relatório "o ensino dos direitos humanos em angola" | 2014

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Por uma Angola melhor O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS ESTUDOS DE CASO: BENGUELA, HUAMBO, LUANDA E MALANGE RELATÓRIO DE PESQUISA 2014 www.mosaiko.op.org CIDADANIA INSTITUTO PARA A

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Relatório de Pesquisa sobre "O Ensino dos Direitos Humanos nas Escolas Católicas. Estudos de caso: Benguela, Huambo, Luanda e Malange."

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Por uma Angola melhor

O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICASESTUDOS DE CASO: BENGUELA, HUAMBO, LUANDA E MALANGE

RelATóRIO De PeSqUISA 2014

www.mosaiko.op.org

CIDADANIA

INSTITUTOPARA A

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Siglas e Abreviaturas

FICHA TÉCNICA

Título: O Ensino dos Direitos Humanos

nas Escolas Católicas.Estudos de Caso: Benguela,

Huambo, Luanda e Malange.

edição: ©2014, MOSAIKOInstituto para a Cidadania

Contactos:Bairro da Estalagem - Km 12

Caixa Postal 2304 - Luanda | AngolaTM: (00244) 912 508 604TM: (00244) 923 543 546

E-mail: [email protected]

www.mosaiko.op.org/MosaikoAngola

Depósito legal: 6871/2014

PeDIDOS PARA:MOSAIKO | INSTITUTO

PARA A CIDADANIA

Apoio

Comissão de Pais e Encarregados de EducaçãoConstituição da República de AngolaEducação Moral e CívicaInquérito ao Bem estar da População [Angola 2008]

Instituto de Ciências Religiosas de AngolaInstituto Médio Normal de EducaçãoInstituto Nacional da CriançaInstituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da EducaçãoInstituto Superior de Ciências da EducaçãoOrganização da Mulher AngolanaOrganização Não GovernamentalOrganização do Pioneiro AngolanoOrganização de Unidade Africana (actualmente União Africana)Organização não governamental holandesaServiço Integrado de Atendimento ao CidadãoTelevisão Pública de AngolaFundo das Nações Unidas para a InfânciaZona de Influência Pedagógica

CPEECRAEMCIBEP

ICRAIMNEINAC

INIDE

ISCEDOMAONGOPAOUA

OXFAM NOVIBSIAC

TPAUNICEF

ZIP

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O ENSINO DOS DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS CATÓLICAS | Angola 2014

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Índice

Siglas e Abreviaturas

Índice

Apresentação

Sumário Executivo

1. Introdução

2. Contexto: Ensino de Direitos Humanos em Angola2.1 Análise histórica do ensino em Angola2.2 Ensino pós independência em Angola2.3 Introdução da disciplina de Educação Moral e Cívica2.4 Ensino de Direitos Humanos em África2.5 Base legal e Tratados internacionais ratificados por Angola

3. Metodologia

4. Resultados: Grupos focais com alunos4.1 Conhecimento geral sobre Direitos Humanos4.2 Direito à Educação4.3 Direito à Vida4.4 Direito à Liberdade4.5 Direito à Integridade Física4.6 Direito ao Trabalho4.7 Direito à Família4.8 Violência4.9 Democracia participativa4.10 Competências para a vida4.11 Fontes de informação

5. Resultados: entrevistas com professores5.1 Direitos e Deveres5.2 Ensinar “Educação Moral e Cívica” 5.3 Conteúdo dos Manuais5.4 Promover a Democracia na Escola 5.5 Violação de Direitos e Deveres5.6 Recomendações feitas pelos Professores

Pág. 19Pág. 19Pág. 22Pág. 24Pág. 25Pág. 26

Pág. 27

Pág. 31Pág. 31Pág. 32Pág. 36Pág. 37Pág. 38Pág. 38Pág. 39Pág. 40Pág. 45Pág. 47Pág. 47

Pág. 49Pág. 49Pág. 50Pág. 51Pág. 52Pág. 53Pág. 54

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6. Análise e discussão dos resultados6.1 Conhecimentos sobre Direitos Humanos6.2 Prática e Defesa dos Direitos Humanos6.3 A Escola como oficina de Democracia6.4 Ensino de Educação Moral e Cívica e Direitos Humanos6.5 Fontes de informação6.6 Oportunidade para Igreja Católica

7. Principais conclusões7.1 Conhecimentos sobre Direitos Humanos7.2 Prática e Defesa dos Direitos Humanos7.3 Ensino de Educação Moral e Cívica e Direitos Humanos7.4 Violência Doméstica

8. Recomendações8.1 Melhorar o ensino de Direitos Humanos8.2 Combater a violação comum dos Direitos da Criança8.3 Tornar a Escola uma oficina de Democracia8.4 Educar a Dociedade sobre o funcionamento do Sistema Judicial8.5 Combater a Violência Doméstica

Bibliografia

AnexosAnexos 1: Guião de entrevista para Grupos FocaisAnexos 2: Guião de entrevista para ProfessoresEstória nº 1: Direito a EducaçãoEstória nº 2: Democracia

Pág. 67Pág. 67Pág. 68Pág. 68Pág. 70

Pág. 71Pág. 71Pág. 73Pág. 74Pág. 75Pág. 78

Pág. 55Pág. 55Pág. 58Pág. 60Pág. 63Pág. 65Pág. 66

Pág. 81Pág. 81Pág. 83Pág. 86Pág. 86

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Apresentação

Quatro factores principais levaram o Mosaiko a realizar uma pesquisa sobre o ensino dos Direitos Humanos em Angola, partindo da experiência de leccionação da dis-ciplina de “Educação Moral e Cívica”, a saber:

w Primeiro - conscientes de que é necessário co-nhecer para agir correctamente e, tendo em conta o papel insubstituível que o ensino “for-mal” tem na educação de crianças, adolescen-tes e jovens - conhecer melhor a experiência de discurso e de prática dos Direitos Humanos nos ambientes de educação “formal” em Angola;

w Em segundo lugar, procurar dar uma respos-ta adequada e fundamentada às crescentes so-licitações para formação - ou outros tipos de apoio- que o Mosaiko recebe de cada vez mais por parte das instituições de ensino (desde o 1º ciclo ao ensino superior);

w Em terceiro lugar, considerando que o seu po-tencial está longe de ser atingido, contribuir para que o ensino “formal” e, concretamen-te, a disciplina de “Educação Moral e Cívica”, seja abrangente e constitua um pilar marcante na educação de crianças, adolescentes, jovens e adultos contribuindo para uma cultura de Di-reitos Humanos em Angola;

w Por fim, suscitar debate público sobre a im-portância do ensino dos Direitos Humanos em todos os níveis de escolaridade e mobilizar os diferentes actores envolvidos - instituições do Estado, professores e sindicatos, associações de pais e encarregados de educação, Associação das Escolas Católicas, organizações da socieda-de civil, etc. - para dar corpo ao estabelecido no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz “A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Huma-nos como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos

Sendo este um conjunto de estudos de caso, é importante frisar que esta metodologia se centra em cada realidade estudada, procurando entender o como e o porquê, um privilégio enormíssimo da técnica qualitativa.

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e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constante-mente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades […]”.

Sendo este um conjunto de estudos de caso, é impor-tante frisar que esta metodologia se centra em cada rea-lidade estudada, procurando entender o como e o por-quê, um privilégio enormíssimo da técnica qualitativa.

Tendo em conta os recursos disponíveis e os constran-gimentos enfrentados para a realização deste estudo, ele centrou-se em grandes centros urbanos - Benguela, Huambo, Luanda e Malange - e maioritariamente em escolas católicas. Todavia, pensamos que os elementos recolhidos e o conhecimento produzido já oferecem uma base consistente para reflectir sobre as formas mais adequadas para potenciar o ensino e a prática dos Di-reitos Humanos nas escolas, contribuindo para o de-senvolvimento integral e hamonioso das crianças e dos jovens [cf. CRA, artº 21º i); 35º nos 6 e 7].

Por outro lado, a consciência dos limites deste estudo, constitui um desafio para que, a partir das experiências apresentadas, se possam identificar elementos para ou-tros estudos com amostras mais extensas, que susten-tem a adopção de políticas e medidas eficazes para fazer face aos problemas identificados. Instituições como o Ministério da Educação, o UNICEF, as Universidades, a Associação das Escolas Católicas e outras organizações da sociedade civil terão certamente um papel relevante a desempenhar neste campo.

Este estudo só foi possível graças à colaboração e ao apoio de várias pessoas e instituições a quem gostaría-mos de endereçar o nosso profundo agradecimento.

O primeiro agradecimento é dirigido a Deus, o autor da vida e fundamento último da dignidade humana.

Agradecemos à OxFAM NOvIB, cujo apoio financeiro permitiu realizar não apenas esta pesquisa e esta pu-blicação, mas também outras actividades inseridas no programa de acção do Mosaiko. É com tristeza que em 2014, após tantos anos de frutuosa colaboração com diferentes organizações angolanas, vemos a OxFAM NOvIB retirar-se de Angola.

Os nossos sinceros agradecimentos à Drª Mary Daly pela extraordinária competência técnica, profissiona-lismo e carinho com que liderou e assessorou a equipa do Mosaiko na realização deste estudo. Agradecemos igualmente o empenho da equipa do Mosaiko envol-vida nesta pesquisa - Eduardo Nicolau, António Ebo e Pe. Angelino Tchivanja - assim, como os técnicos de pesquisa - Teresa Fernandes, Alberto Carlos e Anacleto Pambassangue - que colaboraram na facilitação de vá-rios grupos focais.

Por fim, um grande obrigado às Direcções das Escolas que aceitaram participar neste estudo, aos professores e aos alunos/as que contribuíram com as suas ideias. De igual modo, agradecemos aos vários informantes-chave, técnicos e responsáveis de escolas e de institui-ções com os quais conversamos para recolha de dados e perspectivas.

Concluímos, destacando que um dos desafios mais mencionados pelos alunos/as é a dicotomia entre o discurso e a prática e desejando que este estudo sirva para nos estimular a viver aquilo que ensinamos e para que os vários actores envolvidos na Educação procurem reflectir em conjunto, colaborando na promoção dos Direitos Humanos.

Luanda, Dezembro 2014

frei Júlio Candeeiro, opDirector Geral

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Sumário Executivo

O MOSAIKO é um Instituto angolano, sem fins lucrativos, fundado em 1997 pelos Missionários Dominicanos, tendo sido a primeira instituição angolana a assumir explicitamente como missão promover os Direitos Humanos em Angola. No âmbito da pesquisa social orientada para a acção, o Mosaiko realizou um projecto de pesquisa sobre a realidade do ensino de Direitos Humanos no ensi-no primário e no 1º ciclo do ensino secundário em Angola, cujo trabalho de campo foi realizado em 2014. O estudo foi realizado com métodos quali-tativos para permitir a equipa explorar opiniões diversas num ambiente seguro para os participan-tes, que foram alunos e professores. Alertamos que as informações apresentadas, por terem sido recolhidas com métodos qualitativos, não pode-rão ser generalizadas com sendo representativas para todas as escolas ou para todas províncias. A informação deverá ser interpretada como sendo descritiva sobre as condições de ensino para os professores e indicativa sobre os fenómenos rela-cionados ao ensino de Direitos Humanos (e outros temas da disciplina Educação Moral e Cívica) que deverão ser estudados, eventualmente, num outro estudo quantitativo.

A hipótese de pesquisa foi definida da seguinte forma:

w Os alunos da 6ª classe (ensino primário) e da 9ª classe (primeiro ciclo do ensino secundá-rio) demonstram conhecimentos de Direi-tos Humanos que correspondem aos temas previstos no programa da disciplina Educa-ção Moral e Cívica e conseguem narrar prá-ticas de defesa de direitos que observam na vida quotidiana;

w Os professores da 6ª classe (ensino primá-rio) e 9ª classe (primeiro ciclo do ensino

Sendo este um conjunto de estudos de caso, é importante frisar que esta metodologia se centra em cada realidade estudada, procurando entender o como e o porquê, um privilégio enormíssimo da técnica qualitativa.

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secundário) implementam o ensino de Di-reitos Humanos com base num programa coerente e usam o espaço da escola para in-troduzir os alunos na prática real de valores democráticos.

Os objectivos específicos da pesquisa são:

a. Avaliar os conhecimentos sobre Direitos Humanos e cidadania dos alunos nas escolas seleccionadas;

b. Recolher experiências e práticas de ensino existentes e avaliar a sua incidência sobre o conhecimento dos alunos;

c. Avaliar o impacto do conhecimento sobre Direitos Humanos na vida dos alunos;

d. Advogar, com base nas experiências, me-lhorias no ensino de Direitos Humanos no sistema de ensino primário e secundário (primeiro ciclo) em Angola.

Durante a pesquisa, foram realizados 22 grupos focais com alunos de 6ª classe e 21 grupos focais com alunos da 9ª classe. Cada grupo era composto por 10 participantes, cinco meninas e cinco ra-pazes. A equipa realizou também 14 entrevistas semi-estruturadas com grupos de professores que leccionam a disciplina Educação Moral e Cívica. O plano inicial previa a realização, em cada pro-víncia, de oito grupos focais em escolas católicas e quatro em escolas públicas para servir de con-trolo. Na prática, foi extremamente difícil orga-nizar grupos focais e entrevistas com professores em escolas públicas dentro do tempo previsto para realizar o trabalho de recolha de dados no campo. Foi possível realizar dois grupos focais em esco-las públicas nas províncias de Luanda, Malange e Benguela e uma entrevista em grupo com profes-sores duma única escola pública em Luanda. Não foi possível realizar nenhum grupo focal ou en-trevista com professores numa escola pública do Huambo.

Contexto históricoO contexto histórico foi analisado em quatro pe-ríodos:

w o período 1865 a 1914, quando se inicia a “segunda evangelização” e a Igreja começa a desempenhar um papel mais relevante na educação dos autóctones.

w O período 1914 a 1961, quando, apesar de uma certa evolução com a criação de esco-las nas novas Missões, o sistema continuava muito elitista e muito centralizado, princi-palmente nas cidades. A esmagadora maio-ria da população continuava a não ter acesso à escola.

w O período antes de independência (1961-1975) foi marcado por grandes convulsões políticas que desembocaram na luta armada anti-colonial. A luta pela independência le-vou a que o sistema colonial procurasse apa-ziguar as pretensões nacionalistas, através de uma resposta no campo social, incluíndo obviamente a extensão da rede escolar.

w O período pós-independência, pode sub-dividir-se num período inicial (1975-1991) quando todas as escolas foram nacionaliza-das cabendo unicamente ao Estado definir as políticas de educativas e prover ao aces-so à Educação. Em 1977, o Estado angola-no configura uma reforma educativa com claros objectivos, princípios e organização, facto que resultaria numa “explosão esco-lar”, eivada também por vários constrangi-mentos. No período pós-1991, a educação abriu-se novamente à inciativa das Igrejas e de entidades privadas e foi iniciado um de-bate sobre o processo de formulação de um Novo Sistema Educativo - que não avançou na altura devido ao retomar da guerra após as eleições de 1992 - e que só veio a tomar forma no ano 2000, com a adopção de uma Reforma Educativa - com base no Decreto-

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Lei 6/00, de 9 de Junho -, da Estratégia In-tegrada para a Melhoria do Sistema de Edu-cação e do Plano Nacional de Educação para Todos, para o período de 2001-2015.

ResultadosOs resultados são abordados em dois capítulos. O capítulo 4 apresenta os resultados recolhidos atra-vés dos grupos focais realizados com os alunos e o capítulo 5 aborda as informações prestadas em entrevistas realizados com professores que leccio-nam a disciplina Educação Moral e Cívica.

Alunos

A maioria dos alunos demonstram entender a na-tureza inerente à dignidade de cada Pessoa quando se fala dos Direitos Humanos; menos de metade dos participantes soube explicar a característica universal e permanente dos direitos, mas foram

poucos os alunos que falaram do seu carácter ina-lienável e nenhum participante mencionou a na-tureza indivisível e interdependente dos direitos.

A maioria de participantes - tanto alunos como professores - mostraram atitudes positivas em re-lação aos direitos, opinando que são para o bem da sociedade e demonstrando entender que, en-quanto portadores de direitos, têm também a res-ponsabilidade de respeitar os direitos dos outros. Poucos alunos entendem que os direitos são pro-tegidos pela Lei e nenhum participante explicou que os Direitos Humanos estão consagrados como princípios fundamentais da Constituição de An-gola.

Todos os participantes entendem que o direito à educação é inalienável, mas dizem que há crian-ças pobres que, ou não são matriculadas ou estão frequentemente ausentes da escola porque os pais as obrigam a trabalhar. Dizem também que nem todas as escolas aceitam matricular crianças com

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deficiências físicas ou com outros problemas de aprendizagem. A maioria dos participantes des-creverem em detalhe as responsabilidades dos pais quanto ao acompanhamento dos estudos dos filhos e o dever dos filhos valorizar os estudos. Na ópti-ca da maioria dos alunos, a educação é o motor do desenvolvimento do país e garantirá a “mobilidade social” dos jovens a fim de eles terem emprego e viverem uma vida independente e bem-sucedida. Todavia, vários professores mostraram-se preo-cupados com a falta de emprego para futuros li-cenciados.

A maioria dos participantes falou com confiança sobre o direito à vida e mostrou estar conscien-tesde que o direito a vida envolve necessariamen-te tomar conta da sua própria vida e não pôr em perigo a vida de outra pessoa. Em geral, os alunos mostram ter domínio sobre as mensagens princi-pais relativas à prevenção de acidentes rodoviários, acidentes domésticos e sexualidade responsável.

Notamos que foram poucos grupos que discutirem o direito à liberdade e menos ainda os que discu-tiram a liberdade de expressão. Os que discutiram o direito à liberdade mostraram-se conscientes de que a liberdade é para ser exercida duma maneira responsável e para realizar algo útil na vida. Con-tudo, vários participantes mostraram-se receosos em relação o exercício “excessivo” da liberdade e às possíveis consequências se se “desrespeitar o go-verno”.

A importância de as crianças viverem em famílias harmoniosas, onde os pais vivam juntos, foi en-fatizada em muitos grupos. Contudo, houve par-ticipantes em todos grupos que contaram estórias de violência perpetrada pelos pais contra os filhos e pelos maridos contra as mulheres. Foram poucos os casos de violência doméstica referidos em que a vítima tenha recorrido à protecção formal dos seus direitos.

O entendimento de democracia evidenciado pela maioria dos alunos participantes tende a ser re-

duzido ao acto de votar ou eleger. Também pelos exemplos discutidos, os alunos atribuíam igual importância tanto a eleições para estrelas de fute-bol e da moda como a eleições para governantes. Um número significativo de participantes acha que governadores de províncias e directores de empresas são eleitos. Na maioria das turmas re-presentadas pelos alunos entrevistados, os dele-gados de turma foram nomeados e não eleitos. A maioria das escolas onde foi realizado o estudo não têm Conselhos Disciplinares a funcionar e uma única escola disse ter um mecanismo para sancio-nar o professor que comete uma infracção.

As fontes de informação mais usadas pelos alunos sobre Direitos Humanos são os manuais da disci-plina Educação Moral e Cívica e a televisão.

Professores

O propósito do conteúdo programático da disci-plina Educação Moral e Cívica é formar o cidadão para se integrar na sociedade e consciencializar o indivíduo para que este adquira uma conduta res-ponsável. Alguns professores consideraram que a componente integração na sociedade tem maior ênfase comparada com a conduta ética do indiví-duo quando tem de tomar decisões. Muitos dis-seram que os valores democráticos ensinados no programa não são praticados na sociedade e, por consequência, os professores sentem dificuldades para gerir as críticas dos alunos sobre violações de direitos que ocorrem na comunidade e que não são punidas. Alguns professores são de opinião de que “o excesso de democracia” na turma poderia per-turbar a ordem e dificultar o ambiente de apren-dizagem.

As principais dificuldades que os professores de Educação Moral e Cívica dizem encontrar são:

a) O modelo de manual é aberto e aponta su-gestões e temas, mas não tem todo o con-teúdo necessário para explicar o tema aos alunos;

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b) Os temas do programa são interessantes tanto para o aluno como para o professor, mas são temas abrangentes e multidiscipli-nares; e os professores não se sentem ade-quadamente formados para leccionar todos os temas com propriedade e confiança;

c) A maioria dos professores entrevistados, disseram não ter tido acesso ao “Guia de Di-reitos Humanos” elaborado pelo INIDE ou ao “Manual de Ferramentas Didácticas para os Direitos Humanos” elaborado pela Editora Dom Bosco – Angola;

d) A carga horária de um período por semana foi considerada insuficiente por todos.

No sector de educação, as instituições de Estado não oferecem cursos de formação para professores em Educação Moral e Cívica. Os institutos médios associados à Igreja Católica oferecem uma forma-ção ao nível médio de EMC e há um único curso

de licenciatura em EMC oferecido pelo Instituto João Paulo II (associado à Universidade Católica de Angola). As fontes de informação sobre Direi-tos Humanos mais usadas pelos professores são os manuais de aluno e a internet.

Principais conclusõesConhecimento sobre Direitos Humanos:

1. Os alunos demonstram ter conhecimentos sobre determinados temas que fazem par-te do programa de Educação Moral e Cívi-ca, mas os conhecimentos sobre os Direitos Humanos são limitados.

2. Os alunos não demonstram conhecimentos sobre os Tratados internacionais ratificados por Angola e não têm conhecimento sobre as instituições do Estado que têm a respon-sabilidade institucional para promover a defesa dos direitos do cidadão em Angola.

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Prática e Defesa dos Direitos Humanos:

1. Os participantes mostraram pouco entendi-mento das obrigações do Estado democráti-co na protecção dos Direitos Humanos.

2. No contexto da prática de democracia na escola, na maioria das turmas cujos alunos participaram neste estudo, os delegados de turma não foram eleitos e poucas escolas têm os seus regulamentos afixados em lugar público.

3. São poucas as escolas que têm Conselhos Disciplinares que funcionem regularmente. A maioria das escolas não tem mecanismos formais para lidar com infracções cometi-das por professores.

4. A prática comum de transferir as alunas grávidas para estudar no horário nocturno constitui uma violação de direito das rapa-rigas estudarem em pé de igualdade como qualquer outro aluno.

5. Muitos professores mostraram-se ambiva-lentes em relação à prática da democracia participativa na escola, afirmando que “o excesso de democracia” poderá perturbar a ordem na turma.

6. Tanto os professores como os alunos disse-ram que os valores democráticos apresen-tados nos manuais não são respeitados no contexto de Angola.

Ensino de Direitos Humanos:

1. A carga horária de um “tempo” por semana é insuficiente para leccionar os temas pre-vistos no programa de Educação Moral e Cí-vica.

2. Os professores entrevistados, sem excep-ção, são de opinião que o conteúdo dos ma-nuais de alunos é indicativo. Julgam que a informação é incompleta e insuficiente para leccionar os temas previstos.

3. A maioria dos professores entrevistados não tem acesso ao “Guia de Direitos Humanos para o Professor do Ensino Pré-escolar e Pri-mário” elaborado pelo INIDE ou ao “Ma-nual de Ferramentas Didácticas para Profes-sores” publicado pela editora Dom Bosco Angola.

4. A maioria dos professores opinou que não possui uma formação apropriada para lec-cionar EMC e disseram que, no contexto actual de Angola, eles não estão preparados para leccionar em regime de monodocên-cia.

Violência Doméstica:

Tanto os professores como os alunos testemunham uma elevada prevalência de violência doméstica nas famílias e na comunidade e nenhuma das ví-timas nos casos que foram contados exerceu o seu direito de recorrer ao sistema de Justiça.

Recomendações1. Melhorar o ensino de Direitos Humanos.

Este primeiro grupo de recomendações visa reforçar e melhorar o ensino do actual conte-údo da disciplina Educação Moral e Cívica.

Para o Ministério de Educação:

w Promover a distribuição ampla de material existente de apoio para professores sobre o ensino de Direitos Humanos, tanto em for-ma de livro como através da internet;

w Criar módulos e programas de formação para a disciplina Educação Moral e Cívica que tenham um caracter obrigatório na for-mação de todos os professores que leccio-nam em regime de monodocência;

w Criar módulos e programas de formação para a disciplina Educação Moral e Cívica para serem incorporados nos programas de formação contínua dos professores da dis-ciplina;

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w Seleccionar conteúdos do programa de EMC – que têm a ver com o exercício de di-reitos e deveres na escola e na sociedade – e incluí-los na formação contínua de todos os professores.

w Aumentar a carga horária da disciplina EMC de modo a que o tempo de leccionação seja adequado à extensão e importância dos conteúdos leccionados;

w Criar ao nível do IMNE, nas escolas públi-cas, uma formação específica para profes-sores de EMC;

w Criar ao nível do ISCED cursos de formação superior que preparem os estudantes espe-cificamente para leccionar a disciplina de EMC;

w Estender a disciplina de EMC ao 2º ciclo do ensino secundário com conteúdos adequa-dos ao desenvolvimento pessoal e social dos alunos nesta etapa de formação académica;

w Introduzir no programa da disciplina de EMC um item relativo ao estudo da religião numa vertente não-confessional, que per-mita a todos os alunos, independentemente das suas opções religiosas, compreender a importância do fenómeno religioso na vida das pessoas e das sociedades e conhecer a história e os principais elementos das reli-giões mais praticadas no mundo.

Recomenda-se que os Professores de Educação Moral e Cívica:

w Procurem obter e utilizar os manuais de apoio disponibilizados pelo Ministério da Educação e pela Editora Dom Bosco.

w Solicitem às organizações da sociedade civil materiais de apoio sobre Direitos Humanos e outros temas do programa de EMC.

w Promovam visitas de estudo tanto às ins-tituições ligadas à promoção dos Direitos Humanos como às instituições de recurso

em caso de violação destes Direitos como a Polícia, Provedoria, Procuradoria, Tribunal e INAC.

