reflexoes sobre a sonegacao tributaria

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  • 1REFLEXES SOBRE A SONEGAO TRIBUTRIA

    Ronaldo Marton

    1. O tributo na Histria.

    O tributo, no sentido de entrega compulsria de dinheiro ao governo, uminstituto que se faz presente nos momentos mais decisivos da Histria da Humanidade,estando na raiz de grandes transformaes polticas e at religiosas.

    por demais conhecido o episdio narrado nos Evangelhos, quando os fariseusindagaram de Jesus a respeito do pagamento de tributo a Csar. Devemos ou no pagar otributo a Csar ?. A um povo submetido ao domnio estrangeiro humilhante essepagamento, sendo explicvel a rejeio ao tributo. A resposta do Mestre, contornando aprovocao poltica, at hoje alvo de profundas reflexes dos telogos, que a apontam comomarco da separao entre o Reino dos Cus e o reino terrestre.

    Os governantes sempre exigiram dos governados o pagamento de tributos. Arelao tributria desponta, na Histria, como relao de fora: paga-se o tributo porque ele exigido pelo mais forte, imposto.

    As naes submetidas militarmente so constrangidas satisfao do butim dovencedor. Paga-se tributo ao invasor estrangeiro. Ou ento, os sditos pagam tributos ao seurei.

    A origem do tributo, como resultado de uma situao de fora, talvez aindapermanea nostalgicamente no inconsciente coletivo, de forma a justificar a legitimidade daresistncia ao pagamento, e a legitimar, igualmente, todos os procedimentos, mesmo queescusos, no sentido de se subtrair quilo que o Estado exige.

    A natureza do Homem, como ser social, torna inevitvel a questo dorelacionamento do indivduo com o grupo. A vida na coletividade traz como decorrncia ainterdependncia do indivduo e do grupo: o grupo atende s necessidades do indivduo, e oindivduo chamado a atender as necessidades do grupo social.

    Publicado em Perspectivas contemporneas para o Direito, organizado por ANTONIO PAULO

    CACHAPUZ DE MEDEIROS, Braslia, Editora Universa, 2003, fls. 263-277.

    Doutor em Direito pela Universidade de So Paulo. Consultor Legislativo da Cmara dos Deputados.

  • 2A evoluo poltica da Humanidade permite-nos acompanhar alguns marcosinteressantes.

    No sculo XIII os bares ingleses revoltaram-se contra seu rei, Joo SemTerra. Poderia ter sido apenas uma das muitas revoltas causadas pela indignao dospagadores de tributos. No entanto, esse foi tambm um episdio que se tornouuniversalmente conhecido. O rei foi obrigado a jurar obedincia a um documento escrito,denominado Magna Carta, antecedente das modernas Constituies, e que consagrou oclebre princpio: no h tributao sem representao. Isto , o monarca, para exigirtributo, necessitaria da concordncia dos representantes daqueles que vo pagar.

    Os representantes dos contribuintes britnicos, quando convocados, davamautorizao limitada no tempo, o que obrigava o rei a sucessivas convocaes dessesrepresentantes, em busca de novas autorizaes. O hbito de freqentes convocaes, nodecorrer dos sculos, deu origem ao Parlamento Britnico. E a exigncia da autorizao dosrepresentantes daqueles que vo pagar hoje satisfeita mediante o princpio da estritalegalidade da tributao, pedra angular do Direito Tributrio.

    O tributo est tambm entre as causas da formao dos Estados Unidos daAmrica, com seu novo modelo de Estado (Federal) e de Governo (Presidencialismo). Osurgimento dos Estados Unidos da Amrica est ligado ao pagamento de tributos, exigidospela metrpole, e considerado extorsivo pelos sditos britnicos nas colnias.

    A clebre Revoluo Francesa, que tantas e profundas conseqnciasacarretou, contemplou, em sua gnese, a questo tributria.

