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Refugiados mirins sírios e o acontecimento midiatizado pela
emoção: uma hipótese de ápice midiático
Adriana Domingues Garcia
Rejane de Oliveira Pozobon Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Palavras-chave: Midiatização. Circulação. Acontecimento. Refugiados.
RESUMO EXPANDIDO
Introdução
O artigo proposto tem como objetivo testar e aprimorar a hipótese de “ápice
midiático”, objeto de tese de doutorado que trata de movimentos circulatórios ocorridos
na tematização da mídia sobre os refugiados sírios, assim como nas práticas discursivas
que formam os circuitos comunicacionais, configurados tanto por mudanças na práxis
jornalística quanto na apropriação social dos sentidos. Essas, que hoje são traduzidas em
conexões e compartilhamentos, online e off-line, dando forma, proporção e intensidade
aos acontecimentos.
Nos últimos cinco anos, aumentou expressivamente o número de pessoas que se
deslocam de países acometidos por conflitos armados, por crise econômica ou ambiental,
localizados principalmente no Oriente Médio e África. Essa situação, transformada em
acontecimentos, colocou em debate público questões de natureza humanitária,
econômica, política e religiosa, entre outras. Por isso, a complexidade histórico-cultural
e política dos fatos exige maneiras de noticiar que contemplem a amplitude de acesso e
entendimento dos diversos públicos, com todas as normas, regras e ferramentas de
controle que o ofício jornalístico domina.
As saídas dos países do Oriente Médio e da África ocorrem, em sua maioria, para
países vizinhos, onde muitos possuem campos de refugiados, estruturados para oferecer
ajuda humanitária. No entanto, o assunto ganhou maior destaque na imprensa mundial
quando cresceu a busca por refúgio na Europa. Os fatores trágicos desses processos de
deslocamentos forçados são demarcados midiaticamente pelo número expressivo de
pessoas que não conseguem chegar a algum destino, sofrendo naufrágios e morrendo no
meio do caminho, devido ao uso de embarcações precárias e ilegais para atravessar o Mar
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Mediterrâneo. Abaixo, os dados divulgados pela Organização Internacional de Migração
(OIM), em 30 de setembro de 2016, mostrando que os principais destinos são Grécia,
Itália e Espanha.
Infográfico 1. Chegadas pelo mar e mortes no Mediterrâneo 2015-2016
Fonte: oim.int (Publicado em 30 set. 2016)
O infográfico acima revela um dado positivo ao mostrar que em 2016 o número
de embarcações diminuiu de 518.181 para 302.486, porém, não menos trágico, já que o
número de mortes por afogamento no mar aumentou de 2.926, para 3.502.
Em 2015, o grande número de mortes durante as travessias já vinha sendo
noticiado, porém, um episódio comunicacional em específico ocasionou maior evidência
e efervescência midiática a respeito dos refugiados. Trata-se das imagens do corpo do
menino sírio de 3 anos, Aylan Kurdi, que foi encontrado à beira de uma praia da Turquia,
após o naufrágio que matou a mãe, o irmão dele de 5 anos e pelo menos mais 12
tripulantes que fugiam das perseguições e da pobreza na Síria. A comoção geral causada
pela divulgação dessas imagens instigou-nos à reflexão e ao estudo aprofundado dessa
dinâmica alcançada pela mídia e pela sociedade.
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Construto metodológico
O observável empírico dessa análise está sendo construído a partir da descrição
das ações internas e, na medida do possível, externas ao objeto de estudo. Será feito um
mapeamento, ou uma iconização (Ferreira, 2010) que dará mais visibilidade ao
pensamento construído e à abrangência da circulação de materiais. Por meio das primeiras
aproximações, análise e descrição do material empírico, foram criadas pré-categorias: 1)
Lógicas interacionais de funcionamento (BRAGA, 2010a) - Direciona à compreensão
da circulação midiática sobre os refugiados, para verificar “o que ela faz?” e que cenários
interativos são disponibilizados? 2) Irradiação dos materiais – Circunscreve o
mapeamento de um lugar de circulação; 3) Personagens principais – Características da
personalização dos casos emblemáticos; 4) Índices patêmicos (CHARAUDEAU, 2007)
– Captura elementos que remetam ao apelo emocional da prática discursiva.
Ferreira (2010) afirma que são os indícios que definem o objeto de forma mais
concreta e permitem construir uma coleção. O esforço deve ser na intenção de
capturar/selecionar os indícios estritamente comunicacionais. Nessa perspectiva, vamos
associar à visão de Braga (2010a) que defende que uma hipótese heurística pode acionar
descobertas específicas ao campo comunicacional, gera interpretações concorrentes e
explicações pertinentes, sem a preocupação de confirmar hipóteses surgidas, mas sim
aperfeiçoá-las.
Esse posicionamento metodológico norteará o eixo dessa análise, para que seja
desenvolvido um trabalho de estímulo descritivo-inferencial-abdutivo, a partir da
exploração do material empírico, para gerar boas hipóteses, ou seja, que gerem novas
perguntas, na busca de que os materiais empíricos manifestem suas perspectivas
relevantes.
Aproximações com o objeto e inferências preliminares
Depois de tensionarmos os primeiros movimentos dos observáveis, elencamos
para o recorte de análise dois episódios que intensificam a circulação temática sobre os
refugiados sírios: 1) a morte do menino Aylan Kurdi, de 3 anos, na travessia do mar, em
busca de refúgio em outro país, em 2 de setembro de 2015; 2) a sobrevivência do menino
Omran Daqneesh, de 5 anos, depois de ser ferido em um bombardeio na sua cidade natal
Aleppo, em 18 de agosto de 2016. Essa relação que fazemos não é comparativa, mas sim
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sucessiva, dentro da visão de rede de significados do acontecimento, proporcionada pela
circulação no ambiente midiatizado, esta entendida de acordo com Fausto Neto (2010),
como sentidos que se sobrepõem, colocando em circulação possibilidades interacionais.
Entendemos que um acontecimento começa a ter forma quando se insere na trama
da rede de significados. Ele pode tornar-se um acontecimento jornalístico, baseado em
critérios consagrados de noticiabilidade. No entanto, com as circulações de práticas
discursivas, emergem outras configurações que invertem, inventam e criam novas lógicas
na construção noticiosa, proporcionando cada vez mais imprevisibilidades e
complexidades nos processos comunicacionais.
Nessa visão, buscamos superar a visão tradicional de acontecimento como objeto
da História para pensar o acontecimento midiatizado. Pontes e Silva (2010) apresentam
um pensamento crítico sobre o conceito de acontecimento jornalístico, afirmando que a
ideia de fatos selecionados por critérios de noticiabilidade, que se diz realista e
compromissada com a verdade, hoje, passa por revisões. Até mesmo o conceito de
acontecimento noticioso se desdobra em “pseudo-acontecimento, acontecimento
midiático, acontecimento mediático e meta-acontecimento” (PONTES E SILVA, 2010,
p. 54).
Constatamos nas relações entre acontecimento, ambiência midiatizada e
circulações de práticas discursivas um grande potencial narrativo dos textos e simbólico
das imagens, principalmente pela rede de significados, possiblidades e imprevisibilidades
que é tecida nessa ambiência. É evidente que o acontecimento jornalístico continuará a
ocupar um lugar central na sociedade midiatizada, porém, constatamos que ele é
alimentado em outros lugares, impulsionado por uma manifestação subjetiva e estética
do indivíduo que está de alguma forma ativo no processo.
Para além dessas ações comunicativas, esse interagente demanda um impacto
emocional para que seja gerado engajamento nas conexões e compartilhamentos de
acontecimentos. É nessa tentativa de desencadear emoções nos públicos que ocorre o
“ápice midiático”. Surgem nessa instância, os episódios emblemáticos da nossa hipótese:
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Foto 1: Imagem de destaque da Folha.com do dia 02/09/2015
Crédito foto: Nilufer Demir/Dogan/AFP
Foto 2: Imagem de destaque na cnn.com do dia 18/08/2016
Crédito foto: Aleppo Media Center
Os indícios apresentados por esses dois observáveis, nessa primeira aproximação
com os materiais empíricos, nos revelam que havia um acontecimento em curso e que
estava sendo desdobrado dentro dos padrões jornalísticos, que era a morte do menino
Aylan. Depois de quase um ano, houve o surgimento de um fato novo, a sobrevivência
do menino Omram. Isso (re)ascendeu o espaço público globalmente, atingindo
novamente o pico mais alto de evidência de um acontecimento, ou seja, o ápice midiático.
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Junto a essa relevância midiática intensificada, acoplam-se as ações dos demais campos
como o político, jurídico, segurança pública, médico e religioso, entre outros. Com a
análise mais aprofundada dos movimentos desse fenômeno, esperamos, a partir das pré-
categorias estabelecidas na metodologia, encontrar um lugar de circulação que demonstre
e aprimore a nossa hipótese de ápice midiático.
Referências:
BRAGA, José Luiz . Pesquisando perguntas: um programa de ação no desentranhamento
do comunicacional. In: Antonio Fausto Neto; Jairo Ferreira; José Luiz Braga; Pedro
Gilberto Gomes. (Org.). Midiatização e Processos Sociais: aspectos metodológicos. 1
ed. Santa Cruz do Sul - RS: EDUNISC - Editora da Universidade de Santa Cruz do Sul,
2010a, v. 1, p. 79-93.
