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REGULAR PARA O TRT – ANALISTA E TÉCNICO Disciplina: Direito Administrativo Tema: Aula 02 Prof.: Alexandre Mazza Data: 30/07/2008 - 1 – Índice do Material A – A EFICÁCIA NEGATIVA DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA E SUA APLICAÇÃO COMO UM FATOR LIMITATIVO AO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA. UMA ANÁLISE DO ART. 54 DA LEI Nº 9784/99 B - EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL C - O NEPOTISMO A – A EFICÁCIA NEGATIVA DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA E SUA APLICAÇÃO COMO UM FATOR LIMITATIVO AO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA. UMA ANÁLISE DO ART. 54 DA LEI Nº 9784/99 Flávio Romero de Oliveira Castro Lessa Analista Judiciário na Justiça Federal em Vitória (ES). Graduado em Direito e em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Espírito Santo. Especialista em Direito Público pelas Faculdades Integra- das de Vitória (FDV). RESUMO Busca investigar o princípio da proteção à confiança dos particulares nos atos emanados do Poder Pú- blico, tendo por escopo o exercício da função administrativa. Delimita o conteúdo jurídico do princípio da proteção à confiança e seu âmbito de aplicação, aprofundando-o sob a perspectiva da possibilidade de manutenção no ordenamento jurídico de atos administrativos reconhecidamente inválidos. Correla- ciona o princípio da proteção à confiança com o princípio constitucional da legalidade administrativa (autotutela administrativa), e também com a segurança jurídica e com a noção de Estado de Direito. O método de abordagem utilizado é o dedutivo, tendo por base a análise das regras e princípios constitu- cionais referentes ao tema, além dos diplomas legais pertinentes, em específico, o artigo 54 da lei 9784/99. Identifica os três precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal em que se pres- tigiou a aplicação do princípio da proteção à confiança em detrimento de outros princípios, dentre eles, o da legalidade. Analisa o artigo 54 da lei n º 9784/99 sob o enfoque da necessidade de estabilização das relações jurídicas criadas administrativamente, em limitação ao exercício da autotutela administra- tiva. Reconhece que, no referido dispositivo legal, o legislador efetivou uma ponderação em abstrato, conciliando dois princípios constitucionais (princípio da legalidade administrativa e princípio da proteção à confiança). Sistematiza os requisitos que qualificam uma expectativa como legítima e apta a ensejar a aplicação do princípio da proteção à confiança em favor do particular. Conclui pela possibilidade de, com base em tais requisitos, se preservar os efeitos de atos administrativos ampliativos de direitos, ainda que originariamente inválidos. Conclui, ainda, ser inviável, sob um rigor constitucional, a utiliza- ção da teoria do fato consumado como fundamento à manutenção dos efeitos do ato viciado. Palavras-chave: Segurança jurídica. Proteção à confiança. Boa-fé. Autotutela administrativa. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A SEGURANÇA JURÍDICA E A LEGALIDADE COMO VALORES ESSENCI- AIS PARA O ESTADO DE DIREITO. 3 O CONTEÚDO JURÍDICO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFI- ANÇA E SUA GÊNESE CONSTITUCIONAL. 3.1 A EFICÁCIA NEGATIVA (DEVER DE ABSTENÇÃO) E A EFI- CÁCIA POSITIVA (DEVER DE AÇÃO) DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA.3.2 PROTEÇÃO À CONFIANÇA NAS RELAÇÕES ENTRE O PODER PÚBLICO E OS PARTICULARES. 3.3 A GÊNESE CONSTI- TUCIONAL DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA. 3.3.1 A ascensão e o reconhecimento da nor- matividade dos princípios. 3.3.2 O princípio da proteção à confiança e sua gênese constitucional. 4 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA E SUA APLICAÇÃO COMO FATOR LIMITATIVO À AUTOTUTELA

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REGULAR PARA O TRT – ANALISTA E TÉCNICO Disciplina: Direito Administrativo Tema: Aula 02 Prof.: Alexandre Mazza Data: 30/07/2008

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Índice do Material A – A EFICÁCIA NEGATIVA DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA E SUA APLICAÇÃO COMO UM FATOR LIMITATIVO AO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA. UMA ANÁLISE DO ART. 54 DA LEI Nº 9784/99 B - EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

C - O NEPOTISMO

A – A EFICÁCIA NEGATIVA DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA E SUA APLICAÇÃO COMO UM FATOR LIMITATIVO AO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA. UMA

ANÁLISE DO ART. 54 DA LEI Nº 9784/99 Flávio Romero de Oliveira Castro Lessa Analista Judiciário na Justiça Federal em Vitória (ES). Graduado em Direito e em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Espírito Santo. Especialista em Direito Público pelas Faculdades Integra-das de Vitória (FDV).

RESUMO Busca investigar o princípio da proteção à confiança dos particulares nos atos emanados do Poder Pú-blico, tendo por escopo o exercício da função administrativa. Delimita o conteúdo jurídico do princípio da proteção à confiança e seu âmbito de aplicação, aprofundando-o sob a perspectiva da possibilidade de manutenção no ordenamento jurídico de atos administrativos reconhecidamente inválidos. Correla-ciona o princípio da proteção à confiança com o princípio constitucional da legalidade administrativa (autotutela administrativa), e também com a segurança jurídica e com a noção de Estado de Direito. O método de abordagem utilizado é o dedutivo, tendo por base a análise das regras e princípios constitu-cionais referentes ao tema, além dos diplomas legais pertinentes, em específico, o artigo 54 da lei 9784/99. Identifica os três precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal em que se pres-tigiou a aplicação do princípio da proteção à confiança em detrimento de outros princípios, dentre eles, o da legalidade. Analisa o artigo 54 da lei n º 9784/99 sob o enfoque da necessidade de estabilização das relações jurídicas criadas administrativamente, em limitação ao exercício da autotutela administra-tiva. Reconhece que, no referido dispositivo legal, o legislador efetivou uma ponderação em abstrato, conciliando dois princípios constitucionais (princípio da legalidade administrativa e princípio da proteção à confiança). Sistematiza os requisitos que qualificam uma expectativa como legítima e apta a ensejar a aplicação do princípio da proteção à confiança em favor do particular. Conclui pela possibilidade de, com base em tais requisitos, se preservar os efeitos de atos administrativos ampliativos de direitos, ainda que originariamente inválidos. Conclui, ainda, ser inviável, sob um rigor constitucional, a utiliza-ção da teoria do fato consumado como fundamento à manutenção dos efeitos do ato viciado. Palavras-chave: Segurança jurídica. Proteção à confiança. Boa-fé. Autotutela administrativa. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A SEGURANÇA JURÍDICA E A LEGALIDADE COMO VALORES ESSENCI-AIS PARA O ESTADO DE DIREITO. 3 O CONTEÚDO JURÍDICO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFI-ANÇA E SUA GÊNESE CONSTITUCIONAL. 3.1 A EFICÁCIA NEGATIVA (DEVER DE ABSTENÇÃO) E A EFI-CÁCIA POSITIVA (DEVER DE AÇÃO) DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA.3.2 PROTEÇÃO À CONFIANÇA NAS RELAÇÕES ENTRE O PODER PÚBLICO E OS PARTICULARES. 3.3 A GÊNESE CONSTI-TUCIONAL DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA. 3.3.1 A ascensão e o reconhecimento da nor-matividade dos princípios. 3.3.2 O princípio da proteção à confiança e sua gênese constitucional. 4 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA E SUA APLICAÇÃO COMO FATOR LIMITATIVO À AUTOTUTELA

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ADMINISTRATIVA . 4.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE APLICADO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 4.2 O PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA E SEU ÂMBITO DE APLICAÇÃO: NECESSIDADE DE RE-LATIVIZAÇÃO. 4.3 A IDENTIFICAÇÃO E APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 4.4 A CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA PELO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO. 5 O ARTIGO 54 DA LEI nº 9.784/99 E A CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA: SISTEMATIZAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À SUA APLICAÇÃO. 5.1 REQUISITO LEGAL LIMITATIVO AO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA: O DECURSO DO LAPSO TEMPORAL DE CINCO ANOS. 5.2 REQUISITO LEGAL LIMITATIVO AO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA: A CONFIGURAÇÃO DA BOA-FÉ DO DESTINATÁRIO DO ATO ADMI-NISTRATIVO REPUTADO VICIADO. 5.2.1 A presunção de legitimidade dos atos administrativos como fator favorável à configuração da boa-fé. 5.3 REQUISITO LEGAL LIMITATIVO AO EXERCÍCIO DA AUTO-TUTELA ADMINISTRATIVA: ATOS ADMINISTRATIVOS AMPLIATIVOS DE DIREITOS. 6 CONCLUSÃO. 7 REFERÊNCIAS

1 INTRODUÇÃO A idéia mais básica e essencial de Direito nos remete, inegavelmente, à noção de segurança jurídica, sendo inconteste, por conseguinte, a existência da segurança jurídica como um dos pilares do Estado de Direito. Realmente, é de se esperar que um Estado que se autodenomina Estado Democrático de Direito coíba ao máximo o arbítrio Estatal, restando, em regra, previsíveis as suas condutas, sendo perfeitamente identificáveis as conseqüências advindas de eventuais descumprimentos de preceitos normativos. Tal circunstância advém primordialmente da regulação prévia (por meio dos diversos enunciados pres-critivos que irão compor as normas jurídicas) das diversas condutas possíveis dos cidadãos e, princi-palmente, da regulação das relações jurídicas entre estes e o próprio Estado, que também atua no seio da sociedade por meio de seus agentes públicos. Contudo, há de se considerar que não reside essencialmente nenhuma novidade nesta noção genérica de segurança jurídica, que se encontra ínsita à própria idéia de Direito e indispensável à caracterização do denominado Estado de Direito. A problemática surge quando se passa a questionar, sob a ótica do constitucionalismo moderno, os modos de efetivação do princípio da segurança jurídica, de tal sorte que se torna necessário aferir um patamar mínimo de segurança que atenda às aspirações dos cida-dãos, propiciando, na medida do possível, estabilidade às relações jurídicas e, em última análise, à própria ordem jurídica. É possível se verificar, no plano do direito positivo e, sobretudo, na própria Constituição Federal, diver-sos preceitos normativos que materializam institutos destinados à proteção, seja direta ou indireta, da segurança jurídica, dentre eles: a prescrição e a decadência (artigos 189 a 211, Código Civil/2002), a preservação do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e a intangibilidade da coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI, CF), o princípio da legalidade (artigo 5º, inciso II, CF), o princípio da legalidade tributária (artigo 150, inciso I, CF), o princípio da legalidade e anterioridade em matéria penal (artigo 5º, inciso XXXIX, CF), a irretroatividade da lei penal desfavorável (artigo 5º XL, CF), etc. Ainda que não se possa negar a evidente conexão dos referidos dispositivos legais e constitucionais com a materialização da segurança jurídica, há de se considerar, contudo, que as referidas previsões normativas não esgotam o âmbito de aplicação e proteção do princípio da segurança jurídica. É a com-plexidade dos casos concretos, sobretudo aqueles que envolvem relações entre os particulares e o Po-der Público, que, por muitas vezes, irá reclamar outras soluções que se põem além daquelas fórmulas já positivadas pelo Direito, anteriormente mencionadas. Dentro deste contexto é que se insere a noção do princípio da proteção à confiança, sendo tal princípio identificado por Almiro do Couto e Silva, um dos pioneiros na doutrina pátria a enfrentar o tema, como uma feição subjetiva da segurança jurídica, relacionando-se à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atua-ção. (SILVA, 2005, p. 03-04). Com efeito, é possível que existam várias hipóteses em que situações criadas administrativamente, sob o manto da ilegalidade, ou mesmo da inconstitucionalidade, perdurem por vários anos sob aparen-te normalidade e legalidade, gerando no administrado a justa expectativa de manutenção de seus efei-

