redução de danos (rd): análise das concepções dos profissionais

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DELZA RODRIGUES DE SOUZA REDUÇÃO DE DANOS (RD): ANÁLISE DAS CONCEPÇÕES DOS PROFISSIONAIS DE UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS (CAPS AD) SÃO PAULO 2013

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM

    DELZA RODRIGUES DE SOUZA

    REDUO DE DANOS (RD): ANLISE DAS CONCEPES DOS PROFISSIONAIS DE UM CENTRO

    DE ATENO PSICOSSOCIAL LCOOL E OUTRAS DROGAS (CAPS AD)

    SO PAULO 2013

  • DELZA RODRIGUES DE SOUZA

    REDUO DE DANOS (RD): ANLISE DAS CONCEPES DOS PROFISSIONAIS DE UM CENTRO

    DE ATENO PSICOSSOCIAL LCOOL E OUTRAS DROGAS (CAPS-AD)

    Dissertao apresentada Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo para obteno do Ttulo de Mestre em Cincias. rea de Concentrao: Cuidado em Sade Orientadora: Professora Doutora Mrcia Aparecida Ferreira de Oliveira

    SO PAULO 2013

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    Assinatura: _________________________________

    Data:___/____/___

    Catalogao na Publicao (CIP)

    Biblioteca Wanda de Aguiar Horta

    Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo

    Souza, Delza Rodrigues de

    Reduo de danos (RD): anlise das concepes dos

    profissionais de um centro de ateno psicossocial lcool

    e outras drogas (CAPS-AD) / Delza Rodrigues de Souza.

    So Paulo, 2013.

    108 p.

    Dissertao (Mestrado) - Escola de Enfermagem da

    Universidade de So Paulo.

    Orientadora: Prof. Dra. Marcia Aparecida Ferreira de

    Oliveira

    rea de concentrao: Cuidado em sade

    1. Reduo do dano 2. Drogadio 3. Servios de sade mental 4. Profissionais da sade

    5. Enfermagem I. Ttulo.

  • NOME: DELZA RODRIGUES DE SOUZA

    TTULO: REDUO DE DANOS (RD): ANLISE DAS CONCEPES DOS PROFISSIONAIS DE UM CENTRO DE ATENO PSICOSSOCIAL LCOOL E OUTRAS DROGAS (CAPS-AD).

    Dissertao apresentada Escola de Enfermagem da Universidade de So

    Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Cincias da Sade.

    Aprovado em: ___/___/_____.

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. ______________________ Instituio: ____________________

    Julgamento____________________ Assinatura: ____________________

    Prof. Dr. ______________________ Instituio: ____________________

    Julgamento____________________ Assinatura: ____________________

    Prof. Dr. ______________________ Instituio: ____________________

    Julgamento____________________ Assinatura: ____________________

    Prof. Dr. ______________________ Instituio: ____________________

    Julgamento____________________ Assinatura: ___________________

    Dedicatria

  • A minha me Zilma Rodrigues de Souza (in memorian), por ter me

    dado seu

    amor, seus valores e a quem devo o que sou.

    As minhas irms e irmos, em especial, a minha irm gmea Deuzeni

    companheira e amiga amorosa nas batalhas dirias.

    Ao meu amado Tat pela sua pacincia e cuidado comigo.

    A todos os colegas de profisso pelo aprendizado contnuo.

    Agradecimentos

  • s Professores da Banca Examinadora: Divane de Vargas e Maria

    Odete

    Pereira pela oportunidade de aprender com suas orientaes.

    A minha orientadora professora doutora Mrcia Aparecida Ferreira

    de Oliveira pelo incentivo, acolhimento e valiosas orientaes e,

    sobretudo pelo carinho e pacincia.

    A minha amiga Thas Ishida Cestari pela ajuda, amizade, incentivo e

    trocas entusiasmadas.

    Aos colegas o Grupo de Estudos em lcool e Outras Drogas pela

    troca de

    experincias e companheirismo.

    Aos funcionrios da Secretaria de Ps-Graduao e Biblioteca da

    EEUSP, pelo

    acolhimento e pelas orientaes nos momentos de dvidas.

    Aos usurios e colegas de trabalho do Centro de Ateno

    Psicossocial lcool e outras Drogas Santana por enriquecer minha

    experincia de vida.

    Souza DR. Reduo de Danos: anlise das concepes dos profissionais de um Centro de Ateno Psicossocial lcool e outras

  • Drogas. [Dissertao] So Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de So Paulo; 2013.

    RESUMO

    O objeto deste estudo a concepo Reduo de Danos, optou-se

    pelo estudo qualitativo, exploratrio e de campo. O objetivo principal

    identificar e analisar as concepes dos profissionais de um

    Centro de Ateno Psicossocial lcool e outras Drogas da cidade de

    So Paulo acerca da Reduo de Danos. Foi desenvolvido com

    profissionais da equipe tcnica de sade mental e o coordenador do

    servio. O marco conceitual terico deste estudo a Reforma

    Psiquitrica e os pressupostos da Reduo de Danos. Para a

    obteno do material emprico a tcnica empregada foi entrevista

    semi-estruturada. Os instrumentos para coleta de dados contemplam

    a caracterizao sociodemogrfica dos colaboradores e um roteiro

    para entrevista que foi gravada. Os dados foram transcritos e

    analisados sob a luz do mtodo Hermenutico Dialtico. Na anlise

    emergiram quatro categorias: dificuldade em classificar a gravidade

    do consumo; a droga para encobrir as necessidades de grupos

    sociais desfavorecidos; a droga como necessidade de todas as

    classes nos tempos atuais e formas da RD de trabalhar com o

    consumo. O resultado aponta que para os sujeitos deste estudo a

    RD se posiciona como uma abordagem que se ope ao modelo

    hegemnico de guerra as drogas e no parte do ponto nico e

    exclusivo do uso de drogas como doena. Afirmam que a RD no

    contra a abstinncia e visa diminuir riscos e danos a sade

    considerando todo o contexto, o desejo e as possibilidades de cada

    pessoa. Nesse sentido, amplia a oferta e as possibilidades de

    cuidados para as pessoas que fazem uso prejudicial dos diversos

    psicoativos.

    Palavras-Chave: reduo do dano, drogadio, servios de sade mental, profissionais da sade e enfermagem.

  • Souza DR. Harm Reduction: analysis of professional concepts of a Psychosocial Care Center Alcohol and Other Drugs. [Dissertation] Sao Paulo: School of Nursing, University of So Paulo, in 2013.

    ABSTRACT

    The object of this study is the concept of Harm Reduction. It was

    opted to use a field research, with exploratory and qualitative

    approach. The main objective was to identify and analyze the views

    about Harm Reduction of professionals from a Psychosocial Care

    Center for Alcohol and Other Drugs in So Paulo. The study as

    developed throughout all of the professional categories, e.g. higher-

    level, technical and coordinators of the staff. The theoretical

    framework of this study is the Psychiatric Reform and the assumptions

    of Harm Reduction. To obtain the empirical data, it were used semi-

    structured interviews as technique. The instruments for data collection

    include the sociodemographic characteristics of the members of the

    staff and a guide for the interviews, which were recorded. Data was

    transcribed and analyzed under the view of the Hermeneutic Dialectic

    method. In the analysis, four categories emerged: e.g. difficulties in

    classifying the severity of consumption; drugs as a way to cover the

    needs of disadvantaged groups; drugs as a need for all classes in the

    current times and ways of working with Harm Reduction and the

    consumption. The result shows that for the subjects in this study the

    Harm Reduction stands as an approach that opposes the hegemonic

    model of the war on drugs and not part of the one and only point of

    drug use as a disease. Claim that the Harm Reduction is not against

    abstinence and aims to reduce health risks and damage considering

    the entire context, the desire and the possibilities of each person. In

    this sense, extends the offer and the possibilities of care for people

    who make use of the various harmful psychoactive.

    Keywords: harm reduction, drug addiction, mental health services, health professionals and nursing.

  • SUMRIO

    1INTRODUO................................................................................16

    2 REDUO DE DANOS.................................................................22

    3 MARCO TERICO CONCEITUAL................................................39

    3.1 A Reforma psiquitrica e a reduo de danos............................39

    4 OBJETIVO.....................................................................................49

    5 PERCURSO METODOLGICO....................................................50

    5.1 Tipo de estudo............................................................................50

    5.2 Cenrio da pesquisa...................................................................52

    5.3 Sujeitos da pesquisa...................................................................66

    5.4 Cuidados ticos..........................................................................67

    5.5 Caracterizao dos sujeitos da pesquisa...................................68

    5.6 Entrevista semiestruturada.........................................................69

    6 ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS............................72

    7 CONCLUSO................................................................................88

    8 CONSIDERAES FINAIS...........................................................91

    9 REFERNCIA BIBLIOGRFICA..................................................94

    APENDICE......................................................................................101

    ANEXO...........................................................................................104

  • APRESENTAO

  • APRESENTAO

    Iniciei a graduao em enfermagem em 2001 e, durante a

    formao, no cursei nenhuma disciplina relacionada aos problemas

    com lcool e outras drogas. No ano de 2005 ingressei no

    aprimoramento e especializao em Enfermagem Psiquitrica e

    Sade Mental, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clnicas da

    Universidade de So Paulo (IPq-HCFMUSP) onde tive a

    oportunidade de aprofundar conhecimentos tericos e prticos em

    enfermagem psiquitrica, desenvolvendo atividades em ambulatrios

    e enfermarias especializadas nos diversos transtornos mentais

    graves, com exceo do ambulatrio de dependncia qumica, que

    na poca no fazia parte do programa de aprimoramento em

    enfermagem.

    Minha trajetria profissional como enfermeira na sade mental

    iniciou-se em 2008, compondo a equipe multiprofissional de um

    hospital psiquitrico denominado Plo de Ateno Intensiva em

    Sade Mental da Zona Norte PAI-ZN parte do Complexo do

    Hospital Geral do Mandaqu, na cidade de So Paulo, na ocasio,

    realizando acolhimento e classificao de risco no Pronto Socorro

    Psiquitrico. Atendia um grande nmero de pessoas com quadros

    graves em decorrncia do consumo abusivo e problemtico de

    lcool e outras drogas: intoxicaes agudas e sndromes de

    abstinncia graves, contudo, havia concordncia dos profissionais

    do servio que o mais indicado seria unidades clnicas pelo risco de

    morte, e no o servio de Pronto Socorro.

    Apesar de o servio estar dentro de um Complexo, onde alm

    do Pronto Socorro Psiquitrico, havia tambm um Pronto Socorro e

    Hospital Geral, as tentativas de discusso da necessidade de

    atendimento clnico dos usurios de lcool e outras drogas eram

    permeadas pela recusa, alegando lotao, falta de profissionais e

    despreparo para lidar com estes quadros clnicos.

