mineracao terras indigenas

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    Minerao em TerrasIndgenas:

    a procura de umMarcoLegal

    Hariessa Cristina Villas-Bas

    Roberto C. Villas-BasArsenio Gonzalez Martinez

    Editores

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    Minerao em terras indgenas: a procura de um Marco Legal

    Para cpias extras:

    Roberto C. Villas BasCYTED-XIII w3.cetem.gov.br/cyted-XIIIRua 4, Quadra D, Cidade Universitria

    21941-590, Ilha do FundoRio de Janeiro, RJ, Brasil

    Ftima EngelCapa e editorao eletrnica

    ACRP ConsultoriaCapa

    VILLAS BAS, HARIESSA C.Minerao em terras indgenas: a procura de um marco

    legal/Hariessa C. Villas Bas - Rio de Janeiro: CETEM / MCT /CNPq / CYTED/IMPC, 2005

    188p.: il

    1. Terras indgenas - Legislao 2. Minas e recursosminerais Legislao. I. Centro de Tecnologia MineralII. Villas Boas, Roberto C., ed. III. Martinez, Arsnio Gonzalezed. IV. Ttulo

    ISBN 85-7227-223-2 CDD 345.046811

    Roberto C. Villas BasArsnio Gonzalez MartinezEditores

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    ndice

    Apresentao ..........................................................................................................iCAPTULO I: ndios do Brasil: A Histria de um Povo que Luta pela suaIdentidade e Integrao Enquanto Culturas Diferenciadas1. Histrico dos Povos Indgenas, Desde o Brasil Colnia ................3

    1.1. O Servio de Proteo ao ndio ......................................................7 1.1.1. A Criao da FUNAI...............................................................8

    1.2. Estatuto do ndio (Lei n 6001/73)..................................................9

    1.3. Capacidade civil e o Regime jurdico da tutela noCdigo Civil Brasileiro e no Estatuto do ndio ...........................12

    1.3.1. O que o Regime tutelar? .....................................................16

    1.3.2. Classificao dos ndios e a aplicao da tutela ...................16

    1.4. O ndio em busca da sua identidade ............................................18

    1.5. Mudanas nas regras que regem os povos indgenas,clamam pela elaborao do Novo Estatuto dasSociedades Indgenas...................................................................19

    1.5.1. A Constituio da Repblica Federativa do Brasilfrente a estas mudanas ........................................................20

    1.5.2. Novo Cdigo Civil, Lei n 10.406 de 10 de janeirode 2002, corroborando estas mudanas.................................22

    1.6. Projetos de Lei para a elaborao do Novo Estatutodas Sociedades Indgenas ...........................................................23

    1.7. A Constituio de 1988 e o Novo Cdigo Civil de 2002regulamentando a necessidade urgente do NovoEstatuto das Sociedades Indgenas...............................................27

    CAPTULO II: As Conferncias Internacionais como Precursoras, ao MeioAmbiente e Povos Indgenas Ocuparem Posio de Destaque Frente Nova Ordem Constitucional.2.Conferncias Internacionais ..............................................................33

    2.1. O Homem e a Sociedade ...................................................................37

    2.2. Construes Histricas e Culturais dos povos indgenas edo meio ambiente face ao Ordenamento JurdicoBrasileiro e sua nova ordem: Preservar ..........................................38

    2.3. Evoluo Histrica Legal - do Meio Ambiente ............................39

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    2.4. A Nova Ordem Constitucional como percussora dasLeis Ambientais ............................................................................42

    2.5. Evoluo Constitucional: Meio Ambiente, RecursoMinerais, e Sociedades Indgenas ................................................44

    2.5.1. Brasil Colnia e a Constituio do Imprio...........................44

    2.5.2. Constituio de 1891 ............................................................47

    2.5.3. Constituio de 1934 ............................................................492.5.4. Constituio de 1937 ............................................................51

    2.5.5. Constituio de 1946 ............................................................. 52

    2.5.6. Constituio de 1967 ............................................................. 53

    2.5.7. Constituio de 1988 ou Constituio Cidad ......................55

    2.6. Instrumentos Jurdicos de Participao Pblica naDefesa do Meio Ambiente .............................................................65

    CAPTULO III: Minerao em Terras Indgenas3. Significado da Terra para as Populaes Indgenas ...................73

    3.1. Classificao das Terras Indgenas no Brasil ..............................74

    3.2. Demarcao de Terras ..................................................................78

    3.2.1. Critrios para se identificar e delimitar uma TerraIndgena ......................................................... .......................79

    3.2.2. FUNAI, rgo responsvel pelo Registro da TerraIndgena Demarcada..................................................... ........80

    3.2.3. Procedimento de demarcao................................................81

    3.2.4. Polticas Pblicas em reas Indgenas depois dedemarcada a rea ..................................................................81

    3.3. Reestruturao do rgo Indigenista (FUNAI)..........................83

    3.4. Resistncia criao de Terras Indgenas...................................83

    3.5. Direitos originrios sobre as Terras.............................................89

    3.6. Necessidade Urgente da Aprovao do Novo Estatuto

    das Sociedades Indgenas e do Projeto de LeiMinerao em Terras Indgenas ..............................................89

    3.7. possvel explorao de Recursos Minerais emTerras Indgenas?..........................................................................92

    3.8. A Procura de um Marco Legal .................................................97

    3.8.1. Criticas ao projeto de lei que regulamenta aMinerao em Terras Indgenas .................................................... 103

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    3.8.2 Empresrios se antecipam a Lei ..........................................105

    CAPTULO IV: Minerao, Meio Ambiente e Explorao dos RecursosMinerais em Terras Indgenas4. Os Recursos Naturais e sua Explorao .......................................111

    4.1. Modelos de extrao ....................................................................112

    4.2. Minerao Industrial...................................................................112

    4.3. Garimpagem.................................................................................1134.3.1. Garimpo em Terras Indgenas ............................................. 116

    4.3.2. Permisso da atividade garimpeira realizada pelosprprios ndios ...................................................... ..............121

    4.3.3. Proibio da atividade Garimpeira realizada porno-ndios .................................................... .......................121

    4.4. O Massacre ocorrido no garimpo dos ndios Cinta-Larga ............................................................................................124

    4.5. Recuperao das reas Degradadas peloaproveitamento dos recursos minerais .....................................128

    4.5.1. Explorao Degradao Recuperao

    Equilbrio Ecolgico...........................................................1294.5.2. Avaliao Ambiental ..........................................................131

    4.5.3. Impacto Ambiental ........................................................ ......131

    4.5.4. Licenciamento Ambiental de atividades minerarias............133CAPTULO V: Em Busca de Solues Feitura da Lei Adequada aoDesenvolvimento Econmico e Social, Pautada na Moral, na Justia e naEqidade Social5. Lacunas nas Leis que Visam Regulamentao da

    Minerao em Terras Indgenas e Novo Estatutodas Sociedades Indgenas ...........................................................1435.1. Polticas Indigenistas................................................................151

    Concluso..................................................................................................153Bibliografia...............................................................................................167

    Anexos........................................................................................................177Anexo (1) - Projeto de Lei do Senado N. 121, DE 1995 .......................177

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    Minerao em terras indgenas : a procura de um Marco Legal

    i

    Apresentao

    Atravs de um acordo de entendimentos entre o CYTED e aUIA - Universidad Internacional de Andalucia -, na sua sede de Santa

    Maria de La Rbida, Espanha, propiciou-se a proposta e realizao da"I Maestria en Desarrollo Sustentable, Medio Ambiente e Industria",aqual transcorreu por todo o perodo letivo de 2003.

    Este mestrado, inovador, no contexto dos mestradostradicionais, abordou a transversalidade entre o desenvolvimentosustentvel,seus rebatimentos ambientais e suas inseres sociais, emquatro ramos da atividade industrial, a saber,minerao,metalurgia,indstria qumica e agro-indstria, tendo porpalco este formidvel laboratrio de semi-rido, que a faixa pirticaibrica.

    Sob a direo acadmica dos Professores Arsenio Gonzalez-

    Martinez, da Universidad de Huelva ,Espanha e Roberto C. Villas-Bas, do CETEM - Centro de Tecnologia Mineral - e CYTED-XIII,Brasil, tendo como coordenadora acadmica a Licenciada Sonia Osay,da Fundacin Cordon del Plata, Mendoza, Argentina e com o apoio do,extraordinariamente, dedicado corpo administrativo da UIA, aquipersonificado pelos Profs. Emilio Garzon e Ricardo Almeida ,cerca de25 estudantes latino-americanos, selecionados segundo as rigorosasregras da UIA, foram admitidos para os vrios mdulos quecompuseram a grade acadmica, bem como a rica rede de visitas sminas, s fbricas, aos parques florestais, s atividades agrcolas, dosquais a regio, como um todo, riqussima e de tradicional histria !

    No decorrer do ano de 2005 comearam a ser apresentadas edefendidas as primeiras teses de mestrado, as quais, naquilo quetenham interface com a minerao e metalurgia, alm da relevnciatemtica, passam a ser editadas e publicadas pelo CYTED-XIII .

    O livro ora editado, de autoria da advogada Hariessa CristinaVillas-Bas, profissional da rea do direito mineral e ambiental noBrasil e tendo por orientadora de mestrado a Dra. Maria Laura Barreto,

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    Minerao em terras indgenas : a procura de um Marco Legal

    antiga pesquisadora do CETEM e hoje exercendo suas atividadesprofissionais na Escola de Direito da Universidade de Ottawa, Canad, o primeiro desta srie que traz como editores os Diretores deMestrado, os Professores Arsenio e Villas-Bas, assim denominadosna nomenclatura utilizada pela UIA.

    Trata a tese e a sua verso em livro, ora editada, do pungenteproblema, ainda em busca de uma soluo, da minerao em terrasindgenas no Brasil, analisando a procura de seus marcos legais.

    Que os leitores aproveitem !

    Rio de Janeiro, Dezembro de 2005.

    Roberto C. Villas-Bas

    Arsenio Gonzalez-Martinez

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    CAPTULO INDIOS DO BRASIL:

    A HISTRIA DE UM POVO QUE LUTA PELA SUAIDENTIDADE E INTEGRAO ENQUANTO CULTURASDIFERENCIADAS.

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    1. HISTRICO DOS POVOS INDGENAS, DESDE O BRASIL COLNIA

    A Histria do Brasil comea oficialmente aos 22 de abril de 1500,dia em que a esquadra de Pedro lvares Cabral ancorou na baia de Cabrliatomando posse destas terras em nome da Coroa Portuguesa. Oficiosamente,entretanto, o primeiro europeu a descobrir o Brasil foi o navegador Vicente

    Yanes Pizon no ano de 1499.1

    O primeiro documento escrito relatando a existncia dos nativos a

    Carta de Pero Vaz Caminha a El Rey D. Manuel. A primeira referncia deCaminha ao gentio da terra a seguinte E dali houvemos vista de homensque andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo os navios pequenosdisseram, por chegarem primeiro. 2.