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tos benéficos, uma vez que já consolidados. Decerto que numa hipótese como esta, em observância à segurança jurídica e, mais especificamente, ao princípio da proteção à confiança, o Poder Público não poderia, deliberadamente, invocando apenas o princípio da legalidade, frustrar uma justa expectativa que tenha criado para o administrado. Se de um lado vige inegavelmente o princípio da autotutela administrativa, em que se prestigia o prin-cípio da legalidade, segundo o qual a administração pública tem o poder-dever de rever e anular seus atos administrativos eivados de ilegalidade, de outro, há de haver um temperamento a ser efetivado nos casos concretos, analisando-os sob a ótica da segurança jurídica e, por assim dizer, também da proteção à confiança legítima. Apesar do consenso acerca da necessidade de observância da estrita legalidade pela Administração Pública, há de se considerar que nem sempre a aplicação fria e mecânica da lei atinge as finalidades reclamadas pelo ordenamento jurídico. É necessário, por conseguinte, se aferir a medida de aplicação do princípio da legalidade. Dentro deste contexto, as duas principais questões que nortearão o presente estudo são as seguintes: (i) a manutenção no ordenamento jurídico de atos administrativos reconhecidamente inválidos repre-senta afronta ao princípio constitucional da legalidade? Se não, sobre que fundamentos e em que con-dições tais atos poderiam continuar a produzir efeitos para aqueles que deles se beneficiaram? (ii) sob a ótica constitucional, é viável se invocar atualmente a teoria do ‘fato consumado’ para se justificar a manutenção de situações criadas sob o manto da ilegalidade? Para tanto, parte-se da idéia inicial, admitida como uma verdade a priori, podendo ser confirmada ou infirmada ao longo do desenvolvimento da pesquisa: a autotutela administrativa, cuja base assenta-se, fundamentalmente, no princípio constitucional da legalidade, não tem aplicação irrestrita, merecendo, pois, em algumas hipóteses, ser relativizada, tendo como parâmetro limitador o princípio constitucional da proteção à confiança, sendo insuficiente e inviável se argumentar, como fundamento à manutenção dos efeitos do ato viciado, a teoria do `fato consumado`. No percurso a ser seguido, é possível se identificar as principais variáveis envolvidas: (i) a segurança jurídica e a legalidade como valores constitucionais essenciais para o Estado de Direito; (ii) presunção de legitimidade dos atos administrativos como fator indutor de confiança legítima nos destinatários da função administrativa; (iii) o princípio da legalidade como norteador da atividade administrativa; (iv) reconhecimento pela doutrina e jurisprudência do princípio da proteção à confiança como um corolário do princípio constitucional da segurança jurídica; (v) a relativização dos princípios, quando de sua apli-cação num caso concreto; e (vi) concretização do princípio da proteção à confiança pelo legislador ordinário. Em primeiro plano, poder-se-ia imaginar, por uma análise mais geral, em abstrato, que a manutenção no ordenamento jurídico de atos administrativos reconhecidamente inválidos representa afronta ao princípio constitucional da legalidade. Contudo, a análise do caso concreto pode recomendar que a efe-tiva proteção à legalidade, entendida esta em sentido amplo, de observância às finalidades essenciais objetivadas pelo ordenamento jurídico, é, de fato, melhor atendida com a preservação de determina-dos efeitos jurídicos dos atos administrativos, apesar de viciados; assim, o interesse público seria a-tendido. Acresça-se que devem estar presentes determinados requisitos para que se qualifique como legítima uma expectativa por parte do administrado, de modo a possibilitar a incidência do princípio da prote-ção à confiança. De fato, não é qualquer situação que se insere no escopo de aplicação do referido princípio. Há de ha-ver uma situação excepcional, atípica, onde é possível se aferir o atendimento de requisitos objetivos e subjetivos, cujos conteúdos aos poucos vão sendo construídos pela doutrina, jurisprudência e até mesmo positivados pelo legislador infraconstitucional. Neste caminho, relevante foi a edição da Lei nº 9874/99 que, em seu art. 54, concretizou e forneceu balizas, em nível federal, ao princípio da proteção à confiança. Como se percebe, é possível se identificar desde logo, a título de delimitação temática, que apesar da vastidão e amplitude que sugere qualquer estudo acerca da segurança jurídica e do princípio da prote-ção à confiança, o presente estudo limita-se à análise do referido princípio sob a ótica da Administra-ção Pública, no exercício da função administrativa. Não se desconhece, todavia, que todo o Poder Pú-

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blico, em sentido amplo, vale dizer, Legislativo, Executivo e Judiciário, dentro de suas respectivas fun-ções são, inegavelmente, destinatários das limitações impostas pelo princípio da segurança jurídica da proteção à confiança. Mais um dado delimitador temático: busca-se investigar acerca da eficácia negativa do princípio da proteção à confiança ou, em outras palavras, busca-se investigar a necessidade de que o Estado, no exercício da função administrativa, em algumas hipóteses, se abstenha de agir e fique limitado em sua atuação (não invalidando um ato administrativo ou não desconstituindo seus efeitos), resguardando, por conseguinte, situações geradoras de confiança legítima e estabilizando situações jurídicas criadas administrativamente. Em linhas gerais, é possível se adiantar que o caminho a ser percorrido passará pela identificação, de-limitação do âmbito de aplicação e contextualização do princípio da proteção à confiança legítima, cor-relacionando-o com o princípio da segurança jurídica; delimitação do âmbito de aplicação da autotutela administrativa, enfocando-o sob a ótica do princípio da legalidade a ser observado pela administração pública; identificação na jurisprudência, doutrina e legislação dos principais argumentos e preceitos normativos capazes de sustentar a possibilidade de manutenção no mundo jurídico de atos administra-tivos inválidos, prestigiando o princípio de proteção à confiança; por fim, buscará analisar o artigo 54 da lei n º 9784/99, sob o enfoque da necessidade de estabilização das relações jurídicas criadas admi-nistrativamente, sistematizando os requisitos (objetivos e subjetivos) que qualificam uma expectativa como legítima e apta a ensejar a aplicação do princípio da proteção à confiança em favor do particular.

2 A SEGURANÇA JURÍDICA E A LEGALIDADE COMO VALORES ESSENCIAIS PARA O ESTADO DE DIREITO. Convém registrar, de início, que não é singela a tarefa de tentar definir e delimitar com algum grau de precisão o princípio da segurança jurídica e sua conexão com a noção de Estado de Direito. Por conse-guinte, a sua compreensão, apesar de não representar propriamente um "mistério" dentre os estudio-sos do Direito, muitas vezes se manifesta de forma obscura, incompleta e, por demais, singela, de tal forma que é possível se afirmar que tal compreensão não prescinde de uma incursão por todo ordena-mento jurídico, buscando-se identificar como o legislador ordinário e, principalmente, o legislador cons-titucional procuraram materializar regras e princípios afetos direta ou indiretamente à segurança jurídi-ca. Em vista destas considerações, considerando que o objeto principal da presente pesquisa possui íntima relação com a compreensão e delimitação do princípio da segurança jurídica, sendo o próprio princípio da proteção à confiança concebido como uma feição subjetiva do princípio da segurança jurídica (SIL-VA, 2005, p. 03-04), torna-se imprescindível uma sistematização, ainda que breve, do princípio da segurança jurídica e de suas principais implicações. A concepção de uma sociedade juridicamente organizada requer como premissa o reconhecimento da segurança jurídica como um valor supremo. Na realidade, não é exagero se afirmar que o anseio por segurança jurídica justifica a própria existência e desenvolvimento da ordem jurídica, sendo notório que o ser humano, diante da própria essência da condição humana, tende a buscar, invariavelmente, situações que lhe confiram um maior grau de estabilidade, seja no âmbito estritamente privado, seja no âmbito das relações travadas com o Poder Público. Dentre as várias idéias que podem ser, de alguma forma, relacionadas à consecução da segurança ju-rídica, a legalidade (o princípio da legalidade) é, inegavelmente, a mais evidente e fundamental. Com efeito, a partir da regulação prévia das diversas condutas possíveis dos cidadãos (por meio dos diver-sos enunciados prescritivos que irão compor as normas jurídicas) torna-se possível se identificar as conseqüências advindas de eventuais descumprimentos de tais preceitos normativos. Por conseguinte, a submissão à lei e, mais amplamente a todo ordenamento jurídico, em observância ao princípio da legalidade deve, de fato, nortear toda atividade Estatal, seja ela de índole administrativa, jurisdicional ou legislativa. É de se considerar, no entanto, que a amplitude do conceito de segurança jurídica, de índole inegavel-mente principiológica, perfazendo elemento central e essencial da ordem jurídica e sendo da essência da própria concepção de Estado de Direito, nos remete à conclusão de que não é possível se extrair seu conteúdo de uma única norma jurídica. Assim, afigura-se inviável se reconhecer um conceito fe-

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chado e único acerca do princípio da segurança jurídica; ao revés, sua plurissignificação e caracteriza-ção advêm da observância do ordenamento jurídico na sua totalidade, compondo-se pela conjugação de diversas normas jurídicas. Neste sentido, é a afirmação de Rafael Maffini: Percebe-se, pois, que o princípio da segurança jurídica, em verdade, decorre de uma confluência quali-ficada das noções de certeza, estabilidade, previsibilidade, confiança, o que necessariamente se dá em face da conjugação de várias normas jurídicas, dentre os quais [sic] se poderiam mencionar a própria legalidade administrativa, a irretroatividade, a proibição de arbitrariedade, a proteção da confiança, dentre outras tantas (regras, princípios e postulados) que dão conformação ao sobreprincípio da segu-rança jurídica, sendo, todavia, mais do que a simples conjugação de tais subprincípios para alcançar uma noção de instrumento de justiça social. (MAFFINI, 2006, p.48-49). Dentro desta mesma ordem de idéias, afirmou Celso Antônio Bandeira de Mello acerca do princípio da segurança jurídica: Este princípio [da segurança jurídica] não pode ser radicado em qualquer dispositivo constitucional específico. É, porém, da essência do próprio Direito, notadamente de um Estado Democrático de Direi-to, de tal sorte que faz parte do sistema constitucional como um todo. Enquadra-se, então, entre os princípios gerais de Direito [...] (MELLO, 2003, p.112). De fato, como já afirmado na introdução deste trabalho, é possível se identificar no direito posto, so-bretudo na Constituição Federal, diversas regras e princípios jurídicos que buscam materializar, direta ou indiretamente, o princípio da segurança jurídica, destacando-se dentre eles: a prescrição e a deca-dência (artigos 189 a 211, Código Civil/2002), a preservação do ato jurídico perfeito, do direito adqui-rido e a intangibilidade da coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI, CF), o princípio da legalidade (artigo 5º, inciso II, CF), o princípio da legalidade administrativa (artigo 37, caput, CF) o princípio da legalida-de tributária (artigo 150, inciso I, CF), o princípio da legalidade e anterioridade em matéria penal (arti-go 5º, inciso XXXIX, CF), a irretroatividade da lei penal desfavorável (artigo 5º XL, CF), etc. Dentro de tal contexto, importa registrar que a noção fundamental de segurança jurídica alia-se à idéia de previsibilidade, regularidade e estabilidade das relações jurídicas, sobretudo quando se está a con-siderar as relações jurídicas de natureza pública, onde há participação direta do Estado no exercício de sua potestade administrativa, sendo certo que, por muitas vezes, sob a justificativa de atuar em bene-fício do interesse público (genericamente considerado), pode tender à arbitrariedade e extrapolar os limites que lhe cabem dentro de um Estado de Direito. Decerto que a observância do princípio da legalidade caracteriza e confere identidade própria ao Estado de Direito, o qual, por sua vez, contrapõe-se a qualquer forma de arbitrariedade e autoritarismo, sendo correto afirmar que ninguém (nem a maior das autoridades do Estado e nem mesmo o próprio Estado) está acima da lei; no entanto, tal princípio, por si só, não esgota a compreensão do princípio do Estado de Direito. Com efeito, apesar de ser imprescindível a idéia de um ordenamento jurídico pautado pela legalidade, o reconhecimento de um Estado de Direito vai além da mera legalidade e da submissão do Estado à lei, representando princípio mais amplo, nos remetendo à idéia de reconhecimento dos direitos funda-mentais, perfazendo verdadeiro limitador e, principalmente, legitimador da atividade estatal. Neste sentido, é a lição de Ingo Wolfgang Sarlet: Considerando-se [...] o Estado de Direito não no sentido meramente formal, isto é, como `governo das leis`, mas, sim, como `ordenação integral e livre da comunidade política`, expressão da concepção de um Estado material de Direito, no qual além da garantia de determinadas formas e procedimentos ine-rentes à organização do poder e das competências dos órgãos estatais, se encontram reconhecidos, simultaneamente, como metas, parâmetros e limites da atividade estatal, certos valores, direitos e liberdades fundamentais, chegando-se fatalmente à noção – umbilicalmente ligada à idéia de Estado de Direito – de legitimidade da ordem constitucional e do Estado. (SARLET, 2007, p.70). O Estado de Direito corresponde, ademais, a norma expressamente prevista no texto constitucional (artigo 1º, CF), possuindo caráter imediatamente finalístico, associando-se a cinco idéias fundamen-tais, que foram assim resumidas por Rafael Maffini, após examinar diversas decisões do STF que fize-ram alusão direta ao Estado de Direito como um sobreprincípio jurídico: (a) submissão do Estado à ordem jurídica; (b) submissão do Estado aos mecanismos de controle e de responsabilização; (c) sepa-