  • Era tambm rotineira, no Pronto Socorro Psiquitrico, a

    presena de familiares buscando orientaes do que fazer com

    estes usurios, sobretudo os que recusavam tratamento, j trazendo

    a idia de que a internao a forma de resolver definitivamente o

    problema com drogas. Pensamos ento em desenvolver estratgias

    para responder a esta procura no servio de Pronto Socorro

    Psiquitrico, sendo que, uma delas seria um grupo especfico para

    acolhimento de familiares com orientaes sobre a finalidade e

    importncia dos servios da rede, os Centros de Ateno

    Psicossocial em lcool e outras drogas (CAPS ad) e as Unidades

    Bsicas de Sade.

    Nessa poca iniciei um curso de capacitao em terapia

    familiar em Dependncia Qumica, neste processo me deparei com

    questes controversas a respeito do tema lcool e outras drogas,

    tais como: a falta de consenso quanto ao formato e quais

    abordagens seriam mais apropriadas e relevantes para trabalhar a

    questo com os familiares; a famlia como causadora, estratgias

    para trabalhar a doena do indivduo. O que me inquietava era a

    falta de uma abordagem que pudesse colocar o tema como um

    fenmeno complexo e multifacetado.

    Para minha satisfao em 2009, surgiu a oportunidade de

    trabalhar como enfermeira em um CAPS ad da regio, que ainda

    estava por inaugurar, um servio novo e uma equipe nova. Desta

    forma o projeto tcnico institucional foi construdo a partir da equipe

    que ali se conformava sendo construdas e discutidas coletivamente

    as teraputicas, tais como: os grupos, as oficinas e os atendimentos

    especializados, levando em considerao a complexidade do

    problema para alm do recorte doena.

    O tema da droga trazido nas discusses pela equipe

    interdisciplinar considerava a sua complexidade, os casos eram

    conduzidos sempre com estmulos e reflexes mais amplas, apesar

  • das opinies divergirem as condutas eram sempre indicadas levando

    em considerao os elementos e olhares trazidos pelos

    profissionais. Os projetos teraputicos singulares eram construdos

    com os usurios, respeitando o desejo e as possibilidades

    individuais de cada sujeito nos seus contextos particulares.

    Nas reunies gerais, que na ocasio aconteciam uma vez por

    semana com a presena de todos os profissionais giravam em torno

    da discusso do processo de trabalho, troca de idias e propostas

    dos profissionais para desenvolvimento de oficinas e grupos

    teraputicos, por vezes se tornavam um espao tambm de

    formao, em que se discutiam os modelos de ateno, a

    importncia da Reduo de Danos (RD) e o prprio processo de

    trabalho da equipe. Assim, o modelo de ateno e de trabalho neste

    CAPS ad foi construdo e alicerado na lgica da Reabilitao

    Psicossocial para pessoas com problemas em lcool e outras

    drogas, tendo como princpio o referencial da Reduo de Danos.

    A experincia positiva de participar da construo de um

    modelo especfico em lcool e outras drogas, pautada nos

    pressupostos e estratgias da RD me impulsionou no

    desenvolvimento desse estudo, com o intuito de analisar como a RD

    vem sendo conceituada na prtica cotidiana dos profissionais de

    sade.

  • INTRODUO

  • 16

    1 INTRODUO

    A Reduo de Danos (RD) foi consolidada mundialmente como

    prtica efetiva de sade pblica na preveno do HIV-AIDS entre

    usurios de drogas injetveis.

    Na abordagem ao consumo de drogas a sua aceitao por parte

    dos profissionais de sade ainda restrita, reconhecendo-a nica e

    exclusivamente, como estratgia para prevenes de doenas

    transmissveis para populaes em situaes de grande

    vulnerabilidade.

    Percebe-se que seu conceito entendido de diferentes formas,

    na maioria das vezes a RD vista unicamente como estratgia para

    alcanar pessoas que no conseguem ou, no momento, no esto

    dispostas a se tratar, ou ainda, que a RD contra as abordagens

    voltadas para abstinncia total do consumo de drogas e que a RD

    seria um incentivo ao uso de drogas.

    Concepes distorcidas da RD vm se propagando de forma a

    confundir a sociedade em geral e construir uma viso negativa desta

    abordagem, aumentando ainda mais a resistncia por parte dos

    profissionais de sade em relao s suas prticas e estratgias.

    Parte dessa resistncia se originou e se mantm em decorrncia

    do modelo de guerra as drogas abordagem proibicionista originada

    nos Estados Unidos da Amrica (USA). Este ideal se propagou para

    o mundo para tratar as questes relacionadas ao consumo de

    drogas, enfatizando a proibio e o perigo oferecido pelas drogas,

    contudo sabemos que estes conceitos no so naturais, mas

    construdos histrico e culturalmente desde os primrdios da

    humanidade.

  • 17

    O modelo de tratamento advindo do proibicionismo tem como

    nica meta aceitvel abster-se prontamente de qualquer consumo

    de drogas. O objetivo a ser alcanado com o proibicionismo por meio

    da represso foi incentivado pelo slogan de um mundo livre de

    drogas. Contudo, os dados epidemiolgicos oficiais de rgos

    internacionais e do Brasil demonstram a no eficcia deste modelo

    em relao ao fenmeno, indicando o aumento do consumo de

    drogas globalmente.

    O Escritrio das Naes Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC,

    2012) estima que cerca de 230 milhes de pessoas, ou cinco por

    cento da populao mundial adulta, fizeram uso de drogas pelo

    menos uma vez em 2010. O nmero de usurios problemticos

    alcana em torno de 27 milhes de pessoas, o equivalente a 0,6 por

    cento da populao adulta. Em todo o mundo, o uso de drogas

    ilcitas parece ter se mantido estvel, apesar de estar aumentando

    em vrios pases em desenvolvimento.

    O uso prejudicial do lcool resulta na morte de 2,5 milhes de

    pessoas anualmente, provoca doenas e leses para muitos, e cada

    vez mais afeta geraes mais jovens e consumidores nos pases em

    desenvolvimento (OMS, 2011). Seu uso indevido um dos principais

    fatores que contribuem para a diminuio da sade mundial, sendo

    responsvel por 3,2% de todas as mortes e por 4% de todos os anos

    perdidos de vida til (Brasil, 2004). No ano de 2002, o Brasil

    apresentou uma mortalidade atribuvel diretamente ao uso abusivo

    ou dependncia de lcool correspondente a 0,8% de todas as

    mortes nos homens e 0,1% nas mulheres (Marin-Leon, Oliveira,

    Botega, 2007).

    O Centro Brasileiro de Informaes sobre Drogas Psicotrpicas

    (CEBRID) realizou duas pesquisas domiciliares sobre drogas no

    Brasil, uma em 2001 e uma em 2004, permitindo, pela primeira vez,

    uma comparao usando a mesma metodologia. O universo

    estudado correspondeu populao brasileira que vive nas 107

    http://www.unodc.org/southerncone/pt/sobre-unodc/index.html

  • 18

    cidades brasileiras com mais de 200.00 habitantes. 8.589 pessoas

    foram entrevistadas na primeira pesquisa realizada em 2001 e 7.939

    pessoas, na segunda. Os dados sobre a prevalncia mostraram que

    houve um aumento significativo do uso na vida de drogas

    psicotrpicas (inclusive para o tabaco e o lcool). Em 2001, 19,4%

    dos entrevistados relataram ter usado algum tipo de droga e, em

    2004, foi 22,8% de uso na vida de drogas, um aumento

    estatisticamente significativo. Verificou-se tambm um aumento

    estatisticamente significativo no uso na vida de lcool e tabaco na

    comparao entre os dois levantamentos (Carlini, et al.,2010).

    O relatrio brasileiro sobre o uso de drogas verificou que a

    prevalncia de uso na vida de qualquer droga, exceto tabaco e

    lcool, foi maior na Regio Nordeste, onde 27,6% dos entrevistados

    j fizeram uso de alguma droga. A regio que apresentou menor uso

    na vida foi a Norte com 14,4%. No Brasil, o uso na vida para

    qualquer droga (exceto tabaco e lcool) foi de 22,8%. Esta

    porcentagem , por exemplo, prxima do Chile (23,4%) e quase

    metade da dos EUA (45,8%). O uso na vida de medicamentos, sem

    prescrio mdica, teve um fato em comum: mais mulheres do que

    homens os usaram, para qualquer das faixas etrias estudadas. Os

    estimulantes aparecem com 3,2% de uso na vida. Os

    benzodiazepnicos, com 5,6%, apresentaram menor prevalncia do

    que a observada nos EUA (8,3%). O uso na vida de crack foi de

    0,7% para as maiores 108 cidades do pas, cerca da metade do

    valor apresentado no estudo americano. O relatrio brasileiro sobre

    o uso de drogas da Secretaria Nacional de Polticas sobre Drogas

    (SENAD) em 2009 aponta que uso de merla (uma forma de cocana)

    apareceu na Regio Norte com 0,8%, a maior do Brasil.

    Os dados epidemiolgicos demonstram que a direo das

    polticas j institudas no sentido de Guerra as Drogas, no s no

    deu conta do fenmeno, como mostra, ainda, que historicamente a

    tendncia do aumento do consumo se eleva. Fica a certeza de que

  • 19

    as prticas interventivas fundadas na represso e no proibicionismo

    no conseguiram interferir de forma efetiva no quadro de prevalncia

    do consumo de drogas ao longo da vida e ainda dificulta a busca

    pelo tratamento.

    Contudo, o modelo proibicionista no conseguiu impedir o

    desenvolvimento de um modelo alternativo e contra hegemnico por

    meio da Reduo de Danos (RD). Ao longo de sua histria e

    construo a RD passou por perodos de no aceitao, resistncia

    e afirmao, diversos motivos so citados para justificar a dificuldade

    da sua institucionalidade como prtica efetiva e legtima no campo

    das drogas. Um dos motivos apontados na literatura a diversidade

    de entendimentos e apropriao dos conceitos da RD. Embates

    ideolgicos e tericos vo sendo construdos sem ficar claro de que

    forma, para quem, quando e como a RD utilizada.

    Iniciam-se questionamentos em relao dependncia

    enquanto doena, tipos de uso e direito, respeito s escolhas

    individuais e principalmente em relao s formas de assistir os

    usurios de drogas.

    A Reforma Psiquitrica (RP) travando lutas no campo da

    sade mental trouxe conquistas inegveis para o cuidado das

    pessoas que tem problemas com o uso de lcool e outras drogas,

    propondo abordagens mais humanas e realistas, considerando o

    aspecto histrico e social no adoecer, ou seja, o processo de sade

    e doena. Em consonncia com a RP a RD vem se construindo e se

    afirmando com a colaborao de populaes excludas e, defendida

    por profissionais de sade como alternativa ao modelo proibicionista

    do uso de drogas.

