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[Recensão a] FRANÇOIS CHAMOUX - A CIVILIZAÇÃO GREGA
Autor(es): Santos, Maria Carolina Alves dos
Publicado por: Annablume Clássica
URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/24563
DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/1984-249X_2_15
Accessed : 13-Jul-2020 04:22:52
digitalis.uc.ptimpactum.uc.pt
EDITORIAL
Jonatas R. Alvares Gabriele Cornelli
ARTIGOSUrbanização e a Construção da Paisagem no Alto Império Romano: a Colônia de Augusta EmeritaAiran dos Santos Borges
O Poeta e a Cidade: Platão Enfrenta HomeroAlzira Silvestre dos Santos
A Paixão Política de Platão: sobre Cercas Filosóficas e sua PermeabilidadeGabriele Cornelli
O Desrespeito das Leis Sociais e a Ruína Humana no Hipólito de EurípidesHelena Vasconcelos
Os Tipos de Justiça na KallípolisJosé Wilson da Silva
Cidades Gregas do Ocidente e a Água: estudo comparativo entre os sistemas de captação e dispensa da água nas Poleis de Metaponto e PoseidoniaMaria Elizabeth MesquitaMaria BeatrizBorba Florenzano
Civitas In Civibus Est, Non In Parietibus (De Urbis Excidio 6,6). História e Tempo Eterno na ‘Arquitetura Cívica’ de Roma Antiga em De Civitate Dei de Santo AgostinhoPedro Paulo Alves dos Santos
O Esquema Decorativo da Sala do Trono do Rei Neoassírio Ashurnasirpal IIPhilippe Racy Takla
Diversões Públicas em Roma: da Fase Republicana à Fase ImperialPriscilla Adriane Ferreira Almeida
Lei, Retórica e Democracia – o Uso das Leis no Discurso ForensePriscilla Gontijo Leite
A Natureza do Discurso Verdadeiro a partir de uma Abordagem Convergente em Platão e IsócratesRobson Régis Silva Costa
O Cuidado de Si no EpicurismoThiago Rodrigo de Oliveira Costa
Sobre a Autodidaxía e a Autárkeia de EpicuroMiguel Spinelli
TRADUÇÃO
Performance e Inteligibilidade: traduzindo Íon, de PlatãoMarcus Mota
RESENHA
François Chamoux, A Civilização Grega. Lisboa, Portugal: Edição 70, 2003, 344 pp. ISBN: 972-44-1139-7Maria Carolina Alves dos Santos
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ARCHAI JOURNAL: ON THE ORIGINS OF WESTERN THOUGHT
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resenha
FRANÇOIS CHAMOUX, A CIVILIZAÇÃO GREGA. Lisboa,
Portugal: Edição 70, 2003, 344pp. ISBN: 972-44-1139-7.
Resenha deMaria Carolina Alves dos Santos*
Notável helenista nascido no início do
século passado, François Chamoux é especialista em
história da civilização, filologia e literatura gregas,
lecionou arqueologia e história da arte em Nancy;
literatura e civilização gregas na Sourbonne. Foi
diretor da Revue d’Études Grecques durante dez anos,
e é autor de inúmeras obras. Nesta, indaga sobre o
que nos foi legado pela vasta a complexa civilização
dos antigos gregos, cujos traços arquetípicos tendem
a se esmaecer em nossa memória, embaçando a visão
que possa haver sido retida das origens do pensar
no Ocidente.
Chamoux apela ao homem do presente para que
se disponha, enfrentando o desafio, a tentar religar-
se mais intimamente ao que nossa cultura originária
tem de perene. De modo abrangente e cristalino,
nos nove capítulos de que a obra se compõe, tece
uma rede de temas essenciais: urde a época arcaica
e clássica - desde as realidades materiais (território,
propriedades, monumentos, túmulos), às maneiras de
ser e às criações da consciência (costumes, crenças,
ritos, linguagem, matemática, literatura, política,
filosofia) - com descrições fundamentadas nas mais
variadas fontes.
Em sua dinâmica a exposição percorre desde
a época micênica (e os séculos obscuros que a ela
* Profa. de Fil. Antiga na FSB
(Faculdade de Filosofia São
Bento).
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se sucederam), a época geométrica de Homero,
caracterizando em pormenor a vida cotidiana, a
produção intelectual, filosófica, literária, artística,
a índole religiosa e política. Sob este particular
aspecto da configuração do poder, a função da guerra
é considerada vital, pois o grego identifica a luta
com a própria vida: os confrontos, desencadeados
por interesses conflitantes, são os geradores do
progresso. Diz Heráclito (fr.53,80):
“A guerra (pólemos) pai e rei de todas as coisas, que
a uns faz deuses e a outros homens, que a uns torna
livres e a outros escravos, é universal”.
Além das virtudes do guerreiro (o heroísmo
e a coragem), o grego valoriza sobretudo a firmeza
de alma (exemplificados no Prometeu de Ésquilo e
na Antígona de Sófocles); a criação de obras-primas
da arte e da técnica; a vida moral e, mais ainda,
o humanismo tal como é expresso pelo coro dos
anciãos tebanos na Antígona de Sófocles, que canta
o homem como a maior das maravilhas entre todas
as outras existentes no mundo.