BRAGA, José Luiz. Análise performativa: Cem casos de pesquisa empírica. In: Braga,
José Luiz, Vassallo de Lopes, Maria Immacolata e Martino, Luiz Cláudio (orgs.),
Pesquisa empírica em Comunicação – Livro Compós, Editora Paulus: São Paulo,
2010b, p. 382-403.
CHARAUDEAU, Patrick. Pathos e discurso politico. In Ida Lucia Machado, William
Menezes, Emilia Mendes (org.). As Emoções no Discurso. Volume 1. Rio de Janeiro :
Lucerna, 2007. p. 240-251,
FAUSTO NETO. Antonio. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO, Antonio;
VALDETTARO, Sandra (Org.) Mediatización, Sociedad y Sentido: diálogos entre
Brasil y Argentina. Rosario, Argentina: Departamento de Ciências de la Comunicación,
Universidad Nacional de Rosario, 2010. p. 2-15. Disponível em:
<http://www.fcpolit.unr.edu.ar/wp-content/uploads/Mediatizaci%C3%B3n-sociedad-y-
sentido.pdf> Acessado em: 20 set. 2016.
FERREIRA, Jairo. Os labirintos sobrepostos. Texto preparatório ao Seminário
DINTER/UNISINOS/UFPI, São Leopoldo/RS, Dezembro de 2010.
PONTES, Felipe Simão; SILVA, Gislene. Acontecimento jornalístico e história. In:
BENETTI, Márcia; FONSECA, Virginia P. S. (orgs). Jornalismo e Acontecimento:
mapeamentos críticos. Florianópolis: Insular, 2010, p. 43-61.
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Midiatização do medo: interações como instrumentos
de amplificação das situações sociais de risco
Ana Paula Pinto de Carvalho
Mônica Cristine Fort
Universidade Tuiuti do Paraná
Palavras-chave: Midiatização. Configurações comunicativas. Internet. Medo.
WhatsApp.
RESUMO EXPANDIDO
O ambiente social que cerca as relações humanas na contemporaneidade é
permeado por aparatos tecnológicos que cada vez mais evidenciam-se pela mobilidade,
agilidade, simultaneidade, ubiquidade e senso de urgência, características que muitos
autores atribuem à própria evolução dos estágios globalizantes, nos quais estão imersas
as trocas comunicacionais (GIDDENS, 1991; LIPOVETSKY, 2004; MATTELART,
2002). Nesse universo, os indivíduos que estão em relação por meio do ato
comunicacional passam a receber influência dos vários suportes midiáticos, mas a mídia
per se não é capaz de impor formas de uso e atitudes à sociedade. É a apropriação das
mídias pelos sujeitos e as formas de interação com base na lógica midiática que dão
significado a essas configurações comunicativas. É nesse cenário que se introduz o
conceito de midiatização, segundo pressupostos dos teóricos Stig Hjarvard (2012),
Andreas Hepp (2013, 2015) e Uwe Hasebrink (2015). “Nós temos que considerar
‘interações sociais como a chave’ para descrever processos de midiatização” (HEPP;
HASEBRINK, 2015, p. 76). Este é o ponto de partida do presente estudo, tomando como
base a midiatização como um processo por meio do qual as interações são mediadas por
uma ação comunicativa a distância. Neste verdadeiro campo social ocupado pelos atores
que se inter-relacionam pelas lógicas da mídia, também importante deixar bem definida
a diferença entre mediação e midiatização, conforme descrita por Hjarvard (2014).
A midiatização diz respeito às transformações estruturais de longa duração na
relação entre a mídia e outras esferas sociais. Em contraste à mediação, que
lida com o uso da mídia para práticas comunicativas específicas em interação
situada, a midiatização preocupa-se com os padrões em transformação de
interações sociais e relações entre os vários atores sociais, incluindo os
indivíduos e as organizações (HJARVARD, 2014, p. 24).
Com base nesse entendimento, o artigo objetiva lançar uma reflexão sobre o
fenômeno que as pesquisadoras intitulam como midiatização do medo, cuja configuração
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comunicativa possibilita amplificar as situações sociais de risco. Nesse sentido, recorre-
se a pressupostos de Marc Augé, teórico que concentra seus estudos nas transformações
contemporâneas da sociedade e comenta que a mídia amplifica o medo, como um produto
da sociedade da informação e resultado do estado globalizante que ganha uma dimensão
ameaçadora capaz de paralisar os indivíduos. Mas, por outro lado, conforme a amplitude
dos suportes midiáticos, o medo como figura abstrata, mas presente no cotidiano,
transforma os indivíduos em propagadores de ameaças, ganhando notoriedade entre
conhecidos. Para análise dessa hipótese, serão analisados dois casos que, mesmo não
tendo relação, imbricam-se por retratar o medo midiatizado que sempre se torna presente,
no que Augé (2013) aponta como sendo aquele que escapa à razão, passando a existir
para os que assumem posição de passividade diante da realidade. O primeiro caso foi um
e-mail que começou a circular em junho de 2011, cujo texto continha apenas três linhas
alertando para o não consumo do alimento infantil Food Bebê Banana, pois um lote
poderia conter cacos de vidro. No aviso, o autor pede para que os pais tenham muito
cuidado, pois todos os produtos que possuírem o código de barras número 761303308973
com validade para 2012 devem ser descartados.
O mesmo caso, no entanto, foi trazido à tona em 2016 com o seguinte aviso:
ATENÇÃO URGENTE!!! Para todos os pais, avós, babás, tias, tios, etc
etc etc… Nestlé está pedindo a todos retornar todas as PAPINHAS
de BANANA expirando 2017 pois eles podem conter vidro. Por favor copie
e cole este para todos segurança de bebês. Código de barras 761303308973,
mesmo se você não é um pai por favor me ajude para a frente neste post.
Você poderia ajudar a salvar uma criança. Só repassando (sic)
(MENSAGEM RECEBIDA POR MEIO DO APLICATIVO WHATSAPP,
2016).
Sites que dizem investigar boatos da internet, como o e-farsas, publicaram nota
de esclarecimento da Nestlé Brasil que informava que um problema como o relatado havia
ocorrido na França, país onde a empresa realizou o alerta a consumidores. Ainda assim,
o problema ocorreu em 2011, tendo sido reavivado em 2016. As mensagens voltaram a
ser propagadas, principalmente por grupos formados pelo WhatsApp. No episódio
relatado, observam-se elementos que podem ser associados ao medo, chamando a atenção
de quem pode se responsabilizar por crianças em idade de consumir o alimento.
“ATENÇÃO URGENTE”, em caixa alta, grita a quem recebe a mensagem. Referências
como o número do código de barras, que dão a impressão da informação ser verdadeira,
bem como o convite para ajudar a repassar o post mesmo que não conviva com crianças
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pequenas transferem a responsabilidade, gerando um compromisso com a transmissão da
informação.
O outro episódio diz respeito a uma greve de caminhoneiros anunciada
principalmente pelas redes sociais em novembro de 2015. Parte da categoria estava
mobilizada a uma paralisação geral nas estradas. Houve divulgação de mensagens para
que a população estocasse alimentos (Figura 1) e áudios de supostos caminhoneiros ou
representantes de entidades de classe relatando a situação em determinados pontos das
estradas brasileiras. No entanto, a pressão era política: “O que estão semeando pelas redes
sociais é uma paralisação de caminhoneiros que querem o impeachment da presidenta
Dilma Rousseff, mas essa não é a decisão da categoria representada pelos sindicatos”,
declarou o representante dos caminhoneiros autônomos da região sudoeste do Paraná,
Gilberto Gomes da Silva, em entrevista à Onda Sul FM no dia 03 de novembro de 2015.
Gomes da Silva ainda comentou que as mensagens eram oriundas de um grupo que
atendia a interesses políticos, uma vez que em fevereiro e março daquele ano houvera
greve da categoria, mas que a partir de então não se discutia paralisar as atividades
novamente.
Figura 1 – Mensagem divulgada pelas redes sociais
FONTE: Evandro Artuzzi, RBJ Notícias, 04 nov. 2015.
David Altheide (2002) comenta que o medo não acontece ou surge de lacunas
sociais ou incertezas e nem é mera consequência de uma sensação de falta de controle
sobre a vida. Essas situações realmente contribuem para o aumento do medo, uma
percepção do público, mas há mais envolvido no processo. Formatos de entretenimento
de mídia popular e cultura de massa, juntamente com a familiaridade e suposições sobre
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o uso da mídia na vida cotidiana há várias gerações, têm contribuído para o aumento do
medo na sociedade. O artigo aborda os casos relatados como tentativas de provocar medo.
As tecnologias digitais facilitam a propagação de mensagens que têm origem na mídia,
aproximando-se do entendimento de Jenkins, Ford e Green (2014, p. 315) segundo os
quais “a propagabilidade tem expandindo as capacidades das pessoas tanto de avaliar
como de circular textos de mídia e, portanto, de dar forma ao ambiente de mídia”.