    Em matria dos campos de saber que vem construindo bases

    tericas e metodolgicas para a RD destacam-se a histria, a

    antropologia, a sociologia a criminologia crtica e alguns campos da

    sade trouxeram para o centro da discusso a complexidade do

    fenmeno das drogas: produo/comrcio/consumo, demonstrando

  • 20

    que o mesmo no est solto no mundo e que a contemporaneidade

    responde aos interesses do poder hegemnico. O modelo do Centro

    de Ateno Psicossocial em lcool e outras drogas (CAPS ad)

    representa consonncia com os pressupostos da RD. Contudo, o

    conceito e abordagem da RD nos CAPS ad ainda um tema em

    construo.

    Assim sendo, o objeto deste estudo a concepo Reduo de

    Danos dos profissionais de um Centro de Ateno Psicossocial

    lcool e outras Drogas, partindo do pressuposto que a RD uma

    abordagem com potencial tico, humanizado, crtico e

    transformador, porm ainda no se tem claro como a RD tem sido

    entendida nos CAPS ad.

    esperado que no CAPS ad as aes dos trabalhadores

    voltadas Reabilitao Psicossocial estejam em consonncia com

    os princpios da RD e sintonizados com os vrios campos do

    conhecimento: tcnico, social, jurdico e poltico. Diante da carncia

    de estudos sobre RD no CAPS ad e dada a sua importncia como

    marco conceitual para o amparo das prticas e cuidados s pessoas

    que fazem uso prejudicial de drogas; este estudo possibilitou o

    entendimento da concepo de RD que vem sendo construda pelos

    profissionais em um CAPS ad. Nesse sentido, compreender as

    temticas importantes que se entrelaam na concepo dos

    profissionais uma tarefa fundamental para que possa ser

    desmistificada e desenvolvida de forma ampliada nos CAPS ad.

  • 21

    REDUO DE DANOS

  • 22

    2 REDUO DE DANOS

    A reviso da literatura permite identificar dois principais

    posicionamentos polticos para o enfrentamento de questes

    relacionadas ao consumo de lcool e outras drogas: o proibicionismo

    e a abordagem de reduo de danos. O proibicionismo constituiu-se

    no alicerce ideolgico da poltica pblica sobre drogas nos Estados

    Unidos da Amrica a ser seguida por todos os pases (Alves, 2009).

    O conceito de reduo de danos comeou a ser preconizado

    e aplicado por gestores pblicos e movimentos sociais na Europa,

    no incio da dcada de 1980 frente ao crescimento da epidemia do

    HIV por meio de trocas de seringas e tratamentos de substituio

    (Cruz e Fiore, 2009). Em funo da implantao de programas para

    preveno da AIDS que alcanaram xito mundialmente, a RD

    reconhecida ento como importante estratgia de sade pblica por

    vrios pases conforme demonstram alguns autores (Berridge, 1993;

    Reale, 1997; Bastos, 1998; Fonseca, 2005). Pesquisas constataram

    a estabilizao no nmero de dependentes, a diminuio da infeco

    pelo HIV e a diminuio da mortalidade entre os usurios na Europa,

    Reino Unido, Austrlia e Brasil (Conte, 2003).

    A primeira experincia explcita de reduo de danos

    conhecida como O modelo reduo de danos de Mersey aconteceu

    ter sido em Liverpool, no ano de1985, atravs de uma ao na rua

    que tinha o objetivo de reduzir danos no sentido tanto da diminuio

    do consumo ou da cessao com uma hierarquia de objetivos

    segundo (OHare,1994):

    1. Evitar o compartilhamento de seringas;

    2. Substituir o uso de injetvel;

    3. Reduzir globalmente o uso de drogas;

    4. Interromper o uso de drogas.

    Assim, considerava-se que mesmo diante de um consumo

    dependente de drogas, os usurios poderiam diminuir as

  • 23

    consequncias mais danosas minimizando os efeitos prejudiciais a

    sua sade (Santos, 2008).

    Vrios programas de reduo de danos (PRD) foram

    implantados em diversos pases como a Blgica, Austrlia,

    Alemanha, Sua, Frana e Canad, algumas regulamentando o uso

    de drogas em coffee-shops, locais de uso, horrios, tipos e

    quantidades de drogas permitidas, alm da prescrio mdica de

    metadona ou herona, implantao de abrigos, centros de urgncia,

    narcossalas, mquinas que fornecem seringas e auxlio na busca de

    emprego (Totugui, 2009).

    Nota-se que no decorrer de sua histria a RD, em vrios

    pases, vai apresentando mudanas de uma postura restritiva de

    eliminao do consumo, para uma posio de maior tolerncia em

    relao ao consumo de drogas, bem como o alargamento dos

    objetivos iniciais voltando aes para alm do consumo, como a

    busca de emprego.

    Contudo, a RD vem sendo percebida ainda em nosso meio

    unicamente como estratgia para preveno do HIV por meio de

    trocas de seringas.

    De acordo com (Reale,1997) essa viso restrita da RD se d

    por trs razes:

    1- A importncia que a AIDS como uma epidemia

    global adquire ao afetar os usurios de drogas injetveis, seus

    parceiros sexuais e prole;

    2- O fato dessa perspectiva ter ocorrido na Europa e se

    expandido para outros pases de 1 mundo, o que tornou a

    prioridade das polticas de sade a transmisso do HIV/AIDS

    pelo uso injetvel:

    3- A percepo social do problema droga a

    demonizao da droga, expresso que designa a funo de

    bode expiatrio cumprida por esta e seus usurios como

    fonte de todos os males, tornando difcil a aceitao de

  • 24

    medidas voltadas para os usurios que os tomem como

    objeto de intervenes fora do binmio doente-criminoso.

    A partir do histrico da Reduo de Danos pode-se

    compreender, de forma ampla, como foram sendo construdas as

    relaes entre a sociedade e as substncias capazes de alterar a

    conscincia. Essa construo acontece ao longo da histria da

    humanidade a partir das disputas de interesses diversos em

    diferentes contextos polticos econmicos e sociais.

    A histria da RD no Brasil como experincia nacional ocorreu

    no municpio de Santos SP, em 1989, como uma estratgia de

    preveno as DST/AIDS entre usurio de drogas injetveis (Souza,

    2009). O autor estudou a histria da RD do contexto local da cidade

    de Santos para um contexto nacional no Ministrio da Sade; de

    uma concepo reduzida de preveno s DST/AIDS entre usurios

    de drogas injetveis para uma proposta ampliada de produo de

    sade; e de uma dimenso concreta de trocar seringa para uma

    dimenso abstrata de paradigma da poltica do Ministrio da Sade

    para lcool e outras drogas. A RD se torna ento uma estratgia

    ampliada de clnica tendo como principal desafio a construo de

    redes de produo de sade que incluam os servios de ateno do

    prprio Sistema nico de Sade, Emergncias Hospitalares e

    internaes breves, Postos de Sade, Estratgias de Sade da

    Famlia, Caps-ad. (Passos e Souza, 2011).

    Para apoiar a problematizao desta investigao e a

    definio do objeto de estudo realizou-se um levantamento

    abrangente da literatura com o objetivo de se apropriar das

    concepes tericas, prticas e estratgias da RD nos servios de

    sade mental e identificar especificamente as concepes em torno

    da RD apresentadas nos trabalhos produzidos em CAPS ad.

    O conceito de reduo de danos vem sendo consolidado como um

    dos eixos norteadores da poltica do Ministrio da Sade para o

  • 25

    lcool e outras drogas. As prticas de sade devem acolher sem

    julgamento, o que em cada situao, com cada usurio, possvel, o

    que necessrio e demandado, sempre estimulando a participao

    e o engajamento do usurio (Ministrio da Sade, 2004).

    Contudo os conceitos trazem na maioria das vezes os princpios,

    estratgias e recomendaes da RD, sem deixar claro de que tipo

    de RD que se fala, se a RD admitida realmente como modelo ou

    referencial terico para tratar as questes das substncias

    psicoativas, ou se o conceito se restringe a RD apenas como um

    instrumental para chegar s pessoas que fazem uso problemtico de

    drogas e convenc-las a abstinncia.

    O conceito de Reduo de Danos (RD), na histria da

    Associao Brasileira de Redutores de Danos (ABORDA) foi

    estratgia de sade, passou por poltica de sade e agora mais

    bem expresso como movimento social. Esta associao pede que

    pesemos a utilizao no senso comum da expresso RD para

    qualquer situao onde exista busca de diminuio de prejuzos

    (eventuais ou potenciais) do uso de psicoativos legais ou ilegais com

    ou sem o uso de drogas na busca de maior bem-estar social para

    todos (MacRae e Gorgulho, 2003).

    Sabemos que a RD no decorrer de sua histria vem

    apresentando diversos contornos em relao a sua conceituao,

    princpios e estratgias.

    A RD centro de grande controvrsia e objeto de disputa, que

    encerra um conjunto de interesses institucionais, polticos e

    econmicos. O embate est relacionado ao conflito em torno de sua

    definio, como tambm oriundo de uma srie de divergncias a

    respeito da prpria questo do consumo de drogas (Fiore, 2009); o

    autor aponta a necessidade de considerarmos a existncia da

    polissemia que a prpria expresso representa para no incorrermos

    no erro de simplific-la excessivamente, ou afirm-la como uma

  • 26

    panacia para resolver todas as questes sociais, jurdicas e

    culturais que envolvem o consumo de drogas.

    Os autores (Carlini et al., 2003) defendem e valorizam a

    Reduo de Danos (RD) como uma alternativa vivel, humana e de

    resultados positivos j demonstrados para vrios comportamentos

    de risco sade, definindo a mesma como uma alternativa de sade

    pblica para os modelos criminal e de doena; a RD reconhece a

    abstinncia do uso de substncias psicoativas como ideal, mas

    aceita alternativas intermedirias; a RD uma abordagem que

    incentiva e incorpora a participao daqueles que sofrem com o

    abuso dessas substncias (abordagem de baixo para cima); baseia-

    se no pragmatismo emptico, em oposio ao idealismo moralista; e

    promove acesso a servios de sade de baixa exigncia.

    Para (Souza, 2007) a RD um mtodo clnico-poltico realizado

    por diferentes dispositivos de gesto e ateno que atualizam os

    princpios do SUS e as diretrizes da Poltica do Ministrio da Sade

    de Ateno Integral para Usurios de lcool e Outras Drogas.

    Salienta, ainda, a importncia de no esquecermos que o essencial

    da RD que ela um mtodo construdo pelos prprios usurios de

    drogas que se co-responsabilizam quando tomam para si a tarefa de

    cuidado, o que representa uma de clnica ampliada, transversal e de

    ao no territrio. Ressalta que preciso entender como a co-

    responsabilidade altera a relao com as drogas medida que

    delimita um territrio existencial para os usurios de drogas.

