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Relatório Final de Estágio Mestrado Integrado em Medicina Veterinária MEDICINA E CIRURGIA DE ANIMAIS DE COMPANHIA Cirurgia de Animais de Companhia Luís Miguel Lobarinhas Campos Orientadora: Ana Lúcia Emídia de Jesus Luís, DVM, PhD Co-Orientador: André Gomes Pereira, DMV (Centro Hospitalar Veterinário, Porto) Porto 2020

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Page 1: Relatório de estágio · 2020. 6. 26. · III Resumo O presente relatório final de estágio é o culminar do curso Mestrado Integrado em Medicina Veterinária e tem como objetivo

Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

MEDICINA E CIRURGIA DE ANIMAIS DE COMPANHIA

Cirurgia de Animais de Companhia

Luís Miguel Lobarinhas Campos

Orientadora:

Ana Lúcia Emídia de Jesus Luís, DVM, PhD

Co-Orientador:

André Gomes Pereira, DMV (Centro Hospitalar Veterinário, Porto)

Porto 2020

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Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

MEDICINA E CIRURGIA DE ANIMAIS DE COMPANHIA

Cirurgia de Animais de Companhia

Luís Miguel Lobarinhas Campos

Orientadora:

Ana Lúcia Emídia de Jesus Luís, DVM, PhD

Co-Orientador:

André Gomes Pereira, DMV (Centro Hospitalar Veterinário, Porto)

Porto 2020

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III

Resumo

O presente relatório final de estágio é o culminar do curso Mestrado Integrado em

Medicina Veterinária e tem como objetivo a apresentação e discussão de cinco casos clínicos da

área de cirurgia de animais de companhia. O meu estágio foi realizado no Centro Hospitalar

Veterinário (CHV), no Porto, e teve a duração de 16 semanas compreendidas entre setembro de

2019 e fevereiro de 2020.

No CHV participei em todo o seu funcionamento quotidiano, com rotações semanais pelas

áreas de internamento, cirurgia, anestesia e imagiologia. Tive a oportunidade de acompanhar e

colaborar ativamente na realização de consultas, de exames de estado geral e dirigidos, na

discussão e elaboração de diagnósticos, na realização e interpretação de exames

complementares, na estruturação de planos de tratamento e no planeamento e realização de

variados procedimentos anestésicos e cirurgicos.

Tendo como uma das principais áreas de interesse a cirurgia de animais de companhia,

procurei ao longo deste estágio aprofundar conhecimentos não só nesta área, mas também

desenvolver a capacidade de raciocínio clínico num âmbito mais alargado de especialidades

médicas. Para isso, procurei aplicar os conhecimentos teórico-práticos, adquiridos ao longo do

curso, a casos clínicos e animais reais. Pretendi ainda desenvolver a capacidade de

comunicação com o corpo clínico e proprietários dos animais e a aptidão para realizar de forma

autónoma os diversos procedimentos clínicos de rotina necessários para o tratamento de um

paciente.

No final deste estágio, sinto que os objetivos planeados foram cumpridos e que adquiri

autonomia, confiança e responsabilidade para fazer face aos novos desafios que se avizinham

nas etapas que se seguem.

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IV

Agradecimentos

Ao meu Pai, por ter cultivado em mim a paixão pela Medicina Veterinária e por me ter

garantido todas as condições para perseguir este sonho, que em tempos também foi o dele. À

minha Mãe, por nunca ter deixado que este sonho se desmoronasse, principalmente quando a

porta para a Medicina Veterinária parecia encerrada, já depois ter terminado uma licenciatura. E

aos meus irmãos, por fortalecerem esta família sempre com humor e alegria.

À Ana, a minha melhor amiga e amor eterno, por ser a rede sob o trapézio, que me suporta

nas quedas e por depositar em mim uma confiança incondicional para conseguir dar um salto

ainda maior que o anterior. Em jeito de dedicatória a esta super heroína, que como profissional

de saúde está todos os dias na linha da frente no combate a doenças maléficas, quando chegar

a médico veterinário quero ter o mesmo grau de dedicação pelos animais que tu tens pelos teus

pacientes humanos.

Aos Índios, Di, Diana, Ju, Tizão, Brás, Beagle, Cris, Filas, Marques, Marta, Ricardo e

Tânia, por há já mais de uma década proporcionarem os melhores momentos de macacadas e

garantirem sempre a salvação para todos os males. Ao Paulo e Abel, “irmãos” da primeira

jornada académica, pelos bons reencontros que vamos mantendo.

À Professora Doutora Ana Lúcia, por ter estimulado o meu interesse pela cirurgia, pela

forma meticulosa mas sempre alegre, entusiasmante e motivadora com que lecionou a unidade

curricular de cirurgia. E agora nesta última etapa do curso, por ter aceite orientar o meu estágio

e pelas sugestões e esclarecimento de dúvidas durante a elaboração deste relatório.

A toda a equipa do CHV, em especial ao Doutor André Pereira, pela forma atenciosa com

que cada uma das cerca de 30 pessoas, entre médicos e enfermeiros, demonstraram

disponibilidade constante para me transmitir conhecimentos, experiência e vontade em contribuir

para a minha formação. Foram todos co-orientadores excecionais. E aos colegas de estágio,

pela entreajuda e momentos de boa disposição, essenciais para que cada turno fosse sempre

passado com alegria e motivação.

Aos Professores do Curso pela excelência e qualidade do ensino prestado. E por fim, aos

meus excecionais colegas de curso, pela entreajuda e cooperação constante ao longo destes 6

anos.

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V

Abreviaturas

AAC – ameloblastoma acantomatoso canino AINE – anti-inflamatório não esteroide ALT – alanina aminotransferase BID – duas vezes ao dia BOAS – brachycephalic obstructive airway syndrome – síndrome obstrutivo das vias aéreas superiores dos braquicéfalos bpm – batimentos por minuto CC – condição corporal CCEO – carcinoma de células escamosas oral CID – coagulacao intravascular disseminada cm – centímetro CRI – constant rate infusion - infusão continua DDIV– doença do disco intrervertebral DTG – dilatação com torção gástrica ECG – eletrocardiograma ETCO2 – fração expirada de dióxido de carbono FA – fosfatase alcalina FC – frequência cardíaca FFP – palatoplastia por flap sobreposto FR – frequência respiratória G – gauge g – grama h – hora H20 – agua IM – via intramuscular IV – via intravenoso kg – quilograma L – litro LR – lactato de Ringer mEq – milequivalente mg – miligrama min – minuto mL– mililitro mm – milímetro mmHg – milímetro de mercúrio

mmol – milimole MAD – membro anterior direito MAE – membro anterior esquerdo MP – membros posteriores MPD – membro posterior direito MPE – membro posterior esquerdo NaCl – cloreto de sódio O2 – oxigénio PAS – pressão arterial sistólica PCO2 – pressão parcial de dióxido de carbono PO – via oral ppm – pulsações por minuto q6h – a cada 6 em 6 horas QID – quatro vezes ao dia RM – ressonância magnética rpm – respirações por minuto Rx – radiografia convencional s – segundo SC – via subcutânea SID – uma vez ao dia SNC – sistema nervoso central SPO2 – saturação periférica de oxigénio TC – tomografia computorizada TID – três vezes ao dia TRC – tempo de repleção capilar U – unidade VPC’s – ventricular premature complexes – complexos ventriculares prematuros WBP – pletismografia barométrica de corpo inteiro º - grau μg – micrograma ºC – grau Celsius % - percentagem > - maior < - menor ® - produto registado

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VI

Índice

Resumo.........................................................................................................................................III

Agradecimentos...........................................................................................................................IV

Abreviaturas..................................................................................................................................V

CasoClíniconº1–Anestesiologia:Ameloblastomaacantomatosocanino....................................1

CasoClíniconº2–SistemaRespiratório:Síndromedasviasaéreasdosbraquicefálicos..............7

CasoClíniconº3–SistemaCardiovascular:Efusãopericárdicaidiopática...................................13

CasoClíniconº4–SistemaNeurológico:Doençadodiscointervertebral...................................19

CasoClíniconº5–SistemaDigestivo:Dilataçãocomtorçãogástrica..........................................25

Anexos..........................................................................................................................................31

AnexoI-CasoClíniconº1.......................................................................................................................31AnexoII-CasoClíniconº2......................................................................................................................32AnexoIII-CasoClíniconº3.....................................................................................................................34AnexoIV-CasoClíniconº4....................................................................................................................35AnexoV-CasoClíniconº5.....................................................................................................................36

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CasoClíniconº1–Anestesiologia:Ameloblastomaacantomatosocanino

1

Caso Clínico nº1 – Anestesiologia: Ameloblastoma acantomatoso canino

Caracterização do animal: O Camilo era um cão, macho castrado, american

staffordshire terrier de oito anos e 29 kg. Motivo da consulta: Tumefação facial esquerda,

sialorreia e halitose. História clínica: O Camilo estava corretamente vacinado e desparasitado.

Vivia numa vivenda com jardim privado, sem outros animais coabitantes. Tinha o hábito de roer

objetos estranhos, mas sem acesso a lixo nem a tóxicos. Era alimentado com ração seca

apropriada. Sem antecedentes médicos ou cirúrgicos. Anamnese dirigida: Os tutores referiram

episódios de sialorreia durante as refeições, com evolução e agravamento desde há um mês,

por vezes com dificuldade na apreensão do alimento. Aparentemente sem dor ou disfagia.

Exame físico: O Camilo apresentava atitude em estação, movimento e decúbito adequados.

Estava alerta e com um temperamento equilibrado. Apresentava uma condição corporal de 3/5.

Constatou-se hipertrofia do gânglio linfático mandibular esquerdo, indolor à palpação. Os

restantes parâmetros do exame geral não revelaram anomalias. No exame da cavidade oral,

detetou-se uma massa proliferativa na região do osso maxilar/palatino associada ao 1º molar

superior esquerdo. Diagnósticos diferenciais: Hiperplasia gengival; Abcesso; Odontoma;

Plasmocitoma; Ameloblastoma; Melanoma maligno; Carcinoma de células escamosas;

Fibrossarcoma; Osteossarcoma. Exames complementares: TC do crânio – massa oral ao nível

do 1º molar superior esquerdo sem evidência de metástases, com envolvimento ósseo e tecidos

moles da região caudal da maxila esquerda (Anexo I, Figura 1); Exame histopatológico –

resultado compatível com ameloblastoma acantomatoso. Diagnóstico definitivo: Ameloblastoma acantomatoso canino (AAC) com hiperplasia linfoide reativa. Procedimento anestésico: Analisou-se o hemograma e o painel bioquímico sérico, cujos valores se mostraram

dentro dos parâmetros normais de referência. O Camilo foi sedado com dexmedetomidina

(5µg/kg) e metadona (0,3mg/kg) por via IM. Vinte minutos mais tarde foi cateterizado na veia

cefálica do MAD, procedeu-se à indução anestésica com propofol (6mg/kg, IV) e iniciou-se

fluidoterapia com LR (5mL/kg/h, IV). Realizou-se a tricotomia da hemiface esquerda, sempre

atentando o TRC e a cor das mucosas, o pulso e as rpm, com o animal a receber oxigénio a

100% através de máscara facial. Já na sala de cirurgia, foi entubado com um tubo endotraqueal

de 8mm de diâmetro e ligado a um circuito fechado circular para administração de oxigénio entre

0,6 e 1,5L/min e sevoflurano entre 1,5 a 2%, para manutenção da anestesia. Iniciou-se ventilação

mecânica por volume, com um volume corrente de 290mL, pausa inspiratória de 25% e uma FR

de 14rpm, mantendo ETCO2 entre 35 e 45mmHg, e pressão máxima de 40. De seguida,

posicionou-se o animal em decúbito lateral direito e iniciou-se a lavagem assética usando

povidona iodada. Com o objetivo de realizar uma analgesia local na região a intervencionar

cirurgicamente, realizou-se o bloqueio anestésico do nervo maxilar através de acesso extra-oral

(Anexo I, Figura 2). A depressão formada entre porção caudal da maxila, o bordo ventral do arco

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CasoClíniconº1–Anestesiologia:Ameloblastomaacantomatosocanino

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zigomático e o ramo vertical da mandibula, localizada ventralmente ao canto lateral do olho

esquerdo, foi o ponto de referência usado para se introduzir uma agulha de 22G de 2,5cm,

paralelamente ao plano do palato duro e rostralmente, até tocar na lâmina perpendicular do osso

palatino. Retraiu-se a agulha entre 1 a 3mm, aplicou-se pressão negativa para prevenir uma

administração intravascular e administrou-se 0,4mL de ropivacaína. Para auxiliar neste processo

usou-se um ecógrafo com sonda linear colocada sobre a região infra-orbitária. Durante a cirurgia

foi monitorizado o ECG, a SPO2, o ETCO2, a FR, as pressões arteriais sistólica, diastólica e

média, e a temperatura. Realizou-se antibioterapia profilática com uma administração de

cefazolina (22mg/kg, IV) imediatamente antes da cirurgia e outra administração 90 minutos após

o início desta. Para controlo da dor intraoperatória administrou-se cetamina (1mg/kg). Foram

calculadas doses de fármacos para administrar rapidamente em caso de emergência,

nomeadamente adrenalina (0,02mg/kg), atropina (0,02-0,05mg/kg) e lidocaína (2mg/kg). O

Camilo mante-se estável durante toda a cirurgia. Procedimento cirúrgico: Cantotomia da

comissura labial esquerda seguida por uma maxilectomia caudal esquerda desde o 3º pré-molar

ao 2º molar superiores esquerdos, com remoção “em bloco” da massa com margens de 2cm

(Anexo I, Figura 3). Excisão do gânglio linfático mandibular esquerdo. Tratamento médico: Terminada a cirúrgica, o Camilo despertou tranquilamente e foi levado para o internamento, onde

permaneceu durante três dias. Durante este período a terapêutica incluiu, fluidoterapia

(2mL/kg/h), antibioterapia com cefazolina (22mg/kg, IV, BID), analgesia com metadona

(0,1mg/kg, IV, QID) nos primeiros dois dias e buprenorfina (0,01mg/kg, IV, de q6h) no último dia,

uma toma única diária de meloxicam (0,1mg/kg, SC) e dexmedetomidina em infusão contínua

numa taxa de 5mL/h (0,58mL dexmedetomidina + 50mL NaCl 0,9%) para controlo da ansiedade.

