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480 Francisco Jiménez Calderón como un elemento fundamental emla educación de los jóvenes 32 . Pêro esta actividad había de atenerse a unas regias sociales díctadas por la ciudad entre las que se encontraban algunas referentes a la edad de los cazadores 33 . Y Diana, gozne entre lo salvaje y lo civilizado, era Ia encargada de salvaguardar dichas regias, de que el cazador no rebasase ciertos limites, La díosa protegia a los jóvenes a lo largo de su formación pêro nunca consentia que invadieran su território o que rivalizasen con ella, El mito de Acteón, además de los de Orion, Agamenón o Céfalo, sintetiza las circunstancias descritas y es el que más se acerca a la utilización ciei motivo de Diana en A. Caça, cuyos dos protagonistas son castigados ai querer alcanzar un território y unas actividades que aún no les corresponden. Por extensión, y siempre jugando con la figura de Diana, el alejamiento de lo civilizado por parte dei hombre conlleva su castigo, como así se compendia en A Caça de principio a fin a. través dei prólogo de la raposa y las gallinas, de ia mirada a la estatua, de la. discusión entre los chicos, de la ruptura de la cadena humana o de los ladridos dei perro. RECENSÕES 32 Víd. J. P. VERNANT, La muerte en los ojos (ed. cit.) 24, y Y. BONNEFOY, op, cit. 333. Una fuente clásica ai respecto es Jenofonte, El arte de la caza. 33 Cf. PI. Lg. 823B.

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480 Francisco Jiménez Calderón

como un elemento fundamental emla educación de los jóvenes32. Pêro esta actividad había de atenerse a unas regias sociales díctadas por la ciudad entre las que se encontraban algunas referentes a la edad de los cazadores33. Y Diana, gozne entre lo salvaje y lo civilizado, era Ia encargada de salvaguardar dichas regias, de que el cazador no rebasase ciertos limites, La díosa protegia a los jóvenes a lo largo de su formación pêro nunca consentia que invadieran su território o que rivalizasen con ella, El mito de Acteón, además de los de Orion, Agamenón o Céfalo, sintetiza las circunstancias descritas y es el que más se acerca a la utilización ciei motivo de Diana en A. Caça, cuyos dos protagonistas son castigados ai querer alcanzar un território y unas actividades que aún no les corresponden. Por extensión, y siempre jugando con la figura de Diana, el alejamiento de lo civilizado por parte dei hombre conlleva su castigo, como así se compendia en A Caça de principio a fin a. través dei prólogo de la raposa y las gallinas, de ia mirada a la estatua, de la. discusión entre los chicos, de la ruptura de la cadena humana o de los ladridos dei perro.

RECENSÕES

32 Víd. J. P. VERNANT, La muerte en los ojos (ed. cit.) 24, y Y. BONNEFOY, op, cit. 333. Una fuente clásica ai respecto es Jenofonte, El arte de la caza.

33 Cf. PI. Lg. 823B.

H O M E R O , Ilíada, Int rodução e t radução de Frederico Lourenço (Lisboa, Livros Cotovia, 2005) 503 p .

CANTO DE SANGUE E LÁGRIMAS: A ILÍADA

A Ilíada é um «canto de sangue e lágrimas», em que o sofrimento redime e aparece corno espécie de aprendizagem; um texto épico que cobre apenas breves dias da Guerra de Tróia, com. a narração de sucessivos combates em que os próprios deuses se envolvem, são feridos; um. poema de guerra em que os cavalos de Aquiles também choram, e em que os momentos de paz são esparsas ilhas apaziguadoras e quase sempre evocação de um passado feliz que contrasta com a guerra, morte e sofrimento actuais. Um poema em que, como acentua Luísa Neto Jorge e lembra Frederico Lourenço (p. 7), «luz e morte coincidem hora a hora».

Tudo começa com. um acto de prepotência e insolência ou hybris de Agamémnon, praticado contra o sacerdote Crises que, escudado com as insígnias -de Apolo, veio suplicar a libertação da filha, Criseida, a troco de opulento resgate. Em consequência, o deus lança sobre o exército uma peste que aos poucos vai dizimando homens e animais, até que Aquiles, ultrapassando o chefe da expe­dição, resolve convocar a assembleia dos guerreiros e consultar o adivinho Calcas. Dele obtém a revelação de que tudo se deve à ofensa de Agamémnon e de que a calamidade não cessará sem a jovem ser devolvida ao pai e de Apolo ser apaziguado com um sacrifício. E imediata a. revolta do Atrida, por se ver constrangido a devolver Criseida ao pai, e logo anuncia que vai retirar a cativa de Aquiles, Briseida. Entre os dois guerreiros gera-se então uma discussão violenta que termina com a retirada do Pelida, encolerizado, e ao combate, quebrada a confiança, se recusa voltar, mesmo que insistentemente solicitado por todos, e pelo próprio Agamémnon que apresenta desculpas e lhe promete volumosa recompensa. Só a morte do seu grande amigo Pátroclo por Heitor, chefe dos Troianos, e o desejo de vingança o fazem regressar. Não depõe a cólera, esta apenas muda de sentido: agora concentra-se no filho de Príamo e nele procura satisfazer a sua ira pela perda do amigo. Nem a morte do grande guerreiro troiano aplaca essa cólera. Só se apazigua, quando o velho rei de ílion, humilde, destroçado pela dor e consternado, vem à sua tenda, lhe abraça os joelhos, lhe beija as mãos que tantos dos seus filhos mataram e lhe suplica o corpo do filho.

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Então Aquiles comove-se, lembra-se da dor .do seu próprio pai que o não verá regressar vivo e, além do corpo, concede doze dias para as devidas honras fúnebres. É com elas que o poema termina. Narra assim um. episódio e breve momento da guerra de Tróia, mas concentra e simboliza todo esse conflito de dez anos.

A versão da Ilíada, por Frederico Lourenço, publicada nos Livros Cotovia, na roupagem, de verso solto, ritmado e de fôlego amplo, já utilizado na tradução da Odisseia (Lisboa, Cotovia, 2,003), merece-me palavras idênticas às que na ocasião escrevi: convida-nos à leitura, leva-nos embalados na fruição ritmada do texto, interessa-nos na narração dos combates, prende-rios às descrições dos episódios, envolve-nos nos sofrimentos e emoções das figuras. Além. da sua. qualidade literária, vem ainda colmatar uma lacuna grave, já que as traduções até agora disponíveis (especificadas no Dicionário de Literatura Grega Lisboa, Verbo, 2001), de modo geral não satisfazem, por dificilmente disfarçarem a idade, ou pecarem pela falta de fidelidade, ou serem parcelares e fragmentárias. Daí que subscreva as palavras de Frederico Lourenço, na Introdução (p. 8), quando acentua que os trechos da Ilíada apresentados por M. H. Rocha Pereira na antologia Hélade são, «pode dizer-se com rigorosa objectividade», «a primeira tradução, desde o Renascimento aos nossos dias, a exprimir em língua portuguesa o que está, de facto, no texto grego». Daí que, como já o fiz a respeito da Odisseia, me apraza, saudar, de forma efusiva, esta versão da Ilíada - que agrada mesmo pela apresentação estética do livro, a sua qualidade gráfica. Bem o merece este notável, poema que Eugénio de Andrade diz ter «sempre à mão» (O Sal da Língua) e no qual Miguel Torga considera necessário de vez em quando «retemperar a coragem» (Diário de 26.1.1942). Para fazer também minhas as palavras de Frederico Lourenço, na abertura da "Introdução" (p. 7), «é o primeiro livro da literatura europeia» que, sob certo ponto de vista, nenhum outro que se lhe tenha seguido conseguiu superar e que, lido hoje, no século XXI depois de Cristo, «mantém inalterada a sua capacidade esmagadora de comover e perturbar».

Judiciosa, medida e bem informada, a "Introdução" (pp, 7-25) discute os principais problemas e aborda os assuntos mais relevantes para. a compreensão do poema: a complexa história da transmissão do texto e a sua divulgação em. Portugal; a questão da autoria e da existência de um poeta de nome Homero; a consciência cio valor da poesia que, segundo Frederico Lourenço, é um dos aspectos mais belos da Ilíada (p. 22); a importância, dos símiles como processo literário (pp. 22-23). No que respeita à discussão do papel de oralidade e escrita na composição da Ilíada e da Odisseia, manifesta aceitação pela tendência actual que, embora valorize a tradição oral, se inclina para. uma composição já escrita, dos poemas, considerando ser «difícil não vermos na concepção e estrutura arquitectónicas da Ilíada dados que apontam no sentido da escrita» (p. 9). Em

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breve resumo da acção, aponta o facto escolhido pelo poeta «para pôr em movimento a acção» do poema -. a desconsideração de Agamémnon a Crises (p. 10) - sublinha alguns episódios mais significativos e discute passos ou aspectos controversos, casos cia Boiotia ou "Catálogo das Naus" (p. 10), dos alegados vestígios de teriomorfismo (pp. 24-25). Bem apropriadas são as linhas que dedica à descrição do Escudo de Aquiles do Canto XVIII que considera «todo um universo de experiência humana» que aí está gravado (p. 20).

A caracterização das figuras é breve mas fina e certeira, sublinhando os traços fundamentais: Aquiles, Heitor, Diomedes, Nestor, Agamémnon, Ulisses, Ajax, P ri amo, Hécuba, Andrómaca, Helena, Paris aparecem vivos, fortes, imprevistos nas suas reacções, sentimentos e explosões. Dou como exemplo estas rápidas notas sobre o contraste entre Heitor e Paris (p. 18): «Se Heitor "enche as medidas" a qualquer leitor pela nobreza, virilidade, espírito de sacrifício e digna aceitação da tragicidade do destino humano .(além de ser ideal, filho, esposo e pai), Paris fascina pela irresponsabilidade, narcisismo e despreocupada entrega ao prazer do sexo». Ou estas sobre duas das principais figuras femininas do poema que ficarão na mente do leitor (p. 18): «Hécuba com o seu sofrimento esmagador; Andrómaca, de cuja boca Homero faz sempre fluir poesia da mais arrebatada genialidade». Curioso é (e de certo modo estranho) que, a propósito da Embaixada a. Aquiles, no Canto IX, constituída por Ulisses, Ájax e Fénix, embora o texto grego empregue o dual (vv. 182 sqq.), portanto pensando apenas em dois - a famosa questão dos duais - Frederico Lourenço pareça pender para a interpretação que resolve o problema pela destituição ou desqualificação de Fénix, já que o não refere nestas palavras relativas a essa difícil missão (p. 15): «Agamémnon manda Ulisses e Àjax à tenda de Aquiles com a incumbência de prometerem mundos e fundos se ele reconsiderar a sua posição». Considero, contudo, acertado o seguro sublinhar de que a natureza da relação entre Aquiles e Pátroclo não deve ser vista como uma relação homoerótíca e sexual, já que tal seria «tresler o que Homero nos diz sobre homens e mulheres, tanto na Ilíada como na Odisseia», mas antes ser olhada como «uma relação de amor heróico, elo de lealdade na mundividência homérica não menos inquebrantável na morte - e depois dela - do que no convívio diário» (pp. 12-13). Não menos acertado é o realce dado à discussão e ao conflito entre Agamémnon e Aquiles, nascidos pelo facto de o primeiro, soberano máximo e 'pastor do povo', sentir «a mais ressabiada inveja perante o segundo, o maior de todos os heróis» (p. 11), o que o leva a desconsiderá-lo, retirando-lhe Briseida que, ao contrário de Criseida para Agamémnon, é «muito mais do que mero objecto sexual», e inquinando definitivamente a relação de confiança entre os dois; bem como o sublinhar da cólera ou mênis de Aquiles que dessa desconsideração nasce e se vai tornar o tema central e aglutinador do poema: desencadeada no Canto I, só se apazigua no XXIV, no momento em que Príamo, símbolo do sofrimento de pai e de rei, vai

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suplicar o corpo do filho à tenda de Aquiles; em que este se comove, entrega àquele pai destroçado o cadáver de Heitor e lhe concede doze dias de tréguas para que o ancião lhe preste as devidas honras fúnebres, sem que antes lembre, emocionado, a tristeza do seu próprio pai que nunca terá nos braços o seu corpo -momento definidor da evolução humana do herói e da grandeza do sofrimento de Príamo, bem traduzidos no poema "A sombra cie Homero" de Eugénio de Andrade (O Sal da Língua):

E mortal este Agosto - o seu ardor sobe os degraus todos da noite, não me deixa dormir. Abro o livro sempre à mão na suplica de Príamo - mas quando o impetuoso Acpiles ordena ao velho rei que não lhe atormente mais o coração, paro de ler. A manhã tardava. Como dormir à sombra atormentada de um velho no limiar da morte?, ou com as palavras de Aquiles, na alma, pelo amigo a quem dera há pouco sepultura? Como dormir às portas da velhice com esse peso sobre o coração?

Trata-se de uma tradução que opta pela utilização acertada do verso, como acontecera já na Odisseia, um verso que não é isossilábico, mas flexível e aberto, que procura manter-se entre as doze e as dezassete sílabas, as que pode ter um hexâmetro, metro em que estão compostos os Poemas Homéricos, como justifica Frederico Lourenço, precisamente no prefácio da Odisseia (p. 8). E tal como aconteceu na tradução do referido poema homérico, o tradutor consegue que esse verso seja vivo, respire, ganhe ritmo na leitura, valorizado que está por rimas internas, assonâncias, manutenção das fórmulas e epítetos. Desse modo, o andamento de estilo homérico e a ideia de repetição e de língua formular, que são marca da Ilíada e da Odisseia, aparecem sugeridos e a cada passo transmitidos com fidelidade. E evidente que a busca dessa correspondência, como escrevi já a propósito da versão da Odisseia, apoia-se na boa formação em crítica textual e métrica grega de Frederico Lourenço e dela muito beneficia; exige, por outro lado, esforço, trabalho, argúcia e sensibilidade literária, além de implicar bom conhecimento da língua do original e da língua para que se verte, como é o caso presente. Assim a leitura deste poema, de quase 16 000 versos, com. sucessivas

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descrições de combates, quer individuais, quer colectivos, não tem nada de monótono, mas toma-se atraente e cadenciada.

