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RELAÇÃO DE CONSUMO: CONCEITO DE CONSUMIDOR, FORNECEDOR, PRODUTO E SERVIÇO Audálio Ferreira Sobrinho 1 “Os direitos humanos são históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes...” (Norberto Bobbio 2 ) SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Relação de Consumo. 2.1 As doutrinas pertinentes ao direito do consumidor. 2.2 Fundamentação constitucional das relações de consumo. 2.3 Diálogo sistemático de coordenação e adaptação. 3. O consumidor. 3.1 Conceito padrão de consumidor. 3.2 Coletividade consumidora. 3.3 Consumidor vítima de acidente de consumo. 3.4 Consumidor exposto às práticas comerciais. 3.5 Jurisprudência. 4. O fornecedor. 4.1 Fornecedor real. 4.2 Fornecedor aparente. 4.3 Fornecedor presumido. 4.4 Fornecedor ente despersonalizada. 4.5 Jurisprudência. 5. Produto. 5.1 Jurisprudência. 6. Serviços. 6.1 Jurisprudência. 7. Conclusão. Referências. 1. INTRODUÇÃO As relações de consumo em sua fase inicial se caracterizaram pelos negócios interpessoais em que os fornecedores mantiam contatos diretos com os consumidores. Há indícios de que a proteção e defesa do consumidor estão presentes desde a época do antigo Código de Hammurabi, nos séculos XVI e XV antes de Cristo. Depois dessa fase primitiva, veio a Revolução Industrial do século XVIII que trouxe o êxodo rural e o crescimento da população urbana, onde a mão-de-obra utilizada nas fábricas surgiu em função desse fato. Esse industrialismo e as produções em larga escala vieram revolucionar os negócios, tornando-os pluripessoais e difusos. 1 Advogado e Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá –RJ. 2 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 13ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5.

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RELAÇÃO DE CONSUMO: CONCEITO DE CONSUMIDOR,

FORNECEDOR, PRODUTO E SERVIÇO

Audálio Ferreira Sobrinho1

“Os direitos humanos são históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes...” (Norberto Bobbio

2

)

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Relação de Consumo. 2.1 As doutrinas pertinentes ao direito do consumidor. 2.2 Fundamentação constitucional das relações de consumo. 2.3 Diálogo sistemático de coordenação e adaptação. 3. O consumidor. 3.1 Conceito padrão de consumidor. 3.2 Coletividade consumidora. 3.3 Consumidor vítima de acidente de consumo. 3.4 Consumidor exposto às práticas comerciais. 3.5 Jurisprudência. 4. O fornecedor. 4.1 Fornecedor real. 4.2 Fornecedor aparente. 4.3 Fornecedor presumido. 4.4 Fornecedor ente despersonalizada. 4.5 Jurisprudência. 5. Produto. 5.1 Jurisprudência. 6. Serviços. 6.1 Jurisprudência. 7. Conclusão. Referências.

1. INTRODUÇÃO

As relações de consumo em sua fase inicial se caracterizaram pelos negócios

interpessoais em que os fornecedores mantiam contatos diretos com os consumidores. Há

indícios de que a proteção e defesa do consumidor estão presentes desde a época do antigo

Código de Hammurabi, nos séculos XVI e XV antes de Cristo.

Depois dessa fase primitiva, veio a Revolução Industrial do século XVIII que trouxe o

êxodo rural e o crescimento da população urbana, onde a mão-de-obra utilizada nas fábricas

surgiu em função desse fato. Esse industrialismo e as produções em larga escala vieram

revolucionar os negócios, tornando-os pluripessoais e difusos.

1 Advogado e Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá –RJ. 2 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 13ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5.

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Prof. Audálio Ferreira Sobrinho

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Observa-se que a partir do século XIX as relações de consumo passaram a ganhar

foros de universalidade. Na maioria dos casos, os consumidores se relacionavam com as

marcas dos produtos – fornecedores imediatos, comerciantes, dentre outros -, sem qualquer

contato com os seus fabricantes.

Nesta mesma linha, pode-se afirmar que o consumerismo - movimento social

organizado por consumidores, próprio da chamada sociedade de consumo - teve origem nas

lutas dos grupos sociais contra as discriminações de raça, sexo, idade e profissões vividas no

século XIX e no início do século XX.

Por modismo ou por necessidade real, o consumerismo deixou de ser um termo

exclusivo da sociedade norte-americana e hoje é aceito e utilizado nas mais diversas partes do

mundo. Sabe-se que o primeiro estadista a invocar a necessidade de serem preservados os

direitos dos consumidores foi o Presidente John Kennedy na sua declaração em 15 de março

de 1962 – dia internacional do consumidor - ao Congresso americano, proclamando como

objetivos de seu governo defender os seguintes direitos: à opção, à segurança, à informação e

de ser ouvido.

Outrossim, a Resolução n.º 39/248 de 1985 da Assembléia Geral das Nações Unidas,

recomendou as seus países signatários que estabelecessem uma infra-estrutura adequada,

permitindo aplicar e vigiar o funcionamento de proteção e defesa ao consumidor.

Constata-se que os direitos básicos do consumidor previstos no art. 6º do Código de

Proteção e Defesa do Consumidor (CPDC) estão previstos na citada resolução da ONU, pois

esta, também, prevê o direito de proteção à vida, à saúde, à segurança contra riscos

provocados por produtos e serviços defeituosos, dentre outros.

Portanto, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou os direitos

fundamentais do consumidor, incluindo os quatro princípios já declarados pelo Presidente

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Kennedy e acrescentando outros três, conforme a seguir: direito à opção, à segurança, à

informação, a ser ouvido, à indenização, à educação e direitos a um meio ambiente saudável.

Conforme José Geraldo Brito Filomeno,3

3 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 39.

a grande novidade do CPDC está prevista no

art. 6º, VIII, do CPDC, quando fala da inversão do ônus da prova a favor do consumidor -

apenas no processo civil -, quando a critério do juiz for verossímil a alegação do consumidor,

ou se for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

Vale observar a importância do art. 117 do CPDC, pois faz referência à Lei n.º 7.347

de 14 julho de 1985 que disciplina a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos

causados ao meio ambiente, ao consumidor, determinando, ainda, a aplicação do art. 21 desta

Lei na defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos, e individuais, no que for cabível, os

dispositivos do Título III do CPDC.

