relexão crítica sobre a cidadania

13

Click here to load reader

Upload: webmatdeza

Post on 04-Dec-2015

214 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Trabalho realizado no âmbito do mestrado em ensino.

TRANSCRIPT

Page 1: Relexão crítica sobre a cidadania

Universidade do MinhoInstituto de Educação

Reflexão críticasobre o seminário

Trabalho da unidade curricular Coordenação Educativa e Direcção de Turma

Docente: Doutora Fernanda Martins

Carla Cristina Rocha Gomes Larsen

Mestrado em Ensino da Matemática

no 3º ciclo do Ensino Básico e no Secundário

Maio 2010

Page 2: Relexão crítica sobre a cidadania

Objectivos do seminário

Promover a reflexão crítica e o debate sobre duas dimensões

educativas fundamentais na escola pública portuguesa: a educação

cívica e a formação para uma cidadania democrática.

Programa

Abertura

Manuel Jacinto Sarmento

(Director do Departamento de Ciências Sociais da Educação, da Universidade do Minho)

Painel I – Escola Pública, Educação Cívica e Cidadania Democrática: perspectivas teóricas.

Isabel Menezes

(Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade

do Porto)

Licínio C. Lima

(Departamento de Ciências Sociais da Educação da Universidade do

Minho)

Painel II – Formar a Infância e a Juventude com Valores Cívicos e

Democráticos: acção na escola e na sociedade.

Filipe Rocha e Manuel Brito

(Agrupamento de Escolas de Agra e Lima – Lanheses)

Gabriela Nunes

(Projecto Puerpolis, Carta de Cidadania da Infância – S. Torcato –

Guimarães)

Ana Cristina Costa

(QUERCUS – Núcleo Regional de Braga)

2

Page 3: Relexão crítica sobre a cidadania

Objectivo deste trabalho Fazer uma síntese das ideias apresentadas por cada um dos oradores

do Painel I e da primeira intervenção do Painel II bem como uma

reflexão crítica sobre as mesmas.

Intervenção de Isabel Menezes – ideias gerais

Durante a ditadura, a escola funcionou como um instrumento do regime,

não havendo portanto lugar para as ideias democráticas. É mais tarde,

nas décadas de 80 e 90, em sintonia com as reformas curriculares

levadas a cabo um pouco por toda a Europa, que a educação para a

cidadania passa a ter um local de destaque na Escola Portuguesa. E

porquê essa preocupação generalizada pelas questões da cidadania?

Uma série de acontecimentos (o confronto na ex-Jugoslávia, eleições com

votos elevados na extrema direita que revelaram racismo, xenofobia,…)

revelaram que alguns valores estavam em crise e que era urgente mudar

mentalidades. A cidadania passa então a ser uma preocupação

académica, política e social.

É com a reorganização curricular de 2001 - com o DL nº 6/2001 - que a

educação para a cidadania se afirma completamente na Escola

Portuguesa. Para além de o tema ser considerado transversal a todas as

disciplinas, é agora criada uma área curricular não disciplinar para a

promoção da cidadania: a Formação Cívica. Aparece então uma solução

curricular pensada para resolver uma série de problemas. Mas na prática,

a maior parte das vezes, esse tempo está a ser usado pelo Director de

Turma para tratar dos assuntos burocráticos da turma. Faz sentido que

os Directores de Turma falem destas coisas, mas não neste espaço.

A cidadania é um conceito problemático. Há uma contaminação do

conceito: confundem-se os problemas juvenis e socais com cidadania.

Temas como a droga, o alcoolismo, entre outros, são vulgarmente

tratados neste tema. Mas isto não são questões de cidadania. Há,

portanto, uma burocratização, uma psicologização do conceito: todos os

temas vão parar à educação para a cidadania.

3

Page 4: Relexão crítica sobre a cidadania

A educação para a cidadania constrói-se nos espaços em que vivemos: a

família, a escola, as associações, os media, desempenham um papel

nuclear nesse processo. Mas se a promoção da cidadania não é apenas

uma responsabilidade da escola é, certamente, também uma

responsabilidade da escola. E como se faz? É importante começar por

pensar a educação para a cidadania em função das vivências na escola.

Por exemplo, há escadas reservadas aos professores porque sempre foi

assim? E se é assim, que mensagem transmite esse regulamento aos

alunos?

Assim, se se quer que a Escola seja um espaço para a educação para a

cidadania, tem que ser primeiramente um espaço para o exercício dessa

mesma cidadania.