Para exemplificar essa cadência e adequado balanceamento do texto da tradução, vários passos poderia aqui citar: e.g. o desfazer da assembleia (vv. 304--317), a cena do sacrifício (vv. 457-477), o encontro de Tétis com Zeus (vv. 493-530), todos passos da Canto 1; ou toda a cena da Embaixada a Aquiles no Canto 9 (vv. 192-657) que contém um repositório de modelos de retórica prática, antes de as suas normas serem teorizadas nos séculos V e IV a.C: três discursos diferentes fazem os embaixadores (Ulisses, Fénix e Ajax) a que o Pelida responde com urn discurso adaptado a cada um. Para citação exemplificativa, escolho os versos 22--31 do Canto 18 que traduzem a dor de Aquiles, no momento em que conhece a morte do amigo Pátroclo:

Assim falou; e uma nuvem negra de dor se apoderou de Aquiles. Levantando com ambas as mãos a poeira enegrecida, atirou-a por cima da cabeça e lacerou seu belo rosto. Sobre a sua túnica perfumada caiu a cinza negra. E ele próprio, grandioso na sua grandiosidade, jazia estatelado na poeira e com ambas as mãos arrancava o cabelo.

Não é de estranhar que, em obra desta extensão, possam existir passos ou fórmulas, cuja tradução - ou melhor, a forma encontrada - pareça menos conse­guida ou nos agrade menos. Pergunto-me por que razão fórmulas iguais apare­cem traduzidas de maneira diferente: por exemplo, o primeiro hemistiquio - ton (teri) d' apameibómenos proséphe (I. 84, 130, 215, 285, 560; II. 369; IV. 188; V. 764, 814; IX. 307, 606, 643; X. 42; XXIV. 299) - é igual e nele o poeta utiliza a mesma fórmula de introdução de discurso directo, muito frequente. Mas, enquanto em. todos os outros passos Frederico Lourenço usa a sequência «respondendo-lhe assim falou», em I. 560 e em V. 764 aparece traduzida de forma significativamente dife­rente como «a ela deu resposta», expressão que de modo geral surge como versão de outras fórmulas de introdução de discurso - por exemplo, ton (ou teri) d' aúte proseetpen (e. g. III. 58; V. 179, 229; XXIV. 217, 378, 389, 410, 432), ou a sequência ton (ou teri) d' emeíbet' épeita (e. g. I. 121, 172, 544, 551; III. 199; IV. 50, 317; V. 375, 381; IX. 162; X. 86, 102,143; XXIV. 372) -, também frequentes e também usadas no primeiro hemistiquio. E considerando apenas esta última fórmula, estranho - a não ser que haja um motivo plausível que desconheço - qual a razão por que a traduz umas vezes do modo acima referido (e. g. I. 172, 544; III. 199; IV. 50, 317; IX. 162; X. 86), outras como «a ele (ela) respondeu em seguida» (e. g. X. 102, 143), outras apenas «a ele respondeu» (e. g. I. 55Í)'' e outras ainda, «respondendo-lhe assim falou», como a primeira fórmula referida que, no grego, é muito diferente, quanto à fonia e quanto à forma (e. g. 1.121; XXIV. 372).

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E, para dar um exemplo mais apertais, continuo a discordar da solução encontrada para a fórmula épea vieróenta, vertida por «palavras apetrechadas de asas», por a considerar um pouco prosaica e, sobretudo, pesada em demasia, E também me não convence a explicação apresentada no final da "Introdução" da Ilíada (p. 25). Em minha opinião, seria preferível, como já o afirmei a propósito da Odisseia, «palavras aladas» que se tornaram tradição poética desde Antero de Quental, nos Raios de Extinta Luz,

E termino com as palavras com que concluí a apreciação da tradução da Odisseia: apesar de discordâncias que sempre existem e de possíveis imperfeições que sempre será possível apontar — a perfeição é própria dos deuses e nós somos humanos - é evidente a mestria, competência, sensibilidade estética demonstrada por Frederico Lourenço. Pessoalmente sou um entusiasta do produto final, tal como nos chegou às mãos, e aconselho a sua leitura, vivamente, a todos.

JOSé RIBEIRO FERREIRA

ROSSETTI, Livio e SANTANIELLO, Cario (eds.): Studi sul pensíero e sulla

lingua di Empedocle (Bari, Levante editori, 2004) 327 p .

Este volume, que constitui o trigésimo sétimo da prestigiada colecção Le Reme, dirigiria por F. De Martírio, é dedicado à memória do recentemente desaparecido R. Laurenti, corno o refere G. Cerri na 'Nota introdultíva em que nos apresenta., com clareza e precisão, o volume no contexto da história do estudo e difícil interpretação de Empédocles, mesmo à luz das descobertas e discussões

mais recentes. O livro é constituído por um conjunto de cinco estudos, da autoria de

C. Santaniello, G. Cerri, L. Rossetti, C. Bordigoni, F. Alesse, que compreendem um âmbito que vai da transmissão e exegese, com o necessário recurso à crítica textual à linguística e utilização da língua poética, à história da própria leitura e compreensão de Empédocles para melhor entendimento das limitações e "pre­conceitos" de abordagem muitas vezes criados.

O estudo de C. Santaniello retoma uma das questões centrais para o entendimento de Empédocles, e que maior polémica tem gerado: a intervenção de Philía e Neikos, na junção e disjunção dos quatro elementos, fazem, supor uma só ou. uma dupla cosmogonia (e, consequentemente, uma dupla zoogonia)? Argumentando com extrema segurança, com recurso a fontes subsidiárias e a. unia exegese crítica de que extrai, as devidas conclusões, Santanello não hesita em. se distanciar de tendências recentemente reavivadas, a partir do entusiasmo

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gerado pela descoberta do Papiro de Estrasburgo e dos estudos a que deu azo, e pronunciar-se, fundamentadamente, a favor da cosmogonia única, concuindo (p.73): "insomma, secondo le parole dello stesso Empedocle, non si può non cogJiere lo stretto rapporto fra aggregazíone e vita, disgregazione e morte; semmai la disgregazione può costituire la premessa, certo indispensabile, per una nuova aggregazíone".

Segue-se o trabalho de G. Cerri. que, centrado na exegese do frg. 3 DK de Empédocles, tem como questão de fundo um problema que Rossetti irá retomar no seu ensaio: a fronteira que delimita os Physika dos Katharmoí. O autor aduz, para esse efeito, a leitura de 111 DK e considera a novíssima bibliografia sobre ele escrita, que defende a sua pertença aos Physika, bem como o carácter esotérico de um poema que possui um único destinatário, provado pelo uso da segunda pes­soa do singular. Cerri, baseado no comentário literal do fragmento que constitui objecto do seu. estudo, e também com recurso a outras fontes antigas, apresenta uma hábil e convincente solução: o poema, dedicado a Pausânias, é-o implicita­mente a todos aqueles que querem colher os seus ensinamentos e inscreve-se num contexto cultual local "di tipo demetriaco" (p. 92) em que Empédocles fala, em público, daquilo que é permitido transmitir e por isso distingue, para o público mais lato e também para o mais restrito, num texto que tem carácter de proémio, o dizível do não dizíve).

Com "Empedocle scienziato" L. Rossetti põe em causa urna leitura empo­brecedora de Empédocles, radicada, em última análise, na tradição do raciona­lismo positivista, que nega a este, bem como aos outros Pressocráticos, o estatuto cie filósofos e um carácter científico do seu discurso. Rossetti compreende e recupera, para além cie juízos preconcebidos na História da Filosofia, o verda­deiro espírito do poeta filósofo, cio crente especulativo e observador, num tempo que nada tem a ver com a cisão epistemológica cartesiana sujeito/objecto, versus entidade que domina pelo saber/coisa dominada pelo saber. E que para Empédo­cles, tanto como para outros dos Pressocráticos, "verdade" e "inspiração", aparência e aparecimento-revelação são inseparáveis. Empédocles é, assim, como nota Rossetti, uma figura multifacetada, "personalità poliedríca", em quem a. multiplicidade de registos discursivos não significa, contudo, dispersão sem unidade. Ainda que não seja possível apurar uma. absoluta linerídade (pela pró­pria natureza do labor filosófico acima exposta), Rossetti aceita para si o desafio de provar que há uma coerência e coesão de fundo entre a multiplicidade de doxal secundárias expostas e o nervo central de Peri Physeos. Como é peculiar à investi­gação de Rosssetti, este especialista encontra, para questões controversas, res­postas por vezes simples, escudadas num. sólido conhecimento da Filosofia Grega: Empédocles é movido pelo desejo dê transmitir, do modo mais completo possível, o que sobre a Physis se conhece. Conforme sintetiza Cerri, na sua nota introdutória tão bem. elaborada, este estudo (p. 18) "è il primo tentativo sistema-

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tico di ricostruire, sulla base di tutta 1'evíderiza disponibile, la struttura tipica dei Peri physeos presocratico".

Como é por demais sabido, o Grego dos Poemas Homéricos, ainda que língua compósita e artificial, justificada pela natureza oral de uma poesia que se foi sedimentando e transmitindo durante gerações sucessivas e por espaços de falar grego progressivamente mais alargados, converteu-se em língua poética por excelência. Torna-se bem visível o quanto lhe deve a poesia coral ou monódica. Ainda a tragédia e a própria poesia helenística a ela recorrem, de acordo com a intencionalidade do poeta, que configura e concatena, na pragmática comunica­tiva os elementos do todo. C. Bordígoni aplica, com toda a pertinência, esta mesma lógica para estudo dos homerismos em Empédocles, da reelaboração da língua de Homero e do que preside a tal reelaboração — a intencionalidade do poeta-fílósofo e a diversidade e dificuldade dos temas a expor. Após um elucida­tivo comentário de passos expressivos de Empédocles, em confronto com os ver­sos ou. hernístíquios ou simplesmente sintagmas de nome e epíteto homéricos que serviram de modelo (ainda que desintegrados e alterados pelo filósofo), Bordí­goni avança para um conjunto de conclusões solidamente fundamentadas (p. 273--280), para rematar com a justa observação de que a crítica aristotélica à lingua­gem de Empédocles é fruto do ambiente cultural e assim, deve ser entendida, como culturalmente datada.

Encerra o conjunto de estudos uma apresentação detalhada do livro de R. Laurentí, Empedocle, Nápoles, D'Auria, 1999, completado e editado a título pós­tumo por C. Santaniello. Coube a F. Alesse proceder a essa apresentação neste volume, o que faz com. clareza e de modo sistemático, que permitem, a quem não pudesse ter acesso ao volume, ter uma ideia clara da sua qualidade e das questões exegéticas sobre os textos de Empédocles e propostas de solução aí expressas.

Segue-se um Index Empedocleus e um Index nominum cuidadosamente elabo­rados.

Este livro oferece, assim, uma série exegese crítica de Empédocles e um conjunto de perspectivas que se complementam e abrem novos caminhos ou retomam, com bom-senso, alguns caminhos já percorridos, e agora aprofundados a nova luz, para compreensão deste Pressocrático, resistindo, os seus autores, à euforia de modismos que sempre invadem, qualquer investigação.

MARIA DO CéU FIALHO

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BlERL, Anton: UOrestea di Eschilo sulla scena moderna. Concezioni teoriche e

realizzazioni scheniche (Roma, Bulzoni Editore, 2004) 281 p .

Esta obra representa a tradução italiana, por L. Zenobi, do original Díe Orestie ães Aischylos auf der modernen Biihne: iheoretische Konzeptionen und ihre szenische Realisierung, Stuttgart/Weimar, Metzler, 1996. Acompanha-a um prefácio de Ml Fusillo. Não se trata, no entanto, de uma simples versão para a língua de Dante de um texto escrito para publicação em 1996. O labor continuado de uma longa recolha de dados e da avaliação das conexões intertextuais com o contexto político-cultural das representações em causa, que contava já cerca de dez anos até à primeira edição, não conhece um fim até à data de entrega do texto de Bierl para publicação em Itália. E essa é uma das características que impressionam, à partida, o leitor; o rigor e a. paixão postos peio autor nesta área de investigação — a da recepção na reescrita cénica do Teatro Antigo —, que, consoante Bierl, sublinha, se impõe, definitivamente, em grande parte devido à obra de H. Flashar, Inszeníerung der Antike. Das griechische Drama auf der Biihne der Neuzeit 1585-1990, Múnchen, 1.991.

A Introdução, que se segue a um curto prefácio à primeira edição, tem. o carácter de uma valiosa reflexão e estabelecimento de pressupostos teoréticos para a abordagem das várias encenações, Bierl dá conta, por um lado, do nexo profundo entre contexto epocal, nas suas diversas dimensões, e motivação para a apropriação de um determinado drama grego e para o modo como essa. apropriação, sob a forma de encenação, é feita; por outro lado, a leitura teórica, quer a que tem sido feita no contexto das Ciências Sociais, quer no das Ciências Humanas, como a Filosofia e as modernas correntes de" Teoria Literária, com. a da "semiótica, dei desconstrutivismo e dei . poststruturalismo, ha contribuito perlomeno a affinare la coscienza delTattuale dípendenza di un'interpretazione o di una messinscena da presupposti ideologici e socio-culturali propri delFinterprete, deilo spettatore o dei regista" (p. 22). Bierl traça, na introdução, as directrizes que irá seguir na leitura das encenações, que apresenta, ao mesmo tempo que traça uma história da abordagem da. Oresteia, a partir do próprio movimento romântico de reconhecimento de uma Europa de nações, da importância da leitura de Bachofen, que vê na trilogia a dramatização de um modelo evolutivo do matriarcado ao estádio superior do patriarcado, e da contraleitura de Engels, assente num modelo de pressupostos económicos. O modelo afirmativo de urna evolução e o modelo anti-afirmativo hão-de prevalecer, até à actualidade, na representação da Oresteia.

Pese embora a admiração pela genialidade de Esquilo, é, todavia, Sófocles o tragediógrafo mais venerado pelos Românticos, sob a influência dos irmãos Schlegel e de Nietzsche. Constitui um marco na história da trilogia, como bem o nota Bierl, a representação de U. von Wilamowitz-Moellendorff e H. Oberlãnder,

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no limiar do séc, XX, de uma Oresteia de pfàdor arqueológico como modelo de pedagogia cívica no contexto prussiano de então. É como contraponto a este conceito que Bierl entende as encenações de Max Reinhardt em 1911/12 e 1919. Num tempo de profunda vitalidade dos partidos populares e organizações sindicais, o encenador confere à representação o carácter de um espectáculo de massas, recuperando a dimensão de festa da comunidade que é inerente ao teatro na polis grega.