Assuntos podem ser distorcidos, aumentado a sensação de amplificação de fatos que
geram desconforto, indignação, angústia a quem recebe as informações. Como tais
mensagens são divulgadas como se fossem verdadeiras, pois tiveram origem na imprensa,
discutem-se os episódios com o que Augé (2013) afirma aterrorizar como se fosse de
perto algo que ocorre longe, pois tais assuntos dizem respeito ao cidadão. Para o autor, o
sistema de informação acaba criando um novo contorno ao medo, mais abstrata e evasiva,
mas que ainda assim tem efeitos concretos que provocam pavor nos indivíduos. O
processo de comunicação e o de conteúdo são indissociáveis e um sempre exerce
implicações no outro. Nesse sentido, novidade e informação estão ligados à bagagem de
conhecimento e à interpretação simbólica (ALTHEIDE, 2002, p. 44). As mensagens que
são divulgadas nas redes sociais provocam ainda maior confusão, quando argumentos
deveriam expressar ordem. Dessa maneira, ajudam a ecoar ameaças, banalizar crimes,
desestabilizar relações.
REFERÊNCIAS
ALTHEIDE, David. Creating fear: news and the construction of crisis. New York:
Aldine De Gruyter, 2002.
ARTUZZI, Evandro. Paralisação dos caminhoneiros está rachada, diz dirigente sindical.
RBJ Notícias, quarta-feira, 04 nov. 2015. Disponível em:
<http://www.rbj.com.br/geral/paralisacao-dos-caminhoneiros-esta-rachada-diz-
dirigente-sindical-1152.html>. Acesso em: 18 set. 2016.
AUGÉ, Marc. Les nouvelles peurs. Paris: Éditions Payot & Rivages, 2013.
________. Contra o medo – entrevista com Marc Augé. Concedida a Fabio Gambaro.
Jornal La Repubblica, 28-01-2013(a). Tradução de Moisés Sbardelotto. Disponível em:
<http://www.ihu.unisinos.br/noticias/517266-contra-o-medo-entrevista-com-marc-
auge>. Acesso em: 16 set. 2016.
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo, Editora
34, 2011.
11
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Editora da
Universidade Estadual Paulista, 1991.
HJARVARD, Stig. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e
cultural. Revista Matrizes, São Paulo, ano 5, nº2, p. 53-91, jan/jun. 2012. Disponível em:
<www.matrizes.usp.br/index.php/matrizes/article/download/338/pdf>. Acesso em: 23
jul. 2016.
HJARVARD, Stig. Midiatização: conceituando a mudança social e cultural.
Revista Matrizes, São Paulo, V. 8, nº1, p. 21-44, jan/jun. 2014.
HEPP, Andreas. Cultures of Mediatization. Cambridge, UK: Polity Press, 2013.
____, Andreas; HASEBRINK, Uwe. Interação humana e configurações comunicativas:
transformações culturais e sociedades midiatizadas. Revista Parágrafo, São Paulo, v. 2,
n. 3, p. 75-89, jul./dez. 2015. Disponível em:
<http://www.revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/333/341>.
Acesso em: 28 dezembro. 2015.
JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Cultura da Conexão: criando valor e
significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Editora Aleph, 2014.
LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004.
MATTELART, Armand. A globalização da comunicação. Bauru, SP: EDUSC, 2002.
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Limites e possibilidades para a configuração mediática do
reconhecimento em redes sociotécnicas1
Angela Pintor dos Reis
Palavras-chave: redes sociotécnicas; reconhecimento; Facebook; sociabilidade.
RESUMO EXPANDIDO
O presente estudo discute as razões pelas quais os atributos de redes sociotécnicas
podem colaborar para a emergência de condições favoráveis à dimanação de formas
mediáticas do reconhecimento e ao mesmo tempo podem colocar em xeque a
possibilidade dessa experiência intersubjetiva. A reflexão articula os seguintes elementos,
de natureza conceitual e metodológica: [1] a epistemologia do reconhecimento
desenvolvida por Honneth (2011, p. 165-181); [2] os princípios e as funcionalidades do
Facebook, assumidos como corpus de referência; e [3] o procedimento adotado e
discutido por Deleuze (2010, p. 25-64), de subtração de elementos de um objeto para a
liberação de suas variações e de seus sentidos não dominantes. A relação entre esses três
elementos leva ao afastamento do componente de sustentação do reconhecimento, a
saber, a moralidade em Kant (2011, p. 33) como esteio do respeito, e ao consequente
deslocamento conceitual dessa experiência intersubjetiva, para sua admissão no contexto
de redes sociotécnicas.
Honneth (2011, p. 165-181) desenvolveu uma epistemologia do reconhecimento
baseada na articulação entre o princípio de visibilidade social e o conceito de respeito na
filosofia moral de Kant. Na concepção do autor, o reconhecimento concretiza-se na
medida em que outrem é valorizado como fonte de pretensões legítimas, no sentido de o
indivíduo ser admitido como válido em suas demandas. Para que isso ocorra
satisfatoriamente, essa experiência intersubjetiva deve assentar-se em visibilidade social
e orientar-se pelo respeito, conforme conceituado por Kant. Para este filósofo, o respeito
é um sentimento que se produz por meio da razão e corresponde à consciência da
subordinação da vontade à lei como mandamento necessário em si; dessa obediência
resulta a representação de um valor que causa dano ao amor-próprio do sujeito (KANT,
2011, p. 33). Honneth (2011, p. 176) interpretou essa definição como a necessidade de o
1 Este estudo origina-se de resultados iniciais de Pesquisa de Pós-Doutorado em desenvolvimento no
Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais/Departamento de Cinema, Rádio e
Televisão da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
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sujeito renunciar a uma posição egocêntrica em uma relação, colocando-se mediante a
alteridade de maneira descentrada.
Nessa epistemologia, a visibilidade social não equivale ou não contempla, de
maneira específica, a visibilidade em sua forma sociotécnica, isto é, elaborada no
concurso entre corpo, subjetividade e tecnologia de comunicação. Trata-se, antes, da
concepção de um valor, atribuído ou incorporado por indivíduos ou grupos sociais, que
deve ser simbolizado na função de princípio norteador das relações intersubjetivas em
contextos democráticos. Nesse caso, a visibilidade social é condição de indivíduos ou
grupos sociais e sua extensão ocorre na simbolização do ato de admitir o outro válido em
suas pretensões como prova da veridicidade dessa ação.
Se visibilidade social e respeito são exigências sem as quais o reconhecimento não
sobrevive concretamente, as relações que problematizam a veridicidade da simbolização
do valor do outro (quando se acredita que o simbolizado é capaz de guardar
correspondência precisa em relação à suposta univocidade da intenção de valorizar o
outro) põem em dúvida a possibilidade de o reconhecimento ser experiência possível em
determinadas conjunturas, incluindo aquelas organizadas por relações que se processam
em redes sociotécnicas.
Essas redes são viabilizadas por sites ou serviços de tecnologia de comunicação,
projetados para promover conexão e visibilidade entre usuários (indivíduos e
organizações) para uma rede de contatos ou “amigos” (BOYD; ELLISON, 2007).
Embora esses sites tenham tipicidades não necessariamente coincidentes e nomeiem as
propriedades de suas interfaces cada um à sua maneira, há características comuns entre
eles no que diz respeito às possibilidades oferecidas aos seus participantes, a saber: [1]
construir um perfil público ou semipúblico; [2] articular uma lista de usuários com os
quais mantêm contatos; e [3] ver e cruzar sua lista de contatos para multiplicá-los (BOYD;
ELLISEON, 2007). Essas características confirmam-se no Facebook, em termos
operacionais e institucionais.
O Facebook é uma empresa de capital aberto, que se atribui a missão de conferir
às pessoas o poder de compartilhar conteúdos por meio de conexões (FACEBOOK,
2016a). Essa missão está espelhada em alguns dos princípios da empresa, definidos como
“deveres” a serem praticados pelos usuários, capazes de lhes assegurar liberdade de
conexão, compartilhamento de conteúdos, reputação e visibilidade (FACEBOOK,
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2016b). A conjugação da missão do Facebook com seus princípios sumariza-se na
máxima do dever de liberdade, inscrito na lógica da liberdade negativa que, segundo Petit
(2013, p. 617), defende o desimpedimento absoluto entre indivíduos.
O dever de liberdade, acompanhado dos objetos que o constituem – as conexões
entre indivíduos e o enlace que essas favorecem entre subjetividade e funcionalidades
sociotécnicas –, produzem condições para a emergência de formas de um reconhecimento
de caráter liberal. A especialidade e a motivação dessas formas de experiência
intersubjetiva não se sustentam no espírito moral do respeito, mas no livre fluxo de
conexões, do qual a visibilidade sociotécnica é parte indispensável. Esse ambiente perfaz
uma conjuntura frágil no que se refere à sua capacidade de viabilizar uma prova da
verdade do reconhecimento, à medida que oferece recursos que incentivam a criação de
perfis falsos, protegem a mentira e tornam praticável a liberdade negativa. Apesar disso,
as redes sociotécnicas são espaço privilegiado para o estabelecimento e a proliferação de
relações intersubjetivas orientadas pela expectativa por reconhecimento.