    O documento revela que antes mesmo de desembarcarem osnavegantes tomaram conhecimento de que a terra era habitada. Em seguida,a Carta relata detalhadamente o desembarque e o primeiro contato entre oeuropeu e o amerndio. 3. Na sua Carta, Caminha informa El Rey que osndios ... no lavram, nem criam, o que contribui para a idia do ndio

    preguioso, que ainda hoje vive no imaginrio de muitos.Os primeiros ndios do Brasil viviam em regime de comunidade. A

    diviso das tarefas do dia-a-dia era feita por sexo e por idade e todosajudavam. Os ensinamentos, as prticas, as histrias, a invocao dosespritos, os cantos e as danas eram transmitidos oralmente de gerao paragerao. Os chefes das tribos eram os mais velhos, e eram eles que resolviamproblemas como doenas, mortes, desavenas na famlia e na aldeia, atritoentre as tribos vizinhas, guerras e paz. Cada aldeamento tinha seus prprioscostumes seu jeito de viver, de morrer, de construir, de governar. A terra noera de um s e sim de todos que nela viviam no havia demarcaes nemcomrcio.

    Os primeiros portugueses que chegaram ao Brasil, em 1500,mantiveram um contato amistoso com os ndios, pois precisavam deles para

    1 SOUTHEY, Robert Historia do Brasil, vol.1, edusp, So Paulo, 19812 CAMINHA, Pero Vaz Carta a El Rey Dom Manuel, verso Ruben Braga, record, Rio deJaneiro, 19813 RIBEIRO, Fbio de Oliveira. Brasil: 500 anos de guerra contra os ndios. Jus Navigandi,Teresina, a.4 n.41.

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    trabalhar na extrao do pau-brasil e para defender o litoral doscontrabandistas, principalmente franceses. Mas, com o aumento do nmerode portugueses, as relaes do branco com o ndio foram se tornandocrticas, com os ndios reagindo, pois os portugueses roubavam-lhes asterras, atacavam suas mulheres, tiravam-lhes a liberdade e transmitiam-lhesdoenas, algumas vezes causando a morte de todos os habitantes de umaaldeia.

    O colonizador portugus passa a considerar o ndio como serselvagem e sem alma. Essa situao perdurou at 1537, quando o papa PauloIII, atravs de bula papal reconheceu que o ndio era um ser humano e comalma.

    Apesar da resistncia, milhares de ndios foram escravizados noperodo colonial pelos portugueses, escravizao est permitida peloRegimento de Tom de Souza, outorgado por D. Joo III em 1548, parafor-los a trabalhar na lavoura canavieira e na coleta de cacau nativo,baunilha, guaran, pimenta, cravo, castanha-do-par e madeiras, entre outras

    atividades.Este documento fazia aluso a um tratamento amistoso com os

    indgenas, mas ao mesmo tempo permitia as guerras justas, cujo nometinha por escopo matar aqueles (ndios) que eram inimigos e, da, o nomeguerra justa que servia para justificar e retirar de circulao os que eramcontra o regime da poca, ou os ndios aprisionados que eram reduzidos acondio de escravos e obrigados a servir os colonizadores, como alternativapara garantir a submisso dos ndios resistentes ao domnio dos brancos. 4

    A situao perdurou durante vrios anos e a explorao desenfreadafez com que no ano de 1570 surgisse uma Lei proibindo a escravizao dosndios, mas esses deveriam tornar-se civilizados, ou seja, agregar ao seu

    modo de vida os usos e costumes da vida do europeu. Deixando-se ao livrearbtrio do colonizador a opo ou no da escravido, pois s teriam aliberdade queles que fossem considerados civilizados dentro do conceitoestabelecido pelos prprios colonizadores, ou seja, por aqueles que osescravizaram.

    4 SANTOS, Silvio Coelho dos. Os Direitos dos Indgenas no Brasil, p.96.

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    A lei que garantia aos indgenas a sua no escravido foi, pode-sedizer incua no sentido de no garantir de forma precisa liberdade toalmejada pelos indgenas. A situao do ndio era de absoluta serventia e sualuta marcada por estigmas que o tornavam seres sem alma: selvagens. Em1587 foi promulgada uma Lei tornando obrigatria a presena demissionrios junto s tropas de descimentos 5que consistiam nodeslocamento dos povos indgenas do serto para aldeamentos junto aosportugueses. Aqueles que resistissem acabavam sendo conduzidos (descidos)a fora.

    Os regulamentos determinavam que os aldeamentos devessempreservar a unidade tnica. Tribos com lnguas e culturas diferentespossuam aldeamentos distintos, s que isto no ocorreu, pois desde sempreos portugueses promoveram aldeamentos pluritnicos, forando tribos comdiferentes culturas e lnguas a conviverem em um mesmo espao territorial.A poltica do descimento de ndios para os aldeamentos dos missionrios ouempreendimentos do Estado deu inicio ao processo de desarticulao edestruio dos sistemas tradicionais de ocupao e de manejo dos recursos

    naturais e da prpria organizao social indgena. 6. Esse tipo de aldeamentoera uma forma mais eficaz de destruir a identidade cultural dos povos a fimde domin-los mais facilmente.

    Em 1611, Portugal e suas colnias estavam, sob o domnio Espanhole atravs de Carta Rgia, Felipe II afirmou o direito dos ndios aos seusterritrios, dando nfase a sua no molestao. Mas na prtica isto estavamuito aqum da realidade.

    No ano de 1680 h o reconhecimento da Coroa portuguesa aosdireitos dos ndios sobre seus territrios.

    No ano de 1758 a liberdade dos indgenas reconhecida pelo

    Marqus de Pombal e o ndio passa a fazer jus posse de seus bens; passa ater direito sobre aquilo que lhe pertence a sua liberdade. Mas o perodo foi

    5 MOISS, Beatriz Perrone. ndios livres e ndios escravos, Companhia das Letras 2edio, So Paulo, 1992.6 MOREIRA NETO, C. A (1978). ndios na Amaznia da maioria a minoria (1750-1850).Petrpolis. Vozes.

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    marcado por inmeros conflitos de um lado o dominador e de outro odominado sendo massacrado e exterminado por guerras sem fim.

    No ano de 1808, D.Joo VI, declara a guerra justa. Essa guerra foideclarada contra os ndios botocudos que se localizavam na regio de MinasGerais e se estendeu at o ano de 1910 quando foi criado o Servio de

    Proteo ao ndio (SPI).Dos aproximadamente quatro milhes de ndios que habitavam o

    Brasil na poca da chegada de Cabral, restam hoje mais ou menos dequatrocentos mil7, sobrevivendo em condies precrias e sob constanteameaa de invasores s suas terras, premidos pelas riquezaspresumivelmente nelas existentes.

    As disposies legais relativas aos ndios continuaram em vignciamesmo aps a proclamao da independncia do Brasil, em 1822, assimpermanecendo at o governo regencial em 1831. Nessa poca, foramrevogadas as leis de 1808 e 1809, que declararam guerra contra certas tribose permitiram a escravido de ndios feitos prisioneiros. Paralelamente

    concedia-se aos ndios a mesma proteo legal dada aos rfos.Tempos depois, com a independncia do Brasil, e a Constituio

    Imperial de 1824, surge o ato adicional de 1834, que atribua AssembliaGeral e ao Governo a responsabilidade pela catequizao e civilizao dosndios. Em 1843, o governo autorizava a vinda de missionrios capuchinhosao Brasil e, um ano mais tarde, fixava as regras para a sua distribuio pelasprovncias. A partir da surgem algumas disposies sobre as atividades,obrigaes, direitos e remunerao dos ndios. Um decreto de 1845 dispesobre a instruo cvica e religiosa dos indgenas, sua iniciao nas artes eofcio dos civilizados, fiscalizao de suas atividades com trabalhadores, oesforo para fixar as tribos nmades e a ajuda s vivas e crianas. Os ndios

    ficavam sujeitos aos servios pblicos e aos servios das aldeias, mediantesalrios, e ao servio militar, sem coao. Tambm no poderiam ser detidospor mais de oito dias. Foram criados ainda os cargos de diretor-geral dendios, para cada provncia, e diretor de aldeia, para cada aldeamento. 8

    7 Dados obtidos atravs da mdia e jornais de grande circulao o Globo, Jornal do Brasil.8 Fonte: Funai Fundao Nacional do ndio. 2001

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    Com o advento de uma lei em 1850, regularizando o regime depropriedade territorial no Brasil e a sua diviso em terras pblicas eparticulares, as terras concedidas aos ndios passaram a integrar esta ltimacategoria. A medida foi prejudicial aos ndios que, por falta de condiespara consolidar seus direitos, acabaram perdendo-os, pela interferncia e m-f, inclusive, dos prprios vizinhos. Por fora da mesma Lei, as aldeiascriadas em reas pertencentes ao Estado e destinadas colonizao indgenaforam abandonadas e acabaram nas mos de particulares.

    1.1. O Servio de Proteo ao ndio

    Aps vrios massacres, cria-se em 1910, o Servio de Proteo aondio (SPI). Chefiado pelo Marechal Cndido Mariano da Silva Rondon. 9 Olema de Rondon era: Morrer, se preciso for. Matar, nunca. Destacado porseu trabalho junto aos ndios Rondon que, sem o uso da fora, pacificara osndios durante a implantao da linha telegrfica entre Cuiab e Amazonas,foi convidado a dirigir o SPI, instituio federal criada para prestarassistncia aos ndios. O convite foi aceito com a reivindicao de que

    fossem oferecidas condies favorveis para o progresso dos ndios emdireo civilizao sendo, vedada qualquer iniciativa de catequese,cabendo ao governo defender os indgenas contra o extermnio e a opresso,facultando-lhes o acesso s artes e s indstrias da sociedade nacional.

    O Servio de Proteo ao ndio, surge para pacificar as tribosindgenas em luta contra civilizados. Essas lutas ocorriam em diversospontos do territrio brasileiro e seus reflexos repercutiam nas grandescidades, onde provocavam intensas discusses na imprensa, nas instituieshumanitrias e nas reunies cientficas, cativando o interesse do pblico.Embora desde a poca do Imprio, as legislaes no admitissem aescravizao de ndios, as determinaes nem sempre eram respeitadas emdiversas regies do pas.

