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Relatório Anima Forum 2011

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Créditos

Direção e CoordenaçãoAida QueirozCesar CoelhoLea ZaguryMarcos Magalhães

Coordenação de Produção Anima MundiEllen Gaspar

ProduçãoVertigo Produção Cultural

ProdutorMônica Moreira

AssistentesLívia EggeeBárbara Arraes

IntérpreteMartha Moreira Lima

Edição e Redação do RelatórioMaria da Luz Miranda

Projeto Gráfico do RelatórioBernardo Mendes

Projeto Gráfico do ForumHelena de BarrosLeo Conrado

Produção GráficaGustavo Franck

FotosFernando ‘Fedoca’ Lima

Projeto do Salão Anima BusinessCarlos Simas

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19 de Julho terça-feira Abertura

Mesa-Redonda – PPAs - Parcerias Público-Animadas Uma avaliação das ações dos órgãos governamentais na promoção e incentivo da produção de animação brasileira.

Participantes – Bruno Maceió (MinC/SAV), Julia Levy (SEC-RJ), Sérgio Sá Leitão (RioFilme), Felipe Tavares (ABCA), Marco Altberg (ABPITV/BTVP), Luciane Gorgulho (BNDES) Moderador - Aída Queiroz (Anima Mundi).

Ao dar as boas vindas e marcar o início do Anima Forum 2011, Cesar Coelho relembrou a época em que começaram as primeiras discussões sobre a necessidade de um espaço que promovesse o encontro de animadores. Uma articulação que deu origem a nada menos que Associação Brasileira de Cinema de Animação. Legítima representante da evolução da animação brasileira, a ABCA fez a proeza de transformar um bando animado em setor econômico.

A próxima conquista foi o Anima Forum, cuja proposta é estimular a discussão, fazer as pessoas se encontrarem e botarem as ideias na mesa; e não se esgotar nesse encontro, mas ir adiante, ser semente e incentivo para esse mercado já comprovadamente competente.

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Com a mediação de Aida Queiroz, a primeira mesa do Anima Forum trouxe um questionamento que parte dos próprios animadores: a continuidade na animação brasileira.

Aida expôs uma pergunta que a acompanha há 25 anos:

“É uma pergunta que se repete. Nós, animadores, sempre que terminamos um trabalho, olhamos para a cara um do outro e nos perguntamos ‘e agora?’ Principalmente quem trabalha com curta-metragem, que é só uma vertente de uma indústria que se vai discutir de uma maneira muito mais ampla.”

A palavra continuidade é o que vai ligar toda a conversa da mesa. Um diálogo necessário sobre políticas públicas e a relação da animação no Brasil com o incentivo das instituições públicas. A discussão seria, fundamentalmente, sobre a importância da atuação das instituições públicas diante da pergunta que se faz sobre a continuidade, avisou Aída.

E agora?

Para compor a mesa, Bruno Maceió, representando Ana Paula Dourado, da Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura; Luciane Gorgulho, do BNDES; Julia Levy, da Secretaria de Estado de Cultura; Sérgio Sá Leitão, da RioFilme; Felipe Tavares, presidente da ABCA; e Marco Altberg, fundador e atual presidente da ABPITV.

Aída Queiroz deu um panorama da animação e dos avanços da produção brasileira, que saiu de uma produção quase que nula e conseguiu crescer muito nos últimos anos. E ressaltou que a qualidade dos filmes brasileiros inscritos no Anima Mundi 2011, os curtas-metragens, foi surpreendente. O mesmo começa a acontecer com as séries para TV e com os longas-metragens, que já são produzidos em maior escala. Já houve avanços, portanto. A questão é o que acontecerá daqui por diante.

Como as instituições públicas vão contribuir para que a animação alcance um novo patamar?

Luciane Gorgulho

Primeira a falar, Luciane Gorgulho começou com um breve comentário sobre o patrocínio do Anima Forum pelo BNDES, cujo objetivo, segundo ela, é fomentar o lado econômico do festival. Fazer com que não seja meramente um evento de mostra, mas que possa contribuir para o desenvolvimento de produções nacionais.O apoio do BNDES no segmento de animação,

atualmente, se dá em três linhas:

- Edital de cinema, que apoia a produção de longa-metragem. Até agora, 12 longas de animação já receberam apoio do BNDES. São três por ano, sendo que a animação não concorre com outras modalidades.

- Linha de financiamento, uma linha de crédito/empréstimo, que é associado a um apoio não reembolsável pela Lei do Audiovisual. Um apoio automático associado a esse empréstimo. Três séries de animação já se beneficiaram dessa linha: Peixonauta, Escola para Cachorro e Meu Amigãozão. - Investimento em produções – e mesmo nas empresas de animação – pelos Funcines. Parceria com a TV Cultura para um Funcine específico para o setor de animação, que está começando a operar agora. Existem outros quatro Funcines que podem investir em qualquer produção de audiovisual, inclusive animação. Tanto na produção quanto nas empresas.

O apoio do BNDES já resultou na produção de 12 longas e três séries de animação.

Luciane anunciou, em primeira mão, que no esforço para prosseguir o apoio à animação, a modalidade do empréstimo associado ao aporte da Lei do Audiovisual passou por uma alteração significativa.

“Conseguimos promover uma alteração interna que vai poder baixar o valor mínimo de acesso, o que vinha sendo uma barreira para algumas produções. O valor mínimo do empréstimo era de R$ 1 milhão, que dava direito a R$ 750 mil pela Lei do Audiovisual. O apoio total mínimo era de R$ 1 milhão e 750 mil. Agora, a gente conseguiu que o valor mínimo seja de R$ 1 milhão”.

A alteração, segundo Luciane, deve abrir oportunidades para mais empresas e mais produções.

Bruno Maceió

A animação é a menina dos olhos do setor audiovisual do Ministério da Cultura, anunciou Bruno Maceió, nomeado para a coordenação de Economia Sustentável do Audiovisual.

“Sustentável no sentido de não depender somente de ajuda governamental. O que a gente quer para o setor do audiovisual e para o setor de animação é o foco no mercado, uma indústria de animação forte, reconhecida lá fora, com profissionais capacitados, que vocês cresçam e que ganhem muito dinheiro.”

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A Secretaria de Audiovisual, segundo Bruno Maceió, está elaborando um planejamento estratégico, mas algumas diretrizes já estão em andamento:

- Criação de uma escola de animação no Brasil. Uma ideia que está sendo amadurecida, mas deve vingar em longo prazo.

- Bolsas de estudos pela Capes que serão fornecidas para levar animadores brasileiros para escolas no exterior. Por conta dos critérios da Capes, o bolsista tem de ficar no Brasil pelo mesmo tempo de duração do curso.

- Dar continuidade à política de editais. Está sendo feita uma avaliação sobre o tipo de formato a ser adotado.

- Criação do vale-cultura, num cenário de médio e curto prazo, uma espécie de bolsa-família para o setor cultural.

Bruno Maceió assegurou que nunca antes se fez uma política cultural tão agressiva.

“A estimativa é injetar 7,2 bilhões de reais por ano na cultura em geral. O equivalente ao PIB de um país pequeno. Mas nosso feeling é que o audiovisual será privilegiado na escolha do consumidor, de alguma forma e por várias razões. Primeiro, pela demanda reprimida. Infelizmente, 92% dos municípios do país não têm salas de cinema. Algumas dezenas de milhões de pessoas nunca entraram numa sala de cinema. Mais de uma Argentina fora do mercado no Brasil. O cenário de

médio e longo prazo para o setor vai ser surpreendente e a gente quer muito o setor de animação participando disso.”

Bruno disse que as portas do Ministério da Cultura estão abertas. E com um “queremos ouvir vocês”, encerrou sua primeira participação.

Júlia Levy

Representando a Superintendência do Audiovisual da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, Júlia Levy mostrou as principais ações decorrentes da atual política de audiovisual da secretaria, que passa por uma fase de balanço de um ciclo de três anos.

O mercado de produção, exibição e distribuição se transformou, por uma série de fatores, nos últimos três anos, Júlia ressaltou, e prosseguiu com um resumo das principais ações que vêm sendo desenvolvidas desde 2008.

Sobre mão de obra e capacitação técnica

A partir de uma conversa com instituições e associações importantes do audiovisual, foi decidido que seria dada ênfase especial às áreas de formação técnica e formação de excelência.

Em parceria com o SENAI, começaram, no ano passado, os estudos para a criação de cursos para o mercado audiovisual. Foram criados dois comitês técnicos.

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Um com foco no audiovisual, e um comitê específico de animação. O trabalho culminou num acordo de cooperação entre a SEC, a Firjan, a RioFilme, o SENAI, e trouxe também os sindicatos.

O marco regulatório desse acordo de cooperação foi assinado durante o Festival do Rio, em 2010.

“A partir daí, a gente fundou os nossos comitês setoriais. Um comitê que trabalhou de forma muito produtiva. A gente dedicou muitas horas para poder construir esse curso junto com o SENAI. A gente criou esse comitê técnico para destacar, junto com as pessoas técnicas, quais seriam os principais perfis, quais seriam os principais cursos que a gente iria desenvolver. Todos os animadores foram essenciais para a gente desenvolver esses cursos”.

A produção é importante e muitas iniciativas estão voltadas para esse setor. Mas, segundo Júlia, o trabalho da Secretaria de Estado da Cultura do Rio leva em conta que é preciso ir além da produção, pois há outros gargalos, e um dos mais evidentes é a formação de mão de obra técnica qualificada.

“Diante desse trabalho, a gente conseguiu desenvolver um perfil profissional de animação digital, que se formou e se desencadeou em outros sete cursos, que vão desde operador de softwares específicos de animação 2D e 3D, a até mesmo uma qualificação desse profissional para ele saber animar, saber estruturar a narrativa, esses são alguns exemplos. Os cursos são desenvolvidos em

sete módulos, e podem ser feitos de forma contínua ou separadamente.”

“A ideia foi dar conta das principais demandas que existem hoje no mercado. Esses cursos estão em fase de conclusão, o SENAI está na fase de adaptação dos laboratórios para animação.”

Em breve, Júlia avisou, todos seriam convidados para uma grande inauguração. O lançamento dos cursos de animação deve ocorrer em setembro, quando será lançado, também, o pacote de editais da Secretaria. E um dos editais será de bolsas de excelência para profissionais que queiram estudar em escolas de alto padrão internacional. O objetivo é qualificar também por esse viés.

Os cursos

Roteirista de animação, Designer de Animação, Operador de software de animação 2D, Operador de imagem e som para animação, Pós-produtor de animação, Animador especialista em stop motion, Animador digital, Animador especialista em 3D.

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“Em 2002, o que a gente tinha de animação brasileira? E o que a gente tem hoje? Para mim, o marco são as políticas que foram implantadas a partir de 2003, inicialmente no Ministério da Cultura, depois na Ancine, depois no BNDES, também na Petrobrás, e, agora, na RioFilme. Basicamente, é uma continuidade de um trabalho feito por uma mesma equipe, claro que contando com uma série de parceiros que nos ajudaram a fazer e a viabilizar isso tudo. Mas é importante esse reconhecimento.”

Essas políticas, continuou Sérgio, começaram no Ministério da Cultura, a partir de 2003, quando se reuniu uma equipe que formulou o que, na época, foi chamado de Programa de Desenvolvimento da Indústria Audiovisual Brasileira.

O programa previa uma série de etapas e tinha uma visão estratégica da necessidade de reformular o modo como se dava o fomento público, a introdução de mecanismos reembolsáveis, a necessidade de equilibrar o fomento pelos diversos elos da cadeia produtiva, uma vez que se dirigia exclusivamente ao elo da produção. A necessidade de transcender o cinema, que era o foco, na época, e a necessidade de estimular a diversidade da produção, com animação, documentários, séries para TV e outros produtos.

Entre as premissas que o documento continha e que orientaram a formulação de diversas políticas e ações, Sérgio destacou:

“A Secretaria está desenvolvendo parcerias com diversas instituições internacionais, e essas parcerias beneficiam o mercado como um todo. Nessa área, a gente tem trabalhado muito e está muito feliz com os resultados que está encontrando. Em breve, vocês vão receber o convitinho para comemorar com a gente esse lançamento”, Júlia encerrou.

Aída lembrou que um dos temas do Anima Forum de 2010 foi exatamente sobre a formação de mão de obra e a criação de cursos voltados para a formação do animador no Brasil. E ressaltou que é bom começar a colher os frutos dessas conversas. O que foi dito por Júlia e Bruno já é resultado do que foi tratado no Anima Forum, ela afirmou.

Sérgio Sá Leitão

Sérgio Sá Leitão, da RioFilme, agradeceu o convite, elogiou a mesa e o tema, e ressaltou que os gestores públicos precisam desse espaço para avaliar se o que estão fazendo está rendendo e gerando resultados, ou não. A resposta, por sua vez, só pode ser dada pelos beneficiários dessas políticas.

Ao falar desse espaço necessário para conversa, Sérgio citou também a necessidade de reconhecimento do esforço que é feito pelas instituições públicas. O que existe hoje, segundo ele, é resultado de muito do que foi pensado há dez anos. Se houve avanços, é preciso reconhecer as suas origens, disse ele.

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No âmbito da SAV

- A criação de dezenas de editais diferentes. No caso da animação, o marco teria sido o edital para a produção de filmes de um minuto com a TV pública, o que gerou uma série de produtos que depois viraram programas de televisão.

- A multiplicação dos recursos destinados ao audiovisual.

- A formulação do vale-cultura. (Sérgio disse que adorou a informação de que está à beira de ser implantado).

- A criação dos dois programas de exportação que existem hoje, o Brazilian TV Producers e o Cinema do Brasil.

No âmbito da Ancine

- A criação do Fundo Setorial do Audiovisual, que significou a injeção anual no setor de mais de R$ 80 milhões de reais, com linha para produção, distribuição, televisão e outras linhas.

- A criação do Prêmio Adicional de Renda.

- Articulações pela PL 116, que está na iminência de ser aprovada e promete ser um marco no desenvolvimento da indústria audiovisual brasileira.

- A criação dos artigos 1°A e 3°A, a renovação do artigo 1°.

- A renovação dos Funcines.

- Um primeiro programa para exibição, em parceria com o BNDES, o Cinema Perto de Você.

Sérgio destacou ainda as linhas de financiamento para o audiovisual e o esforço para implantação do primeiro Funcine, e também a mudança que houve na política de incentivo à cultura da Petrobrás.

O Rio de Janeiro

Ao falar sobre a atuação específica da RioFilme, Sérgio ressaltou que, nos dois últimos anos, o Rio de Janeiro é a cidade do país que mais tem investido em audiovisual. Somando 2009 e 2010 foram R$ 37,5 milhões de investimento com recursos próprios, capital próprio, somando RioFilme e Lei de Incentivo à Cultura. Em 2008, o investimento foi de R$ 1,1 milhão. Um crescimento de 34 vezes.

A decisão da prefeitura de reconhecer o caráter estratégico do setor audiovisual na cidade do Rio de Janeiro, e aumentar o volume de investimentos na área, ampliou a capacidade também de ação. Com isso, os resultados foram expressivos.

- Investimento em longas-metragens: o público saltou de R$ 27 mil em 2008 para dois milhões em 2009 e 13,5 milhões em 2010. Com o mesmo número de filmes por ano, ou seja, sete filmes.

- A receita da empresa passou de R$ 1,4 milhão em 2008 para R$ 8 milhões em 2010.

- Programa de apoio a eventos. São 11 eventos por ano.

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O Anima Mundi é um deles. Em 2010, 615 mil pessoas, 10% da população carioca, participaram de eventos apoiados pela RioFilme.

- O número de projetos em circulação por ano na RioFilme passou de 23 em 2008 para 79 em 2010.

“Há espaço para todo mundo e essas políticas têm efeito multiplicador. Na medida em que fazem sucesso, começam a serem repetidas, as pessoas aprendem com os erros e os acertos”, disse ele, ao citar o Festival de Paulínia. “Paulínia é resultado disso, indiretamente. É um projeto que não faria sentido em 2002”.

O Rio se consolida como principal polo de audiovisual do país. Filmes cariocas foram 40% dos títulos de longas-metragens lançados em 2010 e esses títulos fizeram 95% da renda e do público. A cidade recebeu 51,4% das produções internacionais realizadas no Brasil.

O cenário é promissor também para a animação. Existe uma preocupação em procurar no mercado projetos de longa-metragem de animação. A RioFilme é coprodutora e/ou distribuidora de filmes como Peixonauta, 31 Minutos e Meu Amigãozão.

Como a animação é um mercado altamente competitivo e as produções americanas ainda levam grande vantagem sobre as nacionais, há uma disposição em apoiar a adaptação de produtos da televisão para o cinema, por serem produtos que já têm uma marca consolidada que pode gerar vantagem competitiva.

A partir de uma parceria com a Secretaria de Estado de Cultura, foi realizado um programa de chamadas públicas que contemplou diversos projetos de animação. O projeto da RioFilme é manter e aumentar a política de editais e fortalecer a atuação em quatro linhas: produção de curtas, apoio para finalização de longas, desenvolvimento de séries de TV e desenvolvimento de longas-metragens.

Há o projeto de criação de um cluster na Zona Portuária, que não será específico de animação, mas dará a ela um destaque, uma posição forte. Será uma maneira de dar condições para que as empresas de animação do Rio de Janeiro possam produzir e atender a demanda e, eventualmente, expandir a oferta em condições mais favoráveis e competitivas. “Tem havido esforço em promover a indústria audiovisual e o segmento de animação. E o resultado são as mudanças que vêm ocorrendo. É importante que o setor esteja atento e mobilizado para que os ganhos não se percam. Para que se possam manter as conquistas e, se possível, ampliá-las”, encerrou.

Aída pontuou que o Anima Mundi foi criado com uma aposta na criação de público. Mas para ter o público é preciso ter o que oferecer. Produção de conteúdo, portanto, é fundamental, tanto quanto pensar em todos os formatos possíveis que a animação pode adotar. E essa é uma questão que também entra na pauta do Anima Forum.

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Felipe Tavares

Presidente da ABCA desde maio deste ano, Felipe já começou a falar com a empolgação de quem acredita que é possível, sim, fazer animação no Brasil, e destacou que a ABCA montou um stand no Anima Mundi com os trabalhos dos associados. O objetivo é mostrar que existe uma produção de qualidade.

Quantos de vocês trabalham com animação? Quantos de vocês são associados da ABCA como animadores? Quantos têm sua própria produtora de animação?

Felipe perguntou para conhecer a audiência e explicar que a ABCA existe para lutar pelos direitos dos animadores e ajudá-los a trilhar um caminho melhor dentro da animação. (Quem precisar de associação para produtores deve procurar a ABPITV, ele avisou, para esclarecer a diferença entre as associações).

Felipe contou um pouco da história da ABCA e ressaltou as atribuições da associação e os resultados obtidos nos seus oito anos de existência:

- Conseguiu angariar editais específicos para animação.

- Há um número crescente de longas-metragens também específicos.

- O Dia Internacional da Animação, 28 de outubro, em

parceria com a SAV.

- 60% dos associados da ABPITV são animadores.

- ABCA está no Congresso Brasileiro de Cinema.

- ABCA é responsável pela criação do Anima TV, em parceria com o Ministério da Cultura.

- Criação do projeto Animadores do Brasil, site que divulga os trabalhos dos animadores e serve também para fazer levantamento do mercado.

E os últimos seis meses?

Felipe comentou a troca de governo, a fase de adaptação, as dificuldades impostas pelos recursos orçamentários, mas aproveitou que estava na mesa com gestores públicos para avisar:

“A gente não quer parar. Já que a gente teve esses primeiros seis meses para adaptação do novo governo, a gente tem de continuar trabalhando e continuar atuando, para não perder o fôlego, não perder a demanda.”

Os animadores e produtoras querem conversar e a intenção da ABCA é criar sincronismo com o governo para continuar planejando ações. Se possível, ainda para 2011. Felipe citou a conversa que teve com Ana Paula Santana, da Secretaria do Audiovisual, em Brasília, sobre as políticas públicas para animação e sobre a pesquisa para o banco de dados dos Animadores do Brasil, as

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duas principais vertentes da ABCA no momento.

“A promessa foi de que novos editais de curtas-metragens seriam lançados, já que a gente não teve quase nenhum edital voltado para a animação lançado nos últimos seis meses. Então, foi solicitado que a gente indicasse nomes para um banco de curadores da SAV. Qualquer edital que vá sair pela SAV, essas pessoas vão ser chamadas para avaliar se o edital está de acordo com a demanda.”

A ABCA também propôs participar de um grupo de trabalho com a SAV para discutir as políticas e ações para a animação. Felipe ressaltou que a conversa, no Anima Forum, não seria específica com os gestores do Rio de Janeiro. Por considerar os animadores de todo o país, pela abrangência da associação, a ABCA quer ter como interlocutor principal o Ministério da Cultura. Exatamente com quem a conversa está difícil.

“Nesses dois ou três meses de conversa, não tivemos nenhum retorno. Talvez eu esteja muito ansioso, mas a gente não está conseguindo chegar ao Estado para posicionar nossas intenções. Não quero criar complô, mas eu acho que essa mesa aqui é própria para dizer essas coisas: a gente espera uma conversa mais fácil entre associações e governo.”

A pergunta ‘e agora?’ evoluiu para outras mais específicas:

“Como o governo pode nos ajudar? Como a gente

mostra a cara da animação brasileira no cenário internacional?”

A gente precisa continuar com os editais para curta-metragem, desabafou Felipe.

“Os editais de curta-metragem são os nossos bandeirantes. Os animadores estão chegando lá fora e mostrando conteúdo brasileiro. E a reação, o que dizem é ‘olha só, olha como o traço é diferente, olha como os caras estão trabalhando bem a narrativa’. Então, esse anseio pela continuação das políticas e dos editais para curtas não é apenas cultural. Tem um pé comercial, também, indiretamente, porque mostra a nossa cara e faz com que as pessoas sintam confiança em que a gente está produzindo curta com qualidade. E a partir daí eles vão procurar conteúdo para cinema, para TV, para celular. Isso é uma porta de entrada.”

Felipe falou da tentativa da ABCA em fazer a pesquisa do banco de dados dos animadores, o que depende de articulação com o governo.

Há uns anos, a ABCA teve um incentivo, pelo Fundo Nacional de Cultura, para desenvolver o banco de dados. Só que, naquele momento não havia experiência para se estudar o mercado com afinco, o que significa que esse banco precisa ser refeito, usando as novas tecnologias.

“É preciso fazer a manutenção e a reformulação, porque é o que vai servir como um farol para as ações atuais e futuras.”

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A ABCA também participa da frente pela aprovação da PL 116, que vai abrir o mercado nos canais por assinatura, o que pode significar uma participação maior da produção independente, ou seja, mais trabalho para animadores e produtoras.

A qualidade aumentou, a responsabilidade aumentou, a capacidade de produção aumentou. Ao mesmo tempo, quando o produto é apresentado fora do Brasil, a expectativa de quem vê é de que o Brasil pode produzir em larga escala, o que está trazendo demandas internacionais. Mas ao mesmo tempo em que há uma confirmação e um reconhecimento da animação brasileira, surgem outros gargalos.

“Como exportar esse serviço? Como fazer um contrato com um produtor internacional? O que está onerando a exportação? Que caminho os animadores devem trilhar para alcançar esse mercado? Como acontece a relação entre o animador que trabalha no Brasil e entrega trabalho para fora? É preciso instruir os animadores sobre todas essas questões”.

Pensar não custa, mas produzir é caro. Felipe destacou que é preciso mais facilidade de acesso a software e hardware. Além disso, perguntou: onde estão se formando os animadores? Ele mesmo respondeu: é

preciso criar um espaço, é preciso garantir escolas de animação. E o problema está apenas no início.

“Todo mundo sabe da demanda. O mercado está crescendo, mas onde estão se formando os animadores? Como existe o nicho, as universidades estão abrindo cursos. Mas quem está dando essas aulas? Antes de formar animadores, é preciso formar professores. É preciso tratar da formação e não somente da utilização de software.”

Já surgiram alguns caminhos. O Anima TV é um bom exemplo. Mas ainda há muito por fazer.

“Já provamos que sabemos fazer. Agora, é pensar no que fazer com o conteúdo já produzido. Como se faz a distribuição, o licenciamento, a pós-produção? Para onde vai escoar essa produção? Está faltando enxergar”, finalizou.

Marco Altberg

O presidente da ABPI-TV, Marco Altberg, começou contando a história a história da associação.

Criada há 11 anos para ocupar uma lacuna existente na produção independente de televisão, a Associação Brasileira de Produção Independente para TV atua, hoje,

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também com novas mídias, e esteve presente durante as rodadas de negócios entre produtores e animadores realizadas durante o Anima Forum.

A associação reúne cerca de 150 produtores em todo o Brasil. Ao longo dos anos, foi responsável por mudanças significativas no mercado de produção de conteúdo para TV.

“Todo mundo sabe que o mercado de TV brasileiro é bem fechado. Há seis anos, exatamente por perceber esse estrangulamento do mercado interno, a gente foi buscar no mercado externo oportunidades para nossas empresas de produção.”

Foi criado, então, o Brazilian TV Producers, cujo objetivo é buscar oportunidades de negócios.

“Passamos a frequentar feiras e eventos internacionais, missões, incluindo algumas no Brasil, que deram excelentes resultados em coproduções internacionais.”

O Brazilian TV Producers foi criado em 2004 e, de lá para cá, já envolveu mais de 800 empresas.

Altberg citou as principais realizações da ABPITV no Brasil:

- PIC – Programas Internacionais de Capacitação para os produtores. Feitos em diferentes gêneros, um deles é animação.

- No Anima Mundi, a ABPI é parceira no Anima Business, as rodadas de negócios entre produtores de animação e animadores.

- Rio Content Market, evento realizado em março deste ano, com a proposta de promover o encontro e a troca entre profissionais de audiovisual brasileiros. A próxima edição será em 2012.

A animação cresceu muito dentro da ABPITV. Cerca de 60% das empresas associadas fazem animação. Com um número tão consistente, a associação está empenhada em criar um Comitê Gestor de Animação, que pretende buscar interlocução específica para a questão da animação, promover encontros entre animadores e produtores que fazem animação, e criar condições para responder às demandas da animação no Brasil.

Para encerrar, Altberg mostrou quatro casos de sucesso entre associados à ABPITV:

- Meu Amigãozão, da 2Dlabs- Escola pra Cachorro, da Mixer

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adotam e eu desconheço quais são. Eu estou tendo conhecimento agora desse pleito. Se for uma coisa importante para a carreira, que se ache que mereça atenção e que vai impulsionar o setor, a gente está colhendo o pleito e vai fazer a gestão depois junto ao Ministério do Trabalho. A minha sugestão é que vocês busquem sistematizar o pedido através das associações e conversar com o Ministério do Trabalho.

Júlia Levy – Essa foi uma das principais questões levantadas pelas pessoas que participaram do nosso comitê setorial de animação. O Felipe e o José Brandão falaram muito sobre quem são esses profissionais, como vamos formá-los e que tipo de certificado vamos dar. Existe, realmente, um grande impedimento de regulamentação por parte do Ministério do Trabalho. A Secretaria entra para fortalecer e valorizar a certificação dos profissionais. Como um órgão estadual que vai garantir o fortalecimento das articulações que estão sendo feitas no mercado. Nós estamos sendo muito cuidadosos com os parceiros com os quais vamos trabalhar. Tanto em instituições nacionais, como é o caso do SENAI, mas também com outros cursos que estamos fazendo em parceria com outras áreas. Foi difícil encontrar parceiros, justamente pela fragilidade dos cursos livres, que, enfim, podem continuar existindo, mas quando a gente está construindo uma política pública, o que a gente visa são cursos que possam realmente dar certificados reconhecidos. A gente está sempre dialogando, não só com a área de animação, mas com outras áreas. A classe tem de estar muito organizada

- Princesas do Mar, da Flamma.- Peixonauta, da TV Pinguim.

Após o intervalo, a sessão de perguntas da plateia. Raquel do Valle substituiu Marco Altberg, da ABPITV, e Pedro Marques substituiu Luciana Gorgulho, do BNDES.

César Coelho abriu a segunda rodada da mesa e, antes de passar o microfone para a plateia, comentou:

“John Lasseter, o fundador da Pixar, e também o responsável por uma das revoluções da animação, sempre comentou que todo mundo acha que a grande arma da Pixar é a computação gráfica e a capacidade que eles têm de fazer aqueles personagens em computador, reconstruir Paris, o time de animadores e produtores, a quantidade de dinheiro que eles têm. Mas ele diz que o grande segredo da Pixar é o roteiro. E eu concordo plenamente com isso. Eu também acredito que investir em preparação é uma estratégia inteligente. No caso da animação, então, é fundamental.”

E falou ainda sobre as muitas parcerias e articulações que estão ocorrendo, principalmente as que envolvem o governo:

“Eu estou falando isso para parabenizar e incentivar a continuidade desse tipo de iniciativa que o Rio acabou de fazer no Minc ao publicar um edital para projetos de desenvolvimento em longa-metragem, o que é muito lúcido em termos de proposta. Um real investido em desenvolvimento significa um retorno de 10 reais, pelo menos. E a partir de um projeto bem desenvolvido, com um edital que dá plenas condições para esse desenvolvimento, o próximo passo é mostrar o resultado, criar espaços para esses resultados serem divulgados. Eu queria, depois, conversar com vocês para saber o que a gente pode mostrar de animação perante o resultado desses editais, nesse desenvolvimento. Fazer uma exposição ou algo nesse sentido. Eu acho que podem sair coisas muito interessantes.”

As perguntas começaram.

De que maneira a ABCA e o governo estão trabalhando para regulamentar a figura do animador e do pessoal que trabalha em audiovisual? Em que políticas do governo para que haja continuidade?

Bruno Maceió - A regulamentação de carreira de profissões diversas, salvo engano, é feita pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com critérios próprios, que eles

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e articulada para poder conseguir travar os diálogos necessários. Não é uma coisa fácil, nem rápida, mas o que está sendo construído é muito positivo.

Felipe Tavares – Não existe a função de animador classificada no Ministério do Trabalho e isso já é um problema por si só. Como regulamentar, se ele não está classificado no Ministério do trabalho? Hoje em dia, você tem duas possibilidades de trabalho dentro de um estúdio de animação. Na verdade existem mais, mas vamos focar em duas. Você pode ser uma pessoa contratada por carteira assinada, e todos sabem que a carga tributária é muito alta, o que praticamente inviabiliza essa via. A outra opção, que é uma configuração recente, é aquela em que o animador adquire o seu CNPJ e passa a ser a sua própria empresa. Então, a sua empresa pode ser contratada por um estúdio via o seu CNPJ e você passa a nota para esse estúdio. Você pode fazer isso via Simples Nacional, se enquadrando em uma classe, se eu não me engano, é produção cinematográfica. E tem o Micro Empreendedor Individual (MEI), que também aceita a categoria produção cinematográfica. Então, se você recebe durante um ano como pessoa física até 36 mil reais, você paga uma mensalidade de até 56 reais. Se ultrapassar esse valor, você já passa para o Simples Nacional. Ou seja, do MEI passa para o Simples Nacional atingindo o lucro presumido. Os caminhos que a gente tem agora são esses.

Aída Queiroz – Justamente, o que se discute é a continuidade. No meu estúdio, trabalhamos por empreitada. Tem uma encomenda, a gente vai e faz. O que eu queria era manter a equipe contratada, mas acaba o trabalho e vai todo mundo embora. É tudo muito novo para todo mundo. Formalizar essa relação é uma questão que vai bem além do nosso nível de debate.

Em geral, os editais herdam do cinema algo que é diferente da animação. No cinema, todos os editais dão algum dinheiro e exigem um percentual em cotas do filme. Mas a animação é diferente, porque cria marcas, propriedades e franquias, o que torna o equity mais valioso. Então, quando vocês forem fazer os editais, prestem um pouquinho de atenção nisso.

Sérgio Sá Leitão – Eu acho que você tem razão. Eu faria só as seguintes ponderações: a primeira é que quando você está fazendo um edital, você tem de criar uma série de regras prévias que têm de dar conta de todos os casos. E cada obra é uma obra única que tem, desde o ponto de vista da sua realização quanto do seu modelo de negócios e da sua estruturação financeira, um perfil único. O que você falou vale para o caso de longas-metragens derivados de séries, de livros ou de alguma outra obra. Portanto, a marca e tudo o que define a propriedade intelectual daquilo foi construído numa outra janela, numa outra mídia. O cinema é uma coisa derivada. Mas também há o caso dos filmes de animação que surgem diretamente no cinema. Recentemente, nós tivemos dois filmes do Grilo Feliz, que foram obras criadas especificamente em cinema e, nesse caso, acho que tem de haver regras diferentes, na medida em que o investimento de quem quer que seja, seja investidor privado ou o fundo setorial do audiovisual, está contribuindo para a construção da marca. Tem de ponderar isso.

A outra coisa, que talvez fizesse mais sentido, é que estamos falando aqui na perspectiva de sustentabilidade, do Estado aportar recursos, não só da forma tradicional que é a não reembolsável, mas também o Estado como investidor fazendo jus a uma participação nas receitas. Acho que talvez fosse o caso de você considerar a questão da recuperação do capital investido. O Estado não quer entrar nisso para fazer lucro, ele quer reaver o seu capital para reinvestir. Cada centavo que a gente faz de receita nos filmes em que a gente investe, a gente reinveste em novos projetos, nada é repassado para alguém, nem mesmo para a prefeitura, que não pede o dinheiro de volta. Então, você poderia ter uma regra que estabelece uma participação tal no equity, compreendendo, portanto, uma participação em todas

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as receitas relacionadas àquele filme até a recuperação do capital. Uma vez que você recuperou, você abre mão daquilo para rentabilizar o produtor. O que cria a sustentabilidade é a remuneração para o produtor. A estratégia por trás do investimento reembolsável é que ele seja um empurrão pra você criar uma economia sustentável que futuramente prescinda do recurso do Estado e possa funcionar por conta própria.

Na verdade, eu estava pensando do seu edital de desenvolvimento.

Sérgio - Ah, sim. Eu acho que é uma demanda que pode ser encaminhada pelas associações para que a gente discuta. Esse tipo de coisa não tinha sido colocado por ninguém e foi legal você ter colocado, porque como ainda estamos em elaboração, dá para incorporar. Mas é legal que as entidades coloquem isso nas instâncias para organizar a discussão. Na verdade, a gente vai ter de criar regras diferentes.

Júlia Levy – Eu ia falar justamente sobre uma divisão que a gente está repensando nessa política, onde entra o equity ou não. Em algumas ações que a gente vai continuar desenvolvendo em parceria com a RioFilme, tipo Funcine, a gente tem uma visão totalmente comercial, que trata o dinheiro como reembolsável. Em outras áreas, vamos continuar seguindo esse pacote de editais da Secretaria, a gente vai voltar ao primeiro edital de desenvolvimento, que seria não tendo equity.

Então, a gente volta à valorização da propriedade intelectual do produtor do Estado do Rio de Janeiro e aí, pensando nesses reinvestimentos via outras áreas, linhas de investimento, linhas de financiamento via agência de fomento do Estado, que é a Investe Rio, uma espécie de banco de desenvolvimento do Estado do Rio, que seria um dinheiro que tem ida e volta. No caso dos editais, a gente está realmente pensando essa questão, sim, e a proposta é justamente a gente não trabalhar mais com equity, deixar para trabalhar com equity em outros lugares.

Bruno Maceió – Preservar propriedade intelectual é uma questão bem posta. A gente está pensando nisso também.

As leis de incentivo não têm ajudado muito, principalmente em estados periféricos. O vale-cultura vai discriminar produto nacional de produto estrangeiro? Como vai funcionar o projeto de capacitação da SEC em parceria com o SENAI? A RioFilme está aberta a parcerias com outras regiões do pais?

Bruno Maceió – Sobre o vale-cultura, não tem como obrigar o público a não ver o Homem-Aranha. Da mesma forma que não tenho como obrigar um cara que recebe bolsa do Fome Zero a comprar o leite em pó brasileiro e não o argentino. O que há de positivo é que o público

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tende a preferir o cinema nacional. Pela proximidade cultural, pela língua, enfim. Sobre a escola de animação, a gente está discutindo o formato se vai ser via Max Animation, se vai ser uma parceria com o Sistema S Brasil ou vai ser pelo Ministério da Cultura mesmo.

O nosso negócio não é formar animadores, então a gente está discutindo como vai fazer isso. A questão da bolsa com a Capes a gente acha bem positiva para criar um volume de multiplicadores, de pessoas formadas em escolas de alto nível aqui no Brasil, o que vai elevar o nosso patamar. Isso vai ocorrer, principalmente, porque as bolsas fornecidas pela Capes têm a exigência de que o profissional permaneça no Brasil por um determinado tempo, o mesmo tempo de duração da bolsa.

Júlia Levy – A escola do SENAI é uma das parcerias que a gente fez entre prefeitura, SEC e FIRJAN.

Sérgio Sá Leitão – O foco da RioFilme é a cidade do Rio. Nós aportamos recursos para empresas inscritas no município do Rio. A lógica é que pelo menos parte do capital que é aportado pela prefeitura é originado pelo contribuinte carioca, então, a ideia é gerar renda e emprego aqui na cidade. Mas a gente tem participado de muitas produções que envolvem outras produtoras, nada impede que a produtora carioca se associe a produtoras de outras cidades, o que tem acontecido em até coproduções internacionais.

Os editais de valores baixos voltados para pessoa física não existem mais. O que mudou na política da SAV e o que está sendo priorizado nos editais?

Bruno Maceió – Na sua visão, quão urgente você acha que são esses editais?

Não que seja urgência, mas a maioria dos editais exige que você tenha uma empresa ou produtora, um CNPJ, e eu penso no caso de um animador independente que quer realizar um curta de animação com uma ideia simples. É um dinheiro que daria para ele trabalhar durante um ano nesse projeto, tranquilamente. A Secretaria tem algum tipo de intenção de relançar editais nesse formato?

Bruno Maceió – O nosso foco é fomento, é incentivo, não temos a intenção de priorizar pessoa jurídica sobre pessoa física. Se houver algum formato de edital, sugira. A sugestão está anotada.

Por que a RioFilme não usa sua força para ajudar a distribuição de curtas? A Warner faz, a Pixar faz, por que a RioFilme não abre essa nova janela?

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Sérgio Sá Leitão – A RioFilme, em 18 anos, investiu em 90 curtas. E temos uma nova leva de parceria com a SEC RJ. De fato, o mercado é pequeno. A sugestão pode parecer simples, mas é muito complexa. Quando você trata da distribuição de um filme, você está lidando com diversos interesses. Eu posso dizer que o nosso interesse nunca é o majoritário. Para que um curta seja exibido antes de um filme, é preciso que os exibidores concordem com isso, é preciso que os codistribuidores concordem, é preciso que os coprodutores do longa-metragem também concordem. Porque não dá pra você exibir o curta sem que o curta seja remunerado também, se você está participando ali de uma cadeia comercial. No caso da Pixar, Dreamworks, Warner Bros. e de quem costuma fazer isso com regularidade ou de vez em quando, é porque o curta é da própria produtora. E no caso do modelo americano, a produtora e a distribuidora são a mesma empresa, então você está falando, no final das contas, de tudo o que está sob a mesma empresa, e o interesse único torna a coisa bem mais fácil. Eu acho uma ótima ideia. Mas a gente precisa construir a oportunidade para tornar isso possível. Nós estamos fazendo uma experiência com o cinema que temos no Complexo do Alemão. Está indo bem, em seis meses de funcionamento foram 41 mil ingressos vendidos. Se a gente pensar que a população do Complexo do Alemão é de 67 mil pessoas, é um numero bastante significativo. Quer dizer que em um ano a gente vai ter ultrapassado a população local. Agora, nós vamos fazer uma experiência no Alemão. Antes do Harry

Potter, todos os dias, durante duas semanas, cada dia um curta será exibido duas vezes e os dois mais legais serão exibidos três vezes. O público é que vai escolher quais serão exibidos na sessão mais concorrida, que é a última. Vamos ver como o público reage e, dependendo da reação, a gente pode exibir outros. Nesse caso, como nós somos os exibidores, fica mais fácil. E a gente vai ampliar esse circuito. Há salas sendo construídas na Colônia Juliano Moreira, no Morro do Turano e na Vila Cruzeiro. A gente também concluiu agora um estudo para a ativação de sete salas de cinema antigas, no subúrbio, que estão desativadas. Na verdade, cinco estão vazias e duas têm um comércio cuja ideia é desapropriar, restaurar e fazer voltar a funcionar como sala de cinema. As salas são muito grandes, a menor tem 800 m² e nesse espaço você faz duas salas, fácil. Tem sala de 1600 m², que dá pra fazer quatro salas, enfim, vamos ver se a gente consegue expandir e aí vai ser mais fácil e possível fazer isso.

Qual a diferença, o grau de importância da animação em relação aos outros investimentos audiovisuais que as instituições, governamentais ou não, estão fazendo? E como será dada a continuidade em relação à produção de curta-metragem, de série pra TV e de longa-metragem?

Pedro Marques – No edital de cinema, nos últimos anos, a comissão de seleção tem pegado pelo menos três

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séries de animação por ano. Isso demonstra a prioridade que o Banco dá para o segmento. O orçamento do edital é de 12 milhões para longa, na linha de financiamento, que mescla reembolsável com não reembolsável. Já aprovamos quatro operações. As três séries de TV que estão rolando agora, que são Peixonauta, Meu Amigãozão e Escola pra Cachorro, em termos de montante de recursos, daria perto dos 10 milhões. Não é a cara do BNDES investir em curta, apesar de acreditar que o curta pode revelar muitos talentos. Série de TV é a prioridade e a gente programou algumas mudanças nessa linha. Por exemplo, reduzimos o mínimo, aumentamos o prazo de oito para dez anos e a taxa de juros é fixa em 4,5% ao ano. Melhor taxa de juros você não acha (risos). Agora, diferentemente do edital, o Banco vai querer o retorno desse empréstimo, não só receitas da série, mas receitas de licenciamento.

