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Projeto Memórias Possíveis Entrevistado por Christina Musse e Rosali Maria Nunes Henriques Depoimento de Ismair Zaghetto Juiz de Fora 01/10/2013 Depoimento MAMM_01_Ismair Zaghetto Transcrito por Rogéria Nunes Henriques P/1 Boa tarde Ismair, para a gente começar eu gostaria que o senhor falasse para nós aonde o senhor nasceu, a data do seu nascimento e o seu nome completo. R Bom, meu nome é Ismair Zaghetto, como foi mostrado, eu nasci no bairro de São Mateus, minha família morava no Alto dos Passos, a Rua Moraes e Castro, e eu nasci na maternidade Terezinha de Jesus, hoje ela é lá na Independência, lá perto do Cascatinha, mas naquele tempo era na Rua São Mateus, perto da Rua Padre Café, eu nasci ali, mas foi só o meu nascimento, mais para a zona sul da cidade, porque logo em seguida eu passei a ser mesmo moleque do Centro da cidade, fui criado aqui bem pertinho aqui do MAMM, a ex-reitoria, a Rua São Sebastião, passei toda a minha infância ali. P/1 Em que ano foi isso? A data do seu nascimento. R Trinta de agosto de 1933, tem exatamente duas semanas que eu fiz 80 anos, eu fiz 80 anos dia 30 de agosto de 2013, estou razoavelmente apanhado, não é? Para 80 anos. P/1 O nome do seu pai e da sua mãe, o nome completo. R Meu pai João Zaghetto, sapateiro, que tinha, assim, um imenso orgulho de fazer sapatos a mão, naquele tempo já se começava alguma coisa mais automatizada, meu pai tinha um orgulho imenso de fazer sapatos femininos, sapato Luís XV todo a mão, aquilo era um orgulho imenso para ele. Do meu pai eu herdei sobre tudo o gosto pelo trabalho, papai um homem pobre, talvez do ponto de vista socioeconômico a minha família tivesse contado uma outra história, porque o meu avô, italiano, Camilo Zaghetto, ele teve uma situação econômica muito boa, era praticamente dono de boa parte do Alto dos Passos, para você ter uma ideia, ele tinha uma olaria, falava-se mais olaria, parte cerâmica, onde ele produzia tijolos, telha francesa, foi o primeiro produtor de telha francesa aqui da região, mas o vovô profundamente mão aberta, folgazão, gostava do traguinho dele, reunia nos fins de semana todos os italianos da cidade, que ele pudesse reunir e fazia aquilo a mão abertas, foi esgotando tudo na verdade tem um limite, onde você tira constantemente e não repõe, eu sei que ele acabou, volta ainda a falar do ponto de vista socioeconômico vazio de bolso, sabe? E os filhos desde cedo começaram, mesmo aqueles que trabalhavam com ele, tiveram que buscar outros

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Projeto Memórias Possíveis Entrevistado por Christina Musse e Rosali Maria Nunes Henriques Depoimento de Ismair Zaghetto Juiz de Fora 01/10/2013 Depoimento MAMM_01_Ismair Zaghetto Transcrito por Rogéria Nunes Henriques

P/1 – Boa tarde Ismair, para a gente começar eu gostaria que o senhor falasse

para nós aonde o senhor nasceu, a data do seu nascimento e o seu nome

completo.

R – Bom, meu nome é Ismair Zaghetto, como foi mostrado, eu nasci no bairro

de São Mateus, minha família morava no Alto dos Passos, a Rua Moraes e

Castro, e eu nasci na maternidade Terezinha de Jesus, hoje ela é lá na

Independência, lá perto do Cascatinha, mas naquele tempo era na Rua São

Mateus, perto da Rua Padre Café, eu nasci ali, mas foi só o meu nascimento,

mais para a zona sul da cidade, porque logo em seguida eu passei a ser

mesmo moleque do Centro da cidade, fui criado aqui bem pertinho aqui do

MAMM, a ex-reitoria, a Rua São Sebastião, passei toda a minha infância ali.

P/1 – Em que ano foi isso? A data do seu nascimento.

R – Trinta de agosto de 1933, tem exatamente duas semanas que eu fiz 80

anos, eu fiz 80 anos dia 30 de agosto de 2013, estou razoavelmente apanhado,

não é? Para 80 anos.

P/1 – O nome do seu pai e da sua mãe, o nome completo.

R – Meu pai João Zaghetto, sapateiro, que tinha, assim, um imenso orgulho de

fazer sapatos a mão, naquele tempo já se começava alguma coisa mais

automatizada, meu pai tinha um orgulho imenso de fazer sapatos femininos,

sapato Luís XV todo a mão, aquilo era um orgulho imenso para ele. Do meu pai

eu herdei sobre tudo o gosto pelo trabalho, papai um homem pobre, talvez do

ponto de vista socioeconômico a minha família tivesse contado uma outra

história, porque o meu avô, italiano, Camilo Zaghetto, ele teve uma situação

econômica muito boa, era praticamente dono de boa parte do Alto dos Passos,

para você ter uma ideia, ele tinha uma olaria, falava-se mais olaria, parte

cerâmica, onde ele produzia tijolos, telha francesa, foi o primeiro produtor de

telha francesa aqui da região, mas o vovô profundamente mão aberta,

folgazão, gostava do traguinho dele, reunia nos fins de semana todos os

italianos da cidade, que ele pudesse reunir e fazia aquilo a mão abertas, foi

esgotando tudo na verdade tem um limite, onde você tira constantemente e não

repõe, eu sei que ele acabou, volta ainda a falar do ponto de vista

socioeconômico vazio de bolso, sabe? E os filhos desde cedo começaram,

mesmo aqueles que trabalhavam com ele, tiveram que buscar outros

caminhos, meu pai buscou o caminho da sapataria, meu pai foi um bom

sapateiro, sabre Christina? Um grande sapateiro e um grande trabalhador,

sabe? Eu acho que esse gosto pelo trabalho, eu não consigo ficar parado, eu

herdei não só dele como também da minha mãe. Minha mãe, Maria Moreira

Zaghetto, minha mãe viveu sempre com muita dificuldade, minha mãe perdeu o

pai com três anos e a mãe com seis, órfã, ela foi criada no Colégio Sion de

Petrópolis, mas não na condição de uma família internou lá, ela foi criada

como, digamos, como favor é tanto que a partir de certa altura ela tinha que

trabalhar, ela trabalha lá no Colégio Sion de Petrópolis, para custear a estadia

dela lá. Então, ela sempre trabalho muito, criou a todos nós, eu e mais quatro

irmãos sempre com muita dificuldade, lavou roupa para fora, carreguei muita

roupa para minha mãe. Então, o trabalho, como eu estou dizendo aqui que

herdei do meu pai e da minha mãe, foi sempre uma constante na minha vida.

Eu fui, como eu falei, moleque aqui da Rua São Sebastião, São Sebastião é

pertinho aqui do MAMM, tempo em que eu fiz de tudo que você possa

imaginar, que pudesse produzir algum tido de renda, eu engraxei sapato, eu

carreguei cesta, eu trabalhei em quitanda, essa foi a minha vida de infância,

quando eu fui fazer o curso, estudei, no Grupo Central, fiz o primário, hoje a

denominação já não é mais essa, o ensino fundamental, que agrupa o primário

o antigo ginásio, então, eu fiz o primário no Grupo Central, os grupos centrais,

o da manhã José Rangel, o da tarde Delfim Moreira e o da noite Estevam de

Oliveira, eu estudava de manhã no Grupo Central. Uma boa lembrança que eu

tenho do Grupo Central, tinha que cantar o hino nacional e o hino da cidade

todo o santo dia, eu ficava aflito, ansioso para terminar o cântico ali do hino,

porque os pés doíam no pátio, descalço no pátio do Grupo Central, doido para

entrar para a sala para aquecer um pouco os pés, claro que eu não estou

contando isso como auto piedade, ou trazer algum tipo de simpatia, longe

disso, estou contando uma realidade, até porque os tempos mudaram muito, as

pessoas, eu diria que os pobres hoje são muito menos pobres, hoje há infinitas

oportunidades, que não existiam naquele tempo. Eu sou de um tempo, minha

amiga Christina, em que as oportunidades eram poucas, então, para estudar,

estudar um pouco além do primário na época, eu há pouco tempo eu contei

essa história falando sobre esse meu livro, a biografia de Machado Sobrinho,

eu falo muito sobre Fernando Paiva Mattos, você talvez tenha conhecido, que

foi genro de Machado Sobrinho e foi o diretor da Fundação Educacional

Machado Sobrinho durante muito tempo, uma pessoa muito caridosa, então, eu

contei isso para uma pessoa, em algum lugar que eu estava que assisti uma

cena de uma forma muito especial, uma lavadeira com um menino pela mão,

pedindo o professor Paiva Mattos se podia deixar o filho dela estudar a noite,

porque ele tinha, assim, uma vontade muito grande de estudar, mas que ela

não podia pagar, porque ela não tinha recurso para pagar e ele conseguiu a

bolsa, não se usava essa expressão bolsa não, mas que poderia estudar de

graça, que aquele menino poderia estudar de graça lá, então, esse menino na

mão dessa mulher era exatamente eu. Então, eu já desde cedo eu enfrentei

essa justa posição com a sociedade, entre os que têm mais facilidade e quem

tem menos facilidade, estou justificando isso para falar porque a sociedade

mudou, os pobres de hoje são diferentes dos pobres de ontem. Há pouco

tempo eu encontrei com ex-professor meu de Sociologia da Universidade

Federal, que você certamente conhece, o professor Cruz, já aposentado há

bastante tempo, o Cruz foi um grande professor de Sociologia, eu fiz todas as

Sociologias com ele, eu admiro de mais como professor, ele perguntou assim:

“Zaghetto deixa eu ver se você está afiado: a vida hoje está melhor ou não?” eu

falei: “meu amigo professor, você não me venha com essa pegadinha, a vida

hoje é infinitamente melhor,” a vida melhorou muito, sabe Christina? Por isso

que eu digo que os pobres de hoje não são como os pobres de ontem, mas eu

acho que eu dei um retrato do que foi a minha infância, sabe Christina?

P/1 – Agora eu queria saber um pouquinho mais sobre os seus irmãos, mais

quatros irmãos, o senhor era o mais velho?

R – Eu sou digamos, eu sou o terceiro, a mais velha Isota Zaghetto, ela já

morreu já uns 20 anos, a segunda ainda é viva, ela está com 91 anos, aí vem o

meu irmão, ainda tem um irmão mais velho que eu ainda, Itamar Zaghetto,

sofrendo atualmente, padecendo com o mau de Alzheimer, já não me conhece,

não conhece os filhos, que é o terceiro, aí venho eu Ismair, e tem a caçula, que

morreu, faleceu recentemente, recentemente mais força de expressão, era

mais nova, morreu em novembro do ano passado.

P/1 – O convívio em casa com os irmãos, pai, mãe, mesmo com todas essas

obrigações de ter que trabalhar, ajudar a engraxar sapato, levar trouxa de

roupa da mãe, sobrava tempo para algum tipo de diversão? Qual era a

diversão de vocês?