    Entre as sociedades indgenas que enfrentaram esses problemas,incluam-se os Xoklng, localizados no Paran e em Santa Catarina, quelutavam para no serem expulsos das terras destinadas a colonos alemes e

    9 Descendente de ndios, que trabalhou durante anos para melhorar as condies de vida dapopulao indgena brasileira - dando incio ao perodo de pacificao dos ndios e doreconhecimento dos direitos posse da terra e viver de acordo com os prprios costumes.

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    italianos; os Botocudos, j referidos, do Esprito Santo e Minas Gerais,contra os colonos que invadiram seus territrios, e os Kaingng, em SoPaulo, para impedir a entrada, em suas terras, da Estrada de Ferro Noroeste.

    O SPI adotou uma srie de medidas para pacificar as tribos emconflito com os civilizados, implantou um novo tipo de poltica que permitiu

    aos ndios viverem conforme sua tradio proibiu o desmembramento dafamlia indgena, garantiu a posse coletiva de suas terras, em carterinalienvel, e assegurou aos ndios os direitos do cidado comum. 10

    Entretanto, por falta de recursos financeiros, humanos e de apoiojudicial, deixou a desejar quanto assistncia aos ndios tendo comoconseqncia continuidade da diminuio das tribos dizimadas pordoenas, a invaso e a explorao das terras e do trabalho indgena.

    1.1.1. A Criao da FUNAI

    No ano de 1967, extingue-se o SPI e cria-se a FUNAI FundaoNacional do ndio - com o advento da Lei 5.371, que autorizou o GovernoFederal a institu-la, sob a forma de fundao de direito privado, com asatribuies de estabelecer as diretrizes de poltica indigenista, exercer atutela dos ndios no-integrados, administrar o patrimnio indgena,promover estudos e pesquisas, prestar assistncia mdico-sanitria, educaode base, e exercer o poder de polcia nas reas indgenas.

    Dentre outras atribuies inclui-se, a proteo das populaesindgenas e suas terras; postula tambm, a demarcao das mesmas para queos ndios se auto-sustentem e mantenham ntegra a sua cultura.

    A legislao mais recente sobre aspectos interinstitucionais naexecuo da poltica indigenista est contida no decreto n. 1.141, de 19 demaio de 1994. Esse decreto revogou disposies anteriores contidas nos

    decretos n. 23, 24 e 25, de 4 de fevereiro de 1991, que, respectivamente,atribua responsabilidade a diferentes rgos da administrao federal naimplementao das aes de assistncia sade das populaes indgenas,proteo do meio ambiente em suas terras, e implementao de projetos eprogramas de auto-sustentao.

    10 Fonte: Instituto Socioambiental. www.sociambiental.org.br. Povos Indgenas.

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    O decreto n. 1.141/94 criou uma Comisso Intersetorial, instnciade articulao entre os Ministrios da Sade, Meio Ambiente, Agricultura, eCultura, alm da FUNAI. O decreto delega a FUNAI tarefa decoordenao das aes de assistncia aos ndios, mantendo, entretanto aautonomia dos demais rgos em relao ao oramento e polticas setoriaisde ateno aos ndios. 11

    Apesar de todos esses nobres objetivos, a FUNAI no os realizouintegralmente e, encontra-se, hoje, em processo de reestruturao, paramelhor atender aos anseios e s necessidades dos ndios, se adequarem aosnovos tempos e estar apta a cumprir o que determina a Constituio daRepblica Federativa do Brasil de 1988.

    1.2. Estatuto do ndio (Lei n 6001/73)

    Na dcada de 70, ocorre promulgao do Estatuto do ndio quetem, dentre outros objetivos, regularizar a situao jurdica dos ndios ousilvcolas e comunidades indgenas, com o propsito de preservar a suacultura e integr-los, progressiva e harmoniosamente, comunho nacional.

    Aplicam-se aos ndios as normas constitucionais relativas nacionalidade e cidadania, mas o exerccio dos direitos civis e polticospelo ndio dependem da verificao de condies especiais, exigidas detodos os demais cidados. Estendem-se aos ndios os benefcios dalegislao comum sempre que possvel a sua aplicao. Dispe, com aressalva de que no podem ser desfavorveis ao ndio, as normas de direitocomum nas relaes entre ndios no-integrados e pessoas estranhas comunidade. As relaes de trabalho so fiscalizadas pelo rgo de proteo.

    11 O decreto n. 26, de 4 de fevereiro de 1991, atribuiu ao Ministrio da Educao coordenao das aes de educao escolar indgena.O decreto n. 1.775, de 8 de janeiro de 1996, que substituiu o decreto n. 22, de 4 de fevereirode 1991, dispe sobre o procedimento administrativo para a demarcao das reas indgenas.Com a edio do decreto n. 1.775/96, sugerida pelo Ministrio da Justia, inclui-seexpressamente nos procedimentos administrativos de demarcao o chamado "princpio docontraditrio" amplamente consagrado na Constituio.O ingresso em reas indgenas por pessoas estranhas comunidade depende de autorizaoprvia do Presidente da FUNAI. Os estrangeiros residentes no exterior devem tramitar opedido de autorizao de ingresso por intermdio das reparties diplomticas e consulares doBrasil.Fonte: Sociedades indgenas

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    Nas relaes de famlia, sucesso, regime de propriedade e nos negciosrealizados entre ndios, respeitam-se os seus usos, costumes e tradies(normas consuetudinrias do grupo indgena), salvo se optarem pelaaplicao do direito comum.

    A lei n. 6.001/73 classifica os ndios em isolados, em vias de

    integrao e integrados. Na ltima categoria consideram-se os "incorporados comunho nacional e reconhecidos no pleno exerccio dos direitos civis,ainda que conservem usos, costumes e tradies caractersticos da suacultura". Esta distino perdeu instrumentalidade a partir da Constituio de1988.

    As terras indgenas devem ser demarcadas pelo poder pblico eregistradas no Servio (Secretaria) do Patrimnio da Unio. O Estatutoprobe o arrendamento de terras indgenas, mas permite a continuao doscontratos existentes poca de promulgao da lei.

    Os ndios detm a posse permanente das terras tradicionalmenteocupadas e o usufruto exclusivo das riquezas naturais a existentes, que

    compreende o direito de percepo do produto de sua explorao econmica.O reconhecimento da posse indgena independe da demarcao. A

    posse deve ser assegurada respeitando-se a situao atual e o consensohistrico sobre a Antigidade da ocupao indgena na rea.

    As terras indgenas podem ser de trs tipos: terras tradicionalmenteocupadas, terras reservadas e terras de domnio comum dos ndios ou dascomunidades.

    As terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios so as retratadas noart. 231 da Constituio Federal, 1.

    As reas reservadas so as destinadas pela Unio posse e ocupao

    pelos ndios. Podem tomar a modalidade de reserva indgena, parqueindgena, ou colnia agrcola indgena, ou territrio federal indgena.

    As terras de domnio indgena so de propriedade plena do ndio oude comunidade indgena, adquiridas de conformidade com a legislao civil(compra e doao, por exemplo). O ndio que possuir como seu imvel reamenor de 50 hectares adquire a propriedade plena ao cabo de 10 anos(usucapio indgena).

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    O rgo federal de proteo aos ndios responsvel pela gesto dopatrimnio indgena, que inclui, dentre outros bens, as terras pertencentes aodomnio dos grupos indgenas, o usufruto das riquezas naturais nas reasreservadas e nas terras tradicionalmente ocupadas.

    A gesto do patrimnio indgena deve propiciar a participao dos

    grupos indgenas, ou lhes ser inteiramente confiada caso demonstremcapacidade efetiva para tanto. A renda resultante da explorao econmicado patrimnio deve ser destinada preferentemente a programas de assistnciaao ndio.

    Nas terras indgenas vedada s pessoas estranhas comunidade aprtica de caa, pesca coleta de frutos, atividade agropecuria ou extrativa. Afaiscao, garimpagem e cata nas terras indgenas somente podem serexercidas por integrantes do grupo indgena. assegurada a participao dosndios no resultado da explorao dos recursos do subsolo.

    O Estatuto inclui tambm normas sobre respeito ao patrimniocultural, educao bilnge, assistncia sade, e normas penais contendo a

    definio de crimes contra a cultura e a pessoa do ndio.Nesta poca encontramos a criao do Plano de Integrao Nacional

    (PIN) 12 e a conseqente implantao de grandes projetos na regio daAmaznia, que normalmente implicava a ocupao de terras indgenas, amorte de vrios ndios e de pessoas envolvidas com a causa indgena. AFunai, cuja finalidade defender os direitos desses povos se encontrouomissa o que favoreceu a reao dos ndios e a criao de vrias entidades emovimentos de defesa ou de apoio ao ndio, dentre eles: O ConselhoIndigenista Missionrio (Cimi), criado em 1972; em 1974 e 1975 asAssemblias de Chefes Indgenas; em 1977, a Associao Nacional de

    12 Projetos de colonizao, incentivos fiscais, foram os pilares que nortearam o modelopoltico e econmico implantado pelos militares, a partir dos anos 1960, para o povoamento edesenvolvimento da Amaznia. Alm da criao da Sudam, em 1966, o governo militarcriou, em 1970, o Programa de Integrao Nacional (PIN), que formulou uma srie de aes,como a construo da rodovia Transamaznica, ligando o Nordeste e a rodovia Belm-Braslia Amaznia Ocidental; e a construo da rodovia Cuiab-Santarm (BR-163) ligandoo Mato Grosso Transamaznica. Todas essas aes estavam relacionadas mudana domodelo desenvolvimento brasileiro operada nas dcadas de 60 e 70, com a insero do pas naeconomia mundial. Fonte: Instituto Sociambiental.

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    Apoio ao ndio (Anai) e em 1980 a Unio das Naes indgenas (UNI).Pode-se observar que a partir da criao de vrias entidades sob a forma deOngs, realmente preocupadas com a situao do ndio, e com o crescentenmero de pessoas engajadas na causa, esta ganha uma participao maisativa da prpria comunidade indgena na defesa de seus interesses nasdcadas de 80 e 90.

    No Brasil assistiu-se pela primeira vez em Braslia (Capital Federal),a realizao do Primeiro Encontro das Lideranas Indgenas do Brasil, em1982, e no mesmo ano a eleio de um representante indgena na CmaraFederal, o deputado xavante Mrio Juruna. Primeiro indgena da histria dopas a ser eleito e representar seus interesses e o de todo um povo na CmaraFederal, embora eleito pelo Estado do Rio de Janeiro.

