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RELATÓRIO TÉCNICO Projeto de Pesquisa HANS JONAS E O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE: POR UMA ÉTICA DA CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA E PLANETÁRIA Prof. Dr. Renato Kirchner PUC-Campinas Biênio 2010-2011

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RELATÓRIO TÉCNICO

Projeto de Pesquisa

HANS JONAS E O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE:

POR UMA ÉTICA DA CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA E PLANETÁR IA

Prof. Dr. Renato Kirchner

PUC-Campinas

Biênio 2010-2011

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RELATÓRIO TÉCNICO

Projeto de pesquisa: Hans Jonas e o princípio responsabilidade: por uma ética da

civilização tecnológica e planetária

Grupo de Pesquisa: Ética e Sociedade

Linha de Pesquisa: Ética e Cultura Tecnológica

Área predominante: Ciências Humanas; Filosofia

Instituição: Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas)

Órgão: Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas

Unidade: Faculdade de Filosofia

Período: Biênio 2010-2011

Docente: Renato Kirchner

HANS JONAS E O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE:

POR UMA ÉTICA DA CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA E PLANETÁRIA

Resumo:

O conceito de “princípio responsabilidade” aparece claramente na obra Princípio

responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Embora muitos

estudos sobre o pensamento de Hans Jonas já tenham sido realizados tanto aqui no Brasil

como no exterior, seus insights, porém, não se deixam esgotar, tendo em vista que vivemos

cada vez mais numa civilização tecnológica e planetária. De fato, o pensamento de Jonas

estimula a refletirmos e a pensarmos as questões éticas da contemporaneidade. A

responsabilidade, enquanto princípio ético, mesmo que tenha sido evocada por outros

filósofos da tradição, assume novas perspectivas a partir do pensamento de Jonas. Com

efeito, a responsabilidade ocupa o centro da ética jonasiana. Em Jonas a responsabilidade

não mais se centra no passado e no presente, mas sua preocupação é com o futuro da

humanidade, com as gerações futuras e com a sobrevivência delas. O princípio

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responsabilidade de Jonas é uma avaliação extremamente crítica da ciência moderna e de

seu braço armado, a tecnologia. Jonas evidencia a necessidade do ser humano de agir com

prudência e humildade diante do poder transformador da tecnociência.

Palavras-chave: Responsabilidade. Técnica. Educação. Ética.

1. INTRODUÇÃO TEÓRICA

Hans Jonas nasceu em 1903, Alemanha, e faleceu em New Rochelle, Nova Iorque,

em 1993. Estudou com Husserl, Heidegger e Bultmann. Em 1933, com o advento do

nazismo, emigrou para a Palestina, e dali para a Itália, onde, como soldado, ajudou a

combater o fascismo. Depois vai para o Canadá e Estados Unidos, países em que viveu e

lecionou. Tornou-se célebre por seu trabalho sobre a gnose. Não é por acaso que Rüdiger

Safranski, biógrafo de Martin Heidegger, tenha escrito: “Também o exemplo de Hans Jonas

mostra o quanto o filosofar de Heidegger foi inspirador para os pensadores religiosos. Ele

estudava com Heidegger e Bultmann a sua grande análise do tema Gnose e espírito da

antiguidade lida com outra tradição intelectual [...] Como Bultmann, também Hans Jonas

considera a análise do Dasein de Heidegger como ‘fechadura’ onde a mensagem espiritual

cabe como ‘chave’” (SAFRANSKI, 2000, p. 173-174). Trata-se, é bem verdade, de um

contexto anterior à saída de Jonas da Alemanha por causa do advento do nazismo.

Entretanto, para a realização da presente pesquisa, foram particularmente importantes as

obras jonasianas tardias. A partir do final dos anos 60, Jonas passa a dedicar-se às questões

suscitadas pelo progresso da tecnologia. É dessa época sua obra Das Prinzip Leben:

Ansatze zu einer philosophischen Biologie, traduzida e publicada no Brasil, em 2004, pela

editora Vozes, sob o título O princípio vida: fundamentos para uma biologia filosófica.

O conceito “princípio responsabilidade”, porém, aparece mais claramente em sua

obra principal, publicada em 1979: Das Prinzip Verantwortung: Versuch einer Ethic für die

technologische Zivilisation. No Brasil, esta foi traduzida e publicada pelas editoras

Contraponto e PUC-Rio, em 2006, sob o título Princípio responsabilidade: ensaio de uma

ética para a civilização tecnológica. Esta obra é desenvolvida em seis capítulos, a saber: I –

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A natureza modificada do agir humano; II – Questões de princípio e de método; III – Sobre

os fins e sua posição no ser; IV – O bem, o dever e o ser: teoria da responsabilidade; V – A

responsabilidade hoje: o futuro ameaçado e a idéia de progresso; VI – A crítica da utopia e

a ética da responsabilidade.

Assim, embora muitos estudos sobre o pensamento de Hans Jonas já tenham sido

realizados tanto aqui no Brasil como no exterior, seus insights, porém, não se deixam

esgotar, tendo em vista que vivemos cada vez mais numa civilização tecnológica e

planetária. Assim, sem sobra de dúvida, o pensamento de Jonas estimula a refletirmos e a

pensarmos as questões éticas da contemporaneidade.

A responsabilidade, enquanto princípio ético, mesmo que tenha sido evocada por

outros filósofos da tradição, assume novas perspectivas a partir do pensamento de Hans

Jonas. Com efeito, a responsabilidade ocupa o centro da ética jonasiana. Em Jonas a

responsabilidade não mais se centra no passado e no presente, mas sua preocupação é com

o futuro da humanidade, com as gerações futuras e com a sobrevivência delas.

O presente Projeto de Pesquisa, portanto, partiu da principal obra do filósofo

contemporâneo chamado Hans Jonas. O princípio responsabilidade de Jonas é uma

avaliação extremamente crítica da ciência moderna e de seu braço armado, a tecnologia.

Jonas evidencia a necessidade do ser humano de agir com prudência e humildade diante do

poder transformador da tecnociência.

2. OBJETIVOS

Considerando que a obra de Hans Jonas apresenta uma reflexão que permite entrever

a profundidade e a extensão de seus vínculos com a crítica heideggeriana da metafísica

tradicional, ao mesmo tempo em que faz alusão para diferenças e oposições profundas que

separam tal reflexão da filosofia da técnica de Martin Heidegger, o presente Projeto de

Pesquisa tem por objetivos:

Objetivos gerais

- Mediante a leitura e interpretação de textos heideggerianos, procurar compreender

como emerge a crítica de Heidegger à metafísica tradicional. Embora esta crítica já esteja

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presente em Sein und Zeit (Ser e tempo), o objetivo procurar relacionar a famosa

conferência, de 1929, Was ist Metaphysik? (Que é metafísica?) com as conferências sobre

“ciência e técnica”, especialmente as reunidas e publicadas em Vorträge und Aufsätze

(Ensaios e conferências);

- Mediante a leitura e interpretação de textos jonasianos, procurar entender como

surge, para Jonas, a necessidade de se repensar – dentro dos limites éticos – as pesquisas

científicas e tecnológicas da atualidade. A fim de conquistar uma clareza necessária do que

Jonas pensa pelo conceito “princípio responsabilidade”, as atenções deverão voltar-se para

a obra Das Prinzip Verantwortung: Versuch einer Ethic für die technologische Zivilisation

(Princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica).

Objetivos específicos

De maneira específica, o projeto teve em vista o envolvimento de alunos, a nível de

iniciação científica, a fim de realizar também objetivos específicos, entre os quais:

- Apresentação de seminários a partir dos autores e textos estudados;

- Realização de cinedebates, com escolha de filmes diretamente relacionados aos

temas estudados, abrindo-se a possibilidade de a comunidade acadêmica participar;

- Elaboração de pôsteres a serem apresentados em eventos acadêmicos, intra ou extra

instituição;

- Elaboração de artigos científicos ou relatórios acadêmicos, por parte do coordenador

da pesquisa realizada e também pelos estudantes participantes, devendo os resultados

alcançar tal nível de excelência que possam ser publicados em periódicos acadêmicos das

áreas de Filosofia e Ética.

3. MÉTODO

Uma reflexão da época da técnica, que se originou da tradição metafísica, não poderia

prescindir da obra filosófica de Hans Jonas. De fato, a obra filosófica de Jonas representa,

na contemporaneidade, um dos mais notáveis esforços teóricos para se colocar à altura do

desafio que consiste em instaurar, com base em seu princípio responsabilidade, um projeto

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de ética para a civilização tecnológica, radicalmente distinto dos sistemas éticos

tradicionalmente herdados da história da metafísica. Em seu esforço por adquirir

maturidade e consistência filosófica apropriadas com as pretensões de uma tal iniciativa, o

pensamento de Hans Jonas, especialmente sua problematização da civilização tecnológica e

das características distintivas da moderna tecnociência, revela-se profundamente tributário

da desconstrução heideggeriana da metafísica ocidental e da reflexão de Heidegger a

respeito da essência da técnica moderna (GIACÓIA JUNIOR, 1999, p. 407). Porém, Jonas

não foi mero aluno de Heidegger. Ele levou adiante a idéia de Heidegger de que a “essência

da técnica moderna” não é técnica, idéia presente em várias conferências dos anos 50 e 60

(cf. HEIDEGGER, 2002). É por isso que Hans Jonas nos estimula a repensar as questões

éticas tão instigantes na atualidade.

Metodologicamente, a pesquisa foi e ainda continua sendo desenvolvida mediante a

leitura e interpretação de textos heideggerianos e jonasianos, sempre sob a coordenação

e/ou orientação do professor pesquisador. Embora o tema da pesquisa seja “Hans Jonas e o

princípio responsabilidade: por uma ética da civilização tecnológica e planetária”,

inicialmente a atenção também esteve voltada aos textos de Martin Heidegger, razão pela

qual os artigos científicos produzidos até o momento contêm inflexões heideggerianas.

Contudo, considerando que, dos cinco planos de trabalho de Iniciação Científica, quatro

estão voltados para o pensamento de Hans Jonas, novos textos em forma de artigos ou

relatos de pesquisa deverão resultar dessas reflexões.

A metodologia até agora empregada abrangeu leitura, análise textual, análise

temática, interpretação e síntese dos textos mais significativos relacionados aos temas

investigados, bem como a elaboração de pôster e sistematização científica por meio de uma

síntese das obras básicas de cada um dos cinco planos de trabalho de Iniciação Científica

que fazem parte do presente Projeto de Pesquisa e que deverão ser concluídos no segundo

semestre de 2012. Espera-se que cada uma das cinco pesquisas possa resultar artigo

científico, que poderão ser publicado em co-autoria de pesquisador e pesquisando em

periódico científico devidamente qualificado. Além do mais, foram investigados textos

paralelos, quer dos autores principais, quer de comentadores, no sentido de, ao mesmo

tempo, tanto ampliar como aprofundar as pesquisas.

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4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Inicialmente, alguns detalhes dos alunos e respectivos planos de trabalho vinculados

ao Projeto de Pesquisa, todos com vigência de 2011 a 2012:

1. O imperativo ético kantiano e o imperativo da responsabilidade jonasiano como

princípio, por Anauene Dias Soares (Faculdade de Direito)

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4757469Y6

2. A criança como arquétipo originário de toda ação responsável, por Diogo

Rodrigues dos Santos Albuquerque (Faculdade de Filosofia)

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4322935D2

3. A natureza modificada do agir humano e a responsabilidade pelo futuro, por

Anderson Graboski de Almeida (Faculdade de Filosofia)

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4322946U6

4. A responsabilidade humana diante da questão da técnica: um diálogo entre Jonas e

Heidegger, por Paulo Cesar Martins Ferreira Sarraipa (Faculdade de Filosofia)

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4322995H

5. A educação contra a barbárie segundo adorno à luz da teoria da responsabilidade

jonasiana, por Marly Otani Cipolini (Faculdade de Direito)

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4327967Y5

Até o momento é possível dizer que os cinco estudantes foram capazes de

sistematizar o conteúdo sobre as respectivas temáticas, embora falte ainda uma

sistematização mais rigorosa, o que está previsto para ser realizado ao longo de 2012.