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ração as funções estatais; (d) submissão do Estado aos direitos e garantias fundamentais; e (e) segu-rança jurídica. (MAFFINI, 2006, p.44). No que toca especificamente ao elemento central objeto da presente pesquisa, torna-se inafastável a lição de Almiro do Couto e Silva, reconhecidamente um dos pouquíssimos doutrinadores que, no direito pátrio, se dedicou especificamente ao estudo do princípio constitucional da segurança jurídica, na ver-tente da proteção à confiança. À segurança jurídica se atribuiu uma feição objetiva, associada à noção genérica de previsibilidade concernente à ordem jurídica (irretroatividade das leis, direito adquirido, princípio da legalidade, etc), e outra subjetiva, que, por sua vez, associa-se à idéia de estabilidade e confiança das pessoas nos atos e procedimentos estatais, de modo a ensejar, em determinadas hipóteses, a estabilização das situações jurídicas decorrentes da atuação estatal, ainda que tais situações tenham se originado sob o manto da ilegalidade. Eis um trecho do que afirmou referido autor acerca do princípio da segurança jurídica e do princípio da proteção à confiança (daquele deduzido): A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. [...] A outra, de natureza subjetiva, con-cerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação [...] Este último princípio (a) impõe ao Estado limitações na liberdade de alterar sua conduta e de modificar atos que produziram vantagens para os destinatá-rios, mesmo quando ilegais, ou (b) atribui-lhe conseqüências patrimoniais por essas alterações, sem-pre em virtude da crença gerada nos beneficiários, nos administrados ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram legítimos, tudo fazendo razoavelmente supor que seriam mantidos. (SILVA, 2005, p. 03-05). Deve-se registrar, inclusive, que seus ensinamentos já foram citados expressamente em algumas das poucas decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal [01], através do eminente Min. Gilmar Mendes, em que se reconheceu a possibilidade de manutenção de atos administrativos inválidos, para fins de se alcançar a estabilização das relações jurídicas criadas administrativamente, através da aplicação do princípio constitucional da proteção à confiança. Diante do que fora afirmado até aqui, é possível se verificar que existem três princípios de matriz cons-titucional que se interligam diretamente: (a) o princípio do Estado de Direito, como princípio maior (ou sobreprincípio) inerente à própria organização, funcionamento e finalidade da ordem jurídica, repre-sentando, em linhas gerais, vinculação do Estado à legalidade e ao Direito como um todo; (b) o princí-pio da segurança jurídica que, por sua vez, encontra-se insitamente relacionado ao Estado de Direito, sendo inerente à própria idéia de Direito a busca por segurança jurídica; e (c) o princípio da proteção à confiança [02], que, conforme anteriormente mencionado, representa uma das significações (feição sub-jetiva) do princípio da segurança jurídica. Cumpre consignar, por fim, a sistematização e delimitação do conteúdo jurídico do princípio da segu-rança jurídica proposta por Rafael Maffini, que após se aprofundar nas lições de Almiro do Couto e Sil-va, resumiu seus três principais aspectos: [...] a) numa feição de previsibilidade ou de "cálculo prévio", que opera ex ante, para os fins de se evi-tar surpresas decorrentes da atividade estatal; b) numa feição de acessibilidade, fundamentando a publicidade e, em termos amplos, a transparência de ação estatal; c) como instrumento de estabilida-de, ou de previsibilidade ex post, continuidade, permanência, regularidade das situações e relação ju-rídicas decorrentes da ação estatal. A proteção substancial da confiança, no Direito Administrativo, situa-se na última significação do princípio da segurança jurídica. (MAFFINI, 2006, p.222).

3 O CONTEÚDO JURÍDICO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA E SUA GÊNESE CONS-TITUCIONAL. Cumpre destacar, inicialmente, que não há no ordenamento jurídico brasileiro uma definição legal de confiança e, nem, por conseguinte, do princípio da proteção à confiança. Tal constatação, aliada à pró-pria dificuldade semântica que permeia a noção genérica de confiança (e também de segurança jurídi-

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ca), já é suficiente para remeter o assunto para o âmbito dos conceitos jurídicos, senão indetermina-dos, insuficiente determinados. Não obstante a investigação jurídica acerca do princípio da proteção à confiança traga consigo a difi-culdade de se delimitar com precisão seu conteúdo jurídico, sua concepção vem sendo construída aos poucos pela doutrina e, sobretudo, pela jurisprudência [03] que, diante da análise de casos concretos, por vezes complexos, termina por identificar a necessidade de sua tutela jurídica, quase sempre se valendo da fundamentação concernente à necessidade de segurança jurídica, que é elemento essencial e qualificador do próprio Estado de Direito. Buscando-se o sentido dado à palavra "confiança" no dicionário (AURÉLIO, 1998, p.525) é possível encontrar, dentre outros significados, crédito, fé e esperança firme. E é justamente essa a idéia inicial que se deve ter acerca do que venha a ser confiança: esperar por algo, ter uma expectativa, acreditar. Todavia, no que concerne especificamente ao objeto da presente pesquisa, obviamente, faz-se neces-sário um maior detalhamento, a fim de se delimitar o conteúdo jurídico do princípio da proteção à con-fiança. Com efeito, não é de qualquer confiança que se está a tratar. Interessa a identificação e compreensão daquela confiança que, em última análise, representa uma limitação à atividade Estatal e, mais especi-ficamente, uma limitação à atividade do Estado no exercício da função administrativa [04]. Em outras palavras, há de se perquirir a confiança que, elevada à categoria de princípio, com respaldo no orde-namento jurídico e, sobretudo, no princípio constitucional da segurança jurídica, seja passível de tutela jurídica, de modo a justificar a estabilização de situações jurídicas criadas administrativamente, ainda que originadas sob o manto da ilegalidade (não invalidando ou preservando os efeitos de atos adminis-trativos). Decerto, todavia, que a confiança do cidadão nos atos emanados da Administração Pública, de um mo-do geral, não pode ensejar uma mitigação absoluta do princípio da legalidade administrativa: a regra é que os atos contrários ao ordenamento jurídico, seja por ilegalidade ou por inconstitucionalidade, de-vem ser anulados pela própria Administração Pública, no regular exercício da autotutela administrativa. Para que se possa invocar a tutela jurídica a partir do reconhecimento do princípio da proteção à confi-ança, há de haver, na hipótese, uma nota de atipicidade e de excepcionalidade. Partindo-se dessa consideração, a referida nota de atipicidade, caracterizadora de uma situação excep-cional, se revela quando, no exame do caso concreto, for possível se verificar o preenchimento de de-terminados requisitos, tanto objetivos, quanto subjetivos [05], relacionados, na maioria das vezes, com o comportamento daquele que se beneficiaria com a manutenção do ato (análise acerca da boa fé do beneficiário do ato administrativo), com o tempo de duração de seus efeitos e com a natureza do ato administrativo que se pretende ter preservado os efeitos. Nestes termos, a confiança merecedora de tutela jurídica, que pode verdadeiramente ser considerada como um limite à atuação Estatal, podendo ser argüida pelo particular em face do Poder Público, obje-tivando ver mantida alguma situação jurídica que lhe é favorável e que foi criada por ato Estatal, é aquela denominada, doutrinariamente, como confiança legítima. Na lição de Luís Roberto Barroso: Confiança legítima significa que o Poder Público não deve frustrar, deliberadamente, a justa expectati-va que tenha criado no administrado ou no jurisdicionado. Ela envolve, portanto, coerência nas deci-sões, razoabilidade nas mudanças e a não imposição retroativa de ônus imprevistos. (BARROSO, Re-vista de Direito do Estado, 2006, p. 276). Dentro deste contexto, procedendo-se a uma delimitação conceitual acerca do princípio da proteção à confiança, relevantes são as considerações de Almiro do Couto e Silva: Na Alemanha, onde o princípio da proteção à confiança nasceu, por construção jurisprudencial, pode-se dizer que este princípio prende-se predominantemente à questão da preservação dos atos inválidos, mesmo nulos de pleno direito, por ilegais ou inconstitucionais, ou, pelo menos, dos efeitos desses atos, quando indiscutível a boa fé. (SILVA, 2005, p. 05). Destaca-se, ainda, a lição do referido autor quando, a título de contextualização, aludiu ao Estado So-cial (ou Estado Providência) como sendo o ambiente adequado para surgimento e desenvolvimento do princípio da segurança jurídica e da proteção à confiança: Nessa moldura, não será necessário sublinhar que os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança são elementos conservadores inseridos na ordem jurídica, destinados à manutenção do sta-

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tus quo e a evitar que as pessoas sejam surpreendidas por modificações do direito positivo ou na con-duta do Estado, mesmo quando manifestada em atos ilegais, que possa ferir os interesses dos admi-nistrados, ou frustar-lhes as expectativas. Colocam-se, assim, em posição de tensão com as tendên-cias que pressionam o Estado a adaptar-se a novas exigências da sociedade, de caráter econômico, social, cultural ou de qualquer outra ordem, ao influxo, por vezes, de avanços tecnológicos ou científi-cos, como os realizados, com impressionante velocidade, no decorrer do século XX. (SILVA, 2005, p. 06). Verifica-se, a partir do que foi dito até agora, que o foco da presente pesquisa se limita à análise do princípio da proteção à confiança, tendo por escopo o exercício da função administrativa do Estado, sob a perspectiva da possibilidade de manutenção no ordenamento jurídico de atos administrativos reco-nhecidamente inválidos, sem que isso represente, necessariamente, afronta ao princípio constitucional da legalidade. Contudo, não pode deixar de ser registrado que, além dessa abordagem que compõe o objeto do presente trabalho, a proteção à confiança, tendo por escopo o exercício da função adminis-trativa do Estado, pode ser vislumbrada também sob outras duas perspectivas (que também compõem seu conteúdo jurídico), que assim foram identificadas por Rafael Maffini: [...] a) de um lado, tem-se a proteção procedimental da confiança ou das expectativas legítimas, con-substanciada na necessidade de uma atividade administrativa processualizada, em que se assegure a participação dos destinatários da função administrativa; b) de outro lado, tem-se a proteção compen-satória da confiança, compreendida como o dever do Estado de ressarcir os prejuízos decorrentes da frustração de expectativas nele legitimamente depositadas pelos cidadãos; c) por fim, destaca-se a proteção substancial ou material da confiança, cujo significado pode ser sumarizado como sendo um conjunto de normas jurídicas que visa à manutenção e à estabilização das relações jurídicas emergen-tes da ação administrativa do Estado, em face de expectativas que, por razões especiais, apresentam-se legítimas e, assim, dignas de proteção. (MAFFINI, 2006, p.32). Há de se aferir, nesse momento, quais nuances permeiam o princípio da proteção à confiança no plano da eficácia. 3.1 A EFICÁCIA NEGATIVA (DEVER DE ABSTENÇÃO) E A EFICÁCIA POSITIVA (DEVER DE AÇÃO) DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA. A pesquisa acerca do princípio da proteção à confiança comporta duas linhas de abordagem que, ape-sar de não necessariamente se excluírem, precisam ser devidamente identificadas, explicitadas e com-preendidas, sob pena de prejuízo à própria delimitação temática. Trata-se da eficácia negativa e da eficácia positiva do princípio da proteção à confiança. Percebe-se, assim, que, conquanto não restem dúvidas quanto à gênese constitucional do princípio da proteção à confiança, no plano da eficácia há de se distinguir quando, a partir do referido princípio, se impõe uma atitude positiva (dever de ação) ou uma atitude negativa do Estado (dever de abstenção). Importa frisar, desde logo, que dentro da delimitação temática ora proposta, busca-se investigar ape-nas acerca da eficácia negativa do princípio da proteção à confiança, uma vez que o objeto de estudo junge-se, em essência, à aplicação do referido princípio como limitação à autotutela administrativa. Nada impede, todavia, que seja identificado e compreendido, ainda que de forma menos aprofundada, o princípio da proteção à confiança sob a ótica de sua eficácia positiva. Fala-se em eficácia negativa do princípio da proteção à confiança quando se enfoca a necessidade de conservação e estabilização de situações jurídicas criadas administrativamente, ainda que surgidas em contrariedade ao ordenamento jurídico; noutras palavras, a eficácia negativa corresponde a uma obri-gação de não-fazer, a um dever de abstenção do Estado que, no exercício da função administrativa, desde que estejam presentes alguns requisitos, estaria constitucionalmente limitado em seu agir, em razão da incidência do princípio constitucional da proteção à confiança. Acerca desse "dever de abstenção", expõe Judith Martins-Costa: [...] a ação da Administração Pública para realizar ou resguardar o valor `segurança jurídica` e prote-ger a confiança é quase uma não-ação, constituindo, a rigor, um dever se abstenção: não atingir o direito adquirido ou o ato jurídico perfeito; não bulir com situações abrangidas pelo manto protetor da prescrição, decadência ou preclusão; não modificar a prática há longo tempo seguida, se a mudança vier em prejuízo do administrado [...] não revogar ou anular, em certas situações, atos administrativos que tenham produzido efeitos na esfera jurídica de terceiros [...] (MARTINS-COSTA, 2005, p.114).