Controlo pós cirúrgico: Uma semana após a cirurgia foi novamente avaliado. Os tutores

referiram que o Camilo esteve sempre bem-disposto, a comer com apetite e sem episódios de

sialorreia. No exame físico verificou-se que a zona da cirurgia estava ligeiramente edemaciada

e a sutura apresentava uma deiscência mínima sobre a raiz do 3º pré-molar, tendo por isso sido

equacionado a sua remoção. Foi feita nova consulta de controlo, cerca de quinze dias após a

primeira, tendo-se verificado uma boa cicatrização da sutura, descartando-se assim remoção do

3º pré-molar.

Discussão Os tumores orais com origem epitelial estão entre as neoplasias mais comuns nos cães,

dos quais o AAC se destaca como o mais prevalente(1). Embora a sua etiologia seja ainda

desconhecida, pensa-se que o AAC tenha origem nas células basais do epitélio da mucosa oral

ou nas células do epitélio odontogénico das áreas dentárias dos maxilares(1,2). Apesar de ser histologicamente benigno, é um tumor localmente invasivo e destrutivo,

com rápida proliferação pelo osso esponjoso(1,2). Macroscopicamente apresenta-se como uma

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massa vermelha de 0,5 a 10cm de diâmetro, com aspeto de “couve-flor”, facilmente sangrante e

que pode ulcerar(3). Os sinais clínicos mais observados são disfagia, sialorreia, sangramento oral

e halitose(3). O AAC partilha diversas características clínicas e moleculares com o carcinoma de

células escamosas oral (CCEO), sendo este o seu principal diagnóstico diferencial. A grande

diferença é que o CCEO é histologicamente maligno, com uma taxa de metastização até 20%(3).

A TC da cavidade oral é o método complementar de diagnóstico mais adequado, pois

permite avaliar a extensão e invasão óssea do tumor, o que facilita o planeamento da cirurgia

para obtenção de margens cirúrgicas amplas(3). Outros exames complementares de diagnóstico

utilizados são a citologia aspirativa dos gânglios linfáticos e a biópsia tecidular, com subsequente

estudo anatomopatológico da lesão(3).

O tratamento do AAC consiste na excisão cirúrgica em bloco da massa, com 1 a 2cm de

margens cirúrgicas de tecido aparentemente saudável, através de mandibulectomia ou

maxilectomia (dependendo da localização do tumor)(1,4). A principal complicação do

procedimento é a deiscência da sutura, no entanto, nos casos em que a excisão é completa e

com margens cirúrgicas livres, o prognóstico é bom, com estudos a referir ausência de

recorrência local em cerca de 97 a 100% dos casos(2,4).

Previamente a qualquer cirurgia, é importante a elaboração de um plano anestésico

individualizado que garanta a segurança e o conforto do animal durante o período operatório. Na

fase pré-anestésica deve ser realizado um estudo completo do animal, cujo objetivo passa por

avaliar a sua saúde e identificar os fatores de risco anestésico, para prevenir a ocorrência de

eventos adversos que possam comprometer a anestesia e a cirurgia(4,5). Os fatores de risco a

avaliar no paciente devem ser obtidos a partir da sua história clínica, exame físico, idade,

raça/tamanho, temperamento e testes de diagnóstico adicionais(5).

Com a história clínica pretende-se conhecer o historial médico e eventuais reações

adversas a fármacos(5). Também é importante descartar eventos súbitos ou crónicos

relacionados com o sistema cardiovascular, respiratório, gastrointestinal, nervoso e

musculoesquelético(5). O exame físico é a chave da avaliação pré-anestésica, pois garante a

obtenção da maioria da informação clínica atual do animal. A idade do animal pode condicionar

a anestesia, uma vez que os animais pediátricos e geriátricos têm maior dificuldade em ajustar

uma resposta fisiológica adequada face aos efeitos colaterais dos fármacos anestésicos, como

por exemplo, a hipotensão ou a hipotermia(5). Excetuando os cães braquicefálicos, são poucas

as raças mais predispostas a riscos anestésicos acrescidos(5). O tamanho do animal também

tem impacto na anestesia, uma vez que cães muito pequenos são mais predispostos à hipotermia

e mais difíceis de entubar e monitorizar(5). Por outro lado, os cães gigantes correm o risco de

sobredosagem, porque as doses costumam ser calculadas para o peso e não para a área de

superfície corporal(5). Os pacientes com comportamentos de medo, agressividade, ansiedade e

stress, requerem doses maiores de sedativos ou tranquilizantes, o que aumenta a probabilidade

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de depressão respiratória e cardiovascular durante o período da anestesia(5). Nestes casos pode

ser benéfico administrar medicação ansiolítica e/ou sedativa ainda em casa, no dia da cirurgia,

antes do animal ser levado para o hospital/clínica(5). No entanto, em pacientes mais calmos ou

deprimidos a dosagem de anestésicos requerida pode ser inferior(5). A realização de testes de

diagnóstico adicionais é importante para complementar o perfil clínico do paciente e ultimar o

plano anestésico(5). Estes testes devem incluir as análises laboratoriais, como o hemograma, o

painel bioquímico e a urianálise, assim como outros componentes como a pressão sanguínea e

o ECG(5). O plano anestésico deve também ser reajustado consoante o grau de invasão, a

duração e o nível de dor expectável do procedimento cirúrgico(5).

Relativamente à abordagem anestésica, é boa prática o uso de protocolos multimodais,

onde a terapia analgésica tem um papel preponderante(5). Importa salientar que, dependendo da

patologia, o paciente pode já apresentar dor prévia à cirurgia. No entanto, novos estímulos de

dor aguda e traumática vão surgir assim que se iniciar a intervenção(6). Esses estímulos podem

ser diminuídos ou eliminados com a administração de anestésicos locais juntamente com

analgésicos sistémicos, pois vão atuar nos diferentes locais da via da dor(4–6). Os primeiros

previnem que o impulso nervoso gerado pelo estímulo doloroso atinja o SNC, enquanto que um

analgésico, administrado sistemicamente, permite diminuir a perceção da dor (atividade

nociceptiva)(5,6). A principal vantagem da analgesia multimodal é permitir um maior alívio da dor

e promover maior segurança anestésica, ao reduzir as doses dos anestésicos inalatórios

necessárias durante a manutenção da anestesia, diminuindo os efeitos negativos

cardiorrespiratórios e depressores centrais, como a hipotensão e a hipoventilação(4–6). Vários

estudos referem que, tanto os indicadores de nocicepção intraoperatória como os scores de dor

pós-operatória, são menores em pacientes onde foram praticados protocolos anestésicos

multimodais, do que em pacientes que apenas receberam analgésicos sistémicos(6).

Os anestésicos locais devem ser utilizados sempre que possível em qualquer

procedimento cirúrgico(5). O fármaco anestésico local bloqueia os canais de sódio e consequente

despolarização celular, evitando a propagação do estímulo doloroso, nos nervos que foram

bloqueados, o que permite um alívio completo da dor(5). A anestesia local permite, ainda, diminuir

a dosagem de opioides necessária para obter analgesia, tanto no período intraoperatório como

no pós-operatório e consequentemente, evitar vários dos efeitos adversos a eles inerentes,

como, disforia, náuseas e vómitos(6). Um estudo recente constata que a diminuição da dosagem

dos anestésicos inalatórios, proporcionada pelo bloqueio nervoso local, está inversamente

relacionada com a taxa de sobrevivência à doença oncológica, uma vez que estes gases

parecem suprimir a imunidade mediada por células e assim favorecer a proliferação das células

tumorais(6).

Neste caso clínico, o protocolo analgésico pré-cirúrgico incluiu a administração sistémica

de metadona e de dexmedetomidina e a administração local de ropivacaina para bloqueio do

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nervo maxilar. Durante a cirurgia foi administrada cetamina. A dexmetomidina proporciona tanto

a sedação como a analgesia e possibilita uma ação sinérgica com os opioides, o que permite a

utilização de opioides menos potentes(5). A cetamina, administrada numa dose subanestésica

num protocolo multimodal, previne ou diminui a sensibilização central, uma condicionante que

amplifica significativamente a intensidade da dor(5). A ropivacaína em comparação com outros

anestésicos locais, como a lidocaína ou a bupivacaína, tem a vantagem de ser mais segura, por

apresentar menor efeito cardiotóxico e menor probabilidade de causar disfunção motora(6). A este

protocolo poderia ter sido adicionado um fármaco AINE, como por exemplo o meloxicam, uma

vez que a inflamação é geralmente a componente maior da dor aguda(5). O controlo da

inflamação diminui o dano tecidular decorrente da tumefação e acelera a cicatrização(5).

No caso clínico abordado, o animal apresentava uma massa oral associada ao 1º pré-

molar superior esquerdo. Com base nesta localização, foi escolhido o bloqueio do nervo maxilar,

ramo do nervo trigémeo, que promove a inervação sensorial para o nariz, vestíbulo nasal, lábio,

dentes superiores e mucosa dos palatos duro e mole. Existem várias abordagens descritas para

o bloqueio do nervo maxilar. A técnica percutânea, usada no Camilo, foi das primeiras a ser

descrita e embora seja recomendado para ser realizada por anestesistas experientes, continua

a ser uma das mais praticadas(7). A execução deste procedimento é um desafio devido à

localização do nervo, uma vez que a agulha deverá entrar paralelamente ao plano do palato duro

na depressão formada entre porção caudal da maxila, o bordo ventral do arco zigomático e o

ramo vertical da mandibula, localizada ventralmente ao canto lateral do olho(4). Na abordagem

infraorbital, o acesso é feito pelo interior da cavidade oral, onde o anestésico é administrado no

canal infraorbital ao nível do 1º molar superior(7). Os riscos associados à anestesia regional na

cabeça incluem efeitos sistémicos causados pela administração intravascular acidental, que

poderá causar, por sua vez, um hematoma, nevralgia por laceração do nervo, perfuração do

globo ocular e infeção por contaminação microbiana dos tecidos atravessados pela agulha(6).

Na sequência pré-anestesia – indução, a pré-oxigenação através da máscara facial é um

ponto fundamental no tratamento de suporte do paciente, uma vez que o fornecimento de

oxigénio a 100% durante apenas três minutos proporciona a saturação adequada da

hemoglobina até quase seis minutos(5). Relativamente à indução anestésica, a pré-medicação

adequada permite reduzir as doses dos fármacos administrados nesta fase, que devem ter

sempre uma relação dose-efeito(5). A indução da anestesia é mais eficiente com a administração

IV de fármacos de ação rápida, como por exemplo o propofol(5). Assim que o animal está

inconsciente, deverá ser colocado um tubo endotraqueal para assegurar a manutenção da via

aérea aberta e protegida, e permitir a conexão ao ventilador mecânico para garantir as trocas

gasosas(5). Por fim, a anestesia é mantida usando anestésicos inalatórios, como é o caso do

sevoflurano, administrados em conjunto com o O2,na relação dose-efeito(5). A monitorização da

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função respiratória, função cardiovascular e da temperatura corporal do paciente durante a

anestesia é crucial para diminuir a probabilidade de morte anestésica(5).

No período pós-operatório, a monitorização do animal deve ser mantida com a mesma

vigilância que no período anestésico, até que este esteja alerta, normotérmico e ambulatório(5).

O tempo de recuperação da anestesia depende da saúde do animal, duração da anestesia e

temperatura corporal(5). Uma recuperação prolongada, disforia e delírio, são as complicações

mais comuns associadas a uma profundidade anestésica excessiva durante a fase de

manutenção(5). Independentemente da eficácia conseguida com protocolo analgésico, a

avaliação do nível de dor do paciente durante a recuperação da anestesia é imperativa, pois é

improvável que seja atingido um alívio adequado da dor em todos os pacientes(5).