Destaca-se também o compartilhamento das experiências nos estudos e debates realizados

quanto aos temas investigados entre pesquisandos e pesquisador.

É possível afirmar que houve, tanto dos alunos como do professor orientador, grande

comprometimento no Projeto de Pesquisa, o que levou ao cumprimento de todas as

atividades previstas nos planos de trabalho até aqui. De fato, do realizado até o momento, já

foi possível alcançar uma compreensão inicial suficiente dos temas propostos para cada um

dos cinco planos de trabalho inscritos no Projeto de Pesquisa.

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As atividades propostas nos plano de trabalho aprovados foram realizadas com êxito

até o presente momento. Desde o início da execução Projeto de Pesquisa houve por parte

dos alunos uma grande preocupação em relação ao bom desenvolvimento das atividades

previstas. Os encontros para orientação e estudos ocorreram semanalmente, sendo

realizados intercaladamente: numa semana aconteciam os encontros com os cinco alunos

participantes da Iniciação Científica e na semana seguinte eram realizados encontros

individuais.

Os encontros que reuniam os alunos juntamente com o orientador ocorreram todas as

terças-feiras. Inicialmente, eram realizadas na sala de aula do primeiro ano da Faculdade de

Filosofia, mas depois do primeiro mês de encontros o grupo de estudos passou a reunir-se

numa das salas do Nupex do CCHSA. Os encontros de estudo tiveram rigorosamente seu

início às 13:00 horas e seu término por volta da 15:00 horas. Todos estes encontros foram

coordenados pelo orientador do Projeto de Pesquisa, o qual, por isso mesmo, sempre se fez

presente do início ao fim dos encontros.

Os encontros gerais, isto é, que envolviam todos os alunos de Iniciação Científica,

seguiram o seguinte esquema: no primeiro encontro o orientador fez uma apresentação dos

cinco alunos que compunham o grupo de pesquisa e de todos os planos de trabalho que

faziam parte do Projeto de Pesquisa; a partir do segundo encontro, tiveram início os estudos

propriamente ditos, a saber: passou-se à leitura e aprofundamento de textos de Martin

Heidegger e Hans Jonas, uma vez que estes autores estão presente em praticamente todos

os planos de trabalho. Tendo o professor pesquisador à frente da condução dos trabalhos,

foi feita uma apresentação inicial de maneira a integrar todos os alunos para uma necessária

apresentação e sistematização dos textos mais importantes de Heidegger e Jonas presentes

em seus respectivos planos de trabalho; a partir disso, foi iniciado um terceiro ciclo de

estudos, em que cada aluno teve que fazer uma sistematização e exposição de um dos textos

mais relevante de seus respectivos plano de trabalho. Os encontros para orientações

individuais aconteceram no ETD (Espaço de Trabalho Docente), local onde o orientador

costuma ficar quando está na Instituição. Em síntese, estes encontros de orientação

individual foram fundamentais para uma melhor realização das atividades propostas no

plano de trabalho e do professor ao aluno.

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A leitura e fichamento de textos, tanto de Heidegger e Jonas quanto de comentadores

e outros autores, foram realizadas de maneira individual por cada aluno, sendo que a cada

encontro os alunos tinham um tempo para realizar a apresentação sintetizada do texto

indicado. Foram utilizadas diferentes formas para essas apresentações, tais como: slides,

resumos, fichamentos e outros que facilitaram a apresentação dos textos aos outros alunos e

ao professor orientador.

Quanto a outros resultados obtidos até o momento, cabe registrar e sucintamente

descrevê-los, como segue:

a) Participação na mesa redonda “Meio ambiente: sustentabilidade do planeta”,

realizado durante as atividades de Planejamento Pedagógico no Centro de Ciências

Humanas e Sociais Aplicadas, no dia 4 de fevereiro de 2011. Na ocasião, foi feita uma

exposição aos professores do que Heidegger entende por “pensamento que calcula” (das

rechnende Denken) e “pensamento que medita” (ein besinnliches Denken) e, em seguida,

foram estabelecidos pontos de contato com o pensamento jonasiano;

b) O professor pesquisador apresentou uma comunicação oral intitulada

“Responsabilidade paterna ou parental como cuidado ético” no XVI Colóquio Winnicott

Internacional, tendo por tema “A ética do cuidado”, evento este realizado pela Sociedade

Brasileira de Psicanálise Winnicottiana, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

nos dias 26, 27 e 28 de maio de 2012;

c) Todos os planos de trabalho de Iniciação Científica foram apresentados no XVI

Encontro de Iniciação Científica e I Encontro de Iniciação em Desenvolvimento

Tecnológico e Inovação organizado e realizado anualmente pela PUC-Campinas no

segundo semestre letivo. Portanto, as sínteses conceituais foram elaboradas pelos alunos

juntamente com o orientador e foram apresentadas no XVI Encontro de Iniciação Científica

e I Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação anual da

universidade em forma de pôster. Cada um dos cinco pôsteres foi apresentado no evento

mencionado e receberam todos avaliação positiva pelo avaliador Prof. Walter Ferreira

Salles;

d) Pelo bom desenvolvimento do Projeto de Pesquisa, tivemos a oportunidade de

apresentar um trabalho intitulado “A responsabilidade humana diante da questão da técnica:

um diálogo entre Jonas e Heidegger” – em forma de Comunicação Oral conjunta – no XVI

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Colóquio Heidegger, realizado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em 20

e 21 de outubro de 2011, tendo como escopo apresentar externamente os resultados que

tinham sido alcançados até aquele momento pelo Projeto de Pesquisa;

e) Por fim, conforme previsto inicialmente num dos objetivos específicos do Projeto

de Pesquisa “Hans Jonas e o princípio responsabilidade: por uma ética da civilização

tecnológica e planetária”, no dia 22 de novembro de 2011, foi realizado um cinedebate a

partir do filme O fim da escuridão (Edge of Darkness, direção de Martin Campbell), na

faculdade de Filosofia do Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas da PUC-

Campinas. Este evento este aberto a todos os alunos da Instituição, mediante expedição de

certificado de participação por parte da direção daquela faculdade na pessoa do Prof.

Newton Aquiles von Zuben.

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6. ANEXOS

No que diz respeito aos anexos apresentados a seguir, cabe salientar o seguinte:

ambos os textos foram submetidos a revistas B1 no decorrer de 2011. A resposta favorável

pela publicação chegou somente no mês de dezembro, razão pela qual os dois artigos

científicos deverão ser publicados, segundo os editores, durante 2012. De fato, nestes dois

artigos são abordados aspectos relacionados à pesquisa principalmente ligados ao

pensamento de Martin Heidegger. Contudo, conforme previsto e atualmente ainda em

andamento, há cinco planos de trabalho que estão desenvolvidos a partir do mesmo Projeto

de Pesquisa, sendo que quatro destes planos estão diretamente vinculados ao pensamento

ética de Hans Jonas. A perspectiva é que o resultado destes planos resultem igualmente em

artigos científicos, podendo ser inclusive publicados em co-autoria com os alunos de

Iniciação Científica ao final de 2012 ou no decorrer de 2013.

Os conteúdos dos artigos descritos abaixo foram respectivamente submetidos e

aprovados para publicação pelos seguintes periódicos científicos:

Anexo 1

Síntese: Revista de Filosofia (ISSN 2176-9389; Qualis B1; Faculdade Jesuíta de

Filosofia e Teologia, Belo Horizonte, MG)

Anexo 2

Veritas (ISSN Print 0042-3955; Online 1984-6746; Qualis B1; Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS)

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ANEXO 01

SER-NO-MUNDO COMO CONSTITUIÇÃO FUNDAMENTAL DO SER-A Í

Renato Kirchner*

Resumo

Este artigo pretende provocar e desencadear uma reflexão em torno de um dos

conceitos fundamentais da obra heideggeriana. Como o próprio título enuncia, trata-

se de evidenciar o modo pelo qual Martin Heidegger entende o conceito ser-no-

mundo enquanto constituição ontológico-existencial fundamental do ser-aí humano.

No intuito de manter a devida clareza fenomenal ao longo da reflexão aqui proposta,

serão desenvolvidos os seguintes tópicos: 1. A constituição ser-no-mundo; 2. A

mundanidade do mundo; 3. O conceito ontológico-existencial “mundo” na tradição

cristã.

Palavras-chave: Ser-no-mundo. Ser-aí. Analítica existencial. Heidegger.

Abstract

This article is intended to provoke and trigger a reflection in one of the

fundamental concepts of Heidegger’s work. As the title states, it is evident the way in

which Martin Heidegger understands the concept being-in-the-world as a

fundamental existential-ontological constitution of human being-there. In order to

maintain proper phenomenal clarity of reflection over proposed here, will be

developed following topics: 1. The constitution being in the world; 2. The

worldliness of the world 3. The existential-ontological concept “world” in the

Christian tradition.

Keywords: Being-in-the-world. Being-there. Existential analysis. Heidegger.

* Professor e pesquisador de Filosofia na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). E-mail: [email protected].

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A constituição fundamental do ser-aí humano (menschliche Dasein) é denominada

por Heidegger ser-no-mundo. Formalmente, ela diz respeito à unidade originária de

pertença “ser-homem” ou “homem-mundo”. Numa importante passagem de Ser e tempo, o

filósofo formula isso nestes termos:

“O ser-aí é um sendo, que em seu ser relaciona-se com esse ser numa

compreensão. Com isso, indica-se o conceito formal de existência. O ser-aí

existe. O ser-aí é ademais um sendo, que sempre eu mesmo sou. Ser sempre

minha pertence à existência do ser-aí como condição de possibilidade de

propriedade e impropriedade. O ser-aí existe sempre num desses modos, mesmo

quando existe numa indiferença modal para com esses modos.”1

Na analítica existencial, realizada particularmente em Ser e tempo, Heidegger

denomina de existenciais cada um dos momentos constitutivos do ser-aí humano.

Existenciais são, pois, os elementos de constituição do modo de ser do ente denominado

ser-aí, cuja constituição fundamental é ser-no-mundo. Nesse sentido, ser-homem é

fundamental e essencialmente existência. Somente o ser humano existe. Assim, a partir

daqui e no que segue, pretende-se explicitar como Heidegger concebe o ser-aí humano

enquanto único ente que existe como ser-no-mundo.

1. A constituição ser-no-mundo

No início de Ser e tempo, o filósofo chama atenção para a necessidade de ser manter

incessantemente, ao longo da analítica existencial, o conceito ser-no-mundo enquanto um

todo ou uma unidade fenomenal. Naturalmente, como Heidegger mesmo pondera, para dar

conta fenomenalmente da totalidade implicada na constituição ser-no-mundo – mesmo

voltando nossa atenção para um dos três momentos constitutivos –, será necessário

resguardar os momentos estruturais que o compõem. Logo no § 12, o pensador expressa

isso nestes termos:

“A expressão composta ‘ser-no-mundo’, já na sua cunhagem, mostra que

pretende referir-se a um fenômeno de unidade. Deve-se considerar este

primeiro achado em seu todo. A impossibilidade de dissolvê-la em elementos,

1. Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 12, p. 98. Como correspondente da palavra alemã Dasein, neste texto empregaremos sempre “ser-aí”, embora os tradutores brasileiros e portugueses utilizem respectivamente “presença” e “estar-aí”.

