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Reflexões e Propostas Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira Seminário realizado em maio de 2009 Organização: Marcelo Sampaio Carneiro Manuel Amaral Neto Katiuscia Fernandes Miranda

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  • Refl exões e PropostasRelações entre Empresas, Governos eComunidades na Amazônia Brasileira

    Seminário realizado em maio de 2009

    Organização:Marcelo Sampaio Carneiro

    Manuel Amaral Neto Katiuscia Fernandes Miranda

  • Belém, 2010

    Reflexões e PropostasRelações entre Empresas, Governos eComunidades na Amazônia Brasileira

    Seminário realizado em maio de 2009

    Organização:Marcelo Sampaio Carneiro

    Manuel Amaral Neto Katiuscia Fernandes Miranda

  • refl exões e propostas

    Relações entre Empresas, Governos eComunidades na Amazônia Brasileira

    Seminário realizado em maio de 2009

    realização apoio

    Organização:Marcelo Sampaio Carneiro

    Manuel Amaral Neto Katiuscia Fernandes Miranda

  • Copyright © 2010 by IEB

    organizadoresMarcelo Sampaio Carneiro

    Manuel Amaral NetoKatiuscia Fernandes Miranda

    revisão de textoGláucia Barreto

    projeto gráfi co e diagramaçãoLuciano Silva e Roger Almeida

    www.rl2design.com.br

    impressãoGráfi ca e Editora Alves

    Esta publicação foi possível por meio do generoso apoio dos Estados Unidos através da Agência dos Estados Unidos da América para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O conteúdo é de responsabilidade dos autores e não refl ete neces-

    sariamente a visão da USAID ou do Governo dos Estados Unidos.

    dados internacionais de catalogação na publicação (cip)

    Instituto Internacional de Educação do Brasil. Relações entre empresas, Governos e comunidades na Amazônia brasileira: refl exões epropostas. Belém: 2010.

    Organizadores: Marcelo Sampaio Carneiro, Manuel Amaral Neto, Katiuscia Fernandes Miranda.

    81p. ilust.; 21,5x28 cm ISBN 978-85-60443-08-6

    Seminário realizado em maio de 2009.Inclui: Figuras, quadros, fotografi as e bibliografi a

    1.Política Governamental - Amazônia - Pará. 2.Meio Ambiente. I.Título

    CDD 338.98111CDD 574.58111

  • SiglaS e abreviaturaS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06reSumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09apreSentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10SeSSõeS temáticaS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

    mesa-redonda 1: acordos entre empresas e comunidades: análise deprocessos de comercialização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

    1.1. Associação em Áreas de Assentamento no Estado doMaranhão (Assema) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    1.2. Comunidade Santo Antonio e sua relação comercial com aempresa Maflops . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

    1.3. Cooperativa Mista da Flona Tapajós (Coomflona) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251.4. Experiência PPP/GTZ – Projeto Cacau Nativo do Purus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

    mesa-redonda 2: processos de certificação como base para arealização de acordos entre empresas e comunidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

    2.1. Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas deLago do Junco/MA (Coppalj) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

    2.2. Cooperativa Mista dos Produtores Extrativistas do Rio Iratapuru(Comaru/Amapá) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

    2.3. Rede Ecovida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362.4. Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) . . . . . . . . . . . . . . . . . 392.5. Avaliação de conformidade para produtos de extrativismo

    da Amazônia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44mesa-redonda 3: o reconhecimento dos direitos de propriedade deconhecimentos tradicionais em acordos entre empresas e comunidades . . . . . . . . . . . . . . . . 48

    3.1. Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas deEsperantinópolis/MA (Coppaesp) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

    3.2. Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 523.3. Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 543.4. Acordos entre empresas e comunidades e a atuação do

    Ministério Público Estadual do Pará . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57mesa-redonda 4: o papel do estado na promoção de acordos entreempresas e comunidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

    4.1. Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 624.2. Secretaria de Agroextrativismo – MMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 634.3. Serviço Florestal Brasileiro (SFB) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 664.4. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

    reSultadoS e propoStaS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72conSideraçõeS finaiS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78referênciaS bibliográficaS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

    Sumário

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    stas Siglas e Abreviaturas

    abia Associação Brasileira da Indústria Alimentícia

    abihpec Associação Brasileira de Higiene Pessoal e Cosméticos

    acoprasa Associação Comunitária de Produtores Rurais da Comunidade Santo Antônio

    ana Associação Nacional de Agroecologia

    anvisa Agência Nacional de Vigilância e Inspeção Sanitária

    aopa Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia

    assefa Associação Solidária Econômica e Ecológica de Frutas da Amazônia

    assema Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão

    autef Autorização de Exploração Florestal

    car Cadastro Ambiental Rural

    cdb Convenção da Diversidade Biológica

    ceftbam Centro de Estudo, Formação e Pesquisa dos Trabalhadores do Baixo Amazonas

    ceplac Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira

    cese Coordenadoria Ecumênica de Serviços

    cgen Conselho de Gestão do Patrimônio Genético

    cgfl op Comissão de Gestão de Florestas Públicas

    cirad Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvi-mento (Do francês Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement)

    cnpq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico

    cnS Conselho Nacional dos Seringueiros

    comaru Cooperativa Mista de Produtores Extrativistas do Rio Iratapuru

    conab Companhia Nacional de Abastecimento

    conafl or Comissão Nacional de Florestas

    coomfl ona Cooperativa Mista da Flona Tapajós

    coppalj Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco/MA

    cooperar Cooperativa Agroextrativista do Médio Purus e Mapiá

    coppaesp Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Esperantinópolis/MA

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    cpt Comissão Pastoral da Terra

    embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

    fase Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional

    fetagri Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará

    fetraf Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar

    flona Floresta Nacional

    fSc Conselho de Manejo Florestal (Do inglês Forest Stewardship Council)

    gret Grupo de Pesquisa e Intercâmbios Tecnológicos (Do francês Groupe de Recherche et d’echanges Technologiques)

    gta Grupo de Trabalho Amazônico

    gtna Grupo de Assessoria em Agroecologia na Amazônia

    gtZ Agência de Cooperação Técnica Alemã

    ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

    ibd Instituto Biodinâmico

    icmbio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

    idam Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas

    idefl or Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará

    ieb Instituto Internacional de Educação do Brasil

    imafl ora Instituto de Manejo e Certifi cação Florestal e Agrícola

    imazon Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia

    incra Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

    inmetro Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial

    itto Organização Internacional de Madeiras Tropicais (Do inglês International Tropical Timber Organization)

    LAR Licença Ambiental Rural

    mafl ops Manejo Florestal e Prestação de Serviços

    mda Ministério do Desenvolvimento Agrário

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    stas mfc&f Manejo Florestal Comunitário e Familiar

    miQcb Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu

    mma Ministério do Meio Ambiente

    mpeg Museu Paraense Emílio Goeldi

    oct Ofi cinas Caboclas do Tapajós

    ong Organização Não Governamental

    pa Projeto de Assentamento

    paa Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar

    pamfcf Plano Anual de Manejo Florestal Comunitá-rio e Familiar

    pctafS Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares

    pesacre Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agrofl orestais do Acre

    pmfc Plano de Manejo Florestal Comunitário

    pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

    reca Refl orestamento Econômico Consorciado e Adensado

    Saf Sistema Agrofl orestal

    Sebrae Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

    Sema Secretaria de Estado de Meio Ambiente

    Sfb Serviço Florestal Brasileiro

    uc Unidade de Conservação

    ufac Universidade Federal do Acre

    ufma Universidade Federal do Maranhão

    ufra Universidade Federal Rural da Amazônia

    upa Unidade de Produção Anual

    WWf Fundo Mundial para a Natureza (Do inglês World Wildlife Fund)

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    Ao longo dos anos, as relações en-tre empresas, comunidades e Governos na Amazônia brasileira, baseadas no in-teresse em explorar produtos fl orestais madeireiros e não madeireiros, vêm se tornando cada vez mais recorrentes. Para conhecer as percepções dos movi-mentos sociais sobre essas relações, o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), por meio de seu Programa de Manejo Florestal Comunitário, reali-zou em Santarém, no período de 29 a 31 de maio de 2010, o seminário “Relações entre Empresas, Governos e Comuni-dades na Amazônia Brasileira”. Os re-sultados do seminário mostram que as questões que envolvem as relações co-merciais entre comunidades e empresas na Amazônia são amplas e cobrem um leque bastante variado de temas. No que se refere aos atrativos para o estabeleci-mento da parceria, por exemplo, para o governo, representa a oportunidade de dar vazão às políticas públicas voltadas à temática. Para as empresas, a parceria facilitará o acesso a conhecimentos tra-dicionais de processos de extração de essências e aromas e a oportunidade de manejar áreas públicas destinadas a co-munidades e, assim, disponibilizar no mercado produtos madeireiros legaliza-

    dos com planos de manejo. Finalmente, para as comunidades, que são o lado menos favorecido e empoderado dessa relação, o principal atrativo são as faci-lidades de acesso a mercado para seus produtos.