Uma maxilectomia caudal pode alterar a fisionomia estética do animal, situação para a

qual o seu tutor deve ser precavido(4). Outra situação que deve estar esclarecida é a de que,

como em qualquer cirurgia oncológica, existe sempre a probabilidade de recorrência do tumor,

caso este não tenha sido totalmente excisado com margens limpas. Se tal acontecer, é sugerida

vigilância médica ou radioterapia, sem nova cirurgia imediata, uma vez que o AAC é uma

neoplasia sem evidência de metastização(1).

A realização de bloqueios regionais, previamente ao procedimento cirúrgico, contribuí

para uma célere recuperação e alta hospitalar(6). Possibilita ainda, ao animal uma experiência

mais tranquila durante a sua estadia no hospital, circunstância essencial na melhoria da sua

qualidade de vida e, consequentemente, na dos seus tutores.

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CasoClíniconº2–SistemaRespiratório:Síndromedasviasaéreasdosbraquicefálicos

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Caso Clínico nº2 – Sistema Respiratório: Síndrome das vias aéreas dos braquicefálicos

Caracterização do animal: O Batman era um canídeo, macho inteiro, bulldog francês,

de quatro anos e com 13,4kg de peso. Motivo da consulta: Dificuldade respiratória. História clínica: O Batman tinha o seu estado vacinal atualizado, assim como a desparasitação interna

e externa. Passava a maioria do tempo em casa, sem outros animais, mas tinha acesso ao

espaço exterior público sob vigilância do tutor. Não tinha acesso a lixo nem a tóxicos, nem hábito

de ingerir objetos estranhos. Era alimentado com ração seca apropriada e tinha acesso a água

ad libitum. Não tinha historial médico nem cirúrgico. Anamnese dirigida: O Batman apresentava

ruídos respiratórios ruidosos, tanto em repouso como em exercício, tendo piorado no último ano.

Sem episódios de colapso. O tutor referiu ainda que o animal teve um evento de regurgitação

imediatamente após ter-lhe dado banho. Restante anamnese normal. Exame físico: O Batman

apresentava atitude e estado mental normal, alerta e com temperamento nervoso. Tinha uma

condição corporal de 3/5. Apresentava dor ao toque dos pavilhões auriculares. Apresentava as

mucosas ligeiramente cianóticas, quentes e húmidas, mas com TRC <2seg e grau de

desidratação <5%. Temperatura retal de 39,4ºC. Pulso metatársico forte, bilateral, regular,

rítmico e sincrónico. No exame dirigido ao aparelho respiratório era audível um estertor marcado,

estenose das narinas e pregas alares flácidas; a FR estava aumentada, com 44rpm; movimentos

respiratórios regulares e rítmicos, do tipo costoabdominal, mas com prolongamento da fase

inspiratória. Auscultação cardiopulmonar sem alterações. Todos os restantes parâmetros não

apresentavam alterações. Diagnósticos diferenciais: Massa nas vias aéreas superiores

(neoplasia, pólipo, granuloma, corpo estranho, abcesso, sialocelo); Parálise laríngea; Síndrome

das vias aéreas obstruídas dos braquicéfalos (BOAS); Trauma cervical ou laríngeo; Pneumonia

por aspiração; Bronquite. Exames complementares: Rx torácico: aparelho respiratório sem

sinais sugestivos da condição clínica do animal; TC do crânio: observado ligeiro espessamento

e alongamento do palato mole, sem mais nenhuma alteração evidente (Anexo II, Figura 4);

Laringoscopia: movimento laríngeo normal, sem eversão dos sacos laríngeos ou colapso

laríngeo. Diagnóstico definitivo: BOAS – alongamento do palato mole e estenose das narinas.

Preparação cirúrgica: Os valores das análises hematológicas e bioquímicas pré cirúrgicas

estavam dentro dos parâmetros normais de referência. O Batman foi sedado com metadona (0,3

mg/kg). De seguida, procedeu-se à cateterização da veia cefálica direita e indução da anestesia

com propofol (6mg/kg). Foi iniciada a fluidoterapia com LR numa taxa inicial de 5mL/kg/h. Foi

transferido para a sala de cirurgia onde foi entubado com um tubo endotraqueal de 5mm de

diâmetro, ligado a um circuito fechado circular de reinalação para administração de oxigénio entre

0,5 e 1L/min e sevoflurano entre 1,5 a 2%, para promover a manutenção da anestesia. Iniciou-

se a ventilação mecânica por volume, com um volume corrente de 130mL, FR de 14, ratio

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CasoClíniconº2–SistemaRespiratório:Síndromedasviasaéreasdosbraquicefálicos

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inspiração expiração de 1:2,5 e pressão máxima de 40. De seguida, foi colocado em decúbito

esternal com a cabeça e a maxila suspensas por um adesivo colocado à volta dos caninos

superiores e fixado num suporte sobre a cabeça. Para controlo da dor intraoperatória

administrou-se cetamina (1mg/kg). Durante a cirurgia foi monitorizado o ECG, a SPO2, o ETCO2,

a FC, a FR e a temperatura. Antes do início da cirurgia, foi administrada cefazolina (22 mg/kg,

IV). Procedimento cirúrgico: Palatoplastia por flap sobreposto: A extremidade caudal do palato

mole foi retraída rostralmente, com uma pinça de Allis, sob a mucosa ventral (oral) do palato

mole, de forma a medir a extensão da sobreposição de ambas as estruturas. De seguida,

realizou-se uma incisão em U na mucosa ventral do palato mole desde o ponto de interceção

das duas estruturas até ao ponto correspondente ao bordo caudal das amígdalas. A incisão foi

aprofundada, utilizando uma tesoura Metzenbaum, de forma a que os tecidos moles sob o corte,

incluindo fibras musculares, fossem dissecados e excisados juntamente com mucosa do palato

mole. Neste processo foi também utilizado um bisturi elétrico bipolar para auxiliar na hemóstase.

O limite caudal do palato mole (mucosa nasal), correspondente ao limite caudal da incisão, foi

então retraído rostralmente até limite rostral da incisão e suturado ao palato mole restante com

um padrão simples e interrompido, utilizando Vicryl® 3-0 USP, com agulha de secção redonda

(Anexo II, Figura 5). Alaplastia nasal: A parte dorsal da prega alar foi suportada com uma pinça

hemostática, de forma a auxiliar a incisão vertical, com lâmina de bisturi de tamanho 11, com

excisão em cunha de uma porção da asa da narina, de cada uma das narinas. Aplicou-se pressão

com compressas sobre o local da incisão para promoção da hemóstase, que foi complementada

com uma sutura de padrão simples interrompido, com fio Vicryl® 4-0 USP, com agulha de secção

triangular, para aposição das margens (Anexo II, Figura 6). Tratamento médico: O Batman

recuperou bem da cirurgia. No período pós-operatório foi feita uma toma única de dexametasona

(0,1 mg/kg) para minimizar o edema. Durante este período apresentou apenas algum corrimento

nasal nas primeiras horas após a cirurgia. Teve alta hospitalar após três dias com prescrição de

amoxicilina/ácido clavulânico 500mg/125mg (22 mg/kg, PO, BID, durante 30 dias) e omeprazol

20 mg (1 mg/kg, PO, BID, durante 7 dias). Controlo pós cirúrgico: Uma semana após a cirurgia

foi novamente avaliado e os tutores referiram que o Batman apresentava melhorias significativas

da respiração, com redução dos ruídos respiratórios, arfava menos e não teve qualquer evento

de vómito ou regurgitação. No exame físico verificou-se uma boa cicatrização das feridas

cirúrgicas.

Discussão O aumento da procura de animais de focinho curto ou achatado fronto-caudalmente,

designados por braquicéfalos, levou a uma seleção genética desmedida por parte dos criadores,

no sentido de potenciarem este “atributo”. Embora seja uma caraterística estética apreciada pelo

ser humano em cães e gatos, a braquicefalia leva a um vasto conjunto de condições patológicas,

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CasoClíniconº2–SistemaRespiratório:Síndromedasviasaéreasdosbraquicefálicos

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enquadradas na síndrome braquicefálica(1,2,3). As raças braquicefálicas têm um crânio mais curto

e largo quando comparadas com raças normocefálicas (raças mesaticefálicas e dolicocefálicas),

o que comprime a cavidade nasal e altera a anatomia da faringe, contribuindo para a obstrução

das vias áreas superiores(1,2). Esta síndrome afeta principalmente cães das raças bulldog inglês

e francês, os pugs e os boston terriers, mas também gatos, como por exemplo, os da raça

persa(2,3). Estudos epidemiológicos referem que os cães braquicefálicos morrem mais

precocemente do que os de outras raças, com uma grande percentagem de morte relacionada

com a disfunção do trato aéreo superior(4).

As anomalias primárias associadas à BOAS incluem a estenose das narinas, hiperplasia

do palato mole e da mucosa nasofaríngea, e hipoplasia traqueal(1–3). Estas alterações levam a

um fluxo de ar turbulento e a uma elevada pressão negativa na faringe durante a inspiração(1–3).

A consequência são disfunções na laringe, traqueia e brônquios, de onde se destaca, o edema

da mucosa, a eversão dos sacos laríngeos, a eversão das amígdalas, o colapso da laringe e o

colapso dos brônquios(1–3). Associada a esta síndrome podem surgir ainda anomalias

gastrointestinais, como disfagia, regurgitação e vómitos, em consequência da pressão negativa

intratorácica gerada pelo aumento do esforço inspiratório(2).

Na história clínica, os tutores destes animais relatam episódios de respiração ruidosa,

intolerância ao exercício, tosse, falta de ar e colapsos(2,3). No entanto, é de salientar que muitos

tutores habituam-se à disfunção respiratória do seu cão braquicefálico, não reconhecendo a

severidade do compromisso fisiológico, o que atrasa o início do tratamento e ilude as

expectativas relativas aos resultados(4). No contexto hospitalar, o médico veterinário pode

deparar-se com narinas estenóticas, sons inspiratórios aumentados, acompanhados de estridor

ou estertor, aumento dos sons expiratórios concomitantemente a pneumonia, bronquite ou

edema pulmonar (não cardiogénico), e ainda cianose, apneia e hipertermia se o animal se

apresentar em stress respiratório severo(3,5).

A correta avaliação das anomalias orofaríngeas deve incluir radiografias cervical e

torácica, endoscopia e TC(2,3,5). O TC da cabeça e pescoço, é preferível ao Rx, pois permite um

estudo mais detalhado das dimensões das estruturas das narinas, do vestíbulo e cavidade nasal,

da nasofaringe e da orofaringe(2). O Rx do tórax pode ser útil para descartar pneumonia por

aspiração, bem como doenças pulmonares ou cardíacas secundárias(2,5). A endoscopia fornece

informações sobre as alterações dinâmicas das vias aéreas superiores(2).

A BOAS é uma doença que geralmente requer tratamento cirúrgico para alívio dos sinais

obstrutivos das vias aéreas(1–7). No entanto, antes de partir para o tratamento é importante estar

ciente de alguns fatores que afetam o prognóstico cirúrgico. O colapso da laringe é um fator

negativo clássico, embora estudos recentes tenham comprovado que em pugs e bulldogs

franceses com esta condição, não tem efeito na severidade dos sinais respiratórios pré-

operatórios ou no resultado da cirurgia(6). A idade é também um fator preditor de prognóstico

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CasoClíniconº2–SistemaRespiratório:Síndromedasviasaéreasdosbraquicefálicos

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cirúrgico, uma vez que cães com BOAS moderado ou severo em idades mais precoces estão

predispostos a pior prognóstico(6). Outro fator a considerar é a condição corporal, reportando-se

que cães obesos estão 1.9 vezes mais sujeitos a apresentar sinais de BOAS do que cães com

uma CC normal, embora cães com um CC normal e BOAS severa estejam associados a pior

prognóstico após a cirurgia(4,6). Por fim, o próprio procedimento cirúrgico, bem como o período

anestésico associado, são também um importante fator de risco para complicações pós-

anestésicas a ter em consideração(4). Olhando para a caracterização e informações clínicas do

Batman, e tendo por base estes fatores, o tratamento cirúrgico foi desde logo proposto aos seus

tutores, antevendo baixa probabilidade de surgirem complicações e melhorias significativas na

qualidade de vida deste animal.

Embora a importância dos fatores de prognóstico supracitados seja inegável, estes

carecem de uma classificação mensurável que possa ser utilizada como exame preditivo preciso,

passível de ser aplicado em qualquer cão afetado pela BOAS. É perante esta necessidade que

se recorre a pletismografia corporal (WBBP), um exame utilizado para a medir a função

respiratória dos cães, atribuindo-lhes uma classificação de 0% (não afetado) a 100%

(severamente afetado) e enquadra-la num índex de BOAS estabelecido para 3 raças – pug,

bulldog inglês e francês(6). Um estudo desenvolvido por Liu Nai-Chieh e colaboradores, em 2015,

constatou que bulldogs franceses severamente afetados pela BOAS apresentam uma fraca

resposta ao tratamento cirúrgico em comparação com bulldogs franceses moderadamente

afetados(6).