    A luta pela preservao da cultura indgena, de suas terras ecomunidades antiga, como se pode observar, desde, 1500 at os dias dehoje. uma defesa que envolve as comunidades e, hoje, a preservao daAmaznia de um lado e o interesse de garimpeiros, fazendeiros, madeireiros

    e empresas de minerao de outro que por vezes contrariam o que reza osdispositivos constitucionais sobre demarcao de terras indgenas,implantao de reservas extrativistas que vo contra os interesses e ambiesdos povos indgenas. Prova desses conflitos e interesses so retratados quaseque todos os dias pela mdia, com inmeros mortos e assassinatos de ambosos lados! Atravs dessas lutas e daquelas pessoas, que ganharam destaqueinternacional na luta a favor da ecologia e dos povos da floresta, o BancoMundial liberou emprstimos para a proteo do meio ambiente e em virtudedos acontecimentos, o governo brasileiro demarcou reservas indgenas umpouco antes da ECO-92, como uma forma de tentar apaziguar esses conflitosque continuam a ocorrer no somente em relao aos ndios, mas, peladisputa e explorao de terras que se encontram nas mo de quem sobre elas

    no possui direito algum e que nelas adentram causando danos terrveis aohomem e a natureza.

    1.3. Capacidade civil e o Regime jurdico da tutela no Cdigo CivilBrasileiro e no Estatuto do ndio

    A questo indgena no Brasil, no que se refere a sua incapacidadecivil e a sua tutela se infere da incapacidade do homem no ndio emcompreender que os ndios no so incapazes, mas culturalmente

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    diferenciados 13. Essa incapacidade de compreenso data de 1916, quandofoi institudo o Cdigo Civil Brasileiro (Lei 3.071/1916). Este Cdigo Civilem seu artigo 2 rezava que: todo homem capaz de direitos e obrigaesna ordem civil. No entanto, esta lei considera que algumas pessoas no tma mesma capacidade de exercer seus direitos.

    Artigo 6 So incapazes, relativamente a certos atos, ou a maneirade exerc-los:

    I os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 21 (vinte e um) anos;

    II os prdigos;

    III os silvcolas.

    Pargrafo nico. Os silvcolas ficaro sujeitos ao regime tutelar,estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessar

    medida que se forem adaptando civilizao do Pas.

    De acordo com o Cdigo Civil de 1916, os ndios eramrelativamente incapazes determinando a Lei fossem tutelados at queestivessem integrados civilizao do Pas.

    Para retratar a codificao civilista e chegar-se ao instituto da tutelareporta-se aAlbuquerque:

    A sociedade brasileira do sculo XIX era formada por umaestrutura agrria latifundiria, monocultora, exportadora eescravocrata, no havia espao para as novas idias a respeito dodireito civil. E continua Nossa codificao civil teve seu primeiroimpulso oficial pelo imprio. Sob os cuidados do jurista Teixeira de

    Freitas em 1855 estava elaborao do primeiro projeto deconsolidao das leis civis. No desconsiderando o valor e o avano

    do aludido projeto, principalmente em relao legislaoportuguesa, fato que somente em 1899, agora sob os cuidados deClvis Bevilqua houve uma reviso e reelaborao do projeto,

    sendo promulgado em 1916. Essa consolidao acabou por

    13 ISA - Instituto Socioambiental. Os ndios no so Incapazes.

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    reproduzir a estrutura poltico-econmica dominante da poca, poisnossos juristas pouco estavam apegados realidade popular.14

    O Projeto original de Teixeira de Freitas de 1855 no fazia emmomento algum qualquer meno aos ndios como incapazes. Foi noSenado, por proposta de Muniz Freire, que se acrescentou essa clusula

    relativa aos ndios e que se repetiu no Cdigo de 1916, onde se dava muitomais nfase ao patrimnio privado do que s pessoas, demonstrando seuconservadorismo e expectativas voltadas para a classe dominante, deixandoos anseios da minoria, na abstrao no da lei, mas, da falta dessa.

    Assim o Cdigo Civil de 1916 caminhou no sentido de tutelar osindgenas atravs de Lei especial, que desapareceria conforme os ndiosfossem se integrando a civilizao. Carlos Frederico Mars de Souza Filho explicito ao dizer:

    Este Cdigo sedimenta juridicamente os preconceitos do sculoanterior de que os ndios estavam destinados a desaparecer

    submerso na justa, pacfica, doce, e humana sociedade

    dominante15.A questo da incapacidade foi retratada no Cdigo devido a Carta

    Lei de 1831 que declarava a extino da escravizao indgena, passando aconsider-los como rfos e assim sendo deveriam ser tutelados e paracompensar de alguma forma os danos por eles sofridos, eram colocados disposio dos juzes que os indicariam para trabalhar em condiesprecrias.

    No se recompensava os ndios libertos do cativeiro com aliberdade de retornarem as suas terras, aos seus costumes, ao seu

    povo. Compensava-se aquele mal sofrido pelos ndios com apossibilidade de compelir por um trabalho, disputar um salrio,

    aprender um ofcio e viver como qualquer homem branco pobre 16.

    14 ALBUQUERQUE. A. A. U. L do. Direito Indgena nas Constituies Brasileiras, p, 3.15 MARS, FILHO, Carlos Frederico. O direito envergonhado: o direito e os ndios no Brasil.p, 160.16 MACEDO, SILVA Ana Vera Lopes da. Pontos e Contrapontos para a Compreenso deuma Histria do Brasil, pp. 37, 38.

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    Cabe transcrever o posicionamento do elaborador do Cdigo Civilde 1916 em relao tutela dos ndios:

    Sou dos que, mais cordialmente, aplaude a preocupaofilantrpica do Governo atual, por iniciativa, do preclaro Sr.Rodolfo de Miranda, de velar pela sorte dos nossos aborgenes,

    encaminhando a sua efetiva incorporao na sociedade brasileira,da qual parte integrante, mas de cujo convvio, no obstante, seacham afastados, por circunstancias, que ocioso agorarecordar. 17

    Quando esta lei entrou em vigor em 1916, os legisladoresconsideraram os ndios incapazes por no compreenderem que estes so, naverdade, diferentes culturalmente. Ou seja, os ndios so plenamenteresponsveis de acordo com os seus prprios padres. Uma questo quetambm faz refletir esta incapacidade do ndio que, na poca, acreditava-seque os ndios seriam extintos e, portanto, no precisariam de direitos paratoda a vida. Na verdade, imaginava-se que os ndios eram seres primitivos

    que iriam se educar, adquirir a cultura dos no ndios at integrarem-setotalmente sociedade brasileira, deixando, portanto de serem ndios.

    Quando o Estatuto do ndio entrou em vigor em 1973, esta mesmadefinio que estava presente no Cdigo Civil de 1916 foi inserida noEstatuto, pois todo o esforo do governo era para que, os ndios seintegrassem sociedade dos no ndios, deixando suas terras, sua cultura,seu modo de ser, para trabalhar e viver nas suas cidades. O Estatuto do ndiofoi elaborado de modo a conceder direito apenas por algum tempo, j queeles, um dia, deixariam de ser ndios e perderiam suas tradies, cultura e odireito s suas terras para se integrar civilizao do pas.

    O Cdigo Civil Brasileiro de 1916 rezava em seu artigo 6 que, os

    ndios eram relativamente incapazes e deveriam ser tutelados por um rgoindigenista estatal que de 1910 a 1967 era o Servio de Proteo aondio/SPI. Atualmente a quem incube esta tutela a Fundao Nacional dondio/FUNAI, conforme visto acima.

    17 BEVILAQUA, Clovis. Cdigo Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por ClovisBevilqua. 5 Tiragem, p, 193.

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    O Estatuto do ndio seguiu este mesmo princpio do Cdigo Civil oda tutela. Quando se fala em tutela indgena se faz mister abordar-se o seureal sentido, pois o regime tutelar indgena tem sido motivo de muitadiscusso em todo o pas.

    1.3.1. O que o Regime tutelar?

    Quando se fala em tutela, entende-se que todo ndio, independentede sua situao de fato, est sempre sob a proteo de um rgo indigenistaestatal, a quem incumbe zelar pelos seus interesses, o que na realidade noocorre.

    O ndio brasileiro s tutelado pelo rgo indigenista competentequando devido a sua situao jurdica, o regime tutelar deva ser aplicado, ouseja, se os ndios estiverem integrados a comunho nacional diga-se asociedade brasileira, o regime tutelar a estes, no aplicado.

    1.3.2. Classificao dos ndios e a aplicao da tutela

    Pelo atual Estatuto do ndio esses so classificados em trs

    categorias distintas, a saber: isolados, em vias de integrao e integrados,classificao esta que nos aclara em que situao jurdica encontra-se o ndiopara saber-se este tutelado ou no.

    O artigo 4 reza: Os ndios so considerados:

    I - Isolados - Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuempoucos e vagos informes atravs de contatos eventuais com elementos dacomunho nacional;

    II - Em vias de integrao - Quando, em contato intermitente ou permanentecom grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condies de

    sua vida nativa, mas aceitam algumas prticas e modos de existncia

    comuns aos demais setores da comunho nacional, da qual vo necessitandocada vez mais para o prprio sustento;

    III - Integrados - Quando incorporados comunho nacional ereconhecidos no pleno exerccio dos direitos civis, ainda que conservemusos, costumes e tradies caractersticos da sua cultura. 18

    18 Lei 6001/73, Estatuto do ndio.

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    O artigo 4 da Lei n 6001, de 19 de dezembro de 1973, foi fruto daincorporao em seu texto de preceitos do Decreto n 5.484, de 27 de junhode 1928, que em seu art. 5 dispunha: a capacidade de fato, dos ndios,sofrer as restries prescritas nesta lei, enquanto no se incorporarem eles asociedade civilizada e continuava em seu art. 6 - Os ndios de qualquercategoria, no inteiramente adaptados, ficam sob a tutela do Estado, que aexercer segundo o grau de adaptao de cada um (...).

    O Estatuto no disps de modo diferente ao estabelecer em seu art.7, Captulo II que trata da Assistncia ou Tutela que:

    Art. 7 Os ndios e as comunidades indgenas ainda no integrados comunho nacional ficam sujeitos ao regime tutelar estabelecido nesta Lei.

    Do artigo supracitado, pode-se observar que so tutelados porque,pelas leis brasileiras, so equiparados a pessoas sem responsabilidade civil,ou que no tm condies de assumir integralmente suas responsabilidades,ou conforme mostra Falco:

    O ndio ainda no integrado, pois, est colocado sob tutela, valedizer, sob proteo especial do Estado, exatamente para no servilipendiado, enganado, massacrado pelo cidado da sociedadeenvolvente, dita civilizada19.

    O Estatuto do ndio institudo pela Lei 6.001 de 1973, alm deregular as vrias questes ligadas aos ndios foi e ainda de grande utilidadepara que indigenistas srios possam defender os direitos dos ndios s suasterras. O Estatuto do ndio, apesar de ser um instrumento que serve paraproteger e regular seus direitos tambm foi usado contra os mesmos que, porserem tutelados, no puderam defender seus direitos e ficaram nadependncia da FUNAI que muitas vezes defendeu mais os interesses dogoverno que o dos ndios. S na primeira metade deste sculo, oitenta e trs

    (83) etnias foram extintas em conseqncia de processos desastrosos decontato promovidos pelo Estado brasileiro20.

