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RELATÓRIO CONTEXTUAL SOBRE A DEMARCAÇÃO E POSSE DE TERRAS DE POVOS INDÍGENAS EM PERNAMBUCO 1. Introdução .::.. Em 2013, a Constituição Federal de 1988 completou 25 (vinte e cinco) anos de vigência. De uma forma geral, a retomada da regularidade democrático-constitucional no Brasil criou expectativas de conquistas em vários grupos sociais que amargaram perdas relevantes durante o regime ditatorial. A situação dos povos indígenas, desde a configuração inicial de brasilidade, tem sido de uma inclusão social incipiente, quase inexistente. No decorrer do século XX, o rechaço social à cultura indígena, por pouco, não a aniquilou enquanto identidade interpessoal e expressão própria de um conhecimento, crenças, hábitos e costumes. No final da década de 1980 e início da de 1990, uma reação a essa conjuntura se estabeleceu e um movimento em prol da cultura indígena ganha força, principalmente, com apoio de pessoas ilustres de renome internacional como o cantor Sting. Então, um processo de ressignificação cultural se consolida com o intuito de determinar o indígena como efetivo ator social e sujeito de direitos e não mais como uma figura caricaturesca e um incapaz por presunção jurídica. O marco desse processo de ressignificação é a luta pela posse das terras indígenas. A terra tem um significado muito especial para os povos indígenas. Além de propiciar os meios de subsistência material (pesca, coleta de frutas, agricultura, pecuária, medicamentos, material para construção de habitações e desenvolvimento de ferramentas), em sentido amplo, a terra é meio essencial para expressão dessa cultura, terras insulares, terras continentais, as plantas, os animais, as águas (rios, mar, chuva), os acidentes geográficos, o sol, a lua, nuvens, estrelas, trovões, relâmpagos, solstícios e equinócios, absolutamente tudo é acolhido pela cultura indígena e lhe é dado um significado. Trata-se de uma relação de essência, uma combinação entre o físico e o metafísico, bem diferente e, ao mesmo tempo, à frente da concepção jurídica tradicional que resume a terra a um bem patrimonialmente colecionável.

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RELATÓRIO CONTEXTUAL SOBRE A DEMARCAÇÃO E POSSE DE TERRAS DE POVOS INDÍGENAS

EM PERNAMBUCO

1. Introdução .::..

Em 2013, a Constituição Federal de 1988 completou 25 (vinte e cinco) anos de

vigência. De uma forma geral, a retomada da regularidade democrático-constitucional no

Brasil criou expectativas de conquistas em vários grupos sociais que amargaram perdas

relevantes durante o regime ditatorial.

A situação dos povos indígenas, desde a configuração inicial de brasilidade,

tem sido de uma inclusão social incipiente, quase inexistente. No decorrer do século XX, o

rechaço social à cultura indígena, por pouco, não a aniquilou enquanto identidade interpessoal

e expressão própria de um conhecimento, crenças, hábitos e costumes.

No final da década de 1980 e início da de 1990, uma reação a essa conjuntura

se estabeleceu e um movimento em prol da cultura indígena ganha força, principalmente, com

apoio de pessoas ilustres de renome internacional como o cantor Sting. Então, um processo de

ressignificação cultural se consolida com o intuito de determinar o indígena como efetivo ator

social e sujeito de direitos e não mais como uma figura caricaturesca e um incapaz por

presunção jurídica.

O marco desse processo de ressignificação é a luta pela posse das terras

indígenas. A terra tem um significado muito especial para os povos indígenas. Além de

propiciar os meios de subsistência material (pesca, coleta de frutas, agricultura, pecuária,

medicamentos, material para construção de habitações e desenvolvimento de ferramentas),

em sentido amplo, a terra é meio essencial para expressão dessa cultura, terras insulares,

terras continentais, as plantas, os animais, as águas (rios, mar, chuva), os acidentes

geográficos, o sol, a lua, nuvens, estrelas, trovões, relâmpagos, solstícios e equinócios,

absolutamente tudo é acolhido pela cultura indígena e lhe é dado um significado. Trata-se de

uma relação de essência, uma combinação entre o físico e o metafísico, bem diferente e, ao

mesmo tempo, à frente da concepção jurídica tradicional que resume a terra a um bem

patrimonialmente colecionável.

Um dispositivo que favoreceu inicialmente essa luta certamente foi o artigo 67

do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT):

Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da

promulgação da Constituição.

Com efeito, essa disposição reproduziu textualmente o artigo 65 da Lei

6001/1973 (Estatuto do Índio):

Art.65. O Poder Executivo fará, no prazo de cinco anos, a demarcação das terras indígenas,

ainda não demarcadas.

O grau de efetividade dessa previsão normativa é o ponto de partida desta

pesquisa e aferi-la é o objetivo maior a ser atingido, considerando, nesta primeira fase, a coleta

de informações a partir das principais entidades indigenistas que tratam do tema e

disponibilizam publicamente suas informações. A definição territorial é fator de desagregação

de total relevância, daí a limitação da pesquisa ao território do Estado de Pernambuco.

A segunda fase compreenderá a coleta de dados in-loco, para comparação

com os dados coletados na primeira fase, mas depende de tempo, de orçamento, de

ferramentas e da articulação necessárias à superação das dificuldades inerentes.

2. Parâmetros legais internos .::..

O direito material brasileiro voltado especialmente para tutela dos direitos de

povos indígenas no Brasil está previsto na normativa constitucional e infraconstitucional. A

Constituição Federal de 1998, o Estatuto do Índio (Lei 6001/1973) e o Decreto 1.775/1996 são

basicamente os instrumentos legais para defesa de direitos indígenas (ver anexos, item 7).

De acordo com esses instrumentos, a terra indígena pode ser categorizada da

seguinte forma: em estudo, delimitada, declarada, homologada, regularizada, interditada e

encaminhada para registro imobiliário.