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que podem ser posteriormente compostos, não exclui a multiplicidade de

momentos estruturais que compõem esta constituição. O achado fenomenal

indicado nesta expressão comporta, de fato, uma tríplice visualização.”2

Esta passagem precisa ser lida e compreendida em relação às discussões preliminares

feitas no § 9, a saber: 1) a “essência” do ser-aí consiste em ter de ser (Zusein) e 2) o ser,

que está em jogo neste ente, é sempre minha (Jemeinigkeit). A fusão desta dupla

caracterização resulta na idéia de que o ser-aí é o ente que existe. O ser-aí “é” o ente que, a

cada vez e sempre de novo, precisa insistir e persistir na medida em que incessantemente se

descobre jogado ou lançado para ser quem é e como é. Em outras palavras: o homem “é” o

ente cuja constituição ontológica pertence e corresponde a esta abertura primordial que é

ser-no-mundo. Por isso mesmo, num outro trecho que imediantamente antecede a passagem

citada, Heidegger escreve:

“Estas determinações do ser do ser-aí, todavia, devem agora ser vistas e

compreendidas a priori, com base na constituição ontológica que designamos

de ser-no-mundo. O ponto de partida adequado para a analítica do ser-aí

consiste em se interpretar esta constituição.”3

A expressão “ponto de partida” (Ansatz) tem um sentido importante aqui, uma vez

que toda analítica existencial do ser-aí está assentada, baseada, fundamentada na

constituição ser-no-mundo. Daí a necessidade de conquistar e manter, desde o princípio,

uma clareza fenomenal. Portanto, segundo sua expressão composta, ser-no-mundo refere-se

a um fenômeno de unidade e, por conseguinte, exige um rigoroso exame de visualização

que envolve cada um dos momentos constitutivos: 1) o em-um-mundo, que indaga a

respeito da estrutura ontológica “mundo”; 2) o ente que sempre é segundo o modo de ser-

no-mundo, isto é, “quem” é e está, na cotidianidade mediana, “no mundo”; e 3) o ser-em

como tal4. A partir da necessidade de apreender este fenômeno em sua unidade estrutural,

Heidegger preocupa-se, de um lado, em determinar “a idéia de mundanidade em geral” e,

de outro, em desenvolver cada momento ontologicamente constitutivo de ser-no-mundo.

2. Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 12, p. 98-99. Cf`. também § 28, p. 189-193. 3. Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 12, p. 98. 4. Cf. Françoise Dastur, Heidegger e a questão do tempo, Lisboa, Instituto Piaget, 1997, p. 60-77.

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Em textos e contextos diversos, Heidegger pensa esta relação “ser-homem” ou

“homem-mundo”. Em Ser e tempo esta relação é pensada a partir da constituição

fundamental “ser-no-mundo”. É através dela que o pensador procura compreender e expor

o modo de ser do ser-aí humano. “Mundo” – existencialmente falando – é “um” momento

constitutivo do modo de ser do ser-aí. Como ver e entender, então, a constituição

fundamental “ser-no-mundo” como “mundo”?

Primeiramente, é preciso tornar visível o ser-no-mundo no tocante ao momento

estrutural “mundo”. A palavra “estrutura” diz aqui: o que integra e, nesse sentido, cada

momento é co-estruturado, co-integrado. Isso fica mais visível na expressão “mundanidade

do mundo em geral” (Weltlichkeit der Welt überhaupt). Porém, o que quer dizer “em

geral”? Heidegger emprega esta palavra numa outra expressão importante: “sentido do ser

em geral” (Sinn des Seins überhaupt). “Em geral” quer dizer “überhaupt”. Trata-se de uma

palavra composta: über-haupt. O substantivo “Haupt” significa “cabeça”, também em

sentido figurado de “conduzir e orientar”. De fato, para Heidegger, “überhaupt” possui um

sentido ontológico de totalidade, significando, assim, “em geral”, isto é, um modo

fundamental que se faz presente em absolutamente todas as situações do ser-aí, embora

nem sempre explícito e elaborado do ponto de vista ontológico. Vejamos isso, então,

através do momento contitutivo “mundo” da constituição fundamental ser-no-mundo.

Desse modo, podemos então perguntar: que sentido “totalizante” e “fundamental”

conduz e orienta a análise do “fenômeno do mundo em geral” buscada por Heidegger?

Como constitui-se “mundo”? “Mundo” compõe-se da totalidade dos entes? Num primeiro

momento, podemos ser levados a dizer que o que constitui o “mundo” é a totalidade dos

entes intramundanos. Nesse caso, o que significa intramundano? Que relação têm mundo e

intramundano, porém? Ou será “mundo” um caráter particular do ser do ser-aí? Terá cada

ser-aí sempre já seu mundo? Por outro lado, como é possível um mundo comum “em que”

os seres humanos se ocupam com os outros entes e, também, como convivem, se

comunicam e compreendem uns com os outros?

Para responder a estas perguntas e à procura da mundanidade do mundo em geral, é

preciso distinguir, preliminarmente, diversos sentidos da palavra “mundo”. Heidegger

mostra que, para o propósito da analítica existencial, a palavra mundo é polissêmica, daí a

necessidade de se esclarecer esta polissemia. Tal esclarecimento pode dar uma indicação

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para diversos significados possíveis. Acompanhemos as distinções feitas por Heidegger em

Ser e tempo:

“1. Mundo é usado como um conceito ôntico, significando, assim, a

totalidade dos entes que se podem simplesmente dar dentro do mundo.

2. Mundo funciona como termo ontológico e significa o ser dos entes

mencionados no item 1. ‘Mundo’ pode denominar o âmbito que sempre abarca

uma multiplicidade de entes, como ocorre, por exemplo, na expressão ‘mundo’

usada pelos matemáticos, que designa o âmbito dos objetos possíveis da

matemática.

3. Mundo pode ser novamente entendido em sentido ôntico. Nesse caso, é

o contexto ‘em que’ um ser-aí fático ‘vive’ como ser-aí, e não o ente que o ser-

aí em sua essência não é, mas que pode vir ao seu encontro dentro do mundo.

Mundo possui aqui um significado pré-ontologicamente existenciário. Deste

sentido, resultam diversas possibilidades: mundo ora indica o mundo ‘público’

do nós, ora o mundo circundante mais próximo (doméstico) e ‘próprio’.

4. Mundo designa, por fim, o conceito existencial-ontológico da

mundanidade. A própria mundanidade pode modificar-se e transformar-se, cada

vez, no conjunto de estruturas de ‘mundos’ particulares, embora inclua em si o

a priori da mundanidade em geral. Terminologicamente, tomamos a expressão

mundo para designar o sentido fixado no item 3. Quando, por vezes, for usada

no sentido mencionado no item 2, marcaremos este sentido, colocando a

palavra entre aspas, ‘mundo’”.5

Nesta quádrupla significação da palavra “mundo”, devemos dar atenção especial à

última. Trata-se de um conceito a priori, sendo, portanto, um conceito “ontológico-

existencial”. O significado desta quarta acepção de “mundo” – pensa Heidegger –

fundamenta as anteriores e não o contrário. A partir disso, “mundanidade” passa a ser vista

como um conceito ontológico e significa estrutura ou momento constitutivo da expressão

5. Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 14, p. 112. Cf. também Martin Heidegger, A essência do fundamento, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 44-45. Embora nesta passagem Heidegger estabeleça uma diferença entre os significados da palavra mundo utilizando-se de aspas, o uso de aspas adotado ao longo de nossa reflexão não coincide necessariamente com esta distinção, até mesmo porque utilizamos aspas numa série de outras palavras também. Justifica-se isso pelo “simples” fato de se manter acesa a atenção fenomenal voltada “às coisas mesmas” no sentido husserliano.

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ser-no-mundo, sendo uma determinação existencial do próprio ser-aí. A mundanidade é,

portanto, um existencial. Em tese, “mundo” possui o caráter do ser-aí. Evidencia-se aqui

que a descrição do fenômeno do mundo ainda não é suficientemente clara, requerendo

maiores esclarecimentos.

2. A mundanidade do mundo

Do ponto de vista terminológico, uma das primeiras distinções a fazer é que mundo

ou mundano diz respeito ao modo de ser do ser-aí. Em contrapartida, o modo de ser do ente

simplesmente dado “no” mundo, quer dizer, pertencente ao mundo, é intramundano. Isso

ficará mais claro à medida que se fizer um levantamento de como, ao longo da tradição

filosófica e metafísica, se consolidou o conceito “mundo” e o que ele significa do ponto de

vista ontológico. Na medida em que seja possível evidenciar isso, deve ficar claro por que –

enfatiza Heidegger – na falta de uma análise ontológico-existencial do ser-aí como ser-no-

mundo, sempre se “passou por cima” do fenômeno da mundanidade do mundo.

Portanto, o que significa “mundo”? “Mundo”, enquanto constituição ontológica do

ser-aí, não implica elencar tudo o que se dá no mundo como casas, árvores, homens,

montes, estrelas etc. Este seria ainda um conceito em sentido ôntico, que compreende

“mundo” como a somatória dos entes enquanto partes que podem ser adicionadas ou

ajuntadas. Revela-se aqui, segundo Heidegger, que o conceito ontológico-existencial de

mundo não pode ser retirado da “natureza” como, por exemplo, no sentido moderno das

ciências físicas. Ao contrário, é necessário partir do ser-no-mundo cotidiano e da

interpretação do ente que vem ao encontro no mundo circundante. É fundamental, por isso,

perceber que “mundo” refere-se ao contexto “em que” o ser-aí fático “vive” (existe) como

ser-aí e, consequentemente, não ao modo do ente que ele, em sua essência, não é.

Por isso mesmo, não por acaso, Heidegger fala inicialmente de ser-no-mundo como

ser-em6. Esta preocupação incicial relaciona-se ao fato de que há uma tendência natural de

entender o “em” em sentido físico-espacial. Por esta razão, Heidegger recorre a uma forma

antiga da língua alemã (innan-), registrada por Jakob Grimm (Kleinere Schriften, vol. VII,

p. 247). Demonstra, assim, que o “em” do ser-em deve ser compreendido de um modo todo

particular:

6. Cf. Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 12, p. 98-106.

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“O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está,

espacialmente, ‘dentro de outra’ porque, em sua origem, o ‘em’ não significa de

forma alguma uma relação espacial desta espécie; ‘em’ deriva de innan-, morar,

habitar, deter-se; ‘an’ significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado

com, cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito e

diligo. O ente, ao qual pertence o ser-em, nesse sentido, é o ente que sempre eu

mesmo sou. A expressão ‘sou’ se conecta a ‘junto’; ‘eu sou’ diz, por sua vez: eu

moro, me detenho junto... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou daquele

modo, me é familiar. Como infinito de ‘eu sou”, isto é, como existencial, ser

significa morar junto a, ser familiar com. O ser-em é, pois, a expressão formal e

existencial do ser do ser-aí que possui a constituição essencial de ser-no-

mundo.”7

Esta citação evidencia que mundo não significa primeiramente algo como “espaço em

que” se encontram ou se descobrem os entes. Por exemplo, quando dizemos: “a mesa está

no quarto” ou “o quarto dentro da casa”, estes “no” e “dentro” já sempre são acessíveis, se

abrem previamente numa ocupação guiada por uma circunvisão. Nesse sentido, segundo

Heidegger, toda e qualquer circunvisão nunca é totalmente cega para si mesma!

É que circunvisão (Umsicht) já diz visão de conjunto. Ela apreende e compreende o

todo instrumental num conjunto de entes possíveis. Por exemplo, ao olhar ou ao pegar a

caneta na mão, já conto, de um modo ou de outro, com papel e tinta, por exemplo. De fato,

no ato de escrever, abre-se uma conjuntura, abre-se um mundo de sentido. Este exemplo da

caneta é bastante corriqueiro e, no entanto, revela-se ali, isto é, na visão da ocupação

cotidiana com a caneta, que os entes nunca vêm ao nosso encontro como coisas isoladas

“em si” e “para si” mesmas. Quando “dizemos” caneta ou quando “pegamos” a caneta, por

exemplo, sempre já “há” ou “dá-se” mundo. A rigor, mundo não aparece por aditamento.

Ontológica e existencialmente falando, mundo é o que propriamente possibilita todo e

qualquer aparecimento ou manifestação fenomenal. Desse modo, mesmo que a caneta não

7. Cf. Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 12, p. 100. Para a citação na edição alemã, cf. Martin Heidegger, Sein und Zeit, Tübingen, Max Niemeyer, 1986, p. 54. Cf. também Françoise Dastur, Heidegger e a questão do tempo, Lisboa, Instituto Piaget, 1997, p. 64.