Para promover a participação informada dos alu-nos na promoção de justiça social, recomenda-se à Associação de Escolas Católicas e às Escolas Católicas que:

w Aproveitem o convénio com o Ministério da Educação para aumentar o tempo lectivo da disciplina de EMC.

w Distingam entre os tempos lectivos e os conteúdos de Educação Moral e Cívica e de Moral e Religião Católica.

w Elaborem um programa específico para me-lhorar o ensino de Educação Moral e Cívica nas Escolas Católicas.

w Participem activamente na criação e opera-cionalização das ZIP - Zonas de Influência Pedagógica para melhorar o conteúdo e a prática de ensino da disciplina EMC.

Recomenda-se que as organizações da socieda-de civil:

w Interajam com os professores de EMC, dando a conhecer o seu trabalho, quando tal seja adequado aos temas da disciplina.

w Disponibilizem os materiais produzidos nas suas áreas de intervenção para que possam ser conhecidos e utilizados pelos professo-res de EMC.

[Recomendamos] Estender a disciplina Educação Moral e Cívica ao 2º ciclo do ensino secundário com conteúdos adequados ao desenvolvimento pessoal e social dos alunos nesta etapa de formação académica.

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Recomenda-se especificamente ao Mosaiko que:

w Crie uma página de facebook direccionada aos professores de EMC.

w Em parceria com a Associação das Escolas Católicas, organize um Encontro de refle-xão sobre a contribuição das Escolas Cató-licas para o ensino da EMC em Angola.

2. Combater a violação comum de direitos das crianças:

w Crianças portadoras de deficiência: É possível que haja um número significativo de crianças com deficiência fora do sistema de ensino. Recomendamos que o Ministério de Educação e os demais actores na socieda-de civil realizem um estudo sobre:w o acesso à educação para crianças com

deficiência;w a qualidade de ensino nos serviços de

ensino especial prestados em escolas de ensino especial;

w a inclusão de crianças com necessidades específicas no ensino regular.

w Trabalho infantil: É provável que haja um número significativo de crianças que se en-contra em situação de sub-aproveitamento escolar por estarem frequentemente ausen-tes da escola, sendo obrigadas a ajudar os pais, tanto em trabalhos domésticos como noutros. Recomendamos que haja uma análise comparativa dos dados existentes sobre absentismo escolar e uma campanha multi-sectorial de sensibilização dos pais, das autoridades locais e das autoridades tra-dicionais contra o absentismo escolar, com destaque para as zonas rurais.

w Gravidezes precoces: Notamos que a for-ma como tanto as escolas como as famílias lidam com situações de gravidez precoce constitui, muitas vezes, uma flagrante vio-lação dos direitos da menina grávida e do bébé. Recomendamos que as escolas lide-

rem um processo de mudança das atitudes discriminatórias que prevalecem. As acções importantes são:w Compreender que uma criança, pelo

facto de engravidar, não passa a ser um adulto;

w valorizar as - poucas - experiências em que as alunas continuaram os seus es-tudos, na mesma turma, apesar de uma gravidez precoce, destacando que isto não encoraja a ocorrência de outros ca-sos, mas constitui uma ocasião de apren-dizagem para todos os colegas;

w Quando o pai do bébé for um colega de escola, envolver ambos – e as respectivas famílias - no processo de decisão;

w Cessar a prática de transferir as meninas grávidas para estudarem no horário noc-turno;

w No caso de uma gravidez precoce, que seja nomeada uma professora que acom-panhe e aconselhe a menina e a sua famí-lia, com o propósito de encorajar a me-nina a continuar os estudos.

w Educação de pais sobre os Direitos da Criança: Promover programas de educação de pais sobre os seus deveres no contexto dos 11 Compromissos para com a Crian-ça adoptados pelo Governo de Angola em 2004 (ver pág. 73), através de programas e actividades correntes:w O Estado poderá promover um progra-

ma de sensibilização dirigido aos funcio-nários públicos e às empresas privadas;

w As Igrejas poderão promover programas através de grupos, movimentos e asso-ciações, escolas e outras instituições já existentes;

w As ONG’s e as Igrejas poderão organi-zar actividades dirigidas a pessoas que trabalham no sector informal;

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w Os Meios de Comunicação Social de-vem dar destaque a este assunto em di-versos programas.

3. Promover a escola como oficina de demo-cracia

w Que as Direcções Escolares – e, particular-mente, as que pertencem à Associação de Escolas Católicas - adoptem a abordagem de Escola Amiga de Criança proposta pelo UNICEF (ver pág. 76-77);

w Que as práticas democráticas aplicáveis à gestão escolar descritas nos manuais de Edu-cação Moral e Cívica e promovidas na me-todologia Escola Amiga de Criança - como eleições por delegados de turma, discussão aberta e validação de regulamentos escola-res, afixação de regulamentos escolares em lugar público - se tornem práticas correntes em todas as escolas;

w Que as Direcções Escolares promovam es-paço para que as Associações de Estudantes e os delegados ganhem um perfil represen-tativo e responsável que contribua para a gestão participativa e eficaz da escola;

w Que haja Conselhos Disciplinares rigorosa-mente estabelecidos e operacionalizados em todas escolas;

w Que todas as escolas reúnam regularmente o Conselho Pedagógico com a presença de representantes da Direcção, dos professo-res, dos alunos e das Associações de Pais e Encarregados de Educação.

w Que os Comissões de Pais e Encarregados de Educação sejam apoiadas para participarem na vida escolar.

4. Educar a sociedade sobre o funcionamento do sistema judicial

Recomendamos que:

w O Ministério de Justiça operacionalize os mecanismos de recurso dentro do contexto actual do país;

w Os actores principais no sistema de Justiça - o Ministério de Justiça e Direitos Humanos, a Polícia, a Procuradoria-Geral da Repú-blica e a Provedoria de Justiça - e actores da sociedade civil como a Ordem dos Advoga-dos promovam actividades educativas para funcionários públicos e a população em ge-ral sobre o funcionamento do sistema e dos serviços judiciais;

w As escolas convidem representantes de ór-gãos judiciais e da Polícia, de modo regular, para falar com os alunos e as Comissões de Pais e Encarregados de Educação;

w Todos os funcionários das entidades judi-ciais saibam lidar com menores de idade, sendo formados especificamente para este efeito.

5. Combater a violência doméstica

Apesar do foco do presente estudo não incluir es-pecificamente a violência doméstica, perante o elevado número de episódios deste tipo relatados pelos alunos, não podemos deixar de recomendar que:

w Todos os actores envolvidos na escola - pro-fessores, alunos/as, funcionários/as, pais e encarregados de educação - tenham alguma

[Recomendamos] que as práticas democráticas aplicáveis à gestão escolar descritas nos manuais de Educação Moral e Cívica e promovidas na metodologia Escola Amiga de Criança - como eleições por delegados de turma, discussão aberta e validação de regulamentos escolares, afixação de regulamentos escolares em lugar público - se tornem práticas correntes em todas as escolas

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formação sobre o combate à violência do-méstica e sobre a lei 25/11, de 14 de Julho, conhecida como a “Lei contra a violência doméstica”;

w O Ministério da Família e Promoção da Mu-lher e as demais instituições do Estado im-plicadas criem e divulguem - com o apoio das igrejas, autoridades tradicionais e orga-nizações da sociedade civil - os mecanismos de protecção à vítima de violência doméstica e criem condições - nomeadamente através de centros de acolhimento - que garantam efectivamente a protecção e a segurança da vítima.

w No ambito de iniciativas da “Escola Ami-ga da Criança” - escola sem violência - se

estabeleçam parcerias em que os alunos/as possam colaborar com instituições do Esta-do - Procuradoria, Polícia Nacional, ... - de modo a fazer face às situações de violência doméstica.

w No ambito de iniciativas da “Escola Amiga da Criança” cada escola desenvolva actividades - envolvendo professores, alunos, funcio-nários e pais e encarregados de educação - que promovam a resolução não violenta de conflitos e a educação para a não-violência. Estas actividades poderão ser realizadas com a colaboração de organizações da sociedade civil ou de outras entidades preparadas para o efeito.

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1. Introdução

O MOSAIKO | Instituto para a Cidadania é um Instituto angolano, sem fins lucrativos, fundado em 1997 pelos Missionários Dominicanos, ten-do sido a primeira instituição angolana a assumir explicitamente como missão promover os Direi-tos Humanos em Angola. visa produzir e difundir uma reflexão contextualizada e rigorosa, alimen-tada pela pesquisa social e desenvolvida em acções de formação para capacitar os diferentes actores sociais na construção de uma cultura de Direitos Humanos em Angola.

No âmbito da pesquisa social orientada para a ac-ção, o Mosaiko realizou um projecto de pesquisa sobre a realidade do ensino de Direitos Humanos no ensino primário (1ª à 6ª classe) e no 1º ciclo do ensino secundário (7ª à 9ª classe) em Angola, cujo trabalho de campo foi realizado em 2014.

Esta pesquisa foi concebida para procurar analisar até que ponto a disciplina Educação Moral e Cívica - como é actualmente leccionada em Angola - dá importância e relevo ao ensino e à prática dos Di-reitos Humanos.

Depois de uma recolha preliminar de informações tendo em vista a concepção e operacionalização da pesquisa, a equipa fez a opção de estudar o caso de ensino de Direitos Humanos nas Escolas Cató-licas porque estas escolas têm melhores condições para reforçar e aprofundar o ensino de Direitos Humanos com base no protocolo celebrado entre a Igreja Católica e o Estado Angolano na área da Educação. O Mosaiko pensa que, a partir de ex-periências bem-sucedidas, será mais fácil advogar junto do Ministério da Educação para que estas se estendam a todo o sistema de ensino.

Esta pesquisa foi concebida para procurar analisar até que ponto a disciplina Educação Moral e Cívica - como é actualmente leccionada em Angola - dá importância e relevo ao ensino e à prática dos Direitos Humanos.

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Introdução

A hipótese de pesquisa foi definida da seguinte forma:

w Os alunos da 6ª classe (ensino primário) e da 9ª classe (primeiro ciclo do ensino secundá-rio) demonstram conhecimentos de direitos humanos que correspondem aos temas pre-vistos no programa da disciplina Educação Moral e Cívica e conseguem narrar práticas de defesa de direitos que observam na vida quotidiana;

w Os professores da 6ª classe (ensino primá-rio) e 9ª classe (primeiro ciclo do ensino secundário) implementam o ensino de Di-reitos Humanos com base num programa coerente e usam o espaço da escola para in-troduzir os alunos na prática real de valores democráticos.

Os objectivos específicos da pesquisa são:

a. Avaliar os conhecimentos sobre Direitos Humanos e cidadania de alunos das escolas seleccionadas;

b. Recolher experiências e práticas de ensi-node Direitos Humanos e avaliar a sua inci-dência sobre o conhecimento dos alunos;

c. Avaliar o impacto do conhecimento sobre Direitos Humanos na vida dos alunos;

d. Advogar, com base nas experiências re-colhidas, melhorias no ensino de Direitos Humanos no sistema de ensino primário e secundário (primeiro ciclo) em Angola.

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2. Contexto: Ensino de Direitos Humanos em Angola

Este capítulo apresenta uma análise histórica do ensino em Angola e um enquadramento do ensi-no dos Direitos Humanos nas condições actuais de ensino.

2.1 Análise histórica do ensino em Angola

A expansão eurpeia no século xv, não provocou um verdadeiro encontro de culturas, mas um contacto e um choque de culturas, com formas de domínio dos colonizadores sobre os autóctones que suscitaram naturais resistências e represálias subsequentes. Isso gerou uma “formação” dos autóctones voltada quase exclusivamente para o trabalho - frequentemente forçado ou escravo - e para a religião.

Até meados do século xIx, exceptuando-se o re-lacionamento inicial ente os europeus e o Reino do Congo1, a presença do poder colonial e da Igreja não têm reflexos significativos a nível da educa-ção dos autóctones. As mudanças verificadas no século xvIII, com a nacionalização do ensino e a expulsão da Companhia de Jesus pelo Marquês de Pombal, não significaram uma melhoria no aces-so à educação por parte dos autóctones. A coló-nia limitava-se então a alguns territórios junto à costa, sendo a presença colonial portuguesa muito limitada em relação ao actual território de Angola. Em 1863, contavam-se na colónia 24 escolas pri-márias públicas, mas na sua grande maioria eram frequentada por alunos de origem europeia2.

Em meados do séulo xIx, com o impulso da Pro-paganda Fidei 3 - e perante a desconfiança do siste-ma de Padroado Português4 - inicia-se a chamada “segunda evangelização” onde, além das paróquias tradicionais nos poucos centros urbanos então

Para estudar os Direitos Humanosem África e em Angola, foram produzidos vários materiais, dentre os quais, em língua portuguesa, destacamos “Siniko - Para uma Cultura de Direitos Humanos em Africa” e “Direitos Humanos. Guia de Apoio a Cursos de Formação”.

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existentes, viradas principalmente para a popula-ção de origem europeia, se desenvolvem Missões com o intuito de evangelizar as populações autóc-tones. Estas Missões vão situar-se fora dos centros urbanos e vão ter como protagonistas os Missio-nários do Espírto Santo (1866) e as Irmãs de S. José de Cluny e as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras de Nossa Senhora da Conceição (1883) 5 - congrega-ções da Igreja Católica - e várias denominações evangélicas - Baptistas (1879), Congregacionais (1880), Metodistas (1885).

Este impulso evangelizador, está muito ligado à escolarização, pois na tradição evangélica é neces-sário que os fiéis possam ler a Bíblia e a tradição católica vê na instrução uma forma de promoção humana inerente ao processo de evangelização.

Período de 1865 a 1914

A escolha deste período para contextualizar a ex-periência do ensino em Angola não é indiferente. Embora tivessem existido precedentes, 1865 é uma data importante para o surgimento das Missões cristãs em Angola, que terão progressivamente um impacto significativo no acesso à instrução por parte dos autóctones.

Importa referir que é neste período que o Papa Leão xIII publica a quela que é consideráda a pri-meira encíclica social6 - Rerum Novarum 7 (1891) -

onde, analisando a situação dos operários à luz do Evangelho, aborda os direitos e deveres do capital e do trabalho. Neste texto, já se pode entrever a consciência formal dos Direitos Humanos, que viriam a ser proclamados em 1948.

Neste período há que sublinhar vários aconteci-mentos importantes, tanto a nível mundial como a nível de Portugal, que tiveram repercussões sa-lientes para Angola, e que são per se um prelúdio ao reconhecimento da dignidade humana, assim como à consciência da importância da educação e do ensino:

1878 “o fim da escravatura”, pelo código de tra-balho;

1881 a presença da colónia Bóer na Humpata; 1883 a criação da Escola Profissional de Artes e

Ofícios; 1884 o início da Conferência de Berlim para a

partilha de África; 1902 o início das campanhas militares no Pla-

nalto Central; 1906 a reforma do ensino primário (9 de Maio); 1906 a criação, em Luanda, da Escola Profissio-

nal D.Carlos I; 1910 a independência, proclamada pela minoria

branca, da República Sul-Africana; 1910 a proclamação da 1ª República Portuguesa

(1910-1926);

Missão da Omupanda - Reino do Kuanhama

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1911 a promulgação pela Constituição da Repú-blica Portuguesa de manter a obrigação dos indígenas terem que trabalhar, proibindo, no entanto, o uso de castigos corporais;

1914 o início da 1ª Guerra mundial (1914).

Durante este período são abertas em Angola mais de 15 Missões, onde muitos de angolanos têm a primeira oportunidade de aceder ao ensino, ainda que em níveis muito limitados.

Período de 1914 a 1961

Já “em 1914, as características de um sistema educa-tivo unicamente angolano tinham-se desenvolvido. As linhas da expansão do governo e das missões e a resposta dos angolanos à nova instituição da escola haviam-se tornado claras”8.

Neste período, a grande maioria da população de Angola continuava analfabeta e ligada a crenças pagãs, sem qualquer abertura a “outros mundos”. A instrução aparece então como uma forma de acesso a horizontes até então desconhecidos. A instrução das primeiras letras, continua a ser con-fiada principalmente às Igrejas com a suas “Casas dos Rapazes”, para significar centros de formação masculina e escolas de artes e ofícios. Para tal, eram preparados professores e monitores de posto ou centro de formação: Para o reconhecimento da formação adquirida, neste centros dispersos pela colónia, na época de provas vinha um inspector enviado pelo Estado para realizar os exames.

O mesmo se diga da formação ministrada nas “Casas das Meninas”, onde aprendiam sobretudo actividades domésticas elementares: cozinhar, coser, lavar roupa e também “algumas letras”. Com a criação dos “Magistérios Femininos”, al-gumas meninas passaram a ter um acesso a níveis mais elevados de escolarização.

Em suma, neste período, o Estado colonial con-tinuava sem assumir o seu dever de assegurar o acesso à educação. Muitas pessoas não eram se-quer consideradas cidadãs e, consequentemen-

te, não tinham acesso à educação. Todavia, onde houvesse uma estrutura física de Missão - tanto católica como evangélica - também havia uma “Casa de Rapazes” e uma “Casa de Meninas” para a sua formação e instrução.

Em 1940, em Angola, o número de crianças in-dígenas na escola já tinha ascendido a um total de 3.665.829 contra 72 118 de origem europeia. Em 1950, a percentagem de crianças entre os 5 e os 14 anos que frequentava a escola era inferior a 5% e a percentagem de analfabetismo rondada 97% da população. Só em 1941, o ensino liceal foi estabe-lecido em Angola, começando a ser leccionado o curso geral e os cursos complementares dos liceus9.

Apesar da evolução verificada, o sistema conti-nuava muito elitista e muito centralizado, princi-palmente nas cidades. Por isso, até ao início dos anos 60, Angola tinha uma das mais baixas taxas de escolaridade de África, pois além das insufici-ências gerais do ensino secundário, a esmagadora maioria da população continuava a não ter acesso à escola, nem sequer o ensino primário.

Período de 1961 a 1975

O ano de 1961 foi marcado por grandes convulsões políticas que desembocaram na luta armada anti-colonial. A luta pela independência levou a que o sistema colonial procurasse apaziguar as preten-ções nacionalistas, através de uma resposta no campo social, incluíndo obviamente a extensão da rede escolar. Em 1962, instituiu-se o ensino su-perior em Angola, ainda que só em 1963 começou a funcionar. Também em 1962 é instituído o Ma-gistério Primário nas cidades de Kuito-Bié (então Silva Porto) e Malange10.

Em 1973, Angola tinha 512.942 alunos matricu-lados no ensino primário e 72.000 no ensino se-cundário. Em 1974, Angola tinha 4.175 alunos matriculados no ensino superior. Estes dados es-tatísticos incluem estudantes autóctones e de ori-gem europeia. A população de Angola, era então estimada em mais de 4,5 milhões de habitantes. 11

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Na altura da independência Angola tinha uma taxa de analfabetismo cifrada nos 85%. Havia pouca representatividade no ensino médio e muito me-nos no ensino superior. Com excepção do ensino primário, o sistema de educação estava concen-trado nas cidades12.

Neste período, continuaram a existir em grande es-cala gravíssimos atropelos aos Direitos Humanos.

2.2 Ensino pós independência em Angola

Período de 1975 a 1991

Em 11 de Novembro de 1975, Angola alcançou a independência. No período pós-independência o tema central é a formação do País novo, Estado novo, Homem novo; procurando contrariar a ele-vada taxa de analfabetismo herdada do colonialis-mo, que constituiu o primeiro grande obstáculo ao desenvolvimento do país e que motivou o lan-çamento de uma grande campanha de alfabetiza-ção.

O Estado angolano adoptou um sistema de governo de tipo socialista e, por consequência, todas as es-colas foram nacionalizadas, cabendo unicamente ao Estado definir as políticas de educativas e pro-ver o acesso à Educação. Procurando dar priorida-de à educação como um instrumento fundamental para desenvolver o potencial humano e económico de Angola, em 1977, o Estado angolano configu-rou uma reforma educativa com claros objecti-vos, princípios e organização, facto que resultaria numa explosão escolar, atravessada também por vários constrangimentos. A nível financeiro, eram grandes os constrangimentos porque a grande prioridade do país era a defesa, sendo o orçamento do Estado insuficiente para fazer face às necessida-des educativas e de outras áreas sociais. A nível dos recursos humanos, para fazer face à demanda do ensino, o Estado teve que recorrer à colaboração docente, envolvendo no ensino pessoas que não tinham experiência pedagógica ou formando pro-

fessores de forma acelerada, o que, naturalmente, teve consequências negativas ao nível da qualidade de ensino. Por outro lado, o enquadramento tar-dio de novos docentes, a escassez de funcionários administrativos e de limpeza foram outros fac-tores negativos. Acrescente-se o ineficiente pro-cessamento de dados estatísticos nas Delegações Provinciais de Educação como consequência da baixa qualificação ou preparação dos recursos hu-manos, nomeadamente do sector administrativo. No ensino primário - da 1ª à 4ª classe - prevale-ce a monodocência; o professor tem que dar to-das as disciplinas como acontecia antigamente no ensino primário e, neste caso, sem a preparação adequada. Acrescem dificuldades que se prendem com o material insuficiente para todos os alunos e professores, bibliotecas sem livros, problemas de formação de professores e ainda o desfasamento entre a área de formação do docente e a disciplina real que dá para corresponder às necessidades.

Apesar dos constrangimentos enfrentados, “em 1977, dois anos depois da independência, Angola adopta um novo Sistema de Educação e Ensino, ca-racterizado essencialmente por: massificação do ensi-no; aumento de oportunidades educativas; gratuidade do ensino de base; obrigatoriedade de frequência das quatro primeiras classes; aperfeiçoamento do pessoal docente”13. Assim, o primeiro período do sistema educativo Angolano, no período pós independên-cia, tem sua génese em 1978, com o primeiro Sis-tema de Educação e Ensino e estende-se até 1991, quando - em resposta à Conferência de Educação para Todos, realizada em Jomtien (Tailândia) em Março de 1990 -, decorreu, em Luanda, de 22 a 27 de Julho, a “Mesa Redonda sobre Educação para To-dos” com participação das instituições do Estado e também da Sociedade Civil, tendo-se definido as linhas de força para um projecto de educação e instrução básica para o século xxI. Neste evento, o Ministério da Educação definiu o quinquénio de 1991-1995 como o da Preparação e Reformulação do Novo Sistema Educativo.

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Período de 1991 a 2001

O período entre 1991 e 2002 foi caracterizado pelo regresso à guerra - após as eleições de Setembro de 1992 - com a destruição de infra-estruturas, in-cluindo as de ensino; pelo decréscimo de institui-ções escolares em todo o país; com fluxo migrató-rio para as cidades e para o litoral, superlotando as escolas das principais cidades e redução drástica do Orçamento Geral do Estado para a Educação.

Todavia, com a adopção de um sistema democrá-tico pluripartidário, o Estado Angolano abre tam-bém a iniciativa no campo da Educação a outros actores sociais, nomeadamente, às Igrejas e à ini-ciativa privada.

O decénio de 1995 a 2005 marcará também a for-mulação do Plano-Quadro Nacional de Recons-trução do Sistema Educativo, empenhando o Mi-nistério da Educação e Cultura e algumas agências das Nações Unidas num processo inter-sectorial e pluridisciplinar, “com o objetivo de adequar o En-sino às exigências para o desenvolvimento humano sustentável numa perspectiva de reconstrução sobre novas bases, quando mais uma vez se previa o fim do conflito armado”14.

Período de 2001 a 2014

No final de 2001, são identificados no Sistema de Educação da República de Angola “dois problemas fundamentais: o acesso e a qualidade, sendo mais grave a situação no domínio da educação básica e da formação média, impondo assim a urgente tomada de medidas de fundo para a inversão da situação”15. O esforço tendente à dignificação e unificação do povo angolano, motivou reformulações no siste-ma educativo e viria a dar corpo à lei 13/01, de 31 de Dezembro - Lei do Sistema Educativo Angola-no. A alínea a) do artigo 3º desta lei é perentória em incentivar o desenvolvimento das capacidades físicas, intelectuais, morais, cívicas, estéticas e laborais da jovem geração, de maneira contínua e sistemática e elevar o seu nível científico, técnico e tecnológico, a fim de contribuir para o desenvol-

vimento socio-económico do País. Porém, face aos horizontes abertos pela educação estruturada que se almeja, está-se diante de um instrumento que ainda exige muito trabalho e empenho para atingir as competências nele propostas.

Desde 2002, as políticas educativas desenvolvem-se num contexto de pós-conflito e de reconstrução do país. Há uma explícita “vontade da população em busca do sistema educacional e a necessidade do Ministério da Educação criar condições para receber crianças, jovens e adultos no exercício de cidadania, em busca de formação”16.

De facto, a Lei de Bases do Sistema de Educação - que marca a 2ª Reforma Educativa iniciada em 2004 - foi precedida pela aprovação de um novo Estatuto Orgânico para o Ministério da Educação (Decreto-Lei 6/00, de 9 de Junho), da Estratégia Integrada para a Melhoria do Sistema de Educação e do Plano Nacional de Educação para Todos, para o período de 2001-201517.

A actual reforma educativa foi programada em cinco fases, a saber:

w A primeira fase começou em 2002, onde houve a criação das condições indispen-sáveis para poder assegurar o seu normal funcionamento nomeadamente a adequa-ção dos sistemas de administração e gestão a nível central e local.

w A segunda fase teve início em 2003 e per-mitiu a experimentação dos novos currícu-los escolares, planos de estudos, programas e matérias pedagógicas.

w A terceira fase começou em 2006, tendo-se dedicado à avaliação e introdução de cor-recções, com base nos dados que foram sen-do recolhidos na fase experimental.

w A quarta fase, decorreu de 2006 a 2011 e consistiu na introdução progressiva da re-forma educativa nos vários anos de ensino, culminando com a extinção do anterior sis-tema educativo que integrava o ensino pri-

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mário, secundário, médio e superior.

w A quinta fase da reforma educativa decorre entre 2012 e 2015 e sendo dedicada à avalia-ção do novo sistema.18

2.3 Introdução da disciplina de Educação Moral e Cívica

As mudanças verificadas em 1991-92 são de gran-de importância para a história de Angola. Dentre os vários aspectos que sofrem mudanças muito rápidas e acentuadas, destacamos a mudança de relacionamento entre o Estado angolano e a Igre-ja católica que deixaram de ser caracterizadas pela tensão - e até hostilidade - que marcara o período pós-1975 e passaram a ser de uma abertura e co-laboração surpreendentes. Assinalando esta mu-dança foi realizado em Luanda, em Outubro 1991, o “Simpósio sobre os cinco séculos de Evangelização de Angola”, o Papa João Paulo II visitou várias zonas de Angola, em Junho 1992, com discursos conciliadores. Por consequência, a Igreja católi-ca poderia voltar a desenvolver a sua acção social na educação e na saúde (tal como outras igrejas), teria acesso à comunicação social através de uma celebração eucaristica semanal na TPA, sendo-lhe devolvida a Rádio Ecclesia e - mesmo se muito de-gradados - os edifícios que tinham sido confisca-dos após a independência.