A titularidade dos atos procedimentais de demarcação de terra indígena varia

entre a FUNAI, o Ministro da Justiça e o Presidente da República. Nesse ponto, o Decreto

1.775/1996 dita todo o trâmite legal, desde o levantamento antropológico e fundiário até a

desintrusão dos não-índios, passando pelo registro em cartório e junto à Secretaria do

Patrimônio da União (SPU).

Em termos de prazos e atos procedimentais, temos a seguinte situação:

Isso nos permite admitir que cada procedimento demarcatório necessitaria

de, no mínimo, 345 dias, considerando os prazos já definidos no Decreto.

É certo que a realização da coleta de informações para a produção e

apresentação do relatório de reconhecimento, a homologação pelo Presidente da República e

o trabalho de reassentamento dos não-índios presentes dentro dos limites da Terra Indígena

(TI) ampliam indefinidamente o prazo final para conclusão do procedimento demarcatório.

3. Povos Indígenas em Pernambuco .::..

Os Povos Indígenas em Pernambuco não têm um reconhecimento uniforme,

do ponto de vista institucional, em relação ao número de povos existentes. Esse número varia

de 7 (sete) a 11 (onze) povos, considerando a circunstância de alguns extrapolarem fronteiras

entre Estados-membros, como por exemplo os Fulni-ô's, entre Pernambuco e Alagoas, e os

Trukás, entre Pernambuco e a Bahia.

Vejamos a tabela abaixo:

atos administrativos responsável prazo1 Constituição do GT de reconhecimento FUNAI prazo estipulado na portaria2 Requerimento de técnicos suplementares FUNAI sequência à instalação do GT3 Indicação de técnicos suplementares órgãos federais e/ou estaduais 20 dias a partir do requerimento

4 Prestação de informações outros órgãos e entidades civis Até 30 dias a partir da publicação de

constituição do GT

5 Publicação do relatório do GT aprovado titular da FUNAI 15 dias

6 Manifestação sobre o relatório Estados e municípios Até 90 dias após a publicação do relatório

7 Envio de relatório para o Ministro da Justiça FUNAI Até 60 dias após o prazo anterior

8 Decisão do Ministro da Justiça Ministro da Justiça Até 30 dias após o prazo anterior

9 Em caso de diligências necessárias Ministro da Justiça Até 90 dias após o prazo anterior

10 Declaração dos limites das terras indígenas Ministro da Justiça dentro do prazo do item 8

11 Homologação por decreto Presidente da República prazo não fixado

12 Reassentamento de não-índios FUNAI prazo não fixado

13 Registro em cartório da terra indígena FUNAI Até 30 dias após a publicação do Decreto de homologação

FUNAI: Fundação Nacional do Índio1;

FUNDAJ: Fundação Joaquim Nabuco2;

ANAI: Associação Nacional de Ação Indigenista3;

CIMI: Conselho Indigenista Missionário4;

NEPE: Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade da UFPE5;

ISA: Instituto Sócioambiental6

4. Mapeamento das terras indígenas

Percebe-se a seguinte configuração distributiva dos Povos Indígenas em

Pernambuco, tomando-se um mapa com rodovias e ferrovias do Ministério dos Transportes.

1 Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas 2 Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=649&Itemid=188 3 Disponível em: http://www.anai.org.br/povos_pe.asp 4 Disponível em: http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=paginas&conteudo_id=5719&action=read 5 Disponível em: http://www.ufpe.br/nepe/povosindigenas/ 6 http://ti.socioambiental.org/pt-br/#!/pt-br/terras-indigenas/pesquisa/uf/PE

F U N AI F U N D AJ AN AI CIMI N EP EAt iku m At ik um At ikum At ik um At ikumFulni-ô Fu ln i-ô Fulni-ô Fu lni-ô Fulni-ôKambiwá Kambiwá Kambiwá Kambiwá KambiwáKapinawá Kapinawá Kapinawá Kapin awá KapinawáPan kar ar u Pankar ar u Pank ar a r u Pankar ar u Pank ar a r uPan kar á Pank ar á Pankar á Pank ar á

Panka iu cáP ipip ã P ip ip ã P ipipã P ip ipãTr u ká Tr uká Tr u ká Tr uká Tr u káTuxá Tuxá Tu xá TuxáXuku r u Xuku r u Xu kur u Xukur uXuku r u de Cimbr es

5. Situação sobre o exercício de posse das terras indígenas

Atikum .::..

O povo indígena Atikum encontra-se localizado na área que abrange o

território de quatro municípios pernambucanos. São eles: Belém de São Francisco, Carnaubeira

da Penha, Mirandiba e Salgueiro. Segundo dados da Fundação Joaquim Nabuco, estima-se a

existência de um contingente populacional de 4.631 indígenas. Contudo, os dados

apresentados contrastam com os disponibilizados pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre

Etnicidade (NEPE) da Universidade Federal de Pernambuco, que contabiliza 5.139 indígenas e

ainda com os dados da Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ), que contabiliza 6.940.

Vale ressaltar que do total apresentado por essa instituição, estima-se que 2.483 estejam fora

das terras originais.

A diversidade de dados e informações acerca da quantidade da população de

indígenas pertencentes a este povo pode ser compreendida se levada em consideração o

critério utilizado na contagem, como pode ser expresso pelos dados da ANAÍ que leva em

consideração a porcentagem da população que não se encontra dentro do território das terras

homologadas.

A situação fundiária das suas terras passou para Homologada/Registrada,

conforme Decreto nº5 – 05/01/1996. Dessa forma, há registro de uma área equivalente a

16.290 hectares regularizada. O que chama a atenção da situação fundiária desse povo é que

seu território localiza-se no perímetro de região geográfica marcado pelo bioma da caatinga,

no qual atualmente há predominância do plantio, comercialização e consumo de drogas, o que

torna a região conhecida como Polígono da Maconha.

Segundo dados da Fundação Joaquim Nabuco e do Nepe, o território indígena

do povo Atikum é hoje tido como Área Intrusada, devido a presença de habitantes não-índios.