Júlia Levy – As linhas de financiamento ainda vão mais para empresas diretamente. Há duas empresas de produção que estão em conversa com a agência, mas não são empresas de animação. Temos um caso bem-sucedido de empresa de exibição que mudou praticamente todo o seu parque de exibição com equipamento 3D, dois anos atrás, o que teve um impacto muito grande no parque exibidor do Rio. Mas ainda não temos empresas de animação ou projetos de animação negociando essas linhas. Temos uma linha especial de

desenvolvimento para o nordeste fluminense, com juros de 2% ao ano, uma taxa melhor que os 4,5% do BNDES (risos). Mas numa área bem específica do Estado, que precisa realmente ser desenvolvida. A gente tem alguns mecanismos de fomento, como a Lei de Incentivo do Estado do Rio de Janeiro, que voltou a funcionar em 2009. O audiovisual representava, na antiga lei, 4% aproximadamente, e o que a gente fez foi rever os tetos de captação dos projetos. Hoje, um longa-metragem pode captar até R$ 1 milhão, eventos até R$ 1,2 milhão, série de animação até R$ 800 mil. Enfim, cada linha tem um teto de captação. Projetos transmídia multiplataforma têm outro teto e a gente foi adequando isso de acordo com as demandas. A Lei realmente passou por uma reestruturação enorme. E o audiovisual, que tinha um teto de captação para qualquer tipo de linha de R$ 270 mil, agora tem toda essa ampliação de tetos, passou do patamar de 4% de representatividade no total, para mais de 20%. A gente está avaliando os últimos editais - agora são dois editais anuais -, para analisar o quanto foi captado.

Sérgio Sá Leitão – No caso dos investimentos reembolsáveis da RioFilme, o percentual de animação é 10%. No caso dos investimentos não reembolsáveis, são 15%. Dá algo em torno de 7,5% do total do volume de recursos. A gente tem a diretriz de ampliar isso, nós fixamos internamente o percentual em 20% para

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animação, mas depende também dos projetos. Vou compartilhar com você uma questão como exemplo. Na linha de apoio a desenvolvimento de longas-metragens de animação, a intenção inicial era que a gente tivesse três projetos e nós acabamos conseguindo selecionar um só, por mérito. O critério foi o mérito. Então, às vezes, não basta a intenção, é preciso ter também os projetos. Nós achamos que em relação à animação, curiosamente, o número de projetos inscritos foi inferior ao que esperávamos. Essa é uma questão interessante para a gente rever.

Existem iniciativas específicas para promover a capacitação de jovens nas escolas de ensino médio?

Júlia Levy – A capacitação em que a gente tem investido, na verdade, não está só ligada diretamente à animação. A gente tem um grande programa de fusão e democratização em audiovisual que se chama Cinema para Todos. Dentro desse programa, feito em parceria com a Secretaria de Educação nas escolas do Estado, que são escolas de ensino médio, a gente tem as oficinas de vídeo-interatividade, que são oferecidas dentro das escolas, com alunos e professores, visando aperfeiçoar ao máximo os recursos que essas escolas têm, dando o mínimo de técnica. A gente teve algumas experiências que culminaram com o projeto de animação, e mesmo não sendo uma oficina de animação específica, os alunos acabaram indo para esse caminho. Além disso, todos esses filmes são veiculados nas escolas, com conexão no YouTube, e esses vídeos têm sido inscritos e selecionados em diversos festivais. Enfim, as escolas estão viajando. A ideia é a incorporação da linguagem audiovisual como auxílio aos professores no

ensino. A Secretaria também tem um programa chamado Biblioteca 2.1, cuja proposta é levar para dentro da escola diversas matérias extracurriculares. Enfim, não é só a animação que está em foco, mas trabalhamos também com ela.

Sérgio Sá Leitão – O Segundo Turno Cultural, um programa da prefeitura, oferece oficinas de sensibilização. O que procuramos é sensibilização, não é capacitação, para isso existe o projeto que a Júlia citou com o SENAI. A gente pegou uma situação ruim, então, a gente está reconstruindo a capacidade de fazer coisas. A capacitação é uma área em que precisamos entrar com força total. O Rio precisa de escolas de altíssimo nível para dar conta da demanda que virá com a Copa e com as Olimpíadas. Nosso próximo foco é esse. O que fazer com o que já existe? A discussão é complexa, a gente está começando a pensar. O Rio precisa dessa escola de alto nível e não apenas de animação. Para dar uma ideia, Londres já recebeu mais de 700 pedidos de filmagem que não têm a ver com a cobertura da Olimpíada. São produtores que vão apenas aproveitar o cenário. Fosse no Rio, hoje, não atenderíamos. A gente precisa atacar isso, certamente. Mas oferecer formação e capacitação em nível de excelência. A discussão é longa.

Júlia Levy fez um adendo sobre a necessidade de sensibilização para a linguagem audiovisual e avisou que há uma terceira etapa, que é a excelência plena.

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20 de julho quarta-feira Master Class I “STRATA CUT - Animação como Forma e Escultura: Os Segredos da Geometria e da Forma como Movimento Cinético ao Longo do Tempo” Por David Daniels

Em festa de criança, quem corta o bolo é rei. Pelo menos na cabeça de David Daniels, responsável pela primeira Masterclass do Anima Forum. Não, não foi um encontro qualquer. Os olhos e ouvidos atentos eram pouco. Com tranquilidade, bom humor e muita agilidade, ele mostrou que Strata Cut é capaz de provocar todos os sentidos.

Gênio. Essa foi a palavra que mais se ouviu durante toda a Masterclass. Ele pensa em tudo - animação, geometria, engenharia, combinação de cores, contraste, textura, silhueta dos personagens. A grande lição que ele deixou foi a da experimentação. Independentemente do que já existe, sempre é possível criar coisas novas. E surpreender.

“É uma honra estar aqui no Rio, no Anima Mundi, para compartilhar todo o trabalho que tenho feito durante tantos anos. O que vou mostrar para vocês nessa manhã é Strata Cut – algo com o qual me deparei na minha própria mente desde que tenho oito anos. Espero conseguir dar uma geral de como funciona e vou falar um pouco sobre a história – vou mostrar muitos clipes, fotos, e vou tentar demonstrar como se faz.”

“Tudo começa de forma muito simples”, ele começou como quem só vai fazer um rabisco. E o que veio a seguir não foi apenas uma aula sobre como animar e revelar blocos de massinha. Com vários blocos de massinha em cima da mesa, David deixou a plateia eufórica. E boquiaberta. Na tela, apareciam todos os cortes e as formas diferentes que iam surgindo a cada novo corte.

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O ângulo da faca

“Penso em Strata Cut como uma escultura muito precisa, que permite que a animação aconteça a qualquer momento. Os blocos de massa são cortados com uma faca, um quadro por vez, e cada forma diferente revela um diferente padrão de animação.”

David começou a fazer a demonstração de como os blocos de massinha são cortados e cada corte forma um quadro por vez. O corte não é aleatório. Desde a velocidade do corte até o grau do ângulo que a faca deve formar antes do corte, tudo é calculado. Se vai mais para frente ou mais para trás, qualquer variação causa um resultado diferente na tela. Geometria quase pura.

Com um olho na plateia, outro na massinha sobre a mesa, David seguiu a explicação. Com a mão na massa, literalmente, e o cérebro, não dava para saber bem por onde circulava.

David mostrou como um corte altera as imagens. De um cone, dependendo do corte, podemos conseguir várias outras figuras. Como um círculo. E foi o que ele fez. Na sequência de quadros, mostrou a animação do círculo.

“Isso é um cone, mas quando o colocamos de frente e vamos cortando como um círculo – um círculo bem pequeno vai se tornando um círculo enorme, como podem perceber. É feito um quadro por vez. Corto cerca de três milímetros (1/8inch) fora para cada quadro e a sequência vai revelar um círculo ficando cada vez maior.”

Um cone, quando cortado, é animado de forma muito simétrica. É um círculo é animado de forma exponencial, ele explicou.

Em seguida, uma pirâmide, que quando leva o corte vira um quadrado e esse quadrado vai aumentando. David prolongou os exemplos para mostrar que na medida em que se vai cortando, as figuras geométricas vão se alterando.

“Essa é uma pirâmide, como as egípcias. Faço a mesma coisa que fiz com o cone - o resultado é um quadrado cada vez maior.” •.Depois veio a demonstração de um exemplo mais complicado.“É uma caixa. Se eu cortar essa parte fora, o que vou fazer, a caixa vai virar um triangulo (demonstra). Não sei se dá pra reparar, mas se você cortar desta forma (demonstra), fica como um trapézio por um momento, no meio, depois se torna um triangulo novamente.”

David seguiu as demonstrações com uma forma

frequente em suas animações: um disco, que ele diz ser uma forma excelente em Strata Cut, pela rapidez, quase uma explosão.

O próximo passo foi a demonstração de uma bola quicando. David já animou incontáveis bolas quicando – “Quem nunca animou isso?”, brinca. Mas, a cada vez, o cuidado é o mesmo. Principalmente com a direção do movimento da animação. É preciso fazer a pré-distorção, uma antecipação da direção do movimento. David demonstrou a bola e as direções para onde ela vai. Para juntar, cortou cada lado para que a bola não ficasse achatada.

“Em Strata Cut, quando você anima em tempo, você não pode pegar um círculo como esse e cortar. Fica uma forma estranha - não é um círculo, é um ‘o’. Então, tenho que ‘pré-distorcer’ tudo, ver como fica, e tentar arrumar, meio que como uma antecipação de como vai ser quando se mover. Então, muito do que farei hoje é essa pré-distorção, e antecipação da direção da animação.”

É preciso usar o ângulo certo, pois ele pode alterar a forma e a direção da animação.

“Não é apenas a forma como você esculpe. Depende também da maneira como a escultura é cortada, o ângulo. É uma combinação. Se você corta o mesmo objeto através de um angulo diferente, o resultado é uma figura completamente diferente.”

É preciso pensar antes, planejar o que se quer com a figura. David comparou o processo com uma técnica de cerâmica muito antiga chamada millefiore, conhecida nos EUA como fimo-bits e mostrou várias fotos para reforçar a semelhança.

“Vocês, provavelmente, já viram esse tipo de trabalho em algum lugar. É bem parecida com o que eu faço, a diferença é que não se move. As técnicas de construção são bem parecidas, mas não há animação alguma. Em millefiore, você quer fazer a figura perfeitamente. No Strata Cut a ideia é o oposto, as aberrações que aparecem são meio que minha intenção.”

David disse que enxerga a ideia da Strata Cut em qualquer lugar da natureza. Ela acontece em qualquer lugar. Tudo o que pode ser cortado, na vida, pode ser animado. E mostrou várias imagens para confirmar como se pode reconhecer a técnica no dia a dia. Ao passar as imagens no telão, ele ia pontuando:

“Essa é uma banana, isso é um morango, isso é definitivamente uma laranja, isso é um pêssego, e isso é um abacaxi - que eu comi no café da manhã, por acaso

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-, isso é um melão - olhem as curvas que vão até as sementes, como são bonitas. Isso é muito interessante porque serve para ver que o Strata Cut está realmente em qualquer coisa na vida.”

Enquanto mostrava as imagens, David também contou como vieram suas primeiras ideias a respeito de Strata cut.

“Meu primeiro ‘contato’ com o que viria a ser Strata Cut foi quando eu tinha oito anos. Eu ficava montando argila com as minhas duas irmãs em uma mesa enorme. E houve um aniversário, não me lembro de quem, e fizemos um bolo de argila. E quando cortamos, as camadas ainda estavam ali e eu pensei ‘uau, isso é muito legal, o que posso fazer com isso?’. Tive de esperar até fazer 21 anos, porque eu não fazia ideia do que podia fazer com aquilo, mesmo que parecesse muito legal. Até lá estudei muito e aprendi o suficiente para, com 21, poder sentar e pensar nos ângulos, nos cortes, e entender.”

De volta ao Strata Cut, ele disse que se pararmos para pensar, a técnica está em tudo o que vemos. Na natureza, poderia ser feita até com uma escavadeira gigante. Em seguida, exibiu O2, uma compilação.

Buzz Box

Aos 21 anos, David finalmente começou a descobrir como fazer o que tinha em mente. Isso foi na CalArts, quando ele fez o filme chamado Buzz Box, em 1985. Antes de exibir, ele avisou:

“É um filme bem longo, tem cerca de 15 minutos, então quero preparar vocês. Ele prende a atenção, e é justamente essa a intenção. É uma filosofia de sedução e abuso, em que o Strata Cut tenta seduzir você porque é bastante hipnótico, e as imagens quase machucam você visualmente porque são muito confusas e agressivas.”

Em Buzz Box (quem ainda não viu pode buscar no YouTube) é mais que um experimento em Strata cut. É uma viagem por imagens embutidas em blocos de massinha. Por que em Strata Cut em vez de usar imagens reais é a pergunta que David ouve muito costumeiramente. Ele explicou a opção:

“É algo com a estética. O Strata Cut leva você para um mundo diferente, que você não conhece. A estética seduz. Senti que essa seria uma maneira de tirar o espectador do mundo real, das imagens reais, e é interessante observar a reação. Quando fiz Buzz Box, as pessoas achavam muito rápido. Elas viam e diziam ‘oh, isso está indo rápido demais!’ e hoje dizem ‘oh, ok’.(risos)

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E hoje, vendo, parece meio que como todo o resto. Então, você tem que colocar no contexto, esse vídeo já tem quase 27 anos.”

Depois da exibição e dos aplausos, David agradeceu, brincando, por ninguém ter ido embora, e explicou:

“A raiva que está nesse filme está aí porque é o que o ambiente no qual o fiz me proporcionou – brincou. Na época, eu estava vivendo no estacionamento da CalArts. E em um cômodo muito, mas muito pequeno, barulhento e quente. O filme foi feito sob essas condições”(risos).

David mostrou o acetato do filme 26 anos depois, além de vários outros acetatos, inclusive seus favoritos. E mais fotos, desta vez do estacionamento da CalArts, onde morou enquanto fazia o filme. Buzz box foi todo feito manualmente, como David prefere até hoje.

Mais um vídeo, um comercial que fez em 1999, no qual experimentou animação com rotação de objetos.

“Eu queria fazer formas girando. Não havia feito em Buzz Box, então queria tentar. Prestem atenção na banana (no vídeo há uma banana tocando bateria). Eu queria mexer com rotação de objetos e quis começar com a coisa mais complicada que imaginei (risos). Acho que essa foi a primeira animação com objetos assim que fiz. Digo, na verdade, há um globo girando em Pee Wee’s Playhouse, aquela deve ter sido a primeira que fiz. Essa aqui é a segunda.”

Depois ele exibiu Journey Through a Melting Brain (Viagem por um Cérebro Liquefeito), uma colagem que reúne trabalhos desde 1987, que vão desde “Pee Wee’s Playhouse” e “Big Time”, do Peter Gabriel, a “Gary and Mike’s Acid Trip” (de 2000) - que ele considera um dos melhores trabalhos que já fez. Deu para ver o tal globo, a primeira rotação que ele tentou.

“Vocês viram o episódio do Cristóvão Colombo... Havia o telescópio e uma animação dentro dele. O telescópio era um tubo que foi pré-cortado e reaplicado. Foi muito difícil de fazer – hoje, provavelmente seria muito mais fácil, com as técnicas mais modernas, mas naquela época era bem complicado. Acho que a ideia de reaplicar Strata Cut por cima de objetos já modelados é bem interessante. Dá pra ver ele descobrindo o Haiti, não a América.”

Ao longo de toda a masterclass, David, que contou com a ajuda da mulher, no palco, fez várias demonstrações de possibilidades de Strata cut. Como o nadador, que ele tentou animar para ressaltar o movimento, as expressões do rosto.

“Você pode ter um movimento quase retrógrado, uma curva muito grande, quando levanta o braço”, ele explicou enquanto demonstrava no telão.

Com o mesmo exemplo, David falou sobre como fazer o bonequinho caminhar. Uma parte relativamente difícil, ele disse, tentando também fazer a cabeça do bonequinho girar.

David mostrou o ciclo de uma caminhada dentro do espaço, uma perna cruzando a outra. E ensinou uma forma de imaginar: se você tem uma perna numa direção, a outra tem de desaparecer. É preciso acrescentar o movimento secundário, ele mostrava.

O próximo vídeo que David exibiu foi Freaked. Se Buzz Box já tinha um quê psicodélico, o ritmo frenético de Freaked consegue ir além. E levou apenas quatro semanas para ficar pronto. O processo pode ser muito rápido, David acentuou.

David exibiu algumas das peças que já produziu. Mas muito do que já fez se perdeu, pois as peças não duram muito. Com o tempo, sempre mudam a forma. Uma delas, usada em Gary and Mike’s Acid Trip, pesava cerca

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de 300kg e tinha quase 3 metros de comprimento.

“Era como se tivesse um cadáver na minha casa. (risos) Precisei de um transporte para levar para o estúdio, para não quebrar. E eu fiz isso no avião. Estava num vôo entre NY e Los Angeles - foi antes do 11 de Setembro, então me deixaram carregar uma faca – e fui cortando a massa durante o vôo porque precisava fazer aquilo a tempo. Esse é o último pedaço que tenho. O resto foi jogado fora ou sumiu.”

A rotação

David mostrou o princípio da rotação a partir de uma versão de uma bola de basquete girando. Para girar um globo, faria uma forma dentro de forma, com atenção para a curvatura de cada uma. Ele usou a massinha e demonstrou como faz uma forma curvada. E prosseguiu com a demonstração de como embutir coisas no meio dos objetos que estão girando.

David mostrou, entre os trabalhos, cabeça em movimento, rosto com linhas expandindo para fora, imagens para explicar como as camadas são sobrepostas, o passo a passo da construção do rosto, movimento de da boca. A certa altura, teve de desenhar para que as pessoas entendessem do que ele estava falando. Depois fez uma sequência de montagens:

- Um olho para mostrar a rotação e o olho piscando.

- Um olhar com ar “suspeito” para exemplificar a rotação da íris.

- A massinha pré-moldada para mostrar lábios em movimento (os lábios dizem “obrigado”).

O desenho também foi um recurso utilizado quando ele tentou mostrar a massinha pré-moldada do nadador, o que ele conseguiu fazer no final, mas com as próprias mãos.

Esculturas

David disse que nunca usa computador para fazer as animações. Tudo na cabeça dele é analógico. Muito do que ele mostrou foi feito, inclusive, antes mesmo da computação gráfica.

“Achava engraçado que as pessoas olhavam meus trabalhos e diziam ‘oh, isso é animação feita no computador!’ Em 2000. Nunca utilizei o computador para me ajudar. Pode ser útil, mas minha cabeça continua funcionando analogicamente. Comecei de forma analógica.” (risos)

A afeição e o entusiasmo de David estão na escultura.

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Em um escultor, em particular, Peter Jansen, sobre quem David fez questão de ressaltar:

“Ele é um dos meus artistas favoritos, é um escultor, e ele esculpe, literalmente, pessoas em várias posições. Um jeito de fazer isso é, bem rapidamente, desenhar seus quadros-chave, cortar, colar em outro pedaço de papelão e começar a empilhar essas peças. Você começa numa espécie de engenharia reversa, a decidir como a forma vai fluir. Você acaba educando seu cérebro para pensar dessa forma, é uma questão de tempo.”

David exibiu o clipe de Big Time, de Peter Gabriel, e a plateia já adiantou perguntas.

Controle do tempo a partir do tamanho da peça

Se a peça for muito grande, será mais lenta. Quanto menor, mais rápida será.

Sobre imaginação e formação acadêmica

Minha mãe disse que quando eu tinha um ano, eu já era muito concentrado, passava uma hora observando as coisas. Depois eu comecei a pensar nos cortes. Comecei com um círculo se transformando num cone, como mostrei no começo. A transformação de uma forma em outra. Fui à Universidade de Cinema em San Francisco. Pensei no corte quando vi um bolo de massinha sendo cortado, ainda criança. O que se pode fazer com isso? Aquela experiência foi marcante. Aos 13 anos, ganhei um concurso. Ainda está em filme, preciso digitalizar. Saí de San Diego para NY. Pensei ‘uau, esse

negócio é bom, pode me levar a algum lugar’. E comecei a descobrir, experimentar, fiz cortes em esculturas. A limpeza do corte é o que me empolga.

O material

Sobre o material, basicamente, é massinha a óleo de plasticina. Com carbonato de cálcio, que é esbranquiçado. Um material que tem em nossos ossos e, dizem, não é tóxico. Isso não desmancha como massa de argila. A melhor maneira de preservar é usar cerâmica. Conservar leva mais tempo que para fazer.

Quanto tempo demora em construir uma peça?

Depende muito da peça. (mostra uma peça média) Essa aqui eu levei cerca de quatro horas para fazer. Mas antes eu passei cerca de uma hora planejando. E no meio percebi que havia feito besteira, então tive de refazer. Acho que no fim das contas levou umas cinco, seis horas.

O palco ficou um caos, David brincou. Ao encerrar, ele deixou um recado para quem quer experimentar Strata Cut: “Criem suas próprias coisas. Vocês podem fazer experiência em Strata cut. É uma questão de educar o cérebro e se habituar a pensar nisso. Desenhe, corte, cole na cartolina.”.

David deixou o material disponível na mesa. Não faltou gente disposta a pegar um pedacinho que fosse. Genialidade a gente não encontra assim facilmente. Quando pode, leva para casa.

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20 de julho quarta-feira

Mesa-redonda - Animação para Exportação Como se estruturar para enfrentar as demandas do amplo e competitivo mercado internacional? Participantes - Becky Bristow, Kevin Geiger (presidente & CEO da Magic Dumpling Entertainment), Wen Feng (VP de Criação da Magic Dumpling Entertainment), Reynaldo Marchezini (CEO da Flamma Films)

Uma mesa formada por gente que fez a animação ultrapassar fronteiras e continentes. Com três interlocutores estrangeiros, o Brasil foi representado, na segunda mesa do Anima Forum, por Reynaldo Marchezini, responsável também pela mediação.

Cesar Coelho apresentou o mediador como pioneiro da articulação do movimento que está começando agora e que se espera que frutifique: a produção de séries brasileiras. “É um colaborador muito querido, muito importante dentro do Anima Forum e um cara que tem uma experiência enorme nesse meio”, disse Cesar.

Marchezini saudou o público, anunciou que daria um panorama da animação no Brasil nos últimos anos e o que é preciso fazer para que ela se mantenha firme. Para começar, apresentou os participantes da mesa e disse que, a exemplo do Anima Mundi, muitas iniciativas estão provocando uma mudança importante no cenário da animação brasileira. A começar pela quantidade de crianças no saguão.

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“A gente costuma ir para outras feiras, no exterior, mas como é bom ver um monte de criança no saguão, brincando com animação. E isso dá uma energia diferente, principalmente no meu caso, porque a Flamma é focada em animação para crianças, a gente trabalha com um público de três a 15 anos. Então é bom, não só ver executivos e produtores executivos, mas também ver o nosso público realmente apaixonado por animação.”

Quem é animador na plateia? Marchezini perguntou, e muitas mãos se levantaram.

“Então, olha quantos animadores temos aí... Produtores? Podem ser os dois. Estudantes? Também temos vários estudantes e é muito bom ter estudantes em painéis de negócios, porque a animação, como produto e como indústria, precisa ter a visão de negócio. É uma das coisas que o Brasil mais precisa desenvolver.”

Desde a estreia de Princesas do Mar, no Discovery Kids, o que aconteceu em março de 2008, muitas coisas mudaram, disse ele, ao recapitular sua última participação no Anima Forum, em 2007.

“2007 foi um ano antes da estreia de Princesas do Mar. Lá, se falava sobre ‘qual a expectativa’ e ‘o que ia acontecer’ na animação. Estávamos começando a falar de Princesas do Mar, do Peixonauta. E, agora, a gente está num momento que se pode começar a fazer uma análise dessas primeiras séries, compartilhar com vocês os acertos e, principalmente, compartilhar os erros. Essa é a grande vantagem de escutar os cases anteriores.”

A primeira barreira já foi superada. O Brasil, continuou Marchezini, já mostrou que é capaz de produzir séries de animação para TV, fazer coprodução. A pergunta que se deve fazer é ‘e agora?’ O que é preciso fazer para manter e desenvolver esse mercado?

Para ilustrar o percurso da animação nos últimos anos, Marchezini contou um pouco da sua história pessoal.

“Eu fundei a Flamma em 2004. Durante nove anos, antes da Flamma, eu trabalhei para estúdios estrangeiros, ou na parte de distribuição ou na parte de licenciamento. Trabalhei pra Disney, para a BBC, para a Nintendo, e, em 2004 eu resolvi: ‘ok, vender essas séries do estrangeiro aqui é bacana, eu sempre gostei disso’, mas eu queria estar muito mais envolvido com a criação do conteúdo desde o começo. A Flamma nasceu dessa vontade e tem um propósito muito claro sobre o tipo de conteúdo que quer desenvolver: um conteúdo para criança e para jovem, que vá além do entretenimento.” Reynaldo falou do que Princesas do Mar representa, já

que foi a primeira coprodução de uma ideia brasileira transformada em série de animação. Foram produzidas duas temporadas de 52 episódios de 11 minutos, num total de 104 episódios.

Por que exportar animação?

Quando o assunto é exportação, é preciso falar de orçamento, porque o que está em jogo, além de talento e competência para realizar, são números e negócios.

“Por que a gente precisa exportar animação? Porque a série custa, a cada temporada, sete milhões de dólares. Então, são 14 milhões de dólares para produzir essa série. E, na hora que vocês vão tentar vender para os canais aqui no Brasil, vocês vão ver que não dá para fechar essa conta só aqui. E isso não é só para nós, é para a grande maioria dos países.”

É preciso, portanto, pensar em animação como um negócio global, enxergar as várias janelas possíveis para recuperar o investimento, como a venda para a TV a cabo, para a TV aberta, para home vídeo, para licenciamento. E não apenas em um único país, mas em vários países.

Lógicas para a exportação

Princesas do Mar é um exemplo que motiva a continuidade, ressaltou Marchezini. A série já chegou a 128 países. “A gente fala de animação de exportação, e o motivo racional de exportação é que não dá pra pagar os custos vendendo para um único país. Mas o motivo emocional é que a gente, na verdade, quer contar nossa história para o maior número possível de pessoas, então a gente fica muito feliz de saber que tem 128 países, crianças de nacionalidades muito diferentes assistindo e escutando as nossas histórias das Princesas do Mar, que tratam sobre diversidade, sobre ecologia.”

Para chegar a tantos lugares, a série passou por uma pré-venda, fase em que é feita a venda antes do início da produção, uma forma de atrair o canal de TV, a convencê-lo a apostar numa ideia. O dinheiro entra e, além de financiar, o canal passa, também, a dar opinião editorial sobre a série.

“Eu acho que o que está faltando no Brasil é a TV aberta começar a participar mais desse processo, começar a arriscar mais nos projetos antes deles serem feitos. A nossa televisão está muito acostumada a comprar séries já prontas. Agora, pré-comprar uma série significa desenvolver uma experiência de avaliar projetos e de

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começar a construir.”

A Flamma está envolvida com a supervisão de arte e a consultoria para a animação de O Sítio de Pica-pau Amarelo. É a primeira vez que a Rede Globo vai produzir uma série de animação através da produção independente. Um grande passo.

“É um momento muito importante, porque se a gente conseguir mostrar para o mercado, no caso, para a Globo, que é a principal, isso vai repercutir nas outras emissoras, mostrando: olha, o caminho para a TV aberta brasileira ter animação, ter conteúdo infantil, é através da produção independente.”

Com isso, será possível quebrar o modelo vigente no Brasil de que o canal de TV tem de produzir absolutamente tudo, o noticiário, a novela, o esporte.

“E se a gente quer crescer como indústria de animação, e a gente usa muito o Canadá como referência, a gente precisa de produção independente. E produção independente não é só boa por causa disso, mas também porque areja, dá diversidade de ideias, de estilos de linguagem. E eu acho que nisso todo mundo sai ganhando.”

A história de Princesas do Mar é um bom exemplo. “Se em 2007 a conversa era sobre uma série que iria estrear e ninguém sabia que tipo de resultado teria, em 2011, a conversa é sobre uma série que chegou a 128 países e tem 190 produtos licenciados.”

O licenciamento

Um componente muito importante para financiar uma série, o licenciamento abre janelas que podem facilitar as negociações em torno da produção de uma série.

“A oferta de recursos para financiar séries diminuiu em alguns países devido à crise econômica, então vai ser interessante a gente discutir o que é que os países estão falando sobre financiar série.”

A lista de cinema de animação brasileira já tem alguns títulos. No caso das séries de animação de televisão, já existe uma lista considerável. Marchezini exibiu imagens de alguns projetos que já vingaram: Meu Amigãozão, Escola pra Cachorro, Peixonauta, Tromba Trem, Carrapatos e Catapultas.

Quando é que o Brasil vai transformar a animação em indústria?

“Eu acredito que a animação tem várias possibilidades,

mas a conversa aqui é: se o Brasil quer ter empresas de animadores e profissionais envolvidos com animação, como nós vamos estruturar essa indústria no início? E fazer essas escolhas no início é muito mais importante do que tentar reajustar depois, que em minha opinião é o caso de alguns outros países que se posicionaram com a venda de mão de obra de animação e agora tentam dizer ‘nós somos os países que criamos conteúdo’. Eles já estão, de certa forma, marcados como países de força de produção, mas não são tão visto como de criação de conteúdo.”

O Brasil ainda não está em nenhum dos grupos. E isso pode ser uma desvantagem, mas pode ser uma oportunidade. E a oportunidade é qual é a escolha que vai ser feita, se o que se quer é ser visto como um player no mercado de animação. As empresas que criam suas ideias próprias, disse Reynaldo, são as que têm o maior retorno, uma vez que ficam com a prioridade intelectual.

“É um pouco do que todo mundo quer fazer em vários países. Acredito que o Kevin vai falar sobre isso na China, da criação do conteúdo local para outro território ou país. É o desafio de mostrar para o mercado internacional que nós somos capazes e que temos essa competência instalada.”

As séries Princesas do Mar, Amigãozão e Escola pra Cachorro começam a mostrar o que Reynaldo chama de track record.

“O Anima TV é um programa que eu considero um sucesso em vários aspectos, mas acho que o seu case inicial poderia ser melhorado, tem o mérito em 18 empresas que se associaram a autores, que fizeram os seus pilotos e dois deles, Carrapatos e Catapultas e Tromba Trem, produziram 13 episódios. Então passaram por essa experiência de produzir uma série.”

Para desenvolver a indústria, é preciso ter a complementaridade.

“Hoje a gente começa a construir esse track record, e quando a gente tem um stand do Brasil no Mipcom já começa a mostrar as séries que o Brasil tem feito, e isso ajuda a todos.”

Ter história faz diferença lá fora. Mostra que a já existe uma experiência diferente da animação publicitária.

Marchezini lembrou que, quando estava pesquisando para montar a Flamma, visitou vários estúdios de animação. E constatou que 99% viviam de animação para publicidade.

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“Não tem nada de errado com isso, mas fazer 30 segundos de animação é muito diferente de fazer 52 episódios de 11 minutos. E aí, a gente está falando de processo, de gestão. No Brasil, a viabilidade, a forma como a gente está estruturando para tornar a série de animação possível ainda está muito estruturada no que a gente chama de fomento e incentivos de mecanismos fiscais que o governo dá. Isso é importante e tem que continuar. A gente tem as leis de incentivo, a PL n.116, que pra quem não sabe está em discussão no Congresso e no Senado se as TVs a cabo devem ter uma cota obrigatória de produção independente brasileira, e cota e sempre um assunto polêmico porque vem a questão se é o mérito ou a obrigação, mas eu costumo lembrar que todos os países que são fortes em animação têm os seus mecanismos de proteção e de incentivo.”

A própria Princesas do Mar, pelo fato de ter o estúdio Netuno como um de seus coprodutores, é considerada conteúdo europeu, e isso foi decisivo pra fazer uma pré-venda para a Alemanha. Isso é importante para o parceiro que, no futuro, queira entrar aqui e se associar com produtores locais. Mas o nosso mercado ainda precisa equilibrar oferta e demanda.

Quando fez o pitching da série, Marchezini ouviu dos australianos: onde você vai fazer a animação de Princesas do Mar? No Brasil, ele respondeu. E quantas séries o Brasil já animou? De 52 episódios? Nenhuma.

Marchezini não conseguiu vender o Brasil como local de produção de animação.

O animador tem de mostrar a sua cara

Marchezini ressaltou a importância da participação em feiras e eventos internacionais, citou o programa Brazilian TV Producers como um incentivador. O relacionamento é parte fundamental para o próximo estágio da animação.

“O que eu sinto é a falta do investidor na empresa. A gente tem uma herança do cinema, do investimento e da lei de incentivo para o projeto, que é visto como o angariador de recursos. Eu imagino que o próximo estágio é essas empresas de animação terem investidores, terem o capital de risco na empresa e não num único projeto, porque senão a empresa fica sempre com a questão “puxa, e se o meu próximo projeto não emplacar?’ e a curva de tempo, como vocês podem ter percebido em Princesas do Mar, é muito longa.”

O pitching de Princesa do Mar foi feito em 2004. O prazo médio no mercado, para levantar o dinheiro para produzir uma série, é de dois anos, o que é padrão no mercado. Marchezini falou do tempo que Princesa do Mar levou até chegar às telas.

Marchezini disse que, por conta dos nove anos em que trabalhou em estúdios, sabia para quem deveria mostrar

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o projeto de Princesas do Mar. Fez o pitching para 25 pessoas. Quatro fizeram proposta, ele fechou com os australianos. O fato de conhecer as pessoas e as empresas fez muita diferença. E faz diferença para quem pensa em animação como negócio de longo prazo. Comercialização Princesas do Mar precisou de um ano e cinco meses para levantar os primeiros U$ 7 milhões para produção. Mais 18 meses para que uma temporada ficasse pronta. “Fazendo a conta, vocês vão ver o tempo que isso leva. E para uma empresa sobreviver nesse tempo tem de ter outros recursos.”

O que um estúdio faz pra se manter nesse período? Ele tem atividades paralelas? Ele tem um estúdio de animação? Ele faz publicidade?

Um dos maiores aprendizados que teve com a Flamma foi não pensar m uma fila indiana de projetos. É preciso ter vários projetos em estágios diferentes de desenvolvimento. É assim que se faz a máquina rodar.

“Eu sei que é difícil, porque muitas vezes as empresas são pequenas e as equipes restritas e muita energia é colocada num projeto até que ele realmente dê certo. E aí você pensará ‘enquanto esse não der certo eu não vou desenvolver nenhum outro’. Esse é o erro que

cometemos e que estamos corrigindo agora.”.

Marchezini mencionou o caso do Sítio do Pica-pau Amarelo como um exemplo de que podem começar a surgir, também, coproduções nacionais. A coprodução internacional é importante para dar experiência, complementaridade, distribuição. Mas para se desenvolver como indústria, o mercado nacional também tem de estar aquecido.

Onde estão as TVs abertas?

“A gente fala de exportar, mas também tem que vender pra TV. Aliás, é muito comum ouvir a pergunta nas feiras: por que o seu projeto ainda não tem um canal do Brasil junto dele? La fora é quase uma coisa inconcebível um estúdio ou uma produtora ter um projeto que não está sendo apoiado ou não ter um canal de TV interessado. É porque não temos essa cultura de um canal de TV arriscar mais no nosso trabalho.”

Para exportar, é preciso ter essa meta desde o início.

“Você tem que ter o pensamento de exportação desde o começo, quando você se junta com um canadense ou australiano já está pensando na estratégia de exportação.”

O conteúdo para exportação

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A discussão é antiga, segundo Marchezini. O conteúdo é local, mas tem de ter um tema universal.

“Eu acredito que, como indústria, temos de pensar num produto que seja exportável. Que seja apreendido por plateias de outros países. Isso não quer dizer que elimina o nosso conteúdo brasileiro, mas a gente tem que achar um jeito de contar essa história de forma que outras plateias possam absorver.”

O próximo passo

Do que a animação brasileira precisa? Segundo Marchezini, amadurecer, gerir e diversificar.

Amadurecer significa capacitar. E não apenas animadores, mas também roteirista, produtor executivo, e outros cargos igualmente importantes. A indústria não é feita só de animadores.

“Animadores dão vida à arte, mas se estamos falando de negócios, há um trabalho coletivo. E se queremos que o Brasil se posicione como criador de suas ideias e histórias, precisamos de roteiristas. Por isso, defendo muito que o Brasil precisa criar mais roteiristas com experiência em animação infantil. Se a gente capacitar essa turma toda, a gente vai ter mais experiência no mercado e essa experiência tem que ser compartilhada de volta, daí a importância do Anima Mundi, do Anima TV.” Compartilhar e capacitar para amadurecer.

As empresas precisam de investidores. Desenvolver a cultura do investidor na empresa pode levar o negócio a outro patamar.

“Quando você faz um pitching em 2004 e ele só chega a 128 países em 2011, quando é que você encontra as pessoas que estão dispostas a investir dinheiro na empresa e acreditar nela durante todo esse tempo?”

Esse é um novo desafio do qual não se falava lá atrás, lembrou Marchezini. E essa é uma pauta para a animação: o investidor para a empresa e não apenas para um projeto. E se houver investidores, serão necessários gestores de pessoas.

“Fazer uma coprodução com a Austrália, Espanha e com qualquer outro país significa conviver com uma cultura diferente, com processos diferentes, durante quatro a cinco anos. E para isso é preciso ter gestão, ter projetos. Às vezes, essas palavras assustam os animadores, mas a gente precisa disso para criar a indústria. E, obviamente, a comercialização. E aí entra a história da distribuição.”

Formação é absolutamente fundamental, você tem que conhecer os broadcastings, os canais de TV, você tem de saber com quem vai conversar. Que tipo de animação, que tipo de estilo, o que aquele canal exibe.

“Entra no site, vê a programação, nunca faça o pitching de um programa pra um canal que não tem nada a ver com o seu produto, senão você queima a sua imagem.”

O exemplo do cinema

Marchezini comentou que, no começo do ano, ouviu uma palestra do diretor José Padilha, do Tropa de Elite, na qual o diretor falou sobre a diferença entre a distribuição das duas versões do filme. No primeiro, fez a distribuição tradicional. Já no segundo, fez a distribuição própria.

“E eu concordo perfeitamente com o que ele falou, que nos EUA o distribuidor (Disney, Paramount, Universal) fica com o dinheiro, mas nos EUA, o distribuidor é quem corre o risco, porque é ele quem coloca o dinheiro para fazer os filmes. Aqui, o risco é do produtor: ele tem de fazer o projeto, tem de aprovar na Ancine, tem de bater nas empresas, tem de levantar o dinheiro, viabilizar, fazer toda a produção, e a receita da bilheteria vai para o distribuidor. Ele faz toda uma contabilidade e o seu risco não é proporcional.”

A animação, portanto, também tem de incorporar o conhecimento de distribuição. A animação também precisa de diversidade. Se o cinema, segundo ele, carece de falta de diversidade, de temas, principalmente, carece de técnicas, de linguagem, é bom aprender a lição. E evitar que isso ocorra na indústria de animação.

A diversidade também promove a indústria. Se todo mundo fizer o mesmo trajeto, não há diversificação e isso não cria uma indústria rica.

“Eu falo de empresas de 2D, de 3D, de stop motion, empresa que faz para adolescente, para televisão, para novas mídias, para aplicativos do IPad, que faz curta metragem. Se quisermos nos posicionar, teremos que ter criadores de propriedade intelectual, que poderão contratar as próprias empresas brasileiras para fazer animação. Então, essa complementaridade também vai surgir se a gente tiver uma indústria diversificada em temas, público e plataformas.”

E tudo isso foi só a introdução à conversa! (risos)

Kevin Geiger

Presidente da Magic Dumpling Entertainment, Kevin

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Geiger começou agradecendo pelo convite para participar do Fórum. Pediu desculpas por não falar português, disse que estar no Rio é um prazer e uma honra e brincou: havia tomado duas caipirinhas no almoço e uma no café da manhã. O suficiente para garantir inspiração. (risos)

Kevin disse que ficou impressionado com as conversas que teve pela manhã, no Anima Business. Ressaltou o nível de empolgação e paixão dos animadores brasileiros pelo que fazem e, principalmente, a qualidade única do que viu. Ainda que haja limitações impostas pelo mercado, o nível da criatividade é alto. Foram palavras de encorajamento:

“Vocês precisam ter mais confiança no trabalho dos animadores brasileiros, pois existe uma qualidade internacional (na animação) no Brasil.”

A seguir, Kevin fez uma apresentação sobre a Magic Dumpling Entertainment. Enquanto mostrava no telão as imagens da companhia, explicava o seu surgimento.

“A Magic Dumpling é uma companhia relativamente recente, nós a fundamos em Beijing, em 2009. Nosso foco é desenvolvimento de conteúdo para animação. Não somos um estúdio de produção. O nosso modelo de negócio é desenvolver conteúdo para animação, design, histórias.”

A companhia trabalha em parceria com estúdios na China e em Taiwan e atua em duas frentes: a produção de conteúdo para a animação e também presta consultorias e faz projetos para alavancar negócios na área de animação.

Kevin ressaltou que ainda há muito por fazer, no mercado chinês, e apresentou os três cofundadores/proprietários da Magic Dumpling. Todos vivem em Beijing e formam uma espécie de triângulo internacional: Kevin é de Los Angeles, Yi Yan é um renomado roteirista natural de Beijing, e Wen Feng é de Taipei.