Falta política na escola. A Escola deve ser contexto de aprendizagem

política porque é um espaço onde interagem, inevitavelmente, pessoas

diferentes que se envolvem ou deveriam envolver na resolução de

problemas comuns. Não desvalorizando o papel dos dispositivos

curriculares que estão actualmente em vigor com o objectivo explícito de

promover a cidadania dos alunos, como é o caso da Formação Cívica e da

Área de Projecto, a vivência da escola, tanto dentro quanto fora dos seus

muros, na sua relação com a comunidade envolvente, propicia um

conjunto de oportunidades para aprender sobre o poder, a negociação, a

discussão e a participação, competências essenciais para o exercício de

múltiplos papéis na comunidade, incluindo o papel de cidadã/o. Para

além disso, a democracia só sobrevive porque há lugar para o

reconhecimento e a expressão pública da diversidade e do pluralismo.

Intervenção de Licínio Lima – ideias gerais

O projecto da Escola Pública foi uma criação estatal e tem a ver com a

criação de uma categoria de sujeitos: o cidadão. É um projecto através

do qual a geração adulta educa a geração jovem. Mas nem sempre esta

cidadania foi democrática.

Na Escola, as coisas não melhoraram, pioraram nos últimos 15 anos.

Continuamos a viver num sistema centralizador e acima de tudo

4

Page 5: Relexão crítica sobre a cidadania

burocrático, incompatível com uma educação democrática. Num estado

centralizador, onde tudo é controlado por ele (currículo, pedagogia,

avaliação…), exige-se, por exemplo, projecto educativo mas na

realidade, este é um projecto educativo do estado, só muda o nome.

A produção de resultados escolares parece ser a missão principal da

escola. Os próprios pais são os primeiros a pensar apenas em resultados

académicos. E onde está o interesse pela educação para a cidadania?

Numa altura em que a indisciplina está na ordem do dia, fala-se que é

preciso repor a autoridade do professor típico da escola antiga. Não será

um paradoxo opor autoridade à liberdade típica da educação para a

cidadania? Mas ao mesmo tempo, parece que a crise na educação advém

de pedagogia a mais, ensino a mais e liberdade a mais.

Apesar de as escolas estarem dotadas de alguns instrumentos de

autonomia, como sejam os projectos educativo e curricular de escola,

bem como o regulamento interno, assiste-se no entanto a um

desinteresse generalizado por parte dos professores na sua elaboração.

Se o professor não é cidadão da própria escola, como há-de ser um

cidadão a uma escala maior como cidadão português ou europeu? Está a

deitar fora a oportunidade de se fazer ouvir. As escolas não têm,

portanto, aproveitado as margens de autonomia que lhe foram dadas.

A recente criação da figura de director é um atentado à democracia na

escola. Nessa remodelação da gestão escolar, fala-se na necessidade de

uma figura forte, uma liderança individual. Mas não é isso que tínhamos

no tempo da ditadura? Parece que insistem nos mesmos erros. O director

acaba por ser o rosto do governo na escola e os professores também têm

que o ser, ou colidirão com os seus interesses. Aqui está mais um sinal

da gestão centralizadora por parte da administração central.

A democracia está ausente da Escola mas no entanto é nessa mesma

Escola que se pretende formar cidadãos democráticos. Nós precisamos

de um indivíduo participativo porque só se aprende a participar,

participando.

5

Page 6: Relexão crítica sobre a cidadania

Nós não nascemos cidadãos (armados das dimensões culturais),

crescemos tornando-nos cidadãos.

Intervenção de Filipe Rocha e Manuel Brito –

ideias gerais

Apresentação do projecto educativo do Agrupamento de Escolas de Arga

e Lima que tem por base a ideia de Escola Comunidade Educativa,

assentando na valorização e partilha de responsabilidades dos diversos

intervenientes no processo educativo.

Escola pensada como um espaço humanizado onde se cultivam valores

como a liberdade e participação, responsabilidade, tolerância,

solidariedade e onde se procuram consensos, tendo, como fim último a

formação de cidadãos que desenvolvam atitudes e valores de respeito

por si próprio e pelos outros. Não se pretende, pois, apenas a instrução

dos alunos, desenvolver as suas competências cognitivas, mas sim

potencializar a sua inserção na sociedade com um papel participativo,

responsável, cooperante e capaz de mudar e de se adaptar à mudança.