R – Sobra, era o futebol, nós chamávamos de aterro onde está hoje a sede do

Tupi, na parte baixa da Rua São Sebastião, aquela região era muito diferente

do que é hoje, ali está agrupado hoje Terreirão do Samba, sede do Tupi, ali era

um grande aterro, esse nome aterro vem exatamente do aterro hidráulico, eu

tive a oportunidade de assistir a um aterro hidráulico, onde está a montante a

esquerda, a esquerda do Rio Paraibuna, onde está hoje o Hospital João

Felício, aquele morro ali foi desmontado e trazido por força hidráulica para

essa região, para esse, digamos esse quadrilátero, digamos assim, formado

pelos trilhos da Central do Brasil, Rua São Sebastião, Rua Benjamim Constant,

está dando para fixar? Central do Brasil, São Sebastião, Benjamim Constant e

Avenida Brasil, esse quadrilátero, aquilo era um brejão, era um imenso brejo,

foi desaterrado do lado de lá do rio, e a terra foi transportada hidraulicamente

por uma imensa armação de madeira, compressores pressionavam o morro, o

morro foi desaterrado e passado para lado de cá.

P/1 – Vocês jogam bola aí?

R – Jogamos bola nesse aterro, eu acho que prestamos um bom serviço à

municipalidade de tanta pelada que eu batia ali à tarde, assim que eu me

desculpava das obrigações, aterro, estava eu lá batendo a minha peladinha,

sempre eu gostei muito de futebol. Sempre fui perna-de-pau, eu gostaria muito

de ser bom de bola, mas nunca fui, sabe? Fui um perna-de-pau terrível, nas

peladas eu era o último a ser escolhido, não sei se você conhece a mecânica

de pelada, tem aquele agrupamento assim, os dois melhores batem o par ou

ímpar e começa a escolha: eu quero Pedro, eu quero João, eu quero

Francisco, eu quero o Manoel, o Ismair era o último, porque era muito ruim de

bola, sabe? Magricelo e ruim de bola.

P/1 – Sobrava tempo além da pelada para outro tipo de atividade, assim, que o

senhor já gostasse? Por exemplo, leitura, porque o senhor se transformou num

jornalista?

R – Sobrava, eu sempre li muito, eu digo sempre, eu quando tenho a

oportunidade de falar às vezes falo em escolas estaduais ou municipais sobre

tudo sobre esse meu livro, esse meu livro Itamar e o Bando de Sonhador, me

levou a fazer muitas palestras, eu falou para as professoras a importância de

incutir nas crianças o gosto pela leitura, eu tive uma professora do Grupo

Central, no José Rangel, nos Grupos Centrais, que insistia de forma assim.

(Fim do vídeo 1)

R – De forma assim, quase que obsessiva, leiam, leiam, leiam, vocês só serão

alguém se lerem na vida, só vão escrever se leem, se não tiver nada para ler,

leia jornal que embrulhou compra, que foi para casa, leia. E eu lia tudo que

você podia imaginar e sobretudo gibi, quando tinha oportunidade, ganhava

algum, ou até mesmo comprava, dentro das figurinhas jogar bafinho na rua.

P/1 – Tinha algum herói em especial entre esses heróis de gibi? Algum que

povoava os seus sonhos?

R – Ah! Príncipe Submarino, Capitão Marvel, o Marvel Junior, que isso aí tem

um apelo com a tua alma, porque ele era um pobre jornaleiro e ele só se

transformava em super-herói quando levava um tabefe qualquer ou se via

numa situação delicada de risco, ele se transformava no Marvel Junior. Eu

acho que sobretudo para o garoto pobre, sem muitas oportunidades, a figura

do super-herói é sempre uma forma de descompletar alguma coisa, né,

Christina? Eu acho, eu imagino isso e eu adorava esses super-heróis todos, li

muito X9, era revista policial, o que diferenciava o X9 dos gibis, das várias

formas dos gibis era que os gibis eram ilustrados, e X9 não eram só contos

policiais sem figuras, sem gravuras.

P/1 – E no cinema alguma coisa?

R – Pertinho de casa cinema popular, cinema popular ficava na Avenida

Getúlio Vargas exatamente em frente onde hoje é a Rua Afonso Pinto da Mota,

ali ficava o cinema Popular de propriedade de uma figura que ficaria super

histórica na nossa vida, João Carriço, João Carriço era o dono do cinema

Popular. Então, eu tinha um colega, vizinho lá, que o pai era o porteiro do

cinema, então, quando o senhor Carlos, que Deus o tenha, assisti muito filme

de graça lá. É curioso que a gente lembra de detalhes, parece até piada, mas

só não podia entrar descalço, mas um pé só podia, machucado, eu já entrei

com o sapato de um e o colega com o sapato de outro, até porque a região ali,

era uma região de garoto, não só a minha casa, mas de garotos muitos pobres,

porque do outro lado da rua, morava na Rua São Sebastião, 457, hoje é um

prédio alto, do outro lado da rua era uma avenida de viúvas, mantida pela

sociedade São Vicente de Paula, então os filhos dessa viúvas eram todos

colegas nossos e já naquela ocasião exatamente por essa avenida das viúvas

eu imaginei que, eu passei a perceber que os homens morrem mais cedo.

Passei a perceber que os homens morrem mais cedo, porque eu já naquela

época eu já indagava assim: por que não tem uma avenida de viúvos, tinha vila

de viúva, assistência à viúva, e nada de viúvo, porque os homens partiam mais

cedo mesmo, isso é sociologicamente, estatisticamente comprovado, a luta. Eu

acredito que se avançarmos hoje numa pesquisa sobre livros de mortalidade,

que isso já tenha diferenciado um pouco, porque também mudou muito a vida

da mulher daquela época para agora, a mulher daquele tempo apenas cuidava

da casa, hoje ela tem essa dupla jornada de mãe de família e também

profissional, desde que eu parei com as minhas pesquisas o sociólogo ficou

mais na história, mas até o tempo em que eu desenvolvi muito, isso é uma

coisa bem mais lá na frente, preocupava com mais frequência, estatísticas e

números e levantamentos eu verificava isso, os homens tinham uma vida

menor.

P/1 – E a sua casa? Essa casa na Rua São Sebastião, 457?

R – Era um beco menina, era um beco, oh! Saudade desse beco, saudade até

dos momentos de pavor, porque ele tinha uns 50 metros, uns 60 metros talvez,

entre o portão da rua e a entrada da minha casa lá no fim do beco, onde tinha

mais casas, e de noite era pavoroso, eu não pouca vezes eu bati em casas do

lado ali de amigas das minhas irmãs, colegas das minhas irmãs pedindo que

elas me olhassem entrar em casa, então elas iam lá me olhar: “estou te

olhando Ismair medroso”, enquanto eu corria, porque era escuro, eu tinha que

caminhar desse portão que era exatamente 457 da São Sebastião até na

entrada na minha casa, eu zarrapiava.

P/1 – Tinha medo de quê?

R – Sei lá, da escuridão, depois então que a minha irmã falou que viu a mulher

que morava, que morreu, já tinha morrido, ela falou assim comigo: “eu não

quero te por medo não Ismair, mas ontem eu vi a dona Clarinda” dona Clarinda

já tinha morrido há um ano, eu lembrava da dona Clarinda, que medo

desgraçado. Bons tempos, eu não estou querendo parafrasear o Ataulfo Alves

que eu era feliz e não sabia, eu era feliz e eu acho que com todas essas

dificuldades eu tinha a consciência de que era feliz.

P/2 – Era uma espécie de uma vila esse beco?

R – Não era bem uma vila não, tinha três moradas, sabe? Lá no fundo,

moravam nós e mais duas famílias, eu morei nessa casa desde que eu me

entendi por gente, não nasci lá, nasci no Altos Passos, na Moraes e Castro,

como eu te falei, mas a minha família mudou para lá comigo pequeno, lá

permaneci até o ano de 1962, quando eu mudei para a Rua do Carmelo, aí a

minha vida mudou muito a partir daí. Quando você me perguntar por que é que

mudou muito eu te explico, aquele menino engraxate, carregador de cesta na

feira, carregador de almoço para pessoas que trabalhavam em algum lugar,

levador de marmita, aquele menino que foi entregador da madame Elisabeth,

Elisabeth era uma loja extremamente chique, acho que aqui ninguém lembra

da madame Elisabeth mais, não tem ninguém que vá lembrar, Elisabeth

Modas, Galeria Pio X, 46, eu passei um pedacinho da minha infância como

entregador dessa loja, era uma loja só vendia artigos femininos sobre

encomenda, só mulheres da alta sociedade que comprava lá, e o marido da

madame Elisabeth se tornaria uma figura histórica aqui em Juiz de Fora, o

maestro Max Gifter, primeiro maestro da orquestra filarmônica de Juiz de Fora,

há pouco tempo alguém falando lá na academia juiz-forana de letras, sobre

coisas da cidade falou sobre Max Gifter, falou, falou, falou, quando ele terminou

eu surpreendi falando tanto sobre Max Gifter, quase tanto quando ele, que foi

falar sobre Max Gifter, porque eu vivi parte dessa intimidade dele, porque era

marido da minha patroa, que era dona da loja. Mas esse menino aprendeu o

ofício de serralheiro, esse menino aprendeu a fazer janela de correr, janela de

abrir, janela de fechar, basculante, quando esse menino chamado Ismair

Zaghetto, eu sempre fui muito empreendedor, sabe Christina? Só não tinha

oportunidade, eu criei essa minha oportunidade aprendendo o ofício, e

montando uma pequena oficina, se transformou até numa microempresa.

Então, aí eu já comecei a ganhar o dinheirinho, assumi as contas da casa,

papai já estava aposentado a esta altura, comprei um terreno, comprei um lote

na Rua do Carmelo, 36, aí eu construí uma casa lá, que foi a primeira casa que

eu fiz, e quando eu falo que esse menino empreendedor, Christina, eu lembro

que esse menino acabou que aquela acabou sendo a primeira de 18 casas, é

claro que eu não sou proprietário dessas 18 casas, eu só tenho a casa que eu

moro, mas até chegar na minha casa, na casa que eu moro hoje, Rua do

Carmelo, 115, eu passei por 18 casas que eu fiz antes, cada uma melhor do

que a outra, lugar melhor do que o outro.

P/1 – Mas eram para uso próprio ou não?

R – Para uso próprio.

P/1 – Dezoito casas?

R – Até que finalmente eu comprei um lote na Rua Coronel Vaz de Melo no

Bom Pastor, construí a minha casa, a casa que eu moro hoje ela é

infinitamente diferente da casa que eu construí, depois eu reformei ela toda,

mas essa jornada de tanta casa, eu sei tudo sobre construção, embora não

seja pedreiro e nem engenheiro. Isso mostra também esse lado, que eu

sempre fui empreendedor, porque eu não tive, a pessoa que herda uma coisa,

ou que nasce num lar já solidamente, bem assentado do ponto de vista

socioeconômico, ele não tem tanto essa dificuldade, eu tive que criar esse

lastro, eu para mim ter uma casa própria eu tive que criar esse lastro, o

aprender um ofício, trabalhar e ganhar dinheiro.

P/1 – E o interesse pelo estudo, porque depois fazer uma faculdade, porque o

senhor já tinha, por exemplo, uma certa autonomia inclusive financeira com o

trabalho de serralheiro?