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se manifeste “no mundo” da escrita, isso não desfaz o caráter mundano da caneta. Isso só é

possível porque o ser-aí existe, ele é e está aberto como e enquanto mundo8.

Ontologicamente falando, então, mundo é a priori! “Mundo” quer dizer: abertura de

sentido, abertura de estruturação de sentido. Abertura de sentido ou estruturação de sentido

é o modo mais próprio do ser-aí sempre já e a cada vez descobrir-se numa determinada

perspectiva, sendo ou estando já lançado e jogado no mundo com os entes com que se

relaciona e se ocupa. Para apreender e compreender os entes, o ser-aí sempre já conta com

esta estrutura ontológica prévia: mundo. Ainda assim, e principalmente por isso mesmo,

devemos perguntar o que significa então “ontológico”?

Inicialmente, podemos entender “ontológido” no sentido do que “transcende”,

“ultrapassa”. No entanto, em que sentido, então? Em A essência do fundamento, Heidegger

escreve sobre transcendência (Transzendenz) e ultrapassagem (Überstieg):

“A transcendência, na significação terminológica que importa clarificar e

apresentar, significa o que é próprio do ser-aí humano e, decerto, não como um

modo de comportamento entre outros possíveis, ocasionalmente posto em

execução, mas como constituição fundamental deste ente antes de todo e

qualquer comportamento. Sem dúvida, o ser-aí humano, enquanto existe

‘espacialmente’, tem também entre outras possibilidades a de ‘ultrapassar

espacialmente’ uma barreira no espaço, ou precipício. No entanto, a

transcendência é a ultrapassagem que possibilita algo como a existência em

geral e, por conseguinte, também um mover-se no espaço.

E continua:

Na ultrapassagem, o ser-aí chega primeiro ao ente que ele é, chega a ele

enquanto ‘si mesmo’. A transcendência constitui a ipseidade. Mas, por outro

lado, não só e em primeiro lugar a transcendência, mas também a ultrapassagem

concerne também sempre e ao mesmo tempo ao ente, que o ‘próprio’ ser-aí não

é; em temos mais exatos: na ultrapassagem e por meio dela é que apenas se

8. Cf. Martin Heidegger, Parmênides, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2008, p. 118-129. Neste contexto, para acompanhar a reflexão de Heidegger, atentar particularmente para as diferenças essenciais entre os modos de ser da escrita à mão e da escrita datilografada, bem como da irrupção da máquina de escrever no âmbito da palavra e da escrita à mão. A filósofa Marcia brasileira Sá Cavalcante Schuback, num artigo intitulado “Quando a caneta também se envergonha de hesitar”, demonstra que a caneta e o computador são dois modos essencialmente diversos do ser-aí humano enquanto modos de lidar e ocupar-se cotidianos.

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pode distinguir e decidir, no seio do ente, quem e como é um ‘si mesmo’ e o

que não é. Mas na medida em que o ser-aí existe como si mesmo – e apenas

nesta medida – pode referir-‘se’ ao ente, que deve, porém, antes ter sido

ultrapassado. Sendo embora no seio do ente e por ele rodeado, o ser-aí,

enquanto existente, já sempre ultrapassou a natureza.”9

Nessa citação, “ontológico” é sinônimo de “transcendência”, de “ultrapassagem”.

Evidencia-se que o ser-aí não é ultrapassado apenas ocasional e acidentalmente, ou seja, às

vezes sim e outras vezes não, mas “sempre já” é e está tanto ultrapassando como sendo e

estando ultrapassado por uma determinada totalidade de sentido. Ser-no-mundo é pois uma

estrutura fenomenologicamente transcendental, melhor, constitui-se numa estrutura unitária

de transcendência. Nas palavras do pensador:

“A expressão ‘ser-no-mundo’, que caracteriza a transcendência, denota

um ‘estado de coisas’ e, decerto, um que presumivelmente com facilidade se

pode discernir. No entanto, o que esta expressão significa depende se o conceito

mundo se toma num sentido prefilosófico vulgar ou num sentido transcendental.

A discussão de um duplo significado do discurso sobre o ser-no-mundo pode

clarificar isto.”10

A partir disso, Heidegger distingue “ser-no-mundo” como transcendência, devendo-

se atribuir particularmente ao ser-aí humano e, em outro sentido, somente ao que é

simplesmente dado, ou melhor, ao que “ocorre entre as coisas”, ao que “está no mundo” no

sentido intramundano. De fato, “mundo” deve significar, então, algo diverso da

integralidade ou da soma dos entes simplesmente dados e ocorrentes “no mundo”.

“Mundo” diz respeito a uma condição essencial que determina o ser-aí em geral, sendo

uma determinação ontológico-existencial dele mesmo. O ser-aí, então, nunca ocorre ou está

meramente ao lado dos outros entes. Ele sempre já está aberto para eles. Em contrapartida,

porém, em geral, não se vê o sentido original e essencial de mundo conforme é pensado por

Heidegger. Isso, porém, não quer dizer que não se dê desse modo. Afinal, o olho costuma

ver apenas aquilo para o qual está acostumado! Desse modo, o sentido ontológico-

9. Martin Heidegger, A essência do fundamento, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 33, 35 e 37. 10. Martin Heidegger, A essência do fundamento, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 39.

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existencial de mundo, que constitui a mundanidade do mundo, quase sempre permanece

encoberto e só com dificuldade ou raramente chega a ser conceptualizado.

3. O conceito ontológico-existencial “mundo” na tradição cristã

Heidegger mostra que “mundo” é um conceito decisivo já nos começos da filosofia

grega, uma vez que revela “algo” essencial. Para ele, “kosmos não significa este ou aquele

ente que se impõe e é importuno, nem também a soma de todos os entes, mas significa

‘estado’ (Zustand), isto é, o como em que o ente, e decerto na totalidade, é. Por isso,

kosmos houtos não designa um reino do ente como exclusão de outros, mas este mundo do

ente em contraste com um mundo diferente do mesmo ente, o próprio eon kata kosmon”11.

Mundo refere-se, então, ao como “na sua totalidade”. Portanto, toda e qualquer

segmentação dos entes em mundos específicos só é possível porque há mundo como

totalidada originária e constituidora de sentido. Em A essência do fundamento Heidegger

evidencia isso nestes termos:

“1. Mundo significa um como do ser (Wie des Seins) do ente mais do que

o próprio ente. 2. Este como determina o ente na sua totalidade. É, no fundo, a

possibilidade de cada como em geral enquanto limite e medida. 3. Este como na

sua totalidade é, de certo modo, prévio. 4. Este como prévio na sua totalidade é

em si mesmo relativo ao ser-aí humano. Por conseguinte, o mundo pertence

justamente ao ser-aí humano, embora englobe todo o ente e também o ser-aí, na

sua totalidade.”12

Não é mero acaso que no surgimento e consolidação do cristianismo tenha acontecido

uma radicalização e, a partir dela, uma clarificação do conceito “mundo” como uma nova

possibilidade de compreensão existencial, pensa Heidegger. “Mundo” é experimentado de

modo tão originário que kosmos passou a ser sinônimo do modo fundamental da existência

humana. Tanto em textos canônicos (por exemplo, na Epístola aos Gálatas e nas duas

Epístolas aos Tessalonicenses)13 como também em textos não-canônicos (Didaqué ou

11. Martin Heidegger, A essência do fundamento, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 43. 12. Martin Heidegger, A essência do fundamento, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 45. 13. Heidegger ocupou-se particularmente com a interpretação de algumas epístolas paulinas numa preleção que remonta ao semestre de inverno de 1920/1921, na Universidade de Friburgo, sob o título “Introdução à fenomenologia da religião” (Martin Heidegger, Fenomenologia da vida religiosa, Bragança Paulista: Edusf;

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doutrina dos apóstolos e A carta a Diogneto, por exemplo)14, kosmos houtos passa a

significar não apenas e, sobretudo, não em primeiro lugar, o estado cósmico, mas uma

determinada condição e situação humanas, ou melhor, um modo de sua posição no kosmos

e, consequentemente, de sua relação na valoração dos bens. “Kosmos é o ser-homem no

como de uma disposição anímica desviada de Deus” e “kosmos houtos significa o ser-aí

humano numa determinada existência histórica, quer dizer, distinta de uma outra que já

começou”. Assim, “mundo” passa a designar o modo do ser-aí desviado de Deus, ou seja, o

que tem apenas caráter do ser-homem. Por conseguinte, “mundo” passa a “funcionar”, em

termos paulinos, como termo regional para designar todos os homens em conjunto, sem

distinção entre sábios e loucos, justos e pecadores, judeus e gentios. Este conceito “mundo”

passa a aplicar-se, assim, ao modo de ser relacionado ou não à filiação divina de Jesus.

A partir dessa mudança conceptual, ocorrida da experiência grega para a experiência

cristã, encontramos em Agostinho aplicação ambivalente, com os dois significados, isto é,

enquanto “totalidade” e enquanto “(não)filiação divina”. De fato, para o filósofo de Hipona,

como para a maioria dos filósofos e teólogos medievais, mundo (mundus) quer dizer: “a

totalidade do que foi criado”. Por outro lado, porém, mundus é empregado também para

dizer “habitantes do mundo” (mundi habitatores). Revela-se aqui um sentido

caracteristicamente existencial como “amigos do mundo”, isto é, “homens carnais”. Em

contrapartida, os justos, por “não” estarem no mundo, embora habitem o mundo “segundo a

carne”, estão “com o coração” em Deus. Vê-se, assim, que Agostinho deve ter retirado o

sentido de “mundo” já presente na tradição da igreja cristã primitiva, especilmente das

epístolas paulinas15.

Após essa incursão na formação ontológico-histórica do conceito “mundo”, é

imprescindível analisar como Agostinho emprega a palavra “mundo” e em que sentido este

emprego pode fornecer-nos uma indicação para compreender a estrutura ontológico-

Petrópolis: Vozes, 2010). Cf. especialmente “Segunda parte: Explicação fenomenológica de fenômenos religiosos concretos tomando por base as epístolas paulinas”, a saber, Capítulo 1: A interpretação fenomenológica da Epístola aos Gálatas (p. 61-77); Capítulo 3: A explicação fenomenológica da Primeira Epístola aos Tessalonicenses (p.78-94); Capítulo 4: A Segunda Epístola aos Tessalonicenses (p. 95-112). 14. Edições brasileiras destes textos do cristianismo originário: Didaqué ou doutrina dos apóstolos, 2. ed., Petrópolis, Vozes, 1971; A carta a Diogneto, 2. ed., Petrópolis, Vozes, 1984. 15. Cf. Epístola aos Filipenses 3,19-20: “O fim deles é a perdição, seu deus é o ventre. Para eles a ignomínia é causa de orgulho e só tem o coração no que é terreno. Nós, porém, somos cidadãos do céu. De lá esperamos o Salvador e Senhos Jesus Cristo” (grifo nosso).

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existencial de “ser-no-mundo” no sentido heideggeriano. Para termos uma maior clareza

quanto à mudança conceptual ocorrida da experiência grega para a experiência cristã, é

importante ver como isso se manifesta em textos do próprio Agostinho. Conforme citado

por Heidegger em A essência do fundamento, podemos ler de Agostinho no Tractatus in

Joannis Evangelium:

“Que significa esta expressão: o mundo foi feito por Ele? O céu, a terra, o

mar e tudo o que neles existe chamam-se o mundo. Por sua vez, com outro

significado, os que amam o mundo também recebem o nome de mundo. O

mundo foi feito por Ele e o mundo não o conheceu. Porventura os céus não

conheceram o seu Criador, ou os anjos não conheceram o seu Criador, ou as

estrelas não conheceram o seu Criador, que os demônios reconheceram? Por

toda a parte, todas as coisas deram d’Ele testemunho. Mas quem O não

reconheceu? Os que ao amarem o mundo receberam o nome de mundo. Com

efeito, ao amarmos, habitamos com o coração: amando, porém, mereceram

receber o nome daquilo em que habitavam. Quando dizemos, esta casa é má ou

esta casa é boa, na que dizemos má não acusamos as paredes, como também na

que dizemos boa não louvamos as paredes, mas chamamos casa má aos

habitantes maus, e casa boa aos habitantes bons. Assim, chamamos mundo aos

que, pelo amor, habitam o mundo. Quem são eles? Os que amam o mundo

habitam no mundo com o coração. Os que não amam o mundo, pela carne

radicam no mundo, mas com o coração habitam no céu.” 16

O que significa neste texto “mundo”? No contexto em que a referida passagem de

Agostinho é citada, a preocupação de Heidegger não consiste só em ver e entender como o

conceito “mundo” foi compreendido pelas tradições grega e cristã. Está em jogo ver e

entender por que Heidegger recorre a esta citação, vendo na palavra “mundo” um sentido

ontológico-existencial todo peculiar. Analisemos isso mais detida e atentamente.