Propõem, assim, uma acção educativa humanista, centrada no aluno.

Princípios orientadores/eixos do projecto educativo do agrupamento, no

âmbito da promoção do civismo e da cidadania democrática: promover

uma educação que

forme cidadãos educados e responsáveis (ser assíduo, pontual,

cumpridor das tarefas…)

vise a participação consciente e democrática dos jovens e adultos

no mundo que os rodeia

promova e desenvolva o respeito por si, pelos outros, pelo

ambiente, fomentando práticas de vida saudáveis

promova a cooperação, colaboração e interacção activa de todos

os elementos que constituem a comunidade educativa

promova a inclusão e a integração de todos os alunos

6

Page 7: Relexão crítica sobre a cidadania

Acreditando que os valores democráticos só se ensinam, praticando-os, e

que a responsabilidade da Escola na educação da cidadania vai para

além da Escola, o agrupamento apresentou uma série de projectos que

visam não só a participação do aluno no dia-a-dia da Escola bem como o

reforço dos laços com a comunidade em que estão inseridos. Alguns

exemplos:

eleição do aluno representante por freguesia, o qual, junto do

Órgão de Administração e Gestão, assume o papel de porta voz,

comunicando os problemas e dificuldades dos seus pares, tais

como situações relacionadas com a falta de iluminação nos

trajectos entre a paragem do autocarro e a residência dos alunos,

atrasos nos transportes escolares, entre outros.

figura do aluno-tutor, escolhido pelo pupilo, que tem por função

acompanhá-lo, facilitando a sua integração no Agrupamento.

figura do padrinho ou madrinha da turma, os quais apresentam a

Escola quando os alunos do 5º a contactam pela primeira vez,

relação que se mantém muitas vezes mesmo quando o

padrinho/madrinha terminou os estudos.

envolvimento dos alunos na vida da organização escolar,

nomeadamente na elaboração do Regulamento Interno do

Agrupamento, facto que demonstra o seu papel activo nas normas

das quais são destinatários.

cabaz de Natal, envolvendo funcionários, alunos e professores,

incentivando à solidariedade, à partilha e reforçando os laços entre

os membros da comunidade.

corso carnavalesco, marchas populares, com carácter interventivo,

chamando a atenção para aspectos importantes e algumas com a

colaboração dos encarregados de educação.

Uma reflexão crítica Analisando as duas intervenções do Painel I, notou-se uma maior

organização e estruturação do discurso, por parte do Professor Licínio

Lima. Com um estilo bem mais interventivo, criticou bastante o Ministério

da Educação pela sua gestão burocrática e centralizadora, gestão essa

que acaba por ser um atentado à tão apregoada cidadania. Como se

7

Page 8: Relexão crítica sobre a cidadania

pode promover a cidadania numa escola não democrática? Mas também

não deixa de ser caricato que, apesar de tanto se falar na autonomia da

Escola e dos professores e no quanto ela é retórica (por causa da acção

centralizadora e reguladora do estado), o certo é que, mesmo quando

essa autonomia se pode fazer ouvir, como sendo os projectos educativos

e curriculares, pouca participação há. Por uma lado, reivindica-se mais

autonomia, mas quando se a tem, parece não ser usada. Não estará esta

falta de autonomia a ser mais usada como desculpa para atacar o poder

central, do que a ser uma necessidade realmente sentida pelos

professores e pela Escola? E o que estará por detrás desta

descentralização e crescente autonomia da Escola decretada pelo

governo a partir dos finais da década de 80 ? Sabe-se que este processo

não surgiu por pressão dos professores ou das suas estruturas

representativas… Parece ter surgido mais como uma necessidade política

quando se verificou que o modelo centralista não respondia cabalmente

às questões educativas colocadas pelos novos tempos.

Realço também a importância que os resultados escolares têm no actual

panorama educativo. São os pais, são as escolas, são os media… que não

pensam noutra coisa. As escolas com os seus quadros de honra, os

rankings nacionais invadem a comunicação social…. E os rankings dos

valores cívicos, onde estão eles? As Escolas que ocupam as primeiras

posições nos rankings, orgulham-se dos serviços prestados. Mas serão os

resultados escolares sinónimo de sucesso e felicidade pessoal ou

garantia de que ali se encontram os membros da verdadeira comunidade

de cidadãos? Não poderão esses alunos brilhantes viver á margem dos

valores defendidos pela cidadania e pelo civismo? Não estou contra os

bons desempenhos escolares, pelo contrário, apenas quero lembrar que

há valores que devem ser promovidos para o bem de uma sociedade

coesa e justa e que parecem estar subvalorizados. Ou valorizados apenas

nos normativos e nos projectos educativos, de forma retórica.

