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REVISÃO SOBRE IMPLEMENTAÇÃOS DOS DISPOSITIVOS DA CARTA AFRICANA DOS DIREITOS DO HOMEM E DOS POVOS - MOÇAMBIQUE - RELATÓRIO DA PLATAFORMA PARA OS DIREITOS HUMANOS (1999-2010) MAPUTO, AGOSTO DE 2013

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REVISÃO SOBRE IMPLEMENTAÇÃOS DOS DISPOSITIVOS DA

CARTA AFRICANA DOS DIREITOS DO HOMEM E DOS POVOS

- MOÇAMBIQUE -

RELATÓRIO DA PLATAFORMA PARA OS DIREITOS HUMANOS

(1999-2010)

MAPUTO, AGOSTO DE 2013

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ii

ÍNDICE

Parágrafos Páginas

Lista de Abreviaturas …………………………………………. iv

Apresentação ………………………………………………….. 1-2 v

Sumário e Metodologia ………………………………………... 3-7 v

A. Carta Africana Dos Direitos do Homem e dos Povos …. 1

Parte – I: Contexto Geral ……………………………………... 1

I. Dados sobre Moçambique ……………………………….. 8-18 1-2

II. Ratificação de instrumentos regionais – Moçambique ……. 19-26 3-4

III. Cooperação com Mecanismos de Direitos Humanos …….. 27-29 4-5

Parte II - Estágio de implementação dos direitos consagrados

nos artigos 2-26 da CADHP …………………………………...

5

I. Princípios que informam a carta 5

Artigos. 2 e 3: Princípios da Universalidade e Igualdade de

Direitos ………………………………………………………..

30-32 5

Artigo 7: Princípio de Acesso à Justiça ……………………….. 33-43 5-7

II. Direitos Civis e Políticos 7

Artigos 4 e 5: Direito à vida, proibição da tortura, escravidão e

tráfico …………………………………………………………

44-49 7-8

Artigo 6: Direito à Liberdade e Segurança Pessoal …………….. 50-53 8

Artigo 9: Direito à Liberdade de Expressão …………………… 54-57 8-9

Artigos 10 e 11: Direito à Liberdade de Associação e Reunião ... 58-63 9

Artigo 13: Direito Participação Política ………………………... 64-67 10

III. Direitos Económicos, Sociais e Culturais ………………… 10

Artigo 14: Direito de Propriedade …………………………….. 68-73 10-11

Artigo 15: Direito ao Trabalho ………………………………... 74-79 11-12

Artigo 16: Direito à saúde ……………………………………... 80-85 12

Artigo 17: Direito à Educação ………………………………… 86-92 12-13

IV. Direitos dos Povos ……………..………………………… 13

Artigos 19, 20 e 21: Direito à soberania e Autodeterminação ….. 93-98 13-14

Artigo 22: Direito ao Desenvolvimento Económico, Cultural e 99-103 14

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iii

Social ………………………………………………………….

Artigo 23: Direito à paz e Segurança …………………………... 104-109 14-15

Artigo 24: Direito à um Ambiente São e Saudável …………….. 110-115 15-16

Artigo 25: Direito à Segurança Social ………………………… 116-120 16

PARTE III – Deveres ………………………………………… 121-126 17

B. Direitos Humanos das Mulheres ……………………………. 18

Parte I – Contexto ……………………………………………. 127-129 18

Parte II - a implementação do protocolo à carta africana dos

direitos humanos e dos povos, relativo aos direitos da mulher

em áfrica no ordenamento jurídico moçambicano …………….

18

Artigo 4: Direito à vida, à integridade e à segurança da pessoa ... 130-138 18-19

Artigo 5: Eliminação de práticas nocivas ……………………… 139-148 19-21

Artigo 6: Casamento …………………………………………... 149-154 21-22

Artigo 7: Separação, divórcio e anulação do matrimónio ……… 155-158 22

Artigo 9: Direito a Participação no Processo Político e de

Tomada de Decisões …………………………………………..

159-165 22-23

Artigo 10 e 11: Direito à Paz e Protecção das Mulheres nos

Conflitos Armados …………………………………………….

166-169 23-24

Artigo 14: Direito à Saúde e ao Controlo das Funções de

Reprodução …………………………………………………...

170-179 24-25

Artigo 19: Direito a um Desenvolvimento Sustentável ………... 180-183 25-26

Artigos 20 e 21: Direitos da Viúva e Herança …………………. 184-188 26

Artigo 22: Protecção especial à mulher idosa ………………….. 189-196 26-27

Conclusão …………………………………………………….. 197-203 28

Referências Bibliográficas e documentos de suporte …………... 29

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iv

LISTA DE ABREVIATURAS

ACDH Associação Centro de Direitos Humanos

AGP Acordo Geral da Paz

CADHP Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos

CEDE Centro de Estudos de Democracia e Desenvolvimento

CEMO Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais

CESC Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil

CRM Constituição da República de Moçambique

CRM Constituição da República de Moçambique

DH Direitos Humanos

DUAT Direito de Uso e Aproveitamento da Terra

FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique

HIV Vírus de Imunodeficiência Humana

LAMBDA Associação Moçambicana para Defesa das Minorias Sexuais

LDH Liga Moçambicana dos Direitos Humanos

MDM Movimento Democrático de Moçambique

MISA Instituto para a Comunicação Social da África Austral

OMS Organização Mundial do Trabalho

ONG Organizações Não-Governamentais

RENAMO Resistência Nacional de Moçambique

SADC Comunidade para Desenvolvimento da África Austral

SIDA Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

UA União Africana

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v

APRESENTAÇÃO

1. O presente documento foi elaborado pela Plataforma para os Direitos Humanos, uma rede informal de organizações da sociedade civil moçambicana que trabalham na área dos direitos humanos em todo o País, designadamente:

2. Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH), Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais (CEMO), Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), JOINT - Liga de ONG’s, Centro de Estudos e Promoção de Cidadania, Direitos Humanos e Meio Ambiente (CODD), Centro de Estudos de Democracia e Desenvolvimento (CEDE), Associação Moçambicana para Defesa das Minorias Sexuais (LAMBDA), Fórum Mulher e Rede Contra Abuso de Menores e Associação Centro de Direitos Humanos (ACDH).

SUMÁRIO E METODOLOGIA

3. A Plataforma para os Direitos Humanos, em resposta as recomendações dos mecanismos regionais de monitoria da implementação dos tratados sobre direitos humanos empenhou-se na elaboração do presente relatório como forma de maximizar os ganhos que podem advir da revisão de Moçambique neste processo.

4. Este relatório precede ao relatório cumulativo (1999 a 2010) do Governo de

Moçambique elaborado nos termos do artigo 62 da Carta Africana dos Direitos do

Homem e dos Povos (CADHP), submetido à Comissão Africana dos Direitos

Humanos e dos Povos no dia 11 de Fevereiro de 2013.

5. É facto que o Governo avançou em alguns pontos sobre a implementação dos

direitos humanos em Moçambique, porém, a sociedade civil perante este

instrumento tentou clarificar alguns pontos, adicionar outros e frisar alguns ganhos e

desafios para Estado moçambicano, de forma a enriquecer o debate sobre

implementação e defesa dos Direitos Humanos no País.

6. Nestes termos, a metodologia usada segue o relatório base de forma a tornar os pontos levantados mais perceptíveis. Entretanto, o relatório segue os termos de referência previstos e publicitados pela Comissão Africana para elaboração dos relatórios dos governos da região.

7. O presente relatório contempla uma segunda parte, especialmente dedicada aos direitos humanos da mulher, nos termos do que é recomendado pela Comissão Africana e sobre as constatações apresentadas são apresentadas as recomendações.

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1

A. CARTA AFRICANA DOS DIREITOS DO HOMEM E DOS POVOS

PARTE – I: CONTEXTO GERAL

I. DADOS SOBRE MOÇAMBIQUE

8. Demografia: Ao nível demográfico, a população é estimada em 23 milhões de habitantes,

distribuídas em: i. 0-14 anos: 45,9%; ii.15-64 anos: 51,15;% e 65 anos em diante: 3%1. Em

termos gerais, a população é maioritariamente jovem, com mais de 10 milhões de crianças.

Dos 23 milhões de habitantes, 54,7% é considerada pobre, sendo que os índices de sero-

prevalência situam-se nos 11%.

9. Economia: O País tem um potencial agrícola muito grande, em volta de 45%. Porém mais

de 75% agricultura praticada é de subsistência. Cerca de 70% da população moçambicana

vive nas zonas rurais tendo por base a agricultura de subsistência. A produtividade agrícola é

extremamente baixa combinada com uma alta vulnerabilidade dos choques climáticos, o que

significa que grande número da população sofre de insegurança alimentar crónica2, não

obstante, a Constituição da República (CRM) determinar no seu artigo 103 que “na

República de Moçambique a agricultura é a base do desenvolvimento”.

10. Moçambique registou um crescimento económico médio anual do PIB de 8% durante o

período 1993-2010. O forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) desde 2000 tem

sido impulsionado por fortes investimentos em grandes projectos, especialmente nos

sectores de mineração. Ainda assim, a pobreza é uma realidade generalizada em

Moçambique. A taxa de pobreza da população caiu de 69,4% em 1997 para 54,7% em 2010,

mas a situação estagnou e as disparidades regionais permanecem muito altas3.