    No Brasil, a tributao, considerada excessiva, deu motivo InconfidnciaMineira. Para os padres da poca, era considerado insuportvel que a Metrpole exige oquinto (vinte por cento) do ouro. Os tempos mudaram, mas no a incontida fomegovernamental pelo dinheiro do povo: hoje o Imposto de Renda aplicado com a alquota de27,5% (vinte e sete e meio por cento) e j no se conspira como se conspirou em Vila Rica.E, o que parece mais grave, esse percentual incide tambm sobre salrios, sendo que, no casode funcionrio pblico federal, tambm deve ser adicionado 11% (onze por cento) decontribuio previdenciria, alm da CPMF (modestos trinta e oito centsimos por cento)!

    2. O desenvolvimento do Direito Tributrio.

  • 3A evoluo poltica da sociedade humana, com a emergncia das democraciasmodernas, trouxe mutaes ao Direito e ao tributo.

    No Estado de Direito, a relao tributria (relao entre o Fisco e o devedor dotributo) relao jurdica. Vale dizer: o Fisco submete-se lei, tanto quanto o devedor dotributo. Essa relao jurdica tributria relao obrigacional, compreendendo-se, portanto,no estudo geral das obrigaes. Trata-se de obrigao ex-lege, que surge em virtude docomando legal, sem participao da vontade do devedor. H, como em todas as obrigaes, ocredor, o devedor e a prestao a ser entregue. A obrigao de entregar dinheiro ao Fisco,denominada obrigao tributria principal na terminologia de nosso Cdigo TributrioNacional, est submetida aos princpios e s caractersticas compreendidas pela Teoria Geraldas Obrigaes.

    Nos Estados contemporneos, o consentimento dos representantes daquelesque vo pagar o tributo exteriorizado mediante lei. Vale dizer: a lei o veculo quemanifesta a vontade geral da sociedade, a includa a autorizao para a cobrana detributos. Assim, em Direito Tributrio, o denominado princpio da legalidade da tributao a traduo contempornea do princpio segundo o qual no h tributao semrepresentao.

    No entanto, como amplamente conhecido, na esteira da Revoluo Francesaprofundas mutaes ocorreram no mandato poltico, que perdeu as caractersticas de DireitoPrivado que ainda ostentava, e passou a ser compreendido como mandato regido por regras deDireito Pblico. O deputado deixou de ser representante apenas do seu eleitor, para serconsiderado representante de toda a sociedade. O representante poltico no estjuridicamente obrigado a prestar contas aos seus eleitores, nem a auscult-los no momento devotar, dentro do processo legislativo. Diz-se que o mandato poltico mandato imputao:imputa-se ao representado a vontade do representante. Essa caracterstica tem dado margema abusos diversos, como aquele que permite ao candidato eleito, at mesmo antes da posse, vira mudar de partido, ou de afirmar, sem constrangimento: Esqueam o que eu escrevi. Oresultado dessas condies juridico-polticas que ningum se sente representado peloParlamento e por isso florescem os grupos de presso como tentativas de se fazeremconhecidas as reivindicaes dos diversos grupos. A dbil representatividade dos deputadostraz como conseqncia o enfraquecimento da concepo da lei como expresso da vontadegeral. A lei perde a sua respeitabilidade, e vista apenas como regra de arbitragem no jogodas presses sociais, sempre mutvel ao sabor das convenincias das maiorias ocasionais; alei perde a racionalidade, sendo muitas vezes fruto de um processo legislativo catico.

  • 4O desrespeito pela lei uma das causas da tolerncia moral da sonegaotributria, pois essa obrigao tem como causa jurdica exclusivamente o comando trazidopelo legislador.

    3. A tributao como fenmeno jurdico, poltico e econmico.

    O problema tributrio apresenta diversas vertentes, estando ligado questopoltica relativa s finalidades do Estado (pois os gastos pblicos dependero, em quantidadee diversidade, das finalidades e das funes que o Estado assuma como sendo suasatribuies) e ao critrio de rateio das despesas pblicas entre os devedores do tributo.

