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GENÉTICA E EVOLUÇÃO

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Page 1: Rb214   genética e evolução

GENÉTICA E EVOLUÇÃO

Page 2: Rb214   genética e evolução

Aula 1 – As origens das idéias sobre hereditariedade

Blanche Christine Bitner-Mathé

Aula 2 – Divisão celular I – Mitose e o ciclo celular

Patrick Goltsman Moreno

Aula 3 – Divisão celular II – Meiose

Patrick Goltsman Moreno

Aula 4 – Mendelismo: o nascimento da Genética

Blanche Christine Bitner-Mathé

Aula 5 – O Trabalho de Mendel: desvendando a Segunda Lei

Blanche Christine Bitner-Mathé

Aula 6 – A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

Blanche Christine Bitner-Mathé

Aula 7 – Cromossomos, genes, DNA: uma visão atual dos fatores mendelianos

Blanche Christine Bitner-Mathé

Aula 8 – Do gene ao fenótipo

Blanche Christine Bitner-Mathé

Aula 9 – Introdução à Genética Humana: análise de características monogênicas

Blanche Christine Bitner-Mathé

Aula 10 – Atividade prática

Patrick Goltsman Moreno

Gabarito

Referências

7

21

35

53

75

93

117

137

161

179

187

213

Genética Básica

SUMÁRIO

Volume 1 - Módulo 1

Page 3: Rb214   genética e evolução

As origens das idéias sobre hereditariedade

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Conhecer algumas das idéias pré-mendelianas para explicar a hereditariedade.

• Compreender que a Genética é uma ciência essencialmente experimental que deve seu rápido avanço à utilização de procedimentos científi cos.

objetivos1AULA

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Genética Básica | As origens das idéias sobre hereditariedade

C E D E R J8

INTRODUÇÃO Esta é a nossa primeira aula de Genética. Você já ouviu falar várias vezes

deste tema nas disciplinas Grandes Temas em Biologia e Diversidade dos

Seres Vivos. Deve também ouvir muito na mídia da importância dos avanços

da Genética para nossa sociedade. É mesmo de esperar que se fale muito

em Genética; como Moore chamou a atenção, esta ciência está na base do

entendimento de diversas áreas da Biologia.

Mas será que você realmente entende o objeto de estudo da Genética? Neste

curso, vamos fazer uma viagem ao passado e acompanhar os passos que

levaram à construção do nosso conhecimento sobre a natureza e transmissão

da herança biológica. Essa estratégia está baseada no artigo Science as a way

of knowing – Genetics, publicado por Moore em 1986 no periódico American

Zoologist (Volume 26: 573-747). Embora em termos históricos o objetivo desta

disciplina não inclua a descoberta da natureza do gene, ou seja, que o DNA

é o material genético, procuraremos, quando conveniente, complementar

o entendimento das análises genéticas clássicas à luz dos fundamentos da

Biologia Molecular.

Chamamos de Genética a ciência que estuda a natureza do gene e os mecanismos

de herança biológica. A Genética é um dos campos do conhecimento que mais

se desenvolveu no último século. É incrível imaginar que até o século XX muito

pouco se sabia sobre a natureza da hereditariedade e que neste início do século

XXI estamos cercados dos avanços dessa ciência.

Embora a curiosidade pelo entendimento dos processos que resultam na

transmissão da herança biológica remontem a cerca de 400 a.C., pode-se dizer

que a ciência da Genética começou em 1865, com o trabalho de Gregor Mendel,

um monge austríaco que formulou as leis fundamentais da herança.

No entanto, seu trabalho só foi descoberto pela comunidade científi ca em 1900,

e a partir daí o esforço e a criatividade de muitos pesquisadores, associados a um

modelo de metodologia científi ca, permitiram grandes avanços na compreensão

dos eventos pelos quais os fatores de Mendel, que hoje chamamos de genes,

expressam sua informação. Passamos das obscuras unidades que Mendel chamava

de “fatores” para a identifi cação do DNA como a base química da herança.

A frase “Nada em Biologia faz sentido a não ser sob a luz da

evolução” de Th. Dobzansky já é sua conhecida. Sobre ela, Moore,

em 1986, comentou: “Mas existe algo mais fundamental de onde

derivam todos os principais conceitos da Biologia, a Genética.”

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Esse conhecimento gerou tecnologia que vem permitindo manipular o material

genético, ampliando nossa visão de como os genes funcionam, como podem

ser detectados, modifi cados ou corrigidos.

Veja no quadro a seguir alguns exemplos da aplicação dos avanços conquistados

pela Genética nas últimas três décadas do século XX. Não é preciso ser um

geneticista para já ter ouvido falar deles, pois estão no nosso dia-a-dia, sendo

relevantes para muitos aspectos da vida humana e da sociedade, incluindo

saúde, produção de alimentos e questões jurídicas.

1976 - Criada a primeira companhia de Engenharia genética, a Genetch, que produziu a primeira proteína humana em uma bactéria geneticamente modifi cada e, em 1982, comercializa a primeira droga produzida pela Engenharia Genética, a insulina humana.

1983 – É mapeado nos EUA o primeiro gene relacionado a uma doença, um marcador para a doença de Huntington encontrado no cromossomo 4. O estudo permitiu o desenvolvimento de um teste diagnóstico.

1985 – O britânico Alec Jeffrey publica artigo que descreve a técnica de identifi cação que fi cou conhecida como “impressão digital” por DNA, que permitiu a elucidação mais precisa de crimes e testes de paternidade.

1986 – Plantas de tabaco geneticamente modificadas para se tornarem resistentes a herbicidas são testadas em campo pela primeira vez, nos EUA e França.

1990 – A terapia genética é utilizada pela primeira vez, com sucesso, em uma menina de quatro anos com um tipo de defi ciência no sistema imunológico chamado ADA.

1994 – Liberação do tomate Favr Savr, o primeiro ralimento geneticamente modifi cado cuja venda é aprovada pela FDA (agência de fármacos e alimentos dos EUA).

1996 – Nascimento da ovelha Dolly, primeiro mamífero clonado a partir de uma célula de um animal adulto pelo Instituto Roslin (Escócia) e pela empresa PPL Therapeutics. Dolly morreu de envelhecimento precoce em fevereiro de 2003.

2000 – Pesquisadores do consórcio público Projeto Genoma Humano e da empresa privada norte-americana Celera anunciam o rascunho do genoma humano, que seria publicado em fevereiro de 2001.No Brasil, pesquisadores anunciam o seqüen-ciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, a causadora da doença do amarelinho em cítricos.

Fonte: Folha de S. Paulo, especial 1953 DNA 2003 – A hélice do milênio, páginas 4 e 5. Artigo produzido por

Luisa Massarani (jornalista) e Fábio Gouveia (biólogo), do Museu da Vida/Casa Oswaldo Cruz/Fiocruz e Ildeu de

Castro Moreira, professor de Física e História da Ciência da UFRJ.

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Genética Básica | As origens das idéias sobre hereditariedade

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ENTÃO, VAMOS VOLTAR NO TEMPO?

A curiosidade pela forma como as características são transmitidas

gerações após gerações é muito antiga. Já na Grécia, cerca de 400 a.C.,

o fi lósofo Hipócrates, considerado o Pai da Medicina, propôs a hipótese da

pangênese para explicar a transmissão de características entre as gerações.

Hipócrates admitia que a hereditariedade baseava-se na produção de

partículas por todas as partes do corpo e na transmissão dessas partículas

para a descendência no momento da concepção. Note que nessa hipótese

está embutido o conceito de hereditariedade de caracteres adquiridos,

o que foi retomado por Lamarck muito tempo depois.

Aristóteles (384-322 a.C.), em seu livro Geração dos Animais, que

trata de problemas de hereditariedade e de desenvolvimento, discutiu a

hipótese da pangênese proposta por Hipócrates e não considerou que

essa fosse uma boa explicação para a transmissão da herança. Entre os

argumentos para rejeitar a hipótese da pangênese, Aristóteles inclui:

1. Pode-se observar semelhanças entre pais e fi lhos que não se restringem à

estrutura corporal, como a voz ou o jeito de andar. Como características

não estruturais poderiam produzir as tais partículas para sua

transmissão?

2. Certas crianças pareciam herdar características de ancestrais remotos;

3. Indivíduos mutilados podiam produzir descendência perfeita;

4. Se o pai e a mãe produzem partículas precursoras de todo o corpo, os

descendentes não deveriam ter duas cabeças, duas pernas etc.?

“Em muitos campos da ciên-cia é necessário conhecer a embriologia das idéias: nossa visão moderna só pode ser completamente compre-endida e julgada se nós entendermos as razões que nos fi zeram pensar como nós pensamos.”J. R. Baker

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Segundo Aristóteles, deveria haver uma base física para a

hereditariedade no sêmen produzido pelos pais. Ele questiona: “Por que

não admitir diretamente que o sêmen... origina o sangue e a carne, ao invés

de afi rmar que o sêmen é ele próprio tanto sangue quanto carne?”

Embora não pareça, a contribuição de Hipócrates e Aristóteles

foi um grande começo. Hipócrates foi capaz de identifi car um problema

científi co: como se dá a transmissão de características entre as gerações?

Este é, possivelmente, o passo mais difícil de todos para o avanço do

conhecimento. Ele ainda propôs uma hipótese explicativa e a escreveu

de maneira compreensível.

Aristóteles também propôs uma hipótese para explicar a

hereditariedade que, embora vaga, foi fundamental para todo trabalho

posterior na área. Essa idéia permitiu que se deixasse de atribuir à

hereditariedade uma base sobrenatural ou emocional e se passasse a

pensá-la como resultado da transmissão de algum tipo de substância

pelos pais.

Durante a Idade Média o interesse pelas questões científi cas

praticamente cessou no mundo ocidental. Foi o período em que a Igreja

exerceu hegemonia sobre o pensamento humano. Com a RENASCENÇA,

o interesse volta, a observação e a experimentação passam a ser aplicadas

de forma sistemática na tentativa de compreender a natureza. Para

compreendermos os avanços da Genética a partir dessa retomada da

investigação científi ca, precisaremos ter uma noção de como evoluiu a

nossa maneira de fazer e pensar a ciência.

AS ORIGENS DA CIÊNCIA

Você já foi introduzido à Filosofi a da Ciência na aula sobre

o Desenvolvimento Histórico do Evolucionismo em Grandes Temas

da Biologia. Mas como este é um assunto importante para que você

acompanhe a construção do conhecimento no campo da Genética, vamos

rever essa história.

Segundo estudiosos de Filosofia da Ciência, FRANCIS BACON

foi um dos principais responsáveis pela revolução científi ca e pela

organização do método científi co. Entre 1606 e 1626, Bacon publicou

uma série de livros onde defendia a ciência empírica como o único

caminho adequado para testar hipóteses e criticava severamente

o hábito clássico de começar uma investigação com um ponto de

vista aceito como verdade e deduzir, a partir daí, as conseqüências.

RE N A S C E N Ç A

Movimento literário, artístico e científi co que se verifi cou nos séculos XV e XVI e

que se baseou, em grande parte, na

imitação da Antigüidade.

Provas empíricas são infor-mações obtidas a partir da observação direta ou indireta da natureza ou de experimentos.

!

FR A N C I S BA C O N (1561-1626)

Lorde Chanceler da Inglaterra, escreveu o livro Instauratio Magna em 1620,

onde descreveu suas idéias de como fazer

ciência.

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Genética Básica | As origens das idéias sobre hereditariedade

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Sua sugestão era que devia se partir dos fatos conhecidos relacionados

com algum fenômeno natural e tentar formular princípios gerais que

explicassem esses fatos. Esse método lógico de raciocínio de começar

pelo particular e seguir para o geral é conhecido como indução.

Nos séculos que se seguiram a Bacon, muitos outros fi lósofos da

ciência contribuíram para a nossa visão atual de ciência. O procedimento

preconizado por Bacon evoluiu para o chamado método hipotético-

dedutivo. Nessa concepção, um estudo científi co começa pela observação

ou experimentação de algum fenômeno natural. Hipóteses provisórias são

formuladas visando a explicar tal fenômeno e, a partir dessas hipóteses,

são feitas deduções que permitem testá-las.

A visão de que explicações científi cas são generalizações derivadas

de uma série de observações é denominada positivismo. Esta visão sofreu

diversos questionamentos desde o século XVII, mas foi só em meados

do século XVIII que o fi lósofo escocês DAVID HUME apontou um sério

problema na indução de generalizações. Segundo ele, a única garantia

que se tem para o sucesso do método indutivo é o seu sucesso passado;

uma próxima observação pode derrubar a generalização.

A tentativa mais conhecida de resolver esse paradoxo foi a

do fi lósofo austríaco KARL POPPER. Segundo sua visão, os cientistas

realmente fazem hipóteses sobre a natureza do mundo, às vezes por

meio de generalizações indutivas, e, então, submetem as hipóteses a

testes rigorosos. Esses testes, no entanto, não são tentativas de provar

uma idéia particular, mas sim tentativas de negá-las. Aquele exemplo

clássico: após observar milhares de cisnes, pode-se generalizar que todos

os cisnes são brancos, mas uma generalização só será realmente válida

se pudermos observar todos os cisnes que existem, existiram e existirão.

O aparecimento de um cisne preto derrubaria a generalização. Isto é,

embora não se possa verifi car se todos os cisnes são brancos, ao achar

um cisne que não seja branco pode-se refutar esta proposta.

KA R L RA I M U N D

PO P P E R

(1902-1994)

Filósofo da ciência.

DA V I D HU M E (1711-1776)

Filósofo e historiador.

Hume e Popper estão entreos mais importantes fi lósofosda ciência.

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O fragmento abaixo foi extraído do texto Reflexões sobre

Ciência e seu Ensino, do prof. José Mariano Amabis, do Departamento

de Biologia da USP. Ele resume a visão atual de como se processa a

pesquisa científi ca:

...Uma vez identifi cado o problema, o pesquisador usa toda sua

capacidade criativa para propor uma explicação provisória para ele.

Essa explicação nada mais é do que um palpite sobre o porquê da

contradição entre o conhecimento vigente e o fato. Esse palpite é a

hipótese. Uma hipótese científi ca, no entanto, não é uma criação a

partir do nada. Em sua elaboração, o pesquisador lança mão das

teorias vigentes relacionadas ao problema em questão, reunindo,

analisando e interpretando toda informação disponível sobre o

assunto. Pode-se dizer que durante a elaboração de uma hipótese

há um processo de indução.

A hipótese ou hipóteses provisórias são, então, submetidas a testes

que oferecem as mais severas condições para crítica. Mas os únicos

testes possíveis são aqueles que, eventualmente, podem mostrar que

a hipótese é falsa. Não existe maneira em ciência de se mostrar que

uma hipótese é correta, ou verdadeira. Assim, as hipóteses científi cas

se credenciam por testes de falseabilidade. Nesse tipo de teste, são

feitas deduções a partir da hipótese, ou seja, imaginadas situações

em que, se a hipótese for verdadeira (embora não se possa provar

que ela o seja), haverá uma ou mais conseqüências específi cas.

As situações imaginadas devem oferecer todas as condições para

que, se a hipótese não for correta, a previsão não se confi rme e,

assim, a hipótese seja refutada.

E se a hipótese não for refutada? Rigorosamente devemos dizer

que a hipótese não foi rejeitada, ou refutada, e nunca que ela foi

confi rmada, pois, como vimos, não é possível validar uma hipótese

positivamente, por mais rigor e controle que tenham sido usados

em seu teste. Isso quer dizer que em ciência, podemos ter certeza

quando estamos errados, mas nunca poderemos ter certeza de

estarmos certos. Assim, o conhecimento científi co e os resultados

em ciência não devem ser aceitos como defi nitivos e inquestionáveis;

uma explicação em ciência é aceita enquanto não tivermos motivos

para duvidarmos dela, ou seja, enquanto for “verdadeira” acima

de qualquer suspeita.

...Essas mudanças na perspectiva de como os cientistas realmente

trabalham levam-nos a uma importante reinterpretação das relações

entre teorias e dados. Somos obrigados a fazer uma separação bem

defi nida entre o mundo teórico e o mundo dos dados empíricos.

Isto cria uma concepção de ciência circular, em vez de linear.

Para conhecer um poucomais sobre o procedimentocientífi co de forma bem-humorada, leia, de RubemAlves, Filosofi a da Ciência:introdução ao jogo e suasregras. 18a. ed., São Paulo:Brasiliense, 1993.

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Genética Básica | As origens das idéias sobre hereditariedade

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A TENTATIVA DE DARWIN PARA EXPLICAR A HERANÇA BIOLÓGICA

Na aula Evolução: uma teoria criada há 150 anos ainda atual, da

disciplina Grandes Temas em Biologia, você teve um primeiro contato

com as idéias de DARWIN sobre evolução biológica. Agora veremos que

foi ele também que nos forneceu um dos primeiros exemplos do uso

da indução na formulação de uma hipótese visando compreender a

hereditariedade.

Compreender as leis da transmissão da herança biológica e

do surgimento de novas variantes era um passo fundamental para a

teoria de Darwin da evolução por meio da seleção natural. Na época,

a maioria das pessoas no ocidente acreditava que cada organismo

havia sido criado separadamente pelo Deus judaico-cristão e que as

variações entre indivíduos da mesma espécie seriam aleatórias e causadas

principalmente por diferenças ambientais. Darwin, no entanto, estava

convencido de que a hereditariedade era um fenômeno geral, bastante

preciso e importante.

Sua tentativa de entender a hereditariedade resultou no

mais longo de seus trabalhos – The variation of animals and plants

under domestication (1868), onde ele reuniu uma grande quan-

tidade de informações, buscando entender a possível origem de

animais e plantas domesticados a partir de ancestrais selvagens.

Ela envolve dois mundos distintos mas paralelos (o mundo teórico no

qual residem as teorias e o mundo empírico das observações), ligados

por um processo de retroalimentação de testes de hipóteses.

Teorias são idéias ou modelos de como o mundo funciona. Nós

trabalhamos dentro de um mundo estritamente teórico, deduzindo

que conseqüências devem acontecer a partir das suposições e

premissas do modelo; nós então testamos a validade do modelo

comparando as previsões contra o mundo real. Uma vez que o

modelo fornece previsões que coincidem com o que realmente

observamos, nós continuamos a desenvolver o modelo. Mas quando

o modelo falha ao prever corretamente a realidade, nós alteramos

o modelo ou procuramos elaborar um melhor. Ciência, em outras

palavras, é um processo de retroalimentação: ela aprende a partir de

seus próprios erros. Seu comportamento é darwiniano, no sentido

de que apenas as teorias bem-sucedidas sobrevivem.

CH A R L E S RO B E R T DA R W I N

(1809-1882)

Naturalista inglês,publicou seu maisfamoso livro,On the origin of species, em 1859.

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Darwin admitia que os mesmos fatores envolvidos na seleção artifi cial

sobre variações hereditárias, que levavam ao rápido desenvolvimento

de espécies domésticas com características consideradas favoráveis,

deveriam explicar a lenta seleção natural responsável pela origem das

espécies.

Para a elaboração de seu livro, Darwin se baseou em experimentos

que ele mesmo realizou com plantas e animais, principalmente pombos,

e no levantamento sobre os resultados de outros pesquisadores.

Figura 1.1: A partir de uma linhagem de pombos selvagens, uma grande variedade de pombos com morfologias distintas foi obtida por seleção em poucas gerações. Nos tempos de Darwin, o processo de cruzamento e seleção era realizado sem o conhecimento dos princípios da herança mendeliana.

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Genética Básica | As origens das idéias sobre hereditariedade

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Após um sistemático e extenso trabalho de levantamento de informações

sobre a hereditariedade, Darwin foi capaz de extrair algumas observações

fundamentais, entre elas:

1. Uma vez que características morfológicas e fi siológicas são herdadas,

deve existir uma base física para a hereditariedade;

2. Todos os fatores hereditários devem estar contidos nos gametas, uma

vez que estes são a única ligação entre as gerações;

3. Os gametas não podem ser a única sede dos fatores hereditários, pois

alguns organismos podem se reproduzir de forma assexuada e há

organismos capazes de regenerar partes perdidas;

4. Os fatores hereditários podem estar presentes e não se expressarem

em curto ou longo prazo. O que sugere que os fatores hereditários são

relativamente estáveis e perenes mesmo quando latentes;

5. Os fatores hereditários podem mudar ou fatores totalmente novos podem

ser formados, como no caso do aparecimento de novas variações;

6. Uma vez que os fatores hereditários estão presentes geração após

geração, eles devem se replicar;

7. Na época, autoridades idôneas relataram casos onde mutilações

pareciam ter sido herdadas e casos onde os fatores hereditários

pareciam atuar como agentes infecciosos. Darwin considerou esses

relatos para a formulação de sua hipótese, mas nos dias de hoje haveria

grande dúvida com relação à veracidade dessas informações.

Ao tentar explicar todas as informações disponíveis sobre a

hereditariedade, Darwin lançou mão, com algum aprimoramento,

da hipótese da pangênese formulada por Hipócrates cerca de 2 mil

anos antes. Segundo Darwin, toda parte de um organismo produziria

gêmulas, minúsculas unidades de reprodução, de tipos específi cos. Estas

gêmulas seriam capazes de se mover através do corpo, de modo que

todas as partes corporais, inclusive óvulos e espermatozóides, conteriam

gêmulas de todos os tipos. Durante o desenvolvimento, as gêmulas se

uniriam umas às outras para produzir novas células dos tipos que as

tinham produzido; novas gêmulas seriam produzidas continuamente;

as gêmulas seriam em geral ativas na descendência, mas poderiam fi car

dormentes por várias gerações.

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Embora a hipótese de Darwin estivesse baseada nas gêmulas, ele não

tinha nenhuma evidência de sua existência. As gêmulas seriam uma base

física inventada para explicar o fenômeno observável da hereditariedade.

Inventar uma explicação para um fenômeno é um procedimento científi co

legítimo. Como vimos, é isso que os cientistas fazem quando formulam

uma hipótese. A fragilidade da hipótese da pangênese estava no fato de

ela não simplifi car a hereditariedade — após apresentar exemplos do

modo de ação da hereditariedade, ele sugere que a herança acontece

dessa forma porque as gêmulas atuam assim; isto é o mesmo que dizer

que hereditariedade é sinônimo de gêmula. E mais, na impossibilidade

de se elaborar um teste decisivo para a hipótese.

Darwin começou tentando explicar um grande problema e acabou

explicando muito pouco. Contudo, na época não se conhecia nenhuma

outra hipótese melhor capaz de explicar todas as informações existentes

sobre a hereditariedade. A grande contribuição de Darwin foi catalogar

e organizar uma série de informações que uma teoria abrangente sobre

hereditariedade deveria explicar, e atribuir uma base física à heredita-

riedade, fornecendo a outros cientistas um lugar onde começar.

A Ciência Genética, por sua característica essencialmente

experimental, avançou muito e rapidamente a partir da utilização do

método científi co como procedimento padrão para investigação.

A partir de 1900, os estudos sobre a hereditariedade fi zeram enormes

progressos, tentando primeiramente explicar os casos mais simples e, só

então, à medida que eram desenvolvidas hipóteses testáveis, passou-se

a estudar casos mais complexos, explicando-os e incorporando-os à

teoria genética.

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Genética Básica | As origens das idéias sobre hereditariedade

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“No fi nal deste século XX, é preciso que fi que claro para

todos que nenhum sistema explicará o mundo em todos os

seus aspectos e detalhes. Ter ajudado na destruição da idéia

de uma verdade intangível talvez seja uma das mais valiosas

contribuições da metodologia científi ca.”

François Jacob (em La logique du vivant. Une histoire

de l’hérédité, 1970).

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula veremos que, em paralelo com os estudos

que buscavam leis gerais para a transmissão da herança

biológica, outros pesquisadores avançavam em um outro

paradigma, o desenvolvimento da teoria celular. Um pouco

mais à frente, veremos também que foi a integração entre

essas duas formas de ver a natureza que permitiu o grande

salto para o entendimento da hereditariedade.TH O M A S KU H N (1923-1996)

Físico e historiador da ciência, escreveuThe Structure of Scientifi c Revolutions, publicado em 1962.

Segundo Kuhn, paradigma é umamaneira de ver a natureza. Uma realização científi ca universalmentereconhecida que, durante algum tempo, fornece problemas e soluções modelares parauma comunidade de praticantes de uma ciência.

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EXERCÍCIOS

1. Identifi que no texto abaixo o que podemos considerar como: fato, hipótese,

deduções e como a hipótese proposta pode ser testada por falseabilidade.

Em meados do século VII, as pessoas acreditavam que o aparecimento de seres

vermiformes fosse proveniente da transformação espontânea da matéria de

cadáveres em decomposição. Francesco Redi, ao ver moscas voando em torno de

cadáveres de diversos animais, supôs que os seres vermiformes poderiam ser larvas

que surgiam de ovos dessas moscas. Redi, então realizou o seguinte experimento:

colocou cadáveres de diversos animais em frascos e tapou alguns deles com uma

fi na gaze enquanto deixou outros abertos. Nestes, onde as moscas entraram, logo

apareceram as larvas. Já nos frascos tapados, nenhum ser vermiforme apareceu.

Acompanhando o desenvolvimento das larvas, Redi observou o aparecimento de

moscas idênticas às que sobrevoavam os cadáveres. Este experimento derrubou

a explicação de que os seres vermiformes surgiam da transformação espontânea

da carne em decomposição.

2. Darwin pôde supor que existiam fatores hereditários e que eles estavam presentes

em pelo menos um grande número de células; eles podiam ser transmitidos através

dos gametas, podiam se expressar ou permanecer dormentes em uma dada

geração, podiam persistir imutáveis por gerações, podiam se alterar sob certas

condições desconhecidas e eram capazes de aumentar em número.

Com os conceitos que você tem atualmente sobre a transmissão da herança

biológica, você seria capaz de identifi car os processos genéticos que explicam os

fenômenos listados por Darwin. Isto é:

a. Qual a natureza molecular dos fatores hereditários?

b. Nas células, onde estão localizados exatamente os fatores hereditários?

c. Como esses fatores são transmitidos para a próxima geração?

d. Por que uma característica presente em um dos pais nem sempre se expressa

em sua descendência?

e. O que permite que os fatores hereditários aumentem de número, mantendo-se

geração após geração?

f. O que causa eventuais alterações nos fatores hereditários, resultando no

aparecimento repentino de novas variações?

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Genética Básica | As origens das idéias sobre hereditariedade

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Tente responder a estas questões. Não se preocupe se não conseguir responder

a alguma delas. Guarde suas respostas, pois elas serão utilizadas no futuro para

avaliarmos a evolução do seu entendimento sobre os fundamentos da Genética.

3. Faça uma reflexão sobre o texto desta primeira aula respondendo às

questões abaixo:

a. O texto acrescentou alguma informação para você? Qual?

b. Que pontos você considerou mais interessantes?

c. Que pontos você considerou irrelevantes?

d. Há algum ponto que não fi cou claro?

e. Há algum ponto que você gostaria de aprofundar?

f. Alguma outra observação?

g. Diante da sua avaliação sobre esta primeira aula, você pretende tomar alguma

atitude que melhore o seu aprendizado sobre as questões levantadas? Qual?

Essas são questões que você deve se fazer ao fi nal de todas as aulas do curso.

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Divisão celular I –Mitose e o ciclo celular

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Compreender os eventos históricos que levaram à descoberta da divisão celular.

• Identifi car os estágios da mitose e relacioná-los com a trans-missão das características hereditárias.

• Reconhecer as etapas do ciclo celular.

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Genéica Básica | Divisão celular I – Mitose e o ciclo celular

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Com certeza, você já estudou na disciplina Grandes Temas em

Biologia, os trabalhos de Robert Hooke (1635-1703), Antony van Leeu-

wenhoek (1632-1723) e Theodor Schwann (1810-1882), dentre outros,

e percebeu que eles tiveram grande infl uência na formulação da Teoria

Celular. Segundo uma visão simplifi cada desta teoria, as células podem

ser consideradas como as unidades básicas de estrutura e função, ou seja,

são as menores unidades capazes de ter vida independente. Desta forma,

são capazes de usar substâncias obtidas do meio para manter e produzir

o estado vivo. Agora, veremos que, apesar de a teoria celular ter sido for-

mulada na primeira metade do século XIX, eram necessárias outras duas

informações antes que as células pudessem ser consideradas importantes

para a transmissão das características hereditárias: (1) a descoberta de

que os espermatozóides e óvulos são células e (2) o reconhecimento de

que células só se originam de células preexistentes.

A NATUREZA CITOLÓGICA DO ESPERMATOZÓIDE

Quando, no início do século XIX, Schwann e outros propuseram

que o corpo dos organismos seria composto por células e que as células

se caracterizariam por possuir uma matriz envolvida por membrana,

contendo no seu interior um núcleo, foi fácil reconhecer que o óvulo

seria uma célula. Mas, no caso dos espermatozóides, essa associação

não era tão clara. Embora alguns pesquisadores tenham proposto a

importância dos espermatozóides para a fecundação, muitos outros

estavam convencidos de que os espermatozóides eram parasitas. Daí o

termo que signifi ca “animais do esperma”. Imagine que, entre 1766 e

1768, Linnaeus tentou classifi car os animais do esperma.

Foi Leeuwenhoek, em 1667, quem primeiro comunicou a desco-

berta de que o líquido seminal possuía criaturas microscópicas e pro-

pôs a primeira hipótese de que os espermatozóides entrariam no óvulo

causa0ndo sua fertilização (Figura 2.1). Mas, como vimos, essa hipótese

não foi considerada por muito tempo Mais de um século depois, em

1784, LAZZARO SPALLANZANI realizou uma série de experimentos para

verifi car a função do sêmen na reprodução e corroborou a hipótese

de Leeuwenhoek. Ele observou que, ao fi ltrar o sêmen de rãs machos,

retirando os espermatozóides ali presentes, o líquido perdia seu poder

fecundante.

LAZZARO SPALLANZANI (1729-1799)

Biólogo italiano, realizou importantes pesquisas em reprodução animal, o que contribuiu defi nitivamente para a derrocada da teoria da geração espontânea de Aristóteles.

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Figura 2.1: Ilustrações dos “animais do esperma” feitas por Leeuwenhoek.

RUDOLPH ALBERT

VON KÖLLIKER (1817-1905)

Anatomista e fi siolo-gista, contribuiu com

importantes estudos na área da histologia.

No entanto, só em 1841, a idéia de que os espermatozóides eram

células foi realmente aceita pela comunidade científi ca, quando ALBERT

KÖLLIKER, estudando a histologia dos testículos, verifi cou que as célu-

las ali presentes davam origem aos espermatozóides. Por outro lado, a

evidência principal de que o espermatozóide entra no óvulo durante a

fertilização só foi dada em 1854, por George Newport.

Assim, fi cou estabelecido que os espermatozóides eram células

que se fundiam com os óvulos durante a reprodução sexuada e reconhe-

ceu-se que os óvulos e espermatozóides deveriam conter a informação

hereditária ser passada para a próxima geração.

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Genéica Básica | Divisão celular I – Mitose e o ciclo celular

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RU D O L P H LU D W I G

CA R L V I RC H O W (1821–1902)

Médico e sanitarista alemão, dedicou-se ao estudo da patologia celular. Hoje é conhe-cido como “o pai da patologia moderna”.

Figura 2.2: Ilustrações de Schneider (1873) das alterações nucleares durante a cli-vagem do ovo de Mesostoma sp.

O próximo passo foi o reconhecimento de que toda célula vem

de uma célula preexistente. Após estudos realizados com muitos orga-

nismos, RU D O L P H V I RC H O W , em 1855, propôs: omnis cellula e cellula

(toda célula provém de uma célula), frase que fi cou famosa!

É claro que, como sempre acontece durante o desenvolvimento de

novas teorias, essa idéia não foi imediatamente aceita por todos. Muitos

continuavam a acreditar que os organismos podiam surgir espontane-

amente. Mas o prosseguimento das pesquisas nessa área levou ao reco-

nhecimento de que a transmissão da herança biológica está relacionada

à continuidade celular. Mas como seria o processo de origem de uma

célula a partir de outra? Seria possível identifi car regularidade nesse

processo?

Foi Anton Schneider quem fez a primeira descrição das alterações

nucleares durante o processo de divisão celular, em 1873. Observe, na

Figura 2.2, as ilustrações das imagens que Schneider viu ao analisar

as etapas iniciais do desenvolvimento embrionário de um platelminto

(Mesostoma sp.).

Note, no primeiro desenho, o ovo rodeado pelas células foliculares

e por estruturas espirais, os espermatozóides. Nos outros desenhos, já é

possível identifi car o processo de divisão celular. Schneider observou o

aparecimento de estruturas em forma de bastão, que mais tarde foram

denominadas cromossomos (cromo = coloridos e somos = corpos) devi-

do à sua afi nidade pelos corantes. Ao fi nal da divisão, essas estruturas

seriam distribuídas entre as duas novas células. Novamente, permanecia

uma dúvida: seriam as estruturas em bastão artefatos das técnicas utili-

zadas para fi xação e coloração das células? Ou será que essas estruturas

eram realmente componentes de células vivas?

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WA L T H E R

FL E M M I N G

(1843-1905)

Anatomista alemão, um dos primeiros estu-diosos da citogenética.

WALTHER FLEMMING foi quem respondeu a essa pergunta quando, em

1882, publicou suas observações sobre a divisão celular em células vivas

de larvas de salamandras no livro Zellsubstanz, Kern und Zelltheilumg.

Estava comprovado que as estruturas em forma de bastão não eram um

artefato das técnicas citológicas, pois lá estavam, nas células vivas.

Flemming também foi capaz de propor a seqüência de eventos

relacionados à divisão celular e descrever cada um deles com tamanha

precisão que apenas detalhes da mitose foram adicionados a sua

descrição.

Veja na Figura 2.3 as ilustrações feitas por Flemming. Os desenhos

mostram sua tentativa de ordenar os eventos desde o início da divisão,

quando os cromossomos começam a se tornar visíveis, até a formação

de duas células. Além da seqüência de eventos, ele também chama a

atenção, no desenho maior apresentado na segunda linha, para o fato

dos cromossomos estarem duplicados no início da divisão.

Figura 2.3: Ilustrações de Flemming (1882) mostrando os eventos nucleares que ocorrem durante a mitose em células vivas de larva de salamandra.

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Genéica Básica | Divisão celular I – Mitose e o ciclo celular

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CENTROSSOMO

Estruturalocalizada próxima ao núcleo dascélulas animais evegetais, sendo ocentro primário de organização dos microtúbulos.Em animais, écomposto por um par de centríolos,embebido em umamatriz protéica.

Foi Flemming quem cunhou os termos cromatina, mitose, prófase, metáfasee anáfase, que usamos até hoje. Ele também fez as primeiras observações decromossomos mitóticos em células humanas, mas as técnicas disponíveis naépoca não permitiram a identifi cação do número de cromossomos na nossaespécie. Em 1923, Painter, após analisar as células de testículos humanos, propôsque a nossa espécie possuiria 24 pares de cromossomos. O número correto decromossomos da espécie humana (23 pares) só foi estabelecido por H. J. Tijo eA. Levan, no artigo “The chomossome numbers of man”, publicado no volume42 do periódico Hereditas, em 1956.

DESVENDANDO A DIVISÃO CELULAR

A mitose é um tipo de divisão celular assexual que ocorre em

eucariotos. Nesse tipo de divisão, a partir de uma célula são formadas

duas células-fi lhas que apresentam o mesmo número de cromossomos

da célula-mãe.

Nos organismos multicelulares, a mitose é responsável por trans-

formar o zigoto em duas células, depois quatro, oito até que um orga-

nismo composto por múltiplas células seja formado. A mitose também

é responsável pela multiplicação de organismos unicelulares, como os

protozoários e alguns fungos.

O CICLO DE DIVISÃO CELULAR

O ciclo de divisão celular é composto por quatro estágios: S (fase

de síntese do DNA), M (fase de divisão celular – Mitose), G1 e G2 (gap,

ou fases intermediárias), sendo um processo contínuo que leva cerca de

10-20 h, dependendo do tipo de célula e estágio de desenvolvimento do

organismo.

Juntas as fases G1, S e G2 constituem a Interfase, intervalo entre

mitoses. Esta é, em geral, a fase mais longa, ocupando cerca de 90% do

ciclo. A fase G1 inicia após a mitose e termina antes da replicação do

DNA. A fase G2 inicia após a replicação do DNA e antecede a divisão

celular (Figura 2.4). Durante as fases G1 e G2 a célula sintetiza proteínas

e organelas e monitora os ambientes interno e externo a fi m de garantir

que as condições sejam propícias à replicação e à divisão celular. A fase

G1 é especialmente importante neste contexto. Seu período pode sofrer

grande variação, dependendo das condições externas e da sinalização

proveniente de outras células. Se as condições extracelulares forem des-

favoráveis, a célula pode interromper a fase G1 e entrar em um estado

de repouso conhecido como G0. Neste estado, a célula pode permanecer

dias, semanas ou até mesmo anos até que as condições sejam favoráveis

e ela possa continuar sua proliferação.

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Na fase G1, cada cromossomo no núcleo celular possui uma cro-

mátide. Durante a fase S, o DNA de cada cromossomo se replica. Como

resultado desse processo, cada cromossomo fi ca com duas cromátides

idênticas (cromátides-irmãs). A duplicação do DNA é fundamental

para que, ao fi nal da divisão mitótica, as duas células-fi lhas possuam o

mesmo número de cromossomos da célula-mãe. É também na fase S que

se inicia a duplicação dos centríolos no centrossomo. Só no fi nal da fase

G2, a duplicação dos centríolos está completa, mas os dois pares ainda

se mantêm em um único centrossomo.

Durante a Intérfase, os cromossomos não podem ser vistos indi-

vidualmente, isso porque estão pouco compactados e, em conjunto,

assumem um aspecto enovelado. Em geral, a visualização de cada um

dos cromossomos só é possível durante a divisão celular (Figura 2.5).

Figura 2.5: A estrutura de um cromossomo duplicado ao final da prófase. Cada cro-mátide-irmã é formada por uma única molécula de DNA condensada.

o celular.

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Genéica Básica | Divisão celular I – Mitose e o ciclo celular

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A DIVISÃO CELULAR – FASES DA MITOSE

Embora a mitose seja um processo contínuo, ela é dividida em fases

pelos citologistas com o intuito de facilitar sua descrição. As fases da mito-

se são chamadas de: prófase, metáfase, anáfase e telófase. A seqüência de

eventos em cada uma dessas fases pode ser vista na Figura 2.6.

Ao início da prófase, os cromossomos duplicados, que se encon-

tram distendidos, se contraem numa série de helicoidizações, formando

uma estrutura altamente compacta. Esta compactação facilita sua movi-

mentação pela célula e permite que eles sejam facilmente visualizados

pelos citologistas. Neste estágio, a membrana nuclear, denominada

carioteca, começa a se dissociar. O centrossomo se divide e cada par

de centríolos migra para um dos pólos da célula. O nucléolo já não é

mais visível.

Ao fi nal da prófase, os cromossomos já estão totalmente conden-

sados, permitindo a visualização das cromátides-irmãs unidas pela região

denominada centrômero ou constrição primária. A carioteca, pratica-

mente, não existe mais, e cada par de centríolos já atingiu um pólo da

célula. A partir desses centríolos, um conjunto de fi bras, formadas por

polímeros de uma proteína chamada tubulina, se projeta em direções

opostas, formando os fusos acromáticos. Os cinetócoros se formam pela

associação de proteínas ao centrômero e funcionam como sítios aos

quais se ligam os microtúbulos do fuso acromático, cuja função é guiar

a movimentação dos cromossomos.

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Figura 2.6: Esquema geral da mitose em células animais.

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A etapa que se caracteriza pelo alinhamento dos cromossomos na

placa equatorial da célula é denominada metáfase. Em células corada,

podemos ver nitidamente os cromossomos presos aos fusos acromáticos.

A Figura 2.7 apresenta um diagrama esquemático de uma célula em

metáfase, mostrando os três conjuntos de microtúbulos que formam

as fi bras do aparato mitótico. Todos os microtúbulos têm uma de suas

extremidades ligada a um dos centrossomos nos pólos da célula. Os

microtúbulos do áster projetam-se em direção ao córtex da membrana

plasmática e fi cam ligados a ele. Os microtúbulos cromossômicos fi cam

conectados aos cinetócoros na região centromérica dos cromossomos.

Os microtúbulos polares se projetam na direção do centro da célula,

sobrepondo suas extremidades distais (região de interação).

Figura 2.7: Os três conjuntos de microtúbulos que formam as fi bras do fuso em uma célula em metáfase da mitose.

As cromátides metafásicas são altamente helicoidizadas e distintas,

facilitando assim a visualização dos cromossomos. O diagnóstico dos

distúrbios causados por alterações cromossômicas estruturais é normal-

mente feito nesse estágio.

Durante a anáfase, as cromátides-irmãs dos cromossomos se sepa-

ram, formando dois grupos que se movem orientados pelo fuso para os

pólos opostos da célula. Este movimento é resultado do encurtamento

dos microtúbulos cromossômicos. Cada cromátide agora é considerada

um cromossomo independente.

Na telófase, os cromossomos atingem as extremidades do fuso em

cada pólo da célula. A carioteca e o nucléolo se refazem. Os cromossomos

vão se tornando cada vez menos condensados, até atingirem seu estado

de compactação inicial. A célula, então, se divide em duas através de

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A divisão celular é apenas uma etapa do ciclo celular, que compreende mais três

fases: G1 em que ocorre a duplicação das organelas e antecede a replicação do

material genético; S, em que ocorre a síntese do material genético e início da

duplicação dos centríolos; e G2, quando a célula se prepara para a divisão.

A mitose é um tipo de divisão celular assexual que ocorre em eucariotos. Nesse

tipo de divisão, a partir de uma célula são formadas duas células-fi lhas que

apresentam o mesmo número de cromossomos da célula-mãe. O processo se inicia

com a condensação dos cromossomos duplicados que, dessa forma, apresentam

duas cromátides-irmãs. Esse estágio é denominado Prófase. O próximo estágio,

chamado Metáfase, é caracterizado pelo alinhamento dos cromossomos na placa

equatorial da célula. Durante a Anáfase, as cromátides-irmãs se separam e cada

uma migra para um pólo da célula. No último estágio, denominado Telófase, os

cromossomos atingem as extremidades do fuso em cada pólo. A célula, então, se

divide em duas células-fi lhas através de uma divisão citoplasmática, denominada

citocinese.

R E S U M O

uma divisão citoplasmática, denominada citocinese. Assim, são forma-

das duas células-fi lhas e o processo de divisão celular se completa. Cada

célula-fi lha herda uma cromátide de cada par de cromátides-irmãs. Dessa

forma, esse tipo de divisão produz duas células geneticamente idênticas

a partir de uma única célula genitora.

SERÁ QUE A MITOSE É O ÚNICO PROCESSODE DIVISÃO CELU-LAR?

Como sabemos, a mitose produz células-fi lhas com o mesmo

número de cromossomos da célula-mãe; os gametas, ponte entre as

gerações, se unem durante a fecundação e o número de cromossomos

nos indivíduos de uma espécie é constante entre gerações. Logo, a mitose

não pode ser o único tipo de divisão celular, pois nesse caso, o número

de cromossomos deveria dobrar a cada geração.

Na próxima aula, veremos como é mantida a constância no

número de cromossomos entre as gerações, conhecendo as etapas de

um outro tipo de divisão celular, a meiose, e a sua importância no ciclo

de vida de organismos eucariotos.

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Genéica Básica | Divisão celular I – Mitose e o ciclo celular

C E D E R J32

EXERCÍCIOS

1. Preencha os espaços em branco nas frases de 1 a 8 usando o termo abaixo mais

apropriado.

(a) anáfase b) metáfase (c) prófase

(d) mitose (e) telófase (f) intérfase

1.1 ( ) é um tipo de divisão nuclear em que os núcleos-fi lhos conservam o mesmo

número de cromossomos do núcleo original.

1.2 A migração dos cromossomos para os pólos ocorre na ( ).

1.3 Cromossomos alinhados na região equatorial da célula caracterizam a fase

da divisão chamada ( ).

1.4 ( ) é a primeira fase da divisão celular, na qual ocorre a condensação dos

cromossomos, que se tornam evidentes.

1.5 ( ) é a fase fi nal da divisão celular, em que os núcleos se reorganizam.

1.6 A replicação do DNA, isto é, a duplicação dos cromossomos, ocorre na ( ).

1.7 No fi nal da ( ), os microtúbulos do fuso acromático encontram-se unidos

aos cinetócoros.

1.8 ( ) é a fase na qual ocorre a separação das cromátides-irmãs de cada

cromossomo.

2. Qual a estrutura responsável pela correta distribuição dos cromossomos

durante a divisão celular? Como ela é organizada?

3. O núcleo interfásico está em repouso, como acreditavam os antigos

citologistas? Relacione cada etapa da intérfase (G1, S e G2) aos eventos que

ocorrem no núcleo celular.

4. Por que a mitose não pode ser o único mecanismo de divisão celular?

5. Identifi que nas ilustrações de Flemming (Figura 2.3) os esquemas que melhor

caracterizam cada etapa da mitose. Justifi que sua resposta.

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6. Você já ouviu falar em mapa de conceitos? Um mapa conceitual é uma forma

esquemática de representar o conhecimento sobre um dado assunto ou área. Os

conceitos são indicados em “caixas” e unidos por “palavras de ligação”, através

da utilização de setas, de modo a formar uma expressão com signifi cado, isto é,

que refl ita um conhecimento válido na área.

Então, complete o mapa abaixo, utilizando os termos disponíveis, de modo que

todos os conceitos sejam interligados através de palavras de ligação (que podem

ser utilizadas mais de uma vez):

Palavras de Ligaçãog ç : “se condensam formando”, “durante a”, “produz”,

“corresponde(m) a”, “se separam na”.

Conceitos: prófase, um cromossomo duplicado, uma molécula de DNA,

replicação.

Você pode utilizar este tipo de exercício para testar se você compreendeu como os conceitos apresentadosem cada aula estão relacionados entre si.

!

7. Esquematize todas as fases da mitose de uma célula que possui 3 pares de

cromossomos homólogos (2n = 6 cromossomos), utilizando a célula abaixo como

modelo. Leve em consideração o tamanho dos cromossomos e o posicionamento

dos centrômeros, para que cada cromossomo possa ser identifi cado ao longo do

processo de divisão celular. Represente apenas os cromossomos e as fi bras do

fuso, não se preocupe com as outras estruturas celulares.

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Divisão celular II – Meiose

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Compreender os eventos históricos que levaram à descoberta da meiose.

• Identifi car os estágios da meiose.

• Analisar os principais ciclos de vida em eucariontes.

objetivos3AULA

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Genética Básica | Divisão celular II – Meiose

C E D E R J36

Vamos, agora, relembrar o conhecimento de que a comunidade

científi ca dispunha, até o fi nal do século XIX, a respeito da transmissão

da informação hereditária:

• O óvulo e o espermatozóide eram reconhecidos como sendo

células germinativas, ou seja, gametas.

• Todas as células somáticas deveriam conter a informação heredi-

tária necessária para o desenvolvimento do organismo, sendo as células

germinativas responsáveis pela transmissão desta informação para a

geração seguinte.

• Os gametas, sendo o único elo entre gerações, deveriam conter

toda a informação hereditária.

• Toda a informação hereditária deveria estar contida não apenas

nas células germinativas, mas também nas células a partir das quais elas

se formam.

Além disso, através da análise de cariótipos, os cientistas da época

estavam convencidos de que o número de cromossomos de uma espécie

deveria ser o mesmo em todos os indivíduos e em todas as gerações. Mas,

se considerassem a mitose como o único mecanismo de divisão celular,

deveriam concluir que, quando os núcleos do óvulo e do espermatozóide

se fundissem durante a fecundação, o número de cromossomos deveria

dobrar a cada geração. Uma questão surgiu naturalmente: como explicar

que a quantidade de material hereditário permanece constante através

das gerações? Tentando encontrar uma resposta para essa pergunta,

algumas hipóteses foram levantadas:

• Quando os núcleos do óvulo e do espermatozóide se fundis-

sem, por ocasião da formação do zigoto, os cromossomos também se

fundiriam uns com os outros, evitando o aumento no número de cro-

mossomos.

• Metade dos cromossomos seria destruída após a formação do

zigoto, mantendo o número de cromossomos constante.

• Existiria um mecanismo que reduziria o número de cromosso-

mos à metade durante a formação dos espermatozóides e dos óvulos nas

gônadas e, quando ocorresse a fecundação, o número de cromossomos

do zigoto seria o mesmo da geração anterior.

E então, como essa questão foi resolvida?

Com base em suas próprias observações, e analisando os ex-peri-

mentos de outros citologistas, August Weismann levantou uma hipótese

que parecia resolver o problema da constância da quantidade de material

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AU G U S T WE I S-M A N N (1834-1914)

Biólogo alemão, defendeu a hipóteseda existência de células germinativas.

hereditário através das gerações. Ele acreditava que deveria existir um

mecanismo que reduzisse a quantidade de material hereditário à metade,

durante a formação dos gametas:... a fertilização consiste no fato de que um número

igual de alças (cromossomos) de cada progenitor ser

colocado lado a lado, e que o núcleo do zigoto é com-

posto dessa maneira. Não tem importância, no que diz

respeito a esta questão, se as alças (cromossomos) dos

dois progenitores se fundem mais cedo ou mais tarde ou

se permanecem separadas. A única conclusão essencial

necessária à nossa hipótese é que deve haver uma igual-

dade completa ou aproximada entre as quantidades

de substância hereditária fornecida por cada um dos

progenitores. Se for assim, as células germinativas dos

descendentes conterão os germoplasmas de ambos os

pais unidos, e isso implica que tais células só podem

conter metade do germoplasma paterno, como estava

contido nas células germinativas do pai, e metade do

germoplasma materno, como estava contido nas células

germinativas da mãe.

(WEISMANN, AUGUST, 1889. Essays upon heredity and

kindrd biological problems. Clarendon Press, Oxford).

WIHELM AUGUST OSKAR HERTWIG

(1849-1922)

Citologista eembriolo-

gista alemão.

EDOUARD VAN BENEDEN

(1846-1910)

THEODOR BOVERI (1862-1915)

Citologista alemão.

No fi nal do século XIX, três importantes pesquisadores, EDOUARD

VAN BENEDEN, THEODOR BOVERI e WIHELM AUGUST OSKAR HERTWIG , encon-

traram evidências citológicas do mecanismo proposto por Weismann.

Analisando a gametogênese em células de fêmeas e machos de Ascaris, um

parasita do intestino de porcos e humanos, esses citologistas observaram

a ocorrência de duas divisões celulares diferentes durante o processo

da gametogênese, resultando na redução do número de cromossomos

à metade.

Esse processo de divisão celular que forma os gametas é conhe-

cido, hoje em dia, como meiose, palavra de origem grega que signifi ca

diminuição.

O processo de divisão meiótica passou a despertar grande interesse

na comunidade científi ca. Atualmente, ele pode ser detalhado com um alto

nível de precisão (Figura 3.3), como você verá no decorrer desta aula.

Aproveite para comparar a meiose com o processo de divisão

celular que você conheceu na aula passada, a mitose: verifi que quantas

células são formadas ao fi nal de cada processo, como os cromossomos

se organizam espacialmente na célula em divisão, qual a relação entre a

duplicação dos cromossomos e o número de divisões celulares, e qual o

número de cromossomos encontrados em cada célula-fi lha.

Embriologista citologista belga.

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Genética Básica | Divisão celular II – Meiose

C E D E R J38

O MECANISMO DA MEIOSE

A meiose é um tipo de divisão celular sexual, pois está associada

à reprodução em fungos, animais e plantas. De forma geral, a célula que

vai sofrer meiose é chamada de meiócito. Em animais, por exemplo, os

meiócitos são células especiais presentes nos testículos e ovários que darão

origem aos gametas. Na maioria dos organismos, os meiócitos são células

diplóides, isso é, cada um de seus cromossomos está representado em

dose dupla (cromossomos homólogos). Em cada par de homólogos, um

dos cromossomos é de origem paterna e o outro é de origem materna.

Ao fi nal da meiose, serão formadas quatro células-fi lhas com apenas

um dos cromossomos de cada par de homólogos da célula-mãe, sendo

portanto, haplóide.

A meiose é um processo complexo, no qual o material cromos-

sômico se duplica uma vez e a célula se divide duas vezes, reduzindo

assim o número de cromossomos à metade. A duplicação do material

cromossômico, que corresponde à replicação do DNA, ocorre durante

o período S da interfase. Após a replicação, cada cromossomo duplica-

do passa a possuir duas cromátides-irmãs, como você já viu na Aula 2

onde foi descrito o ciclo de divisão celular. A primeira divisão meiótica

(Meiose I ou divisão reducional) produz duas células-fi lhas com o número

de cromossomos reduzido à metade, embora cada cromossomo ainda

contenha as cromátides-irmãs. A segunda divisão meiótica (Meiose II

ou divisão equacional) é semelhante a uma mitose, havendo a separação

das cromátides-irmãs de cada cromossomo. Vamos ver esse processo

com mais detalhes.

A prófase I é o primeiro estágio da Meiose I, sendo constituída de

cinco subestágios seqüenciais: leptóteno, zigóteno, paquíteno, diplóteno e

diacinese. Durante o primeiro subestágio (leptóteno) os cromossomos se

tornam visíveis ao microscópio óptico. A condensação começa em regiões

específi cas, chamadas cromômeros, que apresentam aspecto granuloso

e, progressivamente, o cromossomo vai se tornando mais curto e grosso.

As regiões terminais dos cromossomos, denominadas telômeros, estão

ligadas à membrana nuclear e essa ligação parece ter um papel importante

no emparelhamento preciso dos cromossomos homólogos.

Entenda a meiose:

Para melhor com-preender as etapas da meiose, leia o texto atentamente acompanhando naFigura 3.4 os pro-cessos que ocorremdurante cada etapada divisão meióticaem uma célula animaldiplóide (2n = 4 cro-mossomos).

!

Page 35: Rb214   genética e evolução

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O complexo sináptico

Você sabe como os cromossomos homólogos se encontram para iniciar o processo de

emparelhamento? A hipótese mais aceita é a de que os telômeros dos cromossomos homólo-

gos estejam ligados a sítios adjacentes na membrana nuclear e que a sinapse comece nessas

regiões teloméricas. Para que a sinapse ocorra é necessária a formação de uma estrutura que

ligará cada par de homólogos, chamada complexo sináptico (Figura 3.1). Essa complexa

estrutura, composta de DNA e proteínas, participa tanto da sinapse quanto do processo de

troca de material genético chamado permutação ou crossing over.

a

Figura 3.1: Complexo sináptico. A estrutura do complexo sináptico se forma entre os cromossomos homólogosdurante a meiose. Os nódulos de recombinação contêm as enzimas necessárias para a recombinação genética.Note que a representação das fi bras cromossômicas inclui as duas cromátides-irmãs de cada homólogo.