Ao falar de sua trajetória pessoal, Kevin contou que passou de um artista abstrato, entrou na computação gráfica e se tornou animador. Depois de 12 anos de trabalho para a Disney, rodou pela Europa, Oriente Médio, até que chegou à China, onde está desde 2008, solidificando sua experiência como produtor de filmes independentes.

Wen Feng

Vice-presidente de desenvolvimento criativo da Magic Dumpling Entertainment, comparando com Kevin, ela brincou, tem uma trajetória bem mais curta. Mas, similarmente, também começou com filmes independentes. Ainda na faculdade, fez filmes

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experimentais, testou diferentes materiais, descobriu o que realmente gostava de fazer.

“Eu realmente sou apaixonada por animação. Hoje pela manhã (no Anima Businnes) lembrei-me das razões que me levaram a escolher essa carreira. Foi basicamente porque eu acho que a animação permite que nos expressemos de diferentes maneiras.”

Com interesse pela arte na educação, Wen fez as animações Best of Both Worlds, que foi exibida pela Beijing Television (BTV), e Scientific Story of Little S, que foi comprada pela emissora China Central Television (CCTV).

“Recentemente, eu passei a lecionar na Academia de Filmes de Beijing, escrevi livros, e me foco mais em desenvolvimento para mídias diferentes, como TV, cinema, e conteúdo online.”

Sobre como fazer o próprio filme atingir o mercado internacional, Wen disse que os produtores americanos não precisam pensar nisso, já que são naturalmente internacionais. Mas, para os chineses, essa ainda é uma questão a ser pensada.

O que é filme chinês hoje? É algo que qualquer ser humano possa entender e adorar. “Penso nos filhos dos meus vizinhos. Queremos que o público chinês goste e se identifique. Queremos que o nosso filme seja identificado. Nossas histórias, nossas cores, nossa cultura”, disse Wen.

Kevin retomou a palavra e disse que o mercado internacional de animação representa o Santo Graal, a Terra Prometida. Sucesso é ter um filme, uma série de TV ou online, que seja assistida por todo o mundo e, é lógico, que traga retorno financeiro do mundo todo. A animação tem essa possibilidade. Tem apelo forte.

A animação, segundo Kevin, passa por todos os quadrantes demográficos e, naturalmente, leva licenças de promoção e merchandising, o que gera a receita necessária se não para gerar lucro – que é o propósito –, pelo menos fechar as contas.

O potencial de mercado está em expansão.

“Cada região da china tem suas particularidades. A china é o mercado de animação que cresce mais rapidamente no mundo. Um dos mais agressivos e lucrativos, já é o segundo mercado de 3D no mundo atrás dos EUA. Kung Fu Panda foi exibido em mais salas 3D na China do que nos EUA.”

Há desafios mundiais, como a pressão sobre orçamentos e retorno de produção.

“Na China, em particular, há desafios como animações de baixa qualidade, foco em quantidade ao invés de qualidade, o que pode, em nossa opinião, desgastar as possibilidades para o país. Vemos sinais de mudança, mas tem sido lento. Há estúdios locais que querem melhorar, mas não sabem como. E estúdios estrangeiros que receiam de por seus pés lá e se sujarem, ou ficarem sem pés.” (risos).

Kevin ressaltou que, quando fala de mercado internacional, há duas vertentes a serem consideradas: o insourcing (nos EUA, outsourcing), e a propriedade intelectual.

“Insourcing traz receitas externas em curto prazo, você pode aprimorar tecnologias e competências, pode construir relações com estúdios internacionais. Mas é algo de baixo risco e baixa recompensa. Você pode rapidamente perder seus clientes para quem cobrar menos. Há muita comparação com pessoas que podem fazer o mesmo mais rapidamente e a um custo mais baixo.”

A propriedade intelectual é um caminho mais vantajoso, ele ressaltou, mas requer capital, tecnologia, talentos, e a relação com estúdios internacionais é diferente.

“Funciona em um nível mais equiparado, em que você é mais um parceiro do que um empregado. O risco é maior, mas a recompensa também é. Além disso, PI é para sempre, pelo menos até você se desfazer dela.”

Wen disse que, no início, era comum pensar que ter um padrão internacional era estar ao nível de Hollywood. O que é muito difícil, já que na China e em outros países não há a mesma disponibilidade de recursos. Mesmo que haja talentos, o mercado não é tão maduro.

O caminho, segundo ela, é conquistar primeiro o mercado local, para depois buscar mercado internacional.

“Quando produzimos algo, pensamos em agradar aos nossos amigos e família. Isso faz com que tenhamos um nível de exigência próprio, que é alto. Hoje, queremos buscar o mercado internacional. Mas é importante mostrar algo que se relacione com sua cultura, que ajude a dizer de onde veio o filme.”

Com um mercado local bem-sucedido, o apoio internacional fica mais fácil. No caso da Magic Dumpling, eles procuram contar histórias locais, mas

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que sejam compreensíveis para qualquer pessoa, independentemente da sua cultura e língua.

“Para isso, começamos as produções trabalhando com mais de um idioma. Além disso, como é importante que as emoções sejam universalmente entendidas, acabamos usando alguns elementos de Hollywood como referência, pois é o lugar que tem criado o padrão de como são contadas histórias pelos últimos 100 anos.”

No design, a Magic Dumpling usa elementos chineses, como formas, ilustrações e cores. Nos personagens, busca uma relação com a audiência moderna.

“Quando começamos a produzir uma animação, sempre pensamos no potencial que ela tem de virar diversos produtos. Cada projeto é pensado como uma marca.”

Kevin enumerou os projetos em andamento na Magic Dumpling: Snowball, Stone Cold Lion, Tofu Boy, Zoo Crew e Dr. Sun. O público alvo das produções são crianças e adolescentes.

Com uma equipe é pequena, são 14 pessoas, uns 10 freelancers, esquema frequente, que ajuda também a manter um estilo eclético, principalmente em visuais. As diferenças culturais têm de ser observadas, e o impacto dessas diferenças tem prós e contras, disse Kevin.

Wen falou sobre uma peculiaridade da China: “Só podem ser importados 20 filmes por ano. Se você tem uma coprodução com um estúdio chinês, não ficará limitado a essa cota.”.

No caso da TV, as restrições são ainda maiores e servem para proteger a animação local. “O horário nobre não pode mostrar produções estrangeiras de animação, e aí é outro mercado em que a coprodução é importante”, disse Wen.

Kevin ressaltou que um aspecto interessante das diferenças culturais é que você não sabe o que irão achar do seu produto até que o exiba em outros mercados. “Às vezes, as reações são positivas, em outros casos, há rejeição por conta dessas diferenças. Isso é valioso, pois o feedback é bem sincero.”

Sobre o mercado americano, o qual Kevin entende bem, ele afirmou que os americanos anseiam por algo diferente, mas não pode ser diferente demais. É necessário equilíbrio entre mostrar a mesma coisa e sair um pouco dessa zona de conforto.

Perguntaram sobre o que um estúdio de animação deve fazer para garantir a produção continua. Kevin ponderou

que, na China, há muitos estúdios que querem ser grandes e poderosos, mas essa vontade pode ter o lado reverso.

“O importante é a sustentabilidade, que é o que a Pixar tem feito. Crescer num ritmo que mantenha sua cultura e também a qualidade. Para não acontecer o que aconteceu com a Disney que se distanciou muito de si mesma durante meados dos anos 90.”

Como equilibrar fluxo de caixa de curto e longo prazo? Kevin deu como exemplo as possíveis janelas de produção: filmes para o cinema, e para DVD a cada dois anos cada, propriedades online, e séries de TV. O importante é resolver o problema comum a quase todas: ter trabalho suficiente para que a equipe se mantenha sempre ocupada, mas não sobrecarregada.

“É decidir se algo vai em frente, ou se você para a produção para lidar com as questões do projeto e, consequentemente, mantém uma equipe ociosa.”

Também é preciso equilibrar a taxa de retorno, ou seja, nem tudo para receber muito no futuro, mas ter algo de curto prazo. “No nosso caso, fazemos um pouco de trabalhos terceirizados, com objetivo de ter capital para o nosso negócio principal. Procuramos tocar o desenvolvimento até um ponto que atraia financiamento para produção e daí possamos dar luz verde ao filme.”

Depois de certo ponto, Kevin continuou, os lucros começam a entrar e não será mais necessário fazer trabalhos para outros estúdios.

Os tipos de investidor

Os investidores não são muito interessados em animação, avisou Kevin. O retorno para eles é muito demorado e pouco. Sem contar que o produtor compete com outros tipos de investimento que não têm nada a ver com cinema.

“Você procura um investidor que tem dinheiro e algum motivo que case com os seus motivos, como alguém que já é rico e não está em busca de mais lucro. Na China, também temos empresas de produção que têm os recursos, mas não têm as ideias. Nesse caso, trabalhamos juntos. Nós fornecemos a ideia, e eles o dinheiro e recursos.”

Estimular a equipe

Kevin mostrou fotos da equipe que fez Chicken Little para exemplificar a importância de estimular a vontade de trabalhar em grupo. No caso da Disney, ele contou

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que a camaradagem vinha de cima, o que é importante para superar as dificuldades que surgem durante a produção.

“É importante ter um time principal a quem você dá oportunidades de crescimento e aprimoramento, e suplementar com temporários e freelancers. Assim você pode expandir e reduzir seu estúdio numa certa quantidade, para lidar com crescimento e redução de produção.”

Um estúdio de animação precisa de equilibro de investimento tecnológico e humano. “Se você tratar seus empregados como funcionários numa linha de produção, o resultado final será ruim”, afirmou.

É preciso estimular os talentos. “Pelo filme, a gente sabe se as pessoas se divertiram naquele trabalho”, disse ele.

Por mais que a tecnologia avance para melhorar o processo de animação, o principal são as pessoas com quem você trabalha. É preciso dar sempre mais atenção aos Recursos Humanos, aconselhou.

A tecnologia na animação

A tecnologia está alterando a distribuição e o marketing da animação. Não altera os fundamentos, mas exige

adaptação.

“As novas aplicações de mídia estão virando tudo de ponta à cabeça. Se você copia o que acontece nos EUA, você está copiando um modelo que está morrendo. A revolução digital mudou tudo. As distinções entre cinema, televisão, quadrinhos, estão ficando menores. E isso é interessante para uma empresa pequena.”

As propriedades insulares associadas ao conteúdo são muito importantes. Não precisam ser uma imposição à criação, mas são uma extensão necessária para viabilidade financeira da produção.

Como enfrentar a revolução digital? “Franquias de mídia, franquias interativas. É muito apavorante para uma empresa antiga. Rio é um bom exemplo. Um herói caseiro, o Carlos, que espero que volte para o Brasil e abra novas oportunidades e seu país”, finalizou Kevin.

Becky Bristow Animadora, diretora, produtora e professora, Becky Bristow elogiou os colegas da mesa, abriu a conversa contando sua relação com a animação, que começou aos cinco anos de idade, quando ela já se perguntava onde iria aprender a fazer.

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Becky foi aceita pela CarlArts em 1973. Formada, foi trabalhar como animadora em seu próprio estúdio. Ela e um sócio. “Foi muito difícil, a Disney nos deu muito trabalho”, disse ela que, entre muitas coisas, trabalhou em TV e está na CarlArts, atualmente, como professora.

Quem da plateia já fez curta? Você aprende muito como fazer, fazendo, disse Becky a uma plateia entusiasmada. Ela contou ainda que muitos dos seus alunos estão no topo, alguns já foram indicados ao Oscar. “Provavelmente, 90% dos animadores passaram por mim”, afirmou.

Becky trabalhou na China pela primeira vez em 1988. “E me apaixonei. O lugar e as pessoas são incríveis. Na época, vi o potencial do lugar. Todo ano eu voltava e conhecia pessoas lá. Conversava sobre animação com TVs e chefes de estúdios, mas todos concordavam que não era a hora.”

Em 2001, ela e um amigo que fizera nas primeiras viagens à China decidiram tentar começar alguma coisa no país.

“Foi bem no momento em que estourou uma recessão. Mas acabei como chefe do Programa do Departamento de Design e Artes Digitais da Universidade de Beijing. Tive uma experiência interessante com um grupo de 50 mestrandos que não tinham experiência em animação, muitos deles não tinham experiência sequer em artes. Quando saí de lá, seis meses depois, estavam animando muito bem. Eram alguns dos mais esforçados que já vi em animação, faziam tudo que eu pedia, e o resultado foi maravilhoso.”

Com a experiência, Becky abriu o estúdio. Por conta

do empreendimento, permaneceu por quase sete anos em Beijing. Ela e o sócio começaram com 14 pessoas, depois expandiram, passaram para um lugar maior e começaram a fazer projetos para outras empresas.

“Minha intenção, quando fui para lá, era usar meu conhecimento para treinar pessoas e dar a elas um nível alto de qualidade. Na época, você conseguia fazer filmes muito mais baratos que nos EUA, então você conseguia mais financiamentos e melhores chances de ter lucro”, explicou.

Mesmo com dois sócios de peso – uma, responsável pelo maior estúdio de animação 3D da China, e o outro, uma pessoa bem conhecida – foi difícil conseguir investidores. Os capitalistas tinham dificuldade de enxergar o retorno.

Diante da dificuldade, a solução foi partir para outsourcing, uma sugestão do próprio sócio. Ela concordou, na época, que era uma boa maneira para criar um histórico de produções, obter lucro, e treinar pessoas. E atrair investidores, posteriormente. O que aconteceu. A dupla conseguiu um investimento de US$ 5 milhões.

Becky mostrou fotos do estúdio, da equipe. Fotos do início e de depois de decorrido um ano. Contou como idealizou o espaço.

“Encontramos um complexo construído por alemães, no lado oeste de Beijing. Foi muito bom ter uma fábrica junto com a escola. O espaço era grande, tudo foi quebrado, as paredes foram ao chão, a tinta, queríamos ver os tijolos. Havia uma parede côncava, o que eu imaginava parecia absurdo, mas funcionou. Bem ao estilo O

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Iluminado, de Kubrick”, disse ela.

Becky exibiu as fotos do estúdio durante a reforma, que levou três meses. E também após a reforma.

“Quando mudamos, mal ocupamos metade do espaço. Começamos a planejar o crescimento. Trabalhamos muito, estávamos bem. Chegamos ao ponto em que fazíamos programas de TV e outros trabalhos de graça, pois isso ajuda a formar seu portfolio e estabelecer relacionamentos.”

A ideia era sair do outsourcing e investir em propriedade intelectual.

O estúdio chegou a ter 300 funcionários. “A melhor parte foi trabalhar em grupo, todo mundo empolgado. É essencial também ter bons gerentes. Em animação, as equipes são jovens, portanto é essencial ter bons gerentes.”

O plano era fazer da melhor maneira. E se você quer formação, precisa investir, disse ela. É muito importante ter gente que saiba ensinar. Gente que realmente saiba fazer.

Quanto custou a escola e quem financiou?

Becky disse que o sócio cuidou de tudo, mas ela não sabe as cifras certas. “Sei que não custou tanto, porque ele fez parcerias com outras escolas. Mesmo como coproprietária, nunca tive uma resposta, ele não falava. Havia a questão da língua, mas mesmo que eu falasse a

língua, não entenderia. Os chineses sempre fazem com o mínimo de dinheiro.”

Os planos não se concretizaram conforme a vontade de Becky. E se fosse abrir um estúdio, agora – ela não está mais com o estúdio –, ela disse que faria diferente.

“Outsourcing é perigoso, pois quando você tem uma fonte de renda como essa é difícil de largar. Então você pensa em ter uma equipe para fazer o trabalho de nível mais alto e outro para coisas mais básicas. O problema é que o pessoal que faz coisas mais básicas vai querer fazer os trabalhos de alto nível. Isso acaba gerando inveja e ressentimento dentro do estúdio”, ela explicou.

“Acabamos nunca investindo em propriedade intelectual e esse investimento acabou evaporando nos custos operacionais. Eu aproveitei e saí da empresa”, contou.

Como conselho aos animadores e produtores da plateia, Becky disse: faça conexões. E ressaltou o que vira no Anima Mundi:

“No Brasil, pelo que eu ouvi até agora, vocês são espertos, planejam, sabem que vão economizar dinheiro e lágrimas se fizerem esse planejamento”.

Reynaldo Marchezini pediu que a mesa fizesse uma comparação entre canais e séries de TV na China e nos EUA. Kevin respondeu que os americanos não gostam de pagar e isso vale para a China. A TV Central da China é estatal e a programação é controlada com rigor. Mas a paisagem da televisão na China é extremamente

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variada. “Mesmo que você não ganhe muito dinheiro com transmissão, ganha com pirataria. O futuro da TV chinesa depende do que o governo chinês vai permitir ou não em relação à internet”, analisou Kevin. Wen completou dizendo que muitos estúdios tentam mostrar sua animação na CCTV, mas a transmissão é cara e o canal quer receber pela exibição. A receita vem de merchandising, disse ela.

Entre as perguntas da plateia, veio o questionamento sobre a possibilidade de um parceiro ter a produção e o licenciamento de produtos.

Reynaldo disse que essa foi uma das razões pelas quais deixou de trabalhar para alguns estúdios. “Como venho da área de licenciamento, não sou contra o licenciamento, desde que ele venha depois da história. Primeiro o personagem e, claro, que o retorno venha com a venda para TV, com a venda de produtos. Isso é um assunto muito polêmico. A própria Pixar, que é uma referência para nós, fez Wally, que é um filme que fala sobre consumismo, mas quantos copos promocionais de bebidas de soft drink eles não devem ter feito e que vão exatamente contra a mensagem do filme? Mas entendo que é difícil ter um total controle, porque muitas vezes as pessoas que estão na criação da história não estão na gestão do negócio. É muito mais uma questão de coerência de toda a cadeia, principalmente quando a organização é muito grande.”

Becky também falou sobre a questão e disse que a

Mattel, a fábrica de brinquedos onde trabalha atualmente como produtora de episódios para a internet e programas especiais para TV de Monster High e de Polly Pocket, já aprendeu: tendo conteúdo é mais fácil vender. “A emoção vende. Eu crio conteúdo para meninas e há um produtor que faz conteúdo para meninos. Nunca estive deste lado, e é fascinante”, disse Becky, que produz histórias sobre e para meninas que estão no começo da escola. “Não se está tentando vender os produtos diretamente”, afirmou ela. Mas a fábrica lucra e os episódios na web (não é TV), por exemplo, custam quase nada. Becky disse ainda que se você tem uma propriedade e se você tem a possibilidade de puxar outras coisas a partir disso, do ponto de vista do brinquedo, não tem problema.

Kevin defendeu a ideia como o melhor produto, mas ponderou a viabilidade do projeto. “Você une a mente da criança com o bolso dos pais. Podemos vender brinquedos, podemos vender roupas? Qual é o negócio? A ideia é mais importante, mas se formos entrar numa emissora, eles pensam em todos os produtos. Se você tiver uma boa ideia, eles vão perceber o potencial de merchandising”, analisou.

Na cadeia produtiva, o que é mais caro: o profissional, o software, a produção, ou a distribuição?

Reynaldo Marchezini contextualizou a série Princesas do Mar como uma coprodução internacional que tem profissionais do Brasil, da Austrália e da Espanha. “A animação na Europa já é mais cara do que normalmente

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em outros países que têm um custo mais barato, como Brasil, a China, Cingapura. Só que o nível de qualidade de animação de um produto que seja vendido para uma Disney na Espanha e para uma Kika na Alemanha é um nível de animação com movimento e intervalação muito alto. O fato de ter sido animada na Espanha tornou a série um conteúdo europeu, o que permitiu, com as leis protecionistas da Europa, que a série fosse pré-vendida para a Alemanha. Por um lado, aumentou o orçamento. Mas por outro, viabilizou a venda para um país como a Alemanha que é um dos países que mais pagam. Esse é outro lado da moeda. Se a gente for comparar com o quanto uma TV Cultura, uma TV Globo pagam por uma série e quanto uma Nickelodeon nos EUA e uma Kika na Alemanha pagam, a diferença é muito grande. Princesa do Mar é de médio para alto orçamento, em termos de comparação. Mas há series brasileiras de 26 episódios de 11 minutos, na faixa dos cinco milhões de reais, seis milhões de reais. É bem mais barato, e esse é um dos motivos para que muitas séries sejam feitas no Brasil em 26 episódios em vez de uma temporada completa de 52 episódios.”

Sobre o custo, Marchezini ressaltou que 78% são gastos com animação. “O volume maior é na etapa da animação. E isso é um orçamento sem o marketing, sem a divulgação. O problema do cinema brasileiro é que faz orçamento para fazer o filme, mas não põe dinheiro para divulgar o filme. Como levar as pessoas para o cinema se não divulgar? O produtor faz um orçamento, faz um filme, parte para o próximo trabalho. E os filmes não viram produtos rentáveis, a gente não cria uma indústria rentável. A gente cria uma dependência de lei de incentivo. É preciso ficar atento, para não criar o mesmo efeito na indústria de animação”, completou Marchezini.

Kevin disse que o modelo de negociar que Reynaldo fala é estimulante. Por outro lado, uma das vantagens do avanço tecnológico é que você pode ter sucesso com o que faz no seu desktop e há faixas diferentes com as quais se pode trabalhar. Um pequeno estúdio pode fazer muitas coisas, segundo ele. É preciso manter a disciplina. “Você pode até começar a perder dinheiro se tem muito dinheiro. Muitas vezes, ter muito dinheiro pode ser um problema maior do que não ter dinheiro”, ponderou.

A animação não funciona bem para adultos?

Reynaldo Marchezini concordou que existe maior quantidade de animação para criança do que para adulto. Mas isso não quer dizer que não exista um mercado de animação para adulto. “A gente tem a MTV como um exemplo de animação para jovem. Se você for a uma feira como a Mipcom (França), que vende

todo tipo de conteúdo, você vai encontrar compradores de animação para adulto. E tem canais pelo mundo, de animação para adulto. E para exportar? Você tem de ir para as feiras, buscar informação e entender quem é o público que compra, quais canais estão dispostos a comprar meu produto? E fazer a conexão com eles. Tem mais animação infantil, sim, mas isso não quer dizer que não tenha espaço comercial para animação para adulto. Se a gente olhar o número de animações para cinema, elas vêm crescendo muito. Claro que a Pixar toma cuidado para que essa animação sirva para criança e agrade também ao adulto que leva essa criança”, analisou.

Para alguém que quer começar, qual a importância de trabalhar com outras produtoras e já pensar, num primeiro projeto, em como vender lá fora? Qual a importância dessas parcerias e como fazer isso?

Reynaldo também respondeu e disse que a primeira pergunta é o que você quer ser? O roteirista, o dono da história, quer se juntar com pessoas que tenham uma técnica que você admira ou você domina essa técnica, mas não é bom de roteiro?

“Esse é um dos maiores problemas dos animadores em geral: é preciso ter a noção de que você faz o character design, mas não necessariamente é a melhor pessoa para escrever os diálogos. Tem de ter essa complementariedade. Se você quer montar uma empresa do começo, não junte com os amigos da faculdade só porque eles são legais. Junte-se a turmas que têm a mesma sintonia de propósitos pelo quais lutar nos próximos anos, porque é uma longa jornada. Desejos de curto prazo e diferentes tendem a não dar certo. Se existe esse desejo comercial, quem é a pessoa que tem essa competência comercial? Um bom começo é fazer o pitching da sua ideia para alguma empresa, seja ela brasileira ou estrangeira, que vai abraçar o seu projeto e com essa competência já implantada, vai executar. E aproveite para aprender. Existem vários caminhos, mas o principal é ter a clareza sobre o que você se vê fazendo daqui a cinco anos. procure conversar. Esse estágio de 2011 é muito diferente de 2004, quando não havia com quem conversar sobre isso. Aproveite os eventos para fazer networking e não só com estrangeiros, mas com toda a turma. Procure conhecer as pessoas, daí é que vão surgir as próximas coproduções brasileiras. E os canais de TV têm uma tendência de estarem mais abertos a esse tipo de projeto. Tenho grande esperança que O Sítio do Pica-Pau Amarelo vai ser um case de sucesso que vai estimular outros canais.”

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20 de Julho quarta feira

Palestra – Concepção e Desenvolvimento de Projetos de Longa- metragem

John Donkin e Bruce Anderson, produtores do filme “RIO”, mostraram o processo e o desenvolvimento do longa-metragem. Participantes – John Donkin, Bruce Anderson (Blue Sky)

Uma dupla afinada. Eles tinham de controlar o dinheiro, o tempo, os gastos, a produção. Como a Blue Sky vinha de alguns filmes de sucesso, a responsabilidade com Rio, de Carlos Saldanha, aumentou.

Bruce Anderson abriu a conversa lembrando que Rio foi o seu terceiro filme na Blue Sky. Antes disso, ele passou alguns anos na Disney Animation, na Flórida, onde foi treinado pelo próprio John Donkin, futuro parceiro na Blue Sky.

“Esse foi o primeiro filme em que eu e John pudemos produzir juntos, estávamos animados com isso. E realmente nos apaixonamos por Rio. Amamos trabalhar com o Carlos, e trabalhar com Carlos no seu projeto mais apaixonado foi como um presente para nós. A paixão pelo Rio foi como um romance de internet. Pensávamos ‘queremos ir lá! Quando podemos ir para lá? ’. Foi muito divertido, e estamos animados em falar sobre isso.”

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O que você faz?

Bruce falou dos desafios da produção e lembrou que, constantemente, as pessoas perguntam “Mas o que você faz?”. A pergunta se repete no trabalho.

“Todo dia ‘mas o que é isso que você tá fazendo?’ – brincou. Bom, nós falamos muito. Nós resolvemos muitos problemas. Nós planejamos muito – tentamos planejar muito. E lidamos com todos os desafios que aparecem.”

John Donkin contou que sua responsabilidade, nesse filme, era ser o Produtor criativo, o que incluía trabalhar com os roteiristas, com o elenco, com os executivos da FOX, assim como Bruce, e com Carlos, de uma maneira bem próxima, para moldar o filme.

“Foi realmente a visão do Carlos que levou o projeto adiante, mas todo visionário tem de ter uma equipe para ajudá-lo a compreender essa visão. Era nosso trabalho, eventualmente, descobrir como de fato fazer aquela visão sem gastar todo o dinheiro na primeira cena do filme. E lembrar que tínhamos 90 minutos de filme para fazer e que precisávamos regular o andamento de forma que não nos fizesse gastar todo o tempo em algo que não era necessário. Precisávamos, constantemente, olhar para o processo como uma coisa só”, disse John.

O trabalho dos produtores era garantir que as escolhas feitas eram as mais acertadas. Dirigir um filme, segundo John, é tomar as decisões certas conforme o filme avança e, com sorte, eles estariam tomando essas decisões para que o melhor fosse parar na tela.

Bruce afirmou que as decisões começam a ser tomadas anos antes de o filme ser lançado. Algumas decisões, no entanto, têm de esperar. Só não pode deixar o tempo acabar.

“Em alguns casos, ficamos quase sem tempo. Então, meu trabalho primário como produtor e diretor criativo era andar por essa linha que fica entre arte e comércio. Eu ia a reuniões semanais com gestores, executivos, reuniões financeiras e checava os custos semana após semana”, disse.

O trabalho da dupla foi ajudar a balancear a visão que Carlos Saldanha tinha com o que era possível fazer, ao longo de todo o projeto.

“Se tem algo que não muda é a data de lançamento. Uma vez que o filme é anunciado, é isso. Temos que fazer. Nunca perdemos uma data, eu nunca perdi nenhuma data em nenhum filme que trabalhei e não pretendo, porque não acredito que estaria aqui se

perdesse”, jurou Bruce. De pés juntos.

A primeira exibição da dupla foi uma arte do filme, que Saldanha usou como ponto de partida para decidir a escala de cores.

O roteiro

“O script nunca é perfeito”, disse John. A primeira coisa que os produtores fazem é quebrar o script, ou seja, pegar o que está escrito e montar as sequências.

“As quebras geralmente são feitas por conta de pontos de transição naturais, usualmente ligados à locação. Por exemplo, você não vai filmar uma cena no Corcovado no mesmo dia que filma no Pão de Açúcar. Vai usar um dia para filmar o que quer no Corcovado, e outro dia para o Pão de Açúcar”, disse John.

O comum em Hollywood é 1 minuto por página de script. Em geral, os scripts têm entre 90 e 100 páginas. Um roteiro do mesmo tamanho para uma animação costuma ser mais rápido, já que as ações têm de ser descritas.

Rio foi uma ideia que o próprio Saldanha teve. Ninguém apresentou um roteiro pronto - eles tiveram que procurar roteiristas para escrever a história da maneira que queriam, o mais próximo possível do que estava na cabeça do Saldanha. “É mais ou menos assim que os filmes são feitos em Hollywood, exceto em alguns poucos casos em que alguém realmente tem um roteiro muito bom e vende”, afirmou.

“Outra coisa que procuramos no script é qualquer coisa que seja fora do comum. E isso Rio tem de sobra. Havia sequências no filme que eram identificadas como musicalmente conduzidas. Isso queria dizer que a música deveria ser criada antes - composta, cortada e feita no tempo certo. Isso é diferente de uma cena normal, que só teria um personagem falando, alguns efeitos sonoros, esse tipo de processo”, acentuou John.

Carlos Saldanha não queria um formato musical, como o da Disney. Segundo Bruce, o diretor só sabia que queria levar música para aquele mundo e fazer o espectador aproveitar aquela música.

“E isso toma algum tempo - não apenas no script, mas para fazer o storyboard e identificar onde estão os momentos bons para música no filme”, avaliou Bruce. John disse que era muito cedo, já que não sabiam ainda que músicos estariam no projeto.

Nesse processo, os roteiristas sabem que não vão ser os

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únicos a mexer no texto. E essa é uma particularidade da animação.

A venda

O marketing também precisa entrar em cena. John explicou que era preciso planejar os trailers - em alguns casos, com um ano de antecedência - e pensar nos parceiros secundários. Rio é um dos filmes com maiores parcerias internacionais que a FOX já fez. Eram quase cem parceiros diferentes pedindo imagens dos personagens e cenas com muita antecedência.

Bruce contou que trabalharam com a Ferrero, que fez os Kinder Ovos, uma parceria que vem desde Robots.

“É uma ironia, porque você não pode comprar esses produtos nos Estados Unidos (risos), mas eles são enormes no mundo todo. Então tivemos de dar a eles modelos dos personagens dezoito meses antes do lançamento, para eles se planejarem também. O lançamento dos produtos é, na verdade, muito antes do lançamento do próprio filme. Eu realmente gosto de fazer os filmes - não ligo muito para o marketing, mas hoje em dia você não tem mais como fazer um sem o outro. São parte do mesmo negócio”, disse Bruce.

Production pipeline

John mostrou um gráfico do início do projeto, a primeira subdivisão de sequências e comentou sobre o orçamento e os custos que um filme como Rio envolve. Produtor está associado a dinheiro e eles interagem diretamente

com o orçamento, com os trabalhos, os projetos.

“O custo maior quando você faz um filme são as pessoas. Quantas pessoas e por quanto tempo? Temos que pensar nisso às vezes antes de saber o que o filme realmente é e, depois, ajustamos ao orçamento que temos. O orçamento é, de fato, o trabalho, as pessoas. É o maior componente. Há outros componentes, como os custos da pós-produção, dos efeitos, que são grandes, mas não tão expressivos”, avaliou John.

“Nosso inimigo é o tempo, e o único jeito que temos de fazer em tempo é com as pessoas, o trabalho delas. Nossa força, e acho que em qualquer companhia, é a equipe. Quando pensamos em recursos, agenda, pensamos nas pessoas que têm que fazer cada frame e têm que fazer isso em tempo”, Bruce completou.

Eles não sabem fazer a maioria das coisas, mas sabem chegar a quem sabe e faz. E sabem também quem está fazendo o quê em determinado dia, determinada hora. Esse é o papel do produtor, eles ressaltaram.

Bruce e John exibiram uma planilha que costumam usar como referência desde A Era do Gelo. Cada departamento tem um nome e cada nome está associado uma sequência. Nomes são mais facilmente lembrados. Bruce ainda brincou e disse que o que os gerentes lembram mesmo é dos números. Não importa o projeto, o esquema é o mesmo. Na escala dos departamentos é criado um departamento depois do outro, conforme o cronograma.

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Há uma preocupação grande em manter o equilíbrio da programação dentro do estúdio. O quadro contém uma projeção semanal, que ajuda a rastrear as ações e a avaliar as fases da produção. A ferramenta gera relatórios para que todos saibam em que fase está cada departamento.

São mais de dez mil tarefas que vão se expandindo. Tudo é gerenciado e rastreado por Bruce. Há toda uma maquinaria por trás da tela. São centenas de pessoas que fazem todo dia um determinado trabalho. E cada uma precisa começar na hora certa.

Bruce ressaltou que a organização é muito importante, mas o trabalho é divertido. Tem de ser divertido. “Nós podemos identificar em grande parte dos filmes de Hollywood: isso não foi divertido”, ele provocou risos na plateia.

Quer fazer um curta? Recado aos estudantes

John discorreu sobre o que ele considera frequente em projetos estudantis. No início do semestre, todos têm grandes ideias, querem fazer um filme de 20 minutos, com dezesseis personagens e todos os efeitos sonoros e especiais e todas essas coisas legais. E sentam um dia e trabalham como loucos. Chega o fim do semestre e só fizeram 5 minutos.

“É importante para os jovens que estão interessados em fazer curtas, que peguem um dia - se é tudo o que conseguem -, e sentem e pensem ‘quanto tempo vou precisar usar nisso, para de fato fazer e terminar nesse semestre? e o que quero conseguir no fim do semestre?’. Só um dia, tentem ver quanto tempo vão precisar, quanto vão gastar. Isso vai ser o necessário para enxergarem que vai ser impossível fazer um curta de 20 minutos em um semestre”, John aconselhou.

“Se você acha que não consegue sentar e fazer todas esse planejamento para conseguir terminar o filme, ou não sabem o que fazer, tentem ver o histórico de outros estudantes, se eles caíram em armadilhas, como fizeram para terminar o projeto. E não deixe de perguntar. Eu não sei tudo o que se pode saber sobre um filme, mas identifico qual a melhor pessoa para me ajudar e vou atrás”, Bruce completou.

Personagens

Algo extremamente complicado. Foi assim que John definiu o processo de pegar o personagem como rascunho e transformá-lo em uma animação completa. E mostrou um gráfico para dar uma noção da

complexidade envolvida.

Em seguida, eles exibiram um vídeo-teste do Blu sambando, feito pelo finlandês Mika Ripatti. Bruce ressaltou que o bom na animação - e nos animadores em particular – é que você nunca sabe o que vai ser feito.

“O cara mais quieto que você vai ver na vida (risos). Ele trabalha suas oito, nove horas, e se esforça mais do que qualquer pessoa que eu conheço, e aproveita ao máximo esse tempo. Ele está conosco desde A Era do Gelo. Ele fez esse vídeo e a gente ficou... Mika? Fez isso? (risos). Você nunca sabe”, brincou Bruce.

John mostrou testes de vários animadores júniores. Bruce completou que todos os artistas na Blue Sky usam Cintique (espécie de tablet próprio para desenho) para desenhar. Muitos preferem lápis e papel, mas, para o trabalho, o Cintique é muito mais eficiente.

Do esboço até a perfeita caracterização, o personagem passa por diferentes fases e profissionais. É como um círculo, que inclui o teste da animação, volta para a modelagem, mais testes, mais idas, mais voltas. E tudo isso leva tempo. A asa de Blu, por exemplo, levou um ano para ficar como é vista no filme.

Eles exibiram também o software que foi criado pela própria Blue Sky para aperfeiçoar texturas.

Música

A música foi um trabalho – e um prazer – à parte, em Rio. John contou que Carlos Saldanha queria que o filme fosse um musical, já que o Rio é, de fato, um lugar muito musical. Para isso, era preciso contar com outro bom time: os músicos.

Saldanha foi atrás de Sergio Mendes, que veio do Rio, do Brasil, um músico muito popular nos anos 60, extremamente conectado com a indústria musical brasileira, com excelentes contatos, ressaltou John.

Sérgio Mendes foi responsável por algumas presenças musicais no projeto – o mais conhecido, provavelmente, é Carlinhos Brown, que deu o toque final à nova versão da música Mas que Nada, de Mendes.

“Foi muito bom ver como os dois trabalharam juntos para fazer a música do filme. Aquela abertura foi composta pelo Sergio Mendes e executada pelo Carlinhos, originalmente, e transcrita para o inglês pela Siedah Garrett (mulher que escreveu Man in the Mirror do Michael Jackson)”, disse John.

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Além dos músicos especialmente convidados, houve quem quisesse se juntar ao projeto, espontaneamente. Foi o caso de Esther Dean e Taio Cruz.

“Esther Dean viu o trailer e trouxe uma música pra gente. Escreveu. Realmente é muito conhecida. Ficamos impressionados. Ela tem até uma falinha. O mesmo foi com Taio Cruz, astro britânico de mãe brasileira, que mora na Grã-Bretanha e disse que adoraria fazer cinco minutos. Ele mostrou um demo que já tinha, e nós usamos com alguns ajustes”, John contou.

O time de músicos foi composto por Will.I.Am (do grupo Black Eyed Peas) – que dá voz ao pássaro cardeal Pedro e compôs a música Hot Wings (I Wanna Party) -, Jamie Foxx, Bebel Gilberto – que faz o papel de uma tucana fêmea mãe de 17 filhos –, e John Powell.

“Esses caras trabalharam juntos. Chegamos a reunir 25 percussionistas brasileiros nos estúdios da FOX. Mas o John (Powell) foi essencial. Ele utiliza melodias de músicas já conhecidas e acaba melhorando muita coisa. Você escuta a percussão por trás do que ocorre na cena”, John teceu elogios.

Foram muitos talentos juntos, um grande desafio, disse Bruce. Além do resultado na tela, o trabalho ainda rendeu afetos. “O Carlos não conhecia o Sérgio. E agora, é

como se fossem irmãos dos últimos 20 anos”, disse Bruce, que citou ainda Jermaine Sessons.

Voz

A construção do cast é uma parte especialmente importante na produção. É importante ouvir as vozes, fazer testes, criar diversidade. A escolha dos nomes passa por vários crivos.

“Há o momento no filme em que a atuação vem à tona. Tipicamente, nesse filme, passamos muito tempo pensando nisso, porque queríamos que a interpretação fosse a melhor possível. O sucesso do filme depende muito disso também - é o que possibilita a identificação do espectador com o personagem. Se tivéssemos efeitos maiores que a animação, as pessoas se identificariam com eles ao invés dos personagens. Há muitos exemplos desse tipo de coisa em Hollywood”, disse John.

Uma das maiores preocupações é garantir a diversidade tanto na voz como na interpretação, afirmou John, que contou a experiência com o elenco no primeiro A Era do Gelo.

“Tínhamos três personagens principais, que eram bem diferentes e era importante olhar para os três indivíduos e tentar encontrar um elenco compatível. Alguns filmes

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têm vozes muito parecidas, em alguns eu mal consigo ver a diferença entre as vozes.”

Em Rio, a 20th Century Fox queria uma grande estrela no filme. Carlos queria uma brasileira. “Eles queriam uma pessoa bem famosa para interpretar a Jade. Carlos realmente queria uma brasileira, mas acabou sendo decidido que seria a Anne Hathaway. Ele não tinha dúvidas sob sua capacidade de interpretação, mas ficou com medo de que faltasse um sabor brasileiro na voz. Mas foi o tipo de coisa que tivemos que arriscar”, disse Bruce.

Com Anne já definida, eles foram atrás de outros atores. Quem daria voz ao Blu?

“Blu era o oposto de Jade, que era vibrante, energética, confiante. Ele era nervoso, medroso, nunca esteve na selva. Procuramos atores que pudessem interpretar esse papel e ficamos com Jesse Eisenberg. Na época em que o contratamos, ninguém tinha ouvido falar dele. Muito felizmente, ele fez um ‘pequeno’ filme chamado Rede Social e, de repente, todo mundo sabia quem ele era”, contou John.

Já para a segunda trama, que envolvia o cientista Túlio, prevaleceu a escolha inicial de Carlos Saldanha. Desde o primeiro dia, o diretor queria Rodrigo Santoro para o papel. Foi feito.

“Trabalhamos com um grupo maravilhoso. Quem sabia que Anne podia cantar até o dia daquele Oscar? Mas ela já tinha sido escolhida”, disse John, que se lembrou de uma dupla particularmente especial: os personagens Nico, o canário amarelo, e Pedro, o cardeal, interpretados por Jamie Foxx e Will.I.Am. Uma senhora dupla cômica, elogiou John.

John e Bruce contaram pequenas histórias do que acontecia durante as gravações. Os atores não podiam se mover, já que o microfone era fixo e queriam a melhor qualidade possível. Anne, por exemplo, numa cena mais movimentada da Jade, queria correr pelo set para interpretar com perfeição. Não deixaram.

Os produtores exibiram os vídeos dos atores em ação, cantando; e dos animadores. Com as duas versões, eles demonstraram a evolução do processo.

“Os animadores podem usar expressões naturais como referência. Essa é uma estratégia utilizada para dar sentido aos personagens”, disse John, em relação ao vídeo.

Pós-produção

Todas as fases são importantes até que o filme chegue às telas. Para exemplificar a pós-produção, a dupla exibiu uma tomada com 150 mil figurantes, na qual foi usado software proprietário.

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Quando tudo está pronto, o trabalho segue para as fases de correção de cores. Todas as cenas são checadas várias vezes.

“Entregamos em mono, estéreo. E temos de estar preparados para vídeo, versões para passar no avião, enfim. Parece ridículo, mas quando você assiste ao filme naquela televisãozinha horrível nós tentamos fazer com que fique o mais bonito possível (risos). Mas temos que fazer todas essas coisas e isso leva um bom tempo”, disse Bruce.