Outro fator complicador é a existência de povos pertencentes a este grupo que se encontram

localizados fora da área demarcada, como demonstrado pelos dados populacionais

apresentados anteriormente. Isso se agrava porque grande parte destes se encontram em

área contígua ao território demarcado e que recentemente foi reconhecido com Área de

Remanescentes Quilombolas (Município de Conceição das Creoulas – Salgueiro/PE). Há

também na região populações assentadas pelo INCRA.

Existe a demanda de revisão dos limites atuais do território, visando a

incorporar várias comunidades que se encontram fora do perímetro demarcado.

Para a FUNAI, a TI Atikum é considerada regularizada. Para o ISA, a TI Atikum é

considerada homologada, a seguir para registro e SPU.

Fulni-ô .::..

O povo Fulni-ô habita atualmente uma região de fronteira entre os estados de

Alagoas e Pernambuco. No território pernambucano, sua área compreende região que se

localiza entre os municípios de Águas Belas e Itaíba. Segundo dados da Fundação Joaquim

Nabuco, estima-se a existência de uma população de 4.232 indivíduos. Esse dado contrasta

com os dados disponibilizados pela Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAI) que

estimou em 2011 a existência de 4.261 indígenas, dos quais 475 estão fora da área

regulamentada. Ainda conforme dados do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Etnicidade

(NEPE) da Universidade Federal de Pernambuco, registrou-se a existência de 3229 indígenas na

região.

A situação fundiária das terras do povo Fulni-ô, segundo os dados

disponibilizados pelas instituições citadas, encontra-se em processo de identificação e

homologação. As terras encontram-se em homologação por determinação das Portarias 145

de 12/03/2003 e 245 de 18/03/2009. Por se tratar de terras em processo de identificação,

estima-se que sua área alcance cerca de 11.500 hectares, parte da área está dividida em lotes

de propriedade individual.

Verificam-se nessa área ocorrências socioambientais diversas. A região é tida

como área intrusada, estando localizada em região de caatinga. Inclui não apenas área rural,

mas também região urbana. A região é atravessada por linhas de transmissão de energia da

Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), assentamentos do INCRA e do governo de

Pernambuco, bem como áreas quilombolas, sítio arqueológico e empreendimentos públicos e

privados. A área incorpora terras de domínio indígena. Do total apresentado acima (11.500

hectares), há uma divisão em 427 lotes individuais, dos quais a maioria encontra-se arrendado

para não-índios.

Para a FUNAI, a TI Fulni-ô é considerada regularizada (reserva indígena) e em

estudo a parte tradicionalmente ocupada. Para o ISA, trata-se de região dominial indígena em

revisão.

Kambiwá .::..

Localizados na região dos municípios de Floresta, Ibimirim e Inajá, este povo

tem suas terras localizadas entre o sertão e a região do São Francisco em Pernambuco. Quanto

aos dados referentes ao contingente populacional, há uma acentuada diferença entre os dados

disponibilizados pelas instituições indigenistas. Segundo dados da Associação Nacional de Ação

Indigenista (ANAI), estima-se a existência de 3.250 indivíduos pertencentes a esse grupo na

região. Esse dado contrasta com as estimativas apresentadas pela Fundação Joaquim Nabuco –

2.911 indivíduos – e também pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Etnicidade (NEPE) da

Universidade Federal de Pernambuco – 2.576 indivíduos.

Vale ressaltar que essa divergência de dados acerca do povo Kambiwá pode

ocorrer em virtude do tipo de critério de contagem, uma vez que há nesse grupo específico a

existência de um grupo dissidente que ocupa a mesma região, grupo conhecido como povo

Pipipã (para esta análise, usaremos os dados encontrados para cada grupo separado).

A situação fundiária passou para homologada/registrada conforme Decreto

Não Numerado de 14/12/1998. Sua extensão abrange uma área de 31.495 hectares, sendo

que em parte da área encontra-se a reserva biológica Serra Negra do IBAMA, que é utilizada

pelos indígenas para rituais.

A área registrada compreende região de caatinga, sendo constituída

atualmente como área intrusada. Conforme já apresentado, abriga a reserva ecológica Serra

Negra. Apresenta o desafio da proliferação do plantio, comercialização e consumo de drogas,

sendo a região integrante do chamado Polígono da Maconha. Apresenta área de

desmatamento. Em 2002, com a dissidência e formação do grupo Pipipã, este grupo passou a

reivindicar a demarcação das terras em área contígua ao território Kambiwá.

Para a FUNAI, a TI Kambiwá é considerada regularizada. Para o ISA, trata-se de

terra homologada, a seguir para registro e SPU.

Kapinawá .::..

O povo Kapinawá encontra-se na região dos municípios de Buíque,

Tupanatinga e Ibimirim, entre o agreste e o sertão pernambucano. Sua população é estimada

em 3.283 (Fundação Joaquim Nabuco), 2.487 (Associação Nacional de Ação Indigenista) e

2.297 (Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Etnicidade da Universidade Federal de

Pernambuco).

A extensão territorial da área deste povo compreende o total de 12.403

hectares, sendo a situação fundiária passada a homologada/registrada pelo Decreto Não

Numerado 11/12/1998. Não diferente da área dos outros povos tratados até aqui, a área do

povo Kapinawá também é tida como área intrusada. Localizada numa região de caatinga,

apresenta na área registrada sítio arqueológico, bem como unidade de conservação, o Parque

Nacional do Catimbau. O território é também explorado como área de turismo, pertencendo

também ao chamado Polígono da Maconha.

A situação deste povo requer atenção pela presença de núcleos populacionais

na área de preservação do Parque do Catimbau. A população indígena pleiteia a revisão da

área demarcada para abranger incluir no território legalizado as famílias que se encontram

fora da área demarcada.

Para a FUNAI, a TI Kapinawá é considerada regularizada. Para o ISA, trata-se

de terra homologada, a seguir para registro e SPU.

Pankararu .::..

O povo indígena Pakararu habita povoamento regularizado dividido em dois

núcleos indígenas: Pancararu e Entre Serras. O território Pancararu localiza-se nos municípios

de Jatobá, Petrolândia e Tacaratu na região do Vale do São Francisco, interior do Pernambuco.