    A questo que se coloca perante todos diz respeito ao dever de sustentar oEstado. No passado, cabia aos sditos sustentar o Rei e sua Corte, hoje cabe aos membros dasociedade sustentar o Estado, com seu aparato administrativo. O dever de pagar o tributo dever moral, poltico e jurdico; com o enfraquecimento dos padres morais e das convicespolticas, a coatividade jurdica assume relevncia maior.

    4. As razes da sonegao tributria.

    Assume notvel importncia destacar as razes pelas quais floresce asonegao tributria.

    4.1. desonestidade pessoal.H pessoas que no pagam suas dvidas por desonestidade pessoal. No se

    sentem moralmente obrigadas, e somente quando o credor demonstra sua deciso de exigir opagamento pela utilizao dos mecanismos processuais, que o devedor, caso no consigautilizar alguma forma de se subtrair jurisdio, realiza o pagamento. Obviamente, quem nose sente obrigado sequer ao pagamento de suas dvidas de natureza privada no se sentirobrigado ao pagamento da dvida tributria, e considerar a sonegao como fato normal edesejvel.

    4.2. discordncia com o valor da dvida que lhe imputada. Outra razo que poder vir a ser invocada pelo devedor de tributos, parajustificar o no-pagamento, diz respeito discordncia com o valor que lhe est sendo exigidopelo Fisco. Essa discordncia poder dizer respeito ao desacordo entre a exigncia fiscal e o

  • 5comando da lei (quando o Fisco cobra o que no lhe devido) ou ao prprio comando dolegislador (quando o devedor entende que a lei inadequada, contemplando os fatos de formaequivocada ou distorcida, ou irracional, ou est a exigir tributo sem a contemplao dosaspectos relevantes da situao econmica subjacente, etc.).

    No primeiro caso, existe teoricamente a possibilidade de manejo dos recursosadministrativos ou judiciais. No entanto, os recursos implicam com freqncia dispndiosfinanceiros com procuradores e advogados, o que pode conduzir o devedor a buscar uma sadamenos onerosa, mesmo que ilegal, e a sonegao revela seus atrativos.

    O legislador tambm injusto quando habilita a Administrao Tributria aadotar procedimentos de controle sobre uma classe de contribuintes (por exemplo, sobre aclasse dos assalariados, exigindo que o empregador informe ao Fisco os salrios pagos),enquanto no adota controle equivalente sobre outra classe de contribuintes (por exemplo, noexigindo que os Bancos informem ao Fisco os juros pagos).

    4.3. a injustia da lei.A questo da lei injusta, aos olhos do devedor do tributo, pode ser apresentada

    de vrias maneiras.A injustia pode decorrer de conflito entre a lei e os direitos fundamentais do

    devedor, como expressos na Constituio, quando estaremos diante da inconstitucionalidadeda prpria lei. Como j observado, a busca judicial da declarao de inconstitucionalidadeimplica nus ao devedor, que poder preferir a sonegao, ao seu sentir moral ejuridicamente justificada.

    No entanto, a injustia da lei pode tambm ser decorrncia de valoraes feitaspelo legislador que, embora no conflitem com a Constituio, sejam inaceitveis do ponto devista da justia social. Um exemplo o caso da legislao sobre o Imposto de Renda, quetributa desigualmente contribuintes de mesmo poder aquisitivo, fazendo incidir sobrerendimentos do trabalho alquota superior incidente sobre rendimentos correspondentes ajuros ou ganhos de capital.

    4.4 discordncia com os critrios de repartio das despesas pblicas.A forma de rateio das despesas pblicas entre os que devem suport-la

    questo poltica.

    Alis, a prpria questo de se saber quais so aqueles que devem suportar ocusteio do Estado um problema poltico. Assim, poderia se indagar se apenas os cidados

  • 6(pessoas com direitos polticos) deveriam ser chamadas a contribuir aos cofres pblicos, ou sequalquer pessoa residente no territrio do pas deveria suportar esse encargo. A idade seriaalgum fator inibidor da cobrana isto , no se deveria cobrar das pessoas menores de idade,ou dos ancios ? A pouca ou m sade de uma pessoa poderia exclui-lo do rol doscontribuintes ? Os no-residentes no territrio do pas deveriam pagar tributos (por exemplo,os residentes no exterior que estejam recebendo rendimentos remetidos para eles, ou osturistas que estejam de passagem pelo pas) ? E as pessoas jurdicas, deveriam elas tambmserem chamadas a contribuir ?