Em comparação com a época em que foi feito o primeiro A Era do Gelo, os avanços são visíveis. “A qualidade do que vocês veem no cinema está bem melhor hoje em dia, vocês devem ter percebido,” Bruce completou.

A pós-produção começa oito meses antes do lançamento. No caso de Rio, havia uma preocupação especial com os dialetos. Bruce e John mostraram um clip com cerca de 20 pessoas falando português para colocar no filme como cochicho durante as cenas.

“Quando estão filmando um filme, as pessoas não estão ali falando de verdade. Isso distrai os atores. Geralmente gravam e colocam depois. Na animação é a mesma coisa.Carlos estava preocupado com os diálogos, porque os atores não eram todos cariocas”, disse John.

Em que momento vocês têm de começar a se preocupar com o 3D esteroscópico (o 3D que

‘sai’ da tela) e qual a dificuldade que isso traz em relação à versão 2D?

Para responder, John voltou um pouco no tempo, para A Era do Gelo 3. No início, eles não sabiam que o filme seria em 3D. Tiveram, então, de fazer o 3D por cima do 2D já feito. Usaram câmeras tridimensionais no trabalho que já haviam feito em mono para fazer as coisas funcionarem em estéreo - o que acabou funcionando muito bem. Mas com Rio, eles já sabiam desde o início que seria estéreo. Então, desde o início, aproveitaram cada oportunidade que tiveram de colocar as câmeras estéreas, o que foi bom também para descobrir onde poderiam aproveitar e tornar a experiência 3D melhor.

O que pesou na aceitação do argumento do Carlos Saldanha?

Bruce disse que Saldanha teve essa ideia há oito, dez anos. Chegou um momento em que ele já era um produtor bem-sucedido, tinha o nível de credibilidade e o nível de paixão que abrem portas e o levam para as salas certas.

John ressaltou que tem gente nos EUA que não sabe onde é o Rio. Ou o que é o Rio. Um restaurante? Blu era do Rio. Honestamente, isso contribuiu para a bilheteria. Ah, agora eu quero conhecer essa cidade. Foi interessante para a equipe de marketing. Felizmente, as pessoas foram ver o filme mesmo sem saber do Rio. Tem-se alguém que acha que o Rio fica na Sibéria, mesmo assim vai gostar.

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A Blue Sky aposta todas as fichas num projeto só?

Bruce afirmou que a Blue Sky tem muitos projetos. O objetivo é trabalhar com algo que será único no mercado. É preciso aparecer com personagens e jornadas que tragam uma experiência única para a plateia. Tem de botar dinheiro na mesa para decidir como fazer. E uma das decisões mais difíceis para as pessoas é no que elas vão investir.

John anunciou que a Blue Sky tem dois filmes em produção, 450 pessoas trabalhando. Há outros projetos, que podem sobreviver ou não.

Bruce completou que se o concorrente anunciar que vai usar tal personagem pode mudar o rumo de um projeto, mesmo que ele já esteja em andamento.

O maior ou pior problema que tiveram na produção de Rio?

John disse que a cena do samba no final foi um dos maiores desafios. Era preciso encontrar o verdadeiro tom e, para complicar, eram pássaros, penas, 800 penugens. Precisavam ainda de novas tecnologias que permitissem trabalhar com uma escalada de 150 mil figurantes. Algumas tomadas, por exemplo, levaram dias para ganhar cor. Foi preciso confiar também nas

máquinas. Eram necessários 64GB para cada quadro. Seres humanos são um problema. Rio criou uma série de novos desafios tecnológicos que dessem conta também de captar a beleza da geografia da cidade. Sem contar a animação dos pássaros, outra coisa muito complicada. Mas, no último minuto do segundo tempo, fizeram um gol.

Bruce disse que o que mais afetou a capacidade de animação foi a diversidade de personagens: humanos, quadrúpedes, pássaros, bípedes. No fim, eles tiveram de se superar. Eram personagens mais densos do que todos que já haviam feito anteriormente.

Houve um momento em que foi necessário contratar ou demitir?

John comentou que sim, houve mudanças na equipe no decorrer do processo, pessoas foram transferidas entre departamentos. “Nós somos muito duros de vez em quando. A indústria é muito dura. Se você não tiver firmeza para lidar com os altos e baixos, não sobrevive. Como nós”, ele finalizou.

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21 de julho quinta-feira

Master Class II (Teatro II) “A Arte e Design de RIO” Por Tom Cardone

A proposta da master class foi Andy mostrar como cria sons incríveis para filmes de animação, convidando a plateia a participar desse processo.

Na segunda Masterclass do Anima Forum, o Diretor de Arte Tom Cardone, que trabalhou na Disney nos anos 90, e tem no currículo filmes como Pocahontas e A Bela e a Fera, além de filmes que fez já na Blue Sky, como Horton e o Mundo dos Quem e A Era do Gelo, foi direto ao ponto: a arte e o processo de criação de Rio. Ao longo de quase três horas, ele detalhou cada etapa.

Feliz por estar de volta à cidade, Tom avisou que iria falar sobre o processo de produção que a Blue Sky utiliza em seus estúdios. E começou exibindo a sequência de abertura de Rio.

Antes de falar de arte, Tom resumiu a história do filme.

“Não sei quantos de vocês viram o filme ou não, mas eu gostaria de explicar um pouco a história. É uma arara azul que é capturada no Brasil ainda filhote e contrabandeada para fora do país. Blue, a arara azul, vai parar em uma pequena cidade dos Estados Unidos. Linda o encontra quando ela é ainda um bebê. Ambos vivem vidas bem tranquilas, até que Túlio os convida para se juntarem a ele no Rio. Juntos, eles acabam vivendo uma aventura inesperada. E durante a jornada, descobrem muitas coisas sobre si mesmos e esse belo lugar.”

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O Rio é diferente de outros filmes feitos pela Blue Sky por uma razão: trata-se de um lugar de verdade e não um mundo de fantasia.

“Estávamos muito animados em captar a atmosfera e as cores dessa cidade vibrante, mas, ao mesmo tempo, preocupados em dar um visual novo e excitante ao filme. Carlos Saldanha nasceu aqui, então isso era especialmente importante para ele.”

Tom mostrou algumas das fotos tiradas por ele e a equipe ainda na fase de pesquisa. Segundo ele, é a melhor maneira de iniciar um projeto. Não importa quantas fotos você veja online ou em livros, você não consegue capturar a atmosfera do lugar enquanto não for até lá e vivenciar.

“Eu fiquei muito impressionado com as vistas. Quando você vê pela primeira vez, chegando ao aeroporto, são incríveis, me deram uma ótima ideia. Nós assistimos ao desfile (das escolas de samba), tínhamos um camarote no alto, e de onde estávamos eu podia vê-lo como um todo. Mesmo assim, logo abaixo de nós eu podia ver todos os detalhes. Estar lá, assistir e ver como é orquestrada a passagem de uma ala para a seguinte, é uma experiência incrível. E eu sabia que precisávamos capturar aquilo para o filme.”

No Sambódromo, Tom prestou atenção a tudo. A equipe também sobrevoou a cidade de helicóptero, para ter uma visão das coisas como um pássaro em pleno voo.

Tom e a equipe percorreram diversas partes da cidade. Foram ao Jardim Botânico, estudaram a vegetação, tomaram nota de todos os elementos que queriam reproduzir nos ambientes. Tudo para que parecessem reais.

“Há coisas que vocês tomam como corriqueiras quando moram aqui, mas que são diferentes de outras cidades, como as latas de lixo laranja, por exemplo. São coisas que eu notei quando vim. São como os taxis amarelos de Nova Iorque, coisas que te fazem lembrar da cidade.”

O estilo

Cardone explicou que sua responsabilidade em um filme de animação é trabalhar com a equipe de designers, para estabelecer o estilo mais adequado.

“Queremos fazer um filme que não se pareça com qualquer outro filme. Assim, quando você vir um quadro do nosso filme, você se dá conta que é o ‘Rio’ e que tem seu próprio estilo. Para encontrar o estilo, ou o nível certo de caracterização do filme, você faz muitos

desenhos, pensa no que você viu da cidade quando esteve aqui, faz desenhos, pinturas, olha fotos tiradas durante a viagem.”

Para exemplificar, Tom mostrou desenhos feitos pela equipe de ilustradores do estúdio, em busca de um estilo único para o filme, falou sobre a importância de manter as referências, estudar as proporções, organizar o trabalho. O processo é demorado. É preciso cuidado com a padronização das escalas, uma vez que vários desenhistas trabalham no mesmo desenho. Por isso, é necessário que alguém comande a ‘orquestra’.

Ao mostrar as imagens. Tom pontuava os detalhes:“Olhe para o topo da imagem para este Volkswagen. Este é um Volkswagen de verdade. Se não tivesse isso na página, e só lhe mostrasse a ilustração, você reconheceria o Fusca. Todos reconhecem a forma. Porém, quando você olha para a imagem ao lado e vê como um Fusca realmente é, você nota que é diferente. O que nós fizemos foi mexer com as proporções para torná-lo mais divertido.”

Proporcionalmente, o resultado é uma soma de 20% de personagem e 80% de realidade. E o processo se repetiu em todas as outras situações:

“Fizemos isso com tudo, até mesmo com distâncias. Por exemplo, mudávamos o espaço entre as barras verticais do bondinho. Não muito, apenas o suficiente. Fizemos o mesmo com humanos: suas cabeças são maiores do que deveriam, suas feições são lisas, não há muito detalhamento em partes do corpo. São um pouco suavizados, o que dá um casamento bom com o ambiente.”

O objetivo não era mexer com o design ao ponto de provocar distração, mas apenas o suficiente para torná-lo interessante. Tom usou desenhos, dessa vez do bondinho, para exemplificar. E comparou o desenho com a imagem real, lado a lado:

“Esse é um desenho para o bondinho. E esse é o real. Note que há formas e detalhes que são ligeiramente diferentes, o teto é um pouco diferente, apenas para que se torne um pouco mais divertido de ver.”

Mas é preciso garantir um equilíbrio a esse processo, Tom ressaltou, para que ele não fique caricato demais. É preciso manter a lógica, balancear os elementos.

“Mesmo com esses princípios, estamos sujeitos à interpretação da equipe. Os designers e eu trabalhamos em conjunto e vamos comparando a ideia com a visão original.”

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A maioria dos filmes feitos pela Blue Sky, até então, tinha como ambiente a natureza. A equipe de Rio teve de lidar com um ambiente construído pelo homem, com humanos circulando por aquele ambiente, o que, segundo Cardone, tornou a escala absolutamente crítica para dar credibilidade ao set.

“Você pode criar no público a ilusão de que a escala não faz sentido. Por exemplo, se esse microfone fosse gigante. Uma coisa é se uma pessoa faz o microfone isoladamente, que será inserido no set que outra pessoa fez, junto a um personagem feito por uma terceira pessoa e daí descobrir que a escala está errada. Por isso, temos de, constantemente, usar um personagem como ponto de referência, e compará-lo a cada elemento do filme que desenhamos. Seja uma moldura, uma maçaneta, uma caneta, ou um copo, qualquer coisa com a qual o personagem vá interagir. Temos de ser muito cuidadosos.”

Sobre o desenho nas calçadas, que se repete nas montanhas, Tom ressaltou que é possível notar como tudo se relaciona. O que a equipe fez foi tentar aproximar tais coisas mais ainda na forma com que elas eram desenhadas.

“Em filmes bidimensionais é mais fácil lidar com o fundo, mas em um filme em 3D é mais complicado. Nuvens, por exemplo, algumas têm de ser em 3D, outras em 2D. É muito complicado gerar as nuvens. Ainda mais quando uma câmera precisa se mover muito, é mais difícil de prever como um elemento irá ficar visto de ângulos diferentes.”

Todo o cuidado é pouco na hora de decidir entre o que torna o visual do filme melhor e o que funciona apenas como distração.

“Nas paisagens fizemos um pouco de caracterização, basicamente exagerando um pouco o que vimos na natureza. Esse é um filme que seria lançado em diversos idiomas, então buscamos elementos gráficos que pudessem ser entendidos em qualquer língua. Se fosse uma fruteria, teriam frutas; se fosse um chaveiro, uma chave grande. Tentamos fazer isso onde fosse importante.”

A opção foi por um design simples e limpo com um ar nostálgico.

“Tem coisas que quando você está desenhando não se dá conta do quanto terão impacto no filme. E ao definir o estilo, acabam dando o tom.”

O departamento de design é composto por characters designers, set designers, escultores, e color designers. O trabalho em equipe é demorado, mas os artistas se divertem. E acabam incluindo pequenos detalhes e piadas, já que a maioria das pessoas não terá oportunidade de ver de perto, ou seja, não vai conferir, a equipe aproveita para brincar com essa possibilidade.

“Vimos muito grafite colorido e consideramos isso parte das características da cidade. Então fizemos o nosso próprio grafite para o filme, com uma aura positiva e divertida.”

Character Design

Tudo começa com um rascunho, para a pesquisa inicial, depois vêm os muitos desenhos. Basta que alguém diga ‘precisamos desse sujeito, ele é um cientista, é um pouco desajeitado’ e a equipe começa a criar.

“Se você começa com um rascunho, trabalha rápido, e vai pesquisando o que as pessoas acham, você acaba sendo muito mais produtivo do que alguém que fica na sua mesa, sem mostrar nada a ninguém, faz um desenho lindo e pronto, e mostra ao diretor três semanas depois e ele diz ‘eu não gostei disso’. Acontece.”

O roteiro ajuda a guiar o trabalho de criação dos personagens. É o que mostra a personalidade de cada personagem. Se o artista começa pela silhueta do personagem, já sabendo detalhes da personalidade, tende a criar um personagem muito mais forte. Tom mostrou diversos desenhos para exemplificar o processo de desenvolvimento de cada personagem. O mesmo processo se aplica a cada elemento do filme. Ele fez uma comparação de vários elementos, como eram no início do processo e como apareceram no filme. Muitos traços dos desenhos iniciais eram perceptíveis no resultado final. Com isso, ele quis que a plateia compreendesse o processo de construção tanto de personagens quanto de cenários e ambientes.

Tudo começa no traço. E nem tudo que é desenhado é aproveitado ou aparece no filme. Mas faz parte da construção.

“Às vezes, espalhamos o trabalho entre alguns designers com estilos diferentes. Cada um acrescenta algo diferente. Você sabe que tem de ser filtrado, mas você consegue muita inspiração.”

Cardone seguiu com a demonstração de imagens. Os desenhos que mais se aproximavam do resultado final, o estudo de diferentes atitudes e poses, anatomia, personificação, articulações, já considerando que o

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trabalho seria feito em 3D. Como o estudo envolvia aves, especificamente, foi preciso pensar em como funcionariam, em movimento, esqueleto, todos os detalhes.

No telão, ele exibiu imagens com esboços dos personagens humanos; imagem conceitual do tucano (esboço em duas posições); imagem com sombras para mostrar a evolução do desenho e personagem; sequência de desenhos apresentando as diferentes ideias para a criação do personagem final (várias expressões, posições); pesquisa com o esqueleto das aves; imagem de escultura; imagem com as posições diferentes do tucano (frente, lado, perfil, costas) – desenho apenas técnico, sem as expressões; modelo final do tucano, feito em MAYA (3D); imagem com as cinco posições da cabeça do tucano; e imagem de estudo das articulações das aves.

Esculturas

Com tudo definido, o desenho no ponto desejado, a equipe partiu para a escultura em argila ou digital (nesse caso, usando o Zbrush).

“Às vezes utilizamos uma escultura em argila, ou partes de uma escultura em argila e as combinamos com uma escultura digital. A Linda, por exemplo, fizemos uma escultura em argila, mas decidimos que precisávamos mudar algumas coisas, então a digitalizamos e refinamos, e mudamos um pouco, daí fizemos um print-up em 3D e mudamos na escultura.”

O trabalho, portanto, vai e volta. E pode resultar numa combinação dos dois processos.

“Há muitas coisas que você descobre quando vai de um desenho bidimensional para uma escultura dimensional, então o personagem continua a ser refinado. É algo que acontece durante todo o processo. Você faz um plano, um bom plano, e tenta se manter nele, e conforme ele se transforma em desenhos, pinturas, esculturas, ou conforme vai de um departamento para o outro, discutimos com toda a equipe o que é necessário para fazê-lo possível. E isso pode acabar mudando a aparência do que você está fazendo.”

Para manter o objetivo original e a linha comum do design, é preciso estabelecer regras, dar diretrizes e procurar fazer com que todos as sigam. E ainda manter a flexibilidade.Modelos

Depois da escultura, o próximo passo é a modelagem. Tom mostrou desenhos técnicos, sem personalidade, em poses neutras, sem expressão na face, a partir dos quais os personagens seriam modelados. Da pose básica, para as poses e expressões elaboradas, há uma distância a ser percorrida.

Tom mostrou como ficam as imagens já no MAYA. E contou que todo o processo é calculado.

“Na Blue Sky, nós temos uma equipe para personagens que se reúne diariamente enquanto desenvolvemos os personagens. São umas 30 pessoas, mais ou menos,

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representando todos os departamentos que terão de lidar com esse personagem: designers, animadores, modeladores, gestores de produção. Estabelecemos prazos bem severos para esse pessoal. Discutimos se cada coisa que fizermos com o personagem criará algum problema para outro envolvido no processo. Se sim, qual a solução que faz mais sentido.”

Os acertos a serem feitos são muitos. Tom explicou que o exagero nos detalhes pode tornar o modelo pesado, o que complica o trabalho para os animadores.

“Você tem de ser bem artístico na forma que descreve as superfícies para o modelo. Esse é o equilíbrio perfeito. Nosso pessoal é realmente bom nisso. Conseguem que seja o mais simples possível, com o máximo de detalhe que podemos colocar.”

O processo envolve testes e planejamento de todos os aspectos do personagem. A ideia é usar os muitos desenhos para encontrar respostas aos problemas que outros departamentos terão. A arte cria a imagem-esqueleto que determina a postura do personagem. Uma das dificuldades da equipe foi trabalhar personagens que tinham de ser capazes de usar as asas como um pássaro, mas também as mãos, como as de um humano.Muitos testes foram feitos a lápis, em 2D, para solucionar os problemas mais complexos. Enquanto desenham, os animadores trabalham também elementos como cor e textura.

Para onde você quer que o público olhe?

Tom mostrou o desenho de um personagem com padronagem bem contrastante: preto e branco no corpo, um grande bico laranja.

“Mas onde você quer que as pessoas olhem mais é para o olho do personagem. Então temos esse detalhe violeta e laranja em torno do olho do personagem. Esse detalhe vai atrair seu ponto focal para lá.”

Planejamento e execução

Para fazer um filme como Rio, Tom ressaltou que é necessário estar atento tanto ao panorama geral quanto aos detalhes. São filmes caros e os prazos são severos. Para fazer o melhor possível, considerando tempo e recursos, era preciso ser prático. Parte do processo criativo foi descobrir como inserir o design complexo no filme, com muitos personagens e detalhes, dentro do orçamento e no prazo.

“Esses filmes têm orçamentos grandes e você tem de gastá-lo da forma correta. Você olha para o filme todo e

se pergunta: quais as partes importantes do filme, com o que queremos que as pessoas fiquem impressionadas? E há outras coisas que são menos importantes, nas quais não faz sentido gastar seu tempo e dinheiro. Da minha perspectiva, como lido com todos os envolvidos no filme, eu tenho uma ideia clara de tudo. Muitas pessoas trabalham isoladas em seus escritórios, e todos que trabalham na Blue Sky querem que tudo seja perfeito.”

Onde investir tempo e energia? Há personagens e itens secundários com os quais a equipe não deve – nem pode – perder tempo. Não tanto quanto com os personagens principais. Um bom recurso é usar sempre o essencial: com o menor número de recursos, dizer exatamente o que precisa ser dito, sem prejudicar a qualidade.

Se for preciso criar algo, faz mais sentido, afirmou Tom, criar apenas três elementos, o mais distintos entre si. “Utilizamos esse princípio para tudo no filme: carros, vegetação, cenário, personagens”, disse Tom, ao mostrar um desenho feito para determinar a variação de penas de um personagem.

“De uns poucos tipos de pássaros, fomos capazes de criar a ilusão de muitos pássaros diferentes. Você tem alguns pássaros com pescoços longos e finos, pode incluir alguns pássaros nessa categoria. Você tem pássaros como canários, que são pássaros menores, outra categoria. Há alguns que são difíceis de reutilizar, como a galinha ou o tucano. Mas, no fim, categorizamos os diferentes tipos de corpos de pássaros. E a partir daí você tem uma variedade.”

E cada alteração tem seu preço. Mudar apenas uma cor é bem mais barato que alterar o esquema de cores. Mudar penas também é um procedimento mais caro. As mudanças, portanto, foram se alternando. Em alguns pássaros houve mudança apenas de cor, em outros o esquema de cores, o que já garantiu a ilusão de pássaros bem diferentes entre si.

O mesmo planejamento foi usado com os humanos. “Vocês podem notar que não há tantos tipos físicos diferentes. Até porque, se você criar mais do que isso a audiência não perceberá de qualquer forma.”Ainda assim, a variedade é grande, mas nada que chame muita atenção. O quanto chamar a atenção para determinado detalhe é uma decisão a ser tomada:

“No filme Robots, tínhamos um personagem figurante que tinha um chapéu enorme. Não importava o que fizéssemos, mudar a cor ou o que fosse, sempre que o personagem aparecia, você olhava para o chapéu. Nesse caso, você precisa decidir o quanto deseja que ele

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se misture ao restante, ou quanto deseja que chamem a atenção.”

O grupo de cores em que os personagens se enquadram também é planejado. Tom disse que é fã de uma palheta de cores limitada.

“Se você tem 50 pássaros, você precisa distribuir as cores, e o que dificultou é que todos os nossos esquemas de cores são baseados em pássaros reais. Observamos as fotos de referência e incorporamos ao que estávamos trabalhando. Muitos dos pássaros no filme são verdes. Você não conseguiria notar formas diferentes neles, em especial em uma tela menor. Então, o que eu tentei fazer foi distribuí-los dessa forma. Você tem sempre de ser cuidadoso com as cores, não é bom ter muitas cores, ou muita saturação, senão não terá impacto.”

A vegetação

Árvores, plantas, flores, toda a vegetação aparece em Rio. A equipe definiu o que realmente era necessário para caracterizar o Rio de Janeiro.

“Muita da observação veio do Carlos, nosso diretor, e também da observação como turista. Notei árvores com tipos de folhas semelhantes e percebi que isso poderia nos ajudar.”

Três plantas, por exemplo, podem ser modificadas para que pareçam ser o mais diferente umas das outras. A

equipe usa a mesma palheta de cores, mas mexe nas formas.

“Podemos modificar as proporções e rotacioná-las, e ainda continuarão belas de diferentes ângulos. Podemos ter a mesma árvore e girá-la para que pareça diferente ao lado dela mesma, principalmente se mexermos no tamanho em 15% por exemplo. Esse é um exemplo do tipo de raciocínio que utilizamos.”

Com os prédios, o mesmo princípio.

“Aqui temos os prédios arte eco e modernistas dos anos 70, e os em estilo hotel, que categorizamos para a área de Copacabana, por exemplo.”

Com os veículos.

“Se você reparar, os carros se parecem os mesmos, muda apenas a cor. Temos uma variedade de carros no filme, o que foi possível fazer apenas dando aspecto de sujo e velho a alguns, mudando o formato das portas.”Tom mostrou o rascunho dos principais elementos que entraram na parte do filme, e o resultado final, com pessoas e iluminação.

“Se você olhar para a fila de prédios com atenção, vai notar onde eles começam a se repetir. Mas se eu não chamasse a sua atenção, vocês não notariam isso em apenas dois segundos. Você precisa ter em mente que dois segundos não é tempo suficiente para o público notar. Não faria sentido desenhar 100 prédios diferentes.”

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A favela

Para capturar a real dimensão da favela, a equipe de Cardone teve de se manter esperta. O trabalho começou com desenhos de uma única seção, como ele demonstrou.

“Precisávamos de algo leve e simples. Não pusemos muitos detalhes nas superfícies, porque a maioria será vista de uma distancia média. Desenhamos mais alguns, posicionamos ao lado dessa primeira seção, e começamos a conseguir aquele aspecto orgânico da favela. E giramos e combinamos, como vocês podem ver os elementos repetidos, rotacionados e posicionados em diferentes alturas na colina. Em algumas, mudamos as cores também, você pode ter o mesmo pedaço em cores diferentes. As construções em destaque teriam um verde claro ou bege.”

O teste serviu para determinar quantas seções seriam necessárias. Foram oito seções diferentes, no final.“Em cenas em que tínhamos closes da fachada de um prédio, tivemos de fazer elementos específicos para aquele set, sequencia ou tomada. Fizemos detalhes como portas, postes, ou calçadas, depois os distribuímos e ajustamos manualmente para que ficassem visualmente agradáveis.”

O objetivo foi dar personalidade ao lugar e representá-

lo de uma forma mais estilizada que a realidade. E o resultado, surpresa, foi obtido com uma paleta de cores com pouca variação: verde claro, azul claro e amarelo.A produção na Blue Sky, disse Cardone, segue um plano de produção enquanto as imagens são criadas. Como há muita sobreposição de personagens e cenários, o trabalho vai e volta. Daí a falta de linearidade na própria forma de mostrar como o processo se desenrola.

Set design

O trabalho começa com um desenho e Carlos Saldanha determina o que precisa acontecer nesse momento do filme, disse Cardone, ao mostrar o armazém dos contrabandistas.

“Carlos nos descreve que será um prédio gasto, com mobília velha, algo que alguém jogou fora, e esses caras mantém o escritório deles nesse espaço. Esse tipo de informação é o ponto de partida.”

Depois que o rascunho é aprovado pelo diretor, segue para o departamento de história, que trabalha com base nos storyboards.

“Eles pegam uma sequência e a transformam em um clipe. Nós juntamos isso tudo para ter noção do progresso e como tudo está funcionando. O objetivo é melhorar a cada passo do processo.”

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A partir daí já é possível saber o que precisa ser modificado, que detalhes precisam ser adicionados. E o processo segue com os desenhos mais conceituais, que são mais elaborados que os rascunhos, e mais próximos do resultado final. Cada elemento precisa ser elaborado e desenhado seguindo o estilo do filme.

“Assim que estivermos satisfeitos com o design bruto e antes de passarmos para a versão final, criamos um cenário intermediário, com base nas informações que temos de design e história. Isso nos dá a oportunidade de verificar se tudo está de acordo. Os cenários são leves e fáceis de modificar, se necessário.”

Novamente, tudo passado ao diretor, que recomenda as modificações, como perspectiva, iluminação. Nesse ponto, todas as modificações podem ser feitas rapidamente. E já dá para ter uma boa noção de como será o resultado final.

O cenário é enviado para o departamento de layout, que faz o trabalho de câmeras. Cardone mostrou um clipe do departamento de layout. “Essa é uma etapa que nos dá uma ideia se, por exemplo, o sofá está muito grande ou se a gaiola não é grande o suficiente, ou seja, permite avaliar tudo que iremos incluir na tomada.”

Cardone exibiu um cenário a ser finalizado. “Ainda faltam detalhes. Nesse caso, haverá muito lixo, latas vazias, jornais, livros, para dar ideia de que eles são bem desleixados. Ainda falta a textura nesse ponto, que será dada pelo departamento de materiais.”

Materiais

Essa é a parte divertida do processo, quando todas as partes começam a se unir.

“Até aqui, vimos tudo de forma isolada. Agora, tudo se junta e começamos a aplicar cores e texturas. E tudo começa a ter a real aparência de como será. Os designers começam a trabalhar juntamente com o departamento de materiais, tanto nos personagens como nos cenários. Daí passamos para o ajuste fino.”

Cardone mostrou os ajustes feitos com Blu, o personagem principal, como cor e textura. As poses do modelo foram feitas no Zbrush e as ilustrações servem para dar a certeza de como ele ficará no filme.

“É necessário cuidado para que o resultado final não fique exageradamente sintético. Você tem de buscar soluções para tirar um pouco do ar sintético do visual.”

Na definição das penas, Cardone ressaltou as diferenças

das penas nas diferentes partes do corpo, a transição das grandes penas para as pequenas. Foi um trabalho que exigiu interação entre os artistas. Todos tinham de lembrar que as asas deveriam funcionar como se fossem mãos humanas e ainda sim se dobrar perfeitamente alinhadas para produzir um corpo de ave aerodinâmico.O mesmo processo de definição das penas se repetiu com todos os personagens no filme.

Com ambientes, Cardone enfatizou, o processo é o mesmo, e exemplificou com modelos criados com caixas de sapato:

“Adicionamos materiais nas superfícies para dar detalhamento e variedade. As partes são combinadas aleatoriamente para gerar prédios com visuais diferentes.”

Em outra imagem, ele mostrou a vegetação da paisagem. Para fazer a floresta, foi usado um recurso chamado hiper-textura, que dá a impressão de haver árvores sem que haja modelos de árvores ali. Cardone mostrou também um pouco da atmosfera, e o resultado final, com todos os elementos usados para dar a impressão de estar entre as nuvens.

“Para darmos a sensação de estar voando ao público, criamos um cenário na altura do horizonte, com escalas, planos focais e trabalhos de câmera.”

Color design e Lighting design

Tudo o que vai para a tela afeta a público de alguma forma. E as cores controlam a emoção do desenho. Para exemplificar o poder que as cores possuem no filme, Cardone exibiu um clip do filme. A cena começa escura e fica iluminada, colorida, e com muita música. Uma imagem P&B mostra o contraste e a importância da iluminação.

A próxima tela mostrou a iluminação e a aplicação de cores no filme.

“Levamos em conta o horário, e o efeito emocional desejado para cada sequência. Estabelecemos uma lógica para as cores que usamos. Ao criar essa lógica de cores, podemos melhorar e dar apoio à história que está sendo contada, tal qual uma trilha sonora.”

As cores e iluminação da cena criam atmosfera, provocam sentimentos no espectador. Ao controlar esses elementos, é possível aprimorar o impacto emocional do filme.

“Tudo o que vemos na tela afetará o público de alguma

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forma. Você então pode decidir controlar isso ou não.”A definição das cores depende de cada sequência. Se é durante o dia ou durante a noite, em que momento se dará o clímax do filme e o que deve provocar maior impacto emocional.

“Começamos com algo colorido e, conforme vai descendo chegamos a um ambiente com neve e frio, e daí mostramos o Blu em sua casa, onde está seguro e aquecido, e vocês podem notar que são cores quentes. Diante desse cenário, o Blu se destaca. Emocionalmente, você vem de um ambiente externo frio e cheio de neve, para um ambiente caloroso e seguro onde ele vive, e ele está feliz e contente ali.”

Saturação e contraste também precisam de controle.“Se você tem um filme com as cores no máximo de saturação, não terá nenhum efeito no público, e se tornará cansativo. Mas se você combina cores, música, iluminação e câmeras para dar suporte à cena, o resultado será uma sequencia mais forte.”

Outra preocupação é a iluminação. A cena aparece na tela por um segundo ou dois, mas se a intenção é controlar a atenção do espectador, para onde ele irá olhar, é preciso trabalhar com iluminação e sombras, assim como as cores na cena.

O objetivo é criar temas de cores para cada sequência. Um filme é feito de diversas sequências que são compostas por várias tomadas.

Cardone mostrou outro exemplo de utilização de cor para dar impacto emocional. A cena em que o segurança está colocando sua fantasia para o carnaval:

“É para ser uma cena que tem muito suspense. Ele (o segurança) pega sua lanterna, vai ver o que foi o barulho, e eu queria que tivesse uma luz vermelha nessa sala. Nos EUA, há uma luz vermelha indicando a saída sobre as portas, e essa cor varia de acordo com o país. Mas não precisamos explicar o porquê da luz vermelha, a audiência não questiona o motivo, aceita. E o detalhe dá um efeito emocional à sequência, o pássaro que ataca o guarda ganha um aspecto sinistro, a lanterna cai e acaba jogando a luz sobre o segurança desacordado. Dá um efeito muito mais dramático que sem a cor.”

O posicionamento da luz e o uso de cores devem levar em conta onde você quer que seus personagens estejam na tomada. Cardone mostrou outra sequência, em que aparece a transição da noite para o amanhecer.

“Parte da ação se dá dentro do avião. Como há varias transições de localização nessa cena, você precisa trabalhar com cor e luz para que o público entenda o que está vendo e onde estão os personagens. Queríamos dar uma atmosfera depressiva ao avião, um ar de prisão. Para isso, escolhemos cores e iluminação condizentes. E para dar mais drama, carregamos o céu com magenta, que dá uma grande dramaticidade. Daí você tem o interior frio, o exterior quente. Cria-se um fluxo.”É importante também iluminar os olhos dos personagens, o que faz com que eles pareçam mais vivos. Por fim, é preciso atenção com as cores e iluminação especialmente em um filme como Rio para que não fique pesado.

“Você pode ter cenas em que algo ruim acontece, e precisa que a atmosfera pareça mais sombria e pesada. Mas há formas de se fazer isso sem que fique excessivamente escuro e pesado.”

A plateia teve muitos questionamentos. Sobre personagens, estilo, modelo de contratação da Blue Sky. Cardone esclareceu que não é animador, mas um background painter. A produção de Rio envolveu, no total, 400 pessoas no estúdio. Vinte fixas, no departamento de arte, mais freelancers.

Como você prepara os Color Keys?

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São feitos no Photoshop, são pinturas digitais. Entregamos ao departamento de layout. Não podemos fazer uma ilustração para cada tomada. Mas se, por exemplo, você tem uma cena com 50 tomadas, produzimos umas oito para fazer uma sequência. Pegamos as principais em cor, iluminação e emoção na sequência. Primeiro fazemos um rascunho das color Keys, daí o departamento produzirá umas três dessas, e isso ajudará a estabelecer a relação entre as cores para o departamento de materiais.

Num estúdio como a Blue Sky, quanto dos trabalhos anteriores vocês conseguem aproveitar?

Rio foi um filme muito diferente. Fizemos alguns Ice Age antes, cujos elementos não temos como usar de forma que se encaixem estilisticamente em um filme como Rio. E a tecnologia avança tão rapidamente que não dá para aproveitar praticamente nada do anterior. Cada filme é uma experiência. Nos últimos, ainda conseguimos aproveitar algumas coisas de um filme para o outro. Mas há um processo em voltar e buscar esses elementos. Quanto você utiliza elementos de filmes anteriores há a questão de diferenças de estilo como obstáculo. Texturas e técnicas são algo que, se aprendemos em um filme, conseguimos levar o conhecimento para os seguintes.

O que você cortaria para conseguir um trabalho de três anos em um?

O melhor a fazer é olhar seu orçamento e organizar uma agenda que caiba nele. O tempo que você leva conta menos do que seu planejamento. Você pode fazer um filme melhor em um ano do que em três, se você se planejar para isso. Você pode simplificar o estilo, é possível conseguir um melhor resultado. Se eu tivesse de fazer Rio em um ano, faríamos de uma forma mais simples, provavelmente algo menos realista, mais estilizado, com uma abordagem mais limpa e simples. Não adianta querer usar muitos detalhes quando você não tem tempo para isso.

O quanto os filmes 2D, como A Bela e a Fera, influenciaram no seu trabalho, em termos de emoção?

O que importa é como você conta a história. Uma boa história é sempre uma boa história e o que importa é como você conta. Há limitações em como você trabalha as câmeras em filmes 2D, mas se você tem uma boa história, seja em 2D ou 3D, terá um bom filme. A grande influência de 2D, onde eu comecei, ainda mais como um colorizador, é o uso de cores no fundo. Às vezes é mais

fácil deixar isso de lado em filmes 3D. Em 3D só o uso de luzes já faz uma grande diferença. Mas ainda veremos muitas animações 2D.

Quais seus filmes favoritos de animação em relação à produção de arte.

Dos mais recentes, Os Incríveis. Dos mais antigos, alguns dos Walt Disney, pelas imagens de fundo, que eram muito eficientes, pelo trabalho de cor e luz para destacar um objeto.

Qual o público alvo?

Como o filme é muito caro, precisa chamar a atenção de crianças, adolescentes e adultos. Quase sempre nossos filmes são voltados para a mesma audiência.

Qual o futuro do 2D?

Um bom filme é um bom filme. Se tem uma boa história e é bem feito, é um bom filme, independentemente de ser 3D ou 2D. Ainda veremos muitas animações 2D.

Vocês consultaram um especialista em aves antes de fazer o filme?

Carlos é apaixonado por aves e, antes de começarmos o filme, fizemos uma pesquisa enorme. Ele nos mostrou fotos de aves que ele tinha interesse em colocar no filme e nos falou sobre as diferentes espécies que ele adora. Tínhamos um especialista conosco que acabou ajudando bastante na hora de cartunizar os pássaros, com a anatomia, já que a melhor maneira de dar vida a um desenho é fazê-lo parecer natural – e entender como o corpo do animal funciona realmente.

Como a Blue Sky usa os artistas conceituais junto ao departamento de arte?

Nossos artistas conceituais ficam no estúdio na maior parte do tempo e temos alguns freelancers Tentamos juntar pessoas versáteis para não precisar sair do estúdio em busca de ideias e para evitar conflito de estilo.

Vocês ainda usam métodos não digitais, como aquarela e papel?

Desenhos mais antigos são feitos assim. Fora do estúdio, eu, pessoalmente, faço. Mas no filme não, como esse filme é em 3D, tudo seria feito em computador. Não é mais viável trabalhar com pintura em papel, pois demora mais e não se mantém no produto final. Além do

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mais, muitos dos que estão no estúdio não trabalham com isso. Mas todos no departamento de design são artistas tradicionais.

Como funciona a relação personagem-cenário para criar um design novo?

Quando pensamos em cor e forma para um ambiente, pensamos em que personagens farão parte desse ambiente. Desenhar personagens e ambientes envolve caricaturização e detalhes de estilo. Em alguns casos é mais óbvio que em outros. Você não quer fazer um personagem muito realista em um filme como o Rio, pois ficará estranho, não casará com o estilo do filme. Precisamos casar isso ao estilo geral do filme. Começamos a guiar o artista, mantenha essa ou aquela característica até que esteja perfeito. Às vezes você é bem sucedido em outros não.

Dublagem também faz parte da criação de um desenho. Vocês fazem algo nos personagens para ficarem parecidos com os atores?

Fico impressionado com o trabalho dos dubladores, acho maravilhoso. Mas não estou envolvido com a dublagem, de forma alguma.

O design do personagem é influenciado pelo ator?

Nesse filme, não. O design veio antes da escolha dos atores. Os animadores usam referências para coordenação das falas, mas nesse filme não usamos atores como base para personagens. Nós olhamos algumas fotos para ter ideias de personalidades, mas não buscamos semelhanças com uma personagem com uma pessoa real.

Como vocês fazem a contratação das pessoas? São contratos longos?

Há pessoas com contratos de até três anos, lá. Gostamos de trabalhar com contratos longos. Contratamos freelancers, também, geralmente com contratos de dois meses e alguns, inclusive, são contratados depois. Alguns freelancers são contratados dessa forma para vermos se iremos querer mantê-los, outros não querem fazer parte do estúdio, preferem ter uma liberdade maior. Como estamos na costa leste, e a maioria dos outros estúdios fica na Califórnia, é interessante conseguir pessoas e mantê-las conosco. Quando cheguei lá, era um estúdio muito novo, cheio de pessoas para aprender juntas.

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21 de julho quinta-feira Palestra - “RIO” Quadro a Quadro Carlos Saldanha, idealizador e diretor do longa-metragem “RIO”.

Uma abertura emocionada. Quase com um fôlego só, Cesar Coelho não economizou elogios nem afeto na apresentação do convidado da tarde do terceiro dia do Anima Forum. “Todo mundo tem seus heróis. No Anima Mundi, a gente também tem os nossos heróis. Os heróis da gente têm poderes como contar histórias, transformar papel e massinha em vida, transformar qualquer coisa em vida. Quando você tem um herói que reúne tudo isso, mais ainda a generosidade e o orgulho de ser brasileiro, o fato de ter feito o melhor filme-cidade-maravilhosa da história da humanidade; e o fato de ser também uma pessoa que tem uma preocupação enorme em trazer para o Brasil conhecimento, compartilhar com a gente as suas conquistas, os seus sucessos, o fato também de ser um parceiro do festival desde muito tempo... Quando você tem um herói que reúne todas essas faculdades, na verdade, você tem um super-herói. Nós temos Carlos Saldanha.”

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E Carlos Saldanha foi saudado pela plateia. Uma alegria visível de ambos os lados. “Estou muito feliz de estar aqui. Calhou tudo certinho. O filme foi feito antes do Anima Mundi. Deu para preparar a apresentação, tudo calhou. Até as férias no Rio de Janeiro”, ele começou. Uma das presenças mais aguardadas do Anima Forum, Saldanha avisou que sua palestra seria dividida em três momentos. “Na primeira parte, vou contar um pouquinho da minha história. Toda vez que venho ao Anima Mundi, eu conto a história. Na segunda parte, vou falar um pouco da Blue Sky e o nosso processo de departamentos. Depois, vou mostrar o making off do Rio.” Depois das apresentações, viria o bate papo com a plateia. “Para começar, quem viu a palestra dos outros parceiros da Blue Sky? O Bruce e o John? Do Tom Cardone? Caraca, vou ter uma hora de apresentação”, ele brincou. “Se eu começar a falar alguma coisa que alguém já falou, levantem a mão, que eu já sei.” Ninguém levantou a mão.

“When natural inclination develops into a passionate desire, one advances towards his goal in seven league boots” - Nikola Tesla A frase escrita no telão deu o tom do que Saldanha usa para resumir sua própria trajetória. E a de quem, como ele, persegue sonhos e os concretiza. De um jeito ou de outro.

