. Ele instituiu a Psicologia Social como uma ciência cognitiva e experimental, da mesma forma que F. H. Allport, aproximadamente duas décadas antes, tinha-a instituído como uma ciência comportamental e experimental. Ambos individualizaram a Psicologia Social, tanto em termo de suas teorias, isto é, behaviorismo e psicologia da gestalt, como em termo de sua metodologia, ou seja, a experimentação. (FARR, 2002, p. 148).

Ainda segundo Farr (2002), o desenvolvimento dessa Psicologia Social

ocorreu, predominantemente, em sua forma psicológica, embora o mesmo

autor faça menção às formas sociológicas presentes nos Estados Unidos,

como o interacionismo simbólico de George Herbert Mead (1863- 1931) e

Herbert Blumer (1900- 1987).

A obra de Mead tem recebido atualmente mais atenção por parte dos

historiadores da Psicologia Social e sua importância reconhecida entre aqueles

que pensam a Psicologia Social norte-americana de forma crítica. No início do

século XX, a psicologia entre os norte-americanos se caracterizava pela

sustentação de algumas dicotomias como: indivíduo-sociedade, cultural-

biológico e mente-corpo. As propostas de Mead superaram “esta dicotomia que

concebe quer o indivíduo quer a sociedade como realidades últimas; seu

pensamento se dirigiu a compreensão de tais entidades numa perspectiva

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processual.” (PORTUGAL, 2006, p. 466). Se sua Psicologia Social encontrou

resistência entre os psicólogos norte-americanos, recebeu atenção e destaque

entre os sociólogos de seu país.

Considerar o pensamento de Mead nos possibilita compreender os

embates entre modelos distintos de psicologia e Psicologia Social que estavam

em jogo nesse período histórico, embora o que nos chegasse de forma

hegemônica dos Estados Unidos fosse a Psicologia Social psicológica.

Como nos aponta KRÜGER (1986), em seu livro Introdução à Psicologia

Social, a Psicologia Social contemporânea20 caracterizou-se por apresentar os

seguintes aspectos: individualismo, experimentalismo, microteorização,

etnocentrismo, utilitarismo, cognitivismo e a-historicismo.

A característica do individualismo levou essa Psicologia Social a

apoiar-se em uma visão do indivíduo como agente e não como sujeito do

comportamento, além de contribuir para a dicotomia entre o social e o

individual, presente na Psicologia Social até nossos dias.

Com o termo individualismo quer-se designar a orientação adotada por psicólogos sociais na determinação do objeto de suas pesquisas; tendem, preferencialmente para o estudo do comportamento social e de processos cognitivos e afetivos enquanto influenciam ou, ao contrário, são influenciados pela presença real ou imaginada de outras pessoas. (KRÜGER, 1986, p.5).

Para Farr, a característica do individualismo tem uma relação direta com

a cultura norte-americana. O individualismo estaria presente em toda a tradição

intelectual do ocidente.

Se o individualismo é um valor central dentro de uma cultura particular, então deveria ser possível detectar seus efeitos na história das ciências sociais. Acredito que isto seja verdade na história da Psicologia Social nos Estados Unidos. (FARR, 2002, p.137-138).

Outra característica importante que devemos considerar é a

experimentação. Esta metodologia apresentada pelas ciências naturais

passou a fazer parte das pesquisas em psicologia a partir da segunda metade 20 Essa expressão desconsidera possíveis diferenças teóricas e metodológicas no campo da Psicologia Social.

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do século XIX. As críticas a esse método no campo da Psicologia Social

proporcionaram a busca de um aperfeiçoamento do mesmo. A experimentação

foi hegemônica em uma psicologia centrada no comportamento reprodutor de

objetividade, medição, verificação e controle que dominava o cenário das

ciências naturais no século XIX e início do século XX. O experimentalismo, na

Psicologia Social, tomou uma configuração mais precisa nas décadas de 40 e

50, através da demonstração, por Lewin, da possibilidade de realização de

experiências com seres humanos. Além disso, a participação de Lewin com

sua teoria de campo foi fundamental para outra característica na Psicologia

Social: o cognitivismo.

A microteorização, também, é uma importante característica da

Psicologia Social contemporânea. É conseqüência, segundo KRÜGER (1986):

da “falta de consenso, entre especialistas, no que se refere à imagem básica

do homem” e de uma “acentuada dispersão temática” (p.6). Podemos citar

como microteorias: da dissonância cognitiva, da equidade, da atribuição, da

comparação social, da reatância psicológica e da autopercepção.

O etnocentrismo se destaca no esquema conceitual da Psicologia

Social norte-americana. Esta característica indica uma vinculação da Psicologia

Social à cultura e orientação norte-americana. A Psicologia Social, portanto,

seria conduzida por um conjunto de “especialistas que extraem seus conceitos

de uma determinada tradição cultural e pesquisam temas de sua própria

sociedade.” (KRÜGER, 1986, p.6). Isso traria algumas dificuldades: a da

validade das pesquisas no campo da Psicologia Social norte-americana, que

não poderiam ser usadas para compreender outras sociedades; e a realização

de pesquisas que atendam às necessidades de uma outra cultura específica. A

primeira dificuldade teria como conseqüência o impedimento de pesquisas que

buscassem estabelecer proposições com validade universal. Já a segunda

dificuldade, a possibilidade de atender às necessidades dos membros de uma

sociedade, talvez tenha nas pesquisas de temas sociais uma solução. Mesmo

assim, permaneceria a necessidade de se apresentar teorias

psicossociológicas de aplicação transcultural.

Uma outra característica, relacionada com a anterior, seria o

pragmatismo ou o utilitarismo. Esta característica reflete a relação entre o

conhecimento científico e a sociedade, ou seja, aquilo que se estabelece como

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tema de pesquisa no campo da Psicologia Social tem uma relação direta com

os interesses e expectativas de uma sociedade. Na própria história da

Psicologia Social, teríamos exemplos que evidenciam esta relação, como por

exemplo, o fato de que durante a Segunda Guerra Mundial, os temas mais

investigados e as pesquisas que recebiam mais verbas eram de interesse

militar. (Kruger, 1986, p.7).

A pesquisa do comportamento social por parte dos psicólogos sociais de

formação psicológica nos Estados Unidos tende a não dar relevância à

dimensão histórica desses comportamentos, enfatizando em seus estudos a

“influência de estímulos e situações estimuladoras mais imediatas, situacionais,

diretamente relacionadas com manifestações eliciadas e emitidas do

comportamento.” (KRÜGER, 1986, p. 6-7). Daí o a-historicismo que designa o

modo de realizar as pesquisas psicossociológicas. Esta característica nos

remete a uma psicologia que busca estabelecer naturezas e essências, o

homem visto de forma transhistórica.

A Psicologia Social sociológica se diferencia da forma psicológica em

alguns aspectos. Na forma sociológica temos predominantemente uma

preocupação com o estudo do comportamento coletivo. Esta Psicologia Social

reivindica a importância dos processos que têm gênese no social e critica a

psicologia clássica centrada no indivíduo. No entanto, devemos considerar,

ainda em relação a essas duas formas de Psicologia Social, a existência de

novas teorias e abordagens metodológicas tanto na Europa como na América

Latina que colocam em dúvida, ou nos levam a refletir sobre a validade, nos

dias de hoje, desta dicotomia.

Muitos autores, assim como MacGuire, ignoram completamente a Psicologia Social que se produziu dentro da sociologia e que, nos Estados Unidos, teve sua raiz em G. Mead. Foi essa divisão que inspirou a diferença entre as psicologias sociais sociológicas e psicológica, defendida por R. Farr. Embora essa divisão tenha uma base nesses dois rumos tomados pela Psicologia Social em um momento histórico concreto, hoje ela pode, a meu ver, inspirar um sociologismo errado, agora que já temos a oportunidade de conciliar aqueles dois rumos dentro do espaço de uma Psicologia Social que vai mais além da definição individualista e comportamental que inspirou o rótulo de Psicologia Social psicológica. (GONZALEZ REY, 2004, p. 74).

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Assumimos a posição de Gonzalez Rey pois, a nosso ver, a distinção

entre a Psicologia Social psicológica e a Psicologia Social sociológica deixa de

considerar os projetos de Psicologia Social nos quais temos características de

ambas as psicologias sociais.

1.5- A Crise da Psicologia Social Moderna

A crise na Psicologia Social moderna se instaurou na década de 60.

Segundo Silvia Lane (1981),

A proposta inicial de se acumular dados de pesquisas para depois se chegar à formulação de teorias globalizadoras, se mostrou inviável e começam a surgir críticas e questionamentos que irão caracterizar a ‘crise da Psicologia Social. (p.77).

Várias outras críticas vão ser apresentadas à Psicologia Social norte-

americana; mas, é na Europa que estas críticas são mais incisivas e

contundentes. A denúncia do seu caráter ideológico e mantenedor da ordem

social estabelecida passa a ser objeto de reflexão para os psicólogos sociais

em geral.

No ano de 1962, a revista francesa Arguments publica um número com o

título “Psicologia Social e Compromisso Político: Responsabilidades atuais do

profissional de psicologia” sob a direção de Edgar Morin; entre os autores,

encontramos Lapassade, Moscovici, Max Pagés. A discussão do campo da

Psicologia Social e a crise que a envolveu contribuiu para que novos objetos

pudessem ser tematizados como: o político, o social e a relação com outras

áreas do conhecimento. Segundo Furtado (1998), “Os textos publicados,

representam a proposta de um programa de transformação da Psicologia

Social e uma discussão militante no campo das Ciências Sociais.” (p. 160-161).

Na América Latina, a Psicologia Social reproduzia os modelos

desenvolvidos nos Estados Unidos e na Europa. A busca de “leis universais”

que regessem o comportamento dos indivíduos impedia que se pensasse em

teorias que atendessem às questões dos países latino-americanos, que

apresentavam sociedades e culturas diferentes das norte-americana e

européia. Outra importante crítica as formulações positivistas no campo da

Psicologia Social foi a constatação de que não há neutralidade na formulação

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de nossos conhecimentos; “somos parte do fenômeno analisado e ele é parte

de nós mesmos.” (MANCEBO, 1999, p. 34).

Um ícone de resistência a esta psicologia positivista que na América

Latina, a partir das décadas de 70 e 80, passou a ser objeto de crítica e

reflexão, foi Ignácio Martin-Baró (1942-1989), proponente da “Psicologia Social

da libertação”. Tal psicólogo social espanhol assumiu ao longo de sua vida

intelectual, política e religiosa um compromisso com a transformação social.

Ainda como um jovem jesuíta se estabelece em El Salvador e após anos de

dedicação aos estudos, obtém o Doutorado em Psicologia Social, em 1979. Em

1986, Martín-Baró publicou um artigo com o título “Hacia uma psicologia de la

liberación”, no Boletín de Psicologia da Universidade Centroamericana “José

Simeón Cañas”, no qual refletia sobre a crise: “En el, después de hacer un

análisis de la situación político social de los países latino americanos, y del rol

que debería cumplir em ellos la psicologia, proponía três bases sobre las

cuales debería erigirse esa psicologia.” (apud MONTERO, 2000, p. 14). A

primeira se baseava na busca do conhecimento “verdadeiro” a partir das

“massas populares”. A segunda se sustentava na proposição de uma nova

práxis psicológica voltada para a transformação das pessoas e das sociedades.

E, por último, uma dedicação maior aos problemas imediatos das maiorias

oprimidas da América Latina em detrimento da preocupação com o seu status

científico. (MONTERO, 2000).

Martín-Baró participou de importantes mudanças que ocorreram na

Igreja Católica a partir da reformulação da sua doutrina social. Mudanças que

foram estabelecidas pelo Concílio Vaticano II, pelas reuniões de Medellín e

pela Teologia da Libertação. Tais reformas foram relevantes para o

posicionamento político e social de Martín-Baró, que se tornou marco de

referência para a divulgação de tais posições tanto no meio universitário como

no meio religioso. (IBÁÑEZ, 2000).

No Brasil, semelhantemente com o que acontecia no restante da

América Latina, havia uma predominância da psicologia norte-americana. Se,

no século XIX, a Alemanha foi um centro para onde viajavam vários

pesquisadores em psicologia das mais diferentes partes do mundo, no século

XX, é a psicologia norte-americana que se torna irradiadora de influência e

domínio. No Brasil, este predomínio se mostrava, entre outros elementos, com

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os convites a professores norte-americanos como Otto Klineberg. Na década

de 40, esse foi responsável pela introdução da Psicologia Social na

Universidade de São Paulo. Seu livro Psicologia Social foi publicado no Brasil

no ano de 1959 e, com base nele, foram ministrados cursos de Psicologia

Social em várias universidades brasileiras. Porém, devemos destacar que a

posição de Klineberg na Psicologia Social, em função de sua abordagem

antropológica, é diferente da dos psicólogos sociais do seu tempo. (FURTADO,

1998, p. 143).

Apesar da contribuição de Klineberg, a hegemonia do modelo norte-

americano e a ausência de uma produção nacional significativa no campo da

Psicologia Social nos anos 60 e 70 levou a maior parte dos cursos de

Psicologia Social a uma mera repetição de conteúdos que não expressavam

nem problemas nacionais, nem tampouco a reflexão da realidade brasileira.

Segundo as reflexões de Lane (1981):

A insatisfação existia, mas sem conteúdos alternativos [...]. Por outro lado, se estimulava a pesquisa sistemática, como forma de questionamento teórico e, também, de um melhor conhecimento do que ocorria em nosso meio. (p. 80-81).

A crise da Psicologia Social é objeto de denúncia no XVI Congresso

Interamericano de Psicologia, realizado no ano de 1976 em Miami, com a

participação de psicólogos de vários países da América Latina. No Congresso

posterior, que ocorreu em Lima, Peru, no ano de 1979, algumas diferenças

expressivas puderam ser observadas: as críticas à Psicologia Social norte-

americana eram mais precisas e visavam uma redefinição da Psicologia Social.

Durante esse Congresso foi discutida a criação da Associação Latino-

Americana de Psicologia Social (ALAPSO), que tinha por objetivo promover o

intercâmbio entre os psicólogos sociais latino-americanos. (LANE, 1981). Seu

primeiro presidente foi Aroldo Rodrigues.

Após o Congresso Interamericano de Psicologia de 1979, no Peru,

reuniu-se um grupo de psicólogos sociais brasileiros, filiados à ALAPSO, para

organizar um Encontro de Psicologia Social. Nesse mesmo encontro, surgiu a

proposta de criação da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO).

No entanto, a ABRAPSO surgiu apenas no ano seguinte, em 1980, durante a

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reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no

Rio de Janeiro, sob a presidência da professora Silvia Lane. Segundo Lane e

Bock (2003):

A ABRAPSO nasceu da insatisfação com a psicologia européia e americana. Os problemas de nossa sociedade, marcada pela desigualdade social e pela miséria, não encontravam soluções na Psicologia Social importada como um saber universal dos países do primeiro mundo. Era imperioso rever, criticamente, o conhecimento científico enquanto práxis, ou seja, a unidade entre saber e fazer. (p. 149).

Embora a crise da Psicologia Social no Brasil tenha o significado de

busca de novas teorias que fundamentassem a ação social do psicólogo em

nosso meio, não podemos deixar de considerar a continuidade da influência

exercida pela Psicologia Social norte-americana. O professor Aroldo Rodrigues

é certamente um dos mais importantes divulgadores dessa Psicologia Social.

Professor do Programa de Pós-Graduação da PUC-RJ, no período entre os

anos 60 e 70, constituiu-se em uma referência para a Psicologia Social no Rio

de Janeiro e conseqüentemente no Brasil, embora, posteriormente, tenha sido

alvo de críticas por parte dos psicólogos sociais cariocas e brasileiros. Suas

obras Psicologia Social de 1972 e Estudos em Psicologia Social de 1979 ainda

são estudadas em muitos cursos de Psicologia Social no país.

A contraposição de Rodrigues a uma Psicologia Social que começa a

tomar corpo nas décadas de 60 e 70 no Brasil e na América Latina fica

evidente com o episódio ABRAPSO. Convidado, em 1979, para participar da

reunião que proporia a fundação dessa Associação, discordou do projeto que

orientaria a mesma.

Durante o XV Congresso Interamericano de Psicologia, realizado em

dezembro de 1974, em Bogotá, Colômbia, Rodrigues proferiu uma conferência

com o título “A Psicologia Social: problemas atuais e perspectivas para o

futuro”. Entre as questões analisadas, destaca-se a crise vivida pela psicologia

em geral e pela Psicologia Social, em particular. Segundo Rodrigues (1979):

[...] a crise aqui mencionada engloba, pelo menos, dois tipos de problemas: um deles nada mais é que a continuação daquilo que já se pode chamar de tradicional em psicologia, ou

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seja, o choque das posições antagônicas; o outro, embora não totalmente desvinculado do primeiro, decorre de características sui generis da época em que vivemos, singularizada pelo espetacular avanço técnico-científico das ciências da natureza e pela conscientização dos problemas sociais possibilitada por este mesmo avanço. (p.16).

Rodrigues destacou ainda, durante sua conferência, publicada em 1976

nos Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada, a busca da relevância social

por parte dos psicólogos sociais. Sobre essa questão retornaremos

detalhadamente mais adiante neste capítulo. Na discussão do tema da crise,

discordamos de Rodrigues quando este considera os antagonismos no campo

da Psicologia Social como uma explicação para a mesma. Pensamos ser

importante não reduzir esse debate a uma análise epistemológica.

Acrescentaríamos, como uma crítica as observações de Rodrigues, o fato de

que a crise permitiu uma busca de novos caminhos teóricos, metodológicos e

práticos no campo da Psicologia Social, promovendo o surgimento de novas

temáticas e uma preocupação com a realidade social, política e econômica

brasileira.

Lane (1981) afirma que no Brasil a crise da Psicologia Social “[...] tem

sentido enquanto busca de novas idéias teóricas que fundamenta a ação social

concreta do psicólogo em nosso meio.” (p. 83). E ainda comenta que as

pesquisas no campo da Psicologia Social em nosso país não refletem uma

preocupação com o conhecimento de nossa realidade social o que leva a uma

importação ordinária de teorias psicológicas. Essa dependência em relação à

Europa e aos Estados Unidos impediu os psicólogos sociais no Brasil de

responderem a questões sociais específicas do momento histórico em que

vivem.

A crise com a qual a Psicologia Social começou a se deparar em

meados dos anos 60 se referia às críticas que começavam a serem feitas,

dentro e fora da psicologia, tanto à sua teoria, quanto à sua prática. Seus

fundamentos epistemológicos, metodológicos e éticos tornaram-se objetos de

dúvida e discussão. As críticas à sua cientificidade, ao fato de ser um

conhecimento ideológico, ou mesmo de buscar a todo custo permanecer no

quadro das ciências, fizeram com que os psicólogos em geral e os psicólogos

sociais em particular repensassem algumas questões: De que homem

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falamos? Que psicologia fazemos? De que sociedade falamos? (LANE, 2004).

Talvez como participantes da história presente, possamos nos indagar a

respeito dessa crise que se anunciou na década de 60, e a qual possivelmente

estejamos submetidos.

Caminhar em busca de saídas para a crise levou muitos psicólogos,

necessariamente, a repensarem os fundamentos epistemológicos,

metodológicos e éticos da psicologia. No Brasil, os psicólogos sociais com

orientações teóricas distintas apresentaram respostas diferentes para esta

mesma crise. Para Rodrigues (1979), a crise seria gradualmente superada

conforme a Psicologia Social expusesse uma maior relevância social em suas

pesquisa. Já para Lane (1981), a crise era a oportunidade para repensarmos

os principais fundamentos da Psicologia Social.

Célio Garcia e os componentes do Setor de Psicologia Social da UFMG

também eram críticos da Psicologia Social norte-americana que nas décadas

de 60 e 70 era hegemônica na formação dos psicólogos no Brasil. A este

respeito Machado (2004) afirma:

Lembro-me de uma reunião do grupo, lá por volta dos anos 70. Romualdo Damaso acabara de receber, de uma editora, como cortesia, um manual de Psicologia Social. Ele o folheava e comentava sob risadas de todos os presentes: ‘olha como este, desta vez, está original: formação e mudança de atitude; crenças e opiniões; estrutura de grupos; comunicação em grupos ....’ A cada novo título, dobrávamo-nos de rir. Como estávamos longe daquele jargão de uma certa Psicologia Social. (p. 22).

Não apenas em Minas Gerais, mas no Brasil como um todo a formação

no campo da Psicologia Social, ao longo dos anos 70 e parte dos anos 80

ocorria a partir destes manuais norte-americanos e europeus.

1.6- Ciência Universal e Ciência Local

O sentido de crise das décadas de 60 e 70 guarda uma relação direta

com o objetivo de se pensar uma psicologia que refletisse as condições sociais,

culturais e políticas do país. No entanto, os manuais e livros importados da

Europa e dos Estados Unidos apresentavam uma ciência psicológica incólume,

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que poderia ser reproduzida em qualquer cultura, independentemente das

particularidades de uma sociedade.

Forero (2000) expõe de forma crítica esta maneira de fazer ciência, a

partir da realidade colombiana:

Se opera com ello una doublé exclusión: se niega todo interes al estúdio del período de la colonia, que con posterioridad a la Independência – o a la “revuelta de patrícios”, para usar la classificación de mi amigo Jorge Arias de Greiff – empieza a ser considerada por los vencedores como la “noche oscura”, em todo opuesta al período que llegará a ser conocido como el de ilustración. Pero también se niega o se expropria, y de manera bastante clara, la condición de conocimiento con carácter de verdade a los llamados “saberes locales” de los indígenas y los sectores populares. (p.203).

Ainda segundo Forero (2000), se o estabelecimento de teorias,

conceitos e paradigmas são externos a uma dada realidade, o reconhecimento

ou recompensa daqueles que a reproduzem também, ou seja, quanto mais fiel

às idéias da “metrópole”, maior a reputação do pesquisador, maior o poder do

seu “toque mágico”, “que confere ao autor local uma maior legitimidade frente

ao conhecimento.” (p. 204).

Apresentamos anteriormente a noção de paradigma em Kuhn e as

dificuldades de se sustentar este conceito na psicologia em função da sua

diversidade. Retomando a discussão desta noção, agora em função dos temas

ciência universal e ciência local, podemos apresentar alguns questionamentos:

é possível gerarmos conhecimento considerando uma realidade social,

econômica e política local? Como podemos pensar a recepção de um

pensamento ou de um conhecimento científico sem que isso promova

necessariamente passividade?

Sabemos que a noção de paradigma de Kuhn prevê um consenso para

a ciência, com a concordância dos membros da comunidade científica a

respeito de temas e métodos. Como já dito, nas ciências humanas e mais

especificamente na psicologia, esse conceito traria dificuldades, pois

estaríamos diante de um padrão científico que não reconhece diferenças

culturais, mas apenas regularidade, repetição.

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A crítica à noção de paradigma nas ciências humanas e na psicologia,

certamente, não nos levará a sustentar a idéia de uma psicologia brasileira,

colombiana, argentina ou venezuelana, mas poderá nos ajudar a compreender

a ciência como uma forma de conhecimento “local”, situada em contexto e

tempo.

Para Fals Borda21 (1988), a comunidade ocidental de cientistas além de

definir o que é e o que não é científico, seria responsável pela manutenção de

um status quo político e econômico. A ciência não é vista por ele como uma

forma de conhecimento neutro, apolítico e a-histórico, mas como uma maneira

de “fortalecimento e preservação do sistema.” (FALS BORDA, 1988, p. 44). A

partir dessa concepção de ciência, podemos afirmar que, para o autor, a

ciência defende os interesses de classe, mais especificamente, da burguesia. E

a noção de verdade tão importante para o aparato científico “deixa de ser uma

qualidade fixa, sendo condicionada por uma função de poder que formaliza e

justifica o que é aceitável. Por essa razão ser cientista hoje significa estar

compromissado com alguma coisa.” (FALS BORDA, 1988, P. 47).

No campo da psicologia, a concepção de ciência, como conhecimento

que reflete apenas uma realidade, foi objeto de concordância entre os

positivistas e de discordância, entre aqueles que reprovavam a neutralidade

científica. No Brasil, no campo da Psicologia Social, esta mesma concepção de

ciência foi criticada em favor de um conhecimento que permitisse a análise da

realidade social brasileira.

A busca de outra maneira de compreender a produção do conhecimento

científico permitiu o surgimento da pesquisa participante que, entre outras

características, apresenta o “compromisso com a causa popular perseguida por

meio da contribuição específica de sua própria disciplina, sem negar

completamente essas disciplinas.” (FALS BORDA, 1988, p. 49-50). Outra

característica importante é o antidogmatismo, que permite ao pesquisador não

se submeter tão facilmente ao conhecimento e aos autores de países

dominantes. Fals Borda, juntamente com Paulo Freire (1921-1997), são dois

21 Fals Borda, sociólogo colombiano nascido em 1925, obteve o Ph. D. em Sociologia na Universidade da Flórida em 1955. Fundou a primeira Faculdade de Sociologia da América Latina, na Universidade Nacional da Colômbia, em Bogotá. Seus trabalhos apresentam forte preocupação com os setores populares.

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importantes teóricos que influenciaram a psicologia comunitária na América

Latina.

A crítica à psicologia em geral e à Psicologia Social em particular, na

América Latina e no Brasil, partiu de uma reflexão sobre o que é, e como fazer

ciência. A noção de ideologia foi importante nesta tarefa, pois permitiu uma

contraposição à idéia de verdade universal. A influência do pensamento

marxista estava presente nas críticas de Fals Borda, como deixamos implícito

mais acima, e nas discussões de outros psicólogos sociais na América Latina e

no Brasil, a partir das décadas das décadas de 60 e 70.

A ciência vista como um conhecimento que é produzido a partir de

critérios lógicos, que faz uso do método experimental, e que fabrica conceitos e

verdades extensivas a todas as sociedades humanas, permite pensarmos a

ciência como teoria e como aplicação. Esta dicotomia gerou uma discussão

importante no campo da Psicologia Social no Brasil.

1.7- A Busca da Relevância Social

Nas décadas de 60 e 70, uma nova preocupação, ou mesmo, uma nova

temática passou a ocupar os psicólogos sociais: a busca da relevância social

em suas pesquisas.22 Como discutiremos nas próximas páginas e retomaremos

no capítulo três, esse tema foi apresentado de formas diferentes, com sentidos

e aprofundamentos diversos pelas teorias no campo da Psicologia Social. A

respeito desta questão Rodrigues (1979) comenta:

No final da década de 60, testemunhamos o aparecimento meteórico de forte oposição ao status quo em Psicologia Social. Trata-se do anseio por uma Psicologia Social relevante, isto significando uma Psicologia Social destinada à solução dos inúmeros e cada vez maiores problemas sociais do mundo contemporâneo. (p.19).

Segundo Rodrigues (1979), a crise presente no campo da Psicologia

Social ocorre em função de dois motivos: o primeiro deles, em razão dos

antagonismos teóricos e metodológicos presentes neste mesmo campo e

22 Essa preocupação não estava presente apenas no campo da psicologia, pois as ciências em geral passaram a buscar a relevância social em suas pesquisas, ou seja, corresponde, mais que a uma estrita mudança no campo científico, a uma transformação cultural no ocidente. (RODRIGUES, 1979).

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segundo, pela conscientização dos problemas sociais que passaram a se impor

nas pesquisas em Psicologia Social.

Rodrigues (1979) ainda afirma como sua maior preocupação o fato da

psicologia, diferentemente das ciências naturais, viver em crise, com poucos

momentos de tranqüilidade e concordância. A psicologia “muda de paradigma

como se muda de roupa, ou talvez que nenhum paradigma foi ainda

prevalentemente aceito em psicologia.” (RODRIGUES, A. , 1979, p. 18).

A discordância sustentada por Rodrigues (1979) em relação à relevância

social ocorre em função desta preocupação a ser defendida em detrimento de

qualquer outra atividade que não leve diretamente à solução de problemas

sociais.

Vários autores preocuparam-se com a pesquisa da relevância social,

como o demonstra Rodrigues (1979). Cita, por exemplo, Campbell no American

Psychologist, em abril de 1969, também a publicação de 1970, da American

Psychological Association intitulada Psychology and the problem of society,

dedicada inteiramente ao problema da relevância social em psicologia. Além

disto, na Europa, da mesma forma, vários autores se dedicavam a essa

temática. Rodrigues (1979) cita também, Lipsey, que em 1974, em um artigo

com o título Research and relevance: A survey of graduate students and faculty

in psychology, publica os resultados de sua pesquisa com professores e alunos

da pós-graduação de psicologia, mostrando que o tema da relevância foi o

mais citado, entre vários outros temas, pelos entrevistados, constituindo um

dos principais problemas da Psicologia Social. (RODRIGUES, A. , 1979).

No Brasil, nesse mesmo período, Silvia Lane (1995) já apontava a

necessidade de se buscarem caminhos próprios para a Psicologia Social em

nosso país, que atendessem a nossa realidade cultural, social e política.

Segundo Lane (1995),

A dependência cultural tem se refletido até mesmo nos temas mais freqüentes da investigação da Psicologia Social, geralmente escolhidos sem qualquer preocupação com aspectos da relevância ou aplicabilidade ao contexto brasileiro. (p.83).

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A ciência psicológica deveria buscar responder às questões sociais de

um momento histórico específico: o psicólogo social não trata de temas

quaisquer, mas de temas que refletem a sua época e sociedade.

Aroldo Rodrigues em sua obra “Psicologia Social”, cuja primeira edição é

de 1972, faz menção, a partir da sua experiência como professor de Psicologia

Social do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro, à expectativa dos alunos de encontrar nos estudos de

Psicologia Social a solução para problemas concretos da sociedade. Segundo

Rodrigues (1973), “parece haver uma expectativa dirigida à Psicologia Social

aplicada e uma certa surpresa diante da ênfase dada pela maioria dos autores

contemporâneos à pesquisa básica em Psicologia Social.” (p. 75).

A Psicologia Social básica pode ser compreendida como o estudo da

relação entre variáveis psicossociais. Essa Psicologia Social adota o modelo S-

[O]-R. Nas pesquisas da Psicologia Social básica, o pesquisador busca saber

se suas suposições sobre o funcionamento do O (organismo) são ou não

confirmadas pelo experimento planejado. (RODRIGUES, A. , 1973).

A Psicologia Social aplicada pode ser pensada como a utilização dos

conhecimentos teóricos para realização de pesquisas que ajudem a resolver

problemas sociais específicos. Mesmo partindo da apresentação de duas

formas de pesquisa em Psicologia Social: de uma teórica e de outra

eminentemente prática, não há uma distinção entre ambas. Pesquisa básica e

pesquisa aplicada se completam, e um mesmo autor “pode incluir em sua

atividade de pesquisador social, os dois tipos de pesquisa.” (RODRIGUES,

1973, p. 79).

1.7.1- Ciência e tecnologia a serviço do Homem

A tecnologia social caminha conjuntamente com a pesquisa básica e a

pesquisa aplicada. A psicologia teria acumulado uma quantidade de

conhecimentos sobre o homem suficiente para permitir ao tecnólogo social usá-

los na geração do bem-estar humano. Varela (1974), em sua obra

Psychological Solutions to Social Problems: Na Introduction to Social

Technology, afirma que caberia ao tecnólogo social buscar soluções para os

problemas humanos. No entanto, essas respostas dadas pela Psicologia Social

aos problemas apresentados pela sociedade, passariam pelo planejamento,

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pelo uso de técnicas como o condicionamento e de outras teorias que possam

gerar ordem e possibilidade de controle social. (VARELA, 1974). Na América

Latina, além de Varela, conforme afirma Rodrigues (1986), destacaram-se no

desenvolvimento da tecnologia social, Euclides Sanches e Esther Wiesenfeld,

ambos da Universidade Central da Venezuela.

A partir da preocupação em distinguir uma Psicologia Social científica e

as aplicações em Psicologia Social foi criada no ano de 198523, no Mestrado de

Psicologia da Universidade Gama Filho, a área de concentração em Psicologia

Social, que foi, por sua vez, subdividida em duas outras subáreas: Psicologia

Social e Aplicações da Psicologia Social. A primeira tinha como objetivo a

formação de psicólogos preocupados com a pesquisa e a formulação de novas

teorias científicas. A segunda de mostrar, para os psicólogos de outras áreas,

as possibilidades de aplicação do campo da Psicologia Social e como essa

área do conhecimento poderia contribuir para a solução de problemas sociais e

para suas áreas específicas de atuação, seja no campo da psicologia escolar,

comunitária, das organizações e da saúde. (RODRIGUES, 1986).

Para Rodrigues (1979), a preocupação extrema com a busca da

relevância social “pode, freqüentemente, levar os investigadores sociais a

misturar ciência com política, utilizando-se dos conhecimentos científicos que

possuem para obter transformações sociais orientadas por ideologias desta ou

daquela natureza.” (p.21). No entanto, não há concordância quanto a essa

separação entre ciência e política, pois como afirma Baumrim (1970), em seu

texto, The immorality of irrelevance: The Social Role of Science: “The main

thesis I wish to urge is that doing disinterested science or the sake of science is

23 O Mestrado em Psicologia da Universidade Gama Filho teve seu funcionamento autorizado em 1973. Após 1982, ficou sob a coordenação do professor Aroldo Rodrigues que extinguiu a área de concentração em Psicologia Teórica e mudou o nome da área de concentração em Psicologia Escolar para Psicologia Educacional, além de criar a área de concentração em Psicologia Social. Em 1985, a área de Psicologia Educacional foi suprimida e permaneceu apenas a área de concentração em Psicologia Social, subdividida em duas subáreas: Psicologia Social Básica e Aplicações da Psicologia Social. No ano de 1993, já sob a coordenação da professora Maria Alice D’Amorim as duas subáreas foram extintas e permaneceu apenas a área de concentração em Psicologia Social. Após 1996, com a coordenação da professora Eliane Gerk Pinto Carneiro houve um retorno a uma Psicologia Social aplicada. Em 2002, assume a coordenação o professor Cílio Rosa Ziviani, que acompanha os momentos finais deste Programa em Psicologia Social. O Programa foi desativado pela UGF em 2005.

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likely to be immoral, and that justifying that activity in terms of its benefit to

mankind, or some portion of it, is immoral.” (p. 73).24

Um dos sinais da crise da Psicologia Social a partir dos anos 60 foi a

busca, por um lado, do atendimento da necessidade de intervenção social para

a melhoria das condições de vida das sociedades e, por outro, a tendência de

contrariedade ao rigor da metodologia experimental de laboratório.

(RODRIGUES, 1979). Esse dilema colocava, de um lado, a Psicologia Social

norte-americana, que tinha a preocupação de reproduzir o modo de fazer

ciência das ciências naturais, mas que a partir do final da década de 60,

também buscava responder às necessidades de relevância em suas

pesquisas; e em uma posição distinta, outra maneira de pensar a Psicologia

Social, que se configurava a partir de críticas ao modelo positivista de ciência e

que passou a sustentar, como uma de suas preocupações, a busca da

relevância social. Sobre essas diferenças, Rodrigues afirma:

Um exemplo eloqüente da divergência existente entre os psicólogos sociais sobre o que seja a Psicologia Social pode ser visto, aqui entre nós, ao compararmos os livros de Psicologia Social de minha autoria e o livro intitulado Psicologia Social editado por Silvia Lane e Wanderley Codo. Um leigo que pretendesse interar-se acerca do que seria este setor do conhecimento chamado de Psicologia Social e lesse esses livros, seguramente ficaria mais confuso do que antes de fazê-lo. (1986, p. 43).