    Esta publicação apresenta as pro-postas e refl exões do seminário. Na pri-meira parte apresentamos os objetivos principais do evento, bem como a me-todologia desenvolvida para o alcance coletivo dos objetivos propostos e o per-fi l do público participante. Na segunda, reproduzimos as apresentações das ex-periências que foram convidadas para o seminário, divididas conforme os pai-néis temáticos: i) acordos entre empre-sas e comunidades: análise de proces-sos de comercialização; ii) processos de certifi cação como base para a realização de acordos entre empresas e comunida-des; iii) o reconhecimento dos direitos de propriedade de conhecimentos tra-dicionais em acordos entre empresas e comunidades; e iv) o papel do Estado na promoção de acordos entre empresas e comunidades. A terceira parte apresen-ta os resultados das discussões com o conjunto dos convidados, que foram posteriormente aprofundadas em gru-pos menores a partir de alguns eixos indicados pela mediadora do debate. A quarta e última parte apresenta uma refl exão, à luz das discussões do semi-nário, sobre a percepção da sociedade civil com respeito às relações entre em-presas e comunidades para a promoção do manejo de recursos naturais madei-reiros e não madeireiros.

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    O estabelecimento de acordos entre empresas e comunidades para a exploração de recursos fl orestais (ma-deireiros e não madeireiros) na Ama-zônia é um processo recente, que vem ganhando importância crescente para diversos grupos sociais (camponeses, povos indígenas e comunidades tra-dicionais) na região (Ros-Tonen et al ., 2008).

    Esses acordos incluem uma gama variada de produtos, diferentes tipos de parceiros (empresas, agências de cooperação internacional, Organi-zações Não Governamentais - ONGs etc.) e abrem espaço para a discussão de diversos tipos de questões relativas ao processo de comercialização dos produtos (certifi cação socioambiental, normas de qualidade), ao marco legal da parceria (direitos de propriedade, repartição dos resultados) e à análise dos seus resultados sociais e ambien-tais para os grupos envolvidos.

    Na realização desses acordos esses grupos passam a ter acesso a di-ferentes tipos de mercado (regionais, nacionais, globais, éticos, de produtos certifi cados, institucionais). Isto pode vir a funcionar como uma importante

    alavanca para a construção de estraté-gias sustentáveis para essas comuni-dades. Porém, elas passam também a ter que lidar com diferentes tipos de problema, que implicam em elevados custos de transação, demandam tempo e um tipo de conhecimento técnico que nem sempre é facilmente acessível.

    Como sugere o autor de um ba-lanço recente sobre os produtos oriun-dos da biodiversidade amazônica, es-sas experiências vêm ganhando força e se destacando como uma alternativa para a economia regional (COSTA, 2009). Segundo informações apresen-tadas pelo jornal Valor Econômico, a produção regional de castanha, resi-nas, frutos, sementes, fi bras e essên-cias atingiria, atualmente, um volume de negócio na casa dos R$ 640 milhões (VALOR ECONÔMICO, 2010).

    Contudo, o desenvolvimento dessa economia “envolve uma ques-tão, ainda não plenamente resolvida, relacionada à justa e adequada par-ticipação das chamadas populações tradicionais nos resultados econômi-cos dessa nova economia amazônica, cuja solução requer um indispensável avanço nos marcos regulatórios gerais e específi cos da matéria no país, gene-ricamente agrupados nos mecanismos de repartição dos benefícios do aces-so ao patrimônio genético nacional” (COSTA, 2009).

    Tendo como ponto de partida as questões acima colocadas, propusemos a realização de um seminário a fi m de

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    stasdebater a relação entre comunidades e

    empresas na Amazônia. Como em nossa experiência anterior1, a ideia central do evento foi permitir que lideranças comu-nitárias e/ou de movimentos sociais da Amazônia pudessem debater as possibi-lidades abertas por esse tipo de relação a partir de experiências em andamento. Ou seja, colocar os protagonistas desses acordos para relatarem seu aprendiza-do, indicando as possibilidades e limita-ções desse tipo de inserção mercantil.

    pÚblico participante

    O público do seminário foi fl utu-ante durante o evento, com cerca de 100 participantes assim distribuídos: repre-

    sentantes de associações comunitárias (30%, N=30), organizações de base (4% N=4), sindicatos de trabalhadores e tra-balhadoras rurais (14% N=14), ONGs (17% N=17) e órgãos governamentais (35% N=35) (Quadro 1). É importante ressaltar que o elevado número de re-presentantes do governo no seminário foi de funcionários do Incra (Institu-to Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que participam de um Grupo de Trabalho (GT) desse órgão federal. Este GT, na época, estava discutindo a elaboração de uma Instrução Normativa para disciplinar a realização de manejo fl orestal em áreas de assentamento da reforma agrária. A solicitação de inscri-ção foi feita pela Presidência do órgão.

    1 A ideia de realização de um levantamento sobre os diferentes tipos de acordo entre empresas e comunidades na Amazônia nasceu após a realização do I Seminário Certifi cação Florestal e Movimentos Sociais na Amazô-nia (GTNA/Fase/Imazon, 2003), apoiado pelo Cese e IEB. O seminário enfocou, dentre outras questões, um tipo específi co de acordo, aquele estabelecido por comunidades que realizam manejo fl orestal (madeireiro e não madeireiro) e que buscam, por meio da certifi cação, o acesso a mercados que remuneram melhor o resul-tado de seu trabalho.

    Quadro 1 - Percentual de participantes no seminário por tipo de instituição/entidade.

    instituições representadas participantes (%)Associações comunitárias 30Órgãos governamentais 35Organizações não governamentais 17Organizações de base 4Sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais 14Total geral 100

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    stas Os representantes dessas enti-

    dades e instituições eram oriundos de diversos Estados da Amazônia e de outras regiões do País, totalizando 37 municípios. Na Amazônia, os municí-pios com maior número de represen-tantes foram: Santarém (25%), Belém

    (14%), Manaus (4%) e Apuí (3%). Ou-tros Estados brasileiros representados incluem o Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e o Distrito Federal. Foi convi-dado um representante por entidade/instituição, porém algumas excederam este número.

    Localidades de origem das organizações da sociedade civil da Amazônia presentes no seminário.

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    stas metodologia

    Para o seminário foram convida-das entidades com experiência em acor-dos com empresas ou com a colocação de seus produtos em redes de comércio justo; órgãos estatais que possuem re-lação direta com a gestão de recursos fl orestais por comunidades (Incra, SFB, Sema, Ibama e Idefl or); entidades de mediação; e empresas que atuam no ne-gócio da certifi cação.

    Dentre as organizações comuni-tárias convidadas estão a Coppaesp e o Projeto Reca, que possuem contratos com empresas como a Natura; a Ofi cinas Caboclas do Tapajós (OCT), que há até bem pouco tempo vendia seus produtos para a Tok & Stok; a Assema e a Coppalj, que estão inseridas em redes do comér-cio justo; e a Comaru (certifi cação fl ores-tal), que possui experiência com proces-so de certifi cação, assim como a Coppalj (certifi cação orgânica).

    A escolha dos órgãos governa-mentais convidados considerou aque-les com algum tipo de relação com a realização desses acordos. O Incra, por exemplo, foi escolhido por seu papel no processo de aquisição de madeira oriunda de assentamentos de reforma agrária; e o Ibama (Instituto Brasileiro

    do Meio Ambiente e dos Recursos Na-turais Renováveis), por ser o represen-tante governamental que é acionado quando essa compra é feita de comu-nidades que vivem em Unidades de Conservação (UC) federais.