Este diálogo reconhecido entre o Estado e a Igreja criou um espaço fértil para a inserção da discipli-na de “Educação Moral e Cívica” no currículo do ensino primário. Assim, ela insere-se na estrutu-ra curricular como independente, no ano de 1992, de acordo com o xv Conselho Consultivo do Mi-nistério da Educação.

De facto, até 1991, a situação da educação em geral não registava o nível de corrupção nem de absen-tismo de alunos e professores que veio a verificar-se depois.

Mas, em 1992, explodiu uma espécie de capitalis-mo selvagem, onde cada um procurava lucrar de qualquer forma. Neste contexto, o frei João Do-mingos, op - que era Reitor do ICRA desde 1988 - lançou a ideia de contribuir para moralizar a so-ciedade começando pelas escolas, propondo que houvesse um curriculum académico que incluísse Moral e Religião.

Todavia, sendo Angola um Estado laico, o Governo optou por introduzir uma disciplina de “Educação Moral e Cívica”. Uma vez aceite pelo Ministério da Educação a disciplina EMC, a Comissão Episco-pal de Educação (nomeada pela CEAST), elabo-rou uma proposta de programa da 1ª à 12ª classe para esta disciplina e alguns manuais, que foram ensaiados primeiro nas escolas católicas. Poste-riormente, tanto a os programas como os manuais foram assumidos pelo INIDE, começando então as aulas no II nível (5ª e 6ª classe), pedindo-se que fosse alargado para as classes seguintes. Mesmo antes da sua implementação pelo Ministério da Educação, algumas escolas católicas e metodistas procuravam ensinar, fundamentalmente a partir da Bíblia, alguns conteúdos de Educação Moral e Cívica. As escolas católicas dos Salesianos de Dom Bosco produziram também materiais pedagógicos para esta disciplina.

O ICRA - Instituto de Ciências Religiosas de An-gola, foi a primeira instituição a preparar profes-sores para lecionarem Educação Moral e Cívica.

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Só a partir de 2005, o Instituto Superior João Pau-lo II vai preparar técnicos superiores com forma-ção específica para leccionar a disciplina.

2.4 Ensino de Direitos Humanos em África

A chegada dos europeus, no século xv, à costa da África sub-sahariana, marca uma grande vira-gem história nesta região. A nova etapa história é marcada pela exploração da costa africana com a tónica de comércio e também por guerras entre diferentes tribos, onde a tribo derrotada se torna-va escrava da tribo vencedora.

Se, por um lado, já estava presente em vários ele-mentos culturais uma reivindicação velada da dignidade humana nas sociedades africanas pré-coloniais, a existência de escravos e de outras prá-ticas desumanas eram, neste período, uma das evidências da sua violação.

Todavia, as violações da dignidade humana viriam a agravar-se, nos séculos xvI a xIx, com o tráfi-co de escravos, em que milhões de africanos foram negociados como se de coisas se tratasse. Os euro-peus negociavam com as tribos vencedoras a cap-tura/aquisição de escravos e “exportavam-nos” como mão de obra escrava para vários pontos do mundo naquilo que ficou conhecido como “trá-fico negreiro”.

Por outro lado, à luz da mentalidade europeia, os africanos eram vistos como povos sem história, nada tendo dado à humanidade e nunca referidos em epopeias; povos sem dignidade e inclusiva-mente, suspeitavam alguns, “desprovidos de alma”. As consequências que adviriam destas premissas são irremediavelmente violadoras de dignidade humana.

A partir de 1880, a competição entre as metrópo-les pelo domínio dos territórios africanos intensi-fica-se. A partilha da África tem início, de facto, com a Conferência de Berlim (1884), que institui

normas para a ocupação, onde as potências co-loniais negociaram entre si a divisão da África. A partilha é feita de maneira arbitrária, sem qual-quer participação dos africanos, não respeitando as características étnicas e culturais de cada povo. No célebre mapa cor-de-rosa, tribos aliadas fo-ram separadas e tribos inimigas foram unidas.

Só após a proclamação da Declaração Univer-sal dos Direitos Humanos, em 1948, as legítimas aspirações dos povos africanos começaram a ser gradualmente reconhecidas, sendo-lhe reconhe-cida a sua indepêndencia. Todavia, apesar do en-tusiasmo então reinante, muitas das expectativas dos africanos/as foram frustradas, sob formas de neo-colonialismo e de abusos das elites que exer-ceram o poder.

Porém, a OUA - Organização da Unidade Africa-na vai dar um contributo relevante à compreensão dos Direitos Humanos através da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos adoptada, em Junho de 1981, pela décima oitava Assembleia de Chefes de Estado e Governo da OUA, realizada em Nairobi, no Quénia. Nesta mesma conferência reafirmou-se a adesão dos Estados-membros aos princípios dos Direitos Humanos e das liberdades dos Povos contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e noutras declarações, conven-ções e demais instrumentos adoptados pela OUA e pelas Nações Unidas. A Carta Africana destaca a dimensão comunitária dos Direitos Humanos, afirmando o direitos dos Povos - e não apenas das pessoas individualmente consideradas - à auto-determinação e ao desenvolvimento. A OUA, criou também a Comissão Africana que, a nível do continente, tem a missão de promover e defender os Direitos Humanos.

Para estudar os Direitos Humanos em África e em Angola, foram produzidos vários materiais, den-tre os quais, em língua portuguesa, destacamos “Siniko - Para uma Cultura de Direitos Humanos em Africa” 19 e “Direitos Humanos. Guia de Apoio a Cursos de Formação” 20.

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2.5. Base legal e Tratados internacionais ratifica-dos por Angola

A Constituição Angolana fundamenta-se na De-claração Universal dos Direitos Humanos e dá lar-ga margem à sua interpretação e vivência.

Angola ratificou/aderiu à Carta Africana dos Di-reitos Humanos e dos Povos; Carta da OUA sobre os Direitos e Bem-estar da Criança; Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as For-mas de Discriminação contra a Mulher; Conven-ção Internacional dos Direitos da Criança; Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; Pacto Internacional sobre aos Direitos Económi-cos, Sociais e Culturais; Convenção nº 182 relati-va às piores formas de Trabalho das Crianças e a acção imediata com vista a sua eliminação; bem como o Estatuto de Roma do Tribunal Penal In-ternacional.

De notar que aquando da sua candidatura como membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU, e da sua eleição a 17 de Maio de 2007, para o período de 2007/2010, Angola comprometeu-se a acelerar o processo e ratificar num futuro pró-ximo:

w a Convenção Internacional sobre a Elimi-nação de todas as Formas de Discriminação Racial (1970);

w Convenção contra a Tortura e outros Tra-tamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (1988);

w Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Mi-grantes e suas Famílias;

w Convenção Internacional contra o Recruta-mento, Uso, Financiamento e Formação de Mercenários (4.12.1989);

w Protocolo à Carta Africana e dos Povos re-lativos aos Direitos da Mulher em África (na Assembleia Nacional, desde 2007).

1, Cf. André vela Ngaba, Políticas educativas em Angola (1975-2005). Entre o global e o local: o sistema educativo mundial, ed. Sedieca (Mbanza-Kongo 2012) 117.

2 Ibidem, 119.3 Organismo da Santa Sé, criado em 1622, que se dedica

a promover a Evangelização dos Povos.4 Pacto entre o Rei e a Igreja, em que cabia ao Rei prover

à evangelização dos territórios conquistados no ultra-mar, decidindo onde eram enviados os missionários das diferentes congregações religiosas.

5 Cf. Eduado André Muaca, Breve História da Evange-lização de Angola, ed. CEAST (Luanda 2001) 100-103.

6 Uma enciclica é uma carta aberta escrita pelo Papa . O adjectivo social indica o assunto tratado na carta.

7 “As coisas novas”8 Michael Anthony Samuels. A História do ensino em

angola (1878-1914). Ed. Mayamba, INIDE (Luanda 2011) Introdução.

9 André vela Ngaba, op. cit,, 119-121.10 Ibidem, 121.11 Ibidem, 130.12 Maria Helena Miguel. “ Políticas Públicas de Edu-

cação em Angola”, in Jornadas para a Cidadania 2014 - Educação e Direitos Humanos. (Luanda 23.09.2014).

13 Francisca do Espírito Santo, História recente da educação em Angola, in Educação para uma Cultura da Paz - Actas da Semana Social Nacional 1999, ed. Mosaiko e CEAST, (Luanda 2000) 156.

14 República de Angola. Conselho de Minis-tros, Estratégia integrada para a melhoria do Sistema de Educação 2001-2015 (Luanda 2001) 11.

15 Ibidem,11.16 República de Angola. Ministério da Edu-

cação, Evolução da Educação e Ensino em Angola (2002-2008). (Luanda 2008) 4.

17 Cf. Ibidem, 6.18 Natália Malesso Joaquim das Belas, A reforma edu-

cativa desde 2002 a 2015, in http://br.monografias.com/trabalhos3/reforma-educativa/reforma-educa-tiva.shtml (acesso em 29.12.2014).

19 Aministia Internacional, Siniko - Para uma cul-tura de Direitos Humanos em África, in http://www.amnistia-internacional.pt/files/documentacao/Siniko.pdf

20 Mosaiko, Direitos Humanos. Guia de Apoio a Cursos de Formação, ed. Mosaiko, 3ª (Luanda 2009).

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3. Metodologia

O estudo foi realizado com uma metodologia qua-litativa. O exercício principal com os alunos foi conduzido através de um exercício formativo para perceber o conhecimento dos alunos sobre os te-mas que fazem parte da disciplina Educação Moral e Cívica. O uso de métodos qualitativos permitiu recolher as diversas opiniões dos alunos e facilitou que os alunos explicassem, usando a sua própria linguagem, como é que eles entendem a aplicação dos Direitos Humanos na vida quotidiana. O uso de técnicas qualitativas permitiu à equipa explorar a diversidade de experiências e de opiniões num ambiente em que os alunos se sentissem à vonta-de para opinar e discutir abertamente os temas da pesquisa.

A desvantagem de um método qualitativo é que, apesar da riqueza da informação, a informação não é representativa. Assim, as informações apresen-tadas neste estudo não poderão ser generalizadas como sendo representativas para todas as escolas ou para todas províncias. A informação deverá ser interpretada como sendo descritiva sobre as con-dições de ensino para os professores e indicativa sobre os fenómenos relacionados com o ensino de Direitos Humanos (e outros temas da disciplina Educação Moral e Cívica) que deverão ser estuda-dos num outro estudo quantitativo.

No exercício principal, foram realizados 22 gru-pos focais (cf. Anexo 1.1) com alunos de 6ª classe - que corresponde ao segundo dos cinco anos (5ª à 9ª classe) em que a disciplina de Educação Mo-ral e Cívica é leccionada - e 21 grupos focais dos alunos da 9ª classe que corresponde ao último ano de lecionação desta disciplina. A equipa realizou 14 entrevistas semi-estruturadas com grupos de professores que leccionam a disciplina Educação Moral e Cívica (cf. Anexo 1.2).

O uso de métodos qualitativos permitiu recolher as diversas opiniões dos alunos e facilitou que os alunos explicassem, usando a sua própria linguagem, como é que eles entendem a aplicação dos Direitos Humanos na vida quotidiana.

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A tabela descreve os grupos focais e entrevistas realizados por província e por tipo de escola.

Os guiões para os grupos focais e para as entre-vistas foram elaborados e testados em Luanda. O guião para os grupos focais foi estruturado atra-vés de exercícios participativos para dinamizar e orientar a discussão em grupo com adolescentes e facilitar que os temas previstos fossem discutidos o mais amplamente possível em todos grupos fo-cais. A duração dos grupos focais foi entre 45 mi-nutos e 1 hora e 30 minutos.

Tanto os grupos focais como as entrevistas com um grupo de professores foram realizados por duas pessoas. Uma facilitava a discussão entre os

alunos ou entrevistava os professores e a segunda pessoa fazia o relatório. Quando possível, o par completava a transcrição do narrativo completo do grupo focal ou da entrevista dentro de um pe-ríodo de 24 horas após a realização.

A análise dos narrativos foi feita em Luanda por duas “equipas”, sendo uma constituída por duas pessoas e outra por uma pessoa, fazendo uma análise de duplo controlo com base em parâme-tros seleccionados para análise. Cada “equipa” fazia uma primeira análise do narrativo; a seguir juntavam-se ambas para comparar e confrontar as respectivas análises e para chegarem a acordo sobre a versão final da análise.

Metodologia

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O plano previa a realização, em cada província, de oito grupos focais em escolas católicas e qua-tro em escolas públicas para servir de controlo. Na prática foi extremamente difícil organizar grupos focais e entrevistas com professores em escolas públicas dentro do tempo previsto para realizar o trabalho de recolha de dados no campo. Foi possí-vel realizar dois grupos focais em escolas públicas nas províncias de Luanda, Malange e Benguela e uma entrevista em grupo com professores duma única escola pública em Luanda. Não foi possível realizar nenhum grupo focal ou entrevista com professores numa escola pública do Huambo.

Cada grupo focal foi constituído por dez partici-pantes, cinco meninas e cinco rapazes. A exten-são da idade dos membros dos grupos focais difere muito entre escolas e entre províncias. Os alunos em Luanda aparentam ter a idade prevista para a

classe e não houve participantes com mais de 18 anos na 9ª classe. Fora de Luanda houve dois gru-pos da 9ª classe em que os alunos tinham idades entre os 15 e os 23 anos e entre os 18 e os 33 anos, respectivamente. Nas províncias de Benguela, Huambo e Malange, os participantes de 6ª classe tinham idades entre os 10 e os 16 anos.

Todos os grupos focais e as entrevistas com pro-fessores foram realizados no recinto da escola com a autorização do/a Director(a) da Escola.

Foram realizadas dez entrevistas com informantes chave do Ministério da Educação, activistas sociais empenhados no sector da Educação e professores com experiência de ensino de Direitos Humanos em Luanda e em Benguela que serviram para a concepção da pesquisa e para a interpretação da informação recolhida.

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4.1 Conhecimento geral sobre Direitos Humanos

Características e Valores de Direitos Humanos

A maioria dos alunos mostraram entender a natu-reza da inerência dos Direitos Humanos relativa-mente ao ser humano pelo simples facto de este ser uma pessoa humana. Os participantes falaram de “tudo o que nos pertence” e “algo que é de todo o ser humano”. Contudo, só menos de metade dos par-ticipantes souberam explicar a natureza univer-sal e permanente dos Direitos. Somente em duas escolas, uma no Huambo e outra em Malange, os participantes explicaram a característica inaliená-vel dos Direitos Humanos e nenhum participante fez referência às suas características de indivisibi-lidade e interdependência.

Os participantes de todas as idades fizerem refe-rência aos valores de dignidade, liberdade e igual-dade através da descrição de casos que ocorrem nas suas vidas. Contudo, não parecem entender que o respeito pelos Direitos Humanos, protegido pela lei, permite ao ser humano viver com dignidade, em liberdade e igualdade. Somente um partici-pante, em Malange, explicou que os Direitos Hu-manos são “leis baseadas em valores morais”. Houve uma única referência a justiça social (em Luanda) quando um participante explicou que o respeito aos Direitos Humanos permite promover a justiça social.

Um maior número de alunos opinou que continua a existir uma clara desigualdade na sociedade an-golana entre ricos e pobres e entre as classes sociais em comparação com o número de alunos preocu-pados com o racismo como base de discriminação

4. Resultados: Grupos focais com alunos

... é comum que o direito da criança à educação seja negado. Os exemplos que deram incluíam crianças que vivem na rua e disseram que muitas vezes estas crianças vivem na rua por causa de maus tratos da parte dos pais ou tutores. Outras crianças que não têm acesso à educação são crianças de famílias pobres quando os pais não têm dinheiro para pagar o necessário para os filhos irem à escola...

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na sociedade. O manual da 9ª classe para a disci-plina Educação Moral e Cívica aborda estereótipos sobre o comportamento sexual e o emprego, mas notou-se somente uma referência específica à im-portância da igualdade de género numa escola pú-blica, em Luanda.

Direitos e Deveres

Muitos participantes falaram de direitos no sen-tido de serem regras para serem respeitadas em casa, na escola e na sociedade. vários participantes falaram que os Direitos são “para o bem da socieda-de”. A maioria mostrou entender que, enquanto portador de direitos, o ser humano tem também o dever de respeitar os direitos dos outros. Um alu-no numa escola pública disse: “conhecer os direitos humanos é importante para conhecermos os nossos direitos e a nossa liberdade. Ajuda-nos a conhecer a liberdade do outro mutuamente”.

Poucos participantes mostraram entender que os direitos são garantidos por lei. Num grupo, no Huambo, uma menina disse que “o direito é algo reconhecido pela Lei”. Somente numa escola em Malange, os alunos (9ª classe) explicaram com cla-reza que quem é vítima de abuso dos seus direitos poderá recorrer à Justiça - “a lei é para cumprir, mas também é para defender aquilo que é teu”.

Contudo, nenhum participante explicou que os Direitos Humanos estão consagrados como prin-cípios fundamentais da Constituição Angolana e não mostraram ter conhecimentos sobre os Tra-tados Internacionais que foram ratificados por Angola. Na maioria dos grupos focais, os alunos enumeraram os direitos humanos; somente numa escola, em Malange, um participante explicou que os direitos estão divididos em categorias - “direi-tos políticos, económicos e sociais”. Nenhum parti-cipante mencionou os direitos culturais.

Um número significativo de participantes con-fundiu Direitos Humanos com o estudo da Lei ou o exercício de alguma profissão associada ao siste-ma de Justiça. Não se notou uma diferença signifi-

cativa de conhecimentos sobre Direitos Humanos entre os alunos das escolas públicas e das escolas católicas. Também não houve diferenças signifi-cativas em termos de conhecimentos sobre Direi-tos Humanos entre os alunos de 6ª classe e da 9ª classe.

4.2 Direito à EducaçãoO direito à educação foi discutido em todos os grupos focais que foram realizados. Os facilita-dores contaram a estória dos amigos Bernardo e João (cf. Anexo 2 - Ilustração Nº 1). O pai de Ber-nardo é professor; ele matriculou o Bernardo na escola. Bernardo falta muito às aulas, não estuda e faz o que quer. O pai de João é mecânico e não matriculou o filho na escola, dizendo que é mais importante para o filho trabalhar na oficina para aprender ser mecânico e ter uma profissão. As in-formações apresentadas a seguir são o produto de análise pelos alunos da estória contada em termos de direitos e deveres dos pais e dos filhos no con-texto da educação.

Deveres dos pais e direitos dos filhos

Os participantes nas discussões mostraram que os alunos sem excepção entendem o carácter inalie-nável do direito à educação. Em todos os grupos, os participantes disseram que é dever dos pais matricular os filhos e sustentá-los na escola; dis-seram que todo o ser humano e todos os cidadãos têm o direito de estudar. Os participantes expli-caram que a educação da escola é importante para ter um futuro, aprender uma profissão e para “ser alguém” na sociedade.

“Se não sabermos ler, não vamos ser nada na vida. Se um dia nos derem casa, não vamos saber assinar o documento” (Huambo).

Muitos alunos disseram que para os filhos serem bem-sucedidos na escola, os pais têm o dever de acompanhar os estudos dos filhos. As actividades de “acompanhamento” descritas por muitos alunos

Resultados: Grupos focais com alunos

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foram as de acompanhar as tarefas, contactar com os professores para assegurar que o filho estude e se comporte bem na escola e participar nas reuniões escolares. Os outros comportamentos que os alu-nos julgam serem deveres dos pais são ter paciência com os filhos, proporcionar o tempo de dar aten-ção e carinho, conversar e aconselhar e preocupar--se com os filhos quando os filhos estão doentes.

Alguns participantes explicaram que é importan-te respeitar o sonho da criança, procurar saber o que ela quer ser na vida e aconselhar a criança com base naquilo que ela sonha fazer na vida. Muitos participantes falaram que a criança tem direito à liberdade para escolher a sua profissão. Um parti-cipante em Benguela disse:

“Há pais que se lhes dizes quero ser isso e ele diz tens que ser aquilo. Fica complicado, às vezes, o filho sai de casa.”

De modo geral, os alunos fizeram uma distinção clara entre a educação na escola e o dever do pai acompanhar o processo de educação escolar e a educação de casa que é responsabilidade dos pais.

“A educação que recebemos em casa é a base de nossa identidade” (Huambo).

Os alunos opinaram que os pais têm de consultar e ouvir os filhos, reconhecendo que os filhos tam-bém têm o direito de expressar as suas opiniões. Na visão de muitos, os pais deverão orientar-los com base na vontade dos filhos; não deverão obri-gar os filhos a fazerem coisas sem ouvirem as suas

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opiniões. Alguns participantes acrescentaram que os pais têm o dever de castigar os filhos quando os filhos se comportam mal.

Muitos falaram que é um abuso dos direitos da criança obrigá-la a fazer trabalhos pesados. Ne-nhum participante concordou com a decisão do pai de João não matricular o filho na escola. Al-guns, poucos, admitiam que o João fosse à oficina nos seus tempos livres, enquanto fosse estudante. Outros disseram que nos tempos modernos o João nunca poderia ser um mecânico sem estudar. Ou-tros acrescentaram que, sem estudar, o João não vai poder saber distinguir e controlar as peças dos veículos. Julgam que o João, em consequência da decisão do pai, corre o risco de ser mais tarde de-sempregado e sem estudos. Um aluno em Bengue-la disse:

“Aprender uma profissão não justifica não estudar”.

Outro aluno, também em Benguela, disse que se o João trabalhar fora das horas de estudo, ele pode-ria ganhar algum dinheiro para comprar as coisas que ele precisa para estudar.

Deveres dos filhos

Todos os participantes se mostraram conscien-tes de que o direito de estudar confere também o dever de aproveitar e valorizar os estudos. vários participantes explicaram que o aluno tem a res-ponsabilidade de participar na aula e em outras actividades escolares, chegar a horas à escola, não perturbar a turma, não faltar à escola e fazer as ta-refas.

Muitos realçarem que o gozo do direito à liberda-de passa pelo processo de viver a liberdade com responsabilidade. Alguns falaram da importância de estudarem para serem um dia independentes e terem a capacidade de ganhar a vida e evitar a po-breza.

Na maioria dos grupos, os participantes falaram da importância de respeitar os outros colegas e não os ofender. Em Benguela e Malange, os participantes

disseram que os alunos têm a responsabilidade de não bater e não roubar outros colegas.

Falou-se mais sobre a importância de colaborar e não desrespeitar o delegado de turma nos gru-pos focais realizados em Luanda comparando com os realizados em outras províncias. Numa escola, também em Luanda, disseram que não se deve “prometer surra ao Delegado”. Só alguns grupos em Malange e poucos no Huambo e em Benguela falaram sobre a importância de cumprir os regu-lamentos da escola.

Muitos participantes falaram da importância de respeitar ou obedecer aos professores. Houve uma menina numa escola de Benguela que referiu a necessidade de respeitar também as empregadas de limpeza e o outro pessoal de apoio na escola. Outros falaram ainda que é dever da criança não copiar os maus exemplos dos adultos. O mesmo grupo considera que é responsabilidade da criança ter “boas companhias”.

Importância da Educação

Os participantes em todos grupos concordaram sobre a importância da educação. Opinaram que a educação é o alicerce da vida; explicaram a neces-sidade de saber ler para assinar documentos e de-ram exemplos de documentos que é preciso assinar na vida quotidiana; disseram que se não souberem ler serão humilhados e chamados analfabetos. E, finalmente, disseram que sem educação, a pessoa não terá acesso a emprego e não será ninguém na vida ou na sociedade.

Muitos acrescentam que precisam de ser educados para garantir o futuro da família e ajudar os seus próprios pais quando forem velhos. Na maio-

Resultados: Grupos focais com alunos

“Escolas sem professores devidamente formados prejudicam os alunos e o futuro do país.”

Grupo focal de alunos - Malange

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Surgiu também a preocupação,

“Podemos ter o direito de estudar, mas se não tiver-mos as condições mínimas, não vamos conseguir” (Malange).

Os participantes falaram da importância da edu-cação na formação do cidadão. Disseram que a educação facilita

“Saber o que se passa na realidade e aprender os limi-tes como cidadão” (Huambo).

Em alguns grupos, os participantes afirmaram que a educação forma a pessoa para viver e convi-ver com os outros na sociedade, para ser aberta a ideias novas e para saber distinguir o bem e o mal. Outros consideraram que as pessoas educadas não são facilmente enganadas. Em Malange, os par-ticipantes em alguns grupos realçaram o papel da educação na formação para saber exercer os seus direitos e para saber defender-se dos maus tratos.

Outro aluno, no Huambo, diz que a educação faz com que,

“Cada um tem o que é seu e não tem de ir buscar aquilo que é do outro” (Huambo).

Outro aluno, em Malange, falou que sendo edu-cado

“Não teremos de ir no caminho da ilegalidade”.

Violação do direito à educação

Nas quatro províncias, os participantes disseram que ainda é comum que o direito da criança à edu-cação seja negado. Os exemplos que deram incluí-am crianças que vivem na rua e disseram que estas crianças vivem muitas vezes na rua por causa de maus tratos da parte dos pais ou tutores. Outras crianças que não têm acesso à educação são crian-ças de famílias pobres quando os pais não têm di-nheiro para pagar o necessário para os filhos irem à escola; são crianças obrigadas a ir à lavra, a ven-der na praça ou a tomar conta da casa, em vez de ir à escola.

ria dos grupos, os participantes explicaram que a educação sustenta o desenvolvimento do país. Explicaram que, se não houver acesso à educação, o país não terá professores e outros profissionais. No Huambo, um grupo explicou que é através da educação que a sua geração procura aprender as competências e o profissionalismo para dirigir o país no futuro. Uma menina, num grupo em Lu-anda, disse que a educação forma-os para gerir os recursos do país. Participantes num grupo, no Huambo, disseram que se notam os resultados de educação na prática:

“Podemos ver as aplicações práticas. Por causa de educação há novas escolas construídas e mais alunos a estudar” (Huambo).