Já o povoamento Entre Serras localiza-se nos municípios de Petrolândia e Tacaratu no interior

do Pernambuco.

Segundo dados da Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAI) da

Universidade Federal de Pernambuco no território Pancararu a extensão de 8.377 hectares e

7.550 no território Entre Serras. As áreas passaram a homologadas/registradas pelo Decreto

94.603 de 14/07/1987 e pelo Decreto Não Numerado de 19/12/2006, respectivamente. Em

termos populacionais, faltam dados com relação à quantidade de indígenas em cada território.

Segundo dados da Fundação Joaquim Nabuco, estima-se a existência de 6.959 indígenas no

território Entre Serras.

O que se verifica nessa região é que as duas áreas são contíguas, tendo como

bioma predominante a caatinga. Corresponde a uma área indígena urbana, ocorrendo a

presença de não índios na terra (área intrusada). Sofre as consequências sociais decorrentes

da localização da terra por a mesma se encontrar no perímetro correspondente ao Polígono da

Maconha. Vale também ressaltar que desse povo surgiu o grupo Pankaiucá.

Para a FUNAI, a TI Pankararu é considerada regularizada. Para o ISA, trata-se

de terra homologada, a seguir para registro e SPU.

Pankaiucá .::..

Localizado no município de Jatobá, interior do Pernambuco, esse grupo

indígena surgiu de dissidência do grupo Pankararu. A área de ocupação denomina-se Fazenda

Cristo Rei e atualmente passa por processo de identificação, conforme Portaria 1.299 de

31/12/2008. Essa situação de identificação do território se arrasta há mais de 10 anos, quando

em 2003, pela Portaria 977, foi criado o primeiro Grupo de Trabalho para a identificação da

terra. Até o momento não há dados suficientes que apontem a extensão da área habitada por

este povo, nem mesmo o número de indivíduos pertencentes a este grupo.

Para a FUNAI, o Povo Indígena Pankaiucá não consta como reconhecido. Para o

ISA, trata-se de terra indígena em identificação.

Pankará .::..

Os indígenas desse grupo encontram-se em dois territórios: Terra Pankará e

Terra Pankará de Itacuruba. Para facilitar a abordagem, trataremos deste povo a partir da

divisão das terras.

Terra Pankará: localizada no município de Carnaubeira da Penha, estima-se,

segundo dados da Fundação Joaquim Nabuco, uma população de 2.558 índios. A terra

encontra-se em processo de identificação conforme Portaria 413 – 24/03/2010. Não foram

encontrados dados acerca da extensão reivindicada. Sabe-se que a terra encontra-se em área

correspondente ao Polígono da Maconha, sendo intrusada. Encontra-se também em região

considerada como área quilombola.

Terra Pankará de Itacuruba: localizada no município de Itacuruba-PE, a área é

tida em situação de emergência. Em abril de 2009, o Instituto de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA), atendendo ao pleito da Associação Indígena Pankará de Itacuruba, informa à

Fundação Nacional do Índio (FUNAI) sobre vistoria de imóveis para atender o pleito. Os índios

informam que o grupo é constituído por 80 famílias.

Para a FUNAI, o Povo Indígena Pankará é conhecido por Pankará da Serra da

Arapuá e sua TI está em fase de estudo. Para o ISA, trata-se de terra indígena em identificação.

Pipipã .::..

O povo indígena Pipipã localiza-se no interior do estado de Pernambuco na

área dos municípios de Floresta, Ibimirim e Inajá. Esse grupo emergiu do seio do grupo

Kambiwá (Ibimirim) em 2002, cuja terra é contígua a este grupo. Segundo dados da Fundação

Joaquim Nabuco estima-se a existência de 1.195 índios deste agrupamento, dados que

contrastam com o número apresentado pela Fundação Nacional de Saúde, 185 indivíduos.

A situação fundiária encontra-se em processo de identificação regulamentada

pela Portaria 802 de 20/07/2005 e 1.177 de 07/10/2008. Não foram encontrados dados

referentes à extensão do território. A área pleiteada encontra-se inserida na Unidade de

Conservação Rebio Serra Negra, Outras ocorrências socioambientais são: área intrusada,

bioma caatinga, existência de assentamento do INCRA, empreendimentos privados e

desmatamento, Polígono da Maconha. A área será cortada pelo Eixo Leste do Projeto de

Transposição do Rio São Francisco.

Para a FUNAI, a TI Pipipã é considerada em estudo. Para o ISA, trata-se de terra

indígena em identificação.

Truká .::..

Os território dos povos Truká encontram-se divididos em quatro

agrupamentos indígenas que se distinguem pelo nome da terra. São eles: Nossa Senhora da

Assunção; Porto Apolônio Sales e Ilhas de Tapera e São Félix; Truká Ilha da Missão; Aldeia

Indígena Beato Serafim – Ilha da Vargem. Para efeito de abordagem, apresentaremos cada um

desses agrupamentos e suas respectivas situações.

Terra Nossa Senhora da Assunção: localizada no município de Cabrobó-PE,

apresenta população estimada em 5.791 índios, segundo dados da Fundação Joaquim Nabuco.

Com uma área declarada de 5.769 hectares. Essa terra foi Declarada pela Portaria MJ 26 de

28/01/2002. O perímetro declarado refere-se a Ilha de Assunção e um conjunto de ilhotas que

forma o arquipélago. Incorpora 1.592 hectares homologado pelo Decreto Não Numerado de

05/01/1996. Atualmente encontra-se em processo de identificação para ampliação de limites,

conforme Portaria 146 de 21/02/2008. Corresponde ainda a uma área intrusada, de bioma

caatinga, também localizada no Polígono da Maconha, apresentando projetos de construção

das Barragens Riacho Seco e Pedra Branca.