    19 FALCO. Ismael Marinho em trabalho publicado na Revista de Direito Agrrio, n 7, editada pelaProcuradoria Geral do Incra, Braslia, 1982. E, tambm na Revista de Direito civil Imobilirio, Agrrioe Empresarial, editada pela Revista dos Tribunais, vol.9, n 33, p.58/66, em jul/Set de 1985.20 Fonte: Instituto sociambiental. www.sociambientel.com.br. Braslia.

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    1.4. O ndio em busca da sua identidade

    Nos ltimos 30 anos, com os conflitos presentes e com a persistnciade vrias invases, a vida dos povos indgenas mudou. As relaes dascomunidades indgenas e de suas lideranas com o mundo dos civilizadostornaram-se mais freqente. Os ndios passaram a entender como vivem os

    no ndios e quais so suas leis. Os ndios criaram organizaes e passam aestar presentes em reunies e eventos nacionais e internacionais paradefender seus direitos. Hoje, com a globalizao, muitas comunidades vemteleviso, ouvem rdio e acompanham o mundo que gira fora de suasaldeias. Muitos ocupam cargos importantes dentro da FUNAI e desta formarepresentam seus interesses.

    Em algumas aldeias tem-se a presena de computadores, o que lhesabre um vasto campo de conhecimento, com o que muitos no concordam,pois o que ainda se observa no imaginrio de muitas pessoas a figura dondio, nu, de cara e corpo pintado e de ps descalos; muitos ainda osenxergam como selvagens, assim como os colonizadores os enxergavam,

    no conseguindo entender que o ndio mudou se transformou, e que umanao assim como as pessoas que a integram, evoluem e clamam pormudanas necessrias para a prpria evoluo.

    O fato de um ndio ter um carro, usar cala jeans, possuir um celular,um culos escuros no faz com que ele deixe de ser um ndio, pois o que mais importante, e eles fazem questo de preservar, a sua tradio, a suaidentidade conquistada e a muito custo, preservada por seus antepassados.Isto representa a evoluo de uma sociedade que no esttica, dinmica,que busca o novo, preservando a sua cultura, mas, agregando a ela novosvalores. Os no ndios so assim, importam idias novas, pensamentosnovos, tcnicas novas, lnguas novas e o fazem para evoluir.

    Em uma entrevista concedida revista ISTO/1595-26/4/2000, aantroploga Lcia Helena Rangel, da PUC de So Paulo, no v nada deerrado nisso. O que eles querem o que todo mundo quer, diz. Alm dasnecessidades bsicas de todo indivduo, desejam tambm as coisasinteressantes da civilizao branca, como panela de alumnio, isqueiros,culos escuros, aparelhos de som. Lcia acha legtimo que os ndiosreivindiquem espaos para viver nas cidades. Ns brancos queremos ver ondio pelado, de cocar. Ficamos reparando se ele est de cala jeans e no

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    enxergamos que a cultura deles foi minada pelo nosso sistema, emboraainda resista de forma herica. Eles so muito diferentes do que eram e a

    gente no entende isso.

    1.5. Mudanas nas regras que regem os povos indgenas, clamam pelaelaborao do Novo Estatuto das Sociedades Indgenas.

    O Estatuto do ndio elaborado em 1973, no comporta mais vriosdos seus dispositivos. A poca de sua elaborao foi visto como um grandeavano, pois resguardava o direito dos ndios sobre suas terras e suasriquezas.

    Hoje, o Estatuto do ndio encontra-se em fase de transio, por noretratar com exatido os anseios da comunidade indgena, que em trinta edois anos de sua elaborao mudou bastante.

    Embora o texto atual do Estatuto do ndio (Lei n. 6.001/73) nodescuide da preservao da cultura indgena, seu articulado empresta maiornfase "integrao progressiva e harmoniosa dos ndios e das comunidadesindgenas comunho nacional", propsito que desde 1988 deixou de figurarentre os princpios constitucionais da poltica indigenista.

    Este Estatuto est sendo alvo de vrias crticas, principalmente noque diz respeito ao captulo que trata das terras indgenas e o de suaintegrao a comunho nacional, frente Constituio Federal de 1988 quegarante as sociedades indgenas direitos permanentes, que antes do adventodesta Lei maior no eram contemplados.

    Como exemplo cita-se, o reconhecimento s terras tradicionalmenteocupadas. Antes se reconheciam a posse fsica, mas, no a ocupaotradicional.

    Estes direitos hoje fazem parte da nova ordem constitucional e

    caracterizam o avano da sociedade. Com essa nova ordem reavaliam-sedogmas h tantos anos perpetrados por um poder conservador e ditatorial.

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    1.5.1. A Constituio da Repblica Federativa do Brasil frente a estasmudanas

    A Constituio Federal de 1988, trouxe luz, importantes direitosdas sociedades indgenas. Precisou de forma clara, e sem dbiasinterpretaes, a diferena cultural e lingstica entre esses povos, assim

    como em caso de aproveitamento de recursos naturais, por parte de terceirosem suas terras, a consulta obrigatria das partes interessadas.

    Deu-se continuidade ao reconhecimento da posse da terra aos ndios,reconhecendo a ocupao tradicional dos que a habitam (segundo astradies), o que significa reconhec-lo como toda a extenso de terranecessria manuteno e preservao das particularidades culturais decada grupo. Incorporam-se a no apenas as reas de habitao permanentee de coleta, mas tambm todos os espaos necessrios manuteno dastradies do grupo. Entram nesse conceito, por exemplo, as terrasconsideradas sagradas, os cemitrios distantes e as reas de deambulao.

    A Constituio de 1988 identificou assim o conceito de terra indgena com o

    de "habitat", explicitando que a posse indgena no se confunde com oconceito civil.

    O artigo 22 afirma a competncia privativa da Unio para"legislar sobre populaes indgenas". Aqui tambm se verifica uma rupturaimportante com relao s Constituies anteriores, que se referiam competncia da Unio para "legislar sobre incorporao do silvcola comunho nacional". Ao abandonar intencionalmente qualquer referncia incorporao ou integrao dos ndios sociedade nacional, a Constituiode 1988 reconheceu o direito das populaes indgenas de preservar suaidentidade prpria e cultura diferenciada. Na tradio constitucionalanterior, a condio de ndio era vista como um estado transitrio quecessaria necessariamente com a integrao. A partir de 1988, o discurso daintegrao cedeu passo ao reconhecimento da diversidade cultural. 21

    21 Sociedades Indgenas e ao do Governo.- Aspectos Legais. Site: www.planalto.gov.br. Oartigo 109 fixa a competncia da Justia Federal para processar e julgar disputas sobre direitosindgenas, e o artigo 129 inclui entre as funes institucionais do Ministrio Pblico a defesajudicial dos direitos e interesses das populaes indgenas. O artigo 215 assegura scomunidades indgenas o ensino fundamental bilnge (utilizao de suas lnguas e processos

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    Pela primeira vez uma Constituio reconhece a diversidade culturale multietnicidade dos povos indgenas, bem como o direito de defesa de seusdireitos junto ao Poder Judicirio, impedindo o Estado de decidir e impormedidas sem que haja prvio consentimento das populaes indgenas.

    O artigo 49 estabelece a competncia exclusiva do Congresso

    Nacional para autorizar a explorao e o aproveitamento de recursos hdricose, a pesquisa e lavra de riquezas minerais nas terras indgenas.

    Artigo 231:

    Reconhecimento da identidade cultural prpria e diferenciada dosgrupos indgenas (organizao social, costumes, lnguas, crenas etradies), e de seus direitos originrios (indigenato) sobre as terrasque tradicionalmente ocupam. As terras indgenas devem serdemarcadas e protegidas pela Unio. O reconhecimento daorganizao social das comunidades indgenas determina assim aorientao da poltica indigenista. O abandono implcito da vocaointegracionista encontrada nos textos constitucionais anteriores abriu

    espao para uma nova tica que valoriza a preservao edesenvolvimento do patrimnio cultural indgena. Por sua vez, arecuperao jurdica do instituto do indigenato (figura comum nasleis e cartas rgias do perodo colonial) assentou o reconhecimentode que a posse indgena da terra decorre de um direito originrio,que por isso independe de titulao, precede e vale sobre os demaisdireitos (art. 231, caput);

    A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 em seuartigo 5 diz que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquernatureza (...). H uma dicotomia no sentido de que nem todos so iguais,pois se assim fosse no haveria necessidade de uma Lei especial para retratar

    a situao desses povos.O ndio s vai tornar-se um igual quando forem respeitados seus

    costumes, suas tradies e sua cultura, a sim, ele passar a ser um brasileirocomum, igual a qualquer outro brasileiro comum, com direitos e deveres

    prprios de aprendizagem). Os artigos 231 (desdobrado em seis pargrafos) e 232 contmtodo um captulo sobre os direitos dos ndios.

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    iguais a todos os brasileiros. No sujeito a qualquer tipo de proteo, a nose a proteo legal conferida a todo cidado nascido sob o solo desta grandeNao.

    1.5.2. Novo Cdigo Civil, Lei n 10.406 de 10 de janeiro de 2002,corroborando estas mudanas.

    No que se refere tutela indgena, sua substituio por outrosinstrumentos de proteo foi atendida em partes. A proposta de revogao datutela que estava inserida no cdigo de 1916, conforme visto no item 1.3, foirealizada no ano de 2002 quando se promulgou a Lei n 10.406 de 10 dejaneiro de 2002 que instituiu o novo Cdigo Civil Brasileiro.

    Pela regra do Novo Cdigo, no se encontra a palavra silvcola noinciso III do artigo 6 do Titulo I, que tratava da incapacidade relativa e seupargrafo nico que rezava Os silvcolas ficaro sujeitos ao regime tutelar,estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessar medida que

    se forem adaptando a civilizao do Pas.

    Pela nova Lei em conformidade com a Constituio, o pargrafonico do novo Cdigo Civil em seu artigo 6 reza que A capacidade dosndios ser regulada por legislao especial. Foi retirada a expressoregime tutelar o que revela a urgncia na votao do novo Estatuto que estaem total desarmonia com a nova ordem constitucional, e com a nova leiordinria.

    A tutela fsica (da pessoa do ndio) no que se refere a suaincapacidade, hoje ultrapassada face diversidade cultural reconhecida aestes povos. O que existe, a tutela de direitos, inerentes a qualquer cidadondio ou no ndio.

