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Rede São Paulo de Cursos de Especialização para o quadro do Magistério da SEESP Ensino Fundamental II e Ensino Médio São Paulo 2011

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  • Rede So Paulo de

    Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP

    Ensino Fundamental II e Ensino Mdio

    So Paulo

    2011

  • UNESP Universidade Estadual PaulistaPr-Reitoria de Ps-GraduaoRua Quirino de Andrade, 215CEP 01049-010 So Paulo SPTel.: (11) 5627-0561www.unesp.br

    Governo do Estado de So Paulo Secretaria de Estado da EducaoCoordenadoria de Estudos e Normas PedaggicasGabinete da CoordenadoraPraa da Repblica, 53CEP 01045-903 Centro So Paulo SP

  • Introduo Filosofia da Mente

  • ficha sumrio tema notas

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    Ficha da Disciplina:

    A Filosofia da Mente

    Maria Eunice Quilici Gonzalez

    Mariana Claudia Broens

    Andr Leclerc

    http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4793911P5http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4785786T6http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4703687Z9http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4793911P5http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4785786T6http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4703687Z9

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    Apresentao dos professores-autores:O contedo da disciplina Filosofia da Mente foi elaborado conjuntamente por duas profes-

    soras do Departamento de Filosofia da UNESP de Marlia: Maria Eunice Quilici Gonzalez 1 e Mariana Claudia Broens2 e pelo professor Andr Leclerc3 do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Cear.

    Estrutura da Disciplina

    Disciplina Filosofia da

    Mente

    Tema 1: Introduo Filosofia da Mente

    1.1 Caracterizao da Filosofia da Mente

    1.2 Diferentes abordagens no estudo da mente

    Tema 2: Problemas centrais da Filosofia da Mente

    2.1 O problema mente/corpo

    2.2 O problema das outras mentes

    2.3 O problema da identidade pessoal

    Tema 3: Modelos mecnicos da mente

    3.1 A mquina de Turing e a mxima Pensar computar

    3.2 Inteligncia Artificial

    3.3 Redes Neurais Artificiais

    Tema 4: Intencionalidade e Conscincia

    4.1 Intencionalidade originria e Intencionalidade derivada

    4.2 Conscincia e Subjetividade

    1 Maria Eunice Quilici Gonzalez PhD em Cognitive Science, Language And Linguistics pela Univer-sidade de Essex, Inglaterra e professora Livre Docente da UNESP. Tem experincia de pesquisa e de docncia em Teoria do Conhecimento, Filosofia Ecolgica, Histria da Filosofia Contempornea, Cincia Cognitiva e Filosofia da Mente, atuando principalmente nos seguintes temas: informao ecolgica, percepo-ao, auto--organizao, pragmatismo e tica da Informao.

    2 Mariana Claudia Broens doutora em Filosofia pela Universidade de So Paulo e professora Livre Docen-te da UNESP. Tem experincia de pesquisa e de docncia em Teoria do Conhecimento, Histria da Filosofia Moderna, Histria da Filosofia Contempornea e em Filosofia da Mente, trabalhando os seguintes temas: a abordagem mecanicista da mente, Naturalismo, Auto-Organizao e Pragmatismo.

    3 Andr leclerc concluiu o doutorado em filosofia na Universidade de Quebec em 1990. Atualmente e Pro-fessor Associado da Universidade Federal do Cear. Atua na rea de Filosofia, com nfase em Filosofia da Lin-guagem e Filosofia da Mente, trabalhando os seguintes temas: filosofia analtica, contedo mental, epistemo-logia, externalismo, contextualismo, intencionalidade, anti-individualismo, semntica e naturalismo biolgico.

    http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4793911P5http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4785786T6http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4703687Z9

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    Ementa:A disciplina Filosofia da Mente tem por objetivo investigar os principais problemas rela-

    cionados natureza da mente - dos eventos, estados, processos e das funes mentais - bem como sua relao com o corpo e o meio ambiente. Diferentes tentativas de elucidao desses problemas so encontradas nas diversas vertentes da Filosofia da Mente, entre as quais se destacam a abordagem analtica (anglo-sax) e a continental, alm daquelas que possuem influncia da filosofia oriental. Dados os limites do presente curso, apresentaremos apenas a abordagem analtica tradicional da Filosofia da Mente. Com esse objetivo, sero tratados os seguintes temas:

    Tema 1 - Introduo Filosofia da Mente: 1.1 Caracterizao da Filosofia da Mente; 1.2 Diferentes abordagens no estudo da mente.