    A RD vista como alternativa na rea das drogas e como prtica

    social e reflete todas as disputas que esto sendo travadas no

    campo poltico e ideolgico bem como as diferentes concepes que

    dominam o discurso sobre drogas (produo, comrcio e consumo)

    na atualidade, capaz de resgatar os aspectos ticos e humanos com

    potencial transformador que vo de encontro as razes dos

    problemas sociais intimamente relacionados com o complexo

    problema das substncias psicoativas (Santos, 2008). Porm, ainda

  • 27

    no esto claras para todos os atores envolvidos com a Reduo de

    Danos no Brasil, quais so as bases tericas que fundamentam as

    prticas destes sujeitos.

    A RD afirmada pela Organizao Mundial da Sade (OMS)

    como uma estratgia de preveno terciria que prope interromper

    ou retardar o progresso de uma desordem, um processo ou

    problema e suas sequelas, mesmo que as condies bsicas do

    fenmeno ainda persistam (Carlini, 2003). Do ponto de vista de

    estratgia terciria a RD apresenta-se somente como um

    instrumental para pessoas que no alcanaram xitos em

    tratamentos voltados para abstinncia completa. Essa concepo

    entende a RD apenas como um instrumento de captao para

    doentes. Os sujeitos so vistos como passivos e frgeis ou

    incapazes de adaptarem-se as regras sociais se tornando

    dependentes, e em dados gerais a psiquiatria tem contribudo de

    maneira significativa na explicao do consumo de drogas como

    dependncia-doena (Santos, 2008).

    Essa concepo de sujeito coloca a droga como poderosa e

    capaz de subtrair a mente/corpo, toda subjetividade fica relegada ao

    poder da droga e as intervenes ficam baseadas em afastar o

    sujeito da droga desconsiderando todo seu contexto, o carter

    histrico, social e cultural do uso de drogas.

    O estudo sobre o uso de drogas nas sociedades urbanas

    esteve a cargo da medicina e da psiquiatria ao longo de quase todo

    o sculo passado, quadro que vem se alterando desde o final da

    dcada de 1970, com a contribuio de pesquisas nas reas da

    antropologia, da sociologia e das cincias polticas (Birman, 2003).

    Percebe-se que o tema drogas tem suscitado interesses

    diversos e disputas nos campos do saber e das prticas em sade

    na busca de formas mais humanizadas, nesse sentido:

    O valor atribudo s drogas, por suas propriedades, que orienta o modo como o homem se relaciona com as mesmas fruto da prxis. Sabemos bem que esse poder atribudo a algumas drogas tem servido para a

  • 28

    manuteno de respostas conservadoras e autoritrias nesse campo nas sociedades contemporneas. Em nome de um poder (sobre-humano), que a droga no tem, a resposta social tem sido a criminalizao; que nega qualquer possibilidade democrtica de construo de respostas, sociais e de sade, pautadas nos direitos humanos e de cidadania (Brites 2006, p. 47).

    Neste sentido, a assistncia ao usurio de lcool e outras

    drogas, historicamente, esteve vinculada ao modelo mdico

    psiquitrico ou religioso, que tinha sua nfase nas internaes e no

    pecador, estes modelos acabavam excluindo os usurios da

    sociedade, estigmatizando-os e eram pautados no modelo moral,

    alm de no contemplar esta problemtica multifacetada (Pinho,

    2009).

    Para (Santos, 2008) a RD apresenta-se como uma estratgia

    para a formao de vnculos por meio do oferecimento de insumos e

    de orientaes para preveno de doenas transmissveis e outros

    agravos sade, ao viabilizar a ateno sade para usurios de

    drogas ilcitas, a RD acaba sendo porta-voz do reconhecimento de

    direitos sociais desse grupo em particular.

    Deste modo, a RD como qualquer prtica social, reflete as

    diferentes concepes em disputa nos campos dos saberes e das

    prticas de sade e da produo, comrcio e consumo de

    substncias psicoativas, podendo-se falar concretamente na

    existncia de vrias RDs e sugere que a construo dos saberes e

    das respostas sociais relativas ao complexo sistema das substncias

    psicoativas vincule-se, atravs de categorias de anlise totalizantes,

    aos processos globais da sociedade contempornea e s suas

    contradies (Santos, 2008).

  • 29

    Os programas de RD no Brasil se deram em 1994 iniciando um

    projeto de articulao poltica: Projeto Drogas da PN-DST/AIDS que

    buscou articular, em torno do tema drogas, a Coordenao Nacional

    de Sade Mental, o ento Conselho Federal de Entorpecentes do

    Ministrio da Justia e as Secretarias do Ministrio de Educao e

    do Desporto. A RD foi inserida em diferentes programas e

    secretarias que criaram, junto ao Projeto Drogas, diferentes linhas

    de interveno estadual e municipal (Passos, 2011). Dentre outros

    projetos, os principais foram os Programas de Reduo de Danos

    (PRDs), implantados inicialmente em 10 Estados: Rio Grande do

    Sul, Santa Catarina, Paran, So Paulo, Rio de Janeiro, Mato

    Grosso, Mato Grasso do Sul, Distrito Federal, Cear e Bahia

    (Marques e Doneda,1998).

    A implementao dos PRDs ocorreu de forma singular em

    cada municpio: em alguns casos, as Unidades Bsicas de Sade se

    tornaram instituio de referncia; em outros, foram os programas

    municipais de DST/AIDS, em outros ainda, foram os Centros de

    Referncia Nacional de lcool e Drogas: O Cetad/UFBA (Centro de

    Estudos e Terapia do Abuso de Drogas, da Universidade Federal da

    Bahia), o Proad/UNIFESP (Programa de Orientao e Atendimento

    aos Dependentes Universidade Federal de So Paulo) e o

    Nepad/UERJ (Ncleo de Estudos e Pesquisas em Ateno ao Uso

    de Drogas, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) eram

    unidades de referncia da Coordenao de Sade Mental/MS e do

    Conselho Federal de Entorpecentes/MJ, a RD vai aos poucos

    deixando de ser uma estratgia de preveno as DST/AIDS e vai se

    tornando um novo paradigma (Passos, 2011).

    Dentre os tensionamentos das polticas de governo e do

    Estado a favor de uma poltica antidrogas foi no plano municipal que

    a RD sofreu as maiores restries. Diante desse panorama poltico

    surgiu a Associao Brasileira de Redutores de Danos (ABORDA)

    com a funo de capacitar e articular os PRDs que mobilizou

  • 30

    redutores de danos e usurios de drogas para que se organizassem

    politicamente, fundando diversas ONGs pelo Brasil. Segundo

    (Bastos, 2003) no ano de 2003 existiam 80 PRDs no Brasil.

    Dessa proposta surge a figura do redutor de danos que acaba

    de se tornar agente de sade, construidor da poltica da RD. Os

    agentes redutores tm mais familiaridade e facilidade de acesso aos

    locais, e as cenas de uso, que em muitos casos o prprio local

    onde vivem. Caracteriza assim o trabalho de pares que so com

    freqncia pessoas que deixaram de usar drogas ou mesmo

    pessoas que ainda fazem consumo de drogas e que conhece na

    pele a realidade dos usurios de drogas injetveis (UDIs) e desse

    modo adquirem considerao e respeito no meio que transitam.

    No ano de 2005 muitas associaes tiveram suas aes

    parcialmente suspensas por falta de financiamento, porm este

    trmino foi antecedido por um acontecimento relevante na Poltica

    do Ministrio da Sade para Usurio de lcool e Outras Drogas

    criada em 2003 (Brasil, 2003). A Reduo de Danos migrou do

    campo exclusivo das DST/AIDS, passando a ser de

    responsabilidade da assistncia em sade mental.

    Para (Delbon et al.,2006) a implantao de estratgias de

    reduo de danos em servios de tratamento a usurios de drogas

    no Municpio de So Paulo se deu durante o perodo de julho de

    2003 a novembro de 2004. As aes de reduo de danos

    priorizaram a preveno e o diagnstico do HIV, por meio de

    intervenes de troca e distribuio de agulhas e seringas e deram

    visibilidade aos usurios de drogas injetveis (UDIs) no Sistema

    nico de Sade (SUS), sendo que os kits de reduo de danos

    continham: seringas, agulhas, swabs, preservativos, gua destilada,

    copo plstico e material informativo.

  • 31

    As autoras relatam que as estratgias de implantao

    baseadas nas experincias dos servios de DST/AIDS passam a ser

    ampliadas, e paulatinamente iniciadas nos Centros de Ateno

    Psicossocial em lcool e outras drogas (CAPS ad), aps treinamento

    e capacitao de profissionais. O objetivo era a sensibilizao para

    disponibilizao dos insumos de Reduo de Danos, sendo utilizada

    a estratgia de filipetas juntos aos kits para saber a opinio de

    usurios, familiares e funcionrios sobre a disponibilizao.

    Salientam ainda, a importncia da parceria com outras instituies,

    Organizaes No Governamentais (ONGs), lderes comunitrios e

    sensibilizao da Polcia Militar que se deu por meio de visitas s

    Delegacias e s autoridades para apresentao da Lei da Reduo

    de Danos do Estado de So Paulo de n 9.758 de 17 de setembro

    de 1997.

    Assim, com a implantao e treinamento das equipes foram

    acessados quase 10.000 UDIs at o ano de 2004 e questiona a

    afirmao de no haver usurios de drogas injetveis em So Paulo,

    relata que as aes do programa deram visibilidade para a questo.

    Concluem que no h um modelo fechado e sim diretrizes bsicas

    para a implantao de programas de RD nos Centros de Ateno

    Psicossocial (CAPS); e o modelo CAPS ad com um territrio

    definido, de acolhida diferenciada e equipe multiprofissional mostra-

    se como um espao privilegiado para a superviso e apoio junto aos

    agentes redutores de danos (Delbon et al.,2006).

    No Municpio de Santo Andr, em 2002, foi implantada uma

    Unidade de Reduo de Danos (URD) com objetivo de assegurar

    aos indivduos pertencentes aos grupos sociais estigmatizados e,

    vulnerabilizados, tais como: usurios de drogas, michs, homens

    que fazem sexo com homens, adolescentes em situao de

    explorao sexual, transexuais, travestis, lsbicas e mulheres que

    trabalham em casas de programas, o direito sade e, baseados no

  • 32

    princpio de Integralidade do SUS apoiar o acesso a outros direitos

    sociais (Silva et al., 2009).

    Os autores acima salientam que as estruturas complexas das

    instituies, de certa forma despersonalizam os cuidados e cita

    (Brites,1999) que assinala a importncia do desenvolvimento de

    aes de reduo de danos em situaes concretas, muito

    diferentes do que pode ser percebido como ideal pelos servios de

    sade. Apontam que populao acessada pela URD aponta o

    cansao das imposies institucionais e da exigncia de abstinncia

    como condio para o tratamento. Os servios de sade no

    consideram aceitveis medidas alternativas abstinncia, como

    diminuir o consumo de algumas drogas ou eventualmente trocar por

    outras consideradas menos problemticas.