Faz-se necessário ressaltar que no Brasil os interesses dos consumidores passaram a

ser, também, assuntos de Estado, adquirindo aspecto relevante com a promulgação da Carta

Política de 1988, vindo assumir status de garantia constitucional e princípio norteador da

atividade econômica.

Com a edição do CPDC e a entrada em vigor de suas normas, restam esclarecidos e

consolidados os direitos dos consumidores por meio da criação de um microssistema jurídico

– inter e multidisciplinar -, das relações de consumo.

Assim, com o passar do tempo, as relações de consumo foram sendo modificadas para

se conseguir certo equilíbrio entre fornecedor-consumidor, mas sua consecução veio com a

Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990, que passou a vigorar a partir de 11 de março de

1991. Por isso, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor veio proporcionar condições

de implantar a fase da prevenção, porém agregando a esta, as conquistas das fases anteriores:

punitiva e indenizatória.

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Destarte, o objetivo deste trabalho é analisar sucintamente a relação de consumo e seus

elementos constitutivos: consumidor, fornecedor, produtos e serviços. Todavia, para se chegar

a tal análise é necessário estudar, em conjunto, os artigos 1º, 2º, 3º, 17 e 29 desse novo

microssistema jurídico (CPDC), a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de

1988, a doutrina e a jurisprudência pátria.

2. RELAÇÃO DE CONSUMO

A finalidade maior do Código de Proteção e Defesa do Consumidor é regular as

“relações de consumo”, motivo pelo qual é necessário que fique nítido o significado do que

vem a ser relação de consumo. 4

Entende-se por relação de consumo a relação jurídica entre fornecedor e consumidor tendo como objeto o produto ou o serviço. As relações jurídicas privadas em geral (civis e comerciais) continuam a ser regidas pelos Código Civil, Código Comercial e legislação extravagante.

Segundo o Prof. Nelson Nery Júnior,

5

Nesta mesma linha, o Prof. José Geraldo Brito Filomeno explica que a relação de

consumo configura-se em relação jurídica por excelência, pressupondo sempre três elementos,

quais sejam, dois pólos de interesses (consumidor e fornecedor) e o objeto desses interesses

que representa o terceiro elemento: produtos e serviços.

6

Como se observa, a relação de consumo envolve duas partes bem definidas: de um

lado o adquirente do produto ou serviço (consumidor), de outro o fornecedor desses produtos

ou serviços (produtor/fornecedor).

4 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2004, p. 45. 5 NERY JÚNIOR, Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor - comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 493. 6 FILOMENO, José Geraldo Brito; op. cit., p. 39.

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Tais produtos ou serviços destinam-se à satisfação privada do consumidor e este, não

dispondo de controle sobre a produção de bens ou prestação de serviços que lhe são

destinados, submete-se ao poder e condições dos fornecedores.

Para Hélio Zaghetto Gama, as relações de consumo se denominam “relações negociais

de consumo”, terminologia recente na ciência jurídica, e de cuja análise evoluíram novas

concepções sobre os elementos constitutivos dessa relação e que

[...] se estabelecem ou que podem vir a se estabelecer quando de um lado porta-se alguém com a atividade de ofertador de produtos ou serviços e, de outro lado, haja alguém sujeito a tais ofertas ou sujeito a algum acidente que venha ocorrer com a sua pessoa ou com os seus bens. 7

Os serviços prestados de aparência gratuita, como o de estacionamento em shoppings transportes e idosos deficientes físicos e escolares uniformizados, incluem-se na relação de consumo, porquanto, a rigor, os preços são pagos de forma indireta pelos demais usuários dos serviços.

Conforme leciona Roberto de Abreu e Silva, uma relação de consumo inclui, não só o

fornecimento de produtos e serviços a título oneroso, como também serviços gratuitos:

8

Roberto de Abreu e Silva acrescenta como elementos da relação consumerista, o nexo

de causalidade entre a ação e o dano, ou prejuízo causado pelo produto ou serviço. Como

último elemento dessa relação, elenca a “falta de diligência e prudência do fornecedor, como

motivo da ação danosa injusta e violadora da norma jurídica.”

Para esse autor, tal relação jurídica especial apresenta como elementos, além do

fornecedor e consumidor (pólos ativo e passivo, respectivamente), o fato do consumo de

produto ou serviço, incluídos aí, os prejuízos ou danos deles decorrentes de defeitos ou vícios

de qualidade ou quantidade.

9

7 GAMA, Hélio Zaghetto.Curso de direito do consumidor. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 31-32 . 8 SILVA, Roberto de Abreu e. A falta contra a legalidade constitucional. 2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 228 . 9 Ibidem, p. 229.

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Conforme Alcides Tomasseti Júnior, citado por Nelson Nery Júnior,10

Por último, impende ressaltar o ponto nodal para identificação da relação de consumo

como sendo - o elemento teleológico - a destinação final do bem ou serviço ao consumidor.

são elementos

da relação de consumo, segundo o Código de Proteção e Defesa do Consumidor: como

sujeitos, o fornecedor e o consumidor; como objeto, os produtos e serviços; como elemento

teleológico, a destinação final desses produtos e serviços ao consumidor (art. 2º, caput, do

CPDC).

Faz-se mister ressaltar que se a aquisição ou utilização do produto ou serviço for,

apenas, meio para o consumidor exercer outra atividade, não será considerado destinatário

final e, conseqüentemente, não haverá relação de consumo.

Dessa forma, fica evidenciado a importância do reconhecimento ou não de tal relação

especial, pois as regras do Código de Proteção e Defesa do Consumidor são aplicadas quando

se identifica a relação de consumo (consumidor – fornecedor – produto ou serviço).