“Mundo” significa, para Agostinho, a realidade do mundo dos homems na sua

condição de ser segundo a “carne”. Exprime, pois, um modo específico de “ser-no-mundo”.

Este sentido está também abundantemente presente em escritos medievais como é o caso de

16. Martin Heidegger, A essência do fundamento, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 49. Cf. Agostinho, Opera (Migne), vol. IV, 1842.

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Francisco de Assis17. Possui, naturalmente, um sentido teológico, mas o mais importante a

perceber aqui é que estão em jogo modos ontológico-existenciais de o ser-aí humano se

compreender a si mesmo.

A palavra norteadora, no trecho citado, é “coração”. Na medida em que “mundo”

indica o modo de ser em sua totalidade, diz, por isso mesmo, “algo mais” fundamental. O

que, então? O homem busca (“ama”) sempre “o melhor”. Este “melhor” tem propriamente

estrutura de transcendência. Transcendência é o modo de ser que é “amar” ou “habitar com

o coração”. A questão que Agostinho se coloca é: como corresponder participativamente

da dinâmica da criação, isto é, na relação originária Criador-criatura? A ontologia medieval

baseia-se na compreensão de que o ser humano participa da criação, sendo a participação

concretamente uma resposta à comunicação divina. Segundo a terminologia medieval, isso

significa: “criação” (creatio) é “comunicação e participação” (comunicatio et participatio).

A partir disso, Agostinho distingue dois modos de ser: 1) “os que amam o mundo habitam

no mundo com o coração”, ou seja, existem no modo de ser mundano, vale dizer, segundo a

“carne” (amor corporeus et mundanus); 2) “os que não amam o mundo, pela carne radicam

no mundo, mas com o coração habitam no céu”, quer dizer, existem no modo de ser não-

mundano, vale dizer, segundo o “espírito” (amor caelestis et spiritualis). A expressão

“habitar com o coração no céu” diz, então: ter toda a atenção e empenho humanos voltados

para o essencial, Deus, criador de todas as coisas.

Todavia, o mais importante, para nossa interpretação – e é fundamental não perder de

vista que “em”, segundo a língua alemã, deriva de innan- e significa “morar”, “habitar”! – é

dito por Agostinho nestes termos: “Quando dizemos, esta casa é má ou esta casa é boa, na

que dizemos má não acusamos as paredes, como também na que dizemos boa não

louvamos as paredes, mas chamamos casa má aos habitantes maus, e casa boa aos

habitantes bons”. Ou seja, o qualificativo “má” ou “boa” não provém propriamente da casa

“em si”, mas do modo como é habitada por seus habitantes. A casa “em si” não há, mas é a

partir de comportamentos, de relacionamentos, de sentidos que se pode falar em existência

humana.

17. Cf. Francisco de Assis, Fontes franciscanas e clarianas, Petrópolis, Vozes, 2004. Cf. especialmente Regra Não-Bulada da Ordem dos Frades Menores 22,9; Testamento 3.

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Contudo, quem habita a casa? Dizemos: seus habitantes. Assim, no modo como a casa

é habitada, determina-se se é má ou boa. Com isso diz-se que os habitantes habitam a casa à

medida que a amam com o coração. “Amar com o coração” significa, então, habitar de tal

modo a determinar se a casa é boa ou má. Assim, dependendo do modo como os habitantes

habitam a casa, fazem dela uma casa boa ou má. Vê-se, então, que, no exemplo do modo de

habitar a casa, revela-se uma constituição fundamental sem a qual não só o habitar, mas

todo e qualquer modo de ser não poderia ser possível. O modo de habitar revela uma

atitude de um ente especial – que nós mesmos, a cada vez e sempre já, somos, o ser-aí

humano, o único ente que, “enquanto é”, existe.

Nas palavras de Agostinho, o modo mais excelente é “habitar com o coração no céu”.

Esta expressão, no entanto, privilegia apenas um modo de ser (existência crística) em

detrimento a outros modos de ser possíveis (existências não-crísticas). Do ponto de vista

ontológico-existencial, ambos os modos de ser são igual e legitimamente possíveis. No

fundo, cada um destes modos de ser é possível desde abertura de sentido, isto é, enquanto

ser-no-mundo. Nesse sentido, todo e qualquer modo de ser é já um modo de habitar, morar

e ocupar-se do ser-aí humano, seja numa perspectiva crística seja numa perspectiva não-

crística18. No horizonte de Agostinho, contudo, apenas a existência crística é verdadeira e

autêntica!

No livro Interpretação fenomenológica da Crítica da razão pura de Kant, que é uma

reunião de preleções dos anos 1923 a 1944, Heidegger tematiza a estrutura ser-no-mundo

enquanto constituição fundamental do ser-aí nestes termos:

“O ser-aí humano é um ente que possui um mundo; dito de outro modo: o

modo de ser do ser-aí, a existência, é determinado essencialmente através do

ser-no-mundo. Mundo quer dizer a respectiva totalidade com a qual nós sempre

nos relacionamos (verhalten). Também a relação pessoal de uma existência

para com outra não é uma relação cognitiva livremente suspensa entre eu-

mesmo e tu-mesmo enquanto almas igualmente isoladas, mas cada si-mesmo é,

18. Cf. Martin Heidegger, Sobre o humanismo, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1967, p. 49-50. Em vista do conjunto da obra heideggeriana, é imprescindível ter presente que a tese de que “a substância do homem é a existência” é não somente norteadora como decisiva para toda a analítica existencial exposta em Ser e tempo, embora repercuta também sobre toda sua obra posterior. Basta lembrar, por exemplo, que o texto de onde extraímos esta citação – um texto dirigido ao filósofo francês Jean Beaufret – é de 1946.

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enquanto fático, num mundo, e o ser do si-mesmo é essencialmente

determinado através do que lhe permite comportar-se (er sich verhält) com este

mundo. Por outro lado, uma coisa natural e material, uma pedra ou um objeto

de uso como uma cadeira não possui mundo, pois seu modo de ser é carente ou

destituído de relação (Verhaltens) com um mundo. Um tal ente é simplesmente

dado. O ser simplesmente dado pertence decerto aos entes com os quais nós

podemos nos comportar (zu dem wir uns verhalten können).”19

Para entender o que vem expresso nesta passagem a respeito do conceito “mundo”,

enquanto momento da estrutura ser-no-mundo, é preciso ter presente o significado das

palavras Verhalten e sich verhalten, uma vez que, através delas, Heidegger também

conceitua o sentido existencial “mundo”. O filósofo de Messkirch escreve: “Mundo quer

dizer a respectiva totalidade com a qual nós sempre nos relacionamos (verhalten)”. É

possível tirar uma série de consequências dessa frase. Nesse sentido, em vista da reflexão

realizada até aqui, poderíamos dizer conclusivamente: 1) mundo é o que sempre já há, é por

antecipação; 2) mundo é sempre já totalidade de sentido; 3) mundo é esta totalidade

primordial com a qual nos relacionamos e comportamos; 4) não houvesse mundo, quer

dizer, abertura como possibilidade de ser, nós homens não seríamos, não existiríamos; 5)

relacionar-se e comportar-se é o modo fundamental de dizer e expressar este já-descobrir-

se-jogado-no-mundo; 6) o ser-já-jogado-no-mundo constitui o ser-homem; 7) não há

homem onde não há mundo ou, onde mundo “não se dá”, isto é, onde mundo se retrai ou se

retraiu, ali também “não se dá” e se retrai o “ser-homem” ou “homem-mundo”. Este já-

descobrir-se-jogado-no-mundo é, de um modo ou de outro, atenção e tensão de lida, ação,

ocupação. Mundo implica, sempre e necessariamente, inter-esse, ou melhor, ser-em, ser-

implicado ou estar-implicado antecipadamente. É nesse sentido que as palavras Verhalten e

sich verhalten expressam igualmente a “essência” do ser-aí, vale dizer, a existencialidade

do ser-aí humano. Enfim, elas dizem respeito ao modo fundamental de relacionamento e

comportamento no qual e pelo qual, todo e qualquer “eu” , sempre já sou e estou, quer

dizer, existo.

19. Martin Heidegger, Phänomenologische Interpretation von Kants Kritik der reinen Vernunft, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1977, § 2, p. 19.

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Referências

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes,

2006.

HEIDEGGER, Martin. A essência do fundamento. Lisboa: Edições 70, 1988.

HEIDEGGER, Martin. Sobre o humanismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967.

HEIDEGGER, Martin. Fenomenologia da vida religiosa. Bragança Paulista: Edusf;

Petrópolis: Vozes, 2010.

HEIDEGGER, Martin. Parmênides. Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes,

2008.

HEIDEGGER, Martin. Phänomenologische Interpretation von Kants Kritik der

reinen Vernunft. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1977.

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ANEXO 02

A fundamental diferença entre o conceito de tempo na história e na física:

interpretação de um texto heideggeriano

Renato Kirchner∗

Resumo

Este artigo tem como escopo fazer uma interpretação fenomenológica do texto da

aula de habilitação pronunciada por Martin Heidegger em 1915 na Universidade de

Friburgo. Apesar de ser um texto muitas vezes citado pelos estudiosos da obra

heideggeriana, pouco se conhece a seu respeito e, sobretudo, que e como algumas idéias –

as quais serão desenvolvidas em Ser e tempo (1927) – já estão embrionariamente presentes

na aula de habilitação. Nesse sentido, seguindo a indicação do próprio título, pretende-se

evidenciar em que sentido há uma diferença fundamental, segundo Heidegger, entre o

conceito de tempo na história e na física. Aspecto importante da presente interpretação

consiste em vir acompanhada da tradução inédita de trechos significativos do texto em

questão.

Palavras-chave: Conceito. Tempo. História. Física. Martin Heidegger.

Abstract

This article is scoped to a phenomenological interpretation of the text of the enabling

lecture spoken by Martin Heidegger in 1915 at the University of Freiburg. Despite being a

text often cited by scholars of Heidegger’s work, little is known about this, and especially

what and how some ideas – which will be developed in Being and Time (1927) – are

already present in embryo in the enabling lecture. Accordingly, following the signs to the

title itself, we intend to show in what sense, one key difference, according to Heidegger,

between the concept of time in the history and physics. Important aspect of this

∗ Doutor em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF) e professor-pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. E-mail: [email protected].

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interpretation is that they come together with the unpublished translation of significant

portions of the text in question.

Keywords: Concept. Time. History. Physics. Martin Heidegger.

O conceito de tempo na ciência histórica (Der Zeitbegriff in der

Geschichtswissenschaft) é o título da aula de habilitação proferida por Heidegger no dia 27

de julho de 1915, em Friburgo20. O texto foi publicado pela primeira vez no Zeitschrift für

Philosophie und philosophische Kritik, em 1916 e, posteriormente, no primeiro volume das

obras completas (Gesamtausgabe), em 1972, pela editora Vittorio Klostermann, de

Frankfurt.

Trata-se do primeiro escrito importante de Heidegger em que é explícita sua

preocupação com a temática do tempo e, também, da história. Apesar de sua importância

no conjunto da obra heideggeriana e dos muitos estudos realizados aqui no Brasil sobre o

pensamento deste filósofo, poucas referências são feitas a este documento. Neste artigo,

objetivamos realizar uma dupla tarefa: de um lado, traduzir passagens significativas da aula

de habilitação e, de outro, comentar as idéias fundamentais que perpassam o pensamento

heideggeriano pelos idos de 1915.