Um novo marco é considerado, com justiça, por Bierl: o dos festivais em Siracusa, sob direcção do Istituto Nazionale dei Dramma Antico, retomados em 1948, com a nota de leitura dominante da evolução para a democracia. A ence­nação, no festival, feita por Pasolini/Gassman-Lucignani em 1960 abriu novos caminhos, com a utilização de instrumentos de leitura e meios adequados vindos da própria tradição do teatro popular mediterrânico, conjugados com as inter­pretações de Bachofen e de Engels. Pasolini virá a conhecer uma reelaboração pós-moderna em 1999/2000. Simultaneamente, o espaço germânico do após--guerra era dominado pela interpretação, de dimensão ritualizante e hierática, de Schadewaldt.

Da diversificação de caminhos, quer no espaço de Itália quer no da Alemanha, até 1999, nos dá conta o autor, que sublinha a importância do advento da semiótica e do pós-estruturalismo para a apropriação de uma Oresteia que põe em cena o conflito hodierno da fragmentação do indivíduo.

O autor apresenta, no contexto alemão, a famosa encenação de Peter Sfeín, feita pela primeira vez em 1980 e refeita em língua russa em 1994 (como, de certo modo, contraproposta à encenação de Mnouchkíne), que revela uma atitude de retorno ao poeta, após todos os exageros e experiências cénicas feitas sobre a trilogia. Na encenação de H. Freytag, de 1985, identifica Bierl influência da leitura de Stein (triunfo da democracia), associada à tendência, inspirada em Calenda (1970/71), de gosto pelo recurso a cenografia do teatro moderno. Calenda viria, em 2001 e 2003, a apresentar no INDA uma nova Oresteia, de carácter bem mais tradicional que a primeira.

Bierl dá ainda conta da experiência de R. Castellucci que apresenta uma encenação onde um complexo jogo de intertextos, desenvolvido no âmbito de um teatro experimental, torna extremamente difícil, ao espectador, encontrar sinais que lhe permitam entrar nesse mesmo jogo.

O modo como a História recentíssima pode inspirar novas encenações da Oresteia, documenta-o Bierl com o trabalho de Kriegenburg, representado em. Munique em 2002. Esta encenação lê a trilogia como uma espécie de shoio político da Antiguidade, actualizável, como o pode ser, aos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 e à realidade da guerra do Iraque.

Bierl ocupou-se, essencialmente, das Oresteias alemãs e italianas. Não obstante, considerou oportuno contemplar um exemplo do espaço grego, o da

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encenação de Koun que optou por um clima lúgubre, de estilo bizantino, em 80/82, em tempo de transição incerta, após a queda da ditadura.

Igualmente o fez com. a encenação da austríaca A. Mnouchkíne, de 1990/92, certamente por a considerar um exemplo típico de possibilidades de apropriação de encenação de teatro antigo, com o recurso, criador de estranhamento, à tradição de teatro orientai (Nô, Kabuki, Kathekalí), e também para. melhor compreensão do trabalho de Stein em 1994.

Tendo tido em conta algumas observações feitas à sua primeira edição de 1996, e também a sua experiência académica mais recente, Bierl contemplou, na presente edição italiana, encenações de outros espaços europeus, como a de K. Mítchell, no Natinal Theatre de Londres, 1998, de S. Purcarete, do mesmo ano, em. Craiova, de Lavaudent, um ano depois, no Odéon, em Paris, e onde a experiência de violência no Kosovo e no Ruanda tem eco na peça. Igualmente contempla Bierl uma outra tendência, ilustrada pela Oresteia de C. Bosse/J. Szeiler, representada em Viena - trata-se de teatro experimental, dentro da dinâmica do 'work in progress'.

Finalmente, contempla duas novíssimas Oresteias, em representação em Zurique e Basileia ao tempo de preparação desta edição, como refere: respectiva­mente de Pueher, que joga com diversos intertextos modernos, e de Kúhnel, de inspiração freudiana.

Todo este material é tratado, ao longo do livro, a partir da compreensão de modelos teóricos que o determinaram e da relação de ambos — tratamento cénico e modelos teóricos — com a conjuntura histórica. É assim que Bierl estruturou o seu estudo considerando, num capítulo I, a leitura do modelo evolutivo, afirma­tivo e confirmador de ideologias, retomando e aprofundando, em análise, infor­mações da introdução, e passando, no capítulo III, ao modelo anti-afirmativo. Entre ambos dedica o autor um capítulo às potencialidades do próprio texto de aberturas múltiplas para a multiplicidade de encenações, criando, assim, como dirá no Posfácio, uma espécie de 'never ending story',

O capítulo IV apresenta-nos o trabalho de conclusões a partir do estudo das várias encenações, das quais saliento a verificação de que, inconsciente ou conscientemente, toda a encenação da trilogia está vinculada a um sentido; de que não há representações 'ideais', de acordo com julgamento de critérios de aproximação do arquitexto antigo, pelas próprias condições hermenêuticas de que 'vive' o teatro antigo hoje; de que a falta de unidade de acção, nitidez de retrato psicológico (inacabado) e quebra de espaços se adequam, a representar a laceração tão peculiar ao discurso dramático moderno.

A abordagem do final da Oresteia está profundamente dependente da opção pelo modelo afirmativo ou anti-afirmativo.

Segue-se um Posfácio de tratamento de ciados não contidos na obra original e já contemplados na introdução a esta edição; Posfácio esse que continua a

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reflexão teórica e sistematização do corpo da-tobra - o que ilustra, uma vez mais, o desvelo e rigor postos pelo autor nesta investigação de longo fôlego.

Segue-se um Apêndice de que consta uma imensa e preciosa lista de trata­mentos dramáticos e não-dramáticos da Oresteia ou de peças isoladas, cujo termínus a quo é Oreste, de Alfieri, 1786, até 2004, uma indicação das fontes do material ilustrativo das encenações mais importantes, uma bibliografia cuidado­samente organizada por várias rubricas, que vão desde estudos sobre a Oresteia, sobre o Coro, sobre encenação de drama antigo em geral, até à Teoria Literária e Semiótica Teatral. Após os índices, o livro encerra com uma ilustração fotográfica de várias das representações abordadas, incluindo as mais actuais, de Pucher e Kuhnel.

Este livro representa um. notável contributo para o estudo da encenação contemporânea do drama antigo e para a história da encenação por parte de um helenista que soube ler o registo epocal da encenação e fazer doutrina a partir daí, escudado num sólido conhecimento do contexto de representação na Antigui­dade, mas também no conhecimento da moderna Teoria Literária e Semiótica Teatral, bem como das modernas correntes de leitura do fenómeno dramático por parte das Ciências Sociais. Aquelas e estas interagem, no presente, com. o encena­dor, na sua tarefa. Esperemos que Anton Bierl, em nova edição, alargue o cons­pecto de análise à Península Ibérica, para o que existe, hoje, material de estudo à sua disposição para o poder fazer.

MARIA DO CéU FIALHO

LóPEZ FÉREZ, Juan António (ed.): La tragedia griega en sus textos. Forma (lengua, estilo, métrica, crítica textual) y contenido. (pensamiento, mitos, intertextualiáad) (Madrid, Ediciones Clásicas, 2004) 428 p.

Este livro representa o volume IX da colecção de Estúdios de Filologia Griega, a cujo alto nível científico López Férez nos habituou. O conjunto de ensaios que o integra corresponde, na sua quase totalidade, ao conteúdo das conferências apresentadas na UNED, nas V Jornadas Internacionais Estúdios actuales sobre textos griegos. La tragedia, em. Novembro de 1995, por um elenco de especialistas de renome internacional.

Após a "Nota Previa", da responsabilidade do editor e organizador das Jornadas, os estudos iniciam-se com um trabalho da autoria de A. López Eire, "Sobre la léxis de la tragedia griega antigua", em que o conhecido especialista de Poética e de Retórica parte de uma questão inicial: o que é o adequado (to prepori) da lexis trágica e porquê? Sendo a representação um acto comunicativo, os seus

componentes diversos devem, antes de mais, adequar-se entre si, e o acto cie fala. trágico ser coerente com a dimensão ética, com o patético, o argumentativo, e apresentar-se subordinado às coordenadas pragmáticas que envolvem o trage-diógrafo, o espectador e o seu contexto. Ressalta López Eire, escudado na moderna Fenomenologia, da obra de arte, o factor intencionalidade como aquele que confere coerência à comunicação poética. Por seu turno, a eficácia dessa comunicação mede-se através da sua capacidade de persuasão (o que aproxima Poética e Retórica) por um peculiar prazer, decorrente, como Aristóteles o sublinha, da contemplação da mimese e da apergasia dos vários elementos. Esta. é dada pela intencionalidade do autor.

M. Davies, em "Metaphrasis in Greek tragedy" defende uma sugestiva tese sobre o repetido recurso a temática, mitológica da tradição e à existência abun­dante de intertextos, entre épica e tragédia, lírica e tragédia, repertório trágico já apresentado e novos dramas — será o próprio carácter agonístico das represen­tações que cria o desafio, ao dramaturgo, de tratar material tradicional de novas formas, de modo a jogar com. a expectativa e o efeito de surpresa no espectador e de novidade em relação a textos anteriores. A tese é devidamente ilustrada com exemplos de tratamento do mito dos Atridas nos três tragediógrafos.

I. Rodríguez Alfageme, "Dialectalismos en la tragedia: uso y función" oferece-nos uma excelente reflexão sobre a natureza da tragédia como um acto de culto, razão pela qual o teatro trágico recorre a uma linguagem tjue, para além de cumprir os ditames da verosimilhança e adequação, é importada frequentemente, em casos que o autor exemplifica e comenta (Sete contra Tebas, Rei Édipo, Hécuba), do contexto linguístico dos ciclos épicos e da poesia coral, acompanhada de dança, e, por vocação, ligada, a actos cultuais colectivos. Se o pathos trágico é, por sua natureza, tensão, essa tensão vive na própria língua da tragédia, eco da tensão de duas tendências coexistentes: a da expansão épico-narrativa e a da expressão lírica.

A. Garzya desenvolveu um estudo sobre o Párodo' das Suplicantes de Esquilo, um texto de leitura difícil, quer sob o ponto de vista da crítica textual, quer sob o ponto de vista métrico. É, ainda, a procura da apergasia e da intencio­nalidade que move este helenista na. sua análise e interpretação do Párodo, que identifica, muito oportunamente, constituído em anel e enquadrado por duas preces, o que é perfeitamente adequado à situação. Ainda urna delas, com. o carácter de hino a Zeus, sem epiclase, parecendo interromper o curso do pensa­mento das Danaides, parece querer sugerir que só Zeus é chave de salvação.

Ainda no contexto esquiliano, V. Di Benedetto ocupa-se do Párodo de Agamémnon. O conhecido filólogo centra-se no tão discutido passo do presságio das duas águias que, consoante demonstra/'se organiza de acordo com uma leitura da realidade poética, a que chama "la cellula scíssa", ou seja, o evento prenunciado apresenta duas valências diversas e opostas, sofre de uma laceração

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interna, já existente no que o pré-assinala. Perito vital de sugestão dessa laceração no prenúncio é o estado da lebre prenhe. O mesmo carácter contraditório da realidade está contido rio sacrifício de Ifigénía e sugerido no jogo expressivo protopemon (223)1 mnesipemon (180). A contradição é superada e o círculo fechado em Euménides.

Da autoria de F. Garcia Romero é o estudo do estásimo I de Prometeu, um dos passos de mais difícil compreensão, pela própria transmissão do texto, nesta peça cuja autoria se tem prestado a polémica. Nota o autor de que modo o verbo steno constitui palavra-chave deste estásimo de lamento. Com segurança e acuidade, Garcia Romero procura dar resposta às dificuldades de leitura, em busca da já mencionada apergasia peculiar de uma tragédia conseguida, socorrendo-se da métrica e da sintaxe grega, com. exemplos de construções e ocorrências similares de passos de outros coros esquilianos, nomeadamente dos Persas. O especialista de Baquíiides encontra analogias métricas entre a ode coral. e o epinício 9 do poeta de Ceos. Paralela proximidade do estásimo I de Prometeu com Píndaro e Baquíiides nota-a a fina sensibilidade de Garcia Romero no recurso estilístico à alternância lexical de termos do âmbito semântico de sofrimento no correr da frase poética.

Na sequência da anotação de Kamerbeek à sua edição de Antígona, mas também do livro de Knox, que vê no heroic temper sofociiano a. incapacidade de ceder, C. T. Pabón de Acuna demonstra o que não havia ocorrido a Knox: como essa incapacidade de ceder é particularmente notória nas peças do ciclo tebano.

A investigação da forte presença de um hipotexto esquiliano em algumas das tragédias conservadas de Sófocles tem já dado frutos bastantes apreciáveis, sobretudo no que diz respeito a Electra, o caso mais óbvio. V. Citti foi mais longe: partindo da pertinente observação de especialista em tragédia, sobre o problema cénico levantado pelo grau. de conhecimento do Coro, no párodo de Rei Édipo, de informações recentes, a cujo anúncio não assistiu, mas que o levam a entoar a prece de salvação, repassada pelo pânico, Citti conclui pela existência de um jogo do dramaturgo com o párodo de Esquilo, Septem, tomado como hipotexto, com. o qual se tecem laços de simetria e oposição.

A. Podlecki concentra-se nas "digressões" euripidianas, responsáveis por leituras depreciativas da obra de um. Eurípides, acusado, muitas vezes, de dispersão discursiva. Defende e demonstra o conhecido filólogo, apoiado na moderna linguística e teoria da comunicação, que tais "digressões" fazem parte da pragmática comunicativa do acto de fala da tragédia com o público de então, no contexto da polis em que este se movia, da prática político-judicial que exercia ou a que assistia, dos debates da agora que o apaixonavam e levavam a reflectir.

A compreensão de Eurípides, para além de preconceitos de leitura que se foram instalando, mesmo nos Estudos Clássicos, sobre um tragediógrafo, por vezes desconcertante, ganha nova luz com o estudo do editor deste volume.