No entanto, com o aumento da população de raças braquicefálicas, surge a necessidade

de outros métodos de prognóstico de risco cirúrgico que abranjam todas as raças destes

animais(4). Foi nesse sentido que Jason Tarricone e colaboradores, em 2019, no estudo

“Development and validation of a brachycephalic risk (BRisk) score to predict the risk of

complications in dogs presenting for surgical treatment of brachycephalic obstructive airway

syndrome”, propuseram um método de classificação de risco braquicefálico pré-operatório,

designado por BRisk(4). No caso clínico estudado, foi utilizada esta classificação como predição

do risco cirúrgico associado o tratamento da BOAS. Esta classificação atribui uma pontuação,

com incrementos de 0.5 pontos, em seis categorias distintas: raça, historial cirúrgico,

procedimentos adicionais à cirurgia corretiva planeada, CC, nível de comprometimento das vias

aéreas e temperatura retal cujo somatório atribui uma classificação de BRisk entre 0 e 10 (Anexo

II, Figura 7)(4). Para um BRisk superior a 3 o animal apresenta risco moderado a elevado, e

elevado a partir de um BRisk superior a 4(4). No estudo supracitado, o risco de ocorrência de uma

resultado pós-cirúrgico negativo para um BRisk >3 foi de 9,1 vezes superior do que para um

BRisk ≤3(4). Por risco pós-cirúrgico negativo entende-se, não sobrevivência à cirurgia (por morte

ou eutanásia) ou complicações durante o período de hospitalização, como por exemplo, a

necessidade de oxigenoterapia superior a 48h(4).

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CasoClíniconº2–SistemaRespiratório:Síndromedasviasaéreasdosbraquicefálicos

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O cálculo do BRisk no caso do Batman, tendo em conta que é um bulldog francês (0.5

pontos), sem antecedentes cirúrgicos (0 pontos), nem outros procedimentos cirúrgicos

planeados em conjunto com a intervenção nas vias aéreas (0 pontos), com uma CC de 3 em 5

(0 pontos), com estertor em repouso (1.5 pontos) e uma temperatura retal de 39,4 ºC (0.5 pontos),

resulta num total de 2.5 pontos. Este resultado classificou-o com baixo risco de sofrer

complicações graves associadas à cirurgia corretiva da BOAS.

As técnicas cirúrgicas mais praticadas para correção das lesões anatómicas implicadas

na BOAS incluem a alaplastia, estafilectomia, tonsilectomia parcial e ventriculectomia(6).

Recentemente têm surgido novas técnicas, como a palatoplastia por flap sobreposto (FFP),

vestibuloplastia nasal e turbinectomia assistida por laser(6). A alaplastia foi a técnica utilizada

neste caso clínico, para correção da estenose das narinas. Este procedimento consiste numa

excisão em cunha na asa da narina, bilateralmente, que pode ser realizada na sua porção ventral,

vertical ou horizontal (2,5). O resultado é uma sutura que promove o movimento abaxial desta

estrutura, o que promove a abertura das narinas e uma melhoria do fluxo do ar(5). Para correção

do alongamento do palato mole, foi utilizada a FFP. Esta técnica permite reduzir a espessura do

palato mole, através da excisão de uma porção da mucosa orofaríngea e de parte dos tecidos

subjacentes, e encurtar o seu comprimento, ao ser suturado sobre si mesmo, até que seja visível

a abertura caudal da nasofaringe(5). O resultado é o alivio da obstrução nasofaríngea e mais uma

vez, a melhoria do fluxo do ar(5).

A turbinectomia assistida por laser é utilizada para remover malformações obstrutivas dos

turbinados nasais(2). Vários estudos demonstram que este procedimento em combinação com as

outras duas técnicas atrás descritas, resulta na melhoria da função respiratória a curto e longo

prazo em cerca de 55% dos casos(2,6). No caso de eversão dos sacos laríngeos, a sua excisão,

conjuntamente com os procedimentos cirúrgicos anteriores, não parece acrescentar melhorias

aos resultados(2). Se, no pior dos cenários da BOAS, o animal padecer de colapso laríngeo, o

seu tratamento só é equacionado se os sinais clínicos não melhorarem com a correção das

narinas e do palato mole, pois as técnicas utilizadas estão associadas a taxa de mortalidade

elevada e a resultados benéficos questionáveis(2).

As complicações associadas ao tratamento cirúrgico da síndrome braquicefálica incluem,

inflamação e edema marcado da faringe durante o período pós-operatório, deiscência da sutura

das narinas, corrimento nasal, refluxo nasal de comida ou água se o palato for excessivamente

encurtado e pneumonia por aspiração secundária a regurgitação(3,7).

O desafio no período pós-cirúrgico é garantir o fluxo de ar adequado, num paciente ainda

não totalmente acordado e com as mucosas das vias aéreas inflamadas(2). Daí a importância da

terapia corticosteroide poder ser iniciada durante os procedimentos cirúrgicos para minimizar a

inflamação pós-operatória(5). Outros cuidados podem ser tidos em consideração para melhorar a

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CasoClíniconº2–SistemaRespiratório:Síndromedasviasaéreasdosbraquicefálicos

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ventilação após a cirurgia, nomeadamente, deixar o animal com a maxila suportada e a

mandibula caída, e fornecer oxigénio, através de tubo nasotraqueal(2).

Embora a incapacidade de muitos tutores de cães de raças braquicefálicas em avaliar a

disfunção das vias áreas dos seus animais agrave a evolução dos sinais clínicos e atrase o início

do tratamento cirúrgico da BOAS, o prognóstico é considerado favorável se estes não

apresentarem complicações secundárias(2,3). Vários estudos apontam para que cerca de 90%

dos cães melhorem a sua capacidade respiratória após a cirurgia corretiva(2,7), mas ainda assim,

com comprometimento das vias aéreas em cerca de 60% dos casos(6). No entanto, é reportada

a recorrência de sinais clínicos a longo prazo até 100% dos casos, embora só 20% destes

apresentem um agravamento dos sinais clínicos, comparativamente ao estado clínico pré-

cirúrgico(2).

Blibliografia

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CasoClíniconº3–SistemaCardiovascular:Efusãopericárdicaidiopática

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Caso Clínico nº3 – Sistema Cardiovascular: Efusão pericárdica idiopática

Caracterização do animal: O Mike era um cão macho, bull terrier, castrado, com oito

anos e 27kg de peso. Motivo da consulta: Efusão pericárdica recorrente. História clínica: O

Mike estava corretamente vacinado e desparasitado. Vivia num apartamento, sem outros

animais, mas fazia passeios à trela no exterior diariamente. Era alimentado com ração seca e

tinha acesso constante a água. Não tinha acesso a lixo nem a tóxicos, nem o hábito de ingerir

objetos estranhos. No historial médico constava o diagnóstico de efusão pericárdica, submetida

pericardiocentese. Outro antecedente cirúrgico era a orquiectomia. Anamnese dirigida: Os

tutores referiram que o Mike se cansava mais rapidamente nos passeios, situação que se tinha

vindo a piorar gradualmente. Relataram que após a primeira pericardiocentese, esta

incapacidade melhorou significativamente. No entanto, um mês após essa intervenção, as

queixas voltaram, com a agravante de ter tido episódios de apatia e respiração ofegante durante

o passeio, sem que o exercício o justificasse, associado a relutância em movimentar-se. Foi

submetido a uma nova pericardiocentese de urgência e recomendado para que fosse

equacionada a cirurgia. Exame físico: O Mike era um cão muito nervoso, apresentando-se muito

excitado na consulta pré-cirúrgica, o que não permitiu a recolha de algumas informações com

significado clínico fiável. Tinha uma condição corporal adequada. Apresentava as mucosas

rosadas, mas secas, com TRC <2seg e grau de desidratação <5%. Não foi possível avaliar a sua

temperatura retal. Quanto ao pulso metatársico, este era palpável, bilateral, regular, rítmico e

sincrónico. No exame dirigido ao aparelho cardiovascular, foi verificada uma taquicardia de cerca

de 140bpm, mas os restantes parâmetros estavam normais. Exames complementares: Ecocardiografia: observado grande volume de líquido entre o pericárdio e o epicárdio, com

compressão do átrio direito; ritmo cardíaco sinusal e não foram observadas massas.

Histopatologia: achados compatíveis com inflamação do pericárdio, com ausência de agentes

infeciosos. Diagnósticos diferenciais: Insuficiência cardíaca (cardiomiopatia dilatada); Hérnia

peritoneopericárdica; Neoplasia torácica, cardíaca ou pulmonar. Diagnóstico definitivo: Efusão

pericárdica idiopática. Preparação cirúrgica: As análises hematológicas e bioquímicas pré-

cirúrgicas estavam dentro dos parâmetros normais de referência. O Mike foi sedado com

dexmedetomidina (5µg/kg) e metadona (0,3mg/kg) por via IM. Alguns minutos mais tarde foi

cateterizado na veia cefálica do MAE, procedeu-se à indução anestésica com propofol (6mg/kg,

IV) e iniciou-se a fluidoterapia com LR (5mL/kg/h,IV). Para controlo da dor intraoperatória

administrou-se cetamina (0,5mg/kg). Como antibioterapia profilática foi administrada cefazolina

(22mg/kg). Foi mantido em oxigenoterapia a 100% com 3L/min através de máscara, enquanto

se realizou a tricotomia de toda a região torácica direita. De seguida foi transferido para a sala

de cirurgia onde foi entubado, para se proceder à manutenção da anestesia, com um tubo

endotraqueal de 7mm de diâmetro e ligado a um ventilador de circuito fechado circular de

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CasoClíniconº3–SistemaCardiovascular:Efusãopericárdicaidiopática

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reinalação para administração de oxigénio entre 0,5 e 1 L/min e sevoflurano entre 1,5 a 2%. Foi

também preparada a ventilação mecânica por volume, com um volume corrente de cerca de

270mL, FR de 12, ratio inspiração expiração de 1:2,5 e pressão máxima de 40. Foi colocado em

decúbito lateral esquerdo e realizada a lavagem assética da região tricotomizada. Durante a

cirurgia foi monitorizado o ECG, a SPO2, o ETCO2, a FC, a FR e a temperatura. Procedimento cirúrgico: Toracotomia 4º espaço intercostal direito: começou-se por palpar o 4º espaço

intercostal direito, onde foi feita uma incisão sobre a pele e tecido subcutâneo, paralela às

costelas; de seguida procedeu-se à incisão e disseção dos músculos Latissimus dorsi, Escaleno,

Serratus ventralis e músculos intercostais; identificou-se e realizou-se a incisão da pleura

parietal, com a delicadeza necessária para não atingir o pulmão; por fim, fez-se a retração dos

lobos pulmonares cranial e medial direitos, o que permitiu identificar o coração envolvido pelo

pericárdio; Pericardiectomia subtotal: utilizando um bisturi elétrico bipolar foi feita uma incisão

em “T” sobre o pericárdio, ventral e horizontalmente ao nervo frénico direito; esta incisão foi

depois estendida à volta da veia cava; seguiu-se a elevação e retração do coração para que

fosse possível continuar a incisão pelo lado esquerdo do coração, ventralmente ao nervo frénico

esquerdo; por fim, fez-se a secção do ligamento esternopericárdico com o bisturi elétrico (Anexo

III, Figura 8). Para o encerramento da incisão foram colocados fios de sutura entre a 4ª e 5ª

costelas de forma a promover a tensão necessária para as aproximar e permitir suturar todos os

músculos que foram seccionados. Foi também colocado um tubo de toracostomia para permitir

a drenagem do fluído acumulado no espaço pleural. O tubo foi adaptado ao tamanho do animal,

com a ponta colocada dorso-caudalmente, atravessando a pele ao nível da 8ª costela, e fazendo-

a progredir cranioventralmente, até atravessar a pleura para ficar alojada no mediastino.

Tratamento médico: O Mike recuperou bem da cirurgia. Nas primeiras horas do período pós-

operatório foi feita a drenagem do tubo de toracostomia de hora a hora, tendo-se depois

espaçado para a cada seis horas. Para o controlo da dor e do estado de ansiedade, foi mantido

com um CRI de dexmedetomidina e outro de cetamina (durante 24h), ambos com uma taxa de

5mL/h. Durante este período apresentou apenas algum corrimento nasal nas primeiras horas

após a cirurgia. Como tratamento suplementar da dor e da inflamação, fez-se ainda metadona

(0,1mg/kg, IV, q9h) e meloxicam (0,1mg/kg, SC, SID). A antibioterapia manteve-se, com

administração IV de cefazolina (22mg/kg, BID). Teve alta hospitalar após três dias com

prescrição de amoxicilina/ácido clavulânico 500mg/125mg (22 mg/kg, PO, BID, durante sete

dias) e meloxicam xarope 1,5mg/mL (0,2mg/kg, PO, SID, durante cinco dias). Foi ainda

recomentado repouso durante quatro semanas. Controlo pós cirúrgico: O Mike foi reavaliado

cinco dias após a cirurgia para remoção do penso torácico e realização de um Rx de controlo, o

qual não apresentou sinais de alterações anómalas. Quinze dias após a cirurgia foi novamente

avaliado, desta vez para remoção dos pontos de sutura cutâneos. Durante estas consultas os

tutores referiram que o Mike aparentava estar mais confortável.