Numa nota de rodapé do § 80 de Ser e tempo, obra principal publicada somente em

1927, o filósofo reconhece: “Uma primeira tentativa de se interpretar o tempo cronológico e

os números na história encontra-se na aula de habilitação, dada pelo autor na Universidade

de Friburgo (semestre de verão, 1915)”21. Segundo as palavras do próprio filósofo, trata-se

de “uma primeira tentativa (Versuch) de interpretar o tempo cronológico (chronologischen

Zeit) e os números na história (Geschichtszahl). Na mesma nota lê-se ainda: “As relações

entre os números históricos, o tempo calculado astronomicamente e a temporalidade e

20. Cf. Rüdiger Safranski, Heidegger: um mestre da Alemanha entre o bem e o mal, São Paulo, Geração

Editorial, 2000, p. 94.

21. Cf. Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 80, nota 233, p.

514; Martin Heidegger, “Der Zeitbegriff in der Geschichtswissenschaft”, in: Frühe Schriften, Frankfurt am

Main, Vittorio Klostermann, 1972, p. 356-375.

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historicidade do ser-aí (Dasein) necessitam de uma ampla investigação”22. Esta nota

evidencia claramente a inquietação de Heidegger cerca de dez anos antes da publicação de

Ser e tempo. Seguindo estes esclarecimentos, procuraremos apontar e analisar

interepretativamente algumas das idéias condutoras presentes no texto da aula de

habilitação.

Como epígrafe ao texto da aula, Heidegger cita um pensamento de Mestre Eckhart:

“Tempo é o que se altera e diversifica, a eternidade se mantém simples” (“Zeit ist das, was

sich wandelt und mannigfaltigt, Ewigkeit hält sich einfach”)23. Chama atenção que

Heidegger não tenha grifado a palavra “einfach”, que significa “simples”. Literalmente,

“ein-fach” diz “sem-dobra”, sim-ples (sine plex). De fato, ele grifou “wandelt” e

“mannigfaltigt” . Neste caso, o tempo é o que se trans-forma e se multi-plica. A ênfase

nestas palavras revela duas idéias importantes: 1) que o tempo muda, se altera, implicando

22. Chama atenção Heidegger mencionar vários textos relativos à cronologia ou cronometria: G. Simmel, Das

Problem der historischen Zeit. Philosophische Vorträge veröffentl. von der Kantgesellschaft, n. 12, 1916; as

duas obras fundamentais sobre a formação da cronologia histórica são: Josephus Justus Scaliger, De

emendatione temporum, 1583, e Dionysius Petavius, SJ, Opus de doctrina temporum, 1627; sobre a antiga

medição do tempo, cf. G. Bilfinger, Die antiken Stundenangaben, 1888; Der bürgerliche Tag.

Untersuchungen über den Beginn des Kalendertages im klassischen Altertum und im christlichen Mittelalter,

1888; H. Diels, Antike Technik, 2. ed., 1920, p. 155-232s: Die antike Uhr; sobre a cronologia recente, trata

Friedrich Rühl, Chronologie des Mittelalters und der Neuzeit, 1897. O mesmo texto de G. Bilfinger é também

citado por Heidegger no volume 64 das obras completas (cf. Martin Heidegger, Der Begriff der Zeit. 1. Der

Begriff der Zeit (1924); 2. Der Begriff der Zeit (Vortrag 1924). Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann,

2004, nota 4, p. 68).

23. Cf. Martin Heidegger, Der Zeitbegriff in der Geschichtswissenschaft, in: Frühe Schriften, Frankfurt am

Main, Vittorio Klostermann, 1972, p. 357. Embora Heidegger não esclareça, esta epígrafe é do sermão 44, dos

sermões alemães eckhartianos. Na tradução brasileira, cf. Mestre Eckhart, Sermões alemães, Bragança

Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, p. 252-256. Estudos importantes a respeito da aula de habilitação

são os de Thomas Regehly, “Historische und erfüllte Zeit. Walter Benjamins Kritik an Heideggers

Antrittsvorlesung über den ‘Zeitbegriff in der Geschichtswissenschaft’ (1916)”, in: Die Zeit Heideggers,

Frankfurt am Main: Peter Lang, 2002, p. 141-152; Bernd Irlenborn, “Zeitlichkeit und Zeitrechnung beim

frühen Heidegger”: in: Die Zeit Heideggers, Frankfurt am Main: Peter Lang, 2002, p. 161-172; Philippe

Capelle, “Heidegger et maître Eckhart”, in: Revue des Sciences Religieuses, ano 70, n. 1, jan. 1996, p. 113-

124.

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portanto uma passagem entre o antes e o depois; 2) que o tempo é múltiplo, que possui

várias dimensões.

Poderíamos entrar aqui em várias considerações e aprofundá-las. No entanto, cabe

prestar atenção, de passagem, apenas para o seguinte: de certo modo, na primeira idéia está

presente a concepção aristotélica de tempo e, nesse caso, devemos considerar que também

Mestre Eckhart movimenta-se dentro desta concepção, concepção aliás predominante no

em todo o pensamento ocidental; na segunda idéia, quanto à multiplicidade do tempo e que

o tempo certamente não é unidimensional, podemos perceber que, do mesmo modo como o

“ser” deve ter mais de um “significado”, também o “tempo” é “multifário”, ou seja, o

“tempo” deve ter mais de uma dimensão. Esta segunda idéia remete diretamente ao título

Das múltiplas significações do ser em Aristóteles, de Franz Brentano, publicado em 1862,

livro do qual Heidegger, ao lado das Investigações lógicas de Husserl, buscava uma

compreensão para a “questão do ser” já no verão de 1907, quando ainda cursava o

ginásio24. Fazer essas considerações a respeito da epígrafe é importante, pois ela evidencia

a dimensão em que Heidegger se movimenta no texto da aula de habilitação, ou seja, de

algum modo, ela condensa as idéias condutoras presentes no próprio texto. É o que

procuraremos demonstrar a seguir.

O próprio título do texto denuncia que Heidegger ocupa-se com o conceito de tempo

enquanto problema relacionado à história, ou melhor, à ciência histórica. A partir disso, é

possível fazer uma interpretação do texto em dois momentos distintos: de um lado, a

preocupação de Heidegger consiste em estabelecer uma diferença básica entre o modo de

conceber o tempo nas ciências naturais e o modo de conceber o tempo nas ciências

24. Dois textos exerceram sobre o jovem Heidegger uma influência decisiva: a dissertação de Franz Brentano, Das múltiplas significações do ser em Aristóteles, de 1862, e as Investigações lógicas, de Husserl, obra publicada pela primeira vez em 1901. Em Meu caminho para a fenomenologia, Heidegger diz: “Das Investigações lógicas de Husserl esperava um estímulo decisivo com relação às questões suscitadas pela dissertação de Brentano”; e no diálogo De uma conversa da linguagem entre um japonês e um pensador: “[...] nos últimos anos do ginásio, no verão de 1907, a questão do ser me encontrou na forma da dissertação de Franz Brentano, professor de Husserl”. Cf. a respeito Martin Heidegger, “Aus einem Gespräch von der Sprache zwischen einem Japaner und einem Fragenden”, in: Unterwegs zur Sprache, Stuttgart, Günther Neske, 1997, principalmente p. 92-92; “Meu caminho para a fenomenologia”, in: Conferências e escritos filosóficos, São Paulo, Abril Cultural, 1973, p. 493-500; também Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 8, p. 69-70). Cf. também os estudos de Rudolf Bernet, “Origine du temps et temps originaire chez Husserl et Heidegger”, in: Revue Philosophique de Louvain, vol. 85, n. 68, nov. 1987, p. 499-521; Epifània Ianniello, “La conscienza del tempo come flusso intenzionale in Husserl”, in: Sapienza, vol. 50, fasc. 4, out./dez. 1997, p. 467-484.

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históricas, procurando encontrar os “limites” de uma em relação à outra; de outro lado,

preocupa-se ele em mostrar que o conceito de tempo na ciência histórica possui um

significado todo peculiar. Por isso afirma, ao final do texto, que todo e qualquer número

histórico só possui sentido (Sinn) e valor (Wert) no âmbito da ciência histórica, na medida

em que se levar em consideração o significado do conteúdo histórico (inhaltlich historisch

Bedeutsame).

Na primeira parte do texto, fazendo uso de uma terminologia e temática próprias do

neokantismo, o autor aborda problemas que ultrapassam e, por isso mesmo, já não podem

mais ser resolvidos nas estritas fronteiras kantianas de uma teoria do conhecimento. Assim,

embora se trate “ainda” de uma investigação epistemológica, procura estabelecer a

especificidade do conceito de tempo da ciência histórica em oposição ao conceito das

ciências físicas.

Num primeiro momento, a ênfase recai na análise do que Heidegger chama de

“estrutura lógica do conceito de tempo”. Deve-se determinar, então, “a estrutura do

conceito de tempo”. “Podemos reconhecer a estrutura do conceito de tempo da história a

partir de sua fundamentação na ciência histórica”, diz. A pergunta que Heidegger se coloca

é: “Que estrutura (Struktur) deve ter o conceito de tempo na ciência histórica para poder

desempenhar a função (Ziel) como conceito de tempo de acordo com a finalidade

(Funktion) dessa ciência?25 Está em jogo dar visibilidade ao conceito de “tempo histórico”

(historischen Zeit) a partir do conceito de “tempo em geral” (Zeit überhaupt). O termo

“geral” possui um sentido eminentemente ontológico. Entretanto, toda e qualquer

determinação ôntica nasce necessariamente de uma determinação ontológica fundamental.

Ora, a ciência histórica é uma ciência ôntica. Contudo, essa diferenciação se tornará mais

evidente na medida em que Heidegger demonstra que o conceito de tempo histórico tem um

significado todo peculiar, se comparado com o conceito de tempo das ciências físicas. Por

isso escreve:

“A filosofia da natureza antiga e medieval procurava investigar a essência

metafísica dos fenômenos inerentes à realidade imediata e suas causas ocultas.

Em oposição a esta especulação metafísica sobre a natureza, a ciência de

25. Martin Heidegger, Der Zeitbegriff in der Geschichtswissenschaft, in: Frühe Schriften, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1972, p. 359.

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Galileu significa metodicamente algo completamente novo. Esta pretende

exercer o domínio sobre a diversificação dos fenômenos através da lei e seu

resultado novo e particular consiste como chega à lei”26.

Tendo presente o pensamento de Eckhart sobre o tempo, na qual ainda repercute de

algum modo o conceito de tempo aristotélico27, Heidegger está mesmo interessado na

compreensão que está “em oposição”, isto é, no modo como o tempo passa a ser

compreendido no início da modernidade. A diferença fundamental reside no modo

“completamente novo” como a geração de Galileu aprendeu o tempo

“metodologicamente”. Segundo Heidegger, no novo método reside uma dupla

particularidade: a) afirma-se uma suposição ou hipótese, que possibilita compreender os

fenômenos de um âmbito determinado a partir de uma lei geral, no caso, os fenômenos

relacionados ao movimento; b) a suposição ou hipótese não afirma, de modo algum, uma

qualidade oculta (vergorgene Qualität) como causa explicativa dos fenômenos, mas contém

relações matematicamente compreensíveis, ou melhor, mensuráveis, entre os momentos do

fenômeno concebidos idealmente.