    Tema 2 - Problemas centrais da Filosofia da Mente: 2.1 O problema mente/corpo, 2.2 O problema das outras mentes, 2.3 O problema da identidade pessoal.

    Tema 3 - Modelos mecnicos da mente: 3.1 A mquina de Turing e a mxima Pensar computar, 3.2 Inteligncia Artificial, 3.3 Redes Neurais Artificiais, 3.4 Cognio situada e incorporada.

    Tema 4 - Intencionalidade e Conscincia: 4.1 Intencionalidade originria e Intencionali-dade derivada; 4.2 Conscincia e subjetividade.

    Atravs da anlise dos temas 1 a 4, buscamos familiarizar os ps-graduandos com um campo instigante de investigao filosfica recente em nosso pas. Vrias das hipteses aqui apresentadas so bastante controversas e muitas vezes elas se chocam com concepes do senso comum e da tradio filosfica clssica sobre a natureza da mente. Sugerimos que esta disciplina seja estudada com uma atitude que combine a anlise rigorosa e a viso crtica das hipteses aqui apresentadas.

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    SumrioVdeo da Semana ...................................................................... 6

    Introduo Filosofia da Mente ...................................................6

    1.1 Caracterizao da Filosofia da Mente ...................................................6

    1.2 Diferentes abordagens no estudo da mente ..........................................9

    A - Teoria da Identidade ..........................................................................10

    B - Funcionalismo ....................................................................................12

    C - Eliminativismo ...................................................................................13

    D - Cognio incorporada e situada .........................................................14

    Referncias ............................................................................. 16

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    Disciplina 07 Tem

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    Vdeo da Semana

    Introduo Filosofia da MenteO tema 1 rene reflexes introdutrias sobre problemas centrais da Filosofia da Mente con-

    tempornea. Ele est estruturado em dois tpicos: no primeiro, os objetivos da Filosofia da Men-te so apresentados, enfatizando-se duas de suas caractersticas preponderantes, o naturalismo e a interdisciplinaridade. No segundo tpico, as seguintes abordagens so apresentadas: (a) Teoria da Identidade, (b) Funcionalismo, (c) Eliminativismo e (d) Cognio Incorporada e Situada.

    1.1 Caracterizao da Filosofia da MenteA Filosofia da Mente uma rea de investigao filosfico-interdisciplinar que tem como

    objetivo investigar a natureza da mente, seus processos, estados, funes, sua relao com o corpo e com o meio ambiente. Partindo de distintas perspectivas tericas, a Filosofia da Mente busca investigar processos mentais associados cognio, memria, percepo, ao, vontade, emoo, dentre outros.

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    H duas caractersticas bsicas da Filosofia da Mente que merecem destaque:

    a. Naturalismo - as concepes contemporneas de mente na tradio filosfica analtica anglo-sax so basicamente naturalistas, em um sentido bastante amplo da expresso. So naturalistas porque consideram que os estados, processos e eventos mentais fazem parte do contexto de eventos que ocorrem na natureza e no podem ser creditados a entidades sobre-naturais de algum tipo.

    b. Interdisciplinaridade - os estudos da Filosofia da Mente so interdisciplinares; consi-dera-se que disciplinas como psicologia, computao, lingustica, neurocincias, biologia, que tambm estudam os processos mentais, oferecem aportes necessrios para a reflexo filosfica sobre tais processos. Alm disso, existe um ideal de unificao metodolgica no tratamento de problemas investigados na rea. A filosofia da mente trata tambm de questes metafsi-cas bastante tradicionais, podendo ser includos nesse domnio o problema mente/corpo, o problema da identidade pessoal e o da causao mental, que sero tratados no Tema 2. Por outro lado, os estudos atuais sobre a conscincia so claramente interdisciplina-res, assim como os trabalhos sobre a motivao. A discus-so filosfica se alimenta de vrias cincias, mas tem uma abordagem prpria, mais reflexiva e analtica1.