Conceber condições de natureza mediática para o reconhecimento em ambiente
improvável para essa experiência intersubjetiva, a se considerar sua concepção
tradicional, implica buscar novos contornos para um modo de relação percebida como
estruturante de fenômenos sociomediáticos. Um caminho para esse trabalho interpretativo
condensa-se no procedimento de subtração do elemento invariante de um objeto para que
este se desloque e se abra a outras significações. Essa operação foi discutida por Deleuze
(2010, p. 25-64) em reflexão sobre o trabalho do dramaturgo, ator e cineasta italiano
Carmelo Bene. De maneira sinônima à discussão de Deleuze (2010, p. 41-42) sobre o que
resta de um objeto quando dele são retirados elementos de poder, coloca-se aqui em
questão o que permanece do reconhecimento, para o contexto das redes sociotécnicas,
quando dessa experiência é extraído seu elemento de poder, isto é, o respeito na forma de
moralidade, que institucionaliza e normaliza o conceito. Excluído o respeito como seu
elemento constituinte, o reconhecimento libera-se do crivo da moralidade e de sua
exigência para com uma verdade do sujeito, para ser entendido no campo da pura
visibilidade sociotécnica, engendrada no manancial de conexões e no extravasamento de
manifestações de corpo-subjetividade.
Esse modo de ser da sociabilidade, à maneira de um liame construído por
conexões entre subjetividades, funcionalidades sociotécnicas e normas do ambiente
tecnológico, precipita-se em duas frentes de ação: [1] persistência das conexões, que se
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conservam em operação ao infinito, e, assim, mantêm a atividade contínua das redes
sociotécnicas em ambientes como o Facebook; e [2] visibilidade sociotécnica como
atributo do modo de ser em conexão com outrem. Na correlação entre essas duas frentes,
há trabalho das relações intersubjetivas para permanecerem em devir, movimento no qual
se inscrevem o outro, as funcionalidades sociotécnicas das redes e o reconhecimento
como possibilidade. O devir das relações intersubjetivas persevera nas conexões e nas
funcionalidades sociotécnicas das redes, e ambas engendram seu sentido no fenômeno da
visibilidade sociotécnica.
A emergência das conexões e sua coagulação em relações de identidade, formando
redes sociotécnicas, são consideradas aqui no âmbito de uma teoria da potência, como a
que propõe Deleuze a partir da filosofia de Spinoza. Deleuze (2002, p. 103-110) interpreta
o conceito de conatus em Spinoza (2013, p. 175) como o direito do modo existente de
perseverar na existência e, para isso, o modo existente fará todo o esforço para conservar
sua potência. Uma das maneiras de assegurar essa conservação é organizar encontros
orientados por relações de identidade (DELEUZE, 2002, p. 108). Se o modo de perseverar
na existência se esforça por constituir relações de identidade, que se aglutinam
constituindo formações sociais, esse modo de perseverar se expressa em redes
sociotécnicas como manifestações em ato da vida no plano de imanência (DELEUZE,
1992, p. 51-79). As fontes de sustento desses modos existentes e das próprias redes são
as conexões, a visibilidade sociotécnica e o reconhecimento nesse contexto mediático na
função de alimento disponível para a conservação dos modos existentes.
Referências
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scholarship. Journal of Computer-Mediated Communication, [s. l.], v. 13, n. 1, Oct.
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SPINOZA, Baruch. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
17
Apropriação e re-significação do objeto pelo sujeito à luz da
teoria das representações sociais
Bantu Mendonça Katchipwi Sayla
UNIVERSIDADE DO VALE DOS SINOS – UNISINOS
Palavras–Chave: Representação social; Comunicação Social; Sujeito-objeto; realidade,
Re-significação
RESUMO EXPANDIDO
A partir de referências bibliográficas, este artigo se propõe discorrer sobre os
conceitos ancoragem, associação e assimilação abordados por Serge Moscovici (2003) na
Teoria Representação Social. Objetiva-se perceber, compreender e enfatizar os processos
midiáticos que podem possibilitar a interação, a apropriação e a re-significação de um
objeto pelo sujeito tendo em conta o seu contexto. Relendo Jovechilovitch (2004), pode
chegar-se a conjeturas que leve a pensar que talvez a representação se estruture e seja
fruto do trabalho de uma acao comunicativa que liga sujeitos a outros sujeitos e ao objeto-
mundo, mediatizados pelos processos e praticas do cotidiano nas instituicoes sociais a
que um sujeito pertença ou à “estruturas informais do mundo vivido”. Assim sendo
pergunta-se, se não será o ato de apropriação, representação e de significação do objeto
pelo sujeito, de per si, um ato de reconhecimento, de construção e reconstrução do
conhecimento?
A problemática levantada neste artigo pretende abordar constitui um recorte no
marco teórico epistemológico da projeto de pesquisa no nível de doutorado em
Comunicação Social na Instituição UNISINOS, cujo título é “a Televisão, a Internet e
Reconstrução da Realidade: Agressividade e Violência em Adolescentes da Cidade de
Benguela - Angola”, cujo contexto está neste últimos anos marcado pela ascensão do
desenvolvimento tecnológico em quase todos os sectores da esfera social com o término
de uma guerra civil que durou aproximadamente 4 décadas.
A opção pela temática funda-se dentre tantos fatores que se poderiam elencar à
três razões: pelo fato de que segundo dados do Fundo Nacional da População das Nações
Unidas (UNPF, 2016), os jovens e adolescentes constituem a maioria da população
18
angolana e a camada com maior e mais rápido crescimento proporcional da população
em África; Pelo fato de que com o fim da guerra o País aderir à política global do
desenvolvimento tecnológico de informação (Televisão, Rádio e Internet) que
disponibiliza aos cidadãos, de modo especial as crianças e adolescentes, em suas
programações diversificados conteúdos e formatos, que Umberto Uco (1986) falando da
Neotelevisão, essencialmente diz poder dividir-se em duas categorias: programas de
informação e de fantasia/ficção, (vídeos, discursos, músicas, filmes e jogos) através de
dispositivos tais como televisores, computadores, “smarthhones” ou “tabletes”. Segundo
Hugo Silva (2016), diretor criativo da Creative Step, estes conteúdos são disponibilizados
no país, pela tecnologia “Realidade Aumentada”. Cabe ainda frisar que as tecnologias de
informação e de comunicação integram, inauguram “um novo modelo de mediação, de
“participação efetiva e interativa do destinatário” (Cadina, 2015) e cada vez mais
intensificam os processos subjetivos e novas formas de identificacao que Martin-Barbero
e Rey (2001) chamam de “renovacao das identidades”, uma vez que, os sujeitos
incorporam a tecnologia ao seu cotidiano e passam a produzir a revolucao das
tecnicidades, oportunizando a aos mesmos (sujeitos) a apropriacao de novos saberes e
linguagens. E em ultimo, destacam-se os dados do Dossier do Fórum da XIIl Conferência
dos Ministros da Justiça dos Países de Língua Oficial Portuguesa (2014), mostrando que
o governo angolano reconhece o aumento de comportamentos que podem serem
caracterizadas como sendo agressivas entre adolescentes, assunto que também permeia e
atravessa o discurso de pais, professores e profissionais de diversas áreas no País.
Os constructos desta pesquisam interessa preponderantemente à três campos:
científico, social, e comunitário:
1 - No campo científico, a pesquisa se torna relevante por abordar uma temática
que envolve a adolescência, um período de vida marcado pela instabilidade, crise e
turbulência cuja principal característica manifesta-se pela perda da infância e a entrada
no mundo adulto; e poderá ajudar no entendimento e compreensão dos sentidos e dos
significados que os sujeitos atribuem aos seus contextos sócio-histórico-culturais e de que
forma os incorporam em seus discursos.
2 - No viés do campo social, este projeto intenta ser uma contribuição para os
profissionais da Psicologia Social, Comunicação Social e da Educação, uma vez que
poderá oferecer-lhes um subsídio na compreensão das diferentes formas e tipos de
19
manifestações da violência e agressividade entre os adolescentes que assistem a
programas televisivos e navegam em sites com conteúdo violentos.
3 - A presente pesquisa é pertinente para o campo comunitário social na medida
em que poderá desenvolver ações e saberes para a sociedade angolana através de
palestras, treinamentos aos professores e aos pais, como também possibilitar a
implementação de políticas públicas e sociais que estabeleçam uma interação entre os
aspectos da Comunicação de Massa, Psicologia e Educação já que, segundo P. Berger e
T. Luckmann citados por Jauregui (2014), “a plausibilidade e estabilidade do mundo
definido socialmente dependem da intensidade e continuidade das relações significativas
estabelecidas de modo contínuo nas conversações sobre este mundo entre diversos
sujeitos” nele implicados. E, nesta relação com o mundo, os sujeitos interagem para se
localizarem no tempo e no espaço, pelo “processos de midiatização que envolvem circuito
de transmissão-recepção entre “emissor-receptor” “ativos” que, citando Paul Virgílio
(1993), Gomes (2006) diz estarem “invadindo o espaço privado dos indivíduos trazerem
o mundo para dentro de casa, com a sua visão particular e determinada”. Este meios por
sua vez também, “se tornam mediadores que condicionam a interação dos sujeitos no seu
meio ambiente” (Idem, 2006). Destarte, pode acreditar-se que, pela interação com os
meios massivos, o homem pode construir e reconstruir a realidade da vida no seu dia-a-
dia. Uma vez que pelo processo das representações a produção e o conteúdo midiático,
entram para o mundo comum e quotidiano em que os homens habitam e geram nos
indivíduos mudanças nas “relações familiares, nos hábitos e costumes, a escola, o grupo
de amigos, a Igreja, ao mesmo tempo em que medeia a interação telespectador-televisão
(Idem, 2006), internauta-computador e permite a modificação e reelaboração de novos
contextos e paradigmas sócio-históricos-culturais e ambientais.