Formulado desse modo, vê-se que Galileu levou a efeito, pela primeira vez, um

método científico que alcançou predomínio e legitimidade do decorrer dos últimos séculos,

de modo a fazer-se presente e operante nas mais diversas ciências, especialmente nas

ciências físico-naturais. É possível concluir, então, que aqui se define a finalidade da física

como ciência, quer dizer, de reduzir todos os fenômenos do mundo físico a um conceito de

unidade, a saber, a leis fundamentais matematicamente fixáveis a partir de uma “dinâmica

geral” (allgemeinen Dynamik). Dessa metodologia resulta, conseqüentemente, que, sempre

que e quando o tempo é medido, determina-se uma quantidade (Soviel). A indicação de

quantidade reúne numa unidade os pontos de tempo nela transcorridos e, assim, acaba-se

fazendo um corte na escala temporal (Zeitskala), destruindo com isso o “tempo verdadeiro”

(eigentliche Zeit) em seu fluir e, desse modo, qualquer “unidade de tempo” é forçosamente

hipostasiado. O fluxo (Fluß) é detido, congela-se, torna-se superfície e, somente como

superfície, é passível de mensuração. Dessa maneira, o tempo transforma-se numa

26. Martin Heidegger, Der Zeitbegriff in der Geschichtswissenschaft, in: Frühe Schriften, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1972, p. 361. 27. Cf. Aristóteles, Física, livro IV, 119a 9s.

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“ordenação homogênea” (homogenen Stellenordnung), transforma-se em escala, em

parâmetro (Parameter)28. Por isso, na sequência do texto da aula de habilitação podemos

ler:

“Contudo, na maioria das vezes, isso não é visto: na teoria da

relatividade, na medida em que é uma teoria física, está em jogo o problema da

mensuração do tempo, porém não o tempo em si mesmo. Na teoria da

relatividade o conceito de tempo permanece intocado; nela apenas se confirma

uma medida elevada, a qual foi apresentada anteriormente como o conceito de

tempo característico das ciências naturais, a saber, como o caráter determinável

de homogêneo e quantitativo. O caráter matemático do conceito de tempo físico

não pode ser expresso de uma maneira mais precisa através disso, na medida

em que ele pode ser apresentado ao lado do espaço tridimensional enquanto

quarta dimensão e, ao lado dele, através da dimensão não-euclidiana, isto é, que

ele é elaborado mais como uma geometria tridimensional.

Se nós quisermos unicamente passar por cima disso, isto é, se nós

quisermos representar a estrutura do conceito de tempo na ciência histórica,

então parece ser questionável, antes de mais nada, se aqui ainda se deixa

colocar um novo problema (ein neues Problem stellen läßt). Pois, também para

a ciência histórica, o tempo é igualmente um modo de ordenação à medida que

os acontecimentos resguardam seu lugar de tempo determinado e são fixados a

partir disso como sendo históricos”29.

Para Heidegger, mesmo na teoria da relatividade de Einstein, uma das conhecidas

teorias físicas do tempo, está em jogo o problema da “mensuração do tempo” (Zeitmessung)

e “não o tempo em si mesmo” (nicht um die Zeit an sich). Com efeito, mesmo na teoria da

relatividade, o conceito de tempo permanece inalterado e intocado30, ou seja, de Galileu a

Einstein a concepção do tempo na física não se modificou, sendo sua função básica tornar

possível a mensurabilidade do tempo. O tempo constitui-se, então, num momento essencial

28. Cf. sobre os conceitos “tempo e espaço” e, também, sobre “Aritóteles e Newton”, Martin Heidegger, Que é uma coisa?, Lisboa, Edições 70, 1992, §§ 5 e 18, respectivamente p. 25-33 e 86-93. 29. Martin Heidegger, Der Zeitbegriff in der Geschichtswissenschaft, in: Frühe Schriften, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1972, p. 366-367. 30. Cf. Martin Heidegger, Der Zeitbegriff in der Geschichtswissenschaft, in: Frühe Schriften, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1972, p. 366.

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e necessário na definição do movimento, que é um dos principais objetos da física. Ora,

para possibilitar a medida, o tempo deve tornar-se mensurável, o que é possível somente, se

for “pensado” (tomado) como um fluxo uniforme, isto é, se for identificado com o próprio

espaço31.

Salvaguardados o limite e propósito de Heidegger, está em jogo, em primeiro plano,

traçar uma diferença entre o conceito de tempo da física (homogeneidade quantitiva) e o

conceito de tempo da ciência histórica (heterogeneidade quantitativa). Vejamos isso melhor

a partir de outra passagem da aula de habilitação:

“Encontramo-nos aqui diante de uma alternativa: a partir do conceito

anteriormente mencionado, ou não possuímos nenhum conceito histórico, na

medida em que não se mostra, porque a nua determinação de tempo, deve poder

constituir-se num conceito universal a partir de um conceito histórico e o qual

também é determinado temporalmente pela física a partir de movimentos

precedentes, – ou então: temos diante de nós um conceito histórico que de fato

lhe corresponde. Desse modo, portanto, a determinação de tempo nela

encontrada é totalmente peculiar e própria, e esta só pode ser compreendida a

partir da essência da ciência histórica.

Ao menos isto parece ter-se evidenciado para nós: há um problema no

conceito de tempo da ciência histórica (es steckt ein Problem im Zeitbegriff der

Geschichtswissenschat). Pois ele tem sentido e direito se nós perguntarmos pela

estrutura do conceito de tempo histórico. Nós só poderemos lê-la em sua função

na ciência histórica, função esta que, por sua vez, apenas é compreensível a

partir do objetivo e do objeto da ciência histórica” 32.

Heidegger chega à evidência de que o conceito de tempo da ciência histórica deve ser

“totalmente peculiar e próprio”. A partir disso, acaba tendo diante dos olhos um fenômeno

novo, que é, na verdade, o problema central da aula de habilitação. É necessário ver e

entender o “sentido” de uma possível “estrutura do conceito de tempo histórico”, a qual só

pode estar relacionada diretamente com a própria história, ou melhor, com o objeto que esta

se propõe investigar, na medida em que se justificar ontologicamente tal direito. Em certo

31. Cf. Françoise Dastur, Heidegger e a questão do tempo, Lisboa, Instituto Piaget, 1997, p. 26. 32. Martin Heidegger, Der Zeitbegriff in der Geschichtswissenschaft, in: Frühe Schriften, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1972, p. 367.

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sentido, pode-se admitir, Heidegger chega a tomar uma posição crítica – naturalmente

implícita – em relação ao modo como os historiadores realizam suas investigações em

história33. Assim, é necessário ver e entender por que, segundo Heidegger, no conceito de

tempo da ciência histórica reside um problema (es steckt ein Problem im Zeitbegriff der

Geschichtswissenschat)34. Está em jogo aqui, compreender fundamentalmente o que o

pensador vê como “estrutura (Struktur) do conceito de tempo histórico” e que “função”

(Funktion) desempenha.

Com efeito, se as ciências naturais operam com os números como meras quantidades,

as ciências históricas, ao contrário, não devem tratar tais dados com a mesma objetividade.

Desse modo, a ciência histórica, para ser rigorosa ao modo de descrever os fenômenos de

seu campo de investigação, necessita compreender os dados históricos de um modo que não

seja quantitativo, mas qualitativo, que não seja homogêneo, mas heterogêneo. Portanto, a

ciência histórica não pode descrever os fenômenos de seu campo de investigação

emprestando critérios de outra ciência, ficando pressuposto que deve possuir ou elaborar

seus próprios critérios e métodos investigativos. Daí as palavras de Heidegger:

33. No âmbito das investigações heideggerianas deveríamos perguntar e aprofundar vários outros aspectos.

Nesse sentido, deveríamos perguntar: de que fonte bebe Heidegger para chegar a uma diferenciação

conceitual entre historicidade e história? São muitas. Na aula de habilitação de 1915 são citados J. Bodinus, E.

Meyer, E. Bernheim, J. G. Droysen, E. Troeltsch, H. Rickert, L. Ranke, sendo que os dois últimos, ao lado de

Windelband, G. Simmel e G. Misch, são mencionados também no § 77 de Ser e tempo. Entretanto, no

capítulo “temporalidade e historicidade”, dois outros autores são realmente fonte de inspiração

importantíssima para Heidegger: Wilhelm Dilthey e Paul Yorck von Wartenburg, o Conde Yorck. Ele mesmo

atesta isso no início do § 77: “A discussão empreendida acerca do problema da história nasceu da assimilação

do trabalho de Dilthey. Foi confirmada e consolidada pelas teses do Conde Yorck, dispersas em sua

correspondência com Dilthey” (Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes,

2006, § 77, p. 490-491). Além destes autores, também Jacob Burckhardt é significativo. No livro em que

Heidegger interpreta Parmênides, reconhece: “Tudo que é historiográfico (Historische) orienta-se a partir do

histórico (Geschichtliche). A história, ao contrário, não tem nenhuma necessidade da historiografia. O homem

da historiografia é, sempre, apenas um técnico, um jornalista. Um pensador da história é totalmente distinto

do historiógrafo. Jacob Burckhardt não é nenhum historiador, mas um verdadeiro pensador da história

(Geschichtsdenker)” (Martin Heidegger, Parmenides, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1992, p. 94-

95).

34. Martin Heidegger, Der Zeitbegriff in der Geschichtswissenschaft, in: Frühe Schriften, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1972, p. 367.

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“O objeto histórico, enquanto histórico, é sempre passado; tomado

rigorosamente, ele não existe mais. Entre ele e o historiador há uma distância

temporal (Zeitferne). O passado (Vergangenheit) sempre tem sentido somente,

na medida em que é visto a partir de um presente (Gegenwart). O passado não

apenas não é mais, considerado a partir de nós, ele era também um outro

(Anderes) como nós e nossas relações de vida hoje são no presente. O tempo

possui – tanto assim já se vê aqui – um significado totalmente original no

âmbito da história (Die Zeit hat in der Geschichte eine ganz originale

Bedeutung). Somente onde esta alteridade (Andersheit) qualitativa do tempo

passado se impõe a um presente consciente, está-se desperto para o sentido do

ser histórico. Na medida em que o passado histórico sempre é uma alteridade de

objetivação de vida humana (Menschlebens) e nós mesmos vivemos e agimos

nele, é porque nos é dada antecipadamente a possibilidade (vornherein die

Möglichkeit gegeben) de compreender o passado, de modo que ele não pode ser

comparado com nenhum outro. Mas o abismo temporal entre o historiador e seu

objeto continua existindo. Se ele quiser descrever o abismo temporal, então ele

deve ter, de um modo ou de outro, este objeto diante de si. Trata-se de superar o

tempo sim, mas acostumando-se a ver como se constitui o abismo temporal do

presente em relação ao passado. A exigência de superação do tempo e, por

outro lado, a descrição de algo passado como meta e objeto da ciência histórica

necessariamente dado em conjunto, deve ser possível somente desde que o

tempo desempenhe ali uma função”35.

Um dos questionamentos centrais aqui, em relação ao conceito de tempo na ciência

histórica, parece ser: como pode o historiador alcançar seu objeto, visto que este se

encontra no passado? Como vencer a distância temporal (Zeitferne)? A resposta é

surpreendentemente “simples”: “O passado sempre tem sentido somente, na medida em que

é visto a partir de um presente. O passado não apenas não é mais, considerado a partir de

nós, ele era também um outro como nós e nossas relações de vida hoje são no presente”.

Heidegger não quer dizer apenas que não é possível interpretar algum fato passado sem

35. Martin Heidegger, Der Zeitbegriff in der Geschichtswissenschaft, in: Frühe Schriften, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1972, p. 369-370.

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considerar o presente, mas toda e qualquer interpretação do passado radica sempre já num

presente bem determinado. Melhor, todo presente já é, em certo sentido, também passado,

na medida em que, todo e qualquer agora, quando o pronunciamos e reconhecemos de

algum modo, já não é mais presente, mas passado. A rigor, o passado possui a mesma

vitalidade do presente, isto é, desde que seja visto corretamente a partir do presente. O

passado, para o historiador, deve estar vitalmente presente em seu presente. É nisso que

reside o “significado totalmente original no âmbito da história” (Die Zeit hat in der

Geschichte eine ganz originale Bedeutung), reconhece Heidegger.