Um outro grupo, no Huambo, opinou:

“Sem estudos não haverá criatividade, novas pontes, estradas, construções e novas tecnologias”.

Por outro lado, foram vários os participantes que falaram da importância da qualidade da educação. Participantes num grupo em Malange disseram:

“Escolas sem professores devidamente formados pre-judicam os alunos e o futuro do país.”

Em todas as províncias descrevem casos de pro-fessores que batem, chamam nomes aos alunos e procuram outras formas de humilhar o aluno. Há professores que não admitem que o aluno faça per-guntas. Disseram que há escolas onde o professor vem em estado de embriaguez para dar aulas. Há escolas onde os professores chegam tarde e faltam muito. Disseram que:

“Há professores que são professores por necessidade não por vocação” (Benguela).

Disseram que a corrupção persiste. Falaram que há alunos que apenas sabem ler e escrever e são aprovados e há professores que pedem dinhei-ro ou favores sexuais em troco de boas notas. Na província de Benguela, disseram que os livros es-colares que deveriam ser gratuitos, são vendidos.

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Um aluno, em Benguela, contou que tem um co-lega que tem “problemas de locomoção” e que um professor faltou respeito ao seu colega dizendo:

“Aqui nesta escola não é escola de deficientes físicos e os deficientes físicos deveriam estar nas escolas es-peciais.”

Na província de Malange, alguns participantes também disseram que as crianças deficientes físi-cas não são admitidas em todas as escolas.

Um aluno, no Huambo, disse ter pesquisado na internet e viu que após a Segunda Guerra Mundial, houve pais na Europa a tirarem os filhos da escola para irem trabalhar. Ele disse que hoje em dia, em Angola, há pais que fazem a mesma coisa, fazendo que os filhos faltem muito à escola por serem obri-gados a pastar os bois ou a cuidar da casa.

4.3 Direito à VidaOs participantes na maioria dos grupos concorda-ram que sem vida não haverá pessoas para gozarem de outros direitos. Estando em vida, o indivíduo tem responsabilidade para cuidar da sua vida e da vida dos outros. Um disse: “se matar não pode de-volver a vida”. Em vários grupos, os participantes fizeram referências ao aborto. Um aluno disse:

“... é-lhes tirada a vida, antes mesmo de nascerem; se o Homem veio do macaco e o macaco de Deus; en-tão, conforme Deus nos deu a vida, é conforme pode nos tirar; não devermos tirar a gravidez, mas nascer; o aborto não é certo porque suja a reputação da mu-lher e não fica bem psicologicamente”.

Alguns participantes explicaram que Deus deu a vida e as mães não têm o direito de abortar a vida de um bébé. Dois participantes, ambos da 9ª clas-se, referiram que pessoas com debilidades físicas

Resultados: Grupos focais com alunos

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têm o mesmo direito à vida que qualquer outra pessoa.

vários participantes explicaram que é errado tirar a vida de alguém, como também é errado tirar a sua própria vida. Um único participante disse que tirar a vida de alguém é pecado.

A maioria dos alunos mostrou plena consciência da responsabilidade que o ser humano tem de cui-dar da sua vida. Alguns participantes falaram da responsabilidade que cada um tem por “respeitar e preservar a vida própria e amar a vida de forma a não tirar a vida do outro”.

Na maioria dos grupos focais os participantes enu-meraram várias maneiras de cuidar da vida. Tanto na 6ª como na 9ª classe falaram de alimentar-se bem, ir ao médico quando se está doente, não to-mar medicamentos “à toa”, ter cuidado com a hi-giene corporal e apanhar vacinas. Os participantes da 9ª classe falaram mais frequentemente sobre a sexualidade responsável, os riscos de terem mui-tos parceiros sexuais e como prevenir esses riscos.

Muitos recomendaram comportamentos em re-lação aos acidentes e à não-violência. Falaram de não provocar acidentes na estrada por descuido, como, por exemplo, levantar a roda da mota ou fazer corridas de mota, não conduzir em estado de embriaguez e atravessar a estrada com cuidado. Falaram ainda sobre a prevenção de outros tipos de acidentes como acidentes com gás de cozinha e com electricidade. Recomendaram não lutar com garrafas, não lutar entre conhecidos, não empur-rar quem não sabe nadar, não envenenar as pes-soas e ter cuidado para não se encontrar em sítios onde há bandidos.

Foram poucos os participantes que se mostraram preocupados com o ambiente; estes argumenta-

ram que ter vida confere também a responsabili-dade para cuidar da terra, das plantas e dos ani-mais.

4.4 Direito à LiberdadeSurgiu uma discussão aprofundada sobre o direito à liberdade em menos de metade das escolas. Os grupos que discutiram o direito à liberdade foram tanto da 6ª classe como da 9ª classe e as discussões ocorreram tanto em escolas públicas como em es-colas católicas.

Os participantes apresentaram ideias claras sobre o direito à liberdade. Primeiro mostraram plena consciência da importância do direito a liberda-de - “Sem liberdade somos escravos” (Benguela). Contudo, consideraram imprescindível que a li-berdade seja exercida de uma forma responsável dentro da sociedade e em conformidade com as leis. A palavra mais usada para descrever a falta de responsabilidade no exercício de liberdade foi “libertinagem”. Os participantes referiram ideias como:

“Todos temos liberdade mais cada um tem que saber viver em liberdade” (Malange);

“... ninguém tem direito de privar outro [do seu di-reito] e algumas pessoas com 18 anos têm liberdade mas não têm responsabilidade” (Luanda);

“Ser livre não significa fazer o que quiser, mas é ter direitos e deveres” (Benguela);

“[Liberdade] é ser o que queres ser e fazer o queres fa-zer, mas não fazer coisas más” (Huambo).

Notou-se também uma preocupação com a possi-bilidade de “muita liberdade” poder trazer proble-mas. Um participante disse:

“a liberdade pode trazer muitos benefícios ou não; se formos muito livres, poderemos desrespeitar os nossos governantes” (Huambo).

“Ser livre não significa fazer o que quiser, mas é ter direitos e deveres.”

Grupo focal de alunos - Benguela

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Resultados: Grupos focais com alunos

vários participantes falaram especificamente so-bre a situação das crianças, sublinhando que a criança tem direito à liberdade, mas dentro de de-terminados limites:

“As crianças têm direito a liberdade porque se fica-rem muito tempo trancadas em casa, não vão saber andar na rua; sem liberdade não poderemos conhecer outros sítios” (Luanda);

“As crianças são livres, mas não são livres para fa-zerem coisas erradas. Devem respeitar os pais” (Hu-ambo).

Liberdade é “fazer aquilo que quisermos (cantar, dançar, brincar) sem passar os limites” (Luanda).

Em vários grupos, discutiram o propósito da li-berdade e muitos participantes descreveram com clareza a ideia de que a liberdade é para ser exer-cida a fim de realizar algo. O tema de construir felicidade, amor e estar bem na família surgiu em muitas discussões,

“Não podemos ficar só num sítio como se fossemos presos; todo o ser humano deve ser livre... para po-dermos ter amigos, conhecer e amar alguém” (Lu-anda).

Nas províncias de Huambo e Malange houve al-guns grupos que discutiram a liberdade de ex-pressão. De novo, os participantes foram claros em dizer que a pessoa goza de liberdade de expres-são e de pensamento, mas os seus actos têm que estar em conformidade com a lei. Um aluno da 9ª classe, em Malange, disse que o respeito pelo di-reito à liberdade de expressão evitará muitos casos de violência doméstica. Outro participante, em Malange, opinou que:

“... a liberdade de expressão é importante porque permite ao cidadão dizer tudo o que sente e vê, desde o mau funcionamento das instituições, como das ac-ções do governo” (Malange).

O mesmo aluno considera que todos têm o dever de lutar a favor da liberdade de expressão.

4.5 Direito à Integridade física

Notou-se uma preocupação em várias discussões sobre a segurança física. Contudo, os participan-tes tiverem maior tendência a considerar que o indivíduo tem a responsabilidade principal para evitar situações de violência. Fizeram recomen-dações como não andar em zonas ou a horas “em que há bandidos”. Somente em duas escolas, uma no Huambo e outra em Luanda, os participantes fizeram referências à responsabilidade do Estado para garantir a segurança do cidadão.

“O ser humano tem direito à segurança da parte do Estado; todo o ser humano tem direito a permanecer em segurança em qualquer parte do Estado, porque se não os bandidos podem até lhe matar” (Huambo);

“Todos os indivíduos com base na personalidade ju-rídica devem ser protegidos e viver em bairros que lhes dá segurança” (Luanda).

4.6 Direito a TrabalhoParticipantes de muitos grupos, nas quatro pro-víncias, disseram que os pais têm de ter trabalho para comprar alimentos, roupa, pagar renda de casa e pagar propinas. Explicaram que:

“Se os pais não têm trabalho para comprar coisas, as crianças vivem na rua sem comida e sem educação” (Malange).

“Alguns pais não têm nada para comprar alimentos. Neste caso não devem fazer filhos. Estão a fazer filhos para sustentar os pais” (Benguela).

“Sem o vestuário não podemos nos proteger do frio e da chuva e não podemos ir à escola. Não podemos an-dar totalmente nus para que todo o mundo veja como ele é, o nosso corpo é templo do Senhor” (Benguela).

“Quando vamos arranjar um emprego a apresenta-ção é tudo; uma pessoa mal apresentada jamais será aceite num local de trabalho” (Benguela).

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Alunos da 9ª classe, numa escola pública, no Hu-ambo, disseram que o direito económico, é im-portante por ser a base do desenvolvimento e crescimento do país:

“O país e as pessoas sem economia não têm desenvol-vimento e o país não vai crescer”.

Um aluno explicou que o desenvolvimento econó-mico facilita a melhoria das condições sociais para as famílias. E acrescentou:

“Sem economia não conseguimos entrar na mobili-dade social, quer horizontal e quer vertical”.

Na mesma escola, um aluno da 6ª classe disse,

“Por vezes o governo dá trabalho mas o Homem tem preguiça para trabalhar”.

4.7 Direito à FamíliaAlguns grupos, nas quatro províncias, discutiram a importância do direito à família. Uns descre-veram a família como sendo uma família nuclear - mãe, pai e irmãos - e outros descreveram-na como sendo um grupo alargado de pessoas unidas por laços de sangue. Para todos os que discutiram o conceito da família, o mais importante é que a família seja feliz e que viva em harmonia. A jus-tificação foi que a família feliz assegura carinho e amor às crianças, fazendo com que as crianças te-nham ânimo para “ir em frente e estudar bem”.

Uma menina disse: “A minha família está separada e sinto-me mal por isto. Onde há felicidade, os pais estão juntos” (Huambo).

Outro rapaz, no Huambo, disse:“Não vale a pena termos famílias se o pai bate na mãe, se não têm bons hábitos e o pai bebe, porque não ajuda. Os pais não devem beber e chegar em casa e baterem nos filhos e na mulher sem motivo. Uma família onde os pais be-bem, fica desorientada.”

Uma menina em Benguela descreveu o caso de uma amiga sua cujo pai bateu tanto na mulher que pensou tê-la morto. O pai perdeu o emprego a seguir e, mais tarde, a mãe faleceu. Hoje ,o pai tornou-se alcoólico e bate nos filhos quando está em estado de embriaguez.

Participantes em vários grupos referiram a res-ponsabilidade da família para educar e aconselhar os filhos de modo a que estes se tornem úteis à so-ciedade.

“Aprendemos na família aquilo que não aprendemos na escola. Crescemos e aprendemos a distinguir o bem e o mal” (Luanda).

Alguns enfatizaram a importância do acompa-nhamento do pai nos estudos e em outras activi-dades na vida. Outros falaram da responsabilidade dos pais em aconselhar os filhos,

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“As crianças podem escolher o que é melhor para si, mas às vezes há escolhas que não podemos fazer, se for uma decisão que dará resultados negativos, aí o pai tem que explicar que a escolha não é boa” (Benguela).

Muitas crianças consideraram que, quando os pais não conhecem ou não respeitam os direitos da criança e quando as crianças são maltratadas, fo-gem para viver na rua. Alguns disseram que acon-tecem casos de jovens que se tornam drogados em consequência dos maus tratos sofridos em casa. Surgiram discussões, nas quatro províncias, sobre violência doméstica e violência dentro da família.

4.8 ViolênciaA pesquisa procurou obter informações sobre o modo de recurso, quando existem abusos através da investigação do tema de experiência de violên-cia e as respostas consideradas comuns e adequa-das no caso de violência. A secção a seguir aponta as informações recolhidas sobre violência na fa-mília, violência na escola e violência na comuni-dade em geral. Um grupo em Huambo opinou que a agressão física, o homicídio voluntário e a guerra travam o desenvolvimento de uma sociedade.

Violência na família

Na maioria dos grupos focais realizados os par-ticipantes descreveram casos de violência no seio da família e na comunidade. Disseram que há pais que batem e gritam em vez de falar educadamente e corrigir os erros dos seus filhos. Deram exemplos de crianças que são batidas por não lavar a loiça, por não querer ir dormir quando são mandadas, por não cumprir uma tarefa como foi mandado e por saírem de casa sem autorização. Um grupo em Malange opinou que o castigo apropriado nestes casos seria,

“…tirar televisão, bonecos, passeios, pois ela [a criança] é um ser como o próprio pai”.

Outros alunos, no mesmo grupo, acham que a criança merece ser batida com uma vara se ofen-

der uma pessoa na rua. Num grupo, no Huambo, um menino de sexta classe opinou:

“Não é mau que o pai bata desde que não aleije, não faça mal e não prejudique”.

Os participantes descrevem casos específicos de maus tratos a crianças pelos seus próprios pais ou tutores, nas quatro províncias. Um grupo em Malange descreveu o caso de um menino que rou-bou leite e o pai colocou os mãos do filho em água quente queimando-as de tal maneira que não po-dia escrever na escola. Os participantes julgaram que isto foi uma grande irresponsabilidade da par-te do pai e que este deveria educar - e não agredir - o seu filho. Também em Malange, os participantes contaram os casos de uma mãe que queimou a mão do filho por ele ter roubado dinheiro e de um pai que queimou o pé do seu filho porque achava que o menino resmungava muito. Os participantes fa-laram de um menino que,

“... é o filho mais velho e os pais obrigam-no a ir vender. Senão, não come ou poderá vir a ser expulso de casa” (Malange).

Um grupo, no Huambo, descreve o caso de um vizinho que “batia sempre no seu filho até criar manchas no corpo”. Neste último caso, os outros vizinhos falaram com ele e ele mudou e melhorou o seu comportamento.

Em Luanda um grupo opinou,

“Os pais aprisionam ou proíbem os filhos, tirando a liberdade, porque têm medo que eles façam o que os pais fizeram”.

Os participantes num outro grupo, em Luanda, contaram casos que ocorreram nas suas famílias. Um menino contou a história de um primo que

“… foi surrado tanto pela tia que quase morreu e teve de ser levado ao hospital”.

Outro disse que o seu pai zanga-se com facilida-de e uma vez lançou um prato de vidro à mãe. Um aluno descreveu o caso da sua avó que tentou sui-

Resultados: Grupos focais com alunos

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cidar-se colocando químicos de pilhas na comida dela. Uma menina contou o caso de uma sua amiga a quem o pai molhava primeiro antes de bater para que o castigo com vara doesse mais.

Violência entre casais

Os participantes, nas quatro províncias, contaram episódios de violência doméstica, principalmente de maridos que batiam nas suas esposas por razões tão banais como não fazer o jantar ou não cuidar das galinhas. Um grupo em Malange descreve o caso de um marido que “veio stressado de Luanda” e deu “um soco” na esposa que caiu morta no mes-mo momento. Um outro grupo, na mesma pro-víncia, fala de um senhor que deitou óleo quente na sua esposa, mas ela permanece em casa por não ter lugar onde refugiar-se. Os participantes neste grupo concordaram que muitas mulheres

“… suportam maus tratos porque não podem falar. Vivem e sofrem em silêncio”.

Nas quatro províncias, vários grupos discutiram abortos provocados como sendo um abuso contra o direito de toda criança a nascer. Em alguns casos os participantes consideram a prática de aborto como sendo uma forma de violência doméstica. Todas as discussões foram com base em casos reais que ocorreram dentro das famílias ou na comuni-dade. Em Benguela, dois grupos diferentes des-creveram casos de meninas que faleceram como consequência de abortos provocados; em ambos os casos a menina que fez o aborto sangrou duran-te vários dias sem que alguém se tenha apercebido da situação de perigo a vida. Todas as histórias ti-veram elementos semelhantes. Os namorados não quiseram assumir a responsabilidade e, por vezes, deram dinheiro para a menina realizar o aborto. Em alguns casos, as mães ou as tias, com o co-nhecimento dos pais, assumiram a organização do aborto.

Todos os participantes que opinaram sobre este assunto expressaram sentimentos de ofensa e até de cólera quando falaram. Uma menina disse:

“Abortar significa desrespeitar a vida e perante estes casos eu diria que se quando a tua mãe estava grávida não te abortou, porque é que tu vais tirar a vida de outro?”

Um rapaz de 9ª classe disse que “quem namora tem que aceitar as consequências do namoro”.

Um grupo, no Huambo, falou de um caso de in-fanticídio no seu bairro. Um senhor não gostava de sua mulher que estava grávida. Quando nasceu o bebé, o marido não quis que a mulher ficasse com o bebé e bateu o bebé no chão até ele morrer. Neste caso, todos foram unânimes em dizer o re-curso certo seria ir à Polícia.

Violência na comunidade

Os participantes nos grupos focais relataram ex-periências de violência no dia-a-dia da sua co-munidade, nas quatro províncias. Não foi notado qualquer diferença no tipo ou na gravidade dos casos descritos nas quatro províncias. Contudo, os alunos em Luanda parecem viver em maior proxi-midade e ter com maior frequência experiências de violência.

Em todas as províncias os participantes descreve-ram casos de brigas entre jovens que variam entre brigas que se resolviam entre as pessoas envolvidas até lutas com o uso de facas, garrafas partidas e te-souras. Na maior parte dos relatos não aparentava existir uma “causa maior” para as brigas. Em Ma-lange e Luanda falou-se de “gangues” que fazem confusão nos bairros; quando a Polícia é chamada, os mesmos “gangues” fazem confusão com a Polí-cia.

Contaram casos de roubo em todas as províncias. Entretanto, assaltos a casas e roubos associados a assassinatos foram mais frequentemente referidos pelos participantes nos grupos focais de Luanda.

Os participantes, nas quatro províncias, falaram de desentendimentos entre vizinhos que levaram a actos de violência. No Huambo, dois vizinhos lutaram porque um devia dinheiro ao outro e não

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lhe pagou; os outros vizinhos chamaram a Polícia que resolveu o assunto no local.

Um jovem, em Luanda, contou a história de um vizinho adulto que atirou pedras e garrafas a um grupo de rapazes que jogavam à bola porque a bola fez cair o seu pincho no chão. O grupo opinou que o senhor não devia fazer justiça por mãos próprias e que a resposta correcta nesta situação seria soli-citar dinheiro para comprar outro pincho.

Num mercado, no Huambo, duas crianças fo-ram encontradas amarradas num contentor. Uma criança morreu no contentor e outra morreu a ca-minho do hospital. O dono de contentor fugiu, ninguém sabia quem eram as crianças e a comuni-dade não sabe mais sobre o assunto.

Violação sexual

Nas províncias de Benguela, Luanda e Malange, os participantes descreverem casos de violação se-xual. Num caso em Benguela, a moça reconheceu

os moços que a violaram e foi assassinada. Os per-petradores foram encontrados. No grupo surgiu uma discussão sobre o devido tratamento. Uns defendem que os perpetradores também devem ser mortos. Outros disseram que não se deve fazer justiça por mãos próprias e outros achavam que os perpetradores deveriam ser presos.

Um grupo em Malange contou o caso de um jo-vem que violou raparigas diferentes. Quando uma queixa é feita à Polícia, o perpetrador é detido por pouco tempo na esquadra; aconteceram casos em que ele volta à comunidade no mesmo dia. Os moradores sentem-se frustrados, mas não sabem o que fazer.

Abuso praticado por pessoas em posição de autoridade

Em Malange, um aluno contou que estava na fila do SIAC - Serviço Integrado de Atendimento ao Cidadão, quando apareceu um comandante que foi direitamente ao balcão e foi atendido. O alu-

Resultados: Grupos focais com alunos

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no, descontente, perguntou à jovem balconista porque que o senhor foi atendido primeiro. O co-mandante disse que o jovem estava a desrespeitar a sua autoridade, questionando o seu comporta-mento. O jovem respondeu: “todos temos direitos [de atendimento] iguais”. O comandante prendeu o jovem. Na esquadra, os outros polícias diziam:

“ Neste mundo só sobrevive quem está em cima”.

Quando o pai do jovem chegou, que também é chefe da polícia, os responsáveis da unidade men-tiram e disseram que o jovem assaltou uma can-tina. Até que a verdade fosse esclarecida, o jovem teve problemas sérios com o seu próprio pai. O jovem lamentou: “No nosso país não há liberdade de expressão e de pensamento. Quando as pessoas dizem o que pensam ou manifestam-se são maltratadas e nalguns casos são mortas”.

Num grupo, em Luanda, um jovem disse que a demolição à força de casas e o desalojamento de pessoas à força de um bairro para outro é uma vio-lação de direitos.

Em Luanda, dois grupos contaram histórias de abuso em termos de acesso aos serviços de saúde. Um jovem contou que o seu vizinho levava um fi-lho muito doente a hospital. Os guardas não qui-seram abrir o portão e o vizinho rompeu o portão com o carro. Num outro caso, uma mulher fez o parto fora do hospital porque os guardas não abri-ram o portão.

À pergunta qual seria a acção ou a resposta certa quando confrontados com situações de violência, muitos participantes opinaram que quando não for um assunto muito grave recorre-se primeiro ao diálogo e aos mais velhos na comunidade. Quando for um assunto de maior gravidade, a maioria op-tou por recorrer à Polícia.

“Levar o caso à Polícia porque a Polícia é quem de-fende os nossos direitos” (Huambo).

Em Benguela, quando se tratasse de uma clara vio-lação do direito de uma criança, os participantes

recomendaram recurso ao INAC. Houve um par-ticipante no Huambo que propôs mostrar a pági-na do manual de Educação Moral e Cívica sobre os direitos de criança ao pai que batesse no seu filho. No caso de casos de violência doméstica descrito em Benguela e no Huambo os participantes reco-mendaram que as vítimas recorressem à Promoção de Mulher e em alguns casos à OMA. Em Luanda, alguns defenderam o recurso ao pároco quando se tratasse de um assunto de família.

Um grupo, no Huambo, contou o caso de uma mulher cujo marido lhe batia quando desapa-recesse uma galinha do quintal. O marido dizia que se juntou a ela para ela cuidar das galinhas. A mulher foi aconselhada pelos vizinhos para fazer queixa à OMA, mas a mulher temia que o marido a matasse se fizesse uma queixa. Outros alunos dis-seram que, neste caso, a senhora deveria recorrer ao Ministério de Justiça para queixar-se do mari-do que ameaçava matá-la.

Quando os participantes falaram de recorrer às autoridades falou-se principalmente da Polícia. Em poucos casos, os participantes recomendaram recorrer à Administração ou ao Tribunal.

Violência na Escola

Em 77% dos 43 grupos focais realizados, os parti-cipantes descreveram casos de violência na escola. Os casos mais comuns são: roubo de coisas de co-legas como lápis, cadernos e outras coisas de uso de rotina na escola; brigas e agressões entre cole-gas e destruição de património da escola, nomea-damente escrevendo nas paredes e nos bancos.

Em resposta à pergunta, qual o recurso apropria-do quando houver casos de violência na escola, os participantes apresentaram sugestões adaptadas a diferentes categorias de violência. Por casos me-nores, como o roubo de material escolar, a maioria propôs falar primeiro com o colega e, se não re-sultar, falar com um professor ou com os encarre-gados de educação. Em Luanda, os participantes num grupo propuserem envolver o chefe de tur-

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ma. No caso de serem agredidos por outros cole-gas, uns meninos disseram que,

“… é devolver primeiro a chapada e queixar-se a se-guir”.

Contudo, houve também um rapaz que disse que não devolver a chapada não significa que a pessoa vítima seja “burro”.

Na mesma linha, muitos falaram que vão buscar mais velhos para ajudar a enfrentar os agresso-res. Somente em algumas escolas, em Luanda, os participantes descreveram o fenómeno de alunos criarem grupos,

“Eles vivem dentro dos seus grupos e discriminam contra os outros”.

Quando os participantes falaram de recorrer à Di-recção por causa de um problema com um profes-sor, surgiram algumas discussões sobre a eficácia deste recurso. A tendência é pensar que recorrer à Direcção da escola não resulta quando se tratar de um problema com um professor porque a Direcção optará sempre por proteger o professor. Em Ma-lange, um grupo sugeriu recorrer à Associação de Estudantes ou ao Ministério de Educação no caso de um professor que pratique actos de violência.

Aconteceram também discussões sobre o recurso à Polícia. Uns disseram que a Polícia tem obriga-ção de proteger as pessoas e outros afirmam que a Polícia prende e bate às pessoas, não resolvendo nada. No Huambo e em Malange, alguns partici-pantes falaram especificamente sobre a Brigada Escolar, como sendo a Polícia de primeiro recurso, quando acontecem casos de violência na escola.

Alguns participantes disseram que, no caso de um aluno persistir num comportamento que perturbe os colegas na sala de aulas, este aluno deverá ser expulso da escola.