    O ideal de unificao metodolgica no estudo da mente tem como pressuposto a hiptese de que a Fsica fornece um bom modelo de investigao na pesquisa cientfica. Esse ideal tem sido alvo de crticas por parte de muitos filsofos, inclusive de seu proponente original Hilary Putnam, que em 1960 defendeu a tese da unidade metodolgica da explicao cientfica, to cara ao positivismo da primeira metade do sculo XX (links). Em 1998, no texto Renovando a Filosofia (Renewing Philosophy), Putnam problematiza sua prpria concepo inicial da uni-dade metodolgica das cincias no estudo da mente, considerando-a simplista. Concebendo os limites do projeto que inicialmente defendeu nos anos 60, ele argumenta em defesa de um perspectivismo que envolva uma multiplicidade de mtodos de investigao no estudo de siste-mas complexos, como o caso da mente.

    1. Cabe ressaltar que na concepo de Wittgenstein, a mente no ob-jeto de estudo para as cincias emp-ricas. Mas sobre isso, os wittgenstei-nianos, apesar de influentes, formam um grupo a parte.

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    Apesar da polmica em torno dos mtodos de investigao apropriados, a interdisciplina-ridade constitui uma caracterstica central da Filosofia da Mente, na tradio analtica, em decorrncia de seu vis naturalista: uma vez que se considera que a dinmica e a organizao da mente esto sujeitas s leis naturais, para compreend-las ser necessrio utilizar dados obtidos pelas ferramentas investigativas das cincias naturais, alm dos recursos prprios da investigao filosfico-conceitual. , justamente, esse naturalismo metodolgico que faz com que a Filosofia da Mente e a chamada Cincia Cognitiva estejam intrinsecamente relacionadas.

    A Cincia Cognitiva uma rea interdisciplinar de pesquisa dos processos cognitivos, ten-do como alicerce a concepo mecanicista da mente. O objetivo inicial desta cincia era a pro-duo de modelos mecnicos explicativos dos processos associados ao pensamento inteligente. Conforme ressalta Gardner (1985, p. 6-7), so cinco as principais caractersticas da Cincia Cognitiva em seu estado de desenvolvimento na dcada de 1980:

    1. O estudo das atividades cognitivas humanas envolve necessariamente o estudo das re-presentaes mentais, o que supe um plano de anlise diferente do plano biolgico ou neurolgico;

    2. A hiptese de que os modelos computacionais so os mais apropriados para compreen-der como a mente funciona.

    3. O recorte metodolgico adotado para a elaborao de modelos mecnicos da mente no considera, inicialmente, fatores como os emocionais, culturais, contextuais, entre outros. Esse fatores so reconhecidamente importantes para a compreenso do funcionamento da mente, mas sua incluso naquele momento iria tornar muito complexa a modelagem computacional.

    4. Abordagem interdisciplinar da mente deve ser adotada. As barreiras entre as diferentes disciplinas que compem a Cincia Cognitiva (Psicologia, Computao, Lingustica, Neurocincias, Biologia, etc.) sero idealmente transpostas pela adoo da modelagem computacional que unifica a Cincia Cognitiva.

    5. A agenda da Cincia Cognitiva ser estabelecida pelo conjunto de questes e preocu-paes que h muito so investigadas pelos epistemlogos na tradio ocidental clssica.

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    No Tema 3 comentaremos a evoluo da Cincia Cognitiva a partir da dcada de 1980. No momento suficiente observar que as caractersticas de um a cinco acima mencionadas tm sido objeto de questionamento bastante polmico nos estudos realizados pela Filosofia da Mente e pela Filosofia Ecolgica (link). Assim, por exemplo, uma dificuldade enfrentada pelo mecanicismo diz respeito ao aspecto criativo que constitui uma marca inegvel da mente. Como explicar a criatividade atravs de uma abordagem mecanicista? Dificuldades da mesma envergadura so enfrentadas quando se reflete acerca da natureza do livre arbtrio, da iden-tidade pessoal, da comunicao significativa e das emoes, dentre outros. Essas dificuldades so pesquisadas a partir de perspectivas explicativas distintas no programa de pesquisa da Fi-losofia da Mente e da Cincia Cognitiva. No prximo tpico passamos a apresentar algumas das perspectivas comuns a estas reas de investigao no que diz respeito natureza da mente.