Terra Porto Apolônio Sales e Ilha de Tapera: localizada no município de Orocó-

PE, estima-se uma população de 251 indígenas segundo dados da Fundação Nacional de

Saúde. Não foram encontrados dados acerca da extensão territorial, sendo que a terra está em

processo de identificação segundo Portaria 264 de 27/03/2008. A maior parte desse grupo

migrou da terra indígena de Nossa Senhora da Assunção. Apresenta, também, as mesmas

ocorrências socioambientais desta.

Truká Ilha da Missão: também situada no município de Orocó, encontra-se em

situação de emergência. Não foram encontrados dados acerca da população nem da extensão

geográfica das terras. Encontra-se ainda em pleito territorial.

Aldeia Indígena Beato Serafim – Ilha da Vargem: localiza-se em áreas dos

municípios de Cabrobó e Belém de São Francisco, interior do Pernambuco. Da mesma forma

que a terra Truká Ilha de Missão, encontra-se em situação de emergência. Conforme ata de

reunião enviada a FUNAI em maio de 2007, os índios informavam que a população se

constituía de 160 famílias.

O Povo Indígena Truká foi marcado pela morte de Mozenir Araújo, liderança

truká, assassinado em 23 de agosto de 2008, em Cabrobó, Pernambuco.

Para a FUNAI, a TI Truká está dividida em duas partes: uma regularizada

(Cabrobó – 1.592,8972 hectares) e outra é considerada declarada (Cabrobó – 5.769 hectares).

Para o ISA, trata-se de terra indígena declarada.

Tuxá .::..

O povo Tuxá tem situa-se na Terra Fazenda Funi, localizada no município de

Inajá-PE. Com uma população estimada em 161 índios (dados da FUNDAJ) ocupam uma área

de 140 hectares. Sua Terra é considerada como de domínio indígena. Essa área foi adquirida

pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) para o reassentamento de grupos de

famílias Tuxá, em virtude da construção da Barragem de Itaparica (Paulo Afonso-BA). Contudo,

esses índios são provenientes da cidade de Rodelas –BA.

Para a FUNAI, a TI Tuxá na Bahia é considerada em registro imobiliário,

enquanto que a TI Tuxá em Pernambuco é considerada regularizada. Para o ISA, trata-se de

terra indígena reservada.

Xukuru .::..

O povo Xukuru encontra-se em duas terras reconhecidas pelos nomes: Terra

Xukuru e Terra Xukuru de Cimbres. Para efeito de apresentação, procederemos com a

exposição dos dados de cada terra separadamente.

Terra Xukuru: localizada nos municípios de Pesqueira e Poção, na Mesorregião

do Agreste Pernambucano. Segundo dados da Fundação Joaquim Nabuco, sua população está

estimada em 12.009 indivíduos. A terra encontra-se Homologada/registrada pelo Decreto Não

Numerado de 02/05/2001, correspondendo a uma área de 27.555 hectares. Apresenta-se

como uma área intrusada e urbana, marcada pelo bioma da caatinga, com presença do

turismo religioso na região. Em função de conflitos internos ocorridos em 2002, um grupo de

150 famílias foi expulso da terra homologada e a maioria se estabeleceu na área urbana de

Pesqueira-PE. Em virtude do ocorrido, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 2009 adquiriu

uma área para reassentamento dessas famílias que se autodeclaravam Xukuru de Cimbres.

Terrra Xukuru de Cimbres: localizada nos municípios de Pesqueira, Pedra,

Venturosa e Alagoinha, no interior de Pernambuco. Possuem terra de domínio indígena

desapropriada para fins de interesse social pelo Decreto de 04/06/2009 em virtude do conflito

interno que gerou a expulsão do grupo da terra Xukuru. A área de domínio indígena possui

1.160 hectares.

O Povo Indígena Xukuru, em todo seu período de luta, foi marcado por várias

mortes: o índio José Everaldo Rodrigues Bispo, filho do Pajé Zequinha (1992, morto em uma

emboscada); o Procurador da FUNAI, Geraldo Rolim, grande defensor dos direitos indígenas

(1995); Cacique Xicão (1998, assassinado com três tiros em uma emboscada); o líder da aldeia

Pé-de-Serra do Oiti, Chico Quelé (2001, assassinado em uma emboscada). A cada três anos,

uma morte de pessoas defensores da causa indígena xukuru.

Para a FUNAI, a TI Xukuru é dividida em duas partes: a tradicionalmente

ocupada (Pesqueira - 27.555,0583 hectares), considerada regularizada, e a Reserva Indígena

(Pedra – 1.166,1793 hectares), considerada regularizada. Para o ISA, trata-se de terra indígena

regularizada, a seguir para registro e SPU e terra indígena reservada (Xukuru de Cimbres).

6. Conclusões e Recomendações

Conclui-se, portanto, que:

1. O trabalho de reconhecimento antropológico é demasiadamente lento e não tem

conseguido expressar a diversidade dos povos indígenas em Pernambuco. Isso é um desafio

anterior ao processo administrativo de demarcação das terras indígenas;

2. O procedimento demarcatório estabelecido pelo Decreto 1.775/1996 gera imprevisibilidade

sobre atos futuros e insegurança jurídica para o exercício de direitos pelos Povos Indígenas. E,

evidentemente, não garante a posse tranquila das terras já reconhecidas e até já registradas;

3. As informações sobre a regulação das Terras Indígenas em Pernambuco fornecidas pela

FUNAI através de seu sítio na internet indicam um estágio avançado de regularização, porém,

isso não tem significado segurança jurídica, pessoal e coletiva, proteção ambiental e condições

dignas de sobrevivência e de expressão cultural para os indígenas;

Dessa forma, recomenda-se ao Governo Federal:

Primeiro: reconhecer expressamente que a posse de Terras Indígenas não se adéqua ao

conceito tradicional de posse do código civil e que, deve ser analisado segundo o modo de vida

tradicional dos Povos Indígenas;

Segundo: agilizar o trabalho antropológico e atualizar os números da população indígena em

Pernambuco, inclusive, percentual de indígenas vivendo em terras tradicionais e percentual

fora dessas terras como forma de subsidiar as políticas públicas específicas para os indígenas,

bem como estabelecimento de políticas de convivência com quilombolas, com assentados e

com sítios arqueológicos;