Os participantes apresentaram casos isolados de violência e casos mais graves como um professor (Benguela) que procurou obrigar uma aluna a “na-

morar” com ele, em troca de boas notas e o caso (também em Benguela) de alunos que partiram o vidro do carro de um professor porque não obti-veram boas notas nos exames. Numa escola, em Luanda, as meninas relataram o caso que ocorreu numa outra escola onde as casas de banho para os alunos estão fechadas. Uma menina que precisava ir à casa de banho foi sozinha a uma outra escola perto da sua escola, pois a casa de banho da sua es-cola encontrava-se fechada por estar degradada. Lá, foi surpreendida por um grupo de delinquen-tes que a violaram. Os participantes consideravam que a violência ocorreu como consequência de um acto errado por parte da Direcção da escola que fechou as casas de banho.

Feitiçaria

Nenhum grupo, em Luanda, falou de feitiçaria. Os participantes em quatro grupos- de Benguela, Huambo e Malange - discutiram o fenómeno de crianças serem acusadas de feitiçaria. Dois grupos - um em Huambo e outro em Malange - contaram casos de dois rapazes que foram expulsos de casa por serem acusados de feitiçaria. Em ambos os ca-sos houve envolvimento de “kimbandeiros”. Num segundo caso, em Malange, a criança foi obrigada participar numa cerimónia de juramento con-duzida por um “kimbandeiro”. A criança faleceu depois de beber o líquido usado na cerimónia. Os pais e o “kimbandeiro” tiveram de fugir do bairro.

Em todos os casos discutidos, os alunos conside-raram que a acusação de feitiçaria é um flagrante

Resultados: Grupos focais com alunos

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abuso dos direitos de uma pessoa, quer seja adulta ou criança. Uma aluna, em Malange, disse que as crianças nunca devem ir ao “kimbandeiro” e outra aluna acrescentou que os pais nunca têm o direito de expulsar uma criança de casa porque a criança não tem idade para viver sozinha.

Alguns alunos que discutiram sobre a feitiçaria re-comendaram o recurso ao INAC quando aconte-cerem acusações de feitiçaria contra uma criança. Um menino, em Malange, disse que uma criança que está sendo abusada fisicamente pelos pais ou pelos tutores, poderá recorrer a um lar [de acolhi-mento].

4.9 Democracia participativaA disciplina Educação Moral e Cívica introduz o tema da democracia e do exercício da democracia a partir da 7ª classe. Nos grupos focais, os facilita-dores procuraram recolher conhecimentos e opi-niões sobre o conceito de democracia e a prática de democracia na escola e na sociedade.

Conceito

A explicação mais frequente foi a de escolher, vo-tar ou participar em eleições. Palavras associadas a democracia foram paz, amor e harmonia. Muitos alunos, nas quatro províncias, falaram que o Esta-do democrático permite a participação do Povo na tomada de decisões. Outros enfatizaram a demo-cracia como sendo uma garantia para a liberdade de escolha e de expressão. Alguns grupos, no Hu-ambo, disseram que:

“A democracia é todos unidos para defendermos o país”.

Em Malange, um grupo falou que a democracia é uma

“Forma de escolher ou votar para chegar a uma deci-são para a sociedade”.

Um outro menino, no mesmo grupo, em Malan-ge, explicou:

“Democracia vem do grego e significa poder do povo”.

Muitos grupos explicaram o que significa o acto de votar. Um grupo, no Huambo, explicou que votar

“É um acto de entrega de um boletim para ser depo-sitado na urna”.

Um rapaz, da 6ª classe, em Malange, alertou que a democracia significa

“Escolher uma pessoa capaz, mas não com mentes compradas com motos, festas, dinheiro, etc”.

Um outro menino, da 6ª classe, em Luanda, disse que:

“Democracia é algo que o governo usa para fazer al-guém subir e descer de cargo”.

Os alunos falaram também de exemplos de demo-cracia que conhecem ou que observam. O exem-plo mais frequentemente citado foi o de eleger um delegado de turma. Em termos de frequência, as citações sobre as eleições presidenciais no país e sobre questões ligadas ao futebol foram iguais. Quanto ao futebol referiram a eleição do me-lhor jogador de mundo, a eleição do Presidente da FIFA e disseram que votam para o capitão da equipa, quando jogam futebol no bairro. Em ter-ceiro lugar, com frequências semelhantes, citaram eleições de miss e de governadores, directores de empresas e deputados. É de notar que um núme-ro significativo de alunos acham que os directores de empresa e os governadores são eleitos. Alguns alunos, nas quatro províncias, falaram de elei-ções para moderadores e para líderes juvenis nas Igrejas. No Huambo e em Malange, alguns alunos falaram de eleições para sobas, coordenadores de bairro e membros da comissão do bairro.

vários grupos, em Luanda, discutiram sobre a de-mocracia como sistema de governação. Uns acham que o sistema democrático permite

“Avaliar e escolher quem seja mais qualificado”.

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E outros opinaram que, apesar de a democracia, com eleições livres, ser a forma mais justa de go-vernar o país,

“O povo nem sempre acerta na sua escolha”.

Outros ainda referiram que o voto secreto evita que as pessoas sejam ameaçadas e representa uma escolha mais justa por eliminar o “amiguismo”.

Em Malange, dois grupos recomendaram acções para os jovens contribuírem na prática e no forta-lecimento da democracia. As propostas incluíram:

“Promover e lutar para que a democracia seja exer-cida; participar na mudança de mentalidade e im-plementar e sensibilizar as pessoas para evitar a bu-rocracia extrema, divulgando o conhecimento sobre Direitos Humanos”.

No segundo grupo, os participantes recomenda-ram:

“Estar informados; participar na criação de regras e normas; deixar a corrupção; criar mais debates sobre Direitos Humanos e procurar melhorar a aplicação dos Direitos Humanos na escola e na comunidade.”

Democracia na escola

O manual de Educação Moral e Cívica da 7ª classe introduz a ideia de praticar a democracia na sala de aula através da eleição para o delegado de turma.

A maioria dos alunos acha que a melhor maneira de escolher um delegado é por eleição porque ga-rante que a escolha seja da maioria. Uns acrescen-taram que o processo de eleger,

“evita ter um delegado que bate”(Benguela).

vários alunos, nas quatro províncias, explicaram que quando todos têm o direito a voto, a pessoa eleita sabe que ganhou honrosamente e os demais não podem reclamar ou recusar aceitar a autori-dade do delegado. Disseram que delegados que são nomeados não gozam de respeito da parte dos colegas. Muitos alunos referiram que o voto é uma manifestação de liberdade. Alguns alunos, no Hu-

ambo, disseram que quando o delegado é eleito, se não desempenhar bem a função, poderá ser subs-tituído. Muitos afirmaram que o delegado eleito, por ser da escolha da maioria, consegue manter ordem na turma na ausência do professor. Alguns alunos, em Malange, disseram que o voto

“Evita trocas de palavras entre os vários grupos na sala; evita golpe de Estado e contradições e evita es-colher uma pessoa errada ou incapaz”.

Contudo, foram poucos grupos que disseram que o delegado foi eleito na prática. Um grupo em Benguela explicou

“a melhor forma de escolher um delegado é de o ele-ger. O director de turma indicou o nosso delegado e nós não gostamos”.

Numa escola, no Huambo, os alunos explicaram que o professor nomeou o delegado sem consultar os alunos. Disseram que, inicialmente, provocou discórdia; mas a discórdia foi ultrapassada porque o delegado exercia as suas funções de uma maneira exemplar.

Um outro grupo, no Huambo, explicou que o de-legado foi nomeado pela professora que justificou a sua decisão, dizendo que ela conhece melhor os alunos. Os alunos opinaram que:

“o delegado por nomeação goza da confiança da pes-soa que o nomeou”.

Um grupo, no Huambo, disse que quando há di-ferenças de opinião sobre quem deverá ser o de-legado de turma, a melhor solução é pôr o assun-to em votação. Ao descrever o acto de eleger um delegado, uns falaram em boletim secreto; outros disseram que o professor coloca nomes no qua-dro e que os alunos votam nos nomes ao levantar as mãos; outros grupos disseram que o professor coloca os nomes no quadro e os alunos põem um x em frente do candidato de sua preferência.

Os facilitadores dinamizaram uma discussão so-bre o perfil de um delegado de turma no contex-

Resultados: Grupos focais com alunos

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to da prática de democracia na escola. As funções principais de um delegado parecem ser a manu-tenção de ordem na sala e a orientação dos alunos na ausência do professor. Poucos grupos falaram sobre a função de representar a turma e notaram--se apenas duas referências à função de “protecção dos colegas”. As características mais discutidas, por ordem de frequência, foram

a. Ser inteligente; alguns acrescentaram que o delegado deve ser um aluno com boas no-tas;

b. Ser disciplinado e responsável: falaram de ser um exemplo e ser disciplinado em termos de vir regularmente às aulas, ser pontual e respeitar as normas da escola. A maioria de alunos citou “responsabilidade” como sendo uma característica essencial de um delega-do. Contudo, somente em Luanda se apre-sentou uma explicação sobre o significado de “responsável”, sendo referido “não ser influenciável, possuir autoridade e assumir as suas decisões”;

c. Ser respeitoso e simpático, no sentido de não desrespeitar, disparatar ou ofender os demais colegas por ser delegado.

d. Não ser agressivo - foram referidos como exemplos de agressão que um bom delega-do deverá evitar: não bater nos colegas e não tirar coisas do lanche, sob justificação de castigo. No Huambo, alguns participantes disseram que o delegado não deve “exage-rar quando bater nos colegas” e não deve ter “uma mão pesada”. Alguns alunos discuti-ram a necessidade de ter um delegado gran-de, forte e alto. A justificação foi que uma pessoa que é grande não sofrerá pressões e ameaças da parte de outros colegas e, even-tualmente, poderá proteger os colegas mais pequenos contra agressões praticadas por alunos de outras turmas.

e. Bem apresentado: os alunos falaram de ser limpo, bem vestido e ter boa higiene.

Em dois grupos, um em Benguela e outro em Lu-anda, falou-se do papel de mediador entre cole-gas, quando houver diferenças de opinião. Muitos alunos, em Luanda, falaram sobre a importância de um delegado ter o sentido de justiça, defender a igualdade e saber distinguir o certo e o errado. Um aluno, no Huambo, opinou que “a única maneira de ser bom delegado é ser ditador”.

Um aluno de Benguela disse que o professor deve-rá nomear o aluno malandro como delegado para que este aluno ganhe juízo e responsabilidade.

4.10 Competências para a vida

A disciplina de Educação Moral e Cívica apresen-ta um conteúdo desenvolvido sobre “competências para a vida” e a consciencialização do aluno para que este adquira uma conduta responsável, livre e assuma as suas responsabilidades com base nas suas próprias decisões. Nas 6ª e 7ª classes, o con-teúdo realça questões gerais de higiene e os cui-dados a ter para prevenir as doenças. Os temas associados ao exercício responsável da sexualidade são desenvolvidos a partir da 7ª classe. Na maioria dos grupos focais com alunos de 6ª classe surgi-ram discussões e recomendações sobre higiene e a prevenção de doenças. Nota-se que os alunos percebem que eles têm de assumir a responsabi-lidade para tomar conta dos seus próprios corpos. Nas discussões com alunos da 9ª classe, as preo-cupações apresentadas foram relacionadas com a sexualidade segura e responsável, a importância de prevenir as gravidezes precoces e a responsa-bilidade que cada um tem de prevenir as doenças sexualmente transmissíveis.

4.11 Fontes de informaçãoQuando perguntados sobre as fontes de informa-ção para aprendizagem sobre os Direitos Humanos,

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Resultados: Grupos focais com alunos

participantes na maioria dos grupos focais falaram da disciplina Educação Moral e Cívica. Uns alunos falaram de outras disciplinas onde o professor que as lecciona aproveita determinados temas para discutir assuntos ligados a Direitos Humanos. As outras disciplinas mencionadas incluem “Língua Portuguesa”, “Educação Religiosa”, “Ciências da Natureza”, “História” e “Geografia”. Uma alu-na explicou que o professor de “Educação Física” falou sobre o direito à vida quando interveio para resolver uma luta entre dois jogadores.

Um número significativo de alunos disse que aprenderam sobre determinados aspectos de Di-reitos Humanos em casa com os seus pais. Uns ex-plicaram que o pai, a mãe ou os irmãos mais velhos estudam Direito ou outro curso na faculdade. Ou-tros falaram que os pais são professores ou agentes da Polícia. Uma aluna falou que a mãe é agente da Polícia e falou com ela e os seus irmãos sobre os Direitos da Criança.

Os participantes, na maioria dos grupos focais, falaram também da rádio e da televisão. Referi-ram especificamente os programas de “Hora da Lei” na Tv Zimbo, “Lei para Todos” na TPA 1, os programas infantis como “Carrocel” e o progra-ma infantil que passa ao Domingo na Tv Zimbo. Referiram também o ZAP Brinca, as músicas de Yanick e as telenovelas para crianças como “Viva as Crianças”, “Sonhos e Caramelos” e “Alegria e Rabujus”.

Um número significativo de participantes falou também da internet.

Um participante, em Luanda, referiu o jornal Nova Gazeta. Houve uma referência ao livro sobre Direitos Humanos editado pelo Mosaiko, uma re-ferência ao Jornal Mural Escolar. Foram registadas duas referências à OPA - Organização de Pioneiros de Angola, ambas fora de Luanda e três referências aos Escuteiros, também todas fora de Luanda.

Os participantes referiram ainda a Constituição da República, a Declaração Universal de Direi-tos Humanos, o Código Penal, o Código Civil e o Código da Família. Também falaram da Igreja, da catequese e da Bíblia como sendo fontes de infor-mação sobre Direitos Humanos.

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5. Resultados Entrevistas com professores

A equipa que conduziu a pesquisa entrevistou professores que leccionam a disciplina de “Educa-ção Moral e Cívica” em catorze escolas; concreta-mente em treze escolas católicas (nas quatro cida-des) e uma escola pública, em Luanda.

5.1 Direitos e Deveres

Os direitos mais citados pelos professores nas quatro províncias são o direito à vida, à educação e à saúde. Na maioria dos grupos entrevistados, pelo menos um professor falou da importância da igualdade. Explicaram como o país vive desigual-dades gritantes e como é importante que as crian-ças se sintam iguais na escola.

“…é preciso que os alunos comecem a saber que hu-manamente são todos iguais, embora venham de fa-mílias diferentes” (Malange).

Na província de Huambo, os professores mostra-ram-se preocupados com o direito à liberdade de expressão.

“As pessoas ainda não têm o verdadeiro sentido de li-berdade de expressão; vivemos num país democrático, mas não se faz sentir a liberdade de expressão porque fala-se com muitas restrições e as pessoas ainda não se sentem livres para falar”.

Alguns professores, em Luanda, falaram sobre o direito a trabalho, dizendo que não valia a pena estudar se não houver emprego quando termi-nar os estudos. No Huambo e em Malange, certos participantes mostraram-se preocupados com o direito à alimentação e à habitação e disseram que é particularmente importante focar estes direitos no meio rural. Uma professora, em Malange, no decorrer da discussão sobre direito à habitação, explicou a importância dos alunos compreende-

Os direitos mais citados pelos professores nas quatro províncias são o direito à vida, à educação e à saúde. Na maioria dos grupos entrevistados, pelo menos um professor falou da importância da igualdade. Explicaram como o país vive desigualdades gritantes e como é importante que as crianças se sintam iguais na escola.

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Alguns professores disseram que há alunos que trazem comportamentos errados de casa e são os professores que têm de corrigir os mesmos com-portamentos. Alguns professores disseram que o professor tem que servir de “guia modelo” e de exemplo para o aluno.

O maior desafio apontado por todos os professo-res é o tempo limitado para leccionar a disciplina. Quando a disciplina Educação Moral e Cívica foi introduzida a carga horária foi de três “tempos” por semana. No processo de reforma educativa, a carga horária passou para um único “tempo” por semana. vários professores disseram que a carga horária determinada pelo Ministério da Educação mostra que este não dá importância nenhuma a esta disciplina.

“Tem sido banalizada por não ser de ordem técnica” (Benguela).

Outros professores explicaram que como a disci-plina é leccionada através de debates e trabalhos em grupo, um período por semana não é sufi-ciente para abordar todo o conteúdo dos manuais. Disseram que os manuais foram elaborados para corresponder a três “tempos” de aula por semana.

Um professor, em Benguela, disse que prevale-cem duas falsas noções sobre o ensino de Educação Moral e Cívica: uma é que qualquer pessoa pode leccionar a disciplina e a segunda noção falsa é que se trata de uma disciplina que é da competência exclusiva de “madres e padres”.

Professores, nas quatro províncias, disseram que, de modo geral, os professores não estão prepara-

Resultados: entrevistas com professores

rem que uma casa deverá ter compartimentos, a fim de garantir a privacidade.

Nas quatro províncias, alguns professores enfati-zaram os valores de união, harmonia, amor e cari-nho como sendo direitos. Uns falaram que muitas famílias vivem situações de violência doméstica e outros disseram que é importante promover a convivência harmoniosa na escola para criar um melhor ambiente de aprendizagem para os alunos. Uma professora, em Luanda, acrescentou que um aluno poderá sentir-se seguro na escola, enquan-to que ele, muitas vezes, não se sente seguro, nem em casa, nem na comunidade.

5.2 Ensinar “Educação Moral e Cívica”

Sem excepção, os professores entrevistados são de opinião que a disciplina de “Educação Moral e Cí-vica” é importante por ser a única disciplina que procura ensinar valores para o ser humano viver em sociedade. Opinaram que o ensino de direi-tos humanos e educação moral e cívica permite ao aluno:

a. Saber e conhecer como viver os direitos e deveres, promovendo boa convivência e harmonia na sociedade. Um professor citou o provérbio “de pequenino se torce o pepino”.

b. Desenvolver-se integralmente como ser hu-mano, despertando para saber defender-se, saber o que acontece no país, ter uma cons-ciência crítica, ser mais aberto ao mundo e tornar-se agente de transformação do país e da comunidade.

c. Aprender a não discriminar e saber que os direitos são de todos.

Um professor em Benguela disse que:

“É uma das cadeiras mais importante para os alunos porque não adianta ser tecnicamente formado e não saber respeitar o bem público e o próximo”.

[Educação Moral e Cívica] é uma das cadeiras mais importante para os alunos porque não adianta ser tecnicamente formado e não saber respeitar o bem público e o próximo”

Professor - Benguela

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dos para o sistema de monodocência que foi in-troduzido no processo de reforma educativa. Uma professora, no Huambo, desabafou:

“Nas classes posteriores à 5ª classe a monodocência é uma forma de mutilar os alunos, porque é impossí-vel um professor saber ou ser competente em todas as disciplinas”.

Um professor, em Malange, explicou:

“Os alunos carregam muitas debilidades por cau-sa das debilidades dos professores. No primeiro ciclo, os professores têm de voltar a trabalhar as questões de base como a alfabetização”.

Outro problema, é o facto de que, para ser profes-sor de EMC, requer-se uma preparação e forma-ção em cultura geral que nem todos os professores possuem. Uma professora, no Huambo, disse:

“…é preciso uma formação adicional para transmis-são dos valores morais que estão no manual”.

Quando questionado sobre as fontes de material que usam para enriquecer as aulas, a única fon-te referida por todos foram os manuais de alunos. Além dos manuais, muitos recorrem à internet. Os professores, em Luanda, apontam maior va-riedade de material, quando comparados com os professores que trabalham nas outras províncias. Alguns professores, em Luanda, falaram de com-prar livros na Livraria das Irmãs Paulinas, men-cionaram os textos do IMNE-Marista e o manual para o professor preparado pelo INIDE. Disseram também trocar informações entre professores. Contudo, o manual para professor não foi distri-buído e a maioria dos professores, tanto em Luanda como nas províncias, nem sabem que esse manual existe. Alguns professores, nas quatro províncias, afirmam ter usado a Lei Constitucional. Um gru-po, no Huambo disse que usa a informação ouvi-da na rádio e na televisão. Alguns professores, no Huambo e em Malange, disseram usar a Bíblia e extractos de textos atribuídos a Santa Teresa e Santo António.

5.3 Conteúdo dos ManuaisNas quatro províncias, os professores opinaram que o conteúdo dos manuais é resumido; faltam explicações coerentes e completas sobre os te-mas tratados e a linguagem e os conceitos são de difícil compreensão para muitos alunos. Alguns professores opinaram que os manuais elaborados no processo de reforma educativa deverão trazer quadros para explicação de vocabulário difícil, como existiam nos manuais antigos.

Um grupo, no Huambo, afirmou que os temas são muito interessantes tanto para o aluno como para o professor. Contudo, julgam que o conteúdo é muito pobre e incompleto para dar aulas a adoles-centes e jovens sobre os temas previstos.

“O conteúdo de um capítulo parece esqueleto. É difí-cil para o professor orientar-se” (Benguela).

Alguns professores afirmaram que:

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Resultados: entrevistas com professores

“A linguagem nos manuais não é bem a nossa” (Ma-lange).

Disseram que alguns temas são tratados mera-mente com citações ou referências a personalida-des conhecidas. Outros disseram que os manuais focam sobre assuntos como “estar na comunida-de ou na sociedade” e não sobre valores éticos para guiar as decisões de cada um, como indivíduo.

Muitos alunos não possuem o seu próprio manual porque a disciplina não é considerada como disci-plina importante.

Uma professora considera que o manual confunde a sexualidade com a prática sexual, mas a maioria opina que a sexualidade e as doenças sexualmen-te transmissíveis não são abordadas nos manuais com a profundidade necessária e que estes não contêm informação suficiente para responder às dúvidas apresentadas pelos alunos. Alguns pro-fessores mostraram-se muito preocupados com a frequência de gravidezes precoces.

Os professores, nas quatro províncias, opinaram que é importante incluir o tema religião no sentido de permitir que os alunos conheçam e respeitem as diferentes religiões. Muitos professores falaram da importância de incluir temas sobre a cultura lo-cal, a língua local e costumes locais para os alunos aprenderem a valorizar a sua própria cultura.

5.4 Promover a Democracia na Escola

Quando perguntado sobre os métodos que usam para promover a democracia na escola, a maioria dos professores entrevistados contribuíram com algumas ideias. Citaram:

a. Criar debates nas turmas de forma a que todos consigam expor as suas ideias, incen-tivar os participantes a respeitar as opini-ões de outros colegas e promover a troca de ideias entre colegas;

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b. Incentivar os alunos a ler os jornais e assistir à televisão para saber o que passa no país e no mundo;

c. Promover o trabalho em grupo para que os alunos aprendam a trabalhar em conjunto e respeitem a contribuição de todos;

d. Organizar eleições para o delegado de tur-ma. Muitos professores entrevistados fa-laram sobre a organização de eleições para delegados de turma. Alguns explicaram que orientam um processo onde os alunos selec-cionam primeiro quatro candidatos; há um debate a seguir sobre o perfil e as qualidades de um bom delegado e depois os alunos pas-sam à etapa de eleição;

e. Promover a participação associativa em grupos de estudo, grupos de debate e gru-pos de dança;

f. Usar experiências de vida como exemplos.

Contudo, se a maioria dos professores falaram so-bre a eleição do delegado da turma, a maioria dos alunos disseram que os seus delegados de turma não foram eleitos. Alguns professores disseram que a visão do aluno sobre as qualidades de um bom delegado nem sempre corresponde à visão do professor e que o trabalho do professor é incenti-var os alunos para que escolham quem irá desem-penhar bem as funções.

Os alunos que participaram nos grupos focais também falaram de debates e trabalho em grupo como sendo exercícios de aprendizagem para viver em democracia.

Muitos professores disseram encontrar dificul-dades porque os alunos são muito críticos quando fazem uma comparação entre os valores da de-mocracia apresentados nos manuais e a realidade do contexto angolano. Os professores concluíram que os alunos não sentem o impacto da democra-cia na sua vida quotidiana.

Uma professora, no Huambo, disse que os alunos hoje têm confiança para revindicar os seus direitos

na escola, nomeadamente para pedir explicações até entenderem a matéria.

Alguns professores falaram da tensão que eles jul-gam existir entre os valores de democracia e liber-dade e a necessidade de manter ordem na turma. Uma professora, em Luanda, disse que:

“a disciplina de EMC é uma faca de dois gumes por-que desperta os alunos e leva-os a exigir os seus direi-tos e deveres”.

Alguns professores testemunharam que não tem sido fácil orientar práticas democráticas na sala de aula porque muitos alunos fazem confusão entre liberdade e libertinagem. Uma professora disse que os alunos, por causa da globalização, não sa-bem o seu lugar e procuram enfrentar e ameaçar os professores.

“Com estes comportamentos, nós, os professores so-mos obrigados a limitar a democracia na turma para haver controlo” (Malange).

5.5 Violação de Direitos e Deveres

As escolas, na província de Luanda, aparentam ter estruturas mais desenvolvidas para enfrentar pro-blemas disciplinares. Os professores, em Luanda, falaram da importância de

“Não deixar passar nenhuma violação”.

As três escolas católicas, em Luanda, onde os pro-fessores foram entrevistados, os professores afir-mam encaminhar casos disciplinares graves aos Conselhos ou Comissões Disciplinares. Nenhum professor, em Benguela, Huambo ou Malange fa-lou de Conselhos Disciplinares. Os professores, duma escola em Luanda, falaram de envolver a Assembleia de Encarregados de Educação na re-solução de infracções disciplinares. Mas outra es-cola, em Luanda, instalou câmaras de vigilância nas salas de aula. Na escola, onde há câmaras de vigilância, os professores disseram que a instala-

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Resultados: entrevistas com professores

ção das mesmas contribuiu a redução significativa de problemas na sala de aulas.

Somente no caso de uma escola, em Luanda, os professores afirmam ter um mecanismo para manusear casos disciplinares onde o professor é o infractor. Primeiro, procuram conversar com o professor e, se ele não muda de atitude, é feita uma nota disciplinar. Provavelmente, a falta de mecanismos formais, na maioria das escolas, para disciplinar professores contribui para a impressão que os alunos têm de que os professores são impu-nes e de que a Direcção sempre os protegerá.