11. Forma do Governo: Moçambique é um Estado unitário e democrático, onde a forma de

Governo traduz-se num sistema presidencialista atípico, onde grande parte dos poderes

estão concentrados no Presidente da República, que é o chefe do Estado, chefe do Governo

e Comandante -chefe das forças de armadas de Moçambique4.

12. Sistema Legal: O sistema legal é Romano-germânico (Civil Law). Nesta tipologia de sistema

jurídico, temos como principal fonte de Direito – a lei. Os actos normativos provêm,

principalmente do órgão legislativo com competência para aprovar leis - Assembleia da

República. Entretanto, o Conselho de Ministros também tem competências para aprovar

determinados actos legislativos em forma de decreto-lei com o mesmo valor de lei.

1 http://www.indexmundi.com/pt/mocambique/populacao_perfil.html, acessado no dia 27 de Junho de 2013. 2 MPD. Estratégica Nacional para o Desenvolvimento. Op.cit. pp.5. Disponível em http://www.bancomoc.mz/Files/GPI/Tema%20para%20debate%20publico-%20MPD.pdf 3 IDEM. 4 Artigo 146 da CRM.

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2

13. Relação entre os três poderes: No Estado moçambicano impera o princípio da separação

de poderes entre poder judiciário, legislativo e executivo5. Assim, estão definidas as

atribuições e competências de cada órgão de soberania por via da Constituição da República

e das demais leis. Porém, é visível a interferência do poder executivo no judiciário,

porquanto quem nomeia o Presidente do Conselho Constitucional, o Presidente e o Vice-

Presidente do Tribunal Supremo, o Presidente do Tribunal Administrativo e o Procurador-

Geral da República e o Vice-Procurador Geral da República é o Presidente da República6, o

que não garante a tão almejada independência do judiciário7.

14. Ao mesmo tempo que nos termos do art.159/e) da CRM, o Presidente da República pode

dissolver o Parlamento, o que dá grande omnipotência ao Presidente da República.

15. Contexto político e histórico: Após a independência em 1975, Moçambique passou por

uma guerra civil cujo fim foi marcado pela aprovação de uma nova Constituição de cariz

democrática em 1990 e com a assinatura dos acordos de paz em 1992.

16. A Constituição de 1990 introduziu a democracia multipartidária, o Estado de Direito e um

leque considerável de direitos, deveres, garantias e liberdades fundamentais, que foi reforçada

com a aprovação da Constitucional de 2004.

17. Moçambique foi até ao momento da elaboração do presente relatório, palco de 4 (quatro)

processos eleitorais para eleição do Presidente da República e dos Deputados da Assembleia

da República, 3 (três) autárquicas e 1 (uma) para as Assembleias Provinciais. Entretanto, os

processos eleitorais acima descritos têm vindo a ter níveis de abstenção cada vez mais

preocupantes. Esta situação é justificada por Carlos Serra (2009), como sendo consequência

do facto dos actores sociais terem boas razões para ter em descrédito as instituições oficiais,

como tantos inquéritos têm mostrado. Mas não só; também as sistemáticas promessas feitas

nas campanhas e cada vez mais prenhes de engenharia, de teatro e de sedução8.

18. A partidarização do Estado9 e tendências de retorno ao “partido único”, tem constituído

uma das principais preocupações das forças vivas da sociedade moçambicana e tem sido

factor constantes ameaças a paz, que perdura no País a mais de 20 (vinte) anos10.

5 Artigo 134 da CRM. 6 Art. 159/ g) e h) da CRM. 7 Alíneas a) e b) do art. 226 8 Serra, Carlos (dir), Eleitorado incapturável. Eleições municipais de 1998 em Manica, Chimoio, Beira, Dondo, Nampula e Angoche. Maputo: Livraria Universitária, 1999. 9 São exemplos desta prática os casos de Eduardo Namburete ex-chefe do Gabinete do Reitor da UEM, Ismael Mussa da Direcção dos Serviços Sociais da UEM, Benjamim Pequenino do Conselho de Administração dos Correios de Moçambique que foram exonerado dos seus postos por pertencerem a partidos da oposição. 10 O partido Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO) tem levado a cabo ameaças públicas de retorno à guerra. Neste ano verificaram-se 03 (três) confrontos armados entre a RENAMO e as forças governamentais, dos quais resultaram 09 (nove) mortos entre civis e militares governamentais.

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3

II. RATIFICAÇÃO DE INSTRUMENTOS REGIONAIS-MOÇAMBIQUE

Quadro resumo das ratificações

Instrumentos Grau Data de Ratificação

1. Acto Constitutivo da União Africana Ratificado 17/05/2001

2. Protocolo de Emendas ao Acto Constitutivo da União Africana Ratificado

17/07/2004

3. Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos Ratificado

22/02/1989

4. Protocolo sobre o Conselho de Paz e Segurança Ratificado

20/05/2003

5. Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança Ratificado

15/07/1998

6. Convenção dos Refugiados da Organização da Unidade Africano (OUA)

Ratificado

22/02/1989

7. Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África - Protocolo de Maputo

Ratificado

09/12/2005

8. Protocolo sobre o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos povos

Ratificado 17/07/2004

9. Declaração do artigo 34 (6) do Protocolo sobre o Tribunal Africano dos Direitos Humanos

Não assinada

-

10. Carta Cultural Não ratificado -

11. Convenção Africana para Prevenção e Combate ao terrorismo Ratificado

21/10/2011

12. Protocolo à Convenção Africana para a Prevenção e Combate ao terrorismo

Não ratificado

-

13. Convenção Africana para a Conservação da natureza e dos recursos naturais (Revista)

Não ratificado

-

14. Convenção da União Africana para a prevenção e Combate a corrupção

Ratificado

02/08/2006

15. Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação Não ratificado -

16. Convenção da União Africana para a Protecção e a Assistência de deslocados internos em África- Convenção de Kampala

Não ratificado

-

Fonte: Hens & Killander. “Compêndio de Documentos- Chaves dos Direitos Humanos da União Africana”. PULP.2008, pp.316 e ss.

Constatações

19. Dos 16 instrumentos legais apresentados, apenas 10 (dez) foram ratificados pelos Estado

moçambicano, este facto demonstra muita letargia em aderir aos instrumentos de extrema

importância para a consolidação da democracia e dos direitos humanos em Moçambique.

Por outro lado, importa ter em conta os seguintes aspectos:

20. O grande desconhecimento de princípios, matérias e normas relativas aos direitos humanos

por parte do judiciário (Magistratura Judiciária e do Ministério Público);

21. A fraca implementação e monitoria dos instrumentos de direitos humanos dos pelos órgãos

públicos sobretudo o Parlamento;

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4

22. O Governo de Moçambique ainda não ratificou dois instrumentos regionais fundamentais

para efectivação dos direitos humanos, designadamente: Carta Africana sobre Democracia,

Eleições e Governação e Declaração do artigo 34(6) do Protocolo sobre o Tribunal Africano

dos Direitos Humanos;

23. Algumas leis aprovadas estão em contradição11 com os instrumentos internacionais

aprovados, tendo sido legislados conforme conveniências políticas (Lei da Violência

Doméstica contra a Mulher e Lei Complementar de Combate à Corrupção).

Recomendações

24. Ratificação dos instrumentos não ratificados e proceder a declaração nos termos do artigo

34(6) Protocolo do Tribunal Africano;

25. Criar no Parlamento mecanismos de monitoria da implementação dos tratados ratificados e;

26. Inclusão de matérias de Direitos Humanos nos currículos de formação da polícia e

magistrados, e bem assim, a promoção de capacitações constantes sobre a matéria.

III. COOPERAÇÃO COM MECANISMOS DE DIREITOS HUMANOS

Constatações

27. O versado no relatório do Governo Moçambicano referente a participação em organismos

como a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), União Africana

(UA), dentre outros no âmbito internacional12

, é um facto. Entretanto, Moçambique

ratificou apenas alguns instrumentos internacionais de Direitos Humanos e faltam outros

tantos13

, e o Governo continua a não colaborar devidamente com os mecanismos especiais.

Os pedidos de visitas dos relatores especiais, continuam por aceitar e os relatórios de

Direitos Humanos submetidos aos diferentes órgãos internacionais, várias vezes são

submetidos tardiamente14

e não seguem a metodologia recomendada para a sua elaboração15

.

11 A lei de violência doméstica contra a mulher, não prevê discriminação positiva no tratamento da questão, sendo uma lei de violência doméstica no geral, e, destarte, contrariando o Protocolo de Maputo e a realidade social. O art. 5 da lei explica que a vítima de violência é a mulher e o agente, o homem. Não obstante tal questão, a lei é aplicada de igual maneira para todos. Há casos na própria lei de artigos sem punição-art. 16 (Crime de violência moral), em que se faz remissão em branco, ou seja, há crimes sem penalização. Outro aspecto cinge-se ao facto de se prever a pena de prestação de serviços à comunidade. Porém, não se mostra definido o modus operandi desta prestação, e, logo, porque as comunidades não tem conhecimento, deixam os infractores impunes uma vez que não se verificam directivas claras de controle , monitoria e modus de lidar com estes casos- é assim uma clara banalização do problema da violência doméstica contra a mulher. 12 NU, CPLP, Common Wealth, PALOPS- cujos tratados incluem questões relativas ao respeito dos direitos humanos. 13 O Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais bem como o Tratado de Roma sobre o Tribunal Penal Internacional, são instrumentos que Moçambique tem ignorado na sua ratificação. 14 É exemplo o relatório do Governo Moçambicano à Carta Africana (1999-2010), que é cumulativo de um período de 10 anos.