Durante o estágio seguinte, chamado zigóteno, os cromossomos

homólogos se emparelham, processo chamado de sinapse (Figura 3.1).

Como os cromossomos já se replicaram, cada cromossomo

possui duas cromátides e o emparelhamento dos homólogos resulta

num complexo chamado tétrade (Figura 3.2).

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Genética Básica | Divisão celular II – Meiose

C E D E R J40

Figura 3.2: (a) Esquema simplifi cado do emparelhamento de um par de cromos-somos homólogos duplicados, formando o complexo denominado tétrade.Cada cromossomo homólogo possui duas cromátides-irmãs, fruto da replicação da molécula de DNA durante a intérfase, unidas pela região dos centrômeros.

( )

(b) Representação tridimensional que refl ete de forma mais precisa o posicionamentodos cromossomos homólogos durante o emparelhamento. (c) Outra maneira derepresentar o mesmo processo. Neste caso, os cromossomos apresentam coloraçãodistinta para evidenciar o fato de que um dos homólogos tem origem maternaenquanto o outro tem origem paterna. Note, no entanto, que as cromátides-irmãsde um mesmo homólogo apresentam a mesma coloração por serem idênticas.(d) Representação mais simples para ser utilizada nos exercícios.

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3

No terceiro subestágio da prófase I – paquíteno – já podemos obser-

var, no microscópio óptico, os cromossomos duplicados, que continuam a

encurtar e a se condensar. A permutação, provavelmente, ocorre durante o

paquíteno, mas os resultados deste processo de troca só se tornam visíveis

na etapa seguinte, o diplóteno.

Durante a permutação, as cromátides não-irmãs de cada par

de homólogos trocam segmentos de material genético entre si, orien-

tadas pelo complexo sináptico, que se desfaz ao fi nal dessa fase.

O elemento central deste complexo contém alças de DNA, que pare-

cem ser os prováveis pontos de recombinação. Esta troca de material

genético é importante, pois manterá o emparelhamento dos cromos-

somos homólogos até que eles se liguem às fi bras do fuso e fi quem

posicionados corretamente na placa metafásica. A permuta é tam-

bém fonte de variabilidade genética nas populações.

No diplóteno, os cromossomos homólogos parecem repelir-se uns

aos outros formando estruturas em forma de X, chamadas quiasmas.

Os quiasmas são os pontos de contato entre os cromossomo

logos, onde ocorre a troca de material genético. Eles ainda m

os cromossomos homólogos juntos e dão uma evidência visu

que a permutação ocorreu (Figura 3.3). Ao fi nal do diplóte

os quiasmas, aparentemente, se movem para as pontas

dos cromossomos.

Em muitos animais o estágio de diplóteno é muito longo. Nas fêmeashumanas, por exemplo, esse estágio é iniciado no ovário durante a vidafetal. Cerca de 400.000 ovócitos imaturos atingem esse estágio e, nessemomento, a meiose I pára. Os ovócitos permanecem nesse estágio atéo início da puberdade. Durante o ciclo menstrual, um ovócito por mêsretoma a meiose na trompa de Falópio. Alguns ovócitos podem perma-necer no estágio suspenso de diplóteno por várias décadas. Isto pode terprofundas conseqüências genéticas. À medida que o ovócito envelhece,aumenta a difi culdade para completar uma meiose normal. O resultadoé ovócitos com números anormais de cromossomos, uma das principaiscausas do aumento na incidência de anomalias genéticas na prole demulheres com gestação tardia.

!

Durante o último estágio da prófase I, a diacinese, o nucléolo e

a membrana nuclear desaparecem e os microtúbulos que partem dos

centrossomos irão se ligar aos cinetócoros nas regiões centroméricas dos

cromossos. Dessa forma, a prófase I se completa.

Na metáfase I os cromossomos estão altamete condensados e

emparelhados na placa equatorial da célula. O fuso acromático está

completo.

Figura 3.3: Esquema de quiasmas formados entre as cromátides não-irmãs dos cromossosmos homólogos emparelhados, durante a prófase da primeira divisão meiótica.

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Genética Básica | Divisão celular II – Meiose

C E D E R J42

Na anáfase I, os cromossomos homólogos segregam, migrando

para os pólos da célula. Diferentemente da mitose, as cromátides-irmãs

ainda não se separaram; portanto, cada cromossomo permanece com

duas cromátides. Nesta etapa, a célula começa a se dividir em duas.

A telófase I corresponde ao fi nal da primeira divisão meiótica, a

divisão reducional. Cada um dos cromossomos homólogos, ainda dupli-

cado, completa a migração para os pólos, formando duas novas células

haplóides, uma vez que cada célula formada contém um único conjunto

de cromossomos. Em geral, nesse estágio a membrana nuclear se refaz, e

ocorre, em seguida, a citocinese.

Na maioria dos organismos, entre o fi nal da meiose I e o início da

meiose II, pode-se identifi car um estágio intermediário, quando a célula se

prepara para a segunda divisão. Os centríolos se duplicam e, normalmente,

os cromossomos se desespiralizam. Em alguns organismos, entretanto,

as células pulam essa etapa e passam diretamente para a segunda divisão

meiótica.

A segunda divisão da meiose, a divisão equacional, se assemelha a

uma mitose, exceto o fato de que há apenas um membro de cada par cromos-

sômico por núcleo. Durante a prófase II, os cromossomos voltam a atingir

seu grau máximo de condensação e se movem para a placa equatorial. Note

que cada cromossomo ainda é formado por duas cromátides-irmãs.

Na metáfase II, os cromossomos se posicionam na placa equatorial

e a separação dos centrômeros marca o fi m dessa fase.

Durante a anáfase II, cada cromátide-irmã vai em direção a um dos

pólos da célula.

A telófase II marca o fi nal da meiose, quando a membrana nuclear

e o nucléolo voltam a se reconstituir. Cada núcleo contém uma única

cromátide de cada cromossomo. Segue-se a citocinese, divisão do cito-

plasma (veja o esquema das etapas da meiose na Figura 3.4).

Uma diferença fundamental entre a mitose e a meiose é que na

mitose há uma duplicação de cada cromossomo para cada divisão celular;

na meiose há somente uma duplicação de cada cromossomo para duas

divisões sucessivas. Concluímos, então, que a mitose é um mecanismo que

mantém a constância do número cromossômico nas divisões celulares,

enquanto a meiose reduz esse número à metade.

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Figura 3.4.a: Esquema geral da meiose em uma célula animal diplóide (2n = 4 cromossomos). Note que, no fi nal da primeira divisão meiótica, a divisão reducional, cada célula formada possui a metade dos cromossomos da célula inicial (n = 2 cromossomos), embora estes estejam duplicados.

PRÓFASE I

METÁFASE I

ANÁFASE I

TElÓFASE I

Fibras do áster

Fibras polares

Fibras cromossômicas

Montagem do fuso está com-pleta. Cada par de cromoss-omos homólogos duplicados e emparelhados se dispõe na placa metafásica do fuso.

Cada par de cromossomos homólogos duplicados se separa (segrega), migrando para um dos pólos.

Os cromossomos completam a migração para os pólos.

Cada célula-fi lha formada con-tém apenas um dos homólogos, embora estejam duplicados.

LeptótenoCromossomos duplica-dos tornam-se visíveis.

Zigóteno

Cromossomos homólo-gos emparelhados.

Paquíteno

Cromossomos homólogos totalmente emparelhados. Ocorre a permutação

Diplóteno

Cromossomos homólogos começam a se repelir . Cromátides tornam-se visíveis evidenciando as quiasmas.

Diacinese

Cromossomos continuam a se condensar. Nucléolo e carioteca desaparecem. Microtúbulos se ligam aos cinetócoros nos cen-trômeros.

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Genética Básica | Divisão celular II – Meiose

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Figura 3.4.b: Esquema geral da meiose em uma célula animal diplóide (2n = 4 cromossomos). Note que, desde o início da segunda divisão meiótica, a divisão equacional, cada célula possui apenas um cro-mossomo de cada par existente no organismo (n = 2 cromossomos).

PRÓFASE II

Cromossomos duplicados se condensam e membra-na nuclear se desfaz.

METÁFASE II

Centrômeros ligados aos microtúbulos do fuso através dos cinetócoros. Cromossomos se alinham na placa metafásica.

ANÁFASE II

Cromátides-irmãs de cada cromossomo se separam (segregam) e se movem para os pólos.

TELÓFASE II

A membrana nuclear se refaz ao redor dos cromossomos e eles começam a descondensar. Recontitui-se o nucléolo.

Após a citocinese, são formadas quatro células haplóides, contendo apenas um dos homólogos de cada par.

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Estava claro, pelos trabalhos de van Beneden, Boveri e outros, que

cada progenitor transmite o mesmo número de cromossomos ao zigoto.

Além disso, os cromossomos no núcleo materno e paterno pareciam ser

idênticos, isto é, cada progenitor contribui com um dos cromossomos

do par de homólogos. Essas duas observações podiam ajudar a explicar

o que já se acreditava há algum tempo: que a contribuição hereditária

de cada progenitor é, aproximadamente, a mesma.

Entretanto, não estava claro como as características eram herdadas

de geração em geração e como se comportavam durante a formação dos

gametas. Nem mesmo estava claro se os cromossomos tinham algo a ver

com a transferência da herança biológica. A ligação entre os cromossomos

e a hereditariedade só foi proposta nos primeiros anos do século XX,

por Sutton, depois da redescoberta dos trabalhos de Mendel.

CICLOS DE VIDA DE EUCARIONTES

Agora que você já conhece os principais estágios da meiose, vamos

estudar o ciclo de vida de alguns organismos eucariontes. O ciclo de vida de

um organismo é a seqüência de eventos que ocorre desde sua origem como

zigoto até a sua morte. Nos eucariontes, a meiose gera células haplóides

nas quais o material genético parental foi recombinado por segregação

cromossômica e permutação. A fusão de células haplóides produz uma

variedade quase infi nita de novas combinações genéticas, sobre as quais os

processos evolutivos podem agir. Assim, os ciclos de vida dos organismos

apresentam oportunidades de recomposição do material genético para

produzir novas combinações genéticas. Existem três tipos básicos de ciclo

de vida: haplobionte haplonte, haplobionte diplonte e diplobionte. Essa

classifi cação é baseada na ploidia dos indivíduos adultos. Os termos

haplobionte e diplonte referem-se ao número de tipos de organismos

quanto à ploidia; um tipo no caso dos haplobiontes (haplóide ou diplóide)

e dois tipos no caso dos diplobiontes (haplóide e diplóide).

Ciclo haplobionte diplonte

A Figura 3.5 resume o ciclo haplobionte diplonte, o ciclo da maio-

ria dos animais, inclusive o do homem. O corpo adulto é composto de

células diplóides e a meiose ocorre em células diplóides especializadas,

os meiócitos, levando à formação dos gametas haplóides (meiose gamé-

tica). A fusão de gametas haplóides forma um zigoto diplóide, que, por

mitose, produz um organismo pluricelular.

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Genética Básica | Divisão celular II – Meiose

C E D E R J46

Figura 3.5: Ciclo de vida haplobionte diplonte.

Ciclo haplobionte haplonte

Observe na Figura 3.6 o ciclo haplobionte haplonte, encontrado

em muitos fungos e algas. Ao observar a fi gura, você deve estar se pergun-

tando: como pode ocorrer a meiose em um organismo haplóide? Afi nal,

como vimos, a meiose requer o emparelhamento de dois conjuntos de

cromossomos homólogos. A resposta é que todos os organismos haplói-

des que sofrem meiose passam por um estágio diplóide temporário, em

que serão formados os meiócitos. Em alguns casos, como ocorre com as

leveduras, os indivíduos unicelulares haplóides se fundem para formar

um meiócito diplóide, o qual então sofre meiose. Em outros casos, as

células especializadas de progenitores diferentes se fundem para formar

os meiócitos.

Figura 3.6: Ciclo de vida haplobionte haplonte.

MEIOSE ZiGÓ-TICA

MEGAMÉT

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A meiose ocorre a partir do zigoto e produz células haplóides que

são chamadas esporos sexuais (meiose zigótica). Esses esporos sexuais,

em algumas espécies, tornam-se adultos unicelulares. Em outras espécies,

cada esporo sexual se desenvolve por mitose em um indivíduo haplóide

multicelular. Dessa forma, você pode concluir que, enquanto num cru-

zamento entre dois organismos diplóides ocorre uma meiose para cada

organismo, no cruzamento entre dois organismos haplóides ocorre uma

única meiose em todo o ciclo.

Ciclo diplobionte

Em um organismo com alternância de gerações, o ciclo vital com-

preende dois estágios adultos: um diplóide e outro haplóide. Um estágio

geralmente é mais proeminente que outro. É o ciclo de vida observado

em plantas. Observe, na Figura 3.7, que o indivíduo diplóide chamado 77

esporófi to produz, por meiose, esporos sexuais (meiose espórica). Estes,

através de sucessivas mitoses, originam um indivíduo haplóide, chama-

do gametófi to. Esse indivíduo produzirá gametas que, por fecundação,

originam um zigoto diplóide. O zigoto se multiplicará, através de muitas

mitoses, para formar um novo esporófi to.

Esporófito2n

adulto

Meiose

Esporossexuais

mitoses

n n n n

Gametófi ton adulto

Mitoses Mitoses

mitosemitose

Meiose

Esporófito 2n

adulto

Esporossexuais

n n n n

mitoses

Gametófi toGametófi ton adulton adulto

Gametas n Gametas n

Zigotos 2n Zigotos 2n

MEIOSE ESPÓ-RICA

Figura 3.7: Ciclo de vida diplobionte.

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Genética Básica | Divisão celular II – Meiose

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INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, então, vamos estudar como os trabalhos de Mendel infl uenciaram

na compreensão do mecanismo de transmissão da herança biológica.

A meiose é um tipo de divisão celular sexual, pois está associada à reprodução em

fungos, animais e plantas. Na meiose ocorrem duas divisões nucleares sucessivas.

Na primeira delas, a divisão reducional, os cromos-somos homólogos duplicados

se emparelham e ocorre a permutação.

Em seguida, cada homólogo duplicado vai em direção a um pólo da célula, que,

então, se divide em duas. Cada célula formada possui um único conjunto de

cromossomos, sendo, portanto, haplóide. Na segunda divisão, a divisão equacional,

as cromátides-irmãs, que formam o cromossomo duplicado, se separam. Cada

cromátide, então, vai para um pólo da célula que também se divide em duas. Dessa

forma, ao fi nal do processo, ocorre a formação de quatro células haplóides. Nem

sempre a meiose está relacionada à formação dos gametas (meiose gamética),

como é o caso dos organismos que possuem ciclo haplobionte diplonte. Nos

organismos com ciclo haplobionte haplonte, a meiose ocorre após a formação

do zigoto (meiose zigótica), e naqueles com ciclo diplobionte a meiose está

relacionada à formação de esporos (meiose espórica).

R E S U M O

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3

EXERCÍCIOS

1. O que Weismann imaginou ser necessário para manter a constância do número

de cromossomos através das gerações?

2. Por que a prófase I da meiose é considerada um estágio altamente complexo?

Como os eventos que ocorrem nesse estágio podem infl uenciar a transmissão dos

caracteres hereditários?

3. Complete os esquemas das duas etapas da meiose (I e II) de uma célula de

um organismo diplóide com 2 pares de cromossomos (2n = 4 cromossomos),

sem esquecer de enumerar as principais características de cada fase. Note que

os cromossomos apresentam coloração distinta para evidenciar o fato de que

um dos homólogos tem origem materna enquanto o outro tem origem paterna

(como na Figura 3.2).

!Evite olhar a respostano gabarito. Veja osexercícios 3 e 4 comoum desafi o para testaros seus conhecimentos.Se necessário, peçaajuda ao tutor e discuta com seus colegas.

METÁFASE I

Cromossomos homólogos duplicados e emparelha-dos se organizam na pla-ca equatorial.

MEIOSE I

PRÓFASE I

INTÉRFASE (G1)

ANÁFASE I

TELÓFASE I

São formadas 2 células-fi lhas contendo apenas um dos homólogos de cada par, embora estejam duplicados.

Page 46: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Divisão celular II – Meiose

C E D E R J50

4. Ao fi nal da meiose no exercício anterior, apenas dois tipos de gametas foram

formados. No entanto, na meiose de uma outra célula desse mesmo indivíduo

outros dois tipos de gametas podem ser formados. Represente, de maneira

simplifi cada, a meiose dessa célula, evidenciando qual é a fase da meiose que

determina que tipos de gametas serão formados. Dica: o fato de que um dos

homólogos de cada par tem origem materna enquanto o outro tem origem

paterna não implica que os gametas formados necessariamente recebam os dois

cromossomos provenientes do mesmo progenitor.

5. Agora identifi que as principais diferenças entre mitose e meiose.

Cromossomos duplicados se condensam.

MEIOSE II

PRÓFASE II

METÁFASE II

ANÁFASE II

TElÓFASE II

1/2 dos gametas 1/2 dos gametas

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6. Considerando uma célula humana, com 46 cromossomos, determine,

justifi cando suas respostas, o número de cromátides presentes (em cada

célula) durante as seguintes etapas da divisão meiótica:

a) Prófase I

b) Prófase II

c) Telófase I

d) Telófase II

7. Reveja o ciclo de vida de organismos haplóides que sofrem meiose

(Figura 3.6). No esquema abaixo, as elipses representam células de um

fungo haplóide que possui dois cromossomos (n = 2) em cada etapa de

seu ciclo vital. Agora, complete este esquema, colocando em cada célula

o número correto de cromossomos.

Ciclo de vida de um fungo haplóide (n = 2)

mitose mitose

Meiose

Meiócito diplóide Transitório (2n)

Células (n) representativas

Mitose

Células (n) representativas

Mitose

Adulto (n) Adulto (n)

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Mendelismo: o nascimento da Genética

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Reconhecer o contexto histórico em que se deu a descoberta e a redescoberta das leis fundamentais da hereditariedade.

• Compreender os experimentos que levaram Gregor Mendel a formular a Lei da Segregação dos Fatores ou Primeira Lei de Mendel.

• Compreender os princípios básicos de transmissão da herança, relacionando os princípios de dominância, segregação dos fatores hereditários e combinação ao acaso dos gametas com as proporções obtidas nos cruzamentos genéticos envolvendo um gene.

objetivos4AULA

Page 50: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Mendelismo: o nascimento da Genética

C E D E R J54

Como você deve estar percebendo, o século XIX marcou a Biologia

por grandes avanços do conhecimento nas áreas de Citologia e Evolução.

Em aulas anteriores, você já teve a oportunidade de verifi car que,

no século XIX, importantes estudos resultaram no estabelecimento da

Teoria Celular e que a publicação de On the origin of species, de Charles

Darwin, em 1859, revolucionou o pensamento acerca da origem da

diversidade dos organismos viventes.

Nesta época havia também um grande número de pesquisadores

que se dedicavam aos cruzamentos de plantas ou animais, normalmente

chamados de hibridação, visando entender a hereditariedade e as bases

da evolução biológica. Contudo, não se tinha conhecimento de nenhuma

lei geral que pudesse explicar os resultados obtidos. Basta lembrarmos

do insucesso de Darwin ao tentar explicar as informações disponíveis

sobre a hereditariedade através da pangênese (The Variation of Aninal

and Plants under domestication, 1868).

A área de estudos através de cruzamentos passou por um período

longo e não-excitante até que, em 1900, um modesto, subestimado e

esquecido trabalho de um monge agostiniano, já falecido, tornou-se

conhecido pela comunidade científi ca em geral. Estava para acontecer

uma mudança de paradigma. Surgia uma nova Ciência, a Genética,

que em pouco tempo se tornaria uma ferramenta rigorosa com ampla

capacidade de explicar fatos e fazer previsões.

Você já deve saber quem é esse monge agostiniano de cujo trabalho

estamos falando.

A HISTÓRIA DE MENDEL

Gregor Mendel nasceu em 22 de julho de

1822 na Moravia, então uma parte do império

Habsburg, na Europa Central. Seus pais eram

fazendeiros e a vida rural o ensinou a cuidar de

plantas e animais e incentivou sua curiosidade

acerca da natureza.

Aos 21 anos, Mendel entrou para o Monastério agostiniano de

St. Thomas, na cidade de Brünn (hoje, Brno, na República Tcheca) onde

pôde complementar seus estudos. Monastério agostinianode St. Thomas, Brünn.

Page 51: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 55

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4

Após alguns anos, foi enviado à

Universidade de Viena, onde freqüentou cursos

de Física e se submeteu aos exames necessários

à obtenção do título de professor. Embora não

tenha sido bem-sucedido nos exames, acredita-

se que ali, Mendel tenha se inteirado das

discussões sobre evolução biológica, tema que

desde o início da década de 1850 já despertava

discussões entre os biólogos.

Mesmo sem o crédito de professor, de volta ao monastério, Men-

del se dedicou a lecionar e ao desenvolvimento de suas pesquisas com

cruzamentos de animais e plantas. Mendel conhecia bem o trabalho de

Darwin e entusiasmou-se com a questão da evolução. Ele percebeu que,

para compreender este fenômeno, seria necessário conhecer os fundamen-

tos da transmissão da herança. Mendel iniciou seus estudos realizando

cruzamentos com animais (abelhas e camundongos), mas este tipo de

experimento era considerado imoral por seus superiores, por considera-

rem que Mendel estaria brincando com sexo. Mendel, então, mudou o

enfoque de seus estudos para o cruzamento de plantas. Seus superiores

não percebiam que as plantas tabém tinham sexo.

Mendel fez experimentos com várias espécies de jardim, mas foi

com as ervilhas que teve o maior sucesso. Os experimentos propriamente

ditos começaram em 1856 e terminaram oito anos depois, após uma

análise de cerca de 10.000 plantas. Os resultados da pesquisa foram

apresentados em duas palestras proferidas em 8 de fevereiro e 8 de março

de 1865 na Brünn Society for the Study of Natural Science e publicadas

nos Proceedings dessa sociedade no ano seguinte com o título: Versuche

über Pfl anzen-Hybriden (Experimentos em hibridação de plantas).

Membros do Monastérioagostiniano na antiga

Brünn entre 1861 a 1864.

Você encontra o trabalho original de Mendel traduzido para o inglês no endereço: http://www.esp.org/foundations/genetics/classical/gm-65.pdf.

!

Page 52: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Mendelismo: o nascimento da Genética

C E D E R J56

Na época, a importância do trabalho de Mendel não foi compreendida.

O campo relativo aos cruzamentos com plantas estava cheio de dados que

não permitiam conclusões gerais e os resultados obtidos com as ervilhas

pareciam ser apenas mais um exemplo da enorme variação nos resultados

obtidos com hibridação. Quando Mendel escreveu para CARL NÄGELI, um

grande estudioso na área, contando seus resultados, ele sugeriu que Mendel

repetisse seus estudos com chicória (Hieracium sp). Mendel falhou em

encontrar as regras consistentes para a herança nessa espécie e ele próprio

passou a acreditar que seus primeiros resultados poderiam ter aplicação

restrita. Ocorre que, com Hieracium, Mendel não estava realizando os

cruzamentos que pensava estar. Muito tempo depois da sua morte, descobriu-

se que nenhuma proporção uniforme era de se esperar nessa espécie, pois

nela ocorre um tipo de desenvolvimento partenogenético.

Figura 4.1: Em espécies do gênero Hieracium, a planta mãe pode desen-volver sementes sem ser polinizada. As sementes se desenvolvem direta-mente de células do saco embrionário ou dos teci-dos adjacentes, não há meiose (agamospermia). Em certas espécies, parte das sementes se desen-volve por agamospermia e outra parte de óvulos polinizados. Isso leva a padrões de transmissão confusos, onde não se apli-cam os pressupostos sobre os quais as leis de Mendel são fundamentadas.

CA R L WI L H E L M V O N NÄ G E L I

(1817-1891)

Foi considerado um dois maisimportantes botânicos em meadosdo século XIX.

O modelo de Mendel foi ignorado por cerca de 35 anos. Nas

últimas três décadas do século XIX os principais estudiosos da heredita-

riedade se concentraram, principalmente, no comportamento dos cromos-

somos durante as divisões celulares e fertilização. Eles acreditavam estar

construindo uma base física para a herança, no que estavam certos.

Page 53: Rb214   genética e evolução

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HUGO DE VRIES (1848-1935)

Botânico alemãoconhecido por

seus estudos sobremutações. Foi um dos

três cientistas que,independentemente,

redescobriram econfi rmaram as leisda hereditariedade

apresentadas porMendel.

A tradução para o inglês das cartas de Mendel para Karl Nägeli e os textosde Hugo de Vries, Carl Correns e Erich Von Tschermak reconhecendo o valorcientífi co do trabalho de Mendel para o desenvolvimento das teorias sobrea hereditariedade podem ser encontradas no endereço: http://www.esp.org/foundations/genetics/classical/holdings/b/birth.pdf.

!

Em 1900, HUGO DE VRIES, na Holanda, Carl Correns na Alema-

nha, e Erich Von Tschermak, na Áustria tiveram a oportunidade de

conhecer o trabalho de Mendel. Em busca de dados que apoiassem suas

próprias teorias sobre hereditariedade, cada um deles descobriu que

a análise detalhada que haviam feito e as conclusões essenciais a que

haviam chegado já tinham sido apresentadas muito antes por Mendel,

cujo trabalho tinha sido esquecido e seu signifi cado não compreendido.

A partir daí, as idéias de Mendel foram sendo cada vez mais divulgadas

na comunidade científi ca, que passou a utilizá-las na formulação de

hipóteses, desenvolvendo, como veremos ao longo deste curso, as bases

da Ciência que hoje conhecemos como Genética.

OS EXPERIMENTOS DE MENDEL

Na metade do século XIX, o grande interesse pela seleção e

hibridação em plantas disponibilizou um grande número de espécies

que apresentavam diversidade intra-específi ca. Entre estas, estava a

ervilha (Pisum sativum), espécie que Mendel escolheu para realizar

seus experimentos.

Não que Mendel estivesse interessado nas ervilhas em particular,

mas elas pareciam ser um bom modelo experimental, apresentando

características favoráveis para o estudo da transmissão de caracteres

hereditários. Entre essas características podemos listar:

1. A grande variedade de formas disponíveis;

2. A facilidade de cultivar;

3. O tempo curto de geração;

4. A facilidade de realizar cruzamentos controlados.

Canteiro ondeMendel realizou

seus experimentos.

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Genética Básica | Mendelismo: o nascimento da Genética

C E D E R J58

A fl or da ervilha

Nas fl ores das ervilhas (Figura 4.2), os estames e pistilo fi cam encobertos

pelas pétalas e, se as fl ores forem encobertas para evitar a ação dos insetos, elas se

autofecundam. Autofecundação é um tipo de reprodução sexuada na qual um mesmo

indivíduo fornece ambos os gametas, o masculino e o feminino, que se unem para formar

a geração seguinte.

Figura 4.2: Flor da ervilha.

Também é possível a realização de fecundação cruzada, retirando-se as anteras de

uma fl or antes de sua maturação e mais tarde colocando-se o pólen de outra planta sobre

o seu estigma. Assim, conforme planejasse, Mendel podia deixar que cada linhagem se

autofecundasse ou realizar fecundação cruzada entre as linhagens.

Figura 4.3: Fecundação cruzada.

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LO 1

4

Em princípio Mendel obteve 34 variedades de Pisum sativum que

apresentavam certas características morfológicas diferentes e as testou

durante dois anos quanto à constância dessas características através das

gerações. Mendel queria estar certo de que as variedades poderiam ser

consideradas linhagens puras para cada uma das características.

O que Mendel considerou como sendo uma linhagem pura?

Linhagens puras seriam aquelas que por autofecundacão

apresentariam todos os descendentes com as mesmas características

dos parentais. Vamos imaginar, por exemplo, uma linhagem pura de

ervilha que possuísse as seguintes características: comprimento do caule

longo, posição da fl or terminal, vagem de forma infl ada e cor verde. Ao

se reproduzir por autofecundacão, essa linhagem deve apresentar geração

após geração descendentes com comprimento do caule longo, posição

da fl or terminal, vagem de forma infl ada e cor verde.

Figura 4.4: Um exemplo de duas variedades de Pisum sativum: à esquerda, (a), com as características comprimento do caule longo, posição da fl or terminal, vagem de forma infl ada e de cor verde; à direita, (b), com comprimento do caule curto, posição da fl or axial, vagem de forma deprimida e de cor amarela.

ba

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Genética Básica | Mendelismo: o nascimento da Genética

C E D E R J60

Características

Esta

do

s d

e ca

ráte

r

.

O termo híbrido, original-mente empregado por Mendel, refere-se à semente ou indivíduo proveniente do cruzamento entre duas plantas de linhagens puras diferentes. Atualmente, o emprego desse termo refere-se, geralmente, aos indivíduos provenientes do cruzamento de espécies diferentes. No texto es-tá sendo empregado o sentido a que Mendel se referiu.

!

Era hora de iniciar os cruzamentos pra valer!!! Ou seja, a partir

do cruzamento entre linhagens puras que apresentassem características

contrastantes, obter a primeira geração de híbridos.

A maneira como Mendel analisou seus resultados foi um dos

pontos fundamentais para o sucesso do seu trabalho. Embora

outros resultados semelhantes ao obtido por Mendel já tivessem

sido descritos, a regra era analisar a planta como um todo. Como

as plantas parentais diferiam entre si em várias características,

os indivíduos da prole se apresentavam, em geral, como

intermediários entre os parentais. Mendel esqueceu a planta como

um todo e se concentrou na análise dos detalhes, na observação de

uma característica de cada vez. Ou seja, ao cruzar duas linhagens

contrastantes quanto à cor da semente, ele se perguntava apenas

qual seria a cor da semente de sua prole, não se importando,

a princípio, com a altura da planta ou a posição de suas fl ores.

Outra investigação feita por Mendel antes de iniciar seus

experimentos de hibridação foi quanto à fertilidade dos híbridos obtidos

do cruzamento entre essas linhagens. Isto reduziu o número de linhagens

favoráveis a 22, pois algumas das linhagens puras, ao serem cruzadas

entre si, não apresentavam descendentes férteis.

Mendel escolheu sete características a serem estudadas, cada uma

delas apresentando dois estados contrastantes de fácil classifi cação, como

mostra a tabela abaixo:

Tabela 4.1: Variedades de ervilhas utilizadas por Mendel em seus experimentos.

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C E D E R J 61

AU

LA

DU

LO 1

4

OS RESULTADOS DE MENDEL

Para todas as características analisadas, a primeira geração híbrida

(F1) apresentou plantas que exibiam o estado da característica de um

dos genitores.

O que teria acontecido com algumas das características dos parentais

que sumiram? Será que essas características reapareceriam nas próximas

gerações? A resposta a essa questão poderia ser vista a partir da observação

da descendência das plantas da F1 obtidas através de autofecundação.

A análise das características da descendência da F1 por au-

tofecundação apresentou plantas com as mais diversas combinações

das características em estudo. Com base nos resultados obtidos podia-se

verifi car que os estados de caráter ausentes nos híbridos da geração F1

não eram perdidos; eles fi cavam encobertos, reaparecendo na geração F2.

Mendel chamou o estado de caráter que desaparecia na geração F1 de

recessivo (pelo fato de fi carem em recesso), enquanto o que se mantinha

na F1 foi denominado dominante.

Para que fi que mais claro, vamos imaginar um exemplo de

cruzamento entre duas variedades puras de Psium sativum e considerar

três das sete características analisadas por Mendel: posição da fl or, cor

e forma da vagem. Esse cruzamento está representado na Figura 4.5 e,

embora hipotético, apresenta o mesmo padrão de resultados obtidos por

Mendel em seus experimentos.

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Genética Básica | Mendelismo: o nascimento da Genética

C E D E R J62

descendência da autofecundaçãodas plantas da F1 (Tabela 4.2)

Figura 4.5: Fenótipo da F1 proveniente do cruzamento entre duas linhagens puras de ervilha que apresentam três características contrastantes. Na seqüência, a autofecundação dos híbridos da F1, resultando na segunda geração (F2), cujas proporções fenotípicas são apresentadas na Tabela 4.2.

• vagem verde• vagem infl ad• fl or terminal

m amarelam deprimidaxilar

rdefl ada

P

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C E D E R J 63

AU

LA

DU

LO 1

4

Tabela 4.2: Descendência da autofecundação das plantas da F1.

Tipo Característica Quantidade

Forma da vagem Cor da vagem Disposição da fl or

1 Infl ada Verde Axilar 2700

2 Infl ada Amarela Axilar 900

3 Infl ada Verde Terminal 900

4 Infl ada Amarela Terminal 300

5 Deprimida Verde Axilar 900

6 Deprimida Amarela Axilar 300

7 Deprimida Verde Terminal 300

8 Deprimida Amarela Terminal 100

Total: 6400

Para cada uma das características, qual a forma dominante? Isso é

fácil de responder: posição da fl or axilar, vagem infl ada e verde, pois todas

as plantas da F1 apresentaram estes fenótipos. Mas, vamos um pouco

mais além. Com base nos resultados apresentados é possível chegar-se

a algum tipo de lei que esteja regendo a herança das características

mencionadas?

A resposta a essa questão não é fácil; muitos cientistas nos

séculos passados obtiveram resultados semelhantes aos apresentados,

em seus experimentos sobre herança, e não conseguiram deduzir lei

alguma. A principal razão para Mendel ter conseguido determinar as

leis fundamentais da herança foi a maneira pela qual ele analisou os

resultados obtidos. Ele analisou uma característica por vez e determinou

a proporção com que apareciam os diferentes tipos de indivíduos na

geração F2. A partir daí, tentou estabelecer uma explicação para a

obtenção dessas proporções.

Page 60: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Mendelismo: o nascimento da Genética

C E D E R J64

Não lembra como calcular isto? Veja como exemplo o caráter

posição da fl or. Do total de 6400 plantas da F2, 4800 são axilares e 1600

são terminais. Ou seja, para cada planta terminal, observa-se 3 axilares

(4800/1600 = 3). Temos, neste caso, a razão ou proporção de 3:1. Sua

vez de completar a tabela acima.

CaracterísticaTotal de indivíduos comcaráter dominante

Total de indivíduos comcaráter recessivo

Proporção entreindivíduos com caráterdominante e recessivo

Forma da vagem

Cor da vagem

Posição da fl or

No nosso exemplo, considere uma característica por vez e verifi que

que proporção de indivíduos da geração F2 apresentou o estado do

caráter dominante e recessivo. Complete a tabela abaixo:

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C E D E R J 65

AU

LA

DU

LO 1

4

Você notou que há homogeneidade nesses resultados? Ao considerar

uma característica por vez, Mendel verifi cou que, na F2, os resultados

se aproximavam muito de uma proporção de 3 plantas com o estado

da característica dominante para 1 com o estado recessivo (proporção

3:1). Em outras palavras, 3/4 (75%) das plantas da F2 apresentavam o

estado dominante e 1/4 (25%), o estado recessivo.

Outro fato constatado por Mendel foi que cruzamentos recíprocos

apresentavam resultados semelhantes. Isto é, a partir do cruzamento entre

duas linhagens puras, uma com caráter dominante e outra com caráter

recessivo, independente de que linhagem parental fornecesse os óvulos

ou grãos de pólen, os resultados obtidos na F1 e F2 eram semelhantes.

Tabela 4.3: Resultados obtidos por Mendel nos cruzamentos monoíbridos.

Tipo de caráter analisadono cruzamento entre linhagens puras

Estado do caráter nas plantas F1

Resultado da autofecundaçãodas plantas F1 Razão entre

os tipos F2Plantas da F2

1. textura das sementeslisa x rugosa

Lisa5.474 lisas

2,96:11.850 rugosoas

2. cor das sementesamarela x verde

amarela6.022 amarelas

3,01:12.001 verdes

3. cor da casca das sementescinza x branca

cinza705 cinzas

3,15:1224 brancas

4. textura da vageminfl ada x deprimida

infl ada882 infl adas

2,95:1299 deprimidas

5. cor da vagemverde x amarela

verde428 verdes

2,82:1152 amarelas

6. posição das fl oresaxilar x terminal

axilar651 axilares

3,14:1207 terminais

7. comprimento do caulelongo x curto

longo787 longos

2,84:1277 curtos

A próxima tabela apresenta os resultados obtidos por Mendel

para cada um dos sete caracteres:

Page 62: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Mendelismo: o nascimento da Genética

C E D E R J66

A HIPÓTESE DE MENDEL

Esta semelhança no comportamento de características tão diferentes

como posição da fl or e cor das sementes levou Mendel à conclusão

de que deveria existir algum tipo de lei geral regendo a herança dos

caracteres.

Agora Mendel precisava inventar uma explicação para os resultados

obtidos. Inventar? É, ter um palpite sobre o que estaria acontecendo.

Podemos também dizer de uma forma mais científi ca: Mendel deveria

formular uma hipótese para explicar os resultados observados.

Para Mendel, as plantas possuíam fatores que determinavam suas

características hereditárias e eram transmitidos de uma geração a outra

através dos gametas. Ele imaginou que uma planta teria vagem infl ada

ou deprimida se recebesse fatores de uma ou outra característica. Mendel

representou seus fatores hipotéticos por letras, usando a forma maiúscula

para o fator que determina o fenótipo dominante e a minúscula para o

fator que determina o fenótipo recessivo.

Os fatores de hereditariedade de Mendel são denominados atualmente genes. Os genes são segmentos das moléculas de DNA que constituem os cromos-somos. Os fatores determinantes dos estados contrastantes de uma mesma característica são o resultado de pequenas variações de um mesmo segmento de DNA. Mas isso nós veremos com detalhe em aulas posteriores.

!

Considerando apenas uma característica, a forma da vagem,

Mendel propôs o seguinte modelo para explicar por que, a partir do

cruzamento das linhagens puras, se obteria na F2 a proporção de 3:1.

Acompanhe o texto, observando os resultados apresentados para essa

característica na Tabela 4.4.

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C E D E R J 67

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LA

DU

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4

Tabela 4.4: Vamos analisar isoladamente a característica forma da vagem. Os desenhos representam os fatosobservados por Mendel e as letras representam a hipótese formulada por Mendel para explicar esses dados.

Geração P

Linhagens puras parentais

Gametas da GP Óvulo 100% D Pólen 100% d

Geração F1

Primeira geração híbrida

Gametas da GF1 Óvulo 50% D 50% d Pólen 50% D 50% d

Geração F2

Descendência da auto-fecundação das plantas F1

dd

X

d

¼ dd2/4 Dd¼ DD

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Genética Básica | Mendelismo: o nascimento da Genética

C E D E R J68

1. Cada uma das linhagens parentais deveria possuir apenas um tipo

de fator hereditário que determinasse a forma da vagem, e esse fator

estaria presente em seus gametas, o elo entre uma geração e outra. A

linhagem pura infl ada, como só possuía o fator infl ado, só produziria

gametas portando o fator infl ado (D). Da mesma forma, a linhagem pura

deprimida só produziria gametas portando o fator deprimido (d).

2. Os gametas masculino e feminino contribuiriam de modo equivalente

na determinação das características dos descendentes.

3. Do cruzamento dessas duas linhagens puras só poderia haver um tipo de

descendência, já que havia somente um tipo de pólen e um tipo de óvulo.

Um passo decisivo na construção desse modelo foi a conclusão de que as

plantas híbridas da F1, embora apresentassem a forma infl ada, possuiriam,

necessariamente, os fatores D e d.

4. Quando as plantas da F1 produzissem óvulos e grãos de pólen, cada

gameta só poderia apresentar fatores de hereditariedade de um tipo.

Ou seja, os dois tipos de fatores existentes em uma planta híbrida

deveriam se separar (segregar) na formação dos gametas, de modo

que cada gameta portasse apenas um ou outro fator, D ou d.

5. Os dois tipos de gametas produzidos pelas plantas F1 estariam em

igual freqüência, ou seja, 50% de D e 50% de d.

6. Combinações entre grãos de pólen e óvulos na determinação da geração

F2 seriam totalmente ao acaso, resultando em 25% DD, 50% Dd e 25%

dd. Ou seja, os diferentes indivíduos puros e híbridos se distribuiriam

na proporção de 1 puro dominante: 2 híbridos: 1 puro recessivo. Como

o fator D é dominante sobre o fator d, observa-se na geração F2 75%

das plantas com vagem infl ada e 25% com vagem deprimida.

Esse modelo é válido para todos os cruzamentos que envolvem

apenas um par de estados contrastantes de uma característica onde um

membro do par seja dominante e o outro recessivo.

F 1 Ó v u l o

F 1 P ó l e n

5 0 % D

5 0 % d

2 5 % D D

2 5 % D d

2 5 % D d

2 5 % d d

5 0 % D 5 0 % d

Proporção genotípica esperada na F2:1DD : 2Dd : 1dd

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C E D E R J 69

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LO 1

4

Deve-se enfatizar que a concordância entre os dados e o modelo

de Mendel não é casual. Quando inventamos uma hipótese, ela

necessariamente deve explicar os dados. Mas, como vimos ao estudarmos

o procedimento científi co, isso não quer dizer que ela seja verdadeira.

A hipótese pode ser considerada uma tentativa de explicação que será

rejeitada ou não por meio de testes das deduções feitas a partir dela.

O TESTE DA HIPÓTESE DE MENDEL

Era fácil realizar um teste decisivo. Note que na geração F2 do

cruzamento que estamos usando como exemplo (Tabela 4.4) para cada

planta com característica recessiva (forma deprimida), há três plantas com

característica dominante (forma infl ada). Isso é um fato. No entanto, se

a hipótese de Mendel fosse verdadeira, as vagens infl adas deveriam ser

de dois tipos, puras (DD) ou híbridas (Dd), e em proporções previsíveis:

dentre as infl adas 1/3 seriam DD e 2/3, Dd. Embora não fosse possível

distinguir visualmente as vagens DD das Dd, se essas plantas fossem

autofecundadas a descendência daria a resposta.

P: A Tabela 4.3 apresenta o total de vagens infl adas obtidas na F2

do cruzamento monoíbrido realizado por Mendel. Se a hipótese

de Mendel fosse verdadeira, qual seria o resultado esperado na

descendência dessas plantas após se autofecundarem?

R: Segundo o modelo proposto por Mendel, 2/3 das 882 plantas

com vagem infl ada presentes na F2 são híbridas (Dd) e 1/3 são

puras (DD). Sendo assim, após a autofecundação, 294 plantas

(1/3 de 882), por serem puras, produziriam toda descendência

com vagem de forma infl ada e 588 plantas, por serem híbridas,

produziriam ¾ de sua descendência com vagem infl ada e ¼ com

vagem deprimida.

Mendel realizou o teste de sua hipótese plantando as sementes da

geração F2 e obteve, para os sete caracteres analisados, resultados como

esperado pela dedução acima. Logo, não havia razão para que a hipótese

de Mendel fosse rejeitada e, de forma sintética, a Lei da Segregação dos

Fatores ou Primeira Lei de Mendel pode ser expressa como se segue:

“O princípio básico da herança biológica estabelece que as

características hereditárias são determinadas por fatores que

ocorrem aos pares. Na formação dos gametas, os fatores membros

de cada par se segregam, isto é, se separam de forma que cada

gameta só recebe um membro de cada par de fatores, sendo,

portanto, sempre puro.”

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Genética Básica | Mendelismo: o nascimento da Genética

C E D E R J70

Em 1865, Mendel apresentou os resultados de sua pesquisa com hibridação em

Pisum sativum em duas palestras realizadas na Brünn Society for the Study of

Natural Science. Embora essas palestras tenham sido publicadas nos Proceedings

dessa sociedade no ano seguinte com o título: Versuche über Pfl anzen-Hybriden

(Experimentos em hibridação de plantas), a importância do trabalho de Mendel

não foi compreendida de imediato pela comunidade científi ca e fi cou esquecido

até que, em 1900, foi redescoberto por Hugo de Vries, Carl Correns e Erich Von

Tschermak. A partir daí, as idéias de Mendel foram sendo cada vez mais divulgadas

na comunidade científi ca, que passou a utilizá-las na formulação de hipóteses,

desenvolvendo, como veremos ao longo deste curso, as bases da Ciência que hoje

conhecemos como Genética.

Mendel observou que:

1. No cruzamento de duas variedades puras que diferem entre si quanto a um

determinado caráter hereditário, a característica que não aparece na geração F1

não é perdida, mas fi ca encoberta, reaparecendo na F2.

2. Na F2, a proporção entre o número de indivíduos que apresentam a forma

dominante de uma característica e os que apresentam a forma recessiva é 3:1.

3. Cruzamentos recíprocos apresentam resultados semelhantes.

Mendel concluiu que:

1. Os gametas masculino e feminino contribuem de modo equivalente na

determinação das características dos descendentes.

2. As características hereditárias são determinadas por fatores que passam de

geração a geração através dos gametas.

R E S U M O

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula daremos prosseguimento à análise do trabalho de Mendel,

investigando o padrão de transmissão da herança de duas ou mais características

em conjunto.

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C E D E R J 71

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LA

DU

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4

EXERCÍCIOS

1. Preencha os espaços em branco usando o termo abaixo mais apropriado.

(a) dominante (e) fenótipo

(b) genótipo (f) monoíbrido

(c) segregação (g) recessivo

(d) geração F1 (h) geração F2

Mendel chamou de ( ) o estado da característica que aparecia em todas as

plantas da primeira geração híbrida.

O estado da característica que não aparecia nos indivíduos híbridos foi denominado

por Mendel de ( ).

A primeira geração híbrida, ou seja, aquela resultante do cruzamento entre

indivíduos de variedades diferentes, é chamada de ( ).

A descendência resultante da autofecundação da primeira geração híbrida é

chamada de ( ).

3. A geração F2 de um cruzamento onde os tipos parentais diferem quanto a

uma característica é constituída por três tipos de indivíduos, na proporção de 1

puro dominante: 2 híbridos: 1 puro recessivo. Essa proporção é conseqüência de,

na geração F1, um híbrido para um determinado par de fatores formar apenas

gametas puros e estes gametas se unirem ao acaso para dar origem à geração

seguinte.

A partir dessas conclusões, Mendel formulou sua primeira lei, também conhecida

como Lei da Segregação dos Fatores ou Lei da Pureza dos Gametas, que pode

ser expressa como se segue: “O princípio básico da herança biológica estabelece

que as características hereditárias são determinadas por fatores que ocorrem aos

pares. Na formação dos gametas, os fatores membros de cada par se segregam,

isto é, se separam de forma que cada gameta só recebe um membro de cada par

de fatores, sendo, portanto, sempre puro.”

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Genética Básica | Mendelismo: o nascimento da Genética

C E D E R J72

O termo ( ) é empregado para designar as características apresentadas por um

indivíduo, sejam elas morfológicas, fi siológicas, ou comportamentais.

O termo ( ) refere-se à constituição genética do indivíduo, isto é, aos fatores

hereditários, ou genes, que ele possui.

Um cruzamento ( ) envolve indivíduos que diferem apenas quanto a um caráter,

com dois estados contrastantes.

A pureza dos gametas é resultado da ( ) dos fatores de cada par na formação

dos gametas.

2. Quais as razões que levaram Mendel a escolher a ervilha como material para

os seus experimentos?

3. No que a análise de Mendel diferiu da de seus predecessores que trabalharam

com hibridação de plantas?

4. O que você entende por autofecundação e fecundação cruzada?

5. Com base nas hipóteses e observações de Mendel, esquematize os resultados

esperados nos seguintes cruzamentos:

a. ervilha com revestimento da semente cinza (dominante) com ervilha com

revestimento da semente branco.

b. F1 do cruzamento (a) entre si.

c. F1 do cruzamento (a) com a ervilha com revestimento da semente branco.

6. Se você tem uma Pisum sativum com vagem do tipo infl ada (característica

dominante), que tipo de teste poderia ser feito para se determinar se ela é pura

ou híbrida segundo os critérios de Mendel?

7. Coleus blumei é uma espécie de planta muito usada na ornamentação de jardins i

que pode apresentar suas folhas com bordas levemente onduladas (forma crenada)

ou profundamente recortadas (forma lobada). Ao realizar um cruzamento entre

uma planta dessa espécie apresentando folhas crenadas com outra apresentando

folhas lobadas, um produtor obteve apenas folhas lobadas na descendência. Com

base nestes resultados, o produtor concluiu que os fatores que condicionam a

forma crenada não são transmitidos à prole neste tipo de cruzamento.

Você concorda com a conclusão tirada por este produtor? Caso não concorde,

proponha uma hipótese para explicar o resultado obtido. Como você poderia

testar sua hipótese experimentalmente?

Page 69: Rb214   genética e evolução

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AU

LA

DU

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4

8. O biólogo francês Cuenot, no início do século XX, cruzou camundongos selvagens

de cor cinza com camundongos brancos (albinos). Na primeira geração todos

os indivíduos tinham cor cinza. O cruzamento desses últimos indivíduos entre si

produziu uma geração F2 cons tituída por 198 ca mundongos cinzas e 72 brancos.

Proponha uma hipótese para explicar esses resultados. Com base na sua hipótese,

faça um diagrama do cruzamento e compare os resultados observados com os

esperados de acordo com o diagrama.

9. Um dos diferentes tipos de albinismo que ocorrem na espécie humana é

determinado por um fator recessivo a.

a. Do casamento entre uma mulher portadora do fator para albinismo (Aa) e

um homem albino, qual a proporção esperada de fi lhos albinos?

b. Do casamento entre dois portadores (Aa), qual a proporção esperada de fi lhos

albinos?

10. Em algumas variedades de gado bovino, a ausência de chifres é condicionada

por um fator dominante (C). Um touro sem chifres foi cruzado com três vacas. No

cruzamento com a vaca I, portadora de chifres, foi produzido um bezerro sem

chifres. No cruzamento com a vaca II, portadora de chifres, foi produzido um

bezerro com chifres. No cruzamento com a vaca III, sem chifres, foi produzido um

bezerro com chifres.

a. Proponha uma hipótese para explicar esses resultados.

b. Com base na sua hipótese faça um diagrama do cruzamento e compare os

resultados observados com os esperados de acordo com o diagrama.

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C E D E R J 9

AU

LA 2

1 M

ÓD

ULO

3

Page 71: Rb214   genética e evolução

O trabalho de Mendel:desvendando a Segunda Lei

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Compreender o modelo proposto por Mendel para explicar os resultados obtidos nos cruzamentos envolvendo duas características (cruzamento diíbrido).

• Enunciar a Segunda Lei de Mendel, lei da segregação ou associação independente.

objetivos5AULA

Pré-requisitosPré-requisitos

Você precisará rever os conceitos da teoria das

probabilidades: regras da adição e multiplicação

apresentados nas aulas de Bioestatística. E a Primeira

Lei de Mendel.

Page 72: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | O trabalho de Mendel: desvendando a Segunda Lei

C E D E R J76

Chamamos de cruzamentos monoíbridos aqueles em que apenas uma das características contrastantes entre as duas linhagens parentais é analisada. Nos cruzamentos diíbridos, a análise inclui duas características contrastantes entre as linhagens parentais.

!

Na aula passada, vimos como Mendel explicou o padrão

de transmissão da herança em ervilha considerando algumas das

características da espécie Pisum sativum isoladamente.

Mendel postulou que as características hereditárias são de-

terminadas por fatores que ocorrem em pares. Nas características

analisadas por Mendel, em cada par de fatores, um membro do par

é dominante e o outro, recessivo. Os fatores membros de cada par se

separam (segregam) na formação dos gametas, sendo que cada gameta

recebe apenas um fator de cada par. A combinação ao acaso dos gametas

durante a fecundação produz, então, três tipos de descendentes: 1/4

com os dois fatores dominantes (homozigoto dominante); 2/4 com

um fator dominante e um recessivo (heterozigoto) e 1/4 com os dois

fatores recessivos (homozigoto recessivo). Uma vez que os homozigotos

dominantes e os heterozigotos são indistinguíveis entre si, a proporção

fenotípica esperada pelo modelo é de 3 indivíduos com fenótipo

dominante para 1 indivíduo com fenótipo recessivo.

ANALISANDO DUAS CARACTERÍSTICAS EM CONJUNTO – CRUZAMENTOS DIÍBRIDOS

E se analisássemos duas ou mais características simultaneamente,

como seria o padrão de transmissão das características de uma em relação à

outra? Seriam estas características herdadas segundo um padrão defi nido?

Mendel deve ter feito uma pergunta semelhante a esta quando

resolveu considerar em suas análises duas características ao mesmo

tempo. Para facilitar o entendimento, vamos tomar como exemplo o

cruzamento entre duas linhagens puras que apresentavam os caracteres

cor e textura das sementes contrastantes. Ou seja, uma das linhagens

parentais possuía semente amarela-lisa e a outra, verde-rugosa. A F1

deste cruzamento apresentou todas as sementes amarelas-lisas, ou seja,

apresentou o estado de caráter dominante para as duas características

em questão. A autofecundação das plantas da F1 forneceram na F2 os

seguintes tipos de sementes:

Page 73: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 77

AU

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DU

LO 1

5Fenótipo Número de sementes Proporções observadas

Amarelo-liso 315 9,8

Verde-liso 108 3,4

Amarelo-rugoso 101 3,2

Verde-rugoso 32 1

O resultado é a proporção de 9,8(315/32) : 3,4(108/32) : 3,2(101/

32) : 1(32/32). Estas proporções representam os dados reais obtidos

nessa amostra com um total de 556 plantas, mas Mendel propôs que

as proporções teóricas deveriam ser 9:3:3:1. Você já deve ter visto no

curso de Bioestatística que, quando trabalhamos com amostras, podemos

obter desvios dos valores teóricos esperados. Retomaremos isso em aulas

futuras. Por enquanto, vamos tentar entender por que Mendel considerou

que a proporção teórica da F2 deveria ser 9:3:3:1. Ou, em outras palavras,

que 9/16 da F2 apresentam ambos estados dominantes, 3/16 apresentam

um estado dominante e o outro recessivo, 3/16 apresentam o outro

dominante e o primeiro recessivo e 1/16 mostra ambos recessivos.

Em primeiro lugar, porque valores próximos a estas proporções

foram obtidos para todos os experimentos quando ele considerava duas

características simultaneamente. Esta regularidade indicava que deveria

haver algum princípio fundamental responsável por ela. Segundo, porque

ele foi capaz de prever que estas proporções seriam obtidas a partir das

proporções 3:1 dos cruzamentos monoíbridos. Você quer saber como?

Vamos descobrir...