Se, por um lado, ambas as teorias buscavam responder à questão da

relevância, por outro, a resposta apresentada por essas abordagens é bastante

diferente. A Psicologia Social norte-americana via essa questão a partir do uso

dos conhecimentos da psicologia para a solução de problemas sociais, o que

se denominou de tecnologia social.

Um exemplo de aplicação dos conhecimentos acumulados de Psicologia

Social para a resolução de problemas sociais foi dado por Varela (1974)25: um

24 A principal tese que desejo expor é que fazer ciência desinteressadamente ou por amor à ciência é suscetível de ser imoral, e que justificar a sua atividade em termos de benefício para a humanidade, ou uma parte dela, é imoral. 25 Segundo Rodrigues (1981), para Varela as nações superdesenvolvidas têm recursos para conduzir pesquisas sem a preocupação de aplicá-las ao campo social. No entanto, em países subdesenvolvidos, essa preocupação é predominante, talvez isso explique por que a tecnologia social foi criada em um país em desenvolvimento (p. 25).

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supervisor, diante de sua mãe doente, que precisava de uma operação e que

se mostrava decidida a não fazê-la, fez uso de uma técnica de persuasão para

dissuadi-la do contrário. Após um planejamento da persuasão que faria uso,

sentou-se diante do leito da senhora e começou a fazer afirmações

provocadoras de reatância, necessárias em uma persuasão por aproximação.

Diante do horror de sua irmã, que não compreendia o comportamento do

irmão, ficando surpresa ao ver sua mãe mudar de idéia e aceitar a realização

da operação.

Em sua obra Aplicações da Psicologia Social, de 1981, Rodrigues afirma

que “a crise de relevância social é totalmente artificial e desnecessária. Ela

decorre da ignorância da distinção entre ciência básica e tecnologia.” (p.22).

Ainda segundo o mesmo autor para que se possa empreender uma Psicologia

Social destinada à solução de problemas sociais não é necessário nos

desfazermos do que já se tem desenvolvido e teorizado nesse campo, mas

utilizarmos os conhecimentos acumulados e, a partir de uma tecnologia social,

resolvermos os problemas postos pela sociedade.

1.7.2- Um outro sentido

Silvia Lane (PUC-SP) defendeu uma posição diferente da sustentada por

Aroldo Rodrigues. O debate entre essas propostas foi registrado na revista

Psicologia: Ciência e Profissão do ano de 1985, com o título: “A tecnologia

social na psicologia: Controvérsias”. Se, para Rodrigues, a Psicologia Social é

uma ciência básica e neutra que permitiria a solução de problemas sociais,

através de suas aplicações, para Lane tal concepção poderia transformar o

psicólogo em agente da adaptação. Segundo essa autora, “o fundamental, [...]

é a psicologia rever sua prática, pois teoria e prática têm de vir juntas. Não se

pode dividir a Psicologia Social em ciência aplicada e pura.” (1985, p.19).

Partindo de uma crítica ao conceito de homem estabelecido na

Psicologia Social, esse saber deveria buscar a construção de um conhecimento

que atendesse à realidade social e ao cotidiano de cada indivíduo. (LANE,

2004, p. 16).

[...] podemos perceber que é muito difícil encontrarmos comportamentos humanos que não envolvam componentes

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sociais, e são, justamente, estes aspectos que se tornam o enfoque da Psicologia Social. Em outras palavras, a Psicologia Social estuda a relação essencial entre o indivíduo e a sociedade, esta entendida historicamente, desde como seus membros se organizam para garantir sua sobrevivência até seus costumes, valores e instituições necessários para a continuidade da sociedade. (LANE, 1981, p. 10).

Esta tese busca empreender uma pesquisa histórica, valendo-se de

alguns princípios, tais como: o afastamento das armadilhas da continuidade e a

recusa da pesquisa da origem. Como Foucault afirma em sua obra A

Arqueologia do Saber (2004) há um conjunto de noções que diversificam, cada

uma a sua maneira, o tema da continuidade. Termos como tradição, influência,

desenvolvimento e evolução permitem “reagrupar uma sucessão de

acontecimentos dispersos; relacioná-los a um único e mesmo princípio

organizador.” (2004, p. 24). A partir dessa crítica, Foucault se aproxima das

teses da “nova história”, que persistiriam pela adoção de termos como

descontinuidade, ruptura, série e transformação.

Em Arqueologia do saber, Foucault nos apresenta o projeto de uma

descrição dos acontecimentos discursivos, de uma busca de regras que

permitem o entendimento de como alguns enunciados são possíveis e outros

não.

trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e na singularidade de sua situação; de determinar as condições de sua existência, de fixar seus limites da forma mais justa, de estabelecer suas correlações com outros enunciados a que pode estar ligado, de mostrar que outras formas de enunciado exclui. (FOUCAULT, 2004, p. 31).

Foucault aponta, em seu projeto, para uma crítica do documento. A

tarefa da história não seria interpretá-lo procurando uma verdade escondida,

nem reconstituir o passado distante para decifrá-lo, ela deve procurar “definir,

no próprio tecido documental, unidades, conjuntos, séries, relações.”

(FOUCAULT, 2004, p. 7).

Uma das hipóteses sustentada por Foucault (2004) é que “os

enunciados, diferentes em sua forma, dispersos no tempo, formam um conjunto

quando se referem a um único e mesmo objeto.” (p. 36). Em sua análise da

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loucura, aponta para o conjunto de enunciados que poderiam num primeiro

momento ser compreendidos como pertencentes ao mesmo objeto, entretanto,

Foucault (2004) afirma: “Ora, logo percebi que a unidade do objeto “loucura”

não nos permite individualizar um conjunto de enunciados e estabelecer entre

eles uma relação ao mesmo tempo descritível e constante.” (p. 36).

Esse conjunto de enunciados sobre a loucura não se relaciona com um

único e mesmo objeto, os enunciados não estão formados de maneira

definitiva. Poderíamos dizer que esses discursos não versam sobre o mesmo

louco ou sobre a mesma loucura. Antes, devemos compreender que “um

conjunto de enunciados no que ele tem de individual consistiria em descrever a

dispersão desses objetos, apreender todos os interstícios que os separam,

medir as distâncias que reinam entre eles.” (FOUCAULT, 2004, p. 37).

Devemos considerar que os enunciados que definem um determinado

objeto, mesmo sob a sua dispersão e heterogeneidade, são marcados por

exclusões, transformações e revezamentos. Foucault, na apresentação dos

enunciados da psicopatologia, da medicina e da gramática, nos leva a

compreender a sua tese – de que ele não buscaria uma arquitetura de

conceitos gerais para explicar todos os outros e submetê-los à mesma unidade,

mas sim uma análise do jogo de seus aparecimentos e de sua transformação.

O enunciado é a unidade elementar do discurso para Foucault.

Certamente no desenvolvimento da Arqueologia do Saber, Foucault não

apresenta uma teoria sobre a lingüística, mas na exposição do conceito de

enunciado, faz referência a frase, a proposição, a atos de fala. Os elementos

lingüísticos por si só não são suficientes para explicar porque um enunciado

surge. Para explicar como uma proposição, um ato de fala, torna-se um

enunciado, Foucault lança mão do conceito de função enunciativa, ou seja, um

enunciado é possível a partir de um sujeito que ocupa uma instituição,

determinado por regras sócio-históricas. (GREGOLIN, 2004).

Palavras como ciência, ideologia e teoria dificultam o uso e a

compreensão dos sistemas de dispersão. Mais uma vez, essas noções

perpetuam as grandes continuidades históricas. Foucault busca a partir da

discussão das regras de formação estabelecer as condições de existência, de

coexistência, manutenção, modificação e desaparecimento dos discursos, tais

condições são numerosas e importantes.

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Para que determinados discursos possam ocorrer, para que sejam ditos

por alguém, para que façam parte de determinados saberes, temos de

considerar as condições históricas em que eles ocorreram, suas relações de

semelhança, vizinhança e afastamento com outros objetos. “Isto significa que

não se pode falar de qualquer coisa em qualquer época; não é fácil dizer

alguma coisa nova.” (FOUCAULT, 2004, p. 50). Essas relações remetem às

instituições, aos processos econômicos e sociais.

Foucault chama a atenção para a materialidade que constitui os

enunciados. É necessário considerarmos um lugar, uma data, instituições para

que um enunciado tenha materialidade. “’Não importa quem fala’, mas o que

ele diz não é dito de qualquer lugar. É considerado, necessariamente, no jogo

de uma exterioridade.” (FOUCAULT, 2004, P. 139).

A partir de Foucault (2004), na análise do tema da relevância social não

buscamos estabelecer continuidades: não nos remetemos a um tempo

passado apontando formas de permanências, ao contrário, damos ênfase às

rupturas, ao aparecimento de novos discursos, à relação entre eles, à

constituição de enunciados que foram possíveis em uma época e não em

outra.

Assim, como afirmamos anteriormente, nas décadas de 70 e 80, houve

uma procura de novos interlocutores por partes dos psicólogos sociais

brasileiros e latino americanos, além da pesquisa de novos temas e do uso de

novas metodologias. A Psicologia Social buscava afirmar-se como “um

movimento de conscientização social e produtor de atividades transformadoras

da sociedade.” (LANE, 1980).

Em vários daqueles países, tínhamos a subjugação das liberdades

individuais e coletivas, uma impossibilidade de afirmação da cidadania e da

democracia. A preocupação com a ação transformadora por parte de uma

psicologia está relacionada com o contexto histórico que se vivia nesse

momento. No entanto, devemos considerar esse argumento insuficiente para

compreendermos como o tema da relevância surgiu nas suas diferentes

acepções, para os psicólogos sociais.

No ano de 1982, as professoras Silvia Lane e Maria do Carmo Guedes,

em uma viagem de intercâmbio científico por alguns países da América Latina,

conheceram experiências desenvolvidas por psicólogos em trabalhos

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realizados junto a grupos, entidades e bairros. Estava presente nesses

trabalhos uma preocupação com a ação transformadora que tais práticas

poderiam gerar. (GUEDES, 2007).

No Peru, no México, na Venezuela, no Equador e em Cuba, relatos e

experiências, algumas desenvolvidas em universidades, outras junto a

comunidades indígenas. Em Cuba, segundo Lane (1980), “O psicólogo está

presente nos comitês de fábricas, na federação de mulheres, nas escolas de

todos os níveis, promovendo a solidariedade grupal, a participação constante

dos membros em atividades que visem o bem grupal [...].” (p. 5). Essas

intervenções ficaram conhecidas, na América Latina, como práticas de

Psicologia Comunitária.

Buscando a compreensão de outro sentido, ou mesmo, de outro uso

para a relevância social no campo da psicologia, talvez já possamos afirmar

que a preocupação com essa temática foi além de uma instrumentalização da

prática do psicólogo: buscou-se tornar a psicologia um conhecimento

comprometido com as mudanças sociais, com a igualdade entre os indivíduos

e com uma democracia efetiva. Os psicólogos sociais, portanto, passaram a

não ter como objetivo apenas a aplicação dos seus conhecimentos ao meio

social, mas uma transformação das condições de vida a partir de um conjunto

de teorias e práticas geradas nos anos 70 e 80.

A variedade de posições demonstra como esse campo de conhecimento

é marcado pela diversidade. Vemos a existência dessas formas de

compreender o homem, dessas diferentes teorias no campo da Psicologia

Social como algo positivo. Já Rodrigues (1986) considera essa multiplicidade

como geradora de dificuldades:

Talvez devido à sua curta história, ou à natureza de seu objeto material, ou à influência de ideologias, ou à conjugação destes e de outros fatores, o fato é que a Psicologia Social, no que tange a seu aspecto conceitual, é um setor do saber ainda controvertido, polêmico e, quase se poderia dizer, confuso. (p.43).

Ainda na busca da compreensão de como foi possível a constituição de

um discurso sobre a relevância social que não se restringia a uma mera

aplicação de conhecimentos ao campo social, consideramos importante nos

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referirmos a alguns autores no campo da Psicologia Social que foram

influenciados pelo pensamento marxista nas décadas de 70 e 80. Porém,

nosso objetivo será entender o motivo que levou esses representantes do

saber psicossocial a escolherem tal pensamento como interlocutor de suas

questões para a Psicologia Social no Brasil e na América Latina.

Segundo Bock e Furtado (2006), os anos 70 se constituíram como o

momento de maior aproximação entre a psicologia e o pensamento de Marx,

sendo que a Psicologia Social foi a principal porta de entrada. Essa década foi

vivida por muitos com sofrimento, desconfiança, mas também com um espírito

combativo que buscava, a partir de movimentos de esquerda, a contraposição

ao regime militar e a sustentação dos direitos civis. Essa resistência à ditadura

militar e a propagação das idéias revolucionárias marxistas explicam o seu

desenvolvimento e maior interesse no Brasil.

Há muitas vias de entrada do marxismo em nosso país. Uma, de certa

maneira, ocorreu a partir do movimento institucionalista. A chegada da análise

institucional no Brasil acontece através de Georges Lapassade. Sua influência

em algumas capitais brasileiras como Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São

Paulo permitiu que o pensamento marxista pudesse ser apresentado e

estudado na psicologia. No entanto, especificamente na Psicologia Social a

figura de Silvia Lane foi fundamental.

A década de 70 é o período de institucionalização da psicologia no

Brasil. Os currículos dos cursos de psicologia, em geral, tinham uma influência

predominante da psicologia norte-americana. O homem era pensado como um

reflexo do seu ambiente. Separadamente, o social era visto como dependente

de relações interpessoais e de grupo. A sociedade era percebida como algo

distinto e separado do indivíduo, mantendo com ele uma relação de

interdependência.

Ainda nesse período, podemos apontar como outra via de penetração do

discurso marxista no campo da Psicologia Social: a psicologia comunitária.

Como afirma Góis (1993), a psicologia comunitária surge como uma

contraposição à psicologia hegemônica no Brasil. O indivíduo passa a ser

pensado como uma realidade social e histórica. É nessa busca por outro

referencial teórico e por novos interlocutores que o materialismo histórico

encontra o seu lugar.

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70

No início dos anos 80, o livro organizado por Lane e Codo (1984),

Psicologia Social: o homem em movimento, expressa a importância do

pensamento marxista para a crítica da psicologia positivista e a apresentação

de uma Psicologia Social crítica. Textos como “A Psicologia Social e uma nova

concepção de Homem para a Psicologia”, e “Consciência/Alienação: a

ideologia no nível individual” ambos de Silvia Lane e “A dialética marxista: uma

leitura epistemológica”, de Iray Carone, fazem uso de conceitos marxistas

como alienação e ideologia. Segundo Sawaia (2002), é durante os anos 80,

que Lane é marcada por uma transição ao marxismo e sua obra O que é

Psicologia Social, de 1981, é uma evidência dessa inclinação. Na crítica de

conceitos clássicos na Psicologia Social, Lane (1981) afirma: “É neste sentido

que questionamos quanto a ‘identidade social’ e “papéis” exercem uma

mediação ideológica, ou seja, criam uma ‘ilusão’ de que os papéis são ‘naturais

e necessários’, e que a identidade é conseqüência de ‘opções livres’” (p.22).

Além de Marx, autores como Lev Vygotsky (1896-1934), Alexander Luria

(1902-1977) e Alexei Leontiev (1903-1979) foram importantes para a formação

de uma base teórica cujos fundamentos sólidos permitiram uma contraposição

à Psicologia Social norte-americana.

Nossa proposta, aqui, não é apresentar as bases de uma psicologia

social marxista, mas compreender de que forma a leitura do materialismo

histórico foi importante para constituir, entre os psicólogos sociais no Brasil,

nas décadas de 70 a 90, novos temas de investigação, inaugurando uma

preocupação com o estudo da sua realidade social e política, além da busca de

uma transformação da sociedade.

1.7.3- Relevância social e psicologia: uma problematização

Martinez (2003) apresenta, em Psicologia e Compromisso Social:

desafios para a formação do psicólogo, algumas importantes questões que

buscaremos desenvolver a partir deste texto. A primeira refere-se à dificuldade

de se alcançar um consenso entre os psicólogos sobre o que se entende por

compromisso social. Na discussão da temática da relevância social,26

chamamos a atenção para a diversidade de seus usos, desde o conceito de

26 Usaremos as palavras relevância social e compromisso social como sinônimos, pois ambos os termos trazem a idéia de preocupação com o social na psicologia.

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tecnologia social e à crítica que se estabeleceu a mesma no Brasil e na

América Latina.

Segundo Martinez (2003), uma pesquisa realizada com recém-formados

em psicologia apontou vários sentidos:

[...] desde visões cujo eixo central era uma prática profissional de qualidade, com respeito e consideração pelo outro e pelo seu desenvolvimento, até visões cujo centro é a utilização da psicologia [...] na solução dos grandes problemas da realidade nacional. (2003, p.143).

Esses vários sentidos seriam provenientes, segundo a autora, de nossa

formação, de nossas ideologias, do lugar que atuamos como psicólogos. O

compromisso social pode estar a serviço de modismos, de comportamentos

politicamente corretos, mas muitas vezes não tem relação com as práticas

sociais de quem o utiliza. (MARTÍNEZ, 2003). A segunda questão nos leva a

outro importante ponto: o compromisso social é da psicologia? Ou é do

psicólogo? Devemos pensar esse compromisso como sendo do conjunto de

conhecimentos que a psicologia representa em toda a sua diversidade? Ou no

psicólogo que, em seu cotidiano e no exercício da sua profissão, realiza em

sua prática?

Segundo Martinez (2003), “o psicólogo na sua condição de sujeito

revela-se, [...] como o elemento central na discussão do compromisso social da

psicologia.” (p.145). A autora compreende a psicologia como uma construção

humana, datada historicamente e, por isso, estes indivíduos que produzem

esses conhecimentos devem ocupar um lugar privilegiado na análise do

compromisso social da psicologia.

Dissemos anteriormente que a crise da Psicologia Social levou, no Brasil

e na América Latina dos anos 70 e 80, os psicólogos sociais a buscarem

conhecimentos que os auxiliassem a refletir não apenas o contexto social em

que viviam, mas a possibilidade de transformá-lo, respondendo, dessa forma, à

Psicologia Social norte-americana.

A conformidade, portanto, é da psicologia ou do psicólogo? A nosso ver,

isto cria um falso problema pois, por mais que tenhamos conceitos e teorias em

Psicologia Social que reflitam preocupação com os aspectos sociais, isso não

leva obrigatoriamente o psicólogo em sua atividade profissional a ter o mesmo

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compromisso, pois é a sua formação subjetiva, e o seu posicionamento ético

que vão fazer diferença nas suas escolhas. Entretanto, não podemos

desconsiderar a participação dos sujeitos históricos que produzem um

conhecimento em função do contexto social, político e econômico. Portanto, o

compromisso é da psicologia, mas também do psicólogo que faz seus

discernimentos, que quer mudar o mundo, ou apenas buscar uma colocação no

mercado de trabalho.

Bock (2003), em uma análise da Psicologia no Brasil, problematizando o

compromisso social, afirma:

A tradição da psicologia, no Brasil, tem sido marcada pelo compromisso com os interesses das elites e tem se constituído como uma ciência e uma profissão para o controle, a categorização e a diferenciação. Poucas têm sido as contribuições da Psicologia para a transformação das condições de vida, tão desiguais em nosso país. (p.16).

Buscamos conduzir nossa discussão neste capítulo apontando,

inicialmente, discursos e práticas que perseguiram o reconhecimento científico:

a Psicologia Social tal como se deu nos Estados Unidos. No entanto, esse

mesmo discurso científico, a partir da década de 60, é questionado em sua

legitimação, instalando-se o que ficou conhecido como a crise da psicologia.

Essa acabou também por produzir efeitos. Uma nova preocupação parece

tomar conta das pesquisas em psicologia e mais especificamente do campo da

Psicologia Social: a relevância social. Consideramos que a maneira como esse

tema se desenvolveu apresentou diferenças conforme a crise se aprofundou.

No Rio de Janeiro, Aroldo Rodrigues se constituiu um importante representante

da abordagem psicossocial que tratou o tema da relevância a partir da

aplicação dos conhecimentos da Psicologia Social na resolução de problemas

sociais, o que foi denominado de tecnologia social. Aquele discurso

hegemônico se deparou com críticas que levaram a outras maneiras de se

pensar o social na psicologia: não apenas como uma aplicação, mas como um

saber e como uma prática da transformação social.

Durante os anos 60 e 70, os cursos de psicologia – currículos e

professores – foram marcados pelo modelo norte-americano. Na Psicologia

Social não foi diferente, porém a partir das décadas de 70 e 80, esse modelo

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não apenas foi questionado, como entraram em cena outras vertentes em

Psicologia Social: a Psicologia Comunitária, a Análise Institucional e as

Representações Sociais. A hegemonia de um modelo foi substituída pela

diversidade de teorias e metodologias. No Rio de Janeiro, em São Paulo, em

Minas Gerais e no país como um todo se buscou repensar a formação do

psicólogo brasileiro. Alguns episódios históricos nos fazem pensar nas

dificuldades em realizar tais mudanças.

No Rio de Janeiro, a “crise da PUC” em 1973 fornece elementos para

pensarmos o campo de forças, de interesses e de teorias que estiveram em

jogo nesse episódio. Alegando falta de verbas, a direção da PUC-RJ demitiu

alguns professores. Na lista constavam os nomes dos professores Luiz Alfredo

Garcia-Rosa, Yolande Lisbona, Roberto Oswaldo Cruz e Clauze Ronald de

Abreu, que desenvolviam um trabalho crítico de fundamentação teórica

diferente daquele defendido pelo professor Aroldo Rodrigues, então chefe do

Departamento de Psicologia. Após essas demissões, algumas mudanças

começaram a acontecer: professores vindos dos Estados Unidos foram

contratados como a professora Angela Biaggio que chegou na PUC em 1974.

Em novembro de 1976, com a posse de Biaggio como diretora, professores

como Cláudia Rego, Glória Maria Lages e alguns outros tiveram suas funções

reduzidas. A partir desse acontecimento, vários alunos insatisfeitos com as

mudanças buscaram explicações junto à direção. Sem transformações no

quadro de professores que promovia significativas mudanças no currículo e no

corpo docente, os alunos entraram em greve. Segundo a professora Inez

Farah, “existia uma decisão de transformar o curso de psicologia da PUC em

um curso de psicologia experimental.” (RÁDICE, 1977, p.18), mesmo o curso

de mestrado da instituição, apesar de ter uma área de concentração em

psicologia clínica, era fortemente orientado para a psicologia experimental. No

depoimento de uma estudante de graduação em psicologia temos um pouco do

que estava em questão:

Os fatos estão principalmente relacionados com as trocas na direção do Departamento desde 72 – das mãos do professor Paes e Barros para as de Aroldo Rodrigues e deste para Angela Biaggio; esses dois últimos seguidores de uma corrente de psicologia experimental, que nos vem sendo impingidas negligenciando-se todas as outras posições que a

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psicologia possa assumir e barrando a tentativa dos estudantes e alguns professores de fazerem uma psicologia adequada à realidade brasileira. (RÁDICE, 1977, p. 19). (grifo nosso).

Este episódio nos leva a considerar, de um lado, os embates presentes

na psicologia no Rio de Janeiro na década de 70, no qual uma psicologia de

base positivista se fazia presente e buscava estabelecer sua hegemonia e, de

outro, uma resistência a essa forma de pensamento e teoria.

Impulsionados pelo movimento das esquerdas que, a partir da década

de 70, buscava resistir ao regime militar e reafirmar as obrigações sociais do

Estado brasileiro com os campos da educação, saúde e promoção social, os

psicólogos se voltavam para um campo de atuação, até então restrito às

classes média e alta da população brasileira, que procurava atender às

necessidades das camadas mais pobres.

A busca da relevância social nas pesquisas em psicologia a partir das

décadas de 70 e 80 trouxe a certeza, para muitos psicólogos sociais, de uma

resposta às críticas empreendidas pelo campo da filosofia, especialmente

francesa, nas décadas de 50 e 60: a psicologia não seria mais uma forma de

controle social, pois o psicólogo estaria preocupado em responder, de forma

crítica, às questões postas pela sociedade. Nos anos 80, nos deparamos com

a publicação de algumas importantes obras: A Gestão dos Riscos, de Robert

Castel, publicado no Brasil em 1987 e La Police des Familles, de Jacques

Donzelot, cuja primeira edição brasileira é de 1980. Nos dois livros, temos a

apresentação de uma importante questão: o surgimento do social e de um

corpo de especialistas que se encarregaram do seu controle e disciplina.

As obras de Castel e Donzelot possibilitaram a retomada de algumas

críticas ao campo da psicologia, porém, a partir delas, é possível sustentarmos

mais uma vez um dos sentidos de crise que apresentamos ao longo deste

capítulo: a idéia de que a reflexão deve estar sempre presente como um

recurso crítico na constituição da psicologia.

Foucault (2004), ao falar sobre as regras de formação, sustenta que

os enunciados se formam em relação com um conjunto de outros enunciados.

A sua emergência está ligada a um contexto que permite o seu aparecimento.

Nesse sentido, talvez possamos pensar que a questão do compromisso social

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dependa da relação entre enunciados que a torna possível de um jeito e não de

outro: a forma como se constituiu a questão da relevância social nas décadas

de 70 e 80, no Brasil e na América Latina, tem uma relação com enunciados

sobre democracia, sobre igualdade social, sobre as transformações das

sociedades brasileiras e latino-americanas.

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CAPÍTULO 2

UM OLHAR SOBRE ALGUNS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA

NO BRASIL NAS DÉCADAS DE 60, 70 e 80

Una “época” no preexiste a los enunciados que la expressan, ni a las visibilidades que la ocupan. Esos son los dos aspectos esenciales: por um lado, cada estrato, cada formación histórica implica uma distribución de lo visible y de lo enunciable que se producen em ella; por outro, de um estrato a outro existe variación de la distribución, puesto que la visibilidad cambia de modo y los enunciados cambian de régimen. DELEUZE, 1987.

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Abril de 1964. Muitos reconhecem a data e os acontecimentos que

marcaram a história mais recente da sociedade brasileira. Fatos principalmente

políticos e sociais ainda são lembrados seja por aqueles que viveram os

chamados “anos de chumbo” ou por aqueles que apenas tiveram acesso a

essas memórias através dos livros de história. Na psicologia configurava-se, o

que desenvolvemos no capítulo anterior, a chamada crise da Psicologia Social.

Iniciada nos E.U.A e na Europa, esse movimento de contestação de uma

Psicologia Social individualista passa a buscar novas bases metodológicas,

além de estabelecer firmemente uma preocupação com a relevância social das

pesquisas em psicologia.

Internacionalmente, como aponta Bomfim (2003), a Psicologia Social

não ficou imune aos vários questionamentos sociais e políticos que ocorreram

principalmente nas décadas de 60 e 70 – como as chamadas lutas

antiimperialistas, os movimentos populares de apoio à Revolução de Cuba, a

revolução cultural chinesa e a revolução de maio de 68. Ainda segundo Bomfim

(2003):

Para superar a conhecida “crise” seria necessário buscar uma maior e mais cuidadosa produção de conhecimentos, discutindo as questões ideológicas, elucidando os conflitos sociais, analisando as diferenças individuais, grupais e comunidades e questionando o seu próprio papel político. (p. 131).

No Brasil, entre os anos 60 até meados dos anos 70, a Psicologia Social

foi marcada hegemonicamente pela concepção norte-americana. Bomfim

(2003), em sua análise da crise da Psicologia Social no Brasil, afirma:

A chamada “crise da Psicologia Social” que, em nível internacional, abalava o campo psicossocial, teve pouco reflexo na literatura psicossocial produzida no país na década de 60. [...] Em meio à crise teórica de caráter internacional e de tantas conturbações políticas e sociais internas, cresciam, contudo, no Brasil, as práticas de dinâmica de grupo e os trabalhos que privilegiavam as relações interpessoais, empresariais e terapêuticas. (p. 134).

Outra importante contribuição para pensarmos a Psicologia Social nas

décadas de 60, 70 e 80 e os possíveis reflexos históricos sobre este campo

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foram apresentados por Sandoval (2002) no texto: “O que há de novo na

Psicologia Social Latino-Americana?”, analisando a relação entre o período das

ditaduras militares na América Latina e a Psicologia Social comenta:

[...] o que há de novo na Psicologia Social latino-americana? Poderíamos dizer que novo de fato é o crescente segmento de profissionais no campo que agora se preocupa com a realidade do subdesenvolvimento em lugar de permanecer dentro das fronteiras definidas pela psicologia convencional/colonial. A nova Psicologia Social veio a encontrar no mundo do subdesenvolvimento campo fértil para a verdadeira investigação cientifica e envolvimento social. O período das ditaduras possivelmente acelerou esse processo na medida em que diversos opositores dos regimes autoritários procederam dos psicólogos engajados que enxergaram além do autocontido “enclave consumista” em que se acomoda a psicologia tradicional e em direção da realidade da pobreza e do sofrimento humano. (p.105). (grifo nosso).

Para Sandoval (2002), o período das ditaduras militares, em vários

países da América Latina, trouxe efeitos para o campo da psicologia: permitiu

que uma nova Psicologia Social se aproximasse de temas como a pobreza e o

sofrimento humano. Autores como Lane, Montero, Freitas, na mesma

publicação Paradigmas em Psicologia Social (2002), parecem concordar com

Sandoval (2002) em relação ao comprometimento social desse campo da

psicologia. Consideramos também ser possível pensarmos uma Psicologia

Social, na América Latina e no Brasil, que tenha escolhido novos temas para a

sua investigação, porém, em relação ao efeito do período das ditaduras ou dos

acontecimentos políticos e sociais mais gerais sobre a psicologia,

sustentaremos como uma possibilidade de interpretação, uma questão a ser

discutida ao longo deste capítulo.

Nosso objetivo inicial nos leva a rememorar, e reconstruir momentos da

nossa história, mais especificamente, alguns acontecimentos sociais, políticos

e culturais das décadas de 60, 70 e 80. A escolha desse período histórico se

deve ao fato de sustentarmos como questão: a possibilidade de pensarmos os

efeitos dos acontecimentos históricos ocorridos ao longo dessas décadas sobre

os rompimentos, e busca de novos caminhos no campo da Psicologia Social no

Brasil e, mais particularmente, no Rio de Janeiro.

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A partir de Bomfim (2003), e como fizemos no capítulo anterior,

podemos afirmar que a crise da Psicologia Social iniciada nos E.U.A e na

Europa, na década de 60, trouxe importantes reflexões para os psicólogos

sociais no Brasil. Porém, Sandoval (2002) nos leva a considerar outro eixo de

análise: como a nossa própria história foi motor para tantas outras reflexões e

análises da Psicologia Social em nosso país. Por essa razão, o movimento de

resistência à ditadura militar, o Centro Popular de Cultura, o Tropicalismo, as

Comunidades Eclesiais de Base, a Teologia da Libertação e alguns outros

acontecimentos históricos serão objeto de nossa discussão durante este

capítulo. Não buscaremos apresentar em detalhes a história do Brasil das

décadas de 60, 70 e 80, mas considerar como esses acontecimentos puderam

contribuir, principalmente como movimentos de resistência, para o surgimento

de novas discussões no campo da Psicologia Social.

2.1- Os Anos 60: Período do Engajamento

Segundo Ridenti (2003), os anos 60 talvez tenham sido “o momento da

história republicana mais marcado pela convergência revolucionária entre

política, cultura, vida pública e privada, sobretudo entre a intelectualidade.” (p.

135). A idéia da revolução estava presente enquanto utopia. Pensava-se em

revolução política, econômica, cultural e até mesmo pessoal. Os vários

sentidos possíveis para o que o próprio movimento de 64 denominou de

revolução estavam presentes na prática dos movimentos sociais e artísticos.

Abordaremos inicialmente uma experiência desenvolvida no Brasil entre

os anos de 1962 e 1964: “a ação do Centro Popular de Cultura (CPC), que

funcionou durante esse período junto à sede da União Nacional dos

Estudantes, na Guanabara.” (ORTIZ, 1985, p. 68). O CPC deve ser pensado

em função de um quadro político e cultural que se desenvolveu no país

naquele período histórico.

No início dos anos 60, foi encenada a peça Eles não usam Black-tie no

Rio de Janeiro, permanecendo em cartaz durante um ano e meio. Após a

temporada, um grupo de dissidentes (Vianinha e Chico de Assis) do Arena

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juntou-se à UNE e fundou o CPC. Após o golpe de 1964, o Teatro de Arena27

se constituiria em exemplo de resistência à ditadura militar em nosso país.

Segundo Garcia (2007), no período entre 1962 e março de 1964, dois

diretores passaram pelo CPC: Carlos Estevam Martins e Ferreira Gullar. O

anteprojeto do CPC não foi uma síntese da posição e da ação dos intelectuais

e artistas do CPC. Para Garcia (2007), “Glauber Rocha, José Guilherme

Merquior, Ferreira Gullar, [...], entre outros, dialogaram com Carlos Estevam

Martins, evidenciando o quão heterogêneo era o debate em torno do

engajamento artístico e da função social da arte.” (p. 35). Apesar da

heterogeneidade, tanto intelectuais quanto artistas buscaram estabelecer

contato com o povo.

Para o CPC, “os intelectuais e artistas brasileiros estariam naquele

momento distribuídos ‘por três alternativas distintas: ou o conformismo, ou o

inconformismo, ou a atitude revolucionária conseqüente’.” (HOLLANDA, 2004,

p. 21-22).

Como nos apresenta Hollanda (2004), na primeira alternativa, estaria

declarada a alienação do artista. Na segunda, o artista inconformado estaria

entre aqueles que, “revoltados” ou “insatisfeitos”, não externam de forma mais

ativa e visível suas idéias e críticas. Por último, teríamos o “revolucionário

conseqüente”, o artista que busca produzir uma cultura popular, que faz a

escolha por ser parte integrante do povo.

Antes de prosseguirmos seria importante considerarmos dois

importantes conceitos que serviram de base para o pensamento e as ações do

CPC: ideologia e de cultura.

Para os integrantes do CPC, a análise da realidade social deveria ser

feita através da categoria de alienação. “Este conceito se encontra

disseminado ao longo dos escritos dos estudantes da UNE, e no livro de

Ferreira Gullar, mas foi particularmente desenvolvido em sua aplicação à

‘cultura popular’ por Carlos Estebam.” (ORTIZ, 1985, p. 74).