Terceiro: revisar e alterar o procedimento do Decreto 1.775 e levar em consideração, para

tanto, o conceito de prazo razoável e de complexidade, presente na atual jurisprudência do

Sistema Interamericano de Direitos Humanos;

Quarto: diligenciar os procedimentos demarcatórios em trâmite e aqueles ainda por serem

instaurados a fim de dar efetividade plena e não meramente formal ao artigo 67 do ADCT;

Quinto: cadastrar os não indígenas presentes nas TI's, promover a desintrusão indenizada e

sustentável para os de boa-fé, impedir novas intrusões e retaliações contra os indígenas;

Sexto: desenvolver um programa de acompanhamento permanente de Terras Indígenas

reconhecidas, demarcadas ou registradas a fim de garantir a posse tranquila das TI's pelos

Povos Indígenas e dar efetividade ao previsto no artigo 231, caput, combinado com seu §1º, da

Constituição Federal de 1988.

7. Anexos .::..

Constituição Federal de 1988

CAPÍTULO VIII DOS ÍNDIOS

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da

soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição.

Estatuto do Índio - Lei 6001/73 | Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 Dos Princípios e Definições

Art. 1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional.

Parágrafo único. Aos índios e às comunidades indígenas se estende a proteção das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta Lei.

Art. 2º Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos:

I - estender aos índios os benefícios da legislação comum, sempre que possível a sua aplicação;

II - prestar assistência aos índios e às comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional;

III - respeitar, ao proporcionar aos índios meios para o seu desenvolvimento, as peculiaridades inerentes à sua condição;

IV - assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência;

V - garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat , proporcionando-lhes ali recursos para seu desenvolvimento e progresso;

VI - respeitar, no processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes;

VII - executar, sempre que possível mediante a colaboração dos índios, os programas e projetos tendentes a beneficiar as comunidades indígenas;

VIII - utilizar a cooperação, o espírito de iniciativa e as qualidades pessoais do índio, tendo em vista a melhoria de suas condições de vida e a sua integração no processo de desenvolvimento;

IX - garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes;

X - garantir aos índios o pleno exercício dos direitos civis e políticos que em face da legislação lhes couberem.

Parágrafo único. (Vetado).

TÍTULO III

Das Terras dos Índios

CAPÍTULO I

Das Disposições Gerais

Art. 17. Reputam-se terras indígenas:

I - as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas, a que se referem os artigos 4º, IV, e 198, da Constituição;

II - as áreas reservadas de que trata o Capítulo III deste Título;

III - as terras de domínio das comunidades indígenas ou de silvícolas.

Art. 18. As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos silvícolas.

§ 1º Nessas áreas, é vedada a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa.

§ 2º (Vetado).

Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo.

§ 1º A demarcação promovida nos termos deste artigo, homologada pelo Presidente da República, será registrada em livro próprio do Serviço do Patrimônio da União (SPU) e do registro imobiliário da comarca da situação das terras.

§ 2º Contra a demarcação processada nos termos deste artigo não caberá a concessão de interdito possessório, facultado aos interessados contra ela recorrer à ação petitória ou à demarcatória.

Art. 20. Em caráter excepcional e por qualquer dos motivos adiante enumerados, poderá a União intervir, se não houver solução alternativa, em área indígena, determinada a providência por decreto do Presidente da República.

1º A intervenção poderá ser decretada:

a) para pôr termo à luta entre grupos tribais;

b) para combater graves surtos epidêmicos, que possam acarretar o extermínio da comunidade indígena, ou qualquer mal que ponha em risco a integridade do silvícola ou do grupo tribal;

c) por imposição da segurança nacional;

d) para a realização de obras públicas que interessem ao desenvolvimento nacional;

e) para reprimir a turbação ou esbulho em larga escala;

f) para a exploração de riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional.

2º A intervenção executar-se-á nas condições estipuladas no decreto e sempre por meios suasórios, dela podendo resultar, segundo a gravidade do fato, uma ou algumas das medidas seguintes:

a) contenção de hostilidades, evitando-se o emprego de força contra os índios;

b) deslocamento temporário de grupos tribais de uma para outra área;

c) remoção de grupos tribais de uma para outra área.

3º Somente caberá a remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou desaconselhável a sua permanência na área sob intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas.

4º A comunidade indígena removida será integralmente ressarcida dos prejuízos decorrentes da remoção.

5º O ato de intervenção terá a assistência direta do órgão federal que exercita a tutela do índio.

Art. 21. As terras espontânea e definitivamente abandonadas por comunidade indígena ou grupo tribal reverterão, por proposta do órgão federal de assistência ao índio e mediante ato declaratório do Poder Executivo, à posse e ao domínio pleno da União.

CAPÍTULO II

Das Terras Ocupadas

Art. 22. Cabe aos índios ou silvícolas a posse permanente das terras que habitam e o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes.

Parágrafo único. As terras ocupadas pelos índios, nos termos deste artigo, serão bens inalienáveis da União (artigo 4º, IV, e 198, da Constituição Federal).

Art. 23. Considera-se posse do índio ou silvícola a ocupação efetiva da terra que, de acordo com os usos, costumes e tradições tribais, detém e onde habita ou exerce atividade indispensável à sua subsistência ou economicamente útil.

Art. 24. O usufruto assegurado aos índios ou silvícolas compreende o direito à posse, uso e percepção das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas, bem assim ao produto da exploração econômica de tais riquezas naturais e utilidades.

§ 1º Incluem-se, no usufruto, que se estende aos acessórios e seus acrescidos, o uso dos mananciais e das águas dos trechos das vias fluviais compreendidos nas terras ocupadas.

§ 2º É garantido ao índio o exclusivo exercício da caça e pesca nas áreas por ele ocupadas, devendo ser executadas por forma suasória as medidas de polícia que em relação a ele eventualmente tiverem de ser aplicadas.

