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O ENSINO DE LITERATURA SOB O FOCO DOS PROFESSORES – RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA NO DISTRITO FEDERAL 1 Ensinar Ensinar ou Aprender Ensinar e Aprender Ensinar/Aprender Ensinar a Aprender Aprender a Ensinar Aprender a Aprender Aprender. (Márcia Pires) Vivemos um período em que a linguagem, no seu uso social, abarca múltiplas realizações, com um intenso intercâmbio entre as diversas modalidades artísticas. Nosso tempo impregnou-se da imagem visual. A todo instante nos deparamos com outdoors, panfletos, letreiros, placas, faixas e outros meios de propaganda que fazem uso da imagem. Além disso, com o desenvolvimento tecnológico, recebemos hoje uma gama de informações através do rádio, da televisão, do computador. Sem contar com o acesso à imprensa que nos fornece um grande número de jornais e revistas. É a coexistência e o intercâmbio dessa variedade de linguagens, é esse conjunto de vozes, que caracterizam a contemporaneidade. Acreditamos que o professor de literatura não pode estar alheio a tantas modificações no âmbito da comunicação artística e social. É necessário repensar a leitura e ampliar o conceito que a entende apenas como decodificação de sinais gráficos. Em vez de temer a concorrência entre a linguagem literária e os outros meios de comunicação como o jornal, a televisão e o cinema, o professor de literatura pode enriquecer suas aulas fazendo uso de todas essas manifestações culturais. Não existe entre elas linguagem melhor ou pior; o que existe são linguagens diferentes. Conscientizar o aluno disso é dar os primeiros passos para a formação de um bom leitor não só de literatura, mas de jornal, TV, quadrinhos, pintura, propagandas, enfim um leitor preparado para a vida. Sabemos, no entanto, que o ensino de literatura, infelizmente, não vem contribuindo para a formação de leitores capazes de dar conta da infinidade de textos que os rodeiam. Pelo contrário, antigas fórmulas, incapazes de responder aos avanços do mundo contemporâneo e aos problemas humanos, continuam sendo aplicadas. O professor de literatura, antes de mais nada, deveria ser um professor de leituras habilitado a mostrar ao aluno que essa tarefa não se limita à decodificação de sinais gráficos, mas implica uma visão mais ampla do mundo e da realidade que o cerca como leitor. O tempo presente exige uma nova postura da escola com relação ao ensino de literatura. Não podemos mais nos concentrar apenas nas obras consagradas e nos textos literários presentes no livro didático. Por tais motivos, acreditamos que o ensino de literatura deve transformar a aprendizagem em uma prática cotidiana de intercâmbio entre a linguagem literária e outras linguagens, insistindo na percepção da dialética 1 Este trabalho é uma parte da minha dissertação de mestrado intitulada Ler sem doer – perspectivas para a leitura da literatura no ensino médio, defendida em 1999 na Universidade de Brasília. Com as devidas reformulações, será publicada pela edições Unileste, com lançamento previsto para agosto deste ano. A pesquisa envolveu a participação de vinte e dois professores do Distrito Federal.

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O ENSINO DE LITERATURA SOB O FOCO DOS PROFESSORES – RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA NO DISTRITO FEDERAL1

EnsinarEnsinar ou Aprender

Ensinar e AprenderEnsinar/Aprender

Ensinar a AprenderAprender a Ensinar

Aprender a AprenderAprender.

(Márcia Pires)

Vivemos um período em que a linguagem, no seu uso social, abarca múltiplas realizações, com um intenso intercâmbio entre as diversas modalidades artísticas. Nosso tempo impregnou-se da imagem visual. A todo instante nos deparamos com outdoors, panfletos, letreiros, placas, faixas e outros meios de propaganda que fazem uso da imagem. Além disso, com o desenvolvimento tecnológico, recebemos hoje uma gama de informações através do rádio, da televisão, do computador. Sem contar com o acesso à imprensa que nos fornece um grande número de jornais e revistas. É a coexistência e o intercâmbio dessa variedade de linguagens, é esse conjunto de vozes, que caracterizam a contemporaneidade.

Acreditamos que o professor de literatura não pode estar alheio a tantas modificações no âmbito da comunicação artística e social. É necessário repensar a leitura e ampliar o conceito que a entende apenas como decodificação de sinais gráficos. Em vez de temer a concorrência entre a linguagem literária e os outros meios de comunicação como o jornal, a televisão e o cinema, o professor de literatura pode enriquecer suas aulas fazendo uso de todas essas manifestações culturais. Não existe entre elas linguagem melhor ou pior; o que existe são linguagens diferentes. Conscientizar o aluno disso é dar os primeiros passos para a formação de um bom leitor não só de literatura, mas de jornal, TV, quadrinhos, pintura, propagandas, enfim um leitor preparado para a vida. Sabemos, no entanto, que o ensino de literatura, infelizmente, não vem contribuindo para a formação de leitores capazes de dar conta da infinidade de textos que os rodeiam. Pelo contrário, antigas fórmulas, incapazes de responder aos avanços do mundo contemporâneo e aos problemas humanos, continuam sendo aplicadas.

O professor de literatura, antes de mais nada, deveria ser um professor de leituras habilitado a mostrar ao aluno que essa tarefa não se limita à decodificação de sinais gráficos, mas implica uma visão mais ampla do mundo e da realidade que o cerca como leitor. O tempo presente exige uma nova postura da escola com relação ao ensino de literatura. Não podemos mais nos concentrar apenas nas obras consagradas e nos textos literários presentes no livro didático. Por tais motivos, acreditamos que o ensino de literatura deve transformar a aprendizagem em uma prática cotidiana de intercâmbio entre a linguagem literária e outras linguagens, insistindo na percepção da dialética das relações entre as várias manifestações artísticas, porque a sociedade exige um leitor capaz de dar conta dos mais diferentes textos.

É importante ressaltar que o professor de literatura não pode esquecer o seu compromisso maior: encaminhar o aluno para o encontro com a literatura, por isso, o livro deve ser sempre o eixo principal, para o qual converge a exploração dos mais diferentes recursos.

Para nós, todo e qualquer recurso usado (a canção, o cinema, o teatro, a fotografia, a pintura ou outros) é apenas uma ponte para chegarmos ao verdadeiro objetivo, que é o de formar o leitor crítico, consciente e independente.

A fim de colocar em prática uma metodologia de ensino de literatura respaldada na Teoria da Recepção, oferecemos um curso na Universidade de Brasília (UnB), contando com a participação de vinte e dois professores. O curso intitulado A leitura da literatura no ensino médio: a contribuição de outras manifestações artísticas foi realizado no período de 23/09/98 a 25/11/98, totalizando 10 encontros. 1 Este trabalho é uma parte da minha dissertação de mestrado intitulada Ler sem doer – perspectivas para a leitura da literatura no ensino médio, defendida em 1999 na Universidade de Brasília. Com as devidas reformulações, será publicada pela edições Unileste, com lançamento previsto para agosto deste ano. A pesquisa envolveu a participação de vinte e dois professores do Distrito Federal.

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Aproveitando, naquela ocasião, o momento de rememoração de cinco séculos de descobrimento do país, o tema do curso foi “Brasil 500 anos”. Um objetivo subsidiário foi o de proporcionar uma redescoberta e uma visão crítica de nosso país, através do cotejo da literatura com outras obras de arte.

Cientes de que iríamos trabalhar com linguagens que se manifestam através dos mais diferentes códigos, como o visual, auditivo e gestual, convidamos professores e estudiosos que pudessem nos auxiliar a entender a especificidade dessas linguagens e sugerimos também uma bibliografia para a relação literatura/arte. Todas as obras apontadas foram comentadas em sala de aula. Tal leitura não foi obrigatória, uma vez que os livros literários e teóricos solicitados para o curso já compunham uma bibliografia considerável.

Nossa grande preocupação foi a de instrumentalizar o grupo para que este pudesse fazer o cotejo entre literatura e arte de uma forma mais rica que a usual. Utilizar um filme, uma canção ou uma pintura apenas como ilustração de um tema que está sendo estudado é empobrecer as múltiplas possibilidades de leitura que tais recursos desencadeiam. O professor deve desenvolver no aluno a capacidade de entender a linguagem cinematográfica, que faz uso da imagem em movimento, a linguagem da canção, que associa o som a uma forma própria de poesia, a linguagem do teatro, que se serve de uma série de outras linguagens particulares, como a do gesto, do cenário, da iluminação, do traje. Enfim, não basta levar para a sala de aula todos esses recursos se não forem explorados os signos que os compõem e se não forem estabelecidas as relações possíveis com a obra lida.