Refere-se portanto, àqueles contextos e ambientes em que o homem o sujeito
independemente da sua idade e da classe a que pertença se sente interpelado a pronunciar
o seu discurso e a construir sentido quer individual quer coletivamente. Onde, na interação
com os meios, todos são protagonistas da ação na discussão de tudo e de todos. Discute-
se com os pais, os professores com os alunos, os amigos e colegas entre si sobre os
fenômenos sociais quotidianos, que graças aos avanços e desenvolvimentos tecnológicos
da informação que vem rompendo as barreiras sociais, históricas, étnicas culturais,
geográficas, planetárias, políticas, religiosas e linguísticas, fazendo do sujeito ator e
cidadão do mundo e do mundo uma “aldeia global” na visão de McLuhan (1967). Quando
20
o conceito surgiu no ambiente acadêmico, tratava-se apenas de um paradigma que
MacLuham elegeu como sendo a Televisao enquanto meio de comunicação de massa que
melhor exemplificaria a teoria, até porque, a forma de comunicação numa aldeia e entre
dois individuos, ou seja, bidirecional e a Televisao, ate entao unidirecional. Com a
modernizacao e o desenvolvimento tecnológico, o conceito comecou a afirmar-se
profeticamente dando-lhe uma nova configuração, que se pode caracterizar como sendo
bidirecional com o advento da TV e agora através da era messiânica do telefone celular,
smarthhones. Destarte, na civilizacao pós-moderna a tecnologia esta oferecendo ao
homem novas formas de perceber, sentir, intuir, estar e pensar o mundo. A divulgacao
das informacoes nao difere, essencialmente, entre o individuo intelectual e o nao
intelectual, porque a tecnologias midiáticas parece terem padronizado o nível intelectual
e cultural e acaba disponibilizando para todos os sujeitos os mesmos conteúdos
instantaneamente possibilitando a elaboração de novas representacoes sociais.
Em termos epistemológicos e conceituais estas sao tomados em referencias a
inter-relacões entre os sistemas de pensamentos e as praticas sociais, para que seja
possivel uma compreensao dos fenomenos complexos do senso comum. Essa
complexidade talvez resulte do processo de comunicacao de massa. Para Serge Moscovici
(2003), trata-se de complexidade envolvem representações sustentadas pelas influências
sociais da comunicação pelas quais os sujeitos reconstroem as realidades da vida
quotidiana por meio de processo de trocas de experiência e ou de tornar um objeto
“patrimônio comum” graças à comunicação. Este processo está segundo McLuhan
(1969), amparado pela dinâmica de ancoragem, associações interação entre os sujeitos,
na perspetiva da lógica e política do consumo dos produtos e conteúdos mediáticos
(Televisão e Internet).
Na opinião Asamen, J.K. e Berry (1993); Bermundez; Martín; Rodriguez (2008);
Feldman; Eisenber; Sztainer; Story (2007); Wilson (1999) e Setzer (2013) as
representações sociais, podem influenciar o modo de ser e existir no tempo/espaço e
permitir que os sujeitos reconfigurem e re-signifiquem os objetos em novas realidades
sociais. Trata-se de um ato pelo qual os sujeitos podem apreender o objeto de suas
atenções num sistema de referências e de representações com significados e sentidos a
eles atribuídos histórico e culturalmente. Além do mais, segundo Wilhelm Dilthey
referenciado por Isabel Perez Jáuregui (2014), sob o ponto de vista estrutural do ‘Sujeito-
Objeto’, “o homem pode ser compreendido levando em conta o seu ser histórico” e social.
21
Para Isabel Perez Jauregui, (Ibidem), citando Karl Popper, diz este processo pode dar-se
através da “observação natural quotidiana, de elucubração filosófica, antropológica e do
conhecimento científico”.
22
Sobre acionamento emocional e elementos empáticos no
processo de circulação do filme Avatar
Fernanda Elisa Locatelli 2
Palavras-chave: Midiatização – circulação - experiência fílmica – emoções - empatia
RESUMO EXPANDIDO
O trabalho proposto é parte de um projeto de pesquisa que tem como objetivo
compreender a dimensão dos acionamentos emocionais e dos processos empáticos na
circulação. Nesse sentido, busca-se, na interface com a neurociência, psicologia e ciências
sociais, analisar as emoções buscando transcende os limites entre o biológico, o psíquico
e o social.
Como objeto que possibilita o desenvolvimento do trabalho encontra-se o filme
de ficção científica Avatar3, do cineasta, produtor, roteirista e editor canadense James
Cameron. Carregado de tecnologia, Avatar possui como cenário uma lua chamada
Pandora, onde humanos e Na'vis (nativos humanoides) lutam pelos recursos do planeta e
a continuação da existência da espécie nativa. O filme foi nomeado em nove categorias
do Oscar, sendo premiado em três: Melhor Fotografia, Melhores Efeitos Visuais e Melhor
Direção de Arte.
Cameron possui grande envolvimento com questões sociais e ambientais, as quais
também recebem destaque em suas produções4. O diretor afirma que, tanto Titanic (1997)
quanto Avatar (2009) são metáforas sobre o meio ambiente, buscando, através da empatia,
o envolvimento do público com assuntos que julga de essencial importância para toda a
humanidade.
Estamos tentando é engajar os jovens através de uma forma de entretenimento,
algo com que eles possam relacionar ao tema e através disso, possam ter uma
experiência de aprendizado e também um aumento de consciência. E,
idealmente, o truque aqui é conectá-los a alguma ação tangível e real e que faça
a diferença (CAMERON, 2010)5.
2 Instituição: Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) 3 Avatar se tornou líder de bilheteria em 2009 ao superar Titanic e chegar a quase 3 bilhões de dólares em
receita. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Avatar_(filme) em 30/08/2016. 4 Exemplos de notícias que exaltam o perfil ambientalista de James Cameron. Disponível em
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/05/james-cameron-de-avatar-cria-paineis-solares-em-forma-
de-girassol.html e em http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cultura/cineasta-ambientalista-james-
cameron-forum-internacional-sustentabilidade-manaus-544823.shtml em 16/08/2016. 5 Entrevista com James Cameron realizada durante o Fórum Internacional de Sustentabilidade, em
Manaus. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=tWB5t3GLzWE em 16/07/2016.
23
A fala de Cameron, demonstra que o cineasta pretende, através de um construto
simbólico, estimular ações/comportamentos reais. As palavras “engajar”, “relacionar” e
“conectá-los” evidenciam a dimensão da empatia, apontada por Krznaric (2015) como a
capacidade de nos colocarmos no lugar de outra pessoa, compreendendo seus sentimentos
e perspectivas e as usando para nortear nossas ações. A empatia, portanto, requer
envolvimento emocional e o envolvimento emocional requer capacidade de empatia.
Além das intenções de Cameron, apontadas no exemplo acima e em demais
materiais online, também temos o meio fílmico, que é carregado de estratégias para
acionamento emocional e empático. Algumas delas, citadas por Young (2014) são as
expressões faciais (EKMAN, 2011) dos personagens, o conhecimento de suas motivações
e contexto, os enquadramentos, planos e movimentos de câmera, o uso de um enredo
arquetípico (Jung), o emprego de experiências vivenciadas pelos personagens análogas
às já vivenciadas pelos espectadores (memórias afetivas), a trilha sonora etc. Assim, de
forma estética ou narrativa, o filme busca acionar emoções e alcançar uma relação de
empatia com o público.
Para situar, a emoção é um dispositivo psíquico-físico que coloca o sujeito em
estados específicos de ação e que podem ocorrer tanto diante de situações reais quanto
irreais, desde que algo afete nosso bem-estar para melhor ou para pior (DAMÁSIO,
2000). É acionada basicamente por estímulos sensoriais, cuja significação pode ter tanto
uma base instintiva, ancestral e universal quanto uma base cognitiva, aprendida e
condicionada (EKMAN, 2011). Tal afirmação surge de mais de 40 anos de pesquisa e
com diferentes culturas, onde Ekman (2011) identificou um grupo de emoções básicas,
definidas como tristeza, raiva, medo, surpresa, aversão, desprezo e alegria. Em seus testes,
o autor percebeu que conseguimos identificar facilmente a emoção que outra pessoa está
sentindo através de suas expressões faciais. Essa capacidade6, segundo Young (2014)
seria essencial para a conexão rápida que estabelecemos com os filmes, por exemplo.
Em perspectiva semelhante, a experiência fílmica é vista como um fluxo mental
com acionamentos corporais, sendo que um dos principais elementos que permitem a
conexão é a capacidade que o espectador tem de se identificar com o personagem por
6 Segundo Damásio (2000), uma pequena parcela (menos de 2%) da população é incapaz de reconhecer
uma ou mais emoções devido a alterações cerebrais.