J. A. López Férez recupera a intencionalidade do poeta através da investigação do seu. tratamento trágico da figura de Aquiles, setenta e sete vezes citado, quer assuma, o papel de personagem em cena, quer no âmbito do extracénico. O poeta, não hesita em recorrer a estratégias dramáticas e referências esquilianas e sofoclianas, identificadas pela perspicácia e saber de López Férez. Particular atenção dedica o autor à associação de Aquiles a Quíron, o seu tradicional educador, em passos como El. 448-451 ou IA 708-710. Os bons modos, sensibilidade humana e expressão de princípios ético-cívicos, fruto da natureza do jovem mas também da eficácia da sua educação, contrastam com os estranhos versos de IA 973-974: a ideia de Aquiles sobre si mesmo contrasta com a reduzida importância que o exército lhe dá. Se o exército representa, aí, a massa popular, a maioria, é compreensível que a figura do não-demagogo lhe passe ao lado. López Férez conclui, então, que o poeta, ao contrário do que muitos pensam, quis modelar Aquiles como o produto do mais elaborado conceito educacional filantrópico e não individualista, como réplica à pedagogia sofística. Daí a importância de alãos no comportamento do humano filho de Tétis.

A. Esteban Santos apresenta-nos um sugestivo estudo sobre a morte em Eurípides, centrada, essencialmente, em Heraclídas, Suplicantes, Troianas e Fenícias. A autora recorre, para tal, a um método contrastivo que permite apurar dimensões diversas de uma vivência fulcral no teatro trágico.

Para o estudo do frg. 472 Nauck, dos Cretenses de Eurípides, no que ele representa como documento de convicções filosófico-religiosas, Bernabé começa por apresentar, com notabilíssima solidez filológica, o estabelecimento crítico do texto, com respectivo aparato, comentário e tradução. O autor procede, então, com o rigor e conhecimento seus peculiares, à difícil tarefa de cruzar contextos e referências de carácter filosófico da época, testemunhos religiosos sobre matéria tão difícil como o Oríismo, para concluir (p. 286): "en modo alguno nos ofrece Eurípides una arbitraria y mecânica combinación de cultos dispares e incluso contradictorios, tomados de aqui y de allá ... sino que, utilizando una exquisita combinación de recursos poéticos y literários, ...nos traza un quadro coherente, calificable sin ambages y sin reservas como órfico". Reforçado por testemunhos mais antigos ou recentíssimos, o fragmento constitui, inequivocamente, um tes­temunho da presença de seguidores do culto em Atenas e de características desses crentes. A leitura das raízes filosóficas do texto literário, feitas por um reconhecido especialista de Filosofia Grega, permitiram ultrapassar as reservas e algum, acanhamento, em matéria tão difícil e nebulosa, de certa tradição filológica,

O horizonte do pensamento jurídico e da realidade legai da polis constitui um âmbito algo negligenciado da pragmática do acto de comunicação dramática — especificamente, da trágica, para o caso. Tem o trabalho de M. Menu a virtude de recuperar esse horizonte para uma melhor'compreensão da fala de Anfitrião,

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no Furem, especificamente do v, 45: em causarestá a ironia da subversão do ónus de deveres e do fruir de direitos, na existência de uni ancião: a paidotrophia dos filhos de Héracles, que o sobrecarrega numa idade em que tal dever é inusitado, contrasta com a ausência de um apoio a que todo o idoso com descendência tem direito, por lei: a gerotrophía. Esta situação representa uma subversão na existência e na ordem social inerente ao próprio trágico.

O frg. 52 Nauck, do Alexandre de Eurípides, mereceu, da parte de J. Lens Tuero, a atenção e o estudo do que ele documenta sobre a reflexão do dramaturgo em relação aos tempos conturbados da. Guerra do Peioponeso. Fulcral, no texto estudado, é o conceito de eugeneia, centrado na contraposição physisl nomos. Segundo Lens Tuero, Eurípides propõe um retorno à natureza. Esta tendência do Zeitgeist encontra expressão em Tucídides, II e na Constituição dos Atenienses do Pseudo-Xenofonte.

W. Biehl apresenta um estudo dentro de um âmbito que lhe é particular­mente grato e familiar — a métrica do texto dramático. É, pois, uma sólida análise descritiva da configuração das partes em. trímetro iâmbico de íon, para daí extrair conclusões sobre a métrica como suporte que sublinha a dimensão expressiva do discurso trágico, que podemos seguir neste ensaio.

Como comentário intertextual assume L. Gil o seu estudo de isoles em. Fenícias, 5.28 sqq., dentro da moderna consciência da. dimensão política da tra­gédia grega, e do seu vínculo ao contexto epocal, a que não é alheia a intencionalidade e intenção comunicativa do dramaturgo. Lendo Fenícias na sua dimensão intertextual em relação a Sete contra Tebas, e como tratamento reflexivo do tema de Septem, Gil sublinha que Esquilo nos apresenta o drama de uma cidade cercada e Eurípides aponta para a possibilidade de uma solução pacífica para o conflito. A argumentação de Jocasta, construída sobre a noção de isoles, apresenta dela uma dimensão cósmica e outra cultural (actualização possível do binómio physisínomos) — são seus componentes a isegoria e a isonomia, pelo que supõe uma associação à justiça. Aduzindo passos do Menéxeno de Platão, Gil extrai a sábia e perspicaz conclusão de que Fenícias, provavelmente compostas em 409 a. C , constituem uma advertência contra os perigos da oligarquia no poder.

Detemo-nos, com prazer, no ensaio crítico-reflexivo de J. Portulas sobre Dioniso e o teatro, a. propósito de Bacantes, que o mesmo é dizer, Dioniso como deus da. subversão, da alteridade que desafia o institucional, o quotidiano e, contudo, tem a capacidade de confirmar identidade, através da expansão de uma autoconsciência crítica, alcançada a partir das emoções, afins a uma experiência do sagrado, que a representação trágica do mito desencadeia no espectador. Portulas parte de uma reflexão crítica, apoiada num notável domínio do conhecido helenista da Filosofia e Hermenêutica contemporâneas, sobre a com­preensão de Dioniso radicada na leitura de Nietzsche, que o mesmo é dizer, sobre

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as origens do teatro em associação (ou não) ao deus. Da associação de Dioniso com a morte (cita Heraclito 22B 15 DK), o Além., o domínio do ctónio e a asso­ciação com o culto de heróis locais, Portulas retoma, com definitiva consistência, a compreensão do deus como a divindade da transgressão da transposição de limites e do correlativo jogo de alteridades que constitui a mesma natureza do espectacular. Particularmente cativantes são as páginas dedicadas à configuração da máscara em paralelo com a natureza da manifestação do deus, que irrompe para um encontro frontal: a máscara tem rosto, não tem costas. Tal como o deus, é presença-ausência, ruptura e diversidade em relação ao quotidiano, multiplicação de alteridades, tal como a experiência dionisíaca. Em Bacantes, a intervenção do deus traduz-se na experiência humana de ver, ainda que uma realidade desdo­brada (os dois sóis), olhar, e ser visto, como objecto do espectáculo. É o deus que aí encena, e conduz o espectáculo. No corte com. o 'ver' normal e na subversão de categorias, com a sua alteridade radical, a sua quebra de mediações familiares e a anulação de diferenças, Dioniso desafia, como afirma Portulas, a capacidade do mito para mediar contradições — essas contradições em que reside a tensão do trágico inerente à condição humana.

Segue-se um sucinto trabalho de A. Martínez Díez sobre a colecção de fragmentos do Meleagro de Eurípides. Com a apresentação de cuidadosa tradução cios fragmentos, Martínez Díez procura encontrar um fio ordenador do texto fragmentário que, com a ajuda de referências épicas ao mito, bem como da tradição lírica e trágica, possa reconstituir a acção da peça. Apura o autor a existência provável de oito personagens no drama, para além do protagonista que lhe dá o nome.

Os dois estudos finais têm como objecto textos trágicos já não pertencentes à época clássica: o famoso ítalo Gallo apresenta um estudo sobre o frg. 6 Sn.-K de Mósquíort, de que apresenta edição crítica, comentário filológico e tradução, para. passar à sua apreciação filosófico-literária: trata-se da parte inicial de uma rhesis, proferida por personagem não identificada, sobre o progresso humano. E notória. a influência do Grego de Eurípides, bem como de poetas alexandrinos, como Apolónio e Calímaco, assim como o domínio da métrica, visivelmente elegante. Como testemunho de pensamento sobre o tempo humano, a visão do poeta, segundo I. Gallo, é laica e racionalista. O outro estudo, de E. A. Ramos Jurado, tem como objecto a tragédia Êxodo, do judeu helenizado Ezequiel. Este autor, que compôs outras tragédias, põe Moisés em. cena, como personagem que profere um prólogo expositivo dos antecedentes da acção, à maneira de Eurípides. O Grego é imitação do Grego cia tragédia ática do séc. V, embora com traços linguísticos do próprio tempo. Também neste caso é notório, como o sublinha justamente Ramos Jurado, como o mito e a sua dramatização estão intrinsecamente ligados a uma consciência étnica e ídentítária do dramaturgo, que o autor do ensaio situa nos tempos de diáspora.

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López Férez acrescenta ao conjunto detestados — o que muito valoriza o volume e as possibilidades de consulta — um cuidadoso index locorum cie autores antigos. Pela alta qualidade dos trabalhos e amplitude de campos contemplados, dentro cia tragédia grega, esta obra é de leitura utilíssima, para estudos de teatro e pensamento grego, e deve fazer parte de uma boa biblioteca cie Estudos Clássicos.

MARIA DO C é U FIALHO

L E ã O , Delfim F.; ROSSETTI, Livio e F IALHO, Maria do Céu G. Z. (eds.):

Nomos. Direito e sociedade na Antiguidade Clássica - Derecho y Sociedad

en la Antígúeâad Clásica, (Coimbra e Madrid , Imprensa da

Univers idade de Coimbra - Ediciones Clásicas, 2004) 367 p .

ISBN 972-8704-24- 0 (Portugal) / 84-7882-550-9 (Espana).

Estamos ante un libro ciertamente muy importante para el mejor eonocímiento de la 'juridicidad' dei mundo antiguo, ai que tanto debe el nuestro. justamente en su portada nos es dado contemplar, para que vayamos haciendo boca, la fotografia de un detalle de la inscripción dei Código de Cortina (redactado en la Creta siglo V a. J. C) , ese extraordinário código legal tan antiguo y en. tantos detalles tan novedoso y tan 'europeo' ya, La fotografia de la portada es, pues, premonitória.

En efecto, todo el contenido de este precioso e imprescindible libro se inscribe en un programa de investigado!! que se propuso el Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Faculdade de Letras titulado Génese e Desenvol­vimento da Ideia de Europa, Raízes de Identidade,

En la Europa en que vivimos, cuya identidad está, por desgracia, ai dia cie hoy, en innegable crísis, nada mejor que este libro para repasar los conceptos cie twmos o «juridicidad», que son hallazgos de la cultura clásica que perviven plenamente en la actual cultura europea.

La «juridicidad», la «politicidad», la «sociabilidad», ia «eticidad» dei ser humano fueron descubiertas y estudíadas por los antiguos griegos y romanos, ai igual que la «retoricidad», la «ficionalidad» y la «poeticidad» dei lenguaje, esa capacidad dei hombre que responde a su indiscutible esencia de animai político--social provisto de capacidad simbólica. Los antiguos griegos presentaron ai hombre como animal político-social que emplea lenguaje. Todo lo demás - incluída la «juridicidad» - deriva de esta sustancial definición dei hombre.

El libro se abre con una estupenda y necesaria introducción, a cargo de José de Faria Costa, precisamente sobre el concepto de «juridicidad».

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El concepto de «derecho» en la mentalidad de los antiguos griegos ti ene sus raíces en la dívisión de los terrenos de pasto que es típico de las sociedades primitivas, lo que va a dar lugar ai nomos, "la ley consuetudinária y aceptada por­ia comunidad que afecta a la repartición de parcelas para el pasto o «pastizales» (nomoí)", frente a la physis, que designaria todo aquello que nace y crece espontaneamente sin mediar el acuerdo prévio de Ia sociedad. política humana. Así, se puede decir que determinadas plantas nacen y crecen por naturaleza (physei) en específicos parajes, mientras que una parcela para el pasto o «pastizal» (nomos) le corresponde por corwención (nómoi) a una determinada família o clan en virtud cie la ordenación ciei espado y dei ti empo establecido por una comunidad político-social humana.

El concepto de nomos prefigura el concepto de un derecho comunitário real, espacial y temporal que se opone a la utopia (el derecho consuetudinário de "un lugar que no es lugar" que no es lugar, como dirá Platón en la República) de Tomás Moro o Campanella.

La marcha de la cultura va de lo concreto a lo abstracto, dei «pastizal» o nomos regido por el nomos primitivo ai ente de ficción de la utopia renacentista ya bosquejada en ese libro clave de nuestra civilización que fue la República de Platón. Entre el nomos y la utopia se desarrolla toda la doctrina sobre la «juricidad» que poseemos, que, en buena parte se ha formulado y elaborado, en el marco de la cultura gxeco-latina,

Hoy dia, siguiendo el pensamiento que los griegos nos dejaron en herencia, deberíamos tratar de inventar un nuevo nomos, real y espacial, una ley consuetudinária mundial que se ejerciese sobre un amplísimo número de «pastizales» (nomoí) y que, en consecuencia, trascendiendo las fronteras de la ciudad-estado, de la polis, Uegara a ser un. nomos mundial, el nuevo nomos cie la «aldeã global» de MacLuhan, el nomos de la globalización en que vivimos.

Nunca, en efecto, han estado tan juntos los «pastizales» o nomoí sobre los que imponer el nomos, pues un cam.ell.ero dei desierto de Gobi puede enterarse, con inmediatez absoluta ai momento cie su publicación, dei nivel akanzado dia a dia por ias cotizaciones de la Bolsa de Nueva York. El problema es que ai camellero dei desierto de Gobi no le sirve para nada esa información, También el juez Garzón podria castigar los delitos de lesa humanidad perpetrados por los dictadores en los más remotos «pastizales» (nomoí). El problema es que los dife­rentes «pastizales» (nomoí) acepten el mismo "uso consuetudinário previamente pactado" (nomos).

Los romanos, en época republicana, unificarem un nomos para todos los nomoí de los territórios itálicos (así se explica la influencia de las Tabulae Iguvinae sobre las Leges XII Tabularum), incluso las antiguas colónias griegas (algunos conceptos y, por tanto, palabras de la «juridicidad» romana son griegos), y luego,

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en el. Império, los «juristas» pensaban el derecho y simulaban hablar «en nombre de la autorídad dei príncipe» (jus respondendi ex auctoritate principis).