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CasoClíniconº3–SistemaCardiovascular:Efusãopericárdicaidiopática

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Discussão

A efusão pericárdica é a acumulação patológica, aguda ou crónica, de fluído dentro do

saco pericárdico, que pode pôr em risco a vida do animal(1,2). Numa situação de emergência, a

pericardiocentese está indicada para o rápido alívio dos sinais agudos, embora o o prognóstico

a longo prazo esteja dependente da etiologia da efusão(1,3,4). Nos casos em que a efusão

pericárdica é recorrente, a remoção cirúrgica do pericárdio – pericardiectomia – é o tratamento

indicado para a sua resolução a longo prazo(1–6).

O tipo do fluído da efusão pode ser transudado, exsudado ou hemorrágico. Uma efusão

transudativa pode ocorrer em situações de falência cardíaca congestiva, hérnia diafragmática

peritoneopericárdica, hipoalbuminemia ou aumento da permeabilidade vascular(3). No caso da

efusão exsudativa, esta pode resultar de uma pericardite infeciosa ou estéril(3). Quanto às causas

da efusão hemorrágica, incluem-se o trauma, neoplasia, intoxicação por anticoagulantes ou

rutura do átrio esquerdo secundária a doença da válvula mitral(3). Por fim, quando a causa não é

conclusiva, a efusão é designada por idiopática(3). Nos cães, a maioria das efusões pericárdicas

são serosanguinulentas ou hemorrágicas, com origem neoplásica, em 70% dos casos, ou

idiopática, em 20% dos casos(4,5).

A acumulação de fluído no espaço intrapericardial, pode levar ao tamponamento

cardíaco, situação que ocorre quando a pressão desse líquido supera a pressão diastólica

normal, condicionando o enchimento e o débito cardíaco(1,4,5). À medida que o fluido pericárdio

se acumula, vão surgindo sinais de congestão venosa sistémica, como edema dos membros,

ascite, congestão hepática e efusão pleural(4,5). Patofisiológicamente semelhante, é a doença

pericárdica constritiva. Esta patologia ocorre quando associado à efusão pericárdica surge uma

inflamação aguda das duas camadas do pericárdio, que por sua vez leva à fibrose e adesão das

mesmas(4). Esta condição torna o pericárdio mais espesso e menos flexível, criando assim uma

capa compressiva à volta do coração, que restringe a sua expansão diastólica(4).

A faixa etária dos cães afetados está compreendida entre oito e os 12 anos, com maior

predisposição para o golden retriever, labrador retriever, pastor alemão, boxer e bulldogs(3). Os

tutores de animais com efusão pericárdica relatam, como queixas principais, a fraqueza, letargia,

inapetência, intolerância ao exercício, colapso (sem perda de consciência), distensão abdominal,

taquipneia ou dispneia e por vezes tosse e vómitos(3,4). Por sua vez, os sinais clínicos detetados

no exame físico são, taquicardia, sons cardíacos abafados, hipotensão, pulso femoral fraco e

distensão e pulsação da veia jugular(3,4). Com o evoluir da efusão pericárdica podem ainda surgir

sinais secundários à congestão cardíaca direita nomeadamente, efusão pleural, hepatomegalia

e ascite(3,4).

Após a resolução inicial do tamponamento cardíaco, os exames complementares de

diagnósticos primariamente executados incluem, o hemograma completo, análises bioquímicas

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serológicas, perfil de coagulação e o exame citológico da efusão(1). Os achados mais frequentes

são a anemia não regenerativa e por vezes, a hipoproteinemia(7). A análise citológica do fluído

pericárdico permite determinar a etiologia da efusão, apenas nos casos em que é causada por

agentes infeciosos ou por linfoma(7). Outras neoplasias, como o hemangiossarcoma ou o tumor

da base cardíaca (quemodectoma), dificilmente se diagnosticam por citologia, porque são

massas pouco exfoliativas, com elevada incidência de diagnósticos falsos negativos(7). Para um

diagnóstico mais preciso a ecocardiografia é considerada o método pré-operatório de eleição(6).

A ecocardiografia é muito sensível na deteção de fluído pericárdico, com quantidades

mínimas de até 15mL, porque este sendo anecoico é detetado como espaço livre entre as linhas

ecogénicas correspondentes ao pericárdio parietal e o epicárdio(3,4). Apresenta, também, alta

especificidade (100%) e sensibilidade (82%) para a deteção e caracterização de massas

cardíacas(7), embora tenha limitações na sua identificação se estas forem muito pequenas(6). O

tamponamento cardíaco é diagnosticado quando se observa o colapso do átrio direito em

diástole(7). O hemangiossarcoma surge como uma massa mosqueada sobre o átrio direito(7).

Outras massas visualizadas ao redor da raiz da aorta e com um aspeto mais homogéneo, são

sugestivas de tumores da base do coração(7). Podem ainda ser detetados abcessos, quistos,

granulomas ou outros tumores dentro do espaço pericárdico(7). No caso de se estar perante uma

doença pericárdica congestiva, as alterações usualmente encontradas são o achatamento da

parede livre do ventrículo esquerdo em diástole, movimento anormal do septo e uma redução

superior a 25% na velocidade do fluxo transmitral(7).

Outros exames incluem o ECG e o Rx torácico. Através da eletrocardiografia podem-se

encontrar alguns indícios de efusão pericárdica como, arritmias ventriculares e

supraventriculares, diminuição da amplitude da onda QRS e alternância elétrica(3,4). A alternância

elétrica é o resultado da alteração constante do tamanho da onda QRS a cada batimento

cardíaco, devido ao movimento oscilatório do coração dentro do saco pericárdico repleto de

liquido(3,4). Recorrendo ao Rx torácico, pode ser observada uma silhueta cardíaca tanto maior

quanto maior a quantidade de líquido no pericárdio(3,4).

A toracoscopia e a toracotomia exploratórias são outras técnicas eficazes para o

diagnóstico de efusão pleural. No entanto, a toracotomia parece ser mais fiável porque permite

ao cirurgião observar e apalpar diretamente estruturas cardíacas que podem passar

despercebidas através da toracoscopia(6). Tanto um método como outro permitem,

simultaneamente à obtenção do diagnóstico definitivo, partir de imediato para a pericardiectomia.

A terapia médica é recomendada nas efusões secundárias a anomalias congénitas,

insuficiência cardíaca, rutura do átrio esquerdo, coagulopatias e hipoalbuminemia, caso não

estejam associadas a um compromisso hemodinâmico significativo(7). As pericardites infeciosas

requerem o tratamento de acordo com agente identificado, embora a maioria dos casos sejam

resolvidos com a pericardiectomia(7). No caso do tamponamento cardíaco estar associado a

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hipotensão, é recomendada a fluidoterapia agressiva como terapia de suporte(7). Outros

tratamentos recomendados são a suplementação com oxigénio, infusão venosa de coloides nos

casos de hipoalbuminemia ou antibioterapia nos casos de pericardite bacteriana(7).

Várias técnicas de pericardiectomias têm sido descritas para o tratamento a longo prazo

do tamponamento cardíaco ou da doença pericárdica constritiva. A pericardiectomia pode ser

curativa nas situações de efusão pericárdica idiopática ou paliativa no caso das efusões

pericárdicas de origem neoplásica(3). O objetivo da excisão cirúrgica do pericárdio passa pela

diminuição da sua área de superfície, permitindo diminuir a produção de fluído e aumentar a área

de superfície de absorção, uma vez que este passa a ficar livre na cavidade pleural(3). A

pericardiectomia completa é realizada através de esternotomia mediana, para permitir a

visualização de ambos os nervos frénicos, para que sejam dissecados do pericárdio, antes da

sua excisão ao nível da base do coração(3). A outra técnica frequentemente utilizada é a

pericardiectomia subtotal. A toracotomia lateral direita é o método mais utilizado para realizar

esta técnica, embora seja considerado como um procedimento cirúrgico muito doloroso(2,3,6).

Nesta técnica cirúrgica, o pericárdio é seccionado ventralmente aos dois nervos frénicos(3,6).

Como alternativa, a pericardiectomia subtotal pode ser realizada por toracoscopia através do

acesso subxifóide transdiafragmático(2).

Comparativamente com a toracotomia, a toracoscopia tem a vantagem de ser menos

evasiva, e como tal é substancialmente menos dolorosa e associada a menor morbilidade(1,2,6).

No entanto, os cães com efusão pericárdica idiopática tratados com uma pericardiectomia

através de torocatomia apresentam um tempo de sobrevida mediano superior, quando

comparado com cães tratados através de toracoscopia(6). Isto porque a toracoscopia é limitada

no que toca à visualização completa de todo o pericárdio e não permite a recolha de uma amostra

representativa, desta estrutura, para análise histopatológica, dando aso a diagnósticos falsos ou

inconclusivos(1,2,6).

No que diz respeito a complicações, a efusão pleural decorrente da pericardiectomia é a

condição mais frequente(3). De forma a evitar esta situação é recomenda a colocação de uma

cânula intercostal, que permita a drenagem do fluído, evitando que este se acumule no espaço

pleural(3,7). O prognóstico associado a esta doença é dependente do tipo de efusão pericárdica.

Nos cães com efusão pericárdica presumivelmente idiopática, mas onde são detetadas massas,

nódulos ou adesões durante o processo cirúrgico, o prognostico é considerado reservado(3,6). Os

pacientes com hemangiossarcoma são os que apresentam pior prognóstico, com um tempo de

sobrevida médio entre 16 dias, sem tratamento, e 45 dias, se for realizada pericardiectomia e

ressecção do tumor. Já os pacientes com quemodectoma têm um prognóstico mais favorável,

mas apresentam efusões pericárdicas recorrentes. No entanto, o prognóstico é excelente nos

cães com efusão pericárdica idiopática, com tempo de sobrevida médio estimado em cerca de

15.3 meses(3,6,7).

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CasoClíniconº3–SistemaCardiovascular:Efusãopericárdicaidiopática

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CasoClíniconº4–SistemaNeurológico:Doençadodiscointervertebral

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Caso Clínico nº4 – Sistema Neurológico: Doença do disco intervertebral

Caracterização do animal: A Perla era uma cadela caniche, não castrada, com cinco

anos e 9kg de peso. Motivo da consulta: Paraplegia aguda há três dias. História clínica: A

Perla tinha o seu boletim sanitário atualizado e não tinha historial médico nem cirúrgico. Vivia

num apartamento, com dois gatos, e tinha acesso frequente ao espaço exterior público. Era

alimentada com comida caseira e tinha sempre água à disposição. Não tinha acesso a lixo nem

a tóxicos, nem o hábito de ingerir objetos estranhos. Anamnese dirigida: Os tutores referiram

que a Perla começou por revelar ligeira fraqueza dos membros posteriores durante a marcha,

com duração de duas semanas. A situação agravou-se repentinamente três dias antes da

consulta, com esta a demonstrar incapacidade locomotora por paralisia dos membros

posteriores. Exame físico: A Perla foi apresentada em consulta numa situação de dor extrema

e ansiedade. Estava alerta, muito nervosa, e mantinha-se em decúbito esternal ou lateral, não

sendo capaz de se colocar em estação. Tinha uma condição corporal adequada. Estava

taquipneica e taquicárdica. Apresentava reação dolorosa à palpação da região toraco-lombar.

Em relação ao pulso metatársico, este era forte, bilateral, regular, rítmico e sincrónico. Todos os

restantes parâmetros do exame físico geral estavam dento da normalidade. Exame neurológico: O estado mental e a postura foram já referidas. Quanto à marcha, a Perla

apresentava paraplegia dos membros posteriores, sem perda evidente de massa muscular.

