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Revista de Políticas Públicas ISSN: 0104-8740 [email protected] Universidade Federal do Maranhão Brasil Staevie, Pedro Marcelo MIGRAÇÕES E MÚLTIPLAS TERRITORIALIDADES DOS IMIGRANTES EM BOA VISTA-RR Revista de Políticas Públicas, octubre, 2012, pp. 245-251 Universidade Federal do Maranhão São Luís, Maranhão, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321131651025 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista de Políticas Públicas

ISSN: 0104-8740

[email protected]

Universidade Federal do Maranhão

Brasil

Staevie, Pedro Marcelo

MIGRAÇÕES E MÚLTIPLAS TERRITORIALIDADES DOS IMIGRANTES EM BOA VISTA-RR

Revista de Políticas Públicas, octubre, 2012, pp. 245-251

Universidade Federal do Maranhão

São Luís, Maranhão, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321131651025

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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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MIGRAÇÕES E MÚLTIPLAS TERRITORIALIDADES DOS IMIGRANTES EM BOAVISTA- RR

Pedro Marcelo StaevieUniversidade Federal de Roraima (UFRR)

MIGRAÇÕES E MÚLTIPLAS TERRITORIALIDADES DOS IMIGRANTES EM BOA VISTA - RRResumo: o presente artigo busca mostrar o processo migratório em direção a Boa Vista e às múltiplasterritorialidades existentes no espaço urbano da cidade. Com uma população marcadamente formada porimigrantes, sobretudo nordestinos, a capital de Roraima configura-se numa cidade multifacetada, lócus dedistintas manifestações territoriais.Palavras-chave: Migração, territorialidades, Boa Vista.

MIGRATIONS AND MULTIPLE TERRITORIALlTIES OF IMMIGRANTS lN BOA VISTA, lN THE STATE OFRORAIMAAbstract: the present article aims to show the migratory process towards the Boa Vista city and the multipleexisting territorialities in the urban space of the city. W ith a population formed by immigrants, mostly northeasters,the capital of Roraima is configured in a multifaceted city, a place of distinct territorial manifestations.Key words: Migration, territorialities, Boa Vista.

Recebido em: 10.11.2010. Aprovado em: 16.06.2011.

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Devido ao ainda difícil acesso e, emparte, todos os governos locais dessaépoca eram regidos por militares poucoestimulados ao desenvolvimento deuma base política futura. (BARBOSA,1993, p. 180).

2 MIGRAÇÔES, EXPANSÃO DEMOGRÁFICAE TERRITORIALIDADES EM RORAIMA

orada pelo autor a partir da PNAD 2009.

Com a iniciativa do INCRA, Roraima inicia aofinal dos anos 1970 um amplo programa deassentamentos humanos dirigidos. Os projetosde maior monta foram instalados nas regiõesleste e centro-oeste do Território, com a ColôniaAlto Alegre e os chamados Programas deAssentamento Rápido (PAR) Apiaú e Baraúna e,ao sul, com o PAR Jauaperi e os Projetos deAssentamento Dirigidos (PAD) SalustianoVinagre (atuaIAnauá) e Jatapú. Durante os anos1970 e 1980 ocorreu a implementação dediversos projetos, atualmente administrados peloInstituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA)ou pelo Instituto de Terras do Estado de Roraima(ITERAIMA).

Segundo Diniz (2003), os projetos decolonização agricolas implementados desde acriação do Território acabaram por promover atransferência de colonos de regiões deprimidaseconomicamente do Nordeste brasileiro. Ainda queesta colonização dirigida tenha alcançado diversosestados nordestinos, é fundamentalmente oMaranhão o que mais contribui naquele momentono fornecimento de colonos imigrantes em direçãoao novo Território Federal. Na realidade estaprimazia do Maranhão como grande forn~cedorde mão de obra é observada ao longo de muitasdécadas, exercendo ainda importante papel na

Tabela 1,-Imigrantes em Roraima, conforme estado de nascimento, número total e porcentagemrelativa a população total do estado - 2009.