A leitura do livro nunca deve ser substituída por um filme, ou uma canção, ou qualquer outra manifestação artística. Ousamos dizer que leitura e literatura são significantes quase sinônimos, por isso não existe aula de literatura sem texto literário. O interessante é estabelecer a conexão entre a literatura e os outros sistemas verificando as diferenças, as semelhanças, os detalhes e os requintes de cada linguagem. Dessa forma, as aulas de literatura adquirem um aspecto lúdico, a leitura torna-se uma tarefa mais prazerosa e verdadeiramente produtiva.

O curso discutiu a questão da leitura vinculada ao ensino de literatura, explorando a contribuição de outras manifestações artísticas na elaboração de novos procedimentos didáticos. Conciliando teoria e prática, os encontros foram sempre movimentados, com caráter de “laboratório de ensino”, em que as aulas foram essencialmente práticas, dialógicas, centradas em dinâmicas individuais e grupais, com o resultado do estudo/pesquisa feito em forma de atividades escritas e de debates.

O tema “Brasil 500 anos” foi desmembrado em subtemas. Os três primeiros encontros foram de caráter mais teórico. Nesses dias revisitamos os conceitos de leitura e literatura, fundamentais para o professor de literatura, e estudamos juntos alguns pressupostos teóricos da Estética da Recepção e sua repercussão para o ensino de literatura. O programa desenvolvido nessa primeira etapa foi o seguinte:

1- O QUE É LEITURA?Revisão conceitual- Análise e compreensão do processo de leitura como forma de interação

entre leitor e autor, mediada pelo texto: os conhecimentos prévios do leitor; conhecimentos de mundo e de outros textos; conhecimentos sobre as convenções da escrita: suportes textuais, língua oral/escrita; os objetivos do leitor e as estratégias de leitura; os conhecimentos lingüísticos; a leitura que é trabalhada nas escolas.

2- QUE LITERATURA ENSINAR?Revisão conceitual - Literatura: natureza e funções no contexto sócio-cultural; a literatura que é

dada nas escolas.3- COMO ENSINAR LITERATURA?Revisão teórica - Os principais pressupostos teóricos da Estética da Recepção e sua

contribuição ao ensino de literatura; estratégias de leitura para diferentes textos.Em todos os encontros houve a testagem e crítica de procedimentos para a leitura da literatura

no ensino médio, com base na Estética da Recepção e no cotejo entre literatura e outras manifestações artísticas.

A primeira obra cuja leitura foi solicitada se chama Indez, do escritor mineiro Bartolomeu Campos Queirós (1994), a qual, apesar de não ser uma obra teórica acerca da leitura, nos oferece um enfoque literário da questão. O ato de ler é encarado como experiência de vida. Faz parte do cotidiano das personagens, pessoas simples, que são em grande parte iletradas. Esse livro foi escolhido na intenção de que houvesse uma discussão ampliando o conceito de leitura por parte dos professores.

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As outras obras que deram suporte teórico para esse primeiro momento foram O que é leitura, de Maria Helena Martins (1994) e O que é literatura, de Marisa Lajolo (1996). Sem oferecerem receitas prontas, as duas autoras mais questionam que respondem às perguntas propostas nos títulos. Acreditamos que aprender a relativizar é o primeiro passo para o professor de literatura, pois sabemos que o objeto de nosso estudo é extremamente escorregadio. Como bem diz Lajolo:

O que é literatura? É uma pergunta que tem várias respostas. E não se trata de respostas que, paulatinamente, vão-se aproximando cada vez mais de uma grande verdade, da verdade verdadeira. Não é nada disso. Não existe uma resposta correta, porque cada tempo, cada grupo social tem sua resposta, sua definição para literatura. (24-5).

Os outros encontros foram dinamizados a partir dos seguintes temas: a juventude, o negro, o índio, o sertanejo, a pátria e, como não poderia deixar de ser, discutimos a questão da educação, uma vez que a pesquisa tem como figura central o professor. As demais obras foram escolhidas levando-se em conta o conteúdo (que deveria estar relacionado ao tema Brasil: 500 anos), a forma e a adequação aos interesses dos professores. Não desprezamos o cânone literário, porque sabemos que este é um critério ainda utilizado na escolha das obras dos vestibulares. No entanto, não nos mantivemos presos a ele. Juntamente com as obras já consagradas pela crítica (como Iracema, de José de Alencar, Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto e O Ateneu, de Raul Pompéia) foram analisados e discutidos textos de autores locais, textos jornalísticos e poesia marginal, por exemplo. Quanto ao critério de escolha das obras para leitura, o curso foi bastante eclético, o que proporcionou aos professores a exploração de textos diversificados, verbais e extraverbais, tanto de autores conhecidos, como de desconhecidos.

Essa é uma prática pedagógica que acreditamos proporcionar o desenvolvimento da expressividade do sujeito leitor, do uso funcional da linguagem, da leitura e da reflexão sobre o mundo. Buscamos também obras que provocassem no leitor um efeito mais do que estético: catártico. Apontando para as relações do homem em sociedade, tais textos desencadeariam um questionamento sobre conflitos sócio-políticos contemporâneos. Propositalmente, dentro de uma mesma temática, optamos por obras de caráter conformador e desafiador, exatamente para que os professores pudessem compará-las, a fim de compreender o porquê da insistência da Estética da Recepção nas obras mais “difíceis”.

Conhecendo nosso contexto

Quando se pretende realizar uma pesquisa que vise a mudanças, o primeiro passo deve ser o de buscar conhecer bem a realidade que se pretende mudar. Por isso, foi necessário efetuar um diagnóstico do contexto em que estávamos inseridos. Tal prática proporciona um certo distanciamento entre o sujeito investigador e o objeto investigado (apesar de o método de pesquisa participativa dificultar essa distância), resultando num maior rigor científico. Além disso, é uma forma de se conhecerem as variáveis que podem intervir no processo, ficando mais fácil controlá-las, a fim de se conduzir o experimento de forma a alcançar os objetivos pretendidos.

O diagnóstico foi feito através de uma ficha de inscrição para o curso que continha dados informativos acerca do professor, bem como um espaço para que este explicitasse os motivos pelos quais desejou participar do curso.

Além da ficha de inscrição, fizemos uso de um questionário padrão para a coleta de dados. O questionário destinado aos professores é composto de duas partes. A primeira, de caráter

informativo, tem como finalidade levantar dados sobre o professor e seu trabalho, ou seja: se é licenciado ou não, que faculdade cursou ou está cursando, se faz ou fez cursos em nível de especialização ou pós-graduação, em que setores e através de que órgãos de ensino; onde leciona e qual o tempo de trabalho com literatura. A segunda parte é composta de quatorze questões que se distribuem de acordo com os objetivos de quatro áreas essenciais que visam abranger os seguintes aspectos:

Seção A – Informações básicas de natureza conceptual: o que o professor entende por leitura, literatura e ensino.

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Seção B – Informações metodológicas: em que consiste o trabalho com literatura; que objetivos o professor vê ao realizá-lo; em que elementos se baseia para a escolha dos objetos literários.

Seção C – Recepção da literatura na escola: que atitudes considera positivas ou negativas por parte dos alunos; influência do sexo do aluno como variável na escolha e apreciação de textos; influência de outros elementos extratextuais na recepção dos alunos; apresentação do texto como fator importante na leitura.

Série 4 – Descrição de uma experiência significativa: explicação e conceituação da metodologia usada pelo professor ao abordar o texto literário em sala de aula ou, ainda, uma experiência significativa que tenha sido realizada com manifestada satisfação pelos alunos.

Para a análise do instrumento de coleta de dados foram utilizados critérios estatísticos nas questões objetivas e análise qualitativa da série 4, em que houve liberdade para o professor se expressar, bem como do item “outros” presente nas demais questões. Observamos que as respostas para as questões da seção C, de caráter subjetivo, que diziam respeito à receptividade dos alunos em relação aos textos literários, poderiam ser agrupadas em blocos, o que nos permitiu criar categorias e dar a essas questões um tratamento estatístico.