11

2.1 AS DOUTRINAS PERTINENTES AO DIREITO DO CONSUMIDOR

Em seu microssistema jurídico, o Código de Defesa e Proteção do Consumidor adotou

a chamada “Teoria Finalista”, conceituando o consumidor como o destinatário final do

produto ou serviço.

Com base nos preceitos desse Código, o sistema jurídico brasileiro exclui as

influências das deturpações do sistema capitalista americano que em alguns estados daquele

país adotam a chamada “Teoria Maximalista”, pela qual somente é consumidora a pessoa

posicionada na condição de vulnerabilidade no mercado.12

10 NERY JÚNIOR, Nelson, op. cit., p. 494. 11 Ibidem, p. 495. 12 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 9-10.

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Portanto, o conceito de vulnerabilidade está vinculado ao estado da pessoa que se

fragiliza e enfraquece como sujeito de direito, vindo desequilibrar a relação de consumo.

Complementa Hélio Zaghetto Gama13

Técnica, representada pela falta de conhecimento sobre o produto ou serviço

adquirido. O comprador é mais facilmente enganado quanto às características do bem

ou quanto à sua utilidade, o mesmo ocorrendo em matéria de serviços. A

vulnerabilidade técnica, no sistema do CPDC, é presumida para o consumidor não

profissional, mas também pode atingir excepcionalmente o profissional, destinatário

fático do bem. Trata-se da exceção, não da regra, por exemplo: “A compra e venda de

sofisticadíssimo equipamento destinado à realização de exames médicos – levada a

efeito por pessoa jurídica nacional e pessoa jurídica estrangeira – não constitui relação

de consumo.

que, em decorrência da evolução da defesa dos

consumidores no Brasil, passou-se a considerar cinco espécies de vulnerabilidades:

14

Jurídica ou científica é representada pela falta de conhecimento específico nesta área.

Esta vulnerabilidade, no sistema do CPDC, é presumida para o consumidor não

profissional e para o consumidor pessoa física. Quanto aos profissionais e às pessoas

jurídicas vale a presunção em contrário, isto é, que devem possuir conhecimentos

jurídico-econômicos mínimos para poderem exercer a profissão, ou devem poder

consultar especialistas na área, antes de obrigar-se;

Fática é aquela desproporção fática de forças, intelectuais e econômicas, que

caracteriza a relação de consumo;15

Sócio-econômica, representada pela baixa renda ou nível cultural inferior; e

13 Ibid. p. 10. 14 Decisão unânime da 2ª Seção do STJ. 15 Cláudia Lima Marques defende a idéia de que existem três tipos de vulnerabilidade: a técnica, a jurídica e a fática. MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 120-121.

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Insuficiência no Mercado, representada pela pessoa jurídica atuando fora da sua área

de atividades.

Cláudia Lima Marques16

Em consonância com essa autora, os pioneiros do consumerismo - corrente finalista -

consideram a definição de consumidor como base que sustenta a tutela especial ao mesmo.

Este consumidor é a parte vulnerável no mercado de consumo (art. 4º, I, do CPDC) logo,

convém delimitar quem tem o direito de ser tutelado por essa lei especial.

torna mais claro o conhecimento das correntes Finalista e

Maximalista, objetivando suas definições no campo de aplicação do CPDC.

17

Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem -, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o

Portanto, o consumidor seria o não profissional, vindo restringir o campo de aplicação

do CPDC àqueles que necessitam de proteção, ficando assegurado um nível mais alto de

proteção para a parte mais fraca dessa relação negocial.

Neste caso, a jurisprudência não seria construída em fatos que profissionais-

consumidores reclamassem mais benesses do que o Direito Comercial e o Direito Civil já lhes

concedem e sim, tendo como base o destinatário final e parte mais vulnerável da relação de

consumo: o consumidor.

Neste sentir, propõe-se que se interprete a expressão “destinatário final” do art. 2º do

CPDC: “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço

como destinatário final,” de maneira restrita, como determina os princípios básicos deste

microssistema jurídico, expostos nos arts. 4º e 6º:

16 Ibid., p. 72. 17 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 140-141.

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bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que adquiriu. 18

Note-se que, de uma posição inicial mais forte, influenciada pela doutrina francesa e

belga, os finalistas evoluíram para uma posição mais branda,

(grifo nosso).

Pelo exposto, verifica-se que esta corrente finalista restringe a figura do consumidor

àquele que adquire ou utiliza um produto para uso próprio e de sua família, consumidor seria

o não profissional, pois o fim do CPDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade

que é mais vulnerável.

19

De outro lado, os maximalistas vêm nas normas do CPDC o novo regulamento do

mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor

não-profissional. O CPDC seria um código geral sobre o consumidor, um Código para a

sociedade de consumo, o qual institui normas e princípios para todos os agentes do mercado,

os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores.

mas sempre teleológica,

aceitando a possibilidade de o Judiciário reconhecer a vulnerabilidade de uma pequena

empresa ou profissional, que adquiriu, por exemplo, um produto fora de seu campo de

especialidade, concedendo a aplicação das normas especiais do CPDC, analogicamente,

também a estes profissionais.

20

Os maximalistas

Assim, a definição do art. 2º do CPDC deve ser interpretada o mais extensivamente

possível, segundo essa corrente, para que as normas deste Código possam ser aplicadas a um

número cada vez maior de relações no mercado.

21

18 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno; op. cit., p. 71. 19 Ibid., p. 72. 20 Ibid., p. 72. 21 Ibid., p. 72.

consideram que a definição do artigo acima citado é puramente

objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando

adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do

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produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome. Pode-se citar como exemplo, a

fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, o advogado que compra um

computador para seu escritório, dentre outros.

Segundo Antônio Carlos Efing,22

2.2 FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

filiado à doutrina maximalista, explica que esta

corrente veio para introduzir, por meio do CPDC, uma nova linha de conduta entre os

partícipes da relação jurídica de consumo e complementa:

[...] não importa ter vislumbrada a relação de hipossuficiência do consumidor, mas sim, uma completa moralização das relações de consumo da sociedade brasileira, onde somente permanecerão nos diversos seguimentos da cadeia de consumo aqueles fornecedores (pessoas físicas ou jurídicas) que assumirem esta posição com todos os seus ônus e encargos, dentre os quais a busca da perfeição no fornecimento de produtos e serviços, em total consideração ao consumidor.