    Esses direitos devem ser regulados para que, as sociedades indgenas

    possuam um instrumento legal para pautar suas relaes, e para que, seusdireitos no fiquem a merc de interpretaes dbias, face nova ordemConstitucional, novo Cdigo Civil e atual Estatuto do ndio.

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    1.6. Projetos de Lei para a elaborao do Novo Estatuto das SociedadesIndgenas

    Desde a promulgao da Constituio, sentiu-se necessidade de serever o Estatuto do ndio (Lei 6.001/73). Tramitam no Congresso Nacionaldesde 1991, trs Projetos de Lei, que tem por escopo elaborar um Novo

    Estatuto do ndio que esteja em conformidade com a nova ordemconstitucional e adeque a antiga legislao nova Carta Magna.

    Vrias so as partes interessadas, desde o Governo Federal at osindgenas representados por organizaes no-governamentais que semobilizaram no Congresso Nacional para traar as linhas gerias, e oscontedos considerados por estes como importantes para o Projeto de Lei.

    Em Braslia no ano de 1991, 111 (cento e onze), representantes dospovos indgenas do Brasil reuniram-se e elaboraram quais eram as suaspropostas para o Projeto de Lei. A mobilizao dos representantes indgenasfoi intensa, para que Estatuto do ndio fosse rapidamente substitudo por umnovo, que realmente retratasse a situao atual e emergente.

    Para exame desses projetos, a Cmara designou Comisso Especialque examinou o assunto em 1992. Somente em 1994 que foi aprovada aproposta do Estatuto das Sociedades Indgenas. O substitutivo aprovadopela Comisso Especial da Cmara dos Deputados foi o projeto de lei quedisciplina o Estatuto das Sociedades Indgenas. O governo, em 2001,apresentou projeto de lei substitutivo do j aprovado em 1994. Aguarda-seum pronunciamento final pelo plenrio da Cmara.

    Um dos motivos da morosidade na aprovao do novo Estatuto foi mudana de governo, pois, nessa poca, houve a eleio do governoFernando Henrique Cardoso e alegou-se necessidade de mais tempo paraformar um juzo acerca do Estatuto. Com essa mudana, o Projeto de Lei,

    substitutivo da comisso especial de autoria do Deputado Luciano Pizzato(PFL/PR), Projeto de Lei n 2.057/91, com a denominao Estatuto dasSociedades Indgenas, ficou paralisado por seis anos.

    No ms de abril do ano de 1999, devido a grandes presses, oprojeto de lei foi includo na pauta de votao, mas o governo ainda tinhasugestes a fazer em relao ao projeto.

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    s vsperas das comemoraes dos 500 anos de descobrimento doBrasil, o governo finalmente concluiu suas negociaes e apresentou umaproposta alternativa anteriormente aprovada em 1994 pela comissoespecial. Desde ento h propostas substitutivas do Projeto de Lei doDeputado Pizzato, uma feita em dezembro de 2000 e uma outra verso deproposta substitutiva ao Projeto, em maio de 2001.

    Tanta mobilizao para que o Projeto de Lei ainda se encontre emfase de aprovao! Note-se que j se alcana o ano de 2005 e aregulamentao do novo Estatuto ainda encontra-se em fase de aprovao eagora, no governo do presidente Lula.

    O CIMI publicou uma matria intitulada Semana dos PovosIndgenas, que elucida bem esta morosidade:

    Ao longo desses anos o governo federal e os parlamentares poucose interessaram em agilizar a tramitao do novo Estatuto. Os povosindgenas, entretanto, se mantiveram atentos e mobilizados,avanaram na compreenso de seus direitos e exigem que estes

    sejam garantidos em nova lei especial. 22As duas propostas encontram-se em tramitao no Congresso

    Nacional e possuem em seus dispositivos normas comuns, tal como, arevogao do dispositivo do Cdigo Civil que estabelece a tutela. Com apromulgao do Novo Cdigo Civil em 2002, esta reivindicao foi aceita ,corroborando o que preceitua a Constituio.

    Regulamentam, com pequenas diferenas, a explorao dos recursosnaturais, existentes nas terras indgenas. Abordam temas como o dos direitosde propriedade intelectual, a proteo ao meio ambiente e o acesso aosrecursos genticos, obrigao do Estado de dar assistncia aos ndios nasreas de sade e educao, que no so tratados no Estatuto do ndio atual.

    A proposta do governo para o novo estatuto intitulada Estatutodos ndios e das Comunidades Indgenas e tem gerado polmica conformeestudo realizado pelo Instituto Socioambiental que diz:

    22 CIMI (Conselho Indigenista Missionrio) Semana dos Povos Indgenas. Braslia, julho de1998.

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    A proposta do governo, no considera um terceiro nvel de conceito(alm do que ndios e comunidades), o das suas sociedades oupovos, que designe o conjunto das comunidades herdeiras de ummesmo processo histrico, que falam a mesma lngua ecompartilham a mesma formao cultural. Assim, ela no estabelecedevidamente a titularidade dos direitos culturais, atribuindo-os scomunidades indgenas quando, na verdade, eles no pertencem

    genericamente a toda e qualquer comunidade, mas somente aquelasque pertencem mesma sociedade ou povo. 23

    Os pontos polmicos em relao ao Projeto do Estatuto so os que sereferem questo das terras indgenas e sua demarcao. Como ilustrativocitar-se- alguns pontos, segundo a publicao do Conselho IndigenistaMissionrio24, veiculado na 50 Reunio Anual da Sociedade Brasileira parao Progresso da Cincia realizada em julho de 1998 em Natal/RN.

    A proposta indgena, elaborada em 1991 tem como posicionamento:

    o Demarcar as terras indgenas tornar pblico os limites dos territrios

    indgenas, para maior proteo por parte da Unio;o A demarcao dever ser feita pelo Governo Federal, com a participao

    das comunidades que ocupam a terra, atravs do rgo indigenistafederal;

    o Caso o Governo Federal, no demarque as terras as comunidadesindgenas tem o direito de promov-la;

    o Os minrios em terras indgenas e em reservas nacionais somentepodero ser explorados quando estes no mais existirem em outra partedo territrio brasileiro e forem considerados imprescindveis aodesenvolvimento do pas;

    o A comunidade dever receber 20% do minrio concentrado;o Assistncia especial e diferenciada, em nvel federal, sempre com a

    participao das comunidades em todos os nveis.

    23 Fonte: Instituto socioambiental24 Publi cao do CIMI Conselho Indigenista Missionrio. Semana dos Povos Indgenas.Braslia, julho de 1998.

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    O Projeto Substitutivo do Deputado Luciano Pizzato de n 2.057/91:

    o Os direitos dos ndios s terras independem do reconhecimento formalpor parte do Poder Pblico;

    o As terras indgenas sero administrativamente demarcadas, por iniciativado rgo indigenista federal, ou pela comunidade indgena sob acoordenao do rgo federal indigenista;

    o A demarcao direito subjetivo de cada comunidade indgena que podeimpetrar mandado de segurana se houver negligncia ou demoraintencional por parte da autoridade competente;

    o Possibilidade de minerao em terras indgenas que ainda no foramdemarcadas, registradas e sem invaso e nas que tenha sido constatada apresena de ndios isolados, ou de contato recente;

    o As comunidades recebero participao do resultado da lavra de 2% dofaturamento bruto e renda pela ocupao do solo.

    Posicionamento do Governo: 25

    o No aceita a possibilidade das comunidades indgenas demarcarem suasterras;

    o Quanto explorao de minrios, o governo federal pretende tirar essamatria do Estatuto, apia com ressalvas o Substitutivo.

    Deixando polmicas de lado, as propostas para a elaborao de umnovo Estatuto so fundamentais para que ndios possam construir o seufuturo segundo suas tradies. Fazendo-se respeitar e serem respeitadosfrente nova ordem Constitucional, perante o Estado Democrtico,destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, aliberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a

    justia como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sempreconceitos.

    25 Posio do Governo Federal e sua Bancada, exposta nos debates para apreciao do Projetode Lei n 2.057/91.2001 (Presidente Fernando Henrique Cardoso).

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    1.7. A Constituio de 1988 e o Novo Cdigo Civil de 2002regulamentando a necessidade urgente do Novo Estatuto das SociedadesIndgenas

    Conforme o exposto no item 1.3, foi feita uma abordagem sobre apersonalidade civil. Buscar-se- neste item demonstrar que os indgenas no

    so incapazes e sim detm uma cultura diferenciada, o que os torna umpatrimnio natural cultural- histrico a ser preservado e no dizimado oututelado.

    No Cdigo Civil de 1916, o silvcola, expresso ainda contida noEstatuto do ndio vigente, abolida pelo Novo Cdigo e pela ConstituioFederal pela palavra ndio, reconhece este como cidado, bastando quetenha nascido em territrio brasileiro.

    De acordo com o antigo, artigo 6 do Cdigo Civil, o silvcola notem capacidade plena de exercer seus direitos, sendo apenas relativamentecapaz quanto a certos direitos. Significa dizer que tm capacidade apenasrelativa quanto aos direitos que lei enumera, ou seja, s pode exercer esses

    direitos com a assistncia de um tutor.A tutela especial a qual se sujeita estava prevista no Cdigo Civil de

    1916 e no atual Estatuto do ndio, sendo considerado silvcola. Esteinstrumento legal dispe que essa tutela se exercer pelo rgo indigenistaFederal encarregado da proteo dos indgenas. Esse rgo atualmente aFundao Nacional do ndio. Cabe, portanto FUNAI, na condio detutora, adotar providncias visando proteo dos direitos e dos interessesdos ndios e das comunidades indgenas, sempre que isso for necessrio ouconveniente.

    O Estatuto do ndio, a Lei n..6001/73, possui na Assistncia ou naTutela, o seu regime ao estabelecer que os ndios e as comunidades

    indgenas ainda no integradas comunho nacional ficam sujeitos aoregime tutelar estabelecido nesta Lei.

    1 Ao regime tutelar estabelecido nesta lei, aplica-se, no quecouber, os princpios e normas da tutela de direito comum, independendo,todavia, o exerccio da tutela especializao de bens imveis em hipotecalegal (...).

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    2 Incumbe tutela Unio, que a exercer atravs docompetente rgo federal de assistncia aos silvcolas.

    O legislador, ao inserir est proteo legal do Estado, estipuloucomo sendo nulos os atos praticados por indgena no-integrado e qualquerpessoa estranha comunidade indgena quando no tenha havido assistncia

    do rgo tutelar competente. No se aplicando a regra deste artigo no casoem que o ndio revele conscincia e conhecimento do ato praticado, desdeque no lhe seja prejudicial, e da extenso dos seus efeitos.