    A estratgia de acesso e oferta de insumos e servios do

    modelo da reduo de danos o momento da busca do

    conhecimento e do contato com a realidade dos sujeitos a partir de

    suas escolhas e possibilidades concretas de mudanas. Representa

    um incentivo ao protagonismo e organizao dos usurios,

    vinculao rede de sade e incorporao de usurios ao trabalho

    de reduo de danos:

    Vrios so os testemunhos que relatam nesse sentido: os usurios referem-se reduo de danos como um facilitador, um intermedirio entre as demandas que apresentam e os servios sociais e de sade; posicionando-se como cidados, no se comportam como subalternos junto aos servios para os quais so encaminhados pela reduo de danos; tornaram-se tambm agentes dos direitos sociais, pois apresentam aos demais as informaes que tm obtido, levando outros usurios para serem atendidos nos locais em que j foram assistidos; avaliaram criticamente a URD, formulando sugestes para o seu aprimoramento, demonstrando conhecimento e familiaridade com a Unidade e mostrando-se vontade para tecerem crticas e sugestes, sem receio de serem alvos de retaliaes no atendimento; ficou evidenciado que os usurios tm vnculo e confiana na URD, verbalizando desejos e solicitaes e contribuindo para a construo desse servio de sade (Silva et al., 2009).

  • 33

    Na avaliao dos prprios usurios a URD respeita os direitos

    humanos dos grupos em questo uma ao concreta e positiva de

    acolhimento, acompanhamento e encaminhamento, devendo ser

    garantida pelo poder pblico (Silva, 2008). Os autores enfatizam que

    o modelo da URD garante o acesso sade, consolida as diretrizes

    do Sistema nico de Sade (SUS) e poderia ser replicado para

    outras cidades pelas instncias de financiamento do sistema de

    sade.

    Podemos afirmar que as prticas desenvolvidas na Unidade

    de Reduo de Danos em Santo Andr centraram-se em:

    diagnstico sorolgico da infeco pelo HIV; coleta de sangue,

    papanicolau e escarro; vacinas contra hepatite B, dupla adulta e

    trplice viral; clnica de abordagem sindrmica de DSTs; orientao e

    aconselhamento em relao preveno e ao tratamento de

    doenas e diminuio de riscos e danos relacionados ao consumo

    de substncias psicotrpicas; fornecimento de insumos para

    preveno e reduo de danos (preservativos masculino e feminino,

    luva, lubrificante, kits de reduo de danos, material informativo).

    O Programa + Vida, do Municpio de Recife, estado do

    Pernambuco, iniciado em 2010 teve por objetivo consolidar uma

    rede de ateno integral que atue junto s famlias e s

    comunidades promovendo espaos de incluso/insero territorial. A

    meta principal do programa foi reduzir os danos dos usurios de

    lcool, fumo e outras drogas no Recife. As autoras identificam que

    documentos analisados apresentaram um conjunto de informaes

    coerentes e consistentes quanto ao objetivo geral do programa,

    porm acredita ser de difcil mensurao, uma vez que no h dados

    suficientes que subsidiem responder: quanto existe hoje de danos

    aos usurios e em quanto se espera que seja esta reduo?

    (Medeiros et al., 2010).

  • 34

    As autoras destacam a precria forma de sistematizao dos

    resultados em relao aos ao atendimento na rede de servios

    especializados e a pouca informao sobre o uso de droga no

    municpio.

    Verificamos aplicao de diversas estratgias para formao de

    vnculos e propiciadoras de cuidados, porm muitas vezes os

    prprios usurios desenvolvem estratgias menos prejudiciais para

    lidar com seu consumo, substituindo por drogas que consideram

    menos danosas.

    Na viso Associao Brasileira de Redutores de Danos (ABORDA)

    as terapias de Substituio (TP) so construdas, lidas e

    interpretadas pelo movimento social tambm pelo vis ideolgico

    permeadas por estes valores que implicam mais que um colorido

    ideolgico:

    Valores definidores da eficcia das aes construdas com

    pessoas que usam drogas nos PRDs e que pelo menos em

    princpio (a grande maioria), no esto inseridas, com

    indicao ou interessadas em propostas teraputicas para o

    uso de drogas em si. As aes so pensadas considerando

    o equilbrio biopsicossocial na relao entre o sujeito a(s)

    droga(s) e o(s) contexto(s) de sua vida e incluem a troca

    (quantitativa, qualitativa ou modos de usar) drogas legais ou

    ilegais, por outras legais ou no, que melhorem o grau de

    compatibilidade do uso feito pelo sujeito em cada contexto

    (ABORDA,2003.).

    Tal compatibilidade inclui busca de satisfao do desejo do

    sujeito, a conservao de sua sade e a harmonia com a

    coletividade. Salientam que as aes so propiciadoras de

    construo de vnculo, opes com nvel de exigncia mais

    compatvel com as necessidades, para aquelas que no tm

    demanda ou desejo de parar de usar, no serem privadas de

  • 35

    medidas que lhes propiciem melhor qualidade de vida e menos

    riscos, para si prprias e sua rede de relaes e sociedade em geral.

    Conforme (Labigalini EJ, Rodrigues LR e Silveira DX 1999),

    partindo de observaes clnicas baseadas em relatos espontneos

    de abusadores de crack que relataram o uso de cannabis numa

    tentativa de aliviar os sintomas de retirada. Ao longo de um perodo

    de nove meses, os pesquisadores acompanharam 25 pacientes do

    sexo masculino entre 16 e 28 que foram fortemente dependentes de

    crack e constataram que a maioria dos sujeitos (68% ou 17

    indivduos) deixou de usar de crack, relatando que o uso de

    cannabis tinha reduzido os sintomas da fissura, e produziu

    mudanas subjetivas e concretas em seu comportamento, ajudando-

    os a superar a dependncia de crack.

    Um estudo controlado randomizado realizado por (Schwartz et

    al.,2006) que examinaram um total de 319 pessoas com critrios

    para a dependncia de herona. Foi oferecida manuteno com

    metadona e aconselhamento de emergncia para at 120 dias de

    tratamento, ou encaminhamento para programas de base

    comunitria com metadona, esse grupo foi comparado com usurios

    que aguardavam na lista de espera para entrada no programa. Os

    participantes relataram: uso significativamente menor de herona,

    gastar menos dinheiro com drogas e receber menos renda ilegal do

    que os participantes da lista de espera o que resultou em um

    aumento substancial na probabilidade de entrada em tratamento

    abrangente. Tambm se confirmou como estratgia eficaz de reduzir

    o consumo de herona e comportamento criminoso entre os

    dependentes de opiceos que aguardam entrada em um programa

    abrangente de tratamento.

    Segundo (Silva, 2000) que realizou uma pesquisa etnogrfica

    junto s mulheres que freqentam e/ou fazem programas na regio

    da Luz, observou que o preservativo nesse espao tem muitas

    utilidades serve como agente facilitador da entrada no espao, para

    http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Schwartz%20RP%22%5BAuthor%5D

  • 36

    as mulheres que fazem programa serve como possibilidade de

    ganho, pois vendem a R$1,00, para as que fazem programas serve

    para economizar o dinheiro que seria usado para compra. Mostra

    que seu uso facultativo, pois se arrumam um marido ou cliente

    antigo deixam de usar, se esto na fissura pela pedra no se

    incomodam de no usar se o cliente no quiser ou no pedir (Silva,

    2000).

    Problematiza que se o uso do crack leva ao freqente

    descuido do uso do preservativo aumentando a vulnerabilidade para

    as DSTs/ AIDS, cabe ressaltar que essa tambm uma pratica entre

    mulheres no usurias. Apesar de possurem informaes como

    colocar e retirar o preservativo isso no esse saber no suficiente

    para mudar o comportamento, uma vez que s acreditam na doena

    que possam ver e a preveno da AIDS muito comprometida (silva,

    2000).

    A autora ressalta a capacidade que as mulheres apresentam

    de desenvolver estratgia para minimizar os efeitos indesejveis

    principalmente o efeito da nia com estratgias que vo desde

    intervalos maiores de uso, espaos de tempo para alimentao e

    higiene e uso de outras drogas. Destaca como preocupante as

    crenas em relao o HIV/ AIDS, uso de preservativos e o risco para

    outras doenas (Silva, 2000).

    Em sntese, podemos afirmar que as prticas de RD tiveram

    origem no programas de preveno HIV por meio de trocas de

    seringas no exterior e no Brasil, passando com o tempo a

    problematizar tambm riscos e danos que podem advir do consumo

    de drogas.

    As prticas de RD vo sendo construdas pelas prprias

    pessoas que fazem consumo de drogas, e ficaram conhecidas como

    estratgias da RD, vai desde trocar uma substncia com maior

    potencial de danos por uma com menores chances de produzir estes

    danos, trocar as vias de uso por outra via menos prejudicial,

    fracionar este uso, diminuir a quantidade e frequncia do uso,

  • 37

    manter o uso sob superviso, cuidar da sade no tocante aos riscos

    de doenas transmissveis no geral.

    As prticas da RD ainda foram responsveis por dar voz aos

    usurios de drogas e por em pauta a reflexo filosfica de RD no

    s para o uso de drogas, mas como premissa para hbitos,

    comportamentos e modos de viver na sociedade contempornea.

    A RD devolveu ao sujeito seu lugar existencial e de fala, to

    renegado na histria pela sociedade em geral, pelos formuladores e

    operadores da sade, do lugar estigmatizante de rtulos conhecidos

    como fraco, doente, dbil, imoral, passivo e incapaz, para um lugar

    de sujeito capaz; no um simples depositrio de informaes, mas

    tambm de cidado que pode reconhecer refletir e buscar meios

    para desenvolver o que menos prejudicial para si, e para o

    coletivo, um sujeito solidrio. Um sujeito que ensina e que aprende

    um sujeito que se posiciona e questiona um sujeito de direitos e

    deveres - um sujeito poltico.

  • 38

    MARCO TERICO CONCEITUAL

  • 39

    3 MARCO TERICO CONCEITUAL

    3.1 A Reforma psiquitrica e a reduo de danos

    Tendo como base os campos do saber que constitui a

    Reforma Psiquitrica (RP) e a RD pode-se dizer que RP toma como

    objeto de transformao a loucura no somente como uma questo

    biolgica cerebral, mas considerando o carter histrico e social no

    processo do adoecer psquico, questionando o lugar e o papel das

    pessoas com transtornos mentais graves na sociedade, constituindo-

    se como um movimento social organizado de trabalhadores usurios

    e familiares na luta pela busca de uma assistncia a sade

    humaniza. Nesse sentido trouxe questionamentos e crticas aos

    tratamentos desumanos pautados na violncia, na tutela e

    segregao social oferecidos nos grandes manicmios. A RP trouxe

    conquistas sociais fundamentais como a lei 10.216/01 que versa

    sobre direitos das pessoas com transtornos mentais, delineando um

    modelo de rede territorial em sade mental. Sobretudo,

    consolidando-se como um movimento contra hegemnico e

    questionador principalmente do saber mdico absoluto.