A partir do cruzamento diíbrido que tomamos como exemplo

(ervilha com semente amarela-lisa x ervilha com semente verde-rugosa),

procure analisar as proporções da F2 considerando uma característica

por vez. Para cor da semente vamos verifi car que 416 são amarelas e

140 são verdes. O que dá uma proporção de 2,9 : 1, um pequeno desvio

da proporção teórica 3:1. Calcule agora a proporção da F2 para a outra

característica, textura da semente.

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Genética Básica | O trabalho de Mendel: desvendando a Segunda Lei

C E D E R J78

Qual a probabilidade de obtermos duas vezes cara no lançamento de duas moedas?Os lançamentos de duas moedas simultaneamente constituem-se em eventos independentes. A probabilidade de dois ou mais eventos independentes ocorrerem juntos é o produto das probabilidades com que ocorrem separadamente. Assim, a probabilidade de obter-se duas vezes a face cara em dois lançamentos é igual a 1/2 x 1/2, ou 1/4. Ou seja, esperamos obter duas caras uma vez a cada quatro em que lançarmos duas moedas simultaneamente.

!

O que você observou? Isto mesmo, a proporção 3:1 também

está mantida.

Então a proporção 9:3:3:1 deve ser uma combinação das

proporções 3:1 de cada uma das características. Mendel, que era físico

e sabia bem matemática, logo percebeu que poderia aplicar as leis da

probabilidade para explicar seus resultados.

Vamos tentar resolver esta questão? Primeiro vamos analisar

as características separadamente. Com seus conhecimentos de proba-

bilidades (se necessário, reveja as regras de multiplicação e adição de

probabilidades no curso de Bioestatística), responda sobre a F2 do

cruzamento do exemplo acima:

1. Com que freqüência deverão aparecer indivíduos com a

característica dominante amarela?

416/140 => proporção 3 amarelas : 1 verde => freqüência de

¾ da amostra é de amarelas.

2. Com que freqüência deverão aparecer indivíduos com a

característica recessiva verde?

3. Com que freqüência deverão aparecer indivíduos com a

característica dominante lisa?

4. Com que freqüência deverão aparecer indivíduos com a

característica recessiva rugosa?

Até aqui você não deve ter dúvidas. As respostas seriam,

respectivamente, 3/4; 1/4; 3/4 e 1/4. Agora vamos considerar as duas

características simultaneamente e, como Mendel logo percebeu, vamos

considerar que a transmissão da característica cor da semente seja um evento

independente da transmissão da característica textura da semente.

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5. Com que freqüência deverão aparecer indivíduos com as

características dominantes cor amarela e textura lisa?

A resposta será o produto das probabilidades independentes.

Sendo a probabilidade de ser amarela = P(amarela) = 3/4 e a

probabilidade de ser lisa = P(lisa) = 3/4, a probabilidade de ser

amarela e lisa = P(amarela e lisa) será:

P(amarela e lisa) = P(amarela) x P(lisa) = 3/4 x 3/4 = 9/16.

Ops!!! Este número não nos é estranho. Então, se a transmissão

da característica cor da semente for um evento independente

da transmissão da característica textura da semente, em uma

amostra da F2 eu esperaria que para cada dezesseis plantas

nove apresentassem sementes amarelas e lisas.

Responda você as outras questões.

6. Com que freqüência deverão aparecer indivíduos com a

característica dominante cor amarela e a recessiva textura

rugosa?

7. Com que freqüência deverão aparecer indivíduos com a

característica recessiva cor verde e a dominante textura lisa?

8. Com que freqüência deverão aparecer indivíduos com as

características recessivas cor verde e textura rugosa?

Você matou a charada!!! Se a transmissão das duas características

forem eventos independentes, a partir do produto das probabilidades

de cada uma delas poderemos explicar as proporções fenotípicas

9:3:3:1 da F2.

Ao considerar, a partir dos cruzamentos que realizou, duas

das sete características simultaneamente, Mendel obteve resultados

semelhantes ao descrito acima para a cor e a forma das sementes. Embora

as proporções obtidas experimentalmente pudessem diferir um pouco

da proporção 9:3:3:1, Mendel considerou que isto seria o resultado de

desvios aleatórios do esperado teórico e que deveria haver um princípio

fundamental responsável pelo padrão observado.

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Genética Básica | O trabalho de Mendel: desvendando a Segunda Lei

C E D E R J80

A HIPÓTESE DE MENDEL PARA O CRUZAMENTO DIÍBRIDO

Para explicar seus resultados, Mendel propôs que os fatores para

duas ou mais características deveriam segregar-se independentemente

na formação dos gametas das plantas híbridas — lei da segregação

independente (conhecida também como Segunda Lei de Mendel ou lei

da associação independente).

Isto é, cada gameta deveria receber apenas um fator para cada

característica: V ou v, para os fatores que condicionam a cor da semente

amarela ou verde, e R ou r, para os fatores que condicionam sua textura

lisa ou rugosa. Os fatores para duas características se combinariam ao

acaso na formação dos gametas (ASSOCIAÇÃO INDEPENDENTE DOS FATORES). Na

planta diíbrida (F1) do nosso exemplo, um gameta que tivesse recebido o

fator dominante para uma das características (V) poderia receber tanto o

fator dominante (R) quanto o recessivo (r) da outra; da mesma maneira,

um gameta que tivesse recebido o fator recessivo (v) poderia receber tanto o

fator dominante (R) quanto o recessivo (r). Uma planta diíbrida formaria,

portanto, quatro tipos de gametas: VR, Vr, vR, vr (Figura 5.1).

AS S O C I A Ç Ã O

I N D E P E N D E N T E

D O S F A T O RE S

Nas plantas da F1de um cruzamentodiíbrido para cor e forma da semente, a segregaçãoindependente dosfatores de cada umadas características produz quatro tipos de gametas em proporções iguais.

Figura 5.1: Associação independente dos fatores na formação dos gametas de um indivíduo diíbrido.

O fator V se segrega do fator v

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Durante a fecundação, os gametas se uniriam ao acaso, ou seja,

cada tipo de pólen teria igual probabilidade de se unir a qualquer tipo

de óvulo (Figura 5.2).

Figura 5.2: Representação da hipótese de Mendel para explicar os resultados do cruzamento diíbrido para cor e forma da semente. Cada indivíduo da F1 (VvRr) gera gametas como descrito na Figura 5.1. A combinação de fatores hereditários na F2 será determinada pela combinação aleatória dos quatro gametas produzidos em igual freqüência. Conhecendo-se essas combinações e sabendo-se que fatores são os dominantes para cada característica, as proporções fenotípicas podem ser determinadas.

Mas note uma coisa muito importante. Para que as classes

fenotípicas observadas na F2 estivessem da proporção de 9:3:3:1, há

algumas outras condições que deveriam ser satisfeitas. A partir do

esquema do cruzamento diíbrido da Figura 5.2, procure identifi car

estas condições. Viu? Então, vamos listá-las:

1. Os quatro tipos de gametas formados pela planta diíbrida

deveriam aparecer em igual freqüência, ou seja, 25% (ou 1/4)

cada um.

2. Para cada uma das características analisadas, deve haver domi-

nância completa de um dos fatores sobre o outro.

3. Os fatores que determinam uma das características não devem

infl uenciar na determinação da outra característica.

d fSegregação dos fatores

Rr e dos fatores Vv

dos óvulos

d f d fSegregação dos fatores Rr e dos fatores Vvna formação dos grãos do pólen

d f d d d lTipo de freqüência do genótipo dos grãos de pólen

fTipo de freqüência dosgenótipos dos óvulos

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Genética Básica | O trabalho de Mendel: desvendando a Segunda Lei

C E D E R J82

Se qualquer uma das condições listadas não for satisfeita, as

proporções fenotípicas na F2 serão diferentes.

Vamos analisar a condição de que cada tipo de gameta seja

formado com igual freqüência, isto é, 1/4 RV; 1/4 Rv; 1/4 rV; 1/4 rv.

Na Figura 5.2 observe a freqüência de cada gameta e das classes

resultantes do cruzamento ao acaso entre eles. Por exemplo, 1/4 dos

óvulos seriam RV e 1/4 dos grãos de pólen seriam rV. Logo, em 1/4 x

1/4, ou 1/16, das vezes um grão de pólen rV fecundaria um óvulo RV

formando uma planta que possuiria os fatores Rr para a forma da semente

e VV para a cor da semente e teria o fenótipo sementes amarelas-lisas.

Note que 9 em 16 combinações de grãos de pólen e óvulos produziriam

sementes amarelas-lisas na F2. O mesmo raciocínio pode ser feito para

as outras classes fenotípicas.

Resumindo, a condição de que os gametas sejam formados nas

mesmas freqüências (1/4 de cada tipo) é fundamental para explicar os

resultados observados na F2 dos cruzamentos diíbridos. Se violarmos

esta ou qualquer das outras condições citadas, veremos que a propor-

ção fenotípica na F2 não será mais de 9:3:3:1.

O TESTE DA HIPÓTESE DE MENDEL PARA O MODELODE CRUZAMENTO DIÍBRIDO

Após propor um modelo para explicar os resultados obtidos nos

cruzamentos diíbridos, Mendel era capaz de fazer previsões e testá-las. É

preciso que esteja claro que o único dado disponível para Mendel eram

os fenótipos das plantas e suas freqüências nas gerações. Tudo mais faz

parte do modelo criado por ele para explicar estes resultados.

Revendo a Figura 5.2, é possível identifi car que, segundo a hipótese

de Mendel, as sementes lisas e verdes da F2 deveriam ser de dois tipos,

sendo que, 1/3 delas seria do tipo vvRR e 2/3 seriam do tipo vvRr. A

partir daí, Mendel pôde testar sua hipótese, pois ele podia prever que,

se sua hipótese estivesse correta, ao deixar as plantas com sementes

lisas e verdes da F2 se autofecundarem, 1/3 delas deveria apresentar

descendência com 100% das sementes lisas e verdes e 2/3 delas deveriam

apresentar descendência com 3/4 das sementes lisas verdes e 1/4 das

sementes rugosas verdes. Mendel fez previsões semelhantes para todos

os fenótipos obtidos na F2 e testou-as, obtendo os resultados esperados

por sua hipótese.

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Um objetivo de todas as hipóteses e teorias em ciência é o seu

poder de previsão. As hipóteses mendelianas permitiram a formulação

de um modelo tão específi co que, a partir dele, deduções podiam ser

feitas e testadas por meio de observações e experimentos. Em 1865,

nenhum campo da Biologia Experimental tinha atingido equivalente

nível de desenvolvimento. Os experimentos de Mendel com cruzamentos

de variedades de ervilhas e sua notável análise dos resultados levaram

a importantes conclusões, inicialmente válidas só para ervilhas e

posteriormente demonstradas como princípios universais da Genética.

Tabela 5.1: Teste da hipótese de Mendel para o cruzamento diíbrido.

Tipos de plantascom sementesverde-lisas da F2,segundo a hipó-tese de Mendel

Resultado esperado paraa autofecundação dasplantas verde-lisas da F2,segundo a hipótese deMendel

Resultado esperadoapós a autofecundaçãode 102 plantas da F2

Resultado obtido após aautofecundação de 102plantas da F2

1/3 vvRR 1/3 de 102 = 34 plantas com toda descendência verde-lisa

35 plantas apresentaram F3 com toda descen-dência verde-lisa

2/3 vvRr

2/3 de 102 = 68 plantascom descendência de3 verde-lisa: 1 verde-rugosa

67 plantas apresentaram descendência com, aproxi-madamente, 3 sementes verde-lisas: 1 verde-rugosa.

INFORMAÇÃO PARA PRÓXIMA AULA

Na próxima aula veremos como surgiram as primeiras idéias de que os fatores da

hereditariedade estariam localizados nos cromossomos.

1/4 vvRR2/4 vvRr

75% verde-lisa

1/4 vvrr 25% verde-rugosa

100% vvRR 100% verde-lisa

Page 80: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | O trabalho de Mendel: desvendando a Segunda Lei

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Através de estudos desenvolvidos em ervilhas (Pisum sativum), Mendel reconheceu

que a transmissão da herança seguia regras defi nidas e propôs um modelo

explicativo para estas regras. O passar do tempo mostrou que as conclusões

tiradas por Mendel para ervilhas eram gerais e aplicáveis a outras espécies. Os

fundamentos do modelo proposto são:

1. A hereditariedade é condicionada por fatores transmitidos, por meio dos

gametas, de geração a geração. Para cada característica pode haver fatores

diversos, responsáveis por determinar seus diferentes estados.

2. Os fatores condicionantes dos estados contrastantes de uma mesma característica

podem apresentar uma relação de dominância-recessividade entre si, e apenas

um deles (dominante) se manifesta nos híbridos.

3. Quando duas variedades de plantas são cruzadas entre si, não há mistura dos

fatores da hereditariedade que determinam os estados contrastantes de suas

características. O híbrido resultante desses cruzamentos é idêntico, em aparência,

ao parental dominante puro.

4. Os dois tipos de fatores hereditários presentes no híbrido (A e a(( ) separam-se

na formação dos gametas e combinam-se aleatoriamente na fertilização,

resultando na proporção fenotípica 3:1. Essa proporção só pode ocorrer se

cada gameta receber um tipo de fator de hereditariedade, A ou a.

5. Cada par de fatores em uma planta diíbrida, como AaBb, se comporta de maneira

independente em relação ao outro par. Assim, os membros do par Aa segregam-

se independentemente dos membros do par Bb, produzindo quatro tipos de

gametas em freqüências iguais: 1/4 AB, 1/4 Ab, 1/4 aB, 1/4 ab. Os gametas assim

formados combinam-se aleatoriamente na fertilização, resultando em quatro

tipos de descendentes na proporção 9:3:3:1.

R E S U M O

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EXERCÍCIOS

Utilize as alternativas abaixo para responder às ques tões 1 e 2.

(a) associação

(b) dominância

(c) segregação independente

(d) segregação

1. A pureza dos gametas é resultado da ( ) dos fatores de cada par na formação

dos gametas.

2. Os quatro tipos de gametas que um diíbrido forma é conseqüência da ( ) dos

fatores dos dois pares.

3. Como pode ser derivada a proporção 9:3:3:1, típica de um cruzamento diíbrido,

a partir da proporção 3:1, típica de um cruzamento monoíbrido?

4. Responda às seguintes questões:

a. Quais das condições necessárias para que o modelo mendeliano fosse válido

podiam ser consideradas fatos?

b. Qual é a diferença básica entre a 1ª e a 2ª Leis de Mendel?

5. Com base nas hipóteses e observações de Mendel, esquematize os resultados

esperados nos seguintes cruzamentos em ervilhas:

a. linhagem pura de ervilha alta e vagem infl ada × linhagem pura de ervilha

anã e vagem deprimida.

b. F1 do cruzamento (a) entre si.

c. F1 do cruzamento (a) × linhagem de ervilha anã e vagem deprimida original.

6. Admitindo-se a segregação independente, quantos tipos de gameta cada

indivíduo abaixo produz?

I AaBbCCdd

II AaBbCc

III AabbCcDDEe

Utilize as alternativas abaixo para completar as frases de 7 a 11.

(a) 1:1 (d) 1:1:1:1

(b) 1:2:1 (e) 9:3:3:1

(c) 3:1

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Genética Básica | O trabalho de Mendel: desvendando a Segunda Lei

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7. Nos cruzamentos envolvendo apenas um par de caracteres contrastantes,

Mendel obteve na geração F2 indivíduos com características dominante e recessiva,

na proporção de ( ).

8. Quando Mendel seguiu a herança de duas características, isto é, em cruzamentos

diíbridos, encontrou na geração F2 indivíduos com ambos os estados dominantes

para as duas características analisadas, com um dominante e o outro recessivo, com

o primeiro recessivo e o outro dominante e com ambos recessivos, respectivamente,

na proporção de ( ).

9. A proporção de ( ) na geração F2 corresponderia, segundo o modelo do

monoibridismo, aos genótipos dos indivíduos dominantes puros, híbridos e

recessivos, respectivamente.

10. Um organismo heretorozigótico quanto a um par de fatores formará

gametas na proporção de ( ).

11. Um organismo duplo-heterozigótico quanto a dois pares de fatores com

segregação independente formará gametas na proporção de ( ).

12. No cruzamento entre uma linhagem pura de semente amarela, lisa e envoltório

cinza com outra de semente verde-rugosa e envoltório branco, Mendel obteve na

F1 todas as sementes amarelas lisas e com envoltório cinza.

a. De acordo com as leis da segregação e da associação independente, quantos

tipos de gametas devem ser produzidos pelas plantas triíbridas da F1?

b. Quantas combinações de gametas poderão ser produzidas a partir da

autofecundação das plantas F1?

c. A Figura 5.3 apresenta o “método de ramos”. Este método pode ser utilizado

para calcular as freqüências esperadas de cada uma das classes fenotípicas

da F2. Complete a Figura 5.3, estimando as proporções fenotípicas esperadas

na F2 do cruzamento triíbrido.

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Figura 5.3: Prevendo as proporçõesfenotípicas na progênie de um cru-zamento triíbrido através do métodode ramos.

Razões fenotípicas determinadas por cada par de fatores

Fenótipos

Sementeslisa x rugosa

Sementesamarelas x verdes

coberturas das sementescinza x brancas

Razão fenotípica esperada na F2

Branco

1/4

1/4

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Genética Básica | O trabalho de Mendel: desvendando a Segunda Lei

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HIPÓTESE NULA

(H0)

É uma hipóteseestatística a ser tes-tada, podendo serrejeitada ou não de acordo com a pro-babilidade de que os desvios matemá-ticos entre os resul-tados observadosno experimento e os resultados esperados por essahipótese se devamao acaso.É chamada hipótese nula, por se tratarde uma afi rmativa a respeito da ausênciade diferenças (dife-rença nula). Assim, se ao fi nal do teste não pudermos rejei-tar a hipótese nula, teremos um casoem que os dadosobservados estão de acordo com o espe-rado por essa hipó-tese, ou seja, a pro-babilidade de que os desvios tenhamocorrido ao acasoé alta (geralmentemaior do que 5%), ao passo que, se rejeitarmos a hipó-tese nula, teremos um caso em que osdados observadosnão estão de acordocom o esperado por esta hipótese, isto é, a probabilidadede que os desviostenham ocorrido ao acaso é signifi cati-vamente pequena(geralmente menor do que 5%). Nessecaso, portanto, deve haver uma causaque explique os des-vios encontrados, e uma nova hipótesedeve ser formulada,a hipótese alternati-va (HA).

APÊNDICE

TESTE DE HIPÓTESE: A DISTRIBUIÇÃO DO QUI-QUADRADO

Em cruzamentos experimentais, freqüentemente observamos

proporções fenotípicas que apresentam desvios dos valores esperados de

acordo com a nossa hipótese. Estatisticamente, podemos testar se esses

desvios são ou não signifi cativos. Ou seja, podemos testar se os resultados

observados em um experimento estão de acordo com uma determinada

hipótese.

No caso da análise de freqüências, o teste do qui-quadrado (χ2) é um

dos mais utilizados. Nosso objetivo neste apêndice é mostrar, da forma

mais direta possível, a aplicação desse teste em experimentos genéticos.

Abordagens mais rigorosas podem ser obtidas no material didático que

você recebeu no curso de Elementos de Matemática e Estatística, ou em

livros especializados como o Curso Prático de Bioestatística ; veja as

referências bibliográfi cas.

O teste compara uma distribuição de freqüências observada com

uma distribuição de freqüências teóricas. De que maneira? Quando

calculamos o valor do χ2, os desvios ocorridos em relação aos valo-

res previstos são convertidos na probabilidade de se obter um desvio

dessa magnitude ou maior ao acaso, levando em conta o tamanho da

amostra e o número de classes (os graus de liberdade). Ficou compli-

cado? Vamos analisar o objetivo desse teste durante sua aplicação.

Acompanhe a Tabela 5.2, onde estão apresentados os resultados

de dois cruzamentos. O primeiro cruzamento (I) foi realizado entre uma

variedade de ervilha com sementes amarelas e lisas, duplo-heterozigótica

RrVv, e uma variedade com sementes verdes e rugosas, duplo-homozigó-

tica recessiva rrvv. O número de indivíduos observado em cada uma das

classes fenotípicas na prole desse cruzamento está na primeira coluna.

As colunas dois e três apresentam, respectivamente, a proporção e o

número de indivíduos esperado, caso os genes que condicionam as duas

características segreguem independentemente.

O segundo cruzamento (II) foi realizado entre uma variedade de

ervilha-de-cheiro, duplo-heterozigótica para as características cor da fl or

e forma do pólen e uma variedade duplo-homozigótica recessiva, apre-

sentando cor da fl or vermelha e forma do pólen redondo. A segregação

independente também foi usada como hipótese nula para o cálculo das

proporções esperadas nesse cruzamento.

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5Classes fenotípicasObservado

(O)Proporçãoesperada

Esperado(E)

(O – E)2 (O – E)2 / E

amarela–lisa 252 1/4 252 (252-252) 2 0/250 = 0,000

verde–rugosa 248 1/4 252 (248-252) 2 16/250 = 0,064

amarela–rugosa 250 1/4 252 (250-252) 2 4/250 = 0,016

verde–lisa 258 1/4 252 (258-252) 2 36/250 = 0,144

TOTAL (Σ) 1008 1 1008 – χ2 = 0,224

púrpura-longo 567 1/4 225 (567-225) 2 116964/225 = 519,84

púrpura-redondo 46 1/4 225 (46-225) 2 32041/225 = 142,40

vermelha-longo 48 1/4 225 (48-225) 2 31329/225 = 139,24

vermelha-redondo 142 1/4 225 (142-225) 2 6889/225 = 30,62

TOTAL (Σ) 900 1 900 – χ2 = 832,100

I

II

Observe que o número de indivíduos esperado é calculado em

relação ao total de indivíduos observados. Basta que você multiplique o

total de indivíduos, observados pela proporção esperada em cada classe

fenotípica. No primeiro cruzamento, por exemplo, o total observado é

1008 indivíduos e a proporção esperada em cada classe fenotípica é 1/4.

Logo, o número de indivíduos esperado (E) em cada classe fenotípica

é: 1008 x 1/4 = 252.

O valor do χ2 é obtido através da soma dos quadrados dos des-

vios entre o número de indivíduos observado (O) e o número esperado

(E) pela hipótese a ser testada (a HIPÓTESE NULA), divididos pelo número

esperado:

Atenção: o teste do χ2 deve ser feito sempre com valores absolutos,

nunca com proporções. O uso de proporções elimina uma informação

fundamental para o teste estatístico, que é o tamanho da amostra.

Tabela 5.2: Valor do qui-quadrado (χ2), calculado para (I) o resultado de um cruzamento entre variedades de ervilha que diferem quanto à cor e quanto à forma das sementes; e (II) resultado de um cruzamento entre variedades de ervilha de cheiro que diferem quanto à cor das fl ores e quanto ao tamanho do pólen. Observado (O) é o número de indivíduos observados para cada classe fenotípica, Proporção esperada é calculada pela hipótese nula a ser testada (lei da segregação independente), Esperado (E) é o número de indivíduos esperado pela hipótese nula (no mesmo total do número de indivíduos observados).

χ2 = Σ [(O – E)2 / E]

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Genética Básica | O trabalho de Mendel: desvendando a Segunda Lei

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Com os valores do χ2 calculados para os resultados de cada cru-

zamento (χ2 calculado), podemos testar se cada resultado está de acordo

com a lei da segregação independente (nossa hipótese nula – H0), através

da comparação desses valores com o valor crítico de χ2 (χ2 crítico). O

χ2 crítico determina a partir de que valor a probabilidade de os desvios

ocorrerem ao acaso (P) é menor do que o NÍVEL DE SIGNIFICÂNCIA (α) do

teste, ou seja, a partir de que valor podemos dizer que a diferença entre

o observado e o esperado é grande demais para ser unicamente devida

ao acaso. Na prática, existem dois resultados possíveis (geralmente

utilizamos α = 0,05):

1. χ2 calculado ≤ χ2 crítico, ou seja, se a probabilidade de os desvios

terem ocorrido ao acaso for ≥ do que 5%, a hipótese nula não pode ser

rejeitada;

2. χ2 calculado > χ2 crítico, ou seja, se a probabilidade de os des-

vios terem ocorrido ao acaso for < do que 5%, a hipótese nula deve ser

rejeitada, pois os desvios são considerados signifi cativos.

Mas, para chegarmos ao valor do χ2 crítico, precisamos calcular

os graus de liberdade (gl) do experimento. Os graus de liberdade são

obtidos quando subtraímos uma unidade (1) do número de classes (k)

utilizadas no experimento, em nosso caso, o número de classes fenotí-

picas. Logo, para quatro classes fenotípicas o grau de liberdade (gl = k

– 1) será igual a 3 (gl = 4 – 1). Agora só falta encontrar o valor do χ2

crítico na tabela de distribuição dos valores críticos de χ2, para gl = 3 e

α = 0,05 (Tabela 5.3).

NÍ V E L D E S I G N I F I C Â N C I A

Quando testamos uma hipótese, estamos dispostos a correr o risco de rejeitá-la quando ela é verdadeira (erro Tipo I) com uma probabilidade máxima (P), que chamamos de nível de signifi cância (α). Por exemplo, ao nível de signifi cância de 0,05, temos 5% de chance de errar quando dizemos que um desvio é signifi cativo. Em outras palavras, temos uma confi ança de 95% de que a decisão de rejeitar a hipótese nula esteja correta. Normalmente escolhemos o nível de signifi cância de 0,05 para a maioria dos problemas biológicos, embora outros valores possam ser utilizados.

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DISTRIBUIÇÃO DO χ²

α gl

0,90 0,80 0,70 0,50 0,30 0,20 0,10 0,05 0,01

1 0,02 0,06 0,15 0,46 1,07 1,64 2,71 3,84 6,64

2 0,21 0,45 0,71 1,39 2,41 3,22 4,60 5,99 9,21

3 0,58 1,00 1,42 2,37 3,66 4,64 6,25 7,82 11,34

4 1,06 1,65 2,20 3,36 4,88 5,99 7,78 9,49 13,28

5 1,61 2,34 3,00 4,35 6,06 7,29 9,24 11,07 15,09

6 2,20 3,07 3,82 5,35 7,23 8,56 10,64 12,59 16,81

7 2,83 3,82 4,67 6,35 8,38 9,08 12,02 14,07 18,48

8 3,49 4,59 5,53 7,34 9,25 11,03 13,36 15,51 20,09

9 4,17 5,38 6,39 8,34 10,66 12,24 14,68 16,92 21,67

10 4,86 6,18 7,27 9,34 11,78 13,44 15,99 18,31 23,21

DESVIO NÃO-SIGNIFICATIVODESVIO

SIGNIFICATIVO

No primeiro cruzamento, o cruzamento das ervilhas que diferem

quanto à cor e à forma das sementes, o χ2 calculado é menor do que o χ2

crítico (0,22 < 7,82) e, portanto, a probabilidade de que os desvios em

relação ao esperado pela H0 estejam ocorrendo ao acaso é maior do que

5%. Assim, não podemos rejeitar a H0, o que nos leva a concluir que os

resultados obtidos nesse cruzamento estão de acordo com os resultados

esperados pela 2ª Lei de Mendel.

Quanto ao resultado do segundo cruzamento, envolvendo varieda-

des de ervilha-de-cheiro que difere quanto à cor da fl or e ao tamanho do

pólen, o χ2 calculado é maior do que o χ2 crítico (832,100 > 7,82). Neste

caso, portanto, a probabilidade de que os desvios em relação ao esperado

pela H0 estejam ocorrendo ao acaso é menor do que 5%. Por esse motivo,

devemos rejeitar a H0, considerando que o resultado observado nesse

cruzamento não está de acordo com o esperado pela 2ª Lei de Mendel.

Uma hipótese alternativa (HA) deve, então, ser sugerida; por exemplo, os

genes envolvidos na determinação da cor da fl or e do tamanho do pólen

nas ervilhas-de-cheiro podem estar localizados no mesmo cromossomo

e, portanto, não segregam de maneira independente quando os gametas

são formados. A partir da Aula 13 você saberá mais sobre genes ligados,

e compreenderá melhor este desvio à 2ª Lei de Mendel.

Tabela 5.3: Tabela de distribuição dos valores críticos de χ2, de acordo com os graus de liberdade (gl) e o nível de signifi cância (α), ou seja, a probabilidade (P) de que os desvios sejam ou não signifi cativos. Tabela modifi cada de Fisher, PPR.A. e Yates, F. Statistical tables for biological, agricultural and medical research. 6 ed. Harlow: Longman, 1974.

!

Limitação do teste doqui-quadrado

Esse teste não podeser aplicado emexperimentos nosquais a freqüênciaesperada de qualquerclasse fenotípica sejamenor que do 5.

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3

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A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos

cromossomos sexuais

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Compreender que a construção da teoria cromossômica da herança foi fruto do acúmulo de evidências fornecidas por diversos pesquisadores nas primeiras décadas do século XX.

• Descrever como foi descoberto o cromossomo sexual.

• Descrever como se dá a determinação do sexo em diversos sistemas.

• Descrever como foi descoberta a herança ligada ao sexo.

• Explicar a herança ligada ao sexo com base na teoria cromossômica da herança.

objetivos6AULA

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Genética Básica | A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

C E D E R J94

Após a redescoberta do trabalho de Mendel em 1900, muitos cientistas se dedicaram

a testar as leis da transmissão da herança em diversos organismos. Em parte, a beleza

da análise de Mendel estava no fato de não ser necessário saber a natureza física dos

fatores hereditários (FH), ou como eles controlam o fenótipo, para analisar os resultados

dos cruzamentos ou fazer previsões. Entretanto, algumas perguntas não deixavam de

ser feitas: o que são os fatores hereditários? Onde estão localizados?

A Genética deu um grande passo com a descoberta de que os fatores hereditários, hoje

conhecidos como genes, são parte de estruturas celulares específi cas, os cromossomos.

Conceito que fi cou conhecido como a teoria cromossômica da herança (TCH).

INTRODUÇÃO

O batismo da Genética e a origem de alguns de seus termos

WILLIAM BATESON foi quem propôs, em 1906, o termo Genética

para a nova ciência que estava nascendo e ainda não tinha um nome.

Por volta de 1897, Bateson começou a desenvolver experimentos de

hibridação com aves domésticas e borboletas e ao ler os trabalhos

de Mendel reconheceu a importância das leis propostas. Em 1902,

Bateson traduziu o trabalho de Mendel para o inglês e divulgou

fortemente as leis mendelianas na transmissão da herança biológica.

Um outro fato interessante é que, embora ao apresentarmos o trabalho

de Mendel os termos zigoto, homozigoto e heterozigoto sejam usados,

eles só foram propostos mais tarde, também por Bateson, que ainda

criou o termo alelomorfos, hoje reduzido para alelos.

Mas a criação dos termos gene, genótipo e fenótipo é

creditada a outro importante cientista, WILHELM LUDVIG JOHANNSEN.

A partir de estudos com feijões (Phaseolus vulgaris), Johannsen

observou que indivíduos com a mesma constituição genética

poderiam apresentar pesos diferentes devido à infl uência de fatores

ambientais, introduzindo assim o termo genótipo para a constituição

genética do organismo e fenótipo para a característica apresentada

pelo organismo que depende da interação de seu genótipo com o

ambiente. O termo gene, também proposto por Johannsen, veio

da abreviação do termo pangene, usado por De Vries para nomear

as partículas discretas que ele acreditava serem responsáveis pela

determinação da herança biológica.

WILLIAM BATESON

(1861-1926)

Bateson foi um dos primeiros a aceitar asleis mendelianas queforam redescobertas em 1900. Elepopularizou a genética mendeliana na Inglaterra, descobriu a ligação gênica e introduziu otermo Genética.

WI L H E L M LU D V I G JO H A N N S E N (1857-1927)

Geneticistadinamarquês que, junto com Bateson, foi um dos principaisarquitetos daGenética moderna. Introduziu os termos gene, genótipoe fenótipo.

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LO 1

6Abaixo está um fragmento extraído do texto original de

Johannsen onde ele sugere a criação do termo gene em substituição

aos termos: fatores, elementos ou alelomorfos usados anteriormente.

Nesta mesma ocasião ele propõe também os termos genótipo,

fenótipo:

Therefore I have proposed the words “gene” and “genotype”

and some further terms, as “phenotype” and “biotype” to be

used in the science of genetics. The “gene” is nothing but a

very applicable little word, easily combined with others, and

hence it may be useful as an expression for the “unit factors”,

“elements” or “allelomorphs” in the gametes, demonstrated by

modern Mendelian researches. A “genotype” is the sum total

of all the “genes” in a gamete or zygote( . . .) As to the nature of

the “genes”, it is as yet of no value to propose any hypothesis;

but that the notion of the “gene” covers a reality is evident in

Mendelism. The Mendelian workers have the great merit of

being prudent in their speculations. In full accordance with this

restraint - a quite natural reaction against the morphologico-

phantastical speculations of the Weismann school — it may

be emphatically recommended to use the adjectival term

“genotypical” instead of the noun “genotype”.

Johannsen, 1911

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Genética Básica | A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

C E D E R J96

A DESCOBERTA DOS CROMOSSOMOS SEXUAIS

No fi nal do século XIX e início do século XX, começaram a

surgir as primeiras evidências do envolvimento de cromossomos na

determinação dos sexos. Estas evidências foram mais um ponto a fortalecer

a idéia de que os cromossomos são a base da hereditariedade.

Em 1891, H. Henking publicou suas observações sobre a

existência e o comportamento de um cromossomo “acessório” durante a

espermatogênese de Pyrrhocoris sp., uma espécie de percevejo. Henking

observou que cada célula diplóide nos machos da espécie estudada possuía

um total de 23 cromossomos, sendo 11 pares de cromossomos homólogos,

além de um cromossomo adicional, ao qual chamou elemento X.

Entretanto, o comportamento desse cromossomo X durante a

meiose parecia incomum. No início da meiose, todos os cromossomos

estavam duplicados, inclusive o cromossomo X. Até agora, tudo bem.

Atribuímos a WALTER STANBOROUGH SUTTON e a THEODOR BOVERI, por seus

trabalhos publicados no início do século XX, as primeiras idéias que relacionaram

os fatores hereditários aos cromossomos. Sutton, através de estudos com

gafanhotos, demonstrou que havia um paralelismo entre o comportamento

das unidades hereditárias postuladas por Mendel e o comportamento dos

cromossomos na meiose e na fertilização. Boveri conseguiu alterar o número de

cromossomos em ouriços-do-mar e demonstrou que os cromossomos de uma

espécie diferem uns dos outros e que o conjunto completo de cromossomos

é necessário para o desenvolvimento normal do organismo.

A origem da TCH baseia-se em relações indiretas, pois Sutton e Boveri nunca

viram um FH no cromossomo, mas, em ciência, com freqüência, descobertas

de relações causais se baseiam no comportamento paralelo de fenômenos.

Atualmente, embora a idéia de que genes estão nos cromossomos pareça

óbvia para nós, na época, esta idéia não estava clara, nem era aceita pela

maioria da comunidade científi ca. Willian Bateson, um dos mais proeminentes

geneticistas, não se convenceu das sugestões propostas por Sutton. E mesmo

o prof. EDMUND BEECHER WILSON, um dos mais importantes citologistas, teve

difi culdade de entender o que estava sendo proposto. E Sutton trabalhava no

laboratório de Wilson na Columbia University!

Foi necessário que diversas evidências científi cas fossem acumuladas para que

a idéia proposta por Sutton e Boveri fosse aceita acima de qualquer suspeita

e a fusão entre a genética e a citologia se tornasse uma parte essencial da

análise genética.

WALTER

STANBOROUGH SUTTON

(1877-1916)

Estudante graduado americano quando propôs a teoriacromossômicada herança.

THEODOR BOVERI

(1862-1915)

Biólogo alemão.

EDMUND BEECHER

WILSON

(1856-1939)

Um dos mais importantes citologistas do início do século XX.

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Figura 6.1: Esquema da meiose em macho de Pyrrhocoris sp. apresentado porHenking em 1891. a) Espermatócito em telófase da primeira divisão meiótica.Note o comportamento diferenciado do cromossomo X que está se dirigindo para o pólo da direita em atraso em relação aos outros cromossomos. b) e c) Células-fi lhasresultantes; o cromossomo X está presente em apenas uma delas.

Mas, como não possuía um cromossomo homólogo, o X não podia se

emparelhar e, portanto, apenas uma das duas células-fi lhas recebia esse

cromossomo no fi nal da primeira divisão meiótica.

Já na segunda divisão meiótica, quando as cromátides de cada

cromossomo duplicado se separavam e migravam para pólos opostos,

eram formadas quatro células-filhas das quais duas possuíam 11

cromossomos, enquanto as outras duas possuíam 11 cromossomos

mais o X. Assim, esse cromossomo X era encontrado em apenas metade

dos espermatozóides desta espécie de percevejo. No entanto, Henking

se limitou a descrever o que tinha observado, sem criar hipóteses para

explicar o que estava acontecendo.

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Genética Básica | A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

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Fique alerta! Se você ainda não está tão familiarizado com as fases da meiose a ponto de visualizar mentalmente o que foi descrito, procure fazer um esquema que refl ita o que Henking observou. Faça o mesmo sempre que o texto parecer confuso. Você pode conferir o seu esquema com os esquemas apresentados nas nossas aulas ou com uma visita ao tutor no seu pólo.

!

Outro pesquisador de grande importância para a citologia na

virada do século XX foi Montgomery. Ele investigou detalhadamente a

espermatogênese e a ovogênese de vários insetos hemípteros e interpretou

seus resultados sugerindo que os cromossomos eram estruturas celulares

permanentes; que existiam em pares de homólogos, sendo que um dos

membros do par era herdado do pai e o outro da mãe e que a sinapse

consistia no emparelhamento dos homólogos. Como Henking, ele

também descreveu os cromossomos “acessórios”, mas não os relacionou

com a determinação do sexo.

Foi então que um citologista americano, C. E. McClung (1901),

formulou uma hipótese na qual o cromossomo X estaria associado de

alguma forma com a determinação do sexo:

Assumindo que há uma diferença qualitativa entre os vários

cromossomos do núcleo, segue-se necessariamente que são formados

dois tipos diferentes de espermatozóide que, por fertilização do

óvulo, produziriam dois tipos diferentes de indivíduos. Uma vez que

o número de cada um destes tipos de espermatozóides é o mesmo,

deveria haver um número aproximadamente igual destes tipos de

indivíduos na descendência. Nós sabemos que a única qualidade

que separa os membros de uma espécie em dois grupos é o sexo.

Esta hipótese não parece ser bastante lógica? Foi o que muitos

cientistas da época também pensaram, e começaram então a testá-la

através de estudos com diversas espécies de plantas e animais.

O TRABALHO DE SUTTON EM BRACHYSTOLA

Em 1902, Sutton publicou um artigo em que descreveu seus

estudos sobre os cromossomos das células do testículo de gafanhotos

do gênero Brachystola. Baseado nas observações feitas nesse trabalho e

nos trabalhos de Henking, Montgomery e McClung, Sutton, em 1903,

publicou The Chromosomes in Heredity, em que mostra que existe uma

impressionante semelhança entre o comportamento dos cromossomos e

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o comportamento dos fatores hereditários postulados por Mendel. Os

resultados de Mendel poderiam ser explicados supondo-se que os fatores

fossem parte dos cromossomos (Figura 6.2).

As observações básicas do estudo foram:

1. Os cromossomos de uma célula diplóide podem ser agrupados

em dois conjuntos morfologicamente semelhantes. Isto é, cada

cromossomo está representado duas vezes (cromossomos

homólogos). Já havia fortes razões na época para acreditar

que, durante a fertilização, um conjunto era derivado do pai

e o outro da mãe.

2. Os cromossomos homólogos se emparelham numa fase da

meiose.

3. A meiose resulta em gametas que portam apenas um

cromossomo de cada par de homólogos.

4. Os cromossomos mantêm a sua individualidade através dos

processos de divisão celular, apesar das grandes mudanças

de aspecto que sofrem.

5. Na meiose, a distribuição dos cromossomos de um par

de homólogos para as células-filhas é independente da

distribuição dos outros cromossomos dos outros pares. Se

uma célula recebe um cromossomo de origem paterna de

um par de homólogos, poderá receber tanto o cromossomo

paterno quanto o materno de um outro par, sendo isto uma

questão de probabilidade (Figura 6.3).

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Genética Básica | A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

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Os dupalinda cgene

1ª Lehomcadadupl

ANÁ

MET

São formadas duas célucom apenas um homóloduplicado. A seguir (MeiII) as cromátides-irmãs de ccromossomo se segregaformando os gametas.

TELÓFASE I

Cada célula heterozigóticpara um gene produz tipos de gametas. Destmodo, quando consideramostodas as células meióticasdo indivíduo, 2 tipos degametas são formados naproporção de 1A : 1a

TELÓFASE II

Figura 6.2: Segregação dos fatores hereditários postulados por Mendel em sua primeira lei, admitindo que eles estão nos cromossomos.

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Figura 6.3: Comparação entre a Lei da Segregação e a Lei da Associação Independente com o comportamentodos cromossomos na meiose.

Cada célula duplo-heterozigótica (AaBb) pode apresentar alinhamento metafásico do tipo 1 ou 2, produzindo apenas dois tipos de gametas (Figura 6.3). Quandoconsideramos o conjunto de células gaméticas de um indivíduo, espera-se que ½apresente o alinhamento do tipo 1 e ½ apresente o alinhamento do tipo 2. Assim, no conjunto de gametas desse indivíduo, são esperados os quatro tipos de genótipos na proporção de 1AB : 1Ab : 1aB : 1ab.

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Genética Básica | A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

C E D E R J102

“Nós devemos, assim, assumir que pelo menos alguns cromossomos estão

relacionados a um certo número de diferentes alelomorfos. Se for este o

caso, e tendo em vista que os cromossomos mantêm sua individualidade,

os alelomorfos presentes em um mesmo cromossomo devem ser herdados

juntos.” Se os genes de um cromossomo fossem herdados juntos, nãoha-

veria a possibilidade de segregação independente e não observaríamos,

nesse caso, as proporções fenotípicas observadas por Mendel.

Embora os cromossomos fossem fortes candidatos, as análises

realizadas por Sutton não podiam ser consideradas como uma prova

absoluta de que os FH estariam nessas estruturas. Os FH poderiam ser

parte de alguma outra estrutura celular que tivesse o comportamento

semelhante ao dos cromossomos durante a meiose e a fertilização.

A análise de Sutton foi apenas um primeiro passo. Veremos que vários

cientistas continuaram as pesquisas nesse campo, sedimentando a

teoria cromossômica da herança e estabelecendo os fundamentos da

Genética.

SISTEMAS DE DETERMINAÇÃO DO SEXO

Wilson, professor de Sutton, foi um dos que se tornou forte

defensor da hipótese de Sutton. A princípio, Wilson trabalhava no campo

da Biologia do Desenvolvimento, mas, após as publicações de Sutton, sua

pesquisa voltou-se para o estudo citológico dos cromossomos e resultou

numa série de artigos intitulada Studies on Chromosomes.

Foi Wilson o principal responsável pela solução do problema dos

cromossomos acessórios, em 1905. Observando células germinativas

de machos e fêmeas de Hemiptera, ele demonstrou que as diferenças

cromossômicas entre os sexos podiam ser de dois tipos e se convenceu

de que existia algum tipo de relação defi nitiva entre cromossomos e

a determinação do sexo. Atualmente, esses dois tipos de diferenças

cromossômicas entre os sexos observadas por Wilson são conhecidos como

os sistemas XX/XY e XX/X0 de determinação do sexo (Quadro 6.1).

As deduções de Sutton foram além. Ele previu que se a hipótese

proposta fosse correta, resultados diferentes dos observados por Men-

del deveriam ser esperados, pois deveria haver mais de um FH em cada

cromossomo; do contrário o número de características herdáveis de uma

espécie seria igual ao número de seus cromossomos. Sutton comenta:

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Quadro 6.1: Sistemas XX/XY e XX/X0 de determinação do sexo.

Sistema XX/XY

Todos os mamíferos, incluindo os humanos, têm o sexo dos indivíduos determinado pela combinação de dois cromossomos sexuais: o X e um cromossomo não-homólogo ao X, chamado Y. Nestes organismos, as fêmeas possuem um par de cromossomos homólogos (XX) e produzem, portanto, apenas um tipo de gameta com relação ao cromossomo sexual, sendo chamadas homogaméticas(do grego homos, igual). Por sua vez, os machos possuem um X como o das fêmeas e um cromossomo Y, exclusivo dos machos e geralmente menor. Esses machos (XY) são chamados heterogaméticos (do grego heteros, diferente) por produzirem dois tipos distintos de gametas, metade deles contendo um cromossomo X e a outra metade conten-do um cromossomo Y.

Sistema XX/X0

Alguns outros organismos, como os gafanhotos,possuem um sistema de determinação do sexoparecido com o sistema XX/XY, exceto pelaausência do cromossomo Y nos machos. Asfêmeas são XX enquanto os machos são X0.Nesse caso, o “zero” representa a falta de umcromossomo sexual. No entanto, os machoscontinuam sendo o sexo heterogamético, jáque metade de seus espermatozóides carregaum cromossomo X, enquanto a outra metadenão carrega cromossomo sexual. Neste caso,assim como no caso do sistema XX/XY, são osmachos que determinam o sexo dos indivíduosda prole.

Como os cromossomos sexuais X e Y se emparelham durante a meiose?Na espécie humana, apenas as extremidades do cromossomo Y possuem homologia com as extremidades do cromossomo X (regiões de pareamento), o que permite o emparelhamento dos cromossomos X e Y durante a meiose masculina. Dessa forma, a meiose segue seu curso normal e as células-fi lhas recebem apenas um dos cromossomos sexuais.

!

Cocrodip

Ga

P

Conjuncromosdiplóid

Gamet

Prole

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Genética Básica | A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

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A DESCOBERTA DA HERANÇA LIGADA AO SEXO

Em 1906, Doncaster e Raynor observaram um tipo de herança

ligada ao sexo a partir de um estudo envolvendo cruzamentos de duas

variedades de mariposas do gênero Abraxas, as variedades grossulariata

e lacticolor. As mariposas grossulariata eram caracterizadas por

possuírem asas escuras devido à presença de grandes manchas, enquanto

as lacticolor apresentavam asas mais claras, uma vez que as manchas

eram menores.

Quando machos grossulariata foram cruzados com fêmeas

lacticolor (Figura 6.4.a), só foram observados indivíduos grossulariata

na prole (F1). Dessa forma, Doncaster e Raynor concluíram que o fator

condicionante do estado de caráter grossulariata era dominante (G) em

relação ao fator que condiciona o estado de caráter lacticolor (g). Você

se lembra dos experimentos de Mendel?

Entretanto, quando os indivíduos F1 foram intercruzados, eles

produziram a proporção esperada de 3 grossulariata para 1 lacticolor

na F2, mas todos os indivíduos lacticolor eram fêmeas — o que não era

esperado.

Para tentar entender por que só as fêmeas eram lacticolor, Doncaster

e Raynor realizaram cruzamentos recíprocos, nos quais machos lacticolor

foram cruzados com fêmeas grossulariata selvagens (Figura 6.4b)

provenientes de regiões onde não existia a variedade lacticolor, e que,

portanto, deveriam ser puras. Eles observaram que na F1 todas as fêmeas

eram lacticolor, enquanto todos os machos eram grossulariata, e não o

esperado de 100% dos indivíduos grossulariata.

A partir destas observações, Doncaster e Raynor formularam

uma hipótese, um pouco complicada, que fornecia uma explicação

possível para o problema. Entretanto, essa hipótese foi rejeitada quando

começaram a surgir os primeiros trabalhos com Drosophila.

De qualquer maneira, Doncaster e Raynor fi zeram duas obser-

vações importantes: a existência de caracteres que possuem herança

ligada ao sexo; e, que no sistema de determinação do sexo nessa espécie

de mariposas, as fêmeas deveriam ser heterozigóticas enquanto que

os machos seriam homozigóticos. Hoje sabemos que a determinação

do sexo em algumas espécies de mariposas segue o sistema ZZ/ZW

(Quadro 6.2) e que o gene que condiciona as manchas da asa está no

cromossomo Z.

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Figura 6.4: Padrão de transmissão da característica mancha escura nas asas em cruzamentos recíprocosentre mariposas do gênero Abraxas. a) cruzamento entre machos grossulariata e fêmeas lacticolor. b)cruzamento entre machos lacticolor e fêmeas r grossulariata.

Procure determinar o genótipo dos indivíduos apresentados na Figura 6.4, sabendo

que a fêmea desta mariposa é o sexo heterogamético e que o gene para manchas na asa, está

no cromossomo Z. Para isso, substitua o "-" sobre a letra Z, nos esquemas à direita, pelos

fatores (alelos) G ou g correspondentes. Veja a resposta no fi nal dessa aula.

b

a

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Genética Básica | A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

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Quadro 6.2: Sistemas de determinação do sexo ZZ/ZW e ZZ/Z0.

Sistema ZW/ZZ

Em muitas espécies de aves e em lepidóptera (mariposas e borboletas), são os machos quepossuem um par de cromossomos sexuaishomólogos (ZZ), enquanto as fêmeas possuem um par não-homólogo (ZW), sendo que um dos cromossomos é equivalente ao dos machos. Noteque estes cromossomos sexuais recebem nomesdiferentes (Z e W) para que não haja confusão com o sistema XX/XY. No sistema ZZ/ZW, são asfêmeas que determinam o sexo dos indivíduos da prole e não os machos, já que elas é que são heterogaméticas.

Sistema Z0/ZZ

Existe também um sistema semelhante aosistema ZW/ZZ. Mas, neste caso, as fêmeas(Z0) possuem apenas um cromossomo sexuale constituem o sexo heterogamético, sendoa ausência do cromossomo W indicada pelo“zero”. Este sistema de determinação do sexo está presente em algumas espécies de mariposase alguns outros insetos.

Concromdipl

Gam

Prole

Concromdipl

Gam

Prole

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HERANÇA LIGADA AO X

Abaixo do laboratório de Wilson, estava o laboratório de THOMAS

MORGAN e um notável grupo de alunos que, através de seus estudos com

Drosophila melanogaster, desenvolveram os fundamentos da Genética.

O laboratório de Morgan tornou-se o centro mundial da Genética.

Pesquisadores de todas as partes do mundo vinham à “sala das moscas”,

apelido dado ao laboratório, para visitar ou fazer pesquisas.

Ao longo desta e das próximas aulas vamos conhecer alguns dos

experimentos desenvolvidos com drosófi las pelo grupo de Morgan,

incluindo aqueles que se tornaram provas defi nitivas de que os fatores

da hereditariedade estão nos cromossomos.

TH O M A S MO R G A N

(1866-1945)

Por seu intensotrabalho comDrosophila, olaboratório de

Morgan na ColumbiaUniversity fi cou

conhecido como a“sala das moscas”.

Em 1915, Morgan,Bridges e Sturtevant

publicaram TheMechanism

of MendelianHeredity, uma obra

que estabeleceudefi nitivamente a

Drosophila como umimportante modelo

experimental emGenética. Morgan

ganhou o PrêmioNobel de Fisiologia e

Medicina em 1933.

Figura 6.5: Drosophila melanogaster (mosca-das-frutas, mosca-da-banana ou mosca-rdo-vinagre). A espécie Drosophila melanogaster é um dos mais populares organismosrexperimentais utilizados em Genética. Os estudos utilizando drosófi la em Genéticacomeçaram com Thomas Morgan no início dos anos 1900.

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Genética Básica | A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

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Em 1910, enquanto lavava os vidros usados em experimentos, um

dos alunos de Morgan, Calvin Bridges, encontrou uma mosca de olhos

brancos (um fenótipo mutante) ao invés dos olhos vermelhos normais da

sua espécie (fenótipo selvagem). Esse macho de olhos brancos foi cruzado

com fêmeas selvagens para que o padrão de herança dessa mutação,

atualmente chamada white, fosse estabelecido. Morgan observou que

apenas indivíduos de olhos vermelhos apareceram na prole, o que

demonstrava que essa mutação poderia ser determinada por um fator

recessivo (w). Quando a F1 foi intercruzada, uma proporção fenotípica

de 3 moscas de olhos vermelhos para 1 mosca de olhos brancos foi

encontrada na F2. Embora, a princípio, essa proporção pareça estar

de acordo com os resultados obtidos por Mendel, havia um problema:

todos os indivíduos de olhos brancos da F2 eram machos.

Morgan se deparou com um problema semelhante ao de Doncaster

e Raynor, no qual a herança de um caráter estaria associada ao sexo. Para

investigar mais a fundo, Morgan realizou um cruzamento recíproco ao

original, no qual fêmeas white foram cruzadas com machos selvagens.

Na prole desse cruzamento, todos os machos F1 tinham olhos brancos

e todas as fêmeas tinham olhos vermelhos, o que não estava de acordo

com o esperado, de 100% de indivíduos com olhos vermelhos. Na F2

foram encontrados machos e fêmeas white e machos e fêmeas selvagens

na proporção de 1:1:1:1.

Como Morgan notou que o padrão de herança da mutação white

era o mesmo padrão de herança do cromossomo X, ele concluiu que o

fator determinante da cor do olho branca deveria estar localizado no

cromossomo X, ou seja, ligado ao X (Xw). O macho que possuía apenas

um cromossomo X possuiria apenas uma cópia do fator determinante

da cor do olho. Isso explicaria os resultados observados. Segundo a

hipótese de Morgan, no cruzamento de fêmeas white (XwXw) com

machos selvagens (XWY), todos os fi lhos deveriam ter olhos brancos WW

(XwY), enquanto todas as fi lhas teriam olhos vermelhos (XWXWW w). Haveria,

portanto, na F2, uma proporção de 1:1:1:1 de machos white (XwY),

fêmeas white (XwXw), machos selvagens (XWY) e fêmeas selvagens WW

(XWXWW w). Esta hipótese, com outros caracteres e em outros organismos,

foi exaustivamente testada por Morgan e outros pesquisadores, e não

pôde ser rejeitada.

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Figura 6.6: Hipótese para explicar o padrão de herança da mutação white nos cruzamentos entre a) fêmea deolhos vermelhos x macho de olhos brancos; b) cruzamento recíproco (fêmea de olhos brancos x macho de olhosvermelhos).