Haveria uma “cultura alienada” das classes dominantes que seria

reproduzida por parte das camadas dominadas e, opondo-se a essa, uma

“cultura desalienada”. Segundo Ortiz (1985), a partir dessa dicotomia, teríamos

27 O teatro de Arena foi fundado nos anos 1950 e reunia artistas comprometidos com o teatro político e social.

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com o CPC a “cultura popular” estabelecida como a “verdadeira” cultura,

distinguindo-se das chamadas “falsas” manifestações populares. Considerando

a relação entre os conceitos de ideologia e cultura, contaríamos com algo

predominante no pensamento cepecista: “a preeminência do político em

relação às outras dimensões da vida social.” (p. 75). Portanto, a verdadeira arte

seria engajada, o que nos leva novamente a um dos conceitos fundamentais na

discussão de cultura no CPC: a alienação. A “cultura popular” é um instrumento

de conscientização das massas.

A experiência do CPC é teoricamente baseada na filosofia isebiana28,

embora, segundo Ortiz (1985), “seja uma radicalização à esquerda dessa

perspectiva.” (p. 69). Para o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), os

intelectuais têm um papel fundamental no processo de elaboração e na

concretização de um projeto de transformação do país; isso ocorreria através

de uma tomada de consciência das massas levada adiante pela vanguarda

representada por esses mesmos intelectuais.

No desenvolvimento do conceito de ideologia, devemos considerar a

questão do nacionalismo, pois, como afirmam alguns de seus expoentes, a

verdadeira arte popular tem sempre um caráter nacional. Estaria expressa

nessa relação entre arte popular e nacionalismo, a luta antiimperialista: “a

prática do CPC implicaria a tomada de consciência da dependência dos países

subdesenvolvidos com relação aos centros de decisões econômicas e

culturais.” (ORTIZ, 1985, p. 75). Segundo Hollanda (2004), a reivindicação de

um lugar para o intelectual ao lado do povo, além de ser paternalista,

adequava-se à política da época, pois desconsiderava as diferenças de classes

sociais e o enorme abismo social que marcava a sociedade brasileira.

Para o CPC, somente a arte política podia ser considerada legítima.

Nessa afirmação, temos uma contraposição entre a verdadeira “cultura

popular” praticada pelo CPC e as falsas manifestações populares, como

mencionamos anteriormente, destituídas de crítica e, portanto, alienadas.

Segundo Ortiz (1985), “existe uma contradição inerente à teoria do CPC; para 28 O ISEB foi criado durante o governo Juscelino Kubitschek em 1955. Foi extinto no ano de 1965 durante a ditadura militar. Teve como alguns de seus integrantes Hélio Jaguaribe, Nelson Werneck Sodré e Roland Corbisier. Estes intelectuais buscaram difundir as ciências sociais como instrumento de análise da realidade política e social brasileira. O isebianismo se caracterizou pela valorização da consciência e da ideologia no desenvolvimento da sociedade brasileira. (GADOTTI, 1991).

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legitimar a ação da ‘cultura popular’ deve-se necessariamente negar a validade

das próprias manifestações populares.” (p. 75).

Na definição de uma verdadeira cultura popular em oposição às falsas

manifestações populares, estava implícita a sustentação arbitrária de valores

como a “veracidade” e a “autenticidade” cultural. Para Ortiz (1985), tal forma de

conceber a cultura levou a uma desconsideração de fatos sociais importantes

como: o futebol, o carnaval e a religião. Ainda segundo Ortiz (1985), um autor

importante para romper essa forma de conceber a cultura foi Gramsci, pois a

análise de temas como nacionalidade e cultura popular não passaram mais a

ocorrer a partir do conceito de alienação. “Devido à definição gramsciana de

ideologia, que esvazia a discussão de veracidade ou não das concepções de

mundo, tem-se que o centro nodal da questão se coloca em termos de relações

de força.” (ORTIZ, 1985, p. 77).

Estava colocada na discussão do conceito de cultura popular a questão

da hegemonia. Nos anos 60, a indústria cultural começava a dar seus primeiros

passos. Sua difusão estava relacionada com o aperfeiçoamento dos meios de

comunicação de massa que aos poucos passaram a integrar o país como um

todo. Uma das indagações presentes nessa época foi: o desenvolvimento de

uma indústria cultural não acarretaria um processo de hegemonia das classes

dominantes? Surgem, como fazendo parte de uma política cultural do estado

brasileiro, instituições como a EMBRAFILME, a FUNARTE e o PROJETO

MINERVA, além da TV GLOBO. Portanto, começava a ser vista a questão da

cultura popular não mais sob a ótica da alienação, mas da hegemonia de

determinada cultura.

Foi durante o período 60-64 que houve uma grande expansão da

produção, distribuição e consumo de bens culturais. Segundo Ortiz (1985), foi

graças ao crescimento da classe média e à concentração da população nos

grandes centros urbanos, que foi possível a criação de espaços culturais que

passaram a ser freqüentados por uma população cada vez maior.

Uma das críticas feitas aos intelectuais e artistas cepecistas é que, de

fato, suas idéias e sua pretensa arte popular não teriam alcançado o “povo”.

Para Garcia (2007), a noção de povo pensada e expressa no CPC teve como

inspirador o intelectual do ISEB e posterior colaborador do CPC: Nelson

Werneck Sodré. Como afirma Garcia (2007):

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A definição de “povo” de Nelson Werneck Sodré não era estática nem intransponível, variava conforme as condições de tempo e lugar. Essas variações, provocadas pela contingência histórica, também não eram arbitrárias ou acidentais, mas definidas por critérios objetivos, isto é, pela sociedade dividida em classes. (p. 41).

Essa forma de compreender o conceito “povo” influenciou muitas

produções artístico-intelectuais do CPC. Nesse contexto, a intelectualidade

assumiu a tarefa de conscientizar as massas compreendidas como um

conjunto de diferentes grupos, camadas e classes sociais.

Para Ridenti (2004), a busca de um homem do povo, não contaminado

pela modernização capitalista, estava presente em expressões artísticas como:

o livro Quarup (1967), de Antonio Callado, o filme Ganga Zumba (1963), de

Carlos Diegues, a peça Arena conta Zumbi (1965), de Boal e Guanieri e o filme

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963), de Glauber Rocha. Buscava-se no

passado uma cultura popular que permitisse a construção de uma nova nação.

Segundo Garcia (2007), no início da década de 60 intelectuais, artistas e

estudantes não tinham familiaridade com conceitos, movimentos sociais e

regimes políticos de esquerda. “Nessa época, ninguém lia a obra de Marx,

Engels, Lenin, Lukács ou Sartre, tampouco se falava em Gramsci, Sánchez

Vásques ou Benjamin”. (p. 33). Esse quadro começou a mudar a partir de uma

geração que buscou articular cultura e política, que passou a ler autores de

esquerda e a pensar a realidade brasileira.

A extinção do CPC ocorreu em março de 1964, a partir do incêndio da

sede da UNE.

Com o CPC extinto o show Opinião assumiu para si a tarefa de restabelecer o contato da intelectualidade com o povo através de um musical que contava com a participação de Nara Leão, a musa da bossa nova, João do Valle, compositor nordestino, e Zé Ketti, sambista carioca. (GARCIA, 2007, p. 52).

No ano de 1964, tem início uma nova página da história social e política

brasileira. Em nome da ordem e do progresso instituiu-se a repressão, a

perseguição, o controle dos movimentos sociais e de vários grupos políticos. O

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golpe militar “emudece” uma geração, mas faz surgir também um movimento

de resistência.

O Opinião29 foi uma primeira tentativa de responder ao golpe. Sua

ligação com o momento anterior passava pela manutenção do ideário

nacionalista. Coube aos artistas a organização de protestos contra a ditadura

militar, pois os setores populares foram duramente reprimidos ou apoiaram o

golpe30. As classes médias intelectualizadas como estudantes, profissionais

liberais e artistas, apesar de estarem sob o mesmo julgo, encontraram

condições mais favoráveis de organização política.

Ainda na década de 60, o lugar do intelectual ao lado do povo passa a

ser questionado. Desde o CPC, os shows não atingiam as massas. Com o

show Opinião, como afirma Hollanda (2004), tivemos algo diferente: o encontro

de dois cantores que representavam o povo (João do Vale e Zé Kéti) e uma

cantora de classe média (Nara Leão) revelava que o contato entre a

intelectualidade e o povo, impedido de acontecer politicamente, passa a

realizar-se em espetáculo.

A palavra parece ter atingido um status privilegiado com o Cinema Novo

e com os jovens compositores que surgiam nos festivais da canção promovidos

pela TV. Glauber Rocha – o mais importante representante do Cinema Novo –

faz no filme Terra em Transe, “uma crítica explosiva ao populismo, às alianças

de classe e aos próprios artistas de esquerda, o filme discute a problemática da

eficácia revolucionária.” (HOLLANDA, 2004, p. 40). A palavra poética e a

palavra política são confrontadas, elas têm suas limitações e impotências

expostas. Uma parece não ter necessidade da outra.

Na música as letras expressavam uma preocupação literária. Um

exemplo dessa qualidade pode ser visto em A Banda, composição de 1966, de

Chico Buarque de Hollanda.

29 O Opinião foi um marco da esquerda após 1964. Integrantes do CPC como Vianinha, Ferreira Gullar, João das Neves, Armando Costa, Paulo Pontes e Denoy de Oliveira organizaram o Show Opinião, que consolidaria uma aproximação entre o teatro e a música popular brasileira. Segundo Ridenti (2003), é dessa época a criação do termo MPB, “que vinha de antes de 1964, com a politização de compositores originários da Bossa Nova, como Carlos Lyra, Sérgio Ricardo e mais tarde Edu Lobo.” (p. 144). Em 1965, 29 artistas plásticos organizaram no Rio de Janeiro o “Opinião 65”. 30 No Rio de Janeiro e em várias outras cidades do país, ocorreram passeatas de apoio ao golpe militar. As marchas da Família com Deus e pela Propriedade reuniam senhoras de classe média e média alta que, juntamente com a cúpula da igreja católica, “denunciavam a ‘comunização’ da sociedade brasileira e exigiam um governo forte.” (COIMBRA, 1995, p. 5).

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Estava à toa na vida O meu amor me chamou Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor A minha gente sofrida Despediu-se da dor Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor O homem sério que contava dinheiro parou

O faroleiro que contava vantagem parou A namorada que contava as estrelas parou Pra ver, ouvir e dar passagem A moça triste que vivia calada sorriu A rosa triste que vivia fechada se abriu E a meninada toda se assanhou Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou Que ainda era moço pra sair no terraço e dançar A moça feia debruçou na janela Pensando que a banda tocava pra ela A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu A lua cheia que vivia escondida surgiu Minha cidade toda se enfeitou Pra ver a banda passar cantando coisas de amor Mas para o meu desencanto O que era doce acabou Tudo tomou seu lugar Depois que a banda passou E cada qual no seu canto Em cada canto uma dor Depois da banda passar Cantando coisas de amor.

Essa tendência também estava presente nas letras de outros

importantes nomes da música brasileira como Edu Lobo, Gilberto Gil e Caetano

Veloso.

Com o Tropicalismo, essa preocupação com a qualidade literária se fez

mais presente, além de uma efetiva crítica ao populismo que também se

mostrava perceptível nas produções culturais da época, como veremos a

seguir.

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2.2- O TROPICALISMO

O Tropicalismo, movimento iniciado nos anos de 1967-68, foi certamente

um sopro de ousadia e renovação na cultura brasileira. Dele participaram

cineastas, jornalistas, compositores, poetas e artistas plásticos. Para Hollanda

(2004):

Desconfiando dos mitos nacionalistas e do discurso militante do populismo, percebendo os impasses do processo cultural brasileiro e recebendo informações dos movimentos culturais e políticos da juventude que explodiam nos EUA e na Europa – os hippies, o cinema de Godard, os Beatles, a canção de Bob Dylan –, esse grupo passa a desempenhar um papel fundamental não só para a música popular, mas também para toda a produção cultural da época, com conseqüências que vem até os nossos dias. (p. 61).

A música Alegria, Alegria, de Caetano Veloso (1967), apresentada no

III Festival da Música Popular Brasileira, já trazia marcas importantes do

Tropicalismo: a crítica à esquerda dita pensante e a aproximação aos meios de

comunicação de massa.

Caminhando contra o vento Sem lenço, sem documento No sol de quase dezembro Eu vou. O sol se reparte em crimes Espaçonaves, guerrilhas Em Cardinales bonitas Eu vou. Em caras de presidentes Em grandes beijos de amor Em dentes, pernas, bandeiras Bomba e Brigitte Bardot. O sol nas bancas de revista Me enche de alegria e preguiça Quem lê tanta notícia? Eu vou Por entre fotos e nomes Os olhos cheios de cores O peito cheio de amores vãos. Eu vou Por que não? Por que não? Ela pensa em casamento E eu nunca mais fui à escola. Sem lenço, sem documento

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Eu vou. Eu tomo uma coca-cola Ela pensa em casamento Uma canção me consola Eu vou. Por entre fotos e nomes Sem livros e sem fuzil Sem fome, sem telefone No coração do Brasil. Ela nem sabe, até pensei Em cantar na televisão O sol é tão bonito Eu vou. Sem lenço, sem documento Nada no bolso ou nas mãos Eu quero seguir vivendo Amor. Eu vou. Por que não? Por que não?

O projeto de muitos, no final da década de 60, era mudar o país a partir

da tomada do poder. No entanto, nem todos pensavam da mesma forma ou

buscavam os mesmos objetivos. Os jovens baianos de cabelos longos e

roupas coloridas desconfiavam do projeto das esquerdas – de substituição do

modelo autoritário – pois a renovação, o rompimento, passava por algo mais do

que a subida ao poder. O Tropicalismo foi, segundo Hollanda (2004), o signo

de uma crise: “[...] a crise da linguagem imediatamente informada pelo

marxismo e em muito a crise de uma perspectiva do futuro.” (p. 69).

O Tropicalismo não surgiu sem provocar contestações, tanto da

esquerda quanto da direita, que emitiam palavras de discordância e

reprovação. Para o Tropicalismo, a revolução não passava pela escolha de

uma determinada corrente de pensamento como o socialismo ou mesmo o

marxismo-leninisno, pois tanto um quanto o outro poderiam acarretar posições

tão autoritárias e burocráticas como aquela contra a qual lutavam. A busca de

um “futuro” promissor daria lugar ao “aqui e agora”.

O Tropicalismo, com Caetano, Gilberto Gil, Tom Zé, Glauber Rocha,

Torquato Neto, Hélio Oiticica e José Celso Martinez Corrêa, trouxe a crítica às

atitudes bem comportadas e uma inovação estética, subvertendo, portanto,

valores. Era necessário experimentar o que podia o corpo e descobrir quais

outros comportamentos eram possíveis. Segundo Hollanda (2004):

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As preocupações com o corpo, o erotismo, a subversão de valores e comportamentos apareciam como demonstração da insatisfação com um momento onde a permanência do regime de restrição promovia a inquietação, a dúvida e a crise da intelectualidade. O circuito fechado e viciado em que a classe média informada juntava-se para falar de “povo” não produzia mais efeito. Era preciso pensar a própria contradição das pessoas informadas, dos estudantes, dos intelectuais, do povo. (p. 71).

2.3- “Tô te Explicando pra te Confundir, Tô te Confundindo pra te

Esclarecer”31

Ao mesmo tempo em que o Tropicalismo avançava e se consolidava,

chegavam ao país elementos da contracultura: a preocupação com temas

como o uso de drogas, o rock e o corpo estavam presentes nas discussões e

conversas de intelectuais e artistas. A contracultura, além de fazer parte das

várias manifestações culturais, caracterizou-se pela busca da liberdade sexual

e pelo uso das drogas. No final da década de 60, foi possível, em função de um

rompimento com um modo de vida hegemônico, o surgimento da idéia de que

“o amor livre e as drogas seriam liberadores de potencialidades humanas

escondidas sob a couraça imposta aos indivíduos pelo moralismo da chamada

‘sociedade de consumo’.” (RIDENTI, 2003, p. 147). Um exemplo disso foram as

comunidades alternativas: os hippies buscavam no seu dia-a-dia quebrar com

tudo aquilo que representasse os principais valores da sociedade capitalista.

A imprensa alternativa foi o espaço de divulgação desses temas: “sexo,

drogas e rock in roll”, que se apresentavam no alvorecer da década de 70. Um

dos meios alternativos de se fazer jornalismo no Rio de Janeiro foi O

Pasquim.32

Com o CPC, havia uma clara adesão e incentivo à participação política

de intelectuais e artistas. No entanto, ainda na década de 60, percebe-se um

progressivo desinteresse pelo engajamento político e sua substituição por um

novo tema: a “mudança de vida”. Segundo Hollanda (2004):

31 Fragmento da música Tô de Tom Zé, de 1976. 32 Semanário carioca fundado em junho de 1969. Contou com a participação de nomes como Millôr, Henfil, Ziraldo, Paulo Francis e Jaguar.

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Ser marxista, no fim de algum tempo, passa a ser visto como um estigma, principalmente se vem acompanhado de alguma preocupação de participação política mais efetiva, constituindo-se em demonstração insofismável de “caretice”. É nessa linha que aparece uma noção fundamental – não existe a possibilidade de uma revolução ou transformação sociais sem que haja uma revolução ou transformação individuais. (p. 74).

O Tropicalismo levou um golpe mortal em 13 de dezembro de 1968, com

o Ato Institucional nº 5 (AI-5). Em nome da “segurança nacional”, crimes e

abusos de poder foram cometidos. Foram presos, cassados, torturados ou

forçados ao exílio estudantes, intelectuais, artistas e vários outros

oposicionistas. Iniciou-se a segunda fase da ditadura militar, a do terrorismo de

Estado.

Apesar das perseguições e da dura repressão que se seguiu durante

boa parte dos 21 anos de ditadura militar no Brasil, foi possível o surgimento de

vários grupos de resistência. A igreja católica ou uma parte desta, baseada na

Teologia da Libertação, participou ativamente desses movimentos. O livro de

Frei Betto Batismo de Sangue, do ano de 1982, recuperou uma parte das

histórias vividas por padres e leigos religiosos que lutaram pela liberdade e

pelo aumento do “coro” pela vida.

Como dito, no início da década de 60, o país vivia uma efervescência

política em que projetos de nação estavam em discussão e disputa. Segundo

Delgado e Passos (2003):

De um lado reuniam-se, em uma ampla frente que lutava por transformações, os movimentos populares, os sindicatos, os estudantes articulados pela União Nacional dos Estudantes (UNE), as ligas camponesas, os militares nacionalistas, as frentes parlamentares reformistas, os socialistas, os comunistas, o clero e os leigos dos movimentos católicos progressistas. (p. 103).

Apesar da diversidade, esse amplo grupo concordava com a idéia de

que o Brasil necessitava de uma ampla reforma política e social. Foi nesse

período que uma parte dos membros da igreja católica passa a se interessar

por temas que até aquele momento não mobilizavam a igreja: o

desenvolvimento econômico, a reforma agrária, a educação das massas. A

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igreja católica começa a fazer menção e preocupar-se com a realidade

brasileira.

Em uma posição diferente, encontravam-se aqueles setores da

sociedade brasileira que buscavam um projeto de desenvolvimento econômico

para a nação. Ao mesmo tempo modernizante e conservador, tal projeto das

elites nacionais privilegiava indústrias capazes de colocar o Brasil em

condições de competitividade internacional, mas sustentavam,

contraditoriamente, as estruturas agrárias do país. Para Delgado e Passos

(2003), pertenciam a esse grupo:

[...] militantes vinculados à Escola Superior de Guerra, proprietários rurais, setores do empresariado nacional, parlamentares ligados, principalmente, à UDN, investidores internacionais, segmentos expressivos da classe média e setores conservadores da igreja católica. (p.104).

As estruturas sociais, políticas e econômicas encontravam-se em um

momento de crise. A inconformidade dos mais jovens explodia em

manifestações de contestação da ordem vigente. O mesmo processo de

mudança parece alcançar as estruturas da cristandade. Aos poucos, a igreja

católica passa a ter como seu principal interlocutor a sociedade civil. A

articulação do catolicismo com as camadas populares permitiu que a igreja se

colocasse ao lado de grupos que lutavam pelos direitos sociais e humanos.

2.4- O Concílio Vaticano II e a II Conferência Geral do Episcopado Latino-

Americano em Medellin

Com a eleição do Papa João XXIII no ano de 1958, o catolicismo passou

a ser marcado por novas motivações. As encíclicas Mater et magistra (1961) e

Pacem in terris (1963) contribuíram significativamente para a renovação da

Igreja Católica na América Latina. O primeiro documento expõe uma

preocupação com a situação dos países subdesenvolvidos e com a sua

realidade social. Já na encíclica Pacem in terris está em jogo o direito a

melhores condições de vida, a uma participação no projeto de uma sociedade

mais justa e igualitária. Segundo Delgado e Passos (2003):

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Sob o impulso conciliar, os bispos brasileiros traçam o Plano de Pastoral de Conjunto de 1966-1970. Nas diversas regiões e dioceses do Brasil foram realizados cursos, conferências e seminários com o objetivo de divulgar uma nova mentalidade religiosa. [...] A renovação pastoral e litúrgica foi ganhando mais corpo e impulsionando religiosos, religiosas e leigos para uma maior aproximação com o povo. (p.112).

Em 1968, um novo acontecimento marca os caminhos do catolicismo na

América Latina: a II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em

Medellín. A primeira Conferência acontecera no ano de 1959, no Rio de

Janeiro, e teve como principal temática as questões internas da Igreja. Em

Medellín, a preocupação foi com a América Latina, sua realidade social e

política. A Igreja poderia contribuir para o processo de mudanças que a

América Latina como um todo necessitava. Os temas que mais se destacaram

nessa conferência foram: a justiça, a liberdade, o compromisso com a

promoção humana e a construção da paz.

Vale lembrar a importância da Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil (CNBB) para as mudanças na Igreja Católica. Sob a sua orientação

foram criados diversos institutos e centros de formação, tais como: o Instituto

Nacional de Pastoral (INP), o Centro de Formação Intercultural (Cenfi) e o

Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (Ibrades).

Não sem resistências, foi ocorrendo um progressivo deslocamento no

catolicismo no Brasil. A partir das influências do Concílio Vaticano II, da

Conferência de Medellín e do movimento da CNBB, o catolicismo brasileiro

acolheu novos desafios, além de buscar uma maior aproximação com os ideais

de igualdade social.

A respeito desse processo de mudança, afirma Coimbra (1992):

No Rio de Janeiro viu-se também a igreja dando um respaldo muito grande a uma série de movimentos. Não só D. Paulo Evaristo Arns em São Paulo, mas, muitos outros bispos progressistas, como os que estavam nas regiões cariocas de periferia – D. Adriano Hipólito e D. Mauro Morelli, dentre outros −, foram fundamentais nas lutas de resistência então ocorridas. (p. 141).

Para o entendimento de como foi possível essa mudança do catolicismo

no Brasil é importante voltarmos ao período da Ditadura Militar. A oposição

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firme ao desrespeito à vida durante o período conhecido como os “Anos de

Chumbo” (1968-1972) foi essencial para que a Igreja Católica tomasse o rumo

da defesa dos direitos humanos e se posicionasse de forma crítica ao

fechamento do Congresso e à eliminação das liberdades civil e de imprensa.

Com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), há uma perseguição a todos aqueles

que se opunham ao regime militar: estudantes, intelectuais, artistas, religiosos

leigos e clérigos da Igreja Católica. Os movimentos de oposição foram

duramente reprimidos e silenciados. Apesar do momento de repressão, a Igreja

se constituiu em um núcleo de resistência e oposição.

A conferência de Medellín foi de grande importância para que se

reconhecesse na América Latina, a Teologia da Libertação. Para Boff (1985):

A teologia da libertação elabora-se de acordo com um método iniciado pela Gaudium et Sapes e oficializado por Medellín, feito paradigmático em todo o tipo de reflexão latino-americana como uma espécie de ritual: análise da realidade – reflexão teológica – pistas de ação pastoral. Isso constitui uma verdadeira revolução metodológica diante da maneira de praticar a teologia nos centros metropolitanos. (p. 28).

Os proponentes da Teologia da Libertação, entre eles Leonardo Boff

franciscano brasileiro e Gustavo Gutiérrez teólogo peruano da ordem

dominicana, buscaram ir além dos princípios doutrinários da igreja para pensar

a realidade social da América Latina. Trouxeram consigo uma nova maneira de

fazer teologia, na qual estava em jogo uma reflexão sobre a situação de

pobreza de grandes populações do continente latino-americano, uma reação

diante do estado de desigualdade social, uma opção pelos oprimidos, a

apresentação de valores fundamentais como o amor e a solidariedade, a luta

pela justiça social, a fé entendida como uma práxis, a teologia como um

caminho para uma práxis libertadora. Segundo Boff (1985):

A teologia da libertação não nasceu voluntaristicamente. Constitui-se como um momento de um processo maior e de uma tomada de consciência característica dos povos latino-americanos. A pobreza generalizada, a marginalidade e o contexto histórico de dominação irrompeu agudamente na consciência coletiva e produziu uma virada histórica. Dessa consciência nova que impregnou todo o continente, nas ciências sociais, na educação, na psicologia, na medicina, nas

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comunicações sociais, participa também a existência cristã e repercute na reflexão teológica. (p. 27). (grifo nosso).

A abertura da Igreja permitiu a organização de uma pastoral popular.

Essa experiência foi importante para que aparecessem vários projetos de

trabalho em comunidades.

As primeiras Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) surgiram na

década de 60. Essa experiência trouxe importantes repercussões para a Igreja

Católica no Brasil. Os projetos reuniam padres, religiosas ou leigos formados

pelas próprias comunidades. Os agentes pastorais, como são denominados os

participantes das CEBs, têm a função de facilitadores, permitindo que a própria

comunidade seja agente de sua história. Segundo Delgado e Passos (2003):

Com as CEBs, o catolicismo intensifica a ligação entre religião e vida cotidiana, colocando nas manifestações religiosas situações básicas: o desenrolar da semana, a família, o trabalho, o bairro, a cidade. (p. 123).

A Igreja foi se constituindo num espaço de participação social, política,

além de religiosa. A partir da reflexão sobre problemas diversos, as CEBs

ajudaram a recriar os movimentos populares. Uma das palavras mais

presentes entre os agentes pastorais é “liberdade”. Ela expressa a vontade de

transformação social daqueles que estavam subjugados, oprimidos, não

apenas pelo regime militar, mas pelo capitalismo.

A Teologia da Libertação guarda uma relação estreita com as

comunidades eclesiais de base, pois fundamenta a intervenção nas diversas

comunidades metropolitanas e rurais pelo país. Mesmo, ou especialmente no

período da ditadura militar, a influência das CEBs se fez sentir através da

resistência, defendendo a liberdade e os direitos humanos, junto com os

movimentos populares. Ela acaba se transformando na voz daqueles que não

têm voz. Sobre as CEBs no período da Ditadura Militar, Betto (1981), afirma:

Muitos foram presos e torturados; alguns, assassinados pelas forças repressivas do poder político e/ou econômico. Todavia, esse empenho de luta não nasceu espontaneamente nas comunidades nem resultou do alto nível de consciência política de seus membros. A própria conjuntura nacional ajudou a reforçar as comunidades eclesiais de base. (p. 20).

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Durante a década de 70, houve um aumento do número de CEBs pelo

país. Já nos anos 80, com o processo de “abertura” política houve uma

mudança no papel da Igreja. Os movimentos populares, os exilados, todos

aqueles emudecidos pela Ditadura passaram a ter voz e a se emanciparem da

pastoral. A Igreja já não se constitui como a única instância política e social de

defesa da democracia.

No campo da educação, a década de 60 viu surgirem as experiências de

Paulo Freire (1921-1997) com o seu projeto de educação popular. A partir de

uma análise das condições de vida dos pobres e de seus muitos problemas, foi

possível a Freire pensar uma metodologia teórico/prática na qual estava em

discussão não apenas os aspectos formais de um processo de alfabetização,

mas a busca, a partir desse método, de uma conscientização dos principais

problemas vividos por essa população. O seu livro Pedagogia do Oprimido,

escrito no exílio entre 1967 e 1968, inaugurou o Movimento para a Cultura

Popular (MCP), em que se buscava, juntamente com a Igreja Católica, baseada

na teologia da libertação, promover a consciência crítica das massas

brasileiras.

Daí que o movimento para a educação popular do início dos anos 60 tenha surgido como parte de um imperativo político-ideológico não só de alfabetizar os que tinham ficado de fora da escola, empurrados para as favelas dos centros urbanos, que cresceram no país, ou para o isolamento de uma vida de miséria no campo, mas também de os equipar com o conhecimento capaz de alterar a realidade repressiva. (TORRES; CADIZ; WONG, 2002, p. 48).

Paulo Freire permaneceu exilado durante 16 anos, de 1964 a 1979. Seu

retorno coincide com o período de abertura política no Brasil e, no ano de 1989,

assume a secretaria de educação em São Paulo.

Segundo Góis (1993), a discussão do Círculo da Cultura de Paulo Freire

foi essencial para o trabalho junto às comunidades. O espaço desenvolvido

para a reflexão e participação no qual havia a alfabetização dos adultos gerou

importantes experiências. Posteriormente, essa mesma idéia esteve presente

em outros trabalhos de ação popular. O método de Freire, VER-JULGAR-

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AGIR, propiciou uma discussão democrática da busca do aprofundamento da

conscientização. Essas posições teórico-práticas de Paulo Freire logo o

levaram ao princípio de que a democracia se constrói a partir do aprendizado

da liberdade. (GÓIS, 1993).

No livro A Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do

Oprimido, Freire (1997) recupera uma de suas mais importantes obras e, na

retomada de críticas feitas ao Pedagogia do Oprimido na década de 70

apresenta as razões, intenções, sentimentos e marcas que o levaram a

escrever tal obra.

Na primeira parte do livro A Pedagogia da Esperança, Freire (1997)

procura “analisar ou falar de tramas da infância, da mocidade, dos começos da

maturidade em que a Pedagogia do Oprimido [...] era anunciada e foi tomando

forma, primeiro, na oralidade, depois, graficamente.” (p. 12). Apresenta uma

experiência vivida nesse período, e que foi importante para o seu pensamento.

Relata que, durante a apresentação de uma pesquisa que realizou com cerca

de mil famílias entre a área urbana de Recife e o agreste pernambucano (tinha

a preocupação de pensar a relação entre escolas e famílias), um homem “de

uns 40 anos, mas já gasto, pediu a palavra e me deu talvez a mais clara e

contundente lição que recebi em minha vida de educador.” (FREIRE, 1997, p.

25). Freire (1997) percebeu o quanto a sua linguagem era distante daqueles

que o ouviam. E, talvez, o mais importante, a sua desatenção à realidade vivida

pela maioria daqueles que estavam sentados na platéia.

O senhor chega em casa cansado. A cabeça até que pode doer no trabalho que o senhor faz. Pensar, escrever, ler, falar esses tipos de fala que o senhor fez agora. Isso tudo cansa também. Mas – continuou – uma coisa é chegar em casa, mesmo cansado, e encontrar as crianças tomadas de banho, vestidinhas, limpas, bem comidas, sem fome, e a outra é encontrar os meninos sujos, com fome, gritando, fazendo barulho. [...] Se a gente bate nos filhos e até sai dos limites não é porque a gente não ame eles não. É porque a dureza da vida não deixa muito pra escolher. (FREIRE, 1997, p. 27).

Essas palavras, lembradas por Paulo Freire 32 anos depois, trazem

preocupações que seriam objeto de seus trabalhos. O educador deve conhecer

a realidade do povo, deve compreender suas dificuldades, necessidades, o que

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ajuda a transformar a própria realidade concreta em que o educador e o povo

estão imersos.

Ao longo de suas obras, Paulo Freire aponta a necessidade ética do

respeito às diferenças culturais, ao contexto que se atua, além da crítica à

“invasão cultural”. (FREIRE, 1997). Certamente, essas idéias estavam

presentes em outros espaços de discussão política e social.

Na psicologia, a importância de Paulo Freire esteve relacionada aos

métodos da observação-participante e da pesquisa-participante usadas no

campo da psicologia comunitária. No primeiro método o estudo da realidade

social de uma comunidade se faz a partir da compreensão das suas relações,

porém, estas “não se revelam nos fatos em si e nem em suas aparências.”

(GÓIS, 1993, P.62).

Para isso, é necessária uma ação direta que proporcione a convivência

e a inserção. A partir do método da observação participante, o psicólogo não

ocupa uma posição neutra em relação à realidade estudada, mas se coloca

como um participante da vida e das decisões da comunidade.

No método da pesquisa-participante, há uma preocupação com a

participação efetiva do pesquisador, com o seu engajamento, além da busca

por parte da comunidade do conhecimento da sua realidade. Nos dois métodos

temos como objetivo um rompimento com o método tradicional de se fazer

pesquisa no campo das ciências sociais e humanas. Busca-se efetuar uma

pesquisa na qual o pesquisador insira-se com compromisso na realidade da

população e, juntamente com ela, possa definir os caminhos para a sua

transformação. (GÓIS, 1993).

Em síntese, como dizem Spink e Spink (2006), “Essa ressignificação do

papel da Igreja e dos educadores teve ressonâncias na Psicologia Social, entre

elas o surgimento de uma forte corrente voltada à psicologia comunitária.” (p.

581).

Buscamos, ao longo deste capítulo, dar visibilidade à materialidade dos

enunciados que percorreram o período histórico analisado. Para Ridenti (2003),

a década de 60 talvez tenha sido o momento da história republicana em que

tivemos a maior convergência entre política e cultura, sobretudo entre os

intelectuais. A utopia que ganhava corações e mentes era a revolução. Ainda

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segundo Ridenti (2003), intelectuais e artistas valorizavam a ação para mudar a

história e construir o novo homem, com cores de brasilidade.

Ao longo da história podemos pensar em discursos que permanecem ou

desaparecem de acordo com a sua relação com os outros discursos. Há

batalhas, mas também aproximações entre os discursos. No campo da

Psicologia Social o surgimento, ao longo das décadas de 70 e 80, de algumas

preocupações como a busca da relevância social e a necessidade de se

pensar uma psicologia voltada para a análise da realidade brasileira poderiam

ser remetidas apenas ao advento da crise neste mesmo campo, porém, como

temos buscado estabelecer ao longo deste capítulo, as relações com os

acontecimentos sociais, políticos e econômicos permitiram que estes mesmos

enunciados reverberassem na Psicologia Social não apenas no Brasil, mas em

alguns outros países da América Latina. Para Foucault (2004), o sentido de um

enunciado muda de acordo com as relações que ele estabelece com outros

enunciados. Segundo Gregolin (2004):

A identidade do enunciado está submetida aos limites que lhe são impostos pelo lugar que ocupa entre outros enunciados. “A terra é redonda” é um enunciado diferente antes e depois de Copérnico, pois apesar do sentido das palavras não terem mudado, modificou-se a relação dessa afirmação com outras proposições; ao mesmo tempo, há um campo de utilização, que permite a sua constância, a manutenção de sua identidade através dos acontecimentos singulares das enunciações. Todo enunciado tem, assim, uma existência material que o faz, ao mesmo tempo singular e repetível. (p. 125).

Não buscamos explicar a história da Psicologia Social no Rio de Janeiro

fazendo menção apenas aos acontecimentos históricos, políticos e sociais – o

que poderia ser encarado como uma espécie de reducionismo sociológico.