Estado de nascimento Número total (em mil % do total da populaçãohab.\ residente em Roraima

MA 90 20,88PA 30 6,9AM 27 6,26CE 14 3,25PI 8 1,86

GO 5 1,16PR 4 0,92SP 3 0,7RO 3 0,7RS 2 0,46

Total MA, PA, AM, CE 161 37,3Total imiOrantes 222,6 51,6PODulacão total 431 100,00

Fonte: Elab

Com a tomada do poder pelos militares em1964, um novo modelo de ocupação edesenvolvimento econômico para a Amazônia écolocado em prática. Sob os auspicios dodiscurso da soberania nacional e da necessidadede resolução de conflitos agrários no Nordestedo pais, a "terra de poucos homens" torna-se focoprincipal das açôes colonizadoras por parte dogoverno ditatorial.

O rebatimento desta nova politica em Roraima1

só ocorreu em 1975, com a criação doPOLORORAIMA, no âmbito do Programa Polosda Amazônia (POLOAMAZÔNIA). Este programaincentivaria 'l ..] o acréscimo na escassa mão deobra local, de população externa via migração."(MINTER, 1975, apud BARBOSA, 1993, p. 52,grifo nosso).

Para o periodo de 1975 até 1979, o orçamentodo POLORORAIMA previa investimentos naordem de US$ 53, 8 milhões, o que correspondiaa quase 51 vezes o valor do ICM arrecadado peloTerritório em 1980. Deste total, 45% eram de totalresponsabilidade do POLOAMAZÔNIA, 41 9%viriam de outros ministérios2 e os restantes 13:1%do governo local. Como era um Território Federale não possuia receita própria, na prática todos osrecursos eram oriundos da União. No orçamentoprevisto, havia recursos destinados para a criaçãode novas colônias agricolas, regularização daposse da terra e abertura de novas estradas que"dariam suporte ao enquadramento de novoscolonos no Território." (BARBOSA, 1993, p. 180).

Estes vultosos investimentos acabaram porpossibilitar um fluxo migratório em direção aRoraima, que só não foi mais intenso.

1 INTRODUÇÃO

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Fonte: Adaptado pelo autor com base em Diniz e Santos (2005) e no IBGE.

Tabela 2 - Principais fluxos migratórios de Roraima: 1975-1980Procedência Destino Número de imigrantesManaus -AM Boa Vista 1.608Manaus -AM Caracaraí 377Belém -PA Boa Vista 374

Fortaleza - CE Boa Vista 319Imperatriz - MA Caracaraí 374

Santa Luzia - MA Boa Vista 284Santa Luzia - MA Caracaraí 278Imperatriz - MA Boa Vista 263São Luis - MA Boa Vista 241Santarém - PA Boa Vista 157Bacabal- MA Boa Vista 154

Santa Inês - MA Boa Vista 132Boa Vista - RR Caracaraí 131

Rio de Janeiro - RJ Boa Vista 122João Lisboa - MA Caracaraí 120

Aracati - CE Boa Vista 114Vitorino Freire - MA Boa Vista 113

Bacabal- MA Caracaraí 109Rio Branco - AC Boa Vista 96

Vitorino Freire - MA Caracaraí 92Total 4.765

Teriam sofrido o impacto de uma maiordemanda por terras ou mesmo terpassado pelo processo de fracassodentro da agricultura nestas áreas.(BARBOSA, 1993, p. 183).

Camponeses estes que já haviam experimen­tado outra etapa migratória, oriundos de outrasfrentes de colonização na própria Amazônia,particularmente de Rondônia. Ainda segundo oautor,

Ao estudar os principais fluxos migratórios emdireção a Roraima nos últimos quinquênios dasdécadas de 1970 (1975-1980) e 1980 (1986­1991), Diniz e Santos (2005), partindo dosCensos Demográficos de 1980 e 1991, mostrama seguinte situação, visualizada nas Tabelas 2 e33•

Percebe-se, pela tabela anterior, a prevalênciade Boa Vista no destino dos imigrantes quechegaram a Roraima4 • Dos 4.765 indivíduos,3.284, ou 68, 9% se dirigiram para a capital. Dototal de indivíduos, 30,8 % tinham comoprocedência o estado do Maranhão e, 131, opróprio Território de Roraima (migraçãointraestadual).