Art. 25. O reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente das terras por eles habitadas, nos termos do artigo 198, da Constituição Federal, independerá de sua demarcação, e será assegurado pelo órgão federal de assistência aos silvícolas, atendendo à situação atual e ao consenso histórico sobre a antigüidade da

ocupação, sem prejuízo das medidas cabíveis que, na omissão ou erro do referido órgão, tomar qualquer dos Poderes da República.

CAPÍTULO III

Das Áreas Reservadas

Art. 26. A União poderá estabelecer, em qualquer parte do território nacional, áreas destinadas à posse e ocupação pelos índios, onde possam viver e obter meios de subsistência, com direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais e dos bens nelas existentes, respeitadas as restrições legais.

Parágrafo único. As áreas reservadas na forma deste artigo não se confundem com as de posse imemorial das tribos indígenas, podendo organizar-se sob uma das seguintes modalidades:

a) reserva indígena;

b) parque indígena;

c) colônia agrícola indígena.

Art. 27. Reserva indígena é uma área destinada a servidor de habitat a grupo indígena, com os meios suficientes à sua subsistência.

Art. 28. Parque indígena é a área contida em terra na posse de índios, cujo grau de integração permita assistência econômica, educacional e sanitária dos órgãos da União, em que se preservem as reservas de flora e fauna e as belezas naturais da região.

§ 1º Na administração dos parques serão respeitados a liberdade, usos, costumes e tradições dos índios.

§ 2º As medidas de polícia, necessárias à ordem interna e à preservação das riquezas existentes na área do parque, deverão ser tomadas por meios suasórios e de acordo com o interesse dos índios que nela habitem.

§ 3º O loteamento das terras dos parques indígenas obedecerá ao regime de propriedade, usos e costumes tribais, bem como às normas administrativas nacionais, que deverão ajustar-se aos interesses das comunidades indígenas.

Art. 29. Colônia agrícola indígena é a área destinada à exploração agropecuária, administrada pelo órgão de assistência ao índio, onde convivam tribos aculturadas e membros da comunidade nacional.

Art. 30. Território federal indígena é a unidade administrativa subordinada à União, instituída em região na qual pelo menos um terço da população seja formado por índios.

Art. 31. As disposições deste Capítulo serão aplicadas, no que couber, às áreas em que a posse decorra da aplicação do artigo 198, da Constituição Federal.

CAPÍTULO IV

Das Terras de Domínio Indígena

Art. 32. São de propriedade plena do índio ou da comunidade indígena, conforme o caso, as terras havidas por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da legislação civil.

Art. 33. O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinqüenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal.

CAPÍTULO V

Da Defesa das Terras Indígenas

Art. 34. O órgão federal de assistência ao índio poderá solicitar a colaboração das Forças Armadas e Auxiliares e da Polícia Federal, para assegurar a proteção das terras ocupadas pelos índios e pelas comunidades indígenas.

Art. 35. Cabe ao órgão federal de assistência ao índio a defesa judicial ou extrajudicial dos direitos dos silvícolas e das comunidades indígenas.

Art. 36. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, compete à União adotar as medidas administrativas ou propor, por intermédio do Ministério Público Federal, as medidas judiciais adequadas à proteção da posse dos silvícolas sobre as terras que habitem.

Parágrafo único. Quando as medidas judiciais previstas neste artigo forem propostas pelo órgão federal de assistência, ou contra ele, a União será litisconsorte ativa ou passiva.

Art. 37. Os grupos tribais ou comunidades indígenas são partes legítimas para a defesa dos seus direitos em juízo, cabendo-lhes, no caso, a assistência do Ministério Público Federal ou do órgão de proteção ao índio.

Art. 38. As terras indígenas são inusucapíveis e sobre elas não poderá recair desapropriação, salvo o previsto no artigo 20.

TÍTULO IV

Dos Bens e Renda do Patrimônio Indígena

Art 39. Constituem bens do Patrimônio Indígena:

I - as terras pertencentes ao domínio dos grupos tribais ou comunidades indígenas;

II - o usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas por grupos tribais ou comunidades indígenas e nas áreas a eles reservadas;

III - os bens móveis ou imóveis, adquiridos a qualquer título.

Art. 40. São titulares do Patrimônio Indígena:

I - a população indígena do País, no tocante a bens ou rendas pertencentes ou destinadas aos silvícolas, sem discriminação de pessoas ou grupos tribais;

II - o grupo tribal ou comunidade indígena determinada, quanto à posse e usufruto das terras por ele exclusivamente ocupadas, ou a ele reservadas;

III - a comunidade indígena ou grupo tribal nomeado no título aquisitivo da propriedade, em relação aos respectivos imóveis ou móveis.

Art. 41. Não integram o Patrimônio Indígena:

I - as terras de exclusiva posse ou domínio do índio ou silvícola individualmente considerado, e o usufruto das respectivas riquezas naturais e utilidades;

II - a habitação, os móveis e utensílios domésticos, os objetos de uso pessoal, os instrumentos de trabalho e os produtos da lavoura, caça, pesca e coleta ou do trabalho em geral dos silvícolas.

Art. 42. Cabe ao órgão de assistência a gestão do Patrimônio Indígena, propiciando-se, porém, a participação dos silvícolas e dos grupos tribais na administração dos próprios bens, sendo-lhes totalmente confiado o encargo, quando demonstrem capacidade efetiva para o seu exercício.

Parágrafo único. O arrolamento dos bens do Patrimônio Indígena será permanentemente atualizado, procedendo-se à fiscalização rigorosa de sua gestão, mediante controle interno e externo, a fim de tornar efetiva a responsabilidade dos seus administradores.

Art. 43. A renda indígena é a resultante da aplicação de bens e utilidades integrantes do Patrimônio Indígena, sob a responsabilidade do órgão de assistência ao índio.

§ 1º A renda indígena será preferencialmente reaplicada em atividades rentáveis ou utilizada em programas de assistência ao índio.