    O terceiro conjunto de convida-dos é o de entidades de mediação (Feta-gri, Assema, Ceftbam e CNS) e de pro-moção da certifi cação, caso do Imafl ora que é a principal organização envolvida em processos de certifi cação fl orestal na Amazônia brasileira.

    Cada entidade/instituição convi-dada recebeu previamente um roteiro2 para orientar sua apresentação, o qual continha as seguintes questões: • O que levou a comunidade a estabele-

    cer esses acordos?• Qual a importância desses acordos

    para as comunidades e quais os prin-cipais problemas enfrentados?

    • Qual a natureza desses acordos? Como eles estão estruturados?

    • Quais os principais impactos (sociais e ambientais) percebidos pela comu-nidade após o estabelecimento desses acordos?

    • Que modifi cações podem ser reali-zadas para aperfeiçoar os acordos e melhorar os resultados obtidos pelas comunidades?

    2 Essas questões foram inspiradas nas perguntas do levantamento sobre as relações entre empresas e comuni-dades realizado por Mayers & Vermeulen (2003).

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    Momentos de discussão nos trabalhos de grupo. Fotos: Arquivo IEB.

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    stasAs experiências foram organizadas em seções temáticas, a saber:

    i) Acordos entre empresas e comunidades: análise de processos de comercializa-ção;

    ii) Processos de certifi cação como base para a realização de acordos entre empre-sas e comunidades;

    iii) O reconhecimento dos direitos de propriedade de conhecimentos tradicionais em acordos entre empresas e comunidades; e

    iv) O papel do Estado na promoção de acordos entre empresas e comunidades.

    Essas apresentações foram segui-das de discussões com o conjunto de convidados e, posteriormente, em gru-pos menores. Nesses grupos, o debate foi aprofundado a partir de alguns eixos indicados pela mediadora do debate. Ao fi nal do seminário foram discutidas as questões levantadas durante os painéis e propostos os encaminhamentos pelos participantes do evento.

    Os textos das experiências apre-sentadas nesta publicação foram re-produzidos a partir das gravações das apresentações orais dos expositores. Essas reproduções foram em seguida submetidas aos seus autores para ajus-tes. Nos casos em que a gravação não estava clara, foi solicitado ao expositor um texto escrito.

    A organização das apresentações segue a ordem de exposição dos painéis. Após os textos de apresentação descre-vemos o conteúdo das discussões rea-lizadas nos grupos e na plenária fi nal, bem como apresentamos uma avaliação do evento.

    A descrição dessas discussões foi realizada a partir do material escrito produzido pelos relatores de cada tra-balho de grupo. Embora não reprodu-zam integralmente o conjunto das dis-cussões realizadas, eles permitem que o leitor tenha uma noção da riqueza das discussões travadas e os desafi os iden-tifi cados.

    Como destacamos na convoca-tória do evento, o seminário tinha por objetivo lançar uma discussão mais ampla sobre a relação entre empresas e comunidades na Amazônia, que fosse capaz de envolver os diferentes atores que compõem essas relações, entida-des de mediação, órgãos governamen-tais e demais partes interessadas. As discussões ocorridas em Santarém re-forçaram nossa convicção de que esse debate precisa ser ampliado, e que um longo caminho precisa ser percorrido para que as relações entre empresas e comunidades possam fomentar pro-cessos efetivos de desenvolvimento social e econômico.

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    O seminário foi organizado em duas partes. Na primeira foram realizadas as sessões dedicadas à análise de experiências que serviram como ponto de partida para a refl exão dos quatro eixos temáticos: i) processos de comercialização; ii) cer-tifi cações; iii) direito de propriedade; e iv) relação com o Estado. A segunda parte constituiu-se de uma plenária fi nal na qual foram encaminhados os principais te-mas discutidos durante as mesas-redondas.

    empresa Manejo Florestal e Prestação de Serviços (Mafl ops); iii) Cooperativa Mista da Flona Tapajós (Coomfl ona); e iv) Expe-riência PPP/GTZ – Projeto Cacau Nativo do Purus. Além das experiências descritas acima, foram apresentadas aquelas da Or-ganização do Tapajós, que comercializa produtos provenientes de resíduo fl ores-tal madeireiro com a loja Tok & Stok, e do Ceftbam, uma entidade que desenvolve projetos para o desenvolvimento sustentá-vel dos municípios do Baixo Amazonas3 . Porém, por motivos técnicos, as transcri-ções dos palestrantes dessas entidades não foram gravadas e, por essa razão, não estão descritas nesta publicação.

    3 O Ceftbam é também o principal articulador do Território da Cidadania do Baixo Amazonas, instrumento da política de desenvolvimento territorial do governo federal, que deve coordenar os esforços das políticas públicas voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar e da produção agroextrativista.

    meSa-redonda 1:acordoS entre empreSaS e comunidadeS:análiSe de proceSSoS de comercialiZação

    Durante esta mesa-redonda fo-ram apresentadas aos participantes do seminário as experiências de comercia-lização entre comunidades e empresas. Nas apresentações foram contemplados os aspectos técnicos, contratuais e políti-cos dos acordos estabelecidos. Esses re-latos possibilitaram ao público presente conhecer as relações entre empresas e comunidades na Amazônia Legal a par-tir da perspectiva das comunidades.

    As entidades/instituições a seguir relataram suas experiências: i) Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema); ii) Comunidade San-to Antonio e sua relação comercial com a

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    stas1.1. associação em áreas de

    assentamento no estado domaranhão (assema)

    apresentado pormaria alaídes alves de Sousa

    Vou apresentar aqui o que é a As-sema, quem a compõe e o trabalho que a entidade faz. A Assema é uma entidade que tem como missão a construção de ações sustentáveis de utilização dos re-cursos naturais na busca pela qualidade de vida no campo, tendo como base a produção familiar, relações justas de gê-nero, o respeito às etnias e à diversidade cultural.

    A Assema atua na região do Mé-dio Mearim maranhense e representa 77 associados e associadas, 40 fundadores e 37 organizações coletivas – entre elas es-tão cooperativas, a associação de mulhe-res, os sindicatos e a associação de jovens. A nossa estrutura é composta por um conselho de coordenação com 12 direto-res e diretoras; uma diretoria executiva com 11 diretores e diretoras; e o conselho fi scal com 4 diretores. Esses diretores e diretoras trabalham nas bases tentando disseminar e construir nos assentamen-tos a proposta política da Assema. Nós temos na Assema uma distribuição cha-mada “programas e eixos de trabalho” por meio dos quais desenvolvemos nos-sos trabalhos de: i) organização de mu-lheres e quebradeiras de coco babaçu; ii) desenvolvimento local de políticas públi-

    cas; iii) produção agroextrativista; e iv) comercialização solidária.

    No Programa de Organização de Mulheres e Quebradeiras de coco baba-çu nós temos a função de fortalecer as organizações de mulheres para a alta gestão e buscar seus direitos nos aspec-tos econômico, social, político, ambiental e renda. Nós estamos trabalhando tam-bém no Programa “Juventude Rural e Transversalidade de Gênero e Etnia”. No Programa de Desenvolvimento Local de Políticas Públicas nós trabalhamos com associativismo e cooperativismo, educa-ção no campo e intervenção nas políticas públicas para as famílias agroextrativis-tas. Trabalhamos ainda no Programa de Produção Agroextrativista, cuja missão é o sistema integrado, produção da ma-téria-prima para produtores do babaçu (babaçu livre) e benefi ciamento e pro-cessamento. No Programa de Comer-cialização Solidária, nós trabalhamos a administração, gestão participativa, mercado solidário para produtores, pro-dutos de babaçu livre.

    Na Assema nós vivemos também a experiência de mediação de processos de comercialização e poderíamos começar nos perguntando: “o que levou a Assema a estabelecer relações comerciais entre empresas de capital privado e cooperati-vas de agricultores e extrativismo?”

    Para responder essa pergunta encontramos alguns temas que corres-pondem aos nossos objetivos nessas re-

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    stas lações: avançar na conquista de

    mercado para garantir a soberania econômica das famílias agroex-trativistas; ganhar oportunidade de comercializar com empresas que tenham atuação no merca-do justo; fortalecer o movimento cooperativista, a autogestão das famílias agroextrativistas e valo-rizar os produtos da economia do babaçu na região com a elimina-ção dos atravessadores da cadeia produtiva do babaçu.