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5

Recomendações

28. O Governo deve fazer um convite aberto para os mecanismos especiais do sistema regional

e internacional de Direitos Humanos.

29. O Governo deve elaborar os relatórios para a submeter aos órgãos internacionais de Direitos

Humanos, seguindo a metodologia recomendada e privilegiando a participação da sociedade

civil na sua elaboração.

PARTE II

ESTÁGIO DE IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS CONSAGRADOS

NOS ARTIGOS 2-26 DA CADHP

I. PRINCÍPIOS QUE INFORMAM A CARTA

Artigos. 2 e 3: Princípios da Universalidade e Igualdade de Direitos

Constatações

30. O Princípios da Universalidade e Igualdade de Direitos está consagrado na Constituição da

República de Moçambique de 2004, nos termos do artigo 35. O mesmo é referido e reiterado

em várias leis internas de forma a estabelecer a igualdade em situações específicas.

31. Contudo, facto de no Aparelho do Estado existirem células (representações) do partido

Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO)16

, o partido no poder, continua a

potenciar situações de discriminação aos cidadãos simpatizantes de outras forças políticas17

.

Recomendações

32. Despartidarizar o Estado e implementar medidas para prevenir casos de discriminação em

função das opções políticas.

Artigo 7: Princípio de Acesso à Justiça

Constatações

33. O direito ao acesso à justiça não consta do leque dos direitos fundamentais do cidadão

moçambicano constantes da CRM. Esta, prevê o direito de acesso aos tribunais- nos

termos do art-62. A Constituição garante aos cidadãos, o direito de impugnar os actos que

15 Os relatórios são submetidos aos órgãos internacionais sem que no processo de elaboração tenha sido feitas consultas com organizações da sociedade civil. 16 Ministérios, faculdades, Direcções Nacionais, Governos Provinciais, Administrações de Distritos, Electricidade de Moçambique (empresa pública). 17 O relatório do MARP de 2010 reconheceu existir, no seio da sociedade moçambicana, preocupação pelo facto de o partido no poder FRELIMO parecer dominar a esfera pública não fazendo uma distinção clara entre o partido e o Estado. MARP. Relatório de Revisão do País – República de Moçambique. Junho de 2010. p. 436.

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6

violem os seus direitos em quaisquer instituição competente, sejam jurisdicionais ou extra-

jurisdicionais (art. 69); o direito de petição, queixa e reclamação (art. 79); a garantia de

recurso ao provedor de justiça (art. 256); o direito de recurso ao Conselho Constitucional

(art. 245) e garante patrocínio judiciário aos arguidos nos processos crimes (art. 62).

34. A Constituição consagra o pluralismo jurídico através do qual reconhece os vários sistemas

normativos de resolução de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana. Todavia, o

conceito do pluralismo jurídico ainda não é claro e existe pouca exploração dos meios

alternativos de assistência legal e de resolução de conflitos.

35. Existem vários os obstáculos ao acesso aos tribunais/justiça em Moçambique,

designadamente, altas custas judiciais, recusa de aceitação dos atestados de pobreza por parte

dos tribunais, iliteracia e falta de conhecimento dos seus direitos pela população, morosidade

processual-sistémica e activa, etc.

36. Há falta de clareza sobre critérios de cobrança das custas judiciais e usa-se legislação

desajustada da realidade actual e da Constituição nestes actos, o que limita

indiscriminadamente a isenção de custas judiciais por parte dos cidadãos economicamente

incapacitados. É exemplo do Decreto-Lei nº 33548, de 23 de Fevereiro de 1944, ainda em

vigor apesar de ter sido adoptado antes da independência e num contexto de discriminação e

colonização.

37. Apesar de uma significativa evolução em termos de recursos humanos, o número de

magistrados judiciais e do Ministério Público continua a quém do desejado. Em

Moçambique a ratio de Juiz/Procurador é de 1juiz e 1 Procurador para 77.966 cidadãos- um

verdadeiro obstáculo ao acesso à justiça.

38. O Governo criou o Instituto de Patrocínio à Assistência Jurídica (IPAJ) em 1995, através do

Decreto n°. 54/95 de 13 de Dezembro, de forma a prestar assistência jurídica aos cidadãos

sem posses. Apesar de significativos avanços nesta instituição, sobretudo, no campo

cobertura territorial, vários são os relatos das populações de cobrança monetárias ilícitas por

parte dos técnicos do IPAJ e assistência jurídica de fraca qualidade.

39. Os tribunais comunitários representam um reconhecimento do sistema costumeiro dentro

do sistema formal de administração da justiça, nos termos do previsto no artigo 4º. CRM.

Não obstante constituírem um avanço, estes tribunais apresentam o inconveniente de

nalgumas vezes, violarem preceitos dos direitos humanos18

.

18 Os tribunais comunitários têm, em certas situações, aplicado penas corporais, determinado a queima da casa do adúltero nos casos de adultério e a expulsão de cidadãos da comunidade nos caos de feitiçaria, etc.

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7

Recomendações

40. Adoptar medidas para a aprovação dos seguintes instrumentos legais: a Lei da Acção Popular

proposta ao Parlamento em 2001, Um novo Código de Custas Judiciais e uma nova Lei

sobre os Tribunais Comunitários.

41. Clarificar o valor dos atestados de pobreza como mecanismo de isenção de despesas

judiciais.

42. Continuar a reforçar a capacidade do sistema judicial e do IPAJ em recursos humanos e

materiais.

43. Estabelecer estratégias para reduzir os casos de linchamentos.

II. DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Artigos 4 e 5: Direito à vida, proibição da tortura, escravidão e tráfico

Constatações

44. A protecção do direito à vida está previsto na CRM, nas leis ordinárias e em outros

instrumentos internacionais que Moçambique ratificou, igualmente está previsto o crime de

tráfico de pessoas na lei sobre o tráfico de pessoas (especialmente de mulheres e crianças).

Porém, nada consta do ordenamento jurídico moçambicano sobre a escravidão e proibição

de tortura, fenómenos que são visíveis e se verificam em Moçambique.

45. Apesar dos casos de execuções sumárias terem reduzido, há uma grande preocupação em

relação à tortura19

, ao tráfico de pessoas20

e à violência institucional, que continua a causar

mortes, sobretudo, em estabelecimentos prisionais21

e durante manifestações22

.

Recomendações

46. Adoptar medidas para mitigar o tráfico de mulheres e crianças de Moçambique para a África

do Sul e outros destinos, com propósitos de exploração sexual e trabalho forçado.

19 Em 2010 reclusos e detidos na Cadeia de Máxima Segurança da Machava denunciaram casos de, s torturas e outros maus tratos protagonizados pelo director daquele estabelecimento. 20 Várias são os casos que tem indicado a existências de redes que se dedicam ao tráfico de pessoas, sobretudo mulheres e crianças, para prostituição ou trabalho em regime de escravidão na África do Sul. 21 No dia 28 de Outubro de 2006 dois prisioneiros da Cadeia distrital de Manica morreram na sequência do aluimento de terras numa mina de ouro. Os perecidos faziam parte de um grupo de 18 reclusos, entre detidos e condenados, levados ao local para cavar uma vala destinada à instalação de equipamento usado na exploração mineira. 22 Em Setembro de 2010, a polícia usou gás lacrimogéneo, balas de borracha e munições reais durante uma manifestação popular e matou entre 13 e 18 pessoas que protestavam contra o aumento dos preços dos alimentos básicos, em diversas cidades do País.

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47. Adoptar medidas de forma a acabar com sentimento de impunidade no seio da corporação

policial.

48. Adoptar medidas de forma a tornar a Polícia mais proactiva e menos reactiva na questão da

Segurança Pública.

49. Tipificar e punir as diversas formas de trabalho escravo e de tortura.

Artigo 6: Direito à Liberdade e Segurança Pessoal

Constatações

50. Na República de Moçambique todos têm direito à liberdade e segurança e ninguém pode ser

arbitrariamente privado deste direito, nos termos do que resulta do artigo 59º da CRM.

51. As leis penais substantivas e processuais, igualmente, protegem as pessoas em situação de

detenção para que seus direitos não sejam postos em causa no decurso do processo criminal.

Contudo, são várias as situações em que polícias, procuradores e juízes violam prazos de

detenção23

, efectuam detenções ilegais e irregulares, levando a uma situação em que o Polícia

prende para investigar, violando o princípio da presunção de inocência.

Recomendações

52. Rever e aprovar nova legislação sobre a justiça penal, designadamente o Código Penal, o

Código de Processo Penal e as leis referentes ao sistema prisional que vêem do período

colonial e alguns dos seus dispositivos são contrários à garantia de direitos e liberdades

previstos na Constituição e nos instrumentos internacionais de direitos humanos dos quais

Moçambique é parte.

53. Reforçar os mecanismos de responsabilização dos agentes estatais nos casos de detenções

arbitrárias dos cidadãos.