    De acordo com WALD 26 Os silvcolas so consideradosrelativamente incapazes e sujeitos a um regime especial que foiregulamentado, inicialmente, por um decreto, que distinguiu entre os

    silvcolas nmades, aldeados e os pertencentes aos centros civilizados. Nassuas transaes e negcios, os silvcolas devem ser necessariamenteassistidos pelos funcionrios da FUNAI. Os atos praticados pelorelativamente incapaz sem a assistncia de quem de direito so anulveis,convalescendo com o decurso do tempo ou a ratificao oportuna por quem

    de direito.Como se evidencia pelos artigos do antigo Cdigo Civil de 1916, e

    pelo Estatuto do ndio, essa luta pela conquista de um direito que j seu,ndio, de ser um cidado brasileiro, corresponde aquisio de umacapacidade plena.

    Verifica-se que o ndio brasileiro cidado, como qualquer outrobrasileiro, e tem todos os direitos inerentes cidadania, podendo exerceresses direitos nas mesmas condies em que os demais cidados brasileiros,desde que sejam integrados.

    Esta a luta que enfrentam no Congresso Nacional. Aprovao donovo Estatuto, onde a tutela no seja mais, um empecilho para aquisio de

    sua cidadania e de seu desenvolvimento.

    Embora o Cdigo Civil tenha sido revogado e o dispositivo referente tutela no mais fazer parte de seu dispositivo, o Novo Cdigo Civil rezaque: a capacidade do ndio ser regulada por lei especial. A lei especial

    26 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: introduo e parte geral. 7 ed., SoPaulo: Revista dos Tribunais, p.140.

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    referida o Estatuto do ndio (1973), que continua em vigor sendo est a Leiespecial que o Novo Cdigo Civil alude, quando trata da capacidade dosndios.

    Percebe-se uma verdadeira antinomia entre as normas quenecessitam ser sanadas o mais breve possvel. Acredita-se ser conveniente, e

    recomendvel, a tutela em determinados casos, mas preciso que esta sejacompreendida, e exercida, como instrumento de proteo ao ndio, a suacultura e aos seus interesses patrimoniais e no, em prol de interessespolticos, contrariando o que determina a Constituio. Neste aspecto seobserva que a tica da tutela de pessoas foi substituda pela da tutela dedireitos, pois a tutela, entendida e exercida de modo adequado, ser maisum elemento assegurador e agregador dos direitos da cidadania dos povosindgenas e como reflexos, trar a diversidade cultural como um patamar aser respeitado por todo cidado que tenha nascido ou que venha a nascer sobo solo brasileiro.

    necessrio que o ndio seja uma presena constante dentro da

    FUNAI, rgo responsvel pela sua poltica indigenista fazendo-se ouvir edando a conhecer sua vontade. O ndio no pode ser mero expectador devontades alheias que contrariam seus interesses e direitos previstos naConstituio Federal. Dentro dessa poltica, o ndio brasileiro ter oreconhecimento e o respeito de sua condio de cidado, igual a todos osdemais, merecedores de proteo integridade de sua pessoa, de sua culturae de seu patrimnio.

    Assim como a personalidade civil do homem comea do nascimentocom vida, que a capacidade civil para estes povos venha a nascer com aeducao (direito) e como reflexo desta, a cidadania (dever). Assim se ter aigualdade entre os povos e construir-se- com base nesse princpio basilaruma sociedade livre justa e solidria que constituem os objetivosfundamentais da Repblica Federativa do Brasil.

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    CAPTULO IIAS CONFERNCIAS INTERNACIONAIS COMOPRECURSORAS, AO MEIO AMBIENTE E POVOSINDGENAS OCUPAREM POSIO DE DESTAQUEFRENTE NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL

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    respeito a outras culturas; programas de educao.28 Esta teoria referia-seprincipalmente s regies subdesenvolvidas, envolvendo uma crtica sociedade industrial. Foram os debates em torno do eco-desenvolvimento queabriram espao ao conceito de desenvolvimento sustentvel.

    Outra contribuio discusso veio com a Declarao de Cocoyok

    em 1974, das Naes Unidas. A declarao afirmava que a causa daexploso demogrfica era a pobreza, que tambm gerava a destruiodesenfreada dos recursos naturais. Os pases industrializados contribuampara esse quadro com altos ndices de consumo.

    A ONU voltou a participar na elaborao de um outro relatrio, oDag-Hammarskjld, preparado pela fundao de mesmo nome, em 1975,com colaborao de polticos e pesquisadores de 48 pases. O RelatrioDag-

    Hammarskjldcompleta o de Cocoyok, afirmando que as potncias coloniaisconcentraram as melhores terras das colnias nas mos de uma minoria,forando a populao pobre a usar outros solos, promovendo a devastaoambiental. Os dois relatrios tm em comum a exigncia de mudanas nas

    estruturas de propriedade do campo e a rejeio pelos governos dos pasesindustrializados.

    Mas foi em 1980, no documento ESTRATGIA DECONSERVACO MUNDIAL, elaborada pela Unio Internacional para aConservao da Natureza, que o termo desenvolvimento Sustentvel consagrado. No ano de 1986 temos outra Conferncia expressiva, a deOttawa.

    No ano de 1987, a Comisso Mundial da ONU sobre o MeioAmbiente e Desenvolvimento, presidida por Gro Harlem Brundtland e

    Mansour Khalid, apresentou um documento chamado Our Common Future(Nosso Futuro Comum), mais conhecido por relatrio Brundtland. 29 O

    relatrio diz que Desenvolvimento sustentvel desenvolvimento quesatisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de asfuturas geraes satisfazerem suas prprias necessidades. O relatrio no

    28 SACHS, IGNACY. Estratgias de transio para o sculo XXI. In DESENVOLVIMENTOSUSTENTAVEL. BURSZTYN, MARCEL.29 HOGAN, Daniel J. e VIEIRA, Paulo Freire (Org.). Dilemas Socioambientais eDesenvolvimento Sustentvel.

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    apresenta as crticas sociedade industrial que caracterizaram osdocumentos anteriores; demanda crescimento tanto em pasesindustrializados como em subdesenvolvidos, inclusive ligando a superaoda pobreza nestes ltimos ao crescimento contnuo dos primeiros. Assim, foibem aceito pela comunidade internacional.

    A partir da definio de desenvolvimento sustentvel pelo RelatrioBrundtland, de 1987, percebe-se que tal conceito no diz respeito apenas aoimpacto da atividade econmica no meio ambiente. Desenvolvimentosustentvel se refere principalmente s conseqncias dessa relao naqualidade de vida e no bem-estar da sociedade, tanto presente quanto futura.Atividade econmica, meio ambiente e bem-estar da sociedade formam otrip bsico no qual se apia a idia de desenvolvimento sustentvel.

    A aplicao do conceito realidade requer, no entanto, uma srie demedidas, tanto por parte do poder pblico, como da iniciativa privada, assimcomo exige um consenso internacional. preciso frisar ainda a participaode movimentos sociais, constitudos principalmente na forma de ONGs

    (Organizaes No-Governamentais), na busca por melhores condies devida associadas preservao do meio ambiente e a uma conduo daeconomia adequada a tais exigncias.

    Foi na Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento, ou Conferncia do Rio em 1992 (ECO 92), como ficouconhecida, que um Plano de Ao foi acordado. Esta Conferncia foiconvocada pela Assemblia Geral das Naes Unidas, Resoluo 44/228, a22 de Dezembro de 1989, e definiram-se com grande amplitude as questesambientais. O processo de preparao da Conferncia desenvolveu-se aolongo de dois anos, proporcionando, principalmente a realizao denegociaes e compromissos internacionais prvios que permitiram aelaborao da Declarao do Rio e da Agenda 21. Apesar dos avanos,algumas das principais mudanas planejadas na, Rio 92 foram dificultadaspela reviravolta da economia mundial na dcada de 90. A Sesso Especial daAssemblia Geral das Naes Unidas, em 1997, que avaliou os cinco anosda Conferncia do Rio concluiu que pouco se havia avanado no combate apobreza e na promoo da equidade social, bem como alguma das polticas

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    traadas, como a transferncia de tecnologia e a reduo dos nveis deproduo e consumo, foram insatisfatrias. 30

    Para mudar este quadro, a ONU, iniciou um processo de ratificao eimplementao mais eficiente nas convenes e acordos internacionais sobremeio ambiente. Assim sendo a CDS sugeriu a realizao de uma nova

    Conferncia mundial, desta vez sobre desenvolvimento sustentvel. Surgiaassim dez anos depois da Eco 92, a Conferncia da Terra de 2002 ou Rio +10. A maior conferncia internacional realizada na histria da Organizaodas Naes Unidas (ONU).

    Outras questes foram novamente tratadas e discutidas como oPrincpio da Precauo que diz, quando uma atividade apresenta apossibilidade de prejudicar a sade humana e/ou o meio ambiente, umapostura cautelosa deve ser adotada antecipadamente, mesmo que a extensototal do possvel dano ainda no tenha sido determinada cientificamente.Outra questo que foi abordada foi o Princpio da responsabilidade comum,mas diferenciada, que diz a responsabilidade pelos danos ambientais

    causados at hoje de todos, afinal, os danos atingem a todos. No entanto, aresponsabilidade dever ser diferenciada, uma vez que alguns pases,especialmente os industrializados h mais tempo causaram maiores danos aoplaneta. Por esse motivo, todos devem trabalhar pela recuperao do meioambiente, mas alguns pases devem trabalhar mais rpido.

    A declarao dos governos presentes, que o produto concreto dessareunio, nada mais do que, uma demonstrao de vontade poltica, a qualpode e deve ser transformada em acordos especficos e legalmentevinculantes; podemos dar como exemplo desses acordos o Protocolo deKyoto.

    Outro ponto de extrema relevncia que foi discutido foi

    diversidade cultural, diversidade lingstica e diversidade de plantas eanimais. O plano de implementao que surge da Cpula reconhece essasligaes ao admitir necessidade de se considerar a diversidade tnica ecultural na implementao da Agenda 21. 31

    30 Rio+10 site oficial do governo Brasileiro31 Rio + 10 Site Oficial do governo Brasileiro.

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    Esse reconhecimento pode ser traduzido em Justia Social, que eracontemplado na Conferncia de Ottawa e que se traduz em condioindispensvel para o desenvolvimento de uma Nao. Papel que cabe aoEstado executar, mas que a cada dia mostra-se cada vez mais inoperante. Asociedade civil organizada esta cada vez mais engajada na luta pelos seus

    direitos e toma para si mesma as aes de cidadania.2.1. O Homem e a sociedade.