HERANÇA LIGADA AO Y

Genes localizados no cromossomo Y são transmitidos de pai para

fi lho, uma vez que só os machos recebem este cromossomo, e são chamados

de genes holândricos (do grego holos, completamente; andros, masculino).

ba

PRIMEIRO CRUZAMENTO

SEGUNDO CRUZAMENTO

P

F1

F2

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Genética Básica | A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

C E D E R J110

Projetos genoma e a descoberta de genes no cromossomo YOs projetos genoma oferecem uma grande oportunidade para a busca de genes localizados em regiões heterocromáticas dos cromossomos, como grande parte do cromossomo Y de diversos organismos. Regiões heterocromáticas são caracterizadas pela presença de longas seqüências de DNA repetitivo e de DNA não-codifi cante, difi cultando a localização de genes por razões técnicas. Devido à sua natureza repetitiva, o seqüenciamento e a montagem das seqüências destas regiões na ordem correta não é tão simples. Apesar das difi culdades, foram desenvolvidos métodos computacionais efi cientes que comparam seqüências do DNA com seqüências de proteínas, e até de RNA-mensageiro, com o objetivo de otimizar a busca de genes no cromossomo Y. Junto com uma comprovação experimental, esses métodos podem então revelar a existência de genes nesse cromossomo.

!

Antes mesmo da publicação da seqüência completa do

cromossomo Y humano, mais de 20 genes ou famílias gênicas com

diversas funções foram identifi cados neste cromossomo, sendo expressos

em tecidos diferentes, como no cérebro e nos testículos. No entanto,

muitos destes genes estão envolvidos com funções macho-específi cas,

como a espermatogênese e a determinação do sexo masculino, podendo

apresentar mais de uma cópia ao longo do cromossomo Y.

O cromossomo Y de Drosophila parece ser mais especializado

por possuir genes relacionados a funções exclusivamente masculinas,

já que os machos X0 são normais exceto pela esterilidade. Após o

seqüenciamento do genoma de Drosophila, foram identifi cados pelo

menos 15 genes no cromossomo Y, estando a maioria deles relacionada

a fatores de fertilidade ou características masculinas, como o batimento

da cauda dos espermatozóides.

OUTROS SISTEMAS DE DETERMINAÇÃO DO SEXO

Existem ainda sistemas de determinação sexual que não dependem

apenas dos cromossomos sexuais. Exemplos deste tipo de sistema são o

sistema haplóide-diplóide e o sistema que depende do balanço entre o

número de cromossomos X e dos autossomos (Quadro 6.3).

Um bom exemplo de herança ligada ao Y ocorre no peixe Poecilia

reticulata, no qual machos com uma coloração ornamental mais atrativa

para as fêmeas transmitem este fenótipo para todos os fi lhos. As fêmeas

desta espécie nunca carregam ou expressam o gene.

Em humanos, até recentemente, o único gene conclusivamente

localizado e mapeado no cromossomo Y é o gene SRY (do inglês Y

sex-determining region Y gene). Este gene tem um papel primário na

determinação do sexo do embrião, por ser responsável pela diferenciação

dos testículos no começo do desenvolvimento embrionário.

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Quadro 6.3: Alguns sistemas de determinação do sexo que não dependem apenas dos cromossomos sexuais.

Sistema haplóide-diplóide

O sistema de determinação do sexo em alguns organismos, como nas abelhas, é um tantopeculiar, porque envolve o conjunto completode cromossomos. Os machos são produzidos porpartenogênese, a partir de ovos não-fecundados.Quando as condições são favoráveis, esses ovos se desenvolvem, dando origem aos zangões,que são, portanto, haplóides (n) e seu conjuntocromossômico é inteiramente materno. Oszangões então fecundam os ovos, dando origema fêmeas diplóides (2n). Estas fêmeas podemse tornar rainhas férteis ou operárias inférteis,dependendo do tipo de alimentação que irão receber durante a fase de larva. Para que setornem rainhas, as larvas devem ser alimentadascom a geléia real.

Razão X/A

No caso das drosófi las, a determinação do sexodepende da razão X/A, em que X representa onúmero de cromossomos X e A representa onúmero de conjuntos haplóides de autossomos.As fêmeas normais possuem dois X e doisconjuntos haplóides de autossomos, sendo arazão X/A igual a 1. Machos normais possuem apenas um cromossomo X para dois conjuntoshaplóides autossômicos, numa razão de 0,5.Indivíduos que possuem uma razão maiorque 1 são chamados metafêmeas, enquantoindivíduos com razão menor do que 0,5 sãochamados metamachos. Já indivíduos comrazão entre 0,5 e 1 apresentam um fenótipointermediário chamado intersexo.

Obs.: Em Drosophila, o cromossomo Y determina a fertilidade e não o sexo dos indivíduos, já que este cromossomo não possui genes de determinação sexual. Como o Y não é essencial para que um indivíduo se torne macho, um indivíduo XXY será uma fêmea, enquanto um indivíduo X0 será um macho estéril.

ProporçãoX:A

Razão X/A

Sexo

X:AAA 1/3 = 0,33 Metamacho

X:AA 1/2 = 0,5Macho normal

XX:AAA 2/3 = 0,67 Intersexo

XX:AA 1Fêmeanormal

XXX:AAA 1Fêmea

triplóide

XXX:AA 3/2 = 1,5 Metafêmea

Gamet

Conjuntocromossôhaplóidediplóide

Prole

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Genética Básica | A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

C E D E R J112

Sistemas múltiplos

Sistemas múltiplos de determinação sexual são caracterizados pela presença de mais de um par de cromossomos sexuais em pelo menos um dos sexos. Nesses sistemas, o sexo que possui um número ímpar de cromossomos sexuais é o sexoheterogamético. Assim, os machos X1X2Y, X1X20 e XY1Y2, e as fêmeas ZW1W2 e Z1Z2W produzem mais de um tipo de gameta.

AS PLANTAS TAMBÉM TÊM SEXO

As plantas vasculares possuem diversos arranjos sexuais. Quando

os órgãos sexuais masculinos e femininos estão presentes numa mesma

fl or, chamamos a espécie hermafrodita. Mas quando esses órgãos

aparecem em fl ores separadas numa mesma planta, a espécie é chamada

monóica (signifi ca “uma casa”). São as espécies dióicas (“duas casas”),

entretanto, que possuem dimorfi smo sexual. Nestas espécies existem

plantas fêmeas, que produzem fl ores contendo apenas ovários, e plantas

machos com fl ores que contêm apenas anteras. Algumas das plantas

dióicas possuem um par de cromossomos heteromórfi cos associados — e

provavelmente envolvidos — com a determinação do sexo da planta. Uma

grande proporção dessas plantas possui um sistema XX/XY. Mesmo as

plantas dióicas que não possuem cromossomos heteromórfi cos visíveis

podem possuir cromossomos sexuais.

Fêmea Macho

Em alguns vertebrados, particularmentenos mamíferos.

X1X1X2X2 X1X2Y

Maioria das espécies de aranha.

X1X1X2X2 X1X20

Morcegos da famíliaPhyllostomatidaee alguns outros vertebrados.

XX XY1Y2

Algumas espécies de serpentes podemapresentar um desses tipos desistema.

ZW1W2

Z1Z2W

ZZ

Z1Z1Z2Z2

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INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na nossa próxima aula, faremos uma releitura dos trabalhos de Mendel. Veremos

como o desenvolvimento da Citogenética e da Biologia Molecular permitiu o

entendimento da natureza física dos fatores propostos por Mendel, que hoje

conhecemos como genes, e dos mecanismos de sua transmissão.

Como representar os alelos de um geneDurante o Ensino Médio, em geral, usamos apenas uma letra para designar o alelo de um gene. Contudo, existem muitas possíveis representações para esses alelos. A escolha de um ou outro tipo de representação está, em geral, relacionada com a possibilidade de introduzirmos informações sobre os alelos a partir de sua representação. Por exemplo, temos usado letras maiúsculas para alelos autossômicos dominantes e minúsculas para os alelos autossômicos recessivos. Em termos atuais, o gene para a cor da semente de ervilha possui dois alelos: o alelo dominante V que condiciona a cor amarela e o alelo recessivo v que condiciona a cor verde.Já ao representarmos genes localizados nos cromossomos sexuais, podemos utilizar uma notação diferente que inclua esta informação. Para os genes localizados no cromossomo sexual, usaremos a letra que representa o cromossomo com a letra que representa o alelo do gene em questão sobrescrita. Por exemplo, o gene cujo alelo mutante causa a hemofi lia na espécie humana está localizado no cromossomo X. Vamos representar o alelo normal do gene por XH e o alelo mutante Xh.Os cruzamentos com drosófi la utilizam muito o conceito de alelos selvagens e mutantes. Os alelos selvagens são aqueles que ocorrem com alta freqüência (maior do que 99%) na população natural. Os alelos selvagens são representados, em geral, pelo símbolo (+) ou pela letra inicial do alelo mutante com o + sobrescrito. Por exemplo, há um gene autossômico em D. melanogaster que quando o alelo rmutante se apresenta em homozigose resulta no fenótipo asas vestigiais. O alelo mutante pode ser representado por vg e o alelo selvagem (normal) por vg+, ou simplesmente, +. Seguindo o mesmo padrão para genes no cromossomo sexual, no exemplo da mutação white podemos ter outras representações além da mostrada acima para o alelo selvagem: Xw+ ou X+.Outras notações serão apresentadas ao longo do curso.

!

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Genética Básica | A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

C E D E R J114

A Genética deu um grande passo com a descoberta de que os fatores hereditários,

hoje conhecidos como genes, são parte de estruturas celulares específi cas, os

cromossomos. Conceito que fi cou conhecido como a teoria cromossômica da

herança. No fi nal do século XIX e início do século XX, começaram a surgir as

primeiras evidências do envolvimento de cromossomos na determinação dos sexos.

Essas evidências foram mais um ponto a fortalecer a idéia de que os cromossomos

são a base da hereditariedade. A relação entre as Leis de Mendel e o modo como

os gametas são formados durante a meiose pôde, então, ser estabelecida.

Existem vários sistemas de determinação do sexo: sistemas onde há apenas um

par de cromossomos sexuais e o macho é o sexo heterogamético, XX/XY, XX/X0;

sistemas onde há apenas um par de cromossomos sexuais e as fêmeas são o sexo

heterogamético, ZZ/ZW, ZZ/Z0; sistemas onde há mais de um par de cromossomos

sexuais (sistemas múltiplos), como, por exemplo, X1X1X2X2/X1X2Y.

Muitas das características de uma espécie podem ser condicionadas por genes

localizados nos cromossomos sexuais. A melhor maneira de descobrir se um

fenótipo está ligado ao sexo, ou seja, se o gene que condiciona esse fenótipo se

localiza em um dos cromossomos sexuais, é através de cruzamentos recíprocos com

indivíduos de fenótipo selvagem. Se o alelo que determina o fenótipo mutante

está ligado ao sexo, as proporções fenotípicas na prole desses cruzamentos serão

distribuídas de maneira desigual entre os sexos.

R E S U M O

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EXERCÍCIOS

Preencha os espaços em branco nas frases numeradas de 1 a 8 usando o termo

mais apropriado dentre os arrolados abai xo:

(a) autossomo (b) cromossomos sexuais

(c) herança ligada ao sexo (d) herança limitada ao sexo

(e) recessividade (f) herança holândrica

(g) dominância (h) codominância

1. ( ) é o fenômeno pelo qual um alelo impede a manifestação de outro alelo

de um mesmo gene.

2. ( ) é qualquer cromossomo que não os se xuais.

3. Os cromossomos relacionados com a determinação do sexo de um indivíduo

são denominados ( ).

4. A expressão de uma característica (por exem plo, produção de ovos ou de leite)

restrita a apenas um dos sexos é denominada ( ).

5. Os genes localizados no cromossomo Y seguem um padrão de herança

denominado ( ).

6. ( ) é o fenômeno pelo qual um alelo não se manifesta fenotipicamente,

porém mantém a sua individualidade.

7. Os genes localizados no cromossomo X seguem um padrão de herança

denominado ( ).

8. ( ) é a situação em que ambos os alelos de um indivíduo heterozigótico se

manifestam igualmente no fenótipo.

Utilize as alternativas abaixo para responder às ques tões 9 e 10:

(a) herança ligada ao sexo recessiva.

(b) herança autossômica recessiva.

(c) herança ligada ao sexo dominante.

(d) herança autossômica dominante.

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Genética Básica | A teoria cromossômica da herança e a descoberta dos cromossomos sexuais

C E D E R J116

9. Nos cruzamentos entre drosófi las fêmeas de asas curtas com machos de asas

longas, todos os descendentes machos apresentaram asas curtas e todas as fêmeas,

asas longas. Um cruzamento recíproco (fêmea de asas longas com machos de asas

curtas) produziu apenas descendentes de asas longas, tanto machos como fêmeas.

Esses resultados sugerem a hipótese de que o estado de caráter asa curta siga um

padrão de ( ).

10. Carneiros pretos cruzados com ovelhas brancas produziram apenas descen-

dentes bran cos, de ambos os sexos. Alguns cruzamentos recíprocos produziram

apenas machos e fêmeas brancos, enquanto outros produziram metade da

descendência branca e metade preta, de ambos os sexos. Esses resultados permitem

levantar a hipótese de que o estado de caráter cor preta da lã em carneiros segue

um padrão de ( ).

11. Um homem afetado por certa doença casa-se com uma mulher não afetada.

Eles têm oito fi lhos (qua tro meninas e quatro meninos); todas as meninas têm a

doença do pai, mas nenhum dos meninos a tem. Trata-se provavelmente de um

caso de herança __________________________.

12. Em camundongos, um alelo dominante B, ligado ao sexo, é responsável pelo

fenótipo cauda curta e retorcida, en quanto seu alelo recessivo b é responsável pelo

fenótipo cauda longa e reta. Se uma fêmea de cauda longa é cruzada com um macho

de cauda curta, que pro porção fenotípica deve ser esperada na geração F1?

13. O alelo m (miniature) que determina asas curtas em Dro sophila melanogaster

é recessivo e ligado ao sexo. Seu alelo dominante + determina a formação de asas

longas. Que proporções fenotípicas podemos prever nos seguintes cruza mentos:

a) macho de asas curtas X fêmeas de asas curtas.

b) fêmea de asas curtas X machos de asas longas.

c) fêmea de asas longas (homozigótica) X macho de asas curtas.

14. Em galináceos, o alelo dominante B, que é ligado ao sexo, produz penas com

padrão barrado. O seu alelo recessivo b, em homozigose, produz penas não-barradas.

O alelo autossômico dominante R produz crista com forma rosa e seu alelo recessivo

r produz crista com forma simples, quan do em homozigose. Uma fêmea de penas

barradas, homozigótica para crista com forma rosa é cruzada com um macho de penas

não-barradas e crista com forma simples. Qual a proporção fenotípica esperada na

geração F1? Procure saber qual é o sistema de determinação dos sexos em aves.

Page 113: Rb214   genética e evolução

Cromossomos, genes, DNA:uma visão atual dos fatores

mendelianos

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Reconhecer a natureza física dos fatores da hereditariedade.

• Relacionar os conceitos de DNA, gene e cromossomo.

• Compreender como o material genético está organizado.

objetivos7AULA

Pré requisitos Pré-requisitos

Estrutura e replicação do DNA.

Page 114: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Cromossomos, genes, DNA: uma visão atual dos fatores mendelianos

CEDERJ118

A INTERPRETAÇÃO ATUAL DOS FATORES PROPOSTOS POR MENDEL

Nas aulas anteriores, conhecemos o trabalho de Mendel e tivemos

oportunidade de observar a elegância com que ele formulou hipóteses

para explicar a transmissão da herança biológica em meados do século

XIX. Para Mendel, as plantas possuíam fatores determinantes de suas

características hereditárias que eram transmitidos de uma geração a

outra por meio dos gametas. Embora Mendel tenha proposto a

existência desses fatores, ele não tinha nenhuma idéia da sua natureza

física e, muito menos, de como esses fatores eram capazes de determinar

o fenótipo.

Você deve lembrar também que, logo no início do século XX,

comparando o comportamento dos cromossomos durante a meiose

com as leis da segregação e da associação independente (1a. e 2a. leis de

Mendel), Sutton propôs que os fatores hereditários deveriam estar nos

cromossomos. Essa idéia não foi logo aceita por toda a comunidade

científi ca, só após muitos estudos e um grande acúmulo de evidências,

por volta de 1920, foi defi nitivamente aceita a idéia de que os fatores

estavam nos cromossomos. Em meados da década de 1940, chegou-se

à conclusão de que o DNA era o material hereditário e que de alguma

forma controlava a síntese de proteínas. Em 1953, foi proposto o

modelo que explica a estrutura do DNA e, no início da década de 1960,

o código genético foi decifrado. A partir daí, inúmeros estudos sobre a

organização e funcionamento dos genes vêm sendo desenvolvidos.

Atualmente, chamamos os fatores hereditários sugeridos por

Mendel de genes e conhecemos sua natureza. Cada gene, unidade

física e funcional da hereditariedade, é um segmento de uma molécula

de DNA (ácido desoxirribonucléico) que contém as informações

necessárias para a produção de um RNA (ácido ribonucléico) ou de

uma proteína. A Figura 7.1 apresenta o modelo da estrutura do DNA

mais aceito atualmente.

Page 115: Rb214   genética e evolução

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A ORGANIZAÇÃO DO MATERIAL GENÉTICO

Então, qual a relação entre os genes, as moléculas de DNA e

os cromossomos?

Diversos genes se distribuem ao longo das moléculas de DNA que cons-

tituem o genoma de um organismo. De forma geral podemos dizer que,

um gene corresponde a um segmento da molécula de DNA que é trans-

crito em um RNA. Alguns genes são transcritos dando origem a RNA

nuclerares, RNA ribossômicos ou RNA transportadores. Outros, dão

origem aos RNA mensageiros (RNAm) que, por sua vez, são traduzi-

dos em polipeptídeos (Figura 7.2a). Nos eucariontes, a estrutura de um

gene transcrito em RNAm é formada por dois tipos distintos de regiões

(Figura 7.2b): os éxons, seqüências codifi cantes que contêm a informa-

ção para a produção da proteína; e os íntrons, seqüências não-codi-

fi cantes que se inserem entre os éxons e precisam ser retiradas antes

da tradução, através de um mecanismo chamado processamento do

mRNA. Quanto aos procariontes, a grande maioria não possui íntrons.

ba

Figura 7.1: Estrutura da molécula de DNA: a molécula de DNA é constituídapor dois longos fi lamentos (cadeias) enrolados um sobre o outro formandouma estrutura helicoidal (dupla-hélice). Cada uma das cadeias do DNA cons-titui-se de milhares de nucleotídeos ligados em seqüência. As duas cadeias de desoxirribonucleotídeos que formam a molécula de DNA se mantêm unidas por meio de ligações de hidrogênio entre as bases nitrogenadas. Essas ligaçõesocorrem entre pares de bases específi cas: adenina (A) liga-se à timina (T) ecitosina (C) liga-se à guanina (G). (a) Representação plana da molécula, mostrando as pontes de hidrogênio entre as bases nitrogenadas. A letra S representa o açúcar (desoxirribose) que se liga a cada uma das bases nitrogenadas, formando o “esqueleto” da molécula de DNA. (b) Representação da estrutura em dupla-hélice da molécula de DNA.

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Genética Básica | Cromossomos, genes, DNA: uma visão atual dos fatores mendelianos

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Figura 7.2: (a) Esquema simplificado de um segmento da molécula de DNA que contém 3 genes ; :(b) estrutura de um gene.

b

a

Os processos de transcrição, tradução e processamento do

mRNA serão abordados com mais detalhes na disciplina Biologia

Molecular.

As moléculas de DNA são, em geral, bastante longas, podendo atingir

vários centímetros de comprimento.

Surpreendentemente, os genes correspondem a uma quantidade

relativamente pequena da molécula do DNA. A maior parte do DNA

nunca é transcrita em RNA e não contém informação para a produção

de proteína. Na espécie humana, por exemplo, calcula-se que apenas

cerca de 3% do DNA correspondam aos genes. Os 97% restantes são

seqüências de nucleotídeos que não produzem RNA e cuja função ainda

não é conhecida, constituindo o DNA não-codifi cante. No entanto, muito

do DNA não-codifi cante pode desempenhar funções importantíssimas

na estrutura, funcionamento e evolução do genoma.

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Cada molécula de DNA está associada a uma série de proteínas,

formando o que chamamos de cromossomos. Essa mistura de DNA e

proteínas que compõe os cromossomos recebe o nome de cromatina. A

cromatina pode assumir diferentes níveis de compactação, dependendo

da região do cromossomo e da fase do ciclo celular.

Estudos in vitro, utilizando diferentes concentrações de sais no

tratamento da cromatina, permitiram a construção de um modelo para

a compactação do DNA (Figura 7.3). Esse modelo inclui quatro níveis

progressivos:

1. A formação dos nucleossomos pela associação do DNA a

proteínas especiais chamadas histonas: cada nucleossomo é formado

quando o DNA passa duas vezes por volta de um complexo de histonas,

sendo esse complexo um octâmero composto por duas moléculas de cada

tipo (H2A, H2B, H3, H4);

2. O enovelamento das cadeias de nucleossomos, formando uma

estrutura conhecida como solenóide: os nucleossomos enovelam-se

formando o solenóide, que é estabilizado por um outro tipo de histona

(H1);

3. A formação de alças a partir do solenóide que se ligam a um

arcabouço de proteínas não-histonas;

4. A super-helicoidização do arcabouço protéico ao qual as alças

do solenóide se associaram: a super-helicoidização pode ser mais ou

menos relaxada dependendos de se o cromossomo está em intérfase

ou em divisão celular. Durante a divisão celular, a super-helicoidização

é intensifi cada até que o cromossomo assuma o aspecto de um bastão

compacto.

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Genética Básica | Cromossomos, genes, DNA: uma visão atual dos fatores mendelianos

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máximo de compactação durante a divisão celular.

b

a

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As regiões de heterociomatica se mantêm condensadas durante a

maior parte do ciclo celular. Geralmente, são regiões que possuem maior

afi nidade pela maioria dos corantes celulares, tornando-se mais escuras,

daí o nome heterocromatina.

Aparentemente, essas regiões apresentam as mesmas propriedades

em todos os animais e vegetais: possuem grande quantidade de DNA

repetitivo; quase não sofrem recombinação; possuem pequena quanti-

dade de genes; sua replicação ocorre mais tarde durante o ciclo celular,

se comparada com a região eucromática.

A heterocromatina pode ser dividida em constitutiva e facultativa.

A heterocromatina facultativa difere da constitutiva pela capacidade de,

eventualmente, assumir uma estrutura similar à da eucromatina.

O MATERIAL GENÉTICO NA INTÉRFASE

Durante a intérfase das células de organismos eucariotos, os cromos-

somos se apresentam como longos fi os, formando uma massa onde não se

consegue identifi car cada cromossomo individualmente. Foi essa massa de

fi os fi níssimos que originou o termo cromatina (do grego chromatos, cor),

criado em meados do século XIX, quando os citologistas descobriram que

certos corantes de tecidos tingiam os núcleos das células.

Como vimos, em algumas regiões, os fi lamentos cromossômicos

estão dobrados de forma mais compacta. Essas regiões têm um aspecto

mais denso ao serem observadas ao microscópio, sendo denominadas

heterocromatina (hetero = diferente). A heterocromatina contrasta com

regiões onde os fi lamentos estão menos condensados, denominadas

eucromatina (eu = verdadeiro).

Ainda na intérfase, as células que entrarão em divisão duplicam

seu material genético. A duplicação dos cromossomos ocorre no período

S da interfase e corresponde à replicação das moléculas de DNA que

formam esses cromossomos (Figura 7.4). Sabemos que a replicação de

uma molécula de DNA dá origem a duas moléculas idênticas (exceto no

caso de haver algum erro durante a replicação). Logo, cada cromossomo

duplicado fi ca constituído de dois fi os idênticos, unidos pela região do

centrômero. Cada um dos fi os é uma cromátide. Assim, depois da dupli-

cação, cada cromossomo fi ca constituído por duas moléculas de DNA

idênticas, as cromátides-irmãs, unidas pela região do centrômero.

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Genética Básica | Cromossomos, genes, DNA: uma visão atual dos fatores mendelianos

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Figura 7.4: Replicação do DNA e cromossomos.(a) O modelo mostra que a duplicação do DNA é semiconservativa, produzindo duas moléculas idênticas à molécula deDNA original.(b) Modelo apresentando a relação entre a replicação do DNA e a duplicação do cromossomo.Após a duplicação, as cromátides-irmãs permanecem unidas pelos centrômeros até que se complete o processo de divisão celular (o sombreado marca a região centromérica).

b

a

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Figura 7.5: Fotomicroscopia eletrônica do cromossomo na intérfase (a) e durante a metáfase da mitose (b).

O MATERIAL GENÉTICO DURANTE AS DIVISÕES CELULARES

Quando a célula entra em processo de divisão, cada fi lamento que

compõe o cromossomo (cromátide) enrola-se sobre si mesmo, tornando-se

progressivamente mais curto e grosso, até assumir o aspecto de um bastão

compacto. Cada cromátide condensa-se independentemente de sua irmã,

de modo que, na célula em divisão, pode-se visualizar cada cromossomo

constituído por dois bastões unidos pelos centrômeros.

Em geral, ao falarmos de cromossomos, essa é a imagem que temos

em mente. Mas é bom frisar que os fi os que constituem a cromatina são

os cromossomos que, na intérfase, não estando em seu grau máximo de

compactação, não podem ser visualizados como estruturas individuais.

Na Figura 7.5, temos um cromossomo com o aspecto que apresenta

durante a intérfase e outro durante a metáfase. A diferença é que na

metáfase os cromossomos estão em seu grau máximo de compactação,

o que permite sua visualização como corpos independentes. Além disso,

como estão na metáfase da mitose, os cromossomos já se encontram

duplicados, apresentando duas cromátides.

ba

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Genética Básica | Cromossomos, genes, DNA: uma visão atual dos fatores mendelianos

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CENTRÔMEROS E TELÔMEROS

Todo cromossomo possui um estrangulamento denominado cen-

trômero ou constrição primária. Este consiste numa região do DNA res-

ponsável pela segregação do cromossomo replicado para as células-fi lhas

durante a divisão celular (Figura 7.6a). Caso um cromossomo perca sua

região centromérica, a segregação não acontecerá, o cromossomo se perde

e pode ser degradado pela célula. No centrômero também encontramos

um disco de proteína, o cinetócoro, ao qual se prendem os fi lamentos do

fuso acromático durante o processo de divisão da célula.

A posição do centrômero (Figura 7.6 b) delimita dois braços no

cromossomo. Dependendo da razão entre o tamanho desses braços,

r = l/c, onde l é o tamanho do braço longo e c é o tamanho do braço

curto, os cromossomos podem ser classifi cados em:

• Metacêntrico: centrômero localizado aproximadamente no meio

do cromossomo, formando dois braços de tamanho semelhante;

1,00 < r < 1,49.

• Submetacêntrico: o centrômero está um pouco deslocado da

região mediana do cromossomo, formando dois braços de

tamanhos diferentes; 1,50 < r < 2,99.

• Acrocêntrico: centrômero está bem próximo a uma das extre-

midades do cromossomo, formando um braço grande e outro

muito pequeno; 3,00 < r.

• Telocêntrico: o centrômero está em uma das extremidades,

adjacente ao telômero, tendo um único braço visível. Não

ocorre na espécie humana, embora possa estar presente em

outras espécies animais.

As regiões terminais dos cromossomos são denominadas telômeros.

Os telômeros são regiões de DNA compostas por seqüências repetitivas

de nucleotídeos. Faz algum tempo que já se sabe que estas são regiões

especializadas que previnem que dois cromossomos se unam através de

suas extremidades. Em experimentos em que o uso do raio X provocou

a perda da região telomérica, os cromossomos apresentaram tendência

a se ligar por essas extremidades.

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17a

Figura 7.6: O cromossomo compactado.a. Desenho de um cromossomo duplicado, mostrando cada uma de suas partes.b. Diferentes formas dos cromossomos, segundo a posição de seu centrômero.

b

Metacêntr ico(centrômero emposição central)

Submetacêntrico(centrômero

deslocado do centro)

Acrocêntrico(centrômero próximo a uma

das extremidades)

Telocêntrico(centrômero em uma

das extremidades)

Telômeros

onstrição primária (centrômeros)

Cromátides

Telômeros

Além do material genético contido no núcleo (genoma nuclear), asmitocôndrias também contêm DNA. O genoma mitocondrial humanocontém 16.569 pares de base de DNA, incluindo 37 genes que codifi camalgumas das proteínas e RNAs envolvidos na atividade mitocondrial. Ascélulas humanas podem conter milhares de mitocôndrias; logo, milharesde cópias do genoma mitocondrial. Esse genoma é herdado praticamentesó da mãe. Isso porque, durante a formação do zigoto, o espermatozóidecontribui com seu genoma nuclear, mas não o mitocondrial. Por sua vez, oóvulo contribui com seu genoma nuclear e com seu genoma mitocondrial,que é transmitido somente através do citoplasma do óvulo materno. NaAula 12, você poderá estudar a herança de genes extranucleares commais detalhes.

!

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Genética Básica | Cromossomos, genes, DNA: uma visão atual dos fatores mendelianos

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Figura 7.7: Genoma haplóide na espécie humana.a) espermatozóide.b) óvulo.

ba

OS CROMOSSOMOS NAS ESPÉCIES

O genoma nuclear de uma espécie é defi nido como a informação

genética total presente nos seus cromossomos.

Em espécies que possuem cromossomos sexuais, o número de tipos

de cromossomos (ou moléculas de DNA) da espécie pode ser diferente do

número de cromossomos do genoma haplóide. A espécie humana é um

bom exemplo. Embora nosso genoma haplóide tenha 23 cromossomos

(Figura 7.7), nossa espécie possui 24 tipos de cromossomos diferentes,

sendo 22 tipos de cromossomos autossômicos e 2 tipos de cromossomos

sexuais, o cromossomo X e o cromossomo Y.

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A Tabela 7.1 mostra o número de cromossomos do genoma

haplóide de diversas espécies. Como você pode verifi car, o número de

cromossomos não está relacionado ao tamanho nem à complexidade

biológica de um organismo.

Tabela 7.1: Número de cromossomos que constituem o genoma haplóide em algumas espécies eucariontes.

OrganismoNúmero haplóide de

cromossomos

Fungos

Levedura de padaria(Saccharomyces cerevisiae)

16

Mofo de pão (Neurospora crassa) 7

Plantas

Milho (Zea may)yy 10

Tomate(Lycopersicon esculentum)

12

Feijão (Vicia faba) 6

Sequóia gigante(Sequóia sempovirens)

11

Animais invertebrados

Mosca de frutas(Drosophila melanogaster)rr

4

Mosquito (Anoheles culicifacies(( ) 3

Estrela-do-mar (Asterias forbesi(( )ii 18

Animais vertebrados

Ser humano (Homo sapiens) 23

Chimpanzé (Pan tryglodites) 24

Cachorro (Canis familiaris) 39

Gato (Felis catus) 19

Camundongo (Mus musculus) 20

Sapo (Xenopus tropicalis(( ) 10

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Genética Básica | Cromossomos, genes, DNA: uma visão atual dos fatores mendelianos

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b

Cromossomos geneticamente equivalentes, ou seja, apresentando a

mesma seqüência de genes, são ditos cromossomos homólogos (do grego

homos, igual, semelhante). Nas espécies diplóides, são cromossomos

homólogos aqueles membros de um mesmo par. Apesar de possuírem os

mesmos genes, os homólogos não codifi cam, necessariamente, a mesma

informação genética. Cada um dos homólogos pode possuir um alelo

diferente do mesmo gene, produzindo proteínas diferentes com efeitos

distintos no organismo. Mais detalhes sobre alelos, seus produtos e sua

origem serão vistos na Aula 8.

Na Figura 7.8 são apresentados cariótipos de algumas espécies

de plantas e animais. Chamamos cariótipo à constituição cromossômica

de uma célula ou de um indivíduo. Diferentes técnicas para observação

de cariótipos vêm sendo desenvolvidas e você terá oportunidade de

conhecê-las melhor em aulas futuras. A técnica apresentada na Figura 7.8

é uma das mais simples; corando os cromossomos uniformemente, ela

permite que você identifi que a diversidade de tamanho, forma e número

de cromossomos nas diferentes espécies.

a

c

Figura 7.8: Cariótiposde diversas espécies(fora de escala).(a) Vicia faba (feijão);(b) Marmosa cinerea (marsupial);(c) Felis catus (gato).

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b d l d d d f lEmbora o conceito tradicional de gene esteja em discussão, de forma geral,

podemos dizer que cada gene é um segmento de uma molécula de DNA que

contém as informações necessárias para a produção de um RNA ou de uma

proteína. Diversos genes se distribuem ao longo das moléculas de DNA que

constituem o genoma de um organismo. Cada molécula de DNA está associada a

uma série de proteínas, formando o que chamamos cromossomos.

Durante a intérfase das células de organismos eucariotos, os cromossomos se

apresentam como longos fi os, formando uma massa onde não se consegue

identifi car cada cromossomo individualmente.

Ainda na intérfase, as células que entrarão em divisão duplicam seu material

genético. A duplicação dos cromossomos ocorre no período S da intérfase e

corresponde à replicação das moléculas de DNA que formam esses cromossomos.

Quando a célula entra em processo de divisão, cada fi lamento que compõe o

cromossomo (cromátide) enrola-se sobre si mesmo, tornando-se progressivamente

mais curto e grosso, até assumir o aspecto de um bastão compacto. Cada cromátide

condensa-se independentemente de sua irmã, de modo que, na célula em divisão,

pode-se visualizar cada cromossomo constituído por dois bastões unidos pelo

centrômero.

Chamamos genoma a um conjunto completo de cromossomos da espécie. Os

organismos podem conter em suas células somáticas um, dois, três ou mais

conjuntos de cromossomos.

R E S U M O

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Agora você já sabe um pouco mais sobre a natureza física dos fatores de

Mendel e como eles se organizam. Na próxima aula, veremos como os genes

atuam dando origem ao fenótipo e como surgem variantes para um mesmo

gene. Veremos também como se dá a relação de dominância entre os alelos

de um mesmo gene. Enfim, o que representam, em termos moleculares,

os azões (A) e azinhos (a), tão utilizados na Genética.

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Genética Básica | Cromossomos, genes, DNA: uma visão atual dos fatores mendelianos

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ATIVIDADE 1: CONSTRUINDO UM MODELO DE CÉLULA INTERFÁSICA

A. Vamos imaginar uma espécie hipotética, diplóide com 2n = 6 cromossomos.

Você deverá construir um modelo que represente o núcleo de uma célula somática

de um indivíduo dessa espécie no período G1 da intérfase. Considere ainda as

características listadas abaixo para a construção do seu modelo:

1. Os cromossomos serão denominados cromossomo 1; cromossomo 2 e

cromossomo 3. O cromossomo 1 é o maior de todos e metacêntrico;

o cromossomo 2 tem tamanho intermediário e é submetacêntrico e o

cromossomo 3 é o menor e acrocêntrico;

2. O cromossomo 1 possui 4 genes, denominados A, B, C e D; o cromossomo 2

possui 4 genes, denominados E, F, G e H; e o cromossomo 3 possui 2 genes,

denominados I e J;

3. Os genes A e B estão em um dos braços do cromossomo 1 e os genes C e D no

outro braço;

4. O gene E está no braço curto do cromossomo 2 e os genes F, G e H estão no

braço longo desse mesmo cromossomo;

5. Os genes I e J estão no braço longo do cromossomo 3;

6. O indivíduo cujo núcleo será representado é homozigoto dominante para os

genes A, C, F e J; é homozigoto recessivo para os genes B e E e heterozigoto para

todos os outros genes. Os alelos dominantes de cada gene serão representados

por letras maiúsculas e os recessivos por letras minúsculas.

Como sugestão para a construção do seu modelo você poderá utilizar o seguinte

material:

• 1 bolinha de isopor oca de cerca de 4cm de diâmetro cortada ao meio;

• 50cm de lã ou barbante;

• etiquetas de cerca de 0,5cm x 1cm;

A bolinha de isopor representará o núcleo, delimitado pela membrana nuclear.

Os fi os de lã ou barbante serão usados na representação dos cromossomos. E as

etiquetas delimitarão as regiões dos cromossomos onde se encontram os genes.

Os centrômeros serão delimitados por um nó nos fi os de lã ou barbante.

Page 129: Rb214   genética e evolução

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O material citado acima é só uma sugestão. Você poderá usar sua criatividade e

montar seu modelo com o material que achar mais conveniente. O mais importante

é que você tenha em mente que o modelo pretende ser uma representação da visão

que temos sobre um determinado conceito teórico. Muitas vezes, ao construir um

modelo, simplifi camos o objeto ou processo a ser representado, visando priorizar

a compreensão de uma idéia mais geral. Mas devemos ter sempre cuidado para

que nossos modelos não induzam erros conceituais em outras pessoas que possam

vir a utilizá-los.

Por isso, antes de construir seu modelo, reveja os conceitos sobre o núcleo

interfásico e sobre a organização do genoma. Pense o que cada material utilizado

estará representando e descreva isso, criando, além do modelo, uma folha de

orientação para o entendimento do mesmo.

B. Imagine agora que você obteve uma preparação com os cromossomos desse

indivíduo na metáfase da mitose. Desenhe o cariótipo observado.

Verifi que no seu guia da disciplina quando você deverá apresentar seu modelo

para discussão com seus colegas e tutores.

ATIVIDADE 2: MONTAGEM DE CARIÓTIPO HUMANO (2n = 46).

A Figura 7.9 apresenta os cromossomos de uma célula humana obtida a partir de

cultura de linfócitos. A técnica utilizada inclui as seguintes etapas:

1. Retirada de sangue;

2. Separação dos leucócitos;

3. Transferência dos leucócitos para meio de cultura contendo indutor de divisões

celulares (fi tohemaglutinina);

4. Cultivo das células por alguns dias;

5. Adição de colchicina para bloquear as mitoses na fase de metáfase;

6. Adição de solução hipotônica para que as células fiquem mais túrgidas

(inchadas);

7. Centrifugação para precipitação dos leucócitos;

8. Coleta dos leucócitos e gotejamento sobre lâmina microscópica;

9. Coloração com Giemsa.

Page 130: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Cromossomos, genes, DNA: uma visão atual dos fatores mendelianos

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A partir da preparação descrita acima, uma célula foi selecionada e fotografada.

Cada cromossomo está composto por duas cromátides, pois a célula estava em

processo de mitose quando foi fi xada. Para a análise de cariótipos, o próximo

passo é recortar cada um dos cromossomos da fotografi a e montá-los segundo a

classifi cação dos cromossomos humanos. Sua tarefa será:

1. fazer uma pesquisa sobre como são classifi cados os cromossomos humanos e

como são feitas as montagens de cariótipos;

2. recortar e montar, colando em uma folha de papel, os cromossomos da Figura

7.9 segundo o padrão utilizado para montagem de cariótipo humano;

3. indicar se a célula analisada é de um indivíduo do sexo feminino ou masculino

e se esse indivíduo apresenta o número de cromossomos normal da espécie

humana.

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Figura 7.9: Fotografi a dos cromossomos de uma célula humana corados com solução de Giemsa na fase demetáfase da mitose.

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Genética Básica | Cromossomos, genes, DNA: uma visão atual dos fatores mendelianos

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ATIVIDADE 3: RELACIONANDO GENES, CROMOSSOMOS E MEIOSE

1) Complete o esquema da meiose de uma célula diplóide de um macho

heterozigótico para os genes C e C D, localizados em cromossomos autossômicos

diferentes. Além disso, no cromossomo X está localizado um alelo recessivo para

o gene E.

2) Agora responda:

• quantos tipos de gametas foram formados ao fi nal da meiose desta célula?

• como podem ser formados outros tipos de gametas neste mesmo indivíduo

(CcDdXdd eY)?

3) Indique todos os tipos de gametas que este indivíduo, com genótipo CcDdXeY,

formaria. E se fosse uma fêmea CcDdXEXe, que tipos de gametas seriam

formados?

Page 133: Rb214   genética e evolução

Do gene ao fenótipo

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Explicitar relações entre a Genética Mendeliana e a Biologia Molecular.

• Compreender as bases moleculares da determinação do fenótipo.

• Compreender como surgem as variações no genótipo e como estas determinam as variações no fenótipo.

objetivos8AULA

Pré-requisitosPré-requisitos

Estrutura e Duplicação do DNA.

Mecanismo da síntese de proteínas – transcrição

e tradução.

Page 134: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Do gene ao fenótipo

C E D E R J138

REVENDO A TRANSCRIÇÃO E A TRADUÇÃO

Na disciplina Biologia Molecular, você terá a oportunidade de

aprofundar seus conhecimentos sobre a organização molecular dos genes e

os processos de transcrição e tradução. No entanto, precisamos lembrar de

alguns conceitos fundamentais desses processos para entender esta aula.

Você deve se recordar que os genes são segmentos da molécula

de DNA responsáveis por armazenar e transmitir as informações

genéticas. De acordo com o dogma central da Biologia Molecular, a

informação genética fl ui do DNA para o DNA (processo de replicação)

durante sua transmissão de geração a geração e do DNA para a

proteína durante sua expressão fenotípica em um organismo. A maioria

dos genes contém informações para a síntese de RNA mensageiros

(mRNA) — processo de transcrição — que, por sua vez, conterão as

informações para a síntese de proteínas — processo de tradução.

No final da década de 1950, os cientistas demonstraram a

natureza tríplice do código genético – cada aminoácido de uma

proteína é especifi cado por uma seqüência de três pares de nucleotídeos

no DNA. Logo em seguida, decifrou-se o código genético e demonstrou-

se a correspondência entre as trincas de bases nitrogenadas do mRNA

(códons) e os aminoácidos nas proteínas. O código é inequívoco,

cada códon corresponde a um único aminoácido, e degenerado,

pois quase todos os aminoácidos têm mais de um códon.Você

encontra a tabela com o código genético no final desta aula.

DNA

…ATC ATC TTT GGT GTT ... - fi ta senso

…TAG TAG AAA CCA CAA … - fi ta anti-senso (molde para o RNAm)

mRNA ...AUC - AUC - UUU - GGU - GUU...

PTN ... ILE- ILE- PHE- GLY- VAL...

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Mas há, também, aqueles genes que codifi cam para RNA nucleares

(snRNA), RNA transportadores (tRNA) e RNA ribossômicos (rRNA), e

todos estes RNAs nunca são traduzidos.

Um resumo dos processos de transcrição e tradução está apresentado

na Figura 8.1.

Figura 8.1: Esquema apresentando um resumo dos processos de transcrição e tradução.As estruturas não estão em escala.

Page 136: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Do gene ao fenótipo

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Os tRNA são pequenas moléculas de RNA que funcionam como adaptadores entre os aminoácidos e os códons do mRNA durante a tradução.

Os rRNA são componentes estruturais dos ribossomos, organelas celulares responsáveis pela tradução do mRNA em proteínas.

Os snRNA são componentes estruturais dos spliceossomos, estruturas nuclea-res responsáveis pela retirada dos íntrons das seqüências dos pré-mRNA.

!

Nos procariontes, os produtos da transcrição, transcritos

primários, em geral, são equivalentes à molécula de mRNA a ser

traduzida. Já nos eucariontes, os transcritos primários de muitos genes

contêm seqüências específi cas que deverão ser retiradas para a completa

formação do mRNA, daí serem chamados pré-mRNA. O processamento

do pré-mRNA inclui a retirada de seqüências de nucleotídeos não-

codifi cantes, chamadas íntrons, que se inserem entre as seqüências

codifi cantes chamadas éxons dos genes. A remoção dos íntrons é realizada

por estruturas macromoleculares chamadas spliceossomos (do inglês

splicing). Além da excisão dos íntrons, o processamento do pré-mRNA

em mRNA inclui modifi cações em suas duas extremidades: o capeamento

da extremidade 5’ e a poliadenilação da extremidade 3’.

Figura 8.2: Processamento do pré-mRNA em mRNA, incluindo a excisão de seqüências de íntrons e modifi cações nas duas extremidades dos transcritos primários.

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Como resultado da tradução do mRNA, temos a síntese de

polipeptídeos (seqüências de aminoácidos ligados por uniões peptídicas).

Um ou mais polipeptídeos associados formam macroestruturas que

chamamos proteínas. As proteínas exercem inúmeras funções na

célula, podendo participar da estrutura de organelas ou do controle das

reações químicas (proteínas enzimáticas ou, simplesmente, enzimas).

A função de uma proteína é, em última análise, determinada por sua

seqüência de aminoácidos (aa), que, como vimos, depende da seqüência

de nucleotídeos de seu gene correspondente. Mudanças na seqüência

de nucleotídeos do DNA podem alterar a seqüência de aa, causando a

perda ou modifi cação da função da proteína.

REVISITANDO AS ERVILHAS DE MENDEL

Voltando às ervilhas estudadas por Mendel, hoje sabemos que a

espécie Pisum sativum é uma espécie diplóide, com 2n = 14 cromossomos.

Isto signifi ca que esta espécie possui 7 tipos de cromossomos ou moléculas

de DNA diferentes que se apresentam em dose dupla. Em um desses

cromossomos, há um gene responsável por determinar a característica

textura da semente. Mas, como isso acontece?

Para que as sementes sejam lisas, parte substancial da glicose contida

nos cotilédones deve ser transformada em moléculas de amido grandes

e ramifi cadas. A síntese do amido ramifi cado depende de uma proteína

enzimática chamada SBE-I (do inglês Starch-Branching Enzyme). E a

síntese desta enzima depende da transcrição e tradução de um segmento

de DNA, com 3.300 pares de nucleotídeos, localizado em uma região

específi ca de um dos cromossomos da ervilha. Chamaremos essa versão

do gene que condiciona a síntese da enzima SBE-I funcional de alelo R.

Gene SBE-I normalI (segmento do DNA com 3,3 mil pares de nucleotídeos – alelo R)

mRNA

proteína enzimática SBE-I funcional

Glicose --------------- amido ramifi cado--

T R A N S C R I Ç Ã O

T R A D U Ç Ã O

R E A Ç Ã O E M Z I M Á T I C A

Page 138: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Do gene ao fenótipo

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Mas há uma outra versão para este gene, pois esse segmento de

DNA pode ter sua seqüência de nucleotídeos alterada pela inserção de

800 pares de nucleotídeos. Essa forma alterada do gene não produz a

enzima SBE-I funcional, sendo um ALELO não funcional desse gene que

chamaremos alelo r (Figura 8.3).

Figura 8.3: Origem molecular da alteração da forma da semente de ervilha. O fenótipo rugoso resulta da inser-ção de uma cadeia de nucleotídeos no gene que codifi ca a proteína SBE-I, responsável pela síntese de amidoramifi cado a partir da glicose. (a) alelo normal; (b) alelo mutante.

Gene SBE-I com a inserção de 800 nucleotídeos em sua seqüênciaI (segmento do DNA com 4.100 pares de nucleotídeos – alelo r)

mRNA

proteína enzimática SBE-I não-funcional

Glicose ----------------------------- amido ramifi cadomraamam--

A L E L O

O termo alelo éusado para identifi carversões diferentes de um mesmo gene, ouseja, pequenasvariações de umsegmento de DNA.

a b

T R A N S C R I Ç Ã O

T R A D U Ç Ã O

N Ã O O C O R R E R E A Ç Ã O E N Z I M Á T I C A

ALELO NORMAL ALELO MUTANTE

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As plantas com sementes rugosas possuem genótipo rr. Isto é, os

dois cromossomos do par de homólogos que possui a seqüência de DNA

que codifi ca a proteína SBE-I possuem a versão r deste gene. Já vimos que

o alelo r produz uma proteína que não é capaz de catalisar a reação que

transforma a glicose no amido ramifi cado, o que resulta num acúmulo

de sacarose, aumentando a pressão osmótica no interior das células dos

cotilédones. Conseqüentemente, as células dos cotilédones absorvem e

acumulam grande quantidade de água durante seu desenvolvimento.

Com o amadurecimento das sementes, há perda de grande quantidade

de água, o que provoca o enrugamento de sua casca.

As plantas que possuem em seu genótipo pelo menos uma cópia

do alelo R (RR ou Rr), a versão do gene capaz de sintetizar a enzima

SBE-I funcional, sintetizam o amido ramifi cado e têm nas células dos

cotilédones pressão osmótica menor, não acumulando tanta água. Quando

amadurecem, seus cotilédones perdem muito pouca água, mantendo-

se praticamente com o mesmo tamanho e, por isso, não enrugam sua

casca. Note que nesse caso, a presença de um único alelo R produz a

quantidade sufi ciente da enzima para que a reação de transformação de

glicose em amido ramifi cado ocorra nos níveis necessários para que a

forma da semente seja lisa (Figura 8.4).

Figura 8.4: As bases moleculares dos fatores de Mendel.

Cromossomos

alelo Ralelo R

Page 140: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Do gene ao fenótipo

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COMO SURGEM NOVOS ALELOS?

No exemplo da textura da semente em ervilha, usamos as letras

R e r para nomear os dois alelos responsáveis pela determinação da

variação dessa característica. Vimos que a diferença entre estes alelos

está na diferença entre a seqüência de nucleotídeos do segmento de DNA

que codifi ca a enzima SBE-I. O alelo r possui 800 pares de base a mais do

que o alelo R na sua seqüência. Bhattacharya e colaboradores, em 1990,

publicaram um trabalho no qual mostram que esta diferença teve origem

na inserção de um elemento de transposição no gene SBE-I, resultado no

alelo r a partir do alelo R. Dizemos, então, que o gene SBE-I sofreu umaI

mutação, ou seja, uma alteração na sua seqüência de nucleotídeos.

Elementos de transposição (ou transposons) são segmentos de DNA que stêm a propriedade de mudar de posição no genoma. Quando os elementos de transposição se movem de um local para o outro, eles podem quebrar cromossomos ou mutar genes, tendo assim um importante signifi cado genético.

O primeiro relato sobre a existência de elementos de transposição foi

publicado em 1948 pela cientista americana BARBARA MCCLINTOCK, que devotou grande parte de sua vida às pesquisas com genética de milho. A princípio suas idéias sobre a possibilidade de existirem segmentos de DNA que mudavam de lugar não foram bem aceitas. O conceito de transposição contradizia o ponto de vista estabelecido, de que os genes ocupam posições fi xas nos cromossomos. Nas décadas de 1960 e 1970, elementos de transposição foram observados também em bactérias e em drosófi las, e hoje sabemos que ocorrem em muitas espécies, inclusive na espécie humana. McClintock ganhou, em 1983, o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina por seu trabalho.

Só para não haver dúvida, nosso conhecimento atual sobre os genomas dos seres vivos confi rma que os genes ocupam posições fi xas nos cromossomos. Os elementos de transposição são segmentos de DNA que apresentam um comportamento particular.

!

Nesse caso, a mutação ocorreu devido a uma inserção, mas

outros tipos de mutação podem modifi car as seqüências de DNA. Você

poderia identifi car outros processos que poderiam alterar a seqüência

de nucletídeos da molécula de DNA?

Vejamos se você respondeu bem: a seqüência de nucleotídeos do

DNA de um gene pode ser alterada por:

1. inserção ou adição de um ou mais pares de nucleotídeos;

2. deleção ou perda de um ou mais pares de nucleotídeos;

3. substituição de um ou mais pares de nucleotídeos.

BARBARA

MCCLINTOCK

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Qualquer mutação que ocorra dentro de um determinado gene

produzirá um alelo novo deste gene. Os genes podem possuir múltiplos

alelos, como é o caso do gene que codifi ca a proteína da molécula de

hemoglobina (Figura 8.5).

Figura 8.5: Exemplos de seqüências de aminoácidos na cadeia β da hemoglobina. Cada cadeia apresenta a troca de um aminoácido quando comparada à cadeia βA

que compõe a Hemoglobina A (HbA — normal). Todos os exemplos apresentados resultam da substituição de um par de bases na seqüência de nucleotídeos do gene que codifi ca a proteína β. Assim, cada uma dessas mutações deu origem a um novo alelo do gene para a cadeia β.Nesse gene, a mutação mais conhecida é a que causa a anemia falciforme (ou sicle-mia) na espécie humana. Se compararmos o DNA do alelo que codifi ca a cadeia beta normal (βA) e o alelo que codifi ca a cadeia mutante (βS) que causa a siclemia, verifi caremos que a diferença entre elas resume-se na substituição de um único par de nucleotídeo, entre os 438 pares que codifi cam essa cadeia polipeptídica. Na região do DNA que codifi ca o sexto aminoácido, a trinca de bases é CTC no alelo normal e CAC no alelo siclêmico. Verifi que na tabela do código genético que esta substituição da timina por adenina causa a substituição de um ácido glutâmico por uma valina na seqüência de aminoácidos da proteína.

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Genética Básica | Do gene ao fenótipo

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nova conformação da proteína e perda da atividade devido à mudança deaminoácidos.

OS EFEITOS DAS MUTAÇÕES NA FUNÇÃO DAS PROTEÍNAS

Nem toda variação no DNA (mutação) resulta em variação no fenótipo.

Por exemplo, pode ocorrer uma substituição de um nucleotídeo que não resulte

em mudança na seqüência de aminoácidos da proteína a ser codifi cada. Dê outra

olhada na tabela do código genético e você verá que o código é degenerado, ou

seja, há mais de uma trinca de bases que codifi cam um mesmo aminoácido.

Figura 8.6: Tiposde mutação segun-do a alteração que causa na função da proteína.

a) sem mutação b) troca de aminoácido

troca de uma base

mRNA

DNA

conformação eatividade normais da proteína.

c) mutação silenciosa d) mutação sem sentido

troca de uma base troca de uma base

proteína incompletaconformação eatividade normais da proteína. perda de atividade

e) mudança de quadro de leitura

adição de bases

mudança de conformação

perda de atividade

CUU CCULeu Pro

CUU CUALeu Leu

CUULeuou

CUGLeu

UACTyr Fim

UAA ou UAG

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O geneticista Hermann Muller propôs um sistema de classifi cação

para os alelos mutantes segundo as alterações que causam em relação à

função desempenhada pelo alelo normal do gene. Segundo o sistema de

classifi cação proposto por MULLER, os alelos podem ser:

1. Hipomórfi cos, quando a mutação causa uma diminuição da

função do gene em relação ao alelo normal.

2. Amórfi cos, quando a mutação, embora mantenha a capacidade

do alelo produzir um RNA ou proteína, causa a perda da função

do gene.

3. Nulos, quando a mutação elimina a capacidade do alelo para

produção do RNA ou proteína codifi cada pelo gene. Todo

alelo nulo é um alelo amórfi co, mas nem todo alelo amórfi co é

um alelo nulo. Para sabermos se um alelo amórfi co é também

um alelo nulo, precisamos fazer um teste capaz de detectar a

presença física do produto do gene, ou seja, da proteína ou

do RNA.

4. Hipermórfi cos, quando a mutação causa o aumento da função

do gene em relação ao seu alelo normal.

5. Neomórfi cos, quando a mutação produz uma nova função.

6. Antimórfi cos, quando a mutação produz uma função antagônica

à função desempenhada pelo alelo original.