Apresentava resposta positiva ao estímulo propriocetivo nos membros anteriores, mas nos

posteriores, este estava diminuído no MPD e ausente no MPE. Nos reflexos espinhais,

apresentava normorreflexia nos membros anteriores e hiperreflexia nos membros posteriores. O

reflexo panicular estava diminuído caudalmente à décima vertebra torácica, mas o reflexo

perineal estava normal. A avaliação dos pares cranianos não apresentou alterações. Exames complementares: TC da coluna vertebral: foi identificada uma extrusão discal volumosa com

compressão severa do canal medular, associada às vértebras T10, T11 e T12, mais evidente do

lado esquerdo (Anexo IV, Figura 9). Diagnósticos diferenciais: Embolismo fibrocartilaginoso;

Discoespondilite; Meningomielite; Meningoencefalomielite granulomatosa; Neoplasia; Quisto

aracnóide; Quisto articular espinal e Mielopatia degenerativa. Diagnóstico definitivo: Doença

do disco intervertebral (DDIV). Preparação cirúrgica: Na análise hematológica pré-cirúrgicas foi

detetada uma neutrofilia ligeira (19.3x109/L), com os restantes parâmetros, assim como os

referentes à análise bioquímica serológica, dentro dos valores normais de referência. Foi feita a

cateterização da veia cefálica do MAD. A Perla foi pré-medicada com metadona (0,4mg/kg) e

midazolam (0,2mg/kg) por via IM. Entretanto, administrou-se fluidoterapia com soro NaCl 0,9%

(500mL), onde se adicionou 1mL de metadona, 15mL de lidocaína e 0,6mL de cetamina, em

infusão continua (CRI de M,L,K), durante toda a cirurgia, numa taxa de 5mL/kg/h, por via IV. Foi

também realizada uma administração IV de cefazolina (22mg/kg). Enquanto se realizou a

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CasoClíniconº4–SistemaNeurológico:Doençadodiscointervertebral

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tricotomia da região toracolombar, fez-se oxigenoterapia com 3L/min através de máscara. Assim

que foi transferida para a sala de cirurgia, foi entubada com um tubo endotraqueal de 4,5mm de

diâmetro e ligada a um ventilador de circuito fechado circular de reinalação para administração

de oxigénio entre 0,5 e 1 L/min e sevoflurano entre 1,5 a 2%, para manutenção da anestesia. Foi

também submetida a ventilação mecânica por volume, com um volume corrente de cerca de

90mL, FR de 12, ratio inspiração expiração de 1:2,5 e pressão máxima de 40. Foi colocada em

decúbito esternal, com os membros posteriores esticados sob o abdómen e realizada a lavagem

assética do campo cirúrgico. Durante a cirurgia foram cuidadosamente monitorizados, o ECG,

SPO2, ETCO2, FC, FR e temperatura. Procedimento cirúrgico: Hemilaminectomia T10-T11-

T12 esquerda: Para executar esta técnica cirúrgica foi escolhido o acesso dorsolateral. Foi feita

uma incisão parassagital, 1 a 2cm à esquerda da linha média, e estendida cerca de duas

vertebras, tanto caudalmente com cranialmente, ao local da lesão. Seguiu-se a incisão dos

tecidos subcutâneo e adiposo, que foram retraídos lateralmente, para expor a fáscia

toracolombar e os músculos espinhais e multífidos. A fáscia foi incidida 5 a 10mm lateral e

paralelamente à linha média, expondo a musculatura epaxial. Por fim, o músculo multífido foi

afastado dorsalmente para facilitar a exposição das vertebras. Assim que identificada a região

compreendida entre as vertebras T10 e T12, procedeu-se à remoção dos processos articulares

destas vertebras com uma pinça rongeur. Para aceder ao canal intervertebral foi usada uma

broca pneumática cirúrgica para remover o osso cortical e medular, numa janela de intervenção

delimitada pelo aspeto ventral do processo acessório, a base do processo espinhoso dorsal e

cranial e caudalmente a base do processo articular. O osso foi raspado cautelosamente com a

broca cirúrgica, removendo-se o córtex exterior da lâmina vertebral, o osso medular e o córtex

interno. Por fim, o canal medular foi exposto após se ter removido a fina camada de osso restante,

a cápsula articular e o ligamento amarelo com uma cureta (Anexo IV, Figura 10). O canal medular

foi lavado e aspirado repetidamente com soro fisiológico NaCl 0,9% estéril, tendo-se removido

as estruturas herniárias mais aderidas com uma pinça. O encerramento da sutura foi realizado

com o reposicionamento da fáscia toracolombar, do tecido subcutâneo e da pele, com um padrão

interrompido simples. Tratamento médico: A Perla permaneceu internada durante cinco dias,

nos quais foi necessário fazer compressão manual da bexiga a cada quatro horas. Para o

tratamento da dor foi mantido o CRI M,L,K (1,25mL/kg/h) e associado um CRI de

dexmedetomidina (1mL/kg/h), durante os primeiros três dias após a cirurgia. Nos últimos dois

dias de internamento, este tratamento foi realizado através da administração IV de buprenorfina

0,3mg/mL, a cada seis horas (0,02mg/kg). Foi ainda medicada com metacam (0,1 mg/kg, SC,

SID), com cefazolina (22mg/kg, IV, BID) e metronidazol (10mg/kg, IV, BID). Durante o período

de internamento foi submetida a várias sessões diárias de fisioterapia, com exercícios passivos

de movimentos de flexão e extensão, movimentos de bicicleta e promoção da marcha com apoio.

Teve alta hospitalar com prescrição de cefalexina 250mg (3/4cp, PO, BID) e meloxicam xarope

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CasoClíniconº4–SistemaNeurológico:Doençadodiscointervertebral

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1,5mg/mL (0,2mg/kg, PO, SID), durante cinco dias consecutivos. Foi ainda recomendado manter

a Perla em repouso e num local almofadado durante quatro semanas, compressão da bexiga

três vezes ao dia até recuperar a micção espontânea e fisioterapia. Controlo pós cirúrgico: Na

primeira consulta de controlo, sete dias após a intervenção cirúrgica, a Perla apresentava

melhorias significativas. Embora ainda não tivesse recuperado a capacidade ambulatória nem a

micção espontânea, já se conseguia manter em estação, durante vários segundos e já tinha

recuperado de forma satisfatória a sensibilidade profunda dos membros posteriores. Três

semanas após a cirurgia, a Perla já tinha recuperado a capacidade locomotora e a micção

espontânea, ainda que com ligeira ataxia dos membros posteriores.

Discussão

A protusão do disco na coluna vertebral toracolombar é uma das doenças degenerativas

do disco intervertebral mais frequente nos cães(1,2). Os discos intervertebrais estão localizados

entre as vertebras, desde a cervical (C2) até à sacral (S3), e têm como função permitir a

flexibilidade da coluna vertebral(3). Atuam como um tecido adaptável capaz de possibilitar

movimentos extremos, ao mesmo tempo que mantêm uma rigidez suficiente para suportar as

forças fisiológicas normais(3). O disco intervertebral consiste num núcleo pulposo incompressível,

composto por células notocordicas, restringido por uma matriz proteoglicana e cercada por um

anel de fibras de colagénio, juntamente com as placas terminais cartilaginosas adjacentes às

vertebras(3,4). A região toracolombar é a mais afetada pela DDIV, porque o canal vertebral é muito

mais pequeno que na restante coluna, sendo por isso mais sensível à extrusão de material do

disco(3).

No ser humano assume-se como fator desencadeante DDIV seja a perda da capacidade

de difusão dos vasos sanguíneos presentes nas placas terminais vertebrais que fornecem a

nutrição ao núcleo pulposo(4). A consequência é a diminuição da produção de matriz extracelular,

o que vai alterar as propriedades mecânicas do núcleo e levar a alterações degenerativas

secundárias do anel fibroso. Embora este fator seja passível de acontecer nos cães, a DDIV

está mais relacionada com a predisposição genética, associada principalmente às raças

condrodistróficas(4).

As características patológicas da DDIV foram descritas há cerca de 60 anos num estudo

levado a cabo pelo professor e cientista veterinário Hans Jørgen Hansen, tendo-as dividido em

dois tipos (1,3,4). A DDIV Hansen tipo I (degeneração condroide) surge principalmente nas raças

condrodistróficas e diz respeito a uma herniação aguda, devido à degeneração ou calcificação

do material do núcleo pulposo, que atravessa todas as camadas do anel fibroso, patologicamente

mais fragilizadas, até ao interior do canal vertebral(1,3,4). A quantidade de material do disco

extrusado pode ocupar mais de 50% do canal vertebral(3). A DDIV Hansen tipo II (degeneração

fibroide) é mais frequente em animais idosos de raças de porte grande não condrodistróficas,

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sendo a herniação do disco um processo crónico, com progressão mais gradual(1,3,4). A

compressão da medula espinal ocorre secundariamente à protusão dorsal do anel fibroso, que

por estar enfraquecido é empurrado pelo núcleo pulposo para o interior do canal vertebral(1,3,4).

No caso da Perla, a história clínica de dor toracolombar aguda, bem como a paralisia

repentina dos membros pélvicos, permitiram classificar a sua DDIV toracolombar como Hansen

tipo I. Por outro lado, nos cães com DDIV Hansen tipo II, a história é de dor crónica, associada,

ou não, a trauma antecedente, baseada nas queixas de dificuldade do animal em se deitar ou

levantar e em graus variáveis de paresia dos membros posteriores(3). No exame neurológico, as

lesões encontradas nos cães com hérnia discal entre T3-L3 incluem paraparésia ou paraplegia

e ataxia associada aos motoneurónios superiores, perda de propriocepção nos membros

posteriores, reações posturais prolongadas, tónus muscular extensor aumentado e reflexos

normais a aumentados, podendo haver perda do reflexo panicular caudalmente ao local da

lesão(3). A incontinência urinária pode também estar presente nas situações de paraplegia(3).

Após ter sido identificado o local da lesão, a obtenção de informação adicional sobre a

severidade e natureza da lesão é conseguida com o recurso aos métodos de diagnóstico

imagiológicos(4,5). A radiografia convencional permite a visualização de algumas alterações

sugestivas de DDIV, como, diminuição da distância entre as placas terminais das vertebras,

diminuição do espaço entre os processos articulares e alterações na radiolucência do disco

intervertebral(3,4). A mielografia – radiografia com aplicação de um meio de contraste no espaço

subaracnoideu – pode ser útil para detetar uma região da medula espinal dilatada e identificar

desvios no espaço subaracnoide(3–5). Atualmente, a RM e a TC são as técnicas imagiológicas

mais indicadas para a obtenção de um diagnóstico definitivo, pelo facto de permitirem a

visualização direta do tecido nervoso(4,5).

A RM permite a visualização da medula espinal, do osso e dos tecidos moles

envolventes(3). Permitindo, por isso, a deteção precoce do processo degenerativo do disco

intervertebral, antes de ocorrer a mineralização(3). Por outro lado, a TC é extremamente sensível

para alterações na densidade radiográfica óssea e apresenta uma resolução espacial superior à

da RM, o que permite detetar a presença de material nuclear calcificado dentro do canal vertebral

ou do forâmen intervertebral(4,5).

O tratamento da compressão da medula espinal causada pela IVDD pode ser médico

(conservador) ou cirúrgico, sendo a severidade da lesão determinante para o tipo de tratamento

a instituir(1,4). O tratamento médico consiste na terapia anti-inflamatória e repouso absoluto

durante um mínimo de seis semanas, combinado com fisioterapia(2). É indicado em cães com

défices neurológicos moderados e ligeira compressão medular(2). Tem uma taxa de sucesso de

29% e um tempo de sobrevida médio de 330 dias(2). Por outro lado, o tratamento cirúrgico é

indicado nos casos em que os défices neurológicos são mais severos, associados a dor,

desconforto ou fraqueza persistente, não responsiva ao tratamento médico; paralisia com perda

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da sensibilidade ao estímulo doloroso num espaço de 24h; ou agravamentos dos sinais clínicos

mesmo com medicação(2,3). A terapêutica cirúrgica tem uma taxa de sucesso de 71% com um

tempo de sobrevida médio de 630 dias(2).

A cirurgia descompressiva da medula espinal após uma extrusão do disco implica a

remoção do material herniado do interior do canal vertebral(6). O acesso à coluna vertebral é um

processo de desbridamento meticuloso dos tecidos moles, determinante para a exposição da

extensão óssea que se pretende remover, para aceder ao canal medular(5). Estão descritas várias

técnicas cirúrgicas para remoção do osso vertebral, sendo que a escolha da mais adequada é

determinada para cada animal consoante o local da lesão e o acesso ao canal vertebral

pretendido(2,6). No caso da Perla, foi realizada uma hemilaminectomia T10-T12 esquerda através

do acesso dorsolateral esquerdo. A hemilaminectomia é o procedimento cirúrgico mais frequente

em cães com DDIV(5). Pode ser realizada através do acesso dorsolateral ou lateral, sendo que o

primeiro permite uma melhor exposição da medula(7). Esta técnica implica a remoção dos

processos articulares, com pinça rongeur, da vertebra cranial e caudal ao disco herniado, para

permitir fazer a resseção do arco vertebral (lâmina e pedículo vertebrais), expondo o canal

vertebral(5,6). Desta forma, a hemilaminectomia proporciona uma boa visualização da medula

espinal, e das raízes nervosas, o que permite a remoção de material do disco intervertebral

herniado do canal vertebral, sem excessiva manipulação da medula(7). Outra técnica cirúrgica

muito utilizada para descompressão da medula é laminectomia dorsal(6). Por esta via, o acesso

ao canal medular é conseguido com a remoção da lâmina vertebral, o que implica que,

primeiramente, se proceda à remoção dos processos espinhosos da vertebra cranial e caudal ao

disco afetado(7). Para um acesso ao canal medular por via lateral ou ventrolateral recorre-se a

uma técnica modificada da hemilaminectomia designada por mini-hemilaminectomia

(pediculectomia ou foraminotomia), onde a principal diferença reside na preservação dos

processos articulares(7). Por fim, se o paciente apresentar um disco herniado ventralmente à

medula espinal, poderá ser necessário realizar uma corpectomia para aceder ao canal vertebral

por via ventral ou ventrolateral(6,7). Esta técnica envolve a remoção parcial dos corpos vertebrais

que suportam o material do disco protuso dentro do canal vertebral(6,7).

