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RELAÇÃO HOMEM – FAUNA – AMBIENTE UMA ABORDAGEM FILOSÓFICA Flávio Paranhos CONEP Comitê de Ética em Pesquisa - HC-UFG Medicina – PUC-GO Bioética – UnB

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RELAÇÃO HOMEM – FAUNA – AMBIENTE UMA ABORDAGEM FILOSÓFICA

Flávio Paranhos CONEP

Comitê de Ética em Pesquisa - HC-UFG Medicina – PUC-GO Bioética – UnB

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Daniel Dennett

Tipos de Mentes

A definição do que vem a ser consciência tem implicações éticas.

Um conceito chave é o da intencionalidade.

Ao adotar a perspectiva da intencionalidade, é inevitável que ocorra um processo de antropomorfização, com a atribuição de características humanas a animais, mas também a plantas, máquinas etc.

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Tipos de Mentes

A perspectiva da intencionalidade nos permite tratar a entidade (que é foco de nossa atenção momentânea) como um ‘agente’, para que possamos prever suas ações e, portanto, poder explicá-las. (Para que tais ações se nos tornem inteligíveis).

Um dos perigos da antropomorfização é o animismo, a atribuição de alma para ‘tudo aquilo que se move’. (Alma não é mente)

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Daniel Dennett

Tipos de Mentes

Sistemas intencionais seriam, então, por definição, todas e somente aquelas entidades cujo comportamento é previsível/explicável a partir da perspectiva da intencionalidade: macromoléculas auto-replicáveis, termostatos, amebas, plantas, ratos, morcegos, pessoas, assim como computadores que jogam xadrez (ou seja, qualquer computador).

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Daniel Dennett

Tipos de Mentes Nós, humanos, somos sistemas intencionais

altamente complexos, trabalhados pela evolução. Mas somos formados por micro-sistemas (macromoléculas > células > tecidos...) intencionais “estúpidos” (limitados em suas tarefas e ignorantes quanto ao resto).

(Analogia com uma “rede de espionagem” – cada agente tem conhecimento limitado da missão, o que basta para que esta seja levada a cabo satisfatoriamente.)

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Tipos de Mentes

Complexidade crescente – a “Torre de gerar e testar”

Criaturas darwinianas – No começo, houve a seleção natural da evolução. Uma variedade de organismo-candidato era cegamente gerado, por um processo ± arbitrário. Era testado no ambiente, e só os melhores projetados sobreviviam.

Criaturas skinnerianas (do behaviorista B.F. Skinner) – Seriam um subtipo melhorado das darwinianas, em que houve um processo de condicionamento.

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Daniel Dennett

Tipos de Mentes Complexidade crescente – a “Torre de gerar e

testar” Criaturas popperianas (Karl Popper, filósofo da

ciência) – têm a capacidade de testar mentalmente antes de efetivamente agir. Alguns animais demonstram essa capacidade (“decidem” sem necessariamente passar por condicionamento).

Criaturas gregorianas (psicólogo britânico Richard Gregory) – capazes de se valer de ferramentas (sendo a mais preciosa delas a linguagem). Obs: alguns chimpanzés usam tocos para “colher” cupins.

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Tipos de Mentes

Complexidade crescente – a “Torre de gerar e testar”

Nós somos criaturas gregorianas cuja principal ferramenta é a linguagem e, com ela, a capacidade de abstração.

Aí está o grande hiato entre “nós” e “eles”. Animais, por mais inteligentes que pareçam ser, não “pensam”.

A complexidade dos tipos de mente vai num crescendo contínuo até esbarrar no precipício da capacidade de abstração humana e todo o pacote que vem com isso. Por isso não faz muito sentido traçar uma linha dizendo: até aqui é ético fazer de tudo, a partir daqui é moralmente inaceitável.

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Sensibilidade x senciência

Sensibilidade > senciência

Senciência = sensibilidade + “a substância x”

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Seria a “substância x” a alma?

Seria a “substância x” a alma humana?

...

Ou simplesmente não existe a “substância x”?

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Daniel Dennett

Tipos de Mentes

A complexidade dos tipos de mente vai num crescendo contínuo até esbarrar no precipício da capacidade de abstração humana e todo o pacote que vem com isso. Por isso não faz muito sentido traçar uma linha dizendo: até aqui é ético fazer de tudo, a partir daqui é moralmente inaceitável.

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Daniel Dennett

Tipos de Mentes

Dor e sofrimento

Animais não-humanos não têm a capacidade de sofrer como os humanos...

Isso, porém, é uma obviedade tão vazia quanto dizer que animais humanos não têm a capacidade de sofrer como as amebas. Ou leões como golfinhos. Etc.

Por outro lado, empatizamos com o sofrimento animal tanto mais quanto mais o antropomorfizarmos. Ex: cão, primatas.

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Empatia

Cebola moral – quanto mais próximo de mim, mais eu consigo pensar e agir “eticamente”.