De 1980 a 1991 a população de Roraimacresceu 2,7 vezes (INSTITUTO BRASILEIRADEGEOGRAFIA E ESTATISTICA, 1980, 1991),passando de 79.159 para 217.583 habitantes. A

A Tabela 1 mostra os dados retirados daPNAD 2009. Chama a atenção o fato de maisda metade da população ter nascido em outraunidade da federação. Ademais, mais de 37%nasceram no Maranhão, Pará, Amazonas ouCeará, os quatro principais "fornecedores" deimigrantes para Roraima. Os imigrantesoriundos destes quatro estados representamnada menos do que 73% do total de nascidosem outras unidades da federação.

Até a primeira metade dos anos 1980, aomenos 14 projetos de colonização agrícola jáhaviam sido instalados em Roraima,favorecendo sobremaneira a convergência depessoas em direção à região. Silveira e Gatti(1988 apud BARBOSA, 1993, p. 183) afirmamque

[...] o surgimento de um fluxo migratóriomais intenso [...] representaria umaforma de expansão da fronteiracaracterizada por um campesinatodiferenciado.

Esta ligação histórica entre o Maranhãoe Roraima se fortaleceu através dotempo, gerando e perpetuando umasérie de fluxos [...] ligando comunidadesespecíficas nos dois estados.

composição do fluxo migratório em direção aRoraima. Neste sentido, Freitas (1997, p. 2) afirma:

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Fonte: Adaptado pelo autor com base em Diniz e Santos (2005).

Tabela 3 - Principais fluxos migratórios de Roraima - 1986-1991

Procedência Destino Número de imigrantesManaus -AM Boa Vista 2.300Itaituba - PA Boa Vista 1.564

Imperatriz - MA Boa Vista 1.555Fortaleza - CE Boa Vista 946Zé Doca- MA Boa Vista 785

Belém - PA Boa Vista 712Santarém - PA Boa Vista 705

Santa Inês - MA Boa Vista 703Porto Velho - MA Boa Vista 586

São Luis - MA Boa Vista 567Rio de Janeiro - RJ Boa Vista 556

Bacabal- MA Boa Vista 498São João da Baliza - Boa Vista 443

RRAlto Aleqre - RR Boa Vista 403

Goiânia -GO Boa Vista 376Teresina - PI Boa Vista 362

São Paulo - SP Boa Vista 354Acailândia - MA Boa Vista 306Xinouara - PA Boa Vista 295Mucaiaí - RR Boa Vista 288

Total 14.304

1986-91, 33.086 pessoas chegaram ao entãoTerritório Federal de Roraima. Tal incremento deu­se justamente pela expansão da atividadegarimpeira na região.

Merece destaque, ainda, o fato de que algunsmunicipios que nem apareciam no quinquênioanterior (1975-1980) aparecem como importantelocal de procedência neste último periodo. Esteé particularmente o caso de Itaituba, no estadodo Pará. Não por coincidência, o municipio emquestão também era uma área fortementemarcada pelo garimpo, assim como Santarém,que, ainda que presente como importante "fonte"de imigrantes no primeiro quinquênioconsiderado, apresenta maior relevãncia nosegundo periodo. Importante também é apresença de Porto Velho como um municipiofornecedor de imigrantes para Roraima, oriundosde uma região de fronteira agricola mais antiga.A continuidade da importãncia do Maranhão, atécom o surgimento de novos municipiosfornecedores de imigrantes (como Zé Doca, porexemplo) se dá pelo prosseguimento dasrelações socioeconômicas históricas entre asduas regiões, intensificadas pelas campanhasfeitas pelos governos locais para atrair ainda maismaranhenses para a região.

Estas campanhas serão "ajudadas" pelaexistência de uma rede (ou redes) social formadapor imigrantes mais antigos que darão suporteaos entrantes mais recentes5 •

taxa de crescimento anual total ficou em 10,6%,enquanto a mesma taxa para as áreas rurais foide 9,7%, muito acima dos 2,7% observados nadécada anterior. Estes números estãoestreitamente ligados à criação de colôniasagricolas (23 no periodo), mas, sobretudo, àexpansão do garimpo, principalmente a partir de1987. Estimativas apontam (MACMILLAN, 1995)que aproximadamente 40.000 pessoas estiveramenvolvidas diretamente na atividade garimpeiraentre 1987 e 1991. Como já destacado, aindaque os atrativos de Roraima estivessem na árearural, a expansão populacional ocorrida nadécada de 1980 se apresentou muito maisintensa nas zonas urbanas (136%) do que rurais(35,3%). (SANTOS, 2004). Boa Vista, quepossuia uma população de 43.016 habitantes em1980, alcança quase 119 mil em 1991, umcrescimento semelhante ao experimentado porRoraima como um todo. Sua participação no totalda população do estado alcança 54,66%.