    Uma forma terica de se ratear as despesas pblicas seria dividir essasdespesas pela quantidade de pessoas que devem pag-las, de forma que todas as pessoaspagassem o mesmo valor. Isso pode parecer o mais justo para alguns, traduzindo perfeitaisonomia tributria entre os contribuintes.

    Outra forma seria cobrar tributo maior de quem mais se beneficia da presenado Estado ou de quem utiliza seus servios. O que no seria fcil de se calcular.

    A desigualdade entre as rendas e o patrimnio das pessoas afasta apossibilidade de se fazer uma cobrana tributria igualitria.

    A noo de que a tributao refere-se justia distributiva, fez com que j hmuito tempo tenha se desenvolvido a doutrina de que o Estado deve exigir tributos emconformidade com a capacidade contributiva daquele que paga. Assim, haver aqueles quepagaro muito mais do que outros. O princpio da legalidade, em Direito Tributrio,desenvolveu-se contemplando a teoria do fato gerador: a lei estabelece a descrio de um fatode contedo econmico, que entendido como revelador da capacidade contributiva; todoaquele que praticar o fato gerador torna-se devedor do imposto, e dever pag-lo dentro dosparmetros legais (base de clculo e alquotas).

    A escolha dos fatos que do ensejo ao nascimento da obrigao tributria, jdelineada na prpria Constituio Federal, com a outorga das competncias tributrias, e oexerccio efetivo dessas competncias por parte dos legisladores, passvel de muitas crticas,sob o ngulo da justia dessa tributao. fcil perceber que o ideal de capacidadecontributiva est longe de ser atendido; o prprio dimensionamento dessa capacidade revela-se complexo e talvez inatingvel. A existncia de muitos tributos, afetando desigualmente osfenmenos econmicos, e a possibilidade da repercusso do encargo financeiro do tributopago pelo contribuinte, que passa a atingir terceiros sem vinculao jurdica com o fatogerador, evidencia distores de grande porte. As muitas discusses tericas sobre aconvenincia de se tributar a renda auferida, ou a renda consumida, ou de se utilizar a

  • 7denominada tributao direta ou de se preferir a tributao sobre o consumo, provam que oproblema nem sequer chegou a uma soluo terica aceitvel.

    Assim, um contribuinte pode estar convencido de que a tributao que incidesobre ele no socialmente justa, e esse convencimento pode servir de razo moral a justificara sonegao. O fato de a lei instituidora do tributo ter sido aprovada pelo CongressoNacional no argumento suficientemente forte para quem no se sente representado por essemesmo Congresso.

    4.5. Ausncia de comutatividade da obrigao tributria. A ausncia de comutatividade da obrigao tributria desperta o sentimento deque no se trata de dvida igual as de Direito Privado, sendo justificvel o no-pagamento.Talvez isso explique a aceitao do sonegador pela sociedade. Com efeito, o agente quepratique roubo sofre notvel repulsa no meio social. Aquele que falsificar a contabilidade deum prdio em condomnio, para apoderar-se dos recursos pertencentes aos condminos, sermal visto e evitado por todos (embora possa causar menos medo do que o assaltante a mosarmadas), e ser considerada justa sua condenao criminal. No entanto, o vender sem notafiscal aceito at por muitas pessoas consideradas honestas.