§ 2º A reaplicação prevista no parágrafo anterior reverterá principalmente em benefício da comunidade que produziu os primeiros resultados econômicos.

Art. 44. As riquezas do solo, nas áreas indígenas, somente pelos silvícolas podem ser exploradas, cabendo-lhes com exclusividade o exercício da garimpagem, faiscação e cata das áreas referidas.

Art. 45. A exploração das riquezas do subsolo nas áreas pertencentes aos índios, ou do domínio da União, mas na posse de comunidades indígenas, far-se-á nos termos da legislação vigente, observado o disposto nesta Lei.

§ 1º O Ministério do Interior, através do órgão competente de assistência aos índios, representará os interesses da União, como proprietária do solo, mas a participação no resultado da exploração, as indenizações e a renda devida pela ocupação do terreno, reverterão em benefício dos índios e constituirão fontes de renda indígena.

§ 2º Na salvaguarda dos interesses do Patrimônio Indígena e do bem-estar dos silvícolas, a autorização de pesquisa ou lavra, a terceiros, nas posses tribais, estará condicionada a prévio entendimento com o órgão de assistência ao índio.

Art. 46. O corte de madeira nas florestas indígenas, consideradas em regime de preservação permanente, de acordo com a letra g e § 2º, do artigo 3º, do Código Florestal, está condicionado à existência de programas ou projetos para o aproveitamento das terras respectivas na exploração agropecuária, na indústria ou no reflorestamento.

Art. 65. O Poder Executivo fará, no prazo de cinco anos, a demarcação das terras indígenas, ainda não demarcadas.

Art. 66. O órgão de proteção ao silvícola fará divulgar e respeitar as normas da Convenção 107, promulgada pelo Decreto nº 58.824, de 14 julho de 1966.

Art. 67. É mantida a Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967.

Art. 68. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Decreto 1775/96 | Decreto no 1.775, de 8 de janeiro de 1996 Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, e tendo em vista o dis posto no art. 231, ambos da Constituição, e no art. 2º, inciso IX da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, DECRETA:

Art. 1º As terras indígenas, de que tratam o art. 17, I, da Lei nº 6001, de 19 de dezembro de 1973, e o art. 231 da Constituição, serão administrativamente demarcadas por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência ao índio, de acordo com o disposto neste Decreto.

Art. 2º A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação.

§ 1º O órgão federal de assistência ao índio designará grupo técnico especializado, composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional, coordenado por antropólogo, com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação.

§ 2º O levantamento fundiário de que trata o parágrafo anterior, será realizado, quando necessário, conjuntamente com o órgão federal ou estadual específico, cujos técnicos serão designados no prazo de vinte dias contados da data do recebimento da solicitação do órgão federal de assistência ao índio.

§ 3º O grupo indígena envolvido, representado segundo suas formas próprias, participará do procedimento em todas as suas fases.

§ 4º O grupo técnico solicitará, quando for o caso, a colaboração de membros da comunidade científica ou de outros órgãos públicos para embasar os estudos de que trata este artigo.

§ 5º No prazo de trinta dias contados da data da publicação do ato que constituir o grupo técnico, os órgãos públicos devem, no âmbito de suas competências, e às entidades civis é facultado, prestar-lhe informações sobre a área objeto da identificação.

§ 6º Concluídos os trabalhos de identificação e delimitação, o grupo técnico apresentará relatório circunstanciado ao órgão federal de assistência ao índio, caracterizando a terra indígena a ser demarcada.

§ 7º Aprovado o relatório pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, este fará publicar, no prazo de quinze dias contados da data que o receber, resumo do mesmo no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área, devendo a publicação ser afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel.

§ 8º Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior.

§ 9º Nos sessenta dias subseqüentes ao encerramento do prazo de que trata o parágrafo anterior, o órgão federal de assistência ao índio encaminhará o respectivo procedimento ao Ministro de Estado da Justiça, juntamente com pareceres relativos às razões e provas apresentadas.

§ 10. Em até trinta dias após o recebimento do procedimento, o Ministro de Estado da Justiça decidirá:

I - declarando, mediante portaria, os limites da terra indígena e determinando a sua demarcação;

II - prescrevendo todas as diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de noventa dias;

III - desaprovando a identificação e retornando os autos ao órgão federal de assistência ao índio, mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do disposto no § 1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes.

Art. 3º Os trabalhos de identificação e delimitação de terras indígenas realizados anteriormente poderão ser considerados pelo órgão federal de assistência ao índio para efeito de demarcação, desde que compatíveis com os princípios estabelecidos neste Decreto.

Art. 4º Verificada a presença de ocupantes não índios na área sob demarcação, o órgão fundiário federal dará prioridade ao respectivo reassentamento, segundo o levantamento efetuado pelo grupo técnico, observada a legislação pertinente.

Art. 5º A demarcação das terras indígenas, obedecido o procedimento administrativo deste Decreto, será homologada mediante decreto.

Art. 6º Em até trinta dias após a publicação do decreto de homologação, o órgão federal de assistência ao índio promoverá o respectivo registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda.

Art. 7º O órgão federal de assistência ao índio poderá, no exercício do poder de polícia previsto no inciso VII do art. 1º da Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, disciplinar o ingresso e trânsito de terceiros em áreas em que se constate a presença de índios isolados, bem como tomar as providências necessárias à proteção aos índios.

Art. 8º O Ministro de Estado da Justiça expedirá as instruções necessárias à execução do disposto neste Decreto.

Art. 9º Nas demarcações em curso, cujo decreto homologatório não tenha sido objeto de registro em cartório imobiliário ou na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda, os interessados poderão manifestar-se, nos termos do § 8º do art. 2º, no prazo de noventa dias, contados da data da publicação deste Decreto.

Parágrafo único. Caso a manifestação verse demarcação homologada, o Ministro de Estado da Justiça a examinará e proporá ao Presidente da República as providências cabíveis.

Art. 10. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 11. Revogam-se o Decreto nº 22, de 04 de fevereiro de 1991, e o Decreto nº 608, de 20 de julho de 1992.