Nosso objetivo neste capítulo foi destacar alguns enunciados e discursos que,

ao longo das décadas de 1960 e 1990, fizeram parte de temas e preocupações

da psicologia no Brasil e no Rio de Janeiro.

A preocupação em pensar uma psicologia voltada para a realidade

social brasileira e a importância que a busca da relevância social tomou nas

pesquisas e debates em Psicologia Social, ao longo das décadas de 1980 e

1990, podem ser relacionados a determinados discursos presentes nos

movimentos de resistência no Brasil, nas décadas de 60 e 70 e,

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posteriormente, aos movimentos sociais que, nas décadas de 80 e 90,

buscaram a sedimentação do processo democrático.

2.5- A Década de 70: “Brasil, Ame-o ou Deixe-o”33

A participação política e a busca da conscientização marcaram o início

da década de 60 no Brasil. Até 1964, o país vivia ares de democracia. Entre

1964 e 1968, embora sob uma ditadura, ainda havia espaço para a

contestação no país, porém no período pós 68, a Ditadura Militar impediu a

expressão da liberdade e da cidadania.

Hollanda (2004) relata, na passagem dos anos 60 para os anos 70, que:

[...] há a marca de acontecimentos decisivos no processo político-cultural brasileiro: a virada da década corresponde a uma nova derrota dos movimentos de massa – especialmente o de composição estudantil – e das esquerdas. (p. 100).

Nesse quadro de relativa tranqüilidade, graças à repressão, seria

possível a atração de capital estrangeiro o acontecimento do dito “milagre

brasileiro”. O Brasil do “milagre” conheceu a construção de grandes estradas,

de pontes e obras faraônicas. No campo da cultura a censura já não gozava

dos mesmos privilégios da década anterior: muitos intelectuais e artistas são

obrigados a se exilarem em outros países; eram tempos do “Brasil, ame-o ou

deixe-o”.

A modernização do país passou pela estimulação do setor de cultura de

massa no qual a televisão ocupou um espaço de grande importância,

veiculando mensagens, valores e padrões de comportamentos como nos

slogans: “pra frente Brasil” e “corrente pra frente”.

Com a repressão à contestação, as artes plásticas transformam-se em

um rentável negócio, perdendo sua posição de crítica e contestação. O teatro

segue um caminho semelhante, optando pela apresentação de grandes

espetáculos. Já os herdeiros do cinema novo entraram no esquema da

industrialização e de superproduções como “Dona Flor e seus dois maridos”

(1976) e “Xica da Silva” (1976). O Estado foi, aos poucos, buscando organizar

uma política cultural, tornando-se o grande financiador das produções

33 Slogan pós AI-5, expressava a intolerância a qualquer contestação ao governo.

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nacionais. Muitos artistas preocupavam-se cada vez mais com o grande

mercado e com a política cultural do Estado, mas a impossibilidade de

mobilização política e do debate tornou a cultura o lugar privilegiado de

“resistência”; especialmente os shows de música popular. Muitos compositores

burlavam a censura a partir de letras ambíguas, como na canção de Chico

Buarque “estou me guardando pra quando o carnaval chegar” e que era lido

pela platéia como “estou à espera de uma reviravolta política”.

O ensino no Brasil passava por mudanças. Para Ridenti (2003),

[...] a modernização conservadora da educação, com a massificação (e a degradação) do ensino público de primeiro e segundo graus, o incentivo ao ensino privado e a criação de um sistema nacional de apoio à pós-graduação e à pesquisa para as universidades, nas quais a ditadura encontrava alguns dos principais focos de resistência. (p. 156).

A reforma universitária de 1968 buscou dar novas feições à universidade

brasileira. Com a ausência das esquerdas no espaço acadêmico ou sua

existência clandestina, a problematização de temas políticos e de questões

nacionais nas salas de aula e nas associações de alunos dá lugar à

valorização da competência técnica.

Segundo Hollanda (2004), houve, nos fins da década de 60, uma perda

progressiva da importância do conceito marxista de revolução, além de uma

descrença em relação ao Partido Comunista. No campo cultural, jovens

buscavam a “intervenção múltipla sob a forma de resistências setorizadas

abandonando o projeto globalizante de tomada de poder que informava a

atuação cultural do início dos anos 60.” (p. 105). Portanto, a aliança com

teóricos como Foucault surgiu da necessidade de discussão conceitual. Jovens

artistas, intelectuais e ex-militantes de formação marxistas passavam a rever

suas posições em relação à ortodoxia reinante na década anterior.

Segundo Gohn (2006), entre o final da década de 70 e início da de 80,

entre os vários teóricos que forneceram matrizes teóricas para os novos

movimentos sociais encontramos, além dos frankfurtianos – como Adorno e

Habermas –, os nomes de Deleuze, Guattari e principalmente Foucault. “Com

ênfases diferenciadas, eles foram os principais teóricos contemporâneos a

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alimentar as formulações e estudos sobre os chamados movimentos sociais

alternativos: [...], feministas, homossexuais, de negros.” (p. 132).

2.6- Anos 80 – “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita?” Ainda no final da década de 70, entrou em vigor a lei de anistia, o país

buscava retomar os passos da democracia. Já na década de 80, o

pluripartidarismo representou o sinal de novos tempos, um momento para a

sociedade pensar no caminho a seguir, após um prolongado período de

Ditadura. Foi nesse clima que surgiu, segundo Ridenti (2003), uma renovação

das práticas e dos parâmetros da esquerda: não apenas uma valorização do

processo democrático, como das liberdades civis de resistência aos refluxos da

Ditadura e da cidadania. No campo da política, foi dado um importante passo

com a criação do Partido dos Trabalhadores (PT) que tinha como base o tripé:

[...] as comunidades eclesiais de base da igreja católica, inspiradas na teologia da libertação; o chamado novo sindicalismo, liderado pelos metalúrgicos do ABC paulista; além de intelectuais e remanescentes de organizações políticas marxistas-leninistas. (RIDENTI, 2003, p. 157).

Por outro lado, a década de 60 fora marcada, entre outras coisas, pelo

engajamento de intelectuais, artistas e estudantes. Porém, nos anos 80, uma

nova forma de se colocar frente aos problemas nacionais estava em jogo: a

busca da proximidade ao povo deu lugar ao intelectual preocupado com suas

questões pessoais, que perseguia a competência e o sucesso profissional.

No teatro, os artistas engajados no Arena e no Oficina deram lugar aos

profissionais que buscavam o sucesso na TV. No cinema, a Embrafilme

seduzia os cineastas, com verbas públicas e a exigência de um cinema que

explorasse uma temática comercial. Sobre essas mudanças na intelectualidade

brasileira Ridenti (2003) afirma:

Assim pode-se constatar, com certo desencanto, os rumos que tomou uma parcela da intelectualidade e do meio artístico, que já se propusera a mudar o mundo e a vida. Sua despolitização – quando não mudanças de rota à direita – talvez não se deva apenas e essencialmente à vontade dos agentes, mas às próprias transformações por que passou a sociedade brasileira. (p. 162-163).

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Não podemos deixar de considerar que os anos 80 também

proporcionaram a continuação de um movimento de reforma e afirmação de

antigos preceitos entre estudantes, intelectuais e artistas. Ao mesmo tempo em

que se buscou o fortalecimento das instituições democráticas, houve a

reafirmação da necessidade de investimento em políticas públicas que

diminuísse a grande distância entre ricos e pobres, além de um

comprometimento com o ideal de um país para todos. Certamente o movimento

das “Diretas já!”, em 1984, expressou além de um rompimento radical com um

processo de abertura limitado, a culminância de uma esquerda que buscava

reafirmar-se enquanto força mobilizadora dos movimentos sociais e políticos.

Outra importante manifestação de cidadania ocorreu, nos anos 90, com os

“caras pintadas” que, em sua defesa da democracia, sustentaram ideais que

estiveram presentes em outros momentos da história brasileira.

Os novos movimentos sociais das décadas de 80 e 90 apresentaram

como uma de suas características uma base social que ultrapassava as

estruturas de classe. Não havia apenas participantes da classe média ou

intelectuais, ou estudantes, ou artistas, mas também representantes de

parcelas menos favorecidas da população; outra diferença em relação aos

movimentos sociais das décadas de 60 e 70 foi a apresentação de temáticas

mais pessoais e íntimas da vida humana; as estratégias de mobilização

envolveram a não-violência e a desobediência civil; esses movimentos se

apresentaram menos centralizados e burocratizados; houve a formação de

novas identidades como Associações de Bairros, etc. (GOHN, 2006).

Na década de 90, um novo elemento no cenário dos movimentos sociais

foram as Organizações Não-governamentais – ONGs. A partir da desilusão da

sociedade civil com a política representada pelas classes dirigentes e pelos

partidos políticos, vimos surgir camadas da população que se organizaram em

grupos corporativos. Foi o fim das grandes mobilizações das décadas de 60 e

70 que buscavam revolução e ideologias; e o fim dos movimentos da década

de 80, em torno da democracia e da cidadania.

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2.8- E na Psicologia, o que acontecia?

No ano de 1962 houve o reconhecimento da profissão de psicólogo no

Brasil. A formação em psicologia nesse período (disciplinas, ementas e

programas) foi influenciada hegemonicamente pela psicologia norte-americana.

Tal concepção de psicologia, baseada nos ideais positivistas, permitiu que os

psicólogos buscassem explicar a sociedade brasileira a partir de estudos

realizados em outras realidades, em outras culturas, visto haver a idéia de

universalidade dos conceitos e teorias. Ou ainda, tornar possível o não

comprometimento com as questões nacionais a partir da defesa da

neutralidade científica. No entanto, ainda na década de 60, a sociedade

brasileira conheceu o golpe militar e como apresentamos, anteriormente,

movimentos de resistência surgiriam para combater tal violência.

A questão que buscamos retomar neste item: “E na psicologia, o que

acontecia?”, nos leva a resgatar a provocação que alguns autores, citados ao

longo deste capítulo, nos fizeram: a psicologia e os psicólogos no Brasil teriam

passado ilesos pelo processo histórico vivido nas décadas de 60, 70 e 80?

Segundo Coimbra (1992),

Nos anos 80, alguns grupos “psi” foram se implicando com os diferentes movimentos sociais forjados ao longo da década anterior. Estes movimentos, sem dúvida, atingiram seu clímax em 1984 com a “Campanha das Diretas Já”, mas, na segunda metade destes mesmos anos 80, já começaram a declinar, começaram a entrar na defensiva. [...] Ainda eram muito poucos os profissionais “psi” que, nos anos 80, efetivamente, implicaram-se com os movimentos que estavam circulando pelo mundo. (p. 144).

No ano de 1977, D. Paulo Evaristo Arns, a partir da apresentação de um

trabalho no Simpósio sobre Ética na Atuação Profissional, promovido pela

Associação de Modificação do Comportamento, já chamava a atenção dos

psicólogos para uma área de pouco interesse entre estes. Do seu trabalho com

o título “O Psicólogo junto a Grupos Marginalizados”, publicado pelos Cadernos

PUC em 1981, gostaríamos de destacar:

Acho que a Psicologia, até o momento, arrumou seu instrumental para a classe média e alta. Talvez agora ela esteja em vias de renovação e, por isso, o grande desafio seria o de

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que a Psicologia descobrisse o projeto deste povo que está marginalizado e desses recursos a ele, para que chegasse a participar de tudo que é essencial para a qualidade de vida. (1981, p.8).

Mais adiante, no mesmo trabalho, Arns (1981) assinala que a psicologia

deveria “ter coragem de voltar à estaca zero, ao invés de teimar em aplicar os

instrumentos elaborados em outras terras, terras ricas e em outros níveis de

sociedade, para voltar-se a sistemas de análise autênticos para este povo.” (p.

10). Esses enunciados de “Psicologia elitista”, “relevância social” e “realidade

brasileira” já estavam presentes no ideário intelectual e político brasileiro das

décadas de 70 e 80. E no caso de Arns, soma-se a influência das

Comunidades Eclesiais de Base e da Teologia da Libertação. Tais

preocupações temáticas podem ser encontradas alguns anos após a exposição

de Arns, com o surgimento da ABRAPSO.

Foi na década de 80, ou mais especificamente, no dia 10 de julho de

1980, que a ABRAPSO foi formulada. Talvez, possamos afirmar que esta

associação seja um analisador34 da psicologia brasileira, pois surgiu de um

rompimento com uma forma de pensar o homem e sua relação com o social. A

década de 80, a partir da fundação da ABRAPSO, trouxe além de rompimentos

teóricos e metodológicos, a escolha de um problema que se afirmaria aos

poucos: o destaque do social na psicologia.

Retomando a afirmativa de Coimbra (1992) e relacionando-a com o

analisador ABRAPSO, acreditamos que podemos pensar que a defesa de

temas sociais, embora não hegemônica na psicologia, foi, ao longo das

décadas seguintes, recebendo destaque entre parte dos psicólogos sociais. A

ABRAPSO surgiu com as seguintes finalidades:

- congregar pessoas que se interessassem pelo desenvolvimento da Psicologia

Social no Brasil;

34 Conceito da análise institucional que significa “acontecimento, indivíduo, prática ou dispositivo que revela, em seu próprio funcionamento, o impensado de uma estrutura social (tanto a não conformidade com o instituído como a natureza deste mesmo instituído.” (RODRIGUES ; SOUZA, 1987, p. 29).

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- garantir e desenvolver as relações entre pessoas dedicadas ao estudo,

ensino, investigação e aplicação da Psicologia em uma perspectiva social no

Brasil;

- propiciar a difusão e o intercâmbio de informações sobre o desenvolvimento

do conhecimento e prática da Psicologia Social;

- promover a integração da Psicologia com outras áreas do conhecimento que

atuem em uma perspectiva social crítica;

- incentivar e apoiar institucionalmente o desenvolvimento de ações no campo

social e comunitário.

O evento em que foi fundada esta associação foi a 32ª Reunião Anual

para o Progresso da Ciência que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1980. O 1º

Encontro Nacional de Psicologia Social se deu em São Paulo, em 1980, e teve

como tema: Psicologia Social e Problemas Urbanos. Já o 2º Encontro, em

1986, aconteceu em Minas Gerais. A partir desse evento, os encontros da

ABRAPSO ocorreram com a mesma periodicidade. O 3º ocorreu em São

Paulo, tendo como tema: Poder e Controle na Psicologia. O 4º em Vitória – ES;

o 5º em João Pessoa – PB; o 6º no Rio de Janeiro, contando com um número

expressivo de participantes vindos de vários Estados. O 7º foi em Itajaí – SC e

teve como tema: Psicologia Social e Cidadania. A preocupação com temas

sociais esteve presente também nos Encontros Regionais de Psicologia Social.

Em um evento promovido pela regional sul, em Curitiba – PR, no ano de 1989,

a temática principal foi: Psicologia e Transformação Social. Já em 1992, em

Itajaí – SC, encontramos como tema central: Psicologia Social: Práxis e

Transformação. Na regional de São Paulo, em 1981, a temática principal foi:

Psicologia na Comunidade. O 3º Encontro da regional de São Paulo aconteceu

em 1983 e teve como tema: A Práxis em Psicologia Social. E no 5º encontro,

no ano de 1992, o tema: A Psicologia Social e a Questão da Cidadania.

(ZANELA, 1994).

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Encontro Ano Local Tema

Nacional 1980 São Paulo Psicologia Social

e Problemas

Urbanos

Regional 1981 São Paulo Psicologia na

Comunidade

Regional 1983 São Paulo A Práxis em

Psicologia Social

Nacional 1987 São Paulo Poder e Controle

na Psicologia

Regional 1989 Curitiba Psicologia e

Transformação

Social

Nacional

1992

Itajaí

Psicologia Social e

Cidadania

Regional

1992

Itajaí

Psicologia Social: Práxis e Transformação

Regional

1992

São Paulo

A Psicologia

Social e a Questão

da Cidadania

Ao longo de pelo menos duas décadas, as finalidades da ABRAPSO, a

partir de suas regionais (Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito

Santo e Sul) e de seus diversos núcleos espalhados pelo país, foram sendo

alcançadas. No entanto, cabe destacar que a presença da ABRAPSO, no Rio

de Janeiro, nunca foi tão expressiva quanto nas outras regionais.

No Rio de Janeiro, a Psicologia Social tinha como principal

representante o professor Aroldo Rodrigues. Sua passagem por algumas

instituições como a PUC-RJ, o ISOP e a Gama Filho demonstram o seu

prestígio inicial entre os psicólogos cariocas. Porém, como analisamos no

capítulo anterior, o professor Aroldo Rodrigues, ao final da década de 70 e

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início da década de 80, passa a se deparar com questionamentos feitos por

psicólogos sociais cariocas e de outros Estados como São Paulo. A ABRAPSO

se constitui, desde a sua fundação, em instituição de resistência às idéias da

Psicologia Social com a qual ela trabalhava.

A partir da criação, em 1986, da Revista Psicologia e Sociedade, a

ABRAPSO passou a contar com um espaço de divulgação de suas críticas e

reflexões. Algumas das principais temáticas apresentadas (ZANELA, 1994) nos

primeiros números foram:

- Psicologia e Comunidade

- Aspectos Teóricos e Históricos

- Movimentos sociais

- Saúde Mental/Saúde Pública

- Educação

- Trabalho

- Análise Institucional

- Metodologia e Técnica

- Comunicação

- Grupos

- Psicologia e Arte

- Psicologia/Formação e Atuação

- Psicologia e Cidadania

- Temáticas Variadas

No Rio de Janeiro, os temas em destaque desde os fins da década de

70 e início da década de 80 foram: a Psicologia da Comunidade, a Análise

Institucional, e no fim da década de 80 e início da década de 90, as

Representações Sociais.

Sobre a presença do movimento da análise institucional na psicologia,

Coimbra (1992) afirma:

[...] é a partir da década de 80 que começou a se fortalecer no Brasil uma outra leitura: uma leitura institucionalista baseada na Análise Institucional de origem Francesa. Acredito que esta

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“nova” prática tenta resgatar a importância da implicação política do profissional “psi”. (p. 144).

A Psicologia Social no Rio de Janeiro, ao longo das décadas de 80 e 90,

foi se diferenciando teórica e metodologicamente da perspectiva que até o final

da década de 70, com o professor Aroldo Rodrigues, era hegemônica: a

Psicologia Social cognitiva norte-americana. Neste período o país passava por

um momento de grande repressão política. Nas salas de aula, nos diretórios

acadêmicos e nos corredores, havia por parte de uma parcela dos estudantes a

contestação do regime repressor.

Dentro do curso de Psicologia foi uma época que a gente não tinha muitas coisas. [...] Por outro lado, tinha toda a atividade cultural que fervilhava naquela época, em termos de teatro, de uma porção de coisas que a gente participava, mas não especificamente dentro da Universidade, não. Na época, [...] você sempre tinha muita participação. [...] O que a gente reclamava, sentia, percebia era uma coisa mais ampla, a nível de Brasil, mais política mesmo. Todo mundo, naquela época, querendo ou não, participou um pouco desse processo todo. Existia um movimento na PUC, dos diretórios, nunca fui daquelas pessoas mais participantes, mas tinha assembléias, aí eu ia. Tinha gente que participava mais ativamente. Tinha muita gente da PUC e da Psicologia que se comprometeu mesmo, para valer. [...] Depois ficou tudo proibido, não tinha mais nada. Eu comecei em 66, 68 foi a data do AI-5. No dia do AI-5, a polícia invadiu a PUC, prendeu um monte de gente, foi um caos. Nunca mais vou esquecer desse dia, eu tinha acabado de fazer uma prova de Estatística, fui embora e naquele momento, a PUC foi invadida. Depois você pega o jornal e descobre o que aconteceu no sábado e diz: “caramba, do que eu escapei”; era brabeira. (BITTENCURT, M. I. G., Entrevista concedida a Alexandre Bárbara Soares, Rio de Janeiro, 2001).

No próximo capítulo, analisaremos como a Psicologia Comunitária, a

Análise Institucional e a Teoria das Representações Sociais representaram

formas, no Rio de Janeiro, de responder à crise no campo da psicologia e da

Psicologia Social.

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CAPÍTULO 3

A PSICOLOGIA SOCIAL NO RIO DE JANEIRO

A história individual é uma forma de acesso particularmente rica à história de uma sociedade. Lévy, 1995.

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Ao buscarmos construir uma história da Psicologia Social no Rio de

Janeiro entre as décadas de 60 e 90, fizemos uso de bibliografias sobre a

Psicologia Social e de entrevistas com psicólogos sociais de diferentes

tendências e compreensão deste campo da psicologia. Entre os entrevistados

estão os professores: Angela Arruda, Aroldo Rodrigues, Cecília M. B. Coimbra,

Cílio Ziviani, Celso Pereira de Sá, Cláudia Elizabeth Abbês Baeta Neves, Deise

Mancebo, Eduardo Mourão Vasconcellos, Heliana de Barros Conde Rodrigues,

Jacyara C. R. Nasciutti, Luis Antonio Baptista, Maria Inácia D’Ávila Neto, Kátia

Faria de Aguiar e Ronald Arendt.

A seleção desses nomes ocorreu em função de suas participações no

campo da Psicologia Social. As entrevistas tinham início com um pedido para o

entrevistado falar sobre o seu percurso no campo da Psicologia Social.

As entrevistas ocorreram no espaço de diferentes universidades, a

saber: UFRJ, PUC, UERJ e UFF, ou na residência dos entrevistados. Antes do

encontro com cada entrevistado, fizemos uma preparação que envolvia a

busca de informações sobre suas principais obras, levantamento prévio sobre

suas trajetórias na psicologia e a relação que os mesmos podiam ainda manter

ou não com o campo da Psicologia Social. A partir desse levantamento prévio,

passamos a considerar a entrevista num modelo semidirigido, no qual um

problema era definido e o restante das perguntas formuladas de acordo com o

próprio desenrolar do encontro. A análise desse material foi feita a partir das

contribuições da História Oral.

3.1- Recordar e Contar já é Interpretar

Como dissemos, as entrevistas começavam com um pedido aos

entrevistados que relatassem as suas trajetórias no campo da Psicologia

Social. Observamos que em muitos momentos as histórias apresentadas

pareciam montar realmente um cenário de acontecimentos em que suas vidas

se constituíam como narrativas com um começo, meio e fim. Sobre essa

impressão Bourdieu (2005) chama a nossa atenção para os riscos da filosofia

da história e de como uma vida, ao longo de uma entrevista, pode se

transformar em um “todo coerente e orientado”.

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Essa vida organizada como uma história transcorre, segundo uma ordem cronológica que também é uma ordem lógica, desde um começo, uma origem, no duplo sentido de ponto de partida, de início, mas também de princípio, de razão de ser, de causa primeira, até seu término, que também é um objetivo. (p. 184).

Certamente tratar as narrativas – a trajetória dos vários personagens da

história da Psicologia Social no Rio de Janeiro – a partir do postulado do

sentido da existência narrada, como denomina Bourdieu, é uma das

dificuldades que encontramos quando trabalhamos com fontes orais. Ao longo

de várias entrevistas, percebemos que os relatos seguiam uma linha na qual os

narradores buscavam, entre outros temas, falar sobre o início de suas vidas

acadêmicas, como a professora Jacyara Nasciutti do EICOS que começou a

sua formação na UNB, ou o professor Eduardo Mourão Vasconcellos, professor

da UFRJ, que teve boa parte da sua vida acadêmica iniciada em Minas Gerais

e, como a professora Jacyara, desenvolveu importantes trabalhos no campo da

psicologia comunitária. Outros entrevistados abordaram determinados assuntos

conforme buscavam explicar para si próprios, e para o entrevistador, a

sucessão dos eventos de suas vidas.

No entanto, como afirma Bourdieu (2005), esta forma de compreender

uma narrativa, desconsidera as transformações a que os sujeitos, suas vidas e

trajetórias estão submetidos, um devir em que o espaço social o qualifica e o

objetiva. Não analisaremos os relatos dissociados do contexto histórico que os

tornam compreensíveis. A entrevista com Aroldo Rodrigues nos possibilita

perceber como a sua trajetória no campo da Psicologia Social esteve

relacionada e foi influenciada pelos rompimentos e pela busca de novos

caminhos por parte dos psicólogos sociais no Brasil. O estranhamento com a

preocupação em responder a questões sociais, como afirma Rodrigues: o seu

treinamento nos Estados Unidos não o preparou para isso, marcou seus

confrontos com vários outros personagens da psicologia no Brasil.

[...] em 1966, voltei ao Brasil e no final de 60 o que eu encontrei foi uma psicologia no Brasil mostrando bastante progresso, desde o seu reconhecimento em 1962, mas ainda muito incipiente. A PUC/RJ, a Universidade de Brasília, a Universidade de São Paulo e outras começaram com o programa de mestrado e depois doutorado e continuava, a meu

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ver, maior ênfase em psicologia clínica; de Psicologia Social havia muito pouco. Esse período foi conturbado porque foi o período da ditadura militar, da reação dos estudantes, eu me lembro que volta e meia (eu era professor da PUC nesta época) a universidade fechava porque havia uma batida policial lá, o que levou a meu ver o pessoal que se interessava por Psicologia Social a ficar muito politizado. Eu havia recém retornado dos EUA onde a ênfase era num enfoque científico da Psicologia Social e somente por volta dos anos 80 a preocupação com as aplicações se tornou mais visível. Quando eu cheguei no Brasil eu tive um choque. Eu me lembro que quando eu apresentei minha tese de doutorado na Associação Brasileira de Psicologia Aplicada aqui no Rio de Janeiro eu vi que ela não teve receptividade nenhuma. Eu me lembro até que o vice-presidente da Associação depois de elogiar o aspecto metodológico do trabalho perguntou: “mas professor isso tudo está muito elegante estatisticamente, metodologicamente, mas pra que serve isso tudo?” Minha tese foi sobre a teoria do equilíbrio de Heider e não servia para nada mesmo [risos] em termos de aplicações à realidade brasileira [...]. (RODRIGUES, A., Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima, Rio de Janeiro, 2007).

Outra tendência no uso da fonte oral é buscar através dela um resgate

“daquilo que realmente aconteceu”. No entanto, Thomson (1997) alerta que:

Ao tentarem descobrir uma história isolada, estática e recuperável, alguns historiadores às vezes não levavam em conta as várias camadas da memória individual e a pluralidade das versões sobre o passado fornecidas por diferentes narradores. (p. 52).

Esta não foi a nossa perspectiva. Não fizemos uso do testemunho oral

como uma forma de nos aproximarmos de uma verdade do passado que seria

apresentada por um narrador que a viveu. Pretendemos, a partir das várias

histórias apresentadas, dispormos de uma pluralidade de versões sobre fatos,

acontecimentos e compreensões diferentes sobre o que foi a Psicologia Social

no Rio de Janeiro entre as décadas de 60 e 90.

Ainda segundo Thomson (1997), nossas lembranças variam de acordo

com as mudanças que sofremos ao longo dos anos: é como se a lembrança

dos fatos passados só pudesse acontecer em função da adequação àquilo que

somos hoje, há uma relação entre memória e identidade.

O processo de recordar é uma das principais formas de nos identificarmos quando narramos uma história. Ao narrar uma

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história, identificamos o que pensamos que éramos no passado, quem pensamos que somos no presente. (p. 57).

Após as entrevistas, passamos para a etapa de transcrição das fitas.

Como afirma Portelli (1997): “A transcrição transforma objetos auditivos em

visuais, o que inevitavelmente implica mudanças e interpretação.” (p. 27). Uma

possível posição que poderíamos ter tomado em relação à transcrição seria

buscar fazê-la o mais literalmente possível, entendendo com isso que

estaríamos transformando a oralidade num documento escrito. Portelli (1997),

no entanto, nos chama a atenção para aquilo que na história oral escapa à sua

reprodução escrita, “A fileira de tom e volume e o ritmo do discurso popular

carregam implícitos significados e conotações sociais irreproduzíveis na

escrita.” (p. 28). Foi interessante notar que em muitas entrevistas o tom da fala

e o seu ritmo mudavam de acordo com o assunto tratado. A fala dos

entrevistados revela, muitas vezes, mais que a simples leitura da sua

transcrição poderia nos indicar: a emoção de estar falando sobre um período

da história do qual participou e a maneira como foi afetado por esta mesma

história. Um riso presente na entrevista do professor Aroldo Rodrigues, cuja

transcrição está na página anterior, nos traz a possibilidade de entendermos

como a oralidade escapa à objetividade do documento escrito, pois aquele riso

traz, em nossa análise, a sua discordância em relação a um determinado fato

no campo da Psicologia Social e a sua ausência em uma transcrição objetiva

nos impossibilita de percebê-la.

As fontes orais são fontes narrativas. Elas transmitem informações

históricas, mas também relatos em que o narrador fala de si e dos

acontecimentos coletivos. A objetividade da narrativa escrita não deixa margem

para os enganos que o narrador pode cometer durante a sua fala: entre aquilo

que diz respeito a ele e aquilo que diz respeito ao grupo. A história oral não

concebe o narrador como um simples depositário de fatos passados. A

memória do entrevistado cria significações, sua atividade está no próprio

processo do relato. Portanto, a atenção do historiador oral está menos centrada

nas habilidades do narrador em conservar o passado que nas modificações

que este insere com a intenção de gerar sentido. Isso já tornaria a história oral

diferente, mas segundo Portelli (1997):

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A primeira coisa que torna a história oral diferente, portanto, é aquela que nos conta menos sobre eventos que sobre significados. Isso não implica que a história oral não tenha validade factual. Entrevistas sempre revelam eventos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de eventos conhecidos: elas sempre lançam luz sobre áreas inexploradas da vida diária das classes não hegemônicas. (p. 31).

3.2- Dois Importantes Personagens da História da Psicologia Social no

Rio de Janeiro

Ao longo das décadas de 60, 70 e 80, dois importantes personagens

influenciaram a Psicologia Social no Rio de Janeiro: Eliezer Schneider e Aroldo

Rodrigues. O primeiro atuou no campo da institucionalização da psicologia,

junto com outros professores como Antonio Gomes Penna e Franco Lo Presti

Seminério. O segundo fez parte da primeira turma de psicologia da PUC e foi o

maior representante da Psicologia Social norte-americana no Brasil. Em função

de suas contribuições teóricas e na formação de pesquisadores no campo da

Psicologia Social no Rio de Janeiro, apresentaremos algumas de suas

posições sobre temas que temos desenvolvido ao longo desta tese: a

necessidade da Psicologia Social pensar a realidade brasileira, e a busca da

transformação social por parte do psicólogo social.

3.2.1- A Contribuição de Eliezer Schneider

A entrada de Schneider (1916-1998) na psicologia ocorreu bem antes do

reconhecimento desta como profissão. Segundo Jacó-Vilela (2001):

A oportunidade de ingresso de Schneider na Psicologia surge através de um concurso do DASP, em 1941, para “Técnico de Assuntos Educacionais”, o que lhe possibilita ingressar no Instituto de psicologia – então um órgão suplementar da Universidade do Brasil, atual UFRJ – e dedicar-se às atividades de “psicologista”, sob a orientação de Jayme Grabois, à época diretor do órgão. (p. 13).

Embora Schneider faça parte de uma geração, os chamados

“Psicologistas”, que foi importante para a institucionalização da psicologia no

país e no Rio de Janeiro, com a reforma universitária de 1968, tornou-se

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professor de psicologia da UFRJ. Ingressou também na UERJ, aposentou-se

compulsoriamente nos anos 80 da UFRJ e da UERJ, mas permaneceu

vinculado à Universidade Gama Filho. Ao longo de mais de 40 anos de ensino

e pesquisa, publicou em torno de 108 artigos. No entanto, o que gostaríamos

de destacar é a publicação do seu único livro Psicologia Social – Histórica,

Cultural e Política, no ano de 1978. No segundo capítulo deste, cujo título é “A

Psicologia Social no Estudo da Cultura e da História”, encontramos algumas de

suas idéias sobre o campo da Psicologia Social. O capítulo apresenta autores

como Wundt, Claparède, Dewey, Hull, Spence, Lewin, entre outros,

destacando-se a importância dada à abordagem histórica e à influência da

cultura. Discordando de toda uma tradição experimentalista na psicologia,

sendo Spence35 um dos representantes citados, Schneider afirma que sua

opção está longe daquela apresentada por Wundt, que distinguia a Psicologia

Experimental Fisiológica da Psicologia dos Povos. Para Schneider (1978),

haveria uma Psicologia Social da Cultura e da História que, não sendo isolada

do restante da psicologia, poderia fazer uso de seus conceitos básicos na

busca da compreensão de processos micro e macrossociais. Schneider (1978)

não reprovava a existência da psicologia experimental, mas considerava seus

limites. Para isso, cita um artigo de Nevit Sanford de 1965, com o título

“Estudarão os Psicólogos os problemas humanos?”, com o qual concorda em

relação ao combate à posição dominante de então de que a psicologia

experimental seria a verdadeira ciência psicológica.

Schneider se voltava, desde o início do seu ingresso na psicologia, para

a problemática humana e talvez esse interesse tenha sido decisivo na sua

inclinação para o campo da Psicologia Social. Segundo Krüger (2001), essa

predileção por tal área da psicologia teria ocorrido em função da sugestão dada

por um dos professores de Schneider para ele explorar, no seu retorno ao

Brasil, temas relativos à dinâmica de grupo. É importante o fato de Schneider

ter feito referências, nas décadas de 60 e 70, a obras que apresentavam

resistência ao modo hegemônico de se fazer psicologia. Em artigos como A

Psicologia Social no Brasil, de 1971 e A psicologia social como problema

humano – uma síntese psico-histórica de seus primórdios, de 1985, Schneider

35 Spence foi professor de Schneider durante seu mestrado na Iowa University e um dos mais destacados discípulos de Clark Hull.

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apresentava uma preocupação com a necessidade da Psicologia Social se

voltar para temas que não serviriam apenas para a formulação de teorias

generalistas, mas que pudessem contribuir para o entendimento do humano

em sua diversidade histórica e cultural.

Embora Schneider tenha feito sua formação em psicologia nos Estados

Unidos, na Iowa University, isso não o impossibilitou de apresentar uma visão

crítica sobre os caminhos que a psicologia tomou naquele país. Diferentemente

de Aroldo Rodrigues, e talvez por pertencerem a gerações distintas, não

buscou simplesmente, no seu retorno ao Brasil, reproduzir os conhecimentos

da psicologia norte-americana.

Em relação ao campo da Psicologia Social é importante frisarmos a

aproximação de Schneider a autores como Klineberg. Segundo ele (1978):

Klineberg destaca a importância das normas culturais da conduta e a abordagem comparativa intercultural, humana, com o decidido apoio de Chauvin, Duijker e outros participantes que, apesar da prudência de Zazzo quanto aos limites da comparabilidade, nela encontram novas perspectivas para o desenvolvimento da Psicologia Social. (p. 78)

É ainda importante destacarmos que Schneider estava atento às

renovações no campo da Psicologia Social não apenas nos Estados Unidos,

mas também na Europa. Ele afirma, em sua obra de 1978, que Moscovici e

Argyle teriam contribuído com as obras Sociedade contra Natureza e A

Interação Social para importantes reflexões no campo da Psicologia Social.