A tabela 3 mostra alguns pontos que merecemdestaque. Primeiramente, é importante observaro incremento no total de imigrantes que aportamao estado no periodo considerado (1986-1991).Este número foi 3 vezes maior que o do quinquênio1975-1980. No que tange apenas à imigraçãointerestadual, Santos e Diniz apontam que estatambém triplicou, passando de um total de 11.729individuosem 1975-80 para 33.086 em 1986-1991.Dito de outra forma, a partir dos dados data-fixa,

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Outro ponto de destaque é a exclusividadede Boa Vista como destino final dos imigrantes.Este fato decorre dos fatores descritosanteriormente, como a comercialização dosminérios, feita quase que exclusivamente emestabelecimentos da capital, assim como aespera por lotes agrícolas no interior do estado.A distribuição de lotes urbanos na periferia dacapital também tem papel fundamental nomovimento de pessoas em direção à cidade.Boa parcela dos 40.000 envolvidos diretamenteno garimpo fixava residência em Boa Vista, tantona casa de parentes e amigos como emresidências construidas com materialdisponibilizado pelo poder público. No caso doscolonos agrícolas, muitos deles residiamtambém em Boa Vista, no que Santos (2004)denominou de residência múltipla, ocorrido pelofato de que

O fenómeno só existe porque hápossibilidade de casas na capital [...],bem como que a condição de aquisiçãositua-se de acordo com um padrão deracionalidade que não pode serexplicado por razões de sucessoeconómico.

O início da década de 1990 é marcado pelaintervenção do governo federal nas áreas degarimpo. Entidades de direitos humanos eambientalistas chamavam a atenção para ogenocídio de índios e as graves consequênciasnegativas que a garimpagem estava proporci­onando àquelas regiões. Tais denúncias con­tribuíram para que o governo federal intervies­se na área, determinando o fechamento dosgarimpos ilegais, o que representou um gran­de baque na economia roraimense. A minera­ção era a principal responsável pela arrecada­ção de tributos (ICMS) por parte do recém- cri­ado estado de Roraima, além de se constituirna atividade econõmica em torno da qualgravitava a economia roraimense. O fim dogarimpo representou um movimento inversonos fluxos migratórios. Ocorre uma maior mi­gração de retorno de indivíduos para seus es­tados de origem ou de procedência, assimcomo o deslocamento para outras regiões ain­da não "experimentadas" pelos migrantes.Ocorre, ainda, uma intensificação na migraçãoem direção a áreas garimpeiras da Venezuelae da Guiana, países fronteiriços a Roraima.Paralelamente, ocorre uma migração mais in­tensa em direção a Boa Vista, inflando aindamais a periferia da cidade.

Os anos 1990 representam uma redução naintensidade da imigração para o estado deRoraima, entretanto, tal movimento não pode serdesconsiderado. Em termos absolutos, a entradade migrantes no estado foi significativa. Segundodados de Díniz e Santos (2005), ao final dadécada, cerca de 45 mil pessoas haviam entradono estado de Roraima. Dado que a saída depessoas foi da ordem de aproximadamente 14mil indivíduos, o saldo migratório foi da ordemde 31 mil pessoas. A tendência observada nosperíodos anteriores é ratificada no período, quaissejam: a origem dos migrantes continua a ser oNordeste brasileiro, sobretudo o Maranhão; oaumento da participação do Pará como o estadode última residência dos migrantes.

