reforma universitária - as propostas da sbpc

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maio de 2005 • CIÊNCIA HOJE 63 REFORMA UNIVERSITÁRIA As propostas da SBPC Propostas ao anteprojeto de reforma do ensino superior Propostas ao anteprojeto de reforma do ensino superior Propostas ao anteprojeto de reforma do ensino superior Propostas ao anteprojeto de reforma do ensino superior Propostas ao anteprojeto de reforma do ensino superior m carta dirigida ao ministro da Educação, Tarso Genro, no dia 30 de março, o presi- completa do anteprojeto onde são destacadas todas as alterações sugeridas (disponível no site da entidade – www.sbpcnet.org.br). Esses documentos foram redigidos após entendimen- tos finais entre a Comissão Especial da SBPC sobre a Reforma da Universidade e integrantes do Conselho da entidade. Na carta, Ennio Candotti diz esperar que as propostas “possam ser úteis para o aperfeiçoamento” da futura Lei Orgânica do Ensino Superior. dente da Sociedade Brasileira para o Progres- so da Ciência (SBPC), Ennio Candotti, apresen- tou as críticas e sugestões da entidade ao ante- projeto de reforma da educação superior divul- gado pelo governo federal em 6 de dezembro do ano passado. Além de um resumo das propostas, em 16 pontos (reproduzido a seguir), a SBPC elaborou e entregou ao ministro uma versão E 1. Sugerimos evitar a idéia de ordenar o serviço público de educação superior como um sis- tema. Se o desejo é preservar a diversidade de instituições, os instrumentos normativos exis- tentes e propiciar a autonomia, a exemplo do que já ocorre em alguns estados, acreditamos que é suficiente mencionar nas dis- posições gerais que a Lei tem por objetivo “estabelecer normas ge- rais para a educação superior”. 2. Quanto aos objetivos da uni- versidade, consideramos que implementar políticas públi- cas não é sua função. Mes- mo concordando que ela deva, quando possível, pro- curar integrar-se à comuni- dade de sua região-sede, de- fendemos que ela deve pre- ocupar-se, principalmente, com a boa formação de seus alunos e com a produção de co- nhecimentos em seus laborató- rios de pesquisa. Estes devem ser estimulados mesmo se, por vezes, não revelem aplicação imediata, como pode ocorrer, por exemplo, com pesquisas em astrofísica ou em álgebras abstratas. 3. A autonomia não deve impe- dir uma estreita colaboração das universidades com o Ministério de Educação (MEC). Normas ge- rais deveriam regular o reconhe- cimento de cursos e disciplinas pelas instituições em nível nacio- nal e garantir a possibilidade de intercâmbio de docentes e a mo- bilidade dos alunos. 4. Somos favoráveis, em prin- cípio, à proposta de criação de um Conselho Comunitário, con- sultivo, que permita à universi- dade estabelecer laços de inter- câmbio estáveis com a socieda- de e a comunidade local. No en- tanto, gostaríamos de examinar em nova oportunidade sua composição e suas funções específicas, pontos que têm suscitado recorrentes ques- tionamentos. 5. Reconhecemos, por ou- tro lado, que a proposta da Academia Brasileira de Ci- ências (ABC) de substituir o Conselho Consultivo da uni- versidade por um Conselho de Desenvolvimento com funções Defendemos que a universidade deve preocupar-se, principalmente, com a boa formação de seus alunos e com a produção de conhecimentos em seus laboratórios de pesquisa DOCUMENTO

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Em carta dirigida ao então ministro da Educação Tarso Genro, no dia 30 de março, o presidente da SBPC, Ennio Candotti, apresentou as críticas e sugestões da entidade ao ante-projeto.

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REFORMA UNIVERSITÁRIAAs propostas da SBPC

Propostas ao anteprojeto de reforma do ensino superiorPropostas ao anteprojeto de reforma do ensino superiorPropostas ao anteprojeto de reforma do ensino superiorPropostas ao anteprojeto de reforma do ensino superiorPropostas ao anteprojeto de reforma do ensino superior

m carta dirigida ao ministro da Educação,

Tarso Genro, no dia 30 de março, o presi-

completa do anteprojeto onde são destacadas

todas as alterações sugeridas (disponível no

site da entidade – www.sbpcnet.org.br). Esses

documentos foram redigidos após entendimen-

tos finais entre a Comissão Especial da SBPC

sobre a Reforma da Universidade e integrantes

do Conselho da entidade. Na carta, Ennio Candotti

diz esperar que as propostas “possam ser úteis

para o aperfeiçoamento” da futura Lei Orgânica

do Ensino Superior.

dente da Sociedade Brasileira para o Progres-

so da Ciência (SBPC), Ennio Candotti, apresen-

tou as críticas e sugestões da entidade ao ante-

projeto de reforma da educação superior divul-

gado pelo governo federal em 6 de dezembro do

ano passado. Além de um resumo das propostas,

em 16 pontos (reproduzido a seguir), a SBPC

elaborou e entregou ao ministro uma versão

E

1. Sugerimos evitar a idéia deordenar o serviço público deeducação superior como um sis-tema. Se o desejo é preservar adiversidade de instituições, osinstrumentos normativos exis-tentes e propiciar a autonomia,a exemplo do que já ocorre emalguns estados, acreditamos queé suficiente mencionar nas dis-posições gerais que a Lei tem porobjetivo “estabelecer normas ge-rais para a educação superior”.