    H trs correntes que dispe sobre o que se deve entender porsociedade. Segundo a concepo individualista32 a sociedade uma fico.Apenas para atender ao interesse geral atribuda personalidade ssociedades. Para as concepes coletivistas, como organicistas33, asociedade um verdadeiro organismo vivo, com uma anatomia e fisiologia.Para os adeptos dessa corrente, estranhamente, o homem isolado que umafico. Emile Durkheim 34 sustentou que o homem s o por viver emsociedade. Finalmente, para as concepes intermedirias, h uma realidadeobjetiva do indivduo e outra da sociedade.

    A sociedade um conjunto complexo de indivduospermanentemente associados e tendo padres comuns prprios para garantira continuidade do todo e realizao de seus ideais. um conjunto de grupossociais inter-relacionados e em constante transformao em ritmo lento ouacelerado.

    O homem ao viver em sociedade cria a sua cultura, pois, suaorganizao sociocultural ele cria, inventa, muda, transforma seusconhecimentos e transmite as outras geraes que faro o mesmo e assimsucessivamente criando um legado para toda uma sociedade. Pois assimcomo no h sociedade sem linguagem, da mesma forma inexiste semDireito. 35

    32Savigny, Trait de Droit Romain, t. II, p. 223. Apud, ROMO, Jacqueline Moura. Histriado direito uma breve viagem do Direito na Historia, p, 31.33O Gierk. Natural law and the thery of society. Ed. University Press. Cambridge, 1950.34 DURKHEIN. Emile.Les Digles de la Mthode Sociologique e Education a Sociologie, p.55.35 ROMO, Jacqueline Moura. Histria do direito uma breve viagem do Direito na Histria,p, 32.

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    O direito uma manifestao de cultura social, um fenmenocultural que se adapta a toda uma sociedade na medida necessria a suaevoluo. O direito dinmico e esta em constante transformao paraatender as demandas culturais de um povo. Hoje falamos em, DireitoEspacial, Direito dos Povos Indgenas, Direito Ambiental, realidades devidasao progresso cultural e cientifico dos tempos modernos. 36

    Realidades jurdicas que devem ser disciplinadas atravs de regraspara que haja o exerccio destes direitos e punies em casos de violao dosmesmos.

    2.2. Construes Histricas e Culturais dos povos indgenas e do meioambiente face ao Ordenamento Jurdico Brasileiro e sua nova ordem:Preservar

    O tema poderia ser tratado de diversas maneiras. Uma delas seriaatravs de uma anlise exaustiva sobre como a questo ambiental e indgenafoi tratada nas Constituies Brasileiras antes do advento da Constituio de1988. No obstante a preocupao com o meio ambiente ser antiga em vrios

    ordenamentos jurdicos, inclusive nas Ordenaes Filipinas (1603), quepreviam no Livro Quinto, Ttulo LXXV, pena gravssima ao agente quecortasse rvore ou fruto, sujeitando-o ao aoite e ao degredo para a fricapor quatro anos, se o dano fosse mnimo, caso contrrio, o degredo seria parasempre.

    A Constituio Brasileira de 1988 destina um captulo inteiro para oMeio Ambiente, o que revela a atual preocupao com o tema. Comodestaca Edis Milar, essa previso atual um marco histrico de inegvelvalor, dado que as Constituies que precederam a de 1988 jamais se

    preocuparam da proteo do meio ambiente de forma especfica e global.Nelas sequer uma vez foi empregada a expresso meio ambiente, a revelar

    total despreocupao com o prprio espao em que vivemos37

    .A questo ambiental no que se refere legislao ambiental merece

    um breve relato histrico de como a matria evoluiu no decorrer dos anos

    36 ROMO, Jacqueline Moura Histria do direito uma breve viagem do Direito na Histria, p,33.37 MILAR, Edis, BENJAMIN, Antonio Herman. Estudo prvio de impactoambiental. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

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    tornando-se, nos dias atuais, tema de extrema relevncia e importncia noordenamento jurdico e na vida de todos ns. Far-se- um breve apanhadohistrico para situar importncia que o meio ambiente alcanou no Brasilno s nas legislaes Ordinrias como tambm na Constituio, que a Leimaior de um pas e, a conquista dos povos indgenas as sua terras e aos

    recursos naturais.2.3. Evoluo Histrica Legal - do Meio Ambiente

    Antes do descobrimento do Brasil, vigoravam em Portugal, asOrdenaes Afonsinas (Afonso V), que data de 1446, sua estrutura tinhacomo base o direito romano e o direito cannico. 38 As normas que dealguma forma j se preocupavam com o meio ambiente proibiam o corte dervores, o furto de aves e previam as sesmarias, diviso e repartio de terrasimprodutivas para o cultivo. Esta foi primeira legislao adotada na novacolnia. Mas logo nos primeiros anos, essa legislao foi substituda pelasOrdenaes Manuelinas, cuja compilao terminou em 1514. Essa novalegislao praticamente repetiu a anterior e incorporou as leis extravagantes

    editadas aps a compilao das Ordenaes Afonsinas.Nas Ordenaes Manuelinas (1521), a previso protecionista no

    sentido de proteger o meio, j era mais detalhada, podemos destacar o livroV, que no ttulo LXXXIII proibia a caa de perdizes, lebres e coelhos comredes, fios e outros meios capazes de causar dor ou sofrimento na caadesses animais, e no ttulo C tipificavam o corte de rvores frutferas comocrime. Dois aspectos interessantes nessa legislao, noo de zoneamentoambiental, quando vedava a caa em determinados lugares como Lisboa,Santarm e Coimbra e a noo de reparao do dano ecolgico, quando seatribua s rvores frutferas abatidas. 39 Observa-se que os dispositivos denatureza ambiental extrados das Ordenaes Manuelinas vigoraram noBrasil - Colnia at o incio do sculo XVII. Mas devemos considerar que alegislao sofreu nova modificao, a partir do domnio de Portugal pelaEspanha. Foram aprovadas as Ordenaes Filipinas, em 11 de janeiro de1603.

    38 WAINER. A H. Legislao Ambiental do Brasil. Editora Forense, 1 ed., 199139 MILAR, Edis, BENJAMIN, Antonio Herman. Estudo prvio de impacto ambiental. SoPaulo: Revista dos Tribunais, 2000.

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    A exemplo das anteriores constitua-se de compilaes de todalegislao anterior. Mantiveram os cinco livros j existentes. A matriaambiental estava contida no livro I, ttulo LVIII; livro II, ttulo LIX; livro IV,ttulo XXXIII; livro V, ttulos LXXV e LXXVIII.. 40 Mantm a proibio docorte deliberado de arvores frutferas, incluindo o Brasil como local para ocumprimento da pena de degredo definitivo; proibio da pesca em rios elagoas de guas doces com redes; proibio de jogar material que pudessematar os peixes ou sujar as guas dos rios e lagoas.

    Na poca do Brasil Colnia, o Regulamento (13/10/17510) daCidade do Rio de janeiro j previa a preocupao com o desmatamento. NALegislao Ambiental Holandesa (tempo de ocupao do Nordeste 1640)proibia-se o abate do cajueiro, cuidava-se da poluio de guas, obrigavam-se os senhores de terra e plantadores de canaviais a plantarem roas demandioca proporcional ao nmero de escravos.

    A legislao ambiental pode ser dividida em quatro grandes fases. Aprimeira comea no sculo XIX e abarcava leis esparsas que tratavam da

    proteo dos recursos naturais renovveis, ou da regulamentao dasatividades baseadas na utilizao de recursos naturais.

    Na dcada de 1960, a legislao ambiental toma um novo rumo,quando o legislador comea a se preocupar com a preveno e o controle dosimpactos sobre o meio ambiente e com sua recomposio a situaoexistente antes do dano. Esse perodo propriamente dito se refere a umtempo de grande industrializao no Brasil, com a instalao de variasempresas estrangeiras no territrio nacional, principalmente na regioSudeste. Com a implantao dessas fbricas, os ndices de poluio deramum salto assim, no era mais possvel ignorar suas implicaes para anatureza, e consequentemente, para a sociedade. Assim, leis de cunho maisnotadamente ecolgico so votadas, processo que toma maior vulto nos anosde 1970.

    Segundo Milar, at os anos 1980, havia uma grande profuso deleis ambientais, porm o conjunto delas no se preocupava em proteger omeio ambiente de forma especifica e global; ao invs disso, tratava doassunto de forma diluda, na medida em que precisava atender as

    40 WAINER. A H. Legislao Ambiental do Brasil. Editora Forense, 1 ed., 1991.

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    Minerao em terras indgenas : em busca de um marco legal!

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    necessidades econmicas do pas. Assistente omisso, entregava o Estado tutela do ambiente a responsabilidade exclusiva do prprio individuo oucidado que se sentisse incomodado com atitudes lesivas a sua higidez.Segundo esse sistema, por bvio, a irresponsabilidade era a regra, aresponsabilidade a exceo. Sim, porque o particular ofendido no se

    apresenta, normalmente, em condies de assumir e desenvolver ao eficazcontra o agressor, quase sempre poderosos grupos econmicos, quando noo prprio Estado. 41

    a partir de 1980, com a nova conscientizao ecolgica advinda daConferncia de Estocolmo sobre Meio Ambiente, que a legislao passa a termais consistncia e a matria relativa defesa do meio ambiente aparececom grande incidncia na legislao federal brasileira. Adotou-se umatendncia contempornea de preocupao com os interesses difusos, e emespecial com o meio ambiente, nos termos da Declarao sobre o AmbienteHumano, realizada na Conferncia das Naes Unidas em Estocolmo,Sucia, em junho de 1972, em que se consagrou solenemente:

    O homem tem o direito fundamental liberdade, igualdade e aodesfrute de condies de vida adequadas, em um meio ambiente dequalidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e portador solene de obrigao de proteger e melhorar omeio ambiente, para as geraes presentes e futuras. A esse respeito,as polticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a

    segregao racial, a discriminao, a opresso colonial e outrasformas de opresso e de dominao estrangeira permanecemcondenadas e devem ser eliminadas. Os recursos naturais da Terra,includos o ar, a gua, o solo, a flora e a fauna e, especialmente,

    parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem serpreservados em benefcio das geraes atuais e futuras, mediante

    um cuidadoso planejamento ou administrao adequados. Deve sermantida e, sempre que possvel restaurada ou melhorada acapacidade da Terra de produzir recursos renovveis vitais. Ohomem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar

    41 MILAR, Edis, BENJAMIN, Antonio Herman. Estudo prvio de impactoambiental. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

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    Minerao em terras indgenas : a procura de um Marco Legal

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    judiciosamente o patrimnio representado pela flora e faunasilvestres, bem assim o seu habitat, que se encontram atualmenteem grave perigo, por uma combinao de fatores adversos. Emconseqncia, ao planificar o desenvolvimento econmico, deve seratribuda importncia conservao da natureza, includas