A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 introduziu a figura

do consumidor como agente econômico e social, cujos direitos devem ser garantidos, na

forma da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Esta lei é o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que vigora desde 11 de

março de 1991, cujo artigo 1º destaca-se a seguir: “O presente Código estabelece normas de

proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º,

XXXII; 170, V, da CRFB/88, e artigo 48 de suas Disposições Transitórias.”

Mesmo antes da promulgação da Carta Política vigente, o consumidor brasileiro de

alguma forma já recebia a tutela legal dos seus direitos. Contudo, o sistema jurídico anterior à

Constituição não permitia que essa tutela fosse adequada, já que orientada por princípios,

instrumentos e procedimentos inadequados.23

22 EFING, Antônio Carlos, op. cit., p. 56. 23 Ibid., p. 26.

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A inclusão da matéria atinente à proteção do consumidor na Constituição, coaduna-se

com a do Estado em intervir nas situações de desigualdade e desequilíbrio social que não

poderiam ser corrigidas com o uso de instrumentos meramente políticos ou econômicos.

Outrossim, convém notar que a defesa do consumidor surge no texto constitucional

entre os direitos e deveres individuais e coletivos, com a prescrição de que “o Estado

promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5º, XXXII, da CRFB/88).

Nessa mesma linha, a defesa do consumidor é elevada à categoria de “princípio geral

da atividade econômica” (art. 170, V, da CRFB/88), juntamente com princípios basilares para

o modelo político/econômico, como o da soberania nacional, função social da propriedade,

livre concorrência, dentre outros.

A Carta Magna de 1988 possui outros dispositivos, além dos acima citados. Por

exemplo, o art. 24, V, VIII, que estabelece o âmbito em que pode haver legislação

concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, restando incluída nesta esfera de

competência legislativa a normatização sobre produção e consumo, bem como a

responsabilidade por dano ao consumidor.

Ainda, a Carta Política de 1988 prossegue: art. 129, II, trata do zelo pelos serviços de

relevância pública por parte do Ministério Público; art.150, § 5º, dispõe sobre esclarecimentos

ao consumidor acerca dos impostos incidentes nos bens e serviços ofertados; art. 175, II diz

respeito à necessidade de esclarecimentos sobre os “direitos dos usuários” dos serviços

públicos; previsão pelo Congresso Nacional Constituinte sobre a elaboração urgente do

CPDC (art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

Assim, fica evidente a preocupação do Poder Originário Constituinte em dar

efetividade ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor, tendo como base a ordem

pública e o interesse social. Tal preocupação visa atender aos consumidores, respeitando sua

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dignidade e exigindo que as relações de consumo sejam pautadas em princípios éticos e de

justiça.

2.3 DIÁLOGO SISTEMÁTICO DE COORDENAÇÃO E ADAPTAÇÃO

A aplicação subsidiária do Código Civil (CC) de 2002, que unifica as obrigações civis

e comerciais (hoje empresariais), pode ter uma influência positiva na definição do campo de

aplicação do CPDC, preponderando a teoria finalista: 24

Pessoa física/teoria finalista: se combinados os artigos 2º e 4º, I, do CPDC com o art.

1º e ss. do CC/2002, a pessoa física presume-se consumidor (e vulnerável) se frente ao

fornecedor; já nas relações intercivis e interempresariais, não se presumem

consumidora.

Pessoa jurídica/teoria finalista: segundo o art. 2º do CPDC e o art. 966 do CC/2002, o

empresário não é presumido consumidor se adquire ou usa insumo ou serviço na sua

produção ou para sua atividade típica profissional. Empresário se presume fornecedor,

ex vi art. 966 do CC de 2002 e art. 3º do CPDC.

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Destarte, com o resultado da revalorização da teoria finalista diante da entrada em

vigor do CC/2002, suas regras sobre contratos de adesão com princípios comuns do CPDC

(boa-fé, interpretação a favor do mais fraco, dentre outros) devem ser mais usadas nas

relações entre dois empresários, não havendo mais necessidade de usar-se analogicamente ou

24 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno; op. cit., p. 91

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diretamente o CPDC para alcançar o reequilíbrio da relação, se não há um consumidor

vulnerável (art. 4º, I, do CPDC).25

3. O CONSUMIDOR

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor em seu art. 2º, define consumidor

como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final.”

Ainda, o parágrafo único do art. 2º do CPDC complementa: “equiparara-se a

consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas

relações de consumo.”

O legislador brasileiro inseriu no CPDC a definição de “Consumidor”, fato que muito

facilita a compreensão proporcionada ao intérprete, vindo possibilitar uma melhor utilização

didática. Este conceito afasta quaisquer exclusões quer da classe econômica, quer de função

social.

Como regra geral, quem é consumidor não é fornecedor, mas uma mesma pessoa

pode, para alguns atos que pratique ser consumidora e, para outros, não ser. Assim o

empresário que adquire matérias primas para sua indústria não é consumidor para fins do

CPDC. Contudo, quem é fornecedor pode, fora de sua atividade profissional, ser consumidor:

é o caso desse mesmo empresário ao contratar escolas para seus filhos ou adquirir produtos

alimentícios no supermercado.

A aquisição para revenda, por apresentar uma destinação eminentemente profissional,

não é protegida pela Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Não existe consumidor na

acepção jurídica. Só a aquisição para fins não profissionais, isto é, a que não se processa no

25 Ibid., p. 91

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exercício das funções de produção, de transformação ou de distribuição, recebe a tutela

especial do Código.

Faz-se mister ressaltar que o consumidor é o destinatário final, aquele que retira o bem

do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo, colocando um fim na cadeia de produção e

não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir ou colocá-lo na cadeia de serviço.