24
meio de mecanismos de empatia (GRODAL, 1999). Porém, mesmo que existam tais
mecanismos e que eles sejam acionados durante o filme, isto não é garantia de que as
intenções da produção serão correspondidas na apropriação do material. Isto porque o
meio fílmico apresenta potencialidades que podem ser elaboradas de maneira bastante
variada pelos espectadores, acarretando em um leque de significações a partir de cada
elemento disponível. Nesse sentido, o processo se apresenta como repleto de
instabilidades e incertezas, próprias dos processos comunicacionais na sociedade em vias
de midiatização (FERREIRA, 2016).
Diante das instabilidades e incertezas que envolvem o processo comunicativo,
Braga (2012) aponta que, quando se trata de valores simbólicos e da produção e recepção
de sentidos, o mais importante é a circulação que se desenvolve posterior à recepção.
Dessa forma, o espaço que se cria após a experiência fílmica com Avatar, em um “fluxo
adiante”, transparece as diversas apropriações e ressignificações dos atores individuais
elaboradas a partir dos estímulos do filme (BRAGA, 2012). E, mesmo que nesse
momento de análise os elementos possam estar mais elaborados, ou seja, não são as
emoções imediatas da sala de cinema, é possível identificar tanto raízes emocionais mais
iniciais, quanto processos de ressignificação emocional, referentes ao confronto do filme
com a realidade (MARCONDES FILHO, 2016).
Nesse sentido, é realizado um movimento de sondagem, observando materiais
disponíveis online e percebendo, dentro do fluxo de incertezas, pontos de convergência
e/ou grupos de reconhecimento, onde atores se apresentam conectados ao filme e entre si
em uma espécie de compartilhamento apresentado aqui em forma de figuras (Barthes)
que são incentivadas por Avatar. Dessa forma, o filme é visto como mobilizador de
movimentos sociais empreendidos tanto em favor como contra ele, mas que demonstram
sempre um nível de engajamento.
Por isso, por demandar um nível de engajamento, necessário para que o ator tome
uma ação real online, é que a primeira figura, chamada de Conexão, é percebida como
uma metafigura. Ela se apresenta como potencial para que uma ação surja, mesmo que
esta demonstre posição contrária ao filme. Ou seja, a conexão não diz respeito apenas a
identificação com o filme, mas pode remeter a uma relação até mesmo com algo externo
a ele, mas lembrado por ele (analogias, memórias afetivas). É importante destacar que
nem todas as pessoas que estabelecem laços empáticos compartilham materiais online,
25
mas dificilmente uma pessoa que não tenha estabelecido algum tipo de conexão se sentirá
engajada para compartilhar.
Assim, a conexão, vista como processo empático, se apresenta como princípio
básico para o surgimento de outras figuras. Ela é percebida tanto nas intencionalidades
da produção, quanto presentes nos elementos constitutivos do filme e também nas
apropriações realizadas pelos diferentes atores. Dizer que há um processo de empatia não
significa dizer que o significado almejado pela produção é reconhecido na apropriação do
filme, mas sim que há processos de empatia, independente do direcionamento.
A partir da metafigura Conexão, surgem as figuras Fuga, ligada ao estímulo
emocional do medo; Revolta, ligada à raiva; Depressão, estimulada pela tristeza e
Encantamento, pela alegria. Tais emoções são definidas tanto por Ekman (2011), quando
por Damásio (2012) como emoções básicas. E aqui entende-se as emoções e os
sentimentos como fatores essenciais para a razão, visto que fazem parte de um mesmo
sistema, onde corpo e mente estão indissociavelmente ligados (DAMÁSIO, 2012). Dessa
forma, o acionamento emocional é parte operante na decisão de ação/comportamento dos
atores. Tal proposição encontra respaldo em Maturana que defende que, quando há uma
mudança de emoção, há uma mudança de domínio da ação. “Quando estamos sob
determinada emoção, há coisas que podemos fazer e coisas que não podemos fazer, e que
aceitamos como válidos certos argumentos que não aceitaríamos sob outra emoção”
(MATURANA, 2009, p.15).
As figuras acima citadas foram identificadas na análise de materiais que
compreendem matérias sobre o filme, críticas especializas (sites de cinema), críticas
individuais e comentários de espectadores. Desse primeiro olhar surge o esquema visual
abaixo, que demostra também o potencial variável dos elementos emergentes, visto que
se trata de processos emocionais que podem operar ressignificações (linhas pontilhadas)
contínuas em todas as direções, mas sempre ancoradas no processo empático, que é o que
possibilita os acionamentos emocionais (linhas sólidas). Ou seja, um ator social pode
empreender uma experiência empática inicialmente ligada à emoção da raiva (Revolva) e
ser seguida por um estado emocional de tristeza (Depressão). Depois de vivenciar a
tristeza, ele também pode ressignificar sua experiência e voltar para um estado neutro
emocionalmente ou mesmo de alegria (Encantamento). Mas cada uma dessas alterações
26
só será possível com um processo empático que gere a alteração emocional através de
algum estímulo simbólico adicionado a experiência já em andamento.
FONTE: Elaborado pelo autor
Por fim, o trabalho apresentado tem como objetivo propor um breve olhar, sem
qualquer pretensão de esgotamento, sobre o potencial dos acionamentos emocionais e das
experiências empáticas na nova ambiência (GOMES, 2005) de uma sociedade
atravessada pelas mídias.
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DAMÁSIO, António. O mistério da consciência: do corpo das emoções ao
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MARCONDES FILHO, Ciro. SOBRE O TEMPO DE INCUBAÇÃO NA VIVÊNCIA
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http://www.compos.org.br/biblioteca/textocomautor_3350.pdf. Acesso em 22.07.2016.
MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte:
Editor UFMG, 2009.
YOUNG, Skip Dine. A psicologia vai ao cinema: o impacto psicológico da sétima arte
em nossa vida e da sociedade moderna. São Paulo: Cultrix, 2014
28
Midiatização: o desejo de visibilidade na cibercultura
Fernanda Gabriela G. Romero Universidade Federal
do Rio Grande do Norte
RESUMO EXPANDIDO
O presente artigo tem como objetivo discutir o desejo de visibilidade midiática na
cibercultura nas perspectivas teóricas e conceituais de Gilles Lipovetsky, Eugênio
Trivinho e Guy Debord. Analisaremos o processo de midiatização e as novas tecnologias
como locais de recepção, circulação e interação baseados nos autores (FAUSTO NETO,
2010) e Braga (2012), no intuito de entender a midiátização enquanto pesquisa empírica.
Vivemos na era do mundo transestético, do capitalismo estético, da arte nas indústrias,
no comércio e na vida cotidiana. O internauta transestético ou como chamava Guy Debord
“sociedade do espetáculo” tende a necessidade de se expor, de se mostrar, de ser visto, de
conquistar mais “curtidas” e compartilhamentos possíveis, o que importa é ser visto estar
na rede. Nesta análise, trabalharemos como uma espécie de estética de si mesmo, um
“novo Narciso no espelho da tela global” no contexto da cibercultura.
Torna-se importante compreendermos que as redes sociais têm ajudado a
alimentar um substrato humano chamado ego, ou seja, o desejo de mostrar ao mundo, o
quanto somos felizes e perfeitos para a sociedade.
Com a hipótese de que vivenciamos um paradoxo no qual o corpo se torna, ao
mesmo tempo, um espaço de liberdade e aprisionamento, é que pretendemos nos
investigar as particularidades deste corpo como meio de comunicação através da sua
linguagem corporal, uma vez que o corpo fala através de várias linguagens
(BAITELLO, 2005).
"A luta pela boa forma é uma compulsão que logo se transforma em vício.
Cada dose precisa ser seguida de outra maior" (BAUMAN, 2007, p. 123). Desta
forma, é possível entender o contexto social em que vivemos. É só acessar o
Instagram, para notarmos que boa parte do conteúdo dos nossos seguidores, se
resume à beleza, dietas, corpos esculturais, viagens e status social.
O que vemos na contemporaneidade são mulheres em sua maioria insatisfeitas
com a sua imagem e atrativos físicos, buscando cada vez mais um corpo ideal.
Muitas recorrem à internet e passam a seguir páginas no Instagram. Algumas
querem alcançar o mesmo “padrão” das atletas e blogueiras/fitness.
29
Vivemos em um cenário de apropriação, uma vez que necessitamos ser aceitos
na sociedade e consequentemente acabamos copiando, imitando e nos apropriando
da "beleza e do corpo do outro". Os perfis mais famosos são os que ditam as regras,
o que se deve vestir, usar, comer, consumir e até mesmo como devemos adotar um
novo estilo, um padrão de vida saudável e que seja aceito pela sociedade. Hoje não
escolhemos o corpo que queremos de forma livre, a mídia escolhe para nós o corpo
que teremos que ter para sermos consideradas belas, sarada e perfeitas.
Percebemos que o conteúdo do Instagram é mais pautado pelo público Jovem
Feminino. No segmento fitness, várias atletas, artistas, celebridades que tornam-se
referência para mulheres que querem adquirir um corpo musculoso. Esse padrão
sarado e definido da geração fitness viralizou nas redes sociais; Gracyanne, Buffara
e Pugliesi nasceram nas redes sociais e hoje lideram no seguimento Fitnesses e da
geração saúde.
