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Às duas por três, não há dois sem três Situado no centro do Porto, o Sismógrafo tem vindo a acolher uma programação regular desde Janeiro de 2014. Fundado pela Salto no Vazio, associação cultural sem fins lucrativos criada meses antes, este espaço permite materializar as linhas de trabalho pensadas anualmente e que reflectem sobretudo a diversidade de interesses do colectivo: das artes visuais à poesia, da música improvisada ao pensamento crítico, do design gráfico às edições de artista. É esta multiplicidade de territórios que se manifesta nas dezenas de iniciativas realizadas até à data. E assim queremos continuar, porque, como diz o nosso moto para este novo ano: “Não há dois sem três”. Um dos pontos que sempre quisemos e continuamos a querer sublinhar através das nossas actividades é o da recusa de uma identidade. Esta abordagem, poder-se-ia dizer negativa, à cultura, serve sobretudo para manter uma atitude crítica relativamente a todas as tentativas, e são tantas, de transformação de um espaço de partilha, de diferença, numa indústria. O Sismógrafo não tem um logótipo e procura criar as condições necessárias Projecto: Sismógrafo RE • VIS • TA arte / reflexão / crítica 04. 2016 – n.º1 01/06 /

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Às duas por três, não há dois sem três

Situado no centro do Porto, o Sismógrafo tem vindo a acolher uma programação regular desde Janeiro de 2014. Fundado pela Salto no Vazio, associação cultural sem fins lucrativos criada meses antes, este espaço permite materializar as linhas de trabalho pensadas anualmente e que reflectem sobretudo a diversidade de interesses do colectivo: das artes visuais à poesia, da música improvisada ao pensamento crítico, do design gráfico às edições de artista. É esta multiplicidade de territórios que se manifesta nas dezenas de iniciativas realizadas até à data. E assim queremos continuar, porque, como diz o nosso moto para este novo ano: “Não há dois sem três”.

Um dos pontos que sempre quisemos e continuamos a querer sublinhar através das nossas actividades é o da recusa de uma identidade. Esta abordagem, poder -se -ia dizer negativa, à cultura, serve sobretudo para manter uma atitude crítica relativamente a todas as tentativas, e são tantas, de transformação de um espaço de partilha, de diferença, numa indústria. O Sismógrafo não tem um logótipo e procura criar as condições necessárias

Projecto: SismógrafoR E • V I S • T A

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para fazer de cada iniciativa uma experiência única, singular, existindo a vontade de criar acontecimentos sem mediações, sem pressões, sem os habituais constrangimentos institucionais ou galerísticos – daí que cada exposição, concerto, conferência e publicação seja o resultado de uma rede de amizades construída ao longo de décadas pelos seus associados.

Procuramos do mesmo modo que cada actividade seja inédita, pensada de propósito para as duas salas do Sismógrafo. Esta exigência, outra das características fundamentais do nosso projecto, irá ser agora aprofundada no campo da música, com um programa que se quer cada vez mais ligado a uma experiência do lugar pela parte dos intérpretes convidados. No caso das artes visuais, essa tem sido uma constante, sendo que os trabalhos apresentados, muitas vezes produzidos no Porto, são sempre pensados pelos artistas e curadores para o nosso espaço, sem contudo caírem nas regras do “site -specific”.

O nome Sismógrafo também tem a sua arqueologia: a sua origem relaciona -se com as teses do alemão Aby Warburg, que ao olhar para o seu percurso passado definia a sua função como tendo sido a de servir a “bacia hidrográfica da cultura como um sismógrafo das almas”. Tendo em conta a biografia deste autor, pode antever -se nesta frase, não só a sua dupla

1. Heinz Peter Knes, on on distance: vista da exposição. Fevereiro 2015 © SismógrafoProjecto: Sismógrafo / Às duas por três, não há dois sem três02/06 /

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estranheza relativamente à cultura dominante e à comunidade judaica, mas também e simultaneamente a sua forte proximidade com ambas as tradições (a da cultura alemã e a do povo judeu). A sua visão da história era não linear, feita de descontinuidades, cabendo ao historiador a tarefa de nos avisar para as alterações profundas que acontecem na crosta da cultura contemporânea – uma visão análoga pode ser encontrada em Ezra Pound, quando este define os artistas como “antenas da raça humana”. Por seu lado, Warburg via as obras de arte como sendo os “órgãos nervosos da percepção da vida contemporânea interna e externa.”

Nesse sentido, o programa do Sismógrafo tenta igualmente captar as energias do presente, procurando com esse objectivo trabalhar com artistas, músicos, poetas e pensadores que ajudem a caracterizar este nosso tempo. No campo das artes visuais esse desígnio é particularmente evidente: as exposições revelam uma visão intergeracional, internacional e simultaneamente local, e sobretudo politicamente empenhada na construção de um espaço autónomo, crítico e independente e dedicado aos “happy few” que nos acompanham. “We few, we happy few, we band of brothers!” foi a divisa do Sismógrafo para o primeiro ano, a que se seguiram, em 2015, as frases “Falhemos juntos” e “O contexto é meia obra”.