Dessa forma, percebe-se que nem toda relação econômica é considerada pelo direito

do consumidor como sendo relação jurídica de consumo. Por isso mesmo, diversas relações

econômicas de consumo não são protegidas pelo CPDC, permanecendo sob o regramento dos

Códigos Comercial e Civil.

3.1 CONCEITO PADRÃO DE CONSUMIDOR

Conforme o art. 2º, caput, do CPDC, o consumidor é a pessoa física ou jurídica que

adquire produto ou serviço como destinatário final, isto é, que se utiliza desse bem ou serviço

e retira-o do ciclo econômico.

Esse conceito compõe-se pela conjugação do elemento subjetivo (sujeito): pessoa física

ou jurídica; elemento objetivo (objeto): produtos ou serviços e do elemento teleológico

(finalidade): caracterizado pela destinação a ser conferida ao produto ou serviço que será

sempre finalística.

3.2 COLETIVIDADE CONSUMIDORA

O art. 2º, § único, do CPDC enquadra como consumidora a coletividade de pessoas,

ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Para isso, basta que essa coletividade haja intervindo nas relações de consumo, a fim

de possibilitar a propositura da class action (prevista no art. 81, § único, do CPDC).

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Pode-se citar como exemplo, o fato de uma empresa responsável pelo fornecimento de

água em uma cidade que não toma os cuidados necessários para garantir a qualidade do

produto, pondo em risco a saúde da população. Não se sabe quantas pessoas foram atingidas,

nem quem pode estar sendo lesado pela má qualidade do líquido precioso. Mesmo assim, a

coletividade de pessoas indetermináveis está amparada pelo CPDC. 26

A proteção jurídica por meio do sistema de equiparação legal, impõe aos fornecedores

a adoção de eficientes sistemas de controle de qualidade e adequação, sob pena de

Vale ressaltar a importância do parágrafo único do art. 2º desse microssistema jurídico,

em face do seu caráter de norma genérica, interpretadora, aplicável a todos os capítulos e

seções do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

3.3 CONSUMIDOR VÍTIMA DE ACIDENTE DE CONSUMO

O art. 17 do CPDC prescreve que para efeito desta seção (Da Responsabilidade pelo

Fato do Produto ou Serviço), “equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”

Trata-se de novo âmbito de tutela do consumidor: a vítima do acidente de consumo

que, em virtude do disposto do artigo citado, passa a ser equiparada ao consumidor.

Desconsidera-se, a partir desse momento, se o tutelado (consumidor) qualifica-se como

destinatário final do produto ou serviço; se houve a sua participação na relação de consumo

ou não.

Por exemplo, apesar de não se caracterizar como consumidor stricto sensu, uma

criança, filha do adquirente, que ingere produto defeituoso e vem a adoecer por causa do

produto, é consumidor-equiparado e se beneficia de todas as normas protetivas do CPDC

aplicáveis ao caso.

26 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Uma introdução ao CPDC. In. RIOS, Josué de Oliveira; LAZZARINI, Marilena; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Código de Proteção e Defesa do Consumidor comentado. São Paulo: Globo, 2001, (Série cidadania).

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responderem pelas repercussões danosas perante todas as vítimas do evento (determináveis ou

não, como prevê o retrocitado art. 2º, § único, do CPDC).

Portanto, basta ser vítima de um produto ou serviço para ser privilegiado com a

posição de consumidor legalmente protegido pelas normas sobre as responsabilidade objetivas

presentes no Código (arts. 12 a 16 do CPDC).

3.4 CONSUMIDOR EXPOSTO ÀS PRÁTICAS COMERCIAIS

O CPDC, em seu art. 29, equipara ao conceito de consumidor, para fins do capítulo

relativo às Práticas Comerciais e à Proteção Contratual, “todas as pessoas determináveis ou

não, expostas às práticas nele prevista.”

Assim, considera-se consumidor qualquer pessoa exposta às práticas comerciais que

dizem respeito à oferta, publicidade abusiva, cobranças de dívidas, aos bancos de dados e

cadastros de consumidor previsto pelo CPDC.

As pessoas expostas às práticas abusivas, mesmo não sendo consumidores stricto

sensu, poderão utilizar as normas especiais do CPDC, seus princípios, sua ética de

responsabilidade social no mercado, sua nova ordem pública, para combater as práticas

comerciais que contrariam as normas jurídicas de consumo.

Portanto, trata-se atualmente da mais importante norma extensiva do campo de

aplicação da lei de proteção e defesa do consumidor.

Ao valorizar o art. 29 do CPDC, a jurisprudência tenta aproximar-se da vontade

interventora do legislador brasileiro, pois a idéia básica é a mesma, de imposição de um

patamar mínimo de lealdade e boa-fé objetiva, de forma a reequilibrar essa relação de

consumo e reprimir o uso abusivo econômico.27

27 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno., op. cit., p. 398.

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3.5 JURISPRUDÊNCIA

Correntista - Pessoa física presume-se consumidor

AGRAVO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONTRATO DE ABERTURA DE

CRÉDITO - APLICABILIDADE DO CPDC - SÚMULA 83 DESTA CORTE. I - Pela

interpretação do art. 3.°, §2.°, do CPDC, é de se deduzir que as instituições bancárias estão

elencadas no rol das pessoas de direito consideradas como fornecedoras, para fim de

aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor às relações entre essas e os

consumidores, no caso, correntistas. II- Tratando-se de contrato firmado entre a instituição

financeira e pessoa física, é de se concluir que o agravado agiu com vistas ao atendimento de

uma necessidade própria, isto é, atuou como destinatário final. Aplicável, pois, o CPDC. III-

O entendimento adotado pelo aresto recorrido encontra-se em consonância com o desta

Corte, segundo o qual é inviável a incidência de comissão de permanência concomi-

tantemente (STJ - 3.ª T. - AgAgIn 296.516/SP - rel. Min. Nancy Andrighi - j. 07.12.2000).28

Tratando-se de contrato firmado entre a instituição financeira e pessoa física, é de se

concluir que o agravado agiu com vistas ao atendimento de uma necessidade própria, isto é,

atuou como destinatário final. Aplicável, pois, o CPDC (STJ - REsp 296.516 rel. Min.