R – Nós vamos chegar lá, eu já era um bom serralheiro e tinha um amigo

advogado, Élcio Valério, depois ele foi promotor em Porteirinha, esse meu

amigo Élcio Valério, ele era redator de esporte do Diário da Tarde, ele falou um

dia, conversando comigo: “Ismair eu vejo que você escreve bem, a gente teve

pouca oportunidade, mas o que eu vejo, você me mostra coisas que você

escreve, você não tinha vontade de escrever para o jornal não?” eu falei: “Isso

seria um sonho para mim Élcio, se eu tivesse essa oportunidade eu gostaria

muito,” contei até ele que quando garoto ainda no grupo escolar, eu fazia

pequeno jornalzinho em casa, duas folhas de papel almaço, eu escrevia um

jornal todo a mão, uma espécie de um jornal da família, então, eu falei: “Élcio

eu tinha muita vontade” ele falou comigo assim: “vamos fazer uma experiência

para ver se você tem, de repente você gostaria mas não tem aptidão, não está

qualificado para isso, você faz uma experiência?” eu falei: “faço” ele falou:

“domingo tem um jogo de futebol lá no Francisco Bernardino, Benfica e

Bonsucesso, jogo de futebol amador, Benfica e Bonsucesso, você vai lá

assiste, anota e volta encontra comigo na redação do Diário da Tarde,” que era

na Rua Halfeld. A redação do Diário da Tarde era na Rua Halfeld esquina com

Batista de Oliveira, onde está hoje a Drogaria Dia e Noite embaixo, em cima eu

não me lembro o que é hoje, nem sei se tem alguma coisa ali por cima, eu

passo sempre embaixo não me lembro de olhar para cima ali, embaixo onde

hoje é a Drogaria Dia e Noite, tinha uma loja chamada Ao Jardim das Noivas,

só vendia coisas, artigos de noivas, em cima era a redação do Diário Mercantil

e do Diário da Tarde.

P/1 – Que ano isso Ismair?

R – Isso em 1960. Eu atingi esse desafio, que era também uma oportunidade

imensa, imagina! Alguém que lutou dos mais diferentes modos, ter aquela

oportunidade e eu fui.

(Fim do vídeo 2)

R – Assisti o jogo e voltei e como o Élcio Valério já estava esperando lá às seis

horas da tarde, lusco fusco da tarde, ele falou senta ali, mostrou uma mesa lá,

tem laudas de papel lá em cima da mesa, você escreve o que você viu do jogo.

Aí eu escrevi, quando eu acabei de escrever ele me mandou entregar aquilo

que eu acabei de escrever, ele falou: “eu não quero ver não, você vai entregar

aquele homem ali, lá no fim” tinha um homem lá gordo, óculos no nariz assim,

eu estava longe de imaginar que eu ia travar contato com a pessoa que seria,

assim, de uma importância capital na história de Juiz de Fora, Paulino de

Oliveira, o cara que primeiro escreveu a história de Juiz de Fora, ainda hoje

muito compulsada, me tornei, o tempo me fez tornar muito amigo do Paulino de

Oliveira e foi assim o grande incentivo, porque eu entreguei e sentei lá perto do

Élcio Valério conversando de olho lá no Paulino, Paulino baixou os óculos,

quando o Paulino acabou ele levantou os óculos: “psiu, vem cá” eu fui lá com

medo, sabe? Ali, como diz o outro, não passava nem um grãozinho de açúcar

cristal, ele falou assim: “rapaz, você sabe escrever” foi exatamente assim,

Rosali, “rapaz, você sabe escrever, você sabe que escrever é uma arte?”

Paulino de Oliveira falou isso comigo, “escrever é uma arte, você tem essa arte

dentro de você” falou comigo assim, agora, já apontando para o Élcio Valério,

“se ele for te dar mais incumbência eu vou te falar uma coisa eu só nunca mais

emendo matéria sua,” ele falou assim: “escrita à mão, a mão nunca mais” aí

que eu fui saber depois, que eu fui talvez uma das últimas pessoas a escrever

alguma coisa manuscrito, sem ser datilografado, aí o Élcio Valério virou para

mim e falou: “pois é nós estamos aí,” “que bom”, ”aliás, não é surpresa

nenhuma para mim, você escreve muito bem Ismair, precisávamos de um teste

igual a esse que fizemos aqui agora, agora isso te trás um problema, eu vou

querer que domingo você assiste outro jogo, faça a mesma matéria, mas você

acabou de ouvir o homem falar, escrita a mão ele não emenda mais, quer

dizer, você só vai ter oportunidade se escrever a máquina”. Eu acho que eu

sempre gostei também de desafio, sabe Christina? Porque eu falei com ele

assim: “Élcio, como é que eu faço, como que eu vou fazer? Se eu for aprender”

naquela ocasião tinha uma ou mais Escola Remington, exatamente com esse,

nome de máquina de escrever, Escola Remington, ainda que eu fosse para um

lugar desse eu não vou aprender escrever em uma semana, ele falou: “Ismair,

você faz o seguinte, você vai lá para a casa eu tenho mais uma máquina lá

bate lá” e viu lá uma mesa do jornal “você se vier para cá à tarde, depois de

quatro horas, vem antes não que está tudo ocupado, depois as pessoas vão

terminando aí você pode também” minha amiga Christina, eu não aprendi a

escrever datilograficamente não, mas aprendi a fazer uma matéria ali com dois

dedos, com dedo médio da mão direita e da mão esquerda, vício que

atravessou a minha vida, me transformei num datilógrafo espetacular, uma

velocidade imensa sempre com dois dedos, como até hoje eu utilizo o

computador com dois dedos apenas, esse vício ficou. Eu fiz a matéria do outro

jogo que ele me indicou, e quando eu entrei a matéria a ele no outro domingo,

ele falou: “agora nós vamos ampliar um pouco Ismair, você já vai vim de tarde

aqui, você tem tempo?” eu falei: “tenho, eu trabalho até uma certa hora e venho

para cá” eu já vislumbrei ali um outro mundo “então você vem umas cinco e

meia para cá e faz matérias, eu venho de noite aqui, dez e meia, 11 horas olho

tudo que você escreveu, vejo o que a gente aproveita”. Ali eu comecei a contar

história do campeonato amador, e vai nisso, Christina, um orgulho muito

grande, porque você percebe que é um início muito de início mesmo, para

quem chegou a ser editor geral desse jornal e do Diário Mercantil. O Diário da

Tarde tinha uma outra, o Diário da Tarde esses jornais digamos “nanicos” que

nós temos hoje, nós vemos muito em banca, que são feitos, principalmente, do

Rio de Janeiro, a gente lembra muito o Diário da Tarde, matou a mulher a tiro,

degolou a criança, esse era o Diário da Tarde, em justa posição, em contra

posição ao Diário Mercantil, que era um jornal conservador. Eu passei, assim,

um bom tempo imaginando quando é que eu alcançaria o estágio de fazer uma

matéria para o Diário Mercantil, sabe? O Diário Mercantil era um jornal que

todo mundo assinava em Juiz de Fora, todo mundo assinava, eu já em fim de

carreira, eu às vezes observava entregador de Diário Mercantil de manhã, em

ruas e bairros, como por exemplo, Bom Pastor, como o bairro Santa Helena, e

outros bairros um pouco socialmente um pouco mais avançado, praticamente

era rara a casa que o entregador não entregava, quase tanto quanto a Tribuna

de Minas hoje, eu não conheço essa realidade da Tribuna, mas provavelmente

isso mesmo.

P/1 – E o Diário da Tarde era lido por quem nessa época? Como que era a

distribuição? Quem lia?

R – Isso é interessante, essa indagação, porque o Diário da Tarde não tinha

assinante, o Diário da Tarde era exclusivamente venda avulsa, e os jornaleiros

não vendiam em banca também não, o Diário Mercantil tinha assinante e era

vendido em banca, o Diário da Tarde a venda dele se fazia, a venda avulsa

dele se fazia através de jornaleiros que apregoavam, que faz bem lembrar,

esse arquétipo que todos nós temos de jornaleiros de filmes do cinema

americano, dos meninos gritando manchetes, esse era o tipo de venda do

Diário da Tarde, jornal muito popular, extremamente popular.

P/1 – Popular era essa mistura de polícia, esporte?

R – Basicamente polícia e esporte, tinha pouca coisa de política, só o essencial

mesmo. O Diário Mercantil não, o Diário Mercantil fazia bem o estilo da Tribuna

de Minas hoje, mas não tanto, era mais conservador ainda, tanto que

raramente o Diário Mercantil tinha manchetes locais, essa foi uma coisa que,

foi uma modesta contribuição que a gente trabalhou muito nisso, para se

transformar efetivamente num jornal local. O Diário Mercantil as manchetes

principais dele cobria bem a cidade, mas as manchetes principais dele eram

manchetes nacionais, internacionais do tempo da guerra.

P/1 – Como que foi a sua trajetória? Você começou em 1960 convidado para

cobrir os jogos que aconteciam finais de semana...

R – Futebol amador.

P/1 – Futebol amador, depois você foi começando a cobrir, você recebia um

salário mensal? Tinha um horário de trabalho?

R – Isso levou algum tempo, menina, levou por aí por um ou dois anos até que

eu passasse a receber alguma coisa. O chefe geral do esporte do jornal, era

uma outra figura histórica do jornalismo de Juiz de Fora, Arides Braga, você

conheceu Arides? A senhora dele dona Maria José Fortes Braga está aí até

hoje, mãe do Laerte Braga, que tem um dos belos textos de Juiz de Fora. Ali

comecei a minha rota em pouco tempo, porque eu escrevia bem, desculpe a

falta de modéstia, mas eu escrevia realmente bem, tanto para época, como

modestamente acho que ainda escrevo hoje, não levou muito tempo para que

eu começasse a cobrir esporte profissional.

(Fim do vídeo 3)

R – Digamos profissional entre aspas, nós tínhamos na primeira divisão de

futebol nós tínhamos três times, Tupi, Tupinambás e Sport, dos quais só resta

o Tupi, disputando, como clube taí o Tupinambás, o Sport, Sport que estão

tentando por sinal transformar a arquibancada, onde está a arquibancada do

Sport, o campo, transformar em um shopping, tenho acompanhado isso no

Tribuna. Então, comecei a trabalhar também futebol profissional, nem tão

profissional, mas chamava de primeira divisão, ali não foi difícil, nem levou

muito tempo para que eu começasse a escrever sobre outras coisas que não o

esporte, nisso aí contribuiu muito um grande amigo que eu tive, já falecido

Nello Gervason, que era o redator chefe do Diário da Tarde, ele: “Zaghetto

começa a fazer alguma coisa aí,” ele me dava uma materiazinha para fazer,

nessa altura já catando, eu já escrevia, já fazia a máquina, aí dessa altura a

redação do Diário Mercantil, Diário da Tarde mudou para a Rio Branco.

P/1 – Isso quando?

R – Rio Branco, 1906, exatamente em frente ao Excelsior, você apanhou a

redação ali Christina? Você é muito menina para ter apanhado.

P/1 – Mas eu conheci a redação ali, mas isso foi em que ano em que eles

mudaram?

R – Isso aí nos anos 70 por aí.

P/1 – Então, durante todos os anos 60...