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Neste mesmo sentido é o ensinamento de Rafael Maffini (2006, p.225), se referindo à operatividade do princípio da proteção à confiança, numa feição negativa, correspondendo a um conjunto de obrigações de não fazer direcionado à conservação de condutas administrativas. Estas breves considerações são suficientes para identificar, em linhas gerais, a significação da eficácia negativa do princípio da proteção à confiança. Cumpre aferir, neste momento, em que consiste a sua feição positiva (eficácia positiva). É de se registrar que dentre as poucas manifestações doutrinárias (e jurisprudenciais) acerca, especifi-camente, do princípio da proteção à confiança e de sua gênese constitucional, a maior parte delas se refere à eficácia negativa do referido princípio, ou em outras palavras, como verdadeira limitação à atividade Estatal, impondo-lhe uma obrigação de não fazer, uma atividade negativa, um dever de abs-tenção. Dentro de tal contexto, se esta limitação imposta à atividade Estatal em razão do referido princípio, em sua vertente negativa (eficácia negativa), já não se apresenta claramente (e nem suficientemente) definida e debatida pela doutrina e pela jurisprudência, mais incipientes ainda são as pesquisas acerca do princípio da proteção à confiança abordando sua eficácia positiva, a ensejar um dever de ação por parte do Estado. É de se considerar, nesse passo, que a análise do princípio da proteção à confiança sob a ótica de sua eficácia positiva ultrapassa a mera inação e passividade Estatal para referir-se a deveres de coopera-ção endereçados à Administração Pública (MAFFINI, 2006, p.225). Trata, por conseguinte, daquela confiança do cidadão em atitudes positivas do Estado necessárias à consecução dos direitos fundamen-tais e à realização de justiça social. A idéia sob a qual se ancora tal dever de ação do Estado está em que ao cidadão não haveria de ser tutelada apenas aquelas expectativas direcionadas à manutenção e preservação de relações jurídicas (que lhe são benéficas) criadas administrativamente; haveria de haver uma compreensão mais ampla do princípio da proteção à confiança, para se permitir ao cidadão ter uma expectativa – tutelada juridi-camente – direcionada a um fazer Estatal, sobretudo ao se considerar o atual estágio de desenvolvi-mento do Estado que deve, dentre outras coisas, também estar compreendido com a realização da justiça e com o desenvolvimento e garantia dos direitos fundamentais. Sob tais idéias, Judith Martins-Costa procurou identificar esta noção mais ampla do princípio da segu-rança jurídica, examinando um caso concreto que havia sido submetido ao Supremo Tribunal Federal. Após examinar uma decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes [06], onde se evocou a aplicação do princípio da segurança jurídica na realização da própria justiça material, concedendo tutela cautelar para permitir à requerente se transferir de uma instituição de ensino público federal para outra, pleite-ada em razão da assunção de cargo, para o qual foi aprovada em concurso público, Judith Martins-Costa resumiu este viés positivo do princípio da proteção à confiança, ampliando sua significação de modo a associá-lo à necessidade de atuação do Estado direcionada à proteção dos direitos fundamen-tais e realização de justiça material: Sem desmerecer a significação da segurança jurídica como estabilidade ou fixidez jurídica, a decisão do Supremo Tribunal que motiva estas notas sinaliza, contudo, também uma outra significação para aquele antigo princípio. Faz o trânsito do peso mais significativo – no arco do princípio da segurança – da legalidade estrita para a proteção da confiança, permeando-o com um viés de dinamismo. Traça inter-relações entre a confiança e outros princípios, notadamente com os princípios e direitos funda-mentais da personalidade humana. Indica que, por vezes, a confiança carece de ação (e não de abs-tenção), sob pena de ser afrontado o valor justiça. (MARTINS-COSTA, 2005, p.114). A mesma autora argumentou, ainda, acerca da ampliação da significação do princípio da proteção à confiança concernente à tutela do livre desenvolvimento da personalidade dos indivíduos, ancorada em comportamentos ativos (positivos) de proteção por parte do Estado: [...] nessa nova conjuntura, o princípio da segurança jurídica vem relacionado a outro tipo de confian-ça, a outra lógica de confiança: não apenas se confia na inação estatal, a fim de não perturbar o espa-ço da livre iniciativa econômica; confia-se também na racionalização do poder do Estado e na sua a-ção, tendo em vista o interesse [...] no livre desenvolvimento da personalidade dos indivíduos [...] a Administração deve não apenas resguardar as situações de confiança traduzidas na boa-fé (crença) dos cidadãos na legitimidade dos atos administrativos ou na regularidade de certa conduta; deve tam-

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bém agir segundo impõe a boa-fé, considerada como norma de conduta, produtora de comportamen-tos ativos e positivos de proteção. (MARTINS-COSTA, 2005, p.114). 3.2 PROTEÇÃO À CONFIANÇA NAS RELAÇÕES ENTRE O PODER PÚBLICO E OS PARTICULARES. Conquanto o foco da presente pesquisa se restrinja à análise e compreensão do princípio da proteção à confiança tendo por escopo a atividade Estatal no que diz respeito ao exercício de sua função adminis-trativa, é inegável que o Poder Público, em todas suas esferas de atuação, deve agir em observância aos valores consagrados pelo legislador constitucional, notadamente a segurança jurídica, que repre-senta a essência do próprio Estado de Direito. Com efeito, a doutrina parece não hesitar em considerar que o princípio da segurança jurídica (e tam-bém o princípio da proteção à confiança, que com aquele se relaciona intimamente) repercute direta-mente na esfera de atuação tanto do Poder Legislativo, quanto do Poder Executivo e do Judiciário; noutras palavras, todos os três Poderes são destinatários do princípio da segurança jurídica e do prin-cípio da proteção à confiança. A questão relacionada à possibilidade de se exigir do Poder Público, em suas três esferas de atuação, a observância dos postulados inerentes ao princípio da segurança jurídica e ao princípio da proteção à confiança, foi assim exposta por José Joaquim Gomes Canotilho: Estes dois princípios – segurança jurídica e protecção da confiança – andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção da confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica [...] A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção a confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial [...] As refrações mais importantes do princípio da segurança jurídica são as seguintes: (1) relativamente a actos normativos – proibição de normas retroactivas restritivas de direitos ou interes-ses juridicamente protegidos; (2) relativamente a actos jurisdicionais – inalterabilidade do caso julga-do; (3) em relação a actos da administração – tendencial estabilidade dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos. (CANOTILHO, 1998, p.250). Neste mesmo sentido é a lição de Rafael Maffini: [...] Com efeito, tal princípio [da confiança] revela-se uma faceta do princípio da segurança jurídica, sendo este uma decorrência do Estado de Direito. Diante disso, mostra-se viável tratar do princípio da proteção da confiança em todos (sic) as funções incumbidas ao Estado. (MAFFINI, 2006, p. 31). Importa registrar, contudo, que, por uma questão de coerência com a premissa teórica adotada, onde se conceituou o princípio da proteção à confiança como uma feição subjetiva do princípio da segurança jurídica [07], seria tecnicamente mais acertado se conceber que a proteção da confiança se dirige mais diretamente (primariamente) às atividades administrativas do Estado e ao Poder Judiciário, onde é possível se identificar, mais especificamente, a formação de situações subjetivas que possam induzir expectativas legítimas nos cidadãos, a partir da aplicação do direito aos casos concretos; apenas indi-retamente (secundariamente) se dirige à atividade legislativa. Nestes termos, considerando que ao Poder Legislativo não é dado aplicar o direito ao caso concreto, incumbindo-lhe inovar a ordem jurídica através da criação de normas gerais e abstratas, sua limitação de agir afina-se mais diretamente com aqueles valores relacionados à segurança jurídica em sua ver-tente objetiva, abrangendo, assim, a idéia de irretroatividade das leis, proteção da lei ao ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada. Há de haver ainda, por parte do legislador, a preocupação com a criação de regras transitórias ao se pretender modificar o direito vigente por longo período [08]. Outro exemplo nos é dado por Rafael Maffini, acerca da necessidade de inserção de regras transitórias a fim de se evitar que se frustrem as expectativas legítimas criadas nos cidadãos: [...] exemplo diz respeito à inserção, pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004 (Reforma do Judiciário), de regras que passaram a exigir três anos de atividade jurídica como requisito de ingresso para as carreiras da magistratura e do Ministério Público (artigos 93, I e 129, parágrafo 3º, da CF). Uma análise cuidadosa da inovação em tela – de resto virtuosa – aponta para a omissão de regras transitórias necessárias à proteção das expectativas legítimas daqueles que já se encontravam em preparação para os concursos para tais carreiras. A inovação referida, por abrupta, dada a inexis-

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tência de regras transitórias, frustrou a planificação de inúmeras pessoas que, em face do modelo de seleção anteriormente adotado, não vinham se preocupando com a aquisição de experiência prática. (MAFFINI, 2006, p.27). FONTE: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11135

B - EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Vladimir da Rocha França advogado em Natal (RN), professor da UFRN e da Universidade Potiguar, mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE), doutorando em Direito do Estado pela PUC/SP Sumário: 1. Introdução. 2. Elementos para a caracterização da eficiência administrativa como princí-pio. 3. Conteúdo jurídico da eficiência administrativa. 4. Aspectos polêmicos do controle judicial da eficiência administrativa. 5. Notas finais. Notas. Bibliografia.

1. Introdução As recentes alterações que o texto constitucional recebeu, através da Emenda Constitucional nº 19/98 (conhecida como "reforma administrativa" pela mídia e, "emendão" pelos estudiosos do direito públi-co), têm constituído uma nova fonte de desafios para aqueles que aprenderam a amar o direito admi-nistrativo. Junto com a Emenda Constitucional nº 19/98, estamos assistindo a todo um processo de mudança no perfil de administração pública que tínhamos no Brasil. Fala-se em desburocratização, desregulamen-tação e, em alguns casos, até de desconstitucionalização. Estamos assistindo a introdução de novos entes e institutos na administração pública, como as organizações sociais, as agências executivas, o contrato de gestão etc. Dentre as mudanças no texto constitucional, observamos com bastante interesse a nova redação do caput do art. 37 da Constituição Federal. Encontra-se agora no texto da Lei Maior: "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)" (grifo nosso). A introdução expressa do princípio da eficiência, ao nosso ver, fez-se para tentar oferecer respostas às acusações de praxe contra a administração pública brasileira, tais como a corrupção, nepotismo, baixa qualidade dos serviços públicos, estabilidade do servidor como mordomia, salários exorbitantes etc. O cidadão brasileiro sempre se ressentiu dos serviços públicos que lhe são oferecidos, denunciando con-tinuamente a ineficiência destas atividades estatais através da mídia. Por mais que se faça acusações à imprensa brasileira, quanto à sua conduta no processo de reformas que o Estado e o Direito brasileiros vêm passando, muito do que se denunciou e criticou na mídia representa um eco a todo esse conjunto de frustrações. O que não deixa de ser um exemplo claro do que Marcelo Neves(1) aponta como legislação-álibi, ou seja, quando o legislador procura atenuar as pressões sócio-políticas ou tenta se apresentar como sen-sível às necessidades sociais. Muitas vezes se recorre ao Poder Judiciário em busca de providências em razão da resistência à ação da administração pública. Mas, em termos jurídicos, é possível o Poder Judiciário invalidar um ato ad-ministrativo por que este teria ofendido ou pode ofender o princípio da eficiência? O princípio da efici-ência basta para invalidar um ato administrativo?