Hoje, as pessoas têm frequentado mais academias, tanto pela saúde, quanto
pelo lado estético. Por isso, cada vez mais aumenta o número de páginas7 no
Instagram, voltado a este público, contendo dicas de alimentação, treinos e até moda
fitness. Para Hoff (2013, p. 4-5) “o corpo é uma experiência da qual o sujeito não
pode apartar-se, posto não haver existência sem corpo: daí a importância de analisá-
lo como lócus de atravessamentos de naturezas diversas”.
Vivemos na era do mundo transestético, do capitalismo estético, da arte nas
indústrias, no comércio e na vida cotidiana. O livro A estetização do mundo: viver
na era do capitalismo artista escrito por Gilles Lipovetsky e Jean Serroy trabalha
com o conceito de capitalismo transestetico, ou seja, não se vende apenas o
produto, se vende a beleza, a elegância, o design, a personalidade, o personalizado,
o diferente. Tudo é direcionado para gerar tendências, moda, arte.
Ao falar do consumo transestético os autores relacionam com o consumo
hedonista, ou seja, aquele que tem o prazer como estilo de vida. O indivíduo deixou de
ser um consumidor generalizado e tornou-se um consumidor personalizado, imediato, na
busca incessante por adquirir prazeres. O capitalismo transestético é definido pela
hibridização da arte, da cultura e do consumo. Tudo vira arte, não se vende meros
produtos, se vendem a arte, a estética, o estilo. Criam-se artistas, estrelas capazes de
7 Dados consultados através do site http://top-hashtags.com/instagram/ Acesso em : 20 de dezembro 2015.
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movimentar bilhões em torno de seus produtos, filmes, suas marcas, tal arte virou uma
profissão mercantilizada.
O corpo passa a ser um produto midiático, sendo possível em alguns casos,
ser uma ferramenta de trabalho, por meio da publicidade de produtos relacionados
ao cuidado com o corpo. De acordo com Lipovetsky (2015) o “culto do corpo”, que
constrói uma personalidade narcisista mediada por uma “ditadura da beleza”, é
responsável por diversas inseguranças e ansiedades que derivam do receio de não
conseguir alcançar o corpo ou beleza ideal, gerando cada vez mais a sensação de
insatisfação e imperfeição.
Desta forma, o corpo transforma-se em um “projeto em construção”, ou seja,
nunca acaba, principalmente quando vivemos em uma sociedade da imagem e do
culto a beleza. Assim escolhemos o Instagram, rede social cuja principal troca
comunicativa é a das imagens. Partindo do pressuposto de que ambiente midiático
no qual a comunicação é constantemente transformada pelas tecnologias.
Quando falamos do desejo de visibilidade midiática nos referimos aos
consumidores que antes eram tidos como passivos, apenas recebiam as informações.
Hoje na Cibercultura o processo de midiatização tornou-se o ponto chave no que
tange tal desejo. Os consumidores tornaram-se ativos, capazes de gerar seus próprios
conteúdos nas mídias sociais, como o caso das Musas Fitness, produtoras midiáticas
do consumo de um corpo malhado, sarado, construído e moldado.
Propomos, assim, desenvolver a constatação de um terceiro sistema de
processos midiáticos, na sociedade, que completa a processualidade de
midiatização social geral, fazendo-a efetivamente funcionar como
comunicação. Esse terceiro sistema corresponde a atividades de resposta
produtiva e direcionada da sociedade em interação com os processos
midiáticos. Denominados esse terceiro componente da processualidade
midiática “sistema de interação social sobre a mídia” ou, mais
sinteticamente, “sistema de resposta social”. (BRAGA, 2006, p.22)
O dispositivo midiático caracterizado pela rede social Instagram faz parte do
processo social que tange tal visibilidade das musas fitness, capaz de gerar novas
produções de sentido, um novo fenômeno da mídia: “a intensificação de tecnologias
voltadas para processos de conexões e de fluxos vai transformando o estatuto dos
meios, fazendo com que deixem ser apenas em mediadores e se convertam numa
complexidade maior”, (FAUSTO NETO, 2005, p.8) .
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Percebemos nesse artigo o quanto o desejo de visibilidade torna-se um
processo midiático, uma vez que os aportes tecnológicos inicia todo o processo de
midiatização, ou seja, a conexão entre midiatização e os processos sociais.
A metodologia adotada foi o levantamento netnográfico na rede social
Instagram, baseado nos perfis femininos que são conhecidas como Musas Fitness
no Brasil. O procedimento metodologico teve como base o número de seguidores
das chamadas Digital Influencer do segmento Fitness, o critérico das análises foi
de acordo com algumas pesquisas em revistas que publicaram o ranking das
famosas deste segmento. Depois analisamos os perfis da Gracyanne, Buffara e
Pugliesi, a escolha se justifica pelo maior número de seguidores na rede social
Instagram. Para compreender os processos de midiatização e as novas tecnologicas
na pesquisa empírica como processo de circulação e de novas forma de interação,
utilizaremos como base os autores (FAUSTO NETO, 2010) e Braga (2012). O
objetivo da pesquisa é o de analisar os três aspectos do sistema da midiatização:
social, o tecnológico e a linguagem desenvolvida através do desejo de visibilidade
midiática na cibercultura.
REFERÊNCIAS
BAITELLO, Jr. Noval. A era da iconografia. Ensaios de comunicação e
Cultura. São Paulo: Hancker Editores, 2005.
BAUMAN, Z. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
BRAGA, José Luiz. A sociedade enfrenta a sua mídia: dispositivos sociais
de crítica midiática. São Paulo: Paulus, 2006.
FAUSTO NETO, Antonio. Midiatização: prática social, prática de sentido.
Paper, Bogotá: Seminário Mediatização, 2006.
FERREIRA, Jairo. Midiatização: dispositivos, processos sociais e de
comunicação. Paper, São Leopoldo: PPGCOM, 2008.
FELERICO, Selma; HOFF, Tânia. Corpos femininos e masculinos na publicidade:
do medido ao desmedido. Disponível em:<http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-
nacionais-1/encontros-nacionais/5o-encontro-2007-
1/Do%20Corpo%20Desmedido%20ao%20Corpo%20Ultramedido..pdf> .
Acesso em: 28 agosto. 2015.
LIPOVETSKY, Gilles e SERROY, Jean. A estetização do mundo: viver na era do
capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras. 2015.
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Do ato comunicacional à identidade: relações entre
tempo e o sujeito
Guilherme Martins Batista
Rafael Grohmann
Faculdade Cásper Líbero
Palavras-chave: identidade, midiatização, tempo, afeto e comunicação
RESUMO EXPANDIDO
Assunto: mediação e midiatização
A relação homem-mundo e homem-homem muda, exatamente pelo aspecto
inovador, imediato e enganchado com a realidade, que até então parecia única. A
midiatização presente no campo comunicacional transforma alguns aspectos sociais, que
se intensificam com esse novo espaço formado, logo, os novos fenômenos que ocorrem,
exigem novos tipos de compreensão, afeto e até entendimento. A forma como isso se dá
na sociedade, acabou por transformar a civilização que assenta em uma nova orientação
existencial (O bios virtual) economicamente regida pelo interesse financeiro e do
mercado, com o auxílio de uma estetização generalizada pela ação midiática (bios
midiático).
A mudança do campo comunicacional, que afeta diferentes tipos de sujeitos, altera
também a aliança, ou simples conexão, que há entre a sociedade. A relação homem-
mundo é uma dialética constante em que os dois tipos de agentes sofrem algum tipo de
interferência. O mundo midiatizado dentro desta característica sensibiliza diretamente o
Ser que se constitui e vive neste mundo Ocidental.
Diante deste ponto, a identidade em um mundo midiatizado parece ser algo que
sofreu crucialmente com esta nova relação comunicacional. A série de informações que
cada ser humano recebe desloca suas percepções e sensações para o imediatismo que é
proporcionado. Deste ponto, o tempo, na medida em que torna-se produção ilimitada de
acontecimentos, dá lugar a um imediatismo, que impossibilita a consciência de
representar os fenômenos dentro de uma duração. Abole efetivamente o tempo e, com
ele, a ontologia clássica dos fatos sociais, ou na talvez a constituição do ser na sociedade.
A identidade atual do ser se caracteriza pelo sujeito pós-moderno, que se
caracteriza por uma descentralidade, ou seja, móvel e amorfo. O Ser na verdade se
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constrói no decorrer da história, assumindo diferentes identidades e ainda modifica seu
entendimento humano sobre si e sobre o mundo que o cerca.
Ora, cada vez que este novo mundo midiatizado possuir uma maior intensidade
de fluxo comunicacional e informacional, esta identidade pluralista passa a ter um maior
caminho percorrido e é afetada em diferentes tipos de fenômenos que são relacionados
com seus interesses também. Muitas vezes o aspecto de percepção direcionada afeta
diretamente naquilo que é consumido. O movimento deste novo tipo de sujeito é
instantâneo e passa a ter um caráter mais repentino de caso em caso, principalmente se
este tipo de deslocamento é induzido por estratégias sensíveis.