Não obstante o crescimento da participaçãode pessoas nascidas em outras partes do pais(como sul e sudeste) que vieram diretamente aoestado, a massa de migrantes atualmenteresidentes em Boa Vista é de nordestinos quepassaram por outra etapa migratória em estadosdo Norte, sobretudo Pará e Amazonas. Estesnordestinos acabam por incorporar algunselementos da cultura nortista. Como exemplo,podemos citar um evento já conhecido em BoaVista, a noite paraense Uantar organizado porparaenses com comidas e danças típicas doPará), em que muitos participantes não sãonascidos no Pará, mas que lá residiram antes dechegarem a Boa Vista. Neste sentido, Rocha(2006, p. 66) afirma que

[...] a própria experiência da mobilidade,seja no seu planejamento ou no atoconcreto da transição de um territóriopara outro é determinante para aconfiguração social destes indivíduos.

Obviamente os nordestinos não perdem suaidentidade própria. Na verdade, perpetuam suaidentidade das mais diversas formas, atravésde entidades sociais, grupos de folclore típicose, no caso de muitos comerciantes, através danomenclatura de seus estabelecimentoscomerciais. Não é raro encontrarmos na cidadeestabelecimentos com nomes que fazem alusãoao local de nascimento dos proprietàrios, comocomercial Fortaleza, borracharia do cearense,lanchonete Aracati e assim por diante. Éinteressante destacar que a maioria doscomerciantes nordestinos, nasceu no Ceará(dados da Junta Comercial de Roraima).

A migração vai se constituir em elementofundamental na configuração do espaço urbanona cidade. Ao estudar a migração nordestina

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em Boa Vista, Vale (2007) busca a compreensãodo fenõmeno migratório desta população comomatriz social que tem influência no processo deestruturação da sociedade roraimense, assimcomo as formas de territorialização dosnordestinos no espaço boa-vistense. Nestesentido, a autora afirma que "o processo deterritorialização evidencia-se por meio dedimensões econõmicas, politicas e culturais".(VALE, 2007, p. 17). Entretanto, dois elementosnos parecem fundamentais neste processo.Primeiro, as fortes redes sociais que seestabeleceram desde as primeiras entradasmais expressivas de nordestinos no estado, nosidos dos anos 1970/S0. Outro ponto de destaqueé que as principais lideranças pol iticas do estadosão naturais da região Nordeste do pais. Dosquatro governadores que dirigiram o estado,desde sua efetivação em 1991, três (inclusive oatual) nasceram no Nordeste. Tanto naAssembleia Legislativa quanto na Cãmara dosVereadores da capital, cerca de metade dosrepresentantes são nordestinos. No Centro deTradições Gaúchas (CTG) é muito comum osshows de forró, mais do que qualquermanifestação da tradição gaúcha. Esta se fazperceber mais fortemente somente no mês desetembro, quando das comemorações dasemana farroupilha. Um dos produtosalimenticios mais consumidos no estado é apaçoca de carne seca, tipica do nordeste dopais. Restaurantes de comida nordestinatambém são comuns na cidade. Essasconstatações vão ao encontro do que afirmaVale (2007) sobre o processo de territorializaçãopor parte dos imigrantes nordestinos. Nestesentido, são esclarecedoras as palavras daautora:

A territorialidade social é bastanteexpressiva em Boa Vista, com umacufiura que com qualquer das formas emque se apresenta, transforma-se em umelo condizente do migrante ao seu meioambiente ainda que subjetivamente.(VALE, 2007, p. 221).

Ainda que a cultura nordestina, ou aterritorialização nordestina esteja mais presentena cidade, outras manifestaçôes territoriais seapresentam no espaço urbano boa-vistense (eroraimense). Com a expansão e complexificaçãoda cidade, algumas formas de manifestaçãotipicas de outras regiôes aparecem de forma maisintensa nos últimos anos. É o caso de alguns tiposde comércio e serviços mais voltados a uma

parcela da população de origem geográfica esocial distintas. Armazéns que comercializamdistintas variedades de vinhos e frutas tipicas dosul do pais surgiram na cidade recentemente. Acomercialização de erva-mate, bebida tipica doRio Grande do Sul, também teve um crescimentoimportante, assim como de produtos da culináriaparaense.