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O objetivo desse trabalho é o de identificar a função jurídica da eficiência administrativa, bem como o de propor um conteúdo possível para este preceito. Não se trata de esgotar o assunto, mas sim tecer algumas impressões iniciais sobre a matéria.

2. Elementos para a caracterização da eficiência como princípio. Toda a atividade estatal está submetida ao ordenamento jurídico vigente, que é composto de princípios e regras que orientam as relações jurídicas entre a administração pública e o cidadão. Os princípios constitucionais são expressões normativas consolidadas a partir dos valores (fundamen-tos constitucionais(2)) ou fins (diretrizes constitucionais(3)) constitucionais, que garantem a coerência, a unicidade e a concreção de todo o ordenamento jurídico. São normas constitucionais hierarquicamen-te superiores às regras constitucionais(4). A quebra de um princípio jurídico basta para invalidar todo e qualquer ato do Estado, pois como bem leciona Celso Antônio Bandeira de Mello(5): "Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princí-pio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de co-mandos. É a forma mais grave de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamen-tais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra". O princípio da eficiência vem expresso na Constituição Federal reformada. Quando um princípio jurídico é encontrado por disposição expressa no texto legal, constitui norma plenamente exigível e concretizá-vel, vinculando imediatamente o agente público e o cidadão. No caso dos princípios jurídicos implícitos no ordenamento jurídico, é preciso a sua apreensão doutrinária e jurisprudencial, somente encontran-do concretização viável quando indicado e imposto pela decisão judicial. A eficiência administrativa pode ser aceita como princípio na medida em que viabilize a invalidação de qualquer ato do Estado atentatório aos seus ditames. O conteúdo jurídico do princípio constitucional variará consoante o tratamento que lhe for dado, bem como o alcance e o peso relativo que lhe for atribuído, dentro do ordenamento jurídico posto(6). Nem sempre o fato do legislador atribuir, numa interpretação literal do texto jurídico, a condição de princípio a um preceito indica necessariamente que ele o será. O princípio jurídico é uma norma jurídi-ca, forte e poderosa o suficiente, sem necessidade de uma regra ou outro princípio que o explique, para determinar a validade ou a invalidade de regras e atos jurídicos. Os princípios não são criados pela doutrina ou pela jurisprudência, mas sim identificados no ordenamento jurídico(7). Não raras vezes se confunde um fundamento ou uma diretriz com um princípio jurídico. A cidadania, por exemplo, não é um princípio jurídico, mas sim um fundamento constitucional a ser concretizado por via normativa. É possível invalidar um ato do Estado argumentando tão somente a cidadania? Essa mesma pergunta deve ser feita se atribuir ou não à eficiência administrativa o caráter de princípio. Isso não implica em dizer que estamos menosprezando a função jurídica da cidadania. Como funda-mento constitucional, tem a função normativo-jurídica de, ao lado de sua função político-simbólica, servir de padrão axiológico para operador jurídico, na construção e concretização do ordenamento jurí-dico(8).

3. Conteúdo jurídico da eficiência administrativa. 3.1. Natureza jurídica da eficiência administrativa. Consoante Adílson de Abreu Dallari(9), "o Poder Público somente cuida daquilo que é essencial e fun-damental para a coletividade, e que, portanto, deve ser bom, produtivo, eficaz, eficiente", constituindo a reclamação pela eficiência da administração pública um direito subjetivo do administrado. Como lem-bra Alexandre de Morais(10), o administrado "poderá exigir da Administração Pública o cumprimento de suas obrigações da forma mais eficiente possível". Há respeito à eficiência quando a ação administrativa atinge materialmente os seus fins lícitos e, por vias lícitas. Quando o administrado se sente amparado e satisfeito na resolução dos problemas que ininterruptamente leva à Administração. O princípio da eficiência administrativa estabelece o seguinte: toda a ação administrativa deve estar orientada para a concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones do regime jurídico-administrativo.

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A ânsia de se alcançar as metas legalmente estipuladas pode, não raras vezes, induzir ao administra-dor à indevida "flexibilização" das normas que regulam o procedimento administrativo previsto para o caso concreto. O caso recente dos grampos telefônicos de conversas reservadas dos responsáveis pelo processo de privatização em curso demonstram que o argumento da "eficiência" também pode servir para a quebra do ordenamento jurídico. Somente há o respeito e a observância do princípio da eficiência administrativa quando o administrador respeita o ordenamento jurídico, mesmo diante de finalidade legal efetivamente atingida. Por mais que esteja bem intencionado o administrador, este não pode afastar os preceitos do regime jurídico-administrativo sob o argumento de que os mesmos atrapalham o próprio interesse público. Alexandre de Morais(11) o define do seguinte modo: "(...) é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos crité-rios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da con-sagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços públicos sociais essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para a satisfação do bem comum". Aceitação do princípio da eficiência encontra resistência na doutrina, talvez porque uma das razões apontadas para sua indicação expressa no texto constitucional reformado tenha sido a de tornar a es-tabilidade dos servidores públicos mais frágil. Maurício Antônio Ribeiro Lopes(12) se opõe ao caráter principiológico e jurídico da eficiência administrativa, afirmando: "Inicialmente cabe referir que eficiência, ao contrário do que são capazes de supor os próceres do Po-der Executivo federal, jamais será princípio da Administração Pública, mas sempre terá sido - salvo se deixou de ser em recente gestão pública - finalidade da mesma Administração Pública. Nada é eficiente por princípio, mas por conseqüência (...) Trata-se de princípio retórico imaginado e ousado legislativamente pelo constituinte reformador, sem qualquer critério e sem nenhuma relevância jurídica no apêndice ao elenco dos princípios constitucio-nais já consagrados sobre Administração Pública". E, caminhando em sentido similar, Celso Antônio Bandeira de Mello(13): "Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto". Ou, na visão de Lúcia Valle Figueiredo(14): "É de se perquirir o que muda com a inclusão do princípio da eficiência, pois, ao que se infere, com segurança, à Administração Pública sempre coube agir com eficiência administrativa para seus come-timentos". A eficiência, ao nosso ver, constitui sim princípio jurídico da administração pública, que, junto aos de-mais princípios constitucionais do regime jurídico-administrativo, impõe o dever da boa administração. Não se pode conceber uma administração pública que não tenha a obrigação de ser diligente e criterio-sa na busca e efetivação do interesse público consagrado em lei(15). O princípio da eficiência adminis-trativa têm bastante relevância quando se apura o respeito à ordem jurídica quando se está diante da discricionariedade administrativa. Discricionariedade administrativa constitui uma prerrogativa concedida pelo direito positivo à adminis-tração pública que lhe permite inserir, de modo controlado e delimitado, critérios de conveniência e oportunidade na formação da "vontade" administrativa. Ocorre quando: a lei estabelece expressamen-te mais de uma opção para a ação administrativa no caso concreto; ou, omite-se em fixar o motivo ou objeto do ato administrativo; ou, por fim, quando são empregados no texto normativo termos com larga dimensão semântica - os "conceitos jurídicos indeterminados" - e, se e somente se, for materi-almente impossível para o Poder Judiciário fixar a melhor interpretação para a situação jurídica posta sob sua apreciação(16).

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É certo que a eficiência é uma finalidade de toda ação administrativa, mas nada impede que o consti-tuinte, o legislador ou o reformador estabeleçam novas figuras principiológicas ou reconheça expres-samente o que a doutrina e/ou a jurisprudência identificava como princípios implícitos no sistema cons-titucional. O texto constitucional já fazia referência a eficiência em outros pontos do documento jurídico-político fundamental(17). Ao instituir o controle interno dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, o art. 74, da Lei Maior, diz-nos o seguinte (grifo nosso): "Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de con-trole interno com a finalidade de: (...) II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamen-tária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado". A doutrina também já mencionava a eficiência ao tratá-la como requisito fundamental do serviço públi-co(18); ou como um aspecto relevante para a aferição da razoabilidade na discricionariedade adminis-trativa(19). Para que a eficiência seja considerada princípio, é preciso que a sua violação baste para invalidar a conduta administrativa, sem a necessidade de regra. O princípio deve ser suficiente para eliminar o atentado ao seu conteúdo, pois, do contrário, não pode ser enquadrado em tal categoria. 3.2. Eficiência administrativa e outros princípios constitucionais. Alexandre de Morais(20) coloca a transparência, a imparcialidade, a neutralidade como "característi-cas" do princípio da eficiência. Discordamos. A transparência está vinculada ao princípio da publicidade e ao princípio da motivação. Sem transpa-rência, não há controle jurisdicional viável da administração pública, constituindo uma exigência da cidadania. A imparcialidade e a neutralidade são determinadas pelo princípio da impessoalidade ou finalidade. Este determina que somente uma finalidade pública pode ser o norte da ação administrativa, e tais deveres do administrador são imprescindíveis para o cânone teleológico do regime jurídico-administrativo. Mas o conceito proposto de eficiência administrativa não se aproxima com noção de finalidade? Sim, evidente que sim. Contudo, enquanto que no princípio da eficiência administrativa, determina-se que a ação material da administração pública deve atingir efetivamente, e de modo lícito, a finalidade legal, o princípio da finalidade esclarece que o ato administrativo somente pode ter uma finalidade pú-blica, estabelecida em lei A impessoalidade veda uma finalidade estranha ao interesse público na ação administrativa; já a eficiência administrativa, a falha da administração em atingir o fim legal. Eficiência administrativa e moralidade também guardam elos fortes de ligação. Somente há obediência ao dever da boa e eficiente administração quando há o respeito à moral administrativa. A eficiência administrativa tem bastante relevância no controle de proporcionalidade dos atos adminis-trativos. Apesar da precariedade do controle judicial de eficiência, este elemento é muito importante para a aferição da presença dos requisitos de necessidade, adequação e razoabilidade na formação do ato administrativo. Os princípios jurídicos não devem ser encarados como compartimentos estanques, incomunicáveis. É preciso que o operador jurídico compreenda que os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência são elementos que devem ser conjugados para o melhor entendimento do regime jurídico-administrativo. Todavia, apesar do conteúdo principiológico do regime jurídico-administrativo exigir coerência, unidade e aplicabilidade, pois mesmo havendo a necessária interdependência entre os princípios constitucionais da administração pública, é preciso que esteja assegurado a cada preceito, um conteúdo e uma finali-dade distinta. Do contrário, a argüição do princípio no caso concreto perde sua utilidade prática. 3.3. Direito de participação do administrado na gestão dos serviços públicos A Emenda Constitucional nº 19/98 declarou o direito de participação dos administrados na gestão dos serviços públicos, tanto na administração pública direta como na administração pública indireta, de-

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terminando que a lei deve instituir formas que o viabilizem(21). O reformador ainda estabeleceu, quanto a esse direito subjetivo do cidadão: a) Direito de reclamação contra a ineficiente prestação de serviços públicos, estabelecendo ainda a Constituição reformada a garantia da manutenção dos serviços de atendimento do usuário e da avalia-ção períodica, externa e interna, da qualidade dos serviços(22); b) O direito de acesso dos usuários dos serviços públicos a registros administrativos e a informações sobre "atos de governo"(23); c) E, por fim, o direito de representação contra o exercício negligente ou abusivo do cargo, emprego ou função na administração pública(24). O regime jurídico-constitucional da administração pública segue a tendência do direito administrativo contemporâneo, que determina o "abandono da vertente autoritária para valorizar a participação de seus destinatário finais quanto à formação da conduta administrativa"(25). O direito subjetivo do ad-ministrado à participação tem forte ligação com o princípio da eficiência, constituindo sua instituição e as garantias constitucionais nele inspiradas um grande instrumental jurídico para a concretização nor-mativa da eficiência(26). Quem melhor senão o próprio destinatário do serviço público para determinar se existe materialmente a conciliação entre a prática administrativa e o ditame constitucional da efici-ência? Constitui, sem dúvida, um dos pontos positivos da reforma administrativa engendrada pela Emenda Constitucional nº 19/98. Resta saber que, haja vista boa parte dessas benéficas inovações depender expressamente de regulamentação infraconstitucional, se haverá vontade política, por parte dos titula-res do Poder Legislativo e do Poder Executivo, de efetivamente concretizá-las; assim como, quando vier a legislação que se espera, se ela refletirá um progresso real na busca do acesso à administração pública democrática. 3.4. Quebra da estabilidade do servidor público É sob a ótica da eficiência, que a agora se permite a quebra da estabilidade do servidor público por insuficiência de desempenho(27). Tal matéria inequivocamente depende de regulamentação infracons-titucional. É preciso que essa legislação observe as garantias do contraditório e da ampla defesa, bem como, que assegure ao servidor público critérios objetivos e claros para aferir a eficiência de sua con-duta funcional.