    1.2 Diferentes abordagens no estudo da mente

    O interesse pela investigao cientfica sobre a natureza da mente comea a delinear-se a partir do fim do sculo XIX e incio do sculo XX, simultaneamente ao desenvolvimento dos estudos da ento jovem cincia da Psicologia. A Psicologia ainda se debatia entre as imposies de um vocabulrio carregado de concepes dualistas e intelectualistas de mente, de um lado, e, de outro, a necessidade de atender algumas exigncias da tradio analtica e de suas crticas metafsica. Curiosamente, uma das primeiras grandes teorias psicolgicas para explicar os processos cognitivos e a ao inteligente (tradicionalmente considerados de responsabilida-de da mente) foi o chamado behaviorismo. Esta escola psicolgica considerava que o carter no-observvel, introspectivo, dos processos mentais impedia sua investigao rigorosa e a verificao de seus resultados, razo pela qual a psicologia deveria focalizar apenas o compor-tamento observvel em suas investigaes.

    A despeito do grande esforo explicativo empreendido pelos estudos behavioristas, um pro-gressivo sentimento de insatisfao foi manifestando-se em psiclogos e filsofos diante de uma abordagem que deixava de lado os aspectos at ento considerados tpicos da vida mental, quais sejam, as crenas, os desejos, as emoes em geral, e que dificilmente poderiam conti-nuar a ser ignorados. O behaviorismo procurou redefinir os estados mentais em termos de comportamentos e disposies, tendo enfrentado vrias crticas. Uma delas, bastante conhe-cida, o argumento do super Espartano: este argumento supe que um guerreiro espartano

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    (sabidamente treinado para suportar a dor e no manifest-la em campo de batalha), quando gravemente ferido supostamente teria a capacidade de ocultar seu estado mental de dor inten-sa. Esta capacidade de ocultamento inviabilizaria um estudo de seu estado de dor em termos comportamentais. Uma possvel refutao desse argumento consiste em considerar o fator tempo de observao no estudo dos hbitos de ao, uma vez que h limites para a capacida-de de fingimento ou ocultamento. Dificilmente algum conseguiria mentir ou simular sua dor por muito tempo para um olhar treinado.

    Alm do mais, o behaviorismo pressupe que aquilo que pode ser dito sobre o comporta-mento inteligente pode ser traduzido em uma linguagem que no emprega termos mentalistas como crena, desejo, sensao, entre outros. A maioria dos filsofos e psiclogos julga que o programa de traduo do behaviorismo falhou, uma vez que eles consideram que no se pode definir uma noo mentalista ou intencional em termos no intencionais. Contudo, consenso entre os estudiosos da mente que no se voltar a adotar perspectivas que no sejam verificveis em alguma medida se se pretende uma abordagem rigorosa dos estados e processos mentais. Diante desse impasse, surge uma abordagem terica conhecida como Teoria da Identidade que passamos a apresentar.

    A - Teoria da Identidade

    Na Filosofia da Mente contempornea h dois artigos considerados basilares para a formu-lao da Teoria da Identidade, uma das mais fortes verses do naturalismo nessa rea da in-vestigao. So eles o artigo A conscincia um processo cerebral? (Is consciousness a brain process?) do psiclogo e filsofo U. T. Place (1956) e o artigo Sensaes e processos cerebrais (Sensations and brain processes) do filsofo J. J. Smart (1959). Eles pretendem propor uma teoria da mente que no recaia nos abusos metafsicos do dualismo substancial, de inspirao cartesiana e nem no extre-mo em que acabou caindo o behaviorismo que, em seu esforo por construir uma teoria cientfica da psico-logia, acabou caracterizando os eventos e processos mentais em termos comportamentais. Em sntese, Place e Smart procuraram evitar, por um lado, as difi-culdades oriundas do dualismo substancial2 resultan-

    2. O dualismo substancial consiste em pro-por que a mente e o corpo constituem subs-tncias com propriedades distintas: a mente seria uma substncia imaterial e no sujeita s leis fsicas e o corpo seria material e esta-ria subordinado s leis fsicas. Esta concep-o subjaz o pensamento de muitos filso-fos, mas foi claramente formulada por Ren Descartes na obra Meditaes.