Artigo 9: Direito à Liberdade de Expressão

Constatações

54. Em Moçambique, a CRM prevê a liberdade de expressão como um direito fundamental,

constante do artigo 48. Este direito compreende a faculdade de divulgação do pensamento, o

direito à informação e ao seu acesso bem como a liberdade de imprensa.

55. Não obstante esta previsão constitucional, não existe em Moçambique uma lei de acesso à

informação, o que dificulta o acesso à informação de interesse público por parte dos

cidadãos, bem como o acesso às fontes de informação por parte dos jornalistas. Outrossim,

23 No âmbito de um processo de um suposto atentado contra a vida de um advogado – marido da Primeira-ministra na Altura, cerca de 3 cidadãos ficaram em prisão preventiva durante 07 (sete anos).

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Administradores distritais têm mandado encerrar rádios comunitárias, caso estas divulguem

notícias que não agradem a estrutura governativa24

.

Recomendações

56. Aprovar a Lei do Direito à Informação, cujo anteprojecto foi submetido à Assembleia da

República em 2005, pelo MISA-Moçambique, e até a presente data não foi discutido.

57. Tomar medidas administrativas e incentivar medidas judiciais que visem acabar com as

restrições arbitrárias ao direito de acesso à informação e a liberdade expressão.

Artigos 10 e 11: Direito à Liberdade de Associação e Reunião

Constatações

58. O direito a Liberdade de Associação e de Reunião estão consagrados no artigo 51 da CRM.

Contudo, o Governo continua a restringir estes direitos de forma arbitrária.

59. Nos termos da lei das manifestações, as manifestações pacíficas não carecem de autorização,

apenas devem ser comunicadas às autoridades municipais e policiais com quatro dias de

antecedência. Todavia, todas as manifestações pacíficas que são anunciados por movimentos

sociais que reivindicam direitos ou melhores políticas públicas não são permitidas pelo

Governo25

.

60. A Associação de Defesa das Minorias Sexuais (Lambda) submeteu em 2008 um pedido de

reconhecimento legal e até a presente data não obteve resposta do Governo.

Recomendações

61. O Governo deve abster-se de usar a Polícia para restringir o direito de manifestação e

reunião.

62. Legalizar a Associação de Defesa das Minorias Sexuais (Lambda)

63. O Governo deve tomar medidas visando capacitar as estruturas superiores da polícia sobre o

alcance do direito à manifestação e à reunião.

24 Em 2012, só nos meses de Outubro e Novembro, foram encerradas duas rádios comunitárias, designadamente: a Rádio Comunitária Planalto de Furancungo, no distrito de Macanga na província de Tete e Rádio Comunitária Macequece, na província de Manica, respectivamente. 25 Os desmobilizados de guerra desde 2008 que não conseguem se manifestar nas ruas da Cidade de Maputo, seus lideres já foram detidos por diversas vezes como forma de os intimidar para não realizarem manifestações. Membros do partido político MDM, igualmente foram impedidos de se manifestarem na Cidade de Maputo e durante a greve dos médicos ocorrida em Maio de 2013, houve manobras da polícia tentando impedir estes grupo de se manifestar e reunir na Cidade de Maputo.

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Artigo 13: Direito Participação Política

Constatações

64. A liberdade de participação política é também reconhecida no artigo 53 da CRM. Contudo,

existe discriminação política no seio do Aparelho do Estado Moçambicano.

65. Cidadão que não são membros do partido no poder, dificilmente conseguem empregos no

sector público e os que já estão integrados, tem dificuldades de progressão na carreira.

66. As promoções, mesmo para funções eminentemente técnicas são feitas com base em

critérios políticos partidários.

Recomendações

67. Acabar com as células do partido FRELIMO no aparelho do Estado e nas empresas

públicas.

III. DIREITOS ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

Artigo 14: Direito de Propriedade

Constatações

68. Em Moçambique a terra é propriedade do Estado, não se vende e não se hipoteca. Aos

particulares têm sido atribuídos o Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT).

Porém é prática ver cidadãos e os funcionários municipais a efectuarem negócios de terra,

não havendo um controle adequado por parte do Governo.

69. As expropriações têm trazido prejuízo para as populações, pois as

compensações/indemnizações tem sido injustas e em muitos casos, as novas parcelas que as

populações recebem apresentam más condições para construção, são em locais longínquos e

sem acesso fácil as escolas, hospitais, mercados, água, dentre outros serviços públicos26

.

70. Em Moçambique as comunidades, particulares em cujo DUAT possa conter recursos

minerais são expropriados em benefício do Estado não podendo beneficiar-se da exploração

mineira, o que se mostra inconstitucional.

Recomendações

26 Em Cateme, uma Povoação da Província de Tete, a população foi retirada das suas propriedades pela multinacional Vale de forma a proceder à exploração de Carvão. As compensações foram irrisórias, as novas casas construídas em menos de 1 ano já apresentavam fissuras e o acesso à água mostrou-se deficitário. Tudo isto deu origem à reivindicações das populações que culminou em ameaças, prisões arbitraries, feridos e várias prisões ilegais protagonizadas pela Polícia.

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71. Aumentar a transparência da gestão dos recursos minerais e promover a prestação de contas

nas concessões para exploração da terra e dos recursos do sobsolo.

72. Divulgação da Convenção Africana sobre a Conservação da Natureza e dos Recursos

Naturais.

73. Criar um órgão multissectorial que inclua a sociedade civil, de fiscalização e avaliação das

compensações face as expropriações no país.

Artigo 15: Direito ao Trabalho

Constatações

74. A taxa de desemprego em Moçambique é de 27%27

dos cerca de 23 milhões da sua

população. Com a massificação do ensino superior em Moçambique, aumentou o número de

pessoas qualificadas, ao mesmo tempo que aumentou o número de desempregados com

nível superior. O grupo etário mais afectado pelo desemprego em Moçambique é dos 15 a 40

anos de idade.

75. Segundo a UNICEF, estima-se que cerca de 22% de crianças entre os 05-14 anos estejam

envolvidas em trabalho infantil28

. O trabalho infantil é uma realidade em Moçambique e já

foi reconhecido pelo Ministério do Trabalho29

. Moçambique é parte das convenções

internacionais e regionais sobre os direitos da criança, e bem assim, é parte da Convenção

138 da Organização Internacional do trabalho (OIT) sobre a idade mínima de admissão ao

emprego.

76. Segundo o Governo, o direito à greve no sector público é ilegal. Contudo, a CRM confere o

direito à greve a todo trabalhador (artigo 84), e não existe lei ordinária que proíbe a

realização da greve por parte dos trabalhadores do sector público.

Recomendações

77. Cumprir com as Convenções internacionais ratificadas sobre os direitos da criança, incluindo

a Convenção 138.

78. Estabelecer um crime de trabalho infantil no Código Penal ou em legislação avulsa.

79. Regular o direito à greve no sector público.

27 Estudos Económicos e Financeiros – Moçambique: Um novo lugar no xadrez internacional, Edição de Junho de 2012, disponível em http://www.bci.co.mz/Mocambique_JunhoSite_2012.pdf 28 UNICEF, Childhood Poverty in Mozambique. A Situation and Trends Analysis. Maputo: UNICEF.2011. 29 Segundo Eduardo Chimela, director-geral do (INEFP) do MITRAB, uma equipa de inspecção do Ministério do Trabalho detectou um grupo de 15 crianças que estavam a trabalhar numa empresa de produção de arroz, na província meridional de Gaza. A recomendação dada foi que o grupo continuasse na mesma empresa, mas a realizar “trabalhos leves” condicentes com a sua idade. Correio da manhã, 16 de Maio de 2013.

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Artigo 16: Direito à saúde

Constatações

80. A esperança de vida em Moçambique tem vindo a melhorar. Porém, questões como acesso à

saúde, qualidade de serviços prestados e bem assim doenças como malária, HIV e

tuberculose tem sido o calcanhar de Aquiles neste sector. Importa adicionar, o facto de que

o rácio de trabalhadores de saúde das áreas de medicina, enfermagem e SMI, foi de 62 por

100.000 habitantes em 2011, muito aquém das necessidades do sector quando comparados

ao padrão recomendado pela OMS (230 por cada 100.000 habitantes)30

,31

.

81. Em Moçambique são notificados, todos os anos, aproximadamente seis milhões de casos de

malária, estimando-se que cerca de 24% das mortes entre crianças abaixo de cinco anos de

idade se deve à malária.

82. Moçambique tem uma incidência estimada de 431 casos de tuberculose por 100 000 pessoas

e encontra-se na 19ª posição entre os 22 países de maior incidência no mundo32

.

83. A taxa média de HIV pátria é de 11.5%, (13.1% de mulheres adultas e 9.2% de homens

adultos com idades compreendidas entre 15-49), o que significa que mais de 5.7 milhões de

pessoas estão infectadas.

Recomendações:

84. Mobilizar mais recursos para melhor garantir o acesso à saúde pela população, e para o

tratamento de HIV-SIDA, malária e tuberculose;

85. Melhorara as condições de trabalho, salários e incentivos para os trabalhadores do sector de

saúde.

Artigo 17: Direito à Educação

Constatações

86. O ensino primário não é gratuito, contudo é, em grande medida, subsidiado, na medida em

que os encarregados de educação devem pagar taxas simbólicas de propinas.

87. Os livros escolares, na maioria das vezes são distribuídos tardiamente ou não chegam para

todos os alunos, o que faz com que se adquiram livros no mercado informal.