    Esse trabalho da Assema em processos de comercialização tem rendido bons frutos. Nessas ações temos obtido os seguintes resulta-dos: o aumento da renda familiar, o em-poderamento econômico e político das famílias agroextrativistas e a garantia de mercado com preço justo; o que vem es-timulando as famílias a permanecerem em suas comunidades de origem. Ainda como fruto dessa atuação na comercia-lização, as cooperativas que a Assema assessora (Coppalj, Coopaesp) se fortale-cem e tornam-se referência para a iden-tidade dos produtores agroextrativistas – entre os quais estão as quebradeiras e agricultores – e ajudam na diversifi cação da produção familiar.

    Nessa experiência na mediação de processos de comercialização nós en-frentamos muitos problemas difíceis de esquecer, pois, é a partir da identifi cação desses problemas que a gente pode en-contrar alternativas para sua solução. Os principais problemas identifi cados são: a sazonalidade do produto comercializado

    (babaçu) que fi ca escasso em alguns meses do ano; as grandes derrubadas e queima-das dos babaçuais; o assédio dos atraves-sadores nas comunidades pela compra de amêndoas a preço baixo; a possibilidade de contaminação química dos babaçuais localizados em propriedades privadas.

    Procuramos também refl etir e identifi car, para trazer para esse encon-tro, os principais impactos sociais e am-bientais nas relações que mantemos nes-ses processos de comercialização com empresas. A relação tem desdobramen-tos sociais a partir da política própria da cooperativa junto a seus associados. Como parte da relação com as empresas do comércio justo a Assema (em parce-ria com a Coppalj) vem incentivando o desenvolvimento do projeto das roças orgânicas com a proposta de eliminar o uso do fogo e de produtos químicos na atividade agrícola de seus associados.

    Exemplos de produtos fabricados a partir do benefi ciamento do babaçu. Foto: Luis Antônio.

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    stas1.2. comunidade Santo antonio

    e sua relação comercial com aempresa mafl ops

    apresentado porphilippe Sablayrolles do gret / floresta em pé

    Primeiro vamos falar sobre a situ-ação da Comunidade de Santo Antônio, que faz parte do Assentamento Moju I e II, localizado ao sul de Santarém, ao longo da BR 163. Em termos de estradas de acesso, eu diria que é mais difi culto-so para os moradores das comunidades localizadas 20 km para dentro, que, no período de chuvas, levam de seis a oito horas para fazerem o trajeto de lá até Santarém.

    Bom, em termos da relação entre a empresa e a comunidade, esses assen-tados começaram a chegar nesse territó-rio no fi nal dos anos 1990 – geralmente ribeirinhos e garimpeiros que procura-vam terra e até madeireiros ilegais que abandonavam a comunidade para co-meçar atividades agropecuárias. Poucas famílias chegaram num primeiro mo-mento.

    A partir de 2000 o Incra chegou demarcando e regularizando lotes de 100 hectares. Hoje, o PA (Projeto de As-sentamento) tem 27 comunidades de aproximadamente 140 mil hectares.

    A origem dessas famílias é diver-sa. Há umas, por exemplo, que vieram do garimpo, de outras regiões; outras vieram de comunidades onde as famí-lias realmente têm origem e experiência agrícola; e há também famílias que fi ca-ram mais no garimpo do que na própria

    agricultura. Uma situação bastante dife-rente da Transamazônica, por exemplo.

    Então, o que acontece também nesses assentamentos é uma taxa de eva-são elevada, pois têm muitos lotes que não são ocupados, o pessoal não mora lá – ele é benefi ciário da reforma agrária, porém não mora no assentamento.

    No caso da Acoprasa (Associação Comunitária de Produtores Rurais da Comunidade de Santo Antônio) é um pouco diferente, pois tem uma taxa mui-to alta de pessoas morando se compara-da ao assentamento Moju I e II.

    O PA foi criado a partir de 2001 ou 2002, pelo Incra, e logo em seguida foram criadas as associações. Assim, cada comunidade passou a ter uma as-sociação que tinha interlocução com o Incra.

    Entretanto, nesse período do iní-cio dos anos 2000, ocorreu um problema importante, pois o Incra não construiu infraestrutura para o assentamento. As pessoas levaram muito tempo com di-fi culdade para transportar os produtos por falta de vias de acesso, o que difi -cultou a viabilização da agricultura e a própria permanência deles no local.

    Sobre o acordo com a empresa, esclareço que não se trata de algo que surgiu do nada. Os próprios comuni-tários procuravam várias empresas em Santarém para fazer um acordo de troca de madeira por estrada, o que já é uma prática consolidada.

    O próprio Incra, o Ministério Pú-blico e o Ibama, no início dos anos 2000, consolidaram um acordo por meio da

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    Comunidades do Assentamento Moju I e II. Fotos: Arquivo IEB.

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    stasempresa Mafl ops, vamos dizer que para

    delimitar essa relação de uma forma mais governada. Então, houve um en-tendimento entre esses órgãos para criar um acordo no qual a empresa, de fato, construiria as estradas e se responsabili-zaria por elaborar um plano de manejo. Nesse acordo a própria empresa fi nan-ciaria toda a elaboração do plano de manejo, se encarregaria da exploração fl orestal e, depois, com os resultados ob-tidos pagaria os colonos pela utilização da madeira de seus lotes.

    Um dos efeitos observados após a consolidação desse acordo foi o aumento no fl uxo de famílias para o assentamento.

    Agora vamos falar sobre a situa-ção da Comunidade de Santo Antônio. Começaremos pela questão da sustenta-bilidade da agricultura praticada. Atu-almente existem 46 famílias morando na comunidade, embora existam alguns lotes que ainda não estão ocupados. Este trabalho é basicamente com a pimenta, o arroz e a farinha.

    Em 2008, algumas famílias come-çaram a plantar espécies frutíferas. Hoje, elas já possuem acesso à energia e água encanada. As áreas onde a agricultura está implantada fi cam numa região quase sem água, ou seja, a rede hídrica é muito re-duzida, o que é um problema para desen-volver a agropecuária, mais precisamente a pecuária. Em termos de renda agrícola, a pimenta se constitui quase a única alter-nativa para a obtenção de receita.

    No que concerne à exploração dos recursos fl orestais, em 2008 eles tinham ainda uma UPA (Unidade de Produção

    Anual) a ser explorada. Nós constatamos que a comunidade tem um bom nível de conhecimento das espécies. Na comu-nidade há um grupo que conhece bem a fl oresta e tem interesse na exploração de produtos não madeireiros. Então, no caso da atividade, o problema está na área que já sofreu exploração.

    Em termos de organização comu-nitária, existe um bom entrosamento en-tre as lideranças, há um grupo de mulhe-res muito ativo, o Natureza Viva – cuja uma das lideranças, Dona Socorro, deve chegar daqui a pouco no Seminário. Ve-rifi camos que nessa comunidade há um consenso entre as famílias para lutar contra a exploração ilegal de madeira.

    Os pontos negativos é que eles não conseguiram levar até o fi m a pro-dução de SAFs (Sistema Agrofl orestal) por meio da associação e que existe uma certa divisão de estratégia entre as famí-lias que moram na agrovila e as que mo-ram nos lotes afastados da agrovila.

    Quanto à relação da comunidade com a empresa, falaremos sobre os pro-cedimentos que estão inseridos nesta re-lação, que vamos comentar por etapas.

    A primeira etapa é a assinatura do contrato. Nesse caso a empresa ajuda a associação a pagar as taxas, realiza o levantamento da documentação dos co-lonos junto com as lideranças, tanto do ponto de vista fundiário como do am-biental. Durante o primeiro ano do con-trato há uma relação fi nanceira muito estreita, pois tem muita coisa que a em-presa paga para facilitar esse processo de documentação.

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    Exemplo de LAR (Licença Ambiental Rural) de uma comunidade com exploração fl orestal no PA Moju.

    A segunda etapa é a elaboração e aprovação de um plano de manejo fl orestal da associação – que a empre-sa elabora em nome da associação – e da autorização da exploração fl orestal. Vale ressaltar que o inventário fl orestal feito pela empresa é de boa qualidade. Os controles realizados pelo Ibama mos-tram que ele é consistente. Segundo esse inventário existem 90 espécies, das quais 48 são comerciais e 20 são potencialmen-te comerciais.