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    tes da incapacidade de explicar a interao causal entre mente e corpo e, por outro, a suposta reduo do mental ao comportamental realizada pelo behaviorismo (no cabe aqui uma longa exposio sobre o behaviorismo, mas, a despeito de todas as crticas que lhe so dirigidas por vrias escolas e tradies filosficas, tem, a nosso ver, o inegvel mrito de mostrar a relevncia do comportamento na compreenso da inteligncia e, assim, o de propor uma das primeiras abordagens externalistas (link) da mente. Tampouco cabe aqui uma anlise detalhada do du-alismo cartesiano que, graas a sua precisa formulao, possibilitou um frtil debate sobre a natureza da mente e do corpo).

    Segundo Place e Smart, estados e eventos mentais so, em certo sentido, internos e no po-dem ser simplesmente identificados ao comportamento ou s disposies comportamentais. Os estados mentais seriam internos no porque sejam da alada exclusiva da vida privada de um fantasma na mquina, mas porque estados e eventos mentais seriam idnticos numerica-mente, um-a-um, a estados e eventos fsicos que ocorrem no sistema nervoso.

    Place (1956) argumenta que uma psicologia cientfica deveria identificar a conscincia a padres de atividade cerebral. Assumindo que os estados e eventos mentais so idnticos aos estados e eventos cerebrais, ele defende que os termos mentalistas e fisicalistas, embora dife-rentes, teriam o mesmo referente cerebral (uma situao anloga pode ser considerada atravs do exemplo, na Filosofia da Linguagem, das expresses estrela da tarde e estrela da manh que, apesar de possuir sentidos diferentes, ambas se referem ao planeta Vnus). Quando, por exem-plo, sinto dor e digo estou sentindo dor, esta descrio na linguagem comum no d conta de expressar o conjunto de eventos neurofisiolgicos responsveis pela sensao de dor. Contudo, segundo Place, uma boa descrio em termos neurofisiolgicos (a ativao das fibras c) se referir precisamente ao mesmo evento descrito pela frase estou sentindo dor. Isto porque sentir dor um processo cerebral (resultante da ativao das fibras C) a ser investigado rigo-rosamente pela neurofisiologia.

    Dando continuidade aos argumentos de Place em defesa da identidade mente/crebro, Smart observa que no basta considerar que os eventos mentais esto correlacionados a even-tos cerebrais. Ao contrrio, ele enfatiza que tal suposta correlao implica introduzir, de modo sutil, teses dualistas na Psicologia. Isto porque s pode ser correlacionado aquilo que distinto; uma pegada deixada na cena do crime pode ser correlacionada ao calado do suspeito de t--lo cometido, mas isso s poder ser feito porque a pegada e o calado so objetos diferentes: nenhum detetive ir correlacionar o suspeito consigo mesmo.

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    A grande preocupao de Smart (1959), quando procura refutar vrios argumentos opostos tese da identidade postulada por Place, colocar na ordem do dia da abordagem fisicalista (link) os eventos e estados da conscincia. Se ainda carecemos das ferramentas explanatrias necessrias para isso, segundo ele podemos perguntar: por que no poder haver novas leis para a Psicologia como as leis da eletricidade e do magnetismo, que foram novidades do ponto de vista da mecnica newtoniana?

    A despeito de suas excelentes intenes, porm, a teoria da identidade teve vida bastante curta no cenrio filosfico contemporneo. Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes crticas a suas teses, em especial quela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos de estados cerebrais. Como veremos a seguir, o funcionalismo surge como uma alternativa s propostas explicativas de Place e Smart.