Quanto à intervenção da Doutora Isabel Menezes, não posso deixar de

reflectir sobre o conceito de cidadania que parece dominar nas nossas

escolas. É verdade que qualquer tema acaba por cair na aula de

Formação Cívica, mesmo aqueles que nada têm a ver com o assunto. E

não será isto um sinal de que os professores estão a tentar desempenhar

8

Page 9: Relexão crítica sobre a cidadania

um papel para o qual não foram preparados? A Administração Central

decreta a criação de novas áreas curriculares não disciplinares, introduz

a Formação Cívica, como se a contemplação de uma hora por semana

nos horários dos alunos dedicada exclusivamente a esta temática, seja

garantia absoluta de que iremos criar uma nova geração de cidadãos

bem formados. Mas, e os formadores? Serão eles cidadãos bem

formados? Ser professor é sinónimo de capacidade de promover a

cidadania e o civismo? Depois não se admirem que a Formação Cívica

seja usada para tratar de assuntos burocráticos ou que qualquer tema vá

lá parar. Concordo plenamente com a criação desta área curricular mas

penso que deveria ser leccionada por professores previamente formados

para tal. Mas o que aconteceu é que ela caiu de pára-quedas na Escola e

os professores tiveram que improvisar. Agora já vai havendo uns

manuais e alguma formação, mas sabe-se que o tema é, uma grande

parte das vezes, erroneamente tratado nas escolas.

Também não posso deixar de referir que sempre concordei que a Escola

tivesse a função de educar e não apenas instruir. Mas esta opinião não é

partilhada por todos os professores, apesar de pertencerem a um

sistema educativo que defende que a Escola também tem por missão

educar. Frequentemente os ouvi dizer que a educação deve vir de casa.

Sim, deve vir também de casa. Mas com o alargamento da escolaridade

obrigatória e com o elevado número de horas que os jovens passam na

escola, não se pode perder a oportunidade de tentar formar e educar

mentalidades. Na sociedade actual em que pais e mães estão a maior

parte do dia fora, a trabalhar, os alunos passam muito mais tempo na

escola do que com a família. Aliás, o que fazer com aqueles cujos pais

vivem à margem da sociedade ou cujas famílias não funcionam? Não

estariam estes alunos condenados à partida a perpetuar o

comportamento dos pais? Não será esta uma oportunidade de fazer com

que todos tenham acesso a uma mesma educação, independentemente

dos meios de origem?

Quanto à intervenção do Agrupamento de Escolas de Arga e Lima, gostei

de ver como as questões da cidadania são trabalhadas na prática. É

verdade que não se pronunciaram sobre como se processam as aulas de

Formação Cívica e quais os temas que tratam mas, atendendo aos

9

Page 10: Relexão crítica sobre a cidadania

projectos que apresentaram, parece-me que usarão essa hora de forma

adequada. Mas é apenas uma dedução. Para mim, mais importante do

que saber como as questões são tratadas na teoria, é a forma como são

vivenciadas na prática. Essa, sim, constitui a verdadeira aprendizagem.

As palavras bonitas são fáceis de arranjar, as acções já nem tanto.

Apercebi-me de uma grande participação dos alunos na vida da escola e

da promoção de laços com a comunidade. Se a Escola quer transmitir

determinados valores, há que dar o exemplo ou não passará, mais uma

vez, de uma educação retórica.

Concluindo, a escola deve possibilitar a aprendizagem de valores,

normas e regras de conduta com vista à inserção dos alunos na vida

comunitária. Mas essa aprendizagem deve ser feita pela vivência. A

Escola deverá constituir uma comunidade capaz de reproduzir as

condições da vida social e permitir que o aluno aprenda a viver em

sociedade… vivendo.

Gosto, particularmente, desta definição de cidadania:

“ A cidadania é responsabilidade perante nós e perante os outros,

consciência de deveres e de direitos, impulso para a solidariedade e para

a participação, é sentido de comunidade e de partilha, é insatisfação

perante o que é injusto ou que está mal, é vontade de aperfeiçoar, de

servir, é espírito de inovação, de audácia, de risco, é pensamento que

age e acção que se pensa.” – Jorge Sampaio

10