Para Sá (2001), Schneider teve uma importante participação na discussão

crítica do campo da Psicologia Social no Rio de Janeiro:

De fato, como explicar, em face do caráter auto-contido, isolacionista e dogmático da Psicologia Social de trinta anos atrás, que se tenha criado, pelo menos no Rio de Janeiro, uma receptividade tão boa às orientações alternativas que começaram a emergir depois da “crise da Psicologia Social dominante”? De onde esses cariocas, psicólogos sociais brasileiros de segunda geração, dentre os quais me incluo, receberam informação sobre uma forma mais ampliada, diversificada e flexível de compreender a disciplina e seu objeto, de tal modo a criar neles a sensibilidade para a exploração posterior de alternativas explícitas? A minha resposta convicta é a seguinte: das aulas do prof. Eliezer

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Schneider, em especial das que ele dava nas Universidades Federal e do Rio de Janeiro – UFRJ e UERJ. (SÁ, p. 41).

Ao longo de sua vida acadêmica, Schneider foi professor de várias

instituições públicas e privadas, entre elas: a UFRJ, a UERJ, a Universidade

Gama Filho, a Santa Úrsula, a FAHUPE, a Celso Lisboa e o ISOP. Segundo

Penna (2001), a entrada de Schneider na Universidade do Estado do Rio de

Janeiro no ano de 1965 ocorreu a partir do convite feito pelo professor Hans

Ludwig Lippmann para que assumisse a disciplina de Psicologia Social.

Schneider manteve-se como professor nesta disciplina durante toda a sua

permanência nessa instituição. O seu ingresso na UFRJ, no ano de 1972, foi

possível a partir do concurso para a disciplina de Psicologia Social com a tese

A Psicologia Humana como ciência social básica. Ainda como nos lembra

Penna (2001), Schneider teria tentado participar do concurso para a vaga de

professor adjunto de Psicologia Social na Universidade Federal Fluminense,

porém, como era necessário um atestado de ideologia concedido pelo DOPS,

desistiu de sua inscrição no referido concurso.

A compreensão de Schneider sobre a Psicologia Social era muito própria

à história desse acadêmico que ao longo de sua vida apresentou um espírito

aberto às contribuições das várias psicologias e aos conhecimentos oriundos

de outras áreas. Para esse pesquisador brasileiro, a Psicologia Social deveria

reunir o estudo dos processos micro e macrossociais com temas da cultura e

da história. Segundo Krüger (2001), Schneider teria se aproximado do projeto

de Lucien Febvre de integração das ciências sociais, entre elas a psicologia.

No entanto, se esse ideal multidisciplinar estava presente em Schneider ele

“reservava à psicologia uma posição epistemológica mais relevante.” (p. 63).

Para Jacó-Vilela (2001),

[...] a principal influência de Schneider se encontra, sem dúvida, na formação de toda uma geração de psicólogos sociais que, com ele, aprendemos a estender nosso olhar além do paradigma individualista que geralmente caracteriza a Psicologia. (p. 21).

Muitos de seus alunos concordariam com tal afirmação e resgatariam

muitas outras histórias sobre a vida acadêmica desse professor e pesquisador

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que incentivou a busca da liberdade intelectual, sendo esta qualidade

importante para toda uma geração que experimentou a crítica de um modelo de

psicologia que vinha predominantemente dos Estados Unidos e que começava

a se esgotar nas décadas de 60 e 70.

Não encontramos em Schneider um interesse claro pelo tema da

transformação social, o que seria característico de algumas psicologias sociais

no Brasil a partir da década de 80. Schneider não era certamente partidário dos

ideais positivistas, mas buscou pensar o campo da Psicologia Social integrado

à psicologia geral. Houve na sua análise da Psicologia Social no Brasil36 um

entendimento da importância do psicólogo social para o desenvolvimento social

do país.

Em face dos objetivos e programas de desenvolvimento econômico do Brasil, implicando obrigatoriamente nas humaníssimas metas de benefício e desenvolvimento geral de sua população, há um papel decisivo que pode ser desempenhado pelo psicólogo e pelo educador sob a ação nuclear e catalisadora do psicólogo social. (SCHNEIDER, 1971, p. 12).

Schneider não buscou estabelecer uma Psicologia Social que se

afastasse completamente dos conceitos mais gerais da psicologia.

Diferentemente do que aconteceria com a Psicologia Social no Brasil a partir da

década de 80, quando muitos psicólogos passariam a trazer influências de

outros campos, a partir das leituras de Marx, Foucault, Deleuze e Guattari e

tantos outros interlocutores, o que levaria à constituição de diversas psicologias

sociais com bases teóricas predominantemente não-psicológicas.

3.2.2- A Influência de Aroldo Rodrigues

A Psicologia Social no Brasil, antes da denominada “crise da Psicologia

Social”, apresentava uma forma predominantemente norte-americana. O

grande representante dessa Psicologia Social no Brasil e no Rio de Janeiro,

como afirmamos no capítulo 1, foi Aroldo Rodrigues. Nesse período não havia

maiores contestações de uma psicologia que tinha como grandes

representantes pesquisadores que estavam do outro lado do Atlântico. Como 36 Trabalho apresentado no Fórum de Psicologia Social, realizado em outubro de 1970, organizado pela Associação Brasileira de Psicologia Aplicada.

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afirmamos anteriormente, no Rio de Janeiro, Schneider talvez tenha sido uma

das poucas vozes dissonantes.

Aroldo Rodrigues formou-se na Pontifícia Universidade Católica, no ano

de 1956 e, em seguida, deu prosseguimento aos seus estudos na University of

Kansas, retornando ao Brasil em 1959, com o grau de mestre em psicologia.

Logo foi convidado, pelo padre Bënko, para ser professor na PUC. Depois de

alguns anos como professor de psicologia e com uma carga de trabalho

pesada, acabou retornando aos Estados Unidos, com o incentivo de Padre

Bënko37, para fazer o doutorado. Sobre esse episódio afirma Aroldo Rodrigues

(2008):

Fr. Antonius Bënko, a Ph.D. in psychology from the University of Louvain, Belgium, had taken over the coordination of the course created by Hanns Lippmann, and encouraged me to go back to the United States to attain my Ph.D.. He promised to hold my position at the Catholic University until my return, and that a promotion would be automatic should I come back with the degree. With these incentives I applied to UCLA for the 1962/63 academic year.38

Na University of Califórnia, Los Angeles (UCLA), fez seu doutorado sob

a orientação de Hal Kelley. Definitivamente as experiências acadêmicas nessa

instituição norte-americana fizeram Aroldo Rodrigues permanecer na área de

Psicologia Social. Durante quatro anos, teve um treinamento que privilegiava o

uso da metodologia experimental e da estatística, além de fazer vários cursos

de Psicologia Social. Nesse momento os pesquisadores do campo da

Psicologia Social norte-americana que Aroldo Rodrigues mais se aproximou

foram: Fritz Heider (1896-1988), Theodore M. Newcomb (1903-1984) e Robert

Zajonc, dedicando-se principalmente à teoria do equilíbrio de Heider.

37 Padre Benkö, Natural de Paks, Hungria. Cursou, entre 1949 e 1951, licenciatura em Psicologia na Universidade Católica de Louvain. Na mesma instituição doutorou-se em Psicologia Aplicada. No ano de 1954 fixa residência no Brasil. Em 1957, aceita o convite do padre Alonso e passa a dirigir o Instituto de Psicologia Aplicada, na PUC-RJ. 38 Padre Antonius Bënko, Ph.D. em Psicologia pela Universidade de Louvain, na Bélgica, assumiu a coordenação do curso criado por Hanns Lippmann, e me incentivou a voltar aos Estados Unidos para fazer meu Ph.D. Ele prometeu manter a minha posição na Universidade Católica até o meu regresso, e que haveria uma promoção automática a partir do meu retorno com o grau de doutor. Com estes incentivos eu me candidatei à UCLA para o ano letivo de 1962/63. (Tradução nossa). .

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Aroldo Rodrigues retornou ao Brasil no ano de 1966, com Ph.D. em

psicologia, e retomou suas atividades como professor na PUC. Porém, como

comenta:

Things went well at first, but soon started to change. The huge difference between the facilities I was used to at UCLA, and the limitations of the incipient department of psychology of the Catholic University immediately indicated to me that I had to lower considerably my level of aspiration as far as research activity was concerned. Worse than that, however, to my deep disappointment, students and colleagues alike showed very little, if any at all, interest in my research on balance theory.39 (2008).

O clima inamistoso identificado por Aroldo Rodrigues talvez já

representasse os efeitos da “crise da Psicologia Social”, no Brasil. No entanto,

o confronto com o modelo norte-americano se acirrou nas décadas de 70 e 80.

Segundo Rodrigues, os psicólogos no Brasil não se interessavam em

metodologia e nem em teoria, mas, quase exclusivamente, em política. Para

Bomfim (2003), a “crise” no Brasil se refletiu em fóruns de discussão que

buscavam repensar os impasses teóricos e metodológicos. Em outubro de

1970, realizou-se no Rio de Janeiro, o “Fórum de Psicologia Social”, promovido

pela Associação Brasileira de Psicologia Aplicada. Entre os participantes desse

evento, estavam: Antonio Gomes Penna, Aroldo Rodrigues, Ataliba Crespo,

Arrigo Angelini, Célio Garcia e Eliezer Schneider.

Em 1973, Aroldo Rodrigues foi eleito presidente da Associação Latino-

Americana de Psicologia Social (ALAPSO). Tal fato ocorreu provavelmente em

função do destaque que o professor carioca alcançara, não apenas no Rio de

Janeiro, mas no restante do país e na América Latina. Essa mesma associação

tinha algumas ramificações como a Associação Chilena de Psicologia Social

(ACHIPSO) e a Associação Venezuelana de Psicologia Social (AVEPSO).

Como já vimos, a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO)

surgiria, em 1980, a partir de uma discordância com a ALAPSO, e tendo como

principal personagem desse rompimento Silvia Lane. Nos anos que se 39 As coisas foram bem no início, mas logo começaram a mudar. A enorme diferença entre as instalações que eu utilizava na UCLA, e as limitações do incipiente departamento de psicologia da Universidade Católica imediatamente indicou-me que eu tinha de baixar consideravelmente o meu nível de aspiração, como as atividades de investigação que estavam em causa. Pior que isso, no entanto, foi a minha profunda decepção com alunos e colegas que mostraram muito pouco, se houve algum, interesse na investigação na teoria do equilíbrio. (Tradução nossa).

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seguiriam, a professora da PUC de São Paulo seria a principal personagem do

confronto com o professor da PUC do Rio de Janeiro. Um dos temas em

destaque nessa contraposição, além do modelo de homem e sociedade, girou

em torno da neutralidade do pesquisador em Psicologia Social e do status de

ciência deste campo da psicologia.

[...] houve um problema entre mim e a maioria dos psicólogos sociais aqui, porque a maioria deles era muito politizada, predominantemente de esquerda, e eu não era nem de esquerda nem direita e me interessava simplesmente pela Psicologia Social que eu havia aprendido [...]. (RODRIGUES, A. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007).

Não há dúvida que Aroldo Rodrigues assegurava a separação entre

psicologia e política a partir de uma visão de conhecimento científico

consolidada na Psicologia Social norte-americana e na sua forma de pensar a

psicologia. A necessidade de se adequar à exigência de fazer pesquisas, que

levasse em conta a realidade brasileira e a solução de problemas sociais, levou

Aroldo Rodrigues à denominada Tecnologia Social. Ter conhecido o

engenheiro uruguaio Jacob Varela foi extremamente importante para o

professor da PUC, pois essa teoria, que havia impressionado Leon Festinger

(1919-1989) ajudou-o a permanecer no Brasil mais alguns anos. Segundo

Rodrigues,

[...] o que a tecnologia social preconiza é isso, ou seja, a utilização dos achados das ciências sociais e sua aplicação a problemas específicos, tal como nas ciências naturais. Faraday, Maxwell e outros estudiosos da propagação de ondas nunca pensaram em telefone, rádio ou telégrafo; foram os tecnólogos como Morse, Marconi, Bell, etc. que começaram a aplicar aqueles conhecimentos a situações da vida real, mas aqueles que eram físicos teóricos nunca pensaram que suas descobertas fossem terminar nisso. Varela mostrou que também nas ciências sociais se podia fazer esta ponte entre ciência e tecnologia. Isso então me ajudou a resolver o problema, ou seja, eu não achava que era imoral ou alienado fazer pesquisas teóricas porque uma pessoa com mais talento para aplicações poderia utilizar as descobertas destas pesquisas para resolver um problema social. Isso não era o meu forte e como Varela dizia que jamais poderia fazer um experimento porque não era essa sua aptidão, o seu interesse em conhecer os resultados de experimentos e aplicá-los na

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resolução de problemas me ajudou a lidar com a crise da Psicologia Social. (RODRIGUES, A., Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007).

Em síntese, as dificuldades de Aroldo Rodrigues podem ser

compreendidas em função das novas exigências que os psicólogos sociais no

Brasil se faziam: a necessidade de uma pesquisa que pensasse a realidade

social brasileira e a possibilidade de sua transformação.

3.3- Um Debate em Torno da Neutralidade e da Liberdade Acadêmica

Um acontecimento, no ano de 1979, denominado por Antonio Paim

como a “Crise da PUC” nos ajuda a compreender como Aroldo Rodrigues

pensava a relação entre psicologia e política. Segundo Paim (1979), o debate

sobre o que se convencionou denominar de “Crise da PUC-RJ” desenvolveu-se

em diversas linhas, mas o que ele se propôs a tratar se restringe:

[...] a influência marxista em muitas Universidades e na Igreja Católica. Essa preocupação é compreensível, porquanto sabidamente minoritários, os grupos marxistas ganham uma caixa de ressonância muito grande com a circunstância indicada. (p. 5).

A professora Anna Maria Moog Rodrigues, esposa de Aroldo Rodrigues,

pediu seu afastamento da PUC após ter sido censurada, pelo então diretor do

Departamento de Filosofia, professor Raul Landim, por ter colocado, entre as

referências bibliográficas da disciplina História do Pensamento, o capítulo “A

Filosofia como Autoconsciência de um Povo”, do livro Pluralismo e Liberdade

de Miguel Reale.40

A professora Rodrigues encaminhou carta, com seu pedido de

demissão, ao Jornal do Brasil, que a publicou no dia 14/03/1979. No dia 18, o

mesmo jornal publica o artigo “O Declínio da Liberdade Acadêmica – a crise

não é a que vem de fora, mas a que vem de dentro”, de Aroldo Rodrigues. Este

texto não fazia menção, mas estava claramente relacionado ao caso da sua

40 Miguel Reale (1910-2006) catedrático de Direito, ex-Reitor da Universidade de São Paulo e membro da Academia Brasileira de Letras, é autor de obras de várias áreas como: História, Filosofia, Sociologia e Direito.

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esposa e promoveu intensos debates entre os intelectuais cariocas.41

Analisaremos aqui apenas os artigos dos professores Aroldo Rodrigues, Luiz

Alfredo Garcia-Roza e Eurico de Lima Figueiredo.

Para Aroldo Rodrigues, a liberdade acadêmica é algo essencial no dia-

a-dia da academia, sem a qual a troca de idéias, o debate e a discordância não

podem se fazer presentes. Segundo este autor,

No mundo acadêmico de hoje verifica-se uma substituição do papel do cientista voltado para o estudo desapaixonado do real, pelo do político engajado em fazer prevalecer uma determinada corrente ideológica. (RODRIGUES, A., 1979, p. 35).

Nessas linhas temos claramente a defesa da neutralidade científica e da

liberdade acadêmica. Ainda segundo Aroldo Rodrigues (1979), se não

conseguirmos nos afastar do debate apaixonado que a politização do saber

gera, teremos como conseqüência uma psicologia considerada como uma

“força social” e não como uma disciplina científica.

Fazendo menção ao clima acadêmico não apenas na psicologia, mas

nas universidades, em seus departamentos, nas reuniões científicas e culturais

e nas associações discentes e docentes do final da década de 70, afirmava

que a opinião que não corroborasse com as posições da esquerda marxista

não seria bem vista e nem aceita. Aroldo Rodrigues faz alusão não apenas à

PUC do Rio de Janeiro, mas também à PUC de São Paulo, à Sociedade

Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e à Sociedade de Psicologia de

Ribeirão Preto. A denominada “ditadura ideológica” estaria presente nas

universidades, produzindo sectarismo e identidade de conteúdo. Segundo ele,

as fontes de referência eram sempre as mesmas, variando de acordo com a

área do encontro. Se fosse Educação, deveria estar presente o nome de Paulo

Freire, se Sociologia, os nomes de Marx e de Fernando Henrique Cardoso, se

História, Nelson Werneck Sodré, se Teologia, os nomes dos autores da

Teologia da Libertação, se Filosofia e Psicologia, Marx, mas também Althusser

e Foucault.

41 A série de cartas, extraídas, em grande parte, do Jornal do Brasil, da Folha de São Paulo e do Estado de São Paulo foi compilada e publicada por Antonio Paim no livro Liberdade Acadêmica e Opção Totalitária, de 1979.

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Aroldo Rodrigues lembra de um convite que recebeu da Associação dos

Estudantes de Pós-Graduação da PUC-RJ para participar de uma mesa

redonda. Ao chegar ao local, ele constatou que os outros participantes da mesa

tinham a mesma inclinação ideológica. Após falar sobre os problemas da pós-

graduação de psicologia no Brasil de forma objetiva notou que os outros

debatedores e os ouvintes em geral “não queriam saber de problemas

objetivos”, mas de discussões sobre luta de classes e controle do Estado

fascista. Aroldo Rodrigues encerra afirmando que seu artigo foi escrito com o

objetivo de se contrapor ao absolutismo ideológico.

Acreditamos que esse artigo realmente traz explicação para muitos

debates que foram travados ao longo da década de 80, na Psicologia Social. O

posicionamento político de Aroldo Rodrigues foi controverso e respondeu por

outros fatos, como o ocorrido na UFF, no ano de 1985, e sobre o qual nos

debruçaremos mais adiante.

Voltando ao artigo, a resposta do professor Luiz Alfredo Garcia-Roza

veio no dia 23/03/1979, com o título “Neutralidade Científica”. O professor de

filosofia e psicologia da UFRJ e de psicologia da UERJ começou seu artigo

identificando, conforme a concepção de Aroldo Rodrigues, liberdade

acadêmica com neutralidade científica. Para Garcia-Roza (1979), essa

liberdade preconizada pelo professor da PUC era um “mito que visa encobrir a

mais sutil das formas de dominação de saber.” (p. 54). A desvinculação entre

saber e poder não acarretaria, para Garcia-Roza, liberdade acadêmica. Se

para Aroldo Rodrigues o comprometimento político do saber gerava perda de

racionalidade, para Garcia-Roza era algo intrínseco à produção do

conhecimento e à ciência. O debate pode ser resumido em suas próprias

palavras:

O que fica claro no artigo do professor Rodrigues é que o compromisso ideológico é visto como um estigma para a ciência. Como se fosse possível um saber neutro; como se o saber não implicasse necessariamente uma forma de compromisso, sob pena de não estar dizendo nada sobre coisa nenhuma. É o modelo angélico imposto á ciência. Esta, deve ser como os anjos: não ter sexo. E se por um acaso sua sexualidade aparece, deve ser neutralizada. (1979, p.55).

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Para Garcia-Roza, o que deveria ser temido era a neutralidade do saber

e não a sua parcialidade, sendo aquela a forma mais sutil e violenta de

dominação. Em relação à objetividade na ciência, obtida por se situar como

descrição de fatos, afirmou que não existe um dado que possa ser

“considerado como um em-si ou como algo que se oferece docilmente à nossa

interpretação.” (p.56). Todo dado já é uma interpretação, pois essa ocorre a

partir de um lugar, de certos princípios, sejam eles científicos ou não.

No dia 01/04/1979, é publicado no Jornal do Brasil o artigo do professor

Eurico de Lima Figueiredo. Professor de Ciência política da UFF, Figueiredo,

discorda da opinião de Aroldo Rodrigues que reduz o saber científico nacional

ao marxismo. Não há, no seu ponto de vista, “uma ideologia oficial do saber

nacional”, mas discordâncias e choque de perspectivas.

No artigo publicado, no mesmo jornal, no dia 8/4/1979, Aroldo Rodrigues

responde aos professores Garcia-Roza e Figueiredo. Seus argumentos

caminham principalmente em defesa de que posições divergentes deveriam ter

lugar na academia, onde o respeito e a mútua convivência devem representar a

liberdade acadêmica.

O debate que se estendeu ao longo de vários artigos poderia nos levar a

análises distintas sobre a denominada crise da PUC-RJ. No entanto, nos

restringimos ao comentário de algumas idéias de Aroldo Rodrigues sobre a

liberdade acadêmica, a neutralidade científica e a psicologia como ciência.

Seus argumentos sobre esses temas estariam na base de suas discordâncias

e contraposições a uma Psicologia Social que começava a se estabelecer

institucionalmente no Rio de Janeiro, no final da década de 70 e que teve

influências de teóricos como: Marx, Foucault, Deleuze, etc.

Em 1976, Aroldo Rodrigues havia sido eleito presidente da Sociedade

Interamericana de Psicologia. Fica claro que a Psicologia Social pensada na

ALAPSO (Associação Latino-Americana de Psicologia Social) e na Sociedade

Interamericana de Psicologia expressava a posição teórica de seu presidente.

A reunião de organização da ABRAPSO, que aconteceu após o retorno de

Silvia Lane do encontro da ALAPSO em Caracas, Venezuela, ocorreu a partir

da busca por parâmetros teóricos e metodológicos para a Psicologia Social no

Brasil. Isso explicaria a não participação de Aroldo Rodrigues.

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3.3.1- Pontifícia Universidade Católica: A primeira chefia de Aroldo Rodrigues

(1966-1969)

O nome de Aroldo Rodrigues figura na história do curso de psicologia da

PUC desde o seu início, pois fez parte da primeira turma iniciada ainda na

Santa Casa de Misericórdia, em 1953. Após dois afastamentos, para fazer o

mestrado e depois o doutorado, Aroldo Rodrigues no ano de 1966 assume pela

primeira vez a chefia do curso de psicologia.

Segundo OSUNA (1998), houve inicialmente, no período de Aroldo

Rodrigues, um incremento do setor de Seleção e Orientação Profissional e

Industrial (SOS). Porém, o que nos interessa foi o destaque dado à sua área de

interesse: a Psicologia Social de base experimental. No ano de 1967, entre os

laboratórios criados, com o objetivo de pesquisa científica e experimental,

estava o laboratório de Psicologia Social experimental. Havia um claro

investimento em psicologia básica e em Psicologia Social e segundo OSUNA

(1998), nessa época o curso de psicologia da PUC recebeu a visita de vários

professores dos Estados Unidos, reforçando a base conceitual que Aroldo

Rodrigues buscava implementar.

3.3.2- A segunda chefia (1972-1976)

Aroldo Rodrigues voltou à chefia depois de Carlos Paes de Barros

(1969-1972), na qual a psicologia clínica alcançou um desenvolvimento

considerável. O professor Aroldo Rodrigues se deparou com uma resistência

ao seu trabalho que cresceu ao longo da sua permanência à frente do curso de

psicologia. Cabe ressaltar que, conforme afirma OSUNA (1998), durante a

coordenação de Carlos Paes de Barros o setor que ganhou destaque foi o de

psicologia comunitária, criado em 1971. Um outro fato importante foi a vinda

dos argentinos, que acabou propiciando o aprimoramento do setor de

psicologia clínica.

Durante a gestão de Aroldo Rodrigues, sua opção por uma psicologia

experimental levou a um maior investimento na área de seleção e orientação

vocacional em detrimento do setor de psicologia clínica, que apresentava uma

demanda cada vez maior por parte dos alunos. Entre 1976 e 1977,

permaneceu na chefia a professora Angela Biaggio. Vinda de doutorado nos

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Estados Unidos, a professora Biaggio era considerada uma escolha de

prestígio para a PUC. Porém, Biaggio deparou-se durante a sua breve

permanência na chefia do curso de psicologia com a resistência de alunos e

alguns professores. Como apresentamos no capítulo 1, houve uma cisão clara

entre o grupo de Aroldo Rodrigues e os demais professores. A demissão de

dois professores da área de clínica acirrou ainda mais os ânimos e pouco a

pouco os experimentalistas perderam espaço na PUC. O pedido de demissão

do professor Aroldo Rodrigues, em 1979, permitiu que o ensino de psicologia

na PUC se voltasse predominantemente para a área de psicologia clínica.

No ano de 1983, Aroldo Rodrigues assumiu o cargo de professor na

Universidade Gama Filho e, ao mesmo tempo, a responsabilidade pela

coordenação do Mestrado em Psicologia Social, na mesma Universidade.

Substituindo o professor Antonio Gomes Penna, sua coordenação logo

imprimiu ao Programa de Psicologia Social uma orientação experimental, o que

não foi possível manter na PUC-RJ. Alguns de seus alunos, como Eveline

Maria L. Assmar e Cílio R. Ziviani o ajudariam a manter os princípios de uma

Psicologia Social experimental.

Em 1984, Aroldo Rodrigues tentou fazer concurso para o cargo de

Professor Titular da disciplina Psicologia Social na Universidade Federal

Fluminense. A sua busca por uma vaga em uma universidade pública, por

considerar as condições de trabalho melhores, foi inviabilizada pela

discordância dos professores dessa instituição em aceitar sua inscrição.

Embora não houvesse concordância no corpo docente, este negou a

concessão do documento de notório saber que lhe permitiria fazer o concurso.

Como afirma Rodrigues:

[...] houve um concurso para professor titular na Universidade Federal Fluminense, e como eu não era professor adjunto em universidade federal, eu só poderia concorrer se me fosse reconhecido notório saber. A Banca me negou o notório saber apezar de nessa época (meados de 84) eu já ter sido Presidente da Associação Brasileira de Psicologia Aplicada, Presidente da Associação Latino-Americana de Psicologia Social, eleito Presidente da Sociedade Interamenricana de Psicologia em 76 e Fellow da American Psychological Association em 1982 ...., mas para UFF eu não tinha notório saber. Nessa época eu já havia publicado 3 ou 4 livros etc.; então a perseguição ideológica era clara e o mais cômico em

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tudo isso foi que na lista de livros que a Banca indicava para os candidatos estava o meu livro de Psicoloiga Social. Eu não tinha notório saber, mas eles indicavam o meu livro [...]. (RODRIGUES, A., Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007).

É possível que, diferentemente de como o concebe Aroldo Rodrigues,

esse acontecimento seja uma resposta aos episódios de 1976, apresentado no

capítulo 1, quando houve uma greve dos alunos em resposta à demissão de

alguns professores e o de 1979, como apresentamos anteriormente. Em 1984,

a comunidade acadêmica de psicologia no Rio de Janeiro tinha pleno

conhecimento da inclinação teórica do professor Aroldo Rodrigues, porém o

que provocou resistência à sua participação no concurso teria sido sua posição

política entre 1976 e 1979, na PUC-RJ. Conforme afirma Cecília Coimbra

(Entrevista, 2007), houve uma divisão entre o corpo docente em relação a não

participação do professor Aroldo Rodrigues no concurso da UFF. O que teria

ficado claro no argumento apresentado por alguns professores foi a

preocupação com as posições políticas tomadas na PUC durante a sua gestão

como coordenador. Ao contrário do que se poderia pensar, não houve uma

menção mais contundente à sua posição teórica no campo da psicologia.

Em 1991, após muitos desgastes, Aroldo Rodrigues deixa o Brasil e vai

lecionar na Universidade do Estado da Califórnia, em Fresno, Estados Unidos.

Os embates com os psicólogos no Rio de Janeiro ocorreram, sobretudo, em

função da discordância sobre o modelo de ciência e psicologia. Na PUC-RJ, a

discordância com o predomínio da clínica psicanalítica, considerada por Aroldo

Rodrigues como não científica, retirou-lhe, aos poucos, o respaldo que tinha da

direção da instituição.

Quanto aos psicólogos sociais do Rio de Janeiro, a figura que poderia

lhe impor mais ressalvas seria Eliezer Schneider. A forma que este construia as

aulas de Psicologia Social permitiu-lhe escapar do simples uso dos manuais

norte-americanos e utilizar referências de áreas como a sociologia, a

antropologia e a filosofia. No entanto, não havia produção bibliográfica tão

sistematizada como os vários livros que apresentavam a Psicologia Social

norte-americana. Além disso, a partir de 1972, o livro Psicologia Social de

Aroldo Rodrigues passou a ser uma referência no estudo da Psicologia Social,

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tal livro encontra-se atualmente na 18ª edição no Brasil, sendo também editado

em vários outros países da América Latina.

No Rio de Janeiro, na década de 70, houve, dentro e fora da psicologia,

uma aproximação com o ideário marxista, porém, nada que pudesse configurar

uma escola de Psicologia Social, como ocorreu na PUC-SP. A psicologia

comunitária, disciplina na PUC-RJ desde 1971, buscava seu espaço como uma

prática de Psicologia Social. A partir da influência de autores como Lapassade,

Guattari, Lourau e dos argentinos42 que vieram para o Brasil em meados dos

anos 1970, a análise institucional permitiu aos psicólogos sociais buscarem

novos referenciais para suas teorias e práticas. Como buscaremos apresentar,

a seguir, foi ao longo das décadas de 80 e 90 que outras leituras de Psicologia

Social se tornaram alternativas à Psicologia Social apresentada por Aroldo

Rodrigues.

3.4- A Psicologia Social “Envergonhada”

Apesar do predomínio da Psicologia Social norte-americana,

principalmente nas décadas de 60 e 70, já havia, por parte de alguns

psicólogos sociais, não apenas discordância, mas também a busca de uma

outra Psicologia Social. Na década de 80, o descontentamento com a

Psicologia Social representada pelo professor Aroldo Rodrigues era mais

evidente, incentivando publicações como a da professora Silvia Lane (1981;

1984) e do professor Schneider (1978). Segundo Mancebo (2007),

A professora Circe [Circe Navarro Vital Brazil] me colocou em contato com os franceses e eu vi uns rastros do materialismo dialético, até que chegou o que hoje se intitula de psicologia sócio-histórica que tinha Silvia Lane encabeçando esse grupo, que tentava essa articulação e foi aí que eu descobri, e comecei a me intitular uma pessoa pertencente ao campo da Psicologia Social, sem ter muita vergonha. Assim mesmo, até hoje quando eu falo dentro da área, a gente sabe que existe uma Psicologia Social mais experimentalista e uma psicologia mais critica com vários matizes possíveis, não assusta ninguém, mas quando eu falo para um colega da educação, por exemplo, tenho que dizer, mas olha não é aquela Psicologia Social norte-americana experimentalista, tenho

42 Fugindo da ditadura militar argentina muitos psicanalistas como Gregório Baremblitt, Osvaldo Saidon, Eduardo Losicer, entre outros, viriam para o Brasil e fariam diferença na formação de muitos psicólogos.

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sempre que fazer a ressalva com medo de ser confundida. (MANCEBO, D. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007). (grifo nosso).

A professora Deise Mancebo fez sua graduação na UERJ entre 1972 e

1976, terminou o mestrado no Programa de Psicologia na PUC-RJ, em 1980, e

obteve o seu doutoramento na PUC-SP no Programa de Educação, em 1996.

Atualmente, faz parte do corpo docente, como professora efetiva, do Programa

de Políticas Públicas e Formação Humana na UERJ, colaborando ainda como

professora do Programa de Psicologia Social da mesma instituição.

Mancebo terminou o curso de psicologia num período em que havia um

total predomínio do referencial norte-americano na formação do psicólogo. Sua

fala aponta para leituras alternativas no campo da Psicologia Social que

começavam a se estabelecer no início da década de 80. Ela ainda afirma a

respeito de algumas influências sobre a sua forma de pensar o social e o

contexto da sua formação em psicologia no Rio de Janeiro:

Minha cabeça era dividida em duas partes: o marxismo, a militância, a luta que era intensa sobre a ditadura de um lado, e, por outro, uma coisa esquisita a qual eu não me adaptava, que eu não gostava, que eu não via sentido que era a psicologia. Quase a ponto de declinar. Enfim, me formei e depois de formada é que começou a ficar mais visível o campo da psicologia preocupada com as questões sociais [...] É curioso que quando eu entrei na PUC-RJ tive que entrar pelo mestrado em clínica, porque o outro mestrado de psicologia era experimental, se dizia de Psicologia Social, então nessa época quando se falava de Psicologia Social, especialmente no Rio de Janeiro, eram livros de teóricos em linhas americanas, experimentalistas. (MANCEBO, D. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007).

Como afirmamos antes, houve por parte de psicólogos e estudantes de

psicologia, ainda na década de 70, uma aproximação ao ideário marxista. No

Rio de Janeiro, as críticas que se faziam à psicologia como um discurso

mantenedor da ordem social tinha entre outros referenciais, o marxismo. Talvez

possamos estabelecer aqui uma relação com a fala do professor Aroldo

Rodrigues de que o discurso marxista foi um dos elementos responsáveis pela

politização do psicólogo social no Rio de Janeiro. A ameaça apontada por

Rodrigues foi diferentemente pensada por nós. A partir do que foi desenvolvido

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no capitulo 2, podemos conceber uma relação entre a gênese teórica e a

gênese social dos discursos presentes na Psicologia Social no Brasil e no Rio

de Janeiro. O movimento de contracultura, a resistência nas universidades ao

regime militar antes do AI-5 e a participação de parte da Igreja Católica no

movimento de resistência à ditadura foram alguns aspectos que possibilitaram

o aparecimento de uma Psicologia Social, guardadas suas especificidades,

voltada para as questões sociais.

Para Mancebo, quando pensamos a Psicologia Social, o social a qual

nos remetemos pertence a toda a psicologia: “todas as psicologias são sociais”.

Para ela, a Psicologia Social não deve conceber o homem em si, mas buscar

submetê-lo ao campo da história, às transformações sociais. Sobre o contexto

responsável pelo rompimento com a Psicologia Social norte-americana,

Mancebo (2007) afirma:

Então era um conjunto de coisas. Eu acho que também não se pode eliminar o papel importante que teve, por exemplo, a PUC de São Paulo por ter sido uma instituição que abrigou a esquerda durante o período da ditadura e que nesse caso possibilitou, deu campo para que vários teóricos críticos estivessem juntos e que pudessem juntos pensar uma formulação alternativa para a psicologia até então tradicional e até vanguardiar o movimento de racha com a ABRAPSO. Aqui no Rio de Janeiro se teve pólos. O IBRAPSI foi um pólo importante, era uma instituição privada, de formação de analistas, mas teve uma importância grande pra a gente. Em termos de universidade havia uma certa concentração crítica na PUC-RJ, mas com uma tradição mais clínica (...). Havia um núcleo um pouco menor, mais jovem, mas que está aí até hoje que era o pessoal da Santa Úrsula. (MANCEBO, D. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007).