    B - Funcionalismo

    Uma das principais objees que so dirigidas teoria da identidade mente/crebro co-nhecida como o argumento da realizabilidade mltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no incio da dcada de 1960. Esta crtica observa que a tese da identidade um-a-um no d conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental. Se h uma estrita identidade entre estados mentais e cere-brais, fica difcil compreender por que, por exemplo, os estados neurofisiolgicos relacionados dor nos crebros de diversas espcies animais, cada uma com anatomias distintas, podem ser idnticos ao mesmo evento mental dor.

    O funcionalismo, especialmente em sua vertente computacional, torna-se preponderante na Cincia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do incio dos anos de 1970. Ele pode ser definido, grosso modo, como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material. Estados mentais seriam, efetivamente, estados funcionais expressando relaes causais de estmulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs).

    A abordagem funcionalista da mente ser apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina. No momento, importante compreender que o funcionalismo computacional tem

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    nos modelos mecnicos da mente sua principal ferramenta explanatria. Uma vez mais, difi-culdades foram apontadas por filsofos, como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepo funcionalista da mente. Tais dificuldades esto relacionadas inabilidade dos modelos mecnicos de explicitarem as nuances concer-nentes s dimenses subjetivas da experincia qualitativa, bem como os aspectos significativos da comunicao humana. nesse cenrio que surge, nos anos de 1980, o eliminativismo.

    C - Eliminativismo

    Buscando superar as crticas dirigidas teoria da identidade e ao funcionalismo, em meados dos anos de 1980, Patrcia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propem uma con-cepo materialista radical de estudo dos processos cerebrais: o eliminativismo (1988-2004). Para os eliminativistas, a teoria da identidade mente/crebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduo interterica. Como vimos, essa reduo se daria pela identificao entre descries de eventos e estados mentais, expressos pelo vocabulrio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crena, desejo, inteno, entre outros da psicologia popular) e as descries de eventos e estados neurofisiolgicos.

    Para os eliminativistas, no gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua tentativa de identificar, um-a-um, estados mentais e estados cerebrais: tal falha se deve a que as descries mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e, portanto irrelevantes para as explicaes cientficas do comportamento humano, pois a descrio dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso. O vocabulrio mentalista constituiria, para eles, um entulho metafsi-co que deveria ser eliminado do cenrio explicativo sobre a natureza da mente.

    Podemos dizer, na perspectiva eliminativista, que as teses da psicologia popular como, por exem-plo, que sou levada a agir por minha fora de vontade, estou triste porque meu gato morreu no auxiliam na explicao das causas de minha ao ou de meus estados neurolgicos. A psicologia popular forneceria explicaes mitolgicas ao supor a existncia de entidades misteriosas, como vontade e tristeza, dotadas de certa fora causal em minha conduta. Para os eliminativistas, a linguagem mentalista, que atribui a crenas e desejos os motores da nossa ao, ser retirada do cenrio cientfico e filosfico futuro, to logo as Neurocincias sejam reconhecidas.

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    Ao desenvolverem seu aparato conceitual, paradoxalmente, os eliminativistas acreditam que uma descrio adequada dos processos cerebrais substituir a linguagem mentalista da Psicologia popular. Segundo eles, ocorrer com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de flogisto: este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenmenos ligados combusto no sculo XVII (supostamente os corpos combustveis teriam em seu interior o elemento flogisto, que seria emanado em certas condies, resultando na combusto) e posteriormente eliminado do cenrio terico da qumica ao ser constatado in-teiramente falso.

    O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inmeras dificuldades. Uma das principais : como comunicaramos nossas intenes e estados mentais sem utilizar o vocabulrio mentalista da Psicologia Popular? Ser que passaramos a afirmar minhas fibras neuronais c esto ativadas hoje quando normalmente diramos Estou com dor de cabea? Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista, a proposta eliminativista tem o mrito de suscitar discusses (preferencialmente de forma crtica) sobre a natureza dos estados mentais luz de resultados obtidos pela neurocincia contempornea.