    A autorização de exploração de uma UPA se baseia num ciclo de corte de 25-30 anos. Porém, esse corte é reali-zado na íntegra no primeiro ano e a as-sociação fi ca encarregada de manter essa fl oresta até o próximo corte. Por exem-plo, se a gente coloca uma média de 40 a

    50 famílias por associação, vamos ter em torno de 10 a 15 lotes por UPA, constitu-ída pelas reservas legais ligadas dos lo-tes. Uma comunidade de 40-50 famílias pode, assim, constituir de 3 a 4 UPAs.

    O principal problema para a de-fi nição e a dimensão da UPA é a falta de documentação dos colonos frente ao Incra. Quando um colono comprou um lote e não está na relação de benefi ciá-rios do Incra daquele lote, ele não pode compor a UPA, cujo tamanho deve ser reduzido. No entanto, a construção da estrada pode ocorrer desde a assinatu-ra do contrato. Uma vez que o contrato é assinado, a empresa pode começar a construir as estradas. Mas toda a parte de exploração (corte das UPAs) é efetua-da logo após a licença emitida pelo órgão

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    staslicenciador. Então, isso é o licenciamen-

    to do plano de manejo da Acoprasa.Para vocês terem uma idéia,

    aquela linha vermelha é o limite do pla-no de manejo e aqueles lotes em laranja fazem parte da UPA que foi explorada em 2008, dessa forma, são 11 lotes. O li-cenciamento deles se baseia no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que verifi ca se a fl oresta representa, no mínimo, 80% da superfície. Evidentemente que esses colonos que fazem parte da exploração são cadastrados no Incra como assenta-dos da reforma agrária, ou seja, estão na relação de benefi ciários.

    Agora falaremos sobre a etapa de exploração fl orestal, a qual é fi nan-ciada totalmente pela empresa Mafl ops ou pela serraria compradora – agora há outro ator no processo, o comprador da madeira. Existe a associação de colo-nos, mas é a Mafl ops que faz todo esse trabalho de inventário e aprovação de plano. Na etapa da exploração, quando ocorre a maior parte dos custos, a pró-pria compradora que negocia a madei-ra com a Mafl ops adianta uma parte do recurso para viabilizar essa exploração. Aí a gente encontra um procedimen-to tradicional de exploração através de manejo fl orestal mecanizado. É impor-tante observar que quase todo o manejo é assumido pela empresa. No entanto, as comunidades têm a responsabilidade legal de fornecer ao órgão ambiental o relatório de exploração para alimentar o sistema público de monitoramento. De-pois, o transporte é efetuado – a empre-sa paga cada colono, cada dono de lote

    conforme o volume que foi extraído des-se lote.

    Passando para a análise dos re-sultados, podemos dizer que para as comunidades, o ponto mais positivo é a construção das estradas. Outro aspecto, relacionado com a atuação dos órgãos púbicos, diz respeito ao fato de que a associação de colonos não consegue ela-borar um plano de manejo e fazê-lo ser aprovado sem a atuação da empresa. A empresa cria a oportunidade. O paga-mento da madeira, que acaba sendo um recurso interessante para as famílias, va-ria de R$ 3 mil a R$ 4 mil por família até R$ 50 mil a R$ 60 mil, que, de alguma forma, é um bom recurso.

    Há também o fato de que as fa-mílias passam a ter interesse pela bio-sustentabilidade, ou seja, vão procurar mobilizar recursos externos para com-plementar a pauta do manejo fl orestal madeireiro. Eu queria associar o fato de essa atividade ter o efeito de controlar a exploração ilegal de madeira no assen-tamento. Essa exploração ilegal foi re-duzida, mas a comunidade teve que en-frentar várias pressões e ameaças para conseguir isto.

    Agora vamos destacar os pontos negativos. Nesse tipo de relação a em-presa acaba monopolizando as relações dos colonos com os atores externos, e observa-se uma relação fragilizada das comunidades com o sindicalismo, por exemplo. Outro dado é que esse acordo vai focalizar a exploração de madeira e um número pequeno de espécies que são as destinadas à exportação. Eviden-

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    stas temente que a natureza desequilibrada

    dessa relação faz com que, ao fi nal, a as-sociação cresça muito pouco, ou seja, ela está numa camisa de força que a impos-sibilita de se autonomizar. Obviamente, se a associação possui uma pequena par-ticipação nesse processo, se ela não assu-me as responsabilidades, o controle da operação fl orestal fi ca nas mãos da em-presa, inclusive os pagamentos dos colo-nos, que são realizados pela Mafl ops.

    Há uma dúvida sobre a sustenta-bilidade ambiental desse arranjo, pois uma vez que a madeira foi retirada de uma vez, o que vai acontecer durante os 25 anos que seguem? Uma outra coisa é que o conjunto dessa relação é feito por meio de um contrato, ou seja, o contra-to abrange toda a relação até efetivada a exploração – desde a documentação dos colonos até o preço que vai ser pago para cada um, deixando fora o período seguinte, quando a associação sozinha se responsabiliza pela manutenção da fl oresta explorada até o novo ciclo de corte.

    Para melhorar essa relação, nós estamos discutindo a elaboração de uma proposta, seguindo um pouco a experi-ência que a Coomfl ona está implemen-tando: seria cortar um processo em dois, fazendo uma primeira etapa até a emis-são das Autorizações de Exploração Florestal (Autef) a fi m de permitir que as comunidades negociem um contrato unicamente de venda e de exploração. Isto porque, com a Autef na mão, eles

    podem mostrar e negociar o volume de madeira que possuem, podem inclusive pedir um adiantamento para a empresa compradora através dessas atividades de exploração. Mas isto não ocorrerá de um dia para o outro, pois o nível de or-ganização comunitária tem que ser sufi -cientemente sólido. Pensamos que essa primeira parte poderia ser fi nanciada por um crédito do tipo Reforma Agrária ou Pronaf (Programa Nacional de For-talecimento da Agricultura Familiar). Fi-zemos um levantamento de quanto cus-taria por colono e chegamos a valores de R$ 6 mil a R$ 8 mil. O que isso signifi ca? Que é incompatível com os créditos que o Incra fornece atualmente como crédi-tos de Reforma Agrária para as famílias nos assentamentos, ou seja, se a políti-ca pública proporcionasse esse crédito para as organizações dos assentados, eles teriam essas autorizações (Autef) na mão e poderiam negociar com as empre-sas de forma completamente diferente. A relação com a empresa mudaria com-pletamente. Mas é evidente que isto exi-giria um trabalho de assistência técnica de forma a consolidar a organização dos assentados. Também exigiria um trata-mento reforçado do controle que as as-sociações deveriam ter sobre essas ativi-dades, porque não é só estabelecer um contrato de exploração, teria que ter um meio de monitorar, verifi car o volume realmente explorado, saber negociar a venda da madeira e o custeio de explo-ração.

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    stas1.3. cooperativa mista da flona

    tapajós (coomfl ona) apresentado por Sérgio pimentel

    início do processoNossa experiência nasceu de um

    projeto piloto fi nanciado pelo ITTO (In-ternational Tropical Timber Organization) que apoiou a exploração fl orestal por meio de uma empresa madeireira da região. Isso nos despertou a vontade de fazer também a exploração. A Flona (Floresta Nacional) do Tapajós, em 1998, apoiou o Projeto ITTO. Nesse período as comunidades só ouviam o barulho das máquinas retirando a madeira. Então, as associações comunitárias reagiram, as comunidades se reuniram, e a partir desse momento foi elaborado um estudo para viabilizar a participação das comu-nidades em projetos de manejo fl orestal e para habilitá-las para fazer projetos dentro da Flona.