“Não gosto muito de dizeres, mas li um livro, recentemente, sobre o Nikola Tesla, um cara que tem uma história meio esquecida, não ficou muito conhecido, famoso. Mas o livro é muito interessante porque conta essa coisa da perseverança, dele acordar, ter uma ideia, descobrir, fazer, e por algum milagre a coisa funciona. O livro mostra os desafios, as brigas, os percalços que ele teve durante o processo. Ele foi um cara brilhante, a história dele é muito interessante, então peguei essa frase porque todo mundo tem um pouco de Tesla. Uma coisa que você quer muito, sonha, acorda, corre atrás. Se você quer muito, se você corre atrás, acredito que você consiga fazer o que você quer. Às vezes, não sai exatamente como você sonhou, não sai exatamente como você imaginou, mas é o primeiro passo. Ter essa vontade.” Foi mais ou menos isso, como ele mesmo disse, que o levou para os EUA, em 1991. Um momento particular, em que pouco se fazia e pouco se sabia sobre animação no Brasil.

“Saí do Brasil no final dos anos 90. Aquela confusão toda, eu queria fazer animação, mas não tinha como fazer, nem tinha ainda Anima Mundi nessa época, que começou em 1993. Então, não tinha um movimento de animação, era muito difícil falar, encontrar alguém que tivesse interesse por animação. Era um nicho muito pequeno. Você via muito na televisão, vinhetas da Globo, um trabalho aqui e ali, mas onde você via mesmo era o que vinha de Hollywood. Da produção em massa de filmes, da ficção científica, um movimento cada vez mais poderoso em computação gráfica. E também começou o movimento de curtas em 3D. Já tinha, claro, animação 2D, todo mundo cresceu vendo Disney, vendo Hanna Barbera na televisão, anime ainda era muito limitada. Mas esse movimento de animação ainda não era como é hoje em dia.” Quando saiu do Brasil, Saldanha queria, fundamentalmente, saber o que era animação. Mas sem abrir mão da formação em computação nem do conhecimento que adquirira até ali. Como juntar arte e computação? Era exatamente essa a resposta que ele queria. “Foi aí que comecei a correr atrás da computação gráfica. Mas não sabia se ia ser animação. Eu nunca tinha animado. Tinha brincado de fazer história em quadrinho, de desenhar aqui, pintar ali, mas nunca tinha feito nada relacionado com animação.” Havia um curso extracurricular em Nova York, ele soube pelo amigo de um amigo de um amigo. Durante três ou quatro meses, ele poderia brincar de animação. “O intuito era de fazer esse cursinho, depois voltava com algum conhecimento em computação ou animação para poder correr atrás e tentar um emprego na Globo, uma coisa assim, mas eu não sabia exatamente qual era o mercado em que eu ia entrar.” Era inquietação pura. “Eu tinha um trabalho legal aqui no Brasil, com computação, não era o que eu queria fazer no final, mas era um trabalho legal, que eu curtia. Larguei tudo, juntei uma grana, fui para os EUA fazer esse cursinho. Tinha 21 anos e nada a perder.” A oportunidade apareceu, Saldanha aproveitou.

“De cara, nesse cursinho, o que vi foram as diferenças entre esses dois lugares. Na época, o mercado não estava como está agora, mais aberto, todo mundo tem acesso a computador, um laptop, um computador em casa. Nessa época, para ter um computador em casa tinha de ralar muito, não era como hoje. Tinha de ser muito especial.”

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Para quem, mesmo na faculdade, não tinha acesso a tantos equipamentos e software, o cursinho foi se revelando mais que uma surpresa. “Quando cheguei lá, havia 40 computadores na sala à disposição de todo mundo, um professor de animação ensinando software, em Digital Arts, o programa que se usava na época, que funcionava num PC AT, que para mim era demais, eu tinha um XT. Se eu não me engano era 1MB de memória. Caraca! Meu telefone hoje é duzentas vezes mais rápido que aquilo ali. Mas aquilo, para mim, era uma Ferrari. Eu estava como pinto no lixo. Vi todos aqueles computadores e ninguém usando. Fiquei desesperado. Uma turma de 20 alunos, um professor de animação, e ninguém ficava para trabalhar”. Saldanha ficava. Autodidata, fez a festa nos computadores do curso. Passou a ler todos os manuais que encontrava pela frente, usou a estrutura a seu favor. Será que tenho jeito para animação? Se no início Saldanha não sabia em que mercado iria entrar nem onde estava esse mercado, já nos EUA, abriram-se portas, os planos começaram a se definir.

O nome que hoje circula pelo mundo começou dando voltas no computador do próprio dono. “Claro que se

você vê meus primeiros trabalhos, eu não levava jeito nenhum. Fiz um monte de flying logo, meu nome virava duzentas vezes, aquelas coisas que você faz a primeira vez? Escrever Carlos Saldanha de várias maneiras. Foi isso que eu comecei a fazer porque, para mim, animação era isso, era vinheta”. O esforço e a vontade de aprender eram visíveis. E as boas coincidências apareceram.

“Calhou que o professor que dava aula era quem fazia seleção dos alunos para o mestrado. Aí, ele disse poxa, acho que você gosta de trabalhar com animação, que você tem talento, tem jeito, porque você não fica mais um tempo nos EUA? Para estudar, trabalhar com conteúdo, história, animação de um ponto de vista diferente?”. E nem precisou perguntar duas vezes. Empolgado, Saldanha pediu dinheiro emprestado para Deus e o mundo, mudou visto, ficou. E engatou o mestrado. “Comecei o mestrado e aí comecei a ver o princípio do entendimento da animação. Comecei a estudar, a ver animações antigas, a entender os filmes da Disney que via quando era criança, a sentir mais o que vinha por trás da história. A estrutura da história, movimento, comecei a brincar com animação 2D, lápis e papel. Do bê-á-bá, mesmo, mas correndo contra o tempo, porque tinha de aprender tudo em dois anos.”

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Se havia muito que aprender no campo da animação, pelo menos com o computador Saldanha sempre se entendeu muito bem. “O computador sempre foi a ferramenta que eu mais curti. Com o computador, descobri um talento que eu tinha, mas nunca consegui mostrar porque eu nunca desenhei muito bem. Eu até desenhava, fazia caricatura de família, mas não tinha formação artística. Já quis fazer faculdade de Belas Artes, para ter essa formação. Então, o computador foi a ferramenta que funcionou perfeitamente para mim. É claro que tinha aquelas pessoas que vinham de Belas Artes, que pintavam maravilhosamente bem, desenhavam um absurdo, mas tinham limitação com o computador. Isso eu não tinha.” Era preciso desenvolver o lado artístico, sim, mas sem abandonar o computador, que era a base do que faz. Até hoje. Brincando com animação, fez dois curtas durante o mestrado. “O mais marcante foi Time for Love – que tem a ver também com o Anima Mundi –, que fiz no último ano, como projeto de mestrado, e esse projeto foi a primeira vez que consegui formalizar a ideia de todo o processo, do storyboard até a produção final. Foi um filme que fiz totalmente sozinho, sentado no computador, trabalhando 200 horas por dia, fazendo projeto, correndo atrás.”

Aprendendo o processo, fazendo curtas, foi aí que Saldanha começou a entender qual é a linguagem cinemática, qual é a linguagem do filme de animação, além da vinheta. Saldanha exibiu a historinha de amor entre personagens que vivem dentro de relógios cuco. Time for Love foi feito em 2003. “O interessante desse projeto é que o considero uma transição na minha carreira. Eu não fiz nenhum projeto meu, comparado com esse. Fiz todo o processo. A história era minha, fiz storyboard, desenhei os personagens, fiz toda a textura, a iluminação, o trabalho de imagem. Esse era um trabalho meu, fiz sozinho. Com muito pouca ajuda ou com ajuda dos meus colegas da faculdade. Talvez o único projeto que considero 100% meu. Não tem tecnologia nenhuma, não tem nada, mas ainda olho como sendo a minha história. Então, eu carrego isso com muito carinho. Uso isso para ilustrar meu próprio crescimento dentro da computação gráfica, dentro da animação”. O projeto tem razão de ser especial. Foi também o visto para a permanência de Saldanha nos EUA. Na época, o orientador da tese, Chris Wedge, que dava aulas de animação no curso de mestrado e era apaixonado por

animação, tinha uma empresa. Pequena, mas cheia de projetos, ele disse a Saldanha, quando o convidou para trabalharem juntos. A empresa pequena era a Blue Sky e a proposta foi aceita. “Ele falou pô, vem trabalhar com a gente. Aceitei, fui trabalhar na Blue Sky em 93, estou lá desde então. E também o Time for Love foi o primeiro projeto que mostrei no Anima Mundi.” Na Blue Sky havia um sonho de fazer filme de animação. “Em 1993, estavam já fazendo Toy Story, o primeiro filme. Havia todo um burburinho na comunidade de animação tanto em torno do lançamento de Toy Story, como em torno da própria animação, que começava a ganhar evidência, os estúdios se movimentavam”.

Mas a realidade de Saldanha era outra. Não faltava animação, mas ele fazia comerciais de televisão porque era o que pagava as contas. “A gente tentava pegar projetos que agregassem experiência em fazer animação. E tudo que tivesse personagem, tivesse um pouco de história, mesmo que não tivesse muito dinheiro, a gente pegava porque agregava essa coisa de estar praticando para um dia, quando chegasse o projeto, a gente estar preparado pra fazer isso. Então, a gente fez vários comerciais. Desde comerciais tão simples quanto fazer um comprimido de Tylenol cair na tela e pular, a projetos um pouco mais elaborados.” Animar menos, dirigir mais Depois de animar comerciais por quatro anos, veio a primeira oportunidade de dirigir um projeto. “Eu era basicamente animador, mas chegou um projeto em que o cara tinha pouca grana, mas queria fazer. A gente decidiu fazer o projeto quase que de graça. Mas com a condição de que eu teria de dirigir, animar uma parte, modelar. Basicamente, o mesmo que eu tinha feito com o meu curta, teria de fazer nesse projeto.” Era mais um comercial. Mas foi o primeiro teste na direção. “É um comercial simples, mas deu oportunidade de testar um pouco. Deu para brincar, fazer várias coisas interessantes. Dar vida a esse fio, que é uma coisa muito simples, mas o bom da animação é isso, quando você pega uma coisa que não tem muita expressão e você consegue dar vida. E foi isso que me trouxe para animação. Na verdade, o que me trouxe para animação foi o Luxor Jr. Aquela lâmpada. Uma coisa super complexa de relação pai e filho, feita justamente por uma coisa bem simples, uma lâmpada.”

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O comercial Bell Atlantic, que Carlos também exibiu no telão, ganhou prêmios de comercial e uma nova fase começou. “Esse comercial foi uma transição. Um comercial super simples, mas que deu para brincar, fazer outros comerciais. Aí, comecei minha transição de animar menos e dirigir mais. Comecei a ter projetos maiores. E comecei a ter possibilidade de fazer efeitos especiais para cinema.” Foi também outra grande transformação da Blue Sky. “A gente conseguiu pegar um projeto de Nova York, de orçamento baixo, mas que tinha animação. Eles queriam fazer todo em stop motion, mostraram os testes, inclusive. Eu adoro stop motion, mas para a proposta do filme, não dava aquela noção de você estar naquele mundo. Se fosse um filme 100% animação, funcionaria bem, mas era uma mistura de live action com animação, a gente fez a proposta de fazer em 3D, usando o nosso software poderoso, com o qual a gente conseguia fazer os personagens parecerem reais.” Joe e as Baratas

Nasceu o projeto Joe e as Baratas. “Na verdade, o personagem que tivemos de criar eram as baratas, que tinham de ser reais. A gente tinha de misturar com live action e parecer que você estava vendo as baratas. Foi muito divertido porque a gente conseguiu fazer 13 minutos de animação, uma espécie de Jurassic Park das baratas.” Novamente, um projeto trouxe uma transição, pontuou Saldanha, que foi supervisor de animação na produção.

“A gente teve de trabalhar um pouco mais essa coisa de misturar live action com animação, mas teve também de aprender a trabalhar com estúdio, e com estúdio de Hollywood. Apesar de o projeto ser pequeno, a gente conseguiu aprender muito com esse processo”. O filme não foi grande sucesso de bilheteria, mas com Joe e as Baratas, a Blue Sky atingiu outro nível de participação no mercado de animação nos EUA. Ganhou exposição maior dentro do circuito de cinema, entre os diretores, os estúdios de animação e também em festivais. Vieram, depois, efeitos especiais em filmes de maior expressão, como Clube da Luta, efeito especial para um filme infantil, entre outros projetos. “Fizemos muita coisa, mas o que a gente queria mesmo era fazer um filme animado.” Não era delírio e a época era boa para arregaçar as mangas. “Toy Story já tinha sido um grande sucesso,

Shreck já tinha saído, já havia um burburinho no mercado de animação, os estúdios já estavam se juntando, fazendo produções 100% animação. E acredito que tenha sido o grande começo dos novos Anos Dourados da animação. Já se começava a falar nas grandes produções de animação.” Após Joe e as Baratas, Saldanha assumiu a direção de comerciais na Blue Sky, e vieram mudanças também no esquema de trabalho. Foi quando fizeram o curta Bunny, um projeto antigo de Chris Wedge, que finalmente teve a oportunidade de dirigir o filme, em 1997.

“Ele teria dois anos para fazer o filme, e todo mundo trabalharia. A gente botava num painel, juntamente com a nossa produtora na época, o que tinha de modelar. Fizemos uma lista de tudo que tinha a fazer, e todo dia essa lista era atualizada. Cada um fazia uma coisa e fizemos, literalmente, um mutirão.” Depois de dois anos de trabalho, Bunny ficou pronto. “Foi maravilhoso porque era um filme fantástico. E foi muito legal porque eu tive oportunidade de trabalhar com o Chris, e ele pôde mostrar o projeto dele”. O projeto ganhou o Oscar, o que deu mais visibilidade à Blue Sky. Começaram, então, as negociações com a FOX, um estúdio que ainda não tinha parceria com animação. “Havia uma parceria com o Don Bluth, animador irlandês, autor de diversas animações em 2D, que fazia, na época, Anastácia. Nessa época, o 3D ainda não tinha 200 filmes por ano, como tem agora, era mais meio a meio. A Anastácia foi legal, mas eles estavam querendo fazer animação em 3D. Foi aí que a FOX começou a negociar com a gente, e com eles também, e decidiu manter dois estúdios e fazer os dois tipos de animação. Um 2D e outro 3D. Em Los Angeles e em Nova York.” O casamento foi feito em 1998, mas a lua de mel durou pouco. “No início foi maravilhoso, aumentamos o estúdio, pensamos ‘vamos fazer filme aqui, filme ali’. Mas ficou uma coisa muito confusa, a gente não sabia o que a gente era ainda. Havia um projeto chamado Titan A.E, e eles queriam decidir como iam fazer. A gente até trabalhou por um ano no desenvolvimento do filme, mas não deu certo, a gente não queria fazer. Acabou que o projeto foi feito, não foi bem aceito e houve uma grande mudança. A FOX fechou Phoenix, ficou só a Blue Sky em NY.” A Era do Gelo Depois das mudanças, veio o que seria o marco para a Blue Sky. Era o ano de 2002, quando chegou o roteiro de

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A Era do Gelo.

“A gente viu o grande potencial de transformar isso num filme em 3D, 100%. Claro que mudamos muita coisa. Muito foi criado nas reuniões de história, no processo criativo, como o esquilinho. Várias coisas foram crescendo dentro da construção do filme, inclusive o esquilinho. São aquelas descobertas que se faz no processo criativo, que viram momentos mágicos, que são inesquecíveis, e acabam virando a marca registrada daquele de um lugar. A gente não consegue fazer isso com todos os projetos. Mas quando acontece é uma coisa muito legal. E com o esquilinho aconteceu isso com a gente”. A Era do Gelo, que Saldanha codirigiu com Chris Wedge, foi um sucesso e abriu portas para outros projetos. Mas imediatamente após a finalização, houve mais um período de transição. Tratava-se de um projeto único. Quando acabou, muitos animadores foram mandados embora. Foi quando Carlos, com o esquilo Scrat na cabeça, teve a ideia de fazer um curta.

“Quando a gente fez A Era do Gelo, se o filme fosse sucesso, a gente faria mais filmes. Se não, a gente fecharia o estúdio. Quando acabou, ficou naquela berlinda. Com o curta, a gente manteria todo mundo trabalhando por uns três, quatro meses”. Gone Nutty, um filme de seis minutos, resolveu o impasse que se instalara no estúdio e, melhor ainda, concorreu ao Oscar. “Não ganhou, mas eu estava lá”, disse Carlos, rindo, antes de exibir o curta feito em 2002.

Os tempos mudaram e veio uma sequência de projetos. O primeiro deles foi Robots, uma ideia de dentro da própria Blue Sky, que teve a mesma equipe e a mesma estrutura de A Era do Gelo. No meio do filme, a decisão de fazer A Era do Gelo 2.

“Tem que fazer o 2, tem que fazer o 2, tem de fazer agora, ou o público não vai mais lembrar. E como é que vai ser feito, como é que vai ser feito?” Foi feito. Saldanha assumiu a direção de A Era do Gelo 2, ainda fazendo Robots, que tinha pela frente mais seis meses de produção. “Chris continuava a tocar o Robots, eu ficava meio expediente ajudando, mas a outra metade do tempo eu ficava já no desenvolvimento do roteiro para A Era do Gelo 2. O grande lance é que tínhamos dois anos para fazer o filme, da história até o final da execução, ainda fazendo Robots. Na verdade, eu teria um ano e meio para executar um projeto do início ao fim. Sozinho, desta vez.” Nessa época, a ideia de Rio já rondava a cabeça de Saldanha. Um parágrafo já havia sido, inclusive, vendido para a FOX. “Era a história do pinguim que chegava às praias do Rio, na época do carnaval, tinha toda uma trama de pássaros raros, a coisa do tráfico de animais, tudo. Mas era a historinha do gringo que chega e o calor aquece seu coração. Eu vendi.” Enquanto isso, a Blue Sky produziu Horton Hears a Who, em 2008, com outra equipe de diretores. E A Era do Gelo ainda renderia mais uma versão. “Se fez o 2 e foi grande

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sucesso, e o 3, vamos fazer o 3?. Logo saindo do 2, a gente começou a fazer A Era do Gelo 3.” E, no meio do projeto, a surpresa. “Eles disseram ‘vamos fazer Rio, é uma ideia legal, então vai ser nosso próximo filme’. Só que eu não era codiretor. Ia ser diretor dos dois. Mas, enfim, sobrevivi”. E bem. Eis a história dos feitos de Carlos Saldanha, que antes de partir para história da Blue Sky, respondeu ao questionamento da plateia sobre direitos autorais de música.

“É um processo normal de direito autoral. Geralmente, quando uma música é clássica, dependendo do ano, já é domínio publico. No caso de Nutty, a música já era domínio público. O processo é o seguinte: você levanta o custo do direito autoral, se pode pagar, usa, se não pode, troca. Mas qualquer som que é posto no filme tem de ser ou original ou ter os direitos autorais. Se não, a pena é bem maior.” A Blue Sky Os estúdios da Blue Sky ficam a uma hora de carro de Nova York, Saldanha exibiu as fotos no telão. “Eu atravesso três estados para chegar ao trabalho todo dia, quase preciso de passaporte.” (risos). As fotos demonstram a evolução da própria Blue Sky. Se o primeiro escritório não tinha 100 metros quadrados, a cada projeto novo, o espaço foi ficando maior. Na época de A Era do Gelo 3, a equipe cresceu tanto, que chegaram a ocupar três andares de um prédio, o subsolo, o 17° e o 19° andares. “O complicado era ter uma reunião num andar e quinze minutos depois ter de estar no outro. Do 19° para o subsolo.” Foram seis anos circulando entre os elevadores até a mudança para a sede atual. Saldanha encheu os olhos da plateia ao mostrar as fotos. Um lugar isolado, tranquilo, onde os animadores têm liberdade para criar seus próprios cubículos. “Cada um escolhe seu canto, cada um faz suas loucuras. Mas o legal é isso, você pega os animadores e dá liberdade para cada um se sentir em casa, porque, na verdade, a gente passa mais tempo aí do que em casa, e cada um cria o seu ambiente, usa o seu estilo.” A sede ganhou um cinema de 60 lugares, com tecnologia digital. ”A gente tem de ter um cinema que tenha uma projeção que seja até melhor do que a projeção num cinema tradicional. Nós temos de ver a imagem da melhor maneira possível. O que você vê tem de ter a melhor qualidade possível”.

Saldanha mostrou os departamentos da Blue Sky e explicou o tipo de trabalho que cada um desenvolve e quantas pessoas estão envolvidas em cada um. Storyboard15 pessoasPulando de projeto em projeto, de acordo com o pipeline. Até A Era do Gelo 3, as equipes faziam quase tudo à mão, com papel e lápis, eram pilhas e pilhas der papel. Hoje, quase 100% dos storyboards são feitos nos tablets. “Dá mais liberdade e agilidade. Tem uma ferramenta em que você consegue criar traços e, se eu faço uma mudança, o animador vai lá, corrige, não precisa jogar nada fora. O grande avanço foi essa transição das pilhas de papel para o tablet. Não foi fácil, mas no momento em que todo mundo pegou a manha, praticamente não tem mais volta”. Character designHá uma equipe própria, mas há casos em que os profissionais são contratados para fazer determinado trabalho. No caso de Rio, por exemplo, parte da equipe veio da Espanha. Set design30 pessoasÉ a equipe que cria as imagens, define as cenas principais, os efeitos de luz, a cenografia. Esculturas Manual e DigitalFazem esculturas em massinha, depois usam Scanner 3D. Antigamente, era ponto por ponto. Hoje, passam para computador, usam como molde para fazer o 3D normal. “As habilidades artísticas de escultor também passaram por essa transição para o computador. Mas ainda fazemos tudo à mão.” Modelling10 pessoasUma equipe coesa. Eram escultores e se transformaram em modeladores de 3D, em um link com o departamento de esculturas e também com o character design, que cria as expressões faciais. “O processo usa inicialmente o 2D. O modelo base serve para a primeira tentativa em 3D. Depois, o desenhista desenha sobre a imagem criada em 3D e faz a adaptação.” Rigging10 pessoasÉ o departamento que monta os esqueletos dos

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personagens, o que permite ver a transformação imediata da animação. É um departamento que exige aprimoramento constante para garantir a criação de personagens complexos, mas ágeis e rápidos de serem manuseados. “Esse é o funil da Blue Sky. Você tem de achar o equilíbrio. Não adianta fazer o melhor personagem se você não consegue mexer. Esse é o grande segredo. Então, quanto mais rápido o rigging, melhor para o processo de animação.” AssemblyUma equipe pequena, cerca de três pessoas, mas o número flutua.Especializada em montar o cenário, cria o mundo virtual dentro de cada cena. Todos os elementos da cena devem estar dentro de cada uma delas. Texturas e pelosEm A Era do Gelo 1 foi usada mesma técnica usada em Bunny para colocar pelo no personagem. Uma técnica arcaica, que usava placas de geometria na superfície do corpo, o que dava a impressão de ter pelo no personagem. Em A Era do Gelo 2, foi preciso criar uma tecnologia do pelo muito específica, que permitisse molhar, amassar o pelo, sem alterar o personagem criado no primeiro filme. A mesma tecnologia viria a ser usada, desta vez como tecnologia de pena, em Rio. “Nossa tecnologia é muito

poderosa. Cada pelo tem microcubos geométricos que formam o fio. Conseguimos desenvolver uma ferramenta que você consegue ver onde o pelo vai estar e você consegue ver isso durante o processo de animação. O pelo virou um personagem. E é muito importante porque você tem controle.” Material15 pessoas trabalhando por projetoResponsável pelas texturas e cores, desde personagens ao cenário, o que envolve também muita tecnologia. “Em vez de pintar à mão, você usa software baseado na topologia do personagem para dar o visual que a gente cria.” Efeitos EspeciaisO custo mais alto, a parte crucial.“Uma equipe cada vez mais importante, principalmente depois de A Era do Gelo 2, o grande filme de efeitos especiais que a gente fez, com água, toda aquela coisa. Quando a gente começa o projeto tem todo o orçamento, o efeito especial é sempre mais caro. Então, quando tem de cortar alguma coisa é quase sempre o efeito especial. E para não sacrificar a animação, sacrifica um visual, um efeito diferente. Quando a gente fez a Era do Gelo 2, não havia tecnologia de água. Então, no meio do projeto, o cara desenvolveu uma mega ferramenta e de repente todo mundo queria botar água. ‘Bota água, bota água’. Quando se descobre a tecnologia certa, tudo fica mais fácil.”

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Necessidade desde A Era do Gelo 3, a tecnologia de fumaça e de nuvens foi usada também em Rio. Uma mistura de 2D e 3D que permite o efeito final, que é o público não perceber a diferença. AnimaçãoCerca de 35 a 40 pessoas. Em picos de projeto, chega a envolver até 70 pessoas. Uma equipe chave no processo de animação. Todos os departamentos trabalham em conjunto. “Na verdade, é um processo. Nada pode sair da linha. Se você foge um pouco, você vai ter um gargalo que não consegue solucionar depois. Se alguma coisa atrasou, o tempo de alguém lá na frente vai ficar limitado. A data de entrega você não consegue mudar. Para chegar lá, se você está fora do cronograma no meio do projeto, você vai comprimindo o resultado final.” Lighting e Compositing30 pessoasEfeito especial, textura, animação, tudo converge para esse momento.“É um time coeso e consistente no sentido de fazer um bom trabalho, que é uma mistura de técnico com artista.” RenderingO processo mais conhecido, que marcou o início da Blue

Sky. A companhia começou com o software Studio CDA Studio. No decorrer dos anos, as próprias ferramentas para utilização do software tiveram de ser aperfeiçoadas para torná-lo cada vez mais poderoso. Hoje, toda uma equipe trabalha para garantir mais liberdade ao processo. “Rendering, na verdade, é criar uma imagem, mandar para o computador, executar e ter toda a parte de compositing e retoques. É uma área muito mais complexa e é o final da linha. Ou seja, o que sai de lá é final.” Com introdução do 3D no processo, a Blue Sky passou a renderizar duas vezes. “Na verdade, o 3D você tem de renderizar os dois olhos. Você renderiza o lado direito ou esquerdo, cria, faz o cálculo da nova câmera baseado na distância dos olhos, e cria a segunda imagem. Dessas duas imagens, com os óculos, sai o efeito 3D. Nós agora renderizamos duas vezes, ou seja, o original e o segundo olho.”

Foi preciso aumentar a capacidade de processamento. “Eu falo que a tecnologia não soluciona o seu problema, mas ajuda muito. A tecnologia criou complexidades, você acaba querendo animar mais, criando mais coisas. ‘Ah, então se o computador vai ser mais rápido, a gente vai conseguir fazer o filme em menos tempo?’ O tempo de

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fazer o filme quase que nunca muda. Mas a qualidade e o que você bota nesse filme tendem cada vez a aumentar mais.” Post ProductionProdução final, que envolve música e orquestragem, um processo feito quando está quase tudo pronto. A Blue Sky terceiriza o trabalho. A sonorização e a mixagem são feitos em dois estúdios diferentes. “Fazemos fora da Blue Sky. Nos estúdios da FOX, em Los Angeles, e a mixagem, na Skywalker, em San Francisco, que talvez seja o melhor, não só de nível técnico e de espaço, mas também de mixadores e pessoas especializadas no som, que são fantásticos. Geralmente, a gente fica dois, três meses lá, a gente se muda, basicamente, para finalizar o filme”. Esse é a estrutura da Blue Sky, finalizou Carlos Saldanha. E antes de falar sobre Rio, a plateia fez algumas perguntas. Qual o programa que vocês usam? O Maya ou esse que você citou que a Blue Sky criou para fazer rendering?Os dois, paralelamente. Para animação, é o Maya. Nós criamos a nossa própria versão, mas é Maya. Já a parte de rendering é à parte de animação. Nesse grupo de software há vários outros pequenos softwares que trabalham em conjunto. Mas proprietário nosso, do zero, é o de rendering. A escultura digital seria para consertar alguma coisa em escultura tradicional?Na verdade, quando você cria textura, às vezes você já entra no Photoshop fazendo as texturas básicas. Mas, às vezes, a gente começa com uma imagem como base, pinta por cima, dá retoque, transforma, faz um trabalho de criação, quase uma colagem. Algumas texturas começam do zero e outras começam com coisas reais que a gente vai manipulando. Tudo depende do estilo do filme, de como você quer criar esse ambiente. Você mistura realismo com criação artística. Depende muito do artista. Mas a gente raramente usa o tradicional, lápis e papel, a gente usa a técnica de vários elementos para criar o resultado final. A Dremworks copiou a Pixar ou não?Acho que não. A gente fica numa bolha por todo o tempo de um filme. Você faz meio que secretamente. Claro que acontece de você pensar ‘caraca, essa é a melhor ideia do mundo’. Mas um fulano no Nepal acordou com a mesma ideia. Mas aí, como executa, como interpreta, como faz?

Acontece, várias vezes. Por exemplo, a gente está trabalhando uma cena, tem um gag que a gente pensa que é maravilhoso, todo mundo chora de rir e aí sai um filme um mês depois e é exatamente o mesmo gag. Se der para mudar, você acaba mudando. Se não dá para mudar, vai ser igual. No caso da Dremworks houve uma série de coincidências. Como são muitos filmes por ano, quando você sabe que esse é o filme que você quer fazer, solta uma nota na imprensa, resumida, mas com a ideia: ‘Blue Sky está fazendo isso, isso e isso’. Sem dar muitos detalhes. Nós temos acesso a todos os trabalhos que estão sendo desenvolvidos em Hollywood, no mundo inteiro. Toda a comunidade tem esse arquivo. Então, você recebe e vê o que nesse ano vai ser lançado sobre isso. Tanto é que quando tive a primeira ideia do Rio, era sobre pinguins. Fantástica a ideia, adorava a minha ideia. Única, ninguém ia fazer. Um ano depois, apresentei a ideia, o pessoal disse ‘não dá’. Três ou quatro filmes já estavam seguidinhos, sendo feitos, já por lançar, tive de matar o pinguim. (risos) Acontecem ideias paralelas. Outro exemplo, quando comecei a desenvolver a versão atual do Rio, sobre uma arara, uma ave rara, a Pixar também estava com projeto de um lagarto raro, que tinha um rabo azul e tal. Quando a gente soube desse projeto, foi aquele dilema. ‘Vamos encarar ou vamos parar?’ Mas eu disse ‘nosso filme é diferente, mais divertido, colorido, do caramba, vamos peitar!’

A gente decidiu continuar o filme. Se eles fizerem o deles vai ser outra história. Em outro estado, outro país. No meio do projeto, eles cancelaram o deles. Talvez não por causa do nosso. Mas se a gente tivesse tirado o nosso, e eles também, talvez não tivesse nenhum projeto de bicho raro. (risos) Você tenta. E eu ainda acredito que se você tem uma ideia e acredita, tem de fazer. Independentemente da concorrência. Rio quadro a quadro De onde veio a ideia? As temáticas para o filme surgiram da própria experiência de Carlos Saldanha. Tanto o pássaro como a cidade do Rio de Janeiro. “Desde pequeno, eu adorava pássaro, natureza. Mas sempre tive problema com essa coisa do tráfico. Eu achava deprimente aquela história de apreensão de 500 pássaros, na feira de tal lugar, metade estava morta,

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outra metade estava cega, um problema grave. Essa era uma temática que eu queria abordar.” O Rio de Janeiro, por sua vez, era um mundo novo a ser explorado aos olhos do cinema. Uma das cidades mais fotogênicas, segundo ele, e também pouco vista. “Você pode contar nos dedos os filmes bem feitos sobre o Rio de Janeiro, que explorem isso.” Saldanha quis usar a cidade como cenário por tudo que ela pode oferecer tanto visualmente como culturalmente. Coisas que o mundo talvez conheça – como a música e o carnaval –, mas que, no filme, pudessem ser reforçadas. “Comecei a bolar a história do pinguim que chega a Ipanema, se via no meio da confusão dos pássaros raros que iam ser sequestrados pelos traficantes. Ele iria ajudar esses pássaros a se libertar do seu cativeiro e, ao mesmo tempo, ele se livraria do seu próprio cativeiro emocional, já que era uma pessoa mais fechada. E quando ele volta, encontra uma namorada. Enfim, era uma pessoa mudada. Essa era a história principal. Infelizmente, não deu para fazer.” O pinguim foi abortado, surgiu o Blu, uma arara, mas a temática do pássaro raro seria mantida. “Tinha um personagem Blue que era fêmea e era rara. Eu queria manter a história do gringo que vem para cá. Houve até fatos reais, de uma ararinha azul, que estava nos EUA, acabou morrendo, mas não era essa história que eu queria contar.” (risos). Vingou, então, a ararinha azul, um pássaro raro, brasileiro de origem – mas estrangeiro de coração – que vem para o Rio por uma causa nobre, que é tentar salvar as espécies. Aqui, descobre sua brasilidade, acaba se apaixonando e vai ficando. “Como temática, eu achei até mais interessante, porque você fica no Brasil. Achei mais interessante na minha perspectiva, como brasileiro”. Hora de vender o peixe, ou melhor, a ideia. A ideia estava pronta, era preciso encontrar quem bancasse a produção. “É uma coisa que todos nós passamos. Você tem uma ideia na cabeça, é preciso levantar recursos para executar, vender sua parte criativa. Tem uma série de coisas para serem feitas”. Antes de bater na porta de alguém, é preciso estruturar e preparar um material convincente. Saldanha teve a ideia, montou uma apresentação, mas não trabalhou sozinho. Tanto que, ao ser questionado sobre o nós que sempre usa, respondeu: “Não é meu. Não posso dizer que é meu. É um grupo. É uma equipe gigante, são 300, são

400 pessoas. Não posso dizer é meu.”. As reuniões para expor o projeto geralmente envolvem um grupo reduzido de pessoas. Mas fazer o que essa equipe vai levar envolve do marketing ao design. Com a ideia do filme, a equipe reuniu material suficiente para mostrar o apelo da história. Nessa hora, a música e as imagens são determinantes. No caso da apresentação de Rio, foram dez imagens consideradas chave, reunidas numa representação artística do que seria o filme.

“É preciso que essas imagens, que não serão utilizadas no filme, retratem o que será mostrado. É o que dá a noção, para quem assiste, do potencial do filme.” O que mostrar A apresentação de Rio foi feita em dois momentos: um videoclipe, com imagens de outros filmes que retratam o Rio de Janeiro, e uma apresentação artística, que usou as dez imagens já desenvolvidas para retratar o personagem e sua história. Com a apresentação em mãos, tanto o videoclipe como as imagens já trabalhadas, a equipe saiu para a rua. “Esse processo começa da seguinte maneira: vou numa sala, boto essas imagens. Nessa época, eu não tinha roteiro, tinha outline do que a história ia ser, uma linha de cada momento da história, mas eu tinha a história toda (na cabeça). E baseado nisso, pegava os momentos chave da história. Momentos que visualmente venderiam a história do filme. Queria mostrar que era um filme colorido, alegre, que tinha música, uma escala maior, ou seja, tinha grandiosidade.” A música usada no videoclipe foi ‘Mas que Nada’, de Sérgio Mendes, com Black Eyed Peas, que ilustrava imagens de samba e da cidade. “As imagens têm apelo criativo e ajudam a contar a história. E mostrei: ‘isso aqui é o Rio de Janeiro, isso aqui é o Brasil’. E já dava aquela animada básica.” Ainda que numa representação artística, o personagem já tinha características definidas, já era possível conhecer suas nuances. E é esse o segredo da apresentação.

“Aqui, a gente já trabalhou o design dos personagens. Então, a gente começa a mostrar um personagem divertido, simpático, diferente, interessante, que trabalha num book shop, é um nerd. E vai mostrando que o filme é diferente, colorido, tem personagem interessante.” O projeto Na medida em que a apresentação avança, a história vai

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ganhando mais consistência. “Começa na floresta, tem o Blu pequeninho, o contraste do mundo de onde ele vem. Há uma história paralela com humanos, pela primeira vez na história da Blue Sky, um cientista. Aí, começo a falar que estou pensando que esse cara vai ser o Rodrigo Santoro, e vou criando uma dinâmica. ‘Olha, tem essa fêmea, a última das espécies, pode ser a Anne Hattaway’. E vai envolvendo a pessoa na história”.

Saldanha contava, com empolgação, como agia nas apresentações. A plateia no mesmo ritmo. Se o interlocutor se envolve, as perguntas vão surgindo. “E aí, como é que ele chega? ‘Ah, vai para o Rio, Pão de Açúcar, é bonito, colorido’. E você segue contando a trama, desenvolve, vai vendendo o peixe. ‘Mas ela é diferente, sempre viveu na floresta, agora está presa’. Aí conto um pouco da trama, falo que eles são capturados, algemados, aí chego ao vilão. ‘E o vilão?’ Quando chega ao vilão, as pessoas ficam um pouco com medo. ‘Mas o vilão é muito perigoso? As crianças vão sair correndo do cinema? Como é que é? Não, não’. Aí, você tem de tratar o vilão como uma coisa mais branda. ‘Ah, o vilão é um australiano que veio para o Brasil ser astro de novela’. ‘Mas, o que aconteceu? Ficou velho, perdeu pena, ficou rancoroso e acaba decidindo que já que está aqui, vai ferrar todo mundo’. E a gente brinca, fala que vai ter uma cena musical, vai ganhando a atenção.” Nem tudo que é dito está no roteiro. “Vende e faz, prometeu, depois corre atrás”, disse Saldanha, provocando mais riso.

“Aí eu falo que vai ter outros personagens humanos, o Fernando, que vai ser um menino de rua. ‘Opa, como é que é isso, menino de rua, ele vai dar mau exemplo?’ Aí tem toda aquela preocupação do estúdio, então você diz ‘não, não, tem uma transformação, ele vai começar roubando os pássaros, mas ele se transforma no final. Ah, então tá bom’. Aí eu falo que vai ter uma grande fuga da favela. ‘Muito perigoso, armas? Não, não é Tropa de Elite nem Cidade de Deus, é outro filme.’ Tudo eu tenho de explicar, cada detalhe. Eu não estava contando para pessoas que conhecem o Brasil. Um deles nunca tinha vindo ao Brasil. E eu estou fazendo um filme para o mundo entender na Patagônia.” O discurso tem de ser casado com as imagens. “Animação tem de ser bonita mesmo quando é drama, tem de ter essa beleza cinemática. ‘Vai ter muita ação, asa delta, eles vão aparecer na praia’. Aí, você começa a falar que tem os personagens coloridos, todos os grupos estão representados.”

Fora da tela também há multiculturalismo, Saldanha fez questão de pontuar. “Tanto que há brasileiro, americano, mexicano, francês, porto-riquenho, venezuelano, neozelandês, tem gente de todo lugar trabalhando nessa história. Isso era outro apelo legal da história.” A lábia conta, as imagens pesam, mas para convencer, é preciso mostrar o equilíbrio de emoção, ação, suspense. “O que eles querem saber é se vai ter equilíbrio na história. Tem de ter tudo isso. É comédia, drama, ação. Geralmente, filme de animação é tudo isso, é uma coisa mais complexa”.

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Improviso calculado Como nem tudo estava no roteiro, Saldanha começou a bolar quem era o quê, os contrastes, os sons. “Aí vem a música. Eu falava que eles vão passar por uma feira, vão ter muitas frutas, uma cena musical. Naquela época, a gente já começava a pensar que a música poderia ser feita pelo Sérgio Mendes e Will. I.Am, que pode ser o canarinho, já acende uma luzinha lá ‘legal, Brasil, Estados Unidos, música global’. Aí, eu falo que um é tradicional do samba, o outro é hip hop, você junta o novo com o antigo, o global, o atual. E a gente começa a bolar de quem vai ser a voz.”

Além de contar a saga do personagem principal, Saldanha dava detalhes de outros personagens, como os miquinhos. “Na história real, eles não são naturais do Rio de Janeiro, são predatórios com relação às aves em extinção. Um grande vilão pra gente, também. Tem toda uma história, fiz uma pesquisa”. É um filme infantil, mas nem por isso a realidade deixa de ser mostrada. Mas como contar a realidade? Os contrastes? “Você não quer um filme totalmente sacarina, açúcar, açúcar, bonito, bonito. Você quer ter os contrastes. Mas é um filme infantil, então você tem de falar que eles são perigosos, mas são engraçados, eles fazem capoeira, dançam o hip hop que o outro canta.

Não fica aquela coisa de bom ou mal, e você cria uma coisa com mais personalidade, uma coisa mais animada. Aí falo que teria uma cena em Santa Teresa, que acabou sendo uma cena romântica. Falo de outros personagens, como Luis, um buldogue, que vai ter uma baba, que incomodou muita gente.” (risos). O grande final Ela voa, ele não sabe voar. Como termina o filme? “O terceiro ato vai ser no carnaval. Vai ter uma mega festa. Tudo é mega. O produtor roendo as unhas e a gente dizendo que tudo é mega, mega, 200 mil pessoas, carros alegóricos, tudo colorido, tudo diferente. Aí tem a grande cena final, em que o Blu vai voar, um grande momento de liberdade dos pássaros. No grande final todo mundo fica bem, todo mundo relaxa, o Blu não é assassinado no Rio de Janeiro, acaba ficando no Brasil, ele se acha no Brasil.” Slides, painéis, os recursos foram muitos e grandiosos para causar impacto. “O importante é que quando a pessoa entra nessa sala, tenha um impacto. Fizemos esculturas pequenas para a pessoa poder interagir, poder brincar. Você cria todo um clima, para o cara pensar ‘vamos fazer esse filme’. São vários elementos, música no fundo, bossa nova. Tem de criar toda essa coisa para vender o seu peixe. Só não servi caipirinha,

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tivesse servido, teria vendido na hora.” (risos). O esforço compensou. O filme foi feito. Havia 3D na apresentação? Em quanto tempo desenvolveram todos esses desenhos?