    Entendemos que a utilizao do vocabulrio mentalista no pode ser menosprezada, mesmo porque a prpria dinmica da linguagem (cientfica e comum) incorpora revises nos termos de que se serve para modificar, ou at alterar inteiramente, os prprios pressupostos tericos de nossa Psicologia popular. O termo vontade, por exemplo, pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece j ter ocorrido, pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que, autonomamente do corpo, exerce o livre arbtrio de que fomos dotados (como o era no sculo XVII), para significar, hoje, uma capacidade cognitiva diretamente in-fluenciada pela estrutura bioqumica do organismo situado em um dado meio ambiente.

    D - Cognio incorporada e situada

    Esta perspectiva terica comea a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressu-posto central a hiptese de que os processos mentais e o comportamento inteligente esto di-retamente relacionados complexa rede de interaes entre os organismos e o meio ambiente. Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais, esta abordagem destaca a integrao e interdependncia existente entre processos corpreos em geral (metablicos, hormonais, etc.)

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    e os processos mentais. Alm disso, esta abordagem chama a ateno para as relaes que o organismo estabelece com o meio ambiente em que est fsica e historicamente situado e a influncia que caractersticas ambientais tm no desenvolvimento de processos mentais, espe-cialmente na histria evolucionria dos organismos.

    Cognitivistas como Clark (2001, 2008) e Haselager (2004) entendem que preciso criar modelos robticos corpreos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anlogas s que efetuam os organismos biolgicos. Em especial, tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes no controlados. Em especial, a Cognio Incorporada e Situada focaliza a dade corpo/ambiente em sua permanente (e de dupla mo) busca por ajustes para a adaptao s novas variveis que tal interao dinmica gera. Uma das grandes virtudes desta abordagem que ela permite levar em considerao uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos rele-vantes para a compreenso dos processos mentais que at ento haviam sido preteridos, como ressaltamos no Tpico 1.1.

    Em especial, a Cognio Incorporada e Situada prope modelos da cognio que tenham efetivamente uma maior plausibilidade biolgica, inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicao e complexificao das possibilidades de interao dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta.

    Em suma, neste Tema foram brevemente apresentadas hipteses das principais teorias da mente que constituem o cenrio filosfico e cognitivista contemporneo, cada uma delas com indiscutveis mritos filosficos, embora no isentas de dificuldades. No prximo Tema trata-remos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abor-dagens se debruaram atentamente, mas que ainda no receberam uma soluo satisfatria.

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    Referncias BAKER, L. R. Saving Belief: a critique of phsicalism, Princeton University Press, 1987.

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    http://www.bbsonline.org/Preprints/OldArchive/bbs.searle2.html

  • Pr-Reitora de Ps-graduaoMarilza Vieira Cunha Rudge

    Equipe CoordenadoraAna Maria Martins da Costa Santos

    Coordenadora Pedaggica

    Cludio Jos de Frana e SilvaRogrio Luiz Buccelli

    Coordenadores dos CursosArte: Rejane Galvo Coutinho (IA/Unesp)

    Filosofia: Lcio Loureno Prado (FFC/Marlia)Geografia: Raul Borges Guimares (FCT/Presidente Prudente)

    Antnio Cezar Leal (FCT/Presidente Prudente) - sub-coordenador Ingls: Mariangela Braga Norte (FFC/Marlia)

    Qumica: Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

    Equipe Tcnica - Sistema de Controle AcadmicoAri Araldo Xavier de Camargo

    Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

    Secretaria/AdministraoMrcio Antnio Teixeira de Carvalho

    NEaD Ncleo de Educao a Distncia(equipe Redefor)

    Klaus Schlnzen Junior Coordenador Geral

    Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

    Coordenador de Grupo

    Andr Lus Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

    Marcos Roberto GreinerPedro Cssio Bissetti

    Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

    Produo, veiculao e Gesto de materialElisandra Andr Maranhe

    Joo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

    Liliam Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

    Pamela GouveiaRafael Canoletti

    Valter Rodrigues da Silva

    Marcador 1Vdeo da SemanaIntroduo Filosofia da Mente1.1 Caracterizao da Filosofia da Mente1.2 Diferentes abordagens no estudo da menteA - Teoria da IdentidadeB - FuncionalismoC - EliminativismoD - Cognio incorporada e situada

    Referncias

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