É importante ressaltar que os dados obtidos na pesquisa não têm pretensão de representatividade estatística de uma realidade, pois trabalhamos com um número pequeno de professores. São apenas flashes, exemplos ilustrativos de uma microrealidade.

O perfil da classe

O corpus da amostra é formado por vinte e dois professores, sendo 17 do sexo feminino e 5 do sexo masculino. Mesmo não havendo sido feita uma escolha dos professores participantes do grupo, esse dado, de certa forma, confirma uma das características do magistério: a predominância do sexo feminino sobre o masculino. Este não é o momento para se discutirem as causas de tal predominância; entretanto, significativamente, em nossa sociedade, as profissões desvalorizadas social e economicamente têm sido abandonadas pelos homens e ocupadas pelas mulheres.

Dos professores questionados, 15 dão aula em dois períodos, com uma carga horária equivalente a 40 horas semanais de trabalho; 1 dá aula nos três períodos, com um total de 60 horas aula semanais; 4 trabalham em um só período, perfazendo o total de 20 horas aula por semana e 2 ainda não trabalham. Temos, portanto, um número elevado de docentes trabalhando em mais de um período. Podemos inferir que atividades relativas à preparação de aulas e materiais didáticos, bem como leituras de auto-aperfeiçoamento e atualização são prejudicadas pelo pouco tempo disponível.

Quanto à origem desses professores, 13 são provenientes das cidades do entorno de Brasília e 9 moram no Plano Piloto. Este dado indica, de certa maneira, o baixo nível econômico do grupo. Em Brasília, os aluguéis no Plano Piloto são altíssimos e o valor dos imóveis é, com certeza, inacessível para grande parte da população. Sem dúvida, os professores estão dentro desse grupo carente.

Com relação à formação acadêmica dos professores, temos 5 formados pela UnB e 2 ainda fazendo o curso de Letras nesta mesma instituição, 6 formados pelo CEUB/DF (conhecida Instituição particular no DF), e 9 formados por outras instituições. Essa variação quanto à origem dos cursos universitários já era esperada, uma vez que Brasília é uma cidade que comporta pessoas vindas de muitas regiões.

Como vimos, do total, apenas 2 professores são estudantes; os outros são licenciados, o que revela, sob esse aspecto, certa homogeneidade na amostra, uma vez que, ao menos em teoria, todos estão habilitados para exercer o magistério.

No tocante ao tempo de trabalho com literatura, o período máximo foi 20 anos e o mínimo 4 meses. O restante dos professores (em número igual a 18), tinha experiência que oscilava entre 1 a 5 anos. Os dois professores que ainda estavam estudando não exerciam o magistério.

Muitos docentes buscavam atualizar-se em atividades de extensão, promovidas pela UnB como um todo e, em particular, pelo Fórum Permanente de Professores. No entanto, a maioria não freqüentara cursos de pós-graduação. Dos que fizeram especialização, três optaram por Língua Portuguesa, um optou por Tecnologia Educacional; apenas dois se especializaram em Literatura. Havia ainda um professor que estava fazendo um curso na área de Produção de Textos.

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Com relação aos motivos que levaram os professores a se inscreverem no curso, obtivemos um total de 33 respostas, sendo que 20 diziam respeito à busca do aperfeiçoamento profissional; 5 à procura de novas metodologias para o ensino de literatura; as outras dividiam-se em outras preocupações, tais como cargo ocupado na escola, enriquecimento de curriculum, troca de experiências. Lamentavelmente, obtivemos apenas 3 respostas em que o prazer pela literatura foi mencionado. Esse dado reforça os resultados das pesquisas no campo Literatura/Ensino abordados anteriormente. A escola, como instituição, valoriza demasiadamente um dos aspectos da literatura – a transmissão do conhecimento. A emoção e o prazer pela leitura não são considerados. Esquece-se de que “a razão pela qual grande maioria das pessoas lêem poemas, romances e peças, está no fato de elas encontrarem prazer nesta atividade.” (Eagleton, 1983: 205).

Um dos principais objetivos dos professores ao fazerem cursos de extensão é a obtenção de pontos que melhoram a classificação profissional, no caso de contratação, e servem para “pular barreira” quando são professores efetivos da Fundação Educacional do Distrito Federal (FEDF), o que significa uma pequena melhoria no salário. De qualquer modo, espera-se que a realização de cursos em nível de extensão ou pós-graduação, seja em literatura ou em língua, contribua para a melhoria do ensino de Português.

O professor frente ao instrumento de coleta de dados

O instrumento de coleta de dados acerca do professor possui questões objetivas e discursivas. Nas questões objetivas o professor deveria assinalar os itens, em ordem numérica crescente, segundo o grau de prioridade (marcando 1 para a resposta que considerasse mais importante), não sendo obrigatório assinalar todas as opções disponíveis. Como resultado desse nosso critério, houve professores que marcaram cinco ou quatro, às vezes três e duas respostas. Tivemos também, aqueles que marcaram apenas uma questão, acrescentando (1); ou seja, o entrevistado tinha até cinco opções de respostas, sendo livre para escolhê-las e ainda tendo “outros” como espaço para sua expressão, caso não concordasse com as respostas oferecidas. Além desse item, a Seção C e a Série 4, também permitiam que o professor manifestasse sua opinião. A análise global do instrumento de coleta de dados nos auxiliará a caracterizar melhor o grupo.

Informações básicas de natureza conceptual

O professor de literatura é, essencialmente, um professor de leituras. Por isso, consideramos de grande importância examinar o que esses profissionais entendem por leitura. Os quadros a seguir2 nos auxiliarão a visualizar melhor os resultados.

QUADRO 1“O que é leitura?” Ordem TRRESPOSTAS DISPONÍVEIS -Decodificação de sinais gráficos 1 1 2 2 8 14Processo de envolvimento em que autor e leitor influenciam e são influenciados.

1 1 6 4 2 14

Processo lúdico de entendimento de sentidos. 3 5 4 4 - 16

Capacidade de perceber e interpretar o mundo por intermédio dos sentidos.

14 5 - - - 19

Compreensão das linhas e entrelinhas do texto verbal escrito.

3 4 3 4 2 16

2 Os quadros são composto das respostas contidas no questionário, a ordem numérica e o total de respondentes (TR). Estão em destaque as células que possuem o maior número de respostas. Podemos observar que o total de respondentes muitas vezes não coincide com o número de professores de nosso corpus (ou seja, 22), devido ao critério de marcação das respostas explicitado anteriormente.

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O conceito de leitura mais apontado foi “Capacidade de perceber e interpretar o mundo por intermédio dos sentidos”, com quatorze respondentes acrescentando (1) para tal item. Um número considerável de respondentes, cinco pessoas, deram (2) para este mesmo item, o que acentua ainda mais o fato de ser esse o conceito preferido pelo grupo. Em seguida, vem “Leitura é um processo lúdico de entendimento de sentidos”, com cinco pessoas considerando-a como resposta secundária. Seis respondentes deram (3) para “Processo de envolvimento em que autor e leitor influenciam e são influenciados”.

Como vimos, para o grupo de professores com o qual trabalhamos, a leitura não se resume apenas em decodificar signos lingüísticos, mas sim é vista como um processo mais amplo em que se considera como leitura a própria experiência de vida do sujeito.

Pensamos que tal resultado satisfatório tem a ver com o empenho da UnB em capacitar cada vez mais os profissionais da área de educação através da extensão, por meio do Fórum Permanente de Professores. Desde que o Fórum foi criado, tivemos o prazer de contar com diversos cursos voltados para o incentivo da leitura e muitos dos professores que participaram do nosso grupo já haviam feito tais cursos. Sentimos que vários docentes estavam com os conceitos mais atualizados, o que faltava era transpor esses conceitos para a realidade da sala de aula, ou seja, a grande carência era a ausência de uma metodologia de trabalho. Ficamos felizes com o resultado dessa 1ª questão, mas percebemos uma contradição entre esse resultado com o que vem a seguir, que diz respeito ao conceito de literatura, básico para todo professor de português. Passemos, pois, para o quadro de número 2.