Não tinha 3D. Foram seis meses de produção e essa é a apresentação final. Mas foram duas apresentações. A primeira apresentação foi o início da história, em que a dona do Blu era uma velhinha que tinha esse papagaio por muitos anos, e ela vinha para o Rio, junto com ele. Era uma história de amor de uma velhinha, também. Mas o filme tinha tudo para não sair, porque nessa época estavam fazendo o Up. Então, mata a velha. (risos) Nesse momento, vocês já definem o orçamento?

Sempre. Uma coisa muito importante. Nos EUA, a responsabilidade fiscal do projeto é extremamente importante. O impulso inicial é fazer um filme comercial, que dê lucro. Eles estão ali a trabalho. Eu estou ali a trabalho. O processo é extremamente artístico. Mas o criativo não é o que só você entende. Estou fazendo um filme para todos. Se eu dissesse ‘Rio vai custar 200 milhões’, ninguém ia dar. Há parâmetros. O que ajudou foi eu já ter trabalhado em outras produções, Rio foi meu quinto filme. Os quatro anteriores foram progressivamente grande sucesso. Eu já tinha um respaldo. Já cheguei ali meio que ganhando. As portas já estavam abertas. O orçamento ficou em torno de 90 milhões. Em quanto tempo deram a resposta, vocês comemoram?

É divertido. Quando eles aceitam, é um sentimento legal. Mas tem um cronograma, eles querem o filme para amanhã. Foram seis meses trabalhando na primeira apresentação. Depois de dois meses, a resposta. Mas teve de ser feito o roteiro antes. Para eles ligarem o que apresentamos com o que liam no roteiro. É muito importante. Não adianta ter imagem bonitinha, tecnologia e tal, se a ideia não está legal. Em animação, se você tem a base da ideia e a base do roteiro, você consegue trabalhar e desenvolve o roteiro de acordo com a produção. Você está sempre renovando, criando sequência em cima de sequência, então você nunca para de escrever, o roteiro é uma coisa quase que constante. Mas o cara tem de confiar que você tem habilidade de levar o roteiro ao final.

Da ideia aos personagens Quem é o personagem principal, é um papagaio? Como é esse papagaio? Como o personagem vê o mundo? Como o mundo vê o personagem? Como o personagem vê a si mesmo? De que maneira a cultura e a estrutura social podem interferir no comportamento do personagem diante da vida? Com as respostas prontas, o próximo passo é produzir esquetes. Entre os personagens principais, Blu foi o que levou mais tempo para ser definido, até que ganhasse personalidade.

Saldanha mostrou os vários slides com os testes e a evolução do Blu, desde os primeiros rabiscos.

“O Blu bebê foi aceito quase imediatamente porque era uma derivação do personagem adulto e, esse sim, deu trabalho, a gente sofreu um pouco. E esse sofrimento começa através de explorações em que você olha o desenho e pensa: ‘isso não está muito bonitinho, não’. Mas você olha o lado positivo. Aí você conversa com o design, diz ‘não gostei do pescoço, a cara dele está meio estranha’. Aí o cara volta a desenhar, traz de novo. ‘Ah, está começando a melhorar, mas eu não gosto desse olho para frente, está estranho. Mantém os olhos do lado e a gente cria uma silhueta mais marcante, uma coisa melhor’. Você começa a explorar, até começar a ver o papagaio aparecer, ganhar forma.” Foram muitas tentativas. Usando os trabalhos iniciais como base, o formato mais definitivo veio com um design espanhol, e Blu começou a se transformar e a se aproximar do personagem final.

“Os olhos aumentaram, o personagem começou a ficar melhor e, em cima disso, criamos várias situações para dar vida ao personagem, ver como ele poderia se movimentar. Isso tudo para ter referência, para que quando chegasse à animação, eles se inspirassem e pudessem criar o personagem.” O trabalho de vários animadores foi analisado. E de cada um saiu uma característica que ajudou a definir o personagem. “Achei legal o bico desse aqui, o rabo do outro. Gostei mais do olho desse aqui. Você vai pegando detalhes que interessam. O cara é inteligente, mora numa livraria, a dona dele usa óculos, é como se ele também tivesse uns óculos. Você começa a brincar com o design. Com isso, chegamos à definição do personagem. E com essa definição, a gente começa a criar as situações, a desenvolver o personagem como ser humano, com todas as emoções, triste, feliz, nervoso.”

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Finalizada essa parte, o trabalho é usado para que todos os animadores tenham esse desenho base como referência. Todos os animadores têm o molde na mesa. E quando uma cena é criada, tem de seguir esse padrão, para que tudo faça sentido. São vários animadores, cada um anima uma cena diferente. Baseado no design escolhido, a equipe começa a brincar com esquetes de momentos do personagem. O processo ajuda a definir também o corpo do personagem.

“Depois do desenho, finalmente, chegamos à fase modelling. Vai, cria a escultura, e com essa escultura tem a primeira versão 3D, muita coisa tem de melhorar. A gente faz uma reavaliação do que foi feito em 2D com 3D. Depois, usa um software em que você consegue esculpir no computador.” O importante do projeto é sempre trabalhar em conjunto com os departamentos. “O que a gente faz muito é o modelo. O design olha o modelo, vai lá, diz o que falta, desenha em cima, então você vai moldando, mas sempre seguindo a semente original. Tem de olhar sempre de volta para não perder as características iniciais. Se você se distanciar muito, quando chega aqui já é um personagem que não tem nada a ver”. A essência do personagem está na simplicidade e na

fluidez no design. E começa o desenvolvimento do visual do personagem em 3D. “A definição básica do corpo serve para definição de todo o resto, as transformações do personagem como um todo, as texturas, a geometria. Assim, na hora de botar o esqueleto, na hora de botar o pelo, está tudo prontinho.” Detalhes levam tempo e exigem controle. O bico de Blu, por exemplo, levou três meses para ficar pronto. “A pessoa começa um faz aqui, faz ali, isso vai até que alguém grita para. É interessante, mas tem de ter um controle. Não meu, mas dos produtores. Eu dou corda. Vai ficar mais bonito? Mete bronca.” (risos). O departamento de penas, que recebe a mesma história, tem de garantir fluidez. “A gente começa com o personagem peladinho, aí começa a colocar penas, que vão ser usadas como mão, e o resto do corpo tem, mais ou menos, cinco milhões de cabelinhos”. Saldanha explicou que para criar a penugem básica, que ocupa 90% do corpo de Blu, a equipe usou a mesma tecnologia desenvolvida para A Era do Gelo. “É geometria, não é textura. Quanto mais perto, mais detalhes você vê.” A parte de penugem de Blu foi definida em três etapas. “As penas maiores, que dão o desenvolvimento das mãos, as penugens, que cobrem a maioria do corpo, e

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as penas mais crespas, que são mais parecidas com a realidade. E com todos os elementos juntos, você tem a definição do Blu.” A partir daí, tudo pode ser animado. Para dar os contornos definitivos, a equipe volta ao desenho inicial para avaliar o que foi feito. “Se bate com aquilo que você desenhou no início, bora pra frente. Aí você começa a se empolgar.” A criação de humanos Pela primeira vez, a equipe da Blue Sky teria de enfrentar o desafio de criar personagens humanos. Como representar toda a gama de pessoas que poderiam compor a população do Rio de Janeiro, uma cidade que tem desde o branco de olho azul até o negro?

“Foram criados seis modelos básicos de humanos que tiveram transformação de olho e de pele. Toda a parte de cor da população tinha de ter variedade. Eu quis criar essa miscigenação da população.” Foram mais de 15 cores diferentes de pele, desde a mais clara até a mais escura. E com os cabelos foi a mesma coisa. “Desde o ruivo até o moreno. Se você olhar bem as feições, vai ver que é o mesmo objeto porque não teve muito dinheiro para fazer vários personagens. Mas a gente conseguiu várias texturas. Uma randomização da população que permitiu ter moreno com olho claro, louro com olho preto. A gente criou várias nuances para poder brincar com a diversidade.”

Os movimentos Os testes dos personagens foram feitos em 2D, uma opção feita pela equipe por conta da complexidade dos personagens, especialmente o Blu. O grupo de animadores ficou encarregado da tarefa. “Pela primeira vez, a gente conseguiu pegar uma equipe de animadores que eram especialistas em 2D, que dá mais liberdade, permite coisas que talvez sejam impossíveis de realizar em 3D. Eu queria que o design usasse o Blu e fizesse um teste em que ele fosse mais humano, pudesse andar como humano, mas pudesse depois voar. O teste dá uma noção de como o personagem vai usar as asas, a mão, como vai andar, como vai voar. São dois tipos de personalidade em termos de animação. E conforme o personagem vai se desenrolando, a gente começa a criar em 3D.” A plateia conferiu. “Com esse teste você começa a ver o que pode e o que não pode ser feito. O Blu seria o protótipo de todos os personagens com asas.

Demoraram uns seis meses, mas demorou muito porque ele seria esse protótipo maior. Era o que iríamos usar para todos os outros personagens.” O Blu consegue sambar? O pássaro tinha de dançar e não apenas dançar, mas dançar samba. “Pássaro é difícil de animar, de dar emoção, expressão. Será que você vai conseguir fazer um personagem que vai sambar como um brasileiro? Essa era a grande pergunta”. O desafio foi para o animador finlandês, Mika. “Dei um monte de fita de carnaval pra ele, ‘olha aqui, taí a sua referência, olha esse dançarino’, dei uma música e falei ‘bota aí o Blu pra sambar.” Duas semanas depois, os dois se encontraram. Mika carregava um sorriso maroto no rosto. Blu já sambava. Saldanha exibiu o vídeo e a animação do samba ganhou aplausos da plateia. A animação do samba virou referência para todo o filme e Mika fez a maioria das danças. Mas, antes, houve testes com outros animadores. Saldanha teve trabalho para explicar o samba no pé. “Eu também não podia mostrar porque eu também não danço nada de samba, mas olhava aquele pessoal e dizia ‘isso não é samba, não é samba’. Eu era muito chato, mas queria mostrar autenticidade.”

O estudo do movimento envolveu a todos e também muito 2D, que funcionou como ferramenta para um desenvolvimento mais rápido das ideias, antes que a equipe partisse para o 3D. “O 2D ajudou nos testes que serviram para definir como Blu iria se movimentar, já que ele não podia voar.” Saldanha mostrou a animação, que foi usada, inclusive, como abertura do filme. Definido o Blu, como seriam os outros personagens? Nico e Pedro seriam personagens-chave. O canarinho era mais romântico, mais suave, e o cardeal um pouco mais duro, mais minimalista. E haveria outros tipos de dança, não apenas samba. Foi aí que outro animador animou o canarinho numa cena à Fred Astaire, mostrou Saldanha. O desafio dessa animação era outro teste. A grande dúvida era como iriam animar o pássaro. “Eu queria manter a anatomia do pássaro, que tem a junta do pé ao contrário, para trás. Então, pedi para o animador

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que fizesse uma animação com o Nico, que tem as pernas mais longas. Vamos tentar animar como se fosse um pássaro. Se ficar estranho, a gente anima como humano.” Depois, foi feita nova animação para mostrar o contraste de Nico e Pedro. Os testes servem para preparar a equipe para o trabalho final, mas ajudam também a fazer a promoção do filme. “Os testes já são usados para apresentar o filme com elementos a mais, que dão noção do projeto sendo feito.” A mesma apresentação que Saldanha fez para o público do Anima Forum, ele fez também outras vezes para conquistar parceiros. “Acaba sendo o nosso material de publicidade. Isso aí ficou pronto um ano antes do filme ficar pronto. Dá um pouco a noção de você estar com um projeto que é divertido, que é alegre. Essa mesma reação que vocês tiveram, eu tive em vários outros eventos mostrando para o pessoal que no futuro vai promover o filme. Então, você usa isso também como elemento promocional do filme.” Selecionando as vozes Qual a voz do personagem ou as vozes dos personagens? Pode parecer uma etapa difícil, e é, mas é uma das partes mais divertidas, como a plateia pôde conferir nos testes exibidos por Saldanha. Como o poder de convencimento dele é grande, todas as pessoas que ele escolheu para fazer a voz no filme aceitaram. Para chegar ao nome do ator, a equipe parte de uma lista de prováveis nomes. Feita a lista, a equipe seleciona trechos de filmes e faz uma animação usando a voz do ator naquela determinada cena. “Primeiro, a gente não tem o ator. A gente tira somente o áudio da cena original e anima essa cena dentro do contexto do filme. E vê se funciona ou não. Isso, antes de contratar o ator. No caso da Jade, personagem feita por Anne Hattaway, a gente fez teste com vários outros atores, mas o dela foi o melhor. E ela foi, na verdade, nossa primeira escolha.” Saldanha exibiu dois testes feitos com Anne. “Isso é uma maneira rápida de você saber se o personagem funciona ou não. Não precisa uma animação completa, faz uma animação rápida, apenas para ver se o ator vai funcionar.” Os testes foram feitos com todos os personagens. “Mas nem sempre havia um filme que interessava, então a gente pega uma entrevista que o ator tenha feito. Foi o caso da Linda, feita pela Leslie Mann.”

Saldanha exibiu ainda os testes feitos por Leslie e Tracy Morgan, que emprestou a voz a Luis. “Essa é a parte divertida, a gente fica brincando com isso. Às vezes, o personagem nem aparece no teste, a gente só pega a voz”. Com testes em mãos, a equipe parte para convencer os atores. “Com isso você consegue vender o peixe dessa voz. A gente vai, apresenta, e o pessoal acaba cedendo. E pra gente é legal, porque a gente acaba se identificando com eles”. A cidade O Rio de Janeiro é lindo aos olhos dos brasileiros, mas, lá fora, pouca gente conhece. E criar a cidade era um dos grandes desafios de Saldanha e sua equipe. “Imagina que eu estou numa sala com cariocas, mesmo que você não seja do Rio, mas você conhece o Rio. Lá fora, não é a mesma coisa. Na verdade, pouca gente conhece sobre o Brasil, pouca gente conhece sobre o Rio de Janeiro. Somos uma equipe de mais de 300 pessoas e apenas três pessoas na equipe de Rio são brasileiras.” Para familiarizar a equipe com a cidade, Saldanha teve de usar o máximo de imagens. “Quando eu falei vamos fazer um caminhão de coco, o pessoal falou ‘o quê?’ Aí você tem de explicar, mostrar que existe. Eu fiz horas e horas de projeção.” Saldanha exibiu as muitas imagens que fez dos elementos da cidade: as barraquinhas, o caminhão de coco, o calçadão, as pedras portuguesas, bicicletas, pessoas andando. Tudo para fazer com que a equipe passasse a ter noção do Rio de Janeiro. A tecnologia das pedras Para criar esse mundo, é preciso criar também tecnologia. Como exemplo, Saldanha citou o caso da calçada. “Pedra portuguesa é um inferno, porque é textura. Então, a gente criou um software só para criar a pedrinha portuguesa. Através da dimensão da calçada você calcula quantas pedrinhas cabem nessa calçada. Com isso, a gente usa o departamento de materiais para criar texturas em cima disso.” Saldanha explicou como funciona o que ele chamou de luso software. “A gente começa a definir aonde vai o preto, aonde vai o branco. E o software vai quebrando as pedrinhas e vai criando os formatos para você criar a definição. Vai eliminando as muito grandes, as muito pequenas e vai deixando os espaços em branco.

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Baseado na geometria, você cria o que vai ser pedra, o que vai ser cimento, ou seja, o verde é pedra, o vermelho vai ser cimento. Com isso, bota a textura, cimento e pedra. Mas você está no Rio de Janeiro, tem de botar a sujeirinha. A gente bota as imperfeições e, finalmente, a gente chega à pedra portuguesa. Com isso, você define cores e pode espalhar pela cidade toda”. O princípio das pedrinhas valeu também para outros elementos. Desde a textura das montanhas, até os prédios – para os quais foram criados seis formatos diferentes que depois foram multiplicados pela cidade toda –, e a vegetação. Saldanha exibiu as texturas das montanhas, os prédios, as imagens da Vista Chinesa, da Lagoa, os detalhes dos carrinhos passando com a luz acesa, o avião pousando na ponte aérea, a vegetação, a textura das pedras. “Nesses mínimos detalhes, a gente consegue criar o mundo”. Como resultado de todo o esforço, exibiu a cena mais completa, que abrange todo o visual do Rio de Janeiro e reúne todas as tecnologias que foram usadas. Como criar a multidão

Gente na rua, gente na praia, gente circulando, gente no Sambódromo. A inserção de personagens nos respectivos e variados cenários foi um processo dividido em ciclos. “É muito caro colocar manualmente cada um dos personagens. Tivemos de criar uma tecnologia para botar esses personagens na cidade toda, de uma forma simples. Então, a gente usava proxys, ou seja, uma geometria bem simples, como se fossem bonequinhos de papel, e isso era espalhado pela cidade toda. Na hora de renderizar, os proxys eram substituídos pelo modelo final, que eram ciclos de animações, que foram criados pelo departamento de animação de background, que depois ia substituir cada um desses proxys.” Saldanha mostrou o resultado final no telão. “Tudo que interage com personagens é animado pela equipe de animação. E tudo que está andando no fundo é como se fossem os bonequinhos de papel, que têm a animação mapeada. No computador, você consegue colocar milhares de pessoas, sem onerar muito o tempo. Depois que aprova, você substitui os bonequinhos pelo resultado final.”

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Foi o que foi feito no caso do Sambódromo. Foram 15 ciclos para 40 mil pessoas. “Você não precisa animar muito, pode criar esse efeito de multidão com um número limitado de ciclos de animação”, disse ele, antes de exibir a cena final. “Se você olhar, parar no DVD, você vai ver que vão repetir vários personagens. Mas randomizando as cores dos personagens, de roupas, de camisa, você consegue chegar a um resultado final convincente. Mas não pode parar muito no DVD, não, que você vai ver.” A favela A favela faz parte da geografia do Rio, das partes mais complexas da favela. E esse foi outro grande desafio para a equipe. “Uma das coisas mais fascinantes para o estrangeiro foi a criação da favela. Existe em outras cidades, mas é algo muito único do Rio como cidade. Aquela coisa do morro com o asfalto. É uma coisa que eu tinha muito carinho de criar e representar de uma forma artisticamente interessante. Tem uma estética artística muito forte.” Foram criadas várias situações que permitissem mostrar a favela em muitos ângulos. Baseada nessa arte, a equipe criou uma maquete virtual com módulos de favela, usando o mesmo procedimento adotado para os humanos. Saldanha mostrou como foi toda a construção da favela. “Criamos módulos de favela, baseados no design e, com isso, a gente mapeou a área, criando quatro blocos que foram multiplicados e randomizados. Muda um para baixo, bota um para cima e, através disso, você consegue criar toda uma favela – com UPP –, com todos os elementos que causam esse impacto. São vários detalhes que se repetem, claro.” Saldanha mostrou a favela montada, com várias situações de luzes diferentes: ao amanhecer, ao meio-dia, e à noite, com todas as luzes ligadas. Todos os detalhes aparecem, desde o cimento até o tijolo furado. A pesquisa usou até grafite, que aparece em várias partes da cidade, e foi feito por um design especializado em grafite. Saldanha exibiu a cena do moto-taxista, que foi baseada na experiência vivida pela equipe no Rio de Janeiro, e serviu para ilustrar todos os elementos dos quais ele vinha falando. Gravação da voz

Nessa etapa, a voz é gravada, depois animada. “O diretor de animação trabalha com um ator, para ter a performance que precisa, e depois trabalha com o animador, para criar a representação artística dessa atuação do ator.” Para mostrar como a interpretação do animador é importante, Saldanha mostrou dois exemplos em que os animadores fazem a filmagem deles mesmos. Numa salinha, eles gravam como eles imaginam a animação. “Se eles não gostam de se filmar, a gente contrata o amigo do lado e faz a cena de filmagem. A gente tem uma salinha com uma câmera, eles vão lá e fazem”. Isso é feito em todos os projetos. Dentro do processo há espaço para improviso. “Os atores adicionam muito e isso vai ajudando na evolução do roteiro. Você começa com uma base do diálogo, mas, conforme você vai passando pelo processo criativo, esse processo é moldado pela colaboração artística de cada indivíduo que trabalha no projeto. Às vezes, o animador tem uma ideia, às vezes, é o ator. Se funciona, a gente usa e altera o roteiro. O importante é que a cada etapa do processo, o filme fique cada vez melhor.”

O processo de animação Até ser liberada, a animação passa por pelo menos três etapas. O primeiro teste começa com o animador mostrando esse trabalho.

“O animador mostra que tem uma ideia, e você vê o que está passando pela cabeça dele. Aí você vê se dá o próximo passo. Alguns deles fazem direto, no lápis, uma animação bem rápida, um rabisco rápido, que dá uma ideia de como vai ser a composição, a animação desse personagem. Com isso, eles partem para uma animação mais definida dos movimentos já aprovados em 2D. Daí para a frente, vai para a finalização. Com isso, eu aprovo a cena, que uma vez aprovada, sai da mão do animador.”

Existem, na Blue Sky, três categorias de animadores: os sêniores, considerados os melhores e mais experientes; os animadores que acabaram de chegar da escola e têm pouca experiência, mas são bons; e há o grupo que ainda não tem experiência, que começa com BG Animation e não pega nenhum personagem principal, faz apenas animação de fundo. Em Rio, esse terceiro grupo também foi fundamental. “Houve muita animação de fundo. A gente, às vezes, não percebe, mas é o que dá vida à cidade. Eles passaram quase dois anos fazendo essa animação, mas você não nota. Então, um deles decidiu que era hora de mostrar a importância do seu trabalho e fez esse vídeo.”

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Saldanha exibiu o vídeo feito pelos animadores de BG na metade do projeto. “Essa galera merece os aplausos. Eles trabalharam incansavelmente. A maioria deles foi promovida a animador”. Como foi a escolha dos nomes dos personagens?

O roteirista sugere alguns nomes, eu aceito alguns, não aceito outros. No caso do Blu, achei bonitinho, as três letras. Não tem nada muito específico, nenhuma numerologia. Alguns nomes têm homenagens pessoais. E tem outras coisas, como o caso do cientista, que se chamava Júlio. Só que, nos EUA, todo mundo falava ‘Rúlio’. Eu dizia ‘não é isso’. Aí a gente veio ao Rio, fazer uma dessas pesquisas e o cara que fez nossa segurança se chamava Túlio. Na hora que ele falou ‘oi, prazer, meu nome é Túlio’, a gente se olhou, ficou. Túlio. Por que os micos roubando?

Nossa interpretação não teve preconceito, nada disso. Não tem nada muito específico. Na verdade, os macacos são inimigos dos pássaros, na vida real, e a gente usou esse elemento. E cada um interpreta do jeito que quer. É um personagem divertido, foi uma cena divertida, essa foi a base dessa escolha. Como foi a criação do carro que passa pelo sambódromo?

Uma coisa de logística, mesmo. Vamos fazer uma mega cena e o carro tem de passar por lá. A gente optou pelo Sambódromo porque é a meca do samba no Rio de Janeiro, e é um lugar onde a gente podia construir. Fosse uma rua, um lugar normal, não ia ter a personalidade de uma escola de samba, e a gente queria que fosse uma coisa mais autêntica nesse sentido. Quais os passos do início à concepção final do roteiro?

O roteiro é a base de tudo. Não tem um bom filme se não tem um bom roteiro. Claro que eu posso ter cenas na cabeça, que eu não consigo escrever, cenas de ação, aquela coisa da asa delta na praia. Posso descrever, mas a cena realmente acontece na sala de história. O roteiro é um parágrafo. Mas a gente vai, evolui aquilo numa cena complexa, e cria a fala e tudo. Eu tenho ideias, mas não consigo escrever, principalmente em inglês. Eu dependo de um escritor. Mas a gente trabalha junto. A gente senta e eu digo

‘olha, a história é essa’. Dou todas as noções visuais que tenho. Passo para o escritor e conforme ele vai escrevendo as cenas, eu vou lendo, e vou fazendo minhas anotações. ‘Olha, não é bem isso que eu imaginei, mas a tua ideia está melhor que a minha, bola pra frente’. É um bate e volta e é um trabalho constante. É uma coisa que começa do primeiro dia até o momento em que você não pode mais animar. Talvez, o que falta aqui (ao Brasil) é essa continuidade. Animação é um processo vivo. O trabalho com roteiro é constante, todo dia você está escrevendo. Todo dia tem uma ideia nova. Ou vem do ator, ou do animador, vem do cara que está fazendo outra cena. E você não pode perder o foco. Como diretor, você centraliza a decisão, o que entra e não entra na história. Esse trabalho é importantíssimo. Não perder o foco, mas constantemente melhorar até que você possa passar para o próximo nível, que é o storyboard. A minha experiência é que roteiro é imprescindível. Eu sou um cara mais visual, leio e consigo ver a cena. Mas o roteiro vai ser lido por uma pessoa que tem de entender o espírito do filme. E a linguagem do escritor é imprescindível para dar uma noção mais global da história. É como um bom livro. Quando você lê um livro que você gosta, vai lendo e vai vendo a cena passando na sua cabeça. A mesma coisa acontece com o roteiro. A segunda parte mais importante, além da estrutura, é o diálogo. Se o diálogo é medíocre, não sustenta a ideia. Às vezes você tem uma boa ideia, mas o diálogo mata os personagens. Há muita tendência de escrever o que vê. Mas se é animado, deixa ser mostrado, não precisa ser falado. Isso faz com que os roteiros acabem ficando mais fracos. Você tem de ter essa linguagem mais cinemática, de criar um roteiro em que você não tenha medo de mostrar mais, e não ficar botando dialogo em tudo que é lugar. Tem de deixar o diálogo ser uma coisa especial. Esse tipo de criação é importante para um roteiro mais sofisticado. Importante pensar em animação como cinema. Não pensar em animação como animação. Às vezes, alguns roteiros que eu leio, a voz do personagem fica aquela coisa muito infantil e, hoje, o interessante é pensar que você não está fazendo um filme para criança, mas um filme que qualquer pessoa entender e curtir. Então, tem de ter essa sofisticação. Para filme de animação em grande escala, é uma coisa que não funciona. Tem de pensar como se tivesse fazendo um filme, mesmo. E criar uma linguagem de cinema dentro do mundo da animação e dentro da definição do roteiro.

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É difícil achar um bom roteirista?

Muito difícil. Extremamente difícil. Mas existe um grupo pequeno a que você sempre tem acesso. Existem vários tipos de roteirista. Tem o roteirista principal, o cara que dá a estrutura do roteiro. Há aqueles escritores que vão dar o toque da comédia, que vão pegar aquele roteiro, as cenas principais, e vão botar falas interessantes, falas divertidas – não mudando a estrutura, mas criando situações mais engraçadas. Por fim, tem o cara que vai fechar os espaços abertos. Então, você tem equipes de roteiro. Às vezes, tem um cara que consegue fazer tudo, mas, principalmente em animação, temos uma equipe de cinco roteiristas. Às vezes, o roteirista acaba criando um roteiro mais viciado, o roteiro está com problema, mas ele não consegue mais solucionar. Nesse caso, você entrega para alguém que nunca viu o roteiro e esse alguém consegue solucionar. Tem aquelas pessoas especialistas em analisar o roteiro. Isso é um ano. É muito trabalho. Eu tenho reunião de roteiro todo dia. Quando pensaram o Rio, já pensaram em 3D?

Se a gente já sabe que vai ser 3D, já começa pensando em 3D. Mas não muda o processo criativo, não

afeta a história que eu estou contando, não afeta os personagens que estou criando. Afeta as escolhas cinemáticas, a parte de composição. Algumas coisas têm de ser feitas, o personagem tem de estar totalmente dentro da tela. Tem uma série de detalhes técnicos.

Na execução, quando se começa a fazer movimento de câmera, a fazer o storyboard, sabendo que vai ser em 3D, a gente faz de uma maneira que funcione. Mas se tiver uma cena ruim, eu tiro, não me prendo a ela. Tem uma equipe que analisa todas as cenas e faz as adaptações e monta todas as cenas em 3D. Criamos um programinha de controle sobre as distâncias, que não só calcula o segundo olho, mas pode fazer um 3D mais 3D. A gente procura balancear elementos do 3D. Sobre a dublagem

No caso do Brasil, recebi as opções que eles escolheram. Eu ouvi as vozes, fiz alguns comentários, dei alguns toques. Mas não tenho controle. Dublagem é uma técnica muito específica. Eu não dirigiria uma dublagem. São técnica e artistas muito específicos. Eu tenho de delegar para a equipe que faz a dublagem no país porque eles já têm a manha. Vi todos os testes. No Brasil, tive um pouquinho de opção. Todas as vozes principais foram aprovadas. Mas cada país tem sua cultura, seus atores, e tem a opção de escolher quem

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eles querem. A maioria dos países dubla os filmes de animação, deixo a cargo deles. Já fiz a minha parte. Onde se insere a montagem e qual a diferença do animatic feito em cima do storyboard para o resultado final?

A parte da montagem é como o roteiro. Em animação, a montagem vai lado a lado com o roteiro. Estou montando do início ao fim. A partir do primeiro momento que tenho o storyboard feito, já estou montando o filme. Com isso, vou definindo as cenas, o que tem de mudar. E a gente começa a gravar as vozes e botar as vozes originais em cima de animatic. Só vai para a animação uma vez que você já definiu esse animatic todo da história. Eu vejo o filme todo no storyboard. O editor já está montando o filme, esse processo é logo no início. Depois que se define a sequência no storyboard, vai para o layout, que divide e numera as sequencias e as cenas. E aí começa, no computador a definir os movimentos e posicionamento de câmera. O editor pega essas informações e substitui os frames do animatic com o layout, que vai para o animador animar. O editor está sempre trabalhando. É um processo constante. Blu representa frio, neve, teve essa conexão com o nome para ele sempre se lembrar do passado?

Na verdade, eu queria que o personagem fosse azul. Eu queria muito contar a história da ararinha azul. Eu gosto da cor azul. Calhou de funcionar com frio, também. Na verdade, podia criar um problema pra gente, porque a neve era branca, mas deu certo. O nome foi mais por instinto. Você teve alguma formação em direção de atores?

Direção de atores, não. Comecei a fazer isso na época de comerciais de televisão. É tudo questão de relacionamento. Você aprende fazendo.

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Dia 22 de julho sexta-feira

Master Class III “Storyboards e Animatics na Criação de Curtas-Metragens” por Ryan Woodward

Ryan Woodward começou a sua Masterclass com um humor de dar inveja a brasileiro. Disse que o português – que ele não fala nem entende – é uma língua boa de ouvir e prometeu falar o mais pausadamente para não confundir os tradutores, já que ele já foi tradutor de espanhol. A conversa que segue foi uma demonstração de talento. Já devidamente lapidado.

Com a palavra, e muitas intervenções da plateia, Ryan arrancou aplausos a cada exibição dos trabalhos que selecionou para o Anima Forum. E, além dos aplausos, fez o público rir. Desde o início.

“Vocês estão todos rindo e eu não sei do quê.” (mais risos na plateia).

“Eu adoro a língua de vocês. Adoro o português. Tem uma fluidez, soa bonito. Vou fazer o possível para não falar de uma maneira complicada para os tradutores. Eu falo espanhol, sei como é difícil traduzir, porque já fiz isso antes e é muito difícil. Suei como louco quando tentei traduzir.” A animação agradece.

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Quantos de vocês me entendem bem em inglês?

Muita gente levantou a mão, Ryan riu e fingiu que ia jogar o microfone longe.

“Meu Deus! Ótimo. Quantos de vocês estão com os fones e preferem português?”

Não mais que cinco pessoas levantaram as mãos.

E Ryan seguiu.

“Eu já viajei para alguns festivais, mas não para um festival tão impressionante quanto o Anima Mundi. Isso é realmente algo à parte. Vocês têm uma linda coleção (de animações) e uma união de talento, energia e grandes artistas. Vocês têm toda uma interação com as crianças, o que eu acho fantástico. Quantos de vocês estão ou têm interesse nesse ramo por algo que amavam quando criança?”

Muitas mãos para o alto na plateia.

“Exatamente! Exatamente! Então, podem ver o brilho desse festival por ter todas essas coisas interativas para as crianças? Há tantas coisas que elas podem fazer e se elas tiverem interesse em animação e puderem estimular a criatividade já nessa idade, veem como isso traz toda uma geração de fanáticos como vocês e eu? Geeks malucos, como vocês e eu.”

Visivelmente impressionado com o festival e com o Rio, Ryan questionou o quanto de profissionais e estudantes havia na plateia.

“E quantos de vocês são fãs do Duro de Matar?”Ninguém entendeu a piada. “Vocês todos deveriam levantar as mãos!” ele insistiu. Pronto, meia graça e todos riam.

Ryan não trouxe pouca coisa na bagagem. Mas uma tonelada, ele avisou. Era a mais pura verdade. O que seguiu foi uma exibição atrás da outra.

“Eu sou meio o que você poderia chamar de entertainment nomad. Parte disso por conta da maneira estranha como meu cérebro funciona. Eu me entedio muito facilmente com as coisas, então mudo de animação para live action, para alguns desenhos conceituais, e animações conceituais, e storyboards, e animatics. Então, fico cansado de trabalhar para Hollywood e vou para casa trabalhar em um curta próprio por alguns meses. Aí, eu preciso de dinheiro. Então, volto para Hollywood, ganho algum dinheiro, dou aulas.”Risadas na plateia. Ryan seguiu anunciando o material

que iria exibir.

“Vocês têm a vantagem de, neste festival, poder ouvir algumas mentes brilhantes, nas Masterclasses. Então, espero que o que eu tenho para mostrar possa ser aproveitado, porque vou mostrar uma variedade enorme de coisas.”

Com isso, ele pretendia demonstrar o quanto pode ser criado em animação.

“Vocês vão ver que no mercado de entretenimento há muito o que fazer. Há muito trabalho e diferentes animadores. Há um lugar para talentos únicos em todo lugar. Você não tem que ser apenas um animador. Se você quer ser mais que um animador, você pode ser mais que um animador.”

Ryan trouxe uma amostra dos filmes em que já trabalhou e também projetos independentes. Começou com os animatics. O primeiro vídeo foi um trecho de IronMan 2. Em seguida, mostrou imagens que ilustram seus trabalhos com storyboard, como SpiderMan 3. Mostrou ainda imagens do curta-metragem Thought of You, perguntou se a plateia conhecia, todos levantaram as mãos. Sim. “Oh, meu Deus! Ok. Bom! Obrigado.”Ryan preparou demonstrações de storyboards, mas pediu que a plateia não filmasse ou fotografasse o material.

“Eu tenho muita coisa que não tem problema mostrar, e tenho algumas que não seria legal se fossem parar na internet. (risos). É, não seria bom para mim, mas quero mostrar para vocês. Quero falar sobre elas. São coisas que estão para ser lançadas, que são bem emocionantes e vão dar energia a vocês. Mas só posso fazer isso se souber que posso confiar que isso não vai acontecer, ninguém vai tirar fotos, gravar e colocar na internet. Então, eu espero que isso seja respeitado.”

Nem foi preciso repetir. A plateia estava mais ocupada em fixar os olhos no palco. Feito o acordo, Ryan começou a falar sobre o trabalho que desenvolve com figuras.

“Vejo uma importância enorme no trabalho com figuras, não importa o que você faz no mercado, e vou explicar o porquê. Vou mostrar algumas animações também, de quando eu trabalhava na Warner Bros. e era um effects animator, vou mostrar algumas coisas divertidas que fiz na época, algumas das minhas maiores inspirações.”Ryan contou um pouco de sua história. Em 1995, conseguiu o primeiro emprego, na Warner Bros. Animation, que havia acabado de abrir um novo estúdio e estava recrutando trainees.

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“Naquela época, 1995, não havia uma escola que ensinava animação. Havia a CalArts, que custava cerca de 11 mil dólares por semestre, e eu não tinha esse dinheiro. Então, não fui para a CalArts. Havia uma ou outra escola, no Canadá, mas não havia muita oportunidade para aprimorar essas habilidades e os estúdios sabiam disso, então eles criavam programas de treinamento e recrutavam pessoas de acordo com o portfolio, basicamente. Eles treinavam em todos os aspectos da produção e, dependendo de como você se sobressaísse, você acabaria com um emprego naquele departamento.”

Na Warner Bros., Ryan aprendeu efeitos de animação, animação de personagens, layout de storyboards, quis animar personagens, mas ganhou outra inspiração.“Eu queria animar personagens. Mas então, conheci um cara, Michel G . Alguém já ouviu falar dele? Ok. Ele é uma grande inspiração e, quando eu vi seu trabalho, eu não pude acreditar no brilho que havia por trás de tudo. Então, pensei ‘eu quero aprender com esse cara’. Ele, na época, era a cabeça dos effects animation, foi aí que comecei a focar meus treinos na Warner Bros. para ser um effects animator.”

Quando o treinamento acabou, Ryan foi contratado para fazer Space Jam. Descobriu, ali, que paixão move muita coisa. Impulsiona a criação, o trabalho.

“Então, comecei a trabalhar no Space Jam, e a trabalhar com Michel, e ele era como meu mentor. Havia outro animador, um francês, como Michel. Eles dois foram meus maiores mentores. E não era tanto o que eles criavam, era a paixão que tinham. Esses caras sempre tinham os olhos assim (faz cara de empolgação). Quando falavam sobre arte, eles estavam sempre tremendo, porque estavam sempre emocionados, apaixonados pelo que faziam. Eles amavam projetar, amavam desenhar, amavam criar. E eu queria aproveitar e estar perto de toda aquela energia, aquela visão, aquela paixão.”

Dos tempos de aprendizado, Ryan guardou muitas histórias. Como certa vez que o então mentor, no meio de um filme, decidiu pedir demissão porque tivera a ideia de criar um dispositivo anti-gravidade. “Seis meses depois ele voltou ao estúdio com um dispositivo anti-gravidade. O cara é louco.”

Space Jam foi o primeiro filme feito por uma equipe do qual Ryan participou. Mais tarde, fizeram Quest for Camelot.

“Vocês lembram-se desse filme? Era um filme muito divertido de se trabalhar porque havia muita coisa legal

para animar, mas foi um fracasso. O filme não foi bem de jeito algum.”

Depois do fiasco, veio o Iron Giant, que Ryan esperou que a plateia lembrasse-se do que se tratava. “Se vocês disserem ‘não’ eu vou embora daqui.” (risos).

Depois de Iron Giant, que rendeu boas lembranças, veio Osmosis Jones. Mais lembranças boas.

“Alguém se lembra desse filme? Esse foi bem divertido. Eu me lembro de desenhar fluidos corporais, essas coisas nojentas. Minha mulher estava grávida, na época, e quando eu chegava a casa ela me perguntava ‘oh, como foi o trabalho? O que você animou hoje?’ e eu respondia e ela vomitava. (risos) Tive que mudar meu diálogo para contar no que estava trabalhando.”

Depois de Osmosis Jones, a Warner Bros. não ia bem. Como não havia sucessos recentes, não entrava dinheiro. E Ryan começou a trabalhar em desenvolvimento. Fez concept design para projetos especiais, séries de TV, Tartarugas Ninja, Power Puff Girls, um projeto chamado Uncle Louie. Uma série de pequenos projetos, mas nenhum trabalho muito específico. Foi quando começou a olhar para outros lugares. Ele poderia tentar ir para a Dreamworks, ou Disney, ou qualquer uma. Decidiu, então, investir no trabalho com storyboards.

Os filmes que fizera até então eram, basicamente, 2D. Havia um software de composição aqui, um pouco de 3D ali, mas eram essencialmente 2D. Ryan enxergou as mudanças na indústria, o poder que os computadores ganhavam, e decidiu começar a aprender a mexer com alguns softwares, a animar em Maya, a criar composições e efeitos.

“Mas, no final, minha mente sempre quer voltar para o lápis. Sempre quer desenhar. É meio que onde meu coração está – em desenhar com um lápis. Então, pensei ‘ok, vou fazer storyboards’. Eu iria a uma empresa e diria ‘ei, quero ser storyboard artist, mas eu nunca fiz storyboard antes, então se você me der uma cena, algumas páginas de um script, eu vou fazê-lo para você, vou fazer o storyboard, e se você gostar, você me paga, se não gostar, pode jogar fora’. Era perfeito. Era um bom jeito de aprender sobre storyboards e, como eu já estava trabalhando no estúdio como animador, eles disseram ‘ok, daremos algumas cenas para você.”

Parece história tirada dos filmes que ele faz. Mas foi assim que Ryan foi aprimorando o seu traço e as habilidades com storyboard.

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“É todo um conjunto de habilidades. É cinematografia, é composição, é projeto, é storytelling, é pegar um script e fazê-lo ainda melhor. É usar a câmera para dar ênfase a uma emoção.”

Ryan foi para a Sony Pictures e começou a trabalhar em SpiderMan 2, com a tarefa era fazer animatics e storyboards. Depois, fez SpiderMan 3. A diversão foi garantida, mas o filme, nas palavras dele, é horrível.Ao relembrar os filmes que já fez, Ryan citou Where the Wild Things are, no qual fez o storyboard. Um ótimo filme, ele recomendou. Na lista dos mais recentes estão Iron Man 2 e Cowboys and Aliens.

“Os filmes são lançados no Brasil ao mesmo tempo em que nos EUA? Vocês têm de ver esse filme, é realmente algo à parte. Quando eles me deram o script, disseram para ler e eu vi ‘cowboys and aliens’, pensei ‘isso é tão bobo!’. Então, li o script e fiquei ‘wow! Isso é demais!’ Vai ser realmente um ótimo filme.”