30 Avaliação Conjunta Anual do Desempenho do Sector de Saúde – 2011 (ACA XI), Relatório Final – Maputo, 02 de Abril de 2012 31 Moçambique tem uma carência muito crítica de recursos humanos a todos os níveis e recursos financeiros limitados o que constitui um obstáculo enorme para o avanço sustentado rumo às metas da saúde. A proporção do orçamento do estado dedicado a saúde reduziu nos últimos anos e em 2012 situava-se em cerca de 8%, um valor muito abaixo da meta estabelecida na Declaração de Abuja que era a atribuição de 15 % do orçamento nacional à saúde. CESC. “ Relatório do Estado da União: Relatório de Moçambique, 2013”. Pp.33. 32 CESC, ob. cit, p. 33.

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88. A taxa de desistência ou abandono escolar é alta, particularmente no seio das raparigas. Das

crianças que ingressam na escola, somente 49.5% é que conclui o Ensino Primário do

Primeiro Grau (EP1) e 27.2 % conclui o Ensino Primário do Segundo Grau (EP2), sendo

que o número de raparigas que desiste é superior ao número de rapazes. As taxas de

repetição de classes (20%) são igualmente altas33

.

89. No País apenas existem duas escolas para a pessoa com deficiência, uma na Cidade de

Maputo e outra na Cidade da Beira.

Recomendações:

90. Criar mecanismos para a reduzir as taxas de desistência escolar e reprovações.

91. Tornar o ensino primário realmente gratuito, público e para todos.

92. Expandir o ensino inclusivo pelo país, de forma que pessoas deficientes possam ter acesso.

IV. DIREITOS DOS POVOS

Artigos 19, 20 e 21: Direito à soberania e Autodeterminação

Constatações

93. Nos termos da Carta, o direito à soberania e autodeterminação significa que todos os povos

são iguais e tem os mesmos direitos. Significa ainda que todos têm direito à existência e a

libertarem-se de qualquer tipo de dominação.

94. Nos termos da Carta, o direito a autodeterminação significa que “os povos têm a livre disposição

das suas riquezas e dos seus recursos naturais e em nenhum caso um povo pode ser privado deste direito”.

95. A CRM estabelece que a soberania reside no povo. Contudo, embora a dominação colonial

já faça parte do passado, parece que o povo tem estado a enfrentar outros tipos de privações,

sobretudo por conta da partidarização do Estado e/ou serviços públicos.

96. Nos últimos anos foram descobertos inúmeros recursos minerais em Moçambique e a

madeira sempre foi explorada no Pais. Todavia, a exploração destes recursos são

determinados em função das necessidades do mercado internacional e pouco tem

beneficiado o povo moçambicano, daí que os níveis de pobreza em Moçambique situam-se

nos 54%.

33 CESC. “ Relatório do Estado da União: Relatório de Moçambique, 2013”. Pp.49-50.

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Recomendações

97. O Governo deve orientar o processo de extracção dos recursos naturais para que estes

beneficiem o povo moçambicano.

98. O Governo deve garantir que nos processos de concessão de terras às empresas

multinacionais não se verifique expropriações injustas e que destas se produzam benefícios

para o povo moçambicano, particularmente para as populações locais das áreas de

concessão.

Artigo 22: Direito ao Desenvolvimento Económico, Cultural e Social

Constatações

99. Todos os povos têm direito ao seu desenvolvimento económico, social e cultural, no estrito

respeito da sua liberdade e da sua identidade, e ao gozo igual do património comum da

humanidade.

100. Alguns dos objectivos do Estado moçambicano, no tocante ao desenvolvimento

económico, social e cultural, nos termos do artigo 11 são: “…d) promoção do

desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do país;…h) desenvolvimento

da economia e o progresso da ciência e da técnica…”.

101. Apesar das enormes potencialidades energéticas, agro-pecuárias e turísticas que o País

dispõe, os níveis de pobreza estão 54%, portanto, acima de metade da população de

Moçambique. O relatório do PNUD sobre o desenvolvimento humano de 2012, colocou

Moçambique no terceiro lugar como país com menos desenvolvimento humano34

.

Recomendações:

102. Garantir que os recursos existentes sejam distribuídos de forma a beneficiar a população

mais vulnerável.

103. Renegociar os contratos de exploração mineira com as companhias multinacionais de

incrementar os recursos afectos para as acções sociais do Governo.

Artigo 23: Direito à paz e Segurança

104. A CRM dispõe no nº 1 do artigo 22, que “a República de Moçambique prossegue uma

política de paz, só recorrendo à força em caso de legítima defesa” e no nº 2 do mesmo

artigo, estatui que “a República de Moçambique defende a primazia da solução negociada

dos conflitos”

34 PNUD.

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105. Contudo, assiste-se em Moçambique um grande antagonismo político, que se caracteriza

pela falta de diálogo e de tolerância entre os dois partidos mais representados da

Assembleia da República, o que tem constituído uma forte ameaça à democracia e à paz.

106. Em Moçambique, a paz está perigada pela falta de entendimentos entre o Governo e a

RENAMO que por sinal são signatários do Acordo Geral de Paz (AGP). A realidade

demonstra que volvidos 20 anos (desde que se assinou o AGP), a RENAMO continua

armada, o que tem efeitos negativos na segurança, paz e estabilidade sociopolítica nacional,

na medida em muitas vezes esta ameaça voltar à guerra e nalgumas vezes recorre ao uso de

força bélica contra as forças governamentais.

107. Por outro lado, a exclusão social ora referida e a partidarização do Estado, torna-se um

empecilho à própria paz, como têm defendido académicos, através da análise de casos de

noutros países Africanos35

.

Recomendações:

108. O Governo deve promover um debate inclusivo sobre as opções e prioridades no campo

ético, político, económico e social do povo moçambicano.

109. O Governo deve adoptar medidas de forma a combater a discriminação em função das

opções políticas dos cidadãos.

Artigo 24: Direito à um Ambiente São e Saudável

Constatações

110. A Constituição consagra o direito de todos os cidadãos a um ambiente equilibrado e o

dever de protegê-lo (Art.º 90). Foi aprovada a Lei n. 20/ 97, (Lei do Ambiente), a Lei n.

16/91, (Lei das Águas), a Lei n. 10/99, (Lei de Florestas e Fauna Bravia) e Lei n. 19/97 (Lei

de Terra).

111. Existe um Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA), contudo, os

problemas ambientais têm sido marginalmente tratados quando discutidas as grandes

questões económicas e sociais, onde os benefícios económicos imediatos prevalecem em

detrimento dos demais, como é caso das empresas MOZAL e VALE.

112. A degradação florestal está a decorrer a um nível acelerado. De acordo com Inventário

Florestal Nacional de 2007, a taxa média anual é de 0,58 %, o que corresponde a uma perda

florestal anual de 219 mil hectares. As principais causas são o corte ilegal, fraca fiscalização,

35 Vide: Exclusão social pode pôr em risco a paz e a estabilidade social em Moçambique, acessado no dia 22 de Julho de 2013, disponível em http://www.opais.co.mz/index.php/politica/63-politica/10031-exclusao-social-pode-por-em-risco-a-paz-e-a-estabilidade-social-em-mocambique.html.

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planos de maneio ineficientes ou inexistentes, corrupção no sector, queimadas

descontroladas, entre outros.

113. A alegada necessidade de energia tem levado ao surgimento de projectos de construção de

mega barragens, como é o caso da barragem de Mphanda Nkuwa, sem, no entanto, uma

análise profunda às reais necessidades energéticas locais e às possíveis alternativas. Para

além destes aspectos, a falta de transparência, falta de informação e de participação efectiva

é característica destes projectos.

Recomendações:

114. Considerar medidas visando à aprovação de uma lei contra crimes ambientais.

115. Tornar transparente o processo de elaboração e avaliação dos estudos de impacto

ambiental necessários para autorização das actividades industriais.

Artigo 25: Direito à Segurança Social

Constatações

116. A CRM garante, assistência em caso de incapacidade e velhice (art.º. 95), protecção

especial à pessoa idosa (art.º 124) e assistência a pessoas com deficiência (art.125). No

País, existe o Instituto de Segurança Social, responsável pela gestão do sistema de pensões

no sector privado e o Estado garante reformas a todos os funcionários públicos.

117. Na Resolução n°. 84/2002, (que aprova a Política Nacional para a Pessoa Idosa), o

Estado assumiu a responsabilidade pela definição de prioridades, promoção, organização

e coordenação na execução de programas tendentes a assegurar a satisfação dos direitos

das pessoas idosas, através do Ministério da Mulher e da Acção Social (MMAS) e do

Instituto Nacional de Acção Social (INAS).

118. Todavia, a realidade indica que os rendimentos da maioria dos pensionistas e dos

beneficiários dos programas de assistência social são irrisórios36

e não cobrem o mínimo

necessário para uma vida digna.

Recomendações:

119. Garantir a segurança económica dos idosos, combatendo a usurpação da terra e a falta de

apoios para a geração de rendimentos.

120. Ampliar o direito ao transporte público gratuito aos idosos, hoje estipulado somente a

partir dos 70 anos, para que atenda pessoas a partir dos 60 anos.

36 É exemplo o subsídio de alimentos concedido pelo MMAS ao idosos que varia mensalmente de 130,00mt-500,00mt por agregado familiar (volta de 4,00 USD-17,00 USD norte americanos mensais).