2. Quanto aos objetivos da uni-versidade, consideramos queimplementar políticas públi-cas não é sua função. Mes-mo concordando que eladeva, quando possível, pro-curar integrar-se à comuni-dade de sua região-sede, de-fendemos que ela deve pre-ocupar-se, principalmente,com a boa formação de seusalunos e com a produção de co-nhecimentos em seus laborató-

rios de pesquisa. Estes devem serestimulados mesmo se, por vezes,não revelem aplicação imediata,como pode ocorrer, por exemplo,com pesquisas em astrofísica ouem álgebras abstratas.

3. A autonomia não deve impe-dir uma estreita colaboração dasuniversidades com o Ministériode Educação (MEC). Normas ge-rais deveriam regular o reconhe-

cimento de cursos e disciplinaspelas instituições em nível nacio-nal e garantir a possibilidade deintercâmbio de docentes e a mo-bilidade dos alunos.

4. Somos favoráveis, em prin-cípio, à proposta de criação deum Conselho Comunitário, con-sultivo, que permita à universi-dade estabelecer laços de inter-câmbio estáveis com a socieda-de e a comunidade local. No en-tanto, gostaríamos de examinarem nova oportunidade sua

composição e suas funçõesespecíficas, pontos que têmsuscitado recorrentes ques-tionamentos.

5. Reconhecemos, por ou-tro lado, que a proposta daAcademia Brasileira de Ci-ências (ABC) de substituir o

Conselho Consultivo da uni-versidade por um Conselho de

Desenvolvimento com funções

Defendemos quea universidade deve

preocupar-se,principalmente,

com a boa formaçãode seus alunos e com a

produção de conhecimentosem seus laboratórios

de pesquisa

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deliberativas é uma alternativaque deve ser examinada comatenção. Caberia a este Conselho,composto por um reduzido nú-mero de membros de elevadaqualificação e representativida-de, a tarefa de elaborar as dire-trizes dos planos diretores da ins-tituição e dimensionar os recur-sos necessários para realizá-los.

6. Outra proposta da ABC, quesugerimos ser considerada aten-tamente, é a da criação de umórgão encarregado de repartir osrecursos globais do ensino supe-rior (ou seja, 75% da receita vin-culada pela Constituição à edu-cação) e planejar a nível nacio-nal o desenvolvimento das insti-tuições públicas de nível superi-or. Esse órgão, que recebeu onome de CADI (Conselho de Ava-liação e Desenvolvimento Insti-tucional), seria composto pormembros de reconhecida compe-tência e independência, além derepresentantes de órgãos do go-verno. A distribuição dos recur-sos, segundo a interessante pro-

posta da ABC, seria orientada porum rigoroso sistema de avaliaçãodo desempenho das instituições.

7. A criação de um ciclo de for-mação geral, sem prejuízo de ou-tros caminhos formativos e pre-servando a autonomia das Insti-tuições, parece oportuna, poispermite ao aluno aprofundar suaformação geral antes de escolhersua área de especialização. Alémdisso, estimulará os estudos inter-disciplinares e permitirá a imple-mentação de novas – e necessá-rias – experiências pedagógicas.

8. O plano de desenvolvimentoinstitucional mencionado no ar-tigo 28 tem suscitado reaçõescontraditórias: se, por um lado,parece ser um razoável instru-mento de planejamento e com-promisso para tornar possível aavaliação do desempenho acadê-mico e científico e do orçamen-to-programa da instituição, poroutro lado parece excessivamente

detalhado e por vezes limitanteda autonomia da mesma.

9. Parece-nos muito importan-te a meta de ampliar a oferta devagas no ensino superior públi-co, de modo a que, até 2011,40% das matrículas nesse nívelsejam feitas em instituições pú-blicas, mas acreditamos que de-veria ser mais bem dimensio-nada em termos de orçamentose melhor definidos os caminhosa percorrer: faltam, por exemplo,menções aos ensinos noturno ea distância, que muito poderiamcontribuir para a realização des-se projeto. Sugerimos tambémestudar a possibilidade de criarcursos de duração intermediária(três anos, por exemplo). Temosnotícia de que cursos desse tipotêm sido muito procurados tantoem nosso país quanto no exte-rior, onde respondem, em alguns

No site da SBPC, constamtodas as alterações sugeridaspela entidade ao anteprojetode reforma da educação superior

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casos, por cerca de metade dasmatrículas do ensino superior.