Este ano, Ryan fez The Avengers (Os vingadores), que vai ser lançado em 2012. E ainda um filme chamado Snow White and The Huntsman, que também vai ser lançado em 2012. “É uma versão de Branca de Neve, mas com o estilo de Senhor dos Anéis. (risos) Parece bem legal, tomara que dê tudo certo. Fui concept animator. Foi bem diferente. Não fiz storyboards.

Eles quiseram que eu fizesse animação – animação tradicional – para explicar como essas criaturas míticas se movem. Foi muito, muito divertido. Eu não havia feito concept animation em muito tempo.”

O último projeto terminou há cerca de duas semanas. “E, agora, quem sabe? Estou sem emprego.” (risos) Sem emprego, mesmo, ele não está. Ryan também é professor de animação em uma universidade nos EUA, onde ensina storyboarding animation e figure drawing.

O essencial em animação

Como falar sobre storyboarding, animação ou composição de projetos? Segundo Ryan, há algo fundamental e anterior, que é o desenho.

“Quando eu estava aprendendo a animar, desenho (figure drawing) era uma prática essencial. E acho que ainda é, na maioria dos estúdios, mas acho também que se está perdendo algo. Não está mais sendo tão praticado como costumava ser. E, mesmo nos estúdios, nos anos 90, nós éramos obrigados a fazer desenhos no mínimo duas ou três vezes por semana. Eles traziam modelos para o estúdio, durante o expediente, e tirávamos uma hora ou duas para desenhar a figura – então voltávamos para o trabalho. E foi uma prática que aprendi a realmente amar, e uma prática que aprendi que

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é muito mais que desenhar e aprender a desenhar – era sobre resolver problemas, sobre pegar um modelo que está na sua frente e representar numa folha de papel e resolver problemas de criação com apenas um lápis. Você não tem um botão mágico perto de você que diga ‘faça um desenho legal’ ou ‘ajeite’. Você tem apenas um lápis e um papel. Seu cérebro, quando você desenha as figuras, se conecta de uma forma completamente diferente, porque tem que resolver esses problemas sozinho.”

Para ilustrar, Ryan exibiu imagens do livro sobre desenhos que ele escreveu e deve sair em novembro – ele prometeu. O livro é sobre o próprio processo e o que ele aprendeu ao longo dos anos. A plateia pôde conferir algumas partes.

Sobre as conexões no desenho

“Quando você desenha a figura e faz seu entendimento, há uma conexão sólida entre todas as partes do corpo. Há conexão entre os pulsos, os tornozelos, a cabeça, os dedos do pé, os ombros, os quadris. E, muitas vezes, quando olhamos uma figura, vemos todos os membros como individuais. Olhamos e pensamos ‘ah, isso é um ombro, se conecta aqui ao braço’ ou ‘isso é a cabeça, se conecta aqui ao pescoço’. Se você olha para a figura como um todo, e desenha como um todo, liga todos

os ritmos e consegue ver todas essas relações, isso ajuda tremendamente quando você vai animar. Até em animação 3D. Ajuda muito a entender essas relações que os membros do corpo têm uns com os outros. Ajuda também com storyboard, saber as posições certas. Tenho muitos alunos nas minhas classes que fazem texturas, iluminação. Digo, esses são os caras que trabalham na indústria, mas sabem como é grande o valor de figure drawing e entendem como isso ajuda a conectar o cérebro para pensar criativamente.”

O exercício do exagero

Ryan disse que não se classifica como um desenhista acadêmico. O que ele gosta mesmo é de ser criativo e divertido. E a diversão, muitas vezes, está em não desenhar exatamente o que se vê. Mas em exagerar. Olhar o modelo e criar outras proporções, mudar, pensar no design. O trabalho fica bem mais divertido, ele garantiu. E é assim que o desenho pode virar um projeto.“Meio estranho também, não é? Meio estúpido, meio estranho. Mas aí que vira um projeto. E outro lado do seu cérebro começa a pensar em composição de projetos, ao invés de simplesmente desenhar o que você vê. Se você sempre apenas desenha o que vê, você apenas olha, e desenha, e olha, desenha, é algo para guardar no sketch book. Mas quando você vai fazer seus storyboards, ou sua animação, vai ficar ‘não consigo pensar!’.

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Seu cérebro não vai estar conectado para pensar criativamente. Então, quando você desenha uma figura e é criativo e desenha o que você não vê, quando você senta para fazer seu trabalho, de repente seu cérebro está acostumado a esse processo. Então, fica mais fácil saber as melhores posições e os melhores ângulos, e tudo funciona.”

Ryan mostrou desenhos rápidos, nos quais, segundo ele, não levou mais de dez minutos em cada um. Para quem quiser exercitar, ele sugeriu:

“Há alguns exercícios divertidos que eu gosto de fazer. Você tira 25kg da modelo, ou dá 100kg a ela. Você tem de usar a mente criativa para pensar ok, como eu desenho a modelo com esse peso?”

Você usou modelo para todos esses desenhos? Sim.

E você acredita que desenvolver um desenho acadêmico antes é positivo para conseguir exagerar de uma forma mais “controlada”? Se você começa com uma base de desenho mais realista, mais acadêmica, antes, para depois ir para essa fase mais criativa, mais improvisada? Sim. Esse é um ótimo ponto, porque é muito importante ter uma base acadêmica estabelecida. No entanto, eu já reparei que se você for longe demais desenhando apenas academicamente você vai medir assim [faz uma medida pequena com a mão]. Vai ser muito difícil fazer essa transição mental para desenhar de forma mais criativa. Havia um cara, em uma das minhas classes, que era fantástico. Ele desenhava perfeitamente, era pura arte. Então eu falei para ele imaginar, exagerar, e desenhar o que não via. Ele não conseguiu de jeito algum. Perguntei a ele o que ele queria fazer da vida, então. Ele disse que queria fazer storyboards. Eu disse ‘ok, então faça minha aula de storyboarding’. Ele simplesmente falhou. Miseravelmente. Então, há de existir um balanço aí. Começar com a parte acadêmica é essencial, mas manter esse pensamento criativo é tão importante quanto.

E, se você não tem uma aula que lhe permita isso, mantenha um sketch book. É a melhor maneira de manter em forma essa criatividade. Acredito que a maioria de vocês mantenha um. É mais uma dessas práticas essenciais. Há meio que uma concepção de que manter um sketch book é a maneira de aprender a desenhar bem. Não é por essa razão que você deve manter um – isso vem naturalmente. A razão real para manter um sketch book é que você aprende a observar

a vida. E desenha isso. Digamos que você esteja na rua desenhando um carro, um Volkswagen, e passa um cara com uma bicicleta, e você desenha tudo. Quando você estiver trabalhando e o script pedir por um carro, ou uma bicicleta, você vai lembrar e vai vir naturalmente. Você retém uma base de conhecimento quando mantém um sketch book, e você vai precisar dessa base no trabalho. Se você não mantém um sketch book você fica muito limitado em relação à velocidade com que você cresce como artista. Você cresce de acordo com a quantidade de trabalho que faz, mas, mantendo um sketch book, você pode crescer dez vezes mais rápido como artista. E, de novo, não é tão importante que você desenhe bem neles. Quando olho os sketch books dos meus alunos, não me importo se está bem desenhado. Importo-me se eles estão observando a vida, e documentando a vida. Isso é o essencial.

Ryan continuou a mostrar seus desenhos. E explicou que queria estabelecer uma base de figure drawing, algo que ele julga muito importante porque ajuda a conectar o cérebro.

“Já conheceram alguém que pensa de um modo diferente? Que pensa num plano criativo completamente diferente? Quando você fala de alguma coisa, está em outro mundo? Tipo o David Daniels? Quando você desenha a figura, ajuda a exercitar os meios do cérebro que ajudam a ser esse tipo de pessoa. Eu sei que soa estranho, soa engraçado, mas é muito perceptível. Vira uma prática natural e com o tempo você sente a diferença. Não só em mim, mas também com alunos. Aqueles que mantêm um sketch book se tornam desenhistas criativos, malucos e maravilhosos. E acredito estar extremamente ligado à prática.”

Ryan mostrou os primeiros trabalhos que desenvolveu e disse que a relação que mantém com os desenhos de animação tradicionais é como se fossem uma antiga namorada, aquela que traz lembranças maravilhosas. Os tempos do trabalho na Warner também estão bem guardados.

“Não era apenas fogo que nós animávamos. Não era apenas fumaça. Era beleza no papel. Passávamos horas, às vezes dias, animando alguma coisa e então fazíamos o teste e, quando animava, dizíamos ‘está vivo!’ (risos). É um sentimento sensacional quando você vê aquilo se mexendo.”

E lembrou-se da grande lição que carrega:“Quando você faz uma fumaça, não faça de qualquer jeito. Faça como se fosse o desenho mais maravilhoso do planeta. Coloque tudo nele. Toda a sua sensibilidade. Para, quando você olhar na tela, sentir orgulho daquilo,

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mesmo que ninguém esteja realmente olhando para os efeitos. A não ser que seja um efeito principal, como uma explosão no início.”

Efeitos

Ryan exibiu uma cena de Iron Giant. E lembrou-se de alguns efeitos que já fez, como as explosões do filme.“Quando colocaram a cena na minha mesa fiquei muito animado, porque era a cena mais cheia de efeitos do filme. Então, passei provavelmente a primeira semana inteira só vendo sequências de armas nucleares. Testes que os países fizeram nos anos 50 e 60, todas as explosões massivas, coisas do tipo. Coisas bem assustadoras, aliás. E fui assistindo quadro por quadro, para ver como as coisas explodiam. E incorporando alguns desenhos, depois juntando tudo lentamente.”

Ryan lamentou as mudanças no mercado, que limitaram o trabalho do animador.“É muito divertido, por conta desses efeitos, fazer esse tipo de pesquisa; como a chama se move, como a explosão funciona, o que está por trás. Pena que essa parte da indústria não é tão forte quanto costumava ser. É muito difícil encontrar trabalho com efeitos tradicionais. Os TDs (technical directors) tomaram conta dessa área.

Hoje, se você quer trabalhar com esses efeitos, tem que ter uma base em códigos, diploma de ciência da computação. Há muito mais aspectos técnicos agora. Quinze anos atrás, você só precisava ser um bom designer e um bom animador. A indústria mudou um bocado, e acredito que daqui a dez anos vai estar ainda mais diferente. Mas se você desenhar, você pode fazer o que quiser.” (risos)

Essa última cena (em relação ao trecho de Iron Giant) que você mostrou era 2D ou 3D?

É animação 3D, mas colocaram um filtro que faz com que a linha pareça desenhada à mão. O filme foi muito revolucionário nesse aspecto – fizeram de tudo para que parecesse 2D, mesmo que o gigante fosse 3D, os tanques fossem 3D e o resto todo fosse 2D, mas eles fizeram um ótimo trabalho. Aconteceu muita coisa inovadora nesse filme.

A plateia pediu para ele exibisse o mesmo trecho novamente. Ryan atendeu, exibiu e seguiu adiante.

“Quando cheguei à Sony Pictures consegui um trabalho de artista de animatics, de início. Eu trabalhava com os artistas de storyboards, então pegava os desenhos deles, colocava no computador e usava o After Effects para criar o animatic para as cenas. Aprendi muito com esses caras, eram alguns dos melhores artistas de storyboards e eu trabalhava diretamente com os seus desenhos, suas técnicas.”

Ryan fez esse preâmbulo para mostrar um animatic antigo, feito há cerca de dez anos. Um animatic do SpiderMan, primeira tentativa de 3D, que ganhou muitos aplausos.

Nem tudo vai para a tela

Ryan contou que uma das coisas que aprendeu trabalhando com live action, especialmente durante a pré-produção de storyboards e animatics, é que nem tudo o que o animador cria vai para o filme. Há um tempo de pré-produção, uma fase muito profícua em ideias. E, muitas vezes, não há uma página no script escrita para o que o animador está fazendo, ele acentuou. E deu um exemplo:

“Em SpiderMan, Sam Raimi (diretor) virou para mim e falou ‘quero que o Aranha seja perseguido na rua por alguns bandidos, faz alguma coisa muito legal, vai na fé’ e eu disse ‘ok, você tem o script?’ e ele ‘não, eu só quero ver algumas coisas maneiras’. Então, abaixei a cabeça e comecei a trabalhar e a desenhar.”

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E Ryan trabalhou. Em SpiderMan 3 recebeu uma outra tarefa, ou melhor outro desafio.

“No primeiro dia ele me puxou e falou ‘ok, há esse personagem, Flinn Marco, que se transforma no Homem-Areia. Quero que você crie o Homem-Areia, como ele sai da areia e se transforma’ e eu ‘wow! Isso é uma tarefa e tanto.”

A tarefa era para a semana seguinte. E deveria ser entregue em 3D, avisou o diretor. Ryan sabia um pouco de Maya, na época, mas, definitivamente, não era nenhum especialista em 3D. Mas não disse não.“Quando Sam Raimi para na sua frente e diz que quer algo, você só diz sim, senhor! Você não argumenta, você não diz ‘mas eu não sei como usar isso!’ (risos). Você diz ‘ok, eu faço isso. Semana que vem, né? Beleza’. E eu estava quase chorando! Acabei passando a noite toda, naquela semana, trabalhando. O dia todo e a noite toda, dormindo quase nada, bebendo muito Red Bull para ficar acordado, apenas para aprender a mexer no software.”Na semana seguinte, Sami estava lá: “vamos ver o que ficou pronto?” Ryan mostrou o que tinha.

”Apresentei todo o meu material, muitos desenhos, algumas animações 2D, algumas 3D, alguns modelos que eu construí em 3D. E ele olhou tudo e disse ‘ótimo, ótimo, isso me dá muitas ideias legais. Ok, vou lhe dar uma tarefa diferente agora’. E eu ‘mas você não quer que eu continue trabalhando nisso? Isso está a meses de ficar pronto, ainda há muito o que desenvolver e..’ e ele vira e diz ‘na verdade, eu tenho uma equipe de técnicos trabalhando nisso há um ano. Eu só queria ver o que você faria em uma semana’. Assim! Ele.. me manipulou!” (risos)

Ryan foi forçado a aprender e a trabalhar duro. Uma das mais valiosas lições que teve.

“Quando alguém como Sam Raimi, ou Brad Bird, ou John Favreau, ou qualquer diretor com o qual eu esteja trabalhando – quando algum me dá uma tarefa, eu só digo ‘ok’. E faço tudo o que puder para fazer funcionar.”

Gostaria de saber se você lembra quanto tempo demorou em desenvolver esse animatic que a gente viu (o do Homem-Aranha) e se tem uma ideia, precisa ou vaga, de quantos desenhos e storyboards foram usados.

É, isso foi há cerca de 10 anos, então não lembro exatamente. Mas essa deve ter sido a décima versão. Havia muitas versões diferentes e devo ter levado uns dois meses para finalizar. Eu vou mostrar alguns animatics mais recentes, desse ano, aí vou ter como

dizer exatamente quantos storyboards usei e quanto tempo levou para ficar pronto. Eu não lembro coisas de 10 anos atrás muito bem.

Quando você recebe um trabalho desses, que o diretor pede, como você falou, da cena do SpiderMan 3, ele dá algumas noções de quanto tempo cada um dos shots deve durar, você já sabe se vão ser shots de 3 segundos, de 4 segundos, ou ele deixa isso pra você?

Ele não dá direção alguma nesse quesito, é o nosso trabalho. O diretor tem a ideia, e ele só nos dá a ideia, e é nosso trabalho decidir quantos desenhos e quantas cenas colocar, quanto tempo cada uma dura. Ele vai cortar sempre, porque, como storyboard artist, vamos sempre fazer maior do que deveria ser.

Basicamente, nós temos que ser conscientes em relação a essas coisas. Uma vez, quando fiz uma cena de SpiderMan 3, uma cena na igreja, fiz todos os storyboards e quando o primeiro AD [first assistent director] olhou para a agenda de gravação e olhou para o meu storyboard, ele veio para mim muito irritado. E disse ‘você não pode fazer isso com a gente!’ e eu disse ‘hey, Sam Raimi aprovou’ (risos). Então, aprendi que tenho de ser consciente em relação ao tempo que exijo da equipe ao fazer meus storyboards. Até porque, muitos diretores não ligam muito para a logística do filme, só com a direção mesmo. É trabalho dos produtores se preocupar em como a coisa toda fica pronta e com a logística. E, algumas vezes, há conflitos aí. É bom para o artista de storyboard ter uma noção desse tempo.

Ryan exibiu uma cena em que Flint Marko cai, na areia, para ilustrar a resposta: o primeiro modelo em 3D do dispositivo que suga Flint Marko.

“Então, o production designer não estava no projeto ainda. Tudo o que tínhamos era Sam, uns cinco ou seis storyboard artists e outros dois managements. Isso foi bem no começo. Eles davam umas cenas para trabalhar e não fazíamos ideia de como aquilo ficaria naquele ambiente. Então tivemos que começar a criar o ambiente por conta própria. Eu e outro artista de storyboard decidimos que teríamos que descobrir qual seria a aparência daquela máquina, já que ela vai transformar Flint Marko. Então projetamos desse jeito, com essas lâminas gigantes, que giram super rápido. E projetamos para ser gigante, tipo do tamanho de um campo de futebol. Mas percebemos bem rápido que acabaríamos explodindo o orçamento do filme se fizéssemos do tamanho de um campo de futebol.”

Restou diminuir consideravelmente.

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“Houve um momento no set, enquanto filmávamos, em que o mecanismo estava girando, e o diretor e o ator estavam na igreja e Bill Poe, o DP (director of photography), estava logo abaixo da máquina, conversando, e a máquina começou a explodir em cima de sua cabeça. E pedaços de metal quente começaram a cair em todos os lados, e todo mundo estava gritando e entrando em pânico. Parecia uma catástrofe. (risos) Parecia que ia cair e matar o ator e o diretor de fotografia. Por sorte, conseguiram fazer parar e arrumar. Então foram até os mecânicos, o pessoal que construiu, dizendo ‘por que fizeram tão perigoso?!’ e eles mandaram ‘não me culpe, culpe os storyboard artists!’. E então vieram para mim e ‘por que fizeram tão perigoso!?’. Nós sempre levamos a culpa de tudo.” (risos)

Ryan contou que, no início de SpiderMan 2, trabalhou por seis meses desenvolvendo um personagem chamada Gata Negra. Alguém lembra? Ninguém.

“Ela foi cortada! Ela foi cortada do filme! Seis meses de trabalho pelo ralo. Tive que me acostumar logo que muito do trabalho que você faz não vai parar na versão final. É parte da natureza fria por trás disso, sabem? Nós amamos fazer o que fazemos, mas volta e meia chegamos ao fim do filme, assistimos à versão final e dizemos ‘ooohh! Eles cortaram minha cena!’ (faz voz de lamento). Isso acontece direto. Então, aprendemos a ter um coração frio.”

Ryan seguiu exibindo imagens do storyboard do Homem-Aranha. Alguns mais desenvolvidos que outros.

“É divertido trabalhar com o Sam Raimi, porque mesmo quando ele está filmando, ele gosta de ter um storyboard artist por perto, o tempo todo. Então ficávamos no set, sempre por perto, porque quando ele tem uma ideia, do nada, ele gosta de correr para o storyboard artist e pedir para que desenhe. Mesmo durante o dia, enquanto ele filmava, eu ficava com o meu material de desenho nas mãos e nos bolsos e ficava correndo atrás dele como um cachorrinho (risos) enquanto ele dirigia o filme. Volta e meia ele virava para mim e dizia ‘ohh, eu tive uma ideia! Desenhe isso!’ e eu respondia ‘ok’ e desenhava.”

Ryan mostrou um desenho da Mary Jane e explicou como foi feito.

“Eu estava atrás dele no set e ele de repente teve essa ideia de filmar Mary Jane no Central Park, e queria que ela estivesse sozinha. E ele disse ‘eu quero ver alguns desenhos de quão sozinha Mary Jane pode se sentir em NYC, ou Central Park, porque é uma cidade gigantesca,

com milhões de pessoas, como você consegue fazer ela se sentir só’. Então, esses (desenhos) eu fiz no set. Tinha alguns lápis e canetas no bolso e fui desenhando e mostrando a ele.”

Ryan exibiu a mesma cena desenhada de maneiras diferentes.“Isso foi meio desafiador. O diretor de fotografia virou pra mim e disse ‘eu quero ver uma foto de grupo. Desenhe um grupo, uma multidão, com a Mary Jane, mas eu quero ver você fazer a mesma cena com três lentes diferentes. Eu quero lente curta, longa e grande-angular’. E eu disse ‘wow, ok’. Foi divertido. É por isso que é a mesma cena, mas com diferentes câmeras. Essa é mais uma das habilidades de storyboard artist que é muito importante ter – entender o filme. Entender as câmeras usadas, o que o diretor de fotografia usa, que lentes ele gosta de usar, porque é bom entender essas coisas. Você faz o dia do cara. Se você virar para um diretor de fotografia e perguntar ‘com que lentes você quer que eu desenhe isso?’, ele vai ficar ‘oooh! Eu gosto de você!” (risos).

Tudo era ilustrado. Ryan mostrou um storyboard. Uma cena cortada completamente. Eles passaram cerca de três dias em Pasadena filmando, mas não chegou a ir para o filme.

“É de quando Eddie Brock chega à casa do Cpt. Stacey e Gwen Stacey aparece descendo as escadas para ir a um encontro com ele. Ela vai até a porta e vê Eddie Brock ali, com chocolates para ela, e ela diz ‘saia daqui, não quero mais vê-lo’ e ele ‘mas eu te amo!’ e os pais dela vão até a porta e dizem ‘vá, garoto, você não é mais bem vindo aqui’. Aí ele fica triste. E aí vai embora. E Venom aparece.”

Depois da historinha da cena cortada, Ryan explicou a cena da igreja.

“Antes de tudo, levou cerca de três semanas para fazer todos os storyboards e os animatics da cena. Eu ouvi canto gregoriano durante as três semanas, enquanto eu desenhava a cena, porque eu queria realmente entrar naquilo. Queria criar algo para a cena que fosse verdadeiro àquilo. Queríamos insinuar para a plateia que ele estava indo para a igreja para se tornar uma pessoa melhor. Então ouvi aqueles cantos gregorianos e tentei colocar meu cérebro a fundo nisso. Não sei se vocês repararam, mas quando ele entra na igreja, na cena, ele entra e a câmera está sempre pegando o ângulo direito do Eddie Brock. Quando a câmera corta, também está no ângulo direito. E, quando ele senta, a câmera também está no ângulo direito e queríamos que a plateia pensasse que ele estava ali se arrependendo.

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Manter a câmera nesse ângulo criava uma cruz, uma cruz católica. E, então, quando ele tinha essa mudança de pensamento, quando pensava ‘eu quero matar Peter Parker’, a câmera mudava e ia para outro ângulo. E isso ajudava a criar essa mudança de mentalidade que Eddie Brock acabara de ter.”

Pensar em como a câmera pode dar suporte ao filme, como pode contar a história é o que estimula e diverte Ryan. Ele contou que na cena em que Eddie Brock está rezando, se o espectador prestar bem atenção, vai perceber dois personagens meio borrados, sentados lá no fundo. Quem são?

“Sou eu e minha mãe. (risos) Minha mãe estava visitando o set naquele dia e eu fui até o Sam e disse ‘Sam, eu posso sentar na igreja com a minha mãe enquanto você filma isso?’ e ele ‘oh, claro! Eles não vão olhar vocês, de qualquer forma’. Mas eu sei que sou eu! São meus dois segundos de fama bem ali.”

Quando Peter Parker começa a tirar o traje preto, Ryan queria fazer o storyboard de uma maneira que fosse fiel à maneira como o ator interpretaria.

“Então, fui até esse ator. Quando o Homem-Aranha está com o traje, nunca é o Tobey Maguire. Ele não gosta da máscara no rosto dele. É esse cara chamado

Chris Daniels. Ele é sempre o cara por baixo da roupa do Homem-Aranha. Eu sei, que desapontamento, né? (risos) Então, fui até o Chris Daniels e disse ‘ei, quero que você coloque o traje e o arranque, porque vou filmar você e assim vou poder sentir como você vai fazer, e quando eu fizer o storyboard e os animatics, vai ficar bem perto do que você vai de fato fazer no set.”.O traje ainda estava sendo feito. Ryan pediu para ele vestir e reproduzir a cena.

“Em algum momento eu disse para o Chris ‘eu quero que você arranque o olho. Puxe o olho da máscara e vá tirando o traje pelo olho’ e uma das moças do figurino viu e disse ‘oh, não faça isso! Vai destruir meu traje! ’ e ainda disse ‘além disso, ele não vai conseguir, o material é muito forte’. E Chris disse ‘ah, é? Aposto que eu consigo tirar a minha cabeça por um dos olhos’ e ela ‘não pode, não!” (risos).

Ryan mostrou o vídeo.

“Ele é um cara sensacional (o Chris Daniels). Algumas vezes, crianças que eu conhecia me pediam o autógrafo do Homem-Aranha. Eu ia para o trabalho, pegava um pedaço de papel e, ao invés de ir ao Tobey Maguire, eu ia até o Chris Daniels e ele ‘ok, eu assino isso’. E eu levava às crianças e dizia ‘esse é o Homem-Aranha de verdade. Guardem essa assinatura’. E elas adoravam.”

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Depois das muitas histórias sobre SpiderMan, Ryan começou a contar sobre Where the Wild Things Are, um filme igualmente divertido, no qual o diretor, segundo ele, não queria tomadas bonitas.

“Ele queria o que ele chamava de ‘sujo o suficiente para filmar’. Ele queria sentir o ponto de vista do Max (personagem). Como se ele quisesse sempre olhar à volta, às coisas selvagens. Ele queria que as tomadas passassem essa sensação. Eu tive de pensar como um menino de oito anos. Quando li o script pela primeira vez, achei que seria um desastre, mas eu estava errado. É um filme maravilhoso.”

Ryan exibiu um storyboard do filme e a plateia perguntou:

Quando você coloca isso no animatic, como você anima? Você desenha primeiro o storyboard e usa os mesmos desenhos, recorta isso, e anima no after effects, você já faz direto, ou fica só no storyboard?

É sempre um processo com storyboard primeiro. Sempre tenho que desenhar em painéis, primeiro. Então tenho um encontro com o diretor e ele dá alguns pitacos, e diz ‘ok, agora vamos fazer o animatic’. Então eu pego os desenhos. Já fiz de algumas maneiras diferentes. Agora eu faço muita coisa digitalmente, mas há uns tempos eu desenhava no papel, escaneava, usava

photoshop para cortar as partes diferentes dos desenhos e animava. Muitas vezes, eu tenho de pôr alguns desenhos adicionais para o animatic, como, por exemplo, o personagem se movendo muito. Isso requer alguns desenhos a mais para ficar bom.

Hoje, eu faço muita coisa no Cintique, para facilitar na hora de fazer a coisa toda já digital. Faço os storyboards em camadas e mando direto para o After Effects. Acaba sendo muito rápido.

Ryan tinha muito mais coisas ainda para mostrar. Como as imagens do filme Cowboys and Aliens, em que tudo foi desenhado com lápis e papel. Ele contou que levou cerca de um ano e meio para finalmente ficar confortável desenhando no Cintique.

Você tem algum artista de quadrinhos preferido? Alguma influência?

Sim. Sou um grande fã de quadrinhos. Há muitos artistas franceses que eu realmente admiro. Sempre fui fã de quadrinhos, desde que era criança, lendo as histórias, então, me parece meio natural. Inclusive fiz minha própria revista em quadrinhos por alguns anos. A Dark Horse acabou publicando, mas foi só um projeto divertido. É chamado The Invencible Ed, já ouviram falar? Não? Oh! É, nunca foi muito bem, mas foi realmente divertido. Foi como realizar um sonho de criança, sabem? Criar uma revista em quadrinhos. Mas, sim, me inspiro em revistas em quadrinhos. Na verdade,

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acho que os melhores artistas do mundo são artistas de quadrinhos.

Isso me lembra de muito o Shaolin Cowboy, do Geof Darrow, é meio Velho Oeste...

Bom, eu não estou 100% familiarizado com o trabalho dele, mas tenho certeza que toda essa coisa de quadrinhos me influencia, todo o mundo de quadrinhos. Durante anos, eu fui à convenção de quadrinhos, a ComicCon de San Diego, não sei se vocês conhecem. É gigante, é uma festa muito geek. Tem de tudo lá, chega a ser ridículo, mas é muito divertido. Eu não me visto de Darth Vader. E sim de Luke. (muitos risos)

Quando você faz o animatic você trabalha com assistente? Para fazer o som, por exemplo? Ou você sai gravando tudo e faz a sonoplastia também? Como funciona isso?

Assistente nenhum. Eles não me dão um assistente ou qualquer pessoa para me ajudar, é tudo comigo. Eu tenho uma biblioteca de efeitos sonoros e músicas. E muitos truques, também. Ao longo dos anos fazendo isso, criei uma biblioteca com sons de cavalos correndo, ou uns efeitos de fumaça, isso, aquilo, então posso pegar dos meus próprios recursos para fazer o animatic mais rápido. Mas nunca rápido o suficiente, eles sempre querem que o animatic fique pronto o mais rápido possível. Então, ter esses recursos à mão ajuda bastante. Às vezes não consigo nem ter tempo de colocar os sons. Entrego sem sonoplastia e dizem ‘cadê os sons?’ e eu ‘mas você me deu um dia!’ Às vezes preciso de uma voz, ou um grito, aí pego meu gravador e viro para a minha esposa ‘grite pra mim! Preciso de um grito!’. Ela grita bem.

Produção independente

Ryan começou a falar sobre o que considera extremamente importante para quem faz animação. Fazer coisas comerciais é bom, há muito talento, mas, depois de um tempo, vem a vontade de fazer algo como o próprio curta. Uma produção mais autoral.

“Às vezes eu vejo um curta e fico muito inspirado, penso que gostaria de fazer o meu próprio curta, aí penso que animatics são meio que como curtas. Aí começo a pensar em fazer o meu próprio curta. É muito gratificante, como artista, fazer algo meu, algo pessoal, algo não-comercial. Faz sentido? Fazer algo mais artístico, mais pessoal. Porque, depois de um tempo trabalhando com coisas comerciais, você está trabalhando pelo dólar. Digo, você ama o que você faz, mas você tem de pagar

suas contas. E de repente, se desligar dessa coisa de fazer o trabalho pelo dinheiro e trabalhar para você mesmo, criar algo artístico, quem sabe se alguém vai gostar? Já fiz muita coisa que ninguém gostou. Mas esse não é o ponto. O ponto é a aventura de ir por um caminho diferente para satisfazer essa criatividade animal que está dentro de você.”

O primeiro projeto pessoal de Ryan foi a revista em quadrinhos, feita em quatro episódios. O projeto não rendeu dinheiro, quase ninguém comprou, mas não era esse o ponto, ele disse.

“O ponto era que, quando eu tiver 90 anos e estiver morrendo e meus netos ouvirem sobre mim, vão correr e dizer ‘vovô! Você fez uma revista em quadrinhos!?” (risos).

Depois da revista, vieram os curtas. Seis ao todo.“Você não faz um curta do nada - algo tem de inspirar. Não tem como você resolver fazer um curta e simplesmente fazer. Algo na vida tem que te dar o impulso e a inspiração.”

Entre os curtas, ele exibiu The Turtle and the Shark e Thought of You, ambos estão disponíveis no YouTube.Thought of You foi um projeto diferente. Ele teve a ideia quando voltava de uma viagem, exausto do trabalho e com saudade de casa, da esposa e dos filhos, e a música The World Spins Madly On, do The Weepies, tocou no Ipod. A inspiração foi súbita. E quando essas inspirações vêm, é preciso fazer, é preciso criar. Independentemente da resposta que o mundo vai dar.“Cheguei a casa pensando ‘preciso fazer um filme, preciso fazer um curta!’. Então pensei, como faço isso? Eu adoro desenhar figuras, então vou usá-las no curta. Amo dança, amo ver danças, o que mais eu amo? Effects animation? oh! E fui juntando essas ideias de coisas que eu amo. De novo, isso é muito egoísta. Eu estava fazendo o curta por coisas que eu gosto. Não estava fazendo para ninguém, estava fazendo apenas para mim, para satisfazer minhas ideias. Encontrei com uma coreógrafa e passei minhas ideias.”

Ryan gravou um casal dançando, orientado pela coreógrafa, e usou como base para a animação. Teve de escolher entre dois casais - um de profissionais e outro de aprendizes. Escolheu os mais novos, que depois descobriu serem ex-namorados, daí toda a emoção que viu e porque gostou tanto da dança do casal.

Esse vídeo foi o primeiro trabalho seu do qual tive conhecimento, antes de qualquer storyboard. Sou o tipo de pessoa que assiste a isso quase todo dia e chora (risos). É verdade!

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(ela realmente começou a chorar) Desculpe, eu... O principal motivo d’eu estar aqui hoje é porque você está aqui. É muito inspirador, não apenas a história, mas tudo o que significa para nós, animadores. Então, o que vou perguntar, sobre essa coisa toda de ser independente e ter de pagar as contas e os projetos. Como você faz? Como é a produção sendo independente? Você trabalha o dia inteiro?

Obrigado, é muito bom ouvir isso, também, porque, quando fiz esse filme, a primeira pessoa para a qual eu mostrei foi um professor de Belas Artes. Ele odiou. (risos) E eu achei que o mundo inteiro fosse odiar. Então, guardei na prateleira e pensei ‘bom, não vou fazer nada com isso’ e deixei pra lá. Até uns quatro meses depois, quando pensei ‘quer saber? Vou só colocar no YouTube.’

Sorry, I downloaded it! (Disse a moça chorosa em meio às risadas da plateia)

That’s ok!, disse Ryan, que também riu e continuou a falar sobre o vídeo.

Então coloquei no Vimeo e no YouTube em dezembro. E fiquei estupefato com a quantidade de pessoas, como você, que se conectaram ao vídeo da forma que eu me conectei quando o fiz. Há muitos comentários e eu leio cada um deles. Não tenho como responder a cada um, mas leio todos. Eu e minha esposa adoramos ler porque nos mostra como as pessoas se sentem e o quanto gostaram, e me encoraja a fazer mais desses filmes. É complicado, porque você realmente não ganha nenhum dinheiro fazendo esses filmes. Mas é bom porque acabo sendo convidado para festivais como esse, essa é a parte boa. (muitos risos)

Então, para me sentir bem, me sentir vivo, eu tenho de fazer alguma arte minha, um filme, um desenho, mesmo que isso signifique trabalhar entre meia-noite e duas da manhã. Se for o tempo que eu tenho para fazer isso, é quando vou fazer. Só assim vou me sentir humano, sentir que estou contribuindo com o mundo de alguma forma. Obrigado, de novo. Realmente aprecio a sua “abertura”. Obrigado.

Como você acha que deve ser uma boa relação entre um diretor e um artista de storyboard? O que você acha que é necessário, do ponto de vista do diretor, para lidar com o artista do storyboard? E, outra pergunta, se você está procurando um artista de storyboard, quais seriam as qualidades importantes nesse artista?

Respondendo sua primeira pergunta: o diretor é um visionário. Ele é o cara com o cérebro e que entende todo o filme. Então, como artista de storyboard, meu trabalho é dar apoio a essa visão. Eu não tento mudar a visão dele, eu apoio. Quando ele me dá uma ideia, eu tenho que pegar essa ideia, fazer o storyboard e devolver para ele de forma com que ele diga ‘WOW! É exatamente isso!’ Assim sinto que estou sendo um artista de storyboard realmente bom. Alguns diretores literalmente entregam o script para o artista de storyboard e dizem: ‘faça o storyboard do script’. Alguns são como Sam Raimi e Jon Favreau, que não usam script e dizem ‘eu tenho uma ideia...’ e querem que você dê vida a essa ideia. Querem que você pense, não seja apenas uma mão desenhista. Esses são os diretores com os quais eu realmente gosto de trabalhar, porque sinto que posso chegar lá e contribuir.

Quando trabalhei no filme Os Vingadores (The Avengers), estávamos (ele e Joss Whedon, o diretor) conversando sobre uma cena e, como ainda não havia trabalhado com ele, não sabia dos limites que existiam ali. Então, fiz uma sugestão e ele falou ‘É exatamente o que eu estava tentando imaginar esse tempo todo! Exatamente! Faça isso!’ e eu pensei ‘WOW, adoro esse diretor’ (risos). Não há exatamente uma fórmula para isso. Alguns dizem ‘tome o script e faça o storyboard’ e eu faço, pego o contracheque e corro. Faço meu trabalho e é isso aí. Mas os diretores com os quais realmente gosto de trabalhar são os que me deixam contribuir.

Agora, respondendo a segunda pergunta, sobre as habilidades, obviamente, há as suas habilidades com

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desenho, no geral. Mas também há cinematografia, filmagem, como você posiciona uma cena romântica, uma cena de ação, uma cena triste. Há toda uma linguagem de cenas. Veja nos filmes do Hitchcock, são exemplos perfeitos. Se você entende isso, isso o torna 100% melhor como storyboard artist. E isso não é algo que se aprende fácil, é mais feeling. Você só desenvolve com o tempo. Espero que isso responda sua pergunta.

Com que idade mais ou menos você começou a desenhar e observar as pessoas? (um menininho perguntou)

Desde que eu me lembro. Na minha quarta série, uma professora escreveu na agenda, com letras enormes: ‘Ryan doesn’t pay attention. He draws too much’(risos). Bad advice, I know. Então, desde que me lembro, era isso que eu fazia. Desde criança, eu já sabia que era isso que eu queria fazer. Foi uma coisa meio meant to be, não sei. (risos)

Eu queria saber qual programa você usou para fazer os animatics.

Usei Photoshop para cortar algumas coisas, de início, então usei After Effects para toda a edição. Há algumas ferramentas muito boas para animatics. O primeiro trabalho com animatics que peguei, eu estava numa folga entre alguns filmes, um produtor me ligou e disse ‘hey, você faz digital effects, não faz?’, ‘sim’, ‘você sabe fazer animatics?’ e eu nunca havia mexido no After Effects na minha vida, e disse ‘oh yeah!’(risos). Era sexta-feira, e ele me disse ‘ótimo! pode começar na segunda-feira?’, e eu ‘claro! estarei aí na segunda’. Desliguei o telefone e comecei a aprender tudo o que podia sobre o After Effects(risos). Foi basicamente assim que aprendi a mexer no programa. More bad advice, I know, but... (risos)

Aproveitando a questão do programa, nesse último curta (Thought of You), qual foi o programa que você usou? E, outra pergunta, qual a importância que você acha que a perspectiva tem em relação à cinematografia?

Desenhei no Cintique e fiz no Flash.

Ohhhhhhh.

É, é tudo no Flash.

But the texture!?

Ah, a textura foi feita no After Effects. Eu importava do

Flash só o desenho e fazia toda a composição no After Effects. Tudo o que eu sei fazer no Flash é desenhar, criar key-frame e deletar. Não sei mexer em muita coisa, meio que trato como papel e lápis.

E a perspectiva, você fala da perspectiva como profundidade? Ok. Eu começo quase todo storyboard que faço com uma grade de perspectivas. A primeira coisa que faço é a linha do horizonte, então desenho meio que um plano para o chão, outro para o céu e, de repente, conheço meu ambiente. É bem rápido, leva cerca de 10 segundos para fazer. E então posso desenhar. É muito importante e me ajuda muito.

Eu ia perguntar sobre a garota do Thought of You...

Você quer sair com ela? (risos)

É impossível assistir a isso sem se apaixonar por ela (risos), mas acho que superei. Mas quero saber sobre o Google Doodle que você fez. Como foi?

Sei que o tempo tá acabando, então vou tentar falar bem rápido. Você está perguntando sobre essa coisinha aqui (ele exibiu o doodle). Então, alguém do Google viu Thought of You e quando o aniversário da Martha Gram, uma dançarina contemporânea, foi ficando perto, eles me ligaram e pediram para fazer um doodle para ela. E como eu diria não, né? É o Google. (risos) Eles me deram um mês para fazer e eu me senti até meio mal, porque levei um dia e meio fazendo. Fiz muito rápido, pensei ‘quem vai ver isso? talvez um ou outro veja e pense, oh, isso é fofo, e só, né?’ Fiz meio pensando assim e acabei fazendo rápido. Então foi lançado. O Google funciona assim: o doodle é atualizado primeiro em Tona, depois, conforme vão passando as horas, vai passando para o resto do globo. Então, lá pelas dez da noite do dia anterior, comecei a receber emails de Tona. E Austrália, e Japão, e eu ‘o que diabos tá acontecendo?’ Quando chegou a Nova York, meus dois sites caíram. E não apenas caíram, eles derrubaram todo o serviço de hospedagem. Caíram completamente. E liguei pra lá perguntando o que estava acontecendo, e eles ‘você derrubou nossos servidores!’ Foi um dia muito divertido, meu email parecia a Matrix. Queria ter dedicado mais tempo a isso, ter feito um trabalho melhor. Não achei que tanta gente viria, foi maravilhoso.

E fim. Foram muitos, muitos aplausos.

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Dia 22 de julho sexta-feira

Palestra Portifólio - Quanto Vale o seu Trabalho?

Participantes – Felipe Tavares (ABCA), Fábio Yamaji, Alan Camilo.

Moderador – Andrés Lieban (2D Lab)

Ao longo dos 19 anos de Anima Mundi, dois fatores foram fundamentais para a realização dos festivais: talento e generosidade. Esses mesmos dois ingredientes valem para se fazer uma associação de profissionais. A ABCA é movida basicamente por essas duas características. Dois motores que têm levado a grandes conquistas.

Ainda há carência, dificuldades e grandes desafios para que a animação ganhe solidez no Brasil. Mas o talento, a generosidade e a união dos animadores como classe têm rendido muitos frutos. Daí a importância de se investir na associação de profissionais. Sem ela, muitos dos avanços não teriam acontecido. Principalmente a representatividade em diferentes fóruns e também nas esferas governamentais.