O prognostico associado ao tratamento cirúrgico é variável consoante a apresentação

clínica do animal previamente à cirurgia, principalmente no que diz respeito à presença ou

ausência de sensibilidade profunda nos membros posteriores(5). O exame neurológico da Perla

demostrou que apresentava uma sensibilidade profunda diminuída no membro posterior direito

e ausente no membro posterior esquerdo. Num situação como esta, vários estudos apontam que

entre 43% a 62% dos casos retornam a sua capacidade ambulatória, em oposição aos casos

onde a sensibilidade profunda permanece intacta, em que 72% a 100% recupera a capacidade

ambulatória após o tratamento cirúrgico(5). O tempo que passou após a perda da sensibilidade

dos MP, é também um importante fator a ter em conta, uma vez que quanto mais cedo os cães

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forem submetidos a cirurgia melhor é o prognóstico(3,5). No entanto, a rapidez com que o cão

atinge um estado não ambulatório após uma herniação aguda do disco intervertebral, e a não

recuperação da sensibilidade profunda dos MP até duas semanas após a cirurgia, acarreta pior

prognóstico(5).

Após a intervenção cirúrgica é fundamental manter uma terapia de suporte,

especialmente no controlo da dor, instituindo fármacos AINE’s, opioides, co-adjuvantes como a

gabapentina e acupuntura(3). O repouso em jaula durante pelo menos duas semanas é também

uma medida importante para complementar o processo de recuperação pós-cirúrgico, pois o

limitar da atividade física do animal consegue prevenir a herniação de mais material do disco(3).

Muitos casos de DDIV Hansen tipo I podem vir a desenvolver incontinência urinária e/ou fecal(5).

Pelo que, nestes casos é necessário realizar a compressão da bexiga pelo menos a cada oito

horas, durante vários dias após a cirurgia, evitando o comprometimento do músculo detrusor

consequente da dilatação excessiva da bexiga por retenção urinária(3). Por fim, mas não menos

importante, é a instituição de um plano de fisioterapia diário, para promover o fortalecimento

muscular e o controlo motor, de forma a acelerar a recuperação da capacidade ambulatória(3).

A possibilidade de recorrência de DDIV no mesmo ou noutro local da coluna vertebral, é

algo para o qual os tutores do animal devem ser alertados previamente a qualquer intervenção

médica ou cirúrgica(5). Vários estudos apontam para uma taxa de recorrência entre os 15% e

20% numa média de 3 anos após o tratamento cirúrgico(5).

Bibliografia 1. Crawford AH, Decker S (2017) "Clinical presentation and outcome of dogs treated medically or

surgically for thoracolumbar intervertebral disc protrusion" Veterinary Record 180(23) 2. Guevar J, Olby N (2019) "Minimally invasive microsurgical decompression of an intervertebral disc

protrusion in a dog" Veterinary Surgery 1–7. 3. Shell L, Katherman A (2018) "Intervertebral Disk Disease, Thoracolumbar" VINCyclopedia of

Diseases [citado 15 de Março de 2020]. Disponível em: https://www.vin.com/Members/Associate/Associate.plx?from=GetDzInfo&DiseaseId=1299

4. Jeffery ND, Levine JM, Olby NJ, Stein VM "Intervertebral disk degeneration in dogs: Consequences, diagnosis, treatment, and future directions" Journal of Veterinary Internal Medicine 27(6):1318–1333.

5. Tobias KM, Johnston SA (2012) Veterinary Surgery: Small Animal, 1ª Ed, Elsevier/Saunders 325-373, 449-475

6. Jeffery ND, Harcourt-Brown TR, Barker AK, Levine JM (2018) "Choices and Decisions in Decompressive Surgery for Thoracolumbar Intervertebral Disk Herniation" Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice 48(1):169–186.

7. Shores A, Brisson BA (2017) Current Techniques in Canine and Feline Neurosurgery, 1ª Ed, John Wiley & Sons, Inc. 535-620

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Caso Clínico nº5 – Sistema Digestivo: Dilatação com torção gástrica

Caracterização do animal: A Lucca era uma cadela, inteira, dogue alemão, com nove

anos e 46kg de peso. Motivo da consulta: Dilatação abdominal exuberante, com sialorreia e

tentativas de vómito improdutivas. História clínica: A Lucca cumpria o plano de vacinação, mas

tinha as desparasitações desatualizadas. Vivia numa casa com quintal, sem contacto com outros

animais, nem acesso a lixo ou a tóxicos. Não tinha o hábito de roer ou ingerir objetos estranhos.

Era alimentada com ração seca apropriada. Não tinha antecedentes médicos nem cirúrgicos.

Anamnese dirigida: A tutora deparou-se com a Lucca deitada no quintal, por volta das 8h,

relutante ao chamamento, prostrada e com o abdómen distendido. A última refeição teria sido às

20h do dia anterior. A possibilidade de ingestão de medicamentos ou tóxicos foi descartada.

Antes deste episódio, a tutora não detetou outras anomalias associadas ao aparelho digestivo,

como falta de apetite, vómitos ou fezes alteradas. Exame físico: A Lucca deu entrada no hospital

por volta da 9h em estado de choque. Estava prostrada, não ambulatória e tinha um estado

mental linfático. Os movimentos respiratórios eram superficiais, ritmo aumentado (40rpm),

irregulares e do tipo costal anterior. O pulso era fraco, simétrico, irregular e com uma frequência

de 130bpm. As mucosas oral e conjuntival estavam pálidas, TRC de 3seg e tinha uma

temperatura retal de 38,3ºC. Tinha uma condição corporal de 2,5/5. No exame dirigido ao

aparelho digestivo registou-se a presença de sialorreia e tentativas de vómito improdutivas. A

percussão da parede abdominal revelou som timpânico. Diagnósticos diferenciais: Dilatação

gástrica com ou sem torção; Torção mesentérica; Torção esplénica; Hérnia diafragmática; Ascite;

Corpo estranho obstrutivo. Exames complementares: Rx abdominal – distensão gástrica e

intestinal severa por gás e esplenomegalia; estômago rodado sobre o seu eixo mesentérico, no

sentido dos ponteiros do relógio, com o piloro deslocado dorsalmente e sobre o lado esquerdo

do estômago (Anexo V, Figura 11); Hemograma – parâmetros dentro dos valores normais de

referência; Painel bioquímico serológico – Potássio 3,6mEq/L (3,8-5,0); FA 263U/L (13-83);

lactato 5,6mmol/L; restantes parâmetros normais. Diagnóstico definitivo: Dilatação com torção

gástrica (DTG), acompanhada de torção esplénica. Tratamento médico pré-cirúrgico: A Lucca

foi cateterizada na veia cefálica do MAE e submetida a fluidoterapia intensiva com LR numa taxa

de 90mL/kg/h. De seguida foi mantida em oxigenioterapia através de máscara (3L/min) e em

monitorização do ECG, PAS e FR, tendo-se detetado arritmias cardíacas com ocorrência de

VPC´s frequentes. Iniciou-se a CRI de lidocaína (7,5mL/h). Foi sedada com CRI de fentanilo

(3µg/kg/h) para se realizar a descompressão gástrica. Foi colocada em decúbito esternal e

entubada orogastricamente com um tubo largo, no entanto sem o resultado pretendido.

Simultaneamente, procedeu-se à trocaterização (gastrocentese) com um cateter de 18G, o que

permitiu efetuar alguma descompressão gasosa (Anexo V, Figura 12). Realizou-se antibioterapia

profilática com uma administração de cefazolina (22 mg/kg, IV), imediatamente antes da cirurgia.

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CasoClíniconº5–SistemaDigestivo:Dilataçãocomtorçãogástrica

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Procedimento anestésico: Em simultâneo com a lidocaína, foi administrado etomidato (1mg/kg)

para promover a indução anestésica. Realizou-se a tricotomia do abdómen. Foi transferida para

a sala de cirurgia, onde foi entubada com um tubo endotraqueal de 10mm de diâmetro, ligado a

um circuito fechado circular para manutenção da anestesia com administração de oxigénio entre

0,6 e 1,5 L/min e sevoflurano entre 1,5 a 2%, e iniciou-se a ventilação mecânica. De seguida,

posicionou-se o animal em decúbito dorsal e realizou-se a lavagem assética do campo cirúrgico

com povidona iodada. Durante a cirurgia foi monitorizado o ECG, a SPO2, o ETCO2, a FR, a PAS

e a temperatura. Procedimento cirúrgico: A cavidade abdominal foi acedida por celiotomia

mediana, com uma incisão na linha branca desde o processo xifóide do esterno, até a um ponto

intermédio entre a cicatriz umbilical e o púbis. Realizou-se a inspeção cirúrgica da cavidade

abdominal, constatando-se que tanto o estômago como o baço estavam torcidos no sentido dos

ponteiros do relógio. Ambos bastante congestionados, consequência do comprometimento

vascular (Anexo V, Figura 13). O intestino também apresentava sinais de congestão e ausência

de peristaltismo. O estômago foi recolocado manualmente na sua posição anatómica,

deslocando o piloro dorsalmente e para a direita e o corpo ventralmente para a esquerda. Antes

de proceder à sua fixação, foi colocado novamente um tubo orogástrico, o que permitiu realizar

uma descompressão gasosa e líquida quase total. Para fixar o estômago foi utilizada a

gastropexia incisional. Assim, foi feita uma incisão na parede gástrica, com cerca de 5cm, na

região ventral do antro pilórico, atravessando as camadas serosa e muscular. Uma segunda

incisão, com cerca de 6cm, foi realizada na parede abdominal direita, atravessando o peritoneu

e o músculo transverso abdominal, caudalmente à última costela no local oposto à primeira

incisão. As duas incisões foram justapostas e suturadas com um padrão simples contínuo,

utilizando um fio 2-0 monofilamentar absorvível (Monosyn®). A cavidade abdominal foi lavada

como soro NaCl estéril e morno. Por fim, a cavidade abdominal foi encerrada, começando por

suturar a linha branca com um padrão simples contínuo com fio 2-0 monofilamentar, sintético

absorvível (Monosyn®), de seguida o tecido subcutâneo, mantendo as características da sutura

anterior, e finalmente a pele com padrão simples interrompido, com fio 2-0 monofilamentar,

sintético não absorvível (Dafilon®). Tratamento médico pós-cirúrgico: A Lucca permaneceu

sedada com fentanilo em infusão contínua. Foram analisados o ionograma, o hematócrito, as

proteínas totais, o ECG e a pressão arterial. Ainda se detetaram alguns VPC´s e apresentava-se

com hipotensão. Nesse sentido, manteve-se o CRI de lidocaína e foi adicionado um CRI de

dopamina (0,3mg/kg/h). Foi ainda avaliado o lactato, que se manteve abaixo dos 2mmol/L

durante o período de internamento. A dose do sedativo foi sendo diminuída progressivamente,

começando a recuperar os sentidos. Durante o período de internamento, administrou-se

maropitant (1mg/kg, SC, SID), omeprazol (1mg/kg, IV, BID), sucralfato (1 saqueta, PO, BID) e

amoxicilina/ácido clavulânico (22mg/kg, SC, SID). Esteve em jejum durante 24h após a cirurgia,

embora durante esse período tenha sido fornecida pequenas quantidades de água. Após esse

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período, a Lucca começou a ser alimentada num plano elevado, com os membros posteriores

apoiados no chão e os anteriores suportados numa mesa, com dieta médica digestiva em

seringas de 60mL. Teve alta hospitalar após três dias, com recomendação de repouso durante

quatro semanas e prescrição de omeprazol 40mg (1cp, PO, BID), clindamicina 75mg (2cp, PO,

BID) e ciprofloxacina 750mg (1cp, PO, SID), durante três semanas. Foi ainda recomendado ração

húmida intestinal ou com caldo de arroz com frango, em pequenas quantidades, várias vezes ao

dia. Controlo pós cirúrgico: A Lucca foi reavaliada uma semana após ter tido alta. A tutora

referiu que nos primeiros dois dias em casa a Lucca estava ligeiramente prostrada, com pouco

apetite, tendo tido um episódio de vómito coincidente com a ingestão de água. Contudo, o seu

estado geral foi melhorando progressivamente e no dia da consulta o exame do estado geral e

digestivo não revelaram alterações. Na semana seguinte foram removidos os pontos da sutura

e a melhoria do estado geral da Lucca era evidente, refletido no incremento de 2kg no seu peso.