A maioria dos professores entrevistados, em Ben-guela, disseram que a situação disciplinar melho-rou muito nas escolas da Província. Hoje, aconte-cem poucos casos e os casos são menores - como por exemplo, casos de ofensas verbais entre alu-nos. Os professores disseram falar primeiro com o aluno. Se o aluno não melhorar o seu compor-tamento, chamam o encarregado de educação. Muitas vezes os encarregados não vêm à escola; neste caso o assunto é encaminhado à Direcção da Escola ou à Direcção Pedagógica. Os professores, em Malange e Huambo afirmam usar os mesmos mecanismos de correcção. Uma escola, no Huam-bo, falou de recorrer à Brigada Escolar em casos graves. Os professores, em duas escolas de Malan-ge, disseram ter expulsado alunos e os professores numa escola, aplicam trabalhos correctivos como castigo.

5.6 Recomendações feitas pelos Professores

À semelhança dos alunos, os professores reco-mendaram que a carga horária para o ensino de EMC seja aumentada e que haja maior divulgação de direitos humanos nas Comunidades e nas Igre-jas. Os professores opinam também que:

a. O conteúdo dos manuais deverá ser mais simples e mais completo, usando explica-ções em rodapé ou vocabulário para pala-vras difíceis;

b. As bibliotecas deverão ter mais livros de consulta, tanto para os professores como para os alunos;

c. O programa deverá incluir a tema de reli-gião, no sentido de conhecer e respeitar to-das as religiões.

Um grupo, em Luanda, recomendou que o Mo-saiko proporcionasse maior número de palestras e seminários para professores sobre “Direitos Hu-manos e Cidadania”.

Um professor, em Malange, recomendou:

“… que os professores não usem o seu poder para enco-brir as suas deficiências”.

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6. Análise e discussão dos resultados

Este capítulo analisa e interpreta as informações apresentadas nos dois capítulos anteriores.

6.1 Conhecimentos sobre Direitos Humanos

Os conhecimentos demonstrados pelos alunos correspondem aos temas incluídos no currícu-lo da disciplina de Educação Moral e Cívica, mas não espelham todos os temas que fazem parte da disciplina. Os alunos mostraram conhecimentos mais abrangentes sobre temas como a vida fami-liar e sexual, educação para a prevenção rodoviá-ria e outros acidentes domésticos, educação para a participação social e educação para saúde.

Os direitos previstos no programa são: direito à igualdade, à vida, à liberdade, à participação, à segurança, ao trabalho, à saúde, à alimentação, ao vestuário, à habitação e à educação. Contudo os direitos humanos que foram mais amplamen-te discutidos, de forma espontânea, foram direito à vida que foi discutido pela maioria e o direito à liberdade que foi discutido em menos de metade dos grupos focais. Não se registaram diferenças notórias em termos de conhecimentos e preocu-pações entre as alunas e os alunos.

Nas discussões realizadas sobre o direito a vida, a maioria de alunos defende a abordagem cristã e católica, reconhecendo que o direito à vida come-ça na concepção, mas descrevem casos de aborto que ocorreram nas suas famílias e comunidades, uma nítida dicotomia entre valores ensinados e as práticas vividas na sociedade. Provavelmente, a maioria dos professores que leccionam em es-colas católicas partilham e promovem os ensina-mentos da Igreja Católica sobre a vida e sentem-se confiantes para orientar aulas sobre o tema.

os alunos identificaram categorias de crianças que não estão a gozar do seu direito à educação, nomeadamente crianças cujos os pais são pobres e obrigam os filhos a trabalhar, crianças que vivem na rua e crianças com deficiências físicas que não têm meios para ir à escola e também escolas que não possuem infra-estruturas adaptadas para facilitar o acesso a alunos com deficiência.

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Análise e discussão dos resulatdos

Notou-se que alguns professores disseram usar a Bíblia como fonte de informação para enrique-cer o conteúdo das aulas de “Educação Moral e Cívica” e certos professores entrevistados afir-maram que consideram ser a responsabilidade do professor transmitir valores morais aos alunos porque muitos alunos vivem em famílias que não transmitem uma boa educação aos seus filhos.

A maioria dos alunos mostraram uma conscien-cialização forte sobre a responsabilidade que cada um tem para não se envolver em comportamen-tos de risco, um fenómeno que nos parece sugerir uma evolução positiva quando comparado com as crenças culturais sobre o “destino”, que facilitam que os indivíduos não assumam para as suas pró-prias acções/responsabilidades. Os alunos citaram comportamentos de risco específicos que contri-buem frequentemente para acidentes, como por exemplo, levantar as rodas de motorizadas e con-duzir em estado de embriaguez.

Os alunos mostraram ter entendido as mensagens principais sobre a sexualidade responsável, no contexto da educação para a saúde, para prevenir doenças e também no sentido de evitar gravidezes precoces. Contudo, tanto alunos como profes-sores, disseram que muitas meninas engravidam precocemente, o que demonstra que o conheci-mento em si não é suficiente para que os jovens assumam comportamentos diferentes.

As narrativas dos alunos sobre abortos ilegais, meninas expulsas de casa por causa da gravidez, e a transferência obrigatória de uma aluna grávida para a turma de noite sugerem que “o superior in-teresse” dos menores, tanto da adolescente grávida como do bebé, não são tidos em conta quando as famílias e as autoridades escolares deliberam sobre este tipo de problema. A sociedade toleraria que as funcionárias da escola ou as professoras grávidas fossem obrigadas trabalhar nas turmas da noite, apenas por estarem concebidas?

Trata-se de um claro procedimento discrimi-natório quando aplicado a alunas grávidas e uma

violação do direito de estudar quando aplicado a uma aluna menor de idade. Em pleno século xxI, trata-se de uma clara discriminação com base no género, quando as sanções são aplicadas unica-mente à menina, quando o acto foi cometido por duas pessoas - um rapaz (que, por vezes, é colega de turma ou de escola) e por uma rapariga.

Por outro lado, sendo o aborto considerado crime público pela legislação angolana, e sendo tão fre-quentes as narrativas sobre casos de aborto, como se explica que as pessoas que fazem desta prática criminosa uma fonte de rendimento não sejam in-timadas pelo Ministério Público a responder pelo seus crimes perante sistema de Justiça? Este é mais um elemento que contribui para acentuar a dico-tomia entre o que é legislado e ensinado e o que é vivido.

Menos de metade dos grupos focais discutiram o direito à liberdade com profundidade, o que constitui uma possível indicação de que há pro-fessores que não se sentem confiantes para lidar com o tema. Os participantes que discutiram so-bre a liberdade mostraram entender que o direito à liberdade é para todos, mas que este direito con-fere a responsabilidade (dever) de viver de modo responsável e não infringir os direitos dos demais membros da sociedade. Também mostraram pos-suir uma visão de viver a liberdade de uma forma construtiva a fim de se realizarem na vida e viver em harmonia. Foi notável, em discussões sobre vá-rios temas, a importância que os jovens atribuem a harmonia na família e na sociedade. Contudo, tanto alguns alunos como professores, mostraram alguma ansiedade em relação às consequências do “excesso de liberdade”. Os professores temiam não poder manter ordem na turma e os alunos rece-avam que pudesse haver situações de “desrespeito ao Governo”. Estas preocupações poderão estar associadas ao facto de a democracia participativa ser um exercício novo para todos, tanto para os cidadãos como para os representantes do Estado. Além disso, a cultura tradicional promove respei-to pela hierarquia; no caso de dúvida a pessoa com

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menos poder tenderá a cumprir as orientações de quem tem mais poder.

Foram somente alunos de dois grupos focais que falaram da liberdade de expressão. Os que fala-ram sobre este tema, explicaram que a liberdade de expressão é uma das bases do relacionamento entre o Estado e o cidadão e facilita que o cidadão apresente as suas ideias e opiniões às instituições do Estado e aos governantes. Contudo, notou-se que foram poucos os participantes que aparentam sentir-se seguros no exercício do direito à liber-dade e, especificamente, à liberdade de expressão. Nas discussões sobre a democracia participativa, também notamos uma preocupação que “dema-siada” participação de alunos na tomada de deci-são na escola ou de cidadãos na sociedade poderá eventualmente criar “desordem”.

O direito à educação foi amplamente discutido através de exercícios estruturados para o efeito. A

maioria dos alunos mostraram entender o carác-ter inalienável do direito à educação. Contudo, os alunos identificaram categorias de crianças que não estão a gozar do seu direito à educação, no-meadamente crianças cujos os pais são pobres e obrigam os filhos a trabalhar, crianças que vivem na rua e crianças com deficiências físicas que não têm meios para ir à escola e também escolas que não possuem infra-estruturas adaptadas para fa-cilitar o acesso a alunos com deficiência. Os que opinaram sobre o tema do acesso à educação dis-seram que é responsabilidade do Estado assegurar que todas as crianças tenham acesso à educação.

Consoante os dados da Direcção Nacional para o Ensino Especial há dezassete escolas de ensino especial no país e mais seiscentas escolas normais onde são matriculadas crianças com necessidades educativas especiais. Com a excepção de duas es-colas em Luanda - a Escola Oscar Ribas que é es-pecializada em ensino para crianças cegas e o

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Análise e discussão dos resulatdos

Complexo Escolar de Rangel que é especializa-do no ensino para crianças surdas e crianças com deficiências mentais -, todas as outras escolas es-peciais atendem crianças com todos os tipos de deficiência. A política do Ministério de Educação é potenciar as escolas regulares para que se tor-nem inclusivas no sentido de não discriminar em termos de infra-estrutura física nem em termos de atitudes da parte dos professores. Contudo, as informações prestadas pelos alunos indicam que continuam a existir professores e escolas que os-tentam condições e atitudes discriminatórias em relação a crianças com deficiência.

Em termos de trabalho infantil, as opiniões dos alunos correspondem às informações de IBEP 2008-09 que apontou para 36.5% de crianças entre os 5 e os 14 anos que vivem em zonas rurais realizam trabalho infantil, o que implica que estas crianças matriculadas estão regularmente ausen-tes da sala de aula, prejudicando o seu desempe-nho escolar.

Os alunos participantes neste estudo explicaram com clareza as responsabilidades dos pais e tutores para matricular e acompanhar os estudos dos fi-lhos. Os jovens participantes incluíram nas tarefas dos pais, a responsabilidade de amar e dar apoio moral aos filhos. De novo, foi notável a importân-cia atribuída pelos jovens à paz e harmonia dentro de família. Os jovens foram também claros quando citaram as responsabilidades do aluno, quer para trabalhar e valorizar os seus estudos, quer para contribuir para o bem-estar na escola, não per-turbando as aulas, não danificando o património da escola e não ofendendo ou insultando os demais colegas.

Os jovens defenderam a importância da educação em duas vertentes, a vertente individual e a ver-tente da sociedade. Primeiro, disseram que é atra-vés da educação que vão poder adquirir as compe-tências e conhecimentos para terem uma profissão e serem independentes. Alguns acrescentaram que a profissão e o emprego os dotarão de meios para

tomar conta dos seus pais quando forem velhos. Muitos focaram o aspecto da mobilidade social, no sentido que é a educação que permitirá que eles - e as suas famílias - saiam da pobreza e melhorem as suas condições sociais. Disseram que a educa-ção é o motor do desenvolvimento do país e que sem educação não haverá engenheiros para cons-truir prédios, estradas e pontes. Alguns alunos re-alçaram a importância da qualidade no sistema de educação e falaram que uma educação de péssima qualidade não contribuirá para o desenvolvimento do país. Contudo, alguns professores mostraram--se preocupados com a falta de emprego, dizen-do que o investimento do Estado e o esforço dos alunos não terá efeito se o alunos não encontrarem emprego quando terminarem os seus estudos. Es-tas preocupações realçam a importância de iniciar uma monitoria contínua de taxa de sucesso em termos de inserção no mercado de trabalho, me-diante o curso concluído, após a formação média profissional e a formação universitária. No futuro, um número crescente de jovens formados e de-sempregados constituirá um possível foco de ins-tabilidade para o país.

6.2 Prática e Defesa dos Direitos Humanos

Tanto os alunos como os professores opinaram que o ensino de Direitos Humanos é para o bem da so-ciedade e mostraram atitudes positivas em relação à defesa de Direitos Humanos. Também demons-tram a consciência do que é justo ou injusto. Con-tudo, não descrevem acções e comportamentos de

Muitos [alunos] focaram o aspecto da mobilidade social, no sentido que é a educação que permitirá que eles - e as suas famílias - saiam da pobreza e melhorem as suas condições sociais.

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defesa de direitos na vida quotidiana, como, por exemplo, o recurso a instituições como os Tribu-nais, a Procuradoria ou a Provedoria de Justiça, mesmo se o estudo foi realizado em centros urba-nos onde há acesso ao sistema de Justiça formal. A pesquisa realizada pelo Mosaiko, em 2012, so-bre “Acesso à Justiça fora dos grandes centros urba-nos” sugeriu que um dos maiores impedimentos ao recurso à Justiça é que os serviços não existem fora dos centros urbanos. Contudo, neste caso, é possível que os constrangimentos incluam a falta de conhecimento sobre o funcionamento dos ór-gãos oficiais de administração da Justiça e a falta de experiências positivas comprovadas no recurso aos mesmos órgãos. Deste modo, o gozo do direito não é efectivado por não se recorrer a uma instân-cia de protecção do direito.

Os abusos de direitos mais descritos pelos alunos foram casos e experiências de violência na família, violência na escola e violência na comunidade em geral. Ambos os sexos afirmaram que há crianças que saem de suas casas em consequência de maus--tratos por parte dos pais e que muitas mulheres abusadas pelos maridos sofrem em silêncio por medo dos maridos e por não terem onde se refu-giarem em segurança.

Não é possível opinar se os níveis de violência narrados pelos participantes representam um fe-nómeno novo, resultado de uma desestruturação das famílias em consequência da guerra e de um processo de “modernização” acelerado ou se este tipo de violência já existia, mas só agora é que as pessoas ganharam a consciência que não é aceitá-vel serem sujeitas a violência.

Muitos jovens realçaram que o abuso de álcool contribui para a violência doméstica nas comuni-dades onde vivem. Quando questionados, os jo-vens sugeriram algumas acções de recurso, como por exemplo, recorrer ao INAC ou à OMA, mas, na realidade, a maioria das vítimas de violência nas histórias contadas por eles não são protegidas e os jovens parecem não alimentar a expectativa de

que os problemas sejam solucionados. Provavel-mente, são poucos os menores que recorreriam a uma instituição pública ou à OMA sem o apoio de um adulto. É também difícil, em todas as culturas, que uma criança se queixe do comportamento de alguém da sua própria família. No caso das mu-lheres que são violentadas pelos maridos, os jovens disseram com clareza que estas sofrem em silêncio por terem medo do marido e por não ter onde re-fugiar-se em segurança, numa clara indicação de que o recurso só é uma opção válida quando está associado à segurança da vítima. No estudo “Acesso a Justiça fora dos grandes centros urbanos” realizado em 2012 pelo Mosaiko, 53% dos inquiridos opi-naram que o comportamento correcto para uma mulher que é batida pelo marido é conformar-se; 35% opinaram que o comportamento correcto é resolver o assunto dentro de família. Este estudo realizado com adolescentes sugere que a violência doméstica é comum e os dois estudos demonstram que, apesar da legislação em vigor, as vítimas de violência doméstica não recorrem às entidades estabelecidas para reclamar a protecção dos seus direitos. Parecem existir e persistir vários facto-res que contribuem para esta situação. Tanto as vítimas como as famílias pensam que a violência doméstica é apenas um assunto interno da famí-lia. Os mecanismos de recurso formal, como os Tribunais poderão ser fisicamente acessíveis, mas é possível que as vítimas julguem que o processo de exercício de direito é demasiado complexo e burocratizado para constituir uma opção válida. Também não existem mecanismos anónimos de queixa e, na prática, não há garantia de segurança física para a parte queixosa. Contudo, estes dois estudos reforçam a urgência de operacionalizar os mecanismos de recurso e a necessidade de educar a população sobre o funcionamento das institui-ções judiciais estabelecidas por Lei.

Os participantes nas províncias de Benguela, Lu-anda e Malange contaram casos de violação sexu-al. Num caso, a vítima foi assassinada e o caso foi encaminhado à Polícia. Contudo, parece que nem

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Análise e discussão dos resulatdos

todos os casos de violência sexual são encaminha-dos para a Polícia, particularmente se não houver vítimas mortais. Um grupo, em Malange, descre-veu o caso de um jovem que cometeu várias vezes o crime de violação, mas que é sempre posto em liberdade pela Polícia. Supomos que se trata de um menor que, pela Lei do Julgado de Menores, não poderá ser detido em serviços prisionais. Contu-do, a comunidade concluiu que o perpetrador fica impune devido a actos de corrupção, enquanto o problema é, provavelmente, que os serviços de Justiça Juvenil não funcionam fora de Luanda e os Tribunais e a Polícia não possuem os meios para implementarem as sanções previstas pela Lei de Julgado de Menores. Contudo, os participantes tiveram maior tendência para opinar que o indivi-duo tem a responsabilidade principal de evitar si-tuações de violência na comunidade e foram pou-cos que apontaram a responsabilidade do Estado para garantir a segurança do cidadão.

Por outro lado, os alunos que identificaram op-ções de recurso não distinguiram entre os progra-mas de aconselhamento oferecidos por uma orga-nização partidária como a OMA e os serviços de entidades do Estado como a “Família e Promoção da Mulher” e as instituições de defesa de direitos humanos estabelecidas pela Lei.

Na maioria dos grupos realizados, os participan-tes relataram casos de violência no recinto escolar. A maioria dos casos descritos foram de natureza menor, como o roubo de lápis, cadernos e outras coisas de uso de rotina na escola, brigas e agressão entre colegas e destruição de património da escola por escrever nas paredes e nos bancos. Os profes-sores realçaram que é importante que a escola seja um lugar seguro para os alunos e estes, tanto da 6ª como da 9ª classe, também se mostraram preocu-pados com a sua segurança física.

Quando questionados sobre as acções desencade-adas no caso de infracções disciplinares, a maioria dos alunos participantes nos grupos focais disse-ram recorrer ao delegado de turma e a seguir ao

professor. Nenhum aluno falou da intervenção de uma Comissão Disciplinar. Todos professores entrevistados em Luanda falaram de recurso ao Conselho Disciplinar e nenhum professor entre-vistado fora de Luanda fez menção a um Conselho Disciplinar ou outro mecanismo institucional de gestão de processos disciplinares. Numa única es-cola, em Luanda, os professores descreveram um mecanismo formal para gestão de infracções co-metidas por um professor.

A maioria das escolas que fizeram parte do estudo parecem não ter um mecanismo formal, institu-cional e transparente para a gestão de infracções disciplinares praticadas por alunos ou por pro-fessores. Como resultado, os alunos vivem uma experiência que eles sentem como um exercício arbitrário de autoridade e poder, reforçando a di-cotomia entre a visão da sociedade apresentada nos manuais de Educação Moral e Cívica e a reali-dade encontrada na vida quotidiana.

6.3 A escola como oficina de democracia

Na visão do Mosaiko | Instituto para a Cidadania, o ensino dos Direitos Humanos, que são consa-grados na Lei, passa pelos desafios de promoção e defesa dos Direitos Humanos no contexto da vida concreta.

A disciplina de “Educação Moral e Cívica” introduz o tema da democracia e do exercício de democracia na escola a partir da 7ª classe. Contudo, a maioria dos alunos apresentou um conceito de democracia reduzido à acção de votar. No decorrer das discus-sões, parecem considerar a eleição de um líder do governo com o mesmo nível de importância como as eleições de estrelas de futebol e da moda. Não foi possível esclarecer as causas desta banalização das eleições no quadro da governação do Estado, mas é possível que esteja associada à experiência de que os governantes estão distantes e não são acessíveis,

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enquanto que a mediatização das estrelas da moda e do futebol torna estas figuras mais presentes na vida dos jovens.

Os poucos alunos que falaram de acções para os jovens contribuírem para a prática e o fortaleci-mento da democracia, recomendaram:

w Lutar para que a democracia seja exercida;

w Participar na mudança de mentalidades;

w Estar informados;

w Melhorar a aplicação dos Direitos Humanos na escola e na comunidade.

Estas preocupações indicam que os poucos alu-nos que estão sensibilizados sobre a importância da democracia não julgam que esta esteja a ser actualmente exercida na comunidade e na esco-la. Contudo, a maioria dos participantes não se

mostrou preocupado ou informado sobre o que é o Estado Democrático. Isto é provavelmente mais uma indicação de que há temas da disciplina de “Educação Moral e Cívica” que muitos professores não se sentem confiantes e suficientemente infor-mados para leccionar.

A equipa de pesquisa procurou investigar a prática da democracia na escola questionando os alunos e os professores sobre a escolha dos delegados de turma e a participação dos alunos na elaboração ou validação de regulamentos nas escolas, dois dos temas abordados nos manuais para alunos da dis-ciplina de “Educação Moral e Cívica”. Os alunos, nas quatro províncias, explicaram que os alunos têm o direito de votar para eleger um delegado de turma e que, nesse caso, a pessoa eleita sabe que ganhou honrosamente e os demais não podem re-clamar ou recusar a autoridade do delegado. Dis-

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Análise e discussão dos resulatdos

seram que os delegados que são nomeados não gozam de respeito por parte dos colegas. Muitos alunos referiram que o voto é uma manifestação de liberdade. Alguns alunos, no Huambo, disse-ram que quando o delegado é eleito, se não de-sempenhar bem a função, poderá ser substituí-do. Contudo, foram poucos os grupos de alunos que disseram que o seu delegado de turma tinha sido eleito na prática, enquanto que a maioria dos professores que foram entrevistados falou sobre a eleição do delegado de turma como um exercício de democracia que eles promovem na sala de aula. Os mesmos professores descreverem com clareza as etapas num processo educativo de realizar elei-ções. O que poderá estar a acontecer é que os pro-fessores de Educação Moral e Cívica estejam sensi-bilizados para o exercício da democracia na escola e os professores de outras disciplinas não estejam consciencializados para tal, tendo maior tendên-cia para nomear um delegado de turma. Contu-do, mesmo alguns professores de EMC que foram entrevistados mostraram uma ambivalência em relação à prática da democracia participativa na escola afirmando que o “excesso” de democracia poderá perturbar a ordem na turma.

Num estudo realizado no Brasil pela Universidade Federal de Alagoas, 58% dos professores achavam ser desnecessário ensinar direitos humanos na sala de aula e 45% mostraram franca desconfiança a uma proposta de ensino de direitos humanos na es-cola. Os professores entrevistados por este estudo, pelo contrário, mostraram atitudes positivas em relação ao ensino de Direitos Humanos. Contudo, além da ansiedade referida em termos de poder manter a ordem na turma, os professores disseram que os valores democráticos apresentados nos ma-nuais não são respeitados no contexto de Angola. Na opinião deles, com esta dicotomia entre os va-lores ensinados e a realidade da vida torna-se di-fícil gerir as críticas dos alunos quando estes apre-sentam casos de flagrante abuso de direitos que acontecem nas comunidades e não são punidos.

A equipa de pesquisa questionou os alunos sobre o perfil do delegado da turma num exercício que procurou obter a visão dos alunos sobre as quali-dades necessárias para ser bom líder. As discussões mostraram que a tarefa principal de um delegado é manter ordem na turma na ausência do profes-sor e, na prática, os delegados têm muito pouca ou mesmo nenhuma responsabilidade representati-va.

A diferença vivida entre o discurso e a prática de valores democráticos na sociedade é uma questão mais ampla do que o ensino de EMC. Os principais desafios que a questão levanta para o ensino de Di-reitos Humanos na escola são:

a. Que a sensibilização dos alunos para vio-lações de Direitos Humanos demostra uma situação em que os jovens estão melhor in-formados e mais dispostos a associar conhe-cimento e acção, quando comparados com a sociedade no seu conjunto.

b. Que os alunos tenham confiança em si mes-mos e nos professores para trazerem as suas preocupações para a sala de aula. É provável que os alunos exprimam as suas críticas e as suas dúvidas antes de mais com os professo-res na sala de aula.

A aparente confiança que os alunos demostram no sistema de educação, torna o ensino geral como a plataforma mais indicada para o ensino de Direi-tos Humanos aos jovens e reforça a importância de assegurar a preparação adequada dos professores em matéria de Direitos Humanos. Contudo, pare-ce existir uma necessidade de desenhar interven-ções educativas para os adultos, tanto sobre o pa-pel dos pais e tutores dentro da família como sobre o papel dos professores. Ensinar valores aos jovens quando os mesmos valores não são praticados por as entidades de influência próxima nas suas vidas, como os professores e os líderes na Igreja cria um ambiente onde o jovem é levado a pensar que os valores e a ética ensinados são meramente teóricos e não se adaptam ao seu contexto. Como é comum

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dizer-se em Angola, é apenas “para o Inglês ver”.

A timidez e o desconforto expresso pelos pro-fessores quando discutiam o tema da democracia participativa pode revelar dois possíveis cenários de vida. Um primeiro, pode ser o medo de serem conotados como “da oposição” e temer represálias, o que na experiência do Mosaiko constitui um sé-rio desafio para muitos actores sociais, sobretudo se são funcionários públicos. O segundo cenário, é que os próprios professores disseram não se sentir adequadamente preparados para leccionar os te-mas de Direitos Humanos e outros temas incluí-dos nos manuais de EMC.

6.4 Ensino de Educação Moral e Cívica e Direitos Humanos

A Educação Moral e Cívica é uma disciplina cuja aprendizagem incide principalmente no domínio de atitudes e na interiorização de valores numa abordagem integral e multidisciplinar. O propó-sito principal é formar o cidadão para que se in-

tegre na sociedade e consciencializar a pessoa para que esta adquira uma conduta responsável, livre e assuma as suas responsabilidades com base nas suas diversas decisões. vários professores opi-naram que o actual conteúdo curricular enfatiza a componente integração na sociedade e não dá destaque suficiente à conduta ética do indivíduo quando toma decisões.