    H quem proteste contra o pagamento de tributo, alegando que no recebe nadaem troca do imposto que paga. Essa alegao evidencia desconhecimento de que a dvida deimposto no est vinculada a qualquer ao estatal em relao ao contribuinte. O devedor deimpostos deve pag-los em virtude de, dentro dos critrios legais, ter manifestado capacidadecontributiva, razo pela qual espera-se dele que contribua para as despesas estatais. O tributorepresenta uma forma de transferncia de renda dentro da sociedade, e uma falsaexpectativa esperar uma recompensa pessoal pelo pagamento do imposto (alm daqueladecorrente de poder contar com servios pblicos gerais de melhor qualidade). O impostono deve ser confundido com preo pblico, pois este corresponde compra de bem ouservio, dentro de relao contratual, enquanto o primeiro obrigao ex-lege.

    4.6. A m aplicao dos dinheiros pblicos.Os contnuos escndalos, relacionados com a m aplicao dos recursos

    pblicos, e seus desvios ilcitos, causam insatisfao geral e passam a ser justificativas para ono-pagamento de tributos.

  • 84.7 A falta de transparncia na aplicao dos recursos pblicos.

    Uma razo muitas vezes invocada como desculpa para a sonegao de tributos sintetizada na expresso: no vejo onde aplicado o meu dinheiro. Essa queixa decorreda constatao da ineficincia do servio pblico, que muitas vezes funciona em precriascondies. No obstante a existncia de algumas tentativas de realizao do chamadooramento participativo, a quase totalidade da populao vive alheia elaborao da leioramentria (onde o imenso peso poltico dos segmentos sociais se faz presente, medianteseus grupos de presso), desconhecendo os critrios de aplicao do dinheiro arrecadado.Sem negar que boa parte dos recursos oramentrios so utilizados em finalidadessocialmente injustas, ignorando-se prioridades que a justia social impe, a falta deacompanhamento da elaborao e execuo da lei oramentria por parte dos cidados umadas causas dos desvios na aplicao dos dinheiros pblicos. Relativamente ao argumentoacima mencionado, deve-se registrar tambm que mais fcil ver o que falta fazer do que oque foi feito.

    4.8. dificuldade de competio com os sonegadores. Uma outra causa da sonegao a dificuldade de competio entre empresas que

    cumprem criteriosamente seu dever fiscal e aquelas que sonegam tributos. O contribuinte quepauta sua conduta nos termos da lei v-se forado, em razo da concorrncia a deixar de pagaros tributos devidos, para igualar-se s condies do concorrente. Isto revela um dos efeitosdeletrios da sonegao tributria: a contaminao do no-sonegador. Sem dvida, oconsumidor tem sua parcela de culpa nesse esquema, pois deixando de exigir a nota fiscal,auxilia a manuteno do procedimento ilegal.

    Esse fato evidencia que a complacncia com a sonegao uma das formas deinjustia tributria, pois acarreta situao diferenciada entre os contribuintes, em prejuzojustamente do contribuinte responsvel e cnscio de suas obrigaes sociais.

    4.9. Alegao da impossibilidade de pagamento, em razo dos resultados empresariais.

    A conduta ilcita do devedor, deixando de pagar os tributos devidos, pode sesocorrer da alegao da existncia da impossibilidade econmica do prprio pagamento, sob a

  • 9afirmao de que se tivesse que cumprir com todas as suas obrigaes fiscais iria falncia.Esse argumento, embora utilizado com freqncia, entra em contundncia com o princpio dacapacidade contributiva, eleito pela Constituio como um dos parmetros a nortear aatividade tributante do Estado. Se o legislador definiu fatos geradores, impondo-lhes bases declculo ou alquotas incompatveis com o exerccio da atividade econmica, ferida restou acapacidade contributiva, e a lei inconstitucional. Todavia, como j assinalado, extremamente difcil a demonstrao do no-acatamento, pelo legislador, do princpio dacapacidade contributiva.

    Por outro lado, se procedente o argumento, teramos que supor sonegadorastodas as empresas que sobrevivem.