R – Foi no início dos anos 60, o que está me fazendo lembrar que foi no início

dos anos 60, porque quando o golpe militar o jornal já funcionava na Rio

Branco, eu já não era repórter de esporte não nessa altura, eu estava lá do

lado do General Mourão Filho, quando ele assinou, eu estava longe, mas

aquilo ali era uma coisa tão trágica, manifestou colocando as tropas em regime

revolucionário, que então os detentores do golpe responsável por este,

chamava de revolução democrática.

P/1 – Como é que foi esse episódio? Você consegue se lembrar o que é que

aconteceu na véspera do golpe? Dia 30, ou no dia 31, dia primeiro de abril,

você acompanhou isso de perto?

R – Acompanhei um pouco, Christina, estava muito tenso, o clima na cidade

pesado, porque aqui nós tínhamos uma liderança sindical forte, representada

pelo Clodesmidt Riani, que felizmente está aí, vivo até hoje com os seus 90 e

qualquer coisa, que a meu exemplo, caiu também a semana passada numa rua

aí, isso eu vi na Tribuna de Minas, machucou. E ele era o presidente da CGT,

deram um nome mais revolucionário, Comando Geral dos Trabalhadores, que

agregava, uma espécie de CUT da época, vários sindicatos. Então, Juiz de

Fora estava muito tensa, Juiz de Fora recebeu Miguel Arraes uma semana ou

duas antes do golpe, Miguel Arraes era inimigo terrível da chamada revolução

democrática, porque era ali uma liderança popular lá do nordeste, Miguel

Arraes veio aqui saudado pelo Mello Reis, que era presidente do DCE, olha

como as coisas se entrelaçam, eu estava longe de imaginar, que pelas mãos

dele eu ia ser secretário de cultura da cidade. Então, a vinda do Miguel Arraes

foi muito, tinha veículos militares na porta do Cinema Popular, palestra do

Miguel Arraes, uns caras estranhos já tirando fotografia das pessoas, a coisa

estava caminhando para o 64. Eu naquela semana fiz uma entrevista com

Magalhães Pinto em Belo Horizonte, enviado aqui pelo jornal, ele que foi

chamado na época do comandante civil da revolução, depois seria um dos,

esses processos muito fortes eles são autofágicos, a exemplo de ___ e de

tantos outros lá, Robespierre acabam vítimas do mesmo processo. Então, o

clima era muito tenso, no dia 31 de março, então, o golpe, né, e a gente estava

longe de imaginar que duraria tanto tempo, né, Christina. Aí, nós jornalistas, eu

fui ver o que é uma redação, ter um censor dentro dela, nós trabalhamos ali na

redação da Avenida Rio Branco com o Segundo Tenente, rapaz muito jovem,

muito moço, devia ter saído de aspirante há pouco tempo, as matérias

passavam por ele, as matérias para descer para a oficina do Diário Mercantil

tinha que ter a assinatura dele, e não tinha como se tentar qualquer outra

coisa, até porque a própria direção do jornal também amedrontada, ou

conservador não tinha nenhum lance audacioso de fazer qualquer coisa fora

dos ditames. Aí, nós passamos a viver um momento muito opresso, o clima

pesado.

P/1 – Isso começou logo após o golpe essa presença de um oficial militar do

Exército Brasileiro dentro da redação?

R – Começou logo após o golpe.

P/1 – E isso permaneceu até...

R – Permaneceu um bom tempo, depois o sistema criou um método ainda mais

cruel, Christina, passou a tarefa de censor para o editor geral do jornal, imagina

como a autocensura passou a funcionar, porque o sujeito ficava com medo, aí

desapareceu a figura do censor, o jornal se responsabilizou na figura do

redator chefe, esse nome editor veio pouco depois, o redator chefe se

responsabilizava pelo que o jornal fazia, e o Diário Mercantil, o Diário da Tarde

pela própria natureza dele não se aventurava a nenhum outro gesto. Juiz de

Fora sempre foi uma cidade, apesar dos lampejos que ocorrem, os lampejos

ocasionais, mais situados em figuras brilhantes de determinados momentos,

mas ela é conservadora no seu modo de ser.

P/1 – Ismair, nessa época você não era mais apenas um repórter apenas do

Diário da Tarde e não apenas de esportes...

R – Esporte eu não trabalhava mais, aí a parte do Mário Helênio, que você

conheceu, o próprio Arides Braga, nesta altura essa pessoa que me levou para

o jornal, Élcio Valério, já tinha ido embora, porque como eu disse ele era

advogado, fez um concurso para promotor, coitado viveu pouco como

promotor, porque ele comprou um carro, segunda ou terceira vez que ele

comprou teve um acidente e morreu, ficou em coma, ficou um morto-vivo, viveu

ainda no estado vegetativo por quase 20 anos, eu ia visita-lo em Belo

Horizonte, onde ele morava, ele já residia lá quando era promotor e teve esse

acidente, e eu visitava lá, o alimento era colocado por sonda, ele ainda viveu

muito tempo, a mulher dele uma santa de paciência, até que ele partisse. Bom,

aí, Christina.

P/1 – Eu queria muito saber como era essa redação? Como é que ela

funcionava essa redação?

R – Essa redação, Christina, eu adoro falar para repórter, sabe por quê? Eu

digo assim, se vocês conhecem alguma redação do jornal hoje, esquece tudo,

não tem nada a ver com aquela redação, aquela redação toda é cantada por

Nelson Rodrigues nas suas crônicas, aquela redação boêmia, do fim de noite,

do papo, da saideira do botequim do lado, aquela redação romântica, alegre,

boêmia essa era a redação daquele tempo. Depois eu acabaria, nessa altura já

fazendo matéria para o Diário Mercantil, Diário da Tarde, nesse meio tempo

quem era o diretor geral Renato Dias Filho, esse você não conheceu, né? Ele

entrou a Belo Horizonte a direção dos diários associados locais, é bom lembrar

que Diário Mercantil e Diário da Tarde pertencia a uma cadeia nacional, uma

cadeia nacional chamada Diários e Associados, era uma instituição tão

vigorosa, que eu diria que se você pudesse fazer uma avaliação daquela época

com hoje, era uma organização com tanto poder quanto tem hoje uma

instituição como a Globo, Diários Associados era um negócio, assim, imenso,

grande, e Diário Mercantil e Diário da Tarde e a Rádio PRB3, hoje Rádio Solar,

pertencia a organização nossa que chamava Diários e Emissoras Associados,

você chegou pegar esse nome aqui, Christina?

P/1 – Peguei, quando eu vim para cá ainda tinha Diário Mercantil.

R – Desculpe essa insistência, você pegou? Você pegou? Você é tão menina,

eu acho tão estranho. Então, nessa altura eu já fazia matéria também para o

Diário Mercantil, um dia o senhor Renato Dias Filho, que era diretor geral desse

conglomerado entregou a Belo Horizonte, por qualquer razão ele achou,

entregou para Belo Horizonte. Então, Belo Horizonte mandava, recebíamos

aqui diretor geral senhor Octávio Alckmin, foi um deles, Vandeli Pinheiro

Alvarenga foi outro, Antônio Soares foi outro, um deles José Octávio Alckmin,

eu era repórter do Diário Mercantil ele me chamou no gabinete dele e falou:

“Ismair eu vou te entregar a editoria do Diário da Tarde, editoria geral, você

aceita? Eu quero fazer uma recomposição no Diário Mercantil e quero levar o

editor geral do Diário da Tarde para o Diário Mercantil para coordenar essa

área de cidade, política e economia, vou levar o Eloísio Furtado”, falecido,

saudoso, amigo do coração, falo com muita saudade do meu amigo, você

conheceu o Eloísio? Eloísio Furtado, grande alma, que acabaria sendo depois

sendo editor geral do Tribuna de Minas. Então, o Eloísio Furtado foi para a

editoria de cidade do Diário Mercantil e eu assumi a editoria do Diário da Tarde,

editoria geral do Diário da Tarde. E eu passei um sufoco no meu primeiro dia,

porque o Diário da Tarde não tinha essa organização estrutural de uma

redação de jornal, era um bando de jovens entusiasmados, ótimos, mas assim

folgazões, boêmios, e isso era uma sexta-feira, o primeiro dia que eu editei o

jornal.

P/1 – De que ano?

R – De 1975, 74, era uma sexta-feira, eu fui em casa jantar, lanchar, jantar,

quando eu voltei eu encontrei minha mesa repleta, entulhada de matéria até

em cima, quase que me sufocando, sabe? Quem era de esporte, quem era de,

aí eu tive uma grande tarefa minha, foi uma modesta contribuição que deu, foi

estabelecer editorias, todo mundo fazia tudo, sabe? No Diário da Tarde. Então,

aí criamos as editorias, editoria de cidade, editoria de política, porque o Diário

da Tarde era uma espécie de patinho feio, chegou até num determinado ponto

de ter uma certa animosidade dentro da redação, entre quem trabalhava no

Diário Mercantil e Diário da Tarde, eu lutei muito para terminar, gente estamos

todo mundo ganhando pão aqui na mesma casa, se o Diário Mercantil for bem,

tudo bem, Diário da Tarde, todo mundo lucra com isso etc., etc. E nesse meio

tempo...

(Fim do vídeo 4)

R – O jornalista já começava ter outras ambições, por volta dos anos 70, de

1970, pouco mais ou pouco menos, eu consegui o meu registro de jornalista

profissional, uma das juntas militares que presidia o Brasil, um decreto lá criava

essa figura do jornalista profissional, ainda como parte do instrumento de

acreditação do jornalista formado em faculdade, para que aquele jornalista que

não tivesse formação universitária, a formação dos cursos de comunicação,

deu essa oportunidade a quem já escrevia há cinco anos e comprovasse com

matérias escritas por cinco anos, que obteria do Ministério do Trabalho o

certificado de jornalista, nesta altura eu já tinha providenciado tinha matéria até

de mais de cinco anos, tinha matéria de muito tempo, mais de dez anos. Já

tinha uma vida totalmente ligada à vida jornalística, 1967 eu assumi a

presidência do sindicato de jornalistas num momento muito complicado, porque

o golpe militar estava muito aceso, para se ter uma ideia do que era um

sindicato de jornalista naquela época, você não podia mais reunir não, você

para ter uma reunião de diretoria você tinha que fazer um ofício para o

Ministério do Trabalho pedindo autorização para reunir o sindicato e nesse

ofício pedindo autorização você tinha que especificar os assuntos, a pauta da

reunião não podia ter assuntos gerais, a primeira saída que todo mundo

arrumou para driblar o cerco político opressor policial da época, eleição disso,

designação disso etc., b, c, d, e, f, assuntos gerais, não podia ter assuntos

gerais. Eu tentei bem, um dos primeiros pedidos de reunião eu coloquei um

item assuntos gerais, eu fui chamado lá no Ministério do Trabalho e pediram

que eu refizesse o pedido e depois você tinha que mostrar a ata da reunião,

sabe? Foi um negócio muito complicado, tão complicado, Christina e Rosali,

que toda essa atrocidade que advém de uma ditadura militar ela toda foi feita

sem que nada fosse escrito, você não encontra numa redação de jornal

nenhum embargo de matéria escrito, nenhuma orientação, não há nenhuma

orientação. Quando morreu, aí eu já era editor de jornal, no domingo em que

morreu o Juscelino Kubitschek eles telefonaram da polícia federal: “Zaghetto...”