As três primeiras classes incluem alelos onde há perda de função,

enquanto nas três últimas a mutação cria alelos que apresentam ganho de

função em relação ao alelo original. Um alelo classifi cado como amórfi co

pode ser ou não um alelo nulo.

Não se preocupe em memorizar esses nomes, mas sim em entender

o que cada uma das classes apresentadas representa em termos das

alterações de função das proteínas correspondentes.

HERMANN

MULLER

Outra possibilidade é quando, mesmo havendo a substituição de um ou

mais aminoácidos, a proteína continua desempenhando perfeitamente a

sua função. A mudança do aa pode ocorrer, por exemplo, numa região

da proteína que não seja fundamental para a sua atividade. A Figura 8.6

apresenta as possibilidades de alteração da função de uma proteína quando

seu gene correspondente sofre mutação.

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Genética Básica | Do gene ao fenótipo

C E D E R J148

AS RELAÇÕES DE DOMINÂNCIA ENTRE ALELOS DO MESMO GENE

Dominância é a relação entre dois alelos de um mesmo gene, que é a

defi nida pelo fenótipo de indivíduos heterozigóticos para esses dois alelos.

No estudo realizado por Mendel, para os sete caracteres analisados,

os alelos apresentavam uma relação de dominância completa. Ou seja, o

fenótipo das plantas heterozigóticas era idêntico ao das homozigóticas

para um dos alelos.

Há casos em que o fenótipo do heterozigoto é intermediário em

relação aos dois homozigotos, daí dizermos que há uma dominância

incompleta. Um exemplo de dominância incompleta é o caso do gene que

determina a cor da fl or em Mirabilis jalapa. Um dos alelos conhecidos

desse gene (A1) condiciona a cor vermelha à fl or e o outro alelo (A2), a cor

branca. Os indivíduos heterozigóticos (A1A2) possuem fl or de cor rosa.

Um ponto que em geral causa confusão é a diferença entre os

conceitos de dominância incompleta e codominância. Vamos ver se

conseguimos resolver isso. Dizemos que há codominância quando

somos capazes de perceber, no heterozigoto, o fenótipo expresso pelos

dois alelos em questão. A maior parte dos exemplos de codominância

ocorre quando estamos analisando características cujo fenótipo está

relacionado diretamente com a identifi cação da proteína codifi cada

pelo gene. Ainda não está claro?

Vamos ao exemplo clássico, grupos sangüíneos. O sistema

sangüíneo ABO em seres humanos é controlado por um gene (Gene I),

que possui vários alelos. Dentre estes alelos, existe o alelo IA, que produz

o antígeno específi co A e o alelo IB, que produz o antígeno específi co

B. Os homozigotos IAIA só produzem proteínas do tipo A, o fenótipo

desses indivíduos para o sistema ABO é grupo sangüíneo A. Da mesma

forma os homozigotos IBIB são do grupo sangüíneo B. Os heterozigotos

IAIB produzem os dois tipos de proteínas, mas não é só isso, somos

capazes de identifi car estes produtos isoladamente, por isso dizemos

que esses alelos apresentam codominância. Os heterozigotos IAIB são

do grupo sangüíneo AB. No caso do gene que codifi ca os antígenos do

sistema ABO, costuma-se identifi car a diferença entre o produto do alelo

IA (antígeno A) e do alelo IB (antígeno B) através de reações antígeno-

anticorpo, uma alternativa à técnica de eletroforese.

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Há um outro caso em que os indivíduos heterozigóticos têm fenótipo

mais extremo do que ambos os homozigotos. Neste caso, dizemos que a

relação entre os alelos é de sobredominância. Em Arabidopsis thaliana,

uma planta muito usada como modelo experimental em Genética,

observou-se que há um gene cujo alelo mutante an em homozigose produz

o fenótipo plantas anãs. Mas as plantas heterozigóticas portadoras de

um alelo normal (An) e um alelo mutante (an) possuem um tamanho

maior do que as homozigóticas (AnAn).

ALELOS DE UM MESMO GENE PODEM APRESENTAR DIFERENTES RELAÇÕES DE DOMINÂNCIA

Vejamos um exemplo de como alelos de um mesmo gene podem

apresentar diferentes relações de dominância.

Um dos genes que condiciona a cor dos olhos em Drosophila

melanogaster está localizado no cromossomo X e é denominado gene

white. O alelo normal ou selvagem (w+) deste gene codifi ca uma proteína

que está relacionada à deposição de pigmentos nos olhos das drosófi las.

As drosófi las normais possuem olhos vermelho-escuros, resultado da

deposição de dois pigmentos, o pigmento vermelho e o pigmento marrom.

Existem, no entanto, alelos mutantes desse gene que causam o apareci-

mento de diferentes fenótipos relacionados à variação na cor dos olhos.

Dentre esses alelos estão o alelo white (w) e o alelo white-apricot (t wa).

A proteína codifi cada pelo alelo w perde completamente sua função e

não é capaz de fazer a deposição dos pigmentos. A proteína codifi cada

pelo alelo wa, embora ainda seja capaz de depositar os pigmentos, tem

sua função reduzida. Resultado: os indivíduos homozigóticos para o alelo

w possuem olhos brancos, pois não são capazes de depositar nenhuma

quantidade de pigmento nos olhos. Indivíduos homozigóticos para o

alelo wa possuem olhos de cor alaranjada.

Se usarmos a classifi cação de Muller, diremos que o alelo w é

amórfi co, pois ele não é capaz de realizar a função do alelo normal de

pigmentação do olho, e o alelo wa é classifi cado como hipomórfi co,

pois, a função do gene de pigmentação do olho, embora seja mantida,

é reduzida.

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Genética Básica | Do gene ao fenótipo

C E D E R J150

Só para lembrar, os machos de drosófi la são XY; por possuírem apenas umcromossomo X, não cabe o uso dos termos homozigótico ou heterozigóticopara nos referirmos ao genótipo de genes localizados em seu cromossomosexual X. Usamos neste caso, o termo hemizigótico, ou seja, os machossão hemizigóticos para este ou aquele alelo. A mesma observação servepara qualquer espécie que apresente sistema semelhante de determinaçãocromossômica do sexo.

!

Quanto às relações de dominância, o alelo selvagem (w+) possui

dominância completa em relação a estes dois genes; fêmeas heterozigó-

ticas w+w ou w+wa possuem olhos de cor vermelho-escuros. No entanto,

o alelo wa apresenta dominância incompleta em relação ao alelo w, pois

fêmeas waw apresentam olhos com um tom de laranja mais claro do que

as fêmeas homozigóticas wawa.

Um alelo que codifi ca uma proteína defeituosa é recessivo quando,

em heterozigose com o alelo normal, esse último ainda é capaz de fornecer

a quantidade adequada de proteína para suprir as necessidades da célula

(haplo-sufi ciência). Se este não for o caso que há haplo-insufi ciência do

alelo normal. No nosso exemplo, o alelo normal (w+) é capaz de suprir

as necessidades para que a cor dos olhos seja normal, mesmo quando em

heterozigose com os alelos defeituosos; logo, há uma haplo-sufi ciência

desse alelo.

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ALGUNS EXEMPLOS DAS BASES MOLECULARES DE ALGUMAS DOENÇAS GENÉTICAS NA ESPÉCIE HUMANA

A fi brose cística

A fi brose cística (FC) ou mucoviscosidade é uma doença here-

ditária onde um alelo defeituoso de um único gene é responsável por

disfunções em diversos órgãos do organismo, como pulmões, fígado,

pâncreas, intestinos e trato reprodutivo. A principal causa dessas dis-

funções é a obstrução dos ductos em diversos órgãos por secreções de

viscosidade muito aumentada. Os indivíduos afetados por essa doença

se caracterizam ainda por apresentar uma alta concentração de sais no

suor e, em geral, morrem sufocados pelo espesso muco que obstrui suas

vias respiratórias.

Como podemos identifi car diretamente a proteína codifi cada pelo gene?

A técnica conhecida como eletroforese (do grego phóresis, migração) permite separar

moléculas com cargas e/ou pesos moleculares diferentes. Para isso, deve-se colocar as

amostras a serem testadas em uma das extremidades de um gel e aplica-se a este gel uma

corrente elétrica. As proteínas irão migrar mais ou menos rápido segundo seu peso mole-

cular e sua carga elétrica, que dependem da seqüência dos aminoácidos. Após a migra-

ção, a posição de cada molécula pode ser identifi cada, indicando possíveis diferenças ou

semelhanças entre as amostras. A técnica de eletroforese é usada também para separar

moléculas de DNA e RNA.

Figura 8.7: Representação esquemática de um gel de eletroforese onde amostras de indivíduos com dife-rentes genótipos foram analisadas. Note que os indivíduos homozigóticos formam apenas uma bandana corrida eletroforética, enquanto o heterozigoto forma duas. Isto se dá porque nos homozigotos osdois alelos formam proteínas idênticas. Já os heterozigotos possuem dois alelos diferentes e, conseqüen-temente, podem formar proteínas com diferenças em suas seqüências de aminoácidos.

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Genética Básica | Do gene ao fenótipo

C E D E R J152

Já foram detectados mais de

1000 alelos com diferentes mutações

que causam a perda da função dessa

proteína. Contudo, a maioria dos indi-

víduos afetados são portadores do alelo

mutante denominado ∆F508. A dife-

rença entre este alelo e o alelo normal

consiste em uma deleção de 3 pares de

bases. A perda desses nucleotídeos cor-

responde à produção de uma proteína

com a perda do aminoácido fenilalanina

na 508ª posição (Figura 8.8).

Figura 8.8: Localização degene cuja mutação causaa doença fi brose cística, nobraço longo do cromosso-mo 7. A perda dos três pares de bases marcados em cinzaresulta na remoção do ami-noácido fenilalanina naproteína correspondente.Consulte a tabela do códi-go genético e verifi que aseqüência de aminoácidos na proteína normal e namutante.

Cromosssomo 7 Seqüencia de nucleotideos

Aminoácidosda proteína

Gene CFTR Deleção emmuitos pacientescom fi brosecística

A FC é uma doença autossômica recessiva. Isso signifi ca que o

gene cujo alelo mutante causa esta doença está localizado em um cro-

mossomo autossômico e, para que uma pessoa seja afetada, suas duas

cópias do gene devem ser defeituosas. O gene cuja mutação causa a FC

(Gene CFTR) está localizado no braço longo do cromossomo 7. Uma

pessoa que leva o alelo normal do gene em um de seus cromossomos e

um alelo defeituoso no cromossomo homólogo não apresenta a doença.

Neste caso, como nos exemplos do gene para a textura da semente de

ervilha e da cor dos olhos da drosófi la, dizemos que há uma haplo-sufi ci-

ência, ou seja, a presença de um único alelo normal produz a quantidade

sufi ciente de proteína para prover o funcionamento normal da célula e,

conseqüentemente, o fenótipo normal do indivíduo.

Mas qual a causa primária da fi brose cística?

Como vimos, a FC é uma doença monogênica. Isso indica que a

causa primária deve ser um defeito ou falta das funções de uma proteína.

Nesse caso, a doença tem como causa primária a inativação de uma

proteína que controla a passagem de íons através da membrana celular

nos tecidos secretores. A perda do canal protéico por onde passam os

íons causa um desbalanço das concentrações de Na+ e Cl-, levando à

produção do muco muito espesso e da obstrução dos ductos nos diver-

sos órgãos.

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A Doença de Tay-Sachs

As crianças homozigóticas para o alelo mutante que causa a doença

de Tay-Sachs são normais ao nascimento, mas após alguns meses tornam-

se hipersensíveis a barulhos e desenvolvem pontos vermelhos na retina

do olho. Entre seis meses e um ano após o nascimento, começam a

sofrer uma progressiva degeneração neurológica que rapidamente leva

ao retardo mental, cegueira, surdez e perda geral do controle de funções

corpóreas. A morte, em geral, ocorre entre três e quatro anos de idade.

Na maioria das populações mundiais, o alelo que causa a doença de

Tay-Sachs é raro; no entanto, entre a população de judeus ashkenazi

da Europa Central o número de crianças que nasce com a doença é de

cerca de 1 em 3.600 e o número de adultos heterozigóticos portadores

do alelo mutante é de cerca de 1 em 30.

A mutação que causa a doença de Tay-Sachs está no gene HEXA,

que codifi ca a enzima hexosaminidase A. Essa enzima atua clivando o

complexo lipídeo gangliosídeo GM2 em um gangliosídeo menor (GM3) e

em N-acetil-D-galactosamina.

A função do gangliosídeo GM2 é revestir as células nervosas,

isolando-as de eventos que ocorrem nas células vizinhas e acelerando

a transmissão dos impulsos nervosos. Na ausência da enzima que o

degrade, há excesso de GM2 que se acumula na célula.

O acúmulo de lipídeos complexos na célula nervosa bloqueia sua

ação, levando à deterioração do sistema nervoso e à paralisia.

Gene HEXA normal

codifi ca a

Proteína enzimática hexosaminidase A

catalisa a reação

gangliosídeo GM2 ----------------- gangliosídeo GM3 + N-acetil-D-galactosamina

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Genética Básica | Do gene ao fenótipo

C E D E R J154

A anemia falciforme

A hemoglobina é uma proteína responsável pelo transporte de

gás oxigênio em nosso corpo. Ela consiste tipicamente em dois pares

diferentes de cadeias polipeptídicas. Na hemoglobina normal do adulto

(Hemoglobina A - HbA), essas cadeias são designadas α (alfa) e β (beta).

As quatro cadeias se organizam formando uma estrutura globular com

a fórmula αA2β

A2, onde o índice A indica que as cadeias polipeptídicas

α e β são do tipo normal e o índice 2, que estão representadas em dose

dupla (Figura 8.9). A cadeia α é codifi cada por um gene localizado no

cromossomo 16, enquanto o gene que codifi ca a cadeia β está no cro-

mossomo 11.

Figura 8.9: Os quatro níveis de organização da hemoglobina humana – estrutura primária, secundária, terciáriae quaternária da proteína, com destaque para a cadeia β.

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A anemia falciforme (do latim falcis, foice) ou siclemia (do inglês

sickle, foice) é uma doença hereditária, caracterizada por uma severa

anemia, freqüentemente fatal. Como já vimos, este tipo de anemia é

causada por uma mutação na cadeia beta da hemoglobina que resulta na

mudança de um ácido glutâmico por uma valina na posição 6. Essa cadeia

mutante é denominada βS e a hemoglobina que possui é a Hemoglobina

S (HbS), cuja fórmula é αA2β

S2 (Tabela 8.1). As hemoglobinas alteradas

tendem a se agregar, formando massas em forma de bastão que distorcem

as hemácias para a forma de foice. Essas hemácias deformadas não se

deslocam com facilidade pelos fi nos capilares sangüíneos, causando danos

a diversos tecidos, principalmente ossos e rins. Além disso, as hemácias

deformadas rompem-se com facilidade.

Tabela 8.1: Os três possíveis genótipos quanto aos dois alelos, βAββ e βSββ , seus respectivos fenótipos e as relações dedominância entre estes alelos. Observe que o conceito de dominância é relativo, dependendo do que estamos considerando como o fenótipo.

GenótipoFenótipo quanto à composição das moléculas de hemoglobina

Fenótipo quanto à forma das hemácias em condi-ções normais de oxigênio

Fenótipo quanto à formadas hemácias em condi-ções de baixa concentra-ção de oxigênio

βAββ βA Aββ αA2β

A2 (HbA)

forma normal forma normal

βAββ βA SββαA

2βA

2 , αA2β

S2 (HbA e HbS)

e αA2β

Aβsforma normal

deformação intermediária

βSββ βS Sββ αA2β

S2 (HbS)

forma acentuada de foice

forma acentuada de foice

Relação dedominânciaentre os alelos

codominância dominância completadominânciaincompleta

Com as aulas que vimos até aqui esperamos que você se sinta

familiarizado com a organização do genoma e com os processos de

expressão e transmissão da herança biológica. Esperamos também

que você consiga estabelecer as relações entre as Leis de Mendel e os

processos celulares.

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Genética Básica | Do gene ao fenótipo

C E D E R J156

Os genes são segmentos da molécula de DNA responsáveis por armazenar e

transmitir as informações genéticas. O DNA serve de molde para a fabricação de

um RNA - transcrição, o qual pode conter informação para síntese de uma proteína

- tradução. As proteínas podem ter funções estruturais ou enzimáticas, sendo estas

determinadas pela seqüência de aminoácidos da proteína.

A seqüência de nucleotídeos do DNA pode ser alterada (mutação) por: inserção,

deleção ou substituição de um ou mais pares de nucleotídeos. As mutações no

DNA podem causar modifi cações na seqüência de aminoácidos da proteína

correspondente com perda ou modifi cação de sua função. Contudo, nem toda

variação no DNA resulta em variação no fenótipo. Qualquer mutação que ocorra

dentro de um determinado gene produzirá um alelo novo deste gene.

Chamamos de dominância a relação entre dois alelos de um mesmo gene que

é defi nida pelo fenótipo de indivíduos heterozigóticos para esses dois alelos.

Segundo as relações de dominância, os alelos podem apresentar: dominância

completa, dominância incompleta, codominância ou sobredominância.

Um alelo que codifica uma proteína defeituosa é recessivo quando, em

heterozigose com o alelo normal, esse último é capaz de fornecer a quantidade

adequada de proteína para suprir as necessidades da célula (haplo-sufi ciência).

O conceito de dominância é relativo, dependendo do que estamos considerando

como o fenótipo.

R E S U M O

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

A nossa próxima aula será uma introdução à metodologia de análise genética na

espécie humana.

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EXERCÍCIOS

1. Na aula passada, você iniciou a construção de um glossário. Continue esta

atividade incluindo agora as palavras em negrito no texto desta aula.

2. Preencha os espaços em branco nas frases usando o termo abaixo mais

apropriado.

(a) alelo (e) heterozigótico (i) diplóide

(b) loco (f) homozigótico (j(( ) haplóide

(c) gene (g) dominância

(d) mutação (h) codominância

2.1. ( ) pode ser defi nido como a porção do cro mossomo (um segmento da

molécula da hereditariedade) que produz um efeito detectável no indivíduo.

2.2. Uma alteração hereditária em uma característica é chamada ( ).

2.3. Cada uma das formas detectáveis de um ( ) é chamada ( ).

2.4. A posição que um determinado ( ) ocupa no cromossomo é seu (sua) ( ).

2.5. O zigoto, e conseqüentemente o indivíduo, resultante da união de gametas

portadores de um mesmo tipo de alelo é chamado ( ).

2.6. O zigoto, e conseqüentemente o indivíduo, resultante da união de gametas

portadores de alelos diferentes de um mesmo gene é denominado ( ).

2.7. O fenômeno de um alelo de um gene mascarar o efeito de um outro alelo

do mesmo gene é chamado ( ).

2.8. No cruzamento entre um indivíduo com um caráter hereditário dominante

e outro com o caráter recessivo, todos os descendentes apresentaram o

caráter dominante. Pode-se dizer, portanto, que, muito provavelmente,

o tipo parental dominante é ( ).

2.9. Em um cruzamento entre um indivíduo com um caráter hereditário

dominante e outro com o caráter recessivo, foram produzidos descendentes

com o caráter dominante e descendentes com o caráter recessivo. Esse

resultado permite concluir que o tipo parental dominante é ( ).

2.10. Um indivíduo que apresenta em suas células apenas um alelo de cada

gene é ( ).

2.11. Um indivíduo que apresenta em suas células um par de alelos de cada

gene é ( ).

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Genética Básica | Do gene ao fenótipo

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3. Em ervilhas doces, a síntese do pigmento púrpura nas pétalas é controlada por

dois genes, B e D. O alelo normal do gene B, alelo B1, codifi ca a enzima B que

participa da primeira etapa da via metabólica de síntese do pigmento púrpura. O

alelo D1 do gene D codifi ca a enzima D, que participa da segunda etapa da via.

alelo B1 do gene B alelo D1 do gene D

codifi ca codifi ca

Enzima B (funcional) Enzima D (funcional)

transforma transforma

substância inicial (branca) ---------- substância intermediária (azul) ---------- pigmento fi nal (púrpura)-- --

a. Que cor você espera que tenha a pétala de uma planta homozigótica para

uma mutação recessiva que impeça a primeira reação?

b.Que cor você espera que tenha a pétala de uma planta homozigótica para

uma mutação recessiva que impeça a segunda reação?

c. Qual o genótipo das plantas citadas em a e b, segundo os dois genes em

questão? Escolha o símbolo para os alelos mutantes recessivos.

4. Imagine que, ao dosar a enzima codificada pelo gene E, em Drosophila

melanogaster, um pesquisador observou os seguintes resultados, dependendo r

do genótipo dos indivíduos:

Homozigotos selvagens (normais) = 20 unidades da enzima;

Homozigotos para um alelo mutante = 0 unidades da enzima;

Heterozigotos = 10 unidades da enzima.

O pesquisador observou também que as moscas heterozigóticas tinham o mesmo

fenótipo das homozigóticas mutantes. Interprete esses resultados.

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5. Normalmente o hormônio do crescimento (tiroxina) é produzido a partir da

seguinte reação:

Se a enzima que catalisa essa reação apresentar uma defi ciência, o indivíduo

passa a apresentar uma doença conhecida como cretinismo, uma síndrome

rara que consiste no crescimento lento, alargamento da tireóide e retardo

mental. Sabendo que o alelo normal que codifi ca a enzima em questão é

haplo-sufi ciente, você espera que essa doença seja herdada com um fenótipo

recessivo ou dominante?

ATIVIDADE 1

Além do sistema de grupos sangüíneos ABO, existem outros sistemas sangüíneos

na espécie humana. Faça uma pesquisa sobre a genética da determinação de pelo

menos três desses sistemas, incluindo o sistema ABO. Para cada sistema, procure

descobrir a posição cromossômica do gene, o número de alelos já identifi cados, a

relação de dominância entre os alelos e, se possível, a diferença molecular entre os

alelos e como funcionam estes genes. Envie sua pesquisa ao tutor conforme a data

indicada no guia do aluno. Esta e outras pesquisas futuras podem ser feitas através

do material disponível no pólo, em outras bibliotecas e, também, na Internet.

ATIVIDADE 2

A doença de Huntington (DH) é uma doença monogênica que se caracteriza

pela degeneração das células nervosas. Diferente da fi brose cística, a DH tem

herança autossômica dominante. Assim, basta uma cópia do gene conter o alelo

mutante para o indivíduo apresentar a doença. Faça uma pesquisa e procure

obter informações sobre essa doença, principalmente no que se refere às bases

moleculares de sua causa.

(enzima)

Tirosina -------------------- Tiroxina--

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Genética Básica | Do gene ao fenótipo

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APÊNDICE

Tabela 8.2: O código genético. Cada trinca de nucleotídeos (ou códons) refere-

se à seqüência de nucleotídeos do mRNA e carrega a informação para que o

respectivo aminoácido seja adicionado à proteína em construção. Marcadas em

cinza estão as trincas de iniciação (AUG) e término (UAA, UAG e UGA) da tradução

de qualquer proteína. O nome de cada aminoácido está abreviado da seguinte

maneira: fenilalanina (Phe), leucina (Leu), isoleucina (Ile), metionina (Met), valina

(Val), serina (Ser), prolina (Pro), treonina (Thr), alanina (Ala), tirosina (Tyr), histidina

(His), glutamina (Gln), asparagina (Asn), lisina (Lys), ácido aspártico (Asp), ácido

glutâmico (Glu), cisteína (Cys), triptofano (Trp), arginina (Arg), glicina (Gly).

Page 157: Rb214   genética e evolução

Introdução à Genética Humana: análise de características

monogênicas

Ao fi nal desta aula,você deverá ser capaz de:

• Identifi car as principais formas de transmissão dos genes nas famílias humanas.

• Construir heredogramas.

• Estabelecer os critérios utilizados para reconhecer os diferentes padrões de herança monogênica através de heredogramas.

• Aplicar as leis da probabilidade para cálculo de riscos associados às questões genéticas.

objetivos9AULAPré requisitosPré-requisitos

Recorde os fundamentos de probabilidade: leis da adição e multiplicação e

também distribuição binomial – probabilidades

binomiais.

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Genética Básica | Introdução à Genética Humana: análise de características monogênicas

C E D E R J162

Tão logo as leis que governam a transmissão da herança biológica

foram descobertas, procurou-se estender os estudos da Genética à espécie

humana. Porém existem algumas peculiaridades no estudo dos padrões

de herança em seres humanos decorrentes da inadequação de nossa

espécie como material experimental. Ao contrário de espécies como as

ervilhas ou as drosófi las, a espécie humana apresenta: pequeno número

de indivíduos na prole; longo tempo de geração; e impossibilidade de

manejar acasalamentos. Assim, embora as leis que regem a transmissão

da herança em ervilhas ou humanos possam ser semelhantes, os métodos

utilizados para seus estudos são diferentes. O estudo da herança de

caracteres na espécie humana constitui um ramo especial da Genética

conhecido como Genética Humana.

A Genética Humana se tornou uma área de particular interesse

dos cientistas por sua importância na prática clínica, através de seu

papel na etiologia (origem) de vários distúrbios. Muitos genes humanos

foram identifi cados através de um distúrbio clinicamente signifi cativo

causado por um alelo mutante desse gene. Praticamente qualquer doença

é resultado da ação combinada de genes e do ambiente, embora o papel

relativo de cada um desses fatores possa variar. Os principais distúrbios

causados total ou parcialmente por fatores genéticos podem ser de três

tipos: monogênicos, cromossômicos ou multifatoriais.

Nesta aula nos concentraremos no estudo das características

com herança monogênica, analisando exemplos relacionados tanto

a distúrbios quanto a POLIMORFISMOS GENÉTICOS na espécie humana.

Características multifatoriais, ou seja, condicionadas pela interação de

vários genes e destes com o ambiente, serão estudadas em aulas futuras,

bem como alguns dos distúrbios causados pela variação do número ou

estrutura dos cromossomos humanos.

Nos estudos da determinação do padrão de herança de

características humanas não podemos realizar cruzamentos experimentais.

As análises são feitas a partir do levantamento do histórico familiar, o que

permite avaliar se uma determinada característica é ou não hereditária

e de que modo é herdada. Esse levantamento é feito a partir de uma

representação gráfi ca denominada heredograma (do latim hereditariu),

também conhecida como genealogia, árvore genealógica ou pedigree.

PO L I M O R F I S M O G E N É T I C O

O conceito depolimorfi smo genético refere-se à freqüência dos alelos de umdeterminado geneem uma população.Diz-se que um gene apresentapolimorfi smo quando este possuipelo menos doisalelos normais napopulação, tendo o alelo mais raro umafreqüência superior a 1%.

Na espécie humana, por exemplo, a característica forma do lóbulo (ou lobo) da orelha (solto oupreso) é determinada por um gene quepossui pelo menosdois alelos, sendo oalelo que determinao estado solto dominante sobreo que determina oestado preso. Estes dois alelos estão emalta freqüência na população, o quepode ser constatado pela alta freqüência de indivíduos comcada um dos tipos defenótipos. Dizemosentão que o geneque condiciona a forma do lóbulo de orelha é polimórfi co e, também, que esta característicaé polimórfi cana populaçãohumana. Muitas dascaracterísticas em diversas espécies sãopolimórfi cas.

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A CONSTRUÇÃO DE HEREDOGRAMAS

Na construção de heredogramas usamos símbolos para os

indivíduos de uma família e suas relações de parentesco. A Figura 9.1

apresenta a simbologia usada na construção de heredogramas e a Figura

9.2 apresenta o exemplo de um heredograma.

Figura 9.1: Símbolos usados nos diagramas de heredogramas.

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Genética Básica | Introdução à Genética Humana: análise de características monogênicas

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Figura 9.2: Heredograma de uma família.Os símbolos em negrito representam indivíduos afetados poruma anomalia genética

Atividade

Procure construir o heredograma de sua família quanto à

característica forma do lóbulo de orelha. Seja rigoroso na utilização

dos símbolos, inclua o maior número possível de indivíduos e procure

determinar os seus genótipos.

Ao fazer esta atividade, você verá que para alguns indivíduos a

classifi cação entre solto ou preso é muito fácil de ser feita, mas para outros

nem tanto. Uma outra coisa que eventualmente acontece é o aparecimento

de casos não explicáveis a partir do fenótipo dos pais.

Estes casos podem ser explicados pelo fato da ação gênica ser, mais

ou menos, afetada por fatores biológicos ou físicos do ambiente, que podem

resultar na EXPRESSÃO VARIÁVEL dos alelos de um gene ou na sua L PENETRÂNCIA

INCOMPLETA. Nós voltaremos a estes conceitos na Aula 11 e veremos também

como analisar genealogias que apresentem estes e outros fenômenos. No

momento, basta saber que você não deve se assustar caso seu heredograma

apresente algum resultado inesperado.

EX P RE S S I V I D A D E

V A R I Á V E L

Diz-se do alelo quenão se manifesta exatamente da mesma forma emtodos os indivíduosque o possuem.

PE N E T R Â N C I A

I N C O M P L E T A

Diz-se do alelo que,mesmo estando presente, pode ounão se manifestar no indivíduo cujo genótipo deveria expressá-lofenotipicamente.

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ANÁLISE DE HEREDOGRAMAS E OS PADRÕES DE HERANÇA MONOGÊNICA

A fi m de estabelecer o padrão de transmissão de uma característica,

a primeira etapa é a construção do heredograma. A análise do padrão

apresentado pelo heredograma permite que se determine o padrão mais

provável de transmissão da herança para a característica em questão.

Muitas vezes fi camos inclinados a fazer isso através de tentativa

e erro, considerando cada um dos padrões de herança possíveis

(autossômica dominante, autossômica recessiva, ligada ao X dominante,

ligada ao X recessiva) e, para cada uma das possibilidades, tentando

ajustar os genótipos dos indivíduos da família. Essa, sem dúvida, não é

a melhor, nem a forma mais elegante de analisarmos um heredograma.

Então, como proceder? Vamos olhar os heredogramas como

um todo e procurar padrões que nos indiquem o tipo de herança mais

provável. No Quadro 9.1 estão algumas dicas sobre os diferentes padrões

de herança que facilitam o seu reconhecimento.

Quadro 9.1: Critérios para avaliação do padrão de herança de características monogênicas em heredogramas

Autossômica recessiva1. Freqüências aproximadamente iguais de

machos e fêmeas afetados.2. Quase sempre o traço pula gerações.3. O traço pode aparecer em irmãos sem

estar presente em seus pais.

Autossômica dominante1. Freqüências aproximadamente iguais de

machos e fêmeas afetados.2. Em geral, o traço aparece em todas

as gerações.3. Pelo menos um dos pais de um

indivíduo afetado é afetado

Ligada ao X recessiva1. O traço é mais comum nos homens do que

nas mulheres.2. Não há transmissão de pai para fi lho.3. Todas as fi lhas de um homem afetado são

portadoras do alelo mutante.

Ligada ao X dominante1. Normalmente, todas as fi lhas de um homem

afetado serão afetadas.2. Não há transmissão de pai para fi lho.

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Genética Básica | Introdução à Genética Humana: análise de características monogênicas

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Agora, baseado no exposto no Quadro 9.1, você pode tentar determinar

o tipo de herança mais provável para os traços apresentados em negrito nos

heredogramas da Figura 9.3. Procure fazer isso observando o padrão geral do

pedigree e não através de tentativa e erro. As respostas estão no fi nal desta aula.e

Figura 9.3: Heredogramas apresentando a herança de diversas características.

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APLICAÇÃO DOS CÁLCULOS DE PROBABILIDADES À GENÉTICA HUMANA

Nas famílias humanas, o número de fi lhos produzidos por um casal

é tipicamente pequeno. Conseqüentemente, as proporções fenotípicas em

geral se desviam signifi cativamente de suas expectativas teóricas.

Vamos tomar um exemplo hipotético. Suponha um casal onde

ambos os cônjuges sejam heterozigóticos para um gene que possui dois

alelos, F e f, sendo o alelo F dominante sobre o alelo f e condicionador do f

fenótipo normal. Os indivíduos que apresentam o alelo f em homozigose f

são afetados por uma determinada doença.

Nosso conhecimento sobre a segregação dos alelos durante a

formação dos gametas nos permite dizer que cada um dos membros

deste casal formará ½ de seus gametas portando o alelo recessivo f

e ½ portando o alelo dominante F. Como a fecundação ocorre ao

acaso, se pudéssemos obter os zigotos resultantes da fecundação de

todos os gametas produzidos por este casal observaríamos que: ¼ seria

homozigótico FF e normal; ½ seria heterozigótico Ff e, também, normal f

e ¼ seria homozigótico ff e afetado.f

Da mesma forma, se o casal tiver quatro filhos esperamos

que 3 sejam normais e 1 afetado, certo? Não, errado. Existem cinco

possibilidades distintas:

1) 4 normais;

2) 3 normais e 1 afetado;

3) 2 normais e 2 afetados;

4) 1 normal e 3 afetados;

5) 4 afetados.

Tabela 9.1: Probabilidades esperadas na prole de um casal heterozigótico para o gene F.

Gametas da Mãe

Gametas do Pai

1/2 F

1/2 f

1/4 FF normal

1/4 fF normal

1/4 Ff normal

1/4 ff afetado

1/2 F 1/2 f

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Genética Básica | Introdução à Genética Humana: análise de características monogênicas

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Intuitivamente, o segundo resultado parece ser o mais provável,

pois está de acordo com a proporção mendeliana 3:1. Mas esta não é a

forma correta de procedermos nesta análise. Ao analisarmos esta questão,

devemos tratar cada nascimento como um evento independente para o

cálculo da probabilidade. Ou seja, ao considerarmos um nascimento,

a probabilidade de a criança em questão ser normal é de ¾. Se

considerarmos os quatro nascimentos, a probabilidade de cada criança

ser normal é de ¾, mas a probabilidade de as quatro crianças serem

normais será ¾ × ¾ × ¾ × ¾ = (¾)4 = 81/256 (lembre-se da regra da

multiplicação). De modo semelhante, a probabilidade de uma criança ser

afetada será de ¼ e a probabilidade de as quatro crianças serem afetadas

será de (¼)4 = 1/256.

Até aqui tudo bem, mas qual a probabilidade de o casal ter

uma das quatro crianças afetada, independente do sexo da mesma?

Novamente temos mais de uma possibilidade:

1) a primeira criança a nascer ser a afetada e as outras três serem

normais (ANNN);

2) a segunda criança a nascer ser a afetada e as outras três serem

normais (NANN);

3) a terceira criança a nascer ser a afetada e as outras três serem

normais (NNAN);

4) a quarta criança a nascer ser a afetada e as outras três serem

normais (NNNA).

Vamos, então, calcular a probabilidade para a possibilidade

1 (P(ANNN)), ou seja, a primeira criança ser a afetada e a segunda

não ser afetada e a terceira não ser afetada e a quarta não ser afetada:

¼ (= probabilidade da primeira ser afetada) × ¾ (= probabilidade da

segunda ser normal) × ¾ (= probabilidade da terceira ser normal) × ¾

(= probabilidade da quarta ser normal) = 27/256. Da mesma forma,

podemos calcular as probabilidades para as outras três possibilidades

(P(NANN), P(NNAN), P(NNNA)). Em todos os casos, a probabilidade

será a mesma, 27/256. Finalmente, a probabilidade de um dos fi lhos

do casal ser afetado pela doença, não importando se o primeiro, ou o

segundo, ou o terceiro ou o quarto é igual a soma das probabilidades

para cada uma das possibilidades, ou seja: 27/256 + 27/256 + 27/256 +

27/256 = 4 × (27/256) = 108/256 (regra da adição).

Agora é a sua vez. Calcule a probabilidade de o casal ter apenas

uma das quatro crianças normais.

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O resultado seria: P(NAAA) + P(ANAA) + P(AANA) + P(AAAN) =

4 × (3/256) = 12/256. Na Tabela 9.2 você pode conferir as probabilidades

associadas a todas as possibilidades de fenótipo para os quatro fi lhos do

casal no exemplo em questão.

Tabela 9.2: Probabilidades associadas ao fenótipo dos 4 fi lhos de um casal heterozigótico para um geneautossômico cujo alelo recessivo causa uma determinada doença.

Normais Afetados Probabilidade

4 0 1 × (¾) × (¾) × (¾) × (¾) = 81/256

3 1 4 × (¾) × (¾) × (¾) × (¼) = 108/256

2 2 6 × (¾) × (¾) × (¼) × (¼) = 54/256

1 3 4 × (¾) × (¼) × (¼) × (¼) = 12/256

0 4 1 × (¼) × (¼) × (¼) × (¼) = 1/256

Será que toda essa conversa não fez você lembrar das Probabi-

lidades Binomiais? É isso, podemos obter uma generalização para a

estimativa das probabilidades associadas ao resultado de cruzamentos

genéticos aplicando a fórmula da distribuição binomial. Isso pode ser

feito sempre que a prole dos cruzamentos se segregar em duas classes

distintas, por exemplo, macho ou fêmea, normal ou afetado, dominante

ou recessivo.

A fórmula para calcular a probabilidade binomial de que x

indivíduos da prole caiam em uma das classes é:

Fórmula 9.1

onde:

n= número total da prole;

x= número de indivíduos da prole que pertence à primeira de duas

classes possíveis;

y= número de indivíduos da prole que pertence à segunda de duas

classes possíveis;

p= probabilidade de cada indivíduo da prole pertencer à primeira

das duas classes;

q= probabilidade de cada indivíduo da prole pertencer à segunda

das duas classes.

[n! / (x! y!)] pxqy

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Genética Básica | Introdução à Genética Humana: análise de características monogênicas

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Não precisa se assustar. Com um exemplo tudo fi ca mais fácil.

Voltando ao casal em que ambos eram heterozigóticos para o gene

F, vamos usar a fórmula da distribuição binomial para calcular a

probabilidade de, tendo 4 fi lhos, um desses ser afetado. Neste caso,

podemos usar a probabilidade binomial, pois na prole temos duas classes

possíveis, a primeira, ser normal; e a segunda, ser afetado. Temos então

que: n = 4; x = 3; y = 1; p = ¾; q = ¼.

Aplicando estes valores à Fórmula 9.1 obtemos:

[4! / (3! 1!)] (¾) 3 (¼)1 =

[ (4×3×2×1) / (3×2×1×1) ] 27/64 × 1/4 =

4 × 27/256 = 108/256,

valor que confere com o que estimamos anteriormente.

Vamos ver mais um exemplo para garantir que o assunto está

entendido. Considere que um casal pretende ter três fi lhos e quer saber

qual a probabilidade de todos serem do sexo masculino. Temos duas

classes possíveis para a prole, a primeira ser do sexo masculino; a

segunda, ser do sexo feminino. Aplicamos a fórmula com os valores

de n = 3; x = 3; y = 0; p = ½; q = ½ . Assim, [3! / (3! 0!)] (½)3 (½)0 =

27/27 × 1/8 = 1/8, lembrando que 0! = 1 e que qualquer número elevado

a zero também é igual a 1. A resposta, então, é que o casal tem uma

chance de 1/8 (ou 0,125 ou 12,5% ) de, tendo três fi lhos, os três serem

do sexo masculino.

Uma outra aplicação das leis da probabilidade em Genética

Humana ocorre quando os futuros pais desejam saber se seus fi lhos

correm risco de herdar uma determinada condição, especialmente

se outros membros da família forem afetados. A avaliação do risco

requer um bom conhecimento de Genética, aliado à familiaridade com

probabilidades e estatística. Esta análise se inicia pela construção da

genealogia da família, visando a determinar o mais provável padrão de

herança e, quando possível, o genótipo dos pais.

Agora você participará do aconselhamento genético na questão

a seguir. A amelogênese imperfeita por hipomaturação é uma alteração

do esmalte dos dentes, em que estes se tornam pouco resistentes e sua

coloração varia de branco-leite a um marrom-claro meio transparente.

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O esmalte é quebradiço, desprendendo-se em pequenos fragmentos. Três

casais de uma mesma família procuraram o serviço de aconselhamento

genético para saber o risco de terem fi lhos afetados por essa anomalia,

já que há casos na família. A Figura 9.4 apresenta o heredograma da

família em questão. As pessoas que solicitaram a informação foram o

casal III-3 e III-4 e o casal II-7 e II-8. O terceiro casal é formado pelos

indivíduos IV-1 e IV-2, que pretendem se casar, mas estão receosos quanto

à probabilidade de terem fi lhos com a anomalia. O que você diria a cada

um destes casais?

Figura 9.4: Heredograma de uma família que apresenta amelogênese imperfeita por hipomaturação.

A análise do heredograma permite concluir que este tipo de

amelogênese imperfeita apresenta padrão de herança autossômico

recessivo. Além das características já listadas no Quadro 9.1, observa-

se ainda que o casal III-3 e III-4 são primos. O que isso tem a ver?

A maioria dos alelos dos distúrbios autossômicos recessivos

está presente em portadores (heterozigotos) e não nos homozigotos.

Eles podem ser transmitidos nas famílias por numerosas gerações sem

jamais aparecer na forma homozigótica. De fato, acredita-se que todas

as pessoas possuem pelo menos alguns alelos de distúrbios autossômicos

recessivos, que em homozigose poderiam ser nocivos ou mesmo letais.

A presença desses alelos recessivos é revelada, quando o portador se

acasala com alguém que possua a mesma mutação, ou uma outra muta-

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Genética Básica | Introdução à Genética Humana: análise de características monogênicas

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ção no mesmo loco, e os dois alelos deletérios são herdados por algum

de seus fi lhos. A chance de isto acontecer é muito aumentada se os pais

forem aparentados, pois numa mesma família vários indivíduos podem

ser portadores do mesmo alelo mutante que é transmitido ao longo das

gerações. A consangüinidade dos genitores de um paciente com distúr-

bio genético é uma forte evidência (embora não comprove) em favor da

herança autossômica recessiva.

Voltando à análise do heredograma, os indivíduos III-3 e III-

4 são heterozigóticos (Aa) para o alelo em questão, o que indica uma

probabilidade de ¼ (25%) de que seu próximo fi lho,

independente do sexo, seja afetado pela anomalia.

No caso do casal II-7 e II-8, a mulher (II-8),

sendo afetada, é uma homozigota recessiva (aa).

Quanto ao homem (II-7), ele é um indivíduo que não

pertence a nenhuma das duas linhagens onde o alelo

que causa a amelogênese imperfeita está segregando.

Logo, a chance de ele ser portador deste alelo é igual

a chance de qualquer indivíduo da população, ou seja,

muito baixa. Podemos considerá-la desprezível, sendo

muito provável que o II-7 seja homozigoto dominante

(AA). A chance de este casal ter uma criança afetada

pela anomalia em questão é, aproximadamente, zero. No entanto, todos

os seus fi lhos, independente do sexo, serão portadores do alelo a.

No caso do casal IV-1 e IV-2, o cálculo da probabilidade é um

pouquinho mais complicado, pois não sabemos se eles são ou não

portadores do alelo a. Teremos então que calcular a probabilidade de

eles serem portadores. Começando por IV-2, como já sabemos que ele

não é afetado, a probabilidade de ser portador passa a ser 2/3. Isto

porque, como sua irmã (IV-3) é afetada (aa), podemos deduzir que

tanto sua mãe (III-3) quanto seu pai (III-4) sejam heterozigóticos (Aa).

Assim, considerando as quatro possibilidades genotípicas resultantes de

um cruzamento entre heterozigotos (AA, Aa, Aa, aa), a probabilidade

de IV-2 ser portador será de 2 chances am 3 (AA, Aa, Aa, aa), pois

defi nitivamente este indivíduo não pode ser aa, já que ele não é afetado.

Vamos agora calcular a probabilidade de IV-1 ter herdado o alelo a. A

avó paterna, II.2, é he te rozigótica e precisaria passar o alelo a para o

indivíduo III-1, pai de IV-1. Há uma chance de ½ disso ter ocorrido.

Havendo recebido o alelo a, o indivíduo III-1 precisaria ter passado o

!Quando analisamos um heredograma de uma anomalia genética rara devemos considerar que os indivíduos provenientes da população, ou seja, os indivíduos não-afetados da população que se casam com alguém da família, são homozigóticos para o alelo normal do gene em questão. Isto porque, no caso de anomalias raras, o alelo mutante está em baixa freqüência na população, sendo muito pequena a chance de um indivíduo da população em geral ser portador desse alelo. Entretanto, a chance de um indivíduo não-afetado da família em questão ser portador desse alelo mutante dependerá da análise do fenótipo e do genótipo de seus ancestrais e, quando possível, da análise de seus descendentes.

aaaaaaaa

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alelo a para IV-1, chance de ½ também. A probabilidade desses eventos

terem ocorrido é igual ao produto das probabilidades de cada um deles,

ou seja, ½ x ½ = ¼.

Resumindo, 2/3 é a chance de IV-2 ser heterozigótico e 1/4 é a

chance de IV-1 ser heterozigótica. A chance de o casal ter uma criança

afetada será igual à chance de os dois serem heterozigóticos (= 2/3 × 1/4)

multiplicada pela chance de a criança receber dos dois pais o alelo a (=

1/4). Isto é, 2/3 × 1/4 × 1/4 = 2/48 = 1/24 (= 0,04 = 4%).

Vamos conferir as respostas do exercício da Figura 9.3?

A. Autossômica dominante; E. Ligada ao X dominante;

B. Ligada ao X dominante; F. Autossômica recessiva;

C. Ligada ao X recessiva; G. Autossômica dominante;

D. Autossômica recessiva; H. Ligada ao X recessiva.

É provável que, em alguns dos casos, você tenha fi cado na dúvida entre dois padrões

possíveis, mas lembre-se de que, ao analisarmos um pedigree, procuramos determinar o

padrão de herança mais provável.

Veja, por exemplo, o caso do heredograma B. Alguém poderia sugerir que a herança do

traço representado pelos símbolos em negrito pudesse ser autossômica dominante e não ligada

ao X dominante. É verdade que os dois tipos de herança podem explicar o heredograma B,

mas temos que escolher o mais provável. Note que o homem da primeira geração apresenta

o traço e passa o alelo correspondente para todas as suas fi lhas, mas para nenhum de seus

fi lhos. Isto é uma forte indicação de que o padrão de herança em questão seja ligado ao X

dominante, pois na herança ligada ao X as fi lhas recebem um de seus cromossomos X do

pai, enquanto os fi lhos recebem do pai o cromossomo Y e nunca o cromossomo X. É menos

provável que o padrão apresentado tenha ocorrido por puro acaso.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula teórica vamos ver que diversos fatores podem alterar o padrão de

herança esperado, incluindo a inativação do cromossomo X, a idade do indivíduo

e interações do genótipo com o ambiente, por exemplo.

Contudo, nossa próxima aula será uma prática onde apresentaremos estratégias

para sedimentar os conceitos e as relações conceituais que vimos até aqui.

Verifi que, no Guia do Aluno, a data e horário em que você deve se dirigir ao

pólo e não esqueça de levar o resultado das propostas de atividades desta aula e

das anteriores para discussão com seus colegas e tutores.

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Genética Básica | Introdução à Genética Humana: análise de características monogênicas

C E D E R J174

Embora as leis que regem a transmissão da herança em ervilhas ou humanos

possam ser semelhantes, os métodos utilizados para seus estudos são diferentes.

O estudo da herança de caracteres na espécie humana constitui um ramo especial

da Genética conhecido como Genética Humana. Nos estudos da determinação do

padrão de herança de características humanas não podemos realizar cruzamentos

experimentais. As análises são feitas a partir do levantamento do histórico familiar,

o que permite avaliar se uma determinada característica é ou não hereditária e

de que modo é herdada. Esse levantamento é feito a partir de uma representação

gráfi ca denominada heredograma (do latim hereditariu), também conhecida como

genealogia, árvore genealógica ou pedigree. Os resultados de uma análise de

pedigree dependem da distribuição dos alelos através dos gametas passados de

pais para fi lhos e permitem que consultores genéticos determinem a probabilidade

de uma pessoa herdar uma determinada característica.

R E S U M O

EXERCÍCIOS

1. Nos heredogramas abaixo, indique com S ou N caso estes sejam compatíveis

com os padrões de herança listados.

A B C D E F

Autossômica recessiva

Autossômica dominante

Ligada ao X recessiva

Ligada ao X dominante

Ligada ao Y

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2. Qual o mais provável padrão de herança apresentado nos heredogramas

abaixo? Considere que as características em questão são doenças genéticas que

têm freqüência muito baixa na população. Logo, os indivíduos que vêm de fora

da família devem ser considerados homozigotos para o alelo normal, exceto se

houver alguma evidência contrária.

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Genética Básica | Introdução à Genética Humana: análise de características monogênicas

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3. Catarina está grávida pela segunda vez. Seu primeiro fi lho, Dagoberto, apresenta

fi brose cística (FC). Catarina tem dois irmãos, César e Daniel, e uma irmã, Diva. Daniel

e Diva são solteiros. César é casado com uma mulher não aparentada, Carolina, e

tem uma fi lha, Débora. Os pais de Catarina são Roberto e Eliza. Bárbara, irmã de

Eliza, é mãe do marido de Catarina. Não há história familiar prévia de FC.

a) Construa o heredograma.

b) Qual o padrão de herança da FC?

c) Qual o risco de o próximo bebê apresentar fi brose cística?

d) Nesse heredograma, quais são os heterozigotos certos?

4. Analise o seguinte heredograma:

Determine:

a) O padrão de herança do caráter.

b) Os homozigotos certos.

c) Os heterozigotos certos.

d) A probabilidade de o casal III-3 e III-4 vir a ter três crianças, uma sem o

caráter e duas com o caráter.

5. A carência de esmalte dentário e o daltonismo são anomalias condicionadas

por genes de herança ligada ao X. Uma mulher com carência de esmalte e visão

normal, que tem pai daltônico com esmalte dentário normal e mãe com carência

de esmalte e visão normal é casada com um homem daltônico com esmalte dentário

normal. Esse casal tem dois meninos, um com carência de esmalte dentário e

daltonismo e outro daltônico com esmalte dentário normal. Explique como se

originaram esses meninos.

I

II

III

1 2 3 4

8

5

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6. No pedigree abaixo, o indivíduo em negrito é afetado por uma doença autossômica

recessiva rara. Estime a probabilidade de uma criança do casal III-1 × III-2 apresentar

essa doença. Note que este pedigree está apresentado de forma simplifi cada,

suprimindo alguns indivíduos da família.

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LA 2

1 M

ÓD

ULO

3

Page 175: Rb214   genética e evolução

Atividade prática

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Relacionar as Leis de Mendel com a meiose.

• Analisar a transmissão da herança biológica na famílias.

objetivos10A

UL

A

ObservaçãoObservação

Esta aula deve ser realizada no pólo, sob a supervisão

do seu tutor.

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Genética Básica | Atividade prática

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A divisão celular é um dos temas mais importantes do Ensino Médio, sendo

pré-requisito indispensável para a compreensão mais aprofundada não só dos

processos genéticos mas de grande parte dos fenômenos biológicos. Desta

forma, os processos de mitose e meiose devem ser estudados com certo grau

de detalhamento e profundidade.

Você já viu, nas aulas anteriores, que todas as células são formadas pela divisão

de células preexistentes. Quando uma célula se divide, a informação contida

no seu DNA já deve estar precisamente duplicada e, então, cada cópia deve ser

transferida para cada célula-fi lha através de uma série de processos complexos.

Vamos, agora, relembrar algumas características desses processos (em caso de

dúvida, dê uma olhada nas aulas de divisão celular).

A maioria das divisões celulares que ocorrem nos organismos envolve um

processo denominado mitose, que assegura a cada célula-fi lha uma cópia

de cada cromossomo e, conseqüentemente, de cada gene, proveniente das

células parentais. Entretanto, durante a reprodução sexual em eucariotos dois

gametas se fundem para formar uma única célula, chamada zigoto. Cada

gameta deve conter apenas metade do número de cromossomos parentais,

garantindo a manutenção correta do número de cromossomos nos zigotos.

Por essa razão, os organismos que realizam a reprodução sexual necessitam

de um tipo diferenciado de divisão, chamada meiose, que reduz o número

de cromossomos à metade. Acredita-se que, evolutivamente, a meiose tenha

se desenvolvido como uma variação da mitose, permitindo o surgimento da

reprodução sexuada.

Agora, com o conhecimento obtido nas aulas anteriores, você está pronto para

realizar a atividade proposta a seguir:

INTRODUÇÃO

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10

ATIVIDADE 1

TEORIA CROMOSSÔMICA DA HERANÇA:

RELACIONANDO MEIOSE COM AS LEIS DE MENDEL

Para esta atividade você precisará dos seguintes materiais:

• Massa de modelar de duas cores diferentes (cromossomos);

• Etiquetas adesivas de 2 a 3cm de comprimento (região dos genes);

• Barbante ou linha (fi bras cromossômicas do fuso e membrana celular);

• Contas (cinetócoros e centríolos).

Forme com seus colegas um grupo de, no máximo, quatro alunos. Cada grupo

receberá bastões de massa de modelar de duas cores diferentes. Nosso objetivo

será analisar a formação dos gametas e a fecundação em um casal, considerando

dois genes para os quais o homem é sabidamente heterozigótico e a mulher

homozigótica para o alelo normal.

Cada grupo deverá representar uma célula germinativa do testículo do homem

heterozigótico durante a meiose. Para simplificar, apenas os cromossomos

portadores dos genes em questão serão representados. Ou seja, dos 22 pares

de cromossomos autossômicos de uma célula humana, representaremos o

cromossomo 7, que é grande e submetacêntrico, e o cromossomo 19, que é bem

menor e metacêntrico. Para auxiliá-lo, utilize o cariótipo humano ilustrado na

Figura 10.1.

Cada um dos homólogos de um par deve ser modelado com cor diferente,

representando sua origem materna ou paterna. Inicie essa atividade representando

os cromossomos no período G1 da intérfase. Note que, embora nessa fase do ciclo

celular os cromossomos estejam descondensados e não seja possível identifi cá-

los, estamos construindo um modelo e, com fi ns didáticos, representaremos os

cromossomos já como bastões visíveis nessa fase.

Page 178: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Atividade prática

C E D E R J182

Agora coloque os pares de alelos dos dois genes (descritos a seguir) nos

cromossomos autossômicos em questão. Para isso, utilize as etiquetas adesivas,

representando os alelos.

O homem em questão é heterozigótico para estes dois genes (FfHh), isto é, não

apresenta fi brose cística, porém apresenta hipercolesterolemia familiar. Sabe-se

que seu primo materno possui fi brose cística e seu pai hipercolesterolemia familiar.

Use estas informações para distribuir os alelos nos cromossomos homólogos de

cada um dos pares.