    Como nessa época não havia nenhuma lei que permitisse o mane-jo fl orestal por comunidades dentro

    de Flonas, os órgãos governamentais em Brasília elaboraram e aprovaram a Portaria Nº 40/2003, a qual dá opor-tunidades para as cooperativas de co-munitários trabalharem o manejo fl o-restal sustentável na fl oresta. Foi então que surgiu a Coomfl ona para realizar esse manejo. Com o plano de manejo aprovado pelas comunidades, as asso-ciações existentes na Flona tinham li-mitações legais para gerenciar o plano (isto é, não podem emitir nota fi scal), e aí houve a necessidade de se criar a Coomfl ona.

    a exploração fl orestalAtualmente o nosso projeto está

    no terceiro ano de exploração. No pri-meiro ano exploramos 100 hectares, no segundo, 300 hectares, e nesse ano agora vamos explorar 500 hectares. Quando assumimos a cooperativa em 2008, tive-mos alguns imprevistos. Por exemplo, a cooperativa não tinha recurso para ini-ciar a exploração no tempo certo – início do verão –, e nós tivemos que nos virar

    Comunitários trabalhando no projeto de manejo fl orestal da Flona do Tapajós. Fotos: Suelen Cruz

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    stas para fazê-la, mas conseguimos. Hoje nós

    estamos com o estoque de madeira ain-da do ano passado, com cerca de 1.400 metros cúbicos, o que talvez nos leve a perder alguma madeira branca que fi -cou junto com as outras madeiras.

    Então, o nosso objetivo dentro da Flona, hoje, é trabalhar de maneira sus-tentável, respeitando o meio ambiente, dando oportunidade aos comunitários e benefi ciando as comunidades que fazem parte dela e que hoje são da cooperativa. A Coomfl ona possui 160 sócios coopera-dos.

    a relação comercialHoje, nós fazemos contrato com

    algumas empresas. Nós trabalhamos somente com as máquinas terceirizadas e toda a mão de obra utilizada para a exploração são comunitários coopera-dos. Por isso vendemos nossa madeira ainda na fl oresta, pois dependemos do adiantamento das empresas para alugar os maquinários necessários à exploração fl orestal. Porém, temos encontrado difi -culdades na relação comercial com essas empresas.

    Para vender a madeira nós traba-lhamos num sistema de pregões. Vender madeira por meio de pregões é uma exi-gência que precisamos cumprir por tra-balhar em área pública. Assim, a gente tem que fazer os pregões exigidos pelo Ibama e dar entrada em uma transferên-cia para a sociedade.

    Para a comercialização da ma-deira de 2008, nós fi zemos três pregões e não conseguimos vender a madeira

    devido às exigências contratuais para o pregão, que reprovou todas as empresas interessadas em participar. Nós fi zemos uma carta para a chefi a da Flona, o ICM-Bio (Instituto Chico Mendes de Conser-vação da Biodiversidade), em Santarém, pedindo que eles revissem o processo de pregão. Foi então que o gestor da Flona liberou a venda da madeira por meio de uma negociação direta com as empresas interessadas.

    Duas empresas de Santarém ven-ceram o processo para a compra da ma-deira e se combinaram em dividir a pro-dução. Porém somente uma delas até agora assumiu o compromisso e pagou pela madeira. Por isso que é importante um contrato com a empresa, como acon-teceu nos primeiros anos de exploração. Por exemplo, em 2007, não havia cláusu-las no contrato que estabelecessem que a empresa fosse obrigada a fi car com toda a madeira do romaneio. Assim, quando chegou a hora de explorar, a empresa escolheu somente a madeira que era de interesse comercial para ela e nós fi ca-mos com 50% da nossa madeira em pé, praticamente toda a madeira branca.

    Para a elaboração do contrato des-te ano (2009) nós tivemos a ajuda de vá-rias entidades que nos apoiam no proces-so de comercialização da madeira, como o projeto “Floresta em Pé”, que partici-pou da elaboração do contrato e do edi-tal e nos acompanhou em todo o proces-so de negociação com a empresa. Esses são nossos principais obstáculos ainda, mas eu tenho certeza que a partir des-ses encontros que estão acontecendo nós

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    stasvamos ter outros caminhos que possam

    favorecer o nosso trabalho, pois, hoje, o governo está olhando com mais carinho o manejo sustentável na Amazônia.

    nossas expectativas para o futuro Inicialmente a cooperativa não

    foi criada para trabalhar com produto não madeireiro, então, hoje, estamos querendo diversifi car nossa produção para que no período da entressafra da madeira possamos ter alternativas que possam contribuir com a renda familiar dos comunitários. Na Flona do Tapa-jós tem muita coisa, mas nós ainda não avançamos nessa estratégia porque nos-so principal problema hoje é encontrar comércio para esses outros produtos da fl oresta. Por exemplo, em nosso plano de manejo colocamos a possibilidade de ex-ploração da andiroba e da copaíba, mas temos difi culdade de encontrar compra-dor aqui na nossa região. Nós não con-seguimos vender a nossa produção de andiroba e temos em estoque uns 800 litros. Então, eu acho que a partir desse encontro veremos os caminhos que po-dem, também, nos ajudar no comércio desses produtos não madeireiros.

    1.4. experiência ppp/gtZ – projetocacau nativo do purus

    apresentado poralexandre lins

    O projeto que descreverei refere-se a uma parceria público-privada de-senvolvida entre a GTZ (Agência de Cooperação Técnica Alemã) e uma em-

    presa alemã de chocolates chamada Ha-chez, que compra o cacau da região sul do Amazonas produzido pela Cooperar (Cooperativa Agroextrativista do Médio Purus e Mapiá). O cacau é explorado nas várzeas do rio Purus e do rio Acre, nos municípios de Boca do Acre e Pauini.

    o início do projetoEm 2005 houve um contato de

    uma ONG alemã chamada Regenwald Institute (Instituto Floresta Tropical em português) com a Cooperar. O trabalho desta ONG é procurar produtos aqui da fl oresta – da Amazônia –, principalmen-te produtos que tenham valor no merca-do, e levar para a Europa para serem co-mercializados lá, em um mercado justo.

    Essa ONG manteve contato com a cooperativa que existia em Boca do Acre, a Cooperar. Nessa época, o princi-pal trabalho da cooperativa era o abaste-cimento de bens de consumo para uma comunidade isolada que fi ca a mais ou menos seis horas de “voadeira” de Boca do Acre, dentro da Flona. Então, essa co-operativa que fazia o abastecimento de bens de consumo de cerca de 80 famílias, tinha tido a iniciativa de implantar uma fábrica de frutas desidratadas com a qual chegou a produzir durante algum tempo banana-passa. Contudo, os negócios não foram para frente porque a cooperativa encontrou muita difi culdade para entrar no mercado para comercializar de forma competitiva o seu produto.

    Sabendo que existia muito cacau nativo na região, o Instituto Regenwald contatou a Cooperar e fez uma ponte

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    stas com essa empresa de chocolates da Ale-

    manha, a Hachez, que demonstrou inte-resse em iniciar um projeto para explo-ração de cacau nativo.

    a questão da qualidade e dobenefi ciamento centralizadodo cacauComo vocês sabem, o cacau é um

    produto originário da bacia Amazônica. Existem diversos estudos que mostram que o cacau nativo tem o potencial de ser um produto de qualidade superior, seja pelo seu teor de gordura, seja pelo ponto de fusão da manteiga, seja pelo sabor e aroma – que também estão re-lacionados à região. No entanto, a qua-lidade do cacau depende, também, de um processo de benefi ciamento, isto é, o cacau tem potencial para ser de primeira qualidade, mas se o benefi ciamento não for perfeito ele perde a qualidade. Isto é o que acontece com parte importante do cacau produzido na Amazônia: Pará, Rondônia e Amazonas, cujo benefi cia-

    mento é feito de forma descentralizada pelos produtores – cada produtor faz o seu benefi ciamento sem muito cuidado no processo. Então o cacau da Amazô-nia é considerado no mercado como de segunda qualidade, inferior, com um preço consequentemente baixo.

    Então, tendo o conhecimento sobre esses estudos que mostravam esse poten-cial, nós, na cooperativa, decidimos fazer um benefi ciamento centralizado. Então o que a cooperativa faz? Ela compra os frutos das comunidades ribeirinhas, leva para algumas centrais de benefi ciamento nas quais se usa todo o critério e rigor ne-cessários para que o produto tenha boa qualidade.

    Porém, antes de se implantar essa estrutura, a cooperativa fez um proje-to para essa empresa alemã para fazer um levantamento do potencial produ-tivo do cacau nativo na região. Então, um engenheiro fl orestal fez um levan-tamento e constatou que existe um po-tencial grande nas áreas de ocorrência

    Benefi ciamento de cacau nativo pela Cooperar. Fotos: Arquivo Cooperar.

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    stasde cacau – foi identifi cada a existência

    de áreas com ocorrência de até 200 tou-ceiras por hectare.