Eu > minha família > meus amigos > meu time > minha cidade > minha cor de pele > meu país > minha espécie > as espécies domésticas > as espécies inofensivas > o planeta

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Abordagens à Ética

Schopenhauer:

“Este (o mau) sente, em toda parte, uma barreira entre si e tudo o que está fora de si. O mundo é para ele um não-eu absoluto, e sua relação com o mundo absolutamente hostil. Por isso o tom fundamental de seu humor é o ódio, suspeita, inveja e alegria maligna. O bom caráter, pelo contrário, vive num mundo exterior homogêneo a seu ser: os outros não são para ele nenhum não eu, mas um eu-outra-vez.” (Sobre o fundamento da moral)

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Abordagens à Ética

Tugenhadt:

“(...) se queremos que as normas por nós mesmos desejadas valham, devemos construir uma comunidade moral em que esse conjunto de normas seja mantido e isso mediante nossa disposição para a indignação e a culpa, mediante um conceito de boa pessoa, determinado por essas disposições.” (Como devemos entender a moral)

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Abordagens à Ética

Tugenhadt:

“(...) conceito de boa pessoa é que a disposição para a indignação coletiva, quando age de modo diverso do prescrito, é relativa a um conjunto normativo determinado. Exigimos uns dos outros não apenas que ajamos de um certo modo, mas também que tomemos parte da indignação coletiva quando não se age como exigido.” (Como devemos entender a moral)

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Abordagens à Ética

Kant:

“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.” (Fundamentação da metafísica dos costumes)

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Abordagens à Ética

Schopenhauer e Tugenhadt:

EMPATIA

Kant:

EMPATIA

UNIVERSALISMO

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EMPATIA

O SER HUMANO É UM ANIMAL QUE TEM A CAPACIDADE, DE FORMA CONSISTENTE E SISTEMÁTICA, DE ESTABELECER CANAIS EMPÁTICOS FORTES COM OUTROS SERES HUMANOS NÃO-PRÓXIMOS E MESMO ANIMAIS NÃO HUMANOS.

(UMA ÉGUA CHICOTEADA ATÉ A MORTE SENSIBILIZA DE NIETSZCHE E DOSTOIÉVSKI A NÓS MESMOS) (INDIGNAÇÃO)

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EMPATIA

Exceto limpeza (“grooming”) e apoio em momentos de agonia, macacos rhesus são incapazes de ajudar outros, parentes ou não. A mãe, inclusive, baterá em seu filho se este se aproximar de sua comida.

(Maestripieri, Macachiavelian inteligence)

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EMPATIA

Há poucas evidências de empatia em babuínos. Por exemplo, se um macho novo (portanto infanticida) se aproximar do bando, as fêmeas sem filhos não alteram seu comportamento, nem quando o infanticídio é levado a cabo com filhotes de fêmeas “parentes”.

(Cheney & Seyfarth, Baboon metaphysics)

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EMPATIA

Chimpanzés são capazes de mostrar empatia, porém basicamente para seus parentes próximos. O nepotismo seria uma forma de proto-ética.

(Frans de Waal, Primates and philosophers)

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EMPATIA

Faz todo sentido exigir de seres humanos que se sensibilizem com o sofrimento animal (mesmo sem a existência e descoberta da misteriosa “substância x”). O inverso, porém, não é verdadeiro.

Humanos > agentes morais

Animais > pacientes morais

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Universalidade

Kant:

“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.” (Fundamentação da metafísica dos costumes)

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Universalidade

Kant:

“Age de tal maneira que a vontade pela sua máxima se possa considerar a si mesma ao mesmo tempo como legisladora universal.” (Fundamentação da metafísica dos costumes)

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Universalidade

A exigência de universalidade evidentemente não se aplica.

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Fim x meio

Outro princípio que não se aplica é o abarcar os animais sob o guarda-chuva de “fim”. Nossa relação com os animais ainda é de meios. E isso é recíproco. Tanto eles são meios (de alimentação, de pesquisa, de entretenimento) para nós, como nós para eles (de alimentação, de proteção, de entretenimento).

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Fim x meio

No caso da pesquisa: NÃO HÁ ALTERNATIVAS PARA OS ANIMAIS EM TODOS OS CASOS. HÁ VÁRIOS (VÁRIOS!) CASOS EM QUE OS ANIMAIS SÃO IMPRENSCINDÍVEIS.

Aplica-se, então, os 4 Rs: Reduce, Replace, Refine e Relevance.

Por enquanto, a alternativa ética não é não usar nunca, mas usar o mínimo possível e sempre respeitando as normas de boa prática.

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Fim x meio

No caso da pesquisa:

Não usar nunca, NOS DIAS DE HOJE E ENQUANTO NÃO HOUVER ALTERNATIVA PLENAMENTE SATISFATÓRIA EM TODOS OS CASOS, seria anti-ético, na medida em que privilegia outras espécies em detrimento da nossa.

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Fim x meio

No caso do ensino:

Objeção de consciência é uma aberração ético-jurídica. Ou bem se está diante de uma situação em que é evitável o uso de animais e portanto a regra NÃO USAR cabe a toda turma e deve ser respeitada pelo professor, ou bem se está diante de uma situação em que não é evitável, e aí será anti-ético não usar, e igualmente anti-ético liberar um aluno dessas aulas.

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Obrigado