    4.10. Dificuldade de interpretao da legislao tributria.A legislao tributria com inusitada freqncia atribui ao sujeito passivo a

    obrigao de identificar a ocorrncia do fato gerador da obrigao tributria, e a realizar osclculos necessrios para o dimensionamento do valor da prestao a ser entregue ao Fisco.H devedores que acabam por no cumprirem corretamente suas obrigaes tributrias emvirtude de encontrarem dificuldades em conhecer a lei aplicvel, e realizar os clculosdevidos. No Brasil, a responsabilidade pela interpretao da lei tributria, com demasiadafreqncia, entregue ao sujeito passivo. Apesar de o Cdigo Tributrio Nacionalestabelecer, no art. 142, que o lanamento ato privativo da Administrao Tributria, naprtica o que se verifica a utilizao abusiva do lanamento por homologao, que impe aosujeito passivo a responsabilidade pelo dimensionamento da dvida tributria, cabendo aodevedor do tributo ou ao responsvel pelo seu recolhimento, descobrir a legislao aplicvel,verificar sua atualizao, determinar a matria tributvel, a alquota, a base de clculo, o prazopara pagamento, realizando por sua conta e risco os clculos necessrios).

    4.11. excesso de obrigaes tributrias acessriasAs obrigaes tributrias ditas acessrias (deveres instrumentais)

    burocratizam a vida do contribuinte, implicando notvel custo administrativo. H formulriosdifceis para serem preenchidos, prazos diferenciados para a entrega de declaraes,escriturao contbil adaptada legislao de certos tributos, etc. A multiplicidade dostributos existentes (federais, estaduais e municipais) e dos diversos rgos que os administramexigem do contribuinte a manuteno de empregados especializados, que devem acompanhara mudana da legislao e das exigncias administrativas.

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    4.12. A sonegao tolerada. Fiscalizao deficiente.A convico de que a sonegao no ser detectada pela Administrao

    Tributria estimula os devedores que resistem ao pagamento do tributo a manterem-seinadimplentes.

    Com efeito, a certeza da impunidade enfraquece a coatividade da normajurdica.

    A Administrao Tributria nem sempre conta com os recursos humanos emateriais necessrios para o desempenho de suas funes, o que diminui os riscos dosonegador, encorajando-o a permanecer em sua conduta.

    4.13. Esperando a remisso e a anistia.O prprio legislador incentiva indiretamente a prtica da sonegao, com as

    freqentes remisses de crdito tributrio no pago ou concesso de anistia para as infraestributrias. A anistia pode vir a ser condicionada ao pagamento dos tributos em atraso, comoforma de motivar o devedor a pagar seus dbitos tributrios. No obstante os propsitos dolegislador sejam o de estimular esses pagamentos, produzindo a entrada da receita financeiranos cofres pblicos, acaba produzindo a expectativa de que sempre haver anistia para osinadimplentes, o que passa a ser causa da prpria inadimplncia.

    A concesso de prmios para o pagamento dos dbitos tributrios em atraso,com anistia das multas e diminuio dos juros, afrontosa para o contribuinte que pagoutempestivamente sua dvida tributria, criando situao diferenciada entre contribuintes, como favorecimento do inadimplente e do sonegador.

    O recente Programa de Recuperao Fiscal REFIS, institudo pela Lein 9.964, de 10 de abril de 2000, um exemplo dessa situao. Ao devedor foi dada aoportunidade de consolidar suas dvidas tributrias e pag-las em suaves parcelas, distribudasao longo de muitos anos, mediante a aplicao de juros inferiores aos normalmente incidentesnas dvidas tributrias em atraso.

    4.14. A extino da responsabilidade penal pelo pagamento do tributo sonegado.

    A complacncia legislativa com o crime de sonegao tributria j semanifestava no art. 2 da Lei n 4.729, de 14 de julho de 1965, que estabelecia:

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    Art 2 Extingue-se a punibilidade dos crimes previstos nestaLei quando o agente promover o recolhimento do tributo devido,antes de ter incio, na esfera administrativa, a ao fiscal prpria.