vocês que são jovens prestem atenção nisso “Zaghetto a morte do Juscelino só

pode ser dada com meia emoção” só pode ser dada com meia emoção, nessa

altura dirigia a polícia federal em Juiz de Fora um cidadão que deixou saudade

pela bondade dele, sabe? Como é que era o nome dele? Cabeleira branca,

sem nenhuma lembrança da minha, porque a cabeleira dele era bonita, não era

esse capacete meu aqui não, vou lembrar o nome dele daqui a pouco, ele era

poeta, graças a Deus veio para cá um policial que tinha uma alma

extremamente sensível, eu que só recebia sempre telefonema: olha não pode

dar isso, não pode dar aquilo, não pode dar aquilo outro, isso já era todo dia,

olha notícia lá de ameaça de greve não pode ser dada, essa aí eu me rebelei

um pouco, passei a mão no paletó corri lá na polícia federal, como eu já tinha

uma certa intimidade com esse cidadão eu vou lembrar o nome daqui a pouco,

falei: “meu amigo você vai ter que me dar uma aula,” já entrei direto na sala

dele, a polícia federal hoje tem uma delegacia, mas era na galeria do edifício

Sálvia, esse edifício é na Rio Branco onde na esquina tem a Flamingo, Banca

do Vasco, é lá no fundo, Galeria Sálvia, Galeria Carmelo Sirimarco, acho que é

ali também no fundo da Carmelo Sirimarco, era lá no fundo da Carmelo

Simarco, perto de onde funcionou também colado a sociedade de Belas Artes

Antônio Parreiras, entrei direto lá, falei: “meu amigo você vai me dar uma aula,

eu vou sentar aqui” imagina se eu falasse isso em 64, é que eu tinha uma certa

intimidade, “você vai ter que me ensinar como é que dosa emoção, eu acabei

de receber o telefonema da sua secretária dizendo que a morte do Juscelino

Kubitschek tem que ser dada com meia emoção, eu quero aprende, vai ser,

apesar de eu ser uma cara que não sou muito jovem, mas eu quero aprender

como que se dosa emoção, vou ser um cara super bajulado, um cara que

aprende a dosar emoção, imagina!” “Oh! Zaghetto você, o que é que eu vou

fazer com você meu filho! Você sabe o que quis dizer você tem que segurar a

mão” “então escreve” “Zaghetto, você já recebeu alguma coisa escrita lá?”

como ninguém desse Brasil do Oiapoque ao Chuí não tem um, quando eu me

vejo diante de matérias sobre esse assunto eu me debruço, porque eu vivi isso,

não há um papel, Christina, isso foi do ponto de vista deles, um planejamento

de gênio, se proibiu tudo, mas sem nunca escrever qualquer coisa censurando

ou proibindo, foi uma manchete: morre JK e a notícia pura e simples. Mas aí

como eu falei que o engraxate, que o entregador, o serralheiro depois jornalista

foi sempre empreendedor e ambicioso, eu passei a me sentir, isso foi um

sentimento muito curioso para a época, aquela ideia de ser um profissional de

segunda classe, sabe? Eu apaziguei muitos ânimos dentro de redação, porque

tinha todo um contingente remanescente do tempo em que jornalismo não se

formava profissionais em jornalismo, em Juiz de Fora isso era recente até

então, começou com a Fafile, isso mesmo a Fafile já tinha, eu tenho amigos

formados na Fafile, vou te falar o nome famoso pelo fato de depois ser mulher

de um Presidente da República, Ana Elisa Surerus Franco, jornalista formada

na Fafile, depois que a Facom, Faculdade de Comunicação, veio todo naquele

processo de criação da universidade etc. etc. e eu diria, Christina, que pouca

gente conhece tanto intestinamente a universidade federal como eu conheço.

P/1 – Agora essa velha geração de jornalistas e a nova geração que a partir

dos anos 60 passou a invadir as redações ouve algum tipo, vamos dizer,

disputa de território? Estranhamento?

R – Certamente, falar que não ouve uma disputa de território é uma tolice, é

mascarar a realidade, ainda que isso não fosse ostensivo, mas isso era latente,

isso viveu, e aquela coisa apaziguando disputa dentro de redação: “eu sei

escrever, como é que você vai aprender a escrever num curso?” coisa dessa

natureza, aliás, de certo modo é uma discussão, não uma disputa, uma

discussão que não se encerrou, alguns veículos ainda admitem profissionais

sem a exigência, Folha de São Paulo e a Veja eram duas publicações que eu vi

matéria falando sobre isso nesses próprios veículos, no fundo tudo uma tolice

muito grande, sabe, Christina? Mas retomando se sentia um profissional de

segunda classe, eu senti que me cairia bem um curso universitário, sentia

necessidade, sempre pensei, por conhecer, por descobrir, sobretudo conhecer,

e a sociologia já fazia os meus devaneios, eu fui conhecer uma socióloga até

com alguma intimidade assim, uma boa amizade com ela, eu me lembro que

falei isso com ela no gabinete do Itamar Franco, chefe do gabinete do Itamar

Maria Andrea Loyola, você conheceu Maria Andrea? Maria Andrea Rios Loyola,

eu sempre troquei Rios e Loyola, nesse livro que eu escrevi sobre Itamar e um

bando de sonhadores eu cheguei a trocar o Rios com o Loyola, a posição,

quem prefaciou o livro para mim e que também foi companheira nossa nessa

época até me chamou a atenção.

(Fim do vídeo 5)

R – Me chamou atenção para esse detalhe, que eu estava invertendo o nome

da Maria Andrea, mas foi assim digamos a primeira... Lucy Brandão, esposa do

professor Murilo Hingel, que prefaciou esse livro para mim, ela então me

chamou atenção para isso, e eu me lembro que eu falei isso para Maria

Andrea: “Maria Andrea você é a primeira socióloga que eu converso, vejo muito

falar em sociologia, gostaria muito de conhecer melhor o mundo que a gente

vive,” e ela me incentivou muito a fazer o curso de Sociologia. E aí, em 1970

trabalhando em jornal fiz o vestibular para a universidade, vestibular

imensamente disputado e eu fiquei muito feliz, porque eu fui o terceiro colocado

de uma turma de 40 alunos, fui o terceiro colocado no vestibular e o primeiro

em todo o ICHL, que hoje não tem o ‘L’ mais, a melhor redação, a nota mais

alta em redação. Ali começava a surgir o sociólogo, as aulas na universidade

eram de manhã e eventualmente tinha alguma matéria a tarde, e a tarde eu

trabalhava no jornal. Na universidade eu fui conhecer uma outra figura que ia

fazer assim parte muito próxima da minha vida, porque os quatro anos do

curso, aliás, duas pessoas, mas uma muito popular, os quatro anos do curso

eu o levei cada dia de aula, eu e o Paulo Delgado, ex-deputado Paulo Delgado,

toda a manhã, estava tentando lembrar aqui a rua do Paulo Delgado, Rua Belo

Horizonte, toda a manhã eu desci, subia Bom Pastor entrava em São Mateus

pegava a Rua Cândido Tostes ia lá em cima pegar o Paulinho, de lá já entrava

lá por cima e ia para a universidade, só que o período era maior, hoje nós

vamos a Universidade Federal vamos de um modo geral vamos pelo trevo da

Independência, mas não tinha o trevo ainda, o trevo veio depois, o trevo é

posterior. Eu se você pegou o tempo que só passava pelo Cristo, nessa altura

tinha um fusquinha, um fusquinha importado alemão caixa seca, quando ele

morria na subida do Cristo ele só saía em primeira, era um desastre, sabe,

Christina? Então, cheguei a universidade já bem mais maduro, então eu era o

coroa da universidade, o Paulino Delgado já não muito atrás, porque o

Paulinho Delgado tinha passado por vários cursos que ele não concluiu Direito

é um deles, História é outro, até que ele também se encontrou na Sociologia. E

o Paulinho Delgado até hoje conta casos, assim, muito interessantes, ele

contou um publicamente: em 2005 eu me filiei ao PT, a inscrição foi assim um

pouco festiva, não pela minha importância é que junto comigo tinha pessoas

mais importantes incluindo a ex-reitora Margarida Salomão, que naquele dia

também estava se inscrevendo no PT, outros professores da universidade e o

Paulinho Delgado saudando os novos integrantes do partido ele falou assim:

“pois é esta aí o meu amigo Zaghetto, que até não sei quando eu tive que ouvir

do meu pai, quando falava muita coisa em casa meu pai meu pai falava comigo

assim: ‘você está com essa história toda aí rapaz, se não fosse aquele seu

amigo do fusquinha branco você não tinha se formado’” ele estava se referindo

as caronas diárias e a imensa amizade que me une ao Paulinho, sabe? Nós

fizemos cada matéria, não só as matérias obrigatórias, como as matérias

opcionais isso inclui entre as matérias opcionais, do outro lado do campus da

universidade que é a Faculdade de Educação, onde está hoje ali a Faculdade

de Direito, Faculdade de Educação continua lá, então nós fazíamos matérias lá

no então ICHL e tínhamos que atravessar o outro lado, falava-se outro lado

com uma, até porque era meio escuro e como tinha matérias mais tarde, hoje o

campus é totalmente diferente, lá faria grandes amizades também lá na

Faculdade de Educação, fazendo as matérias de didática, porque eu não só fiz

bacharelado, como fiz também a licenciatura, porque eu tinha já planejado

coisas na licenciatura, era importante para mim.

P/1 – Antes de entrar na sua vida como professor eu queria saber alguns

outros detalhes da sua vida na redação. Rotina de repórter nos anos 60, como

é que era? Vocês faziam matéria a pé? Iam com fotógrafo?

R – Christina você está me fazendo lembrar de coisas terríveis, menina, com

essa pergunta, eu quando encontro com Jorge Curi, que vocês conhecem

muito bem, nós damos boas gargalhadas, porque uma das últimas matérias

que nós fizemos, nós fomos de bonde, Christina, fomos de bonde, depois o

jornal cresceu tinha muito veículo.

P/1 – Conta um pouquinho essa rotina do bonde aí. Como é que era isso?

R – Pega um bonde no Parque Halfeld, a redação já era na Rio Branco, fomos

lá entrevistar alguém lá na fábrica São Vicente, que é hoje onde está lá o

Bahamas, mas cujo o imóvel ainda pertence a Fábrica São Vicente,

Companhia Fiação e Tecelagem São Vicente, que loca o espaço lá, mas fomos

lá entrevistar qualquer coisa relacionada com ausência de matéria-prima.

Então, quando eu encontro hoje com Jorge Curi e conversamos, nós falamos:

“Jorge pouca gente pode se dar ao privilégio de falar que foi fazer uma

reportagem de bonde” nós tivemos esse privilégio.

P/1 – E a relação que vocês tinham com os gráficos?

R – A redação de certo modo, eu acho que a rotina de algum tipo de rotina

permaneceu, como por exemplo, o repórter fazer três matérias, essa foi a rotina

que nós estabelecemos como razoável lá ainda no Diário Mercantil, Diário da

Tarde.

P/1 – O repórter ia para a rua mesmo, não ficava apurando só pela redação

não né? Ia para a rua, gastava a sola de sapato.