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PARTE III - DEVERES

Constatações

121. Nos termos do art.º 44 e 45 da CRM, todo cidadão tem dever de respeitar o seu

semelhante e deveres para com a comunidade, respectivamente. No art.º 78 da CRM,

reconhece-se o papel das organizações da sociedade civil para a promoção da paz,

democracia e desenvolvimento do País.

122. O povo de Moçambique é em regra um povo cumpridor dos seus deveres. É um povo

trabalhador e empenhado na resolução dos problemas do país.

123. Os cidadãos de Moçambique, pagam impostos, cumprem o serviço militar obrigatório,

participam em campanhas de solidariedade a favor do próximo e outras actividades em

prol da pátria.

124. Contudo, existem desafios no que concerne à manutenção da higiene nas cidades e

conservação de infra-estruturas públicas.

Recomendações

125. O Governo deve intensificar campanha de consciencialização dos cidadãos sobre os seus

deveres.

126. O Governo deve promover e apoiar as organizações sociais que contribuem para a

melhoria dos direitos humanos no país.

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B. DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES

PARTE I - CONTEXTO

127. Esta parte, tem em vista fazer uma análise do grau de implementação do Protocolo à Carta

Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, relativo aos Direitos da Mulher em África.

128. A autonomização da análise referente aos direitos humanos da mulher assume-se pertinente

na medida em que no relatório do Governo não se fez esta referência específica deste

grupo alvo, nos termos recomendados pela Comissão Africana dos Direitos Homem e dos

Povos.

129. Nesta análise priorizou-se algumas áreas temáticas, as quais constituem as principais

preocupações e desafios para a efectivação dos dispositivos do Protocolo à Carta Africana

dos Direitos do Homem e dos Povos, relativo aos Direitos da Mulher em África, em

Moçambique.

PARTE II - A IMPLEMENTAÇÃO DO PROTOCOLO À CARTA AFRICANA DOS

DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS, RELATIVO AOS DIREITOS DA MULHER

EM ÁFRICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO MOÇAMBICANO

Artigo 4: Direito à vida, à integridade e à segurança da pessoa

Constatações

130. Foram tomadas algumas medidas político-legislativas, nomeadamente, a aprovação de uma

Lei da Violência Doméstica praticada Contra a Mulher (Lei nº 29/2009, de 29 de

Setembro), de um Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica (2008-2012), de um

Mecanismo Multissectorial de Atendimento Integrado à Mulher Vítima de Violência

Doméstica (2012) e de uma Lei de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas (Lei nº

6/2008, de 9 de Julho).

131. O Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica (2008-2012) representou um avanço,

na medida em que envolveu não só as instituições do Estado, como também as ONG’s que

intervêm nesta área.

132. Os Gabinetes de Atendimento à Mulher e à Criança Vítimas de Violência Doméstica se

expandiram para cobrir todos os distritos do país.

133. Todavia, persistem muitos problemas que contribuem para que, grosso modo, não se esteja

a respeitar o direito à vida, à integridade física e à segurança das mulheres.

134. No que concerne à Lei sobre a Violência Doméstica Praticada contra a Mulher, têm sido

realizados estudos para avaliar o grau de aplicação desta. Nestes tem-se constatado não só

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que existem vários constrangimentos para a aplicação da lei, como também que muitos

agentes do sistema de administração da justiça, desde polícias a procuradores e juízes, não a

aprovam e boicotam-na conscientemente.37

135. Ao nível da saúde, o Protocolo para Assistência a Vítimas de Violência Sexual não está a

ser integralmente aplicado.38

Recomendações

136. Dar prioridade absoluta à revisão das leis que regulam o tratamento dos crimes de

violência contra as mulheres, garantindo que os direitos das mulheres sejam respeitados na

revisão do Código Penal.

137. Reforçar os Gabinetes de Atendimento da Mulher e da Criança nas Esquadras de Polícia,

mantendo-se dentro dos propósitos para que foram inicialmente criados e criando um

sistema de monitoria que sancione severamente casos de corrupção. Este reforço implica,

nomeadamente, a sua legalização, atribuição de orçamento, criação de melhores condições

materiais de funcionamento, mais recursos para formação de agentes policiais em serviço

na área, valorização do trabalho desempenhado e promoções na carreira em pé de

igualdade com outros agentes policiais da esquadra.

138. Investir recursos para melhorar o funcionamento das seguintes áreas para atendimento das

mulheres vítimas de violência: serviços de assistência legal, cuidados de saúde e

psicológicos, serviços de Medicina Legal e casas de abrigo.

Artigo 5: Eliminação de práticas nocivas

Constatações

139. Do ponto de vista da legislação e das políticas públicas Moçambique aprovou as principais

recomendações internacionais e elaborou um conjunto de instrumentos visando proteger

os direitos das mulheres. Para além da CRM que define a igualdade de género como

princípio orientador das relações sociais, existe em Moçambique um conjunto de

dispositivos que visam a protecção dos direitos das mulheres, o que tem influência para a

protecção dos direitos das crianças de sexo feminino. Destacam-se a Lei da Família (Lei nº

10/2004), a Lei contra o Tráfico (Lei nº 6/2008) e a Lei de Promoção dos Direitos das

Crianças (Lei nº 7/2008).

37 Resultados preliminares de um estudo que está a ser conduzido pelo Fórum Mulher, que estará concluído em 2013, para avaliação da aplicação da lei. 38 A título de exemplo veja-se o caso denunciado por Conceição Osório no livro “Violação sexual de menores” (WLSA, 2012) e o caso relatado na reportagem “Fui violada! Exijo justiça!”, publicado pel’A Verdade a 25/07/2013.

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20

140. A par da legislação o governo moçambicano elaborou uma política de género, e em cada

um dos sectores do Estado existem estratégias de género que são transversais às acções

definidas globalmente pelas diferentes áreas de actuação do Estado.

141. Contudo, persistem problemas na aplicação da legislação e das políticas públicas entre os

quais se salientam a insuficiente divulgação e implementação dos dispositivos legais, e a

persistência de práticas culturais que violam direitos, como são os casos de resolução de

conflitos determinados pela desigualdade de género e contínua impunidade nos delitos de

violência doméstica contra a mulher.

142. O alongamento dos lábios vaginais das crianças (considerado como mutilação genital

feminina de nível IV)39

e a existência de uniões forçadas de menores, comummente

chamadas de “casamentos prematuros”, são práticas frequentes em Moçambique.

143. Os dados disponíveis revelam que as uniões forçadas são uma prática que se mantém e que

abrange mais de metade das mulheres actualmente casadas: em Moçambique, 18% das

mulheres estão casadas antes dos 15 anos, enquanto 52% se casam antes de atingirem os 18

anos.40

As uniões forçadas constituem uma das principais barreiras para o acesso da

rapariga à educação.

Recomendações:

144. Desenvolver acções que visem prevenir as uniões forçadas, com enfoque ao reforço do

papel das famílias, comunidades, lideranças comunitárias, o papel do estado no garante à

educação e mecanismos de sensibilização e implementação dos Direitos Humanos das

mulheres, raparigas e crianças.

145. Transformação da educação para uma educação não sexista, desconstrução e

transformação das masculinidades e feminilidades sexistas por princípios de igualdade entre

géneros.

146. Criar legislação específica para criminalizar o casamento prematuro ou a sua inclusão como

crime no Código Penal, aproveitando que está em processo de revisão;

147. Criação de um banco de dados sobre violação sexual de menores e “casamentos

prematuros”;

39 Definido como “Tipo IV — Todas as outras intervenções nefastas sobre os órgãos genitais femininos por razões não-médicas” (“Fim à mutilação genital feminina. Uma estratégia para as instituições da União Europeia”, disponível em: http://www.endfgm.eu/content/assets/ENDFGM_summary_PORTUGUESE.pdf). 40 INE, 2009, Inquérito de Indicadores Múltiplos, 2008. Maputo: INE.

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148. Mediatização dos casos de violação de direitos humanos das mulheres, publicitando-se as

sanções decretadas pelos tribunais.

Artigo 6: Casamento

Constatações:

149. Em Moçambique, uma Lei da Família foi aprovada em 2004 (Lei nº 10/2004, de 25 de

Agosto) e representou o culminar de longos esforços no combate pela igualdade e não

discriminação no âmbito da família.

150. Na lei da família, Lei Nº 10/2004 de 25 de Agosto foram feitos avanços. Hoje temos três

tipologias de casamentos: civil, religioso e tradicional. Porém, estas formas de união vedam

a possibilidade das minorias sexuais contraírem casamento ou viverem da união de facto

entre si, o que traz consequências nefastas pois os casais homoafectivos unem-se à margem

da lei e aquando da separação ou morte de um dos parceiros, o parceiro sobrevivo enfrenta

dificuldades na protecção dos seus direitos e tal viola o princípio da universalidade e

igualdade de direitos e bem assim da igualdade do género.

151. No entanto, uma das grandes lacunas desta lei é que o reconhecimento da união de facto

(art.º 202º e 203º), forma de união maioritária em Moçambique, não serve como

impedimento para contrair matrimónio.41

Estudos neste domínio (Taímo e Sambo, 1997;

Loforte, 2000) revelaram que em zonas urbanas e rurais as pessoas tendem a viver

maritalmente durante vários anos antes de se casarem, havendo os que nunca oficializam a

sua união. Verifica-se também uma grande instabilidade nestas uniões. Assim sendo, o

reconhecimento da união de facto para efeitos de partilha de bens fica problemático no

caso em que um dos cônjuges contraia matrimónio sem antes se ter decretado a própria

união e procedido ao acordo para as partilhas.