    Em consonncia com os pressupostos da RP a sade mental

    toma como objeto a dependncia e questiona o carter nico e

    exclusivo de atributos individuais no adoecer considerando os seus

    diferentes contextos e histrias, o campo da sade coletiva

    demonstra que a RD toma como objeto de transformao tambm a

    dependncia e o hbito das pessoas individualmente consumirem

    drogas e considera toda a estrutura que envolve o complexo sistema

    de produo, comrcio e consumo de drogas nos diferentes grupos

    e classes sociais, colocando a droga como mercadoria trazendo

    reflexes sobre as diferentes capacidades de reproduo social dos

    sujeitos, questionando o sistema econmico capitalista. Nesse

    sentido a RD constitui-se tambm como um movimento contra

    hegemnico, crtico e transformador.

    No Brasil, nas dcadas de 1970 e 1980, do sculo passado,

    emergiu o movimento da Reforma Psiquitrica, movimento este que

  • 40

    trazia tona crticas acerca da assistncia destinada ao louco

    tratamento pautado na violncia, na segregao social e na tutela,

    praticados nos grandes manicmios existentes; locais que, segundo

    (Rotelli,2001) podem ser considerados como espao zero de troca,

    devido aos mecanismos de ateno destinados aos usurios e,

    propunha a produo de alternativas de transformao do modelo

    existente; desta forma, o movimento designado Reforma

    Psiquitrica, caracteriza-se como um movimento contra-hegemnico

    que foi construindo paradigmas, produzindo cises em vrios

    segmentos e ampliando e estabelecendo alianas com outros

    setores da sociedade. A Reforma Psiquitrica (RP) caracteriza-se

    como um movimento amplo constitudo por diversos atores e outros

    movimentos que tiveram sua importncia em determinados

    momentos da histria (Yasui, 1999).

    Do incio da RP at os dias atuais, foram obtidas algumas

    conquistas no que diz respeito assistncia pessoa com

    problemas relacionados ao uso de lcool e outras drogas

    reconhecendo que ainda no existe um consenso poltico e prtico

    na ateno a tal populao, pois o hospital psiquitrico continua

    sendo um forte instrumento de interveno, fato que justifica a sua

    co-existncia com a rede extra-hospitalar e que denota que ainda h

    muito o que se conquistar , conquistas no mbito legal Leis

    Federais e Estaduais, Portarias do Ministrio da Sade e

    Resolues e Deliberaes disparadas pela aprovao da Lei n

    10.216 de 06 de Abril de 2001, que prev a diminuio progressiva

    dos hospitais psiquitricos, dispe sobre a proteo e os direitos

    para sade mental e redireciona o modelo assistencial,

    normatizando e regulando a expanso da rede de Centros de

    Ateno Psicossocial em todo o territrio nacional ao que

    tambm tem respaldo na Portaria GM/MS n 336 de 19 de Fevereiro

    de 2002.

  • 41

    Para enfrentar a tarefa de construo de uma poltica por

    dentro do SUS para o problema das drogas, foi criado, em 2003, um

    grupo de trabalho no MS de composio multissetorial a Portaria

    GM 457 do MS, de 16 de abril de 2003, instituiu o Grupo de lcool e

    Outras Drogas (GAOD), composto por representao do Gabinete

    da Secretaria Executiva, Coordenao Nacional DST/AIDS, ANVISA,

    Secretaria de Ateno a Sade com as seguintes reas: Sade

    Mental, Sade do Adolescente e do Jovem, Preveno da Violncia

    e Causas Externas, Sade do Trabalhador e Ateno Bsica.

    Afirmava-se a aposta na abordagem ao problema do uso

    abusivo de lcool e outras drogas a partir da RD, entendida como

    mtodo clnico-poltico e paradigma para a poltica de sade publica.

    Coerente com a proposta de Reforma em Sade Mental

    Brasileira, as contribuies advindas das praticas de Reduo de

    Danos foram incorporadas a Poltica de Sade do pas, sendo um

    dos referenciais tericos da Poltica do Ministrio da Sade para

    ateno as pessoas que usam lcool e outras drogas (Brasil, 2003).

    E esta natureza metodolgica da RD que a sintoniza com o

    movimento da reforma psiquitrica (RP) no Brasil, designa uma

    atitude tanto da RD quanto da RP de lanar-se em um movimento

    clnico-poltico (Passos e Benevides, 2004).

    Com o movimento da RP ocorreu uma reformulao profunda

    da assistncia sade, visando a consolidao de uma rede de

    cuidados regionalizada, hierarquizada e integrada (Brasil, 2004).

    Afirmava-se a responsabilidade do Sistema nico de Sade

    (SUS) em garantir ateno especializada aos usurios de lcool e

    outras drogas, at ento contemplada predominantemente por

    instituies no governamentais, como as comunidades teraputicas

    e os grupos de auto-ajuda e de ajuda mtua (Alves, 2009). Com a

    formulao da Poltica do Ministrio da Sade para Ateno Integral

    a Usurios de lcool e outras Drogas, em 2003, admite-se o atraso

  • 42

    histrico de insero do uso prejudicial e/ou dependncia do lcool e

    outras drogas na agenda da sade pblica (Brasil, 2004).

    As atividades de ateno aos usurios e dependentes de drogas

    e suas famlias so definidas como aquelas que objetivam a

    melhoria da qualidade de vida e a reduo dos riscos e danos

    associados ao uso de drogas. Para a reinsero social destes

    sujeitos, almeja-se a sua integrao ou reintegrao em redes

    sociais (Alves, 2009). Nessa perspectiva a reduo de danos vem

    como alternativa ao modelo hegemnico de guerras as drogas de

    encontro com os pressupostos da reabilitao psicossocial.

    Estudos que tratam da reabilitao psicossocial para usurio de

    lcool e outras drogas apontam que h uma tendncia ao tratamento

    mdico centrado contrapondo-se aos pressupostos da RP.

    Segundo Pinho (2009) necessrio o debate sobre as questes

    associadas s variveis reais, ou seja, o servio de Reabilitao

    Psicossocial, o significado do tratamento em si; os recursos

    disponveis humanos, comunitrios e materiais e o contexto de

    vida do indivduo.

    Os CAPS configuram-se como servios comunitrios

    ambulatoriais e regionalizados nos quais os pacientes devero

    receber consultas mdicas, atendimentos teraputicos individuais

    e/ou grupais, podendo participar de atelis abertos, de atividades

    ldicas e recreativas promovidas pelos profissionais do servio, de

    maneira mais ou menos intensiva e, articuladas em torno de um

    projeto teraputico individualizado, voltado para o tratamento e

    reabilitao psicossocial, devendo tambm haver iniciativas

    extensivas aos familiares e s questes de ordem social presentes

    no cotidiano dos usurios (Campos et al., 2009)

    Estudos tm demonstrado a falta de aproximao da Reduo de

    danos nos CAPS ad para (Pinho, 2009) a reabilitao psicossocial

    encontra-se alinhada a reabilitao psiquitrica tradicional e aos

    modelos adaptativos, isto , atrelada a lgica da normalidade social,

  • 43

    principal desafio a ser superado no modelo psicossocial,

    contraponde-se a este modelo a abstinncia aparece como meta,

    demonstrando uma contradio na poltica de AD que pautada nos

    princpios psicossocial e na lgica da RD.

    As divergncias em relao ao prprio conceito RD so

    frequentes at mesmo em servios especializados. Os

    atravessamentos em relao ao entendimento do que a RD e a

    resistncia em relao abordagem, surge at mesmo por parte dos

    gestores dos CAPS AD, conforme constatou (Pereira, 2009).

    Considera-se que diferentes linguagens habitam os mesmos contextos e, em especial, as lacunas do sistema que aparecem quando se problematiza a Reduo de Danos. Recomenda-se que os CAPS AD devem compreender e implementar os princpios da reduo de danos, como uma abordagem mais humana, respeitosa, que ajuda a desenvolver estratgias de autocuidado e estimula aes protagonistas dos usurios de drogas, para que possam advogar em favor do seu direito sade. Acredita que talvez seja necessrio: envolver/formar profissionais habilitados e sensveis, sintonizados com os princpios da humanizao e da ateno psicossocial e, acima de tudo, dispostos a romper com princpios de controle e excluso, profundamente enraizados na nossa sociedade (Moraes, 2008).

    A emergncia deste novo marco conceitual para o campo das

    drogas, por conter uma posio tica e poltica divergente daquela

    dominante, encontrar inmeras dificuldades para sua aceitao

    (Reale, 1997).

    Conforme dados da Prefeitura de So Paulo h 22 Centros de

    Ateno Psicossocial lcool e Drogas (Caps ad II) na capital, o 4

    CAPS ad da Zona Norte de So Paulo foi inaugurado em 15 de

    fevereiro de 2012 (Secretaria Municipal de Sade, 2012).

    A maioria dos CAPS ad nova, alguns com at no mximo

    04 anos de funcionamento. Novas tambm so as equipes, e os

    trabalhadores que tem a frente o grande desafio de implementar e

    implantar a RD como modelo de ateno preconizado pela poltica

    de sade para uso problemtico de lcool e outras drogas. Apesar

    dos avanos conquistados com a RD, ainda nos deparamos com o

  • 44

    preconceito e com dificuldades em relao insero institucional

    no sistema de sade. Segundo (Alves, 2009) para alm deste

    quantitativo, ressalta-se a relevncia de compreenso dos saberes e

    das prticas de sade em construo com base neste dispositivo

    assistencial estratgico.

    Conforme a Portaria N 130, de 26 de janeiro de 2012 que

    redefine o Centro de Ateno Psicossocial de lcool e outras Drogas

    24 horas, apresenta como uma das disposies gerais: adequar a

    oferta de servios s necessidades dos usurios, recorrendo s

    tecnologias de baixa exigncia, tais como acomodao dos horrios,

    acolhimento de usurios mesmo sob o efeito de substncias,

    dispensao de insumos de proteo sade e vida (agulhas e

    seringas limpas, preservativos), dentre outras (Brasil, 2012).

    O objetivo dos Centros de Ateno Psicossocial oferecer

    atendimento populao de sua rea de abrangncia, realizando o

    acompanhamento clnico e a reinsero social dos usurios, por

    meio do acesso ao trabalho, lazer, exerccio dos direitos civis e

    estreitamento dos laos familiares e comunitrios.

    O Ministrio da Sade, por meio da Portaria n 336/GM, de 19

    de fevereiro de 2002, determinou modalidades de Centros de

    Ateno Psicossocial, de acordo com o tamanho do equipamento,

    estrutura fsica, profissionais e diversidades nas atividades

    teraputicas; bem como especificidade da demanda, isto , para

    crianas e adolescentes, usurios de lcool e outras drogas ou para

    transtornos psicticos e neurticos graves (Brasil, 2002).