O ritmo ágil e imagético da exposição
revela, assim, como todos esses aspectos - sejam
em forma de crença ou de mentalidade religiosa,
sejam como um modo de racionalidade - embora
irredutíveis entre si, interligam-se estreitamente,
conferindo coesão e unidade à totalidade dessa
cultura: constituem a um só tempo o fundamento e
a condição de sua existência. E, ao ressaltar a força
de sua expressão social e sua presença histórica,
o texto de Chamoux vai dando, gradativamente,
maior visibilidade à sua permanente atualidade na
civilização moderna.
Toda sociedade, enquanto experiência plena
e original não é, paradoxalmente, herança recebida
de seus antepassados à qual se funde, e que com
forte impacto será legada a seus pósteros? Todas as
grandes obras então surgidas que derivam do diálogo
incessante que seus autores mantiveram com seus
antecessores, resultam para nós, em última análise
- no plano da história desse significativo encontro
entre a cultura atual e o conjunto de heranças
distantes que este livro explicita e condensa - em
algo de monumental riqueza. Consagra-se uma
convergência única, irrepetível, que nos revela o
que na verdade somos: com esse livre exercício de
rememoração revivemos extraordinária aventura,
recuperamos algo que, mesmo delineado há muitos
séculos, permanece ainda intacto, a nossa real
identidade. .
Um dos capítulos de especial interesse para
a fecundidade desse exercício é o que se refere à
civilização micênica (instalada na bacia do Mar
Egeu), desenvolvida num período ainda obscuro
e misterioso da Grécia arcaica, conhecido como a
Idade Média helênica. A língua então usada (em
meados do século XV), simbólica (ideogramas
desenhados em plaquetas de argila com um estilete),
só recentemente está sendo decifrada (e nomeada
Linear B). Abrem-se assim novas perspectivas de
compreensão das origens de uma civilização helênica
brilhantemente desenvolvida, com uma população
aproximada de 50 mil habitantes, dando notícia da
pujante vida cotidiana e da organização social e
religiosa que floresceu três mil e quinhentos anos
antes da época de Homero. Este estudo esclarece o
quanto é longo e rico o trajeto iniciado pelos poetas
micênicos que lhe são antecessores, e que se estende
até Platão, mostrando que na corrente temporal
desses 10 séculos, não cessam de fluir esforços
e tentativas, explorações e batalhas, rivalidades
e emulações. Mais que isso, fornece importantes
elementos para uma reflexão e conseqüente
reformulação dos nossos parâmetros a respeito do
período em que se datou, historicamente, como o
das origens da filosofia e das condições culturais
decisivas que propiciaram esse nascimento. Diz
Chamoux, como conclusão de sua exposição:
“Esse pequeno povo simultaneamente uno e diverso,
elaborou de forma paciente, apesar das discórdias
internas e das ameaças externas, uma cultura original,
inovadora e completa, onde os principais aspectos da
condição humana têm seu lugar: fé religiosa, confiança
no homem, sentido do mistério cósmico, vontade
de compreender a natureza, idéias de hierarquia e
igualdade, respeito pelo grupo social, interesse atribuído
ao indivíduo. E, todos esses campos do saber constituem
exigências contraditórias que suscitam incessantes
conflitos tanto entre os espíritos, como entre os Estados,
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gerando progresso: têm proporcionado um comentário
sem fim sobre essa cultura que fundamenta os 20 séculos
de cultura européia nos seus mais variados domínios”.
O autor utiliza-se ao fim de cada capítulo,
didaticamente, referências bibliográficas específicas,
que permitem ao leitor aprofundar-se no assunto
tratado; além de um substancioso índice documental
de 60 páginas, com os verbetes utilizados ao longo
de sua exposição, que constituem um valioso
instrumento de leitura para aqueles que estão se
iniciando neste estudo.
Trata-se de um livro indispensável, um
clássico no sentido usual do termo, que está
ai para ser lido e relido por ser um testemunho
histórico primoroso que põe em relevo aspectos
essenciais da civilização que transcendeu seu tempo
para permanecer historicamente em latência no
nosso e falar através dele. O caráter desse dizer
oferece insights a todo aquele que busca conhecer
mais solidamente o fundamento e os elementos
insubstituíveis do nosso patrimônio cultural. Mais
que uma especulação de caráter geral, o livro é um
convite a um contato direto, pessoal, íntimo com
algo valioso, que propicia o regresso no tempo e o
encontro de sua parte nessa herança para além dos
traços eternos do homem, pelo diálogo com o que
há de mais profundo em si mesmo.
Os comentários de Chamoux nos permitem
renovar nossa compreensão da civilização dos
gregos, naquilo que ela tem de imorredouro, pois,
apesar das lacunas não se mostra petrificada mas
plena de vida, desde que enraizada em nossos
instrumentos intelectuais, a linguagem, o imaginário
(seus mitos misteriosos são ricos de sugestões
que estimulam nossa sensibilidade), as categorias
do nosso pensamento, nossos valores, princípios
políticos e morais: nessa medida, podemos dizer que
o antigo está para sempre em nosso porvir.
Recebido em Setembro de 2008.
Aprovado em Novembro de 2008.