QUADRO 2“O que é literatura?” Ordem TRRESPOSTAS DISPONÍVEIS -Conjunto de obras listadas por escolas literárias - 1 5 3 3 12Revisão da história, dos acontecimentos que influenciaram na vida humana através dos séculos.

8 6 - 2 - 16

Conhecimento das boas letras. - 3 5 4 2 14

Produção e expressão humana pela linguagem verbal em diferentes gêneros.

11 3 - 1 - 15

Fruição estética a partir da leitura. 2 2 4 1 3 12

Pela análise dos dados acima, podemos constatar que a maioria do grupo apontou ser literatura “a produção e expressão humana pela linguagem verbal em diferentes gêneros.” Tal conceito aponta para a materialização do objeto literário: o código verbal escrito. Assim, para tais docentes, só é literatura o que está escrito e documentado em obras (através das letras). Sob essa ótica, as narrativas orais não são, pois, consideradas como literatura. Um número considerável de professores disse que literatura “é a revisão da história, dos acontecimentos que influenciaram na vida humana através dos séculos.” Este conceito dá a idéia de que literatura é uma coisa e o texto outra, privilegiando-se a história como determinante da obra, em detrimento da construção artística do próprio texto. Pela resposta à questão “O que você entende por leitura?” apontada anteriormente, a lógica seria que os professores aproximassem leitura e literatura, mas apenas dois membros do grupo consideraram ser literatura “fruição estética a partir da leitura”.

De acordo com o segundo conceito de literatura preferido, ensinar tal disciplina é essencialmente apresentar os dados culturais da época, a história dos grandes acontecimentos, deixando-se de lado o produto de maior interesse na literatura – o texto. Nos primeiros dias em que tivemos contato com o grupo de professores e lhes apresentamos a nossa proposta de trabalho, que buscava essencialmente trabalhar literatura a partir da leitura dos textos literários, alguns desistiram de levar o curso até o final, pois tinham como expectativa a exploração da periodização literária e, como tal aspecto não era o eixo da nossa proposta, de certa forma sentimos que se chocaram ante o novo. Tínhamos no início do curso 22 professores e concluíram o curso apenas 16. Além de outros motivos, acreditamos ser a ausência de uma abordagem que privilegiasse a periodização literária, uma das causas da evasão.

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Vejamos em seguida, um outro conceito primordial, que diz respeito ao que os professores entendem por ensino.

QUADRO 3“O que é ensino?” Ordem TRRESPOSTAS DISPONÍVEIS -Transmissão de um saber institucionalizado. - - 2 5 6 13Processo de troca de conhecimentos. 9 6 3 - - 18Desenvolvimento da memória e do raciocínio do aprendiz. 3 6 5 - - 14

Preparo do estudante para o vestibular e o PAS. - 1 1 6 5 13Desafio em prol do crescimento livre, criativo e crítico do estudante. 10 5 3 1 - 19

Pela análise das respostas acima, percebemos que o grupo se preocupa em desenvolver um trabalho em que o aluno possa emitir opiniões e discutir livremente todos os assuntos colocados em sala de aula. De maneira geral, hoje em dia, o professor procura não mais se posicionar como o detentor do conhecimento, mas se coloca como sujeito mediador no processo de ensino-aprendizagem, buscando ensinar e instruir os alunos, ouvindo-os e respeitando-os. Além disso, alguns têm a humildade e a dignidade de assumir que aprendem muito com seus alunos.

Acreditamos que o resultado obtido na questão acima reflete as conquistas do processo de democratização de ensino, exercido paulatinamente pelas diversas correntes pedagógicas, sendo inegáveis nesse sentido, as contribuições desencadeadas pela Escola Nova. Sabemos que ainda há muito a se fazer pela educação em nosso país, mas já estamos colhendo alguns frutos do trabalho dos profissionais da área, de pesquisadores em educação, de algumas iniciativas de um ou outro governo e da sociedade como um todo. Pelo menos a mentalidade dos professores tem mudado e isso já é um motivo de comemoração.

Em âmbito particular, tivemos o projeto da Escola Candanga, implantado no governo do DF, no período de 1995 a 1998, que buscou democratizar o ensino, conferindo a cada escola e às comunidades locais a tarefa de definir o projeto político-pedagógico mais adequado à realidade educacional vivida. Temos também a proposta inovadora do PAS (Programa de Avaliação Seriada – nova modalidade de vestibular) e o papel do Fórum Permanente de Professores que favorece o diálogo entre a UnB e os professores do ensino fundamental e médio, além de buscar ouvir também os pais dos alunos envolvidos no PAS. Todas essas iniciativas ocorridas aqui, no Distrito Federal, contribuem para a formação de professores que optam pelo diálogo, pela troca de conhecimentos e pelo respeito mútuo.

Durante o curso que ministramos na UnB, pudemos perceber a ânsia desses professores em entender a cabeça do jovem, em procurar atividades que despertassem o prazer pelo estudo e sentimos a angústia quando os mesmos admitiam falhar em seus projetos. Acreditamos que aquele professor sisudo, soberano, distante dos alunos, a cada dia perde mais espaço nas escolas atuais, mesmo porque, hoje, os alunos têm voz e exigem um profissional qualificado e capaz de manter relações sadias em sala de aula.

Com relação ao item “preparo do estudante para o vestibular e o PAS”, apesar de ter sido considerado como resposta número 2 por apenas um professor, gostaríamos de tratar dessa questão com mais profundidade. Pensamos que, mesmo sem o declararem, muitos professores acreditam que ensino é também “preparo do estudante para o vestibular e o PAS” e levam tal aspecto em consideração em seu planejamento. Durante o curso, os professores se predispunham a tirar dúvida a respeito do PAS, levavam provas do vestibular para que se discutissem as questões e, mesmo não colocando 1 para tal item, acrescentavam observações do tipo: “importante”, “importante atualmente”, o que prova preocupação acirrada com o vestibular e o PAS.

Os professores das escolas particulares declararam, no período que fizeram o curso, que havia grande pressão sobre eles com relação ao sucesso dos alunos tanto no PAS quanto no vestibular, pois o prestígio das instituições particulares está assentado em tal sucesso; tanto isso é verdade, que observamos no nosso dia-a-dia a mídia enfocando os alunos que passaram na UnB, quantos foram, e

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tudo isso significa maior número de matrículas para as escolas que conseguem fazer com que grande parte de seus alunos seja aprovada. De maneira geral, percebemos que, para as escolas particulares, o bom professor é aquele que dá conta de fazer com que seu aluno passe no vestibular, no PAS e em concursos diversos, deixando de lado aspectos importantes voltados para a cidadania, a ética, a formação do sujeito como um todo. Um professor do grupo, que leciona em estabelecimento particular, fez a seguinte declaração a respeito do vestibular: “É muito difícil alterar o pragmatismo da educação, direcionada para um mercado. O aluno, por influências várias, não distingue o prazer estético da leitura. De um modo geral, o sucesso direciona-se para a ‘vitória do vestibular’. A escola reforça essa visão do aluno e a família reforça essa meta no filho.”

Passaremos em seguida, para a análise das questões de ordem metodológica.

Informações metodológicas

QUADRO 4“Ao ensinar literatura, você se detém mais em:” Ordem TRRESPOSTAS DISPONÍVEIS -Esclarecer para os alunos a organização lingüística e estrutural de um texto.

4 4 7 3 - 18

Enfatizar a periodização literária. - 2 3 7 2 14Apresentar a listagem biográfica dos principais autores com suas obras.

1 1 2 1 9 14

Salientar o aspecto sócio, político, econômico e cultural presente nas obras.

4 7 4 2 - 17

Estimular o prazer estético, pelo entendimento da significação, a partir do texto artístico.

13 5 - - 1 19

Surpreendemo-nos com o resultado acima, em função do conceito de literatura apreendido anteriormente e discutido na seção “Informações básicas de natureza conceptual”. Nota-se que, em primeiro lugar, o grupo diz se deter nos aspectos estéticos do texto; dessa forma, o trabalho com literatura estaria voltado para o estímulo à leitura, salientando-se o valor de uma organização especial de linguagem e da apreensão dessa organização. Ficamos contentes com tal resultado, pois na nossa opinião nas aulas de literatura o texto literário deve ser o eixo desencadeador de discussões, comentários, e seus valores estéticos devem ser mostrados aos alunos. A apreciação estética pressupõe não só a leitura de textos, mas também um trabalho voltado para a especificidade da linguagem literária. O que não sabemos é se esses professores têm dado conta de transpor essa opinião que coletamos, para a realidade da sala de aula.