4. Aspectos polêmicos do controle judicial da eficiência administrativa Apesar da expressa inclusão do princípio da eficiência no rol do art. 37, caput, da Constituição vigente, é vedado, ao nosso ver, ao Poder Judiciário controlar integralmente a eficiência da atividade adminis-trativa. A eficiência da ação administrativa é objeto de controle interno de cada poder, quando exerce tal fun-ção(28), e do controle legislativo(29). Em sede de controle administrativo, a atividade administrativa é amplamente revisada e apreciada. Se a providência administrativa anteriormente tomada passou a se mostrar inconveniente ou inoportuna, ela fica passível de revogação pela administração pública, por não se mostrar mais eficiente para satisfazer o interesse público no caso concreto. Não se está contro-lando a juridicidade da medida, mas sim sua efetividade. No caso do controle legislativo, há espaço para que o Congresso Nacional aprecie a economicidade da ação administrativa. O Tribunal de Contas, seu órgão auxiliar, pode impugnar o ato ineficiente, sustan-do-o caso se persista na sua execução(30). Aponta Themístocles Brandão Cavalcanti(31), a insuficiência da lei em prever todos os critérios especí-ficos a serem empregados, "só conhecidos de quem tenha o domínio dos conhecimentos técnicos e das condições peculiares à individualização das normas e sua aplicação aos caso concretos". Na apreciação dos critérios técnicos indicados pela autoridade administrativa, o juiz necessariamente terá que recor-rer a técnicos e especialistas para aferir, tão somente, sua legalidade, seu respeito à isonomia e sua compatibilidade ética, jamais sua eficiência para fins de invalidação. Não podendo ser esquecido que: "É preciso esclarecer que os standards e critérios técnicos que orientam o procedimento administrativo, não correspondem a limitações objetivas mas a situações subjetivas que podem ser consideradas quanto à idoneidade de sua aplicação aos casos concretos, pelos órgãos competentes para o contrôle dos atos administrativos"(32).

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Analisar a eficiência da ação administrativa é analisar a esfera de sua discricionariedade. A opção por um critério técnico específico, se conciliado com os cânones do regime-administrativo, fica isenta de invalidação judicial por ineficiência. Não cabe ao Poder Judiciário definir a melhor técnica aplicável, mas sim se esta ateve-se aos limites do ordenamento jurídico. Portanto, havendo mais de uma técnica possível, segundo os cânones científicos e metajurídicos apli-cáveis ao caso concreto, e ela guardando compatibilidade com o regime jurídico-administrativo, há necessariamente espaço para discrição. Não estamos defendendo aqui a discricionariedade técnica(33). Embora seja imperativo o dever da boa administração e da melhor escolha, é impossível a substituição do administrador pelo juiz no papel de perito do interesse público, no que concerne ao aspecto estrito de sua eficiência. Afinal, a administra-ção pública não tem sua razão de ser e de agir na concretização do interesse público? Quem deve dizer que a ação da administração pública materialmente atendeu às expectativas do cidadão, o juiz (en-quanto agente público) ou o próprio cidadão, tutelado pela medida administrativa? Themístocles Brandão Cavalcanti(34) bem alerta sobre essa questão: "Em um mundo dominado por uma compilação enorme de problemas, ninguém, nem mesmo os juizes, pode pretender possuir o dom de conhecer todos êles e, ainda menos, o de resolvê-los por si. Mas nem todos os problemas se ajustam ao quadro das soluções técnicas. Há circunstâncias morais, existem razões profundas de ordem jurídica que bastam para orientar um solução. Nesses casos, o juiz é o perito na aplicação do direito. Para êle está reservada uma larga margem na atividade estatal, mas nenhuma razão existe para colo-cá-lo como árbitro na atividade específica dos outros pôderes, quando no uso legítimo de sua compe-tência. O problema surge freqüentemente nos casos em que o juiz tem de dar um fundamento econômico à sua decisão" Caso o ato administrativo portador de mérito tenha se mostrado inconveniente ou inoportuno, no mo-mento da sua expedição, estaremos diante da quebra da ordem jurídica por violação da isonomia ou moralidade administrativas. Mas, ao se invalidar a discricionariedade administrativa, retira-se do regi-me jurídico-administrativo o ato dela decorrente, impossibilitando a aferição integral da eficiência ou ineficiência material da providência. A execução material do ato administrativo não se confunde com o próprio ato(35). Somente a administração pública tem competência e aptidão para, preventivamente, retirar do regime jurídico-administrativo um ato que passou a se mostrar ineficiente para a satisfação do interesse públi-co. Ao se admitir que o Poder Judiciário possa faze-lo, corre-se o sério risco de se eliminar o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes do Estado. No caso das liminares judiciais de caráter preventivo, não pode o juiz invalidar um ato administrativo sob o único argumento da quebra o princípio da eficiência. Pode o juiz sim, se identificado um potencial perigo de lesão a um direito subjetivo do administrado, em se admitindo a invalidação judicial por ine-ficiência da opção administrativa, suspender a execução do ato administrativo contestado até a re-solução final da lide (o que não implica em sua retirada do regime jurídico-administrativo, em sede de medida cautelar). A concessão desses provimentos jurisdicionais é, inclusive, imprescindível quando a técnica empregada pela administração pública pode se mostrar danosa à ordem pública ou a um bem público, especialmente quando se trata de matéria envolvendo meio ambiente. O total controle jurisdicional da eficiência implicaria numa intervenção inaceitável do Poder Judiciário na competência administrativa, usurpando as atribuições constitucionais da administração pública(36), pois: "É a proteção da ordem jurídica, da ordem legal, que se pretende e não a eficiência e economia dos serviços administrativos, da utilidade ou necessidade dêsses atos"(37). O Poder Judiciário não pode compelir a tomada de decisão que entende ser de maior grau de eficiência. Todos temos nossa ideologia, elemento imprescindível à qualquer ser humano. Mas o ordenamento jurídico rejeita qualquer relevância do que seja ideal para o juiz quando no exercício da função jurisdi-cional, haja vista o ordenamento jurídico não tolerar outra ideologia senão aquela compatível com os valores e fins constitucionalmente assentados.

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Mas a eficiência, quando interpretada em conjunto com os demais princípios jurídicos (especialmente os da moralidade e o da proporcionalidade), pode orientar a aferição da juridicidade da ação adminis-trativa. O que o juiz não pode fazer é, empregando exclusivamente o princípio da eficiência, invalidar o ato administrativo. É evidente que uma administração pública que atende aos cânones da proporcionalidade e da morali-dade está sendo juridicamente mais eficiente, havendo um controle jurisdicional de eficiência quanto às vias empregadas pela administração pública no caso concreto. Verifica-se, portanto, se a adminis-tração pública optou devidamente por vias lícitas. Em suma, a função do Poder Judiciário é esgotada pela comprovação de que as vias eleitas, bem como sua correlação com o interesse público no caso concreto, estão em conformidade com o regime jurídi-co-administrativo. Não cabe ao juiz, verificado que o administrador atendeu aos padrões de legalidade, impessoalidade, proporcionalidade, isonomia, moralidade e publicidade, determinar se a medida vai ser eficiente ou não, caso esta ainda não tenha sido concretizada. Imagine-se o tumulto que os juizes pro-vocariam se começassem a invalidar atos administrativos que ferissem seus padrões ideológicos parti-culares. E como conciliar o direito subjetivo público do cidadão à eficiência com a insindicabilidade do ato admi-nistrativo portador de mérito em matéria estrita de eficiência? Embora o Poder Judiciário não possa invalidar o ato administrativo, antes de sua execução, pela ótica estrita da eficiência administrativa, é possível responsabilizar o Estado pelas perdas e danos causados pela ação administrativa(38). O ato estatal lícito, afinal, também gera responsabilização do Estado(39). É possível, ao nosso ver, discutir-se até, se a ineficiência da administração pública em atender materi-almente a um direito subjetivo do administrado (educação, saúde, moradia, lazer, por exemplo), por si só, constitui um dano ao administrado, hábil para produzir efeitos concretos no campo da responsabili-dade administrativa, penal ou civil. Mas esse aspecto foge aos limites de nosso trabalho, bastando-nos aqui, apenas suscitar o debate. A eficiência da ação administrativa somente é efetivamente comprovada quando o ato administrativo é materialmente aplicado. O controle jurisdicional da atividade administrativa não incide sobre a execu-ção material, mas sim, a estrutura e coerência jurídicas da decisão da administração pública e sua re-lação com o regime jurídico-administrativo. Se da execução do ato adveio dano para o administrado, há espaço para a responsabilidade do Estado.

5. Notas finais. O cidadão brasileiro encontra-se, desde há muito tempo, exausto pela péssima qualidade dos serviços que lhes são prestados pelo Estado. Embora o "emendão" tenha sofrido todo um conjunto de fortes críticas por parte dos estudiosos do direito público, a introdução expressa da eficiência como princípio jurídico abre novos horizontes para o estudo das questões relacionadas com a ação administrativa. Resta saber se a palavra "eficiência" vai sensibilizar efetivamente os titulares da administração pública. E, especialmente, como os nossos tribunais irão enfrentar os conflitos entre administração pública e administrado quando diante do argumento da eficiência administrativa. Mas deve haver certeza em um aspecto: agora, a admissibilidade de um direito subjetivo à eficiência administrativa fica cada vez mais inequívoca.

NOTAS 1. Marcelo Neves, A Constitucionalização Simbólica, São Paulo, Acadêmica, 1994, p. 37. 2. São aqueles valores socialmente considerados imprescindíveis para a sociedade em um dado mo-mento histórico, cuja complexidade demanda um tratamento jurídico diferenciado (Vladimir da Rocha França, "Questões sobre a Hierarquia entre as Normas Constitucionais na Constituição de 1988", In: Revista da ESMAPE, Vol. 2, Nº 4, p. 474). Ver CF, art. 1º e seus incisos. 3. São aquelas metas constitucionalmente fixadas para o Estado e a Sociedade, que devem ser alcan-çadas por instrumentos jurídicos (idem, ibidem, p. 475). Ver CF, art. 3º e seus incisos. 4. Preceitos normativos, tal como as regras jurídicas infraconstitucionais, que estabelecem um padrão de conduta a ser seguido pelo cidadão diante de uma dada situação jurídica individual, podendo de-terminar uma permissão, obrigação ou proibição (idem, ibidem, p. 478).

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5. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 11 ed., São Paulo, Malheiros, 1999, p. 630. 6. Vladimir da Rocha França, op. cit., pp. 483-492. 7. Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), São Paulo, Ed. RT, 1990, p. 129. 8. Vladimir da Rocha França, op. cit., p.477. 9. Em seu "Administração Pública no Estado de Direito", in: Revista Trimestral de Direito Público, Nº 5/1994, p. 39-40. Cf. Alexandre de Morais, Direito Constitucional, 5 ed., São Paulo, Atlas, 1999, p. 293. 10. Op. cit., p. 293. 11. Op. cit., p. 294 (grifo no original). 12. Em seu Comentários à Reforma Administrativa - De acordo com as Emendas Constitucio-nais 18, de 05.02.1988, e 19, 04.06.1988, São Paulo, Ed. RT, 1998, pp. 108-109 (grifo no origi-nal). 13. Op. cit., p. 75. 14. Em seu Curso de Direito Administrativo, 4 ed., São Paulo, Malheiros, 2000, p. 60. 15. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Legitimidade e Discricionariedade, 2 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1991, p. 55. 16. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., pp. 629-653; Vladimir da Rocha França, "Fundamen-tos da Discricionariedade Administrativa", in: Revista dos Tribunais, Vol. 768, pp. 60-75; e Eros Ro-berto Grau, "Crítica da Discricionariedade e Restauração da Legalidade", in: O Direito Posto e o Di-reito Pressuposto, São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 167-190. 17. Assim como nossos tribunais. Ver, por exemplo, STJ, ROMS nº 5590/95-DF, Rel. Luiz Vicente Cer-nicchiaro, Sexta Turma, unânime pelo não provimento, julgado em 16/04/96, publicado no DJ de 10/06/96. 18. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 20 ed, atual. por Eurico de Andrade A-zevedo et al, São Paulo, Malheiros, 1995, p. 299. 19. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, op. cit., p. 55. 20. Op. cit., pp. 295-298. 21. Ver CF, art. 37, § 3º, caput. 22. Ver CF, art. 37, § 3º, I. 23. Ver CF, art. 37, § 3º, II. Interpretamos como "atos de governo" todos os atos emanados do Poder Executivo. Se o atos decorrentes de políticas públicas devem ser informados à coletividade, porque não os simples atos administrativos. O que já é, aliás, determinado pela Lei Maior em seu art. 5º, XXXIII. 24. Ver CF, art. 37, § 3º, III. 25. Caio Tácito, "Direito Administrativo Participativo", in: Revista Trimestral de Direito Público, Nº 15/1996, p. 25. 26. Alexandre de Morais, op. cit., p. 297. 27. Ver CF, art. 41, § 1º, III. 28. Ver CF, art. 74, II. 29. Ver CF, art. 70, e ss. 30. Ver CF, art. 71, X. No caso de contrato administrativo ineficiente, o ato de sustação é de compe-tência do Congresso Nacional, como determina a CF, no seu art. 71, § 1º. 31. Op. cit., p. 437. 32. Idem, ibidem, p. 440. 33. Para uma crítica à chamada discricionariedade técnica, ver Antônio Francisco de Sousa, "Concei-tos Indeterminados" no Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 1994, pp. 105-112. 34. Op. cit., p. 439. 35. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., p. 270. 36. Themístocles Brandão Cavalcanti, op. cit., p. 445. 37. Idem, ibidem, p. 448. 38. Idem, ibidem, p. 435.