Fátima Nancy Andrighi - j. 07.12.2000 - D1 05.02.2001).

29

Consumidores equiparados – Meio ambiente e consumo

AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONTAMINAÇÃO DE MORADORES DE BAIRRO

PRÓXIMO À REFINARIA. PELA EMANAÇÃO DE PRODUTOS TÓXICOS –

EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. O art. 17 do CPDC equipara ao consumidor

qualquer pessoa, natural ou jurídica, que venha a sofrer um dano, em decorrência do fato do

28 Ibid., p.75. 29 Ibid., p.75.

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serviço. Assim sendo, e em princípio, cabe à espécie a aplicação das regras do CPDC, e, entre

elas, a da inversão do ônus da prova, cujos pressupostos se acham presentes, já que verossímil

a versão do autor, confirmada pelas notícias jornalísticas, sendo ele hipossuficiente. Correta,

assim, a decisão recorrida, que objetiva proteger a vítima do fato do serviço, equiparada a

consumidor. Desprovimento do recurso (TJRJ- 10.ª Câm. Civ. - AgIn 5.587/02 - rel. Des.

Sylvio Capanema de Souza – j. 25.06.2002).30

PESSOA JURÍDICA - FINANCIAMENTO DESTINADO AO INCREMENTO DAS

ATIVIDADES DA EMPRESA - INEXISTÊNCIA DE PROVADA VULNERABILIDADE E

DO DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL - RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO

CARACTERIZADA. A pessoa jurídica que tome recursos no mercado financeiro para

incrementar atividade econômica não caracteriza destinatário final, que o CPDC quer

proteger, qual seja o efetivo destinatário final, ou seja, o destinatário econômico, não mais do

serviço bancário, mas do produto ou serviço cujo fomento se deu pelo aporte de recursos

tomados junto às instituições financeiras. Tratando-se de pessoa jurídica, cabe-lhe o ônus de

provar sua vulnerabilidade perante o banco agravado, demonstrando, assim, o desequilíbrio

contratual entre as partes, situação que depende da instauração da relação processual,

afastando a aplicação, de ofício, das normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor

(T AMG - AgIn 02764198 - rel. Juiz Edilson Fernandes - j. 28.04.1999).

Inexistente prova concreta da vulnerabilidade

-Inocorrência de relação de consumo

31

30 Ibid., p.278. 31 Ibid., p.77.

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Vítima de falta de segurança não necessita ser destinatário final - Empresário de

shopping é vítima - Dever de cuidado geral – Furto - Consumidor equiparado.

RESPONSABILIADE CIVIL – FURTO EM ESTACIONAMENTO – SHOPPING CENTER

– VEÍCULO PERTENCENTE A POSSÍVEL LOCADOR DE UNIDADE COMERCIAL –

EXISTÊNCIA DE VIGILÂNCIA NO LOCAL – OBRIGAÇÕES DE GUARDA –

INDENIZAÇÃO DEVIDA – PRECENDENTES – RECURSO PROVIDO. I - Nos termos do

Enunciado 130/STJ, “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto

de veículo ocorridos em seu estacionamento” II - A jurisprudência deste Tribunal não faz

distinção entre o consumidor que efetua compras e aquele que apenas vai ao local sem nada

despender. Em ambos os casos, entende-se pelo cabimento da indenização em decorrência do

furto de veículo. III - A responsabilidade pela indenização não decorre de contrato de

depósito, mas da obrigação de zelar pela guarda e segurança dos veículos estacionados no

local, presumivelmente seguro (STJ – Resp 437649/SP – rel. Min. Sálvio de Figueiredo

Teixeira – j. 06.02.2003).32

CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL E FINANCIAMENTO – SFH –

APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR –

EMPRÉSTIMO CONCEDIDO POR ASSOCIAÇÃO A ASSOCIADO. Deve ser afastada a

aplicação da cláusula que prevê foro de eleição diverso do domicílio do devedor em

contrato de compra e venda de imóvel e financiamento regido pelo Sistema Financeiro de

Habitação, quando importarem prejuízo de sua defesa. Há relação de consumo entre o

agente financeiro do SFH, que concede empréstimo para aquisição de casa própria, e o

mutuário. Ao operar como os demais agentes de concessão de empréstimo do SFH, a

Art. 29 do CPDC - Relação de consumo - Vulnerabilidade

32 Ibid., p.279.

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associação age na posição de fornecedora de serviços aos seus associados, então

caracterizados como consumidores. Recurso especial não conhecido (STJ - 3.ª T. - REsp

436815/DF rel. Min. Fatima Nancy Andrighi - j. 17.09.2002)33

CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR - RESPONSABILIDADE DO

FORNECEDOR. É de consumo a relação entre o vendedor de máquina agrícola e a

compradora que a destina a sua atividade no campo. Pelo vício de qualidade do produto

respondem solidariamente o fabricante e o revendedor (art. 18 do CPDC). Por unanimidade,

não conhecer do recurso (STJ – 4.ª T. – R Esp 142042/RS – rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar

– j. 11.11.97).

TEORIA MAXIMALISTA

Insumo para produção – Vulnerabilidade do destinatário final agricultor

34

Portanto, toda empresa, sociedade ou pessoa que, de alguma forma, receba do

consumidor dinheiro em troca de um produto ou serviço, incluídos os serviços públicos é

considerado um fornecedor. Por isso, ao recorrer a um hospital, escola pública, ao usar o

4. O FORNECEDOR

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor procurou dar uma maior abrangência

ao conceito de fornecedor, assim o definindo:

Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

33 Ibidem, p. 400. 34 Ibidem, p. 83.

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telefone, a luz, a água ou transporte público, você também é consumidor, já que o Poder

Público e suas empresas são fornecedores.

Isto é, para a caracterização de qualidade de fornecedor, é necessário o exercício

profissional habitual. Em verdade, se alguém vender, eventualmente, seu automóvel a um

terceiro e o veículo apresentar defeito, o comprador não poderá invocar, contra esse

vendedor, as normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, porque a relação de

consumo não se perfez, devido à ausência de um fornecedor na forma prevista em lei.