Durante o curso que ministramos chocou-nos o fato de descobrir que nenhum dos professores participantes possuía um dicionário de símbolos, nem mesmo um dicionário etimológico ou de termos literários. Para nós, tais obras são instrumentos básicos para alguém que se dispõe a trabalhar com literatura. A pesquisa em vários dicionários, a leitura de críticas literárias, o ir e o voltar atento ao texto, nos permite sair da “escuridão” do enunciado e partir para a “clareza” da enunciação” 3. Sentimos que o professor tem dificuldade em fazer esse tipo de leitura mais aprofundada. No curso, eram poucos os que iam com algum roteiro de leitura anotado, que faziam comentários e buscavam realmente desvendar os mistérios da escritura. Novamente acreditamos que “a lição eles sabem de cor”, ou seja, sabem que papel devem desempenhar enquanto professores de literatura, o que resta é “aprender”, colocar em prática todos os conhecimentos aos quais têm tido acesso.

Voltando aos dados do quadro, em segundo lugar, os professores apontaram deter-se nos aspectos sócio, político, econômico e cultural presente nas obras. Sabemos que, em um curso de literatura, devem ser criadas condições para que o aluno apreenda elementos extraliterários – culturais,

3 Entendemos como “enunciado” o que foi manifestado, expressado no texto. A “enunciação” estaria voltada para o que o texto guarda nas entrelinhas, seria a camada mais oculta que deve ser descoberta pelo leitor.

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sociais e políticos – o que lhe facultará uma formação integral. Contudo, a formação do aluno permanecerá incompleta e insuficiente se a própria essência do texto literário não for conhecida e dominada. No nosso curso, procuramos obter um equilíbrio entre o estético e o cultural, pois se é verdade que a obra de arte abre perspectivas para a assimilação de valores extraliterários, não podemos nos esquecer de que a fruição da literatura só é possível através da valorização estética. A esse respeito bem notou Anatol Rosenfeld:

A ficção é um lugar ontológico privilegiado: lugar em que o homem pode viver e contemplar, através de personagens variadas, a plenitude da sua condição, e em que se torna transparente a si mesmo; lugar em que, transformando-se imaginariamente no outro, vivendo outros papéis e destacando-se de si mesmo, verifica, realiza e vive a sua condição fundamental de ser autoconsciente e livre, capaz de desdobrar-se, distanciar-se de si mesmo e de objetivar a sua própria situação. A plenitude de enriquecimento e libertação, que desta forma a grande ficção nos pode proporcionar, torna-se acessível somente a quem sabe ater-se, antes de tudo, à apreciação estética que, enquanto suspende o real das outras valorizações, lhes assimila ao mesmo tempo a essência e seriedade em todos os matizes. (1972: 45).

Ainda em relação aos dados do quadro, em terceiro lugar, os professores disseram se deter na organização lingüística do texto. Há nessa assertiva o vínculo entre literatura /conteúdo gramatical manifestado pela língua escrita. Nesses casos o texto literário vira pretexto para o estudo de noções gramaticais. Como bem observa Lontra, os professores que trabalham dessa forma “conseguem dupla rejeição por parte dos estudantes: ojeriza à literatura e dissabor à língua.” (1992: 159)

QUADRO 5“Que tipos de textos você prioriza em suas aulas de lit. ?” Ordem TRRESPOSTAS DISPONÍVEIS -Textos da atualidade (jornais, revistas etc.) 6 11 2 - - 19Textos literários (crônicas, poemas, romances etc.) 16 4 - - - 20Textos de apostila elaborada para as aulas. - 2 6 3 - 11

Textos do livro didático. 1 2 6 5 - 14

Pelos resultados descritos acima, observamos que o grupo trabalha prioritariamente com textos literários. Em segundo lugar, vêm os textos da atualidade (jornais, revistas etc). Sabemos que as provas do PAS, e mesmo as do vestibular tradicional da UnB, têm privilegiado textos de tipologia variada e, com certeza, isso repercute nas escolas, fazendo com que os professores também procurem trabalhar com textos diversos e atuais. Em terceiro lugar, obtivemos como resposta os textos do livro didático. Acreditamos que tal item merece atenção especial.

Confirmando o que, de certa forma, constitui senso comum nas pesquisas realizadas no campo Literatura/Ensino, 16 dos 22 professores entrevistados adotam um manual em seus cursos. A dependência ao manual explicar-se-ia, de um lado, pelas condições nem sempre favoráveis em que o professor realiza seu trabalho: salários baixos, instalações precárias, falta de bibliotecas, livros caros, muitas aulas semanais, entre outros fatores. De outro, pela falta de preparo pedagógico, ou talvez, pelo medo de romper estruturas tradicionais de ensino (é mais fácil reproduzir do que transformar).

Apesar de terem considerado o livro didático em terceiro grau de prioridade, alguns professores acrescentavam do lado da questão observações do tipo: “não há como fugir disso”, “o livro facilita o trabalho”, comprovando que muitos professores sem tempo para preparar as aulas ou, em alguns casos, sem saber como prepará-las, encontram no livro didático não um recurso a mais para favorecer o

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trabalho pedagógico, mas, antes, um condutor de suas aulas (é nesse sentido que acreditamos ser negativo o uso do livro didático).

QUADRO 6“Elementos em que você se baseia para selecionar textos e obras a serem trabalhados com os alunos”

Ordem TR

RESPOSTAS DISPONÍVEIS -Pertencer ao cânone literário. - 2 9 4 1 16Estar relacionado às necessidades das faixas etárias dos alunos. 8 3 4 2 1 18Constar de listagens do vestibular ou do PAS. 3 5 1 7 - 16

Apresentar relações com problemas da atualidade. 7 8 2 - - 17Estar inserido no manual didático adotado pela escola. 1 1 1 2 8 13

Segundo os dados descritos acima, os professores dizem que prioritariamente levam em conta as expectativas dos alunos para a seleção de textos e obras literárias a serem trabalhadas.

O segundo critério está ligado a textos relacionados com a atualidade, que levará decerto o aluno a se interessar pela aula, uma vez que tais textos estarão tratando de temas relacionados com a vivência desses alunos.

Em quarto lugar vêm as obras listadas pelo PAS. Recebemos com estranhamento esse resultado, pois durante o curso os professores mostravam-se muito preocupados com questões ligadas ao PAS e muitos deles pediam sugestões para a abordagem das obras solicitadas no programa e bibliografia que os pudesse auxiliar na leitura das mesmas.

Em último lugar vem o critério “estar inserido no manual didático da escola.” Se 16 dos 22 professores fazem uso do livro didático, como explicar tal resultado?

Os professores ao responderem o questionário se sentiram avaliados. Foi preciso explicar que eles estavam sendo co-participantes de uma pesquisa ligada ao estudo do ensino da literatura, mas mesmo assim acreditamos que, em função do curso fazer parte de um experimento que iria embasar uma dissertação de mestrado, houve respostas que procuraram mascarar a realidade. De qualquer maneira, é válido apontarmos as contradições existentes entre as respostas na busca de um perfil mais próximo do contexto trabalhado.

QUADRO 7“Em sua opinião, o ensino de literatura, tal como é realizado nas escolas, é satisfatório:”

Ordem TR

RESPOSTAS DISPONÍVEIS -SIM, porque o aluno consegue realizar as provas com bom desempenho.

- - - 2 - 2

SIM, porque o aluno passa a se interessar e participar das aulas. 2 - 1 - - 3SIM, porque estimula o senso crítico do aluno. 4 1 3 - - 8

SIM, porque o estudante torna-se um leitor mais ativo. 2 3 - - - 5

QUADRO 8“Em sua opinião, o ensino de literatura, tal como é realizado nas escolas, é satisfatório:”

Ordem TR

RESPOSTAS DISPONÍVEIS -NÃO, porque concursos diversos direcionam o ensino de literatura. 4 1 1 3 - 9NÃO, porque o currículo não atende aos interesses dos alunos nem às aspirações do professor.