10. Estamos de acordo com aaplicação anual, nas instituiçõesfederais de educação superior,de pelo menos 75% da receitaconstitucionalmente vinculadaà manutenção e ao desenvolvi-mento do ensino. Entendemos,no entanto, que a subtração dosvalores relativos à Desvincula-ção das Receitas da União (DRU)é indevida, e que tais recursosdeveriam ser acrescidos à basede cálculo do montante destina-do à educação. Estimamos que,para alcançar as metas de 40%das matrículas até 2011, será ne-cessário dobrar até 2008, em re-lação ao exercício de 2004, osorçamentos destinados às insti-tuições federais. Bem como al-cançar a meta estabelecida noPlano Nacional de Educação dedestinar a esta 7% do Produto In-terno Bruto até 2011.

11. Entendemos que a questãodo financiamento das institui-ções federais coloca um claro di-lema: se os recursos forem repar-tidos segundo os desembolsosdos últimos anos, a atual hierar-quia entre instituições e orça-mentos dificilmente será modi-ficada e, com o tempo, o desequi-líbrio entre eles, hoje existente,tenderá a se perpetuar ou mes-mo aumentar. Faltam no antepro-jeto diretrizes destinadas a pro-mover de modo acelerado o cres-cimento das instituições situa-das fora do Centro-Sul do país,com o objetivo de alcançar umadistribuição mais bem equili-brada dos centros de formaçãosuperior e da produção de conhe-cimentos no território nacional.A esse respeito nos propomos aexaminar, com o MEC, o Minis-tério da Ciência e Tecnologia e asFundações de Amparo à Pesqui-sa estaduais, a proposta de criarcentros estratégicos em áreas es-pecíficas – nos moldes dos labo-

ratórios associados do Centro Na-cional de Pesquisas Científicas(CNRS) da França –, em regiõesonde as instituições universitá-rias são ainda recentes e a pes-quisa científica ainda não estáconsolidada. Observamos que,em muitos estados, existem im-portantes laboratórios naturaisde grande riqueza científica e aeconomia está em pleno desen-volvimento, mas faltam recursoshumanos qualificados para estu-dar esses ambientes e extrair ri-quezas que possibilitem promo-ver o crescimento de modo sus-tentado.

12. A política de cotas para ainclusão social também tem sidoobjeto de sérios questionamen-tos, não tanto em seus legítimosobjetivos, mas no modo de imple-mentação. É nossa opinião que,definida a meta de 50%, cadainstituição deveria definir auto-nomamente os critérios paraalcançá-las.

13. A dependência das institui-ções federais em relação à Ad-vocacia Geral da União tambémtem sido questionada, particular-mente pelos reitores. Temos no-tícia de que está sendo estuda-da, pelo MEC e pela AssociaçãoNacional dos Dirigentes das Ins-tituições Federais de Ensino Su-perior (Andifes), uma solução deconsenso. Apoiamos essa inicia-tiva, conscientes de que a solu-ção não é trivial, uma vez queenvolve responsabilidades fi-

nanceiras decorrentes dos con-tenciosos judiciais relativos aações passadas e presentes.

14. Consideramos oportunotambém estudar novas formas departicipação da comunidade aca-dêmica, estudantil e técnico-ad-ministrativa na gestão das insti-tuições de ensino superior. Emdiferentes países, existem cole-giados que contam com diferen-tes níveis de representação. Porexemplo: o Conselho que trata dequestões de pesquisa tem amplamaioria de docentes pesquisa-dores, o Conselho de Adminis-tração tem participação signifi-cativa de funcionários técnicos eadministrativos, o Conselho queexamina questões relativas à vi-da estudantil tem maior partici-pação de alunos. Acreditamosque dessa maneira preservaría-mos o valioso interesse dos dife-rentes segmentos da comunida-de universitária de participar dacondução das suas instituições erespeitaríamos a especificidadedas diferentes funções e respon-sabilidades envolvidas.

15. A questão das fundações, as-sim como foi tratada no parágra-fo 3o do artigo 44, também geroumuita polêmica. Temos notíciade que está sendo elaborada peloMEC, junto com a Andifes, novaproposta que, estamos certos,obedecerá ao princípio de plenatransparência da utilização dosrecursos em instituições públi-cas, filantrópicas, comunitárias esem fins lucrativos.

16. Manifestamos nosso acor-do com as normas e diretrizesdestinadas a regulamentar o en-sino privado. Entendemos que aeducação é um serviço públicocujo exercício não é privativo daUnião. Cabe portanto ao Estadoexercer severo controle sobre odesempenho das instituições cre-denciadas e definir normas queorientem seu crescimento. ■

Definida a metade 50%, cada

instituição deveriadefinir autonomamente

os critérios para alcançaras cotas para

a inclusão social