    Após esse levantamento, a em-presa falou: “tudo bem, então vamos aprovar a implementação do projeto”. Eles então adiantaram todo o recurso necessário para implantar a estrutura de produção. A cooperativa assumiu o compromisso de pagar esse empréstimo abatendo-o de forma parcelada com o recurso obtido no lucro da venda do ca-cau, sem juros e sem prazo estabelecido para fazer esse pagamento. O capital de giro para a produção também foi todo adiantado pela empresa.

    o início da produção do cacauEm 2006 foi iniciada a produção,

    com o benefi ciamento do cacau sendo realizado em uma unidade localizada na cidade de Boca do Acre. O total do cacau fornecido inicialmente para a Alemanha atingiu a marca de nove toneladas. Eles aprovaram a qualidade, gostaram muito e falaram: “então vamos ampliar a estru-tura de produção porque nós queremos uma quantidade grande”. Pediram para a cooperativa produzir cerca de 30 tone-ladas.

    Já em 2007 essa estrutura de pro-dução foi triplicada – na verdade, a co-operativa passou a ter três centrais de benefi ciamento: uma em Boca do Acre e duas em comunidades ribeirinhas, com um raio de atuação bem grande. Para vocês terem uma idéia sobre o trecho de

    atuação da cooperativa, se você for con-siderar o trajeto realizado nos rios, chega a cerca de mil quilômetros o trajeto que a cooperativa percorre com seus barcos comprando frutos de cacau.

    Em 2007, ano em que foi amplia-da a estrutura, foi que a empresa entrou em contato com a GTZ para fi rmar uma parceria público-privada que pudes-se apoiar o fortalecimento dessa cadeia produtiva; foi aí que entrou a GTZ.

    Em 2008, a empresa lançou o cho-colate do cacau nativo no mercado – se-gundo eles, foi o primeiro chocolate de cacau nativo lançado no mercado euro-peu. O chocolate foi lançado na Alema-nha com a marca Amazonas. A Hachez promoveu a campanha publicitária com base no vídeo que eles fi zeram lá na re-gião e o divulgaram no site. Foi uma campanha grande enfatizando o apelo socioambiental do produto e, assim, o cacau nativo recebeu um selo do Insti-tuto Regenwald, que é o selo de produto silvestre. Segundo eles, estão divulgan-do esse selo como o de um produto de qualidade superior, inclusive ao produ-to orgânico, que é um produto 100% na-tural, no estado natural da fl oresta.

    De acordo com os especialistas da Hachez, o fl avor – que é o sabor e aroma – do cacau nativo é superior a todos os outros que eles conhecem. Apesar de representar menos de 1% da produção da Hachez, o chocolate de cacau nativo já está respondendo por cerca de 5% da re-ceita da empresa, ou seja, é um negócio

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    stas muito lucrativo. Então, nós havíamos

    conversado com a empresa, que nos disse: “se vocês produzirem 100 tonela-das de cacau nós compramos, não tem limite, pode produzir o tanto que quiser que a empresa compra”. Nesse caso não existe problema de ausência ou limita-ção do mercado, existe o problema da cooperativa conseguir estruturar uma oferta para atender essa demanda.

    a parceria público-privadaEm 2007 foi feita uma parceria

    público-privada para ajudar a fortale-cer essa cadeia produtiva, pois havía-mos identifi cado problemas sérios de variabilidade de escala e de variação de preço. A parceria estabeleceu alguns objetivos para enfrentar esses proble-mas. Um dos principais é revitalizar a cultura do cacau nativo por meio do manejo do cacau da mata e do plantio – com o manejo você chega a duplicar a produção do cacau em dois anos e esta-biliza o nível de produção, diminuindo a variação. A parceria público-privada então apoiou a adoção dessas técnicas (manejo, plantio diversifi cado, SAFs) e promoveu um processo de capacitação de técnicos e extensionistas da região para poder apoiar a extensão fl orestal com esse produto.

    A parceria público-privada apoiou também a certifi cação orgânica do cacau, que era um objetivo inicial, antes da Ha-chez colocar esse selo de produto silvestre.

    Mas nós ainda vamos certifi car para con-seguir mais um diferencial para o produ-to da cooperativa, procurando ampliar a oferta de cacau de qualidade para o mercado consumidor. A ideia é ampliar os locais e entidades que fornecem cacau nativo. Então a ideia é tentar consolidar essa cadeia produtiva, cuja vulnerabili-dade atualmente está justamente nessa variação que existe por conta da oscila-ção no fornecimento da matéria-prima.

    Os outros objetivos a serem alcan-çados com a parceria público-privada são: promover a segurança alimentar dos benefi ciados, principalmente na es-tratégia de diversifi car a base alimentar; a articulação de parcerias institucionais para promover projetos de educação e saúde para essas comunidades ribeiri-nhas; e a divulgação do projeto.

    Os parceiros dessa parceria pú-blico-privada são: a Cooperar, GTZ, Empresa Hachez, Instituto Regenwald, Universidade de Freiburg da Alema-nha, Ufac (Universidade Federal do Acre), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tec-nológico), Idam (Instituto de Desen-volvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas), Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), MDA (Minis-tério do Desenvolvimento Agrário) e a Agência de Desenvolvimento Susten-tável do Amazonas com o Ministério da Integração Nacional.

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    stas meSa-redonda 2:

    proceSSoS de certificação como baSe para arealiZação de acordoS entre empreSaS e comunidadeS

    Existem várias formas de certifi -cação de produtos fl orestais madeireiros e não madeireiros em curso na Amazô-nia. A mais conhecida talvez seja a certi-fi cação fl orestal. Contudo, comunidades também têm utilizado outros tipos de certifi cado para conseguirem o acesso a diferentes tipos de mercado, como é o caso da certifi cação orgânica.

    Durante esta mesa-redonda fo-ram apresentadas as experiências e or-ganizações que estão trabalhando com os diferentes processos de certifi cação para os produtos fl orestais madeireiros e não madeireiros. São elas: i) Coppalj (Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco/MA); ii) Comaru (Cooperativa Mista de Produtores Extrativistas do Rio Ira-tapuru/AP); iii) Rede Ecovida; iv) Ima-fl ora (Instituto de Manejo e Certifi cação Florestal e Agrícola) ; e v) Avaliação de conformidade para produtos de extrati-vismo da Amazônia.

    2.1. cooperativa dos pequenosprodutores agroextrativistasde lago do Junco/ma (coppalj)

    apresentado porraimundo ermínio neto

    Falarei um pouco das experi-ências desenvolvidas pela Coppalj

    nas quais estamos trabalhando desde 1991. São praticamente 18 anos vi-vendo essa luta para que pudéssemos chegar realmente a alcançar um me-lhor padrão de vida para as famílias agroextrativistas assentadas naquela região. Essa relação entre empresa, governo e a própria Coppalj tem vá-rios desafios, tanto na preservação dos recursos naturais, como na co-mercialização e no processo de pro-dução.

    Iniciarei falando sobre a origem, a criação da própria cooperativa, pois acredito que todos os movimentos sociais são muito parecidos aqui na Amazônia. Isto porque nós começa-mos nossa luta por meio de um proces-so de reforma agrária. Depois a gente sentiu a necessidade de criar um mo-vimento que permitisse trabalhar na questão da organização da nossa pro-dução, principalmente com o babaçu e a produção agrícola, e então sentimos essa necessidade e criamos a coopera-tiva em 1991.

    O ponto principal dessa criação é a valorização da nossa moeda de troca que é o coco babaçu, que é muito forte na região do Médio Mearim. Para nós ele funciona como uma moeda, pois é como se tivéssemos um banco: se você tem babaçu, você tem dinheiro.

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    Vou tentar situar geografi camen-te nossa experiência. Nós estamos lo-calizados no Estado do Maranhão, na microrregião chamada de Médio Mea-rim, e nossa cooperativa atua em dois municípios dessa microrregião: Lago do Junco e Lago dos Rodrigues. Nossa cooperativa possui 158 sócios e sócias, e praticamente todos vivem em assen-tamentos de reforma agrária. É também uma região com predominância muito grande da palmeira babaçu.