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Pelos resultados que já apresenta e pelo que ainda tem pela frente, a associação precisa ser legitimada. E quem a legitima são os animadores.

Com esse preâmbulo, Cesar Coelho abriu a tarde do último dia do Anima Forum. Entrariam em discussão temas tão inquietantes quanto urgentes entre animadores que querem demarcar seus territórios, produzir e preservar direitos sobre textos, imagens e ideias.

Com a palavra, o mediador Andrès Lieban saudou o público, anunciou que o debate seria interativo e já engatou a importância de se começar a elaborar um perfil do animador.

Como se constrói o profissional? Na medida em que a indústria cresce, como se representa o profissional? É preciso trocar ideias sobre os muitos aspectos que podem garantir que o profissional seja respeitado e bem remunerado pelo que produz.

A ABCA é fundamental para propagar o perfil do animador que se quer, ressaltou Andrès, que usou sua própria experiência para ilustrar as muitas dúvidas que ainda cercam quem trabalha seja com lápis e papel, seja com computador, para construir a animação.

“Já trabalhei com curta-metragem, já fiz séries, já fui frila, já passei por muitos lugares. E tem muitas coisas que se repetem. Muitas coisas que a gente vê, que aconteceram comigo, aconteceram com muita gente. Coisas do tipo o cara liga para encomendar um trabalho, você fala 15 mil, ele diz que só tem 300 e você diz tá, dá para fazer, para você, eu faço. Às vezes é mais fácil fazer as contas do mês pela data do vencimento e não fazer a matemática para saber do quanto você precisa. Também não adianta cobrar um valor ao qual você não faz jus, porque rapidamente você vai ser substituído. Acontece ainda de o cara chegar numa empresa e não saber quanto vale o trabalho dele. Existem coisas que a gente precisa pensar a partir de agora.”

Quanto vale um animador?

A questão foi posta na mesa. Andrès propôs uma conversa aberta, uma melhor movimentação e maior articulação entre os animadores. E apresentou os companheiros que iriam participar da discussão.

Alan Camilo, que tem dois longas no currículo, animador que participou, inclusive, de produções internacionais, e tem um dedinho na área de programação.

Fábio Yamaji, um profissional com perfil singular,

animador, fotógrafo e crítico de cinema, que faz muita publicidade, mas desenvolve um trabalho autoral em stop motion.

Felipe Tavares, presidente da ABCA, produtor executivo do Copa Studio, que fez Tromba Trem.

Depois das apresentações, ao que interessa. E a primeira questão foi como o animador deve apresentar o seu trabalho.

Que vitrine o animador deve usar?

Fábio Yamaji e Alan Camilo tiveram o espaço para demonstrar como expõem seus trabalhos, que critérios usam para selecionar o material com o qual resumem suas trajetórias na animação.

Fábio Yamaji exibiu um DVD de dois minutos, feito em 2009, no qual selecionou quatro comerciais entre os muitos que já fez. Os mais expressivos e variados.

“Procurei reunir o máximo de técnicas possível. Com materiais diferentes, situações variadas e propostas diferentes de animação. Tanto de stop motion como o que eu já fiz em 3D.”

A plateia aplaudiu o que viu.

“Montei esse demozinho e espalho, principalmente no YouTube, no Google. E uso todas as tags possíveis para ser encontrado facilmente. Tive a preocupação de mostrar um pouquinho de cada técnica que já experimentei tanto em comercial quanto em curta, para que a pessoa que assiste possa conhecer e encomendar um trabalho”.

O portfolio que Fábio exibiu é usado para dar uma noção geral do seu trabalho. Quando precisa mostrar o que faz para uma empresa, diretor ou estúdio, especificamente, faz uma apresentação mais dirigida.

Sobre o que o animador deve fazer para exibir o trabalho e que ferramentas usar, Fábio pregou que é importante fazer o demo e mantê-lo atualizado. Também é importante ter um site. Não precisa de muita firula, mas a navegação deve ser o mais fácil possível, e devem constar o contato e a descrição do trabalho. E que ninguém esqueça o cartão de visitas.

“Muitos contatos que fiz foram por contatos em festivais. Esse cartão de visitas acaba passeando bastante e chega até as pessoas certas, de alguma maneira.”

Alguém aí precisa de stop motion?

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“Sou freelancer, trabalho para algumas produtoras em São Paulo. Animo stop motion, uma técnica que não tem muita produção. E não há muitos profissionais que tenham stop motion como atividade principal, o que facilita um pouco para mim.”

Fábio reforçou a importância do contato permanente com as equipes de produção.

“Isso ajuda muito. Geralmente, as pessoas chegam até mim já sabendo do meu trabalho. É dessa rede que surgem as propostas.”

Fábio começou na Tratoria de Frame, onde passou nove anos, uma produtora que se destacava em animação 2D e stop motion. “Lá, eu tinha um volume de trabalho muito grande. A maioria dos trabalhos que eu mostrei aqui, eu fiz na Tratoria. Para mim, pessoalmente, valeu a pena.”

Alan Camilo comentou a variedade do portfolio de Fábio e fez questão de avisar que o seu portfolio tinha poucos trabalhos diferentes. Como seu foco maior sempre foi trabalhar com longa-metragem, o número resulta menor.

“Sou novo na área, comecei em 2004, então tenho muita coisa ainda para aprender”, disse ele, sobre o portfolio que exibiu, feito em janeiro de 2011. “Nesses anos, fui moldando meu portfolio de várias maneiras diferentes. Contei com a ajuda de amigos, que deram dicas, ajudaram a escolher o tipo de trabalho que eu ia colocar, a definir que critérios usar.”

O principal, segundo Alan, é o foco. É preciso estudar a empresa para a qual o portfolio será enviado. “Se vai mandar para uma empresa específica, não adianta mandar um portfolio com coisas que não interessam para a empresa. Isso pode atrapalhar, na verdade. Baseado nisso, eu coloquei muita coisa de publicidade que eu tinha feito. Mas tem de focar nisso: no que a empresa faz.”

O ideal é reduzir ao máximo, porque o tempo de quem vê é curto. O animador precisa ter em mente que vai ter pouco tempo para mostrar o seu trabalho.

Baseado no demo que exibiu, Fábio montou também um DVD, que contem um resumo, o nome, e a data – importante, porque quem vê e percebe que é uma produção antiga, pode buscar informações mais recentes. Além disso, é preciso manter o contato, com

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email, skype, telefone. E todo o tempo tem de ser controlado. Ou fica chato.

Também é preciso, segundo Alan, incluir legenda em cada take e indicar quem fez o que em cada trabalho, é um respeito ao trabalho de todos os envolvidos na equipe que fez determinado trabalho.

“O DVD possui mais detalhes, o quê exatamente eu fiz, os programas que eu usei. No verso, tem o currículo, um histórico mais detalhado de onde eu trabalhei. Quanto mais você detalhar o material, melhor.”

Quem é ou quer ser animador?

A plateia levantou os braços quase em peso. O clima na mesa era de conversa. Fábio contou sobre um encontro que teve com o diretor Fernando Meirelles, um contato feito a partir do demo que enviara. “Tem de carregar o portfolio sempre, ter nas nuvens, para não perder a chance.”

Mas não basta carregar o portfolio debaixo do braço. É preciso ser criterioso na hora de fazer, reforçou Andrès. “E, não necessariamente, a cena que deu mais trabalho é a mais interessante para mostrar. É preciso ser muito criterioso na seleção do material.”

Para concluir a rodada de apresentação dos portfolios, Andrès lançou a pergunta: qual portfolio é mais bem visto?

Felipe Tavares, pela experiência como produtor, tinha pronta a resposta sobre a reação da produtora ao receber um portfolio. Mas acentuou que as formas de chegar a quem interessa podem ser variadas.

“Hoje em dia, há tantos veículos para apresentar seu trabalho. Se você está num evento como o Anima Mundi e sabe de um produtor que está contratando, é preciso sentir se aquele é o momento. Às vezes, um cartão, numa situação corriqueira, é muito mais útil do que você sacar o Iphone ou qualquer outro dispositivo móvel, porque você vai desperdiçar recursos importantíssimos para apresentar o seu trabalho. Por exemplo, o som não vai fazer sentido, o tamanho da imagem, o impacto que aquilo vai causar para aquela pessoa”.

Com tantas formas de apresentar um trabalho, é preciso cautela. “O melhor é a pessoa mandar um email depois do cartão e link para o portfolio no YouTube.”

Felipe contou que costuma atribuir estrelinhas ao material que recebe. É assim que separa o joio do trigo. “Pode ser que naquele momento não dê. Mas uma hora pode ser que precise e você vai lembrar”.

O incluir no portfolio?

Felipe comentou as escolhas de Alan e Fábio. “As cenas que eles colocaram nos portfolios deles são as mais impactantes. O encadeamento é muito importante. No início, é importante selecionar as cenas mais impactantes.”

Na hora de apresentar, seja para agência, produtora ou para um edital do governo, a análise leva em conta, segundo Felipe, o desenho, o traço bem estabelecido, o estilo de animação, o que confirma se o candidato sabe animar ou não.

É importante mostrar diversidade. “A variação de traço é muito importante. Eu costumo receber, em média, quatro emails por semana com portfolio e as pessoas mandam

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currículo. Claro que o currículo é importante, mas não faz sentido naquele momento, não como uma primeira apresentação, o que vale é mostrar o seu vídeo.”

Na apresentação, todo cuidado com o quesito originalidade. “Tentar recriar uma coisa que já foi feita antes não faz sentido”, disse Felipe. “Desenhe. Mostre a estrutura do desenho, como é que foi feito. A gente não quer desenho finalizado, quer saber se você sabe desenhar.”

Além de mostrar firmeza e talento no traço, Felipe disse que criar um character design próprio pode render muitos pontos ao animador, assim como mostrar a animação.

Felipe defendeu também uma aproximação maior entre animadores e produtoras. “Todos nós somos ou fomos animadores em algum momento. As pessoas também têm suas próprias ideias. Não só com relação à animação, mas uma ideia para dirigir um filme, criar um curta-metragem, para desenvolver uma série para televisão. Acho que também vale a pena a gente estabelecer, e não precisa ser hoje, mas desenvolver uma forma de approaching para você ter a chance de apresentar o projeto dentro de uma produtora.”

O bom exemplo veio da palestra de Carlos Saldanha, na tarde anterior. “Ele convenceu um monte de gente para ter o filme dele realizado. Então, ter uma aproximação em que você mostre os seus desenhos é muito importante. Fica essa dica e acho que a gente pode discutir mais pra frente, a questão de como viabilizar o seu projeto”, disse Felipe.

Alan falou ainda sobre a importância de manter um link atualizado no YouTube. Um blog também ajuda na divulgação do trabalho do animador, e é uma ferramenta fácil de ser mantida e atualizada.

Ao lembrar que a primeira impressão é a que fica, Felipe reforçou a necessidade de objetividade no envio de emails com portfolio. Seja o mais direto e objetivo possível. Não conte histórias, mostre. “Ó, aqui está o meu portfolio, podem contar comigo para qualquer projeto, aqui está o meu link, aqui está o meu contato, obrigado, valeu”. Simples assim.

Roteiro, proteção de direitos sobre o material que circula pela internet e que é enviado para as produtoras, como bem usar as redes sociais. Com o clima de conversa, o público começou a questionar a turma.

Como garantir que o meu material não vai ser copiado?

Felipe – Isso acontece. Mas a sorte é que em qualquer mercado de animação, cada traço é diferente. Cada um tem um traço diferente. Você reconhece se a pessoa pegou um trabalho de outra. Quando alguém descobre que isso aconteceu, se foi uma produtora, se foi outro profissional, a ABCA está aí para isso, para notificar as pessoas.

Andrès – É bom lembrar que portfolio é feito sobre trabalhos já executados. É público, então tem como provar que o trabalho está sendo copiado.

Fábio – Tem um caso de um animador que mandou material para a Disney, usando animações que não eram dele. Dizem que ele foi contratado, ficou um tempo como animador, o pessoal viu que ele não mandava bem. Ele passou para assistente, o pessoal também viu que ele não mandava bem. Isso, até quase virar faxineiro.

Andrès – Acontece, mas está cada vez mais complicado fazer isso, as pessoas estão se resguardando. Há uma preocupação inversa que faz com que grandes produtoras, por exemplo, busquem formas de se resguardar, também. Muitas sequer abrem os envelopes que recebem porque têm receio de serem acusadas de usar ideias alheias. No caso do animador, para preservar o seu trabalho, o melhor que você pode fazer é entregar e deixar que todo mundo fique sabendo.

Felipe – O cara vai ser lembrado. Mas ele vai ser lembrado para não ser contratado.

Andrès – Em caso de roteiro, o ideal seria mostrar o trabalho pronto. Mas pode ser que você seja iniciante e não tenha um trabalho pronto, tenha só realmente textos e tem gente que não quer mostrar texto. É uma área que tem de ser amadurecida.

Fábio aproveitou a deixa e lembrou-se de uma coincidência que envolveu um curta que fez, sobre uma arara azul que não sabia voar. E provocou risos quando disse que Rio, de Carlos Saldanha, foi lançado no dia do seu aniversário. Ironicamente.

Como se monta um material impactante?

Alan – Existe uma regrinha em que você separa os seus trabalhos por nota: sete, oito, nove, dez. Então, você coloca o nove no início, sete e oito no meio, o dez no final.

Andrès – A gente está falando, em geral, de pessoas que já têm um histórico. Mas tem pessoas que não tem ainda um portfolio, que estão ainda começando, não têm material. Mande desenhos. Desenhos também contam. A

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qualidade do desenho, a sugestão de movimento que o desenho tem, a noção que a pessoa tem, se é articulada, isso também pode ser avaliado. Muitas vezes, o bom portfolio de desenhos abre brechas para animação.

A plateia se manifestou novamente sobre a questão dos direitos de uso de uma determinada animação feita a muitas mãos. Quem é o autor? São muitos autores. Colocar o nome do filme, o título, o cliente, tudo é fundamental. Especificar o que você fez é fundamental. Isso não deveria ser uma regra?

Andrès – Sim, é fundamental. É uma questão até de consideração com o trabalho de toda a equipe.

Alan – Não descrever pode causar má impressão. Você vai ser muito mal visto. É melhor falar como você fez aquilo, mostrar o impacto, que o trabalho ficou bom.

Felipe – Se você fez a cena com outra pessoa e cada um fez uma personagem, não custa creditar.

E as redes sociais? Veio da plateia a sugestão de que os animadores usem as redes sociais para divulgar os seus trabalhos. Facebook, linkedin, twitter são ferramentas que estão disponíveis e que podem ser úteis para que o animador mostre a sua criatividade.

Andrès concordou que esse é um caminho que vai fluir

naturalmente. E deu o recado aos animadores: quanto mais canais usar, melhor. Alan pontuou que a tendência é acabar com o envio de DVD, por exemplo, pois poucas empresas ainda aceitam. O que deve estimular os animadores a usarem outras formas de expressão e de demonstração dos seus trabalhos e ideias.

Quanto custa o meu trabalho? A hora de dar o preço

Andrès retomou a questão. “Como estabelecer quanto vale o trabalho? Como você se programa se você é freelancer? Quanto você cobra? As pessoas têm vergonha de dizer ‘eu valho tanto, ou meu trabalho vale X’, e isso é um problema. A ABCA fez várias tentativas de estabelecer uma tabela como referência. Mas é muito difícil montar essa tabela”, disse.

Há muitos fatores a considerar, continuou Andrés. Quanto tempo vai gastar, quantos profissionais vai envolver. Impostos, custos operacionais, direitos, exibição do material, nível de complexidade do trabalho. É preciso calcular para evitar surpresas.

Alan disse que tem como lema fazer de graça ou pelo preço cheio. “Sempre fui contratado. E só pegava trabalho que valia a pena pelo dinheiro ou pelo portfolio. Se você cobra baratinho uma vez, a pessoa nunca vai querer pagar mais. Para quem não tem noção de quanto cobrar, calcula o que você precisa por mês e divide em horas, calcula o seu preço por hora. Esse é um cálculo muito fácil, matemático”, recomendou.

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Fábio disse que por trabalhar com stop motion, tem uma situação mais confortável na hora de negociar valores.

“A diferença entre a rotina do animador de 2D e 3D e o animador de stop motion, é que o stop motion é feito na própria produtora, com equipe de cinema, gente que cobra por diária. Eu cobro por diária. O preço é de acordo com o que é feito. Lendo o roteiro, já consigo saber quantos dias, se três, quatro, dez dias. Daí, tenho alguns valores para tantos dias e já mando um orçamento com o valor de uma diária, quanto mais diárias, dou desconto. O orçamento inclui o cachê do meu assistente. É sempre bom treinar alguém, ter alguém te ajudando no desenvolvimento do trabalho no set. O assistente ganha sempre 20% do valor que eu fechar da diária.”

Mas não dê desconto sem que a pessoa saiba que está recebendo o desconto.

“A pessoa tem de saber quanto vale o trabalho. Se for dar desconto, mande quanto vale o trabalho real. O esquema ‘faz esse filme pra mim e eu te chamo para o próximo’ eu evito sempre”, aconselhou.

Você faz os bonecos? Alguém faz, você cobra por isso?

Fábio – Os orçamentos são só para animação. Para fazer boneco é outro preço. Geralmente, só faço a animação. Ninguém pode pegar no boneco. Só o

animador, o assistente e quem fez o boneco. Mas stop motion não tem intervalos. A pessoa não pode parar. Então, eu faço só a parte da animação. A produtora chama equipe de bonecos, equipe de cenário, equipe de animação. É uma coisa meio de cinema. Ninguém faz a função do outro. Já levei bronca porque puxei um cabo, era assistente, ainda, a diretora disse que tinha uma pessoa para isso, eu podia me machucar. Todas as funções são bem definidas. E isso é bom, porque você cobra por um trabalho específico.

Onde buscar informação

O site www.sindcine.com.br foi citado como referência para quem precisa consultar uma tabela de piso salarial para profissionais de curta, média e longa. Fábio disse ainda que o site do Sindcine não explica as funções, mas dá uma ideia. “Tive uma situação de codirigir um longa de stop motion e fiz uma pesquisa do custo de uma semana do animador. Nos EUA, 1,2 mil dólares, no Reino Unido, 700 libras. No Brasil, 2 mil reais. Está nivelado com o que estão cobrando lá fora.”

Felipe lembrou que a questão do preço varia de acordo com o cliente e com o portfolio. “Todo mundo sabe o seu ritmo de trabalho. Você tem um único, ou dois, três trabalhos ao mesmo tempo. Como faz? Se está sendo muito requisitado, aumente o preço.”

“Quem paga pouco está atrás de preço. Quem está atrás do seu trabalho paga o seu preço”, disse Alan.

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Faça um contrato. Regra é regra e é bom que seja estabelecida previamente, disse Felipe, sobre os casos em que o cliente pede uma alteração, depois mais uma, e o trabalho tende ao infinito. “É rotineiro. Você vira a noite trabalhando, entrega para o cliente e ele diz ‘ah, troca a cor da camisa’. Então, é importante estabelecer todas as etapas de aprovação, explicar ao cliente como será o trabalho. Fez character design, aprova. Fez storyboard, aprova”, e assim sucessivamente.

O cliente precisa saber que depois daquele ponto, não tem volta, concordou Andrès. “É como acontece com roteiro. É tudo muito baseado no controle.”

O ponto é o equilíbrio, todos concordaram. “A gente está falando isso como base. Claro que se é preciso, a gente vai fazer a alteração, mas é preciso equilibrar”, afirmou Felipe.

É preciso também manter a competitividade. “Se você sobe seu preço e afugenta todo mundo, é sinal de que o seu perfil profissional precisa estar mais competitivo”, defendeu Andrès.

Mas não trabalhe, nunca, por segundo aprovado, recomendou Fábio, que exibiu um comercial que fez para a Fiat, recentemente. Dos 15 segundos de animação que ele fez, foram exibidos apenas três. “A sorte é que o orçamento não estava atrelado ao número de segundos exibidos, mas à diária.”

A forma de contratação é outra questão que inquieta os animadores. Como não há regulamentação específica, tudo pode afetar a negociação na hora de acertar um preço. Se a contratação é por um projeto específico ou se é por um período permanente ou de longo prazo.

Outro recado deixado para os animadores é que é papel dos sindicatos atualizar as tabelas, as funções. As áreas e as técnicas têm variações grandes, houve uma evolução e as funções não foram atualizadas. Os animadores têm de usar os sindicatos para reivindicar as atualizações.

A plateia lembrou que a tabela do Sindcine está mais ajustada que a do Ministério do Trabalho. A legislação reconhece o diretor, mas não reconhece o animador. Sem contar que a lei não considera as muitas mudanças que ocorreram nas últimas décadas, como as decorrentes do computador.

Andrès reforçou que a defasagem em quase todos os aspectos é grande. “A gente está defasado em várias

áreas. Até a profissão ser regulamentada será um longo caminho. Mexer em lei é uma coisa complicada.”

Felipe ressaltou que o Forcine - Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual – é outra entidade, junto com as associações e sindicatos, que atua na questão da regulamentação.

Quando a gente vê um edital que estipula um orçamento para determinada produção, a gente sabe que o salário que dá para pagar não vai condizer com o que o sindicato prega. O representante do Minc parecia não saber que não havia regulamentação da profissão de animador. O que parece é que o governo vê a cultura como assistencialismo, não que a gente quer ser indústria. Como vocês agem diante disso?

Felipe – As duas partes são desconexas. O governo, quando bota dinheiro para animação, é dinheiro de incentivo cultural, é fomento. Normalmente, os editais – os passados, porque esse ano a gente não teve nenhum – trazem por base, para um curta, 80 mil para 15 minutos de filme. Bicho, não consigo nem imprimir meu filme em película. Tem de adaptar à realidade. É uma situação complicada. Não dá para pagar um cara quando você ganha um edital porque você não vai conseguir nada.

Andrès – Com certeza, a gente tem de ter uma balança que garanta o equilíbrio. Se a gente quer que uma produção tenha um preço competitivo com o mercado internacional, dentro do nosso mercado, a gente tem de poder fazer com que as contas fechem. Por isso é cada vez mais importante que os profissionais abram mais diálogo com os sindicatos e estabeleçam melhor até onde dá para chegar com o orçamento e até onde o profissional pode ser remunerado.

Felipe e Andrès falaram sobre a reunião na ABPCA que ocorreria no dia seguinte. Já que o tempo estava acabando, a oportunidade era boa para continuar a conversa.

Andrès agradeceu a todos e finalizou lembrando que é importante que o diálogo continue.

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22 de julho sexta-feira

Palestra Anima Escola 10 anos

Apresentação do projeto que há uma década vem introduzindo a linguagem da animação nas escolas. O Anima Escola já capacitou mais de mil professores da rede pública carioca para criar e produzir animações com seus alunos, incorporando novas possibilidades à prática pedagógica. Ao longo do projeto, o professor cria roteiros, storyboards e animações em diversas técnicas. Além disso, aprende a operar equipamentos e o software livre (MUAN), desenvolvido especialmente para o projeto. Com a linguagem da animação é possível trabalhar conteúdos curriculares e incentivar nos alunos o desenvolvimento de habilidades e competências próprias da arte de animar: concentração, planejamento, abstração e comunicação.

Participantes – Marcos Magalhães (Anima Mundi), Simone Monteiro (SME), Joyce Prado (IBM), Amália Araújo (CIEP Presidente Agostinho Neto)

O Anima Mundi vai fazer 20 anos. O Anima Escola está fazendo dez anos. Marcos Magalhães abriu a última mesa do Anima Forum falando da necessidade de um planejamento mais profundo, além da questão imediata de se estabelecer um mercado, pois formar uma estrutura econômica é uma questão mais profunda que apenas o presente.

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“Sempre pensamos em projeto de longo prazo. Chegar a uma data redonda é um sinal de que deu certo.”

As datas redondas também provocam reflexão. A proposta é pensar sobre o que foi feito e, fundamentalmente, sobre futuro: do Anima Escola e do que o projeto pode representar para crianças, escolas e professores.

“Quando se pensa em um projeto de educação em animação, a gente está pensando também no lado profissional, mas não está pensando no lado imediato, não se está pensando em formar animadores na escola, mas ao mesmo tempo está pensando em formar animadores. É um paradoxo. São decisões que no presente podem ser conflitantes, mas, na verdade, está tudo na mesma dimensão.”

O projeto nasceu dentro do festival. Um início espontâneo, mas alinhado com a proposta do Anima Mundi. Desde o início, todo o planejamento das oficinas levou em consideração mostrar que animação não é um bicho de sete cabeças. Animação é prazerosa, um processo muito rico e comunicativo e, em certos aspectos, fácil de ser reproduzida. O que a organização do Anima Mundi tinha na cabeça é que todo mundo devia ter essa experiência pelo menos uma vez na vida. Ao longo dos anos, a proposta foi se aperfeiçoando.

“Chegou o momento em que as pessoas chegavam ao festival para assistir aos filmes e conseguiam parar e fazer uma animação num tempo médio de meia hora. A dinâmica do Anima Mundi começou a chamar a atenção de educadores e professores.”

Como faço para levar para a minha escola? Como faço para levar isso para os meus alunos? A pergunta merecia resposta. O Anima Mundi queria, sim, encontrar uma forma de chegar até a escola, de propagar a animação. Mas era preciso achar a melhor maneira de viabilizar a reprodução da experiência no festival dentro das escolas. E a pergunta fez o caminho inverso: Como a gente consegue oferecer isso?

“A gente começou a formatar as oficinas, como a gente fazia no festival, e levar para escolas. As primeiras experiências mostraram que era preciso fazer ajustes. Quando a gente chegava para atender os alunos, os professores descansavam. A gente não queria isso. A gente queria que o projeto permanecesse independentemente de nós. O projeto foi então orientado para os professores.”

Os professores seriam fundamentais para a permanência da proposta na escola. Se o Anima Mundi não podia ficar

por tempo indeterminado, a animação precisava ficar. Para isso, era preciso encontrar os parceiros certos.

Alguns deles compuseram a última mesa do Anima Forum 2010. Marcos Magalhães chamou, na ordem, enquanto ressaltava a importância e a contribuição de cada um.

O primeiro parceiro do Anima Escola foi a IBM. “Uma pessoa, em particular, Patrícia Menezes, que era diretora de Responsabilidade Social da empresa, encantada, perguntou, espontaneamente: ‘do que vocês precisam?’ Está vendo as oficinas? Essa oficina requer um equipamento muito caro, importado. ‘Então vamos fazer um software’. E o software foi feito.”

Da IBM, parceira em tecnologia, que desenvolveu o MUAN, e patrocinadora do projeto há dez anos, Marcos Magalhães chamou Joyce Prado.

Depois da experiência em escolas particulares, veio a opção por tentar uma parceria com outro tipo de profissional.

“Vamos pegar professores que trabalham por amor, pensamos. Então fomos à Secretaria Municipal de Educação, fomos muito bem recebidos e encontramos nosso público alvo. Mas a Secretaria não encomendou o projeto e esperou o resultado, nós pensamos juntos.”

Para a mesa, Simone Monteiro, Gerente de Mídia Educação da Secretaria Municipal de Educação.

Tendo essa estrutura, o projeto foi se solidificando, resistiu à mudança de governo, porque a base era sólida. Os professores que estavam sendo formados pediam a continuidade e mostravam os resultados.

Amália Araújo, uma das professoras que mais participa do projeto, uma das mais fortes entusiastas, que, por força do trabalho, pode ser considerada um produtora de animação.

Mesa composta, Marcos Magalhães mostrou os números que falam pelo Anima Escola nesses dez anos: quase dois mil professores formados e 11 mil alunos atendidos. A pergunta, agora, é como aperfeiçoar o projeto.

“Muitas dessas crianças, que há dez anos tiveram o primeiro contato com animação dentro da escola, têm, hoje, uma visão um pouquinho diferenciada, têm a possibilidade de ter um caminho profissional a seguir. A gente quer ver se realmente vai ter essa indústria

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organizada para gerar empregos, o que foi que foi comentado nas outras mesas. Mas, independentemente disso, essa formação ficou. A gente está vendo o movimento tecnológico que provocou uma mudança de paradigma. Quando a gente começou, gravava numa fita de vídeo. Hoje em dia, a gente grava no pendrive, já vai para o YouTube. E tudo acontece de forma intensa.”

Assim, Marcos Magalhães anunciou o vídeo que conta a história dos 10 anos de Anima Escola. “Melhor do que nós, falam as imagens.” Depois da exibição, os convidados começaram a expor suas histórias e envolvimento com o projeto.

Joyce Prado

A IBM está fazendo 100 anos. Joyce Prado começou sua fala ressaltando que a empresa também gosta de números redondos. São 100 anos de empresa, dez anos de parceria com Anima Mundi, uma parceria que pretende se estender por muitas outras datas redondas.

Joyce explicou que o trabalho com o Anima Mundi tem origem num verbo: acreditar. Patrícia Menezes foi a primeira pessoa da empresa que teve contato e acreditou no projeto, Joyce fez questão de pontuar. A parceria foi formalizada, mas a ideia foi levada adiante porque outras pessoas também acreditaram.

O que move a parceria da IBM com o Anima Escola é a possibilidade que a empresa tem de oferecer um canal de expressão. O MUAN foi pensado e criado para ser esse canal de expressão, que permitisse a quem o utiliza experimentar uma forma mais livre de se manifestar no mundo.

“Seja criança, seja adulto, o importante é saber que existe essa forma de expressão. É importante a gente saber que há um canal através do qual eu posso falar do meu jeito, sem interferências, sem regras gramaticais. É um canal direto para expressar o que está na minha cabeça, na minha imaginação, diante dos meus olhos.”

Outro aspecto importante do trabalho com o MUAN, segundo Joyce Prado, é a noção de construção que o programa engloba. Como a sociedade está em permanente construção, a animação permite que se imagine e se crie muitas outras possibilidades.

“O que encanta na animação é que você leva um tempão fazendo e no dia seguinte você pega e constrói outra história. A animação permite criar meu novo final”, ressaltou ela, lembrando a importância de se pensar em construção numa sociedade que tende a oferecer respostas prontas.

A parceria pretende se arredondar ainda mais. E brevemente teremos grandes resultados, anunciou Joyce.

Marcos Magalhães adiantou que está em desenvolvimento uma versão do MUAN em um sistema multiplataforma.

Simone Monteiro

A gerente de Mídia Educação da SME, Simone Monteiro, agradeceu o convite, parabenizou o Anima Escola pelos 10 anos, ressaltou a consistência que o projeto adquiriu durante esses anos.

“É uma história, um processo, um aprendizado e uma construção de uma trajetória sobre a qual já dá para afirmar algumas coisas.”

A parceria construída entre a Secretaria Municipal de Educação e o Anima Escola envolveu muito mais gente. Foram muitas as pessoas que ajudaram a dar significação, que ajudaram a construir. Simone disse que estava ali representando um coletivo maior.

“A professora Jurema, que apareceu ali no vídeo, foi a primeira interlocutora que, na secretaria, assim como a Patrícia, na IBM, acreditou na proposta. Jurema foi, para nós, aquela pessoa que batalhou. Tem de ter essa coisa, uma pessoa que faz acontecer e faz crescer a corrente.”

Simone ressaltou o fundamento da parceria:

“Não é uma parceria de logotipos de instituições. Mais do que logo, são pessoas por trás desse processo ao longo de todos esses anos.”

A rede municipal do Rio de Janeiro tem 1065 escolas, mais de 250 creches. Vai da educação infantil, creche e pré-escola, até o 9° ano do ensino fundamental. São mais de 700 mil alunos, em torno de 36 mil profissionais.

“Quantas propostas se recebe, quantos encaminhamentos”, Simone ressaltou os números para precisar que para que um projeto seja aceito e implantado, passa por muitas avaliações.

No caso do Anima Escola, pesou a possibilidade que o projeto oferece de um aprendizado e uma caminhada mais coletivos.

“Somos pessoas, podemos pensar e aprender juntos. A cada ano, fazemos muitos ajustes para que todos possam ensinar e aprender. Todos se prontificam a dar e

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receber. Estamos juntos para errar, para acertar. Mas o ritmo do nosso desejo não é o ritmo das estruturas com as quais se lida.”

O Anima Escola oferece a possibilidade do novo. É um trabalho que se se coloca a serviço de potencializar a atividade pedagógica. Essa é uma das razões que fez com que atravessasse diferentes gestões.

A continuidade garante aprimoramento e aperfeiçoamento, alimenta novas ideias e atinge cada vez mais pessoas.

“O número se multiplica porque vai além do momento em que isso é feito na escola. É visível o encantamento e descoberta que essa experiência proporciona. A gente testemunha e sabe que processo vai além das quatro paredes das salas de aula. É uma experiência que pode se lançar para o mundo.”

O Anima Escola tem contribuído também para mudar as relações dentro da escola. Não apenas as crianças experimentam a animação e se empolgam, como o professor se vê como alguém que também aprende.

“Essa troca mexe com algo muito raro, que é a autoestima. Dá segurança, o educador fica mais seguro.”

A empolgação, desde que a animação entra na escola, é visível. A meninada circula com celular, câmera, conhece as possibilidades de publicação e publica. A animação, assim, alcança outros ambientes, outros patamares.

“Existem animações que ficam circunscritas à sala de aula, existem as que potencializam as relações. As relações se modificam em múltiplas dimensões.”

O processo que envolve a animação provoca, assim, um impacto na própria estrutura do trabalho. Além disso, abre caminhos, amplia horizontes e o patamar cultural, os padrões estéticos, a narrativa audiovisual dos alunos.

“Dá a possibilidade concreta de interferir, produzir suas próprias narrativas. Desde o storyboard, o trabalho é coletivo, permite compartilhar, discutir, convencer o outro, estou aberto para ser convencido pelo outro”.

Os impactos na aprendizagem também já podem ser notados. “Eles vão aprender, vão fazer profunda reflexão para produzir seu próprio texto, seja esse texto em que área for.”

Os resultados são positivos e o caminho de reflexão não se esgota, ressaltou Simone, que disse esperar outros 10 anos. Que seja possível abrir campo de produção para a pesquisa e a reflexão, estimular a discussão com professores para que se produza animação como suporte pedagógico.

Para o futuro mais próximo, Simone citou a Educopedia, uma possibilidade de apresentar os filmes produzidos pelos alunos. E a sistematização dos dados acumulados ao longo da experiência. Há muito trabalho por fazer. Mas o desafio que mobiliza dá prazer, disse ela.

“É uma parceria que não se esgota. Esperamos continuar aprendendo com a experiência Anima Escola”, ela finalizou.

Marcos Magalhães reforçou o caráter transformador da animação nas escolas.

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“Quando a gente vai às escolas, quando faz com alunos, a escola se transforma em estúdio de animação. Tudo é feito para que a escola continue produzindo. A gente vê integração entre o que está sendo ensinado na escola e os filmes que os alunos produzem.”

Amália Araújo

Rocinha, Vidigal, Tabajara, Dona Marta. A clientela é variada na escola da professora Amália Araújo, o CIEP Presidente Agostinho Neto, no Humaitá, Zona Sul do Rio de Janeiro. Variada também é a experiência que os alunos têm, dentro e fora da escola, desde que ela decidiu que a animação podia, sim, contribuir para o que faz em sala de aula.

“Começamos em 2002, produzindo gifs animados. A vida me fez ser professora e sempre pensei que isso tinha de ser o mais prazeroso para mim. Em 2003, começamos a fazer filminhos com webcam. Em 2005, com a câmera do professor. O professor comprou sua câmera e aí, começou.” (risos)

Amália tinha vontade. Circulou pelo CCBB durante o Anima Mundi uma vez, duas, conheceu o Anima Escola, gostou do que viu, pensou que queria experimentar, só tinha um caminho a percorrer: “Bati na porta do festival. Em 2006, consegui me inscrever.”.

Foi assim que ela não saiu da área de mídia, na qual queria permanecer, e viu que era possível incluir na formação dos professores, além da didatiquez, animatez, como ela chama. “Em poucos dias vi tudo ali, resumido.”

A experiência contada pelo próprio professor empolga. Contada por Amália, mais ainda. Segundo ela, quando estão envolvidos com o processo, na escola, ninguém sabe quem é o professor, quem é o animador.

“Com software gratuito, a gente baixa um monte de

coisas. Com o MUAN, a gente consegue fazer e ao mesmo tempo vai vendo na tela.”

Se há professores animados, Amália garante que os alunos correspondem. E eles já sabem direitinho que há diferença entre um tripé e outro. “Quando eles olham o tripé da escola e olham o tripé do Anima Mundi...”

Mas ainda falta formação, treinamento, gente que dê suporte. “O professor, quando chega à edição, não tem conhecimento técnico para isso. Mas depois que ele (o professor) faz um filme, não quer voltar atrás.”

Os alunos também, depois que animam uma vez, só pensam em como ficaria o que eles veem. “Isso aqui ficava maravilhoso se fosse animado, né, professora?”. E a ciranda de filmes não para. Amália faz questão de estimular a criação de outros – muitos – filmes.

Tanto que já foi criado o Ciep Animado. “Desde 2003, trabalho na sala de leitura. Com o fomento de projetos não só de literatura”.

E a escola vira casinhas, animais, aves, personagens, crianças empolgadas, tripé no corredor. “Corredor é o lugar onde se corre”, ela brincou, ao contar como a animação modifica o dia a dia na escola.

Todo mundo quer fazer, todo mundo quer mostrar. E as animações vão nascendo dos projetos que surgem na escola. “Ou pelo projeto geral da escola ou por um projeto de uma turma, ou uma criança que chega e diz que queria fazer uma história.”

Atrás do que os alunos pedem, atrás do que ela acredita, atrás do que a escola imagina, Amália contou que já chegou a reunir duas turmas para fazer a mesma animação. “Loucuras que a gente já fez. No final, não tem um formato único do que se define que será a animação.”

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Sobre a importância do trabalho na escola, Amália tem uma resposta pronta: “Todo mundo acaba descobrindo o que faz muito bem para participar. A gente se surpreende.”.

E se todo mundo se esforça para demonstrar ou descobrir uma habilidade, a animação está aí para isso: para ser feita.

“A animação facilita o trabalho colaborativo entre professores e as crianças. A gente trabalha junto. A animação traz várias formas de se expressar numa só.”

Amália mostrou como o Ciep Animado envolve toda a escola. Os filmes são apresentados no final do ano. “Mesmo quem não fez acaba vendo, todos assistem. Envolve toda a comunidade escolar. A gente diz ‘olha, efeito tal é de tal aluno’, e eles ficam todos empolgados. Os professores assistem, os pais também assistem. Sempre que tem sessão do Cineclube, tem sessão para eles. Além disso, quem produz a animação leva o DVD para casa. Eles levam, mostram em casa, mostram em outros lugares. E esse DVD multiplica mais ainda a animação e o projeto vai crescendo, claro.”

Onde está a minha animação? Bogotá, São Luis, a animação viaja.

“É mais uma forma de expressão. Eles têm também de ser autores, não têm só de reproduzir conteúdo. O mais importante é que eles se coloquem no mundo. Se eles não souberem se expressar ali, não saberão se expressar nesse mundo lá fora.”

Amália reuniu uma série de 15 animações com as mais diversas formas de expressão: música, pintura, desenho, recorte, massinha, sucata, origami. E exibiu para a plateia do Anima Forum o que os alunos têm produzido nesses anos animados.

A plateia aplaudiu.

O que a gente quer fazer depois?

Marcos Magalhães comentou o vídeo que a professora Amália exibiu.

“É coisa feita na escola, que é do cotidiano, não é uma coisa especial que aconteceu uma vez só. E é isso que a gente quer que aconteça. A gente quer solidificar a experiência. Avaliar o que deu certo, o que não deu. Alguns acadêmicos já analisaram alguns filmes e experiências do projeto, com isso a gente começa a formar um corpo teórico sobre essa implantação da linguagem da animação na pedagogia. A gente está

pronto para traduzir isso numa metodologia a distância. Do Brasil e até do exterior.”

O MUAN é fundamental para isso. O programa desenvolvido pelo IMPA, com apoio da IBM, chegou na hora certa. Marcos ressaltou que foi fundamental o apoio de mais gente.

“O Luis Velho, do IMPA, que tem conhecimento muito profundo, que conhece a fundo a computação gráfica, ele é uma dessas pessoas que podem criar tudo a partir de um código binário. Foi ele quem fez o programa pra gente e está melhorando a cada versão.”

A experiência está se multiplicando. E o feedback de pessoas que usaram o MUAN está chegando.

“Também já tivemos algumas expansões. Desde 2010, estamos também nas escolas estaduais. E já somos ponto de cultura do Ministério da Cultura, do governo federal. Também temos um novo patrocinador, o Operador Nacional do Sistema Elétrico, ONSE.”

Marcos mostrou o livro sobre os dez anos do Anima Escola, uma publicação caprichada, que traduz o espírito do projeto. Os planos envolvem ainda a sistematização dos índices, o que vai permitir uma leitura dos impactos do projeto além do entusiasmo visível.

“A gente vê que todo mundo gosta, que produz imagens bonitas. O que a gente quer é continuar multiplicando. Quanto mais abrir, mais multiplicar, melhor. A gente quer continuar expandindo para outras cidades. Estamos abertos a todas as oportunidades e interesses em ampliar essa experiência.”

De que maneira posso levar o projeto para uma escola de outro estado?

O projeto tem um custo. Para fazer da forma como se faz no Rio, pede que seja demandado por algum órgão. Na prática, isso aconteceu poucas vezes. Em Rio das Ostras, uma professora batalhou e conseguiu que a gente fosse lá. Se a escola quer, a gente fica em contato e tenta achar uma forma de fazer.

Vocês já se articularam para levar o projeto também para os cursos de licenciatura e fazer com que os professores já se formem sabendo que animação é algo possível de se fazer na sua experiência pedagógica?

Boa ideia. Sugestão anotada.Palmas e fim.

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