Há um produto, há um consumidor, mas não há o fornecedor, pois o que vendeu o

veículo não faz disso uma atividade habitual. Poderá o comprador, valer-se das normas dos

Códigos Civil e Processual para se ressarcir de possíveis prejuízos perante aquele vendedor,

mas não do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Entretanto, conserva a sua

qualidade de consumidor em relação ao fabricante do veículo ou seu concessionário

(representante).

Atividade bancária, creditícia, financeira e securitária: os bancos, na condição de

fornecedores de serviços, inclui o crédito e se submetem às normas do CPDC. Desse modo,

os usuários são consumidores de serviços bancários e estão protegidos (art. 3º, parágrafo 2º,

do CPDC).

Em muitos processos do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o Superior

Tribunal de Justiça, vem reconhecendo que os serviços bancários, como caderneta de pou-

pança, caracterizam relação de consumo. Também são consumidores de serviços as pessoas

que fazem um seguro ou recorrem a um financiamento para a compra de um bem.

Impende destacar que as relações trabalhistas são as estabelecidas entre o patrão

(empresa ou não) e o empregado, caracterizadas principalmente pela habitualidade e

subordinação. Essas relações são as únicas excluídas do CPDC, no conceito de serviços.

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22

4.1 FORNECEDOR REAL

É o fornecedor diretamente ligado ao produto, responsável pela sua criação efetiva, ou

por parte integrante do mesmo, ou melhor, é toda pessoa física ou jurídica que participa da

realização e criação do produto acabado ou de parte componente do mesmo, incluindo a

matéria prima35

É o quase fornecedor, pois empresta aos produtos que comercializa seu nome, marca

ou sinal distintivo no produto final. Por exemplo: os produtos comercializados por

Supermercados que levam o nome da própria rede de lojas, mas são fabricados por outras

empresas especializadas, através da terceirização dos serviços.

.

4.2 FORNECEDOR APARENTE

36

Outro caso claro de fornecedor aparente foi suscitado por Zelmo Denari

37

Entende-se como fornecedor presumido o importador e comerciante de produto

anônimo, ou "aquele que importa produtos para venda, locação, leasing ou qualquer outra

forma de distribuição, assim como aquele que forneça mercadoria sem identificação ou com

identificação imprecisa.”

, ao enunciar

que “o fornecedor aparente surge, em nossos tempos, como fruto da modernidade das relações

jurídicas, e encontra no instituto das franquias comerciais (franchising) seu campo de

atuação.”

4.3 FORNECEDOR PRESUMIDO

38

35 EFING, Antônio Carlos op. cit., p. 70-71 . 36 Ibidem, p. 71. 37 DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor - comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 182. 38 EFING, Antônio Carlos. Op. cit. p. 72-73.

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23

4.4 FORNECEDOR ENTE DESPERSONALIZADO

O CPDC coloca entre as pessoas que podem ser fornecedor, os "entes

despersonalizados", que se diferenciam das outras formas de grupos organizados com objetivo

comum, principalmente em virtude da ausência formal de elemento essencial que se possa

considerar pessoa jurídica: a intenção expressa de manter vínculo associativo.

Encontram-se entre estes entes: a família, a massa falida, as heranças jacente e

vacante, o espólio, o condomínio, dentre outros.

4.5 JURISPRUDÊNCIA

Solidariedade da cadeia de fornecimento de serviços de turismo

RESPONSABILIDADE CIVIL - AGÊNCIA DE VIAGENS - CÓDIGO DE PROTEÇÃO E

DEFESA DO CONSUMIDOR - INCÊNDIO EM EMBARCAÇÃO. A operadora de viagens

que organiza pacote turístico responde pelo dano decorrente do incêndio que consumiu a

embarcação por ela contratada. Passageiros que foram obrigados a se lançar ao mar, sem

proteção de coletes salva-vidas, inexistentes no barco. Precedente (REsp 287.849/SP). Dano

moral fixado em valor equivalente a 400 salários mínimos. Recurso não conhecido (STJ -

REsp 291 384/RJ - rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – j. 15.05.2001).39

O art. 3º, § 1º, do CPDC define produto como qualquer bem, "móvel ou imóvel,

material ou imaterial". Conforme José Geraldo Brito Filomeno,

5 PRODUTO

40

39 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno; op. cit., p. 101. 40 FILOMENO, op. cit., p. 57.

ao comentar o referido

conceito, entende que seria melhor falar-se em bens e não produtos. Isto se deve ao fato do

primeiro termo (bens) ser muito mais abrangente e, aliás, mais técnico tanto do ponto de vista

jurídico, como do ponto de vista da economia.

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24

Tal aspecto fica ainda mais flagrante quando se tem em conta que no caso se há que

tratar de bens como efetivos objetos das relações de consumo, ou seja, como aquilo que está

entre os dois sujeitos dessas relações especiais.41

José Cretella Júnior

42

41 EFING, op. cit., p. 76. 42 CRETELLA JÚNIOR, José apud EFING, Antônio Carlos op. cit., p. 77.

conceitua produto como toda coisa que, por ter valor

econômico, entra no campo jurídico, sendo objeto de cogitação pelo homem, quando parte

integrante de relação jurídica.

Importa ressaltar que o produto ou bem tenha conteúdo finalístico, de valor

econômico, capaz de satisfazer necessidades e desejos humanos, suscetível de circulação do

fornecedor para o consumidor, este como destinatário final.

Se, por exemplo, um comerciante dá a alguém uma fruta colhida em árvore do seu

quintal, essa fruta não será um produto no conceito legal, e a relação que se formou entre os

dois não foi uma relação de consumo, devido à ausência de conteúdo finalístico e de

valoração econômica.

Assim, se o agraciado tiver um prejuízo à sua saúde decorrente daquele gesto do

comerciante, não poderá invocar contra ele o CPDC, pois também nesse caso não se perfez

a relação específica de consumo, podendo valer-se da Lei Civil e Processual para a solução

do fato.