Gene F - gene que condiciona a fi brose cística, doença caracterizada por uma disfunção pancreática e pulmonar, que normalmente leva o indivíduo à morte nas primeiras décadas de vida. Está localizado no braço longo do cromossomo 7. O alelo recessivo (f) condiciona a doença, e o dominante (F) dá a condição normal.Gene H - gene que condiciona a hipercolesterolemia familiar, doença caracterizada pelos elevados níveis de colesterol no organismo. Está localizado no cromossomo 19. O alelo dominante (H) condiciona a doença, e o recessivo (h) dá a condição normal.

!

Figura 10.1: Montagem do cariótipo humano a partir dos cromossomos de uma célula durante a metáfase da mitose.

Page 179: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 183

AU

LA

DU

LO 1

10

1. Agora, pense: quantos tipos de gametas este indivíduo deverá formar? Quais?

Anote sua primeira idéia.

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

É hora de preparar sua "célula" para entrar em divisão, ou seja, duplicar os

cromossomos (período S da intérfase). Em seguida, você deve simular as fases da

meiose, utilizando os cromossomos em questão e representando os centríolos

nos pólos das células e as fi bras cromossômicas do fuso acromático. No entanto,

considere, sempre, que a permuta entre as cromátides não-irmãs ocorra entre o

gene considerado e o telômero, para os dois pares de homólogos. Interrompa

a sua simulação na metáfase I da meiose e aguarde que o tutor vá à sua

mesa para acompanhar as fases subseqüentes da divisão até a formação dos

gametas. Esquematize as fases observadas em uma folha de papel e responda

às questões:

2. Quantos tipos de gametas a célula que você simulou formou? Quais?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

Compare seus resultados com os dos demais grupos. Observe as proporções

obtidas.

3. Como você explica, considerando este indivíduo duplo-heterozigótico, que cada

uma de suas células ao sofrer meiose só forma dois tipos de gametas, ao passo

que o indivíduo forma quatro tipos de gametas (FH, Fh, fH, fh)?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

_____

_____

_________

Page 180: Rb214   genética e evolução

Genética Básica | Atividade prática

C E D E R J184

Note que uma célula que sofra permuta entre o gene em questão e o centrômero

formará os quatro tipos de gametas. No entanto, a freqüência de células gaméticas

cuja permuta ocorre justamente nessa condição varia segundo a distância entre o

gene em questão e o centrômero. Como não é a permuta que explica a formação

dos quatro tipos de gametas produzidos pelo indivíduo duplo-heterozigótico na

mesma proporção (1:1:1:1), que outro fenômeno poderia ser o responsável pela

formação dos diferentes gametas nessa proporção? Você se lembra de que, durante

a anáfase I, os cromossomos dos dois pares de homólogos podem segregar de forma

independente, uns dos outros, de acordo com a Segunda Lei de Mendel? Como

esse é um processo ao acaso, assumimos que em 50% das células os cromossomos

de origem materna irão para um dos pólos e os de origem paterna para o outro.

Nos outros 50%, cada um dos pólos receberá o membro de um dos pares de

origem paterna, enquanto o membro do outro par será de origem materna (reveja

a Figura 6.3 da Aula 6, para que fi que claro). Assim, se pudéssemos analisar o

conjunto de gametas obtidos a partir todas as células germinativas do indivíduo,

esperaríamos observar a formação de 25% de cada tipo. Pense sobre isso e discuta

com seus colegas e tutor.

4. Simule, agora, cinco fecundações entre os gametas masculinos e femininos do

casal em questão. Determine os genótipos e fenótipos dos cinco fi lhos resultantes

destas fecundações:

INDIVÍDUO GENÓTIPO FENÓTIPO

1

2

3

4

5

Page 181: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 185

AU

LA

DU

LO 1

10

5. Construa o heredograma da família formada. Discuta com seus colegas a

utilização de heredogramas nos estudos da herança na espécie humana.

HEREDROGRAMA

6) Calcule a probabilidade de o primeiro fi lho desse casal, casando-se com uma

pessoa normal da população, vir a ter um fi lho afetado por fi brose cística ou por

hipercolesterolemia familiar.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________

Page 182: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 9

AU

LA 2

1 M

ÓD

ULO

3

Page 183: Rb214   genética e evolução

Genética Básica

Gabarito

Page 184: Rb214   genética e evolução

C E D E R J188

Aula 1

1. • O fato é o que a natureza nos apresenta: seres vermiformes surgem em cadáveres

em decomposição.

• A hipótese é uma explicação sobre o porquê de um fenômeno: há uma

transformação espontânea da matéria em decomposição em seres vermiformes.

• A dedução é uma previsão do que vai ocorrer em determinada situação, tendo

como base uma explicação provisória para um fato: se há uma transformação

espontânea da matéria em decomposição em seres vermiformes, tanto nos

frascos cobertos como nos abertos deverá haver o surgimento desses seres.

• O teste da hipótese por falseabilidade: ao fazer o experimento sugerido pela

dedução acima, Redi verifi cou que os seres vermiformes não surgiam nos frascos

onde a matéria em decomposição estava isolada do contato com as moscas.

Logo, a hipótese de que há transformação espontânea deveria ser descartada.

Uma nova hipótese pode ser formulada: os seres vermiformes fazem parte do

ciclo de vida das moscas.

2. Neste exercício, mais de uma resposta pode estar correta. O importante é que

você tenha em mente quais são os conceitos que ainda não estão bem claros para que

você possa entendê-los mais adiante. Não deixe suas dúvidas guardadas! Isto só irá

atrapalhar a sua compreensão dos demais conceitos. Anote suas dúvidas e verifi que,

ao longo do curso, se elas estão sendo esclarecidas.

a) Um fator hereditário, ou gene, pode ser defi nido em termos moleculares como

um segmento de uma molécula de DNA.

b) Os fatores hereditários estão localizados nos cromossomos, dentro do núcleo

de todas as células do organismo.

c) Esses fatores são transmitidos para a próxima geração através dos gametas dos

pais que, no ato da fecundação, se unem para formar o zigoto.

d) Porque a expressão dos genes nem sempre é tão direta. Recessividade,

sobredominância, ligação ao sexo, penetrância e expressividade variadas,

interações entre genes ou o simples fato de que o alelo que condiciona o

caráter pode não ter sido herdado são possíveis explicações para esse fato.

Ainda neste curso, você terá a oportunidade de aprender e de aprofundar

seus conhecimentos sobre os tipos de herança e de expressão dos genes.

Page 185: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 189

e) A duplicação do material genético DNA que precede a divisão celular.

f) As mutações. Mudanças na constituição dos fatores hereditários podem

acontecer devido a falhas durante o processo de duplicação ou exposição do

material genético a substâncias químicas que causam dano ao DNA, como por

exemplo, os radicais livres, os teratógenos e alguns tipos de radiação.

3. Neste exercício você deve fazer uma refl exão não só sobre o texto da primeira

aula, mas também sobre seus conhecimentos prévios dos fundamentos da Genética.

Lembre-se de que dúvidas só atrapalham, e que os tutores ainda (!) não possuem

poderes telepáticos para adivinhar quais são os pontos onde você tem mais difi culdade.

Só depende de você!

Aula 2

1. 1. d

2. a

3. b

4. c

5. e

6. f

7. c

8. a

2. O centrossomo forma a estrutura responsável pela distribuição correta dos

cromossomos durante a divisão celular. Essa estrutura consiste de um material amorfo

que envolve cada par de centríolos. A partir deles um conjunto de fi bras protéicas

(microtúbulos) se projeta em direção aos pólos opostos da célula, formando o fuso

mitótico. O centrossomo tem uma função fundamental na orientação da polimerização

desses microtúbulos durante a formação do fuso: os microtúbulos do fuso se ligam

aos centrômenos dos cromossomos duplicados, garantindo a distribuição correta das

cromátides nas células-fi lhas. Antes do início da divisão celular, os centríolos e os outros

componentes dos centrossomos são duplicados, porém permanecem unidos como

um único complexo no mesmo lado do núcleo. Ao início da mitose, este complexo se

divide em dois, e cada par de centríolos se transforma num único centro organizador

de microtúbulos.

Page 186: Rb214   genética e evolução

C E D E R J190

3. Antigos cientistas não conheciam a importância da intérfase para a ocorrência da

divisão celular. Flemming já tinha observado que, quando os cromossomos aparecem pela

primeira vez no início da prófase, eles já estão com duas cromátides; assim, em algum

momento entre seu desaparecimento na telófase e seu reaparecimento na prófase, cada

cromossomo deve ter se duplicado. Hoje, se sabe que a duplicação dos cromossomos

ocorre durante a intérfase. Mas naquela época, essa associação não era feita. Com isso,

os cientistas chamavam o núcleo interfásico de núcleo em repouso, porque só era possível

observar o movimento dos cromossomos nas etapas da divisão celular.

4. Se os gametas fossem produzidos por mitose, seria de se esperar que cada nova

geração apresentasse o dobro de cromossomos devido à junção dos dois gametas no ato

da fecundação; uma vez que a mitose produz células-fi lhas com o mesmo número de

cromossomos que a célula-mãe. Deste modo, é imprescindível que exista um mecanismo

capaz de manter o número de cromossomos das espécies a cada geração.

5. Neste exercício, mais de uma resposta podem estar corretas. O importante é que

você saiba reconhecer como os cromossomos devem estar organizados em cada uma

das fases da mitose.

• Prófase: 2º ou 3º esquemas da primeira linha pois, nesta fase, os cromossomos já

se encontram duplicados, condensados e com algum grau de organização devido à

ligação dos microtúbulos do fuso acromático aos cinetócoros dos centrômeros; ligação

essencial para que os cromossomos possam se “locomover” durante as próximas etapas

da divisão celular.

• Metáfase: 1º esquema da segunda linha já que, nesta etapa, os cromossomos já se

encontram alinhados na placa equatorial da célula, em preparação para a divisão

mitótica.

• Anáfase: 2º, 3º ou 4º esquemas da segunda linha, ou mesmo o 1º esquema da terceira

linha, pois nesta momento, as cromátides-irmãs de cada cromossomo duplicado começam

a se separar, sendo “puxadas” para pólos opostos da célula através do encurtamento

dos microtúbulos do fuso acromático que estão ligados aos centrômeros.

• Telófase: 4º ou 5º esquemas da terceira linha uma vez que, nesta etapa da mitose, a

migração das cromátides se completa e a membrana celular começa a se dividir para

formar duas células contendo o mesmo número de pares de cromossomos homólogos

da célula inicial.

Page 187: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 191

• Citocinese: 2º, 3º ou 4º esquemas da quarta linha, pois, nesse momento, a divisão da

membrana celular se completa, formando duas células-fi lhas idênticas.

6. Se seu mapa estiver diferente deste gabarito, apresente-o ao tutor para que possíveis

pontos de dúvida possam ser identifi cados e esclarecidos.

7. Esquema simplifi cado das fases da mitose de uma célula que possui 3 pares de

cromossomos homólogos (2n = 6 cromossomos):

Page 188: Rb214   genética e evolução

C E D E R J192

1. Weismann acreditava que a substância hereditária fornecida por cada um dos

genitoresdeve ser igual ou aproximadamente igual entre si. Assim, as células dos

descendentes conteriam as informações hereditárias de ambos os pais unidos. Isso

implica que as células germinativas de cada progenitor só podem conter metade

das informações hereditárias. Weismann imaginou, então, que deveria existir um

processo que reduzisse o material hereditário à metade durante a formação das

células germinativas; processo atualmente conhecido como meiose.

2. Nesse primeiro estágio da meiose acontece o emparelhamento dos cromossomos

homólogos que possibilita a troca de material genético entre eles, chamada

permutação. Essa etapa necessita de vários eventos importantes para haver maior

precisão no emparelhamento dos cromossomos homólogos, possibilitando a

permutação genética. Essa troca de material genético é importante, pois aumentará

a variabilidade genética da prole em relação aos seus genitores. Um erro nessa etapa

pode impedir que a permutação aconteça.

3. Esquemas simplifi cados das etapas da meiose (I e II) de uma célula que possui 2

pares de cromossomos homólogos (2n = 4 cromossomos):

Aula 3

Page 189: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 193

4. Esquema simplifi cado da meiose de uma outra célula do mesmo organismo onde os

cromossomos se posicionaram na placa metafásica de forma diferente da apresentada

no esquema do exercício anterior:

5. Uma diferença fundamental entre a mitose e a meiose é que na mitose há uma

duplicação de cada cromossomo (prófase) para cada divisão celular. Esse mecanismo

mantém a constância do número de cromossomos após a divisão celular. Por sua vez,

na meiose há somente uma duplicação dos cromossomos para duas divisões celulares:

Meiose I (divisão reducional) que reduz o número de cromossomos à metade; e Meiose II

(divisão equacional) onde ocorre a separação das cromátides irmãs de cada cromossomo.

Outra diferença marcante é o comportamento dos cromossomos homólogos durante

a metáfase: na mitose os homólogos se alinham na placa equatorial, ao passo que na

meiose os homólogos se emparelham (metáfase I).

6. a) Prófase I 92 cromátides, pois todos os cromossomos estão duplicados nesta etapa.

b)Prófase II 46 cromátides, uma vez que o número de cromossomos foi reduzido

à metade no fi nal da 1ª divisão meiótica, embora ainda se encontrem duplicados.

c) Telófase I 46 cromátides, pelo mesmo motivo do item b.

d)Telófase II 23 cromátides, pois ocorrem a 2ª divisão meiótica na qual as cromátides–

irmãs dos cromossomos duplicados se separam, formando células haplóides.

Page 190: Rb214   genética e evolução

C E D E R J194

Aula 4

7. As células que representam os estágios haplóides do ciclo de vida deste fungo

possuem apenas dois cromossomos, uma vez que seu número haplóide é n = 2. Mas no

estágio diplóide (meiócito diplóide transitório), dois pares de cromossomos homólogos

estão presentes (2n = 4). Observe:

1. a, g, d, h, e, b, f, c.

2. As ervilhas eram vantajosas porque existiam muitas variedades disponíveis,

eram fáceis de cultivar, seu tempo de geração era curto, se autofecundavam mas

também podiam ser manipuladas para evitar a autofecundação (o que possibilitava o

cruzamento de diferentes variedades através do corte das anteras e da transferência

do pólen de uma planta para o ovário de outra) e os descendentes obtidos por

cruzamentos entre variedades diferentes eram férteis.

3. Mendel concentrou-se na análise da herança de cada característica individualmente

e não do indivíduo como um todo. Dessa forma, foi capaz de propor hipóteses que

explicassem o padrão de herança observado em seus experimentos. Além disso, Mendel

fez uma coisa simples e extraordinária quando contou as proporções fenotípicas da

prole. Através dessa contagem, Mendel foi capaz de formular hipóteses para explicar

os resultados encontrados e fazer uso da análise matemática para testar e predizer

os resultados esperados por suas hipóteses.

Se você não acertou este exercício, reveja os conceitos de organismos haplóides e diplóides, cromossomos e cromossomos homólogos. Tire suas dúvidas com o tutor. É muito importante que você possa distinguir claramente entre estes conceitos.

!

Page 191: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 195

4. A autofecundação ocorre quando o gameta masculino fecunda o gameta feminino

do mesmo indivíduo, como no caso de uma planta hermafrodita na qual os órgãos

sexuais masculino e feminino estão presentes numa mesma fl or. Fecundação cruzada

ocorre quando o gameta masculino de um indivíduo fecunda o gameta feminino de

outro indivíduo, como acontece quando o pólen produzido pela fl or de uma planta

fecunda o óvulo presente na fl or de uma outra planta.

5. genótipo da ervilha com revestimento da semente cinza (dominante): CC

genótipo da ervilha com revestimento da semente branco (recessiva): cc

a) P – CC x cc

F1 – Proporção fenotípica → 100% de ervilhas com revestimento cinza (Cc)

Proporção genotípica → 100% Cc

b)P – F1 x F1 (Cc x Cc)

F1 – Proporção fenotípica → 3 ervilhas com revestimento cinza (C-) : 1 ervilha

com revestimento branco (cc)

Proporção genotípica → 1 CC : 2 Cc : 1 cc

c) P – F1 x ervilha com revestimento branco (Cc x cc)

F1 – Proporção fenotípica → 1 ervilha com revestimento cinza (Cc) : 1 ervilha

com revestimento branco (cc)

Proporção genotípica → 1 Cc : 1 cc

6. Poderíamos fazer um cruzamento-teste, ou seja, um cruzamento da planta em

questão com uma planta homozigótica recessiva (aa) para a mesma característica. Este

tipo de cruzamento é feito quando se deseja determinar o genótipo de um indivíduo

com fenótipo dominante. Dessa forma, a identifi cação do genótipo do indivíduo

testado se dá através da visualização do fenótipo da prole, já que o indivíduo testador

é homozigótico recessivo, contribuindo apenas com alelos recessivos para a prole.

Por exemplo:

• Se o indivíduo testado for AA, ou seja, puro segundo os critérios de Mendel:

AA x aa (indivíduo testador) → 100% da prole com característica dominante (→ Aa(( ).

• Se o indivíduo testado for Aa, ou seja, híbrido segundo os critérios de Mendel:

Aa x aa (indivíduo testador) → 50% da prole com característica dominante (Aa(( )

e 50% da prole com característica recessiva (aa).

Page 192: Rb214   genética e evolução

C E D E R J196

7. Observado no cruzamento:

P – planta com folhas crenadas x planta com folhas lobadas

F1 – proporção fenotípica → 100% folhas lobadas

• Não posso concordar com o produtor, uma vez que o fator que condiciona a

forma crenada pode ter sido transmitido à prole mas não ter sido expresso, por

ser recessivo, por exemplo.

• Hipótese para explicar o resultado obtido: a característica folha crenada é

recessiva (l) em relação à característica folha lobada (L), e por isso plantas com

folhas crenadas (ll) não apareceram na F1 (100% Ll).

• Teste da hipótese proposta: cruzamento da F1 entre si. Se aparecerem plantas

com folhas crenadas na F2, os resultados observados neste cruzamento estarão

de acordo com os resultados esperados pela hipótese proposta. Assim, poderemos

rejeitar a hipótese proposta pelo produtor, na qual os fatores que condicionam

a forma crenada não teriam sido transmitidos à geração F1.

8. Observado nos cruzamentos:

P – camundongos cinza x camundongos brancos (albinos)

F1 – proporção fenotípica → 100% cinza

F2 – proporção fenotípica → 198 cinzas : 72 albinos (≈ 3 cinzas : 1 albino)

total de 270 camundongos

• Hipótese: a característica cinza é dominante (C) em relação à característica Albina (CC c).c

• Esperado pela hipótese proposta:

P – CC xC cc

F1 – proporção fenotípica → 100% cinza

proporção genotípica → 100% Cc

F2 – proporção fenotípica → 202,5 cinzas : 67,5 albinos (3 cinzas : 1 albino)

proporção genotípica → 1 CC : 2 C Cc : 1c cc

• Os resultados esperados por essa hipótese estão de acordo com os resultados

observados no experimento.

9. genótipo da mulher normal (portadora do fator para albinismo): Aa

genótipo do homem albino: aa

a. P – Aa x aa

F1 – Proporções genotípica e fenotípica esperadas na F1; devido à fecundação dos

gametas masculinos ( ) e femininos ( ) da geração parental (note que apenas um

tipo de gameta masculino pode ser produzido pelo indivíduo com genótipo aa):

A a

Aa aaa

proporção genotípica → 1 Aa : 1 aa

proporção fenotípica → 1 normal (Aa) : 1 albino (aa)

) )

Page 193: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 197

10. Observado nos cruzamentos:

Cruzamento I:

P – touro sem chifres x vaca I com chifres

F1 – bezerro sem chifres

Cruzamento II:

P – touro sem chifres x vaca II com chifres

F1 – bezerro com chifres

Cruzamento III:

P – touro sem chifres x vaca III sem chifres

F1 – bezerro com chifres

a) Hipótese: o touro sem chifres é heterozigótico (Cc), as vacas I e II com chifres são c

homozigóticas recessivas (cc) e a vaca III sem chifres é heterozigótica (Cc).

b) Esperado pela hipótese proposta:

Cruzamento I:

P – touro sem chifres (Cc) x vaca I com chifres (cc)

F1 – bezerro sem chifres (Cc)

Cruzamento II:

P – touro sem chifres (Cc) x vaca II com chifres (cc)

F1 – bezerro com chifres (cc)

Cruzamento III:

P – touro sem chifres (Cc) x vaca III sem chifres (Cc)

F1 – bezerro com chifres (cc)

Os resultados esperados por essa hipótese estão de acordo com os resultados

observados no experimento.

b. P – Aa x AaF1 – Proporções genotípica e fenotípica esperadas na F1;

devido à fecundação dos gametas masculinos (♂) e femininos (♀) da geração parental:

♀♂ A a

A AA Aa

a Aa aa

proporção genotípica → 1 AA : 2 Aa : 1 aa

proporção fenotípica → 3 normais (A_) : 1 albino (aa)

Page 194: Rb214   genética e evolução

C E D E R J198

Aula 5

1. d

2. c

3. Quando duas ou mais características com estados contrastantes estão envolvidas,

podemos verifi car que a proporção 3 : 1 ainda é mantida se considerarmos cada

característica individualmente, devido à segregação independente dos fatores.

Exemplo: a proporção fenotípica esperada de uma autofecundação de ervilhas duplo

heterozigóticas liso-amarelo (RrVv) é de 9 liso-amarelo (v R_V_) : 3 liso-verde (R_vv) :vv

3 rugoso-amarelo (rrV_) : 1 rugoso-verde (rrvv).v

• Se considerarmos as características individualmente:

1 – cruzamento entre lisos (Rr x Rr)r → 3 lisos (R_) : 1 rugoso (rr) r → logo, o

fenótipo liso tem a probabilidade de 3/4 de aparecer na prole, enquanto

o fenótipo rugoso tem 1/4 de probabilidade.

2 – cruzamento entre amarelos (Vv x Vv)v → 3 amarelos (V_) : 1 verde (vv) v →

logo, o fenótipo amarelo tem a probabilidade de 3/4 de aparecer na prole,

enquanto o fenótipo verde tem 1/4 de probabilidade.

• Considerando as probabilidades que cada fenótipo tem de aparecer na prole,

podemos esperar que num cruzamento diíbrido:

A probabilidade de aparecer liso-amarelo (R_V_) = 3/4 x 3/4 = 9/16

A probabilidade de aparecer liso-verde (R_vv) = 3/4 x 1/4 =vv 3/16

A probabilidade de aparecer rugoso-amarelo (rrV_) = 1/4 x 3/4 = 3/16

A probabilidade de aparecer rugoso-verde (rrvv) = 1/4 x 1/4 =v 1/16

• Portanto, a proporção 9 : 3 : 3 : 1 pode ser derivada a partir da proporção 3 : 1

4. a. Poderiam ser consideradas fatos as seguintes condições para que o modelo

mendeliano fosse válido: em cada par de fatores hereditários contrastantes (isto

é, Rr) um membro do par deveria ser dominante enquanto o outro membro

deveria ser recessivo; e os fatores hereditários dominantes e recessivos não

seriam modifi cados quando ocorressem juntos no híbrido, ou seja, a prole de

um cruzamento entre híbridos apresentaria tanto a característica dominante

quanto a recessiva, sem nenhuma modifi cação no fenótipo.

b. A diferença básica entre a 1ª e a 2ª Leis de Mendel é que enquanto a 1ª trata

da segregação de um par de fatores, a segunda se refere à segregação em mais de

um par de fatores.

Page 195: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 199

5. genótipo da ervilha alta e vagem infl ada (estados dominantes): AAEE

genótipo da ervilha anã e vagem deprimida (estados recessivos): aaee

a. P – AAEE (1) x E aaee (2)

F1 – Proporções genotípica e fenotípica esperadas na F1; devido à fecundação dos

gametas das plantas da geração parental (1 ou 2):

proporção genotípica → 100% AaEe

proporção fenotípica → 100% ervilha alta e vagem infl ada

b. P – AaEe (1) x AaEe (2)

proporção genotípica → 1 AAEE : 2 E AAEe : 1 AAee : 2 AaEE : 4E AaEe: 2 Aaee :

1 aaEE: 2 aaEe: 1 aaee

proporção fenotípica → 9 ervilha alta e vagem infl ada (A_E(( _) : E 3 ervilha alta

e vagem deprimida (A_ee(( ) : 3 ervilha anã e vagem infl ada (aaE_) : E 1 ervilha anã

e deprimida (aaee)

c. P – AaEe (1) x aaee (2)

F1 –

proporção genotípica → 1 AaEe : 1 Aaee : 1 aaEe: 1 aaee

proporção fenotípica → 1 ervilha alta e vagem infl ada (AaEe(( ) : 1 ervilha alta e vagem deprimida (A(( aee) : 1 ervilha anã e vagem infl ada (aaEe) : 1 ervilha anã

e deprimida (aaee)

12 AE

ae AaEe

122 AE Ae aE ae

AE AAEE AAEe AaEE AaEe

Ae AAEe AAee AaEe Aaee

aE AaEE AaEa aaEE aaEe

ae AaEe Aaee aaEe aaee

F1 –

12 AE Ae aE ae

ae AaEe Aaee aaEe aaee

Page 196: Rb214   genética e evolução

C E D E R J200

6. I) 4 tipos (ABCd, AbCd, aBCd, abCd)

B – C – d (1º tipo)

A

b – C – d (2º tipo)

B – C – d (3º tipo)

a

b – C – d (4º tipo)

II) 8 tipos (ABC, ABc, AbC, Abc, aBC, aBc, abC e abc)

C (1º tipo)

B

c (2º tipo)

A

C (3º tipo)

b

c (4º tipo)

C (5º tipo)

B

c (6º tipo)

a

C (7º tipo)

b

c (8º tipo)

Page 197: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 201

III. 8 tipos (AbCDE, AbCDe, AbcDE, AbcDe, abCDE, abCDe, abcDE, abcDe)

E (1º tipo)

C – D

e (2º tipo)

A – b

E (3º tipo)

c – D

e (4º tipo)

E (5º tipo)

C – D

e (6º tipo)

a – b

E (7º tipo)

c – D

e (8º tipo)

7. c

8. e

9. b

10. a

11. d

Page 198: Rb214   genética e evolução

C E D E R J202

12. a) 8 tipos de gametas.

b)27 tipos de combinações.

c) Razões fenotípicas determinadas por cada par de fatores.

Fenótipos

Sementeslisa x rugosa

Sementesamarelas x verdes

coberturas das sementescinza x brancas

Razão fenotípicaesperada na F2

Branco

1/4

1/4

= 27/64 lisas amarelas

com envoltório cinza.

= 9/64 lisas amarelas com

cobertura branca.

= 9/64 lisas verdes com

cobertura cinza.

= 3/64 lisas verdes com

cobertura branca.

= 9/64 rugosas amarelas

com cobertura cinza.

= 3/64 rugosas amarelas

com cobertura branca.

= 3/64 rugosas verdes

com cobertura cinza.

= 1/64 rugosas verdes

com cobertura branca.

Page 199: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 203

Aula 6

1. g

2. a

3. b

4. d

5. f

6. e

7. c

8. h

9. a

10. b

11. dominante ligada ao cromossomo X.

12. genótipo da fêmea de cauda longa e reta: XbXb

genótipo do macho de cauda curta e retorcida: XBY

P – XbXb x XBY

F1 -

proporção fenotípica esperada → 100% das fêmeas com cauda curta e

retorcida (XBXb) e 100% dos machos com cauda longa e reta (XbY)

13. genótipo da fêmea de asas curtas: XmXm

genótipo da fêmea de asas longas: X+X+ ou X+Xm

genótipo do macho de asas curtas: XmY

genótipo do macho de asas longas: X+Y

a. P – XmXm x XmY

F1–

proporção fenotípica → 100% asas curtas (XmXm e XmY).

♂♀ XBX Y

Xb XBX Xb XbY

♂♀ Xm Y

Xm XmXm XmY

Page 200: Rb214   genética e evolução

C E D E R J204

b. P – XmXm x X+Y

F1 –

proporção fenotípica → 100% das fêmeas de asas longas (X+Xm).

100% dos machos de asas curtas (XmY).

c. P – X+X+ x XmY

F1 –

proporção fenotípica → 100% asas longas (1 X+Xm : 1 X+Y).

d. P – X+Xm x X+Y

F1 –

proporção fenotípica → 100% fêmeas de asas longas (X+X+ e X+Xm), 50% dos

machos de asas longas (X+Y) e 50% dos machos de asas curtas (XmY).

e. P – X+Xm x XmY

F1 –

proporção fenotípica→ 50% das fêmeas de asas longas (X+Xm), 50% das fêmeas

de asas curtas (XmXm), 50% dos machos de asas longas (X+Y) e 50% dos machos

de asas curtas (XmY).

♂♀ X+ Y

Xm X+Xm XmY

♂♀ Xm Y

X+ X+Xm X+Y

♂♀ X+ Y

X+ X+X+ X+Y

Xm X+Xm XmY

♂♀ Xm Y

X+ X+Xm X+Y

Xm XmXm XmY

Page 201: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 205

Aula 7

Atividade 1: apresente seu modelo para discussão com seus colegas e tutores.

Atividade 2:

1. Os cromossomos humanos são classifi cados em sete grupos (de A a G) de acordo

com o tamanho e a morfologia. Além disso, os autossomos são numerados de

1 a 22 pelo tamanho.

Grupo A: compreende os três pares cromossômicos de maior tamanho.

Os cromossomos dos pares 1 e 3 são metacêntricos, e os do par 2 são

submetacêntricos.

Grupo B: pares 4 e 5, submetacêntricos. O tamanho de seus braços curtos

equivale a 1/3 de seus braços longos.

Grupo C: total de 14 cromossomos. Como não se pode identifi car os pares

de cromossomos pela análise morfológica, estes cromossomos devem ser

organizados em ordem decrescente de tamanho.

Grupo D: consiste dos pares 13, 14 e 15. São acrocêntricos, de tamanho médio,

com a presença de satélites nos braços curtos. Estes satélites são pequenas

esferas terminais nem sempre visíveis.

14. genótipo da fêmea de penas barradas e homozigótica para crista rosa: ZBWRR

genótipo do macho de penas não-barradas e crista simples: ZbZbrr

P – ZBWRR x ZbZbrr

F1 –

proporção fenotípica esperada → 100% dos machos com penas barradas e

crista rosa (ZBZbRr) e 100% das fêmeas com penas não-barradas e crista rosa r

(ZbWRr)r

OBS.: Lembre-se que em aves a determinação do sexo se dá pelo sistema ZZ /

ZW, no qual fêmea é o sexo heterogamético (ZW) enquanto que macho é o

sexo homogamético (ZZ).

♀♂ ZBRB WRWW

Zbr ZBZbRrb ZbWRrWW

Page 202: Rb214   genética e evolução

C E D E R J206

Grupo E: par 16, metacêntrico, e pares 17 e 18, submetacêntricos, sendo que

os braços curtos do par 17 são ligeiramente maiores do que os do par 18.

Grupo F: os cromossomos dos pares 19 e 20 constituem este grupo e são os

menores cromossomos metacêntricos humanos.

Grupo G: é composto pelos pares cromossômicos 21 e 22. Estes são os menores

cromossomos acrocêntricos humanos e podem apresentar satélites, nem sempre

visíveis, nos braços curtos.

Par sexual: nas mulheres é formado por um par de cromossomos X, enquanto

nos homens é composto por um par de cromossomos não-homólogos, os

cromossomos X e Y. O cromossomo Y é acrocêntrico e pode ser diferenciado

dos pares 21 e 22 pela posição paralela dos braços maiores e pela ausência de

satélites.

OBS.: Os cromossomos dos grupos B, C, D, F e G não podem ser identifi cados

somente pela análise de sua morfologia.

2. Atividade para ser desenvolvida pelo aluno e discutida com seus colegas e

tutores.

3. Atividade para ser desenvolvida pelo aluno e discutida com seus colegas e

tutores.

Page 203: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 207

Atividade 3:

1. Existe mais de uma maneira de completar este esquema. Confi ra se sua resposta

está correta com seus colegas e tutores.

Page 204: Rb214   genética e evolução

C E D E R J208

2.

• Ao fi nal da meiose desta célula, apenas dois tipos de gametas foram formados;

com os genótipos cdY ou CDXe.

• Os outros tipos de gametas podem ser formados a partir de diferentes

alinhamentos dos cromossomos emparelhados, durante a metáfase I de outras

células meióticas.

3. Quando consideramos todas as células meióticas deste indivíduo (CcDdXeY),

podemos concluir que este indivíduo formará 8 tipos de gametas na proporção de

1:1:1:1:1:1:1:1. Observe, a seguir, o método de ramos para a determinação dos tipos

de gameta formados.

Se fosse uma fêmea CcDdXEXe, seriam formados 8 tipos de gametas na

proporção de 1:1:1:1:1:1:1:1. Observe:

Page 205: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 209

Aula 8

1. atividade para ser desenvolvida pelo aluno e discutida com os colegas e tutores.

2. 2.1) c

2.2) d

2.3) c, a

2.4) a, b

2.5) f

2.6) e

2.7) g

2.8) f

2.9) e

2.10) j

2.11) i

3. a) A pétala de uma planta homozigótica para uma mutação recessiva que

impeça a primeira reação deve ser branca, uma vez que esta planta não

produzirá a enzima necessária para transformar a substância inicial de cor

branca na substância intermediária de cor azul. Note que mesmo que esta planta

possua a enzima D normal capaz de transformar a substância intermediária

de cor azul no pigmento fi nal de cor púrpura, esta planta não tem capacidade

de produzir a substância intermediária e, portanto, não pode produzir o

pigmento fi nal.

b) A pétala de uma planta homozigótica para uma mutação recessiva que impeça

a segunda reação deve ser azul. Esta planta é capaz de transformar a substância

inicial na substância intermediária, por possuir a enzima B normal, mas não

é capaz de produzir a enzima D necessária para transformar a substância

intermediária de cor azul no pigmento fi nal de cor púrpura.

c) A planta citada em a possui o genótipo bbD_, enquanto a planta citada em b

possui o genótipo B_dd.

4. Provavelmente, 10 unidades da enzima não são sufi cientes para produzir o

fenótipo normal. Dessa forma, indivíduos heterozigóticos e homozigóticos para o

alelo mutante produzem o mesmo fenótipo, um caso de haplo-insufi ciência. Nesse

caso, o alelo mutante é o alelo dominante.

5. Essa doença deve ser herdada com um fenótipo recessivo, uma vez que apenas

um alelo normal (dominante) é sufi ciente para produzir o fenótipo normal, ou seja,

é haplo-sufi ciente. Assim, um indivíduo heterozigótico apresentará fenótipo normal

por possuir um dos alelos dominantes.

Page 206: Rb214   genética e evolução

C E D E R J210

1.

A B C D E F

Autossômica recessiva S N S S S S

Autossômica dominante N S S S N S

Ligada ao X recessiva S N S N N S

Ligada ao X dominante N N N S N N

Ligada ao Y N N N N N N

2. a) Autossômica dominante.

b)Ligada ao X dominante.

c) Ligada ao X recessiva.

d)Autossômica recessiva.

3. a)

b) Autossômico recessivo.

c) 25%, uma vez que ambos os pais são heterozigotos.

d) Catarina (II-2), seu marido (II-1), Elisa (I-3) e Bárbara (I-2)

4. a) Autossômico dominante.

b) I-1, I-4, II-3, II-4, II-6, II-7, III-2 e III-5.

c) I-2, I-3, II-1, II-2, II-5, II-8, III-1, III-3 e III-4.

d) A partir da análise deste heredograma, podemos concluir que ambos os

indivíduos III-3 e III-4 são heterozigotos certos (Aa). Logo, a probabilidade

(P) deste casal vir a ter três crianças, uma sem o caráter e duas com o caráter,P

independentemente do sexo e da ordem dos fi lhos, pode ser deduzida através

do binômio de Newton:

Aula 9

Page 207: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 211

P = [3! / (1!2!)] (1/4)P 1 (3/4)2

P = [3x2x1 / (1x2x1)] x 1/4 x 9/16P

P = [6/2] x 9/64P

P = 27/64P ≈ 42,2%

5. Considerando cada caráter separadamente, podemos observar que a condição

carência do esmalte dentário apresenta uma herança ligada ao X dominante, uma

vez que a mãe afetada (XAXX Xa) teve um fi lho afetado (XAXX Y) e outro normal (XaY). Por

sua vez, a herança do daltonismo é ligada ao X recessiva, já que a mulher (XDXd) fi lhadd

de um pai afetado (XdY) e de uma mãe normal (Xdd DX_) não expressa esta condição.

Se o daltonismo fosse ligado ao X dominante, esta mulher deveria ser afetada por

ser fi lha de um pai afetado.

Como os fi lhos de uma mãe normal (XDXd) podem expressar esta condição, enquantodd

que ela própria não é afetada, a herança do daltonismo não pode ser ligada ao X

dominante.

Assim, podemos dizer que o genótipo da mãe é XADXX Xad, e o genótipo dos fi lhos éd

XAdXX Y para o fi lho com carência de esmalte dentário e daltonismo e Xdd adY para o fi lhodd

com esmalte dentário normal e daltonismo. Note que o fi lho com genótipo XAdXX Y édd

fruto de um gameta que sofreu permuta entre estes genes.

6. A partir da análise deste heredograma, podemos deduzir a probabilidade de o

indivíduo IV-1 ser afetado através dos seguintes passos:

1. Probabilidade de III-2 ser heterozigótica = 2/3

Como seu irmão III-3 é duplo homozigótico recessivo (afetado – aa) podemos

deduzir que sua mãe II-2 e seu pai (que não aparece no heredograma) sejam

heterozigóticos. Considerando as quatro possibilidades genotípicas resultantes

de um cruzamento entre heterozigotos (AA, Aa, Aa, aa) a probabilidade de III-2

ser heterozigótica será de 2 chances am 3, pois defi nitivamente este indivíduo

não pode ser aa (AA, Aa, Aa, aa).

2. Probabilidade de III-1 ser heterozigótico: 1/2 x 1/2 (probabilidade de sua mãe

II-1 ter recebido o alelo recessivo de um dos pais x probabilidade do próprio

indivíduo III-1 ter recebido o alelo recessivo de sua mãe) = 1/4

aa)aa)aa)aa)

Page 208: Rb214   genética e evolução

C E D E R J212

3. Probabilidade de III-2 e III-1 serem heterozigóticos: 2/3 x 1/4 (probabilidade

de III-2 ser heterozigótica x probabilidade de III-1 ser heterozigótico) = 1/6

4. Probabilidade de III-2 e III-1, sendo heterozigóticos, terem um fi lho afetado

(indivíduo IV-1): 1/6 x 1/4 (probabilidade de III-2 e III-1 serem heterozigóticos

x probabilidade do indivíduo IV-1 ser duplo homozigótico recessivo - afetado)

= 1/24

Portanto, a probabilidade de o indivíduo IV-1 ser afetado é 1/24 ≈ 4,2%

Obs.: Quando analisamos um heredograma de uma anomalia recessiva devemos

considerar que os indivíduos provenientes da população, ou seja, os indivíduos

não-afetados da população que se casam com alguém da família, são

homozigóticos dominantes (AA, por exemplo). Isto porque é muito pequena

a chance de um indivíduo da população em geral ser portador (Aa) do alelo

recessivo daquele gene específi co que causa a doença na família analisada.

Entretanto, a chance de um indivíduo não-afetado da família em questão portar

um alelo recessivo, ou seja, ser heterozigótico (Aa), dependerá da análise do

fenótipo e do genótipo de seus ancestrais e, quando possível, da análise de

seus descendentes.

Page 209: Rb214   genética e evolução

Genética Básica

Referências

Page 210: Rb214   genética e evolução

C E D E R J214

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Page 212: Rb214   genética e evolução

Maiores informações: www.santacabrini.rj.gov.br

Serviço gráfi co realizado em parceria com a Fundação Santa Cabrini por intermédio do gerenciamento laborativo e educacional da mão-de-obra de apenados do sistema prisional do Estado do Rio de Janeiro.

Page 213: Rb214   genética e evolução

Evolução

Aula 1 – Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas ______ 7

Antonio Solé Cava

Aula 2 – Evidências da Evolução ______________________________ 21

Antonio Solé Cava

Aula 3 – Histórico do estudo da Evolução _______________________ 41

Edson Pereira da Silva

Aula 4 – A nova síntese evolutiva _____________________________ 55

Edson Pereira da Silva

Aula 5 – Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg __________________________________ 69

Gisele Lôbo-Hajdu

Aula 6 – Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações _____ 85

Gisele Lôbo-Hajdu

Aula 7 – Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos , genes ligados ao sexo e mais de um loco __ 99

Gisele Lôbo-Hajdu

Aula 8 – Marcadores moleculares no estudo da Evolução __________111

Edson Pereira da Silva

Aula 9 – Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos ______________131

Gisele Lôbo-Hajdu

Aula 10 – Modelos deterministas e estocásticos em Evolução _______149

Antonio Solé Cava

Referências _______________________________________169

SUMÁRIO

Volume 1

Page 214: Rb214   genética e evolução

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Associar o pensamento evolutivo com o equilíbrio entre a mudança e a estabilidade.

• Apresentar hipóteses para a explicação de fenômenos da Natureza ligados à evolução.

objetivos1AULAIntrodução. A dialética da

Evolução. Algumas perguntas

Page 215: Rb214   genética e evolução

8 C E D E R J

Evolução | Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas

INTRODUÇÃO

Apesar de a palavra “evolução” ter muitos sentidos, em Biologia,

evolução quer dizer mudança nos genes ou em suas proporções

nas populações. Repare que evolução não quer dizer progresso!

Evolução é apenas mudança, sem que seja necessariamente

para melhor ou para pior. Em Biologia, o que é melhor para um

organismo em um momento pode ser pior em outro.

Coisas são semelhantes. Por isso a ciência é possível. Coisas

são diferentes. Por isso a ciência é necessária.

Richard Lewontin, 1983

A base da teoria evolutiva é a dialética entre o que muda e o que

permanece. Se a taxa de mutação nos genes fosse muito maior

do que é (por exemplo, se 1% dos genes, ao serem duplicados,

sofresse mutações), a vida no planeta não seria possível do

jeito que a conhecemos. Por outro lado, se a mutação não

existisse, ou seja, se os sistemas de replicação fossem perfeitos,

a evolução não seria possível.

Evolução é o processo unifi cador da Natureza. É ela que nos liga, por laços

de ancestralidade, a todos os seres vivos do planeta. Ela é a nossa história,

a origem das relações ecológicas, da diversidade do planeta. É na evolução

que encontramos a explicação para a taxonomia. Foi a evolução que gerou a

complexidade celular, as relações fi siológicas e os processos bioquímicos. Todas

essas frases refl etem o papel da evolução na formação histórica do mundo atual.

Foi por isso que a frase sobre a importância fundamental da evolução (“...nada

faz sentido senão à luz da evolução.”) foi citada, tanto na Aula 8, de Grandes

Temas em Biologia, como na primeira aula do curso de Genética.

De fato, o estudo da evolução envolve tantos outros estudos, que essa matéria é

dada somente após os alunos de Biologia terem sido devidamente apresentados

à Genética, à Dinâmica da Terra, à Ecologia e à Taxonomia dos Seres Vivos.

A evolução é a explicação integradora da biodiversidade em todos os seus

níveis. Seu estudo envolve a observação dos seus resultados e a formulação de

hipóteses sobre como foram produzidos esses resultados. Ele envolve também

a previsão, baseada nessas hipóteses, sobre resultados ainda não observados.

Mas... o que é a evolução? Pense e responda: como você defi niria evolução?

Page 216: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 9

AU

LA 1

Organic life beneath the shoreless wavesWas born and nursed in ocean’s pearly caves;First forms minute, unseen by spheric glass,Move on the mud, or pierce the watery mass;These, as successive generations bloom,New powers acquire and larger limbs assume;Whence countless groups of vegetation spring,And breathing realms of fi n and feet and wing.

A vida orgânica nos mares sem fi mnasceu e cresceu nas cavernas brilhantes das ondas;primeiro formas minúsculas, invisíveis às lentes,moviam-se na lama, ou atravessavam os oceanos; Essas, na explosão de novas gerações.Novos poderes adquirem e novos membros desenvolvem;onde inúmeros grupos de vegetação aparecemE os reinos de organismos de nadadeiras, e pés e asas.

Erasmus Darwin. The temple of nature, 1802.

Erasmus Darwin acreditava na evolução, apesar de não propor um mecanismo plausível para ela. Essa tarefa teve de esperar duas gerações, até que seu neto, Charles Darwin, propusesse a teoria da seleção natural.

Os processos evolutivos são convencionalmente divididos em

microevolução e macroevolução. A microevolução é entendida como a

parte dos processos envolvidos nas mudanças de freqüências dos genes

nas populações. Esses processos estão associados às forças evolutivas

da mutação, seleção natural e variações aleatórias (deriva gênica) e ao

efeito da migração entre populações diferentes. A macroevolução está

relacionada com as mudanças geológicas e seus resultados; ela lida com

as grandes mudanças evolutivas, com a formação dos vários grupos de

organismos e com os processos envolvidos. A microevolução envolve a

genética das populações e a especiação lenta e gradual dessas populações.

A macroevolução envolve a evolução acima do nível de espécie e as

mudanças bruscas que podem provocar especiações aceleradas. Esses

dois termos foram criados pelo entomólogo russo Iuri Filipchenko, em

1927, no primeiro estudo em que tentava integrar a genética mendeliana

com a evolução. Como ele publicou em alemão, os termos não foram

incorporados ao vocabulário dos evolucionistas até que, dez anos mais

tarde, um aluno dele, chamado Theodosius Dobzhansky (você já leu

Page 217: Rb214   genética e evolução

10 C E D E R J

Evolução | Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas

sobre esse importante pesquisador na Aula 8, de Grandes Temas em

Biologia), usou os dois termos em inglês, no seu famoso livro Genética

e a origem das espécies.

Para alguns evolucionistas, sobretudo da escola anglofônica

(basicamente Inglaterra e EUA), a macroevolução nada mais é que o

acúmulo de passos microevolutivos; nesse caso, seria o resultado direto

da microevolução. Essa visão de continuidade entre micro e macroevolução

constitui a escola gradualista. Para outros evolucionistas, sobretudo na

Europa continental (mas incluindo também um dos fundadores da teoria

evolutiva moderna, o inglês Ernst Mayr, e evolucionistas norte-americanos

importantes, como STEPHEN JAY GOULD e Niles Eldredge), apesar de os

processos microevolutivos contribuírem de maneira fundamental para a

macroevolução, existem também processos macroevolutivos especiais, que

não podem ser vistos como simples resultado de acúmulo microevolutivo.

Um exemplo é a teoria do equilíbrio pontuado, pela qual as espécies, uma

vez originadas, evoluem muito lentamente, por estarem bem adaptadas

ao seu meio, embora, em momentos de crises ambientais específi cas, elas

evoluam muito rapidamente, em explosões de especiação.

Entendeu por que é MICRO e MACRO? É que a micro é realizada

“devagar, devagarzinho”, constitui a soma de pequenos passos de mutação

e modifi cação gradual das freqüências dos genes, enquanto a macro realiza-

se em grande escala, com “passos de sete léguas”.

Na primeira parte de nosso curso (primeiro módulo), veremos os

processos evolutivos envolvidos na microevolução. Já no segundo módulo,

verifi caremos a interação entre microevolução e macroevolução, os

processos evolutivos exclusivamente macroevolutivos e as conseqüências

ecológicas da evolução. Ao longo deste curso, você poderá ver como o

estudo da evolução permite que sejam feitas hipóteses sobre as relações

fi logenéticas entre as espécies e como fenômenos ecológicos (como

a evolução de predadores e presas, as defesas químicas e as relações

complexas entre espécies diferentes) podem ter-se originado. Você verá

como as espécies se originam, e como podemos detectar geneticamente a

presença de espécies diferentes, mesmo quando elas são tão parecidas a

ponto de confundirem os taxonomistas. Verá também como o estudo da

evolução pode ser útil para aqueles que, como você, se preocupam com

a preservação das espécies.

STEPHEN JAY GOULD

Foi um grande paleontologista, humanista e maravilhoso divulgador da Ciência. Ele escreveu vários livros que foram traduzidos para o Português; são deliciosos de serem lidos e tratam de questões científi cas de maneira simples e fascinante. Alguns exemplos são: Darwin e os grandes enigmas da vida, O polegar do panda, Quando as galinhas tiveram dentes, O sorriso do fl amingo e Vida maravilhosa.

MICROEVOLUÇÃO

Evolução que resulta apenas do acúmulo de pequenas mudanças nas freqüências dos genes.

MACROEVOLUÇÃO

Evolução que resulta de grandes mudanças, tanto no aceleramento ocasional dos processos de especiação como nas divergências entre os grandes grupos de organismos.

Page 218: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 11

AU

LA 1

EVOLUÇÃO COMO PROCESSO DIALÉTICO

A base da teoria evolutiva é a dialética entre o que muda e o que

permanece. A teoria evolutiva também deve levar em conta o resultado

da mudança que a coisa alterada provoca em seu redor. Assim, em vez

de vermos apenas o ambiente como guia das mudanças adaptativas dos

organismos, vemos também os organismos mudando o ambiente. Um

exemplo bem claro desse processo é a evolução da aerobiose no planeta.

Como nos outros planetas do nosso sistema solar, onde freqüentemente

o oxigênio está ausente, a concentração de oxigênio livre na atmosfera

primitiva da Terra era muito baixa (0,01%). Isso permitiu o aparecimento

e a concentração de compostos orgânicos nos oceanos, sem que eles

sofressem ataques oxidativos dos gases da atmosfera neles dissolvidos.

Após o surgimento da vida e sua primeira diversifi cação, todos os

organismos viviam em condições anaeróbicas (ou seja, sem oxigênio),

conforme ainda encontramos em alguns grupos de bactérias no oceano

(em fontes hidrotermais no mar profundo) ou em terra (como a bactéria

do tétano, que morre em contato com o oxigênio, e por isso a água

oxigenada é efi caz para ajudar a limpar feridas). A maneira anaeróbica

de viver permaneceu no planeta por muitos milhões de anos usando,

como fonte de energia para vida, os compostos orgânicos e inorgânicos

acumulados nos oceanos nos milhões de anos anteriores.

No entanto, eventualmente surgiram bactérias capazes de usar

uma nova forma de energia: a luz do Sol. A vantagem de usar a luz

solar como fonte de energia para a vida era enorme, por ela ser abundante.

como era feito anteriormente pelas bactérias anaeróbicas, essa energia

era usada para reduzir compostos orgânicos, dessa vez, porém, era usada

com o hidrogênio nascente da hidrólise da água (H2O � 2 H+ + O-). Se

o hidrogênio produzido era útil para a bioquímica dessas células, o mesmo

não se pode dizer do oxigênio, que era tóxico; desse modo, a evolução da

fotossíntese só foi possível com os efeitos da diluição do oxigênio na água

(lembre-se de que tudo isso estava acontecendo na água, onde se originou

e permaneceu, por milhões de anos, a vida). Você observou o título desta

seção, “A evolução como processo dialético”? No dicionário, vemos que

“dialética” é, segundo a Filosofi a, o “desenvolvimento de processos gerados

por oposições que provisoriamente se resolvem em unidades”. Então me diga:

Onde está a dialética dessa história do oxigênio que estamos vendo? Quais

são as oposições? E qual foi a resolução dessas oposições?

Page 219: Rb214   genética e evolução

12 C E D E R J

Evolução | Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas

Hoje em dia, como você sabe, o oxigênio é indispensável à vida

da maior parte dos seres vivos. Mas ele, como vimos ainda há pouco,

não era necessário antigamente. Muito ao contrário, ele era tóxico. Era

tóxico para a vida que existia, embora tenha sido gerado por ela mesma.

Aí está a contradição, ou a oposição, como diz o dicionário.

O que as primeiras bactérias fotossintetizantes queriam era o

hidrogênio, mas como o tiraram da água, sobrava o oxigênio que, por sua

vez, era um produto tóxico de excreção. No início, a resposta evolutiva

a esse desafi o foi o aparecimento de mecanismos de defesa contra os

radicais livres do oxigênio (como as enzimas peroxidases, catalases e

superóxido-dismutases). Mas a resolução dessas oposições foi a volta

por cima que a Natureza deu, transformando o oxigênio de coisa tóxica

a coisa necessária à vida... Vamos continuar então nossa história.

A vantagem evolutiva de usar a luz do Sol como fonte de energia

foi tão grande que as bactérias fotossintetizantes proliferaram e acabaram

dominando todos os ambientes iluminados do mar. Ao mesmo tempo,

esse crescimento produziu um efeito poluidor devastador sobre as outras

espécies. Por causa da fotossíntese, o oxigênio aumentou, mais de 2.000

vezes sua concentração na atmosfera, chegando aos 22% atuais (lembre

que, na atmosfera primitiva, o oxigênio fazia só 0,01% do ar e dos

gases dissolvidos na água). Na história da Terra, essa transformação no

meio ambiente, causada pela evolução da fotossíntese, provavelmente

provocou uma das maiores extinções de espécies (em proporção às

espécies totais). Ao mesmo tempo, o aumento da concentração do

oxigênio permitiu a evolução da respiração aeróbica, energeticamente

muito mais efi ciente do que a respiração anaeróbica (como você viu no

curso de Bioquímica). O aparecimento da novidade evolutiva do uso

de oxigênio na respiração transformou-o de elemento extremamente

tóxico em elemento fundamental na evolução da vida no planeta, e a

respiração aeróbica foi tão bem-sucedida que quase todas as espécies

atuais necessitam do oxigênio para viver. Desse modo, no início da vida

no planeta a maioria das espécies, não conseguiria viver na atmosfera

atual, assim como a maioria das espécies atuais não conseguiria viver na

atmosfera primitiva do nosso planeta. Essa é a dialética da evolução: o

Page 220: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 13

AU

LA 1

meio ambiente seleciona as espécies e as espécies modifi cam o ambiente,

em processo contínuo. Você pode pensar em outros exemplos em que as

espécies mudam o ambiente, permitindo a evolução de outras espécies?

O número de exemplos é enorme. Na verdade, a Evolução e a

Ecologia estão cheias de casos em que uma espécie modifi ca o ambiente

afetando diretamente ela mesma e outras espécies. Exemplos clássicos são as

sucessões ecológicas, em que cada espécie aparece em um certo momento, que

é determinado pelas espécies que apareceram antes e pelas transformações que

elas provocaram no ambiente. Quando um navio afunda, por exemplo, no

início ele não é colonizado; pouco a pouco, no entanto, bactérias e microalgas

vão crescendo sobre ele. Essas bactérias vão acabar preparando a superfície

do navio para ser colonizado por outros organismos que, por sua vez, vão

servir de substrato para outros, e assim por diante... No fi nal, o que vemos é

um esqueleto de navio, que mais parece um pedaço de recife, tantos são os

organismos que acabam vivendo sobre ele. Outro exemplo de modifi cação

é aquela que os vegetais fazem no solo, transformando rochas e detritos

de plantas e animais em terra, que servirá para o crescimento de outras

plantas. Outros tipos são as várias espécies de parasitas, que evoluíram

somente depois de seus hospedeiros terem aparecido (afi nal, uma parte

do meio ambiente do parasita é o hospedeiro).