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Destacamos ainda as nossas edições, que são uma das formas quer de constituir uma memória paralela ao nosso programa, quer de angariar fundos para a associação – as outras são quotas, doações e apoios pontuais de entidades nacionais e internacionais –, que têm assumido sobretudo a forma de múltiplos (escultura, fotografia, serigrafia) e de livros e publicações de artista.

Finalmente, e antes de enumerar as nossas actividades desde 2014, note -se a intenção de apresentar anualmente um programa centrado numa personalidade, sendo que este ano foi escolhido o cineasta alemão recentemente falecido Harun Farocki (1944 -2014), de quem ao longo de 2016 e em colaboração com o Goethe Institut, será apresentado um ciclo.

Em resumo, nas iniciativas realizadas em 2014, contam -se as exposições individuais de Fernando J. Ribeiro, Sebastião Resende, Kevin van Braak (NL), David Maranha, Luís Espinheira e Thierry Simões; as exposições colectivas “Sem Quartel / Without Mercy”, com participação de 40 artistas/autores nacionais e internacionais, e “A Boca do Inferno”, com trabalhos de Von Calhau!, Isabel Carvalho, Rosa Carvalho, Cora 1988, Gil Heitor Cortesão, Luís Paulo Costa, Renato Ferrão, Karl Holmqvist (SE), Sofia Leitão, Fabrizio Matos, Sebastião Resende e Fernando J. Ribeiro;

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e ainda a mostra documental e ciclo de cinema que acompanhou o lançamento do Livrinho de Teatro nº 79, “Alta Áustria e outras peças”, de Franz Xaver Kroetz (edição conjunta Cotovia, Artistas Unidos e Confederação). Também no ano de 2014, foram apresentados os concertos de Tetuzi Akyiama (JP), de Claudio Rochetti (IT), do duo SSS -Q, da banda Jockey Club, de David Maranha em colaboração com Repositor e com Helena Espvall (SE), e do Ensemble de Gamelão Casa da Música, realizando -se ainda, em colaboração com a editora 8mm Records e a Fundação de Serralves, o lançamento do novo LP do músico Mattin (ES).

No ano de 2015, no plano das artes visuais, apresentaram -se as exposições individuais de Heinz Peter Knes (DE), Marc Behrens (DE), Pedro Morais, Renato Ferrão, Jason Simon (US), Rasmus Røhling (DK) com curadoria de Amy Zion (CA), Sara Rodrigues, Karl Holmqvist (SE), Luís Paulo Costa e Von Calhau! Acolhemos ainda os lançamentos dos livros “Obra Escrita 1”, de João César Monteiro (ed. Letra Livre), com apresentação de Vitor Silva Tavares, e “Pôr as pernas do lado da cabeça e partir”, de Carlos Alberto Machado (Edições 50kg). No âmbito musical/performativo, 2015 contou com os concertos de Rita Braga & Marc Behrens, de Gert -Jan Pris (NL), e as performances de Alfredo Costa Monteiro, Marc Behrens (DE)

2. Renato Ferrão, Cascatas e Desabamentos: vista da exposição. Maio 2015 © SismógrafoProjecto: Sismógrafo / Às duas por três, não há dois sem três05/06 /

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e Sara Rodrigues. Organizou -se também o seminário “Para além das nuvens: públicos/arquivos”, orientado por Jason Simon e Óscar Faria.

No âmbito editorial, o Sismógrafo produziu nestes dois anos as publicações “Sebastião Resende, Escultor”, com texto de António Brás, “O imprevisível, nosso território fértil”, de Jorge Valadas e “A Magnet Between Proteins and Sugar”, de Marc Behrens, com texto de Óscar Faria e Luis Jacinto; e os livros de artista “Merci” de Thierry Simões, “on on distance” de Heinz Peter Knes, e “Oito cascatas e um desabamento” de Renato Ferrão. Os mais recentes múltiplos, incluem a t -shirt A.U.T.O.E.N.U.C.L.E.A.T.I.O.N., de Rasmus Røhling, uma fotografia de Hernâni Reis Baptista, um bronze de Sebastião Resende e uma serigrafia de Renato Ferrão. Já no início de 2016 serão lançados o livro “Fecit Potenciam” de Sebastião Resende, e a publicação “Dobrodilo” de Von Calhau!.·

3. Von Calhau!, Crocodoxa: vista da exposição. Janeiro 2016 © SismógrafoProjecto: Sismógrafo / Às duas por três, não há dois sem três06/06 /