Para aprofundar e esclarecer isso melhor, convém acompanhar e compreender a

passagem seguinte:

“O conceito de tempo na ciência histórica não possui nada do caráter

homogêneo do conceito do tempo natural. O tempo histórico também não pode,

por isso mesmo, ser expresso matematicamente através de uma fila como se

houvesse aí uma lei que determinasse os tempos um após o outro. Os momentos

do tempo físico se diferenciam apenas através da colocação numa fila. Os

tempos históricos seguem-se também um após o outro – senão eles não seriam

naturalmente tempo –, porém, cada qual é, em sua estrutura conteudística, um

outro. O qualitativo do conceito de tempo histórico não significa outra coisa

que compactação (Verdichtung) – cristalização (Kristallisation) – de uma

objetivação de vida dada dentro da história. Portanto, a ciência histórica não

trabalha com quantidades. Todavia, o que são os números da história então?

Com o conceito ‘a fome em Fulda no ano de 750’, o historiador não pode

começar com o número 750; a ele não pode interessar o número como quantum,

como um elemento em que a fileira numérica de 1 até o infinito tem seu lugar

determinado, sendo possível dividi-lo, por exemplo, por 50 e assim por diante.

O número 750, e todo e qualquer outro número histórico, só possui sentido

(Sinn) e valor (Wert) no âmbito da ciência histórica, na medida em que se levar

em consideração o significado do conteúdo histórico (inhaltlich historisch

Bedeutsame). Trecento e quattrocento não são mais que conceitos quantitativos.

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Na física e na história, a pergunta pelo quando (Wann) possui um sentido

totalmente diverso”36.

Podemos destacar duas idéias importantes nesta passagem do texto da aula de

habilitação: a) embora de uma forma não explícita, vemos nesse texto a idéia norteadora

segundo a qual o tempo na ciência histórica diferencia-se essencialmente do tempo como

fila de agoras, sem-começo e sem-fim, isto é, como se a todo agora seguisse pura e

simplesmente um novo agora e, assim, indefinidamente. Decorre dali que o conceito de

tempo na ciência histórica não possui o caráter homogêneo do conceito do tempo natural.

Por isso mesmo, o tempo histórico também não pode ser expresso matematicamente através

de uma fila como se houvesse uma lei que determinasse os “agoras” um após o outro.

Nessa idéia manifesta-se, de algum modo, o conceito vulgar de tempo, quer dizer, que o

tempo é uma pura seqüência de agoras, sem-começo e sem-fim. E assim, pensa Heidegger,

na ciência histórica, “a pergunta pelo quando (Wann) possui um sentido totalmente

diverso”. Diante disso, podemos precisar melhor o problema com o qual Heidegger se

depara: b) de um lado, se o tempo não deve ser visto unicamente como uma mera seqüência

ou fila de agoras, sem-começo e sem-fim, quer dizer, de modo indeterminado (o que

equivale ao quantitativo nas ciências naturais), de outro lado, coloca-se uma nova questão:

qual o sentido do “agora enquanto data” histórica, por exemplo? Qual a estrutura

significativa “do agora” enquanto data histórica?37 O conteúdo histórico possui significado

(inhaltlich historisch Bedeutsame), possui sentido (Sinn), possui valor (Wert).

Heidegger pergunta-se nestes termos: “O que são os números da história, então?”, ou

seja, qual o caráter do propriamente qualitativo em termos históricos? A partir disso, o

filósofo determina propriamente como concebe o qualitativo na ciência histórica e o diz de

uma maneira lapidar: “O qualitativo do conceito de tempo histórico não significa outra

coisa que compactação (Verdichtung) – cristalização (Kristallisation) – de uma

objetivação de vida dada dentro da história. Portanto, a ciência histórica não trabalha com

quantidades”. Embora de modo não explícito, pode-se ler aqui: o conceito de tempo

36. Martin Heidegger, Der Zeitbegriff in der Geschichtswissenschaft, in: Frühe Schriften, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1972, p. 373. 37. Nessa perspectiva, é oportuno um estudo de A doutrina das categorias e significados de Duns Escoto (cf. Martin Heidegger, Die Kategorien- und Bedeutungslehre des Duns Scotus, Tübingen, J.C. Mohr (Paul Sieback), 1916).

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histórico implica, de algum modo, compreender que a própria vida humana se temporaliza,

se historializa. O ser humano pode “voltar” ao passado, porque a vida se compacta, se

cristaliza sob formas significativas, de sentido, de valor.

Assim, por exemplo, se analisarmos sob os olhos da fenomenologia, não somente e

necessariamente datas importantes como da proclamação da independência, da

proclamação da república ou da abolição da escravatura no Brasil, publicamente

reconhecidas e comemoradas, constituem-se compactações ou cristalizações da vida e

história humanas. De uma maneira muito mais próxima e imediata, porém, a data de nosso

nascimento não é, a rigor, uma mera data, muito menos mero número. Evidencia-se isso no

fato de, em geral, não pensarmos necessariamente “no dia do nascimento” como algo

perdido num passado mais próximo ou mais distante. Pois toda vez que, na passagem de

mais um ano de vida, co-memoramos nossa existência, o que co-memoramos? Dizemos

manifestamente: “nossa vida, nossa existência”. Na verdade, porém, tornamos memorável

“cada passagem do tempo em nossa vida” e é justamente isso que dá sentido à constituição

do “co” da co-memoração. Nesse sentido, dizemos também às vezes: “re-cordamos”, isto é,

reunimos e trazemos para junto do “coração”, tudo que já fomos e somos, mas também

alimentamos a esperança de poder-ser o ainda-não-sido em cada nova passagem do tempo

em nossa vida. De fato, cada passagem de ano, cada dia que passa, cada hora, cada

segundo, cada milionésimo de segundo constituem o (co)memorável da nossa vida, da

nossa existência.

Desse modo, à procura de determinar o conceito de tempo da física, Heidegger

evidencia que o tempo nela compreendido caracteriza-se como tempo homogêneo

(homogen) e quantitativo (quantitativ). Assim, sem prejuízo algum para a própria física

enquanto ciência, é possível perguntar: se o tempo medido pela física é sempre homogêneo

e quantitativo, o que é dito através de expressões como “ordenação homogênea”

(homogenen Stellenordnung), como tematizar o tempo que está nela previsto e pressuposto,

ou seja, que tempo é este que se revela em expressões como “tempo verdadeiro”

(eigentliche Zeit), “tempo em geral” (Zeit überhaupt), “dinâmica geral” (allgemeinen

Dynamik) e “o tempo em si mesmo” (um die Zeit an sich)? A partir desses

questionamentos, qual seria propriamente o conceito de tempo da ciência histórica?

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A princípio, parece evidente que a ciência histórica não trabalha nem opera com

quantidades e, portanto, é óbvio que se opõe ao conceito do tempo da física. A questão

central, porém, consiste exatamente em mostrar e demonstrar isso. Num primeiro momento,

é importante ter presente que, quando a ciência histórica se ocupa com determinada

datação, por exemplo, ela não se ocupa com mera data. É que, a toda e qualquer data

histórica, sempre se atribui alguma significação, algum sentido, algum valor. Por isso

mesmo, não pode ser reduzida ao modelo, ou melhor, ao parâmetro epistemológico das

ciências da natureza e, em particular, à física. Em questão está, portanto, um modo de

tematizar o “tempo em si mesmo”, “o tempo verdadeiro”, tratando-se então de uma questão

de ordem ontológica.

Embora o conceito de tempo ainda não seja abordado no texto da aula de habilitação

como em diversos textos posteriores, é notória aqui a preocupação – Heidegger conta,

então, com 25 anos de idade – com o “tempo em si mesmo”. Esta expressão possui um

sentido eminentemente ontológico.

A partir do que acabamos de dizer, é possível perceber que já estão presentes nesse

texto, embora ainda não explícitos e muito menos minuciosamente elaborados, conceitos

importantes como significância (Bedeutsamkeit), possibilidade de datação (Datierbarkeit),

lapso de tempo (Gespanntheit) e tempo público (Öffentlichkeit), conceitos que Heidegger

elabora em vários textos importantes da década de 1920. Não é mera casualidade, portanto,

que Heidegger cite o texto da aula de habilitação numa nota de rodapé do § 80 de Ser e

tempo. Uma evidência do que afirmamos está em frases e expressões como “distância

temporal” (Zeitferne), “separação temporal” (zeitliche Kluft), “significado do conteúdo

histórico” (inhaltlich historisch Bedeutsame), “o tempo possui um significado totalmente

original no âmbito da história” (Die Zeit hat in der Geschichte eine ganz originale

Bedeutung), entre outras empregadas pelo filósofo.

De fato, nos textos contemporâneos a Ser e tempo, a preocupação de Heidegger é

determinar fenomenologicamente a constituição plena do “quando” (“agora”) do tempo sob

a forma de uma análise rigorosa do tempo ocupado, do tempo do mundo e da

intratemporalidade38. Em muitos textos heideggerianos porteiores há passagens que

38. Heidegger ocupa-se com estes temas no último capítulo de Ser e tempo e no livro Os problemas fundamentais da fenomenologia.

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apontam para as análises realizadas na aula de habilitação de 1915. Isso pode ser visto, por

exemplo, nos §§ 78 e 80, dos quais citamos aqui duas passagens significativas:

“Todavia, mais elementar do que a constatação de que o ‘fator tempo’

(Zeitfaktor) vem à tona nas ciências da história e da natureza é que, bem antes

de qualquer pesquisa temática, o ser-aí já ‘conta com o tempo’ (mit der Zeit

rechnet) e por ele se orienta (nach ihr richtet). Aqui, novamente, permanece

decisivo o ‘contar’ ‘com o seu tempo’, inerente ao ser-aí, que antecede todo uso

de instrumentos de medição, adequados à determinação temporal. Este contar

antecede o uso, possibilitando a utilização de relógios”39.

“A fim de assegurar uma possível compreensibilidade para a

comprovação da origem do tempo público a partir da temporalidade fática, foi

preciso caracterizar, primeiramente, o tempo interpretado na temporalidade das

ocupações. E isso já para esclarecer que a essência da ocupação do tempo não

reside na aplicação de determinações quantitativas de datas (zahlenmäßigen

Bestimmungen bei der Datierung). Do ponto de vista ontológico-existencial,

portanto, o decisivo na contagem do tempo (Zeitrechnung) não está na sua

quantificação (nicht in der Quantifizierung der Zeit), mas deve ser concebido,

ainda mais originariamente, a partir da temporalidade do ser-aí que conta com o

tempo (sondern muß ursprünglicher aus der Zeitlichkeit des mit der Zeit

rechnenden Daseins begriffen werden)” 40.

Concluindo esta análise interpretativa da aula de habilitação, poderíamos dizer que a

possibilidade da ciência histórica é vista e tematizada por Heidegger, mas não ainda em sua

gênese ontológica como temporalidade do ser-aí. Ele irá elaborar estes conceitos em textos

de anos posteriores. Segundo ele, a condição de possibilidade do conceito de tempo da

ciência histórica reside no fato de o historiador poder escolher no passado os momentos

mais significativos e “recontar” ou “reconstruir” a história a partir deles, uma vez que o

próprio tempo é constituído por momentos significativos, os quais projetam sempre de

39. Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 78, p. 498. No § 69, Heidegger diz que o projeto matemático da natureza “descobre, antecipadamente, um ser simplesmente dado que é constante (matéria), e abre o horizonte para uma perspectiva orientadora, relativa a seus momentos constitutivos e passíveis de determinação quantitativa (movimento, força, lugar e tempo)” (p. 451). 40. Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 80, 507.

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novo uma nova luz tanto sobre o passado como sobre o futuro, mas sempre a partir do

presente.

Com efeito, como o pensador dirá em Ser e tempo, “‘o ser-aí é histórico’ não significa

apenas o fato ôntico de que o homem representa um ‘átomo’ mais ou menos importante no

fluxo da história do mundo, sendo a bola deste jogo de circunstâncias e acontecimentos. A

tese coloca o seguinte problema: Em que medida e em quais condições ontológicas, a

historicidade, enquanto constituição essencial, pertence à subjetividade do sujeito

‘histórico’?” 41. “Por isso é que, radicada na hermenêutica do ser-aí, a metodologia das

ciências históricas do espírito (historischen Geisteswissenschaften) só pode receber a

denominação de hermenêutica em sentido derivado”42.

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Parque das Universidades

13086-900 Campinas SP

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41. Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 73, p. 474.

42. Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 3, p. 78.