    Em sentido semelhante, a Lei n 8.137, de 27 de dezembro de 1990, quedefine os crimes contra a ordem tributria, econmica e contra as relaes de consumodispunha em seu art. 14 que:

    Art. 14 Extingue-se a punibilidade dos crimesdefinidos nos arts 1 a 3 quando o agente promover o pagamentodo tributo ou contribuio social, inclusive acessrios, antes dorecebimento da denncia.

    Embora esses dispositivo tenham sido revogados pelo art. 98 da Lei n8.383, de 30.12.1991, o legislador no suportou as presses dos sonegadores, tendo editadoem 1995 a Lei n 9.249, cujo art. 34 dispe que:

    Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidosna Lei n 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei n 4.729,de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamentodo tributo ou contribuio social, inclusive acessrios, antes dorecebimento da denncia.

    4.15. O sigilo bancrio oponvel ao Fisco.A ao fiscal de combate aos sonegadores grandemente inibida pelo

    desenvolvimento de doutrinas que afirmam no poder a Administrao Tributria, de formacontnua e regular, exigir que os Bancos lhe forneam informaes sobre os depsitosbancrios dos contribuintes. O acesso a tais informaes somente seria possvel medianteautorizao judicial.

    Esses doutrinadores chegam ao ponto de sustentar suas opinies com fulcro emdispositivos da Constituio Federal, tais como os incisos X e XII do art. 5, que consagramcomo inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas e o sigiloda correspondncia e das comunicaes telegrficas, de dados e das comunicaestelefnicas.

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    Essa interpretao do texto constitucional bem revela o quanto a complacnciacom a sonegao tributria faz parte da cultura brasileira. Em nome de uma suposta proteo privacidade e ao sigilo de dados criou-se toda uma polmica, que serve de escudo protetoraos sonegadores de tributos e aos detentores de recursos ilcitos.

    Curiosamente, os dados relativos a salrios no so considerados abrigados nomanto do sigilo oponvel ao Fisco. Assim, para os defensores de concepes doutrinriasdesse jaez, o mesmo Banco que informa ao Fisco a relao de salrios pagos a seusempregados no deve informar ao Fisco a relao de juros pagos a seus aplicadores edepositantes. Os contribuintes so divididos em duas classes: uma delas portadora desigilos oponveis ao Fisco, a outra escancaradamente submetida ao controle daFiscalizao. H o sigilo bancrio, inexiste o sigilo salarial.

    5- CONCLUSES.

    Uma poltica de combate sonegao exigiria, entre outras providncias:

    5.1. Um programa de educao cvica, de forma a que fosse desenvolvida a conscinciasocial dos cidados, alterando o enfoque com o qual o tributo hoje percebido.

    5.2. A incrementao da participao poltica dos membros da sociedade, que implicasseacompanhamento da tramitao de proposies legislativas que disponham sobretributos. O combate sonegao exige reforma poltica que obrigue osrepresentantes a votarem de acordo com os compromissos assumidos com seuseleitores. Os partidos polticos devem adotar poltica tributria explcita, comfechamento de questo em torno dos princpios programticos do partido em matriatributria. Sem essa providncia, a decantada afirmao de que no h tributaosem representao apenas um slogan vazio, o contribuinte no se senterepresentado.

    5.3. A adoo de nova poltica tributria, que buscasse extirpar as gritantes injustiastributrias detectveis em nosso ordenamento.

    5.4. A adoo de maior transparncia na confeco do Oramento, e a adoo maisgeneralizada do Oramento Participativo.

    5.5. A concesso de direito de ao aos cidados, para que possam impedir judicialmentequalquer aplicao dos dinheiros pblicos de forma discordante com as finalidades

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    que motivaram a instituio do tributo, ou de forma discordante com o Oramentoaprovado.

    5.6. Ao governamental mais efetiva no combate sonegao dos tributos, comreaparelhamento das Administraes Tributrias, e ampliao dos poderes defiscalizao.

    5.7. Abandono da prtica legislativa de concesso de anistia aos sonegadores de tributos.5.8. Aprimoramento da legislao tributria, eliminando-se exigncias burocrticas de

    pouca utilidade.