2 3 3 - - 8

NÃO, porque ignora o prazer estético e o senso crítico dos estudantes.

8 3 3 - - 14

NÃO, porque causa uma resistência por parte dos alunos. 2 5 2 1 - 10

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Os quadros 7 e 8 referem-se à mesma questão, que diz respeito à opinião do professor acerca do ensino de literatura realizado nas escolas. Pela análise das respostas, (divididas em SIM e NÃO, com as respectivas justificativas), podemos constatar que a grande maioria acredita não ser satisfatório o ensino de literatura. O principal motivo, segundo os professores, seria o fato de tal ensino ignorar o prazer estético e o senso crítico dos alunos. Em seguida, porque causaria uma resistência por parte dos estudantes e, em terceiro lugar, porque concursos diversos direcionam o ensino de literatura. O ceticismo e o desânimo assolam os professores. Muitos se admitem impotentes na busca de soluções para a crise da leitura que se instalou no ambiente escolar. Um deles observou que o principal motivo para o ensino de literatura ser insatisfatório é a ausência de uma metodologia “adequada”. Em suas palavras, (IA) “Não há alternativa quanto à metodologia. Dizer que sim é utopia.”

O fato de os alunos não se interessarem pelas aulas de literatura e pelos livros indicados não seria conseqüência de um estudo voltado essencialmente para a periodização literária, bem como da inadequação da escolha das obras? No entanto, os professores responderam que, entre os critérios de escolha de textos, estavam sendo consideradas prioridades a faixa etária do aluno e os temas voltados para a atualidade.

Sabemos que cursos de literatura que se iniciam com textos de autores contemporâneos, de linguagem e temática mais próximas dos alunos, certamente são mais estimulantes e favorecem a formação de leitores. Ainda que outros fatores, tais como a expansão da indústria cultural, a não-formação do hábito de leitura nos primeiros anos de vida, as deformações adquiridas no Ensino Fundamental em relação aos livros, pesem, e muito, no gosto ou não pela leitura, acreditamos que, se os professores estiverem realmente colocando em prática os critérios que disseram levar em conta na escolha dos textos literários, com certeza, eles mesmos estarão satisfeitos com o ensino de literatura que virá a ser realizado nas escolas. No entanto, atualmente, pela análise das respostas, vemos que a insatisfação é geral.

QUADRO 9“Que objetivos norteiam sua atividade no ensino de literatura?” Ordem TRRESPOSTAS DISPONÍVEIS -Desenvolver o hábito de leitura fora da escola. 4 1 7 4 - 16Ensinar literatura para servir à aquisição de cultura. - 6 3 5 2 16Proporcionar o conhecimento de fatos históricos. - 1 1 2 10 14

Estimular a compreensão e a fruição do objeto literário. 3 7 4 3 1 18Ampliar o horizonte de experiências e de vivências dos alunos. 14 3 2 - - 19

Para entender o porquê da literatura na escola, foi preciso refletir sobre a opinião dos docentes a respeito dos objetivos que norteiam tal ensino. O quadro 9 mostra os principais objetivos sugeridos para o ensino de literatura. Em primeiro lugar, obtivemos como resposta a ampliação do horizonte de experiências e de vivências dos alunos. Em segundo lugar, o estímulo à compreensão do objeto literário e, em terceiro lugar, temos como objetivo a aquisição de cultura. Contrariando o segundo conceito de literatura mais indicado, e já comentado anteriormente, temos como último objetivo “proporcionar o conhecimento de fatos históricos.”

Das cinco opções sugeridas, todas podem ser consideradas como objetivos importantes a serem atingidos com o ensino de literatura, porém a quarta opção, “Estimular a compreensão e a fruição do objeto literário”, volta-se para a especificidade da literatura, sendo portanto um dos objetivos centrais. No entanto, tal opção foi considerada como objetivo secundário, não havendo muito equilíbrio entre ela e a outra opção considerada prioritária, que se volta para a ampliação do horizonte de experiências do aluno. A nosso ver, o interessante seria obter uma resposta que aproximasse os dois conceitos de forma a se privilegiarem tanto a linguagem artística construída quanto os ganhos humanos decorrentes da leitura literária.

Recepção da literatura na escola

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A Seção C buscou obter informações pelo foco do professor, acerca da receptividade do aluno frente ao estudo dos textos literários. Por isso, volta-se para a análise de possíveis variáveis que podem interferir no processo da leitura, tais como sexo do aluno, apresentação do texto, interferência de elementos extratextuais na recepção do texto literário etc. Passemos então, para a análise dos resultados obtidos.

QUADRO 10“Como a maioria dos alunos reage frente ao estudo dos textos literários?”

Ordem TR

RESPOSTAS DISPONÍVEIS -De modo positivo. 3 2 3 - - 8De modo indiferente. 12 3 - - - 15De modo negativo. 6 4 2 - - 12

Como podemos observar, prevalece a apatia frente ao estudo dos textos literários. Dos 22 professores entrevistados, 12 afirmam que seus alunos se mostram indiferentes nas aulas de literatura e 6 respondem que os alunos reagem negativamente à leitura literária. Apenas 3 professores consideram que seus alunos têm prazer pelas aulas de literatura. Tal resultado constitui um paradoxo quando o confrontamos com as respostas dos alunos para a pergunta “Você gosta de ler?”, que faz parte do instrumento de coleta de dados dos alunos, aplicado pelo grupo de pesquisa “A leitura da literatura no ensino médio do DF”, orientado pela professora Hilda Orquídea H. Lontra, do Departamento de Teoria Literária e Literaturas da UnB. Dos 242 alunos entrevistados, 208 afirmam que gostam de ler, perfazendo um total de 86%. Muitos revelaram que acham a linguagem dos livros indicados difícil e fora da realidade dos jovens. A problemática parece estar assentada na escolha dos livros a serem trabalhados e na forma como a literatura vem sendo estudada, não no fato de os alunos não apreciarem a leitura.

A questão 2, de caráter subjetivo, pôde ser analisada estatisticamente porque não houve muita variação nas respostas. Criamos as seguintes categorias para facilitar a análise: (SM), quando o respondente disse que o sexo influencia na relação do aluno frente ao texto literário; sendo a mulher mais sensível para o estudo da literatura; (N), quando o respondente afirmou que o sexo não influencia na recepção do aluno e (X), para aqueles que não responderam a questão. Dos 22 professores entrevistados, 11 consideraram que o sexo não influencia na recepção do texto literário. Um número significativo, composto por 7 professores, disse que a mulher tem mais sensibilidade para o estudo da literatura; alguns afirmaram que elas são mais emotivas e outros informaram que elas preferem a fase do Romantismo. Apenas 4 professores deixaram de responder à questão. Segundo uma das professoras, “a leitura emotiva e sensorial está muito relacionada ao universo feminino, enquanto no masculino predomina a intelectual.”

A questão 3 pretendeu verificar a interferência da apresentação textual na reação do aluno frente ao texto literário. Utilizamos o mesmo critério da questão anterior. Criamos as seguintes categorias: (STC) para respostas que afirmam que os alunos preferem textos curtos, com letras grandes e, se possível, com ilustrações; (SE) para respostas que dizem que a apresentação estética é importante, mas não chegam a especificar as preferências dos alunos; (RN) para respostas que fugiram da pergunta, (N) para aquelas que não consideram a apresentação do texto um aspecto importante e (X) para os que não responderam. Dos 22 professores entrevistados, 9 disseram que os alunos preferem textos curtos, com letras grandes e apreciam muito as ilustrações, 8 afirmaram que a apresentação do texto é importante na reação do aluno, 1 professor não soube responder à questão e 3 não deram respostas. A opinião dos professores a respeito da atitude de seus alunos diante de textos literários e do ensino de literatura fornece-nos elementos importantes para vislumbrarem-se mudanças. Sem dúvida, a partir do instante em que for levado em consideração os desejos dos jovens, as aulas de literatura serão muito mais agradáveis. Pelo exposto acima, acreditamos que o trabalho com textos curtos e de estrutura narrativa mais simples, é mais bem aceito pelos alunos. O professor pode desenvolver um trabalho visando, no primeiro momento, ir ao encontro das familiaridades dos adolescentes e, em um segundo ou terceiro momentos, o professor entra, então, com os romances, quando o leitor estiver com seu repertório de leituras mais amplo e, portanto, mais apto à apreensão de textos mais longos e complexos.