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25

5.1 JURISPRUDÊNCIA

CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR - PRODUTO – CONTRATOS

BANCÁRIOS - CLÁUSULAS ABUSIVAS. O conceito de consumidor, por vezes se amplia,

no CPDC, para proteger quem 'equiparado'. É o caso do art. 29. Para o efeito das práticas

comerciais e da proteção contratual, 'equiparam-se aos consumidores todas as pessoas,

determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas'. O CPDC rege as operações

bancárias, inclusive de mútuo ou de abertura de crédito, pois relações de consumo. O produto

da empresa de banco, é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente consumível, sendo,

portanto, fornecedora; e consumidor o mutuário ou creditado. Sendo os juros o 'preço' pago

pelo consumidor; nula cláusula que preveja alteração unilateral do percentual prévia e

expressamente ajustado pelos figurantes do negócio. Sendo a nulidade prevista no art. 51 do

CPDC, da espécie 'pleno iure', viável o conhecimento e a decretação de ofício, a realizar-se

tanto que evidenciado o vício (art. 146, parágrafo único, do CC). É nula a cláusula que impõe

representante 'para emitir ou avalizar notas promissórias' (art. 51, VIII, do CPDC).

“Objetivando a desconstituição de cláusulas, em homenagem ao princípio da ‘Congruência,

deve a sentença ater-se ao pedido”; Sentença parcialmente reformada (Ap. -193051216, 7ª

Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, Rel. Juiz Antonio

Janyr Dall' Agnol Júnior – j. 19.05.1993).43

O art. 3°, § 2°, do CPDC dispõe que "serviço é qualquer atividade fornecida no

mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira,

de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".

6. SERVIÇOS

43Acórdão publicado na RT 697/173.

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Leciona José Cretella Júnior,44

Assim, conforme Antônio Carlos Efing,

que o serviço pode ser gratuito ou remunerado, só

interessando este ultimo para efeitos da relação de consumo, desde que a atividade penetre no

mercado de trabalho com esse atributo de onerosidade.

Vale ressaltar que o fornecimento de serviços de transporte que, mesmo gratuito, gera

a responsabilidade de indenizar uma vez causado danos ao transportado. Isto porque somente

incidirão as normas do CPDC quando evidenciada a relação de consumo, sendo imperativa

uma investigação para constatar tal fato.

Tratando-se de relação de consumo, aí sim, haverá a obrigação de indenizar, o que

não se evidencia, por exemplo, quando uma pessoa, pedindo carona numa rodovia, recebe a

carona pretendida, gratuitamente (sem remuneração direta ou indireta), vindo posteriormente

a sofrer acidente automobilístico.

A fim de não pairar qualquer dúvida a respeito de eventual conflito de normas entre o

CPDC e o Código Civil vigente (Lei 10.406/2002), o art. 593 do CC/2002 deixa claro que

não fará interferência no CPDC, ao dispor que somente rege a prestação de serviços, quando

não estiver sujeita às leis trabalhistas ou à lei especial (Lei 8.078/1990).

Nesta mesma linha, o CPDC ao referir-se à remuneração, não quer abranger somente

a realizada de maneira direta ao consumidor-fornecedor. Compreende, também, a

remuneração indireta, ou seja, o beneficio comercial advindo de prestação de serviço

aparentemente gratuita, assim como a remuneração embutida em outros custos.

45

44 CRETELLA JÚNIOR, José apud EFING, Antônio Carlos, op. cit., p80. 45 EFING, op. cit., p. 87.

entende-se por remuneração para a

caracterização do serviço sujeito à disciplina da Lei 8.078/90, “a retribuição recebida pelo

fornecedor de forma direta ou indireta, mas que sempre representa um beneficio de ordem

econômica ou financeira.”

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6.1 JURISPRUDÊNCIA

Serviço “remunerado” pode ser “gratuito” para o consumidor final

RESPONSABILIDADE CIVIL – TRANSPORTE – CONTRATO COM A

EMPREGADORA DA VÍTIMA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. O transportador que

celebra contrato com empresa para o transporte de seus empregados não fornece ao

passageiro um transporte gratuito e tem a obrigação de levar a viagem a bom termo,

obrigação que assume com a pessoa que transporta, pouco importando quem forneceu o

numerário para o pagamento da passagem (STJ – Resp 238676/RJ – rel. Min. Ruy Rosado de

Aguiar – j. 08.02.2000).46

46 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno; op. cit., p. 111-112.

7. CONCLUSÃO

A relação de consumo reflete a essência do Código de Proteção e Defesa do

Consumidor e seus princípios básicos – boa fé, vulnerabilidade do consumidor, equilíbrio

contratual, confiança, dentre outros – constituem os direitos fundamentais que traçam as

linhas mestras do ideal a ser seguido.

Todos os direitos previstos no CPDC não esgotam e nem prejudicam aos demais

direitos assegurados ou atribuídos por outras leis, pelos tratados ou pelas convenções que o

Brasil adote ou venha adotar.

O CPDC adotou os princípios das leis comuns, ou seja, as regras que derivem dos usos

e costumes, dos princípios gerais do direito, da analogia e da eqüidade. As relações entre

fornecedores e consumidores têm como base a boa-fé, devendo os direitos básicos dessas

relações serem exercidos e aplicados com harmonia e equilíbrio (art. 4º, I, IV, do CPDC).

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Portanto, a efetividade do equilíbrio da relação de consumo está interligada ao

exercício da cidadania, cujos fundamentos estão no respeito a uma lei de ordem pública e de

interesse social.

Assim, parafraseando Norberto Bobbio,47

47 BOBBIO, op. cit., p. 24.

o grande desafio, atual, referente aos

direitos fundamentais – direito do consumidor, dentre outros - não é tanto o de justificá-los,

mas o de protegê-los.

Dessa forma, é fácil identificar no equilíbrio de tais relações uma profunda coerência

com os preceitos gerais do direito de Ulpiano (jurisconsulto romano): viver honestamente, dar

a cada um o que lhe pertence e não lesar a outrem.

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REFERÊNCIAS

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