Discussão A DTG é uma síndrome aguda e extremamente grave, com efeitos multissistémicos

severos(1,2), descrita principalmente em cães de raça grande e de peito profundo(4–7). Trata-se de

uma emergência médica e cirúrgica, uma vez que o estômago ao rodar sobre o seu eixo maior,

aprisiona o gás, fluído e ingesta no seu interior, aumentando a pressão intra-gástrica(2,3,5). O

resultado final é uma dilatação gástrica exuberante, capaz de comprimir os grandes vasos e

impedir o retorno venoso abdominal ao coração, podendo deixar o animal em choque

cardiogénico(2,3).

A causa da DTG não é totalmente conhecida, mas pensa-se que esteja relacionada com

uma motilidade gástrica anormal(3,7). No entanto, foram identificados alguns fatores de risco,

nomeadamente, cães de raça grande a gigante, conformação torácica profunda e larga, ingestão

de pequenas porções de comida por dia, ingestão sôfrega da comida, ligamento hepatogástrico

longo, temperamento agressivo ou medroso e stress ou exercício após a refeição(2,3,5). Também

se sugere que haja predisposição genética, uma vez que os cães filhos de pais que sofreram

uma DTG, têm maior probabilidade de virem a sofrer do mesmo problema(2,7). O risco é maior

com o avançar da idade e em algumas raças, como é o caso do dogue alemão, setter gordon,

setter irlandês, weimaraners, entre outras(2,3,7).

A patofisiologia da DTG é complexa, dado que acarreta várias consequências. O primeiro

dos problemas é o choque cardiogénico causado pelo aumento da pressão intra-abdominal, que

faz estagnar a circulação venosa, que se agrava com a diminuição do retorno venoso ao coração

pela veia cava(3). Num estado mais avançado, pode haver diminuição do fluxo coronário, que

associado com o aumento da produção do fator depressor do miocárdio, pode levar à isquemia

do miocárdio(3). Esta condição traduz-se em arritmias cardíacas e outras anomalias

eletrocardiográficas, em cerca de 40 a 70% dos casos(3). Por outro lado, esta estase venosa vai

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causar a necrose da mucosa intestinal, o que promove a translocação de bactérias através do

trato gastrointestinal e que poderá resultar em endotoxemia(3). A endotoxemia é o resultado da

diminuição da depuração hepática das endotoxinas produzidas pelas bactérias gram-negativas,

devido ao sequestro do sangue esplâncnico, consequente hipertensão portal(3). Por sua vez a

endotoxemia potencia ainda mais a hipotensão e a diminuição do débito cardíaco, podendo

causar choque hipovolémico(3). Finalmente, a pressão sobre o diafragma e a diminuição da

perfusão e da compliance pulmonar, causa disfunção respiratória e agrava a hipoxia tecidual(2,3,7).

Os sinais clínicos de DTG mais frequentes são, distensão e timpanismo abdominal,

detetados pelo som timpânico aquando da auscultação com percussão, e sinais clínicos de

choque hipovolémico, nomeadamente, pulso fraco, taquicardia, mucosas membranares pálidas,

TRC aumentado e dispneia(2,3). São vários os exames e procedimentos que podem ser usados

para complementar o diagnóstico de DTG. Através da radiografia, realizada com o animal em

decúbito lateral direito, pode ser visível o piloro numa posição frequentemente dorsal ao

estômago e repleto de ar, cujo aspeto de “C” invertido, “luva de boxe” ou “braço do Popey” é

sugestivo de dilatação com torção gástrica(3,7). O hemograma e a análise bioquímica sorológica

também permite obter algumas informações pertinentes. O hemograma da Lucca não

apresentava alterações valorizáveis no seu contexto clínico, no entanto, numa situação de DTG

é comum a evidência de hemoconcentração, de leucograma de stress e de trombocitopenia(3).

Por outro lado, as analises bioquímicas da Lucca revelaram a enzima hepática ALT ligeiramente

aumentada, o que é sugestiva de dano hepatocecular secundário à hipoxia tecidular(3). Outros

parâmetros bioquímicos como a ureia e a creatinina sérica, se aumentadas, podem ser

sugestivas de lesão renal aguda, secundária a hipotensão(3).

A concentração do lactato plasmático é um dos parâmetros mais úteis para avaliar a

perfusão sanguínea, determinar fluidoterapia de ressuscitação e equacionar o prognóstico(3.6,7).

O valor de referência do lactato em cães está compreendido entre 0,5-2,0mmol/L. Aquando da

apresentação clínica, a Lucca tinha um lactato de 5,6mmol/L. Vários estudos sugerem que um

lactato de 6.0mmol/L é preditivo de necrose gástrica e associada a maior taxa de mortalidade,

enquanto que um valor inferior a 4mmol/L é indicativo maior probabilidade de sobrevivência(3,6,7).

Como já foi referido, a DTG é uma urgência médica que requer uma intervenção rápida

envolvendo terapia intensiva para reverter o choque, descompressão gástrica e

reposicionamento com fixação permanente do estômago(1,3,5). O objetivo terapêutico inicial passa

pela reposição rápida do volume intravascular e restauração da perfusão tecidular e orgânica(2,3).

Para tal, é recomendado a administração intravenosa de fluídos cristaloides isotónicos numa

taxa de 90mL/kg/h, podendo associar-se coloides para manter o fluído no espaço

intravascular(2,3,). Se a hipotensão persistir pode ser necessário instituir fármacos vasopressores,

como por exemplo, a dopamina ou a noradrenalina(3). Outro passo importante é a descompressão

do estômago para, em conjunto com a fluidoterapia, restabelecer a perfusão gástrica e

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sistémica(2,3,5). Nesse sentido, foi tentada uma entubação orogástrica, mas devido à resistência

oferecida à progressão do tubo, principalmente ao nível do esfíncter esofágico, não foi possível

aceder ao estômago. Para ultrapassar este problema e promover a descompressão gasosa, a

bibliografia sugere realizar uma trocaterização percutânea, com um cateter de tamanho entre 14

a 18G introduzido no flanco direito, sobre a região mais distendida e com maior precursão

timpânica(7). Este procedimento, se bem sucedido, permite descompressão gástrica rápida que,

por sua vez, poderá aliviar a pressão na veia cava caudal(7).

O protocolo anestésico realizado em cães com DTG é variável consoante o estado clínico

do animal(3). De um modo geral, devem ser evitados fármacos depressores cardiovasculares e

arritmogénicos(3,7). No caso da Lucca, usou-se fentanilo como pré-medicação e etomidato e

lidocaína para a indução anestésica. O etomidato tem a vantagem de manter o débito cardíaco,

não sendo arritmogénico(3). A lidocaína é um fármaco com capacidade antiarrítmica, utilizado

neste caso para controlar os VPC’s e a taquicardia supraventricular(3).

Assim que se acedeu cirurgicamente à cavidade abdominal deparou-se com uma torção

gástrica e esplénica exuberante, com sinais severos de congestão, associados a um intestino

congestivo e aperistáltico. A rotação do estômago no sentido dos ponteiros do relógio foi

confirmada por palpação do órgão e de pontos de referência, como a junção gastro-esofágica.

Após a reposição dos órgãos afetados pode ser necessário realizar nova descompressão do

estômago para facilitar a sua manipulação(7). No caso da Lucca, uma nova entubação

ororgástrica foi finalmente bem sucedida, tendo o estômago perdido grande parte do seu volume.

Assim que reposicionados na sua posição, foi possível observar a retoma da perfusão sanguínea

tanto do estômago como do baço, com a recuperação das suas cores fisiológicas. Por este

motivo, foi descartada a possibilidade de gastrectomia e de esplenectomia.

A gastropexia surge assim como um passo fundamental no tratamento da torção gástrica,

porque permite que após o reposicionamento do estômago, se possa fixar permanentemente o

antro pilórico à parede abdominal direita, para evitar novas torções(2-5,7). Existem várias técnicas

de gastropexia descritas, onde se inclui, gastropexia incisional (flap muscular), gastropexia Belt

Loop, gastropexia circuncostal, gastropexia por laparoscopia e gastropexia pela linha média(1,3).

Independentemente da técnica, o objetivo da gastropexia é a fixação do estômago na sua

posição fisiológica(3). A técnica escolhida dever ter em atenção a rapidez e a experiência prévia

do cirurgião, para minimizar o tempo de anestesia(1,3). Neste caso clínico, optou-se pela execução

de uma gastropexia incisional. Esta técnica e a gastropexia Belt Loop permitem uma fixação

gástrica forte, com baixa probabilidade de recorrência, embora a gastropexia incisional permita

uma execução mais rápida(7). A gastropexia circuncostal é a técnica que garante a fixação mais

segura, no entanto é um procedimento exigente e com risco de fratura de costelas e de

pneumotórax(1,3,7). A gastropexia laparoscópica tem a vantagem acrescida de ser a cirurgia

menos invasiva, no entanto não é adequada numa urgência como a DTG(7). Na gastropexia pela

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linha média, o fundo gástrico é suturado juntamente com a linha branca, aquando do

encerramento da cavidade abdominal(7). Embora esta seja uma das técnicas mais rápidas, tem

como desvantagem o risco de perfuração gástrica na eventualidade de novas laparotomias(7).

As principais complicações pós-opertórias da DTG são, as arritmias cardíacas, devido a

défices eletrolíticos (potássio e magnésio); peritonite e/ou sepsis, em caso de perfuração gástrica

durante a cirurgia ou se o tecido necrosado não tiver sido completamente removido; CID, por um

consumo excessivo dos fatores de coagulação durante a evolução do quadro clínico; íleo

paralítico, decorrente da distensão gástrica, que pode manifestar-se com vómitos; e ainda

recorrência da dilatação com ou sem torção(2,3). No tratamento pós-operatório é por isso

importante a manutenção da hidratação, corrigir anomalias eletrolíticas e controlar as arritmias

cardíacas(2,3). Na situação da Lucca foi administrado maropitant pelo seu efeito antiemético e

promotor da motilidade gástrica, sucralfato e omeprazol como protetores gástricos, dopamina

como vasopressor, lidocaína para o tratamento das arritmias, e amoxicilina para profilaxia de

infeções bacterianas.

Os fatores associados a um risco de mortalidade aumentado incluem o início de sinais

clínicos com evolução superior a seis horas antes do exame físico, e a apresentação hospitalar

do animal com hipotermia, hipotensão, peritonite, CID, arritmias e necessidade de gastrectomia

ou esplenectomia(2,3). Estudos recentes apontam para uma taxa de mortalidade que ronda os

50% nos cães com DTG(1-3). No entanto, esta mortalidade é reduzida para valores abaixo dos

20% nos casos resolvidos cirurgicamente(1–3). Os resultados clínicos após a gastropexia são

semelhantes para as várias técnicas cirúrgicas(3). Contudo, existe a probabilidade de recorrência

em cerca de 5% dos cães submetidos a gastropexia(1,3,5). A gastropexia profilática é

recomendada nos cães com risco acrescido de sofrer uma DTG(3,5).

Bibliografia 1. Ullmann B, Seehaus N, Hungerbühler S, Meyer-Lindenberg A (2016) "Gastric dilatation volvulus: A

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Anexos

Anexo I - Caso Clínico nº1

Figura 2. Bloqueio regional ecoguiado do nervo maxilar através do acesso extra oral.

Figura 1. TC evidenciando uma massa (seta) envolvendo o 1º molar superior esquerdo e tecido ósseo e mole envolventes.

Figura 3. Exame macroscópico pré-cirúrgico de massa proliferativa na região do osso maxilar/palatino esquerdo.

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Anexo II - Caso Clínico nº2

Figura 4. TC do crânio – evidência do espessamento e alongamento do palato mole.

Figura 5. Palatoplastia por flap sobreposto; A – retração rostral da extremidade caudal do palato mole; B – excisão da porção de mucosa orofaríngea excedente; C – sutura do limite caudal do palato mole da mucosa orogaríngea, com o limite rostral do palato mole da mucosa oral.

A B C

A B Figura 6. A – Estenose das narinas; B – Narinas após alaplastia nasal.

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Figura 7. Cálculo do score de risco braquicefálico (BRisk) (adaptado de Tarricone, et al. 2019 ).

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Anexo III - Caso Clínico nº3

Figura 8. Pericardiectomia. Pericárdio (1) suportado pelas pinças de Halsted evidenciando o epicárdio (2).

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Anexo IV - Caso Clínico nº4

Figura 9. TC da coluna vertebral. Hérnia discal (seta) entre as vértebras T10 e T12.

Figura 10. Canal medular após hemilaminectomia por via dorsolateral.

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Anexo V - Caso Clínico nº5

Figura 11. Rx abdominal com evidência de dilatação gástrica.

Figura 12. Gastrocentese com cateter de 18G.

Figura 13. Inspeção cirúrgica da cavidade abdominal. Congestão gástrica (1) e esplénica (2).

1

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