152. O reconhecimento dos casamentos tradicional e religioso é um dispositivo que dificilmente

pode ser aplicado. A razão principal para isto é que a lei pretende garantir que só serão

reconhecidos oficialmente os casamentos que responderem aos requisitos fixados por lei

(nomeadamente a idade núbil e os impedimentos para celebrar o matrimónio). Como tal,

são exigidos os documentos legais e os mesmos procedimentos (como a fixação de editais)

estabelecidos para o casamento civil. Na prática, estas exigências são incompatíveis com as

possibilidades das populações envolvidas.

Recomendações:

153. Rever a parte da Lei de Família referente aos efeitos da “união de facto”, forma

predominante de união conjugal em Moçambique, de modo a ser tomada em conta nas

seguintes situações: impedimento de contrair matrimónio, direitos a alimentos e herança.

41 Segundo dados do Censo de 2007 (INE), de um total de pessoas entre os 12 até aos 80 anos ou mais, 1.833.060 declararam ser casados, contra 5.206.353 que afirmam viver em união marital.

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154. Determinar uma modalidade extrajudicial para decretar a união de facto, para agilizar os

processos de divisão da coisa comum.

Artigo 7: Separação, divórcio e anulação do matrimónio

Constatações:

155. A Lei da Família, já referida anteriormente, traz melhorias óbvias quanto à igualdade em

caso de separação ou divórcio: reconhece-se o direito de meação em relação às pessoas que

vivem em união de facto (sendo o regime de bens obrigatório a comunhão de adquiridos) e

estabelece o divórcio por mútuo consentimento, facilitando a sua tramitação nas

Conservatórias do Registo Civil.

156. Em todas as instituições é apresentado como um grande avanço da lei, a possibilidade do

divórcio por mútuo consentimento. Todavia, algumas destas disposições da lei são de difícil

aplicação. Temos o exemplo do direito à divisão da coisa comum em caso de rompimento

de uma união de facto, que é considerado como uma grande contribuição para a defesa dos

direitos das mulheres, apesar do reconhecimento da união de facto ser limitado a alguns

efeitos claramente definidos. A falta de consenso entre os magistrados sobre o assunto é

alimentada pela não definição dos procedimentos administrativos para o reconhecimento

da união de facto.

157. Portanto, o direito à meação em caso de separação de pessoas vivendo em união de facto,

fica comprometido pela ausência de um regulamento que defina procedimentos rápidos e

facilitados para o reconhecimento da dita união, que não passem pelas vias judiciais

(habitualmente morosas e com custas judiciais) e pelo facto de não constituir impedimento

para casamento.

.

Recomendações

158. Que se elabore um regulamento para a aplicação da Lei da Família, que estabeleça o

reconhecimento da união de facto através de mecanismos de fácil acesso para toda a

população.

Artigo 9: Direito a Participação no Processo Político e de Tomada de Decisões

Constatações

159. Moçambique para além de ter ratificado o Protocolo da Carta Africana, dos Direitos

Humanos e dos Povos Relativos aos Direitos da Mulher em África, ratificou também o

Protocolo Regional sobre Género e Desenvolvimento em 2009 que inclui a Participação

Política da Mulheres, através dos artigos 12 e 13.

160. Em Moçambique, já se realizaram 4 eleições Gerais e 3 autárquicas tendo-se destacado o

aumento do número de Mulheres nos vários órgãos de tomada de Decisão (Parlamento e

Autarquias Municipais).

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161. A Assembleia da República, como órgão de decisão, é o sector que acomoda a maior

percentagem de mulheres, com 39,2%, seguida do sector da Justiça que conta com 24,7%.

Nos sectores da Comunicação Social, do Empresariado Privado e da Academia, as

mulheres ocupam apenas 19,1%, 17,8% e 17,5% das posições de liderança,

respectivamente42

.

162. Actualmente o Parlamento moçambicano é presidido por uma mulher e as duas bancadas

maioritárias são igualmente presididas por mulheres. Não obstante a representação

significativa das mulheres no Parlamento, bem como a sua representação em lugares

cimeiros dentro daquele órgão elas ainda não conseguiram desafiar as relações de poder no

poder político para avançar a agenda dos direitos humanos das mulheres e da igualdade de

género. No contexto do processo de lobby pela aprovação da Lei de Violência Doméstica,

em vários momentos vozes de mulheres parlamentares apareceram em defesa de práticas

nocivas aos direitos humanos das mulheres, em nome da tradição e da cultura.

Recomendações:

163. Estabelecer o princípio da paridade de género (50%/50%) na composição e na liderança

em todos os cargos de tomada de decisão.

164. Adoptar medidas de descriminação positiva de modo a levar a participação efectiva das

mulheres nas várias esferas de tomada de decisão (sistema de Quotas).

165. Enquanto se adoptam medidas de discriminação positiva, é necessário trabalhar no

desenvolvimento de lideranças transformadoras femininas, capazes de desafiar as normas

socialmente construídas que relegaram as mulheres a um lugar subalterno.

Artigo 10 e 11: Direito à Paz e Protecção das Mulheres nos Conflitos Armados

Constatações

166. Passados 21 anos desde a assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP), em Moçambique a

situação de instabilidade económica, política e social tem vindo a agravar de uns tempos

para cá, que faz com que se viva numa Paz relativa.

167. A instabilidade social tem vindo a assolar Moçambique desde 2008. A mesma tem sido

caracterizada por uma onda de manifestações violentas como foi o caso de 5 de Fevereiro

de 2008 e novamente a 01 e 02 de Setembro de 2010. Esta instabilidade trouxe em todos os

momentos o aumento da vulnerabilidade das mulheres moçambicanas, pois serviu de alerta

de que conflitos maiores poderão acontecer, mostrando-se se isto como a prova da

incapacidade do Governo de dialogar e de adoptar mecanismos mais apropriados de gerir

os conflitos.

42 Informação retirada do Estudo de Base do EISA

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Recomendações

168. Integrar as mulheres nas delegações que negociam os processos de manutenção da paz e

todos os processos de diálogo político.

169. Acompanhar atentamente a situação das mulheres refugiadas no país, dado que

Moçambique tem acolhido refugiadas e refugiados; daí ser necessário acautelar os direitos

que estes têm.

Artigo 14: Direito à Saúde e ao Controlo das Funções de Reprodução

Constatações

170. A taxa de mortalidade materna continua extremamente alta no país, o que pode ser

comprovado pelo número de 408 mulheres que morrem em cada 100,000 (cem mil)

nascimentos43

. Esta taxa é a mesma encontrada em 200344

pelo Inquérito Demográfico e

de Saúde, o mesmo revela fragilidades dos programas de saúde na resposta as necessidades

de saúde das mulheres45

.

171. Ainda no âmbito dos resultados do IDS 2011, revela-se que o planeamento familiar esta

aquém das necessidades das mulheres, mostrando que a necessidade satisfeita da

contracepção tanto para espaçar como para limitar os nascimentos para o total das

mulheres em união é de 12%46

e 30% para as mulheres solteiras. No global a taxa baixou

de 17% em 2003 para os actuais 12%.

172. “Nota-se que a percentagem de mulheres que morrem por causa materna é maior nas

mulheres mais novas. Uma em cada quatro mortes (24%) entre as mulheres de 15 a 19 anos

é atribuída a causa materna, mas esta proporção diminui a 16% nas mulheres de 25 a 29

anos e a 8% nas mulheres de 45 a 49 anos. No total, 14% das mortes de mulheres em idade

de procriação são atribuídas a causa materna.47

” Estima-se que 11% das mortes maternas,

são devido aos abortos inseguros, e os mesmos ocorrem em mulheres jovens, isso confirma

os dados encontrados no IDS, 2011 acima apresentados.

173. Vale lembrar que sobre as mulheres mais jovens, mais problemas de saúde estão

associados, demonstrando a sua vulnerabilidade e falta de estratégias para reduzir a

morbimortalidade das mulheres. Observando que as mulheres mais jovens são as mais

afectadas pelo VIH e SIDA no país, quando comparado com os homens jovens na faixa

etária de 15-24 anos, sendo respectivamente 11.1% e 3.7%48

.

43 Instituto Nacional de Estatística (INE). IDS, 2011, cap. Mortalidade Materna, pag123. 44 Instituto Nacional de Estatística (INE). IDS, 2003, cap. Mortalidade Materna, pag.123. 45 Inserir fonte 46 Em 2003 a taxa encontrada pelo IDS, foi de 17%. 47 Instituto Nacional de Estatística (INE). IDS, 2011, cap. Mortalidade Materna, pag.123. 48 Moçambique. Instituto Nacional de Estatística (INE); Instituto Nacional de Saúde. INSIDA, 2009.

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25

Recomendações

174. Melhorar a disponibilidade de informação e formação sobre atenção a saúde integral da

mulher, expandindo os serviços de rastreio do cancro do colo de útero, da mama, assim

como a melhoria os serviços de planeamento familiar a todos os níveis.