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A quarta questão busca averiguar a interferência de elementos extratextuais na recepção dos alunos. Para facilitar a análise estatística, criamos as seguintes categorias para tal questão: (ST) para respostas que afirmam que a tecnologia é um fator extratextual importante. Consideramos como tecnologia a televisão, o vídeo-game, o computador e os jogos eletrônicos em geral; (SEP) para respostas que enfocam as experiências pessoais dos alunos como fatores extratextuais importantes. Como fruto da experiência pessoal, levou-se em conta a formação do leitor, as condições sociais em que os alunos vivem, a falta de incentivo para a leitura por parte dos pais e o ciclo de amizades como variável na apreciação de textos. Essas foram as respostas obtidas dos professores e que puderam ser agrupadas em um só bloco que denominamos como “experiência pessoal”. Ainda tivemos (N) para o caso de respostas em que os professores afirmam não perceber a influência de elementos extratextuais na leitura e (X) para aqueles que não responderam à questão. Do total do corpus, 6 professores disseram que as experiências pessoais dos alunos são fatores importantes na recepção do texto. Pudemos observar que aqueles que trabalhavam em escolas públicas salientaram as condições precárias em que vivem os alunos, bem como a falta de incentivo em casa, como principais motivos para o desânimo diante do estudo da literatura. Para 4 professores, a indústria cultural e a tecnologia, dada à multiplicidade de seus meios de comunicação, à facilidade de acesso que oferecem aos fatos e às notícias, à fragmentação de idéias, são alguns dos fatores responsáveis pela falta de estímulo para a leitura. A televisão e o computador foram os mais citados. Tivemos 1 professor que afirmou perceber a interferência de elementos extratextuais na leitura, mas não os especificou e ainda um número elevado de 6 docentes que não responderam a essa questão. Talvez não tenham conseguido interpretá-la; acreditamos que o termo “extratextual” confundiu-os um pouco. Dos entrevistados, 5 informaram não perceber a interferência de elementos extratextuais na recepção dos alunos.

A última questão, de número 5, ainda pertencente à sessão “Recepção da literatura na escola”, versa sobre o hábito de leitura. A maioria disse que seus alunos não têm o costume de ler. Apenas 1 professor afirmou que seus alunos liam com freqüência porque eram estimulados em sala de aula. Dos entrevistados, 7 não responderam a essa questão. Os motivos para a falta do hábito de leitura foram os mais variados. Transcreveremos em seguida, algumas respostas que obtivemos:

(Professor 1) “Os alunos acham outras coisas mais importantes.”(Professor 2) “Talvez seja por causa da falta de motivação por parte dos professores.”(Professor 3) “Não têm o hábito de freqüentar bibliotecas e argumentam não terem dinheiro

para a aquisição de livros.”(Professor 4) “Porque não desenvolveram o hábito da leitura.”(Professor 5) “Porque nunca tiveram um contato satisfatório com livros e nem foram

estimulados para tal.”(Professor 6) “Porque além de serem carentes, não cultivaram esse hábito.”(Professor 7) “Porque não foram iniciados ao sentido de um texto.”(Professor 8) “Porque infelizmente têm uma preguiça mental horrível.”(Professor 9) “Porque têm preguiça, interessam por outras atividades, por exemplo, televisão,

jogos.”(Professor 10) “Estou tentando descobrir melhor. Tenho pouca experiência.”

Não temos a intenção, neste nosso trabalho, de verificar os verdadeiros culpados pela desvalorização da leitura. Mas, pelo teor das respostas colhidas, percebemos que o ensino de literatura continua no plano do que deveria ser, do ideal, e não no das realizações efetivas, pois, como vimos, no foco dos docentes, poucos alunos lêem espontaneamente e com freqüência.

Sabemos que a formação do gosto pela leitura bem como a criação de mecanismos que facilitem o acesso a livros não se restringem ao âmbito da escola, mas antes dependem de fatores sociais, econômicos, culturais e políticos. Ressaltamos ainda que a leitura como prática social, no Brasil, encontra-se muito aquém do desejado. Contudo, nosso diagnóstico revela que os caminhos percorridos pela escola, no direcionamento dos jovens para a leitura, merecem ser melhor conhecidos e avaliados para que mudanças possam ocorrer e para que haja uma maior valorização da leitura e da literatura. Não podemos deixar de lembrar que muitos desses jovens só têm a oportunidade de ler no espaço escolar, pois em casa seus pais não possuem livros, não assinam jornais, nem tampouco revistas. Estamos cientes de que em nosso país apenas uma parcela ínfima desses adolescentes consegue chegar à

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universidade, sendo que pouquíssimos cursos trazem literatura em seu curriculum; assim, o ensino médio é de grande importância, pois muitos alunos só terão contato com a literatura nesse período.

Série 4

A série 4 procurou averiguar a metodologia empregada pelo professor na abordagem de textos literários, a partir do relato de uma experiência significativa realizada em sala de aula com os resultados obtidos. Eis a questão: “Descreva, em linhas gerais, como você trabalha com o texto em sala de aula ou, ainda, uma experiência significativa que tenha sido realizada com satisfação. Aponte os resultados alcançados.”4 O objetivo dessa questão era apenas obter dados reais sobre os tipos de trabalho que os professores realizam com literatura no nível médio. Analisemos, pois, algumas respostas obtidas.5

(Professor 1) “ Representação teatral com textos de Fernando Pessoa, de Gregório de Matos, de Castro Alves e de Álvares de Azevedo.

A aprendizagem transformada em prazer (mas não é possível fazer isto sempre). Falta, por exemplo, vídeos modernos com representação de textos de obras literárias.”

(Professor 2) “Gosto de fazer paralelo entre literatura, música, fotografia, filmes, textos de jornais. Uma experiência interessante feita com uma turma de 2º grau:

Estilo – Pré-Modernismo.Filmes: Ilha das Flores Guerra de CanudosFotografias: Livro “Terra” – Sebastião Salgado Da periferia de BrasíliaMúsicas: Brejo da Cruz (Chico Buarque) Mestre Sala dos Mares (Aldir Blanc)O Bêbado e o EquilibristaPintura: Telas de PortinariLiteratura: Cena de Rua (Ângela Lago)Triste Fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto).”

(Professor 3) “Uma peça teatral na qual os alunos leram um livro de literatura clássica e representaram-no. Foi lindo!”

(Professor 4) “Júri simulado da obra Triste fim de Policarpo Quaresma, painéis com poesias. O resultado é um maior interesse pela leitura.”

(Professor 5) “Faço a leitura e o comentário com os alunos, abrindo espaço para as discussões e, às vezes, comparações com outras obras atuais, antigas ou até não literárias.

Uma vez pedi que a turma se dividisse em grupos e encenasse (cada grupo) uma estória de “Noite na Taberna”, com roupas de época e diálogos integrais (para vídeo).

Obs: Fizemos até a entrega do ‘Oscar’”.

(Professor 6) “Leitura – debates – relações do texto com a realidade dos alunos sempre questionando-os. Contexto histórico e cultural. Aspectos formais e morfossintáticos e suas influências no entendimento do texto. Se possível – música relacionada ao tema do texto.”

4 Antes de passarmos às respostas, gostaríamos de esclarecer que essa questão jamais pretendeu respostas que fossem “métodos prontos” e “perfeitos”, mesmo porque método pronto e perfeito não existe.5 Ressaltamos que estaremos nos detendo na análise dos conteúdos das respostas. Devido ao pouco tempo disponível para a execução das tarefas, os professores não tiveram oportunidade de realizar uma revisão em seus textos. Por respeito aos participantes da pesquisa, achamos conveniente fazermos algumas correções no aspecto formal, sem alterar a essência do trabalho.

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(Professor 7) “Eu leio toda a obra em sala de aula. Comento palavra por palavra de um poema; parágrafo por parágrafo de um texto em prosa. Procuro fazer todas as relações históricas, políticas e sociais de um texto. Só então procuro trabalhar o campo estético da obra. Por não fazer greve, li durante a última greve da FEDF o “Auto da barca do inferno”, de Gil Vicente. Para surpresa minha, meus alunos amaram.”