PENSANDO A NATUREZA

Formulamos, a seguir, algumas perguntas para você. Procure respondê-

las de todas as maneiras possíveis. Medite sobre cada uma, com cuidado.

Imagine cenários alternativos ao da evolução para respondê-las. Por exemplo,

será que o fato de serem encontrados fósseis diferentes nas camadas mais

profundas é resultado apenas dos pesos diferentes dos organismos? Será que

o fato de não serem encontrados fósseis de mamíferos nas rochas mais antigas

pode ser devido a alguma coisa, como uma difi culdade maior de se preservar os

fósseis de mamíferos em relação aos fósseis de moluscos? Solte sua imaginação!

Mas considere também as respostas que envolvem a evolução, e veja como

ela poderia ser usada para responder a cada pergunta.

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14 C E D E R J

Evolução | Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas

Procure usar o que você já aprendeu em Genética, Dinâmica da

Terra, Citologia, Bioquímica, Zoologia e Botânica para abordar cada

pergunta. Não se esqueça de que “porque sim” ou “porque não” não

são respostas! Escreva as respostas que você consegue encontrar para

cada pergunta. Se puder, discuta-as com algum colega ou com os tutores.

Atenção: a busca das respostas a cada pergunta em cursos anteriores e a

discussão com amigos, familiares etc. é muito importante. Ao contrário

das outras aulas do nosso curso, você não terá as respostas ao fi nal

desta aula. Essas perguntas são colocadas aqui para sua refl exão e

como material para todo nosso curso de Evolução. Você deve guardar

as respostas escritas e compará-las com o que for aprendendo ao longo

das próximas aulas.

1. Por que os fósseis, em camadas diferentes de rocha

e, independentemente, em vários locais do mundo, tendem a

se agrupar, e se encontram por exemplo, fósseis de mamíferos

somente nas camadas mais superfi ciais, ao passo que fósseis de

esponjas aparecem em todas as camadas?

2. Por que encontramos fósseis de samambaias tropicais

na Antártida?

3. Por que todos os seres vivos usam ácidos nucléicos (DNA

e RNA) como molécula responsável pela hereditariedade, se várias

proteínas poderiam exercer essa função igualmente bem?

4. Por que todos os animais usam o ciclo de Krebs para

sua respiração aeróbica e o ATP como molécula transportadora

de energia, se existem tantas maneiras diferentes de produzir e

transmitir energia a partir do piruvato?

5. Por que não existem vertebrados com quatro patas e

com asas ao mesmo tempo? (Imagine como seria útil a um tigre

se ele pudesse voar, ou mesmo planar, ao tentar capturar sua

presa, ou como seria útil para uma águia se ela tivesse mãos

para ajudá-la a fazer seu ninho.)

Figura 1.1

Page 222: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 15

AU

LA 1

6. Por que as baleias e golfi nhos não têm brânquias?

7. Por que gêneros de répteis que vivem a vida inteira

em locais sem nenhuma luz têm olhos (ainda que ocultos) por

baixo da pele?

8. Por que, pergunta-se, nos cromossomos, os nossos

pseudogenes, íntrons e transposons (você aprendeu a respeito

dessas seqüências de DNA no curso de Genética) encontram-se

em geral nas mesmas posições, que aqueles outros segmentos

dos demais primatas, mesmo sabendo que a maior parte dessas

seqüências de DNA nessas espécies não são úteis para nada?

9. Por que as seqüências de DNA são mais semelhantes

entre um golfi nho e um camundongo do que entre um golfi nho

e um atum?

10. Por que os insetos morriam rapidamente quando expostos

ao DDT, nos anos 1950, e atualmente são muito mais resistentes?

(o mesmo vale para a resistência das bactérias a antibióticos).

11. Abaixo, temos o desenho de um embrião de golfi nho

(Stenella attenuata). Por que, apesar de os golfi nhos não terem

membros inferiores (nem sequer transformados em nadadeiras),

seus embriões apresentam os primórdios de braços (“bb” na

fi gura) e pernas (“bp” na fi gura)? Note que esses pequenos braços

e pernas já têm ossos, veias e nervos de membros verdadeiros,

que são reabsorvidos ao longo da gravidez.

Figura 1.2: Embrião do golfi nho.

bb

bp

bb = Broto do Braço

bp = Broto da Perna

Page 223: Rb214   genética e evolução

16 C E D E R J

Evolução | Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas

12. Como foi possível, a partir de cruza-

mentos que começaram com a domesticação de

lobos selvagens (Canis rufus) na Ásia, há cerca de

14.000 anos (esse número se baseia em evidências

arqueológicas e moleculares), criar um número

tão grande de tipos de cachorro, do chiuaua ao

pastor alemão?

EPÍLOGO, OU O FIM DO COMEÇO

Agora, que você tem as respostas a essas perguntas (você as tem,

não é?), temos de levar em conta uma coisa importante: para qualquer

fenômeno da Natureza, você pode encontrar, se procurar bem e tiver uma

grande imaginação e muito tempo, um número infi nito de explicações.

Por exemplo, considere o gráfi co a seguir (Gráfi co 1.1):

Quantas linhas você poderia traçar indicando a relação entre

o comprimento e o peso de um gato? Como nós temos dois pontos,

poderíamos colocar uma linha reta entre eles. Mas poderíamos também

colocar um número infi nito de curvas, todas passando pelos dois pontos.

Figura 1.3

Gráfi co 1.1: A relação entre comprimento e peso, em gatos, baseada em apenas dois pontos.

PESO X COMPRIMENTO EM GATOS

cm

g

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C E D E R J 17

AU

LA 1

É possível, inclusive, estabelecer modelos matemáticos complexos para

cada uma dessas curvas e escrever relações sofi sticadas, do tipo: “quando

os gatos têm 10cm, eles apresentam 130g; depois, eles devem diminuir

de peso, por causa da energia despendida no desenvolvimento gonadal.

Depois, aos 20cm, eles sofrem uma grande engorda, passando de 1kg.

A partir daí, seu envelhecimento começa, de modo que, aos 50cm, eles

voltam a pesar 900 gramas”.

Para que a Ciência seja possível, devemos ser capazes de escolher entre

as explicações alternativas para os fenômenos. Essa decisão é melhor tomada

através da verifi cação experimental (por exemplo, aumentando o número de

medidas ao longo da curva), como também pelo princípio da parcimônia.

Nesse caso, usamos o que fi cou conhecido como A Navalha de Occam, que

recebeu esse nome por ter sido usada freqüentemente pelo fi lósofo e teólogo

franciscano, do século XIII, William de Occam (nome de uma cidadezinha

inglesa). Pelo princípio da Navalha de Occam, se temos duas ou mais

explicações para um determinado fenômeno e não temos nenhuma razão

para crer que uma seja melhor que a outra, devemos escolher aquela que

dependa do menor número de pressupostos. Em outras palavras, devemos

usar a navalha para cortar as explicações desnecessariamente complicadas

e escolher a que for mais simples. A Navalha de Occam é instrumento

fundamental para os cientistas.

Tente, então, rever as respostas que você deu a cada uma das 12

perguntas anteriores e aplicar a Navalha de Occam para escolher aquelas

que são mais simples.

A Evolução é o processo gerador de toda a diversidade da vida no planeta. O estudo

da Evolução inclui aspectos de todas as outras disciplinas da Biologia. O processo

evolutivo não é unidirecional, ou seja, as espécies não seguem o caminho simples do

“adaptar-se ou morrer”, em relação ao meio ambiente, pois elas mesmas modifi cam

esse meio. A Evolução, então, é um caminho complexo de interações entre as espécies

entre si e entre elas e o meio ambiente.

R E S U M O

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18 C E D E R J

Evolução | Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas

ATIVIDADES FINAIS

1. “No princípio era a sopa”. Essa sopa era sem vida, mas rica em nutrientes produzidos

quimicamente, a partir da atmosfera redutora primitiva e acumulados durante

milhões de anos. Ela permitiu o início da vida, pois representava uma quantidade

razoável de energia química acumulada. Assim, a primeira vida na Terra deve ter

sido heterotrófi ca, usando essa energia. Porém, durante o crescimento dessa vida,

tal sopa foi sendo consumida rapidamente, e a vida na Terra, nesse momento, corria

o risco de se extinguir ou permanecer em níveis muito baixos, porque o processo

de geração de alimentos quimicamente era muito lento. A vida, então, gerava sua

primeira contradição: consumir sem produzir. O que permitiu que essa contradição

fosse superada? E que nova contradição surgiu a partir dessa superação?

2. Newton vê uma maçã cair da árvore. Ela pode ter caído porque voou até o

chão, através de seu desejo interno de se encontrar com o solo, onde lançará suas

sementes; ela pode ter caído porque o espírito da fl oresta passava pela árvore

naquele momento e a empurrou em direção ao chão; ela pode ter caído porque

existe uma força de atração entre os corpos, que depende da massa e da distância

entre eles. Como a Terra tem uma enorme massa, ela atraiu a maçã; ela pode ter caído

porque Newton tinha poderes para normais e, sem saber, desejou que ela caísse.

Entre essas possibilidades, Newton escolheu uma. Qual foi? Por que ele escolheu

essa, dentre tantas outras explicações, como hipótese mais plausível? E o que foi

necessário fazer para verifi car se sua hipótese era, de fato, a mais provável?

RESPOSTA

A superação dessa contradição se deu através do aparecimento de bactérias que

conseguiam obter energia de uma fonte nova – o Sol. Essas bactérias usavam

a luz para quebrar a molécula da água, produzindo hidrogênio, que era útil

para reduzir compostos orgânicos e aumentar sua complexidade. A superação

da contradição da heterotrofi a, então, foi a fotossíntese. A nova contradição

foi o acúmulo do produto tóxico desse processo, o oxigênio, que foi resolvida

posteriormente com o aparecimento da respiração aeróbica, onde o oxigênio

passou de tóxico a fundamental.

Page 226: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 19

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LA 1

RESPOSTA

A explicação que Newton encontrou foi a Lei da Gravidade. O critério de escolha foi a

simplicidade (=parcimônia); ou seja, Newton usou a Navalha de Occam. A maneira

de verifi car sua hipótese foi observar a sua abrangência (Será que pedras também

caem? Será que as coisas caem também fora das fl orestas? Será que as coisas

caem mesmo quando Newton não está olhando para elas?) e procurar modelar,

através da Matemática e de observações controladas, o seu comportamento.

AUTO-AVALIAÇÃO

Esta é uma aula introdutória. Se você está curioso para entender um pouco

mais esse processo incrível que é a Evolução, então ela cumpriu seu papel. As

difi culdades que você pode ter tido talvez estejam relacionadas às defi nições de

micro e macroevolução ou à idéia da Navalha de Occam. Não se preocupe muito

com os conceitos por enquanto: você vai vê-los de novo ao longo do curso. Já a

idéia da Navalha de Occam é fundamental, não só para o nosso curso, mas para

sua futura formação, como profi ssional. Mesmo que nem sempre fi que explícito

para quem a usa, essa Navalha está presente o tempo todo nas análises científi cas.

Mas seu conceito é fácil de aprender: quando temos várias explicações para um

determinado fenômeno, procuramos escolher a mais simples em primeiro lugar.

Ela pode até não ser a correta, mas é um bom ponto de partida.

Você pode ter tido difi culdade, também, em responder às perguntas que fi zemos

ao longo da aula, e para as quais não demos resposta. Se deixou alguma em branco,

faça um esforço para respondê-la. O importante não é acertar ou errar, é pensar

nas alternativas. Neste momento, você pode até brincar de ignorar a Navalha de

Occam, e procurar explicações rebuscadas. Mas não deixe de responder a nenhuma

das questões – elas serão revistas ao longo do curso e servirão, como medida de

seu progresso no aprendizado de Evolução.

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Evidências da Evolução

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Interpretar fenômenos da Natureza como evidências da evolução.

• Relacionar a sucessão estratigráfi ca de fósseis com sucessão temporal.

• Diferenciar os efeitos da descendência e da convergência evolutiva na produção ou manutenção de semelhanças entre organismos.

• Enumerar as principais evidências morfológicas e moleculares da evolução.

objetivos2AULA

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22 C E D E R J

Evolução | Evidências da Evolução

INTRODUÇÃO Na aula passada, fi zemos uma série de 12 perguntas relacionadas à observação de

fatos da Natureza. Pedimos que você pensasse bem sobre o maior número possível

de explicações – dentro e fora da evolução – para aqueles fatos. Como você verá

na próxima aula (Um histórico da Evolução), o reconhecimento da evolução como

processo gerador da biodiversidade aconteceu muito recentemente na história

da civilização ocidental. Somente nos últimos 200 anos, os fi lósofos e cientistas

começaram a se dar conta de que os fósseis resultavam de seres que viveram

no passado (e não apenas de pedras parecidas com animais ou plantas); de

que muitos deles eram de espécies que não existem hoje em dia (e não apenas

animais que sempre existiram e que foram petrifi cados recentemente); e de que

a Terra tinha uma história geológica antiga (e não apenas os cinco ou seis mil

anos de história humana).

Vamos apresentar aqui, brevemente, as evidências que permitiram aos

cientistas concluir que a evolução ocorreu e ainda ocorre. Serão apresentadas

as constatações factuais, cuja explicação mais evidente é a evolução. Os processos

responsáveis pela evolução, ou seja, os modos como a evolução ocorre, serão

apresentados ao longo do curso.Após cada evidência da existência da evolução,

também apresentaremos evidências alternativas que serviriam para demonstrar

o contrário, ou seja, para provar que a evolução não existiu. Em ciência,

freqüentemente devemos nos perguntar: que resultados fariam com que se

tornasse falsa minha hipótese? Esse tipo de abordagem chama-se teste da

falseação, e foi introduzido por Karl Popper (você leu sobre ele no início do curso

de Genética). De maneira geral, dizemos que uma teoria se fortalece quando

estão claras, na sua formulação, as maneiras de falseá-la. Nesse contexto, teorias

científi cas permanecem válidas enquanto não são refutadas/falseadas.

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C E D E R J 23

AU

LA 2

EVIDÊNCIA 1 – O REGISTRO FÓSSIL

Duas informações do registro fóssil constituem importantes evidências

da evolução da vida. A primeira é a ordem cronológica em que os fósseis se

encontram, nas várias camadas geológicas. A segunda é a existência de formas

intermediárias entre grupos considerados aparentados evolutivamente.

Para entender a importância da primeira evidência, vamos considerar

que você, por acaso, não goste muito de arrumar

sua mesa de trabalho (o mesmo raciocínio pode

ser usado para o chão do seu quarto!). Dessa

forma, ao longo dos dias, você vai colocando

toda a correspondência que chega em uma pilha

em cima da mesa (ou as roupas usadas em várias

camadas em algum canto do chão do quarto).

Depois de duas semanas (Figura 2.1), você se

lembra de que precisa pagar uma conta de telefone

que chegou há dez dias e está para vencer. Onde

você vai procurá-la? No topo da pilha?

É provável que ela não esteja no topo, mas se encontre mais

próxima, ao fundo da pilha. Quando começa a procurar, você se lembra

de que, na mesma época em que chegou a conta do telefone, você também

havia recebido um convite para um casamento que iria acontecer na semana

seguinte. Você continua procurando, sabendo que, quando encontrar a

conta, o convite também vai estar por perto (na mesma localização na

pilha de papéis). De maneira geral, podemos dizer que os documentos mais

antigos estarão mais para o fundo da pilha e os mais recentes, mais para o

topo; existirá uma relação entre estratigrafi a (isto é, a posição nos vários

estratos ou camadas da sua pilha) e tempo. Se a evolução não existisse,

fósseis de todos os tipos deveriam encontrar-se em todas as camadas. No

entanto, o que se observa é que, nas camadas mais profundas encontram-se

os organismos estruturalmente mais simples, e a complexidade estrutural

aumenta conforme se investigam as menos profundas. Assim, em rochas de

três bilhões de anos, que normalmente se encontram nas regiões fossilíferas

mais profundas, nós só observamos fósseis de bactérias. Já em rochas de

dois bilhões de anos, aparecem os primeiros eucariotos, embora estes

Figura 2.1: Pode existir ordem cronológica no meio da bagunça em uma mesa de trabalho.

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24 C E D E R J

Evolução | Evidências da Evolução

não sejam os que conhecemos hoje em dia, pois são organismos muito

simples, unicelulares. Organismos multicelulares levam outro bilhão de

anos para aparecer (e mais vários metros de rocha para cima da pilha).

Os primeiros animais só vão aparecer em rochas de cerca de meio bilhão

de anos (580 milhões) e são exatamente o que esperaríamos encontrar

nas partes mais profundas: esponjas e anêmonas do mar. A partir daí,

o processo se acelera: em rochas com apenas 20 milhões de anos a mais

do que aquelas em que estão as esponjas e anêmonas, já encontramos

os primeiros moluscos e equinodermas. Até hoje não foi encontrada

nenhuma rocha com mais de 500 milhões de anos que apresentasse

animais terrestres. Tais animais (principalmente insetos) só vão aparecer

em rochas de 400 milhões de anos, e os primeiros répteis e aves só

apareceram nas camadas mais superfi ciais, de 300 milhões de anos. Os

mamíferos, então, só vão aparecer em rochas de 100 milhões de anos.

A mesma estratigrafi a é observada com as plantas. Nenhuma rocha

estudada até hoje, de mais de 200 milhões de anos, tem fósseis de plantas

de fl ores, apesar de essas rochas apresentarem fósseis de samambaias,

cuja resistência à fossilização é a mesma que a das fanerógamas. Apesar

de as plantas que se reproduzem por fl ores serem predominantes hoje em

dia, no registro fóssil elas só vão aparecer nas camadas mais superfi ciais,

com menos de 70 milhões de anos. Quer dizer, então, que a maioria dos

dinossauros nunca viu uma fl or?

De fato, se considerarmos que os dinossauros apareceram na

Terra cerca de 300 milhões de anos atrás, e se extinguiram há cerca de 50

milhões de anos, então somente os das épocas mais tardias conviveram

com fanerógamas. Assim, fl orestas, como as que conhecemos atualmente,

formadas por árvores lenhosas, não possuem representantes fósseis em

camadas com mais de 100 milhões de anos. A relação entre posição

estratigráfi ca e complexidade estrutural é uma evidência muito forte de

que a evolução aconteceu. Se encontrássemos fósseis de todas as formas

de vida juntos, nos mesmos estratos, nós falsearíamos a teoria evolutiva

atual. Se encontrássemos, por exemplo, fósseis de dinossauros misturados

com fósseis de macacos, ou se encontrássemos fósseis de mamíferos

nas rochas de mais de dois milhões de anos, ou de plantas lenhosas em

estratos mais antigos do que os fósseis de pteridófi tas, nós teríamos uma

evidência de que a teoria evolutiva, como a conhecemos, seria falsa.

Page 232: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 25

AU

LA 2

Figura 2.2: Sucessão estratigráfi ca de fósseis.Os fósseis mais antigos se encontram nas cama-das mais profundas.

Agora responda: Por que as camadas de rochas mais antigas

apresentam fósseis geralmente diferentes dos encontrados nas

camadas mais recentes?

Porque os organismos da Terra foram mudando ao

longo do tempo, e os encontrados nas rochas mais profundas

representam vestígios da fauna mais antiga.

A segunda evidência fóssil importante é a existência de

formas intermediárias na evolução dos organismos. Se a

evolução não tivesse ocorrido, e todas as espécies tivessem

surgido há alguns bilhões de anos, extinguindo-se com o

tempo, não esperaríamos encontrar formas intermediárias

entre fósseis mais antigos e fósseis mais recentes. No

entanto, apesar de o processo de fossilização ser

muito raro, de maneira que a maioria das espécies

acaba não deixando nenhum registro, temos vários

exemplos dessas formas intermediárias, como

aquelas entre dinossauros e aves (o Archaeopteris,

veja Figura 2.3), entre mamíferos terrestres e baleias

e entre macacos e homens. Você já viu vários desses

exemplos em outros cursos (Diversidade dos Seres

Vivos e Grandes Temas em Biologia) e verá ainda

melhor na aula sobre fósseis e evolução humana.

Figura 2.3: Fóssil de Archaeopteris, uma forma intermediária entre os dinossauros e as aves atuais.

EVIDÊNCIA 2 – A UNIDADE DA VIDA

Se todas as espécies tivessem aparecido

simultânea e independentemente, elas poderiam ter

encontrado soluções semelhantes para problemas

semelhantes, mas não deveriam apresentar uma

homogeneidade estrutural, bioquímica e fi siológica;

alguns animais poderiam não ter a célula como sua

unidade básica, por exemplo. Da mesma forma, a não

ser a descendência de um ancestral comum, não existe

razão para explicar por que organismos tão diferentes, como bactérias,

fungos, bananeiras, ostras, macacos e peixes tivessem, todos, o DNA como

molécula carregadora da informação genética. Nem seriam os códigos

genéticos responsáveis pela tradução dos genes em proteínas praticamente

idênticos em todos esses organismos.

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26 C E D E R J

Evolução | Evidências da Evolução

Então, pense bem e responda: por que é o ATP a principal molécula

transmissora de energia em todos os seres vivos, se outros nucleotídeos,

como o GTP, o CTP e o TTP têm propriedades que os tornam igualmente

efi cazes para esse processo? Por que a meiose de todos os animais é

praticamente idêntica? Por que, dos mais de 200 aminoácidos conhecidos,

apenas os mesmos 10% são usados para fazer as proteínas de todos os

seres vivos? Por que, das centenas de alternativas termodinamicamente

equivalentes para a degradação da glicose produzindo energia (a glicólise,

como você já estudou em Bioquímica), apenas uma está presente em

praticamente todos os seres vivos?

A resposta é simples: essas semelhanças moleculares entre todos

os seres vivos ocorrem porque eles são descendentes dos mesmos

ancestrais que encontraram soluções originais efi cazes desde o início

da evolução. Essas soluções foram selecionadas e mantidas em todos os

seus descendentes, ao longo da evolução.

A cada ano são descobertas cerca de 4.000 novas espécies de

animais e plantas. Se, em uma delas, os ácidos nucléicos não forem a base

da hereditariedade, ou ainda se o seu código genético for completamente

diferente daquele dos outros seres vivos, ou ainda se o seu ciclo de Krebs

for completamente substituído por outra via de produção aeróbica de

energia, teremos uma boa evidência para falsear a teoria evolutiva.

EVIDÊNCIA 3 – ÁRVORES FILOGENÉTICAS

Uma das características de nossa espécie é a capacidade de organizar

as coisas. Assim, dado um grupo de objetos, podemos facilmente construir

uma classifi cação para eles. Podemos, por exemplo, classifi car uma coleção

de fi gurinhas, livros ou camisas, em grupos, de acordo com o tipo, cor etc.

Uma biblioteca é uma coleção organizada de livros. O biblioteconomista

pode decidir classifi cá-los por tipo, por assunto, por nome de autor, por

antigüidade ou até por tamanho. Dentro de cada grupo, os livros podem

ser rearranjados em subgrupos, e assim por diante. No fi nal, para facilitar o

trabalho de localização dos livros, podemos, inclusive, produzir uma árvore

de classifi cação (veja a Figura 2.4). Era assim que a taxonomia era vista no

princípio, e todos os nomes dos grandes grupos taxonômicos que usamos até

hoje (Cnidaria, Insecta, Mammalia, Primatas...) foram criados muito antes

de se pensar em evolução.

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C E D E R J 27

AU

LA 2

Biblioteca

História Biologia Culinária

Antiga Citologia Cozinha brasileira

Recente Ecologia Cozinha internacional

Taxonomia

Evolução

Européia

Africana

Asiática

Figura 2.4: Uma árvore possível de classifi cação de livros em uma biblioteca.

A palavra primitivo tem várias conotações no uso diário das pessoas. Alguns

associam primitividade a coisa atrasada, de pouco valor. Como na frase “Ventilador

é muito primitivo; bom mesmo é ar-condicionado”. Outras pessoas idolatram a idéia

de primitivo, acham que o primitivo é o melhor, entendendo aí o primitivo como a

Natureza, em oposição ao progresso e suas mazelas. Como na frase “o que eu queria

mesmo era ter uma vida primitiva, sem as complicações do escritório”. Quando um

evolucionista fala de primitivo, ele usa a palavra no seu signifi cado mais puro. Primus,

em latim, quer dizer “o primeiro”. Então, primitivas são as espécies mais ancestrais,

e os caracteres (morfológicos, moleculares etc.) que elas possuem. O oposto de

primitivo, para um evolucionista, é derivado. Observe que usar a palavra “primitivo”

para uma espécie atual, mesmo que ela seja pertencente a um dos primeiros grupos

a aparecerem na evolução (como as esponjas, por exemplo) é incorreto. Afi nal, se

os animais primitivos eram esponjas, isso não signifi ca que uma esponja que existe

hoje em dia seja também primitiva. Afi nal, ela teve mais de 500 milhões de anos para

evoluir até o que ela é agora. E, como todos descendemos de um ancestral comum,

isso signifi ca que elas tiveram exatamente o mesmo tempo que nós para evoluir! Só

que nós seguimos outros caminhos evolutivos, que provocaram grandes divergências

morfológicas em relação aos nossos ancestrais, enquanto que as esponjas atuais

permanecem mais parecidas com as esponjas primitivas.

Page 235: Rb214   genética e evolução

28 C E D E R J

Evolução | Evidências da Evolução

Se a teoria da evolução está correta, e a diversidade do planeta

foi produzida por especiações e mudanças, desde as espécies primitivas

(veja o boxe sobre o uso da palavra primitivo) até as atuais, deve ser

possível fazer uma árvore de classifi cação que não represente apenas

as semelhanças e diferenças entre grupos, mas também refl ita o padrão

fi logenético do grupo (phyllum = grupo; genesis = origem).

Suponhamos, então, que você fosse classificar um grupo

de animais que contivesse um morcego, uma onça, um pardal e um

gambá. Você poderia decidir que a presença de asas é uma característica

importante, agrupando, assim, o morcego com o pardal. Pelo que você

já conhece de Biologia, esse agrupamento está errado. Por quê?

Apesar de parecer muito simples, essa questão é básica em toda

a taxonomia. A chave para responder a essa pergunta é a corroboração dos

caracteres. Se os caracteres dos seres vivos estão evoluindo continuamente, então

esperamos que classifi cações construídas com vários caracteres independentes

(morfologia, química, genética) sejam, de maneira geral, concordantes, e que

as discordâncias eventuais possam ser explicadas dentro do próprio processo

evolutivo. Assim, essa classifi cação de animais em alados e não alados – juntando

morcegos e aves em um grupo – confl itaria com classifi cações baseadas em outros

caracteres morfológicos, fi siológicos e moleculares, e poderia ser explicada pelo

processo de convergência morfológica causada pela seleção natural.

A corroboração das árvores fi logenéticas (árvores de classifi cação que

refl etem relações de parentesco entre as espécies) através de vários caracteres

independentes é, talvez, a demonstração mais forte da realidade da evolução.

Uma das coisas que tornam uma árvore filogenética diferente

de outras árvores de classificação é que as linhas que ligam os grupos

representam verdadeiros elos de ancestralidade. Os nós, nos quais

as linhas se encontram, representam ancestrais, e a profundidade

da árvore pode ser vista como representação do tempo.

Vamos fazer um pequeno exercício. Considere a seguinte

lista de animais: esponjas, águas-vivas, insetos, lacraias, camarões,

mexilhões, serpentes, lagartos, crocodilos, pardais, baleias, vacas,

humanos, chimpanzés, cangurus, sapos, atuns, estrelas-do-mar.

Mostre esses animais a algumas pessoas que não saibam Biologia;

procure incluir, no mínimo, uma criança de menos de 10 anos. Se ela não

conhecer algum dos animais, procure mostrar, pelo menos, uma fi gura de um

dos livros do curso de Zoologia ou, melhor ainda, mostre o bicho, se possível.

Page 236: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 29

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LA 2

Agora, peça-lhes que tentem juntar esses animais em grupos de dois ou três.

Anote os grupos formados. Depois, peça que os reagrupe em grupos maiores.

Anote os novos supergrupos. Continue o processo até que todos os animais

e grupos formem um único grupo, que seria chamado “animais” (ou, mais

corretamente, Metazoa).

Use as informações dos grupos sugeridos por cada pessoa,

para construir uma árvore fi logenética. Compare as árvores. Elas são

parecidas ou diferentes?

Compare as árvores feitas com o apresentado na Figura 2.5, que

inclui, agora, também outros organismos.

Figura 2.5: Árvore fi logenética com representantes dos principais grupos vivos na Terra.

estrela-do

-mar

peixes

anfíb

ios

marsu

piais

chim

pan

hu

man

os

vacas

baleias

aves

croco

dilo

s

igu

anas

lagarto

s

cob

ras

mo

lusco

s

crustáceo

s

lacraias

inseto

s

med

usas

espo

njas

cog

um

elos

levedu

ras

ban

anas

gram

a

coq

ueiro

s

feijões

pin

heiro

s

samam

baias

mu

sgo

s

algas verd

es

bactéria

Metazoários (animais)

Artrópodes Répteis MamíferosFungosPlantas

apenas um cotilédone na

semente

sementes encobertas

sementes

Xilema e fl oema

Cloroplastos

C

exoesqueleto

protostômios

órgãos

Sistema nervoso e circulatório

deuterostômios

vértebras

mandíbulas

dedos

B

âmnio

pêlos, sangue quente

duas fenestras no crânio

A plumasplacenta

Mitocôndria, núcleoUm ancestral comum hipotético

uma mudança de caracter herdada por todos os decendentes

Page 237: Rb214   genética e evolução

30 C E D E R J

Evolução | Evidências da Evolução

Essa árvore inclui membros de alguns dos grupos de seres vivos da

Terra. Existem 1041 (1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.

000.000.000) maneiras de se construir uma árvore com essas mesmas 30

espécies. No entanto, os agrupamentos apresentados na árvore são tão

naturais que, se déssemos a várias crianças a tarefa de classifi car esses

organismos por semelhança, elas chegariam a árvores bastante parecidas

(compare com as árvores que seus colegas e crianças fi zeram). É claro que

haveria surpresas, como talvez o grupamento das baleias com os peixes.

E a maior parte das pessoas certamente não juntaria aves com crocodilos,

apesar de sabermos hoje em dia que eles são aparentados. Mesmo assim,

as árvores construídas pelas crianças seriam, estatisticamente, altamente

correlacionadas e semelhantes à árvore fi logenética da Figura 2.5. Essa

árvore é corroborada por caracteres morfológicos, fi siológicos e por

um número enorme de caracteres moleculares independentes (genes de

várias regiões dos genomas dos organismos). Mais importante ainda:

a árvore produzida com seqüências de DNA é também corroborada

com o registro fóssil, de modo que muitos dos ancestrais hipotéticos

(os nós) da árvore são encontrados, e sua posição nas várias camadas

de rocha corresponde bem com o esperado, com base na topologia da

árvore. Essa corroboração, por métodos independentes, é uma evidência

clara da evolução dessas espécies a partir de ancestrais comuns. Se nós

tivéssemos, por exemplo, um número grande de genes apoiando a ligação

entre aves e morcegos, em vez de apoiar a união desses organismos a seus

grupos respectivos, que foram construídos claramente fundamentados

na evidência fóssil, estaríamos falseando a teoria evolutiva.

O uso da Genética Molecular tem revolucionado o estudo da

evolução. Hoje em dia, seqüências de DNA são usadas intensamente

para esclarecer as relações fi logenéticas dos seres vivos. Elas foram úteis,

inclusive, para “ver” a evolução em ação! Algumas pessoas dizem que, como

a evolução acontece tão devagar, nós não podemos vê-la, e que, por não

podermos testá-la objetivamente (fazendo uma evolução no laboratório, por

exemplo), ela não pode ser considerada uma Ciência de verdade. No entanto,

além de o argumento estar errado em princípio (senão também não seriam

ciências, por exemplo, a Física Atômica ou a História), ele também está

errado na prática, pois a evolução já foi demonstrada em laboratório.

Vejamos um exemplo: os vírus evoluem muito rapidamente, podendo

haver centenas de gerações em um ano. Assim, em 1992, foi feito um

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C E D E R J 31

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LA 2

experimento (HILLIS et al., 1992), em que uma fi logenia verdadeira foi

construída usando-se vírus bacteriófagos, que são fáceis de cultivar e se

multiplicam rapidamente (Figura 2.6).

Essa fi logenia foi feita em laboratório, a partir de uma linhagem

original que era subdividida propositadamente após um número variável

de gerações, de modo a simular eventos de especiação (na árvore é

mostrado, ao longo das linhas, o número de gerações de cada uma;

foram usados números variáveis para melhor simular a evolução de uma

população natural). Como os cientistas tinham controle total sobre essa

fi logenia, eles puderam também analisar cada um dos ancestrais (as letras

A-F e W), além das “espécies atuais” (J-R). O número possível de árvores

diferentes com essas nove espécies é maior que 135.000. No entanto,

pesquisadores independentes e que não sabiam do padrão evolutivo real

(por ter sido feito um exame às cegas) reconstruíram a árvore correta

em todos os casos, usando apenas as seqüências gênicas das linhagens

terminais (de J a R, na Figura 2.6).

Um outro exemplo foi a reconstrução do ancestral hipotético de

todos os vírus da AIDS do tipo HIV-I, feito em 1998, a partir de 111

seqüências de vírus de pessoas contaminadas. A seqüência de DNA

Figura 2.6: Evolução de vírus produzida artificialmente em laboratório. Linhagens de vírus eram separadas e reproduzidas por várias gera-ções. Depois, cada grupo era separado em dois; esses dois novos grupos eram deixados reproduzir novamente por várias gerações. Por exemplo, o cultivo do ancestral “W” foi dividido em dois, que foram deixados evoluindo inde-pendentemente. Um grupo foi reproduzido por 17 gera-ções, gerando o ancestral “E”. O outro foi reproduzido por 18 gerações, gerando o ancestral “F”. Esse processo simula a evolução de uma espécie com vários eventos de separação geográfi ca.

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32 C E D E R J

Evolução | Evidências da Evolução

desse ancestral hipotético foi comparada com outra, encontrada em

uma amostra de plasma de uma pessoa que morreu em 1959, no Congo

Belga, na África (na época, ainda não se conhecia a doença AIDS e a

morte havia sido atribuída a algum mal desconhecido). A seqüência

hipotética foi extremamente semelhante (com alta signifi cância estatística)

à seqüência de 1959 (ZHU et al., 1998).

EVIDÊNCIA 4 – AS RESTRIÇÕES EVOLUTIVAS

Uma das conseqüências da evolução é que as espécies, ao se

adaptarem a novas condições, necessariamente usam modificações

de estruturas preexistentes. Se todas as espécies houvessem aparecido

simultaneamente, suas estruturas estariam adaptadas aos seus ambientes

de maneira perfeita e independente. Por exemplo, não seria muito mais

vantajoso ter asas além das quatro patas (como aparece na fi gura mitológica

de Pégaso) a ter de escolher entre ter os membros superiores funcionando

como braços ou como asas? E não seria muito mais conveniente para as

baleias e golfi nhos se eles tivessem brânquias, em vez de necessitarem de

todas as adaptações complexas para otimizar o uso do oxigênio do ar,

mesmo vivendo no mar? No entanto, o que observamos na Natureza é

o uso surpreendente de adaptações de estruturas preexistentes, para novas

funções. Essas estruturas (como as asas dos pingüins adaptadas à natação,

ou as membranas entre os dedos das mãos dos morcegos adaptados ao

vôo) são sempre restritas pelas contingências evolutivas dos seus ancestrais

e demonstram a freqüente conservatividade morfológica na Natureza (ou,

como Linnaeus dizia, Natura non facit saltum: “Natureza não faz saltos”).

Se a evolução não existisse e as criaturas da Natureza tivessem aparecido

simultaneamente, desenhadas perfeitamente para suas funções, poderíamos

ver mamíferos com asas verdadeiras ou com penas (que são melhores

isolantes térmicos do que pêlos), aves aquáticas com nadadeiras, golfi nhos

com brânquias e aves corredoras (como o avestruz) com quatro patas, em

vez de asas vestigiais. Aliás, as estruturas vestigiais são também uma boa

evidência da evolução.

Page 240: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 33

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LA 2

EVIDÊNCIA 5 – FORMAS VESTIGIAIS

Se as espécies evoluem a partir de outras, elas herdam dessas outras

os genes que determinam seus caracteres morfológicos e bioquímicos,

mesmo que nem sempre esses genes sejam úteis às novas condições de

vida. Os caracteres que já não são úteis nas novas condições de vida das

espécies deixam de ser mantidos pela seleção natural (como você verá

na Aula 5), de modo que as mutações aleatórias que surgem nos genes

que os codifi cam não são mais eliminadas. As formas determinadas por

esses genes tornam-se, então, vestigiais.

Lamarck estava plenamente consciente de tais formas vestigiais,

mas via nelas uma evolução necessária e conseqüente do desuso. Para

Darwin, no entanto, as formas vestigiais seriam apenas uma evidência

do que acontece com as características que deixam de ser mantidas

pela seleção natural. Existem vários exemplos de formas vestigiais na

Natureza. Temos, assim, os olhos de várias espécies fossoriais (que vivem

em cavernas onde não existe luz), como algumas variedades do peixe

Astianax mexicanus e da salamandra Proteus anguinus que, apesar de

viverem em total escuridão e serem cegas, têm, ainda assim, olhos (no caso

de Proteus, os olhos, apesar de invisíveis externamente, estão escondidos

sob a pele). As jibóias, que são répteis descendentes de animais de quatro

patas, apresentam vestígios de quadris, apesar de já não terem nenhum

vestígio de pernas. Estruturas vestigiais encontram-se também em plantas.

Por exemplo, os dentes-de-leão (Taraxacum sp.) possuem sementes, mas

elas são produzidas assexuadamente; no entanto, produzem pólen como

se fossem plantas sexuadas. No caso do dente-de-leão, o pólen produzido

é perdido, e representa, assim, uma estrutura vestigial dos seus ancestrais

sexuados.

Existem também formas vestigiais diretas nos genes. No nosso

genoma, por exemplo, cerca de 20% das seqüências reconhecíveis

como codifi cantes (as “cadeias de leitura aberta”, que você aprendeu

em Genética) são de pseudogenes, que podem ser vistos como vestígios de

genes. Os pseudogenes são, em geral, produzidos pela duplicação de genes

funcionais. Essa duplicação permite o relaxamento da seleção natural em

uma das cópias, que passa a acumular mutações até não produzir mais

uma proteína funcional. Os pseudogenes, assim, não exercem sua função

original, mas servem como indicadores dos genes que já existiram. Dessa

Page 241: Rb214   genética e evolução

34 C E D E R J

Evolução | Evidências da Evolução

forma, apesar de não funcionarem, os pseudogenes de espécies próximas

são muito semelhantes. Se os nossos pseudogenes fossem mais semelhantes

aos das vacas do que aos dos macacos, por exemplo, nós teríamos

uma evidência falseadora da hipótese da origem evolutiva comum

entre nós e os outros primatas. No entanto, nos cromossomos, nós

temos praticamente os mesmos pseudogenes e nas mesmas posições,

que os macacos.

EVIDÊNCIA 6 – A HERANÇA COMUM DO INÚTIL

Como vimos anteriormente, na evidência 4, as espécies possuem

restrições às possibilidades de adaptação ao ambiente, que são

conseqüência de sua história evolutiva. Essas restrições fazem com que

as soluções encontradas pelas espécies, na sua adaptação ao meio, sejam,

freqüentemente, imperfeitas. O projeto Genoma Humano (e vários outros

projetos genoma, como o de moscas, vermes, fungos e plantas) mostrou

uma enorme redundância e a presença de uma quantidade formidável de

DNA não codifi cante. No caso de nossa espécie, por exemplo, apenas

2% de todo nosso DNA serve para produzir proteínas, enquanto 45%

do DNA total é composto de transposons que, quase sempre, não têm

nenhuma função para o organismo (você leu sobre transposons no curso

de Genética). No entanto, apesar de praticamente não terem função, a

posição de vários transposons nos cromossomos humanos é praticamente

idêntica àquela encontrada nos outros primatas. O mesmo se observa

nos íntrons (você viu íntrons no curso de Genética) que, em geral, não

têm função específi ca e apresentam altas taxas de mutação. A posição

dos íntrons é bastante conservada evolutivamente, e quase todos os

íntrons dos mamíferos encontram-se nas mesmas posições dos genes. Ter

coisas em comum com outros organismos, quando elas servem para algo,

poderia ser visto como uma evidência não da evolução, mas do encontro

de soluções comuns na criação desses organismos. Assim, o fato de nós

termos, em comum com os macacos, sangue quente e pêlos, poderia ser

visto não como evidência de que somos parentes, mas sim como evidência

de que essas características são as melhores para o tipo de vida que nós

e os macacos levamos. No entanto, ter em comum coisas que não têm

função, que sequer são expressas durante nosso desenvolvimento, é uma

evidência clara de nosso parentesco.

Page 242: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 35

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LA 2

EVIDÊNCIA 7 – A HERANÇA COMUM DO ÚTIL

Quando espécies semelhantes têm estruturas ou moléculas

semelhantes, uma explicação alternativa à ancestralidade em comum é a

convergência evolutiva. Assim, pode ser que o fato de termos cinco dedos nas

mãos, como os macacos, não esteja ligado ao fato de sermos descendentes da

mesma espécie, mas a alguma vantagem de ter cinco, em vez de quatro ou

seis dedos na mão. No entanto, se fosse demonstrado que o número de dedos

não era importante para sua função (digamos que, por exemplo, qualquer

número entre quatro e dez fosse igualmente útil), então, ter o mesmo número

de dedos poderia ser interpretado mais facilmente como evidência de origem

comum. No caso dos dedos, não temos essa evidência; no entanto, em alguns

caracteres moleculares amplamente estudados, como o gene do citocromo c

(que faz parte da cadeia de transporte de elétrons), isso já foi demonstrado.

Essa proteína existe em todos os seres vivos que usam oxigênio como aceptor

fi nal de elétrons na respiração. Curiosamente, apesar de fundamental, essa

proteína aceita ampla variação em sua seqüência, desde que respeitada sua

estrutura tridimensional. Assim, foi demonstrado que leveduras nas quais

o gene do citocromo c foi retirado conseguem sobreviver usando citocromo

c humano, apesar de as duas proteínas terem mais de 40% de diferenças

(TANAKA et al., 1989).

Estudos de modelagem em computador e confirmações

experimentais mostraram que o número de seqüências de aminoácidos,

que são igualmente efi cazes em manter a função do citocromo c, é

superior ao número de átomos no universo. Assim, não existiria nenhuma

vantagem adaptativa que pudesse explicar uma semelhança entre o

citocromo c de espécies próximas, de modo que seqüências semelhantes

seriam mais bem explicadas pela existência de um ancestral comum.

Portanto, se encontrássemos espécies consideradas muito próximas, mas

que tivessem seqüências de aminoácidos do citocromo c muito diferentes,

teríamos um falseamento da hipótese evolutiva. Quando comparamos

as seqüências de aminoácidos do citocromo c de humanos e as dos

chimpanzés, no entanto, verifi camos que elas são idênticas.

Page 243: Rb214   genética e evolução

36 C E D E R J

Evolução | Evidências da Evolução

EVIDÊNCIAS 8, 9, 10

Ao longo do curso, novas evidências lhe serão apresentadas.

Você também pode encontrar as suas, a partir da observação da Natureza

e da releitura do que já aprendeu, por exemplo, em Zoologia ou em

Bioquímica. Algumas das evidências que foram apresentadas aqui

só puderam ser percebidas a partir do desenvolvimento de técnicas

moleculares sofi sticadas, como o seqüenciamento de DNA. Outras

evidências, como o registro fóssil e o estudo de estruturas vestigiais,

já eram conhecidas no século XIX. Na próxima aula, você aprenderá

como essas evidências foram interpretadas historicamente por vários

pensadores e biólogos, e como Darwin as usou, meticulosamente, para

apresentar sua Teoria da Evolução.

A partir de ancestrais comuns, vários fatos da Natureza podem ser explicados,

de maneira simples, pela evolução. Existem evidências de vários tipos, como: a) a

estratigrafi a dos fósseis; b) a existência de fósseis de formas intermediárias entre

organismos; c) a presença dos mesmos tipos de estruturas moleculares em todos os

seres vivos; d) a corroboração das árvores fi logenéticas com evidências moleculares

e paleontológicas; e) os experimentos de evolução acelerada em laboratório com

vírus; f) as maneiras com que as espécies se adaptam ao meio, levando em conta,

cada vez, as estruturas preexistentes (e sendo contingenciadas por elas); g) as

formas vestigiais morfológicas e moleculares; h) as heranças comuns do que é

útil e do que é inútil. Essas evidências são indicações fortes, mesmo consideradas

individualmente, do padrão de ancestralidade comum dos seres vivos. Tomadas

em conjunto, elas constituem prova clara do fato da evolução biológica.

R E S U M O

Page 244: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 37

AU

LA 2

ATIVIDADES FINAIS

1. Qual seria o impacto, para a teoria evolutiva, se fossem encontrados, em todos

os estratos geológicos, fósseis idênticos de todos os tipos de animais e plantas?

2. A glicólise é uma via metabólica importante para a geração de energia. Existem

várias maneiras de se gerar energia a partir da degradação da glicose. No entanto, a

maior parte dos animais usam as mesmas enzimas, na mesma ordem, para produzir

piruvato a partir da glicose. Por quê?

3. Por que o compartilhamento de características inúteis pode ser uma evidência

mais forte do que o de características úteis para inferir relações evolutivas entre

os organismos?

RESPOSTA

Seria muito difícil sustentar a teoria evolutiva se não existisse diferenciação

estratigráfi ca entre os vários fósseis. Se encontrássemos fósseis de seres humanos

junto a fósseis de dinossauros, por exemplo, teríamos de rediscutir o conhecimento

atual da evolução dos vertebrados.

RESPOSTA

Porque essas vias metabólicas foram estabelecidas no início da evolução da

vida e foram mantidas com poucas alterações pela seleção natural nos vários

organismos.

RESPOSTA

Porque o compartilhamento de características úteis pode ser o resultado de

convergência evolutiva. Assim, o fato de morcegos e pardais terem asas ocorreu

porque, em suas evoluções, houve a convergência para uma estrutura (a asa)

que era extremamente útil na sua biologia (uma maneira mais correta de

descrever essa convergência é dizer que, dentro das linhagens das aves e dos

morcegos, organismos que tinham capacidade de vôo foram selecionados).

Page 245: Rb214   genética e evolução

38 C E D E R J

Evolução | Evidências da Evolução

4. Cite uma evidência morfológica, uma evidência bioquímica e uma evidência

genética da Evolução.

5. Em 1999, um professor dinamarquês, de Educação Física, foi acusado de ter

abusado sexualmente de alguns de seus alunos. Além dessa acusação, também

foi incriminado por tentativa de homicídio, pois sabia que era portador do vírus

da AIDS e nada fez para proteger suas vítimas da contaminação. Ele negou as

acusações, argumentando que uma de suas possíveis vítimas, um garoto de 15

anos, que também apresentava o vírus, havia sido contaminado por alguma outra

pessoa. Como a contaminação do garoto teria ocorrido três anos antes de o caso

ter vindo ao conhecimento da Justiça (quando o garoto tinha 12 anos), e como

o vírus HIV tem uma taxa de mutação muito elevada, de modo que a população

viral de cada pessoa é diferente, o tradicional argumento forense de encontrar

uma identidade total entre criminoso e vítima não podia ser usado. No entanto,

a acusação pôde, ainda assim, usar evidências moleculares nas seqüências de

dois genes do vírus, e isso foi decisivo na condenação do acusado (MACHUCA et

al., 2001). Eles determinaram as seqüências desses genes nos vírus do acusado,

da criança e de 16 outras pessoas infectadas residentes na mesma cidade, e as

compararam, também, com seqüências de bancos de dados. Que tipo de resultado

eles devem ter tido que tenha servido para convencer o júri de que o acusado

era, de fato, culpado?

RESPOSTA

Evidências morfológicas: estruturas vestigiais, evolução de características

como modifi cação de outras preexistentes (asas do morcego); evidências

bioquímicas: vias metabólicas comuns, uso do ATP como fonte de energia;

evidências genéticas: padrões fi logenéticos concordantes com o uso de genes

diferentes, posição igual de íntrons e pseudogenes.

RESPOSTA

Se o acusado fosse inocente, seria esperado que, ao se fazer uma árvore

fi logenética com as seqüências dos vírus, as seqüências do rapaz de 15 anos

se juntariam com as das outras 16 pessoas, em alguma posição aleatória na

árvore. No entanto, as seqüências do vírus do rapaz e do acusado fi caram

mais próximas umas das outras do que daquelas dos vírus de 16 pessoas da

população local. Isso demonstrou que o vírus do rapaz e o vírus do acusado

tinham origem comum.

Page 246: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 39

AU

LA 2

AUTO-AVALIAÇÃO

Existe uma quantidade enorme de evidências na Natureza para o fato da Evolução.

No entanto, freqüentemente essas evidências são negadas ou confundidas, como você

verá na aula sobre creacionismo (Aula 29 de nosso curso). Esperamos que você, nesta

aula, tenha concluído que a quantidade enorme de evidências pode ser explicada,

de maneira simples e lógica, pela evolução da vida na Terra. Se você entendeu bem

essas evidências, e é capaz de usá-las até em um bate-papo informal sobre evolução,

parabéns! Algumas das evidências apresentadas são mais simples de entender, como

o registro fóssil ou as restrições evolutivas à evolução da forma. Outras são um

pouco mais difíceis, pois exigem conhecimentos prévios sobre fi logenia ou biologia

molecular, como as evidências na evolução dos pseudogenes e dos íntrons. Talvez seja

interessante você dar uma revisada nessas partes, se tiver difi culdade em entender

essas evidências. O exercício 5 é importante, pois mostra como o conhecimento

de Evolução pode ter aplicações nas áreas mais improváveis, como numa Corte de

Justiça. Mas ele também é difícil de responder. Se você não conseguiu respondê-lo

na primeira tentativa, leia-o agora que você já viu a resposta e procure seguir a

explicação dada.

Page 247: Rb214   genética e evolução
Page 248: Rb214   genética e evolução

Histórico do estudo da Evolução

Ao fi nal desta aula, o aluno deverá ser capaz de:

• Descrever algumas das idéias evolutivas pré e pós-darwinistas.

• Explicar a novidade da Teoria Evolutiva darwiniana.

objetivos3AULA

Page 249: Rb214   genética e evolução

C E D E R J42

Evolução | Histórico do estudo da Evolução

Como você estudou na aula anterior, a diversidade de seres vivos que

observamos hoje à nossa volta, em todo o mundo, não esteve sempre aqui

e, mais do que isto, as espécies estão mudando ao longo do tempo. Contudo,

como essa mudança é muito lenta e o tempo de que falamos está numa escala

muito maior do que a que somos capazes de perceber na nossa vida diária (ver

Aula 14 do curso Diversidade dos Seres Vivos: Tempo geológico e fósseis), às

vezes é difícil imaginar como esse processo de mudança das espécies se dá

(algumas exceções são os vírus, como você estudou na aula passada).

Essa difi culdade não é só sua e, durante muito tempo, antes que pudéssemos

entender de maneira adequada esse processo de mudança, era comum

pensarmos que as espécies que vemos hoje sempre estiveram aqui, com

a mesma forma e quantidade. Esse era o tempo da “pré-história” das idéias

evolutivas, período em que a idéia de que as espécies não mudavam (conhecido

como fixismo) era dominante. Antes de começarmos a entender como é possível

as espécies mudarem ao longo do tempo e, mais que isto, como esse processo

de mudança, ao longo do tempo, foi capaz de produzir todos os seres vivos

que conhecemos hoje, mesmo aqueles já extintos, vamos estudar um pouco

a “pré-história” das idéias evolucionistas.

PRÉ-HISTÓRIA: DO FIXISMO AO LAMARCKISMO

Antes que as idéias evolutivas estivessem presentes nas explicações

a respeito da origem das espécies, a idéia hegemônica era o fi xismo.

Segundo essa concepção, que dominou quase toda a história do

pensamento ocidental, os seres vivos pertenceriam a grupos fi xos, os

quais teriam sido criados por um ou mais deuses e por ele(s) ordenados

em uma escala hierárquica imóvel, na qual a espécie humana representaria

seu ponto mais elevado.

Segundo PLATÃO (428/7-348/7 a.C.), por exemplo, a categoria

espécie estava ligada à essência das coisas, à idéia, à criação. Isto

signifi cava dizer que toda espécie viva no mundo seria uma cópia da

espécie perfeita, que existiria no mundo das idéias. Para ele, o homem

era a expressão máxima da idéia, ou seja, aquele ser, no mundo, que mais

se aproximava da perfeição. Contudo, o homem, sob o efeito de estar

no mundo (o que Platão chamava de “ação do devir”), teria sofrido um

processo de corrupção, de degeneração. Esse processo de degeneração

do homem no mundo, no tempo da Criação, teria sido responsável pela

PLATÃO Nasceu em Atenas, em 428 ou 427 a.C., de pais aristocráticos e abastados. Foi discípulo de Sócratese é uma das referências fundamentais do pensamento ocidental.

INTRODUÇÃO

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C E D E R J 43

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LA 3

produção de todos os outros seres menos perfeitos, como as mulheres, as

aves, os escravos, os animais terrestres etc. assim, tomando o homem como

a expressão mais perfeita da idéia, todos os outros seres seriam estágios

degenerativos dessa idéia perfeita. Por isto mesmo, o homem seria o senhor

de todos os outros seres vivos. Essa concepção platônica de Criação foi

reformulada por ARISTÓTELES (384-322 a.C.), que foi seu aluno.

Tendo escrito há quatro séculos da Era Cristã, Aristóteles via

a Natureza organizada gradualmente, da matéria inanimada até os

seres vivos. Contudo, ao contrário do seu mestre Platão, Aristóteles

não aceitava idéias transformistas nem mesmo na Criação; para ele, toda

variação era estática desde o começo. Os indivíduos eram a diferente

expressão do mesmo tipo e as variações observadas entre eles eram

consideradas imperfeições na expressão da Idéia. As espécies vivas,

portanto, eram fi xas desde sempre e a biodiversidade representava

apenas a expressão de uma ordem maior que existe por trás de todo o

Universo. A Natureza, e nela todos os seres vivos, era apenas uma parte

dessa grande ordem universal que Aristóteles buscava entender.