    Cada usurio de CAPS deve ter um projeto teraputico

    individual, que corresponde a um conjunto de atendimentos que

    respeite a sua particularidade, que personalize o atendimento de

    cada pessoa na unidade e fora dela e que de acordo com suas

    necessidades, proponha atividades durante a sua permanncia no

    servio.

  • 45

    Dessa forma, de acordo com as determinaes da Portaria

    GM 336/02, os CAPS podem ter atendimento Intensivo; Semi-

    Intensivo e No Intensivo.

    Define-se como atendimento intensivo aquele destinado aos

    pacientes que, em funo de seu quadro clnico atual, necessitem

    acompanhamento dirio; semi-intensivo o tratamento destinado

    aos pacientes que necessitam de acompanhamento freqente,

    fixado em seu projeto teraputico, mas no precisam estar

    diariamente no CAPS; no intensivo o atendimento que, em funo

    do quadro clnico, pode ter uma frequncia menor (Brasil, 2002).

    Os CAPS oferecem diversos tipos de atividades teraputicas,

    por exemplo: psicoterapia individual ou em grupo, oficinas

    teraputicas, atividades comunitrias, atividades artsticas,

    orientao e acompanhamento do uso de medicamentos,

    assemblias ou reunies de organizao de servio, alm de

    atendimento domiciliar e aos familiares.

    Um CAPS ad tem como objetivo oferecer atendimento

    populao, respeitando uma rea de abrangncia definida,

    oferecendo atividades teraputicas e preventivas comunidade,

    buscando:

    1. Prestar atendimento dirio aos usurios dos servios,

    dentro da lgica de reduo de danos;

    2. Gerenciar os casos, oferecendo cuidados personalizados;

    3. Oferecer atendimento nas modalidades intensiva, semi-

    intensiva e no intensiva, garantindo que os usurios de lcool e

    outras drogas recebam ateno e acolhimento;

    4. Oferecer condies para o repouso e desintoxicao

    ambulatorial de usurios que necessitem de tais cuidados;

    5. Oferecer cuidados aos familiares dos usurios dos

    servios;

    6. Promover, mediante diversas aes (que envolvam

    trabalho, cultura, lazer, esclarecimento e educao da populao), a

  • 46

    reinsero social dos usurios, utilizando para tanto recursos

    intersetoriais, ou seja, de setores como educao, esporte, cultura e

    lazer, montando estratgias conjuntas para o enfrentamento dos

    problemas;

    7. Trabalhar junto a usurios e familiares, os fatores de

    proteo para o uso e dependncia de substncias psicoativas,

    buscando ao mesmo tempo minimizar a influncia dos fatores de

    risco para tal consumo;

    8. Trabalhar a diminuio do estigma e preconceito relativos

    ao uso de substncias psicoativas, mediante atividades de cunho

    preventivo/educativo.

    Assumir a Reduo de Danos como marco terico da Poltica

    de Sade Mental, articulado com outras duas noes deste campo,

    a clnica ampliada e a produo de redes (Brasil, 2003). Esta

    articulao implica diretamente nos servios de sade, j que prope

    uma lgica de cuidado distinta do discurso hegemnico que coloca a

    abstinncia das drogas como finalidade do tratamento.

    Segundo (Mayer, 2010) a RD pode ser pensada como:

    histria, conceito, metodologia, estratgia, paradigma, cidadania,

    modo de interveno, tratamento, tecnologia leve de cuidado,

    objetivo teraputico e diretriz de trabalho o enlace da pessoa que

    usa drogas no cuidado de si, a partir de suas palavras e

    protagonismo pode tomar diversos contornos:

    Risco e Proteo dimenso subjetiva do que e sade para a pessoa, o que e problema para ela, o que a incomoda em relao a seu cotidiano, ao tomar a integralidade como referencia (alem de sinais e sintomas), dimensionar com ela o que funciona como proteo e o que tem a configurao de risco em sua vida; Momento o uso de drogas questo? Como a pessoa se percebe e quanto ao que se questiona em relao ao seu uso, ao que se prope para qualificar sua sade. As respostas a essas perguntas delineiam um projeto compartilhado de cuidado; Ritual a narrativa do encontro com a droga possibilita vislumbrar conexes, interesses, preocupaes, bem como pode dar a ver aspectos como relao, funo, tipo de escolha, frequncia e contribui para que a palavra tome lugar em

  • 47

    situaes nas quais a compulso pode estar dotada de intensidade; Relao experimentao, uso, abuso e dependncia como estados condio permanente. Como o trabalhador de sade situa a intensidade dessa relao: experimentao, uso, abuso, dependncia? possvel algum movimento? Ha disponibilidade para isso? Funo o lugar do uso na vida da pessoa (via de prazer, ferramenta de sobrevivncia, suplncia o uso de drogas tem um espao estratgico e organizador no cotidiano da pessoa ou suplemento o uso de drogas e um elemento entre tantos outros que compe a vida da pessoa); Projeto de vida a compatibilidade do uso de drogas com sonhos, horizontes e planos futuros da pessoa; Condio de sade dimenso objetiva do que e sade para a pessoa. s vezes, e na dimenso do corpo que a pessoa estabelece um ponto de toque para que o trabalho acontea; Tipo de droga reviso ou reafirmao da escolha da droga ou das drogas de uso, o elenco e o repertorio de uso de cada pessoa. Esta composio pode apontar a articulao de estratgias que incidam na freqncia ou no esquadrinhamento de fatores de risco e de proteo; Freqncia de uso intervalos, ritmo de uso, possibilidades de inveno do cuidado de si; Comorbidades associao com outros sofrimentos e agravos que podem mascarar a principal dificuldade da pessoa ou aquilo que mais lhe provoca sofrimento. O uso de droga funciona como uma espcie automedicao quando determinadas situaes, sentimentos ou sensaes se apresentam? Ciclos de vida crianas, adolescentes, adultos, idosos e suas peculiaridades. Quais as especificidades a serem contempladas nos diversos modos de cuidado a serem construdos com a pessoa, sua rede, seu contexto e suas condies na vida. Algumas delas vo remeter a necessidade de polticas publicas, como no caso da relao de adultos, com baixa escolaridade, faixa em torno de 40 anos, uso de lcool e desemprego, situao que alia o cuidado no nvel da atencao14 e da integralidade e a discusso e implementao de polticas pblicas de trabalho e renda, no nvel da gesto e da intersetorialidade; Diversidade indgenas, negros, mulheres, etc., suas caracterizaes culturais e histricas, as vulnerabilidades relacionadas e o agenciamento de polticas pblicas que contribuam para cidadania, qualidade de vida e existncias menos tuteladas. Trata-se da apropriao de si por meio de um projeto de vida revisitado atravs das palavras que a pessoa que usa drogas possa pronunciar sobre si e sobre o que possa desejar (Mayer, 2010).

  • 48

    OBJETIVO

  • 49

    4 OBJETIVO

    Identificar e analisar a concepo de Reduo de Danos (RD) dos

    profissionais da equipe tcnica de sade mental de um CAPS ad.

    PERCURSO METODOLGICO

  • 50

    5 PERCURSO METODOLGICO

    5.1 Tipo de estudo

    Para identificar e analisar os conceitos dos profissionais de

    um CAPS sobre a RD optou-se pelo estudo qualitativo, exploratrio

    e de campo. Foi utilizada a abordagem qualitativa, por ser mais

    adequada s investigaes de grupos e segmentos delimitados e

    focalizados. Este tipo de mtodo permite desvelar processos sociais

    ainda pouco conhecidos referentes a grupos particulares,

    propiciando a construo de novas abordagens, reviso e criao de

    novos conceitos e categorias durante a investigao. Caracteriza-se

    pela empiria e pela sistematizao progressiva de conhecimentos

    at a compreenso da lgica interna do grupo ou do processo em

    estudo. Por isso, tambm utilizado para a elaborao de novas

    hipteses, construo de indicadores qualitativos, variveis e

    tipologias (Minayo, 2010).

    Para alcanar os objetivos propostos nesta investigao e

    analisar o material coletado, orientamos este estudo a partir de uma

    perspectiva sociocultural, consideramos necessria a articulao

    entre RD e o CAPS AD, dada transformaes que vm ocorrendo

    nas polticas pblicas para os usurios de lcool e outras drogas.

    Cabe sublinhar que procuramos entender como a RD vem sendo

    construda entendida na viso dos profissionais do servio.

    O modelo para construo das categorias empricas foi o

    mtodo hermenutico-dialtico apresentado por (Minayo 2006), para

    a autora o mtodo possibilita a compreenso a partir dos textos, dos

    fatos histricos, da cotidianiedade e da realidade, enquanto que a

    dialtica estabelece uma atitude crtica ao estudar o dissenso, a

    mudana e os macroprocessos. Sendo assim, o mtodo

    hermenutico-dialtico :

    o mais capaz de dar conta de uma interpretao aproximada da realidade. Ele coloca a fala em seu contexto para entend-la a partir do seu interior e

  • 51

    no campo da especificidade histrica e totalizante em que produzida (Minayo, 2006),

    Para operacionalizao desse mtodo de anlise, devemos seguir

    dois nveis:

    1 - Nvel das determinaes fundamentais: que significa situar

    no tempo e no espao, o objeto de estudo (contexto histrico-

    social). Nesse nvel, definimos nosso marco-terico que a

    base de sustentao na anlise de dados obtidos na pesquisa

    de campo.

    2- Nvel de encontro com os fatos empricos: confronto dos

    dados obtidos na realidade pesquisada. Esse nvel implica

    tambm na anlise das representaes dos atores sociais

    (suas concepes, pontos de vista, experincias).

    O mtodo para anlise do contedo das categorias empricas

    se preocupou em analisar os conceitos emergiram. Nesse caso, a

    utilizao da hermenutica como sendo a tcnica de interpretao,

    foi utilizada a partir da historicidade do problema que pretendamos

    estudar, verificando-se o contexto em que tal conceito se

    circunscreve: qual a importncia de se trabalhar tal temtica e que

    relaes esto imbricadas quanto utilizao de tal conceito, como

    outros questionamentos que se fizer necessrio (Oliveira, 2005).

    Na anlise de conceitos, quando falamos de anlise estamos

    nos reportando a interpretao, ou seja, a hermenutica enquanto

    arte e tcnica de interpretao correta de textos (Schleiermacher,

    2001) e ao mesmo tempo fazemos a conexo com o processo da

    construo de conceitos, o qual requer do pesquisador a

    identificao dos componentes que determinam os conceitos. Logo,

    estamos nos reportando dialtica, enquanto processo, onde o

    pesquisador estabelece um dilogo com os autores, para entender e

  • 52

    interpretar nas entrelinhas a fala ou conceito desses autores

    (Oliveira, 2005).

    5.2 Cenrio da pesquisa

    O CAPS ad II Santana uma Unidade de Sade Mental da

    Secretaria Municipal de Sade (SMS) inaugurado em novembro de

    2009 em parceria com a Associao Paulista para o

    Desenvolvimento da Medicina (SPDM). Est situado no bairro de

    Santana na regio norte de So Paulo.