Junto a esta heterogeneidade nacional nacomposição populacional e cultural roraimenses,há uma forte presença de população oriunda depaises vizinhos, sobretudo da Guiana. Osguianenses levam a este espaço multifacetadoum elemento significativamente distinto, a lingua.A Iingua oficial no pais é o inglês, mas, o dialetotipico do guianense não foi abandonado,tornando-se mais um elemento neste mosaicocultural denominado Roraima. A Iingua espanholatambém se faz presente neste espaço, originadados imigrantes venezuelanos que se encontramno território roraimense. Alguns bairros de BoaVista atualmente comportam uma populaçãosignificativa de guianenses que, nestes espaços,reproduzem sua territorialidade, através de suasrepresentações culturais.

Por fim, temos a marcante presença deindigenas na população de Boa Vista. No ano de2005, a FUNAI estimava uma população indigenaem Boa Vista da ordem de 2.437 individuos. Já oCenso 2010 aponta para um total de 6.150indigenas vivendo na capital roraimense. Estenúmero representa cerca de 3,07% do total dapopulação residente em Boa Vista, mas perfazaproximadamente 22% de todos os indigenasque moram no estado.

3 CONCLUSÃO

Em suma, o estado de Roraima e, particular­mente, sua capital Boa Vista, é um espaçomultifacetado com distintas territorialidades,onde tal processo forma a estrutura da socie­dade roraimense. Estas territorialidades expres­sam ou resultam do movimento migratório quetem sido a marca do estado pelo menos desdea década de 1970.

Pode-se afirmar que a sociedade roraimense,sua cultura e identidade estão ainda emconstrução, num amálgama forjado no âmbito demúltiplos processos sociais que dará, daqui aalgumas gerações, a verdadeira "cara" deRoraima, definindo o que é o roraimense. Pessoasde vários estados da federação e de outros paisescompõem o mosaico cultural e linguistico queforjará a futura identidade roraimense.

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NOTAS

Estudos Amazónicos, Universidade Federal do Pará,Belém, 2004.

Universidade Federal de Roraima· UFRRAv. Cap. EneGarcez, n02413. BairroAeroporto, BoaVista/RRCEP: 69304-000

Para alguns autores, existência destas redes éfundamental para o entendimento do processomigratório, chegando a constituir uma correnteteórica no âmbito dos estudiosos do tema damigração. Tais correntes serão tratadas emcapítulo posterior. Para um primeiro contato comtal corrente, sugere-se a leitura de Castiglioni(2009).

Em 1962 o Território Federal do Rio Branco temseu nome modificado para Território Federal deRoraima. Segundo alguns estudiosos (BARBOSA,p. ex.) esta mudança se deu em função daconfusão que havia com Rio Branco, capital doAcre. Segundo o autor, correspondências e atémesmo pessoas acabavam parando nesta capitalquando seu verdadeiro destino era o atual estadode Roraima.

Dois pontos são importantes aqui. Primeiro:naquela data (1980) só havia dois municípios emRoraima, Boa Vista e Caracaraí. Segundo: osvalores na tabela são apenas dos 20 principaismuncicípios de procedência, não o total deimigrantes que chegaram no período.

O POLOAMAZÕNIA estava vinculado aoMinistério do Interior, portanto, ao seu orçamento.

Os autores usaram o quesito "data-fixa", quemostra onde os entrevistados residiam numa datafixa anterior, no caso cinco (05) anos antes. Comoo Censo de 1980 não continha este quesito osautores usaram um filtro no qual foramselecionados os indivíduos que tinham, em 1980,tempo de residência inferior a cinco anos nosmunicípios de Roraima e idade igualou superiora cinco anos.

VALE, Ana Lia Farias. Migração e territorialização:as dimensões territoriais dos nordestinos em BoaVista/RR. 2007. 268 f. Tese (Doutorado em Geografia)- Programa de Pós-Graduação em Geografia daFaculdade de Ciências e Tecnologia, UniversidadeEstadual Paulista do Campos de Presidente Prudente,Presidente Prudente, 2007.

5

Pedro Marcelo StaevieEconomistaDoutorando do Núcleo de Altos Estudos Amazónicos(NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA)Professor do Depto. Economia da UniversidadeFederal de Roraima (UFRR)E-mail: [email protected]

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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA EESTATISTICA. Censo 1980. Disponívelem:<www.ibge.gov.br>.Acessoem: 17 abr. 2011.

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_-,._. Censo 2000. Disponível em:<www.ibge.gov.br>.Acessoem: 17 abr. 2011.

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