A implementação do ensino pressupõe o aprofun-damento do estudo de distintos aspectos impres-cindíveis para a formação do cidadão. O conjunto de temas que fazem parte da disciplina de “Educa-ção Moral e Cívica” incluem a educação sobre ética, valores cívicos e patrióticos, vida familiar e sexu-al, a Constituição de Angola e outras convenções, educação ambiental, educação para a prevenção rodoviária, educação para a participação social e política, Direitos Humanos e educação para saúde. A partir da 5ª e 6ª classe os assuntos relacionados com os Direitos Humanos começam a ser tratados como matéria de Direitos Humanos duma forma transversal. Na 7ª classe, a ênfase do programa é a reconciliação nacional e o facto de pertencer a um país, independentemente da origem étnica e das convicções políticas ou religiosas. Na 8ª classe, os

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alunos devem aprender a expressar as suas ideias, sentimentos e a demonstrar comportamentos as-sertivos e desejáveis em relação à cidadania. Na 9ª classe, o foco é colocado na cidadania responsável e na democracia representativa.

O conteúdo do programa apresentado no ma-nual do aluno segue um modelo aberto e aponta sugestões para exercícios de aprendizagem. Este foi o primeiro constrangimento identificado pe-los professores que explicaram que a abordagem do programa requer que os trabalhos sejam feitos em grupo, através de debates e pesquisas e que o tempo disponível para a disciplina não é ade-quado para abordar com seriedade os temas previstos.

O segundo desafio identificado pelos professo-res é que os temas e a matéria são interessantes e importantes tanto para os professores como para os alunos, mas o conteúdo é muito abrangente e multi-disciplinar tornando-se muito difícil um professor ter a preparação adequada para leccionar toda a matéria. vários professores acrescentaram que de modo geral não foram pre-parados para ensinar em regime de monodocên-cia. Um informante chave explicou que, no sector público de educação, não há uma formação curri-cular para professores de EMC. Na falta de opção melhor, os professores de língua portuguesa e lín-gua inglesa no ensino público são informalmente considerados aptos para ensinar EMC. Os pro-fessores entrevistados para esta pesquisa disseram que existem situações onde qualquer professor é considerado apto para ensinar EMC.

Existem em Angola oito institutos médios asso-ciados a Igreja Católica que leccionam um “Curso Médio de Educação Moral e Cívica”. Os cursos de educação a nível médio e superior em outras ins-tituições de Estado ou privados não oferecem nem um curso nem a disciplina de direitos humanos ou educação moral e cívica. O Ministério de Educa-ção não elaborou um conteúdo curricular para o curso de professor em EMC, ao contrário do que

foi feito para todas outras disciplinas. O ICRA submeteu uma proposta curricular para a dis-ciplina de “Educação Moral e Cívica” ao INIDE. Esta proposta foi bem recebida, mas não mereceu ainda uma apreciação formal da parte do Ministé-rio de Educação.

O terceiro desafio apontado pelos professores é a falta de material de apoio para preparar as au-las. A única fonte que todos os professores entre-vistados disseram usar foi o manual do aluno. Mas como já foi referido, este manual foi organizado num modelo aberto e indicativo baseado na pre-missa que o professor terá acesso a outras fontes compreensivas sobre os temas propostos. Muitos professores recorrem à internet e somente alguns professores, em Luanda, disseram ter consegui-do o “Guia de Direitos Humanos” elaborado pelo INIDE ou o “Manual de Ferramentas Didácticas para os Direitos Humanos” elaborado pela Editora Dom Bosco - Angola. A equipa de pesquisa tam-bém identificou mais um manual em língua por-tuguesa, “Siniko - Para uma Cultura de Direitos Humanos em Africa” - elaborado pela Amnistia Internacional.

Ao longo dos anos 1999 a 2001, o Ministério de Educação promoveu uma formação para profes-sores em Educação Cívica e Democrática nas pro-víncias de Benguela, Huila e Luanda. Contudo, mesmo que o material relevante de apoio ao pro-fessor exista, não há um programa contínuo para distribuir os materiais existentes aos professores e não há um programa de formação contínua para os professores que ensinam a disciplina de “Edu-cação Moral e Cívica”.

Tanto professores, como certos informantes-cha-ve do Ministério da Educação, das escolas católicas e outros actores sociais opinam todos que o con-teúdo programático da disciplina de “Educação Moral e Cívica” é importante. Não houve nenhu-ma voz que sugerisse que algum tema seja retira-do do programa, mas todos sugeriram, de modo geral, que a carga horária seja aumentada, que o

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material de apoio para o professor seja melhora-do e mais acessível e que haja programas, seminá-rios e formação “em serviço” para os professores que leccionam a disciplina de EMC, recorrendo a instituições especializadas nos componentes dife-rentes do programa curricular.

O Mosaiko é também de opinião que a escola ofe-rece inúmeras oportunidades para promover uma aprendizagem democrática na vida dos jovens e que estas deverão ser optimizadas através, por exem-plo, da participação na elaboração e validação de regulamentos escolares, na promoção de eleições para delegados de turma e conselhos disciplinares que funcionem de maneira rigorosa e transparen-te. Julgamos que, além de desenhar uma formação curricular específica para professores de EMC, todos os professores do ensino geral, no contexto de seu papel, como formadores de jovens, deverão merecer uma formação em Direitos Humanos e em outros temas incluídos na disciplina de “Edu-cação Moral e Cívica”.

Alguns professores e informantes-chave propu-seram a introdução do tema “religião”, não no sentido de ensinar os princípios de uma confissão

religiosa, mas de orientar os alunos para perceber a importância de religião na vida do ser humano, do fenómeno religioso na vida das sociedades e conhecer a história das principais religiões mun-diais.

5.5 Fontes de informaçãoA fonte de informação sobre Direitos Humanos mais citada pelos alunos é a escola e a televisão, o que corresponde aos resultados da pesquisa rea-lizada pelo Mosaiko, em 2012, sobre “O acesso à Justiça fora dos Grande Centros Urbanos”, onde as duas fontes sobre Direitos Humanos mais citadas por jovens menores de 30 anos foram os meios de comunicação social e a escola. Contudo, um nú-mero significativo de alunos dizem ter ouvido falar sobre Direitos Humanos aos seus pais. Em todos casos referidos, os pais estudavam numa universi-dade ou já eram licenciados.

Por outro lado, a maioria dos professores dizem usar regularmente a internet. Estas informações parecem indicar que os dois canais mais indicados

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para educar os jovens são a escola e a televisão e existe uma oportunidade de desenvolver progra-mas de apoio para os professores disponíveis na internet.

6.6 Oportunidade para Igreja Católica

O estudo não procurou analisar a parceria entre o Ministério de Educação e a Igreja Católica. Con-tudo, no decorrer das entrevistas surgiram várias informações que julgamos relevantes. A maioria de informantes-chave considerou que as oportu-nidades oferecidas pelo Protocolo entre o Estado e a Igreja católica estão sub-aproveitadas por parte da Igreja católica. Um informante chave disse:

“A Igreja Católica não está a aproveitar o protoco-lo por causa de certas (ou aparentes) desorganizações que se manifestam na variedade de vozes ou de res-ponsáveis, onde cada um procura satisfazer os inte-resses da sua congregação”.

A expectativa apresentada por algumas informan-tes-chave, tanto funcionários do Estado como actores no sector de Educação dentro da própria Igreja católica destacam o papel da Igreja como

potencial líder na área da Educação. As sugestões apresentadas incluem que as escolas católicas:

a. Se organizem de uma forma mais colegial com base num programa bem definido,

b. Aproveitem o espaço disponibilizado pelo protocolo com o Ministério da Educação para incluírem novos conteúdos e melhorar o conteúdo e os métodos de ensino para os programas existentes, nomeadamente na disciplina de Educação Moral e Cívica.

c. Promovam trocas de experiências com base em boas práticas.

d. Abracem as oportunidades oferecidas nas ZIP - Zonas de Influência Pedagógica para contribuírem a melhoria de qualidade de ensino em Angola.

A equipa de pesquisa destaca também o programa de Escolas Amigas de Criança que foi adoptado pelo Ministério de Educação em Angola, liderado pela Direcção de Ensino Geral, em 2008. Este progra-ma oferece ferramentas para melhorar a qualidade de ensino e a experiencia escolar através de peque-nas acções baseadas em direitos, academicamente eficiente, sensível ao género, segura, protectora e saudável, contando com a participação dos pais e encarregados de educação e da comunidade.

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7. Principais conclusões

7.1 Conhecimentos sobre Direitos Humanos

1. As discussões realizadas com os alunos de-monstram que eles têm conhecimentos so-bre determinados temas que fazem parte do programa de Educação Moral e Cívica, mas os conhecimentos sobre os direitos humanos são limitados. Não entendem que o fundamen-to dos Direitos Humanos é a dignidade do ser humano que vive em liberdade e igualdade. Muitos percebem que os direitos humanos são universais, mas menos de metade dos alunos entrevistados demonstraram entender que os Direitos Humanos são inalienáveis, indivisíveis e interdependentes. Não se notaram diferenças significativas em termos de conhecimentos e preocupações entre as alunas os alunos.

2. Os participantes mostraram ter pouco conhe-cimentos sobre os Tratados Internacionais que foram ratificados por Angola. Alguns partici-pantes recomendaram que sejam criadas ins-tituições de Estado para proteger os Direitos Humanos - que possam ser accionadas em casos de abusos -, não demonstrando ter co-nhecimento sobre as instituições do Estado em Angola, que têm a responsabilidade institucio-nal para promover a defesa dos direitos do ci-dadão como a o Ministério da Justiça e Direitos Humanos, o Provedor de Justiça e a x Comissão da Assembleia Nacional. Poucos participantes recomendaram recorrer à Procuradoria ou aos Tribunais no caso de uma violação de direitos.

3. As fontes de informação sobre Direitos Huma-nos mais citadas pelos alunos foram os manuais de “Educação Moral e Cívica” e a televisão.

As discussões realizadas com os alunos demonstram que eles têm conhecimentos sobre determinados temas que fazem parte do programa de Educação Moral e Cívica, mas os conhecimentos sobre os Direitos Humanos são limitados. Não entendem que o fundamento dos Direitos Humanos é a dignidade do ser humano que vive em liberdade e igualdade.

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Principais conclusões

7.2 Prática e Defesa de Direitos Humanos

1. O conceito de democracia demonstrado pelos alunos tende a ser restrito ao acto de eleger ou votar. Os participantes mostraram pouco en-tendimento das obrigações do Estado demo-crático na protecção dos Direitos Humanos. Nenhum participante mencionou que os Direi-tos estão consagrados na Constituição da Re-pública e foram poucos os que entendem que os direitos são protegidos pela lei. Os alunos que participaram no estudo contaram muitos ca-sos de violação de direitos que ocorrem dentro das famílias ou na comunidade. Todavia, foram poucos os casos que foram encaminhados a en-tidades de recurso e os que foram encaminha-dos não encontraram uma solução considerada justa pelos participantes.

2. A prática da democracia na escola é aborda-da nos manuais de EMC através dos temas de eleição do delegado de turma e de participação dos alunos na elaboração de regulamentos na sala de aulas e na escola. Os alunos defenderam e justificaram a eleição do delegado de turma como sendo a melhor maneira de escolher um líder, mas, na realidade, os delegados não fo-ram eleitos na maioria das turmas entrevista-das. Poucas escolas têm regulamentos afixados

em lugar público e os alunos, apenas em duas escolas, disseram ter participado na elaboração ou numa discussão sobre regulamentos exis-tentes.

3. São poucas as escolas que possuem Conselhos Disciplinares formais e que agem de modo transparente. A maioria das escolas não tem mecanismos formais para lidar com infracções cometidas por professores.

4. A prática comum de transferir as alunas grávi-das para estudar no horário nocturno constitui uma violação de direito das raparigas estuda-rem em pé de igualdade como qualquer outro aluno, e é nociva, em muitos casos, para as duas crianças – a mãe e o bebé - menores de idade, constituindo uma prática discriminatória com base no género, pois se o pai da criança for um colega de turma ou de escola, ele continua ge-ralmente a estudar no período diurno.

5. Muitos professores mostraram-se ambivalen-tes em relação à prática da democracia parti-cipativa na escola, afirmando que “o excesso de democracia” poderá perturbar a ordem na tur-ma.

6. Tanto os professores como os alunos disseram que os valores democráticos apresentados nos manuais não são respeitados no contexto de Angola. Os professores afirmaram ter dificul-dades para gerir as críticas dos alunos quando estes apresentam casos de flagrante abuso de direitos que acontecem nas comunidades e que não são punidos.

7.3 Ensino de Direitos Humanos

1. A carga horária de um “tempo” por semana é insuficiente para leccionar os temas previs-tos no programa de Educação Moral e Cívica. Nenhuma escola incluída na pesquisa usou a

Os alunos que participaram no estudo contaram muitos casos de violação de direitos que ocorrem dentro das famílias ou na comunidade. Todavia, foram poucos os casos que foram encaminhados a entidades de recurso e os que foram encaminhados não encontraram uma solução considerada justa pelos participantes.

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de Ferramentas Didácticas para Professores”. A maioria dos professores entrevistados não tem conhecimento da existência destes manuais. Todos professores dizem usar os manuais de aluno como fonte de informação sobre direitos humanos e a maioria recorre também à inter-net.

4. A maioria dos professores considerou que não possui uma formação apropriada para leccio-nar EMC e disseram que, no contexto actual de Angola, eles não estão preparados para leccio-nar em regime de monodocência.

prerrogativa prevista no acordo entre a Igreja Católica e o Ministério de Educação para au-mentar a carga horária.

2. Os professores entrevistados, sem excepção, consideram que o conteúdo dos manuais de alunos é indicativo. Julgam que a informação é incompleta e insuficiente para leccionar os te-mas previstos.

3. O INIDE - Instituto Nacional de Investiga-ção e Desenvolvimento da Educação elaborou, em 2012, um “Guia de Direitos Humanos para o Professor do Ensino Pré-escolar e Primário” e a Dom Bosco Editora publicou um “Manual

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7.4 Violência Doméstica Tanto os professores como os alunos testemunham uma elevada prevalência de violência doméstica nas famílias e na comunidade. Nenhuma das ví-timas nos casos contados exerceu o seu direito de recorrer ao sistema de Justiça. Também não op-taram por usar os serviços de aconselhamento ou recurso às Direcções Provinciais ou Delegações Municipais da Família e Promoção da Mulher, do INAC ou outras organizações que intervêm nes-te campo como a OMA - Organização da Mulher Angolana ou a PMA - Plataforma Mulheres em Acção.

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8. Recomendações

A partir das conclusões apresentadas, o Mosaiko | Instituto para a Cidadania considera pertinentes as seguintes recomendações:

8.1 Melhorar o ensino de Direitos Humanos

Este primeiro grupo de recomendações visa re-forçar e melhorar o ensino do actual conteúdo da disciplina de Educação Moral e Cívica.

Ao Ministério de Educação:

Tendo em conta que o ensino geral nos ciclos pri-mário e secundário desempenha um papel decisi-vo na aquisição de informação sobre direitos hu-manos e na aquisição de atitudes e competências para exercer os direitos com segurança e confiança dentro da sociedade, recomenda-se:

w Promover a distribuição ampla de material existente de apoio para professores sobre o ensino de direitos humanos, tanto em for-ma de livro como através da internet;

w Criar módulos e programas de formação para a disciplina “Educação Moral e Cívica” que tenham um caracter obrigatório na for-mação de todos os professores que leccio-nam em regime de monodocência;

w Criar módulos e programas de formação para a disciplina “Educação Moral e Cívica” para serem incorporados nos programas de formação contínua dos professores da dis-ciplina;

w Seleccionar conteúdos do programa de EMC – que têm a ver com o exercício de di-reitos e deveres na escola e na sociedade – e incluí-los na formação contínua de todos os professores.

Tanto os professores como os alunos apontaram a dicotomia que existem entre os valores de direitos humanos e democracia participativa que são ensinados na disciplina Educação Moral e Cívica e aquilo que é vivido na sociedade. O Mosaiko considera que a melhor maneira de enfrentar esta realidade no contexto de Angola é assegurar que, pelo menos, a experiência vivida pela criança na escola seja exemplar em termos da prática de cidadania e democracia participativa.

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w Aumentar a carga horária da disciplina de EMC de modo a que o tempo de leccionação seja adequado à extensão e importância dos conteúdos leccionados;

w Criar ao nível do IMNE, nas escolas públi-cas, uma formação específica para profes-sores de EMC;

w Criar ao nível do ISCED cursos de formação superior que preparem os estudantes espe-cificamente para leccionar a disciplina de EMC;

w Estender a disciplina de EMC ao 2º ciclo do ensino secundário com conteúdos adequa-dos ao desenvolvimento pessoal e social dos alunos nesta etapa de formação académica;

w Introduzir no programa da disciplina de EMC um item relativa ao estudo da religião numa vertente não-confessional, que per-mita a todos os alunos, independentemente das suas opções religiosas, compreender a importância do fenómeno religioso na vida das pessoas e das sociedades e conhecer a história e os principais elementos das prin-cipais religiões praticadas no mundo.

Aos Professores de Educação Moral e Cívica

Recomenda-se que os Professores de Educação Moral e Cívica:

w Procurem obter e utilizar os manuais de apoio disponibilizados pelo Ministério da Educação e pela Editora Dom Bosco;

w Solicitem às organizações da sociedade civil materiais de apoio sobre Direitos Humanos e outros temas do curriculum de EMC;

w Promovam visitas de estudo tanto às ins-tituições ligadas à promoção dos Direitos Humanos como às instituições de recurso em caso de violação destes Direitos como a Polícia, a Provedoria, a Procuradoria, o Tri-bunal e o INAC.

À Associação das Escolas Católicas:

Na perspectiva de promover a participação infor-mada dos alunos na promoção de justiça social, recomenda-se:

w Aproveitar o convénio com o Ministério da Educação para aumentar o tempo lectivo da disciplina de EMC;

w Distinguir entre os tempos lectivos e os conteúdos de “Educação Moral e Cívica” e de “Religião Católica”;

w Elaborar um programa para melhorar o ensino de “Educação Moral e Cívica” nas Escolas católicas, produzindo materiais de apoio para todos os itens do programa e assegurando-se que os professores usam o material disponível;

w Participar activamente na criação e opera-cionalização das ZIP - Zonas de Influência Pedagógica para melhorar o conteúdo e a prática de ensino da disciplina “Educação Moral e Cívica” com destaque para os direi-tos humanos e a democracia participativa.

Às organizações da sociedade civil

Recomenda-se que as organizações da sociedade civil:

w Interajam com os professores de EMC, dando a conhecer o seu trabalho, quando tal seja adequado aos temas da disciplina;

w Disponibilizem os materiais produzidos nas suas áreas de intervenção para que possam ser conhecidos e utilizados pelos professo-res de EMC;

Para o Mosaiko

Recomenda-se ao Mosaiko que:

w Crie uma página de facebook direccionada aos professores de EMC onde estes possam partilhar experiências e colocar as suas dú-vidas e solicitar apoio para temáticas ligadas

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a cidadania, a direitos humanos e a outros temas sociais;

w Organize, em parceria com a Associação das Escolas Católicas, um Encontro a nível nacional, onde se dêem a conhecer os resul-tados desta pesquisa e se possa realizar uma reflexão comum sobre a contribuição das Escolas Católicas para o ensino da EMC em Angola.

8.2 Combater a violação comum dos direitos da criança

É imprescindível garantir o acesso à educação para todas crianças. O estudo identificou algumas si-tuações de violação sistemática deste direito. As recomendações que se seguem são feitas no sen-tido de melhorar as práticas na gestão de desafios comuns.

w Crianças com deficiência: É possível que haja um número significativo de crianças com deficiência fora do sistema de ensino. Recomendamos que o Ministério de Edu-cação e os demais actores na sociedade civil realizem um estudo sobre o acesso à educa-ção para crianças com deficiência e sobre a qualidade de ensino disponível nos serviços de ensino especial prestados em escolas de ensino especial e na inclusão de crianças com necessidades educativas específicas no ensino regular.

w Trabalho infantil: E provável que haja um número significativo de crianças que se en-contram em situação de sub-aproveitamen-to escolar por estarem frequentemente au-sentes da escola, sendo obrigadas a ajudar os pais em trabalhos domésticos e outros. Re-comendamos que haja uma análise compa-rativa dos dados existentes sobre absentis-mo escolar e uma campanha multi-sectorial

OS 11 COMPROMISSOS PARA COM A CRIANçA

EM ANGOlA

1 Esperança de vida: redução da mortalidade materno infantil.

2 Segurança alimentar e nutricional: redução da desnutrição infantil.

3 Registo de Nascimento: aumento do número de crianças registadas dos 0- 5 anos.

4 Educação da primeira infância: Aumentar o acesso e a qualidade da educação das crianças dos 0-5 anos de idade.

5 Educação Primária e Formação Profissional: As crianças dos 6 aos 18 anos usufruem de uma educação de qualidade; e os adolescentes que se encontram fora do sistema escolar benefi-ciam de alternativas de educação e têm acesso a uma qualificação profissional efectiva.

6 Justiça Juvenil: Todas as crianças que se en-contram em conflito com a lei beneficiam de uma justiça em conformidade com os padrões internacionais.

7 Prevenção, tratamento, apoio e redução do im-pacto do VIH/SIDA nas famílias e nas Crianças: Redução da incidência e do impacto do vIH-SIDA.

8 Prevenção e mitigação da violência contra a criança: Diminuição da violência, exploração e tráfico de crianças.

9 Competências Familiares e Protecção Social: Au-mentar as capacidades a nível das famílias para garantir a sobrevivência, desenvolvimento e protecção das crianças e melhorar o acesso aos serviços básicos.

10 A Criança e Comunicação Social, Cultura e Despeorto: As crianças participam na divul-gação dos 11 compromissos, através dos meios de comunicação e actividades desportivas e culturais)

11 A Criança no Plano Nacional e no Orçamento Geral do Estado: a sustentabilidade dos 11 compromissos para com as crianças angolanas será garantida através de orçamentos e planos amigos da criança.

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de sensibilização dos pais, das autoridades locais e das autoridades tradicionais contra o absentismo escolar com destaque para as zonas rurais.

w Gravidez precoce: Notamos que a for-ma como tanto as escolas como as famílias lidam com situações de gravidez precoce constitui, muitas vezes, uma flagrante vio-lação de direito da menina grávida e do bébé. Recomendamos que as escolas liderem um processo de mudança das atitudes discrimi-natórias que prevalecem. Nesse sentido, as acções mais importantes são:w Compreender que uma criança, pelo

facto de engravidar, não passa a ser um adulto;

w valorizar as - poucas - experiências em que as alunas continuaram os seus es-tudos, na mesma turma, apesar de uma gravidez precoce destacando que isto não encoraja a ocorrência de outos casos, mas constitui uma ocasião de aprendiza-gem para todos os colegas;

w Quando o pai do bebé for um colega de escola, envolver ambos – e as respectivas famílias - no processo de decisão;

w Cessar a prática de transferir as meninas grávidas para estudarem no horário noc-turno;

w No caso de uma gravidez precoce, que seja nomeada uma professora que acom-panhe e aconselhe a menina e a sua famí-lia com o propósito de encorajar a meni-na continuar estudar.

w Educação de pais sobre os Direitos da Criança: Promover programas de educação de pais sobre os seus deveres no contexto dos 11 Compromissos para com a Crian-ça adoptados pelo Governo de Angola em 2004 (ver pág. 73), através de programas e actividades correntes:

w O Estado poderá promover um progra-ma de sensibilização dirigido aos funcio-nários públicos e às empresas privadas;

w As Igrejas poderão promover programas através de grupos, movimentos e asso-ciações, escolas e outras instituições já existentes;

w As ONG’s e as Igrejas poderão organizar actividades dirigidas a pessoas que tra-balham no sector informal;

w Os meios de comunicação social poderão dar maior destaque a este assunto em di-versos programas e criar uma campanha cívica específica.

8.3 Tornar a Escola uma oficina de Democracia

A escola é a primeira oportunidade que a criança tem de lidar com a sociedade fora do âmbito da sua família. É também a primeira vez que ela vai inte-ragir directamente por si só com figuras de auto-ridade e, em muitos casos, será a primeira vez que ela lida regularmente com adultos que tenham um nível de formação pré-universitário ou universi-tário.

Tanto os professores como os alunos apontaram a dicotomia que existem entre os valores de direi-tos humanos e democracia participativa que são ensinados na disciplina Educação Moral e Cívica e aquilo que é vivido na sociedade. O Mosaiko con-sidera que a melhor maneira de enfrentar esta rea-lidade no contexto de Angola é assegurar que, pelo menos, a experiência vivida pela criança na escola seja exemplar em termos da prática de cidadania e democracia participativa. Reconhece-se que isto constitui um grande desafio em termos culturais, em termos do tempo disponível e das qualidades de liderança necessárias para promover as mudanças. Contudo, se não conseguirmos viver a democracia na escola, é pouco provável que vamos conseguir

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estabelecer e defender práticas democráticas na sociedade. Recomendamos, por isso, as seguintes acções;

w Que as Direcções Escolares – e, particular-mente, as que pertencem à Associação de Escolas Católicas - adoptem a abordagem de Escola Amiga de Criança proposta pelo UNICEF (ver pág. 76-77);

w Que as práticas democráticas aplicáveis à gestão escolar descritas nos manuais de “Educação Moral e Cívica” e promovidas na metodologia “Escola Amiga de Criança” como eleições por delegados de turma, dis-cussão aberta e validação de regulamentos escolares, afixação de regulamentos escola-res em lugar público se tornem práticas cor-rentes em todas as escolas;

w Que as Direcções Escolares promovam es-paço para que as Associações de Estudantes e os delegados ganhem um perfil represen-tativo e responsável que contribua para a gestão participativa e eficaz da escola.

w Que haja Conselhos Disciplinares rigorosa-mente estabelecidos e operacionalizados em todas escolas.

w Que todas as escolas reúnam regularmente o Conselho Pedagógico com a presença de representantes da Direcção, dos professo-res, dos alunos e das Associações de Pais e Encarregados de Educação.

w Que as Comissões de Pais e Encarregados de Educação sejam apoiadas para participarem na vida escolar.

w Que a “Associação de Escolas Católicas” e os sindicatos de professores adoptem um “Có-digo de Conduta Profissional para o Profes-sor”. O link - http://teachercodes.iiep.unesco.org/teachercodes/codes/Africa/Mozambique - apresenta um exemplo elaborado pelo Sin-dicato de Professores em Moçambique.