    Santana se constitui como um dos primeiros ncleos de

    povoamento da cidade de So Paulo, datando sua fundao de

    1673, e historicamente tem se reafirmado como principal

    centralidade da regio norte da cidade conforme (Gonalves, 2006).

    O autor ressalta a ntida fragmentao espacial do seu

    territrio, e a variedade significativa de grupos sociais, que vivem,

    disputam e consomem o mesmo espao, destaca a regio como

    grande plo comercial e de edificaes praticamente todas voltadas

    ao uso comercial, abrigando lojas de roupas, escolas de lnguas

    estrangeiras, cursinhos, padarias, e a sede da Gazeta da Zona

    Norte, jornal de bairro tradicional da Zona Norte. Ainda constituda

    na sua parte alta por casas de uso residencial de mdio padro.

    Um aspecto peculiar da paisagem da regio de Santana o

    elevado nmero de consultrios mdicos privados, hospitais pblicos

    e privados: como Complexo Hospitalar Silvrio Gomes (So Camilo),

    Complexo Hospitalar do Mandaqu e o Hospital Infantil Zona Norte.

    Em contraste ao cenrio mais desenvolvido, prximo a

    estao Carandiru do metr, abriga o conjunto habitacional

    Cingapura onde vivem cerca de 2.500 pessoas, moradores da antiga

    favela prxima a extinta casa de deteno do Carandir. Se por um

    lado o acesso ao CAPS ad facilitado pelas inmeras possibilidades

    de transporte, nibus e metr, por outro as populaes dos bairros

    adjacentes e periferias, muitas vezes, no tem como dispor do valor

    da conduo para ir ao CAPS.

  • 53

    Santana considerado apesar de suas discrepncias um

    bairro com altos nveis de desenvolvimento, problematiza-se a

    necessidade de CAPS tambm presentes nas grandes periferias,

    onde populaes mais pobres, geralmente, so afetadas em maior

    nmero, e de diversas formas pelos problemas sociais e pelo

    consumo problemtico de drogas.

    O CAPS ad II Santana a partir de maro de 2013 passa para

    a modalidade de CAPS ad III, que inclui o acolhimento noturno e os

    finais de semana com um total de 10 leitos.

    O CAPS ad referncia para atender pessoas, de todas as

    idades, que apresentam problemas relacionados ao consumo de

    lcool e outras drogas. A equipe preparada para diagnosticar e

    atender desde necessidades de orientao e preveno at

    situaes mais graves de dependncia, tendo como base e

    fundamento a perspectiva psicossocial. Realiza atendimentos

    individuais e grupais para usurios e suas famlias, oficinas

    teraputicas, consultas, atividades culturais, de lazer e esporte,

    gerao de renda e trabalho na comunidade.

    A rea de responsabilidade da Superviso Tcnica onde se

    localiza o CAPS compreende os distritos de Santana, Mandaqu,

    Trememb, Jaan e Tucuruvi. Alm de tambm funcionar como

    referncia para a Superviso Tcnica que compreende os distritos

    de Vila Maria, Vila Guilherme e Vila Medeiros. O ndice de

    Necessidades de Sade (INS) foi desenvolvido para possibilitar a

    identificao de reas e grupos populacionais a serem priorizados

    para a oferta de servios de sade na cidade de So Paulo.

    Considerando os dados de 2008 da Secretaria Municipal de Sade

    na Coordenao de Epidemiologia e Informao (CEINFO) os

    distritos administrativos esto assim distribudos em termos de

    populao e quanto ao ndice de Necessidades de Sade (INS):

  • 54

    Tabela - ndice de Necessidades de Sade (INS final) por Distrito

    Administrativo do Municpio de So Paulo - Distribuio segundo

    nveis de necessidade de sade 2007

    Superviso de Sade

    Distrito Administrativo

    Populao (2007)

    INS Final

    Nvel INS

    Santana/Tucuruvi/

    Jaan/Trememb

    Santana 116.998 0,16131 Baixo

    Tucuruvi 92.456 0,20440 Mdio

    Mandaqu 102.950 0,21354 Mdio

    Jaan 92.512 0,34856 Alto

    Trememb 182.133 0,34498 Alto

    Vila Maria/

    Vila Guilherme

    Vila Maria 108.089 0,36619 Alto

    Vila Guilherme 44.634 0,27796 Mdio

    Vila Medeiros 131.614 0,30057 Mdio

    Total 874.386

    Fonte: Secretaria Municipal da Sade CEFInfo, 2008.

    A regio de responsabilidade do CAPS ad Santana

    composta por uma populao de aproximadamente 874.386

    habitantes. Quanto aos bairros de residncia das pessoas atendidas:

    Edu Chaves, Lauzane Paulista, Santana, Vila Mazzei, Jardim Brasil,

    Trememb, Tucuruvi e Vila Maria, Vila Gustavo, Jardim Gustavo,

    Jova Rural e Vila Nova Galvo.

    Percebe-se que os bairros adjacentes, com exceo de

    Santana, tm de acordo com INS maior necessidade de servios de

    sade. A regio subdividida em 11 distritos com as seguintes

    caractersticas e composio quanto aos recursos de sade do

    territrio:

    1- Unidades de Sade com Equipes de Sade Mental:

    Unidade Bsica de Sade (UBS) Chora menino, UBS

    Lauzane Paulista, UBS Wamberto Dias Costa, UBS Vila

    Aurora, UBS Conj. IPESP;

    2- Superviso de Sade Jaan/Trememb 5 unidades de

    Programa de Sade da Famlia (PSF) com 08 equipes,

    mais 08 equipes de Ncleo de Ateno a Sade da

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    Famlia (NASF); 01 Centro de Convivncia e Cooperativa

    (CECCO);

    3- Distrito Trememb: UBS Jardim das Pedras, UBS Jardim

    Flor de Maio, UBS Jardim Fontalis, UBS Jardim Joamar,

    AMA Jardim Joamar, UBS Vila Albertina, UBS Jardim

    Apuan, UBS Mariquinha, UBS Horto Florestal;

    4- Distrito Jaan: CAPS Adulto Jaan/Trememb, UBS Vila

    Nova Galvo, UBS Dr. Jos Toledo Pizza, UBS Jaan,

    CECCO Jaan, UBS Parque Edu Chaves, NIR Jaan;

    5- Distrito Tucuruvi: UBS Conjunto IPESP, UBS Wamberto

    Dias Costa, AMA Wamberto Dias Costa, UBS Vila Nivi;

    6- Distrito Santana: NIR Tucuruvi, AE Tucuruvi, NISA

    Tucuruvi, CAPS Adulto Mandaqu, SAE DST/AIDS

    Santana, UBS Chora Menino, CAPS AD Infantil Santana,

    UBS Joaquim A. Eirado, Pronto Socorro Municipal de

    Santana, Hospital Mandaqu com o Plo de Ateno

    Intensiva em Sade Mental (PAI);

    7- Distrito Mandaqu: UBS Lauzane Paulista, AMA Lauzane

    Paulista, UBS Vila Aurora;

    8- Distrito Vila Maria: CECCO Vila Maria/Vila Guilherme, UBS

    Jardim Japo, PSM Vila Maria Baixa, UBS Parque Novo

    Mundo I, UBS Parque Novo Mundo II, HM Vila Maria, UBS

    Vila Maria;

    9- Distrito Vila Guilherme: AMA Vila Guilherme, UBS Vila

    Guilherme, CEO Vila Guilherme, URS Vila Guilherme,

    UBS Carandiru, NIR Carandiru, UBS Vila Leonor, UBS Vila

    Izolina Mazzei, AMA Especialidade Izolina Mazzei;

    10- Distrito Vila Medeiros: UBS Vila de, UBS Vila Medeiros,

    AMA Vila Medeiros, UBS Vila Sabrina, AMA Jardim Brasil,

    UBS Jardim Brasil

    11- Superviso de Sade Freguesia do /Brasilndia: UBS

    Silmarya (unidade mista com cinco equipes do PSF), UBS

    Penteado (somente PSF), UBS Galvo (somente PSF),

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    AE Professora Maria Ceclia Ferro Donngelo (somente

    ateno bsica).

    Quanto ao Projeto Teraputico Institucional do CAPS ad II

    Santana podemos afirmar que tem por objetivo geral: constituir-se

    como referncia da Regio de Sade

    Santana/Tucuruvi/Jaan/Trememb para atendimento e ateno s

    pessoas que apresentem problemas de sade e sociais relacionados

    ao consumo de substncias psicoativas, acolhendo-os de maneira

    respeitosa e responsvel em diferentes nveis de ateno: intensiva,

    semi-intensiva e no intensiva (Secretaria Municipal de Sade,

    2010), e por objetivos especficos: integrar uma rede de ateno

    substitutiva internao psiquitrica/abrigamento/ institucionalizao

    tendo como princpio bsico o trabalho de base comunitria;

    compreender aes de assistncia (medicao, terapias, oficinas

    teraputicas, ateno familiar) na perspectiva da reinsero social;

    buscar a reabilitao psicossocial dessas pessoas atravs da oferta

    de recursos teraputicos necessrios superao dos problemas

    decorrentes do consumo problemtico das substncias psicoativas,

    possibilitando, ao mesmo tempo, seu processo de reinsero a

    espaos sociais dos quais esteja excludo e/ou impossibilitado;

    favorecer a incluso a programas de formao ocupacional e

    profissional do usurio; potencializar programas de reinsero social

    e de assessoramento dirigidos aos familiares dos usurios;

    acompanhar os usurios quando, de acordo com o desenvolvimento

    de seus projetos teraputicos individuais, necessitarem de outra

    modalidade de interveno, tais como de urgncia/emergncia,

    acompanhamento na rede bsica, ambulatrios, e outros; buscar a

    integrao dos servios oferecidos no CAPS com as diversas aes

    desenvolvidas na ateno primria que pode oferecer possibilidades

    de diagnstico precoce e intervenes breves na rea de lcool e

    outras drogas em atendimentos com profissionais das Unidades de

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    Sade e outros acessados atravs do Programa de Sade da

    Famlia (PSF) e Ncleo de Apoio Sade da Famlia (NASF).

    Os Princpios e diretrizes norteadores da ateno em sade mental

    so:

    1- Intersetorialidade e Interdisciplinaridade, exigidas pela prpria

    complexidade do fenmeno das drogas, assim como por sua

    dimenso social. Tais caractersticas apontam

    necessariamente para uma abordagem que, comeando nas

    equipes especializadas dos diferentes centros de ateno

    psicossocial e programas da rede de sade, integrem outros

    recursos da comunidade (servios sociais, projetos

    comunitrios, educacionais, etc.), facilitando a adequada

    qualidade das intervenes;

    2- Busca de eficincia e eficcia, sustentadas por diretrizes

    fundamentais, quais s