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39. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., pp. 654-695; e Lúcia Valle Figueiredo, op. cit., pp. 252-276.

BIBLIOGRAFIA DALLARI, Adilson de Abreu. "Administração Pública no Estado de Direito". In: Revista Trimestral de Direito Público. Nº 5/1994: 33-41. CAVALCANTI, Themístocles Brandão. "Do Poder Discricionário". In: Revista de Direito Administrati-vo. Seleção Histórica: 431-451, 1991. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. FRANÇA, Vladimir da Rocha. "Questões sobre a Hierarquia entre as Normas Constitucionais na Consti-tuição de 1988". In: Revista da ESMAPE. Vol. 2. Nº 4: 467-495. ______. "Fundamentos da Discricionariedade Administrativa". in: Revista dos Tribunais. Vol. 768: 60-75. GRAU, Eros Roberto. Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica). São Paulo: Ed. RT, 1990. ______. "Crítica da Discricionariedade e Restauração da Legalidade". in: O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo: Malheiros, 1996: 167-190. LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Comentários à Reforma Administrativa - De acordo com as Emendas Constitucionais 18, de 05.02.1988, e 19, 04.06.1988. São Paulo: Ed. RT, 1998. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade. 2 ed. Rio de Janeiro: Fo-rense, 1991. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20 ed. atual. por Eurico de Andrade Aze-vedo et al. São Paulo: Malheiros, 1995. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 1999. MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1999. NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994. SOUSA, Antônio Francisco de Sousa. "Conceitos Indeterminados" no Direito Administrativo. Co-imbra: Almedina, 1994. TÁCITO, Caio. "Direito Administrativo Participativo". In: Revista Trimestral de Direito Público. Nº 15/1996: 24-28. FONTE: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=344

C - O NEPOTISMO Emerson Garcia Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Consultor Jurídico da Procuradoria Geral de Justiça, Pós-Graduado em Ciências Políticas e Internacionais e Mestrando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa Sumário: I. A origem do termo. II. O nepotismo e os vícios que enseja. II.I. O nepotismo e o princípio da moralidade. II.II. O nepotismo e o princípio da legalidade. II.III. O nepotismo e o desvio de finali-dade. III. À guisa de conclusão.

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I. A origem do termo Etimologicamente, nepotismo deriva do latim nepos, nepotis, significando, respectivamente, neto, so-brinho. Nepos também indica os descendentes, a posteridade, podendo ser igualmente utilizado no sentido de dissipador, pródigo, perdulário e devasso. (1) A divulgação do vocábulo (ao qual foi acrescido o sufixo ismo), no sentido hoje difundido em todo o mundo, em muito se deve aos pontífices da Igreja Católica. Alguns papas tinham por hábito conceder cargos, dádivas e favores aos seus parentes mais próximos, terminando por lapidar os elementos in-trínsecos ao nepotismo, que, nos dias atuais, passou a ser associado à conduta dos agentes públicos que abusivamente fazem tais concessões aos seus familiares. (2) O nepotismo, em alguns casos, está relacionado à lealdade e à confiança existente entre o "beneméri-to" e o favorecido, sendo praticado com o fim precípuo de resguardar os interesses daquele. Essa ver-tente pode ser visualizada na conduta de Napoleão, que nomeou seu irmão, Napoleão III, para gover-nar a Áustria, que abrangia a França, a Espanha e a Itália. Com isto, em muito diminuíam as chances de uma possível traição, permitindo a subsistência do império napoleônico. Em outras situações, o "benemérito" tão-somente beneficia determinadas pessoas a quem é grato, o que, longe de garantir a primazia de seus interesses, busca recompensá-las por condutas pretéritas ou mesmo agradá-las. Co-mo ilustração, pode ser mencionada a conduta de Luiz XI, que presenteou sua amante Ana Passeleu com terras e até com um marido (João de Brosse), o que permitiu fosse elevada à nobreza.(3) Nepotismo, em essência, significa favorecimento. Somente os agentes que ostentem grande equilíbrio e retidão de caráter conseguem manter incólume a dicotomia entre o público e o privado, impedindo que sentimentos de ordem pessoal contaminem e desvirtuem a atividade pública que se propuseram a desempenhar.

II. O nepotismo e os vícios que enseja O nepotismo, por vezes, é institucionalizado, do que é exemplo o mau-vezo de se outorgar às primei-ras damas a atribuição de conduzir instituições sem fins lucrativos, não raro dotadas de vultoso patri-mônio e de incomensurável importância para determinadas classes da população. Não seria esta uma modalidade de nepotismo ex vi legis? A este questionamento respondemos com outros mais: as pri-meiras damas exercem a representatividade popular? Qual é o fundamento de legitimidade de sua a-tuação? São competentes ou possuem uma "competência reflexa" oriunda do Chefe do Executivo? Cer-tamente, qualquer resposta chegará a uma conclusão comum: não fosse esta anômala situação ineren-te à "coisa pública", certamente soaria como uma anedota acaso suscitada no âmbito da iniciativa pri-vada. Sob outra vertente, a preocupação com o favorecimento há muito está sedimentada no direito positivo pátrio, do que é exemplo a causa de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição da Repú-blica, que alcança o cônjuge e os parentes, consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Chefe do Executivo ou de quem o tenha substituído nos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. Identificada a prática do nepotismo, ter-se-á, de imediato, um indício de violação ao princípio da im-pessoalidade (4), já que privilegiados interesses individuais em detrimento do interesse coletivo. Na violação à impessoalidade, no entanto, não se exaurem os efeitos do nepotismo, tendo, ao nosso ver, dimensão mais ampla. Nesta linha, de forma correlata aos efeitos imediatos do ato, refletidos no injus-tificável tratamento diferenciado dos administrados, tem-se o fundamento ético-normativo por ele vio-lado. Este, por sua vez, poderia ser refletido em três vertentes, cuja pertinência passaremos a anali-sar. Para melhor facilitar a compreensão do tema, será ele direcionado ao provimento dos cargos em comissão, não raras vezes ocupados por parentes dos responsáveis pela nomeação. II.I. O nepotismo e o princípio da moralidade Em um primeiro momento, a conduta acima mencionada (nomeação de parentes para o provimento de cargos em comissão) poderia ser considerada como dissonante do princípio da moralidade administra-tiva, pois fere o senso comum imaginar que a administração pública possa ser transformada em um negócio de família. Este argumento, não obstante o seu acentuado cunho ético, não subsiste por si só. Com efeito, a partir do momento em que o Constituinte consagrou a existência das funções de confian-ça e dos cargos em comissão (5), é tarefa assaz difícil sustentar que os valores que informam a mora-

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lidade administrativa, originários das normas que disciplinam o ambiente institucional, não autorizam que o agente nomeie um parente no qual tenha ampla e irrestrita confiança. (6) Note-se que nos refe-rimos à moralidade administrativa, princípio densificado a partir dos standards de conduta colhidos no ambiente institucional e inerentes ao bom-administrador. (7) Situação diversa ocorrerá quando a nomeação recair sobre pessoa que seja credora do agente público ou cujos interesses pessoais estiverem diretamente relacionados ao exercício do cargo para o qual fora nomeado, caminhando em norte contrário a ele. Como exemplo, podemos mencionar a nomeação do proprietário da maior rede hospitalar privada do Município para o cargo de Secretário Municipal de Sa-úde; neste caso, seria do interesse do Secretário o aprimoramento do atendimento nos hospitais públi-cos? Contribuiria ele para o decréscimo de seus próprios lucros? Em situações como essa, entendemos ser patente a violação à moralidade administrativa, o que já não ocorre pelo simples fato de o ocupan-te do cargo ser parente do agente que o nomeou. II.II. O nepotismo e o princípio da legalidade Buscando contornar o óbice acima exposto, tem sido comum a edição de normas vedando a nomeação de parentes para o preenchimento de cargos em comissão. Esse tipo de norma em muito contribui pa-ra a preservação do princípio da moralidade, pois evita que as nomeações terminem por ser desvirtua-das da satisfação do interesse público e direcionadas ao atendimento de interesses a ele estranhos. À guisa de ilustração, podem ser mencionados: a) o Estatuto dos Servidores da União (Lei nº 8.112/90), cujo art. 117, VII, veda ao agente "manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheira ou parente até o se-gundo grau civil"; b) o Regime Jurídico dos Servidores do Poder Judiciário da União (Lei nº 9.427/96), em seu art. 10, veda a nomeação de cônjuge, companheiro ou de parentes até o terceiro grau, pelos membros de tri-bunais e juízes, a eles vinculados, salvo os servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo das carreiras judiciárias; c) os arts. 355, § 7º e 357, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal res-tringem a nomeação de parentes como forma de combate ao nepotismo; d) o art. 326 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região veicula comando seme-lhante; e) a Lei nº 9.165/95, que disciplina o funcionalismo no âmbito do Tribunal de Contas da União, tam-bém veicula restrições à nomeação de parentes; f) o Provimento nº 84/96, da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu art. 1º, "veda a contratação de servidores pela OAB, independente do prazo de duração do pacto laboral, vinculados por relação de parentesco a Conselheiros Federais, Membros Honorários Vitalícios, Conselheiros Estaduais ou inte-grantes de qualquer órgão deliberativo, assistencial, diretivo ou consultivo da OAB, no âmbito do Con-selho Federal, dos Conselhos Seccionais e das Subseções", acrescendo o parágrafo primeiro que "a vedação a que se refere o caput desse artigo se aplica aos cônjuges, companheiros e parentes em li-nha reta ou na colateral até o terceiro grau"; g) o art. 4º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 7.451, de 1º de julho de 1991, que criou cargos no quadro do Tribunal de Justiça de São Paulo e vedou a nomeação, como assistente jurídico, "de cônju-ge, de afim e de parente em linha reta ou colateral, até o 3º grau, inclusive, de qualquer dos integran-tes do Poder Judiciário do Estado de São Paulo"; e h) o art. 20, § 5º, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, com a redação determinada pela Emenda nº 12/95, estabeleceu restrições à nomeação de parentes no âmbito da administração direta e indireta dos três Poderes, do Ministério Público e do Tribunal de Contas. Existindo vedação legal e sendo ela descumprida, ter-se-á a violação ao princípio da legalidade e, ipso iure, um relevante indício da prática de ato de improbidade. (8) Neste caso, tem-se um impedimento legal ao exercício da função pública, o qual, apesar de restringir a esfera jurídica dos parentes do a-gente público, em nada compromete a isonomia que deve existir entre estes e os demais, isto porque a restrição é razoável e pontual, evitando que os laços de afinidade terminem por preterir outros pre-tendentes quiçá melhor preparados. (9) A efetividade de normas como essa, no entanto, pressupõe que tenham amplitude semelhante às da Constituição gaúcha, o que evitará que colegas do agente contratem os parentes deste e este os da-