    Em nossa região o babaçu é uma mata secundária. Além do aproveita-mento do babaçu, as famílias realizam o plantio de arroz, feijão, milho e mandio-ca como base para a segurança alimentar. Mas essa produção agrícola não é sufi -ciente para que as famílias não depen-dam dos recursos oriundos da venda do babaçu como complemento importante da renda familiar. Ela serve, junto com a renda do babaçu, para a manutenção

    e sobrevivência das famílias. Em nossas comunidades cerca de 90% das famílias possuem uma renda oriunda da extração do coco babaçu, que representa cerca de 50% de sua renda.

    O sistema de produção adotado pelos agricultores familiares em nossa região é o de corte e queima. Ele é feito de uma forma itinerante, na qual as pes-soas cortam, queimam e não têm um lo-cal fi xo para trabalhar. A região também tem uma predominância muito grande de criação extensiva de bovinos, realiza-da em grandes extensões de terra e, que, por isso, tira as condições de vida e de trabalho das famílias do campo. Nesse sistema de atividade agropecuária nos-sos babaçuais sofrem muito, pois são afetados com a queimada para prepara-ção da terra para a implantação das la-vouras e dos pastos para a pecuária.

    Quanto à questão da gestão e da organização das unidades produtivas, a

    Amêndoas de babaçu. Foto: Luis Antônio

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    stascooperativa funciona nos povoados por

    meio de cantinas. São oito cantinas, que funcionam como oito pequenos comér-cios ou supermercados. Nessas cantinas nós compramos o coco babaçu coletado pelas famílias e vendemos produtos de primeira necessidade da família. Quem faz todo o gerenciamento da compra e venda na cantina é o nosso gerente, a quem chamamos de cantineiro.

    A fábrica de óleo da Coppalj fun-ciona com duas prensas ainda semiar-tesanais, mas que realmente têm uma capacidade de produção muito boa. A amêndoa do coco babaçu contém cerca de 60% de óleo e nós conseguimos reti-rar cerca de 52% a 53% desse óleo com um único aproveitamento. Nas grandes empresas é feito também um segundo aproveitamento com a adição de sol-ventes. O nosso óleo é bruto, e estamos a caminho, na luta para que possamos chegar a refi ná-lo para que seja mais va-lorizado.

    Agora vou falar da relação da Coppalj com as comunidades em que atua, da relação com os seus associa-dos. A nossa produção ainda é peque-na considerando a grande quantidade de coco babaçu existente no Maranhão e em nossa região. Nós estimamos que estamos produzindo cerca de 400 to-neladas/ano de amêndoa; e no ano passado chegamos a 380 toneladas. No caso da produção de óleo nós atingi-mos a marca de 160 toneladas no ano passado e estamos com uma perspec-tiva de chegar a 200 toneladas neste ano.

    A questão do preço. O preço agre-gado a esse produto no mercado nacio-nal não é fi xo, oscila muito, de R$ 2,70 a R$ 5,70 se for certifi cado. Se não for cer-tifi cado, ele cai para até R$ 2,30. Agora está R$ 2,70 o quilo de óleo. No merca-do internacional, o preço que nós ven-demos para empresas na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Itália alcança US$ 3,70. Agora nós estamos enfrentando uma grande difi culdade porque o valor do Dólar despencou. Para nós, brasilei-ros, é bom o Dólar ter despencado, mas para quem vende produto exportado, não é de jeito nenhum. Por conta dessa situação estamos discutindo com nossos compradores externos uma forma de poder mudar o nosso contrato para que a moeda de referência seja o Euro, até se ter uma moeda mais segura. Mas todo o nosso preço está em U$ 3,70.

    Com o óleo vendido nesse valor podemos comprar o coco babaçu nas comunidades em que nossas cantinas funcionam com um preço melhor. Por-tanto, nós melhoramos o preço do quilo nas cantinas e nas comunidades, onde as pessoas eram exploradas pelo cha-mado atravessador. Em nossa região, atravessador é quem compra o produto na mão das pessoas e a gente não sabe mais para aonde o produto vai. Mas no momento estamos enfrentando essa di-fi culdade porque cerca de 50% do nosso óleo está sendo exportado. Nossa preo-cupação agora é fortalecer o mercado nacional porque não podemos fi car à mercê do mercado europeu ou ameri-cano.

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    stas Aí é que entra a questão da im-

    portância da certifi cação. Nós vamos fa-lar um pouco melhor disso. Começando pela questão da embalagem. Nós temos todo um cuidado com a questão da hi-giene do produto, fazemos um acompa-nhamento para que esse produto seja certifi cado porque nós temos difi culda-des em nos adequar às diretrizes impos-tas pelo IBD (Instituto Biodinâmico). Essa difi culdade está relacionada com o fato de que os certifi cadores (IBD), quando vão fazer a avaliação, compa-ram um pequeno estabelecimento des-se com uma grande empresa, que tem toda a estrutura de mudar as coisas de repente.

    Apesar dessas difi culdades vou mostrar também quais as oportunida-des que a certifi cação traz. Temos que ter uma organização bem solidifi cada, então, é nisso que estamos trabalhando, para que ela venha a se solidifi car para avançar e agregar valor de forma que a gente possa fi car não somente no baba-çu, mas trabalhar outras formas de be-nefi ciamento do produto.

    Para fi nalizar, quero tratar dos de-safi os que enfrentamos nessas relações. O primeiro grande desafi o que precisa-mos trabalhar é diminuir as queimadas por meio da agroecologia. Outro desafi o é a diminuição do uso de agrotóxicos nas lavouras, pois há uma persistência do pessoal, que parece ter facilidade de querer trabalhar com o agrotóxico. Mais um grande desafi o é continuar com a política do livre acesso aos babaçuais, já que os fazendeiros do Maranhão não

    querem que as famílias agroextrativis-tas tenham o direito livre de ida e vinda para a coleta do babaçu.

    Um último tema que quero tratar diz respeito à questão da consolidação de mercados. Nós avaliamos que ainda atuamos em um nicho de mercado, no mercado do comércio justo e solidário. Precisamos unir forças, juntar mais os braços para que a gente possa carregar isso aí. E também ampliar a capacidade de benefi ciamento dos subprodutos do babaçu – o óleo, o azeite, o mesocarpo, o sabonete, a torta e o artesanato.

    2.2. cooperativa mista de produtores extrativistas do rio iratapuru(comaru/amapá)

    apresentado pormárcio andré de freitas

    Eu vou contar um pouco da his-tória da união das famílias que foram se localizar na boca do rio Iratapuru e que fundaram a Comaru. Antigamente, as famílias moravam em suas colocações às margens do rio Iratapuru. Com a cria-ção da cooperativa elas passaram a se concentrar apenas na boca do rio Irata-puru. Esta é uma foto feita por satélite mostrando que uma parte da vila fi ca lo-calizada às margens do rio e a outra fi ca mais acima.

    Falo agora da estrutura da co-operativa. No início, a Comaru traba-lhava apenas com a venda de biscoito para merenda escolar, por meio de um convênio que possuía com a Prefeitura de Belém.

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    stasA fundação da cooperativa ocor-

    reu em 1992. Nesse período os produtos com os quais a Comaru trabalhava e ven-dia eram: farinha, biscoitinhos e alguns bombons de castanha-do-brasil. Um pon-to marcante foi a criação da RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) do Rio Iratapuru, que ocorreu em 1997.

    Em fevereiro de 2002, inaugura-mos a fábrica artesanal de processamen-to de castanha-do-brasil. Essa fábrica produzia óleo, doce, paçoca e farinha de castanha e tinha capacidade para a pro-dução de oito toneladas por mês. Nessa época não éramos certifi cados. Em 2003 houve um incêndio criminoso na fábrica de castanha, até hoje não esclarecido. No ano seguinte, em 2004, estabelecemos um contrato com a Natura e consegui-mos um adiantamento de recursos para a reconstrução da fábrica. Nesse mo-mento compramos novos equipamentos – algumas coisas já possuíamos, como a prensa que sobrou do incêndio, que no começo precisávamos pegar empres-tada com outra cooperativa local, que também trabalhava com óleo – aos quais juntamos a prensa e conseguimos mon-tar essa nova fábrica.

    Passando para as práticas de ma-nejo com a certifi cação do FSC. Com a chegada do FSC, a cooperativa obteve uma certifi cação conjunta, isto é, aque-la em que vários comunitários se unem para pagar e usar apenas um selo de certi