Embora não tenha sido citado durante a fala de Mancebo, o SETOR de

Minas Gerais foi importante na busca de uma outra Psicologia Social. No Rio

de Janeiro, a Psicologia Social se constituiu a partir de um contexto social,

político e econômico semelhante a São Paulo e Minas Gerais, porém, como

apresentaremos a seguir, as teorias da psicologia comunitária, da análise

institucional e das representações sociais tiveram, além de personagens

diferentes, desdobramentos e importâncias distintas na constituição de uma

psicologia crítica a temas tão defendidos por uma Psicologia Social de base

positivista: como a neutralidade do pesquisador, a teorização independente do

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contexto social e a produção de uma psicologia aplicada para a solução de

problemas sociais.

3.5- A Psicologia Social Comunitária

Segundo Vasconcelos (1985), a crise da psicologia e dos serviços de

saúde mental seria responsável pelo surgimento da psicologia comunitária no

Brasil. O psicólogo, como profissional liberal, enfrentaria na década de 80

dificuldades no mercado de trabalho a partir do grande aumento de novos

psicólogos formados a partir da proliferação de faculdades, em função do

incentivo do governamental às instituições privadas. Ainda em relação à crise

vivida pela psicologia, Vasconcelos (1985) aponta para o esgotamento do

modelo de atuação adotado por esse profissional. Logo após a sua formação,

muitos psicólogos montavam consultório e paralelamente buscaram uma

formação adicional em psicanálise que se mostrava dispendiosa. Ao mesmo

tempo, esperavam atender uma parcela da população, certamente privilegiada,

que lhes pudesse restituir tanto o empenho como os gastos. Porém, em um

país preso ao capitalismo monopolista que submete grandes massas ao

trabalho assalariado, inclusive a classe média, a falta de recursos levou à crise

desse modelo de atuação profissional.

Vasconcelos (1985), na busca da explicação para a crise da atuação do

psicólogo, não se restringiu às razões econômicas e apontou questões

específicas da formação em psicologia no nosso país. Em primeiro lugar, o fato

dessa profissão ser predominantemente feminina, numa sociedade

tradicionalmente machista, levou a um menor valor atribuído a esses

profissionais. Em segundo, a atuação, por parte da maioria dos psicólogos, na

clínica levou a um isolamento difícil de mobilizá-los enquanto categoria

profissional. Relacionado a essas causas específicas, teríamos ainda a

ausência de modelos alternativos na prática psicológica que pudessem atender

os serviços de saúde prestados à população em geral. No entanto, segundo

Vasconcelos (1985), a busca de uma saída para essa mesma crise somada a

novas exigências sociais permitiram formas alternativas de se abordar a saúde

mental:

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Desde a década de 60, vimos assistindo, em vários países, a proposição de modelos alternativos de serviços em saúde mental, freqüentemente acompanhados de projetos de atuação comunitária, onde os psicólogos também têm sido chamados a atuar. Nesse momento é que vão surgir as primeiras experiências em psicologia comunitária, como uma das saídas alternativas para a psicologia e sua crise. (p. 23).

Vasconcelos (1985) aponta várias razões para o surgimento da

psicologia comunitária. Internacionalmente, faz menção às experiências de

Moreno, Reich, dos Alcoólicos Anônimos, à reforma psiquiátrica, à medicina

comunitária, no entanto, gostaríamos de destacar o “movimento de

questionamento crítico dentro da psicologia como um todo e da Psicologia

Social em particular.” (p. 33). Na América Latina, o questionamento das bases

teóricas vindas da Europa e dos Estados Unidos teve como um dos objetivos a

adequação dessa Psicologia Social à realidade social desses países.

A importante contribuição do livro de Vasconcelos O que é Psicologia

Comunitária?, publicado em 1985, está no fato de ter trazido uma reflexão

sobre a implantação da psicologia comunitária em nosso país. Ele afirma que o

primeiro aspecto importante foi a existência de cursos de psicologia nos quais a

disciplina de psicologia comunitária era apresentada de forma teórica, sem

referência prática. Um segundo ponto importante para explicar o

desenvolvimento da psicologia comunitária no Brasil seriam os movimentos

populares: associações de Bairro, comunidades eclesiais de base, educação

popular. “Normalmente, são experiências autônomas que são também

acompanhadas por estudantes ou mesmo profissionais de Psicologia, através

de compromisso político pessoal, sem ligação real ou formal com a Psicologia

acadêmica.” (VASCONCELOS, 1985, p. 35). Um terceiro aspecto seria a

implantação de programas sociais vinculados à psicologia comunitária.

Devemos considerar, contudo, que esses três aspectos, em muitas

experiências em psicologia comunitária, não estiveram integrados. No Rio de

Janeiro, diferentemente de São Paulo e Minas Gerais, houve uma presença

muito maior do primeiro aspecto.

A psicologia, a partir de sua regulamentação legal no Brasil em 1962,

passou a ter como campos de intervenção a psicologia clínica, a psicologia do

trabalho e a psicologia escolar. Ainda assim, nessa mesma década,

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percebemos o desenvolvimento de outra área para a prática do psicólogo: a

psicologia comunitária.

Segundo Freitas (2005), os primeiros sinais da psicologia comunitária no

Brasil podem ser reportados a um grupo de psicólogos ligados à PUC-SP,

ainda na década de 60. A psicologia era considerada, por aqueles que já

refletiam sobre a formação do psicólogo brasileiro, como uma ciência elitista,

pois se voltava predominantemente para o atendimento das classes

privilegiadas. Os trabalhos em comunidade, nas décadas de 60 e 70, podem

ser pensados como um reflexo da aproximação da psicologia no Brasil às

temáticas sociais. Porém, tais projetos de intervenção estiveram longe de se

tornarem, ainda na década de 70 e nas décadas de 80 e 90, práticas

hegemônicas na formação do psicólogo no Brasil.

Como enfatizamos ao longo do primeiro capítulo, a busca da relevância

social nas pesquisas e intervenções em Psicologia Social nos remete a formas

distintas de pensar o social e de intervir sobre o mesmo. No entanto, como

desenvolveremos neste capítulo, algumas teorias no campo da Psicologia

Social, que diferentemente da perspectiva norte-americana, se desenvolvem no

Brasil em contexto histórico semelhante e com o objetivo de pensar o homem a

partir dos aspectos sociais, culturais e políticos.

Como afirma Andery (2004), o termo psicologia comunitária surgiu

inicialmente na Inglaterra e nos Estados Unidos. Não se referia a uma nova

psicologia, mas a uma reação aos contornos tradicionais de um saber

psicológico predominante até meados da década de 50. Segundo esse autor

(2004), a psicologia “isolava-se demais dos problemas coletivos do homem

contemporâneo, encerrando-se numa torre de cristal da discussão meramente

acadêmica e do atendimento a poucas pessoas da elite econômica.” (p. 204). A

psicologia comunitária, principalmente na América Latina e no Brasil, seria a

expressão da preocupação com uma nova temática no campo da Psicologia

Social: o social. Social, aqui, entendido não como um lugar no qual os

comportamentos ocorrem e do qual os estímulos partem, mas como um espaço

para que os aspectos culturais, econômicos e históricos passassem a serem

importantes para se entender o homem e sua relação com a sociedade.

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Certamente essa prática no campo da psicologia incomodou àqueles

que partem da necessidade da neutralidade para a constituição do saber

psicológico. Em contraposição a esse fundamento, o psicólogo comunitário

negou o neutralismo e pensou a ciência enquanto uma construção social e

histórica.

3.5.1- O conceito de comunidade

Um dos conceitos básicos e ao mesmo tempo complexo, implicando

algumas dificuldades teóricas, é o de comunidade. Nos anos 80 e 90, quando a

psicologia comunitária se formaliza enquanto uma prática da psicologia, o uso

desse termo passou a fazer parte do jargão daqueles que trabalhavam em

projetos sociais. Segundo Soares (2001),

Especificamente na cidade do Rio de Janeiro, as palavras “favela” e “comunidade” se tornaram quase sinônimos, constatação que pode ser feita através da leitura de entrevistas em jornais (tanto de moradores quanto de autoridades se referindo a favelas), programas de televisão ou em simples diálogo travado com moradores destas localidades. (p. 14).

Na ciência, um conceito permite, a partir da generalização, que os

cientistas possam ir além dos fatos observados. Na análise do conceito de

comunidade a mesma generalização, tão preciosa às ciências naturais e

exatas, se depara com algumas dificuldades, pois o entendimento desse

conceito encerra componentes sócio-políticos. Como apresentamos no capítulo

2, o pesquisador, ao voltar-se para o estudo de uma realidade social, pode

produzir um conhecimento como mero instrumento de controle social, como

também pode promover a sua transformação. A discussão do conceito de

comunidade será importante para retomarmos alguns temas desenvolvidos ao

longo desta tese como: a realidade brasileira e a relevância social.

Na história do termo comunidade, encontramos uma variedade de

sentidos e usos entre profissionais das áreas de psicologia, antropologia,

sociologia, serviço social, etc. Nossa preocupação será precisar o conceito de

comunidade na psicologia, embora mesmo nessa área encontremos

significações e práticas distintas.

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Silva e Simon (2005) apontam e criticam o uso consensual do conceito

de comunidade e chamam a atenção para a necessidade da diferenciação de

sentidos no uso desse conceito, pois é a partir dessa análise que podemos

chegar aos trabalhos “comprometidos ou não com ações sociais

emancipatórias.” (p. 41).

Segundo Sawaia (2005), a comunidade foi introduzida inicialmente no

campo da clínica com o objetivo de humanizar o tratamento do doente mental,

“através das políticas desenvolvimentistas propagadas por organismos

internacionais como OEA, CEPAL, BID, ONU e Aliança para o Progresso.” (p.

44), nos países da América Latina. Essas intervenções tinham como meta a

promoção da educação e da prevenção e apresentavam como característica a

tutelarização por parte do Estado. O uso do termo comunidade, nesse

contexto, visava uma adequação de uma parcela da população aos projetos de

modernização econômica e cultural.

Nos primeiros momentos, a psicologia comunitária permaneceu voltada

à integração social. Porém, seu desdobramento na América Latina, a partir de

uma revisão crítica, conduziu a um referencial principalmente marxista,

consolidando-se como um conhecimento e uma prática não-elitista que visava

a transformação da realidade social, política e econômica de uma população

alijada dos processos democráticos. Os trabalhos desenvolvidos por Paulo

Freire foram fundamentais no desenvolvimento do conceito e do sentido que

esse termo terá na Psicologia Social no Brasil. Para Sawaia (2005), a

comunidade faz parte de uma reflexão crítica do papel social das ciências e do

paradigma da neutralidade científica, incontestado nas décadas de 60, 70 e 80

e que, no campo da Psicologia Social, permitiu, principalmente na América

Latina, uma outra forma de interação com o social. Para Sawaia (2005):

O psicólogo que na fase anterior se confundia com o educador social, com o assistente social e com o clínico fora do consultório, agora se tornou “militante” com o objetivo de promover a passagem da consciência de classe em si à consciência de classe para si, favorecendo “a tomada de consciência” (expressão fundamental da psicologia comunitária) da exploração e da alienação e a organização da população em movimentos de resistência e de reivindicação. (p. 46).

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136

O conceito de comunidade, durante os anos 60 e 70, passou a ser

usado no contexto de um novo campo de atuação do psicólogo: fora da clínica

e das instituições e não mais reduzido a um trabalho individualista. Desta

maneira, a comunidade passou a ter como sinônimo os grupos pobres, os

excluídos da sociedade que, com um trabalho de conscientização, poderiam

fazer parte da mesma. Caberia ao psicólogo a conscientização das massas.

Podemos encontrar ainda outro sentido para essa psicologia

comunitária. Seria o daqueles que concebem o trabalho em comunidade como

uma prática de caridade e benevolência. Para Andery (2004), nesta concepção,

“A psicologia seria aplicada, nos bairros e instâncias populares, com maior

intensidade e freqüência do que, até hoje, os psicólogos o fazem, mas, numa

prática assumida, explicitamente, como remediativa e superficial.” (p. 208). A

partir dessa concepção, seria possível atribuirmos ao psicólogo a função de

repressão, de controle social e de guardião da ordem.

Essas diferenças na concepção de “comunidade” ocorreram no

aprofundamento da crise da Psicologia Social norte-americana ao longo das

décadas de 60, 70 e 80. Na América Latina, o sentido de comunidade que

predominou a partir da década de 80, conforme exposto por Lane (1992), levou

a psicologia comunitária a “estimular a reflexão, o confronto, a conscientização

e fundamentalmente a decisão e ação conjuntas.” (p.52).

A necessidade de definir o sentido de comunidade deve-se não apenas

à nossa preocupação em discutir essa prática da Psicologia Social no Brasil,

mas, especificamente, em saber como os psicólogos sociais no Rio de Janeiro

aproximaram-se de um campo que, na América Latina e, mais precisamente no

Brasil, foi uma das marcas daqueles que estiveram engajados em um processo

de transformação social e política.

Num primeiro momento, podemos pensar que na psicologia os trabalhos

em comunidades permitiram abarcar práticas profissionais realizadas fora dos

tradicionais consultórios e instituições. No Brasil, como afirmamos

anteriormente, os indícios de uma psicologia comunitária já ocorriam na década

de 60, porém sua formalização teórico-metodológica foi posterior.

A psicologia comunitária no Brasil e na América Latina não pode ser

pensada fora do contexto social, político e econômico no qual ela surgiu. Para

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Lane (2005), o golpe militar em 1964 é um acontecimento importante para o

aparecimento da psicologia comunitária no Brasil.

Neste contexto, os professores dos cursos de formação profissional do psicólogo questionam a sua prática, ao mesmo tempo em que a crise da psicologia como ciência está patente. (p. 18).

Foi, também, na década de 60 que surgiram a preocupação com a

educação popular e a alfabetização de adultos, nessas, os trabalhos de Paulo

Freire inspiraram vários profissionais entre eles, psicólogos, que, sem se

preocuparem em definir uma área de trabalho disciplinadamente recortada,

buscaram exercer sua cidadania. Segundo Lane (2005), essas experiências

levaram a que, na década seguinte, os psicólogos buscassem desenvolver

atividades de educação popular com o objetivo de conscientização das

massas.

3.5.2- Os anos 70 e 80

Nos anos 70 e 80, os psicólogos não tinham nas intervenções em

comunidade um espaço de trabalho remunerado. Segundo Freitas (2005), a

primeira publicação, no Brasil, a sustentar o título de Psicologia Comunitária foi

o artigo “A psicologia comunitária: considerações teóricas e práticas” de

D’Amorim de 1980.

O Encontro Regional de Psicologia na Comunidade ocorrido em São

Paulo, em 1981, e o 2º Encontro Regional realizado em Belo Horizonte, em

1988, foram organizados pela recém-criada ABRAPSO, e permitiram uma

reflexão sobre os trabalhos de psicologia na comunidade desenvolvidos ao

longo das décadas de 70 e 80. (LANE, 2005).

Os trabalhos apresentados nos encontros foram desenvolvidos por

equipes interdisciplinares que reuniam, entre as muitas especialidades,

psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, jornalistas, economistas e

pedagogos. No encontro de 1981, uma questão que já aparecia e que voltaria a

estar presente em outros encontros e em reflexões conceituais de vários

autores, foi: o que é específico ao campo da psicologia? Como o trabalho do

psicólogo poderia não ser confundido com os dos outros profissionais?

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Já no evento de Belo Horizonte houve uma preocupação com a

sistematização do campo da psicologia comunitária. São Paulo e Minas Gerais

se constituíram, ao longo das décadas de 70 e 80, nos principais pólos de

psicologia comunitária no país. Sobre o trabalho do psicólogo comunitário,

afirma Lane (2005):

[...] o psicólogo na comunidade trabalha fundamentalmente com a linguagem e as representações, com relações grupais – vínculo essencial entre o indivíduo e a sociedade – e com as emoções e afetos próprios da subjetividade, para exercer sua ação a nível da consciência, da atividade e da identidade dos indivíduos que irão, algum dia, viver em verdadeira comunidade. (p. 31).

Segundo Góis (1993), um marco importante para a psicologia

comunitária no Brasil foi o Congresso da Sociedade Interamericana de

Psicologia, realizado em Lima no Peru, em 1979. Nele, um grupo de psicólogos

sociais propôs uma revisão crítica das bases da Psicologia Social. No ano

seguinte, esse mesmo grupo fundou no Rio de Janeiro, durante a 32ª Reunião

Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a ABRAPSO.

Embora seus representantes tenham buscado estabelecê-la nacionalmente,

seu valor e sua penetração nos estados brasileiros foram distintos.

Inicialmente, concentrou-se nos estados de São Paulo e Minas Gerais e

posteriormente o seu fortalecimento ocorreu em várias outras regiões do país.

Já no Rio de Janeiro, o espaço ocupado por ela foi menor quando comparado

às Regionais de São Paulo e Minas Gerais. Se nestas capitais as raízes da

ABRAPSO vingaram e produziram árvores frondosas com frutos para as pós-

graduações e para a reflexão teórica e metodológica da Psicologia Social, no

Rio de Janeiro tal desdobramento não é observado. Podemos pensar em

algumas possíveis razões para essa presença menos marcante da ABRAPSO

no Rio de Janeiro:

1- A presença do referencial norte-americano na Psicologia Social que no

Brasil e no Rio de Janeiro teve como representante maior o professor

Aroldo Rodrigues.

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2- A Psicologia Social no Rio de Janeiro, que se contraporia à perspectiva

norte-americana, teria se constituído teoricamente de forma distinta, com

contribuições marcantes do institucionalismo.

3- A crítica aos especialismos a partir da análise institucional dificultou no Rio

de Janeiro o reconhecimento da Psicologia Social como um campo distinto.

Voltaremos a considerar essas hipóteses conforme formos

apresentando as teorias da Psicologia Comunitária, da Análise Institucional e

das Representações Sociais.

Para Campos (2005):

Mais recentemente, com a ampliação dos sistemas de saúde e educação pública no país, e o aumento do número de psicólogos trabalhando em postos de saúde, creches, instituições de promoção do bem-estar social, ou setores do sistema judiciário voltados para o cuidado de famílias e menores, enfim em instituições públicas que visam promover o desenvolvimento social, a Psicologia Social comunitária procura desenvolver os instrumentais de análise e intervenção relevantes para as novas problemáticas que se apresentam aos psicólogos. (p. 9-10).

Muitas experiências receberam o rótulo de psicologia comunitária,

porém, uma questão presente é se a psicologia comunitária poderia apresentar

uma unidade, apesar da diversidade dos projetos. Outra pergunta foi a respeito

da sua definição e ainda se ela poderia significar um novo modelo de prática

psicológica comprometida com os interesses populares.

Não há como deixarmos de considerar que a psicologia comunitária na

América Latina expressou, em função do seu contexto econômico, político e

social, uma preocupação com a busca de uma psicologia voltada para a

realidade de um continente pobre. A pesquisa psicológica deveria, além de

voltar-se para as demandas sociais, levar o psicólogo a refletir sobre a sua

responsabilidade com a transformação social e política, ou melhor, afastá-lo

completamente da pesquisa neutra baseada no modelo empírico analítico.

Sabemos que tal crítica se somou a outras para deflagrar em meados da

década de 60 e início da década de 70 a “crise” da Psicologia Social. Porém, o

que nos interessa neste momento é pensarmos as dificuldades que tal

problematização trouxe para a psicologia. Segundo Arendt (1997), a politização

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da prática do psicólogo comunitário trouxe outra dificuldade para o campo da

psicologia:

No meu entender, ocorre aqui uma confusão entre a afirmação absolutamente legítima de que todo cientista social faz juízos de valor em sua prática profissional e conseqüentemente, não sendo neutro, deve posicionar-se frente às questões políticas e a militância política. Não pretendo dizer que o cientista não seja politizado, mas ele não deve permitir que esta politização, que ele tem enquanto cidadão, desoriente sua atividade enquanto pesquisador de uma disciplina científica. (p. 3).

É evidente que a posição de Arendt (1997) propicia opiniões

discordantes, porém, ela aponta para uma questão importante: a confusão das

fronteiras da psicologia com as da antropologia, história, sociologia, educação.

O autor não nega os ganhos da análise psicológica com a reflexão histórica,

social e política, nem prega um retorno à neutralidade, mas chama a atenção

para a perda do objeto da psicologia comunitária ao deixar de lado “o olhar do

psicólogo que diferencia sua prática dos seus pares das ciências sociais.” (p.

3). Arendt (1997) chama a atenção para o duplo reducionismo cometido pela

psicologia comunitária. Primeiramente, uma redução do psicológico ao

histórico, antropológico, político, educacional. No nível seguinte, se a psicologia

tem como objetos os processos cognitivos, de aprendizagem, as relações

interpessoais e grupais entre outros processos do comportamento humano,

deveria, independentemente das diferenças de objeto, formular problemas

psicológicos. Para Arendt (1997), o fato de se nomear o campo da Psicologia

Social, ou mais especificamente o da psicologia comunitária, como uma sub-

área da psicologia, no qual teríamos espaço para o político e a preocupação

com o social, traria um problema, ou seja, as outras áreas da psicologia não

precisariam apresentar no desenvolvimento de suas pesquisas nenhuma

relação com essas mesmas temáticas.

Devemos lembrar que, embora nossa preocupação não seja fazer uma

discussão exaustiva sobre problemas epistemológicos da psicologia

comunitária, porém, algumas das temáticas que abordamos nos permitem

pensar sobre como determinados temas, tão presentes a partir da crise da

Psicologia Social, permitiram novas reflexões sobre os caminhos que a

psicologia deveria tomar em nosso país.

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3.5.3- O compromisso social da psicologia

A reflexão sobre os caminhos que a psicologia deveria tomar em nosso

país foi uma preocupação que acompanhou a professora Silvia Lane ao longo

do seu percurso no campo da Psicologia Social. Na sua viagem junto com a

professora Maria do Carmo Guedes, pela América Latina, no ano de 1982,

Silvia Lane buscou evidenciar, a partir do relato de tal experiência, o papel da

psicologia para ela:

Entender o movimento de consciência dos indivíduos desenvolvendo-se em relação às atividades que eles cultivam com outros indivíduos, conhecer os processos grupais que produzem as identidades pessoais e, ao mesmo tempo, constroem um sentido de “nós” através da incorporação e da compreensão de determinantes histórico-sociais é a tarefa que compete à Psicologia, tornando a sua práxis um movimento de conscientização social e produtor de atividades transformadoras da sociedade. (LANE, 1980).

Essa preocupação com a ação transformadora encontra-se presente na

psicologia comunitária. Segundo Lane (1980), em grande parte dos trabalhos

em psicologia comunitária desenvolvidos na América Latina, há uma ênfase na

busca da conscientização e da autonomia das comunidades. As experiências

observadas por Guedes e Lane ocorreram principalmente a partir de trabalhos

desenvolvidos por universidades. No Peru, no México, na Venezuela, no

Equador, em Cuba e na Nicarágua, os vários trabalhos realizados por

psicólogos e estudantes de psicologia visaram a mobilização e organização da

população, além da conscientização dos seus principais problemas. Em Cuba,

o trabalho se diferenciava dos demais em função do psicólogo desde a sua

formação estar essencialmente voltado para a comunidade.

Na Venezuela, primeiro país a ser visitado, a Universidade Simon

Rodriguez desenvolvia um curso de formação de educadores a partir de

projetos de intervenção em comunidades. A metodologia usada era

principalmente a pesquisa participante. Uma importante intervenção, que

Guedes e Lane acompanharam, ocorreu no trabalho realizado na Maternidade

Concepción onde psicólogas discutiam com gestantes problemas relacionados

ao seu cotidiano.

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Na Colômbia, já havia por parte de Lane e Guedes o conhecimento da

importância de Fals Borda. Como apresentamos no capítulo 1, o trabalho

desse colombiano inspirou várias intervenções em comunidades pela América

Latina. Segundo Guedes (2007), todos os projetos visitados tinham como uma

das principais referências Paulo Freire.

No México, Guedes e Lane também conheceram projetos vinculados à

universidade. Em uma dessas intervenções, professores desenvolviam junto

com seus alunos um trabalho de prevenção que atendia a população local e

visava o desenvolvimento de sua consciência e organização.

No Peru, professores e alunos atuavam junto à população favelada de

Lima e, como nos trabalhos anteriores observados em outros países, buscava-

se sua conscientização e organização.

As professoras Lane e Guedes ainda conheceram em sua viagem pela

América Latina o Equador, Cuba e Nicarágua, sendo este último o único país

da América Central visitado. A respeito da importância dessa experiência,

Guedes afirma (2007):

Para se ter idéia do tanto que aprendemos, cabe dizer que decidimos fazer relatórios separados para o CNPq. Foi um momento importante para avaliarmos a experiência e organizarmos o material trazido. Mas a principal preocupação nesse momento era pensar a programação de nossas disciplinas, as atividades do Laboratório de Psicologia Social, nosso trabalho como orientadoras – de modo a melhor repartir com os estudantes o que pudemos aprender com a viagem. (p. 44).

O materialismo histórico e dialético é um dos sustentáculos da psicologia

comunitária em função principalmente do conceito de alienação. Para Lane

(2004), será um instrumento para a superação do positivismo na forma de se

fazer pesquisa em psicologia. Bock, Ferreira, Gonçalves e Furtado (2007)

afirmam a respeito da ruptura que Lane significou na Psicologia Social:

Sua preocupação básica em construir uma Psicologia Social voltada para a realidade brasileira e latino-americana, com vistas a contribuir para a superação das desigualdades e das situações de opressão, demandava uma construção teórica que permitisse compreender o homem como participante do processo social. Nesse sentido, entendia que o conhecimento da psicologia deveria levar à compreensão dos mecanismos

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que provocam a alienação e contribuir para ampliar a consciência dos homens. (p. 49).

Como temos afirmado ao longo desta tese, na década de 70 no Brasil,

havia em termos de ensino um predomínio da Psicologia Social norte-

americana, de base experimental e positivista. Esta psicologia cognitivista

desconsiderava o comportamento humano no seu aspecto social e histórico. A

Psicologia Social deveria, segundo Aroldo Rodrigues (1973), estudar “as

manifestações comportamentais suscitadas pela interação de uma pessoa com

outras pessoas, ou pela mera expectativa de tal interação.” (p. 3). Em

contraposição a esta Psicologia Social vamos encontrar, ao longo das décadas

de 70 e 80, a busca de alternativas teóricas e metodológicas encontrou na

psicologia comunitária na América Latina o alcance desse objetivo.

Por outro lado, em Minas também havia um movimento de uma “nova”

Psicologia Social. Segundo Célio Garcia (2004), na década de 60, “já estava

em condições de funcionamento” o Setor de Psicologia Social (p.10). O “Setor”,

como é chamado, teve um papel de grande relevância para a definição dos

caminhos da Psicologia Social em Minas Gerais e no Brasil. O professor Célio

Garcia reuniu em torno de uma crítica à psicologia alunos e professores do

curso de psicologia da FAFICH/UFMG. O Setor propiciou a uma geração uma

formação crítica em psicologia, com a busca de novos modelos de atuação, de

novos modos de se fazer pesquisa em psicologia e uma preocupação em

produzir conhecimentos voltados para a realidade brasileira. Segundo Célio

Garcia (2004), “Se houvesse uma contribuição importante a ser dada pela

Psicologia Social brasileira, não era tanto ao nível teórico, mas sim ao nível da

relevância social e política.” (p.12).

A influência do Setor no curso de Psicologia da UFMG explica, em parte,

a forte presença da disciplina de Psicologia Social. A partir da reforma

curricular realizada em 1974, verifica-se a criação da disciplina “Psicologia

Comunitária e Ecologia Humana”. (BOMFIM, 2003).

3.5.4- E no Rio de Janeiro?

Nos fins dos anos 80, havia uma impressão de que a psicologia

comunitária era legitimamente uma psicologia brasileira. Segundo Souza

(1985), a Psicologia Social “morena” se difundiu em: interesses e projetos de

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intervenção. Havia uma quantidade expressiva de psicólogos trabalhando em

comunidades.

Por outro lado, podemos dizer que até o início da década de 80 eram

poucos os lugares para a troca efetiva de experiências nesse campo e na

psicologia em geral.

Sobre essa dificuldade na troca de experiências Nasciutti (2007) afirma:

Nos anos 70, não se ouvia falar de movimentos que estavam acontecendo [na psicologia] que eu só vim descobrir nos anos 80. Depois eu fui ver que existia uma outra Psicologia Social, Martin-Baró, por exemplo, que eu só vim descobrir mais tarde. Havia uma espécie de fazer a cabeça dos estudantes para um determinado modelo de ciência, de psicologia científica, e da Psicologia Social ser entendida como uma área da psicologia. E aí depois eu vou chegar numa outra concepção de Psicologia Social numa perspectiva mais interdisciplinar. Então é por isso que eu gosto de falar da psicossociologia. (NASCIUTTI, J., Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007).

Jacyara Nasciutti graduou-se em Psicologia na Universidade de Brasília

em 1974. Tornou-se mestre em Psicologia pela Universidade Católica do Rio

de Janeiro em 1979, sob a orientação do professor Aroldo Rodrigues, e doutora

em Psychologie Sociale Clinique pela Université de Paris VII, em 1991. Foi

professora do Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de

Comunidades e Ecologia Social (EICOS) e atualmente é docente e técnica da

Fundação Getúlio Vargas.

Em nosso levantamento, percebemos que as referências à Psicologia

Social comunitária no Rio de Janeiro eram pequenas. Conforme já havia

assinalado Soares (2001), além de nos depararmos com poucos títulos, há

uma dificuldade ainda maior em encontrar relatos de experiências de

psicólogos sociais no Rio de Janeiro sobre a prática em comunidade. Foi diante

dessa dificuldade que entrevistamos psicólogos sociais que, ao longo das

décadas de 80 e 90, trabalharam com a psicologia comunitária no Rio de

Janeiro.

Durante o “I Congresso Brasileiro de Psicologia da Comunidade e

Trabalho Social: autogestão, participação e cidadania”, realizado em 1992 em

Belo Horizonte, Lane (1992) fez uma apresentação da história da psicologia

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comunitária e citou os trabalhos desenvolvidos por Bomfim em Minas, por

Sawaia em São Paulo e César Wagner em Fortaleza. Não há nenhuma

menção a trabalhos realizados no Rio de Janeiro. Com isso, não queremos

afirmar que não houvesse psicólogos realizando intervenções em comunidades

no Rio de Janeiro, mas talvez possamos dizer que a psicologia comunitária

entre os cariocas não provocou a mesma mobilização e interesse como

ocorreu, principalmente, em São Paulo e Minas Gerais. Outro argumento que

podemos levantar é o fato dos psicólogos no Rio de Janeiro apresentarem

outros referenciais teóricos, além daqueles tradicionalmente sustentados pela

psicologia comunitária.

Entre alguns trabalhos do Rio de Janeiro apresentados nesse

congresso, podemos citar: Jacyara C. R. Nasciutti com “O Hífen da Pesquisa-

Ação: traço de união entre saber e fazer”, Regina Benevides com “O

movimento do institucionalismo e as práticas comunitárias”, Carlos Alberto

Barreto com “Do outro lado da ponte”, Benilton Bezerra Júnior com “Psicanálise

e práticas comunitárias”, Teresa Cristina Carreteiro e outros com o trabalho

“Comunidade, história e memória”, Teresa Cristina Carreteiro com “O mal-estar

nas classes trabalhadoras e sub-proletárias”, Maurício Lobo Abreu com “A

atuação do IEF/RJ” e Tânia Furtado com “O IPUB”. Comparado ao número de

trabalhos apresentados por mineiros e paulistas, a produção no campo da

psicologia comunitária no Rio de Janeiro foi, de fato, pouquíssimo expressiva.

E foi justamente no ano de acontecimento do congresso que surgiu um

Programa de Pós-Graduação que viria a contribuir efetivamente no campo da

psicologia das comunidades.

O Programa de Pós-graduação em Psicossociologia de Comunidades e

Ecologia Social (EICOS), representou um avanço nos estudos em comunidade

no Rio de Janeiro. Inicialmente apenas com o curso de mestrado, esse

Programa apresentou uma proposta pioneira e inovadora, em termos teóricos e

metodológicos, no campo psicossocial.

Na década de 90, o interesse por questões sociais já estava

disseminado nos programas de psicologia, em geral, e Psicologia Social, em

particular. Uma das inovações do EICOS foi a integração da pesquisa com a

extensão, o que deixava claro a preocupação da pesquisa acadêmica com os

saberes locais e com a inclusão social. Uma novidade foi o tom extremamente

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interdisciplinar desse programa, além da busca da indissociabilidade entre a

reflexão conceitual e a prática de intervenção e inclusão social.

A partir das entrevistas realizadas com as professoras Jacyara Nasciutti

e Maria Inácia D’Ávila Neto, pudemos compreender não apenas o

funcionamento do EICOS, mas os seus afastamentos e suas aproximações da

concepção de comunidade que discutimos para a psicologia comunitária no

Brasil e na América Latina a partir da década de 80. Segundo D’Ávila Neto

(2007),

A psicologia comunitária no Brasil e na América Latina designa um conjunto de teorias e, especialmente, práticas que não são as mesmas na tradição européia ou Anglo-saxônica. O termo comunidade causa muita “confusão” teórica sempre que estamos nos expressando para colegas europeus ou mesmo norte-americanos. Além disso, gramaticalmente “Psicologia Comunitária” seria uma psicologia que é compartilhada com os outros e de fato o que fazemos é uma psicologia de ou sobre o que chamamos de comunidades, na acepção Latino-Americana de um modo geral. (D’ÁVILA NETO, Entrevista, 2007).

Para a professora Nasciutti (2007), o seu doutorado na França, feito no

período entre 1986 e 1991, contribuiu para a sua compreensão da Psicologia

Social como um campo interdisciplinar. Sobre a forma de pensar o conceito de

comunidade no Brasil, ela comenta:

[...] eu lembro quando Henri Case falou assim: não entendo porque vocês falam tanto de comunidade por aqui. Para eles [comunidade] era Comunidade Européia. A noção de comunidade lá é um pouco distanciada de como no Brasil ficou a questão da comunidade. Eu acho que nós, tendenciosamente, pelos nossos problemas principalmente passamos a tratar a Psicologia Social comunitária como uma Psicologia Social de comunidade pobre. Quando se fala de comunidade no Brasil estamos falando de comunidade pobre. (NASCIUTTI, J. R. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007).

Essa crítica apresentada por Nasciutti esteve presente entre os

psicólogos, principalmente os institucionalistas, no Rio de Janeiro nas décadas

de 80 e 90. Outra apreciação desfavorável exposta por esses psicólogos

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ocorreu em função da psicologia comunitária ser compreendida como mais um

especialismo, questão que desenvolveremos ainda neste capítulo.

A professora Maria Inácia D’Ávila Neto doutorou-se pela Université de

Paris VII em 1978 e, no ano seguinte, deu início a sua carreira como professora

assistente de Psicologia Social na UFRJ. No início da década de 90, tornou-se

professora do Programa de Pó-Graduação em Psicossociologia de

Comunidades e Ecologia Social (EICOS) e atualmente é professora titular da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, atuando também como consultora da

Organização das Nações Unidas para os campos da Educação, Ciência e

Cultura.