Esta tradición de "pensar el derecho" se interrumpió en Occidente por la invasión de los Godos en el siglo V d. C , pêro continuo en Oriente, donde Teodósio II mando componer un código e incluyó los estúdios de derecho en Constantinopla (425 d. C) .

Y, luego, casi ciei! afíos más tarde, un nuevo código, el Código de Justiniano (Codex, Digesta o Pandectae e Instituciones), logro condensar y ordenar en forma manejable y coherente toda la legislación romana.

A partir dei siglo XI d, C. ese código, que destellaba racionalidad y por tanto adquiria prestigio por doquíer, fue la base judicial y administrativa de Europa.

Así fue y esto no se puede negar. Por tanto, en el análisis de nuestras raíces clásicas, no podemos olvidar el peso específico y definitivo dei Derecho romano sobre la Historia de Europa, que es una de las más valiosas herencias que hemos recibido dei mundo clásico. Seguimos siendo, por tanto, todavia, en lo que a estos conceptos se refiere, griegos y romanos.

Muy útil es, pues, esta refrescante introducción de José de Faria Costa. El siguiente capítulo, un artículo de Alberto Maffi, nos ofrece una magnífica

y sumamente útil bibliografia actualizada y a la vez crítica dei derecho griego. Parte, en su relación, cie los trabajos de la muy meritória Gesellschaft fiir griechische imd hellenistische Rechtsgeschichte y, trás ofrecernos en bosquejo una breve historia de la revista Dike, fundada en 1998 por Eva Cantarella y el propio Maffi, llega ai punto más moderno de su repaso histórico, a saber, el constituído por los recientes puntos de vista y novedosas tendências adoptados por investigadores anglosajones sobre derecho griego, entre los que se encuentra M. Golden.

Este investigador se aproxima ai derecho griego considerando que la ley griega era un autêntico discurso de vigência socio-polítíca («law as parallel discourse»), un "documento productivo" pues atribuía distintos tratamientos a diferentes tipos de ciudadanos («law as productive discourse») y un. discurso permeable («law as permeable discourse»), pues la ley griega no era una esfera separada de la sociedad en la que imperaba sino más bien estaba organicamente integrada en ella y fuertemente influenciada por otras áreas de la vida social.

Livio Rossetti, seguidamente, trata por extenso de la literatura jurídica ática sin limifarse a las obras dei género atribuídas a Aristóteles y Teofrasto. Las grandes compilaciones dei siglo IV a. J. C , como las de Teofrasto (Nómoi katà stoicheion, en 24 libros, Nómon epitomé, en 10 libros, Peri ton paranómon, Peri ton adikemáton, etc), presuponen la existência de tratados más. o menos homogéneos sobre problemática jurídica. No hay más remédio que darle la razón de manera absoluta y sin condiciones.

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En realidad, Aristóteles y Teofrasto partíciparon en. la sistematización de doctrinas políticas preexistentes. Esto parece claro. En el libro IX de Las Leyes de Platón se perciben, en efecto, referencias inequívocas a libros y discursos compuestos por legisladores sobre cuestiones jurídicas y de legislación, o sea, toda una literatura jurídica secundaria denominada, muy ai modo griego, íà peri nómous.

Justamente, a mediados dei siglo IV a. J. C. tuvo lugar en Atenas una imponente oferta de textos jurídicos que culmino en dos compilaciones monumentales, a saber: la serie de las Politeíai coordinadas y en parte redactadas por Aristóteles (no todo en la «Constitución de Atenas» es de Aristóteles mismo, sino que tal vez la mayor parte parece ser obra de un discípulo dei Estagirita), y los teofrasteos Nómoi katà stoicheion, en 24 libros.

En. este magnífico trabajo Rossetti nos exhorta, con todo fundamento, a llenar un capítulo de la literatura griega que aún está por escribir, el de los escritos sobre temas jurídicos (tà peri nómous), que configurai! toda una autêntica literatura legal.

No menos interesante es el artículo de P. J. Rhodes, que va en. la misma dirección establecida por Rossetti. A su juicio -y muy razonablemente, a nuestro parecer-, con anterioridad a la Athenaíon Politeía, que tal vez -como ya hemos adelantado- no procede dei cálamo dei propio Aristóteles, hubo un trabajo anterior de similar propósito histórico-jurídico que versaba sobre la obra legislativa de Solón.

El tratamiento que se hace en Ia Athenaíon Politeía de la figura de Solón. presupone, ciertamente, la existência de una fuente común a este libro y a. otros tratamientos de la figura dei gran estadista y poeta, una fuente que tuvo fácil acceso a los poemas y las leyes dei gran legislador ateniense.

Eva Cantarella traza un bonito cuadro de las instituciones políticas y de los conceptos y usos legales que afloran en los poemas homéricos, estableciendo una clara separación entre el mundo jurídico de la Ilíada, donde la atmosfera rebosa 'plazas fuertes' (ptolíethra) y 'tributos' (thémista) que hay que pagar, y donde está por siempre presente la inferioridad de los bastíeis frente ai ivánax, todo lo cual recuerda todavia de algún modo et mundo mi cénico, y el de la. Odisea, poema en el que ya hay póleis y por lo tanto de alguna manera se prefigura "Europa"; un mundo en el que ya asoma decidida y claramente el concepto de 'respon-sabilidad' y en el que se concede el perdón a quien -como el aedo Femio- ha obrado obligado por la fuerza dei más fuerte, dei poderoso, de quien ostenta el poder.

En la Odisea, frente a lo que comprobamos en la Ilíada, hay reyes ancianos, como Laertes el padre de Odiseo, que, aún siguiendo vivos, han cedido el cetro y el trono a sus hijos. En la Odisea hay ya más 'polis' y más 'derecho constitucional' y más 'Europa' que en Ia Ilíada.

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I, Grethlein nos ofrece una interpretaeión interesante cie Las Euménides de Esquilo a la luz de la Antropologia legal. No se representa en esta tragedia -como se nos solía explicar- el paso de la vendetta a la ley autónoma, sino más bien el muy conocido status, o 'situacióin factual' en todos los estados, de la conexión de la íey con ia política, para lo que se rios ofrece la contemplación de Orestes absuelto trás un proceso en el que se yuxtaponen ias Erinias y Apolo.

Extraordinário por muy atractivo y sugerente es el trabajo de Maria do Céu Fialho, en el que nos hace ver ai Creonte de la Antígona no como un héroe trágico, sino como la encarnación de las paradojas dei nomos, de la ley positiva y tradicional, pues ai desoír sus obligaciones como agkhistéus, cie pariente mis próximo, respecto dei muerto de su família, y de epiklêros respecto de Antígona, adquiere la mancha religiosa (miasma dei miástor que contamina peligrosamente toda la ciudad, justamente lo que él, paradójicamente, queria evitar con el cumplimiento estricto de la ley).

La heroína de la pieza es Antígona -solo ella es la heroína de esta admirable pieza dramática-, y Creonte no es más que el paradigma de como ia falta de respeto por el sagrado património y por ia casa (oikos), que son realidades naturales anteriores a ia ley de la ciudad-estado, le conduce inexorablemente ai error y ia mancha {miasma), que era justamente lo que a toda costa queria evitar con el estricto cumplimiento de la ley (nomos). La ley, por tanto, es un arma de doble filo que puede resultar nociva en su aplicación estricta.

Martha Patrícia Irigoyen Troconis, en un artículo interesante que se lee con provecho nos muestra el contraste entre oikos y polis partiendo de la doctrina aristotélica que hace de la primera (el oikos) la célula o elemento fundamental de la configuración de la segunda entidad.

Resulta que en el oikos, en la «casa familiar» es, frente a lo que ocurre en la ciudad-estado o polis, donde la. mujer ateniense tenía adquiridas una especial presencia y autoridad, así como cierto indiscutible protagonismo.

Las relaciones conyugales y paraconyugales se examinan en este trabajo desde la perspectiva dei oíkos, donde, a diferencia de la vida dei varón, que giraba preferentemente en torno a la polis, se desarroílaba la vida más sacrificada y oscura (ai menos, desde el punto de vista político-social) de la mujer.

Seguidamente, Inês Calero Secall, especialista insigne y muy solvente en las Leyes de Cortina y en todo lo que hoy se denomina genericamente «Estúdios femeninos», tan en boga en Europa y en América, nos ofrece un interesantísimo panorama sobre ciertos derechos femeninos de sucesión, que eran más amplios en Cortina que en Atenas, si bien, por lo general, los derechos de herencia eran descaradamente un privilegio de la masculinidad. Los datos por ella presentados y las interpreta clones ofrecidas convierten toda su exposición en inobjetable.

Viene a continuación un bien concebido y bien expuesto trabajo de Mariateresa Galaz sobre los delitos sexuales en la Atenas clásica, en el que la

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autora pone de relieve que en. realidad estos se consideraban perpetrados contra el ki/ríos o "responsable de la "casa familiar" u oikos.

Cuando la mujer recupera el control de su vida sexual y se hace cómplice dei "adúltero" (moikhós), se le aplica sin contemplaciones la ley atribuída a Solón que cita Esquines (1, 183), por la que a la malhadada adúltera se la aísla para que no corrompa a las demás mujeres, las mujeres consideradas honestas, y su ejemplo pernicioso no cunda en la comunidad.

Un artículo que realmente llama la atención por la exactitud y la akríbeia de la que hace gaia el autor es el de Delfim Leão sobre la inseparable unión de derecho y religión que se deduce dei examen atento dei concepto de asébeia en general y dei sacrilégio en particular.

Ya para Aristóteles la asébeia consistia en tener un mal comportamiento con los dioses, la família (en especial, los padres), los muertos y la pátria.

Fero hay más: examinando el proceso dei 399 a. J. C , en el que se vio envuelto Sócrates, y los escândalos de la mutilación de los «Hermes» y la parodia de los Mistérios de Eleusis, ligados a la controvertida figura de Alcibíades, y recordando el precedente concepto de asébeia, llegámos a la conclusión - sabiamente conducidos por la mano dei autor - de que en el organismo o ente orgânico que era. la polis o «ciudad-estado» de la Greda, de época clásica, las dimensiones religiosa y socio-política estaban tan relacionadas y conectadas una con otra que formaban un nudo inextricable cuyos componentes no se pueden separar ni distinguir nitidamente por si solos.

Hoy ese inundo que nos dibuja el autor de este artículo nos puede parecer extraho a nosotros, a nuestros conceptos y convicciones, pêro, si somos rigurosos, tenemos que admitido sin reservas.

Otro muy preciado helenista dei Departamento de Estúdios Clásicos cie la Universidad de Coimbra, José Ribeiro Ferreira, dedica su atención ai interesante tema dei concepto de la proxenía y la figura dei próxeno.

En. el nuevo marco de la polis, la proxenía nace como derivación directa de las relaciones de hospitalidad entre las famílias, la xenía, de la que se jactan Glauco y Diomed.es en un inolvidable pasaje de la Ilíada.

El concepto de proxenía, que acompana inevitablemente ai surgimiento de la ley internacional y el desarrollo de nuevas instituciones, alcanzó su punto culmi­nante durante los siglos VI y V a. }. C , en los que la institución. de la proxenía, encar­nada en la persona dei próxeno, íue fomentada notoriamente por las hegemonias.

Atenas -sin ir más lejos- se aprovechó visiblemente de esta institución, manteniendo a través de sus próxenos relaciones y lazos de amistad cordiales con las facciones democráticas de las ciudacies aliadas o pertenecientes a la Sínmaquia ático-délica.

Atenas se valia de los próxenos para ejercer influencia y ganar domínio sobre las ci.iidad.es con ella aliadas.

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El cargo de próxeno, hereditário y honorífico como era, aparejaba derechos y deberes semejantes a los dei actual cônsul, si bien este último suele, en nuestras comunidades actuales, ser extranjero, concretamente de la nación que representa, rnientras que el próxeno siempre era ciudadano de la ciudad en la que ejercía su representación y siempre podia ser relevado dei cargo por esa misma ciudad--estado.

En cualquier caso, no se puede negar que la figura dei próxeno contribuyó a que se dieran los primeros pasos en las relaciones internacionales, en las gestiones diplomáticas y Ia legislación y el derecho internacionales y este hecho es sumamente importante. Estupendo y provechoso artículo, por tanto, el de José Ribeiro Ferreira.

SIgue el trabajo de E. M. Harris, único en su género, en el que se nos demuestra hasta qué punto en los procesos áticos se posibilitaba la lectura «abierta» de un texto legal, pues se reconocía la «textura abierta» {open textura) de las leyes. Por eso a veces da la impresión de que, en los tribunales atenienses, tenían mayor vigência las interpretaciones y las lecturas tradicionales de las leyes que las leyes mismas aceptadas en su estrícta literalidad.

Fero no es cierto, en cambio, que las leyes atenienses solo se refiriesen a cuestiones administrativas y no afectase a los contenidos, por lo que el debate de las partes quedaba ai arbítrio de los contendíentes, que se enfrentaban como dos aristocratas en el campo dei honor o en la arena dei estádio para pruebas atléticas.

Tampoco se puede admitir, como hatían H. J. Wolf y H. Meyer-Laurin, que las íeyes atenienses estuvieran tan bien pergefiadas y claramente redactadas que resultara dei todo inútil una interpretación de ellas. Esto tampoco es cierto.

Por tanto, se importe, como nos alecciona E. M. Harris, el autor de este trabajo, titulado "More thoughts on open texture in Athenian Law", que .los litigantes en un proceso eran siempre conscientes de la «textura abierta» de Ias leyes atenienses y hatían el pertinente uso de esta peculiaridad, procurando no salirse de los presupuesto básicos implicados en ellas, pêro aun así sin dejar de interpretarias en forma más o menos libre, lo que a veces inevitablemente conducía a la interpretación errónea de ellas. Las leyes atenienses, como las nuestras, no estaban exentas de pasajes ambíguos o abíertos a contrarias lecturas.

Por otro lado, los jurados se alineaban siempre con los litigantes que interpretaban las leyes de la manera más directa, clara y tradicional.