Isso traduz-se muito também pela questão tecnológica. A midiatização tem como
componente importante os dispositivos para que haja uma intensificação dos processos
comunicacionais e o que muda na sociedade contemporânea é a profunda afetação da
experiência do atual pela acessibilidade imediata das novas tecnologias da comunicação
e isso volta novamente para a questão do tempo, em que da existência se inscreve na
causalidade maquinal da eletrônica, ou seja, o tempo se acelera de forma abrupta e retira
qualquer tipo de distância espacial pelo tempo, o chamado efeito SIG.
Esta constituição do ser em movimento, contínuo e imediato, coloca a relação
entre o ser e a comunicação em uma sincronia a todo o momento. A midiatização,
portanto, impõe com veemência a relação com a informação e, sem este tempo já
explicitado, não há uma meditação daquilo que se conecta. A reflexão, como sentido de
concentração em si próprio e refletir-se, só existe caso haja uma pausa nesta questão que
muitas vezes não ocorre.
O consumo é feito em todo momento e, direcionado neste novo bios, afeta
principalmente pelas constantes apropriações que exercemos dos fenômenos da mídia,
que não nos dão tempo ou espaço para que haja uma interpretação própria. A relação com
o tempo desemboca sua característica neste ponto, de forma negativa, pois, se ele é pouco,
não permite uma maior interpretação por parte dos indivíduos e será que não causa uma
constante alteração da identidade neste sujeito pós-moderno?
A relação de recuo do tempo para que haja uma reflexão (aqui como uma questão
de refletir-se e concentrar em si mesmo) não ocorre com muita facilidade neste campo
comunicacional midiatizado. Se o Ser não volta para si, não tem um entendimento sobre
si e sobre o mundo que o cerca, então, este novo tipo de identidade é colocado no aspecto
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mercadológico deste bios criado? A lógica desta identidade, em movimento, diante de sua
descentralidade, sem nenhum aspecto sobre si e apenas para aquilo que consome, o
identifica com os fenômenos que o afetam? E este afeto, tem qual consequência para a
sua relação com o mundo nesta dialética já mencionada?
A partir destas dúvidas, serão discutidos e apresentados alguns aspectos diante da
relação comunicacional e a identidade do sujeito atual. A midiatização é um processo que
afeta o indivíduo e suas experiências, transformando com maior rapidez os indivíduos e
o sujeito deve ser melhor compreendido neste ato poético que é a comunicação.
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Abaixo o signo: por uma concepção revolucionária da
linguagem como som e imagem (Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo)
Luiza Spinola Amaral
Palavras-chave: linguagem, som, imagem, signo
RESUMO EXPANDIDO
Segundo Adriana Cavarero8, chegamos ao século XX com uma concepção sígnica
da linguagem, que nos impossibilita atentar para a vinculação vocal-acústica que a
palavra implica, ainda antes que possa designar qualquer significação verbal,
tornando oculta (o que seria insignificante) a comunicação relacional e corpórea, da
qual ela deriva e para a qual se destina. De acordo com a autora, no tratamento
filosófico dado à linguagem evidencia-se a cisão entre voz e palavra, o que seria som
e imagem, como um “marco antiacústico e videocêntrico do pensamento platônico –
e, portanto, da filosofia ocidental” (Cavarero, 2011, p. 105), cujo filtro metafísico
impulsionou um processo denominado pela autora de “desvocalização do logos”9.
Entretanto, entendendo a partir de Hans Belting10 que a racionalidade videocêntrica
da filosofia ocidental não se confunde com o pensamento por imagem que se
8 Adriana Cavarero é docente no curso de Filosofia Política na Universidade de Verona (Itália). Em sua
tese de doutorado, “Vozes Plurais: filosofia da expressão vocal” (Belo Horizonte: UFMG, 2011), se
valendo dos estudos pioneiros do medievalista Paul Zumthor, no que diz respeito à ‘vocalidade’ enquanto
fenômeno vocal e sonoro independente da palavra articulada, e do conceito de local absoluto, de Hannah
Arendt, como uma relação em ato num espaço compartilhado pelos presentes; a filósofa italiana propõe,
na era em que se discute a globalização impulsionada pelas mídias de comunicação à distância, uma
possibilidade antimoderna de revalorizar em sentido político a relacionalidade corpórea da palavra que se
faz voz. Assim, conclui o tradutor do livro para o português, Flavio Terrigno Barbeitas, na sua
introdução: “se é a linguagem que faz do homem um ser político; se essa mesma linguagem não mais é
redutível ao plano do que é dito, isto é, ao plano das palavras desencarnadas e do logos desvocalizado, e
passa a acolher a voz como aquilo que espelha a unicidade de cada existente; se também o “homem”,
nesse mesmo sentido, deixa de ser uma abstração para se referir à singularidade encarnada de um ser
único; ora, então a política deve ser radicalmente repensada para além de uma conexão pelo que é dito
(terreno exclusivo do significado) em direção à relacionalidade de um dizer em que, mais do que
significar, cada um comunica quem é” (In: Cavarero, 2011, p. 11). 9 Nas palavras da autora: “O processo de autoesclarecimento do logos, no qual consiste a história da
metafísica, é também um processo de autonegação do logos que, ao se desvocalizar, esforça-se ao
máximo para coincidir com o pensamento” (Cavarero, 2011, p.61). Como veremos adiante, este
pensamento corresponde à perspectiva racional da ideia platônica, mas não ao pensamento por imagem
que se estabelece no corpo por meio de uma emoção sensível. 10 Hans Belting é historiador da arte e propositor de uma teoria da imagem, na qual a imagem é abordada
a partir de uma perspectiva antropológica onde “el ser humano no aparece como amo de sus imágenes,
sino – algo completamente distinto – como “lugar de las imágenes” que toman posesión de su cuerpo:
está a merced de las imágenes autoengendradas, aun cuando siempre intente dominarlas” (Belting, 2007,
p. 15). Neste sentido, embora nos apresente o conceito de imagens endógenas (internas) e exógenas
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fundamenta pela sensibilização do corpo, pretendemos demonstrar como a estratégia
filosófica para silenciar a palavra foi determinante para reduzir a percepção em
imagens à conceituação sígnica da linguagem, como uma medida racional para
domesticar o pensamento mágico, ou anímico, impulsionado tanto pelas imagens
iconográficas, nos rituais de culto aos mortos da antiguidade11, quanto pelas
narrativas míticas, por assim dizer, cantadas ao ouvinte12. Com isso, pretendemos
destacar como esta concepção dessensibilizada da palavra impregna toda a noção de
linguagem difundida pela moderna linguística, a qual termina por afetar, também, o
enfoque da imagem, no âmbito de pesquisas da comunicação e da mídia, hoje. Tal
como apresenta Hans Belting quando diz que: “o mal-entendido posto hoje sobre as
imagens resulta em pretender encará-las apenas como suportes de informação, o que
as aproximam da categoria dos signos”13
Fato é que, chega-se a um novo milênio, no qual as mídias audiovisuais dominam os
ambientes da cultura, com um embasamento sígnico da linguagem, que reverbera
inclusive na ciência da comunicação, compreendendo-as apenas como suportes de
informação, mas sem entender de que modo as imagens, visuais e acústicas, atuam
sobre o corpo do espectador ouvinte, não apenas informando, mas moldando a sua
percepção do mundo. Assim, a partir do pensamento de Adriana Cavarero e Hans
Belting, mais do que resgatar o fundamento teórico que ampara nossa perspectiva
racionalista no tratamento da mídia hoje, nossa proposta visa resgatar um sentido
arqueológico e antropológico da linguagem, numa intenção revolucionária - na qual
a palavra revolução adquire o seu sentido original de volta à origem - de apresentar
uma abordagem da linguagem como som e imagem, que parece mais interessante
para entender a realidade da cultura midiática contemporânea. De modo a
(externas), nos adverte que ambas não podem sem pensadas separadamente, já que se encontram sempre
em trânsito. Belting foi professor catedrático no Instituto de História da Arte da Universidade de Munique
e, depois, no Instituto de História da Arte e Teoria da Mídia em Karlsruhe. 11 Analisando a tradição funerária da Antiguidade, Hans Belting descreve um ritual muito conhecido em
todo o Oriente antigo, designado “ritual de abertura da boca” (Belting, 2007, p. 58), no qual as imagens
mortuárias, durante o tempo das cerimonias rituais, libertavam-se da mudez inerente à matéria morta, e
eram postas a falar, enquanto médium entre o mundo dos mortos e dos vivos, por meio de um ritual de
animação que se dava entre o espectador e as imagens. 12 Nos referimos especificamente à poética homérica, através das análises de Adriana Cavarero. 13 Tradução de Martinho Alves da Costa Junior, feita a partir da tradução francesa. Este artigo encontra-se
no livro, “Das echte Bild: Bildfragen als Glaubensfragen” (Verlag C. H. Beck: München, 2006, p. 133-
137). A citação supracitada corresponde ao seguinte trecho no original: “Das heutige Missverständnis der
Bilder liegt darin, dass man sie nur noch als Träger von Informationen gelten lassen will, in denen sie
den Zeichen nahe kommen” (Belting, 2006, p. 135).
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compreender melhor os seus efeitos mágicos, destruidores e sedutores, sobre as
formas da percepção do corpo. Já que as imagens, diferentemente da escrita, e na
medida em que falam ao ouvinte, não permitem o distanciamento crítico da visão
racional, mas, ao contrário, seduzem os olhos, quando (en)cantam-lhe os ouvidos.