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queles, conferindo uma aparente legalidade ao ato. É necessário, ainda, que a matéria seja regida de forma linear e igualitária, alcançando toda a estrutura administrativa de determinada esfera da Federa-ção, o que evitará qualquer discriminação dos servidores conforme o Poder ou o órgão perante o qual atuem. É de todo aconselhável que a norma dispense tratamento diferenciado àqueles parentes que, após re-gular aprovação em concurso público, sejam ocupantes de cargo efetivo. Em casos tais, a vedação de-ve restringir-se à impossibilidade de ocuparem cargos em que estejam diretamente subordinados ao agente com o qual mantenham o vínculo de parentesco. Esse entendimento, aliás, foi encampado pelos arts. 355, § 7º e 357, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Nessa linha, a Lei Estadual nº 3.899, de 19 de julho de 2002, que dispôs sobre o quadro permanente de serviços auxiliares do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, estatuiu, em seu art. 25, que "é vedada a nomeação ou designação para exercer Cargo em Comissão de cônjuge, companheiro ou parente até o 3º (terceiro) grau, inclusive, de membros do Ministério Público, salvo se servidor do Quadro Permanente dos Serviços Auxiliares, caso em que a vedação é restrita à nomeação ou designa-ção para servir junto ao membro determinante da incompatibilidade". Com isto, evita-se que o agente que ascendeu por méritos próprios ao funcionalismo público deixe de ocupar uma posição de igualdade em relação aos demais; e, pior, ainda seja penalizado por ter um parente em posição de superioridade no escalonamento funcional. II.III. O nepotismo e o desvio de finalidade Por derradeiro, o nepotismo poderá ser associado ao desvio de finalidade, o que demandará a análise do contexto probatório, diga-se de passagem, nem sempre fácil de ser construído. O provimento de determinado cargo, ainda que sujeito à subjetividade daquele que escolherá o seu ocupante, sempre se destinará à consecução de uma atividade de interesse público. Assim, é necessário que haja um perfeito encadeamento entre a natureza do cargo, o agente que o ocupará e a atividade a ser desenvolvida. Rompido esse elo, ter-se-á o desvio de finalidade e, normal-mente, a paralela violação ao princípio da moralidade. Os exemplos, aliás, são múltiplos: um cargo que exija o uso das mãos não pode ser ocupado por quem não as possua; uma pessoa que sequer é alfa-betizada não pode ocupar um cargo que exija conhecimentos técnico-científicos; um adolescente, filho ou sobrinho de Desembargador, que sequer concluiu o ciclo básico de estudos, não deve ser nomeado Assessor deste, máxime quando estuda em outro Estado da Federação (10); etc. Em situações como estas, restará claro que ao nomear um parente para a ocupação do cargo buscou o agente unicamente beneficiá-lo, já que suas limitadas aptidões inviabilizavam o exercício das funções inerentes ao cargo para o qual fora nomeado. O Superior Tribunal de Justiça reconheceu a prática do nepotismo na remoção por permuta realizada entre pai e filha, respectivamente titular de Ofício de Cartório de Imóveis da Capital, em vias de se aposentar, e Escrivã Distrital, já que, ante a inexperiência desta, não se verificava a satisfação de qualquer interesse da Justiça em tal permuta, sendo flagrante que o ato visava à mera satisfação do interesse pessoal dos envolvidos. (11)

III. À guisa de conclusão Identificada a aparente ocorrência do nepotismo, prática de todo reprovável aos olhos da população, devem ser apuradas as causas da nomeação, as aptidões do nomeado, a razoabilidade da remunera-ção recebida e a consecução do interesse público. A partir da aferição desses elementos, será possível identificar a inadequação do ato aos princípios da legalidade e da moralidade, bem como a presença do desvio de finalidade, o que será indício veemente da consubstanciação de ato de improbidade.

NOTAS

1. (1) Cf. Francisco Torrinha, Dicionário Latino Português, pp. 550/551. 2. "Nepotismo s.m. 1. Política adotada por certos papas que consistia em favorecer siste-

maticamente suas famílias. - 2. Abuso de crédito em favor de parentes ou amigos. - 3. Favoritismo, proteção escandalosa, filhotismo." (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, p. 4187). "Népotisme e.m (it. nepotismo, du lat. nepos "neveu")> 1. Attitude de certains papes qui accordaient des faveurs particulières à leurs parents. 2. Abus qu´un homme

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em place fait de son crédit em faveur de as famille: Il a eu ce poste de haut fonctionnai-re par népotisme". (Dictionnaire Encyclopédique Illustré pour la maîtrise de la langue française, la culture classique et contemporaine, p. 1074).

3. Cf. Aluísio de Souza Lima, Visão do Nepotismo numa Perspectiva Histórica, Política e So-ciológica, Revista Cearense Independente do Ministério Público, p. 9.

4. Analisando a questão sob o signo da imparcialidade, terminologia preferida pelo ordena-mento italiano, observam Mazziotti Di Celso e Salermo (in Manuale di Diritto Costituzio-nale, Padova: CEDAM, 2002, p. 373) que referido cânone é correlato ao princípio da i-gualdade, indicando a necessidade de ser perseguida, unicamente, a finalidade pública objetivada no ordenamento, sendo inadmissível que a atividade administrativa esteja as-sociada a preferências, privilégios ou favoritismos, que procure injustiças ou que se fun-de em juízos arbitrários, não sustentados por parâmetros técnicos e neutros, mas, sim, destinada à obtenção de vantagens de qualquer natureza. Giuseppe de Vergottini (Diritto Costituzionale, Padova: CEDAM, 2003, p. 556) acrescenta que a imparcialidade da ação administrativa pressupõe, salvo exceções (art. 97 da Constituição italiana), o acesso aos cargos públicos por meio de concurso de igual natureza, garantindo, segundo regras predeterminadas, a seleção dos mais meritórios, o que assegura a imparcialidade desses funcionários na medida em que não permanecerão vinculados aos interesses de seu ben-feitor, mas "al servizio esclusivo della nazione".

5. Art. 37, II e V. 6. A 5ª Turma do STJ, no entanto, ao julgar o REsp. nº 150.897-SC, sendo relator o Min.

Jorge Scartezzini, ressaltou que a nomeação de parentes para a ocupação de cargos em comissão violava os princípios da moralidade e da impessoalidade na administração, ain-da que, diversamente do caso sub judice, não houvesse lei que proibisse as nomeações (j. em 13.11.00, DJ de 18.02.02). O TJRS decidiu da seguinte forma: "Constitucional e administrativo. Cargos Públicos. Investidura de agentes políticos e de servidores em car-gos e em funções de confiança. Nepotismo. Inverossimilhança da restrição ao direito fundamental de acesso a cargos públicos pela falta de norma legal restritiva e pelo prin-cípio da moralidade. 1. O acesso aos cargos públicos só pode ser restringido por lei em sentido formal. Não se aplicando aos municípios o art. 20, § 5º, da CE/89, em razão de sua autonomia, por igual, o 130, X, da Lei Orgânica do Município de Capão da Canoa aos poderes do Chefe do Executivo local, não infringe ao princípio da legalidade. Por outro lado, a exteriorização do valores da comunidade, que preencherão os fluidos princípios da moralidade e da impessoalidade, é matéria de prova. Inverossimilhança da pretensão antecipatória. 2. Agravo de instrumento desprovido." (4ª CC., AI nº 70003412020, rel. Des. Araken de Assis, j. em 28/12/01).

7. Para maior desenvolvimento do tema, vide a obra de nossa autoria intitulada Improbida-de Administrativa, sendo a segunda parte da lavra de Rogério Pacheco Alves, 1ª ed., 2ª tiragem, Rio: Editora Lumen Juris, 2002, pp. 38/52.

8. Será admissível, inclusive, a perquirição do ato de improbidade previsto no art. 10, XII, da Lei nº 8.429/92 ("permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilici-tamente."), que configura um plus em relação à mera violação aos princípios regentes da atividade estatal. Para maior desenvolvimento do tema, que apresenta múltiplas vari-antes, remetemos o leitor à obra de nossa autoria intitulada Improbidade Administrativa, sendo a segunda parte da lavra de Rogério Pacheco Alves, pp. 290/297.

9. O STF proferiu decisão do seguinte teor: "Cargos de confiança. Parentesco. Nomeação e exercício. Proibição. Emenda Constitucional. Adi. Liminar. A concessão de liminar pres-supõe a relevância do pedido formulado e o risco de manter-se com plena eficácia o pre-ceito. Isso não ocorre quando o dispositivo atacado, de índole constitucional, confere ao tema chamado "nepotismo" tratamento uniforme nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, proibindo o exercício do cargo pelos parentes consangüíneos e afins até o se-gundo grau, no âmbito de cada Poder, dispondo sobre os procedimentos a serem adota-dos para a cessação das situações existentes (...). (Pleno, ADIMC nº 1.521/RS, rel. Min.

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Marco Aurélio, j. em 12.03.97, RTJ nº 173/424). O STJ, do mesmo modo, assim decidiu: "Constitucional. Recurso em mandado de segurança. Alegação de inconstitucionalidade de norma estadual que veda a contratação de parentes dos magistrados para cargos do Judiciário Paulista. Improvimento. I. O princípio atacado não é inconstitucional. Ao con-trário, visa defender os princípios da moralidade no serviço público e os do Estado Repu-blicano, combatendo o nepotismo e reforçando, mesmo, a idéia de isonomia, já que para provimento de tais cargos não há concurso público. E o próprio artigo 37, inc. I, da CF, diz que o acesso de brasileiros aos cargos públicos deve obedecer aos requisitos estabe-lecidos em lei. II. Recurso improvido." (6ª T., ROMS nº 2.284/SP, rel. Min, Pedro Acioli, j. em 25/04/94, DJ de 16/05/94, p. 11.785).

10. O exemplo foi colhido do Jornal do Brasil, edição de 27 de junho de 2002, p. 2, sendo a reportagem de autoria de Diego Escosteguy. Segundo o periódico, uma juíza do TRT de Rondônia, em 1988, teve a filha, então com 14 anos de idade e cursando a 8ª série do 1º grau, contratada para trabalhar em seu gabinete. Dois meses depois foi a vez de sua sobrinha, de 12 anos de idade e que cursava a 6ª série. Foram exoneradas em 1989, por ordem do então Presidente do TRT e readmitidas em 1991, tendo recebido salários e gratificações até 1997. Em 1995, a filha foi promovida à condição de chefe de gabinete da mãe, à época Presidente do TRT-RO. A sobrinha, por sua vez, teve seus vencimentos aumentados por sua benemérita três dias após a assunção da Presidência do Tribunal. O curioso é que, durante boa parte deste período, estudavam em Ribeirão Preto, a 2.759 Km de Porto Velho. Os fatos foram investigados pelo Ministério Público e encaminhados ao TCU, o qual fixou o prazo de 15 dias para apresentação de defesa ou devolução das importâncias recebidas. No julgamento da Petição nº 1.576-3, oriunda de Roraima, sen-do relator o Min. Nelson Jobim, o STF reconheceu a suspeição de cinco dos sete Desem-bargadores do Tribunal de Justiça local - cujos parentes foram nomeados para cargos em comissão no Tribunal e, posteriormente, afastados por decisão de Juiz de Direito, aten-dendo pleito do Ministério Público em ação civil pública - para apreciar representação o-fertada por um deles contra o Juiz de 1ª instância que proferiu decisão contrária aos in-teresses de seus parentes. No procedimento disciplinar, o Juiz chegou a ser afastado de suas funções sob a acusação de "insubordinação, excesso de linguagem e atitude des-respeitosa". Como frisou o relator: "em tribunal suspeito, não existe desembargador le-gitimado" (Pleno, unânime, j. em 24.09.98, DJ de 18.02.00). Hipótese similar ao primei-ro caso mencionado foi julgada pelo TJGO: "Ação Civil Pública. Atos de improbidade ad-ministrativa. Defesa do patrimônio público. Legitimidade do Ministério Público. O Ministé-rio Público tem legitimidade para propor ação civil pública que objetiva a proteção do e-rário municipal. 2. Sentença ultra e extra petita. Não há se falar em sentença ultra ou extra petita quando ela é proferida nos estritos limites do petitum. 3. Nomeação de me-nor impúbere para o exercício de cargo comissionado. Caracteriza-se ato de improbidade administrativa a nomeação de filho menor de 18 anos para a função pública, uma vez que ofende os princípios da administração. Apelo conhecido e improvido. Decisão unâni-me". (2ª CC, AP nº 54530-7/188, rel. Des. Fenelon Teodoro Reis, j. em 21/11/00, DJ de 06/12/00, p. 6).

11. 2ª T., ROMS nº 1.751/PR, rel. Min. Américo Luz, j. em 02.04.94, RSTJ nº 62/153.

FONTE: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4281