Así resulta que, en la Grécia de época clásica, rnientras que los magistrados estaban abiertos a aceptar casos presentados por unos acusadores que a veces interpretaban muy laxamente la ley, los jurados, en cambio, daban por lo general su. voto absolutório a aquellos acusados que se defendían interpretando la ley de la forma más tradicional, consuetudinária y literal posible.

AI cambiar los tiempos, cambian las costumbres y los usos, y, con ellos, los procedimientos judiciales. Este es un hecho indiscutible.

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Así lo pone de manifiesto Marti Durán, que nos ofrece un pormenorizado y muy estimable estúdio de la institución, preferentemente de época Helenística,

consistente en nombrar jueces extranjeros para zanjar disputas surgidas entre

estados. Basándose en interpretaciones derivadas dei estúdio atento de material

epigráfico, nos ofrece un análisis detallado de este tipo de procesos legales, atendiendo sobre todo a como se les solicitaba la intervención a los referidos jueces extranjeros, que tipos de casos se ies asignaba, qué clase de procedimiento empleaban ellos para resolverlos, con qué grado cie libertad contaban para zanjar las disputas, etc.

El volumen se cierra con dos contribuciones acerca dei tema de la recepción de Ia cultura jurídica griega en el mundo romano.

José A. Segurado Campos aborda el tema dei origen y la génesis de las leyes de las Doce Tablas y, mediante una argumentación irreprochable, nos convence ai mostrar que no se puede decír que estas Leyes romanas sean. el resultado de una mimesis o copia imitativa de la legislación de Solón, sino, más bien, pensar que proceder, de un esfuerzo por adaptarse a otras legislaciones contemporâneas, entre Ias cuales fíguraban las griegas (la de Solón de Atenas, Zaieuco de Locros, Carondas de Catana o las Leyes de Cortina) - así se explicarían prestamos linguísticos dei gríego en latín, como ãolus o poena - y también las Tábulae Iguvínae, inmersas en el dominio linguístico umbrio/lo que explicaria la presencia de tantas y tantas estructuras ideológicas y estilísticas idênticas en las Tabulae Iguvínae y Ias Leges 'XII Tabularam.

Finalmente, con broche de oro, cierra. este volumen Francisco Oliveira, aportando un convincente artículo en el que demuestra que Cicerón, ai tratar de Ias formas de constitución. política, deliberadamente no sigue a pies juntillas los modelos griegos, pues evita los helenismos (a excepcion de la voz tyrannus) y se esfuerza por mantener una falta de uniformidad tanto en el dominio de la expresión de las ideas dei Estado, la organización política y la constitución, como en Ia expresión de las alternativas para indicar las três formas buenas y las três formas malas de cada constitución simple.

Es claro, pues, que Cicerón en De Republica, si evito copiar literalmente los nombres y conceptos de la doctrina referente a la tipologia de las formas de las constituciones, heredada de Platón, Aristóteles y Polibio, logro, no obstante, repro-ducir la misma riqueza, vacílaciones, variedad y limitacion.es que están bien. pre­sentes en los originales griegos que le sirvieron de fuentes. Es un excelente artículo.

En suma: Este es un libro indispensable, que no puede faltar de la biblioteca de un clasicista, un libro que hay que leer y que se deja leer, pues su contenido es sumamente enriquecedor. '

Felicitamos, por consiguiente, a los editores, Delfim F. Leão, Lívio Rossetti y Maria do Céu G. Z. Fialho, ai Departamento cie Estúdios Clásicos de la

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Universidad de Coimbra y a los autores dg tan estupendos y bien realiza­dos trabajos como lo son, realmente, todos los de este libro tan afortunado y singular.

ANTóNIO LóPEZ EIRE

PÉREZ JIMÉNEZ, Aurélio; FERREIRA, José Ribeiro e FIALHO, Maria do Céu

(coordinadores): O Retrato e a Biografia como estratégia de teorização

política (Coimbra e Málaga, Imprensa da Univers idade de Coimbra -

Univers idad de Málaga, 2004), 288 págs, ISBN 972-8704-25-9

(Portugal) / 84-608-0166-7 (Espana).

Estamos ante un excelente ejemplo de los logros que se pueden alcanzar mediante una fructífera colaboración entre las Universidades ibéricas, cuyos lazos afortunadamente se estrechan cada vez más en todos los terrenos de cooperación. Los coordinadores han llevado a la imprenta el fruto de una estúdio enfocado con un critério que unifica el rigor en el análisis de textos de diversas épocas (partiendo dei Mundo Antiguo) con la perspectiva dei valor de pervivencia de unas líneas de pensamiento a lo largo de los siglas. Según la definición de sus editores (PéREZ JIMéNEZ, A., RIBEIRO FERREIRA, }., FIALHO, Ma DO CéU) en el

Preâmbulo (pp. 7-8) "é objectivo deste volume (...) focar alguns exemplos, desde a origem greco-latina até à modernidade, de um recurso expressivo de cariz poético-político que constitui uma das múltiplas linhas de força da linguagem cultural europeia de matriz clássica" (p. 8).

El volumen se compone de los trabajos que a continuación resumo de modo mucho más breve de lo que cada uno merece.

RUSTEN, J., "Péricles in Thucydides" (pp. 9-22): El retrato de Péricles está lejos de ser una biografia (está condicionado por la técnica dei relato histórico), pêro gana en el hecho de que le dota de tal grandeza histórica que le convierte en un referente "universal." más acorde con la definición aristotélica de la poesia que de la historia (preocupada dei detalle pequeno).

SILVA, Mâ DE FáTIMA, " O S Cavaleiros de Aristófanes. Um padrão de carica­tura biográfica do político" (pp. 23-36): Perfecta demostración de la existência de un patrón o paradigma biográfico detrás de las sucesivas apariciones dei salchichero y dei Paflagonio, adaptado a las necesidades paródicas y cómicas dei género.

CALVO MARTíNEZ, J. L., "Oratória y biografia, El retrato de Alcibíades en Lisias e Isócrates" (pp. 37-48): Demostración impecable de como el discurso de Lisias es el "contramodelo" dei retrato que aparece en Isócrates.

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PéREZ JIMéNEZ, A., "^Las Biografias de Plutarco como médio de propaganda imperial?" (pp. 49-64): Convincente propuesta (mediante un riguroso análisis) cie ver en ia presentación de determinados personajes biografiados por Plutarco íos modelos de virtudes que deben adornar ai emperador, muy acorde con la imagen "ideal" de un Trajano.

DE SOUSA PIMENTEL, Ma CRISTINA, "Virtus ipsa, O retrato literário nos Annales de Tácito" (pp. 65-82): Demostración de la maestria de Tácito en retratar el. proceder (coherente e irreprochable) de Tráseas Peto como ejemplo tanto de conducta intachable como de las dificultades para sustentar opiniones contrarias a la voluntad imperial en el ambiente senatorial de la época de Nerón.

LOPEZ BRANDãO, J.L., "Retratos dos Césares em Suetonio: do eidos ao ethos" (pp. 83-114): Sobre la. estrecha relación, en los retratos de Suetonio, de su descripción dei físico y de los diversos caracteres de los personajes retratados por Suetonio (tanto en lo positivo como en lo negativo).

DE OLIVEIRA, FCO., "Biografia dos Imperadores em Plinio-o-Antigo" (pp. 115-130): Análisis sistemático de corno Plínio deja ver su vena de historiador en los diversos retratos biográficos que encontramos en su obra enciclopédica, siguiendo pautas de la técnica biográfica más pura (físico, formación y cultura, 'entourage', prodígios y similares y vidos y virtudes).

REBELO, A. M. R., "A estratégia, política através da hagiografía" (pp. 131--158): Estúdio concienzudo de los diversos rasgos que emparentan a. la hagio­grafía Cristiana con otros géneros antiguos y de su puesta ai servido de las estratégias políticas de los diferentes momentos históricos.

MARNOTO, RITA, "II Príncipe ou De principatibus de Niccolò Macchiaveli. O príncipe novo que parece antigo" (pp. 159-180): La autora muestra como, en progresivo distanciamiento de la literatura de specula tradicional, Machiavelli (Machiavelo) traza el perfil de un gobernante que, aunque sea joven, si sigue los exempla presentados, puede parecer (pêro solo eso), más anejo (teniendo en cuenta que el De principatibus está dedicado a Lorenzo de Mediei el Joven).

CASTRO SOARES, NAIR DE NAZARé, "O retrato do Príncipe como estratégia

política e modelo educativo no Renascimento" (pp. 181-230): La autora nos obsequia prácticamente con una monografia (60 páginas) que sigue los diversos planteamientos de ia figura dei príncipe en los textos más significativos dei siglo XVI, tanto la tratadístíca, como la literatura en. prosa o la poesia, con referencia a las circunstancias históricas o locales que coindicionaban el diverso enfoque.

SANTANA, Ma HELENA: "Retrato e anti-retrato: O grande homem em Eça de Queirós" (pp. 231-242): El concepto de 'gran hombre', de tanto peso en la historiografia ciei XIX, fue sometido a la punzante vísión de Eça de Quierós con fria crueldad, en verdaderos "antiretratos"''v-d.e los personajes estudiados o presentados por él y que recopila, con agilidad la autora, que sabe hacernos apreciar la aguda ironia dei personaje.

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CATROGA, F,, "O magistério da História e a exemplaridade do 'grande homem'. A biografia em Oliveira Martins" (pp. 243-288): Excelente revisión de la concepción histórica y dei pensamiento de Oliveira Martins, quíen, junto ai análisís de las "grandes tendências universales de Ia historia", tampoco descuido la referencia a indivíduos que entraban en el concepto de "Gran Hombre" y que ilustraban igualmente sus princípios.

El perfil que resulta de este retrato es el de una excelente obra sobre un tema. planteado de forma muy inteligente. También se desprende de su lectura y de su edición, como sehalé ai comienzo, una reflexión sobre los excelentes frutos que pueden surgir de la feliz colaboración entre ínstituciones universitárias, en este caso (y no es casualidad) portuguesas y espafiolas. La abierta y generosa actitud dei Instituto de Estudos Clássicos de la Universidad de Coimbra y de la Imprensa Universitária, correspondidos por la Universidad de Málaga, lo han hecho posible. Es un camino que hay que seguir y, como en el caso de la biografia, un exemplum y un speculum Universitatum,

EMíLIO SUáREZ DE LA TORRE

PIMENTEL, Cristina de Sousa; L E ã O , Delfim F. e B R A N D ã O , José Luís L.

(coords.): Totó notus in orbe Martialis. Celebração de Marcial 1300 anos

após a sua morte (Coimbra e Lisboa, Instituto de Estudos Clássicos da

Univ. de Coimbra e Depar tamento de Estudos Clássicos da Univ. de

Lisboa, 2004) 326 p p . ISBN 972-9057-20-6.

Abre este livro que tenho nas mios um epigrama de Marcial (X 24), no qual o poeta de Bilbilis comemora o seu aniversário, em. concreto o quinquagésimo--sétimo:

O calendas de Março em que nasci, dia mais belo de todas as calendas, em que até as moças me enviam presentes, pela quinquagésima sétima, vez coloco, sobre os vossos altares, bolos e este incensário...

Poucos anos depois, no ano 103 ou 104, morria o poeta. Mas em Roma, como explicam os Coordenadores deste livro, mesmo após a morte de uma pessoa continuava a celebrar-se o seu aniversário, o seu dies nataíis. Foi assim que, cumprindo-se nas calendas de Março de 2004 o décimo-nono centenário do nascimento de Marcial, o Departamento e o Centro de Estudos Clássicos da

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Universidade de Lisboa, o Instituto e o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, e a Associação Portuguesa de Estudos Clássicos tiveram o laudável acordo de dedicar à memória de Marcial umas Jornadas Científicas, celebradas em Lisboa a primeira, em Coimbra a segunda. O resultado dessas Jornadas é o que encontramos agora neste volume.

Inaugura a colectânea um texto dum dos maiores mestres da Filologia clássica portuguesa, o Doutor Walter de Medeiros, titulado "A cinza falante do Poeta na celebração dos 1900 anos da morte de Marcial" (pp. 5-11). Consiste numa formosíssima lembrança, escrita nessa invejável prosa poética do Prof. Medeiros que vocês conhecem melhor do que eu, e na qual assistimos à última viagem do poeta - é dizer, à das suas cinzas, que irão dar não ao rio Saio, o rio de Bilbilis (hoje o Jalón) mas ao Tejo de Lisboa, que Marcial citara em diversas ocasiões. Porém, nesta comovida evocação das cinzas do Poeta encontramos, para além de um elogio poético, uma notável lição do Doutor Medeiros, a reflectir o carácter saudoso, tão nosso, de Marcial, que sente saudades de Bilbilis enquanto se acha em Roma, e saudades de Roma quando volta para a Hispânia trinta e quatro anos mais tarde. Quisera dispor de tempo para ler o texto completo, mas devo conformar-me com o parágrafo final, que decerto evoca a situação de Marcial na memória perdida das gentes do nosso tempo:

"A cinza lançada ao rio atinge, anónima e deslassada, a sua foz: e emudece. A faúlha, que a reanimara, mergulhou no grande mar, o Oceano: detrito extinto, para sempre. Assim, do teatro encenado, que forma perdura? O horizonte ambíguo, no segredo - remoto e inalcançável - que os vivos não sabem decifrar" (p . l l ) .

Por este arco de triunfo entramos nos trabalhos científicos, sendo o primeiro o titulado "Política e história nos Epigramas de Marcial", de Maria Cristina de Castro-Maia de Sousa Pimentel (pp. 13-31). A Professora de Lisboa doutorou-se precisamente com uma tese intitulada "A adulatio em Marcial", facto que se percebe no tratamento magistral do tema proposto. Um assunto dos mais problemáticos na poesia de Marcial, sempre acusado por causa das constantes adulações aos imperadores Tito, Domiciano, Nerva e Trajano, os quais gover­navam aquela Roma em que ao poeta coube em sorte viver - e não apenas aos imperadores, como também às personalidades.próximas e caras a eles. A Doutora Pimentel suscita o tema a. partir daquilo que ela chama "a estratégia da adulação, isto é, a observação dos meios de que o poeta, se serviu para conseguir um objectivo: o encómio de um momento - aquele em. que vivia e escrevia - e o de quem., nesse momento, detinha o poder" (p. 14). A esse programa acomoda-se Pimentel, sem se deixar levar por anacrónicos juízos de valor que a nada conduzem hoje em dia. Com efeito, como còm toda razão concluí a autora deste estupendo trabalho, "E se, volvidos 1900 anos, o celebramos, é sem dúvida porque, postos de lado juízos anacrónicos sobre a sua atitude perante o poder ou

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preconceitos morais obsoletos sobre a sua tão apontada amoralidade, sabemos reconhecer nos Epigramas a arte e o talento de um grande poeta" (p. 31).