R – Esse aconchego de sentar não, você tinha que ir, ninguém dava entrevista

pelo telefone também não, era muito difícil, a não ser que a pessoa te

conhecesse muito e a sociedade mudou muito, né Christina? Juiz de Fora, não

apenas Juiz de Fora, mas a sociedade como um todo, nós estamos falando de

um tempo de Juiz de Fora com 250 mil habitantes, eu quando converso com

companheiros nossos desse tempo na prefeitura, não estamos falando sobre

isso aqui, vê como mudou a cidade, falávamos de uma cidade de 250 mil

habitantes, hoje nós falamos de uma cidade que tem uma população oficial de

pouco menos que 600 mil, mas que provavelmente tem uma população

flutuante de um milhão, quem quiser comprovar isso vai no shopping, vai no

Carrefour olhar placa de carro, eu tenho muita, esse é um vício que ficou do

pesquisador de olhar placa de carro, ver como é grande a população flutuante

de Juiz de Fora.

P/1 – Uma cidade de 250 mil habitantes como é que vocês preenchiam tantas

páginas de jornal? Onde é que vocês encontrava material de pauta para todos

os dias colocar novidade?

R – Pois é Christina, o tempo também era muito menos profissional do que

hoje, tanto que até que você tivesse, até que a faculdade, hoje Facom, até que

a universidade pudesse produzir tantos jornalistas, os jornalistas eram

jornalistas, digamos assim, bem diletantes, o jornalista era advogado, era

professor, era advogado, até médico, já teve trabalhando na redação.

P/1 – Até serralheiro.

R – Até serralheiro, isso mesmo.

P/1 – Quando que você deixou a atividade de serralheiro?

R – A atividade de serralheria ela ficou para trás, essa é uma boa indagação,

porque ela marca uma outra coisa na minha vida, definitivamente por volta de

67, 68, não antes, ela ficou para trás em 65, em 65 eu passei a serralheria para

o meu irmão, coitado, que hoje eu já mencionei ele aqui o meu irmão Itamar,

meu querido irmão Itamar, sofrendo do mau de Alzheimer e ele continuou, no

meu tempo a partir daí já era todo consagrado ao jornal. Então, esse tempo de

editor de Diário Mercantil, Diário da Tarde, mesmo como editor do Diário da

Tarde eu fazia matéria também para o Diário Mercantil, houve um tempo que

os editoriais do Diário Mercantil eram feitos por três pessoas, três pessoas

faziam os editoriais tinha escala, sabe? Eu estou tentando lembrar aqui do

terceiro, mas dois eram eu e o senhor Cid que revezávamos, tinha o terceiro

Ivan Cavalieri, Ivan Cavalieri que foi editor geral do Diário Mercantil, professor

da Facom, não era Facom? O curso de comunicação ele foi nômade, eu a

distância eu acompanhava muito pelos amigos e companheiros e por cobrir,

uma das incumbências que eu tinha como repórter do Diário Mercantil era

cobrir a Universidade Federal, então, por isso que quando eu falo que conheço

bem a história da universidade, porque eu estava presente quando o Juscelino

assinou a lei criando a Universidade Federal, quando ela foi instalada, eu fiz a

entrevista com o primeiro reitor, essa entrevista esse ano está rendendo muito,

Moacyr Borges de Matos, que Deus o tenha, o meu ex-companheiro de

conselho, Museu Mariano Procópio, que nós até pouco tempo antes da morte

dele, lembrávamos da primeira entrevista que ele deu como primeiro reitor da

Universidade Federal, porque toda Universidade Federal de Juiz de Fora, no

seu aspecto administrativo era apenas uma sala no Edifício Banco Mineiro da

Produção, Rua Halfeld, 440, cedida pelo governador Magalhães Pinto a Juiz de

Fora para que sediasse a Universidade Federal, o professor Moacyr estava

naquele momento ele estava enfrentando aquela problemática de agrupar as

unidades, a Fafile foi um embrião do ICHL, tanto que o primeiro diretor do ICHL

foi exatamente o professor Cruz, que eu já mencionei nessa entrevista aqui,

que veio, lecionava na Fafile, como lecionava na Fafile também o professor

Juracy Neves, diretor da Esdeva, e que foi o meu professor de Antropologia,

uma ocasião numa solenidade: “vocês estão percebendo que eu estou

mencionando aqui o professor Juracy chamando, quando toda a cidade chama

só de doutor Juracy e que eu insisto em chamar de professor, porque na

verdade ele foi meu professor, mas para não imaginem que o Juracy seja muito

mais velho do que eu fui tarde para a universidade” ele riu e lembra disso até

hoje com muito bom humor.

(Fim do vídeo 6)

R – Então, eu e o professor Moacyr Borges de Matos lembrávamos muito

nessa primeira entrevista quando toda a universidade no seu aparato

administrativo funcionava numa sala. E a universidade começou, assim, com

muito entusiasmo o professor Moacyr falava: “essa vai ser uma das grandes

universidades do país Zaghetto,” exatamente por ser o responsável pela

cobertura, tudo que se relacionasse a universidade era eu quem produzia, há

muitos sonhos que ele tinha para a universidade, e essa entrevista eu estou

dizendo que ela está rendendo muito, rendendo, assim, no sentido de uma

alegria muito grande, poder hoje tantos anos depois está transmitindo para

jovens, eu já dei provavelmente umas 20 entrevistas para alunos e pessoas

que estão fazendo trabalho, monografias etc. etc. especificamente sobre essa

entrevista com o professor Moacyr Borges de Matos, nesse ano do centenário

dele, do centenário de nascimento, que foi agora em setembro. Houve uma

solenidade muito bonita aqui no MAMM, na sede do MAMM.

P/1 – Eu tenho que te perguntar qual foi o grande furo que você deu na sua

vida? Você teve um furo, uma matéria daquelas assim que abriu manchete,

que causou?

R – Eu fiz uma matéria, que como eu disse, os Diários Associados eram a

Globo da época, era uma cadeia de cento e tantos jornais, o que diferenciou o

dono dos Diários Associados e o dono da Globo era que o outro era muito

idealista, e o que cá, eu não estou falando que ele não seja idealista, ele foi

empresário, Roberto Marinho foi empresário. Então, a cadeia associada ela se

compunha de cento e tantos jornais, todas as capitais, Juiz de Fora tem coisas

curiosas, era a única cidade não capital que tinha um órgão dos Diários

Associados, era Juiz de Fora, em todo o Brasil só Juiz de Fora tinha órgãos

dos Diários Associados, aliás, há coisas aqui que só existem fora de capitais, o

que é que eu vou lembra? O que é que pode me lembrar? O espaço cultural

dos Correios, há pouco tempo tomando lá um cafezinho lá com aquela menina

que veio dirigir aqui ela me falava exatamente isso, que a única cidade não

capital que o Correio tem um espaço cultural é Juiz de Fora, então, Juiz de

Fora tem essas coisas, por isso que Juiz de Fora é uma cidade muito singular,

nós temos coisas aqui, quando a gente passar se é que vai passar por outras

coisas, falar dessa singularidade de Juiz de Fora, você vê, por exemplo,

nessas tantas singularidades as três figuras mais importantes na história de

Juiz de Fora, da grande história, temos outros, dezenas de outros importantes,

mas os três grandes nomes da história de Juiz de Fora, que são Bernardo

Mascarenhas, Henrique Halfeld e Mariano Procópio Ferreira Lage não eram de

Juiz de Fora, nas singularidades, Mariano Procópio era da região de

Barbacena, Barbacena, mas aquela região do Alto do Rio Doce, Bernardo

Mascarenhas eletricidade, União Indústria etc. etc. era de Curvelo, natural de

Curvelo, e o terceiro Halfeld alemão, engenheiro alemão, veio contratado pelo

governo brasileiro para balizar o Rio São Francisco, esse cara acabou hoje

sendo hoje o fundador de Juiz de Fora, olha as singularidades Rosali que Juiz

de Fora tem, esses três monumentos da nossa grande história não são daqui.

Às vezes as pessoas me perguntam: Ismair você insiste muito que Juiz de Fora

é conservadora, então aí me leva a falar nessas singularidades, porque ela

teve em determinados momentos figuras tais que nos projetaram, assim,

imensamente, duas dessas figuras eu as servi, o Itamar Franco, que foi

Presidente da República fui amigo íntimo de Itamar, e o Mello Reis que acabou

deixando uma obra muito boa do ponto de vista da metropolização de Juiz de

Fora, através de quem eu seria, receberia a incumbência de implantar a

Funalfa. Então, quando me levam a falar nessas singularidades eu busco as

origens de Juiz de Fora, busco as singularidades lá nas origens, no tempo em

que o grande passo, no tempo em que a arte predominava, a arte só

predominaria de forma intensa, de forma histórica, de forma influente se ela

fosse barroca aqui em Minas Gerais, Juiz de Fora simplesmente deu as costa

para o Barroco e foi para o litoral, é mesmo, demos as costas para o Barroco

no tempo, nós não temos nada de Barroco, podemos ter alguma coisa aí

excepcional, temos aí talvez uma meia dúzia de expressões barrocas, mas por

que? Aí vem mais uma singularidade em cima de singularidade, nós tínhamos

como ir para o litoral, porque tínhamos a União Indústria, que um gênio

extraordinário de um Mariano Procópio Ferreira Lage fez com macadame,

pouca gente se dá conta de que não foi só a primeira rodovia pavimentada do

Brasil não, da América Latina é a primeira rodovia pavimentada da América

Latina, uma dessas singularidades tínhamos o trem de ferro, estrada de ferro

Dom Pedro II. Então, Juiz de Fora tinha uma vocação cosmopolita, não nos

interessava por qualquer razão o Barroco, nos interessava o litoral, daí os

‘cariocas do brejo’, tão bem trabalhado no livro aí pela nossa Cristininha, que

foi minha repórter, ela não aposentou ainda não né? Cristina tanto quanto você

é muito menina, a Cristininha fez história comigo dentro do Diário da Tarde,

porque eu me rebelava, rebelava é uma expressão muito forte, eu não me

rebelo contra nada, eu achava até quase que injusto tolamente, ingenuamente

injusto o Diário Mercantil ter um suplemento, e teve um suplemento bom viu

Christina, suplemento literário, era bom literário do Diário Mercantil era muito

bom, e o Diário da Tarde só porque, aí era a minha guerrinha particular dentro

da redação para ter, eu consegui convencer a diretoria a fazer o suplemento,

então o Diário da Tarde criou o suplemento e eu entreguei essa tarefa à

Cristina, Cristina Brandão, a Cristininha, boa amiga, grande companheira de

redação, Christina, Tuca, Malu, Malu mulher do Cacá, ambos jornalistas, todos

daquela época, Eloísio Furtado, o Carlos Henrique Ângelo, o grande, que

depois foi secretário de estado da comunicação em Rondônia, no estado de

Rondônia, foi o período. O suplemento foi rodado ainda por dois ou três anos,

aí eu já não participei da história dele ter encerrado a vida dele, desse

suplemento, que circulava as segundas-feiras, era um suplemento de quatro

páginas com matérias de cultura artística, matérias especiais.

P/1 – Qual foi o grande furo?