Segundo Maria Inácia D’Ávila Neto (2007), a criação do Laboratório de

Psicologia Social Clínica, na UFRJ, em 1983, associado a “pesquisas sobre

‘grupos, comunidades, instituições’ era um passo inevitável.” (D’ÁVILA NETO,

1995), num contexto em que todos os esforços teóricos levavam nessa direção.

Ainda segundo a autora (2007) o laboratório teve essa denominação:

[...] inspirado nos trabalhos de diversos adeptos da chamada Análise Institucional e que também trabalhavam com grupos na antiga Unité des Sciences Humaines Cliniques, uma espécie de departamento dissidente do Institut de Psychologie de Paris, que se formou na Université de Paris VII, em 1969. (NETO, M. I. D. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. 2007).

Em 1987, a pedido dos professores do Instituto de Psicologia da UFRJ,

Maria Inácia D’Ávila Neto organizou um Seminário de três meses que colocaria

em discussão o tema das comunidades.

O Seminário de 1987 traz os germens de um primeiro Programa de Mestrado, que iniciamos experimentalmente em 1989. Entre os que participam do Seminário, estão alguns professores que viriam a integrar o quadro do Programa: Neide Nóbrega, Marise Jurberg, Miriam Preuss, Maria Luiza Seminério. (D’ÁVILA NETO, 1995).

O EICOS é um programa que tem claramente o trabalho comunitário

como um de seus eixos. Segundo Nascimento (2001), a partir da década de

90, “a psicologia comunitária foi se aproximando de outros temas – como, por

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exemplo, Educação Ambiental – e sendo afetada por outros saberes – como os

da Psicossociologia.” (p. 47). Nem os espaços de atuação tradicionais, nem os

suportes teóricos eram mais os mesmos, porém, ainda permaneceria um

objetivo da psicologia comunitária, a busca da transformação social.

Segundo Nascimento (2001), a prática dos psicólogos junto às

comunidades ocorre a partir do fortalecimento dos movimentos sociais no

Brasil no final da década de 70. Ainda para Nascimento (2001), esta nova área

de atuação permitiu uma ampliação do campo da psicologia. Como

Vasconcelos (1985), ela afirma que a psicologia comunitária permitiu uma

superação do modelo tradicional do espaço fechado e propiciou diferentes

maneiras de atuação ao psicólogo. A esse respeito, temos, segundo Soares

(2001), no ano de 1972 o surgimento da disciplina psicologia comunitária na

PUC/RJ. Porém, o título e o programa dessa disciplina não representavam

essa área da psicologia que começava a se associar à idéia de transformação

da realidade social. Para o professor proponente da disciplina na PUC/RJ, o

seu objetivo foi permitir aos estagiários de psicologia que eles tivessem outras

possibilidades de atuação fora da clínica.

Outra afirmação importante de Nascimento (2001), com a qual

concordamos, é de que no Rio de Janeiro seria mais apropriado falarmos em

trabalho comunitário do que psicologia comunitária. Tanto em São Paulo

quanto em Minas Gerais, podemos reconhecer caminhos próprios no campo da

psicologia comunitária, com suas especificidades, relacionados aos

acontecimentos políticos e sociais desses estados.

Os psicólogos no Rio de Janeiro não se preocupavam em dar nome para

as intervenções que faziam nas favelas cariocas e muitos duvidavam de

estarem realizando uma intervenção em psicologia. Durante a elaboração de

sua dissertação, defendida na PUC/RJ em 1985, Souza entrevistou 19

psicólogos que já haviam trabalhado ou trabalhavam em nove favelas do Rio

de Janeiro.

“Olha não é bem um trabalho de psicologia”. Com essa afirmação quase todos entrevistados respondiam à minha primeira abordagem. Acontece que não se tem notícia de trabalhos de psicologia “strictu sensu” em favelas da cidade. Não há nenhum trabalho de atendimento psicoterápico a populações faveladas – dentro de favelas – minimamente

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estruturado que possa ser objeto de testes, hipóteses, verificações. (SOUZA, 1985, p. 5).

Segundo Souza (1985), as intervenções dos psicólogos em favelas eram

muito diversificadas. “Ligados às creches, postos de saúde, associações de

moradores, cooperativas, à igreja ou simplesmente a famílias isoladas dentro

de uma favela, em iniciativas muitas vezes individuais.” (p. 5).

Seria essa subida aos morros cariocas uma evidência da preocupação

dos psicólogos com o social? Para Souza (1985), teríamos, por um lado, a

busca de um novo mercado pelos psicólogos cariocas e, por outro, uma

preocupação com as classes pobres. Esta preocupação estava presente na

própria sociedade brasileira, portanto, não se restringia ao campo da

psicologia. É interessante notar que Souza (1985), ao longo de sua

dissertação, não faz uso da expressão Psicologia Social. Perguntamo-nos: por

que será? Acreditamos que isso acontece em função do fato de que talvez os

psicólogos que iam para as favelas fizessem parte de um movimento mais

amplo de saída dos psicólogos dos consultórios para lugares sociais. Não

havia uma identificação do trabalho comunitário ao campo da Psicologia Social.

Outra dissertação, esta de 1982, defendida na PUC/RJ, por Freitas, traz

como tema de discussão a psicologia comunitária. Em sua justificativa, o autor

afirma que a elaboração do projeto teve uma relação direta com o trabalho que

desenvolveu em uma favela carioca em 1979, além de seu interesse maior de

compromisso com o povo. O enunciado Compromisso Social teve repercussão

junto a alguns psicólogos do final da década de 70 e início da década de 80:

O que justifica, portanto, minha reflexão teórica é que atualmente cresce o interesse pelo “compromisso” com o povo, através de “trabalhos comunitários”, inclusive na área de saúde. Palavras como “medicina comunitária”, campanhas populares de saúde”, “pastoral da saúde” estão cada vez mais presentes. A Igreja Católica elegeu como tema central da sua campanha da fraternidade para 1981 a problemática da saúde popular. E no nosso meio, entre profissionais da área “psi”, também já se fala de “psicanálise popular”, “psicologia comunitária”, etc. (FREITAS, 1982, p. 2).

O que há de comum nos trabalhos de Souza e Freitas é o fato de ambos

usarem o termo psicologia comunitária com muitas ressalvas. “Acredito que o

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problema da Psicologia Comunitária (se é que se possa dar esse nome!).”

(FREITAS, 1982, p. 3).

No Rio de Janeiro, os psicólogos que trabalhavam em comunidades

apresentavam outros referenciais, diferentes dos de Minas Gerais e São Paulo.

Estavam presentes os institucionalistas, psicanalistas e teóricos de outras

áreas da psicologia que contribuíram para a dissolução do especialismo em

torno da psicologia comunitária.

Segundo Soares (2001):

A área da educação [...] foi um dos caminhos mais marcantes de busca de inserção dentro das comunidades. Afinal, fora do referencial clínico, esta parecia ser a área da psicologia mais visível dentro da Academia, além de parecer a mais apropriada para se começar a trabalhar junto a uma população que usualmente não “consumia” os produtos e discursos “psi”. (p. 81).

No livro A Análise Institucional no Brasil, de 1987, o trabalho

apresentado com o título História de Andanças de Técnicos em Favela: Da

‘Alegria’ ao ‘Sossego’ e Vice-Versa, as autoras Kátia Aguiar e Vera Vital Brasil

apresentam uma experiência vivida no Projeto de Escolas Comunitárias em

uma favela do Rio de Janeiro. O trabalho que ocorreu no início dos anos 80 foi

marcado, além do referencial institucionalista, pelas contribuições de vários

autores em educação popular, entre eles Paulo Freire.

Em outro capítulo do mesmo livro, com o título Do Trabalho Comunitário

em Nova Holanda: Nossos Lugares e Nossas Vozes, as psicólogas Angela M.

D. Fernandes e Rosangela F. dos Anjos apresentam um relato de suas

experiências na favela Nova Holanda, situada no subúrbio da cidade do Rio de

Janeiro. O trabalho desenvolvido no início dos anos 80 trouxe a relação entre

os programas governamentais, fossem eles municipais, estaduais ou federais,

e um novo campo de trabalho que se abria para os psicólogos no Rio de

Janeiro.

Talvez possamos afirmar que os psicólogos no Rio de Janeiro se

aproximaram dos trabalhos em comunidade pela busca de uma alternativa à

clínica. Porém, é possível também sustentar que alguns deles voltavam suas

preocupações para o social. É importante considerar ainda que neste mesmo

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período, em que muitos psicólogos atuavam em favelas do Rio de Janeiro,

havia a preocupação dos governos com a incorporação destas áreas à cidade,

através de intervenções no campo da saúde, educação e urbanismo.

3.6 - A Análise Institucional A análise institucional desde a década de 80 tem ocupado um lugar de

grande relevância na psicologia. No Brasil, provocou, entre os psicólogos,

reflexões sobre a sua formação, a possibilidade de novas experimentações no

campo da prática, além de uma análise crítica do próprio saber psicológico. No

Rio de Janeiro, a penetração desta teoria trouxe importantes contribuições. A

partir do surgimento do IBRAPSI no final da década de 70, alguns psicólogos

cariocas passaram a ter como interlocutores autores como Lapassade, Lourau,

Deleuze, Guattari, entre outros. A leitura desses permitiu novas discussões no

campo da psicologia no Rio de Janeiro.

Segundo Bomfim (2003), a análise institucional no Brasil teve início “em

Belo Horizonte junto ao ‘Setor de Psicologia Social’ da Universidade Federal de

Minas Gerais.” (p. 160). Em função do convênio do “Setor” com a Embaixada

da França George Lapassade43, da Universidade de Vincennes, chegou a Belo

Horizonte em 1972. Como já afirmamos anteriormente, o “Setor” contava com

um grupo de professores e alunos da FAFICH/UFMG, que se reuniam para

contestar tanto a teoria quanto a prática da psicologia. Sobre a posterior

formação desse grupo em análise institucional, Bomfim (2003) afirma:

“Lapassade, após várias reuniões de discussões teóricas e várias sessões de

análise institucional, declarou aos membros do grupo com o qual trabalhava

que haviam sido formados os primeiros analistas institucionais do Brasil.” (p.

160).

Em 1978, ocorre o “I Simpósio Internacional de Psicanálise, grupos e

Instituições” no Rio de Janeiro. Com a presença de importantes nomes como

Franco Basaglia, Félix Guattari e Emilio Rodrigué, este evento foi

extremamente importante para o movimento institucionalista no Brasil. Este

43 Segundo Rodrigues, H. (2002), “[...] o convidado primeiro, sugerido por Célio Garcia, tinha sido René Lourau que, alegando razões particulares nunca bem esclarecidas, prefere partir em férias para a Ocitânea, sua região de origem, indicando o companheiro para substituí-lo.” (p. VIII).

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simpósio serviu para marcar a criação do IBRAPSI (Instituto Brasileiro de

Psicanálise, Grupos e Instituições).

É importante neste momento esclarecermos nosso objetivo em relação a

essa apresentação da análise institucional. Não planejamos fazer uma história

da análise institucional no Brasil ou no Rio de Janeiro, não buscamos

apresentar um discurso evolutivo ou mesmo progressivo, do qual temos nos

afastado ao longo desta tese, mas estabelecer uma aproximação/afastamento

que nos possibilite entender as contribuições da análise institucional para o

movimento de crítica da Psicologia Social no Rio de Janeiro.

Não apresentaremos a análise institucional como uma teoria da

Psicologia Social. Ela se constituiu, para muitos estudiosos no Brasil, como

uma forma de ultrapassar fronteiras disciplinares rígidas, no entanto, é inegável

a sua contribuição na formação de muitos psicólogos no Rio de Janeiro. Como

fizemos na apresentação da Psicologia Social comunitária, nos apoiaremos em

fontes escritas e em fontes orais.

Segundo Rodrigues (2006), a análise institucional ou o movimento

institucionalista no Brasil,

[...] é polifônica, pois fala francês (Belo Horizonte), espanhol com sotaque portenho (Rio de Janeiro) e italiano (São Paulo) – sempre, é claro, com nosso timbre e ritmos próprios, ligados às vicissitudes econômicas, políticas e culturais do país. (p. 544).

Esta teoria surgiu na França na década de 60, e em um contexto

marcadamente psicossociológico e/ou sociológico. Nomes como o de René

Lourau, Georges Lapassade, Félix Guattari, Gilles Deleuze influenciaram as

práticas e a discussão teórica de muitos psicólogos no Brasil. No Rio de

Janeiro, o contato com esses importantes teóricos da análise institucional

tomou força com a vinda dos psicanalistas argentinos para o país. Como

afirmam Cunha, Hoffmann e Rodrigues (2006):

[...] alguns psicanalistas argentinos muito cedo entraram em contato com as idéias de Lourau, Lapassade, Deleuze e Guattari, e passaram a utilizá-las como ferramentas com vistas à transformação, de cunho libertário, dos campos da saúde mental, educação, formação, etc. de seu país, até que o golpe militar de 1976 os forçasse ao exílio. O Brasil foi o destino de

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alguns desses psicanalistas exilados, o que, sem dúvida, imprimiu “marcas argentinas” em nossa AI. (p. 5).

No capítulo 1, apresentamos as críticas de Canguilhem à Psicologia e

sua acusação de que seria um instrumento do controle social. Achamos

possível afirmar que essa visão da psicologia se perpetuou ao longo das

décadas de 80 e 90. E Não apenas pelas afirmações de Canguilhem, mas de

outros nomes como Foucault, Lacan, Badiou, Deleule. O movimento

institucionalista foi importante para os psicólogos no Brasil não apenas em

função da reflexão sobre a teoria e a prática da psicologia, mas pela

possibilidade de responderem às críticas de Canguilhem. Segundo Rodrigues

(2006), possibilitou,

[...] certo diagnóstico de nosso presente como intelectuais psi no Rio de Janeiro, em ruptura, ao menos parcial, com um intolerável encargo de “guardiães da ordem” (COIMBRA, 1995), ruptura esta em que a análise institucional francesa tem sido ferramenta fundamental. (p. 199).

A Análise Institucional tem início na França, em torno de 1962, de “um

salto mortal executado por Lapassade, ao compreender que era necessário

superar a sedução da psicologia dos pequenos grupos, desmascarando a

dimensão institucional, quer dizer, toda a política reprimida pela ideologia das

boas relações sociais.” (LOURAU, 1977, p. 1 apud Rodrigues 2002, p. VI).

Segundo Lapassade (1977), há nos grupos uma dimensão oculta, não

analisada: a dimensão institucional. Lapassade (1977) propôs chamar de

“análise institucional o método que visa a revelar, nos grupos, esse nível oculto

de sua vida e de seu funcionamento.” (p. 13).

Quando os psicanalistas argentinos chegam ao Rio de Janeiro em

meados da década de 70, vivíamos, como denomina Coimbra (1995), “Os Anos

da Institucionalização”. Na psicologia, havia um interesse especial pelos

atendimentos em grupo. É o momento dos psicólogos “especialistas em

contornar problemas” que trabalham nas empresas e indústrias.

As contribuições dos argentinos, a partir da década de 70, são fundamentais no sentido de reorganizar e reorientar essas experiências grupais. Da mesma forma que esses profissionais atendem e realimentam uma demanda então produzida, suas

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presenças sistemáticas no Rio de Janeiro, por sua vez, produzem novas demandas. As técnicas grupais expandem-se entre os profissionais “psi” e tornam-se “modismo”. (COIMBRA, 1995, p. 138).

As intervenções de Lapassade e Lourau, durante o II Simpósio de

Psicanálise, Grupos e Instituições em outubro de 1982, e de outros

institucionalistas, além das publicações que chegavam ao Brasil a partir da

década de 70, fizeram segundo Barros (2004), “deslocar do centro da cena a

forma como o movimento grupalista vinha crescendo no Brasil, ao menos, no

Rio de Janeiro.” (p. 66). Segundo a mesma autora (2004), essa afirmação

merece um exame mais cuidadoso, pois foi a partir desse mesmo movimento

que houve a introdução dos institucionalistas, que por sua vez criticavam o

grupo como uma técnica visando as “boas relações”.

Os psicanalistas que chegaram ao Brasil no final da década de 70 foram

chamados de “os grupalistas”, o que, segundo Rodrigues e Barros (2003), era

uma clara alusão ao fato de suas práticas estarem voltadas para questões

político-institucionais: “a nomeação ‘grupalista’ passa a ter uma conotação

associada aos movimentos sociais que, lembremos, tinham à época, como

uma das metas principais, a luta contra a ditadura.” (p. 65).

3.6.1 - Grupos – uma instituição em análise

No ano 1982 é lançado o livro Grupos: Teoria e Técnica, organizado por

Baremblitt. Todos os autores eram integrantes do IBRAPSI do Rio de Janeiro e

São Paulo. Para citar alguns dos textos presentes nessa obra fazemos menção

a Notas estratégicas a respeito da orientação da dinâmica de grupos na

América Latina de Baremblitt, Grupos (fantasmas) no hospital de Eduardo

Losicer, Conceito de grupo em Grimberg, Langer e Rodrigué de Maria Beatriz

Sá Leitão, O grupo operativo de Pichón-Revière – Guia Terminológico para a

construção de uma teoria Crítica dos Grupos Operativos de Osvaldo Saidón, e

Horizontalidade, verticalidade e transversalidade em grupos de Vida Rachel

Kamkhagi. Os autores não apresentaram suas discussões reproduzindo

simplesmente o paradigma grupalista, mas buscavam de forma crítica a revisão

de conceitos e teorias.

Segundo Barros (2004):

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A entrada da psicossociologia americana – seja de influência lewiniana, rogeriana ou moreniana – na França, durante as décadas de 1950/1960, desdobrou-se em três linhas: a da psicossociologia francesa, que ampliou e aclimatou aos costumes e à cultura francesa uma abordagem teórico-prática; a da psicanálise de grupo, que vai criticar o enfoque conscientizador-adaptacionista das propostas americanas; a da socioanálise, fruto da crítica dos institucionalistas à ideologia grupalista de fechamento da análise sobre o próprio grupo. (p. 70).

A análise institucional surge a partir de um rompimento com a

psicossociologia francesa; no entanto, isto não promove o afastamento dos

grupos como temática. Lapassade (1977), na década de 70, desenvolve uma

visão mais política e menos técnica dos trabalhos em grupo. “A ação

revolucionária visa, ao contrário, acabar com as diferenças, abrir simplesmente

a brecha que permitirá aos grupos conduzir-se (sic) eles próprios.” (p. 32), sem

o apoio dos animadores especialistas.

Ao longo das décadas de 50, 60 e 70, a Análise Institucional recebeu

muitas influências e foi conformando um campo teórico e de intervenção no

qual a instituição passou a ser objeto de análise, de investigação, de

experimentação. Da crítica à sociologia americana, das formulações de

Castoriadis, da ruptura com as práticas grupalistas de ordem psicossociológica,

todo este cenário permitiu o engendramento do campo socioanalítico, em que a

distinção teoria/prática não se fazia presente e a própria constituição do

conhecimento ocorreu a partir do processo de intervenção institucional. Os

analistas institucionais procurariam como tarefa garantir e viabilizar o caráter

desnaturalizador das instituições. (BARROS, 2004). Talvez esse caráter

inovador e revolucionário das idéias institucionalistas explicasse o interesse

entre os psicólogos no Brasil.

Segundo Barros (2004), no Brasil:

As práticas grupais são mais procuradas nas décadas de 1960/1970 – vivíamos então a ditadura, a diminuição de espaços coletivos de troca. Por outro lado, aquele era um momento de intensa crítica ao status quo, época de experiências de educação popular (Paulo Freire), criação de novas linguagens no teatro (Teatro Opinião), no cinema (Glauber Rocha), na música (os festivais, o Tropicalismo), onde

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os padrões de comportamento mudavam (a pílula anticoncepcional liberada, os movimentos hippie e contracultural criticando o modus vivendi), momentos de lutas políticas... (p. 75).

A partir das décadas de 80 e 90, houve uma desvalorização das práticas

grupais no Brasil. Os motivos foram desde uma diminuição da demanda na

procura por estes serviços até o surgimento de outros modelos de assistência

psicológica e psicanalítica que prometiam mais, além de considerarem o

atendimento em grupo menos “profundo” e eficaz.

Apesar da diminuição e da desvalorização das intervenções grupais

entre os psicólogos cariocas, encontramos entre os institucionalistas uma

transformação dessa ferramenta em um dispositivo de combate às políticas

contemporâneas de individualização e de privatização da vida.

3.6.2- E a psicologia social?

Como afirma Altoé (2004):

Embora a gênese do paradigma da análise institucional seja sociológica e / ou microssociológica, no Brasil foi predominantemente entre os psicólogos que se difundiu e se firmou, tanto acadêmica quanto institucionalmente. (p. 8).

Como apresentamos ao longo dos capítulos 1 e 2, a Psicologia Social no

Rio de Janeiro teve como contexto teórico predominante a Psicologia Social

norte-americana, porém, o que temos sustentado é que a partir da década de

80, esta hegemonia foi aos poucos perdendo sua força, por influências teóricas

diversas. Autores como Foucault, Marx, Deleuze, Guattari, Lapassade, Lourau,

Paulo Freire, Moscovici passaram a fazer parte de uma cultura psicológica. A

idéia que temos buscado estabelecer é de que o campo da Psicologia Social

no Rio de Janeiro a partir desses diferentes interlocutores não se constituiu tão

facilmente como um campo da psicologia: a militância em torno da Psicologia

Social não se fez tão presente. Os institucionalistas viam com desconfiança a

possibilidade de uma nova especialidade.

Para Fernandes; Duarte e Rodrigues (2003):

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Entre os chamados “institucionalistas” encontram-se referenciais teóricos, filosóficos e sócio-políticos extremamente díspares – grupalistas, socioanalíticos, anárquicos, comunitários, esquizoanalíticos, marxistas, preventivistas, psicanalíticos, sócio-antropológicos, etc. – , articulados a práticas que se estendem da assunção de identidades razoavelmente profissionalizadas e tecnicistas a posturas críticas virtualmente aptas a promover uma desconstrução ativa do encargo social de disciplinamento-controle delegado aos psicólogos. (p. 77).

Como enfatizamos na introdução desta tese, a apresentação dos vários

personagens-autores ao longo deste capítulo não persegue uma busca de

significações a partir da fala desses mesmos entrevistados. Procuramos, ao

contrário, localizá-los temporalmente e espacialmente, e com isso identificá-los

a regimes de poder e verdade.

Segundo Baptista (2007):

[...] nesse contato com a Universidade de São Paulo com essas misturas todas, vi que a grande beleza disso tudo foi que essa palavra social não era um adjetivo, não era uma questão adjetivante como alguns colegas marxistas tentavam passar, o social como sendo um grande avanço, mesmo porque percebia que no meio dessa diversidade de autores, de questões, encontrava diferentes sociais, diferentes formas de se definir essa lida, esse encontro entre os homens, o social não poderia ser colocado como um avanço, nem um retrocesso, uma palavra e esse contato inicial mostrava entre os marxistas as diferenças, entre os institucionalistas, entre os artistas e etc e tal. Então foi um pouco por aí que retornando à UFF eu saí da área de clínica e fui para a área de social, mas no início menos e gradativamente cada vez mais tentando utilizar a disciplina de social para negá-la, pra dissolvê-la, tirá-la de um especialismo, tirá-la de uma visão messiânica, tentar transformar o social em conceito. (BAPTISTA, L. A. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007).

O professor Luis Antonio Baptista graduou-se em Psicologia pela

Universidade Gama Filho, em 1974. Seu mestrado foi obtido em 1978 pelo

Programa de Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro. Doutorou-se com a tese “A Fábrica de Interiores: A Formação Psi em

questão”, pela USP em 1987, sob a orientação da professora Maria Helena

Souza Patto, e atualmente é professor titular de Psicologia Social na UFF.

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O trecho da entrevista acima, nos chama a atenção para como a

Psicologia Social se constituiu no Rio de Janeiro: a partir de uma diversidade

de influências teóricas que em alguns momentos permitiram aproximações e

em outros, afastamentos entre essas mesmas teorias. Um exemplo dessa

discussão está em nossa apresentação da psicologia comunitária no Rio de

Janeiro, quando mencionamos o fato dessa teoria ser alvo de críticas em

função do conceito de comunidade. Portanto, embora tais teorias tenham

representado um avanço em relação à Psicologia Social norte-americana, isso

não impediu que fossem objetos de questionamentos teóricos e metodológicos.

Ainda em relação ao trecho destacado, nosso interlocutor apresenta

outras questões. Primeiro, o fato de podermos conceber o conceito de social de

formas diferentes: segundo marxistas, institucionalistas, segundo a teoria das

representações sociais, ou mesmo entre os psicólogos representantes da

perspectiva norte-americana. Segundo, chama a nossa atenção para a

mitificação da Psicologia Social, como sendo ela a grande responsável pelo

processo de crítica da psicologia e pela transformação da realidade social.

Ainda que o professor Luis Antonio Baptista não se afirme um

institucionalista, esta concepção se faz presente em sua formação e na de

vários outros psicólogos que não se definiam como psicólogos sociais e

estavam em outras áreas, como a psicologia escolar.

3.6.3- Alguns conceitos

Partiremos agora para a apresentação de alguns importantes conceitos

da Análise Institucional, tais como: instituição, análise de implicação, instituinte-

instituído e o método da pesquisa-ação ou pesquisa participante. Na Análise

Institucional, a relação entre a gênese teórica e a gênese sócio-histórica dos

conceitos é fundamental. Como pretendemos sustentar, a apresentação de tais

conceitos é importantes para a compreensão de uma parte significativa da

história da Psicologia Social no Rio de Janeiro.

No texto “A Análise Institucional e a Profissionalização do Psicólogo”,

Rodrigues e Souza (1987) afirmam:

O termo instituição parece, hoje em dia, onipresente nos discursos “psi”. Há cerca de 6-7 anos vem se tornando cada

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vez mais comum no jargão do psicólogo, graças, inicialmente, à influência dos argentinos – Bleger, Maffé, Ulloa, etc. – e, mais tarde, à dos franceses – Lourau e Lapassade – básicamente. (p. 17).

Na Análise Institucional, instituição não se confunde com organização ou

estabelecimento. A organização ou o estabelecimento é um lugar de existência

física e/ou jurídica: escolas, hospitais, empresas, etc. Já o conceito de

instituição remete a qualquer espaço onde as relações de produção estejam

instituídas de forma necessária, natural e eterna. (COIMBRA, 1990, p.15). Ou

ainda segundo Rodrigues e Souza (1987), a,

Instituição aparece como algo imediatamente problemático, como algo não localizável: FORMA que produz e reproduz as relações sociais ou FORMA GERAL das relações sociais, que se instrumenta em estabelecimentos e / ou dispositivos. (p. 23).

A instituição é produção. O conceito de instituição se articula com duas

outras importantes noções na análise institucional: o instituinte e o instituído. O

primeiro pode ser definido como “a contestação, a capacidade de inovação e,

em geral, a prática política como ‘significante’ da prática social.” (LOURAU,

2004, p. 74). Já por instituído compreende-se não só a ordem estabelecida,

mas os valores, os modos de representação e de organização considerados

normais. (LOURAU, 2004). Embora haja uma oposição entre os conceitos, há,

no entanto, uma articulação entre ambos no conceito de instituição.

Talvez possamos afirmar que a discussão dos conceitos de instituição,

instituinte e instituído nos cursos de psicologia trouxe a possibilidade de se

retomar, após a crítica de Canguilhem na década de 50, a indagação: a que

serve ou a quem serve a psicologia? Que relações há entre o saber e o poder?

Que instituições a psicologia naturaliza? E talvez tenhamos aqui a possibilidade

de entendermos o motivo pelo qual a análise institucional teve tanta

repercussão entre alguns “psi” cariocas: não apenas permitir avançar na crítica

ao saber psicológico, mas, sobretudo, “trazer à luz essa dialética instituinte-

instituído, de maneira generalizada.” (RODRIGUES; SOUZA, 1987, p. 24).

O SPA é uma instituição, a supervisão é uma instituição, a dicotomia

louco - não louco é uma instituição, o casamento baseado no amor é uma

instituição e, desta maneira, poderíamos pensar este conceito de forma quase

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infinita. Que movimentos sociais poderiam ser vistos como resistentes? Que

acontecimentos seriam reveladores ou ocultadores? Um novo campo de

reflexão e intervenção se apresenta, uma nova problemática passa a fazer

parte do campo psi. A psicologia passava a ser objeto de uma desconstrução

constante: seus objetos e suas práticas.

Uma questão levantada por muitos psicólogos na década de 80 foi:

como articular o conceito de instituição com a prática profissional do psicólogo?

Para Rodrigues e Souza (1987), como então professoras de uma universidade

particular, a Universidade Santa Úrsula, tal indagação foi usada para pensar a

instituição SPA e a formação do psicólogo.

[...] o SPA aparece como organização (ou estabelecimento) que instrumenta uma série de instituições, dentre as quais se destaca a instituição formação profissional. Nesta instrumentação, por sua vez, aparecem uma série de dispositivos e práticas como, por exemplo, a avaliação e a supervisão. (RODRIGUES; SOUZA, 1987, p. 25).

No livro já citado Análise Institucional no Brasil: Favela, Hospício,

Escola, Funabem, lançado em 1987, em vários textos, entre eles o de

Rodrigues e Souza, os autores pensaram, a partir de suas práticas em

estabelecimentos públicos e privados, alternativas para o trabalho do psicólogo

com o instrumental da Análise Institucional.

Antes de apresentarmos algumas destas experiências, é importante

contarmos o que as tornou possível. Um conjunto de profissionais, em sua

maioria psicólogos, alguns psiquiatras, psicanalistas e uma assistente social,

críticos das instituições em que trabalhavam, realizou entre abril e dezembro de

1985 um curso que tinha como coordenadores: Osvaldo Saidón, Heliana

Conde, Maria Beatriz de Sá Leitão e Vida Rachel Kamkhagi. Todos

pertencentes ao Centro Internacional de Investigação em Psicologia Social e

Grupal. O curso de coordenadores de grupo e análise institucional tinha em sua

fundamentação teórica autores como Marx, Foucault, Deleuze e Guattari, além

da psicanálise. “É interessante notar que o público que atendeu a esta

convocação foi predominantemente de profissionais inseridos no terreno

educacional.” (KAMKHAGI, 1987, p. 9). Esta última observação é importante,

pois foram os chamados psicólogos escolares que primeiramente buscaram, no

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Rio de Janeiro, ampliar não apenas seus conhecimentos, mas politizar seus

trabalhos, produzir novas alternativas de intervenção. Em concordância,

Rodrigues e Souza afirmam (1987):

[...] ao menos no contexto do Rio de Janeiro, as práticas autodenominadas de Análise Institucional vêm sendo desenvolvidas quase que exclusivamente por profissionais psi [...] e fundamentalmente, profissionais “psi” ligados à instituição escola (os antigos “psicólogos escolares”). (p. 34).

Ainda sobre o mesmo tema, Baptista (2007), falando sobre a sua

experiência na UFF, afirma:

[...] retorno para a universidade em 85, e encontro com um grupo novo que entrou nesse período de quatro anos que eu estava afastado que era composto por Regina [Regina Benevides], João Resende e Cecília Coimbra, que foi o grupo que, por incrível que pareça, era o grupo de escolar.

Não afirmamos, a partir do trecho acima, que os psicólogos sociais no

Rio de Janeiro desconhecessem o referencial da análise institucional, porém,

no caso da UFF, foi a partir da década de 90, com a reunião das áreas de

social e escolar, nova área denominada social-institucional, que a análise

institucional passou a ser uma das referências predominantes na área de

Psicologia Social.

Retomando o livro A Análise Institucional no Brasil, encontramos outros

textos, além dos já citados, como A instituição da supervisão: análise de

implicações de Cecília M. B. Coimbra, Lília Lobo e Regina D. Benevides

Barros; Relato e análise de uma experiência numa instituição escolar: nossos

medos, nossas buscas e nossas implicações de Cláudia Elizabeth A. B. Neves,

Adriana G. Lasalvia, Regina C. F. Silva, Ana Lúcia C. Hechert e Leísa P.

Carvalheira; Relato e análise de uma experiência num estabelecimento: para

delinqüentes ou da delinqüência? de Maria Izabel M. F. de Lima, Maria Lúcia S.

C. Silva e Zelina M. da C. Vieira; Grupos no hospício: o desejo como tarefa de

Daniel L. Menucci. Segundo Kamkhagi (1987), a publicação desses trabalhos

foi uma tentativa de contribuir para a constituição de uma corrente brasileira de

Análise Institucional.

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No texto A instituição da supervisão: análise de implicações, Coimbra;

Lobo; Barros (1987) criticam o lugar que naturalmente poderiam ocupar:

professoras de uma universidade pública brasileira, como agentes de um

saber.

Não é deste lugar instituído que pretendemos falar, mas sim do lugar de trabalhadores, que ousamos ocupar e produzir como instituintes. Tentamos romper e denunciar as armadilhas que a todo momento os dispositivos sociais constroem no sentido de manter e reproduzir um saber dominante, dito universal e científico. (p. 39).

Está em jogo neste posicionamento crítico o conceito de implicação,

que, para Lourau (1993), foi a grande novidade trazida pela Análise

Institucional. Segundo este autor (1993), “Quase todas as ciências estão

baseadas na noção de não implicação ou desimplicação. As “teorias da

objetividade” se baseiam na ‘teoria’ da neutralidade.” (p. 9). Desde pelo menos

a década de 70, os psicólogos sociais no Brasil, a partir de outros referenciais

teóricos, faziam críticas a esse pressuposto presente na psicologia em geral e

que era sustentado pelos adeptos da Psicologia Social cognitiva norte-

americana.

Tendo por base o conceito de implicação, podemos pensar outra crítica

à objetividade imposta pelo positivismo às ciências humanas. Como

apresentamos no capítulo 1, a psicologia como ciência importou das ciências

naturais e exatas o modelo científico experimental. A partir dessa forma de

fazer ciência, a objetividade era o fim último de uma psicologia que buscava a

verdade e estabelecia leis universais para o comportamento humano. A Análise

Institucional por sua vez parte da negação dessa neutralidade.

O conceito de implicação surge da noção de contratransferência

institucional apresentada pela psicoterapia institucional ainda na década de 60.

Da discussão desse conceito, temos uma nova maneira de conceber a relação

pesquisador/objeto. Segundo Coimbra (1995), “Opondo-se ao intelectual

neutro-positivista, a análise institucional vai nos falar do intelectual implicado,

definido como aquele que analisa as implicações de suas pertenças e

referências institucionais” (p. 66), além de analisar o lugar que este ocupa na

divisão social do trabalho. Ainda segundo Coimbra (1990), o conhecimento

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está inscrito nas condições políticas em que se formam o sujeito e os diferentes

domínios do saber. Não há saber neutro, todo saber é político. Portanto, a

análise do saber implica, ao mesmo tempo, a análise do poder.

A análise de implicação aponta para as relações que o indivíduo

estabelece para além do lugar em que ocorre a intervenção, ou seja, suas

relações sociais. Pensar as relações de poder e classe passou a ser objeto do

investigador implicado. Entre os psicólogos cariocas esta ferramenta passou a

fazer parte obrigatoriamente de todo e qualquer trabalho que se dizia crítico.