O artigo "Amor e morte em Marcial" (pp. 33-44) de José Luís Lopes Brandão oferece a originalidade de oeupar-se de um terna tão sério comi) é o da morte nos epigramas de um poeta que, consoante o autor assinala, "canta sobretudo as alegrias da vida, que busca argumentos vivos de Roma, que cultiva um género considerado leve e propenso a desencadear o riso..." (p. 34), Amor, morte, suicídio, são em princípio alheios à poesia do BilbiJitano; não obstante, aparecem com relativa frequência nos seus epigramas, tratados de modo muito humano: neles, achamos um Marcial sem fingimento, comovido pela morte dos amigos, das crianças - inclusive dos escravos. A morte da menina Erócion, que não chegou a completar seis anos de idade, é lembrada com autêntico sentimento em dois epigramas famosos do livro V (5.34; 5.37), e pode servir de mostra de todos eles. Na conclusão adverte-nos Brandão: "A morte, ou a consciência da sua. proximidade, em especial quando se trata de amigos, de escravos, de crianças quebranta o equilíbrio emocional: faz extravasar os sentimentos e revela a contradição. Se a morte pode apanhar desprevenido o filósofo, quanto mais o poeta!" (p. 48).

Dois artigos de Jean-Noél Robert, titulados "Societé et cultus à 1'époque de Martial" (pp. 59-68) e "Virius romana et taedium vitae. Remarques sur Févolution des mentalités et de la morale à 1'époque de Martial." (pp. 69-86) proporcionam ao leitor uma visão muito acertada da sociedade romana na qual vive o poeta e na qual é necessário enquadrar os seus epigramas para os compreender de maneira. adequada. O poeta vive numa Roma regida pelo dinheiro, quase que reduzido à condição de um pobre que, como tantos homens de cultura superior, deve resignar-se à condição de cliente para sobreviver. Pobre e marginado, enfrentado a uma sociedade injusta e imoral, longe dos ideais e da moral da época republicana: eis o cenário dos Epigramas deste Marcial que "peut être considere comme le premier poete latin realiste" (p. 50).

Especial interesse apresenta, para um leitor como quem vos fala, cuja actividade filológica tem como dedicação central o estudo do teatro romano, o artigo "Marcial e o teatro" de Paulo Sérgio Ferreira. Com um conhecimento preciso da situação dos géneros teatrais tradicionais nos cenários cie Roma, Ferreira percorre os poemas de Marcial, à procura fundamentalmente de uma informação directa sobre aquilo que está a representar-se nos teatros da capital - bem como do que estão a compor os dramaturgos "amateurs" das últimas décadas do século I - mas também estuda qual é a influência da. poesia dramática na própria obra de Marcial. Os teatros, em palavras de Ferreira "territórios privi­legiados de observação da realidade quotidiana" (p. 103) resultam óptima fonte argumentai para os epigramas, sobre tudo naqueles aspectos que promovem o riso e a crítica; o verso de Marcial está mais próximo da comédia do que da

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tragédia, e de maneira especial do mimo, o tipo de teatro realmente vivo no seu tempo. Tudo isto, e muitos outros aspectos interessantes sobre o teatro imperial através tia imagem oferecida por Marcial, acha-se neste excelente trabalho.

Em Marcial, junto com o seu amigo Juvenal, temos dois dos melhores fotógrafos de um momento especialmente curioso da história romana; nos Epi­gramas podemos ir à procura, cia fruição estética, que sem dúvida achamos em muitos deles; mas também a buscar informação segura sobre os mais variados aspectos das instituições, usos e costumes daquele tempo, tão diferente e tão semelhante ao nosso. Neste contexto insere-se o artigo "Marcial e os banhos em Roma" (pp. 117-136), de Isabel Graça, que nos oferece um estudo sobre os epi­gramas (muitos, por certo) que tratam sobre os banhos, e faz o seu percurso ana­lítico com rigor e sem prejuízos, sem evitar mesmo os argumentos escabrosos, como pode ser o da luxúria nos banhos, onde descobrimos que eram correntes manifestações de voyeurismo, prostituição, etc. Não tem problema, esta estu­diosa, em analisar coisas tão curiosas como, por exemplo, a fama que tinham os Judeus de possuírem órgãos sexuais de grandes dimensões, elemento a destacar numa sociedade na. que, segundo explica Graça, "Eram as regras do mercado a funcionar: maior inflação do pénis, maior custo para o consumidor" (p. 134).

A seguir com Marcial como documento do seu tempo, mas de um ponto de vista muito diferente, vem o excepcional trabalho do Professor de Aveiro João Manuel Nunes Torrão sobre "Autores de referência na obra de Marcial" (pp. 137--159). Como indica o autor, o valor da informação oferecida pelo poeta é múltipla, porque nos permite ter algum conhecimento de "toda uma série de escritores de que possuímos pouca ou nenhuma informação quer se trate de contemporâneos quer de autores mais antigos" (p. 137); por outra parte, apreendemos quais são as preferências poéticas do próprio poeta, quais os seus autores mais amados e mais citados, coisa essencial para um melhor conhecimento da sua poesia. Este percorrido tem uma estrutura muito adequada: começa Torrão pelos autores de epigramas, passa depois aos escritores gregos, que não são muitos, e vai por fim aos latinos, a começar pelos menos citados, até chegar a Vergílío, para Marcial o expoente máximo da poesia latina. Eis a conclusão deste utilíssimo artigo: "A terminar, importa sublinhar que a opção pelo epigrama limitou seguramente Marcial nas suas referências a outros autores literários, mas, mesmo assim, não o impediu de mostrar, de forma clara, a sua simpatia por um. conjunto de autores entre os quais poderemos salientar, entre os contemporâneos, Lucano e Sílio Itálico, e entre aqueles que já tinham morrido, Cícero, Catulo e o 'imorredoiro' Vergílío" (p. 159).

Desta visão geral das preferências literárias de Marcial passamos a uma outra, mais concreta e de profundas consequências, nos Epigramas: estou a falar da afeição do Bilbilítano à poesia de Catulo, magistralmente analisada pelo Professor de Bari, Paolo Fedeli, no seu notável artigo "Marziale Catulliano"

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(pp. 162-189). O autor confessa, já no início, o seu propósito de "fare il punto delia situazione e introdurre un po' di chiarezza nella sempre piú sfrenata ricerca di paralleli che molto spesso sono in realtà pseudoparalleli" (p. 162). As influências cie Catulo em Marcial são múltiplas, e o filólogo italiano começa por salientar as semelhanças na estrutura do endecassílabo falécio, os paralelismos no léxico, para passar depois à analise pormenorizada e rigorosa dos casos em que um ou vários epigramas de Catulo servem de modelo aos de Marcial. As comparações realizadas por Fedeli respondem à mestria a que nos têm acostumado os seus trabalhos. Lembremos a sua conclusão: "Un imitatore, quindi? Certo, e non dei solo Catullo. Tuttavia nel caso suo, come sempre nella letteratura delfantichítà, imitare non significa semplicemente riprodurre: i modelli esistono, per Marziale come per ogni autore latino, e di essi non può fare a meno una cultura che su di essi si fonda: ma ricrearli e competere con essi in forma piú o meno apertamente allusiva rappresenta il massimo omaggío che 1'imítatore può offrire ai suoi modelli" (p. 188).

Uma comparação nova e diferente de Marcial com outro escritor latino está no alicerce do artigo que apresenta Delfim F. Leão, intitulado "Zoilo e Trimalquião: duas variações sobre o tema do novo-rico" (pp. 191-208), Parte o autor da indubitável consideração seguinte: "Os tipos sociais, destilados a partir das multidões que habitavam a Urbe, fornecem um catálogo completo de algumas virtudes e de todos os vícios que povoam o universo dos Epigramas" (p. 192). Mas entre a rica tipologia de personagens merecedoras de críticas há uma que interessa muito a Marcial, a do novo-rico, que ele representa por meio de Zoilo, um curioso indivíduo que aparece mencionado em nada menos que dezoito epigramas. O estudo desta personagem é feito por Leão estabelecendo como ponto de comparação outro novo-rico que ele muito bem conhece, como estudioso do romance de Petrónio: o liberto Trimalquião, protagonista da famosa Cena Trimalchionis. Eis o fruto da comparação: "Marcial concentrou na figura do liberto, com a graça contundente que o caracteriza, os traços essenciais que andavam ligados à imagem, do novo-rico, facultando, assim., um. elucidativo exemplo do tipo social que verberava. Petrónio evoca, igualmente, as linhas essenciais da mesma tradição satírica, mas, ao imaginar a. figura de Trimalquião, co.nced.e-l.he densidade psicológica suficiente para torná-lo numa personagem dotada de carácter e de vida própria, muito além. da simples ilustração de um tipo social" (p. 208).

Marcial gozou de fama já em vida, segundo ele próprio recorda no epigrama primeiro do livro I, cujo segundo verso dá título latino a este livro que estou a apresentar:

Este é aquele que lês, aquele que reclamas Marcial, conhecido em todo o inundo pelos seus argutos livrinhos de epigramas.

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É precisamente destes versos que parte o Doutor Arnaldo do Espírito Santo no seu muito bem documentado e utilíssimo artigo "Totó notus in orbe Martialis. A recepção de Marcial na. Idade Média" (pp. 209-224). Trata-se de um trabalho que precisa ser íido e não resumido; direi tão só que, depois de nos levar pelos caminhos da cultura medieval da Gallia e da Hispânia, com paragem especial nas obras de Isidoro de Sevilha e de Petrus Comestor, o Professor de Lisboa resume o fruto deste proveitoso percorrido com estas palavras: "A análise que fiz e os manuscritos que nos restam são prova de que Marcial foi lido e conhecido em toda a parte. Lido e aprendido nas escolas na Antiguidade Tardia. Lido em. florilégios moralizados. Utilizado no púlpito como fonte de exempla, a partir do século XII, pelo menos. Lido integralmente nos ambientes universitários. E quem sabe se lido às vezes às escondidas por aqueles que mais se encarniçaram contra ele. Disso temos um exemplo em Marius Mercator, que não será caso único. De uma forma ou de outra, Totó notus in orbe Martialis" (p. 224).

Este trabalho de Arnaldo do.Espírito Santo suponho que devia encerrar o conjunto das intervenções comemorativas de Marcial em Lisboa e em Coimbra, porque o livro finda, em realidade, com um estudo de outro tipo, uma autêntica monografia, de cem páginas de extensão, sobre o tema "Marcial en Espana", escrita' por um. dos mais importantes latinistas espanhóis, o Professor Juan Gil, catedrático da Universidade de Sevilha. Para a crítica, de tão excelente trabalho, publicado em espanhol, precisaria de um tempo de que não disponho: direi tão só que consiste numa apresentação, magistral e documentadíssima, da divulgação e do significado dos Epigramas de Marcial na Espanha até a fim do século XVII; um. trabalho que resulta imprescindível para conhecer a pervivencia de Marcial, mas, sobretudo, muitos aspectos da cultura espanhola (e também portuguesa) anterior ao século XVIII.

Remato já. Nenhum acto lembrou na Espanha o 1900 aniversário de um dos seus filhos mais ilustres na época latina. Em troca, desde as ribeiras do Tejo e "den.de as fartas orelas do Mondego", como cantara a Coimbra Rosália de Castro, eminentes filólogos clássicos de Portugal renderam-lhe, por fortuna, ao poeta de Bilbilis e de Roma esta. homenagem, que agora podemos achar neste livro formoso, útil, importante, desde agora indispensável para um mais profundo conhecimento de Marcial.

ANDRéS POCINA

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C A T A L D O PARíSIO SÍCULO: Epístolas lUParte. Fixação do texto latino,

t radução, prefácio e notas de Américo da Costa Ramalho e de

Augus ta Fernanda. Oliveira e Silva (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa

da Moeda , 2005) 293 p,

A figura e a obra de Cataldo Parísio Sículo têm sido longamente estudadas pelo Prof. Costa Ramalho, quer na sua vasta bibliografia dedicada ao Humanismo renascentista, quer na orientação de teses de mestrado e doutoramento. Partes substanciais da obra do humanista foram, traduzidas pelo Prof. Costa Ramalho em. vários dos seus livros. Por outro lado, a tradução de algumas obras, como discursos e poemas, integradas em algumas teses, beneficiou da sua orientação e revisão. Agora, são publicadas, com fixação do texto latino, tradução, prefácio e notas de Américo da Costa Ramalho e de Augusta Fernanda Oliveira e Silva, as Epístolas II Parte, de Cataldo Sículo. A tradução é acompanhada do texto latino, com. actualização da grafia do latim, segundo as normas correntes em edições críticas, e desdobramento das «abreviaturas. No texto cerrado de Cataldo, sem intervalos, foram criados parágrafos e modernizada a. pontuação. No final do volume, vai reproduzido, em fac-símile, o texto original do humanista. As anotações são, na sua sobriedade, muito claras e perfeitamente elucidativas. Tudo isto torna agradável e fácil a consulta desta obra.

Cataldo, humanista italiano, chegou a Portugal em 1485, chamado por D. João II, e cá permaneceu até à sua morte, cerca de 1517. A sua vinda para Portugal marca, como demonstrou o Prof. Costa. Ramalho, a introdução do Humanismo em Portugal.

Das suas relações com. a família real e as casas da mais alta nobreza portuguesa, de que foi professor de alguns dos filhos, ficaram dele cartas ao rei D. Manuel e a muitos membros dessa nobreza, que constituem a segunda parte das Epístolas. Como secretário latino de D. João II, ficaram cartas a reis, príncipes e cardeais estrangeiros, entre outras altas personalidades, constituindo a primeira parte.

A publicação, em primeiro lugar, da segunda parte das Epístolas é explicada no prefácio. É que nela se encontra a maioria do epistoíário de Cataldo dirigido a portugueses.