8.4 Educar a sociedade sobre o funcionamento do sistema judicial

Este estudo qualitativo e o estudo quantitativo realizado pelo Mosaiko em 2012 apontam para a necessidade de educar a população sobre o papel e as principais regras de funcionamento do sistema judicial, destacando o papel da Polícia, da Procu-radoria, dos Tribunais e do Provedor de Justiça. Julgamos também importante que os serviços de aconselhamento que são essenciais e importantes não sejam confundidos com as entidades que te-nham a responsabilidade estabelecida por lei de proteger os direitos do cidadão. Nesta perspecti-va, recomendamos que:

w O Ministério de Justiça operacionalize os me-canismos de recurso dentro do contexto actual do país. Por exemplo, existe uma experiência piloto de operacionalizar a Lei de Julgado de Menores, na ausência de um Tribunal de Me-nores, na Província de Huíla, que deverá servir para conceber um modelo para operacionalizar os serviços de Julgado de Menores em outras províncias fora de Luanda;

w Os actores principais no sistema de Justiça, o Ministério de Justiça e Direitos Humanos, a Polícia, a Procuradoria-Geral da República e a Provedoria de Justiça e actores da sociedade civil como a Ordem dos Advogados promovam actividades educativas para funcionários pú-blicos e a população em geral sobre o funciona-mento dos serviços judiciais;

w Que as escolas convidem representantes de órgãos judiciais e da Polícia, de modo regular, para falar com os alunos e as Comissões de Pais; que este tipo de encontro enfatize diálogo e in-teracção - que a polícia e os funcionários dos tribunais aproveitam o espaço para contar his-tórias de sucesso (salvaguardando o anonimato dos envolvidos) no recurso a instâncias judicias

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.OS 6 PRINCíPIOS DA ESCOlA AMIGA DA CRIANçA

1: Garantia dos Direitos das CriançasPara garantir este princípio, a Direcção deve:

w Informar a comunidade educativa sobre os direitos das crianças e os 11 Compromissos [ver pág. 73], através da publicação de conteúdos diversos em placares informativos, jornais murais, bem como a produção de cartazes, panfletos, dísticos etc.

w Os 11 Compromissos constituem um conjunto de responsabilidades assumidas entre o Poder Executivo, o Sistema das Nações Unidas e Parceiros Sociais do Estado, para garantir o desenvolvimento integral da criança.

w Organizar encontros anuais (reuniões, palestras ou campanhas) com a comunidade educativa, para abor-dar sobre os direitos das crianças e os 11 Compromis-sos.

w Elaborar um plano de consciencialização e forma-ção de professores para abordagem de temas sobre a inclusão, necessidades educativas especiais e adequa-ções curriculares maiores ou menores, ao longo do ano lectivo.

Os professores devem:w Desenvolver actividades na sala de aulas e actividades

extra-curriculares, onde os alunos exprimam as suas opiniões através de redacções, trabalhos práticos, debates e trabalhos de grupo.

w Ajudar a eleger os delegados de turma.w Constituir uma associação de alunos na escola.

A Comissão de Pais e Encarregados de Educação deve:w Promover campanhas de sensibilização na comunida-

de durante o período de matrículas, para que todas as crianças e em particular as com necessidades educati-vas especiais tenham acesso à escola.

2: Ensino e aprendizagem de qualidadePara garantir este princípio, a Direcção deve:

w Elaborar registos administrativos dos professores existentes na escola (com ou sem agregação peda-gógica) e ter um plano de formação contínua para os professores nas Zonas de Influência Pedagógica (ZIP).

w Elaborar o Projecto Educativo da Escola.w Acompanhar regularmente o trabalho dos professo-

res na sala de aulas e dar recomendações para a sua melhoria (grelhas de observação).

w Efectuar a distribuição e controlo do material didácti-co.

Os professores devem:w Efectuar a planificação diária das aulas e promover o

diálogo com os alunos.w Usar diferentes estratégias para um ensino e aprendi-

zagem eficiente, quer dizer, os alunos trabalham em grupos flexíveis (colaboração), individual e apresen-tam em plenária o resultado do seu trabalho, com o acompanhamento directo dos professores.

w Usar diversos materiais didácticos para melhorar a compreensão dos alunos (materiais naturais ou reci-clados e outros).

w Manter uma decoração nas aulas que motiva a apren-dizagem (alfabeto, cartazes com palavras difíceis de entender, tabela de multiplicação, cartazes sobre higiene e saúde, expõem o trabalho efectuado pelos alunos).

w Adoptar o reforço positivo nas salas ao invés do casti-go físico e emocional (elogiar quando se faz um bom trabalho, não desmoralizar os alunos mais fracos, mas apoiá-los e motivá-los para melhorar, elaborar um código de conduta em conjunto com os alunos, etc.).

w Avaliar o progresso da aprendizagem de todos os alu-nos através do preenchimento de relatórios descriti-vos, cadernetas mini pautas, com recomendações.

A Comissão de Pais e Encarregados de Educação deve:w Acompanhar o trabalho dos professores visitando as

suas aulas.w Sensibilizar os pais e encarregados sobre a importân-

cia do acompanhamento dos seus filhos na escola e da participação regular em reuniões.

3: Participação da comunidade na escolaPara garantir este princípio, a Direcção deve:

w Realizar palestras e encontros para a divulgação de informação de interesse para os pais e encarregados de educação.

w Constituir uma Comissão de Pais e Encarregados de Educação (CPEE) funcional.

Os professores devem:w Receber os pais e encarregados de educação regular-

mente e aproveitar para fornecer informações sobre o desempenho dos seus filhos.

w Envolver os pais e encarregados de educação nas acti-vidades extra-curriculares.

A Comissão de Pais e Encarregados de Educação deve:w Participar na gestão e melhoria da escola através do

Projecto Educativo da Escola.

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w Promover o envolvimento dos pais e encarregados de educação nas actividades extra-curriculares .

w Angariar fundos para melhorar as instalações escola-res.

4: Escola higiénica e saudávelPara garantir este princípio, a Direcção deve:

w Proporcionar os materiais de limpeza necessários e contratar auxiliares da limpeza.

w Garantir que a escola tenha água e condições higié-nicas para as crianças tendo em conta as necessidades das meninas e meninos.

w Promover a ligação com o centro de saúde local e apoiar na vacinação e desparasitação das crianças.

w Solicitar a Administração local o fornecimento da merenda escolar.

Os professores devem:w Afixar nas salas de aula cartazes que ilustram práticas

higiénicas e saudáveis.w Explicar a importância dos comportamentos saudá-

veis e higiénicos para evitar doenças, como malária, dengue, diarreia, vIH e SIDA, etc.

w Actuar como modelo para os seus alunos, não deitar lixo ao chão, lavar as mãos e manter as batas limpas.

w Fazer o roteiro da limpeza com os alunos para manter a sala limpa e cuidar dos espaços verdes.

A Comissão de Pais e Encarregados de Educação deve:w Estabelecer parcerias com as empresas locais para

proporcionarem produtos básicos de alimentação na escola.

w Procurar alternativas para a falta de água na escola tais como ligar a electro bomba da comunidade ao tanque da escola.

w Participar nas campanhas de limpeza mensais da es-cola e sensibilizar aos pais e encarregados de educação sobre a importância de práticas higiénicas.

5: Proteção e Segurança da Criança na escolaPara garantir este princípio, a Direcção deve:

w Ter o controlo do número de incidentes relacionados com a segurança e protecção dos alunos.

w Contactar organizações locais para realização de palestras na escola sobre a prevenção de riscos e pri-meiros socorros.

w Tomar medidas para garantir a segurança interna (pessoal de segurança, vedação, manutenção do edifício, kit de primeiros socorros) e externa (sinais de trânsito, batas dos alunos com logotipo da escola, controlo das pessoas que entram e saem do recinto es-colar, pessoal que ajude os alunos a atravessar as ruas com maior tráfego em colaboração com as brigadas de segurança escolar).

w Elaborar um lema da escola que fale sobre o respei-to, a tolerância e a convivência pacífica sem o uso de violência, com a participação de todos.

Os professores devem:w Elaborar um código de conduta com os alunos sobre

as regras básicas de convivência, uso adequado do material escolar e promoção da não-violência.

w Usar o elogio e palavras positivas para motivar as crianças na realização e reconhecimento das suas tarefas, para que se sintam valorizadas e estimuladas a aprender.

w Nunca usar o castigo físico, nem emocional com os alunos (insultos, discriminação, etc.).

A Comissão de Pais e Encarregados de Educação deve:w Usar as caixas de sugestões e reclamações de maneira

anónima.w Sensibilizar os pais para que os filhos cuidem do

material escolar e respeitem os códigos de conduta da escola.

w Acompanhar os filhos à escola.w Realizar campanhas e palestras para sensibilizar a

comunidade a não usar a violência contra as crianças.

6: Equidade de GéneroPara garantir este princípio, a Direcção deve:

w Garantir que existam instalações sanitárias apropria-das, limpas e separadas para meninos e meninas.

w Desagregar os dados estatísticos por género.w Trabalhar com a comunidade e os pais para que tanto

os meninos como as meninas em idade escolar, sejam matriculados e se mantenham na escola.

w Garantir que todas as meninas e meninos tenham igual acesso sem nenhum tipo de discriminação.

w Assegurar o equilíbrio entre professores e directores de ambos sexos.

Os professores devem:w Assegurar que os materiais usados nas salas não pro-

movam a discriminação.w Explicar aos alunos a diferença entre sexo e género e a

diferença entre os papéis tradicionais e modernos de ambos meninos e meninas, homens e mulheres.

w Assegurar que meninas e meninos tenham igual parti-cipação nas actividades escolares e igual representação na associação de alunos.

A Comissão de Pais e Encarregados de Educação deve:w Sensibilizar a comunidade sobre a importância da

escola e matrícula de todas as crianças, principal-mente as meninas, nas áreas rurais e grupos nómadas, tenham o direito de completar o ensino primário e secundário, e preparar-se para uma vida produtiva e carreira profissional.

Para mais informação cf. http://www.unicef.org/education/files/CFS_Manual_Portuguese.pdf

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e da polícia; e que os funcionários de entidades judicias e da polícia aproveitem para, no espí-rito de diálogo, recolher informação sobre ex-periências vividas pela população;

w Que todo o funcionário de uma entidade ju-dicial saiba lidar com menores de idade, sendo formado especificamente para este efeito.

8.5 Combater a violência doméstica

Apesar do foco do presente estudo não incluir es-pecificamente a violência doméstica, perante o levado número de episódios deste tipo relatados pelos alunos, não podemos deixar de recomendar que:

w Todos os actores envolvidos na escola - pro-fessores, alunos/as, funcionários/as, pais e encarregados de educação - tenham algu-ma formação sobre a violência doméstica e sobre a lei 25/11, de 14 de Julho, conhecida como a “Lei contra a violência doméstica”.

w O Ministério da Família e Promoção da Mu-lher e as demais instituições do Estado im-

plicadas criem e divulguem - com o apoio das igrejas, autoridades tradicionais e orga-nizações da sociedade civil - os mecanismos de protecção à vítima de violência doméstica e criem condições - nomeadamente através de centros de acolhimento - que garantam efectivamente a protecção e a segurança da vítima.

w No ambito de iniciativas da “Escola Ami-ga da Criança” - escola sem violência - se estabeleçam parcerias em que os alunos/as possam colaborar com instituições do Esta-do - Procuradoria, Polícia Nacional, ... - de modo a fazer face às situações de violência doméstica.

w No ambito de iniciativas da “Escola Amiga da Criança” cada escola desenvolva actividades - envolvendo professores, alunos, funcio-nários e pais e encarregados de educação - que promovam a resolução não violenta de conflitos e a educação para a não-violência. Estas actividades poderão ser realizadas com a colaboração de organizações da sociedade civil ou de outras entidades preparadas para o efeito.

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Bibliografia

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w Amnistia internacional, Siniko. Para uma cultura de Direitos Humanos em África, in http://www.amnistia-internacional.pt/files/documentacao/Siniko.pdf

w Delors, Jacques (Coord.). Os quatro pilares da educação. In Educação: um tesouro a descobrir. Ed. Cortez (São Paulo 2004).

w Diógenes, Elione M.Nogueira. Direitos Humanos e Educação: A necessária articulação, UFAL.

w INIDE, Documento de Base - Seminário para Professores de Educação Moral e Cívica II e III níveis, ed. INIDE (Luanda 2000).

w INIDE, Educação Moral e Cívica nas Escolas: Manual para Professores e Formadores - 1º Módulo, ed. IN-IDE (Benguela 2001).

w INIDE, Educação Moral e Cívica nas Escolas: Manual para Professores e Formadores - 2ºMódulo, ed. INIDE (Benguela 2000).

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w Marques, Ramiro, Educação Cívica e Desenvolvimento Pessoal e Social, ed. Texto Editora (1990).

w Mata, Maria Isabel, Evangelização em Angola (1908-1975), ed. IFMM (Lisboa 2000).

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w Samuels, Michael Anthony, A História do ensino em Angola (1878-1914), ed.Mayamba (Luanda 2011).

w Silva, Aparecida Ignacio, Valores em Educação, ed.vozes (Petrópolis 2000).

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w Silva Neto, António Burity da, Situação do Sector da Educação em 2003, ed. Kulonga,ISCED (Lu-anda s.d.).

w vanucchi, Aldo et alli, Fundamentos da Educação Moral e Cívica, ed.Loyola (São Paulo 1982).

Legislação:

w ANGOLA, República de. Assembleia do Povo. Constituição da República Popular de Angola. Luanda, 1975.// 1976//1977//1978//1980//1991//1992 e a Constituição de 2010.

w ANGOLA, República de. Lei 13/01, de 31 de Dezembro de 2001, estabelece a Lei de Bases do Sistema de Educação, 2003.

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Anexos

Entrevistado por: Data:Pessoas entrevistada:Função: Formação académica:

O objectivo da entrevista é dialogar com os professores sobre os conteúdos de Direitos Humanos dos programas e manuais de Educação Moral e Cívica, compreender a sua apli-cação no contexto escolar. Colher as suas opiniões sobre os conteúdos de EMC no contexto da actual reforma educativa e a exploração das diferentes temáticas de Direitos Humanos no quadro da abertura do programa de EMC que possibilita aos professores a abordagem de outros assuntos de interesse local e da turma.

1. DIREITOS HUMANOS

A entrevista será feita em torno da experiência dos professores no ensino da disciplina de EMC e a aplicação dos conteúdos de Direitos Humanos com os alunos ao nível da escola e da comunidade.

1.1 Quais são, na sua opinião, os direitos humanos mais importantes que são referenciados no curriculo de EMC? E Porque?

1.2 Quais são as actividades extras curriculares que a escola tem desenvolvido em matéria de Direitos Humanos?

1.3 Quais são os principais documentos que normalmente usam na abordagem de Direitos Humanos?

Porque estes e não outros?

Se não, insistir em procurar as razões?

1.4 Os materiais (manuais e programas) usados na abordagem dos Direitos Humanos são de fácil acesso e leitura pelos professores e pelos alunos?

1.5 Como fazem a aplicação da temática da democracia, ao nível da família, da escola e da comunidade?

1.6 Quais são os meios pelos quais os alunos participam na vida famíliar, da escola e da comunidade?

1.7 Como pais e professores, como que acham que se pode melhor promover a participação associativa e democrática de jovens? Porquê? (explorar as actividades previstas nos manuais)

1.8 Qual o papel do professor para promover a participação democrática dos alunos na vida escolar. O que significa participação democrática do aluno?

1.9 Qual é a importância do ensino dos Direitos Humanos nas escolas?

1. GUIÃO DE ENTREVISTA A PROFESSORES

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2.DISCIPLINA DE EMC

Depois de falarmos sobre Direitos Humanos, gostaríamos agora de saber a sua opinião e experiência de ensino em relação à disciplina e aos conteúdos de EMC.

2.1 Qual é a sua opinião sobre a introdução da disciplina de EMC no sistema de ensino?

2.2 Que outras questões sobre Direitos Humanos gostaria de ver abordadas na disciplina de EMC?

2.3 Que opinião tem sobre os desafios do regime de monodocência em relação ao ensino da disciplina de EMC?

2.4 Os programas de EMC do INIDE, deixam uma grande margem para abordagem de questões de Direitos Humanos de interresse da turma em função do contexto. Quais são os temas de Direitos Humanos que os alunos demostram maior interesse para além dos conteúdos previstos nos programas?

2.5 O INIDE publicou um manual de Direitos Humanos para orientação dos professores do ensino primário e um programa de EMC para o primeiro ciclo que conta com conteúdos ligados aos Direito Humanos. Conhece-os? Se sim, qual a sua opinião sobre eles?

2.6 Acha que os aspectos de democracia e Direitos Humanos do programa são visíveis de forma geral na formação dos alunos?

1.10 Que papel têm os alunos/jovens na promoção dos Direito Humanos na escola?

1.11 Quais são as principais situações de violação dos Direitos Humanos que se verificam na escola?

1.12 Qual tem sito o procedimento da escola em relação a tais violações?

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1. APRESENTAÇÃO DA EQUIPA

Explicar o propósito da discussão: Essa é uma discussão sobre o ensino, conhecimento e prática dos Direitos Humanos nas escolas dos grandes centros urbanos. O debate com os alunos centrar-se-á em torno do conhecimento dos conteúdos dos programas e materiais de ensino de Educação Moral e Cívica; por outro lado, pretende-se perceber a aplicação prática dos Direitos Humanos na escola, na família e na comunidade.Nota: Ao longo da discussão sobre as fontes dos Direitos Humanos, o facilitador tem de insistir um pouco sobre o que eles terão aprendido em sala de aula.

TÓPICOS

Conhecimento dos Direitos Humanos (direitos e deveres)w Este exercício visa criar um ambiente dinâmico e informal entre os participantes as suas opiniões

sobre o que são direitos.w O exercício será conduzido por um moderador. Não serão permitidas críticas nem juízos de valor

sobre a opinião de cada um dos participantes.w Os alunos vão discutir a questão com base nos seus conhecimentos e nas suas experiências de vida. As

opiniões serão anotadas e servirão de ponto de partida para os outros exercícios.

EXERCÍCIO 1: CHUVA DE IDEIAS

w Pergunta quebra-gelo: O que são direitos? w Quais são os Direitos Humanos que conhecem?Nota: Solicitar “Quais os direitos humanos que conhecem?” Alistar todas as opiniões, mesmo que sejam ou não sejam Direitos Humanos. Programar para levar 10 min.

EXERCÍCIO 2: ESTIMANDO PRIORIDADES

Neste exercício, o moderador pedirá aos alunos para que cada um escreva num cartão qual é, para si, o direito mais importante. A medida que cada um apresenta o direito que escolheu também dirá porque que acha que o mesmo é importante. Depois seguir-se-ão as outras questões que serão discutidas pelos participantes.

w Quais são os Direitos Humanos mais importantes para vocês?w Aonde é que ouviram falar destes direitos? w Em que manuais podemos encontrar os Direitos Humanos?

EXERCÍCIO 3: CENÁRIO SOBRE DIREITO A EDUCAÇÃO (ESTÓRIA Nº1)

Bernardo e Joãow Quais são os direitos de João e Bernardo que vocês identificam nesta estória?w Quem é a pessoa que vê o seu direito desrespeitado na estória?w Como alunos, quais são os deveres do Bernardo em relação ao direito educação?

Pai de João e Bernardow Quais são os deveres do pai do João quanto ao direito a educação?w Qual é a vossa opinião em relação a atitude/argumento do pai de João?

2. GUIÃO PARA GRUPOS FOCAIS COM ALUNOS

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EXERCÍCIO 3: CENÁRIO SOBRE DIREITO A EDUCAÇÃO (ESTÓRIA Nº1)

Perguntas geraisw Que importância tem o direito a educação para a sociedade? w Como é que vocês notam a aplicação (exercício) do direito a educação nas vossas

famílias e nas vossas comunidades? w Quais são as situações de violação do direito a educação que vocês conhecem,

quer seja na escola, nas famílias ou nas vossas comunidades?w Na vossa opinião, o que é mais importante para a vida do João enquanto criança.

Ajudar na oficina ou estudar?

CAPACIDADE DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS

Com esta discussão, pretende-se compreender o modo como os alunos lidam, na prática, com as situações em que os seus direitos são violados quer seja na escola, quer seja na família ou na comunidade. A discussão será feita em torno dos eventos que os alunos forem capazes de apresentar. Neste sentido, serão selecionados alguns exemplos mais sigficativos para a discussão. Ponto de partida: Por favor, contem-nos uma situação de violência em relação aos Direitos Humanos que vocês tenham visto na escola, na família ou dentro da vossa comunidade.Terão de ter uma abordagem que permita:

a) Escutar e anotar os exemplos apresentados pelos participantes.b) Se forem muitos exemplos (terão de aceitar todos) será melhor seleccionar alguns para discussão.

Vocês internamente terão de ter uma lista dos direitos mais interessantes para a discussão.

w Porque consideram este acontecimento como violação dos Direitos Humanos?w Em casos como os que vocês contaram de violação dos Direitos Humanos, o que fariam? w Onde se deve recorrer, em casos de necessidade, face a violação dos Direitos Humanos?w Em caso de violação de um dos vossos direitos na escola, o que vocês fariam?w Qual é a utilidade do conhecimento dos Direitos Humanos para melhorar a sociedade?w No recinto escolar tem havido respeito e cumprimento dos Direitos Humanos? Porquê?w Qual deverá ser o dever do aluno lesado nos seus direitos?w Qual é a recomendação que fariam para melhorar o cumprimento dos Direitos

Humanos?

DEMOCRACIA (ESTÓRIA Nº 2)

Neste exercício o moderador convidará os alunos a prestarem atenção à estória sobre a democracia que será apresentada duas vezes. A discussão sobre a democracia na turma vai ser feita em torno da narrativa. O que se pretende é saber se os alunos têm noções de democracia, se conseguem identificar os processos democráticos na sociedade e se os aplicam na escola.

w Quais são as qualidades que um delegado de turma deve ter?w Qual é a melhor forma para a escolha de um delegado?w Qual é a vantagem e desvantagem da eleição?w Qual é a vantagem e desvantagem da votação?w Como devemos resolver as diferenças opinião ou outras? (por ex. , nesta estória)w Qual dos dois alunos propõe uma ideia democrática?

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DEMOCRACIA

w O que significa democracia para vocês?w Quais são as vantagens da democracia que vocês conhecem?w Como é que acham que estas vantagens podem ser postas em prática na escola e na

sociedade?w Quais são os principais valores da democracia que conhecem?w Quais são as práticas de democracia que vocês conhecem na escola e na comunidade?w Há alguma lista de regras de convivência da turma? Se sim, perguntar se eles

participaram na sua criação e qual é a vantagem de participar na sua elaboração?w Quem pode apresentar uma prática de democracia que tenha visto diferente das que

apresentram?w Qual é o papel dos alunos na democracia?

OBS: Quando os facilitadores tiverem dúvidas ou não entenderem bem, solicitar esclarecimento.

PRé-ENCERRAMENTO DO DEBATE:Perguntar se algum participante quer contribuir com algo que não tenha sido dito ou debatido mas, que ele considere importante ou relevante.

ENCERRAMENTO E AGRADECIMENTO: Terminar o debate e agradecer a participação de todos.

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O cenário servirá de base para introduzir as pergun-tas sobre direito a educação e os respectivos deveres. Através destas questões pretende-se perceber o grau de conhecimento do direito a educação por parte dos alunos. Neste exercício o moderador convidará os alunos a prestarem atenção a narrativa sobre o di-reito a educação que será apresentada duas vezes. A discussão sobre o direito a educação vai incidir sobre as questões levantadas em torno da narrativa, isto é, sobre os direitos e deveres das personagens.

ACESSO à EDUCAçãO - Dois rapazes, Ber-nardo seis anos de idade e João de oito anos de idade, amigos acostumados a bricar juntos, vi-vem em Benguela. Bernardo é matriculado na es-cola do bairro onde o seu pai é professor. Pai de João,mecanico de profissão, entendia que o filho tinha de ficar na oficina a ajudar na reparação dos carros e aprender uma profissão para garantir o seu futuro. Por esta razão, João não foi matricu-lado na linda escola-nova do bairro. Era visivel a tristeza no pequeno rosto do rapaz quando dema-nhazinha via Bernardo e outros meninos a colorir as ruas do bairro em direcção a escola.

Acontece que, o Bernardo que estava na escola furtava-se as aulas, não participava das activida-des da escola e não respeitava os outros colegas. Dizia, Bernardo, que era livre e tinha direito de fazer o que queria.

Ilustração: Era o começo do ano lectivo na Es-cola Oito. Para uns, os que acabavam de entrar para escola, era uma oportunidade de fazer novas amizades, para os mais antigos era o reencontro. O branco das batas novas, sapatos e ténis novos, penteados e cortes de cabelos acabados de fazer, faziam o contraste habitual do início do ano lec-tivo. Titinho, era um daqueles alunos que tinha transitado para a sexta classe, por isso foi transfe-rido para a Escola Oito. Menino inteligente e sim-pático, rapidamente tinha conquistado a simpatia da maioria dos colegas.

Professor Domingos Mateus, apelidado “Disci-plina” pelos alunos, tinha ordenada que até a se-gunda semana a turma tinha de ter um delegado. Parte da turma achava que Tonito, por ser o mais alto da turma, devia ser o delegado. Titinho pro-testou, dizendo que tinham de fazer eleições para escolherem o delegado. Russo, respondeu dizen-do que na escola de onde tinha vindo não se fazia eleições e o delegado sempre foi bem escolhido. Nisto a turma ficou dividida. Na falta de consenso, a turma resolveu pedir ajuda a vocês.

ESTÓRIA Nº2 - DEMOCRACIAESTÓRIA Nº 1 - EDUCAÇÃO

Page 87: Relatório "O ensino dos Direitos Humanos em Angola" | 2014

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