175. Introduzir a Educação sexual nas escolas, como forma de melhor responder as

necessidades de informação dos adolescentes e jovens.

176. Aumentar o número de unidades sanitárias que oferecem cirurgias de fístulas obstétricas.

177. Criar condições favoráveis para o acesso aos serviços de aborto seguro.

178. Realização do balanço do grau de implementação das acções previstas no Plano de Acção

de Maputo para a operacionalização do Quadro Continental para Saúde e Direitos Sexuais

e Reprodutivos de 2007-201049

.

179. Moçambique deve fazer todos os esforços para cumprir a meta de 15% do orçamento

Estado que deve ser alocado a saúde, conforme a Declaração de Abuja.

Artigo 19: Direito a um Desenvolvimento Sustentável

Constatações

180. O bem-estar e os direitos económicos das mulheres em Moçambique estão ligados ao

acesso a terra, uma vez que a maioria, 87,3% está envolvida na agricultura de subsistência e

vende os excedentes para a obtenção de rendimentos. A Lei de terras de 1997 conferiu às

mulheres direitos formais iguais a posse de terras. Contudo, na prática muitas mulheres são

excluídas dos títulos de terras no processo de atribuição de títulos pelos seus cônjuges.

Ademais, o processo para aquisição de DUAT é extremamente burocrático e oneroso, e

considerando a condição de pobreza e analfabetismo (67%) em que as mulheres vivem,

esta situação constituí um obstáculo para que as mesmas tenham acesso à Terra. Se por um

lado a questão do acesso é difícil, a questão do controlo da Terra mostra-se ainda mais

complicada, considerando a situação em que Moçambique vive de procura de terra para

exploração agrícola e mineira em larga escala. Tal exploração dá-se num contexto de

expropriação de terras às comunidades e o seu reassentamento em locais com fraca

capacidade produtiva.

181. Existe dificuldade extrema para as mulheres terem acesso ao micro- financiamento, uma

vez que é exigida apresentação de garantias como electrodomésticos, por exemplo, uma

geleira, e em alguns casos elas têm que pedir autorização aos maridos como avalistas. Isto

viola o princípio da igualdade. (MARP, 2010).

49 18-22 de Setembro, de 2006 Maputo, Moçambique.

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26

Recomendações:

182. Criação de mecanismos simplificados e menos onerosos de aquisição de DUATs;

183. Criação de mecanismos de acesso a microcréditos sem dependência de apresentação de

garantias.

Artigo 20 e 21: Direitos da Viúva e Herança

184. As estatísticas dos Gabinetes de Atendimento à Mulher e Criança Vítimas de Violência,

indicam que que deram entrada nestes gabinetes, pelo menos, 2093 casos de mulheres

viúvas, que foram vítimas de violência patrimonial, crime previsto na Lei sobre a Violência

Doméstica Praticada contra a Mulher.50

185. A reforma da Lei das Sucessões, há muito se mostra necessária tendo em conta as

alterações políticas, económicas e sociais que se verificaram em Moçambique a partir da

independência nacional.

186. A recente reforma da Lei da Família impõe pertinentes alterações ao direito sucessório na

medida em que por exemplo, a Lei da Família – Lei 10/2004 de 25 de Agosto, criou a

figura de União de Facto51

na qual reconhece alguns efeitos como os patrimoniais e de

filiação, contudo, no âmbito do direito sucessório à (o) unida (o) de facto não são

reconhecidos nenhuns direitos. O que quer dizer que no caso de morte do parceiro/a fica

totalmente desprotegida(o).

Recomendações

187. O Parlamento moçambicano deve com a maior brevidade possível proceder a revisão da lei

das sucessões de modo a adequá-la ao contexto actual e harmonizá-la com a lei da família

em vigor e as convenções e protocolos internacionais e regionais de defesa dos direitos

humanos das mulheres ratificados por Moçambique;

188. Incluiu/considerar nesta revisão a unida de facto ou quem viva em situação equiparada

como meeira em caso de abertura da sucessão;

Artigo 22: Protecção especial à mulher idosa

Constatações

189. Em relação à defesa dos direitos da mulher idosa têm-se registado alguns avanços. Do

ponto de vista das medidas legais, foram aprovadas as seguintes leis: Lei nº 2/77, de 2 de

50Aquele que se apoderar dos bens do núcleo familiar da mulher após a morte do Cônjuge ou do homem com quem vivia em união de facto ou em situação equiparada é punido com prisão até seis meses e multa correspondente. 51 Artigo 202 e ss da Lei 10/2004 de 25 de Agosto

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27

Setembro, estabelece que as pessoas idosas com mais de 55 anos (mulheres) e 60 anos

(homens) têm acesso gratuito aos cuidados e saúde; Lei nº 4/87, de 5 de Janeiro, isenta as

pessoas idosas de pagamento de custos de consultas em unidades de saúde; Decreto

Ministerial nº 6/1993 – estabelece um subsídio social básico que beneficia os idosos;

Decreto ministerial nº 50/2012 – actualização da pensão de alimentos.

190. Ainda ao nível das medidas legais, é de destacar também a elaboração de uma proposta de

lei de protecção e defesa da pessoa idosa, pelo Ministério da Mulher e da Acção Social, que

já foi aprovada pelo Conselho de Ministros em 2012, devendo ser discutida no Parlamento

em 2013.

191. Em 2011 foi criada a Comissão Nacional de Protecção e Promoção à Terceira Idade, que

tem estado a fazer campanha com parlamentares, para aprovação da proposta de lei acima

referida. De destacar nesta proposta de lei o combate às acusações de feitiçaria que têm

como vítimas sobretudo as idosas.

192. Quanto à operacionalização dos dispositivos de protecção da pessoa idosa, foi aprovado o

seguinte: Política para a Pessoa Idosa e Estratégia da sua Implementação (aprovado pelo

Conselho de Ministros em 2006) e o Plano Nacional para a Pessoa Idosa em Moçambique

(2006-2011), tendo como órgão de tutela o Ministério da Mulher e da Acção Social.

193. Apesar destes avanços, a situação do respeito pelos direitos da mulher idosa ainda é muito

grave. Uma pesquisa realizada pela HelpAge International em 2011, com 188 mulheres

idosas, em alguns distritos do sul de Moçambique,52

revelou o seguinte: 6 em cada 10

mulheres idosas sofreram de alguma forma de violência nos 30 dias anteriores à entrevista e

as mulheres entrevistadas sofreram de vários tipos de violência: 40% de roubo, 26%

reportaram insultos verbais, 24% foram ameaçadas, 23% foram vítimas de usurpação de

terras e 21% acusadas de feitiçaria.

Recomendações

194. Adoptar medidas para Combater os diversos tipos de violência contra a mulher idosa.

195. O Governo Moçambicano deve envidar todos os esforços para aumentar o subsídio

alimentar (transferência monetária) para o seu valor inicialmente recomendado, de 33% do

salário mínimo;

196. O Governo Moçambicano deve apoiar a proposta do Ministério da Saúde para aceitar

declarações de idade assinadas e emitidas por líderes comunitários, como evidência da

elegibilidade à assistência sanitária gratuita e incluir as necessidades de saúde da mulher

idosa nas estratégias de assistência médica e projectos comunitários da saúde.

52 Realizado em Dezembro de 2011 na província de Maputo, abrangeu os distritos de Boane, Manhiça e Matola.

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28

CONCLUSÃO

197. O presente relatório-sombra teve em vista, fornecer um leque de informações completares

a informação do Governo de Moçambique sobre a situação dos Direitos Humanos no País,

em conformidade com os objectivos preconizados na Carta Africana dos Direitos do

Homem e dos Povos, no período compreendido entre1999 e 2010.

198. Neste relatório procurou-se dar ênfase as principais incidências no campo dos Direitos

Humanos, verificadas no período entre 1999 e 2010, período a que se refere o relatório

Governamental.

199. Contudo, foi inevitável a referência a alguns factos que se situam fora deste âmbito

temporal, dado que a relevância destes factos e o nível de preocupação que suscitam na

sociedade moçambicana, torna imperativa a sua abordagem, mesmo que seja apenas a título

exemplificativo.

200. Do relatório, pode-se constatar que o Estado Moçambicano, tem feito alguns avanços com

vista a proporcionar ao seu povo realização dos seus direitos Estes avanços são, sobretudo,

notórios no que concerne a ratificação de instrumentos internacionais, aprovação de leis,

políticas e programas de governação, apesar de existirem alguns instrumentos

internacionais importantes que carecem de ratificação ou adesão, como ficou demonstrado.

201. Contudo, existem grandes desafios que necessitam de ser ultrapassados para que o povo

moçambicano possa efectivamente usufruir dos seus direitos.

202. Um dos principais desafios para efectiva realização dos direitos humanos em Moçambique

são: a materialização e aplicação dos instrumentos internacionais, das leis, políticas e

programas de governação aprovados. Muitos destes instrumentos aprovados não se

traduzem em acções concretas que sirvam para mitigar as violações dos direitos civis e

políticos e para elevar a realização dos direitos económicos, sociais e culturais.

203. O Governo de Moçambique, deve adoptar, urgentemente medidas reais que visem

combater a discriminação política, os abusos das forças de defesa e segurança, reduzir os

níveis de pobreza e mitigar as práticas culturais que constituem obstáculos a efectivação

dos direitos humanos da mulher.

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