Uma instituição importante na década de 80 no Brasil, sem dúvida, foi a

ABRAPSO. Em busca de uma nova maneira de pensar a Psicologia Social,

apresentou como um de seus grandes representantes Silvia Lane. Achamos

não ser possível pensar a história da Psicologia Social tanto em São Paulo

quanto em Minas Gerais sem reservar um significativo espaço para essa

instituição. E quanto ao Rio de Janeiro? Já consideramos algumas hipóteses

neste capítulo e gostaríamos de acrescentar mais uma: a possibilidade de

discordâncias, no Rio de Janeiro, em relação ao modelo de Psicologia Social

que predominava na ABRAPSO.

[...] o Rio de Janeiro participava pouco da ABRAPSO, então a tentativa de Ângela [Angela Arruda]44 e de Marise Juberg foi de que a ABRAPSO também não só do Rio de Janeiro participasse, mas também tentasse trazer discussões novas para a ABRAPSO, abrir o leque para outras formas de pensar, para outras formas de entender a Psicologia Social. (BAPTISTA, L. A. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007).

Talvez tenhamos aqui outra razão, além daquelas já apresentadas neste

mesmo capítulo, para que a ABRAPSO tenha tido pouco espaço no Rio de

Janeiro, ou seja, relacionado ao fato de termos uma base conceitual

predominantemente institucionalista que questionava o aparecimento de uma

especialidade que pudesse pensar o social na psicologia, havia também

discordância e busca de outras formas de entender a Psicologia Social.

Anos 80, também eu e mais uns colegas da Universidade Federal Fluminense fazíamos um grupo de estudos com

44 Angela Arruda foi uma das grandes responsáveis pela difusão da Teoria das Representações Sociais no Brasil.

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Saidon em que estudávamos Deleuze, Guattari e tentando ver uma outra forma de pensar o socius, saindo daquela homogeneização, de certa apropriação às vezes um pouco superficial do marxismo. Eu acho que essa via argentina pra minha geração no Rio de Janeiro foi muito importante nessa concepção de social. (BAPTISTA, L. A. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007).

Outro conceito importante da análise institucional é o de pesquisa-ação

ou pesquisa-intervenção. Tradicionalmente, a prática de pesquisa em

psicologia se restringe ao uso de técnicas que pressupõem a separação entre

o investigador e o objeto de conhecimento. Com o conceito de pesquisa-ação

ou pesquisa-intervenção, passou-se a pensar a investigação como um ato

político. “[...] o pesquisador torna-se, nesta perspectiva, um dispositivo que

tenta dar voz ao acontecimento político, ao experimento social.” (RODRIGUES;

SOUZA, 1987, p. 31). Essa forma de pensar tem um importante impacto no

modo de fazer pesquisa em psicologia. Devemos lembrar as acusações

realizadas por Aroldo Rodrigues aos psicólogos, presentes no primeiro

capítulo, que misturavam pesquisa com política. Para ele, isso acarretava em

se produzir conhecimento não-científico no campo da Psicologia Social.

Em São Paulo, a trajetória da Silvia Lane não deixa dúvidas sobre o seu

importante projeto teórico no campo da Psicologia Social. O “Setor”, por sua

vez, não constituiu uma teoria no campo da Psicologia Social, mas sua

contribuição nesta área foi fundamental para o fortalecimento da Psicologia

Social em Minas Gerais. No Rio de Janeiro, a produção de um campo

denominado Psicologia Social ocorreu através de pólos, as instituições

acadêmicas, e um deles foi o Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e

Organizações (IBRAPSI).

3.6.4- O IBRAPSI

Passadas algumas páginas, é hora de refletirmos sobre o campo de

coerência da análise institucional no Brasil e mais especificamente no Rio de

janeiro. Segundo Lourau (1993), “Toda nova disciplina ou novo espaço de

saber entram contradição com o saber então instituído.” (p. 7). A análise

institucional como qualquer outra disciplina acadêmica tem forças de teor

instituinte que a leva a entrar em desacordo com o já instituído.

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A década de 60 foi um período difícil da nossa história, porém partiremos

desse momento para pensarmos as condições sobre as quais a análise

institucional foi se tornando possível. O momento do golpe é 1964, mas

também de uma posterior resistência; assim nos lembra algumas músicas do

Tropicalismo, de Chico Buarque e tantas outras canções de protesto. Já se

ouviam os ecos, pela América Latina, da Teologia da Libertação e da educação

popular de Paulo Freire. Depois do AI-5, a repressão levou para a

clandestinidade os grupos de resistência. Já na década de 70, permaneceram

os sonhos de retorno do período democrático, porém, em vários outros países

da América Latina eclodiram ditaduras como no Uruguai, em 74, e na Argentina

e no Chile, em 76.

Nos cursos de psicologia, nos anos 60 e 70, havia um predomínio de

uma formação baseada no modelo norte-americano, contudo, havia,

principalmente, a partir da década de 70, tentativas de se buscar outra

psicologia. Como temos enfatizado os nomes de Silvia Lane, em São Paulo, e

Célio Garcia, em Minas, estavam sendo formados dois centros de crítica e

busca de alternativas para a formação em psicologia. Já no Rio de Janeiro, o

nome do professor Aroldo Rodrigues confluía a resistência daqueles que

pensavam uma nova psicologia. É importante lembrarmos que as tentativas de

fugir ao instituído na psicologia não deixavam inicialmente marcas

institucionais. Os cursos em geral permaneciam com seus currículos

“engessados”, com muitas disciplinas biomédicas e pouca carga horária em

Filosofia, Antropologia e Sociologia. Restava àqueles que buscavam

interlocutores fora da psicologia o espaço dos grupos de estudo. Os cursos do

professor Cláudio Ulpiano (1932-1999)45, nas décadas de 80 e 90, foram

importantes na iniciação de vários psi à obra de Gilles Deleuze.

Com o golpe na Argentina, muitos psicanalistas pertencentes ao grupo

Plataforma foram para vários países da América Latina, e o Brasil foi o destino

de alguns deles. Esse grupo havia se caracterizado principalmente pela

discordância política em relação às “duras” diretrizes da IPA (Associação

Internacional de Psicanálise).

45 Foi professor de filosofia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade Federal Fluminense. Recebia nos seus grupos de estudo, sobre o pensamento de Gilles Deleuze, estudantes de filosofia, psicologia, artistas, médicos e interessados das mais diferentes áreas dentro e fora da academia.

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O IBRAPSI foi fundado por Chaim Samuel Katz, Gregório Baremblit e

Luiz Fernando de Mello Campos, como um espaço de crítica à psicanálise e de

busca da interdisciplinaridade. O projeto inicialmente proposto visava formar

trabalhadores em saúde mental dentro de um referencial marxista. (COIMBRA,

1995). Muitos psicólogos entravam no IBRAPSI para uma formação

diferenciada, com autores desconhecidos, mas que aos poucos se tornaram

importantes para um processo de revisão crítica da psicologia.

Segundo Coimbra (1995):

Tudo o que Foucault, Castel, Deleuze, Guattari, Lourau ou Lapassade haviam dito há muito sobre psicanálise e política, de forma contundente, os profissionais “psi” começavam a avaliar ainda de forma frágil e muito lenta. E, sem dúvida, a segunda geração de argentinos, notadamente ligados ao IBRAPSI, em boa parte, são responsáveis (sic) por isso. Aqueles autores – na época conhecidos por pouquíssimos dentro do movimento “psi” brasileiro – passam a ser difundidos e lidos por um maior número de pessoas, notadamente pelos que transitam no IBRAPSI ou sofrem sua influência no Rio. (p. 168).

Que relação o IBRAPSI tem com o campo da Psicologia Social no Rio

de Janeiro? Como afirmamos anteriormente, os psicólogos da área escolar

foram os primeiros a se interessarem pelos cursos e pelos autores

apresentados pelo IBRAPSI. Mas também havia aqueles psi que não faziam

parte desse grupo, mas que foram influenciados pelos argentinos. Aos poucos,

dependendo da instituição, foram percebidos os respingos que essa instituição

iria deixar na formação dos psicólogos no Rio de Janeiro.

Pensar a história da Psicologia Social no Rio de Janeiro é considerar as

diferenças que havia entre as instituições. A Santa Úrsula, uma Universidade

localizada na zona sul do Rio de Janeiro, apresentava, entre o final da década

de 70 e início da década de 80, um curso de psicologia que escapava, em

alguns momentos, do modelo de formação tradicional. No seu quadro de

professores encontravam-se vários simpatizantes e, pelo menos, um

participante do IBRAPSI. Diante da pergunta: o que você estudava em

Psicologia Social na Santa Úrsula? Aguiar responde:

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O que era apresentado era um panorama geral. Psicologia Social Americana, enfim eles [os professores] chegavam a pegar um pouco de Bleger, o institucionalismo..., mas até Bleger, um pouco do Pichón-Rivière, [...] pegavam a psicologia crítica, havia um diálogo com o marxismo, mas era um painel mesmo. Ninguém defendia, eu não via ninguém como Psicólogo Social na Santa Úrsula, defendendo este campo como uma especificidade. (AGUIAR, K. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007).

Kátia F. de Aguiar graduou-se pela Santa Úrsula, em 1981. Terminou o

Mestrado no Programa de Educação da Universidade Federal Fluminense, em

1990. Finalizou o seu Doutorado no Programa de Psicologia Social na PUC/SP,

em 2003. E atualmente é professora adjunta da Universidade Federal

Fluminense.

Na PUC/RJ, a presença de Aroldo Rodrigues deu visibilidade a

Psicologia Social cognitiva norte-americana e certamente era reconhecida

como um campo da psicologia. Porém, havia uma “outra” Psicologia Social,

que surgiu em contraposição ao modelo norte-americano. Segundo alguns de

nossos entrevistados, essa concepção de Psicologia Social foi surgindo entre

as disciplinas de Psicologia Escolar, com os professores que tinham uma

formação diferente, que liam Marx, que participavam de movimentos sociais,

que liam muitos autores divulgados durante a formação do IBRAPSI. Por isso,

viemos sustentando, ao longo deste capítulo, que a Psicologia Social no Rio de

Janeiro tem elementos para uma história própria.

Neves (2007), a partir da sua experiência como aluna no início da

década de 80, afirma:

[...] a Psicologia Social aparecia por entre as disciplinas do setor de escolar [...]. Havia nesse momento, início dos anos 80, três grandes áreas de concentração na formação do psicólogo na UFF: Clínica, Escolar e Indústria. A área de Social-Institucional surge posteriormente [década de 90] a partir da fusão com o campo de escolar. (NEVES, C., Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007).

Claudia Elizabeth A. B. Neves graduou-se em psicologia pela

Universidade Federal Fluminense, em 1985. Já em 1992 terminou seu

Mestrado, no Programa de Educação, na mesma instituição. Em 2002, obteve

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168

seu Doutorado pelo Programa de Psicologia Clínica da PUC/SP. E atualmente

é professora adjunta da Universidade Federal Fluminense.

O Mestrado de Psicologia Social na Universidade Gama Filho, a partir da

coordenação de Aroldo Rodrigues, sempre foi percebido como um programa no

qual havia total predomínio do referencial norte-americano. O Programa de

Psicologia Social da UERJ é mais recente, datado dos anos 90, e apresenta

um referencial teórico muito mais abrangente. Podemos talvez pensar que o

contorno mais delineado do campo da Psicologia Social no Rio de Janeiro, a

partir da década de 90, ocorra em função de programas que já se direcionam

para esta área, com pesquisas, monografias e teses específicas no campo da

Psicologia Social e com a formação de mestre e doutores em Psicologia Social.

3.7- A Teoria das Representações Sociais

A Teoria das Representações chegou ao Brasil na década de 80, mais

especificamente no ano de 1982, com a visita de Denise Jodelet à

Universidade Federal da Paraíba46, em Campina Grande, para dar um curso

sobre a Representação Social da Saúde Mental e Somática. Em seguida, foi

para João Pessoa a convite da Pós-Graduação em Educação da mesma

universidade. A Profa. Angela Arruda desempenhou um papel importante na

viabilização dessa visita. Jodelet ainda seria convidada por Silvia Lane para

participar da ABRAPSO, em Campinas, e para discussões com alunos da Pós-

Graduação em Psicologia Social na PUC-SP. (SÁ; ARRUDA, 2000).

Tentar explicar a presença da Teoria das Representações Sociais no

Brasil, fazendo menção apenas a esses fatos históricos, vai a princípio contra o

que temos apresentado ao longo desta tese. Porém, como assinalam Sá e

Arruda (2000), “[...] a TRS faz-se através das pessoas, sua motivação, sua

convicção e seu desejo de trabalhar com uma perspectiva teórica determinada,

sua afinidade com outras que trabalham no mesmo campo.” (p. 15). Ainda

segundo os mesmos autores (2000), apenas na década seguinte essa teoria

alcançaria uma maior visibilidade no Brasil.

46 A partir do convite de Maria Auxiliadora Banchs, Doutora sob a orientação de Serge Moscovici, a Denise Jodelet para dar um curso em Caracas, na Venezuela, tornou-se possível sua vinda ao Brasil. (SÁ; ARRUDA, 2000).

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A Teoria das Representações Sociais começou na França com a

publicação de La Psychanalyse, son image et son public de Serge Moscovici,

em 1961. Segundo Sá (2004):

O termo Representações Sociais designa tanto um conjunto de fenômenos quanto o conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-los, identificando um vasto campo de estudos psicossociológicos. A cunhagem deste termo e, portanto, a inauguração do campo devem-se ao psicólogo social francês Serge Moscovici. (p. 19).

Moscovici estabeleceu com a sua teoria uma crítica à Psicologia Social

norte-americana. Suas respostas à crise no campo da Psicologia Social viriam

na forma de novos temas e de uma nova metodologia.

A Teoria das Representações Sociais permitiu um avanço na análise das

relações indivíduo/sociedade. Na Psicologia Social norte-americana, o

indivíduo é estudado como algo isolado, apartado dos fenômenos sociais. “Em

uma Psicologia Social mais socialmente orientada, é importante considerar

tanto os comportamentos individuais quanto os fatos sociais.” (SÁ, 2004, p. 20).

Com o objetivo de superar a perspectiva individualista norte-americana,

Moscovici baseou-se em um importante conceito da sociologia de Durkheim: as

representações coletivas.

Nosso objetivo na apresentação da Teoria das Representações Sociais

não é expor longamente os conceitos desta teoria, mas buscar analisar, a partir

do seu quadro conceitual, temas que discutimos ao longo da tese: a crise na

Psicologia Social, a busca da relevância social, a relação com as demais

teorias no campo da Psicologia Social, além do que é o objetivo principal neste

capítulo: pensar as contribuições desta mesma teoria para a história da

Psicologia Social no Rio de Janeiro. Como fizemos na apresentação da

Psicologia Comunitária e da Análise Institucional, levantamos referências sobre

a teoria das Representações Sociais, além do uso das entrevistas que

realizamos com personagens deste campo.

Segundo Sá (2004):

Para fazer frente à perspectiva individualista ou “psicologista” que se instalara na Psicologia Social, Moscovici foi buscar uma primeira contrapartida conceitual em uma tradição sociológica

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[...]. Trata-se do conceito de representações coletivas, pelo qual Durkheim (1912, 1978) procurava dar conta de fenômenos como a religião, os mitos, a ciência, as categorias de espaço e tempo etc. em termos de conhecimentos inerentes à sociedade. (p. 21).

O conceito de representações coletivas busca explicar como

determinadas “formas elementares” estão presentes nas sociedades. Sobre

esse conceito, Moscovici (2001) afirma: “Tem certa constância, tratando-se de

um conceito, e objetividade, já que é partilhada e reproduzida de modo coletivo.

É o que lhe dá o poder de penetrar em cada indivíduo, como vindo de fora, e se

impor.” (p. 47). A representação coletiva para Durkheim é um conjunto de

saberes, opiniões e formas mentais que se definem a partir de uma

coletividade.

Se foi na sociologia de Durkheim que Moscovici buscou elementos para

se contrapor à Psicologia Social norte-americana, esta aproximação não foi

suficiente para garantir a renovação da Psicologia Social. O seu maior desafio

foi situar este campo entre a psicologia e as ciências sociais, onde teríamos

fenômenos de uma dupla natureza – psicológica e social. (SÁ, 2004).

O abandono do conceito de representação coletiva em favor da noção

de Representações Sociais ocorreu em função de Moscovici ter como objeto

outra ordem de fenômenos. Não estava interessado em estudar as

representações de sociedades primitivas, nem suas permanências em nossa

cultura, mas as representações das sociedades atuais que não se

transformaram ainda em tradições imutáveis. (SÁ, 2004). O sociologismo das

representações coletivas deu lugar a uma teoria mais psicossociológica.

Sobre as Representações Sociais, Jodelet (2001) Afirma:

[...] é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como saber do senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tida como um objeto de estudo tão legítimo quanto este, devido à sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais. (p. 22).

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A partir da análise de uma nova ordem de fenômenos, Moscovici

possibilitou que a Psicologia Social se voltasse para objetos mais sociais.

Temas como: saúde, doença, política, economia, desigualdades sociais,

cidadania, questões ecológicas e tantos outros assuntos passaram a ser

pesquisados no campo da psicologia. As representações sociais presentes em

afirmações e explicações sobre os mais diferentes temas do cotidiano

permitiram uma melhor compreensão da realidade social. Ao ouvir as pessoas

sobre os mais diferentes temas, o psicólogo social não se deparava com

opiniões apenas individuais, mas expressões das “verdades” coletivas,

elaboradas não individualmente, mas coletivamente. A Teoria das

Representações Sociais avançava criticamente sobre o reducionismo

sociológico e psicológico. Sá (2004), baseando-se em Moscovici, afirmou:

Na perspectiva psicossociológica de uma sociedade pensante, os indivíduos não são apenas processadores de informações, nem meros “portadores” de ideologias ou crenças coletivas, mas pensadores ativos que, mediante inumeráveis episódios cotidianos de interação social [produzem suas próprias representações]. [...] Da mesma forma que se trata a sociedade como um sistema econômico ou um sistema político, diz Moscovici (1988), cabe considerá-la também como um sistema de pensamento. (p. 28).

A Teoria das Representações Sociais quando comparada à psicologia

comunitária e à análise institucional, teorias que apresentamos anteriormente

neste capítulo, propicia muitas diferenças nas respostas dadas a alguns temas

que temos desenvolvido nesta tese, como a questão da crise da relevância, por

exemplo. Porém, podemos afirmar que essas teorias se constituíram de fato

em resposta à crise no campo da Psicologia Social. Moscovici, como já

enfatizamos, via na perspectiva norte-americana um predomínio do individual

sobre o social. Sua resposta veio na forma de uma teoria, permitindo à

Psicologia Social repensar este mesmo social. Segundo afirma Spink (1996),

“O campo de estudos das representações sociais emerge, assim, como uma

ampliação da noção de social, possibilitando o que muitos referem como ‘uma

Psicologia Social mais social’.” (p. 169).

Um dos temas que desenvolvemos aqui foi a busca da relevância social

nas pesquisas em psicologia. A resposta da Psicologia Social norte-americana

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ocorreu a partir da Tecnologia Social proposta por Varela. Apontamos para

outra forma de pensar esta mesma questão. Tanto com a psicologia

comunitária quanto com a análise institucional, havia uma crítica aos

postulados positivistas e a possibilidade de pensarmos uma psicologia voltada

para a transformação da realidade social no Brasil. A Teoria das

Representações Sociais propiciou, ao longo das décadas de 80 e 90, a busca

de temáticas mais sociais no campo da Psicologia Social. Porém, a

compreensão da noção de social nesta teoria era distinta e trouxe algumas

dificuldades. Segundo Spink (1996), “a ênfase no social remete à reflexão

sobre o compartilhamento.” (p. 179). As representações sociais nos levam a

um conjunto de conteúdos compartilhados por uma coletividade. Mas o que

seria esse compartilhamento? “[...] o grupo é definido pelo compartilhamento

que por sua vez é critério do que vem a ser uma representação social.” (p.

179). Tal conceito de compartilhamento deixaria de considerar as diversidades

e contradições presentes nas sociedades e apontaria muito mais para os

consensos.

Poderíamos nos perguntar sobre as condições que teriam permitido a

teoria de Moscovici chegar ao Brasil. Segundo Spink (1996), uma possível

resposta estaria no interesse no campo da Psicologia Social no Brasil por

teorias que se voltassem para “valores coletivos”. Podemos, é claro, afirmar

que esta mesma teoria se juntaria à psicologia comunitária e à análise

institucional na critica a Psicologia Social cognitiva norte-americana. Spink

(1996), comentando a relação de Silvia Lane, uma importante crítica da

perspectiva norte-americana, com a Teoria das Representações Sociais,

afirma:

Silvia Lane, da PUC-SP, vinculou-se ao EHESS [École des Hautes Études em Sciences Sociales] como professora visitante [1985], constituindo-se em importante porta-voz da teoria no Brasil, muito embora reinterpretando-a à luz das vertentes sócio-históricas da Psicologia Social. (p. 172).

A Teoria das Representações Sociais teve percursos e importâncias

diferentes no nordeste e no sudeste do país. O trabalho de Arruda (1987), com

o título “A Psicologia Social no Nordeste nos Anos 80: Levantando Dados”,

trouxe um importante balanço sobre a produção no campo da Psicologia Social

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nos anos 80. Após pesquisa em revistas e Programas de Pós-Graduação,

Arruda constatou uma predominância de temas psicossociais.

No ano de 1990, temos como mais um sinal da consolidação desta

teoria no Brasil a abertura de um grupo de trabalho na ANPEPP (Associação

Nacional das Pós-Graduações em Psicologia). Entre seus participantes,

importantes nomes dessa teoria no Rio de Janeiro como os professores Angela

Arruda e Celso Pereira de Sá. Ainda no início da década de 90, podemos

destacar a realização da II Conferência Internacional sobre Representações

Sociais no Rio de Janeiro.

Segundo Sá e Arruda (2000), houve, a partir dos anos 90, um aumento

significativo em termos de produção no campo da Teoria das Representações

Sociais.

Em relação à psicologia comunitária e à análise institucional,

apresentamos o que Lourau denomina de campo de coerência, ou seja, as

possibilidades teóricas, políticas e metodológicas que permitiram a emergência

desses campos. Para a Teoria das Representações Sociais, podemos

considerar que algumas condições foram semelhantes.

Para Sá (2007a), o clima de insatisfação com a ditadura militar se fez

presente na psicologia e foi importante para o clima de crítica que se tornou

possível no final dos anos 70.

Voltando à imbricação entre memórias históricas nacional e acadêmica, parece-me que os “anos de chumbo” – por mais que os seus promotores quisessem justamente o contrário – acabaram por ensejar uma efervescência de idéias e de novas preocupações no domínio das ciências humanas e sociais. Se isso não se manifestou de forma tão espetacular no domínio específico da Psicologia Social, minhas lembranças como estudante de graduação mostram, pelo menos, que algumas das sementes do principal questionamento contemporâneo da disciplina começaram a germinar àquela época. (p. 10).

Podemos pensar, a partir do trecho acima, que a possibilidade da teoria

de Moscovici ter se desenvolvido no Brasil e, mais especificamente, no Rio de

Janeiro, tenha ocorrido em função de um clima de crítica ao modelo social,

político e econômico nos anos 60, 70 e 80, por parte dos movimentos de

resistência, além da busca que já se observava no final dos anos 70, por outro

modelo de psicologia.

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Para Sá (2007b), o rompimento com a Psicologia Social cognitiva norte-

americana já se fazia notar no início da década de 80.

Moscovici era ambicioso, a esse ponto, ele dizia que o trabalho dele fazia uma renovação dos conceitos em Psicologia Social, e outros de outras linhas também se propuseram a isso, pelo menos a possibilidade de uma diversificação metodológica maior, não só a experimentação como método por excelência da Psicologia Social, mas também as observações, pesquisas qualitativas, uma busca de fazer as pessoas falarem mais do que testá-las experimentalmente. Acho que isso foi o resultado desse burburinho do final dos anos 70 e início dos anos 80. (SÁ, Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2007b).

O professor Celso Sá formou-se em Psicologia pela Universidade do

Estado do Rio de Janeiro, em 1971. Concluiu o seu Mestrado em 1978, na

Fundação Getúlio Vargas, e o seu Doutorado pela mesma instituição, no ano

de 1985. Desde 1995, tornou-se professor titular de Psicologia Social da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde atua como professor do curso

de graduação e também da Pós-Graduação em Psicologia Social.

Outra importante personagem da história das representações sociais no

Brasil e no Rio de Janeiro foi Angela Arruda. Sobre sua formação, nos anos 60,

afirma:

[...] naquela época [década de 60], eu comecei a ler o Anti-Édipo, comecei a fazer leituras que eram um pouco diferentes do que se lia em Psicologia Social [...] A orientação do instituto na época não era uma orientação experimentalista. Nós tínhamos professores que eram filósofos, pedagogos, e estava apenas começando a chegar a orientação de laboratório, mas a gente tinha uma marca muito grande das visões gestaltista, fenomenológica, existencial [...]. Minha geração foi formada em um momento pré-experimentalista. (ARRUDA, Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2005).

A professora Angela Arruda formou-se em Psicologia pela Universidade

Federal do Rio de Janeiro, em 1969. Seu Mestrado, defendido no ano de 1981,

foi realizado na École des Hautes Etudes em Sciences Sociales. Já seu

Doutorado, defendido em 1996, foi feito no Programa de Psicologia Social pela

Universidade de São Paulo. Atualmente, é professora adjunta do Instituto de

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Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde faz parte da Pós-

Graduação em Psicologia.

Logo após a sua formação, em 1969, Angela Arruda se exilou no Chile,

e, em seguida, foi para a França. Ainda em meados da década de 70,

freqüentou os seminários de Moscovici.

Em 75, eu conversava com pessoas que eu conhecia da escola, que me diziam que ele era ótimo, e eu gostei muito do que ouvi. Ele tinha uma discussão sobre o porquê de existirem ditaduras e porque elas se instalavam. (ARRUDA. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2005).

A professora Angela Arruda voltou para o Brasil em 1981, com a anistia.

Começou, então, a dar aulas primeiramente em uma universidade particular,

depois em uma universidade estadual. E após um concurso para a

Universidade Federal da Paraíba, em Campina Grande, assumiu a disciplina de

Psicologia Social na mesma universidade. Sua atuação não se restringiu ao

magistério, envolvendo-se também no trabalho com movimentos sociais.

Comentando a sua percepção do campo da Psicologia Social no Brasil, do final

da década de 70 e início da década de 80, ela afirma:

Eu tinha tido contato em Paris [década de 70] com uma menina que tinha vindo da PUC de São Paulo e que trazia alguns textos da Silvia Lane. Percebi que havia uma crítica na forma de pensar a Psicologia Social no Brasil, que era a importação da psicologia norte-americana. Eu vi que havia psicólogos sociais europeus, alguns da década de 60, havia a teoria marxista, a teoria de Moscovici [...]. Eu achei interessante saber que no Brasil já havia esse tipo de perspectiva. (ARRUDA. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2005).

Sobre a ABRAPSO, Angela Arruda comenta a sua participação, na

década de 90, em uma chapa com os professores Luis Antonio Baptista,

Marise Juberg, Lívia Maria do Nascimento e Maria Lúcia Rocha-Coutino. E que

contava ainda com o apoio dos professores Celso Sá, Ricardo Vieiralves e

Milton Athayde.

A ABRAPSO estava muito mal [...] nós tentamos estruturá-la aqui no Rio, mas eu tenho a impressão que é diferente do que

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acontece quando ela está em Minas, no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Quando ela não está nesses lugares é muito difícil e é necessário um grande esforço mesmo. (ARRUDA. Entrevista concedida a Renato Sampaio Lima. Rio de Janeiro, 2005).

Trazer elementos da história da Teoria das Representações Sociais no

Rio de Janeiro para pensar uma história da Psicologia Social nesta mesma

cidade nos leva a considerar a sua quase limitação aos Programas de Pós-

Graduação. Diferentemente das teorias que foram objeto neste capítulo, a

Teoria das Representações Sociais apresenta um maior pertencimento

institucional. Por outro lado, como buscamos apresentar os fatos históricos e

personagens desta teoria no Rio de Janeiro, verificamos pontos em comum

com a psicologia comunitária e a análise institucional. As três teorias

promoveram críticas à Psicologia Social norte-americana e procuraram

apresentar alternativas no campo da Psicologia Social. Seus vários integrantes

tiveram participações importantes na constituição de uma Psicologia Social

plural, sem unidade e identidade. Embora possamos estabelecer algumas

aproximações, esses campos são distintos na compreensão do social,

enquanto práticas de pesquisa e intervenção e na própria compreensão do que

é a Psicologia Social.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da tese buscamos apresentar uma história da Psicologia Social

no Rio de Janeiro entre as décadas de 60 e 90. Inicialmente discutimos a crise

no campo da Psicologia Social e seus desdobramentos teóricos e

metodológicos. A crise que teve início na Europa e nos Estados Unidos

começou a ter repercussão no Brasil apenas na década de 70. Foi a partir

deste cenário, que observamos confrontos no campo da Psicologia Social no

Brasil. De um lado, aqueles que pensavam a Psicologia Social como o estudo

das relações interpessoais, e, de outro, os que buscavam a partir de uma

crítica à Psicologia Social cognitiva norte-americana repensar este mesmo

campo.

Estaríamos diante de um novo paradigma no campo da Psicologia

Social? Vários autores, como apresentamos no capítulo 1, vão sustentar esta

tese. Porém, após examinarmos o conceito de paradigma em Kunh, apontamos

para as dificuldades de tal posição. Esta noção, além de fazer referência a

existência de um novo projeto teórico, faz menção ao surgimento de um novo

consenso. Na psicologia não observamos esta concordância em torno de uma

única teoria ou projeto. Então estaríamos diante de vários paradigmas?

Também, a partir de Kunh, discordamos desta tese, mas reconhecemos,

juntamente com os vários autores citados, o “novo” no campo da Psicologia

Social.

A crise que se instalara no campo da Psicologia Social, em meados da

década de 60, certamente já estava presente na psicologia geral. As já

clássicas palavras de Canguilhem em seu texto, publicado em 1958, “O que é

Psicologia?” tornaram este saber objeto de críticas quanto à sua cientificidade

e de suspeita quanto a sua vocação de saber do controle social. Na discussão

desta crise presente tanto na psicologia mais geral quanto na Psicologia Social,

buscamos pensá-la não como um momento de rompimento, mas como uma

reflexão presente permanente sobre as suas bases teóricas e metodológicas.

No Brasil, nas décadas de 60 e 70, tivemos como modelo hegemônico a

Psicologia Social cognitiva norte-americana. No Rio de Janeiro, Aroldo

Rodrigues representava esta posição teórica que se baseava na universalidade

dos conceitos e no individualismo. Em São Paulo, no final da década de 70, a

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figura de Silvia Lane, com suas idéias e projetos, começava a se constituir no

“novo” no campo da Psicologia Social no Brasil. Em Minas Gerais, o Setor de

Psicologia Social de Célio Garcia era uma outra importante referência de crítica

a esta Psicologia Social com fundamentos positivistas. Outro importante nome

que demos visibilidade, ao longo do capítulo 3, foi o de Eliezer Schneider. No

Rio de Janeiro, sua orientação para outros campos, indo além da psicologia,

como a sociologia e a antropologia permitiu a uma geração de psicólogos que

se formava no final da década de 60 e início da década de 70, despertar para

temas psicossociais.

A partir do rompimento com o modelo da Psicologia Social cognitiva

norte-americana e da busca de novos referenciais teóricos e metodológicos por

parte de alguns psicólogos sociais no Brasil e na América Latina, foi possível

percebermos a preocupação com a questão da relevância social nas pesquisas

em Psicologia Social. Ao longo das décadas de 70 e 80, observamos uma

maior preocupação com o social na psicologia. Mesmo entre os psicólogos

sociais adeptos do referencial norte-americano houve uma busca da relevância

social em suas pesquisas a partir da noção de Tecnologia Social. No entanto,

entre aqueles psicólogos sociais críticos do modelo cognitivo, defendido por

Aroldo Rodrigues, a preocupação com o social não se reduzia ao uso da

Psicologia Social para a solução de problemas sociais, mas para a

transformação das estruturas sociais.

Como enfatizamos no capítulo 2 desta tese, os acontecimentos

históricos, sociais e políticos ocorridos no Brasil nas décadas de 60, 70 e 80

foram importantes para que determinados temas passassem a mobilizar os

psicólogos em geral e os psicólogos sociais em particular. Os enunciados de

justiça social, democracia e identidade nacional, entre outros, foram

importantes na definição de novos caminhos para a Psicologia Social no Brasil

e na América Latina.

No terceiro e último capitulo, sustentamos a idéia de que a Psicologia

Social no Rio de Janeiro, até pelo menos o final dos anos 90, não se definia

como um campo particular e específico da psicologia. O movimento

institucionalista no Rio de Janeiro, além de ser uma das teorias responsáveis

pela crítica a noções fundamentais da Psicologia Social cognitiva norte-

americana, foi essencial na não estruturação da Psicologia Social como uma

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especialidade da psicologia. As teorias da psicologia comunitária e das

representações sociais foram importantes no movimento de crítica a um

modelo de Psicologia Social. A psicologia comunitária no Rio de Janeiro,

principalmente na década de 80, diferentemente de São Paulo e Minas Gerais,

pode ser pensada mais como uma expansão de campo de trabalho para os

psicólogos clínicos do que o engajamento em um projeto de transformação da

realidade social brasileira. Já a teoria das representações sociais, além de

permitir uma expansão dos temas em Psicologia Social, se caracterizou por um

maior pertencimento institucional aos programas de pesquisa em psicologia

que começavam a se multiplicar e diversificar nas décadas de 80 e 90. Não foi

nosso objetivo a apresentação da história destas teorias, mas a contribuição

das mesmas para a história da Psicologia Social no Rio de Janeiro.

Ainda no capítulo 3, analisamos a fala dos entrevistados com o objetivo

de buscar concordâncias em relação a determinados fatos, mas também

discordâncias relativas à Psicologia Social: sua compreensão, seus rumos no

Rio de Janeiro, bem como a contribuição dos entrevistados para este mesmo

campo de conhecimento.

Fazer uma tese em história da psicologia nos levou inicialmente a

algumas indagações: que relações poderíamos estabelecer entre os campos

da psicologia e o da história? De que história trataríamos? Faríamos uma

alusão ao passado longínquo da Psicologia Social? Apresentaríamos nomes de

Precursores? Estes incômodos nos levaram a uma pesquisa na qual não

buscamos definir uma história única ou a verdadeira história da Psicologia

Social no Rio de Janeiro. Não ocupamos um lugar neutro na escolha de nosso

tema, nem tampouco na definição de nossos interlocutores, ou na escolha de

nossos entrevistados. A história que buscamos apresentar é apenas uma entre

outras possíveis histórias sobre a Psicologia Social no Rio de Janeiro.

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