R – Pois é o grande furo, eu rodei, rodei e não te respondi. Então eu comecei a

falar do grande furo quando ia lembrar que a cadeia era tão grande, eu vou

lembrar um outro detalhe daqui a pouco que é interessante para esse papo

nosso, de como era grande e importante a cadeia. Eu descobri aqui, por acaso,

eu não sei porque alguém me levou no pátio ali da Estação do Mariano

Procópio, ali para dentro era cheio de pátios, cheio de galhos de trens, alguém

me falou: “tem um vagão lá muito curioso, vale a pena você ver” alguém me

falou sabendo que eu era repórter eu fui lá Christina, era o vagão do imperador,

descobri o vagão do imperador, o imperador quando viajava na estrada de ferro

e que tinha o nome dele, Estrada de Ferro Dom Pedro II, com a queda da

monarquia é que mudou para Central do Brasil, era deslumbrante. Eu fiz uma

reportagem para o Diário Mercantil para o suplemento literário do Diário

Mercantil, e os Diários Associados tinha agência meridional que fazia o

entrelaçamento entre todos os jornais da cadeia dos Diários Associados, que

tinha uma matéria de interesse nacional, mandava para a agência nacional, a

meridional, a meridional distribuía, e eu mandei essa reportagem do vagão do

imperador, então essa reportagem do vagão do imperador ela foi publicada em

todo o Brasil essa matéria, eu até um certo tempo eu guardava os recortes de

jornal, eu tinha tudo isso, então aquilo me dava assim muito entusiasmo de

lembrar que eu fiz uma matéria que foi lida em Pernambuco, foi lida em

Manaus, foi lida no Rio de Janeiro, e foi condensada para uma matéria e citada

com crédito para Seleções do Reader’s Digest, fiz muitas matérias boas, mas

digamos assim uma matéria que ultrapassasse, deixasse as fronteiras do

município eu acho que foi essa Christina, o vagão do imperador, sabe? Todo

de cetim, lindo, tinha dormitório, espécie de sala de jantar, escarradeira.

P/1 – E algum museu ficou com esse vagão? Restaurou? Você sabe?

R – Pois é eu tinha muita vontade de saber onde está esse vagão, tai uma

pauta interessante, levantar o arquivo. Aliás, o arquivo do Diário Mercantil e do

Diário da Tarde essa é uma boa notícia, Christina, as coleções estão em ótimo

estado, atualmente elas estão no arquivo público, lá na Avenida Sete, o arquivo

público municipal, eu para esse livro do Itamar e do Machado Sobrinho, não do

Machado Sobrinho tentando...

P/1 – Vamos falar dos livros. Tem que falar dos livros.

R – Eu tive que confirmar algumas informações eu fui e fiquei muito feliz,

porque aquelas coleções, como todo historiador se preocupava muito com o

destino delas, medo de, por exemplo, com a venda do jornal ou encerramento

das atividades se aquilo fosse vendido, mas elas estão guardadas. Quando eu

fui Secretário de Cultura, que no caso aqui em Juiz de Fora corresponde a ser

Superintendente da Funalfa, eu tentei comprar essas coleções, fui em Belo

Horizonte conversar Camilo da Costa, que era o diretor geral do Diários

Associados de Minas Gerais, eu falei: “doutor Camilo eu vir aqui como

superintendente da Fundação de Cultura de Juiz de Fora, em nome do prefeito

manifestar o nosso interesse em comprar essas coleções, nós queremos

manter essas coleções na Biblioteca Municipal de Juiz de Fora,” ele não

vendeu não, depois, isso é coisas de bastidores, eu soube que comentaram

dessa forma em Belo Horizonte de forma assim até um pouco cruel: “esse cara

aí ele é amigo do Juracy, ele quer comprar essas coleções para passar para o

Juracy Neves” olha que tolice, pessoa a distância e sem nenhum

conhecimento, mas felizmente passou alguém por lá de bom senso, essas

coleções vieram para Juiz de Fora, vieram através da TV Alterosa, que eu acho

que ainda pertence ao Diários e Associados, ela é o SBT de Minas Gerais e

pertence ainda ao Diários e Associados, tiveram aqui as coleções e daqui, eu

não acredito que tenha sido compradas, eu acredito que tenha sido doadas à

prefeitura, eu fiquei muito feliz, e aconteceu até um fato muito engraçado.

P/1 – Você poderia então falar dos livros Ismair? Contando aí, tem o primeiro

que foi do Machado Sobrinho, que é uma biografia. Né?

(Fim do vídeo 7)

R – Estou preocupado, não estou preso em nada não né.

(Fim do vídeo 8)

P/1 – Ismair nós queríamos saber um pouco sobre a história dos seus livros,

porque todo jornalista no fundo é um escritor, você sempre teve isso na sua

alma desde a época do colégio, depois normalista, você também foi normalista,

né?

R – Pois é muito curiosa a minha passagem pelo que nós chamávamos

segundo grau, a minha formação do segundo grau foi muito curiosa, enquanto

todo mundo fazia científico, de modo geral científico, clássico, alguns poucos

clássicos, eu tentei fazer curso normal, mas foi uma dificuldade para fazer

curso normal, porque eu tentei me matricular no colégio São José, que tinha

um curso normal extraordinário, era tradicionalíssimo, muita gente, professoras

antigas formadas no colégio São José. Então, fui lá matricular com o meu

documento de primeiro grau, a secretária não aceitou ela falou: “eu não posso,

o senhor me desculpa eu não posso matricular o senhor, porque o senhor é

homem, o curso normal só é feito por mulheres” eu falei: “minha jovem a lei

especifica isso?” eu falei com ela: “isso é puramente uma convenção” falei com

ela: “tanto que no Rio de Janeiro 60%” eu fui lá bem armado “60% dos

professores da rede pública são homens, aqui por questões culturais,

eminentemente culturais as professoras do curso primário são mulheres”, mas

ela falou assim: “de todo modo eu não posso, mas dada a sua insistência eu

vou levar isso para a diretoria, amanhã o senhor volta aqui nesse mesmo

horário cinco e meia, seis horas da tarde” nessa altura eu já tinha colocado

para ela assim em termos um pouco mais incisivos se a lei determinava isso,

então, acho que ela conversando lá com a diretoria ficaram um pouco, então

cheguei lá cinco e meia da tarde, a direção autorizou que o senhor faça o curso

normal, então era eu e 39 mulheres, foi muito curioso. Então, eu me formei no

curso normal, a minha formação antes do terceiro grau, minha formação de

segundo grau é uma formação de magistério, e aí a mulher falou: “mas por que

é que o senhor que fazer? Nós temos aqui clássico, temos científico, por que é

que o senhor não faz?” eu falei: “porque eu pretendo lecionar, minha senhora,

pretendo lecionar e já quero fazer o segundo grau onde tem matérias ligadas a

área pedagógica, só por isso”, mas felizmente autorizaram. E ainda voltando, aí

só um detalhe, voltando lá ainda na impressa ainda, quando eu falei da rede

grande dos Diários Associados, que os Diários Associados era a Rede Globo

daquela época, ela era tão importante, Chateaubriand talvez tenha sido na

época dele, para o contexto da época, se pudéssemos aquilatar mais

importante que foi Roberto Marinho, para se ter uma ideia Chateaubriand não

levava mala, ele corria, visitava as unidades sucursais dos inúmeros jornais

dele e a cidade que ele fosse visitar é que se incumbia de comprar pijama para

ele, simplesmente não levava mala, então eu vi o Chateaubriand uma vez e via

as aflições do senhor Renato Dias Filho com mais as auxiliares dele lá da área

administrativa sobre tudo a Joana D’Arc Amaral, que vem a ser irmã da

Imaculada que é secretária do Cabelinho, correndo lá durante o dia para

comprar o pijama, imaginando e telefonando: “que número tem que ser o

pijama?” porque o Chateaubriand vinha a Juiz de Fora visitar o Diário Mercantil.