Na obra agora publicada em tradução, inclui-se um estudo do Prof. Costa Ramalho sobre Cataldo, muito útil, quer para se ter uma visão da vida e obra do humanista, quer para se compreender a importância das suas cartas, tanto no plano documental como no contexto dos seus escritos. Pois, como se lê no estudo, «em Cataldo, versos e prosa, poemas e discursos formam um conjunto singular­mente harmonioso em que, frequentemente, a explicação do sentido de uma frase na correspondência se encontra nos versos, e a explicação de um verso se encontra na correspondência».

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Cataldo Sículo foi secretário latino de D. João II e preceptor de seu filho bastardo, D. Jorge. Falecido o rei em 1495, encontrou Cataldo no seu sucessor, D. Manuel, o melhor acolhimento e as maiores provas de consideração. O novo monarca levou-o consigo na viagem que fez a Castela com sua mulher, D. Isabel, filha dos Reis Católicos, tendo-o mesmo apresentado ao sogro, o rei D. Fernando. A esta viagem se refere Cataldo numa das cartas deste volume endereçada ao «magnífico reitor e à muito celebrada. Universidade de Salamanca», por esta carta se podendo calcular o ano de publicação da. segunda parte das Epístolas, três lustros depois dessa viagem, que ocorreu em 1498.

D. Manuel arranjou-lhe mesmo dois novos alunos, filhos dos marqueses de Vila Real, uma das mais poderosas casas da nobreza: D. Pedro de Meneses, conde de Alcoutim logo no ano seguinte, apenas com 11 anos, e futuro marquês de Vila Real, e sua irmã D. Leonor de Noronha, com 9 anos, que seriam, no dizer do humanista, os seus alunos mais brilhantes. Este D. Pedro faria, aos 17 anos, em 1504, a oração solene inaugural do ano lectivo de 1504/1505, na Universidade de Lisboa. Como o Prof. Costa Ramalho mostrou repetidas' vezes, a oratio «é um documento notável sobre o ambiente épico que se vivia em Portugal, em 1504, e antecipa em mais de sessenta anos o espírito de Os Lusíadas.

Teve ainda Cataldo como alunos membros da casa de Bragança, entretanto reconciliada com a casa real, como D. Dinis, irmão do duque D. Jaime, e o primogénito deste, o pequeno D. Teodósio, futuro duque.

Os alunos de Cataldo viriam a ser figuras gradas do reino. D. Jorge, o filho bastardo de D. João II, que se tornou um bom conhecedor da língua latina, ligar--se-ia pelo casamento à casa de Bragança, e seria duque de Coimbra. D. Pedro de Meneses «teve uma brilhante carreira militar, política e diplomática, e foi um dos mecenas da cultura, elogiado por escritores contemporâneos».

Ora, na correspondência, como nos versos de Cataldo, encontramos estas e outras altas personagens da corte, intelectuais e homens de acção, além do próprio D. Manuel.

Logo na primeira carta, a D. Dinis, o já referido irmão do duque de Bragança e sobrinho, por parte da mãe, de D. Manuel, Cataldo faz referência a alguns livros seus e por uma outra carta, acima citada, ficamos a saber que enviou ao reitor da Universidade de Salamanca, com o pedido de opinião e de eventuais correcções, a segunda parte das Epístolas, alguns discursos e os cinco livros das Visões.

Piá nas cartas comentários ao bom domínio do latim por personalidades da época. A Fernando de Alcáçova, de uma poderosa família de funcionários régios, e a Vasqu'Eanes de Corte Real, irmão dos navegadores Gaspar e Miguel de Corte Real, há referências que mostram- que os correspondentes de Cataldo sabiam latim e nesta língua lhe escreviam. --

Numa carta a Francisco Barradas, especialista em Direito Pontifício, que foi chanceler do duque de Coimbra, D. Jorge, e da Ordem de Santiago, faz referência

U u m a n f e o K7 ÍODCíR^

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a uma obra em preparação, possivelmente,crónicas sobre os feitos dos Portu­gueses em África, Em carta a D. Manuel, suplica que mande entregar-lhe «algum. memorial ou comentário sobre as empresas asiáticas e africanas», A D, Pedro de Meneses, que governou Ceuta entre 1512 e 1517, a Martim de Sousa, comandante no Norte de África, e a outros pede relatórios com informações sobre os acontecimentos de África e de Ásia para compor as suas crónicas.

Das crónicas nada ficou. Ou não as escreveu, por falta das tais informações, ou perderam-se. De qualquer modo, parecem ter sido começadas, a avaliar por unia carta a Aires Teles, poeta do Cancioneiro Geral, na qual alude ao pedido feito ao rei de «um relato acerca dos feitos praticados quer na Ásia, quer na África, para que aquilo que começámos com tanto entusiasmo o levemos a termo calmamente». Mas, se as crónicas não nos chegaram, o vivo desejo de as compor manifestado nas cartas revela como pairava já o clima de epopeia suscitado peia navegação e pela conquista. Na mesma linha, numa longa carta a D. Pedro de Meneses, seu antigo discípulo, e exaltando um feito de armas do conde de Vila Nova de Portimão, D. Martinho Castelo Branco, no Norte de África, Cataldo comenta: «Se este feito tivesse sido praticado no tempo dos Romanos, sobre ele teriam os escritores composto uma longa história».

Cataldo gozou da intimidade da mais alta nobreza e os seus escritos são de grande valor para o estudo da época.

Na primeira parte das Epístolas, de que algumas estão já traduzidas pelo Prof. Costa Ramalho na sua obra Latim Renascentista em Portugal, Cataldo trata de questões relevantes na sociedade do tempo. Numa longa carta, que nos chegou com um título incompleto, endereçada a Próspero, médico judeu e seu patrício, dá nota da situação dramática dos judeus em Portugal e na Europa e insiste com ele para que se converta ao catolicismo. De Próspero, já convertido e agora com o nome de Henrique, fala também no primeiro livro das Visões, e foi a partir de um trecho deste livro que o Prof, Costa Ramalho reconstituiu o título da carta e identificou o seu destinatário. Como ficou dito acima, na obra de Cataldo, a explicação de um verso pode encontrar-se numa carta e a explicação da correspondência pode estar num verso. Numa também longa carta a D. Fernando de Meneses, marquês de Vila Real e pai de D. Pedro, conde de Alcoutim, faz a defesa acérrima das letras latinas contra certos theologiculi, os teólogos de meia--tigela, como traduz o Prof. Costa Ramalho. Muito interessante também e útil na leitura de Gil Vicente é a carta a Garcia Moniz, nome que é referido na cena do Enforcado, do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente. As edições escolares deste auto vicentino apresentam, sempre em nota Garcia Moniz como tesoureiro da Casa da Moeda, cargo que de facto exerceu mas nada tem que ver com as palavras que no auto lhe são atribuídas. Ora, diz-nos Cataldo nessa carta que Garcia Moniz era guarda e conservador do tesouro, mas que maior mérito era o seu como guardião de uma associação, a da Misericórdia, por cujo regulamento.

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como traduz o Prof. Costa Ramalho, «homens escolhidos e dignos, cobertos de um hábito escuro, levando diante por toda a parte Jesus crucificado, sepultam os mortos, apaziguam, as discórdias, reconciliam entre si os inimigos, socorrem com a esmola os infelizes. (...) Enfim., os confrades praticam com caridade extraor­dinária todas as obras de misericórdia». Nesta qualidade, sim, é bem possível que Gil Vicente tivesse surpreendido Garcia Moniz a confortar um condenado à forca com o sermão da conhecida cena do auto vicentino.

Como se vê, as epistulae são de extraordinário interesse para o estudo da última parte do século XV e dos primeiros quinze anos do século XVI.

A publicação das Epístolas II Parte constitui, pois, mais um grande contributo para o conhecimento da obra de Cataldo Parísio Sículo e daquele período da História de Portugal.

A tradução tem, naturalmente, a qualidade e a clareza de outros trabalhos do grande investigador e tradutor que é o Prof. Américo da Costa Ramalho.

JOSé MARIA MARTINS DA COSTA

SILVA, Maria Palmira Roque da: Autobiografia e mito no romance "Mune Schwester Antigone" de Grete Weil (Coimbra, Minerva Coimbra/ Centro Interuniversitário de Estudos Germanísticos, 2004) 192 p.

Mais do que ocorre com qualquer outro mito grego, os itinerários da recepção criadora ou da recepção, que é, também ela, uma interpretação, do mito de Antígona, a partir da dramatização sofocliana, permitem-nos identificar os itinerários do pensamento político e da problematização das relações entre indivíduos e comunidade, nos últimos quatro séculos da cultura que é a. nossa. A história da. recepção de Antígona é, assim, espelho da nossa própria história cultural e política: Antígona/Creonte e o impasse hegeliano de tensão entre duas forças equivalentes, que inspirou a concepção goethiana de trágico, Antígona a mártir impoluta, segundo o cromatismo de um Cristianismo romântico, Antígona a heroína de todas as resistências que o séc. XIX e XX conheceram — ainda que mesmo tão só de resistência a academismos estéticos, como em Cocteau.

É, pois, sob o signo de Antígona, e sob a apaixonada exigência de uma das maiores figuras da Germanística portuguesa, a Prof. Doutora Maria Manuela Gouveia Delille, que a. M. P. Roque da Silva escolheu o tema da sua tese de Mestrado — o romance da escritora Grete Weil, Meine Schwester Antigone, publicado em 1980.

Marcada pelos tempos de destruição e morte dos anos do Holocausto, Grete Weil carrega consigo, simultaneamente, o peso de uma vivência colectiva de

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horror e ameaça, a presença da morte e dai desmedida, crueldade que revela a monstruosidade de que o homem é capaz, convertido em senhor da guerra, e o peso de um sentimento de culpa pela sua própria sobrevivência, pela impassivi-dade de momentos em que viu marcharem para os campos de concentração outros judeus. O conflito da memória de vítima/culpada compele a romancista a procurar na escrita a catarse possível, bem como uma visão de au toconhecimento mais clara que toda a catarse traz consigo.

Não admira, pois, que o romance em apreço assuma o carácter de autobiografia ficcionalizada em. que a fronteira entre experiência existencial e ficcionalidade se esbate, na construção de uma narrativa, uni tm/thos articulado por essa interrogação fundamental sobre a identidade própria, o sentido do agir e • do viver, e do sobreviver ao Holocausto.

São, pois, os nexos da relação entre autobiografia e mito que M. P. Roque da Silva se propôs seguir no seu itinerário hermenêutico. A ambiguidade do título indica já a prudência e rigor do estudo. 'Mito' conduz-nos para o piano de uma narrativa ficcionalizada que a um. mito do património cultural europeu recorre — o de Antígona.

À boa maneira da investigação germânica, a autora começa por fazer o ponto da situação, 'Forschungsstand', da investigação weiliana para nos apre­sentar, de seguida, o itinerário biográfico da autobiografista e a sua actividade de escrita. O percurso do estudo seguiu uma pertinente estratégia hermenêutica de aprofundamento gradativo, em círculos progressivamente alargados, da apre­sentação da fábula à interpretação de espaços e tempos deste romance. O espaço fechado da casa, consagrado na. narrativa moderna, como cheio de potencialida­des para a identificação com o próprio itinerário da narrativa em Grete Weil, como bem. o nota a autora do estudo, é marcado como espaço de asfixia de vida, de isolamento e angústia, cruzando-se com o espaço fechado da clandestinidade de outrora. Â ambos confere unidade o espaço mítico da caverna cie Antígona

— Antígona que persegue, como figura de identificação, a narradora, escritora, por sua vez, de uma interminável Antígona, tal como acontece com Grete Weil, a quem a. protagonista de Sófocles anima o imaginário, como se percebe na escrita da sua obra. Essa perseguição ganha expressividade nas quebras de estratégia narrativa, já que essa mesma narradora ora fala como Antígona, ora a Antígona, ora de Antígona como terceira pessoa. Onde e quem é Antígona, modelo por identificar, para uma narradora em busca de um modelo que a justifique e absolva?

Apoiada na história, recente do tratamento de Antígona., inscrito não apenas no contexto de tendências da literatura alemã como, mais latamente, cias literaturas europeias, e visto esse tratamento como filho da própria, realidade, das vivências alemãs dos anos sessenta, e setenta, M. P. Roque da Silva lê o percurso de Meine Schwester Antigone como o de uma libertação conseguida do modelo de

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Antígona, através da desconstrução da figura, rumo a um dizer tardio de sim. à vicia. De salientar, neste percurso, a análise da problematização e recusa da oposição ao poder, violenta e criminosa, do terrorismo dos anos setenta, através da coincidência, operada, pela narradora, da figura de Antígona com a da jovem, terrorista Marlene.

Meine Schwester Antigone implica, como o vinca M. P. Roque da Silva, o outro lado da relação fraterna: Ismena, a sobrevivente. Ismena que, também, na peça sofocliana, quer, tarde demais, colar-se ao destino de Antígona, fazê-lo seu. Concomitante e inverso cio fascínio, recusa, impotência de identificação, vergonha e culpa de sobreviver, reside, na narradora., ainda que tacitamente, uma consciência de Ismena. Consoante o destrinça M. P. Roque da Silva, os três pianos temporais coexistem e interseccionam-se: o presente da narrativa, o passado do Holocausto, que determina o modo de estar no primeiro, e o tempo do mito, que imbui os dois primeiros com a função e eficácia de instrumento operativo de autoconhecimento, busca de sentido e viabilização de uma catarse.

Ê que o tempo do mito, ao instituir-se em suporte de um sentido que se busca para o tempo da existência, na narrativa que entrelaça e cruza e condensa presente e passado, confere ainda, a ambos, uma outra oportunidade — o da universalização.

O drama de Minha irmã Antígona, o de uma Ismena que nunca foi Antígona, para além da sua referência epocal e da marca vivencial da autora é também o drama do verso de Sá Carneiro, "um pouco mais de azul e eu for a além", ou. da prisão do nosso próprio modo de ser, que outro não teremos, por muito que nos imaginemos outro. Citando Fernando Pessoa: "desfaze a mala feita para a. partida".

Pouco conhecida entre nós, a obra de Weii, em particular o romance em. apreço, conhece no estudo que M. P. Roque da Silva dele faz uma excelente apresentação e exegese. Desejável seria que, a breve trecho, Meine Schwester Antigone, dada a conhecer pela investigação produzida no contexto do Centro Interuniversitário de Estudos Germanísticos, fosse traduzido para a nosssa língua.

MARIA DO CéU FIALHO