Dos 22 professores entrevistados, 5 não deram resposta para a questão contida na série 4. Desses, dois eram alunos da graduação e ainda não atuavam em sala de aula, motivo pelo qual não explicitaram seu método de trabalho.

As citações transcritas possibilitam verificar os três tipos predominantes de respostas obtidas, quais sejam: professores que preferiram não explicitar seu trabalho com textos literários, relatando apenas uma experiência significativa; outros que já têm um trabalho com o texto mais ou menos delineado, porém sem se voltar para questões de cunho realmente literário; finalmente, aparecem depoimentos em que se percebem claras algumas metas objetivas com relação à análise da obra, enquanto texto literário.

Os três últimos depoimentos contém dados referentes ao trabalho com o texto, os outros depoimentos não trazem informações a esse respeito.

Quanto ao total das indagações existentes na questão da série 4, acrescentamos que a maioria dos professores não respondeu exatamente ao que se pediu, ou seja, como trabalhavam com textos, o relato de uma experiência significativa e os resultados obtidos com esse trabalho.

Não transpareceu, em nenhum dos depoimentos, qualquer preocupação com a participação dos alunos frente à escolha dos textos a serem trabalhados.

Um número considerável de respostas (nem todas foram transcritas, evitando-se a repetição cansativa) reflete a dificuldade do professor de se expressar através do texto escrito (com todos os fatores responsáveis pela textualidade)6; obtivemos depoimentos que mais se assemelham a um amontoado de frases.

Observamos, ainda, ausência de bibliografia nos relatos das experiências e indicações muito vagas a respeito de trabalhos realizados com recursos tais como música, fotografia, pintura, filmes, demonstrando dificuldade em se estabelecerem as devidas relações com a literatura.

Inicialmente, ou prioritariamente, percebemos que os níveis de expectativa dos alunos não contam como dados relevantes para os professores, ao delinearem seus caminhos.

Talvez porque costumeiramente os livros didáticos trazem esquemas prontos para o estudo dos textos que apresentam, os professores reformulam ou utilizam esses esquemas, não tendo um método próprio para a abordagem da literatura, sendo esse um dos motivos que levaram alguns a não responderem a essa parte da questão.

Tais fatos demonstram o empirismo que prevalece no ensino de literatura, em que experiências do tipo ensaio e erro fazem parte do dia-a-dia escolar, sendo desconsideradas, ou por omissão ou por desconhecimento, a natureza da leitura, da literatura e suas implicações.

No entanto, consideramos extremamente válidos os depoimentos obtidos. Através deles, podemos perceber, de um lado, em que situação está, em termos gerais, o ensino de literatura no DF e, por outro lado, que esses são ainda indicadores não só das possíveis falhas, erros e problemas mais graves, mas também de caminhos para que se encontrem soluções.

Apesar de apresentarem mais falhas, desvios e ausências de critérios, esses mesmos depoimentos deixam transparecer, ainda que superficialmente, trabalhos com características positivas, que poderiam ser mais embasados, procurando-se estabelecer critérios em níveis menos práticos e mais científicos.

Relendo a caminhada

A Estética da Recepção implica uma concepção pedagógica de caráter transformador, não restringindo o estudo da literatura a ela mesma, como universo fechado ao contexto sócio-histórico. O

6 A esse respeito cf. VAL, Maria da Graça Costa. Redação e textualidade. São Paulo : Martins Fontes, 1991.

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conceito de literatura que dela se infere inclui o prazer do texto como de fundamental importância. Privilegia o contato entre leitor e texto muitas vezes deixado de lado por um ensino literário que enfatiza a memorização de obras, datas, biografias, sendo esses dados totalmente isolados de uma consciência histórico-cultural, em que se nota, com nitidez, uma tendência exageradamente historicista.

Como bem salienta a professora Zulmira Ribeiro Tavares, “para o estudo da literatura, o gosto-não-degustado, apenas descrito ao aluno, pode lhe ser fatal.”(apud Rocco, 1981: 221). Todas as atividades realizadas durante o curso destinado aos professores pretenderam resgatar o contato entre leitor e texto, bem como o aspecto lúdico inerente ao ato da leitura. O cotejo entre literatura e as mais diversas manifestações artísticas enriqueceu as aulas, proporcionou prazer e motivou os professores a entenderem a leitura como um fenômeno amplo, independente do contexto escolar que, para além do texto escrito, permite compreender e valorizar melhor cada passo do aprendizado das coisas, cada experiência de vida.

No entanto, gostaríamos de salientar que todo e qualquer recurso utilizado perde o seu valor se o professor não souber explorar, junto aos alunos, as possíveis relações com os textos literários trabalhados.

É importante também que o professor tenha em mente que a adoção de um método pedagógico traz em si uma linha filosófica de educação. Essa escolha determina todo o processo de ensino-aprendizagem, orientando-o para um certo tipo de aluno que se deseja formar. Ao escolher um método, é necessário que se considere a diversidade dos alunos e a realidade da escola. A máxima “não adote – adapte” deve ser sempre levada em conta nesses casos. Fazemos nossas as palavras das professoras Aguiar e Bordini:

Se o trabalho educativo, desprovido de uma orientação metodológica, deságua num ensino caótico e ineficiente, por outro lado a utilização de um método definido não afiança o sucesso do ensino de literatura na escola brasileira. A aplicação passiva de qualquer método, sem se levar em conta as condições circunstanciais da sala de aula, ou a excessiva preocupação com as técnicas desvinculadas dos conteúdos que lhes devem servir de suporte burocratizam o ensino, determinando sua perda de significação ante o alunado (1988: 155).

Para que haja eficácia na adoção do método recepcional é preciso que o professor leve em conta os interesses dos alunos. Acreditamos que só existe motivação para a leitura quando esta preenche uma lacuna em nossa vida. É por isso que a necessidade do aluno deve ser satisfeita, de maneira que a leitura possa dizer alguma coisa para ele, possa lhe realizar um desejo.

Porém, o professor não deve limitar-se a esses interesses, o que acarretaria uma monotonia no processo de ensino-aprendizagem. O interessante é buscar cada vez mais ampliar o horizonte de expectativas dos alunos através de leituras que exigem a participação ativa do leitor.

Os termos e as etapas do método recepcional não precisam ser explicitados em sala de aula. É sempre bom não burocratizar a literatura. O processo se desenvolve de uma maneira natural sem a necessidade de se fazer uso dos termos técnicos, provenientes da teoria, bombardeando a classe com um vocabulário extremamente técnico-crítico, pois essa prática pode levar o aluno a sacralizar a literatura e se afastar da leitura.

Os resultados satisfatórios da experiência mostram que, quando bem dosados, os conhecimentos científicos, mais os procedimentos pedagógicos, mais o prazer proporcionam maior conscientização dos professores acerca do ato de ler e do trabalho com a literatura, eliminando o empirismo pelo qual tem sido tratada a literatura e a leitura na escola.

Esperamos que a sistematização de nossa abordagem7, destinada à leitura crítica da literatura, possa auxiliar outros professores que não tiveram a oportunidade de fazer o curso conosco, mas estão na luta do dia-a-dia, trabalhando muitas vezes em condições precárias nas mais diversas regiões do país,

7 O Curso foi descrito passo a passo na dissertação de mestrado. Poderá também ser melhor conhecido por meio da leitura do livro publicado pela edições Unileste: Ler sem doer.

Page 17: Relatando experiências - ALBalb.org.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais14/Sem... · Web viewPor não fazer greve, li durante a última greve da FEDF o “Auto da barca do inferno”,

onde a escola pública é o retrato de um abandono. Principalmente para esses professores, verdadeiros heróis, foi desenvolvida esta pesquisa.

No entanto, estamos cientes de que a tarefa de formar leitores críticos não é fácil. É preciso muito esforço, muito estudo, muita leitura, muita reflexão e muita força de vontade para vencer todos os empecilhos, provenientes do desânimo do aluno, da escola como um todo, sem contar com os de ordem política, tão presentes em nosso país.

Bibliografia

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