Olha! Só para se ter uma ideia da grandeza, ele tinha isso com ele não levava

mala, e quando eu falo que ele foi menos empresário, foi mais idealista do que

o Roberto Marinho, é porque ele desenvolvia as campanhas dele eram

campanhas comunitárias, a campanha, por exemplo, dos cafés finos, o Brasil

ganhou uma outra dimensão no mundo exportado de café, graças a ele, a

campanha dos cafés finos, porque produzíamos um café de baixa qualidade,

era um cara virado. A campanha dos aeroclubes, o Brasil precisa voar mais, ter

mais aviões essa imensidão continental, o nosso aeroclube é uma das

heranças dessa preocupação que ele tinha com a comunidade. Esses dois

adendos que eu queria fazer. Falando sobre os livros, bom! Eu escrevi três

livros, na verdade eu escrevi o quarto, está na forma, dois ligados à área

memorialística, que é a biografia do Machado Sobrinho, Machado Sobrinho foi

um cara fantástico para a época dele, e nesse livro aqui eu conto coisas

curiosas sobre Juiz de Fora, da época, o mundo fabuloso que ele viveu, ele

viveu em dois mundos fabulosos, é um dos capítulos aqui desse livro, que é

Vassouras e Juiz de Fora. Vassouras, Christina, tem uma história fantástica,

ninguém imagina, nós passamos aqui indo para São Paulo ou para aquela

região ali do estado do Rio, passamos aqui na rodovia RJ não sei que número

que é, e vemos aquelas palmeirinhas, aquilo ali é um repositório de história

brasileira fantástico, era o mundo dos barões do café, o Brasil respirava

Vassouras, uma coisa que repercutisse lá no Rio Grande do Sul, Pernambuco

etc. etc. a pergunta que se fazia: Vassouras sabe disso? Não perguntava sobre

lá na sede, porque os barões do café, a imensidão econômica, a força cultura,

política de Vassouras, que era um povo extremamente orgulhoso, era um tipo

de fluminense espremido entre paulistas e cariocas e que não dava bola para

nenhum dos dois, porque ninguém viveu mais a sombra da família imperial do

que Vassouras. Então, é nesse mundo curioso que Machado Sobrinho viveu,

onde ele nasceu, Juiz de Fora que ele adotou como meu segundo berço, ele

falava isso com muito orgulho, e eu achei que Juiz de Fora precisava conhecer

um pouco mais de Machado Sobrinho. Em 2009, por ocasião do centenário de

fundação do colégio Machado Sobrinho, hoje Fundação Educacional Machado

Sobrinho, eu lancei esse livro, exatamente outubro de 2009. Itamar Franco,

outro livro na área de memória, Itamar Franco dispensa apresentação, mas há

muitas coisas que Juiz de Fora desconhece sobre Itamar Franco que eu

imaginei que era importante falar sobre isso, eu tenho um amigo, está aí até

hoje, Ivan Vaz de Melo, que foi secretário de saúde de Itamar Franco, ele

falava: “Ismair que você escreve, você tem que escrever isso, porque quando

nós morrermos ninguém vai saber disso,” então, eu conto muita coisa aqui que

eu acho que realmente no dia que eu partir se isso aqui não ficar eternizado

muita gente provavelmente iria desconhecer, como o azarão que foi o Itamar

ter ganho a eleição de 1967, ter sido pioneiro de fazer pesquisa de intensão de

voto, há uma Juiz de Fora, eu falo isso aqui nesse livro, acho que digamos,

com propriedade, que há uma Juiz de Fora antes e uma outra Juiz de Fora

depois de Itamar Franco. Eu achei que já era o tempo de eu tentar ficção, sabe,

Christina? Nesse meio tempo foram acontecendo as coisas em 2001 o convite

para ingressar na Academia de Letras, Academia Juiz-forana de Letras, na

verdade o segundo convite, o primeiro eu tive que recusar por razões simples

de se explicar, o fundador da Academia Juiz-forana de Letras o professor

Wilson de Lima Bastos me convidou para ingressar na academia, por conta da

criação dessa academia criou-se uma outra academia, Academia Manchester

de Letras, então o presidente lá da outra academia não sei se sabendo ou não

me convidou também, há uma palavra minha amiga Rosali, que raramente

povoa o meu vocabulário a palavra ‘não’ sabe? Raramente povoa o meu

vocabulário, eu estou sempre pronto, nunca falo não, então, para não falar não

eu preferi não entrar, não aceitei o convido do professor Wilson de Lima Bastos

para entrar para a academia, quando da fundação dela, aí em 2001 já

professor Wilson de Lima Bastos morto, já há algum tempo, também sociólogo

e professor, veio o segundo convite então da academia, e dessa vez eu deixei

de lado esses aspectos, porque já não havia convite também simultâneo de

mais alguém, eu ingressei na academia de letras, em 2001. Então, eu achei

que estava na hora, depois de lidar só com realidade, sempre lidei com

realidade escrevendo, como jornalista, como memorialista, estava na hora de

tentar uma ficção, até porque alguns dos contos que fazem parte dessa

coletânea eu já os tinha mostrado na academia de letras, dois deles eu contei,

eu li o conto lá na academia, e recebi assim, muito incentivo no sentido de

transforma isso, de torna-lo palatável o acesso a mais pessoas, então, eu tentei

a ficção além desses dois contos, eu escrevi mais 13 contos, fiz essa coletânea

aqui foi lançado ano passado, num momento, assim, muito dolorido para mim,

porque essa minha irmã a caçula do grupo tinha falecido, todo o lançamento já

preparado, no dia do lançamento desse livro aqui a Ilva Maria Zaghetto, lá

embaixo aqui no saguão aqui do prédio do MAMM eu não sabia se agradecia

as pessoas por estarem ali no lançamento do livro ou se ainda agradecia por

dois dias antes ter estado no sepultamento dela, sabe? Eu não tinha como

cancelar, até porque o pró-reitor de cultura, até então, o professor José Alberto,

ele tomou a si a incumbência de não só de franquear o espaço aqui, como

oferecer um coquetel, a impressão dos convites, não tinha como, se fosse uma

coisa ainda para iniciar a preparação eu não tinha condições emocionais para

fazer uma coisa dessa natureza, mas não tinha jeito. Então, saiu a ficção, e os

comentários sobre os contos foram assim muito bons, é uma sensação muito

agradável as pessoas comentarem com você sobre personalidade, sobre

personagens das suas histórias, então, conversam comigo, falam muito que

gostaram da professora Márcia, gostou de dona coisa, de fulano, sicrano, isso

me animou a tentar uma ficção de um curso um pouco maior, que é um

romance, e eu fiz esse romance ‘O Almirante e a Bailarina’ é o título do

romance, duas pessoas o leram, mas não suspeitos para falar, porque é a

minha mulher e a minha filha, acharam muito bom, mas eu quero crer que ele

tenha algum valor, realmente o romance, porque ele passou no primeiro

estágio Lei Murilo Mendes desse ano e nós sabemos que esse primeiro estágio

é feito por pessoas alheias ao processo da cidade, eventualmente profissionais

contratados para esse mister, então, eu quero crer que tenha, e se tudo correr

bem ou até o fim desse ano, ou talvez no primeiro semestre do ano que vem já

estaremos lançando, sabe, Christina? ‘O Almirante e a Bailarina’ seria no caso

o nosso quarto livro, a segunda ficção e o primeiro romance, vamos ver até

aonde a gente chega, né, Christina?

P/1 – Ismair acho que a gente já vai finalizando, mas antes de finalizar eu só

queria que você lembrasse, você é casado há quanto anos? Nome da sua

esposa?

R – Eu sou casado com Esmeralda de Assis Zaghetto, na intimidade da família

ela é chamada por Dadinha, eu a conheci em 1955 na festa de São Pedro, na

Grama, onde eu fui tocar, olha! Eu também sou músico, uma das coisas que eu

lamento foi ter parado de tocar, hoje não tem como você retomar, há duas

coisas no músico, pelo menos no músico de sopro que ele não pode parar,

quem toca trompete, trombone, estou falando dos instrumentos bocais como

era o sax tenor, que era o instrumento que eu tocava na banda, banda de

música e orquestra, eu não devia ter parado, sabe? Porque você perde duas

coisas: você perde a embocadura, embocadura é o calejamento dos lábios e

outro é a capacidade torácica do exercício, eu toquei música, fui músico de

banda de música, que história controvertida, né?

(Fim do vídeo 9)

R – Então eu conheci lá na festa de São Pedro, eu fui lá como músico, ela foi

como cantora da igreja, cantava em coro de igreja, nos casamos um ano e

meio depois, dia cinco de janeiro de 1957. Aí, nasceram, aí veio pela

sequência, Jane a filha mais velha, veio em seguida a Eliane, a Jane é

funcionária do estado, está em processo de aposentadoria, ter filho

aposentando é uma parada, eu tenho uma amiga que bateu na filha dela,

porque teve um filho e ela passou a qualidade de avó, para você ter uma ideia,

deixa para lá. Aí, veio a Eliane, a Eliane é professora de educação física

também formada aqui na universidade federal, leciona numa das escolas

públicas da cidade, aí vem a Denise de Assis Zaghetto, que é produtora

cultural, foi colunista da Tribuna, está administrando um site que ela está

fazendo atualmente, do qual ela está esperando que eu tenha uma brecha para

fazer uma crônica semanal, e por fim o Vinícius, que provavelmente talvez

vocês conheçam, porque o Vinícius é muito ligado ao meio, Vinícius é

publicitário, formado em Administração de Empresas, se apaixonou pelo

mundo do marketing e se transformou num grande diretor de criação,

premiado, ele tem prêmios no estado, tem prêmios nacionais, todas essas

capas aqui foram criadas por ele, e quando eu mostro essa capa aqui, tem uma

outra história essa foto com Procópio Ferreira, mas não dá nem para contar,

porque é muita coisa, o sentido aqui é outro. Tenho sete netos, três filhos da

filha mais velha, da Jane, que é a Roberta, a Melina e o Ramon, que é o caçula

da minha filha; a minha segunda filha tem duas filhas: Suzana e Clarice,

Suzana formada em Administração de Empresas, Clarice fazendo Direito na

federal. Então são sete netos, desses netos aqui que é a Melina, filha da Jane

tem dois filhos, que são os dois bisnetos que eu tenho: Fernando e Laura, por

sinal nesse momento ambos com catapora, a Melina, que é coordenadora da

Alma Viva, está maluca para cuidar das crianças, eu falei: “minha filha isso é

doença infantil, isso é vacina, minha filha.”

P/1 – Faltaram dois netos, mas depois eu pergunto a conta, mas acho bom

fazer a última pergunta, né, Rosali?

P/2 – A gente faz uma pergunta no Museu da Pessoa que é: se o senhor

pudesse mudar uma coisa na sua vida o senhor mudaria? E se o senhor ainda

tem algum sonho para ser realizado?

R – Sonhos, minha filha, eu tenho muitos, até porque eu tenho uma filosofia de

vida Rosali muito vivo, um sonho muito vivo, é uma concepção muito viva de

vida, eu acho que nós morremos a partir do instante que você deixa de sonhar,

eu estou esperando para lançar um livro agora, está sempre, você é

doutoranda está concluindo, assim é a vida de todos nós, nós morremos no

instante em que deixamos de sonhar. Mas não mudaria não, eu agradeço a

Deus muito, eu quando amanheço eu agradeço a Deus por duas coisas, uma

por estar vivo, e outra por ter a família que eu tenho, que é um suporte, a

família ela tem na sociedade uma função extraordinária, tão importante e o que

é mais importante na nossa vida são aquelas coisas que a gente presta menos

atenção, como o ar que nós respiramos, por exemplo, mas quase sempre nós

nos demos conta de que a família é o primeiro grupo social de que a gente

participa. Eu sempre lembrei muito isso para os meus alunos, primeiro os

alunos iniciantes de Sociologia e de Antropologia, que eu lecionou por um bom

tempo também, é isso aí.

P/2 – A gente queria agradecer. Muito obrigada.

R – Eu que agradeço, minha filha, eu acho que tudo que se relaciona a

Universidade Federal ela me toca muito, exatamente, estou remontando ali o

professor Moacyr Borges de Matos, ainda agora, longe de tudo, ainda tem um

compromisso de uma vez por mês ir ao campus da Universidade Federal, aliás,

depois de amanhã é dia, dia três de outubro, que são as reuniões do Comitê de

Ética e Pesquisa Humana, do qual eu faço parte, já faço parte há dois anos.

Esse convite me alegrou muito, pode parecer, mas eu estou dizendo isso com

toda sinceridade, o que me agrada muito é ser um trabalho voluntário,

exatamente por ser um comitê de ética os seus membros não são

remunerados, e é trabalhoso ser membro do comitê de ética da Universidade

Federal, do comitê de ética e pesquisa, por que é que é trabalhoso? Não é por

causa da reunião mensal, é porque cada membro é relator de três projetos

mensais, engraçado, mas isso não tem nada a ver com a entrevista aqui. Eu

nem sei se quando a Edelvais, você conhece a professora Edelvais? Grande

alma, era coordenadora do curso de psicologia é uma londrinense fabulosa,

quando ela me fez esse convite ela me falou duas coisas, eu brinco muito com

ela quando encontro com ela, raramente agora, porque ela não é mais a

coordenadora, ela me falou que tinha que relatar esse processo e que isso

demanda conhecimento de computador, foi bom que eu aprendi mil coisas para

poder ser relator de processo do comitê, e só aceitei, e aceitei com muita

alegria por ser não remunerado, eu acho que eu pertenço a tantas instituições.

Eu tenho um amigo que já tem uma visão um pouco mais mercantilista da vida,

ele fala assim: “você se entrega, você já com 80 anos, reunião da academia de

letras, reunião do conselho do museu, reunião da cidade, você não ganha nada

para isso?” “mas você está esquecendo uma coisa meu amigo, a força

emocional de se ver comunidade” sem falsa modéstia, eu faço isso com muita

alegria, o que é voluntário para a comunidade. Ainda hoje mesmo eu levantei

cinco e meia da manhã, como levanto todos os dias, mas hoje especificamente,

porque é dia que eu vou para uma das coisas que eu criei também, que é o

café da manhã para a população de rua do grupo de estudo espírita Garcia,

então eu ia me sentir muito mal se eu falasse nisso aqui, num dia que eu não

fui nesse trabalho, que eu já não vou com a mesma frequência que eu ia, até

porque eu já criei isso a muito tempo e o tempo foi passando, aí vem tombos,

vem doença. Eu que agradeço a oportunidade, mais uma oportunidade que a

universidade me deu, obrigado.