De maneira muito semelhante às idéias de Platão e Aristóteles,

o Livro do Gênesis ocupa-se com a explicação das origens. A Bíblia

estabelece a existência do Universo e de sua ordem por obra da Criação

Divina. O Jardim do Éden é o centro de criação de todas as espécies

animais e vegetais, e a espécie humana tem a prerrogativa de dominar

a Terra e todos os seus animais e plantas.

Esse conjunto de idéias, que engloba o pensamento de Platão,

Aristóteles e a Bíblia, é o que temos chamado aqui genericamente de

fi xismo, e que pode ser denominado, no campo fi losófi co, fi xismo

platônico-aristotélico e, no da religião, criacionismo judaico-cristão.

Tal conjunto é parte fundamental da nossa cultura, a cultura ocidental,

e é fortemente marcado pela noção de perfeição. Vem daí a crença de

que a Natureza é uma total harmonia, de que todos os seres vivos foram

desenhados, de que todos os órgãos e sistemas funcionam da melhor

maneira possível, etc.

As idéias do criacionismo e da imutabilidade das espécies

perduraram até o Renascimento, no século XVI, quando começaram

a ser postas em questão. No século XVIII, por exemplo, ERASMUS DARWIN

(1731-1802), avô de Charles Darwin, publica um livro intitulado

Zoonomia, no qual defende a idéia de que as espécies poderiam sofrer

ARISTÓTELES

Filho de Nicômaco, um médico, nasceu em

Estagira, Macedônia, em 384 a.C. Foi

discípulo de Platão, juntamente com quem representa

uma das referências mais importantes do

pensamento ocidental.

ERASMUS DARWIN

Naturalista inglês e avô de

Charles Darwin. Contribuiu para o

desenvolvimento do pensamento

evolucionista.

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C E D E R J44

Evolução | Histórico do estudo da Evolução

evolução. Contudo, é somente no século XIX que as idéias evolutivas

passaram a integrar defi nitivamente as concepções a respeito das espécies,

fundamentalmente, com as idéias de Lamarck.

JEAN BAPTISTE LAMARCK (1744-1829) foi o primeiro a apresentar

uma teoria elaborada a respeito da evolução das espécies. No seu livro

intitulado Philosophie Zoologique, publicado em 1809, Lamarck

defendeu que mudanças no ambiente provocariam nos seres vivos a

necessidade de modifi cação, o que induziria um processo de evolução

das espécies no sentido de se adequarem ao meio ambiente. Segundo essa

teoria, partes do corpo que fossem muito usadas se desenvolveriam. Por

outro lado, partes que não fossem usadas sofreriam atrofi a, que poderia

inclusive levar ao desaparecimento, nas gerações seguintes (Lei do uso e

desuso). O desaparecimento das partes atrofi adas e/ou o desenvolvimento

de partes muito usadas, nas gerações seguintes, é o que se chama de Lei

da herança dos caracteres adquiridos.

Em síntese, esta concepção de que os seres vivos, por força da

necessidade gerada neles pelas mudanças ocorridas no ambiente, iriam

progressivamente adequando-se ao ambiente, é o que chamamos teoria

da melhoria interna intrínseca lamarckista. Essa teoria, como você pode

notar, é fortemente marcada pela noção de progresso, ou seja, sai de cena

a idéia de perfeição, muito presente em todas as concepções fi xistas,

e entra em cena a idéia de progresso, que estará muito presente nas

primeiras idéias evolutivas.

HISTÓRIA: A TEORIA EVOLUTIVA DE DARWIN

Você, certamente, já ouviu falar de CHARLES ROBERT DARWIN (1809-

1882), naturalista inglês que deu a volta ao mundo (1832-1837) em

um navio, o HMS Beagle, e que, por conta das suas muitas observações

nessa viagem, produziu a mais importante teoria da evolução de que

temos notícia. Mais do que essa imagem popular da mídia, com artigos

de revistas, jornais, fi lmes de cinema, documentários e especiais de TV,

você já estudou um pouco da história e das idéias de Darwin nas suas

aulas dos Grandes Temas em Biologia, Diversidade dos Seres Vivos e

também nas aulas de Genética.

JEAN BAPTISTE LAMARCK

Nasceu na França, foi militar, médico e naturalista. Foi o primeiro pesquisador a oferecer um mecanismo para explicar como a evolução ocorre.

CHARLES ROBERT DARWIN

Nasceu na Inglaterra em 1809, tendo sido o mais importante naturalista de todos os tempos, devido à sua teoria de evolução, publicada em 1859, no seu livro On the origin of species.

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LA 3

A teoria evolutiva darwiniana está entre as idéias mais importantes

de toda a Biologia, fundamentalmente por dois motivos: primeiro, porque

ela tem um caráter unifi cador, ou seja, ela, assim como a teoria celular,

o conceito de gene e a própria defi nição da vida e sua origem, integra

todos os seres vivos como objeto de estudo único que a Biologia se propõe

a entender; segundo, porque a teoria evolutiva darwiniana ainda está na

base de todas as teorias evolutivas modernas. É por isto que dizemos que

a história da teoria evolutiva começa com Darwin. Antes dele, como já

vimos, tivemos aquilo que chamamos, numa metáfora, de pré-história

da evolução. Mas o que, de tão importante, Darwin escreveu no seu

livro A origem das espécies; o que nele ainda se mantém atual; qual

a novidade da teoria evolucionista darwiniana em relação a outras que

foram produzidas antes, como a de Lamarck?

QUAL A NOVIDADE?

Geralmente afi rma-se que Darwin criou a idéia de evolução, mas,

certamente, isto não foi criação de Darwin. Como já foi visto, essas idéias

existiam desde o século XVII, sendo a teoria lamarckista um belo exemplo.

Outra afi rmação comum, a respeito da teoria darwinista, é a de

que a proposição do Mecanismo de Seleção Natural seria sua grande

novidade. Contudo, a tese da Seleção Natural, como mecanismo para

evolução, já tinha encontrado outros defensores, como o próprio avô

de Charles Darwin, Erasmus Darwin. Embora seja verdade que, nos

trabalhos de Darwin, o mecanismo de Seleção Natural apareça com maior

importância e numa estrutura lógica nova, ainda assim o argumento

não era novo.

A viagem no Beagle e o conseqüente acúmulo de dados, para

corroborar suas afi rmações, é outra novidade que aponta para os

trabalhos de Darwin, mas isto também não era novidade. O escocês

ROBERT CHAMBERS (1802-1871), contemporâneo de Darwin, já havia

publicado o livro Vestígios da história natural da criação, em 1844,

que também reunia uma compilação imensa de dados para corroborar

suas idéias evolutivas. Embora os dados de Chambers fossem de origem

secundária, ou seja, compilados da literatura científi ca da época, a leitura

do seu livro não deve nada, em termos de exemplos, àqueles presentes

n’A origem das espécies. Qual seria a novidade, então?

ROBERT CHAMBERS

Nasceu na pequena cidade de Peebles,

na Escócia, em 1802, tendo sido,

na sua época, jornalista famoso

em Edimburgo, editor, autor de livros

populares e fi lósofo natural.

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C E D E R J46

Evolução | Histórico do estudo da Evolução

Uma grande revolução da teoria darwiniana foi a mudança na

forma de encarar a variação presente entre indivíduos da mesma espécie.

Até Darwin, as variações individuais eram encaradas como desvios,

como erros do tipo de cada espécie. Como já foi dito aqui, a espécie era

concebida como expressão da idéia, continha uma essência, entendida

como a chave da criação. Esta perspectiva tipológica era marcada

pela noção de perfeição. Darwin, por outro lado, encarava a variação

individual sob a perspectiva populacional. Para ele, a espécie não era mais

a expressão de um tipo perfeito, mas um grupo (ou grupos) de indivíduos

que partilhavam caracteres e tinham continuidade histórica através da

reprodução. Essa revolução é baseada numa perspectiva materialista

da variação individual, que deixou de ser tida como estática, resultado da

expressão imperfeita da idéia, ou um ruído a ser evitado na atividade de

ordenação (classifi cação) do mundo vivo, e passou a ser entendida como a

realidade do mundo biológico e o material da evolução.

A partir dessa perspectiva materialista, Darwin pôde entender o processo

de especiação como processo de conversão da variação entre indivíduos, dentro

de determinada população, em variação entre populações diferentes, no tempo e

no espaço. Esta é a segunda novidade da teoria darwinista: entender o processo

de especiação como processo de transformação de variação intrapopulacional

em variação interpopulacional.

Essas duas novidades presentes no livro A origem das espécies

têm conseqüências importantes, que foram percebidas imediatamente

e causaram muita controvérsia. Primeiro, fi cava estabelecido que a

natureza das diferenças entre as espécies era a mesma das diferenças

entre os indivíduos da mesma espécie. Essa interpretação era radicalmente

contrária ao ponto de vista tipológico que encarava as diferenças entre

as espécies como produto de variações em torno de uma essência de

origem na Criação. Segundo, se o processo de formação de novas espécies

dava-se pelo fracionamento da variação intrapopulacional em variação

interpopulacional, a regressão desse processo nos levaria a conceber uma

origem comum a todos os seres vivos que conhecemos, o que também se

contrapunha violentamente à idéia de uma criação especial.

Mais que isto, uma terceira conclusão: a evolução aconteceria

sem um propósito, seria um processo de leis simples, para o qual não

existia espaço para uma idéia de progresso. Essas conclusões eram tão

revolucionárias e ameaçadoras que, segundo relatos da época, ao ver

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C E D E R J 47

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LA 3

uma exposição de Darwin sobre sua teoria, uma dama da aristocracia

inglesa teria dito a seu marido: “Espero que a teoria do Sr. Darwin não

seja verdadeira, e se for, que não se torne muito conhecida.”

Ainda era necessário, porém, explicar que forças determinariam o

processo de divisão da variação; ou seja, qual o mecanismo da evolução.

QUAL O MECANISMO?

No Capítulo 3 de A origem das espécies, denominado Luta pela

existência, Darwin apresentou três observações e duas deduções, que

constituem uma nova roupagem para a velha idéia de Seleção Natural.

Segundo ele, na Natureza, encontramos um número de parentais muito

menor que o de descendentes (primeira observação). Senão, vejamos:

Considera-se o elefante como animal de multiplicação mais lenta.

Dei-me ao trabalho de calcular sua provável velocidade mínima

de crescimento natural. Calculando, por baixo, sua capacidade de

procriação e sua fase de fecundidade, parti do princípio de que cada

fêmea poderia dar à luz três casais de fi lhotes, iniciando sua vida

fértil aos 30 anos e encerrando-a aos 90. Assim sendo, ao fi nal de

cinco séculos, haveria, vivos, 15 milhões de elefantes, descendentes

de um único casal primitivo.

No entanto, continua Darwin, é fácil constatar que essa situação

não ocorre de fato; na realidade, o tamanho da população de elefantes

e de outras populações naturais têm-se mantido mais ou menos constante

ao longo do tempo (segunda observação). A dedução óbvia extraída

dessas duas observações é a de que existe mortalidade de descendentes

(primeira dedução).

Nesse ponto, Darwin nos fornece sua terceira observação, que

é, de fato, a grande novidade da sua teoria: existem diferenças entre os

indivíduos de uma população, diferenças estas que podem aumentar

ou diminuir as chances de o indivíduo ser bem sucedido no ambiente

(terceira observação). Diante dessas três observações e de posse da

primeira dedução, é possível entender que a mortalidade não ocorre

ao acaso, mas em função das diferenças individuais (segunda dedução);

ou seja, a mortalidade dos descendentes ocorre segundo um processo de

seleção que a Natureza opera, uma Seleção Natural.

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Evolução | Histórico do estudo da Evolução

Figura 3.1: Resumo esquemático das três observações e duas deduções de Darwin,

expostas no Capítulo 3 de A origem das espécies.

Assim, a perspectiva materialista da variação se impunha,

possibilitando uma interpretação extremamente elegante do mecanismo

de Seleção Natural. A conseqüência de assumir um mecanismo como

este, guiando a evolução, era estrondosa: um processo acéfalo, uma

evolução sem desenho. Desse modo, tinha-se, naquele momento,

uma defi nição do processo evolutivo que poderia ser resumida da seguinte

forma: descendência com modifi cação guiada por força de seleção natural.

Na seta do tempo, se seguíssemos para frente, encontraríamos o processo

de especiação e se, ao contrário, seguíssemos em direção ao passado,

encontraríamos a descendência comum de todos os seres vivos.

Esperamos que você tenha entendido o quanto a teoria darwinista da

evolução é revolucionária. Ela traz uma interpretação completamente nova do

mundo (a perspectiva materialista da variação) e possibilita o entendimento

do processo de especiação e da natureza das espécies vivas (processo de

transformação de variação intrapopulacional em interpopulacional),

conferindo ao mecanismo de Seleção Natural uma nova roupagem lógica.

Mas nem tudo são fl ores e a teoria de Darwin tinha um problema.

3 Observações

2 Conclusões1) D>P

2) N=k

3) Variação individual

A) Mortalidade

2) Seleção Natural

Onde:

D= Descendentes N= Tamanho da populaçãoP= Parentais K= Número constante

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C E D E R J 49

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LA 3

QUAL O PROBLEMA?

Para que o processo evolutivo ocorra, a primeira condição é que

haja variação presente nas populações e que esta seja herdável. De outro

modo, não é possível que haja mudança ao longo das gerações. Darwin

propunha que todos os organismos descenderiam de ancestrais comuns,

através de um processo lento e contínuo de modifi cações, dirigido pela

ação da seleção natural sobre os indivíduos. Porém, a teoria darwinista

explicava a herança das modifi cações pelo processo da PANGÊNESE, no

qual gêmulas, formadas em todas as partes do corpo, contribuiriam

para as características adquiridas. De certa forma, tal teoria era uma

atualização das idéias já formuladas por Lamarck, de herança dos

caracteres adquiridos. Deste modo, a teoria darwinista não foi capaz,

na sua época, de explicar nem a origem nem a natureza da variação, que

era o material da evolução.

Foi a redescoberta dos trabalhos de Mendel, no início do século

XX, que trouxe explicações novas sobre a herança que, daquele momento

em diante, passou a ser defi nitivamente transferida dos pais para os

filhos, através dos “fatores” hereditários. O trabalho de Mendel é

um dos primeiros a apresentar um modelo matemático preciso sobre

um fenômeno biológico, seguindo as normas do método científi co utilizado

pela Física. Uma das novidades dos trabalhos de Mendel estava no fato de

estudar-se a herança a partir de características discretas e pouco infl uenciadas

pelo ambiente. Mas tudo isto, você já viu nas suas aulas de Genética.

A genética mendeliana foi, inicialmente, encarada como um

golpe fatal no darwinismo, pois, se o darwinismo tinha a preocupação

de explicar a mudança evolutiva, o mendelismo se preocupava com

a estabilidade dos processos de herança, desprezava a variação contínua,

base do darwinismo, e enfatizava a variação discreta.

O PERÍODO NEO-DARWINISTA

A contradição entre mendelismo e darwinismo se estendeu de

1900, com a redescoberta dos trabalhos de Mendel, até a década

de 1930, quando foi estabelecida a Teoria Sintética.

O grupo dos mendelistas, geralmente, era caracterizado por

pesquisadores de tradição experimental, para os quais, o trabalho

com mutações visíveis e herança de caracteres discretos favorecia a

PANGÊNESE

Era uma hipótese criada por Darwin

para tentar explicar fenômenos como: o

atavismo (retorno nas proles atuais de características

presentes nos antepassados mas

há muito tempo desaparecidas);

as características intermediárias

apresentadas pelos híbridos (herança por mistura); e as

leis de uso e desuso e herança dos

caracteres adquiridos de Lamarck; em

suma, os mecanismos de herança. Esta hipótese aparece

pela primeira vez em 1868, no trabalho

The variation of animals and plants

under domestication. Segundo essa

hipótese, todas as células enviariam gêmulas para os

órgãos reprodutivos antes da fertilização.

Desta forma, cada célula teria uma participação na

formação da prole. O atavismo teria sua origem no retorno de

gêmulas que teriam fi cado dormentes

durante muito tempo. Os híbridos teriam gêmulas das

duas espécies que lhes deram origem. A herança de caracteres

adquiridos e o uso e desuso seriam

explicados devido ao fato de que todas

as características adquiridas enviariam

gêmulas para os órgãos reprodutivos. Esta hipótese estava

completamente errada.

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C E D E R J50

Evolução | Histórico do estudo da Evolução

AUGUST WEISMANN

Biólogo alemão, nasceu em 1834. É lembrado como o pesquisador que, entre outros trabalhos, cortou as caudas de ratinhos brancos por dezenove gerações sucessivas e, ainda assim, a cada nova geração, os ratinhos nasciam com caudas inteiras. Este experimento de Weismann demonstrou o equívoco da Lei de Herança dos Caracteres Adquiridos, de Lamarck.

permanência de um pensamento tipológico. Os darwinistas, por sua vez,

eram geralmente pesquisadores de História Natural, acostumados com a

observação da variação contínua na Natureza e, por isto mesmo, abertos

ao pensamento populacional, que era uma das grandes novidades da teoria

darwiniana. Contudo, embora a distinção entre as idéias que caracterizavam

o pensamento darwinista e mendelista pudesse ser traçada retrospectivamente

de maneira muito clara, os grupos não apresentavam, naquele momento da

História, uma distinção absoluta nas idéias por eles defendidas. Por exemplo,

o problema da natureza da herança também era uma questão importante

na contradição entre darwinistas e mendelistas. AUGUST WEISMANN (1834-

1914), um darwinista, rejeitava vigorosamente a herança das características

adquiridas. Através da sua Teoria do Plasma Germinal, explicava que

o material hereditário era composto de “determinantes” e “bióforos”, os

quais controlavam o desenvolvimento das células sexuais dos pais para as dos

fi lhos, através de uma “via germinal”. Esta teoria é fundamental na história

dos conceitos de herança, bem como na história da teoria evolutiva.

Em oposição às idéias evolutivas darwinistas, para as quais as

mudanças hereditárias são lentas e graduais, HUGO DE VRIES (1848-1935)

propôs o Mutacionismo. Nesta teoria, o surgimento das modifi cações

que permitiam a evolução biológica se fazia de maneira abrupta

e aleatória e se transmitia às gerações futuras, conferindo características

favoráveis ou desfavoráveis submetidas à seleção natural.

Além do darwinismo, mendelismo e mutacionismo, era possível

encontrar, neste momento da História, outras teorias evolutivas em

competição. Por exemplo, o geoffroyismo, com a indução de mudança

genética pelo ambiente; a ortogênese, para a qual as mudanças eram

controladas por forças intrínsecas e de maneira fi nalista, e novas formas

de lamarckismo, que além das respostas internas dos organismos induzidas

pelo ambiente, incluíam as limitações mutacionais e a seleção natural.

Este momento, na história da teoria evolutiva, em que tantas

teorias competem para explicar o fenômeno evolutivo, é chamado

Neodarwinismo. Muitos livros atuais usam Neodarwinismo como

sinônimo de Teoria Sintética da Evolução, mas isto não é muito exato.

O período Neodarwinista se caracteriza por um eclipse do darwinismo,

causado pela sua difi culdade em resolver, a contento, problemas como

o da origem e natureza da herança discutidos anteriormente.

HUGO DE VRIES

Botânico alemão, nasceu em 1848. É reconhecido como um dos redescobridores das leis de herança de Mendel e pelos seus estudos sobre mutações.

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LA 3

Figura 3.2: Resumo esquemático das idéias evolutivas da sua “pré-história” até o

período neo-darwinista.

Somente com os trabalhos teóricos de R. Fisher, J. B. S. Haldane

e S. Wright, na década de 1930 foi possível a construção da chamada

Síntese. Mas este é o assunto da nossa próxima aula.

Perfeição Progresso

Fixismo X Lamarckismo

(Fixismo platônico-aristotélico) (Evolucionismo)

(Criacionismo judaico-cristão)

Estabilidade Mudança

Mendelismo X Darwinismo

(Experimentalismo) (História Natural)

(Variação discreta) (Variação contínua)

(Pensamento tipológico) (Pensamento populacional)

+

OrtogênesisNeo-Lamarckismo

Geoffroyismo

Neo-Darwinismo

Pré-história

História

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Evolução | Histórico do estudo da Evolução

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

A partir do trabalho de pesquisadores das mais diversas áreas das Ciências

Biológicas, uma síntese coerente do mendelismo, do darwinismo, bem como

dos progressos alcançados após os trabalhos de Darwin, foi realizada. Esta

síntese passou a ser conhecida como a Teoria Sintética da Evolução. A estrutura

básica desta teoria é a de que a evolução é um fenômeno de duas faces: a

produção de variação e a escolha de variantes. Desta forma, a síntese das idéias

darwinistas com o mendelismo se deu, principalmente, na vertente da genética

de populações.

Nesta aula, estudamos que, antes das teorias evolutivas, a idéia dominante era

a de que os seres vivos não sofriam um processo de mudança. Estas idéias, que

perduram até hoje, compõem o fi xismo. O fi xismo platônico-aristotélico e o

criacionismo judaico-cristão são as versões mais importantes destas idéias para

a cultura ocidental. Vimos também que, antes da teoria darwinista, existiam

outras idéias evolutivas, mas que foi a perspectiva materialista da variação e a

interpretação do processo de especiação, como um processo de transformação

de variação intrapopulacional em variação interpopulacional, as duas grandes

novidades da teoria de Darwin. Estas novidades têm muitas conseqüências

importantes, entre elas a percepção de que a evolução ocorre pela ação de processos

naturais, como a seleção natural e que, portanto, não tem desenho. Do mesmo

modo, se olharmos para trás, por este processo, veremos que todos os seres vivos têm

um ancestral comum. A despeito de toda sua importância, a teoria darwinista tinha

um problema: explicar a origem e a natureza da variação. Por conta deste

problema, entre 1900 e 1930, outras idéias competiram com a teoria darwinista

para explicar a evolução. Entre estas explicações alternativas encontravam-se o

mutacionismo, a ortogênese e geoffroyismo.

R E S U M O

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C E D E R J 53

AU

LA 3

EXERCÍCIOS

1. Por que a perspectiva materialista da variação, trazida pela teoria darwiniana,

se contrapõe a uma visão tipológica (ou platônica) da Natureza?

2. Quais as novidades da teoria darwinista?

3. Darwin, no seu Capítulo 3 (Luta pela existência) d' A origem das espécies, dá

à Seleção Natural uma roupagem lógica nova. Quais são as observações e deduções

que ele realiza para que isto seja possível?

4. Cite outras teorias que explicam a evolução de maneira diferente da teoria

darwinista.

RESPOSTA

Porque traz uma perspectiva populacional para interpretação da variação

observada entre os indivíduos dentro das populações. Por conta disso, as

diferenças deixam de ser defeitos dos indivíduos em relação a um tipo

perfeito.

RESPOSTA

A perspectiva materialista da variação e a interpretação do processo de

especiação, como um processo de transformação de variação intrapopulacional

em variação interpopulacional.

RESPOSTA

Darwin observa que o número de parentais é, geralmente, menor que o número

de descendentes produzidos. Contudo, o tamanho das populações varia pouco,

ao longo das gerações. Diante destas duas observações, Darwin chega à sua

primeira conclusão: existe uma mortalidade. Como os indivíduos não são todos

iguais, mas variam em relação a características que podem ser importantes

para sua sobrevivência, Darwin conclui que esta mortalidade não deve se dar

ao acaso, mas por um processo de seleção natural.

RESPOSTA

Mutacionismo, geoffroyismo, ortogênese, neo-lamarckismo.

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C E D E R J54

Evolução | Histórico do estudo da Evolução

5. Geralmente, Darwin é apresentado como alguém que se contrapunha

violentamente às idéias lamarckistas de uso e desuso e herança do caracteres

adquiridos. Você concorda com esta descrição? Por quê?

RESPOSTA

Não. Darwin respeitava as idéias lamarckistas. Porque ele não tinha uma boa

explicação para a origem e a natureza da variação, usava a herança dos

caracteres adquiridos para resolver este problema da sua teoria. Inclusive, a

teoria da pangênese tem muito das idéias lamarckistas de uso e desuso.

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A nova síntese evolutiva

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Analisar as causas da contradição entre mendelismo e darwinismo.

• Explicar a natureza da síntese evolutiva.

• Descrever a teoria sintética da evolução.

objetivos4AULA

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C E D E R J56

Evolução | A nova síntese evolutiva

INTRODUÇÃO

A teoria evolutiva, tal como é entendida hoje, tem por base tanto nos trabalhos

de Darwin quanto de Mendel. Contudo, como foi visto na aula anterior, estes

trabalhos estiveram, muitas vezes, em contradição. Isto porque, enquanto o trabalho

de Darwin buscava entender o processo de mudança das espécies, o trabalho de

Mendel estava preocupado com uma explicação para herança, ou seja, era um

modelo para a estabilidade.

Já nos detivemos um pouco, na aula anterior, na história da “teoria da mudança”,

o darwinismo. Vamos falar um pouco, agora, sobre a história do “modelo da

estabilidade”, o mendelismo. No seu curso de Genética, você já estudou detalhes

da história desta ciência como um todo. Aqui estaremos nos fi xando na história

da Genética dos primeiros 30 anos do século XX, ressaltando aqueles aspectos

que são importantes para entender os problemas enfrentados para a constituição

da Teoria Sintética da Evolução.

MODELO MENDELIANO, MENDELISMO E GENÉTICA CLÁSSICA

A fundação da Genética Clássica tem três momentos importantes.

Primeiro, a constituição do modelo interpretativo da herança biológica, em

1860, com os trabalhos de GREGOR MENDEL (1822-1884). Estes trabalhos

fi caram no esquecimento por 40 anos até que, no segundo momento,

em 1900, Hugo De Vries (1848-1935), KARL ERICH CORRENS (1864-1933)

e ERICH TSCHERMAK VON SEYSENEGG (1872-1962), de forma independente,

redescobrissem os trabalhos do monge

agostiniano. O terceiro momento importante é a

constituição dos princípios básicos da Genética

Clássica, estabelecidos em 10 anos de trabalho, a

partir de 1910, pelo Grupo das drosófi las, como

era conhecido o grupo liderado pelo geneticista

THOMAS HUNT MORGAN (1866-1945), nos EUA.

Dentre os muitos aspectos revolucionários

presentes no modelo mendeliano de herança,

um aspecto interessante é que ele rompeu,

na sua época, com todos os questionamentos

PÁRA-CIENTÍFICOS a respeito da herança.

Por exemplo, na discussão a respeito da

herança dos traços de nobreza se postulava,

GREGOR MENDEL

Nasceu na Morávia, Áustria, em 1822, fi lho de pais fazendeiros. Aos 21 anos, entrou para o Monastério Augostiniano de St. Thomas, em Brünn (hoje, Brno, na República Tcheca).

KARL CORRENS

Geneticista e botânico alemão, nasceu em Munique, em 1864. Juntamente com De Vries e Tschermak redescobre os princípios da hereditariedade de Mendel.

ERICH TSCHERMAK

Agrônomo austríaco. Embora indicado como um dos três redescobridores das leis de hereditariedade de Mendel, sua contribuição é, nos dias de hoje, posta em dúvida por alguns pesquisadores da história das ciências.

THOMAS MORGAN

Geneticista americano, líder do grupos

das drosófi las na Universidade de

Columbia, Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, em 1933.

PÁRA-CIENTÍFICOS

À margem, do lado de fora da Ciência.

Page 264: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 57

AU

LA 4

freqüentemente, que o sangue, de alguma forma, poderia ser o responsável

pela transmissão dos traços hereditários (a associação do sangue às questões

de hereditariedade persiste até hoje em expressões do tipo “sangue azul” e

“cavalo puro-sangue”). Não deixa de ser irônico, portanto, que o trabalho

experimental que deu origem à nossa compreensão sobre a hereditariedade

tenha sido realizado com uma planta, a ervilha-de-cheiro Pisum sativum,

que, claramente, estava fora destas questões sanguíneas.

Outro dado interessante, a respeito do modelo mendeliano

de herança, é que ele, para funcionar, precisava assumir a existência

de entidades desconhecidas, objetos dos quais não era possível demonstrar a

existência naquele momento; os fatores hereditários, os famosos ‘A’ (azões)

e ‘a’ (azinhos). Mendel teve a coragem de imaginar, na razão, a existência

do seu objeto de estudo, um objeto novo, os fatores hereditários, mais

tarde denominados genes. Estava assim inaugurada uma ciência nova, de

um objeto novo, a Genética. Desta forma, uma das grandes novidades dos

trabalhos de Mendel foi a aventura de construir estes objetos racionais

para explicar as suas observações de como as características discretas das

ervilhas-de-cheiro estavam sendo herdadas ao longo da gerações. Mendel

não tinha como demonstrar a existência material dos fatores hereditários,

que sustentavam a realidade apenas no interior do seu modelo. A Genética

começava ali, na própria construção teórica dos fatores hereditários, que

tinham a interessante característica de estarem aos pares (mesmo sem se

conhecer, na época, o que signifi cava ser haplóide ou diplóide), e o intrigante

comportamento de se segregarem de forma independente na formação

das células reprodutivas (mesmo sem serem conhecidos, na época, os

mecanismos de mitose e meiose). O esquecimento, durante 40 anos, do

modelo mendeliano de herança pode ser devido, entre outras coisas, ao

caráter marginal e revolucionário destes trabalhos.

Logo depois da redescoberta dos trabalhos de Mendel, em 1900,

alguns cientistas tomaram, como desafi o, produzir trabalhos experimentais

de acordo com a interpretação dos fatos dada pelo modelo mendeliano

de herança. Estes trabalhos deram origem ao que chamamos grupo dos

mendelistas. Entre os mendelistas, De Vries e WILLIAM BATESON (1861-1926)

opuseram-se violentamente ao darwinismo. Infl uenciados pelos exemplos

de herança de características discretas, oferecidos pelo modelo mendeliano,

estes dois pesquisadores entendiam a evolução como um processo com base

na herança de grandes diferenças entre os organismos e com pouca infl uência

da seleção natural. Como já vimos na aula anterior, uma das versões desta

idéia daria origem ao mutacionismo.

WILLIAM BATESON

Biólogo inglês, um dos primeiros a aceitar as

leis mendelianas de herança; denominou

de Genética a nova ciência da herança

biológica.

Page 265: Rb214   genética e evolução

C E D E R J58

Evolução | A nova síntese evolutiva

HERMANN MULLER

Geneticista americano, nascido em Nova York, em 1890. Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, em 1946, pela descoberta de que as mutações podem ser induzidas por radiação.

É importante lembrar que, neste período, o modelo mendeliano

de herança, do mesmo modo que a teoria darwinista, não era

universalmente aceito. Tanto o modelo mendeliano, quanto a teoria

darwinista, estavam ainda sendo experimentados em relação a uma

gama de dados e observações já acumulados pelos pesquisadores.

Do mesmo modo, novas observações estavam sendo realizadas com o fi m

de testar as assertivas dessas duas teorias. Dessa forma, as denominações

mendelismo e darwinismo identifi cavam grupos de pesquisadores nem

sempre homogêneos em relação às suas interpretações a respeito do que

era o modelo mendeliano e a teoria darwinista. Contudo, esses grupos

partilhavam algumas características importantes em relação às suas idéias

e ao modo como realizavam o seu trabalho, o que foi descrito na aula

anterior, quando tratava do período neo-darwinista.

A aceitação geral do modelo mendeliano de herança só viria

com os trabalhos do Grupo das drosófi las, grande responsável pela

construção do que, hoje, conhecemos como Genética Clássica. Mesmo

aqui, a contradição entre mendelismo e darwinismo estava presente. Por

exemplo, Morgan não confi ava nas idéias darwinistas e sua procura de

mutantes visíveis em Drosophila era mais baseado num fascínio pelo

mutacionismo de De Vries. Do mesmo modo, interpretações lamarckistas

eram oferecidas para resultados experimentais que desviavam das

proporções mendelianas esperadas, como é o caso da expressão variável

do fenótipo de algumas mutações dominantes, como Beaded (moscas

com asas longas e estreitadas em alguns pontos). Por outro lado, HERMANN

JOSEPH MULLER (1890-1967), outro integrante do Grupo das drosófi las, era

quem tentava compatibilizar os resultados da nova ciência com as idéias

do darwinismo. No caso da mutação dominante Beaded, por exemplo,

Muller buscava explicações no efeito de interação entre os genes.

A partir deste ponto, a década de 1920, o modelo mendeliano já

tinha alcançado aceitação geral e a Genética Clássica já existia como

uma ciência bem estabelecida. E o darwinismo?

Page 266: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 59

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LA 4

NO CAMINHO DA SÍNTESE

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.

(ANDRADE, 1928)

Como já vimos, o modelo mendeliano de herança lidava com a

herança de caracteres discretos, como, no caso da ervilha-de-cheiro: a cor

da fl or, a forma da ervilha, a cor da vagem etc. Esse modelo atribuía a

herança destas características à herança de fatores hereditários (elementos

que passavam de pais para fi lhos através das células reprodutivas).

A Genética Clássica, inclusive, descrevia a organização destes fatores

(agora chamados genes) nos cromossomos como um conjunto de “contas

em um colar”.

Em contraposição à interpretação mendeliana, existia uma outra

perspectiva que estudava a herança de características contínuas (altura,

peso etc.), que apresentam pequenas diferenças entre os indivíduos de

uma população. Os pesquisadores que estudavam a herança deste tipo

de variação eram chamados de biometristas; KARL PEARSON (1857-1936) e

WALTER FRANK RAPHAEL WELDON (1860-1906) eram dois nomes importantes

da Biometria. Estes pesquisadores eram muito bons em Matemática e

desenvolveram inúmeros métodos estatísticos para descrever e estudar a

herança da variação contínua. Neste caso, os pesquisadores eram muito

mais simpáticos ao darwinismo, uma vez que a percepção da variação

que eles tinham era diferente daquela dos mendelistas, ou seja, eles viam

muita variação constituída de pequenas diferenças entre os indivíduos

dentro das populações. Contudo, os biometristas não foram capazes

de explicar a hereditariedade com a mesma efi ciência, simplicidade e

elegância do modelo mendeliano.

KARL PEARSON

Nasceu em Londres, em 1857, membro de uma família de classe média alta.

Estudou Matemática na Universidade

de Cambridge. Conhecido estatístico,

desenvolveu os testes de qui-quadrado.

WALTER WELDON

Pesquisador inglês, colaborador de

Pearson e um dos fundadores da revista

Biométrica.

Page 267: Rb214   genética e evolução

C E D E R J60

Evolução | A nova síntese evolutiva

Para a teoria evolutiva, portanto, um dos principais problemas

era compatibilizar uma genética atomística, que encarava o organismo

como um conjunto de características discretas sendo herdadas de

maneira invariante com a variação contínua presente nas populações

naturais, que era descrita pelos pesquisadores de História Natural e

estudada pelos biometristas. Em 1918, RONALD AYLMER FISHER (1890-1962)

publicou um artigo onde demonstrava que todos os resultados obtidos,

pelos biometristas, para herança de características de variação contínua

poderiam ser derivados do modelo mendeliano, sendo necessário, para

tanto, assumir a contribuição de vários locos e vários alelos com interação

aditiva, nos casos mais simples. Um problema estava resolvido, menos

uma pedra havia no meio do caminho.

O outro problema dos darwinistas era demonstrar que a seleção

natural poderia operar sobre populações mendelianas, de modo a

produzir os efeitos esperados pela teoria evolutiva darwiniana. Este

problema foi resolvido na década de 1930, com os trabalhos teóricos

de R. A. Fisher, SEWALL WRIGHT (1889-1988) e JOHN BURDON SANDERSON

HALDANE (1892-1964). O trabalho destes três teóricos demonstrou que era

possível entender o processo evolutivo como um processo de mudança das

freqüências gênicas dentro das populações. As idéias de Fisher, Haldane

e Wright, que possibilitaram a síntese, foram sumarizadas e publicadas

por volta de 1930. Fisher publicou o livro The genetical theory of natural

selection, em 1930. Haldane também publicou um livro, The causes of

evolution, em 1932. O livro de Haldane contém uma série de palestras

de divulgação da teoria evolutiva realizadas por ele e, ao fi nal, um

apêndice, no qual ele resume sua teoria matemática da seleção natural.

Wright, de modo diverso, publicou em 1931 um longo artigo, Evolution

in mendelian populations, na revista Genetics.

Não havia mais pedra no meio do caminho; a contradição

entre mendelistas e darwinistas estava superada. A teoria darwinista

tinha, então, aquilo que estava faltando: um bom modelo de herança,

uma explicação sólida para origem e natureza da variação. A síntese

entre darwinismo e mendelismo estava realizada e, desde então, nunca

esqueceremos este acontecimento.

TRÊS GIGANTES

O caminho percorrido desde a contradição entre os trabalhos de

Mendel e Darwin até a teoria sintética da evolução ainda é controverso.

RONALD FISHER

Matemático inglês, nascido em Londres, em 1890, e um dos pais da Teoria Sintética da Evolução.

SEWALL WRIGHT

Geneticista americano e um dos pais da Teoria Sintética da Evolução, na sua vertente da genética de populações.

JOHN HALDANE

Geneticista inglês, um dos pais da Teoria Sintética da Evolução.

Page 268: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 61

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LA 4

Ernest Mayr (1904-), por exemplo, acredita que a teoria sintética não teve

origem no trabalho dos bean bag geneticists (geneticistas dos saquinhos

de feijão, como ele chama os pesquisadores de genética de populações,

em contraposição aos pesquisadores de História Natural). Segundo ele,

a teoria sintética seria o resultado de uma síntese do campo dos estudos

de História Natural (sistemática, paleontologia, genética experimental) e

o evolucionismo de tradição darwinista. Neste sentido, os trabalhos de

THEODOSIUS DOBZHANSKY (1900-1975), GEORGE GAYLORD SIMPSON (1902-1984)

e dele mesmo teriam tido um papel crucial na defi nição da nova síntese.

Embora o trabalho destes cientistas tenha tido, incontestavelmente,

grande impacto ao estender a síntese como um teoria unifi cadora em

Biologia, acreditamos que o coração da teoria sintética da evolução

tenha sido, de fato, a capacidade de entender o modelo mendeliano não

como uma teoria da estabilidade, mas como um modelo que poderia

ser visto também como uma ciência do movimento e da mutabilidade.

Neste aspecto, não existe dúvida de que a genética de populações foi

a disciplina que melhor estabeleceu esta nova visada, abrindo caminho

para um entendimento mais profundo do processo evolutivo, por meio da

teoria sintética. O trabalho destes três gigantes da genética de populações,

Haldane, Fisher e Wright, foi o que defi niu a síntese evolutiva.

O trabalho dos três gigantes foi, ao mesmo tempo, unifi cado e

diferente. Fisher, em 1930, e Wright, em 1931, construíram sistemas

teóricos distintos para explicar o processo evolutivo. Fisher se concentrou

em uma teoria geral da seleção natural, que demonstrava o efeito da

seleção natural sobre pequenas mutações em populações muito grandes.

A idéia de Wright, por outro lado, interpretava o processo evolutivo

como ocorrendo em populações estruturadas (pequenas populações da

mesma espécie, separadas no espaço, mas não isoladas), de modo que

as oscilações ao acaso das freqüências gênicas tivessem um efeito na

diferenciação destas pequenas populações. Segundo ele, isto possibilitaria

às espécies explorar diferentes situações adaptativas (este tema será

melhor discutido no Módulo 2 do curso de Evolução, na Aula 19, sobre

Adaptação e Adaptacionismo). O sistema construído por Fisher era

matematicamente simples e facilmente testável; entretanto, era também

extremamente reducionista, ignorando as complexas interações entre os

genes no genótipo e destes com o ambiente. O sistema de Wright, por

outro lado, levava em consideração as complexas interações gênicas,

ERNEST MAYR

Alemão, nasceu em 1904 e continua

produtivo. Reside atualmente nos EUA.

THEODOSIUS DOBZHANSKY

Nasceu na Ucrânia, em 1900, e estudou na

Universidade de Kiev (Rússia). Em 1927, foi

para a Universidade de Columbia, nos

EUA, naturalizando-se americano, em 1937.

G. G. SIMPSON Nasceu em Chicago,

em 1902, e é conhecido pela sua

contribuição para a síntese evolutiva.

Page 269: Rb214   genética e evolução

C E D E R J62

Evolução | A nova síntese evolutiva

especialmente a epistasia, e dava atenção ao poder da deriva genética

de criar alterações rápidas nas freqüências gênicas (você vai estudar

os efeitos da deriva nas Aulas 10 e 11 deste módulo), sendo, por isto

mesmo, uma fonte interessante de novidades evolutivas. O modelo de

Wright, contudo, apesar de extremamente interessante, tinha que lidar

com um número de variáveis imenso, o que o tornou, até hoje, um modelo

impossível de ser transcrito matematicamente, tendo fi cado como um

modelo muito mais verbal do que matemático.

Haldane, de maneira diferente dos seus dois contemporâneos,

não construiu um sistema totalizante para entender a evolução, mas

se debruçou sobre questões que eram cruciais para a superação da

contradição entre mendelismo e darwinismo. Estas questões eram:

1) As diferenças entre as espécies são, de fato, da mesma natureza

das diferenças entre as populações?

2) Como opera a seleção natural?

3) Como é possível que evolução não adaptativa possa existir?

4) Como o confl ito de interesses entre gametas, indivíduos e

populações podem ser solucionados no processo evolutivo?

De certa forma, neste curso de Evolução, ao longo das nossas

aulas, estaremos ainda nos debruçando sobre estas questões e estudando

as respostas para elas.

BRAÇOS FORTES

Inspirados na síntese entre mendelismo e darwinismo, muitos

pesquisadores iniciaram programas de pesquisa com o intuito de entender o

processo evolutivo. Duas colaborações são muito interessantes neste período.

Theodosius Dobzhansky, nos Estados Unidos, iniciou pesquisas

com moscas-da-fruta, do gênero Drosophila, nos laboratórios de Thomas

Morgan. O seu programa de pesquisa envolvia tanto o trabalho no

campo, com populações naturais, quanto o trabalho experimental,

com cruzamentos controlados e a utilização de marcadores genéticos

de mutantes visíveis. Este trabalho deu origem à memorável série de 43

artigos científi cos intitulados “Genética das Populações Naturais”, que

se estendeu de 1937 até 1975. Este programa de pesquisa teve a íntima

colaboração de Sewall Wright, com quem Dobzhansky publicou vários

artigos e trocou volumosa correspondência. Contudo, talvez a obra

Page 270: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 63

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LA 4

mais importante de Dobzhansky, para divulgação da teoria sintética da

evolução, tenha sido o seu livro Genetics and origin of species, publicado

primeiramente em 1937, mas que teve uma série de edições. Ao fi nal

destas edições, este livro se transformou no seu outro livro Genetics of

the evolutionary process, que pode ser encontrado em português (como

Genética do processo evolutivo) e é uma leitura muito interessante.

Edmund Brisco Ford (1901-1988), no Reino Unido, iniciou

programa de pesquisas semelhante àquele desenvolvido por Dobzhansky.

Seus trabalhos envolviam o estudo da ação da seleção natural em

populações naturais, especialmente de mariposas. Ford chamou o seu

campo de pesquisas de Genética Ecológica e publicou, em 1964, um livro

homônimo, no qual sumarizava os resultados dos seus muitos anos de

pesquisa. Os trabalhos de HENRY BERNARD DAVIS KETTLEWELL (1901-1979),

com a mariposa Biston betularia, é um dos mais famosos estudos da área

de genética ecológica (rever o sumário destes estudos nas suas aulas do

curso de Grandes Temas em Biologia). O programa de pesquisas de Ford

tinha a colaboração de Ronald Fisher. Um dos estudos em colaboração

destes dois pesquisadores buscava demonstrar que o efeito da deriva

genética não era importante nas mudanças evolutivas observadas na

mariposa Panaxia dominula. Obviamente, uma das motivações que

animava esta pesquisa era a discordância, entre Fisher e Wright, na

maneira de interpretar o processo evolutivo.

Além dos trabalhos na área da genética experimental, realizados

por Dobzhansky e Ford, outros pesquisadores foram muito importantes

na extensão da síntese a todos os campos da Biologia. Ernest Mayr, por

exemplo, publicou, em 1942, seu livro Systematics and the origin of

species, no qual combate o conceito tipológico de espécie. Segundo o

conceito tipológico, as espécies seriam grupos de organismos homogêneos

morfologicamente. Esta semelhança entre os indivíduos era medida

em função de um indivíduo-tipo. Desta forma, todas as espécies

teriam alguns indivíduos semelhantes ao tipo, e outros, desviantes.

Os indivíduos desviantes seriam produto de alguma forma de erro. Mayr,

no seu livro, defende uma visão populacional de espécie, fundamentada

na perspectiva darwinista da variação e nos fundamentos dos estudos

da genética de populações. O processo evolutivo, como já vimos, se

dá pelas alterações de freqüências gênicas em populações mendelianas.

A espécie, então, passa a ser o conjunto de populações que trocam genes

HENRY KETTLEWELL Formou-se em

Medicina; só mais tarde, a Entomologia

seria sua atividade principal quando, então, realizou os

seus famosos estudos sobre o melanismo

industrial.

Page 271: Rb214   genética e evolução

C E D E R J64

Evolução | A nova síntese evolutiva

quando se reproduzem. Como existem muitos genótipos diferentes nestas

populações, a noção de tipo não tem nenhum sentido biológico

nessa perspectiva populacional do que vem a ser uma espécie.

A mesma perspectiva populacional foi aplicada por G. G. Simpson

à Paleontologia, no seu livro Tempo and mode in evolution, publicado

em 1944. Na década de 1930, era comum que os paleontologistas

explicassem a evolução dos fósseis por processos ortogenéticos. Por esta

hipótese, as espécies evoluiriam seguindo determinados padrões defi nidos

por tendências internas e hereditárias. Esta hipótese está relacionada

diretamente ao lamarckismo, mas radicaliza suas idéias, no sentido de que

as “tendências” internas eram defi nidas independentemente do ambiente.

Simpson, no seu livro, defende que nenhuma observação do registro

fóssil depende de tais forças ortogenéticas para sua explicação; pelo

contrário, todas estas observações podem ser facilmente interpretadas

com os mecanismos da genética de populações defendidos por Fisher,

Haldane e Wright.

A TEORIA SINTÉTICA DA EVOLUÇÃO

Como você percebeu, a teoria sintética da evolução foi produto do

trabalho de pesquisadores das mais diversas áreas das Ciências Biológicas,

que compatibilizaram os progressos alcançados na Genética e na História

Natural. Esta síntese passou a ser conhecida como a Teoria Sintética

da Evolução. A estrutura básica desta teoria é a de que a evolução é

um fenômeno de duas faces: a produção de variação e a escolha de

variantes. Assim, podemos classifi car os fatores evolutivos em dois

grupos. Primeiro, as fontes de variação, aquelas que criam variação

nova (mutação), concorrem para o aumento da variedade de combinações

(recombinação) ou disseminam a variação presente (migração ou fl uxo

gênico). A segunda diz respeito às fontes de alteração da variação, que

podem ser sistemáticas (como a seleção natural, migração e mutação)

ou estocásticas (ou aleatórias, como a deriva genética e desvios ao acaso das

pressões sistemáticas). Desta forma, a síntese das idéias darwinistas com o

mendelismo se deu, principalmente, na vertente da genética de populações.

Como você já estudou, a constituição genética dos indivíduos

(genótipo) e o problema das leis governando a sua herança constituem

o objeto de estudo da Genética. A genética de populações, por sua vez,

Page 272: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 65

AU

LA 4

está preocupada com o estudo dos genótipos de grupos de indivíduos,

as populações, e como esta constituição genética pode mudar ao longo

das gerações. A mudança da composição genética das populações, ao

longo das gerações, constitui o processo evolutivo e, por isto mesmo,

estudar genética de populações é também estudar o processo evolutivo.

Assim, o trabalho de medir e caracterizar a variação gênica presente em

populações naturais, bem como o entendimento dos mecanismos que

determinam o seu padrão de distribuição nas populações, é condição

fundamental para se estudar e entender o processo evolutivo.

O processo evolutivo tem como resultado a ramifi cação das

diferenças, seja entre indivíduos dentro da mesma população, populações

dentro da mesma espécie, espécies dentro do mesmo gênero e assim por

diante. O processo de diferenciação das populações dentro de uma mesma

espécie pode levar àquilo que chamamos de especiação. A especiação,

como você já deve ter notado, é um dos temas mais importantes dentro

do estudo da evolução; não é por acaso que o livro de Darwin se chamava

A origem das espécies. Você verá especiação, em detalhe, na Aula 24

de nosso curso.

Para terminar esta aula, gostaríamos de tirar duas conclusões

importantes a respeito do processo evolutivo, como o temos visto até

aqui. Primeira, que a evolução é um fato natural, inapelável, tanto quanto

a gravidade. Isto, porque, como a evolução, em última análise, resulta

de mudanças nas freqüências gênicas, e, como a deriva genética, que é a

ação do acaso, modifi ca as freqüências gênicas de populações naturais de

seres vivos; então, é impossível pensar em uma população que não esteja

evoluindo. Não é necessário nem mesmo a seleção natural para que isto

ocorra, embora a sua existência facilite e otimize o processo.

Page 273: Rb214   genética e evolução

C E D E R J66

Evolução | A nova síntese evolutiva

Segunda conclusão: como a evolução pode ser feita

fundamentalmente com base apenas em forças como a ação do acaso

(mutação, recombinação) e da seleção natural, ou seja, atendendo a

pressões imediatas do ambiente, o processo evolutivo não possui um

planejamento. De fato, para gerar toda a biodiversidade observada hoje,

o processo evolutivo dependeu de um período de tempo muito longo e

de muitas extinções. Logo, idéias como aquelas geralmente associadas

ao processo evolutivo, como perfeição e progresso, não são adequadas.

Sabemos que estas conclusões perturbam um pouco (talvez muito), mas

era importante que a gente falasse delas, mesmo que você, neste momento,

ainda não tenha muito clara a extensão que elas possuem. Esperamos

que, ao fi nal do curso de evolução, estas conclusões se imponham com

mais segurança a você. Para resumir tudo o que a gente falou aqui neste

item sobre a Teoria Sintética, dê uma olhada na Figura 4.1, pois ela

mostra os aspectos mais importantes da teoria sintética da evolução e

representa o processo de especiação alopátrica.

Figura 4.1: Resumo esquemático dos aspectos mais importantes da Teoria Sintética da Evolução, representando, ao fi nal, o processo de especiação por isolamento geográfi co.

Produção dos variantes

Recombinação

Mutação

Migração

Pouco determinista Adaptação por seleção natural

Especiação sem tônica adaptativa

Escolha dos variantes

Seleção Natural

Deriva Genética

Especiação Alopátrica

Espécie ancestral variação gênica

Populações co-específi cas

isoladas

Populações co-específi cas com

diferença signifi cativa na freqüência dos

genes

Populações co-específi cas com

diferentes genes fi xados

Espécies descendentes

TEORIA SINTÉTICA

Isolamento

geográfi co

Migração

Recombinação Mutação

SN

DG

SN

DG

Seleção Natural (SN)

Deriva Genética (DG)

Page 274: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 67

AU

LA 4

Nesta aula, vimos que a Teoria Sintética da Evolução é um fenômeno de duas

faces: a produção de variação (mutação, recombinação, migração) e a escolha de

variantes (seleção natural e deriva genética). Contudo, estudamos também que,

“no meio do caminho” da síntese havia alguns problemas como, por exemplo,

explicar a herança de caracteres de variação contínua pelo modelo mendeliano

de herança e demonstrar que a seleção natural poderia produzir as mudanças

evolutivas defendida pelos darwinistas.

Estes problemas foram resolvidos pelo trabalho teórico de Fisher, Haldane

e Wright. Logo após isto, a teoria sintética da evolução foi estendida para

todas as áreas da Biologia por pesquisadores como Dobzhansky, Mayr, Simpson,

Stebbins, Ford e outros. Desde então, a Teoria Sintética da Evolução é a teoria

mais abrangente da Biologia, unifi cando as observações realizadas nas suas mais

diversas áreas.

R E S U M O

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Como já vimos, nestas quatro primeiras aulas, a variação é o material da evolução,

logo, é também aquilo que é preciso estudar para se entender a evolução. Na

próxima aula, estaremos começando a usar as ferramentas teóricas da genética

de populações para descrever a variação.

EXERCÍCIOS

1. Quais as duas pedras no caminho da constituição da síntese evolutiva?

RESPOSTA

A primeira “pedra” era compatibilizar a genética mendeliana de herança

de caracteres discretos e invariantes com a variação contínua presente nas

populações naturais. A segunda “pedra” era demonstrar que a seleção natural

poderia operar sobre populações mendelianas, de modo a produzir os efeitos

esperados pela teoria evolutiva darwiniana.

Page 275: Rb214   genética e evolução

C E D E R J68

Evolução | A nova síntese evolutiva

2. Qual a diferença de perspectiva entre mendelistas e biometristas, com

relação à variação nas populações naturais?

3. A teoria darwiniana tinha um problema: sem variação de natureza herdável,

não há evolução! Como o modelo mendeliano, na teoria sintética, resolve esta

questão?

4. A Teoria Sintética propõe que a evolução seja um processo que se dá pela ação

de mecanismos que produzem variação e mecanismos que diminuem variação

nas populações naturais. Enumere os mecanismos para cada um destes casos.

RESPOSTA

A primeira “pedra” era compatibilizar a genética mendeliana de herança

de caracteres discretos e invariantes com a variação contínua presente nas

populações naturais. A segunda “pedra” era demonstrar que a seleção natural

poderia operar sobre populações mendelianas, de modo a produzir os efeitos

esperados pela teoria evolutiva darwiniana.

RESPOSTA

A variação de origem recombinacional é imensa e sufi ciente para fornecer

material para evolução.

RESPOSTA

Os mecanismos que produzem a variação são: recombinação, mutação, seleção

natural e migração. Os mecanismos que diminuem a variação são: deriva

genética e seleção natural.

Page 276: Rb214   genética e evolução

Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações,

modelos e introdução ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

Pré-requisito

Para acompanhar mais facilmente esta aula, é importante que você reveja alguns conceitos das aulas sobre padrões

de herança (Aula 9 da disciplina Genética Básica), estrutura de DNA e cromossomos (Aulas 4, 6 e 8 da disciplina Biologia Molecular), espécie e diversidade

biológica (disciplina Diversidade dos Seres Vivos).

objetivos

Meta da aula

Apresentar a disciplina Genética de Populações e os conceitos de freqüências gênicas e genotípicas.

5AULAAo fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Descrever os conceitos e os mecanismos da Genética de Populações.

• Demonstrar a idéia de que a Evolução é o estudo da origem e destino da variação genética sobre o espaço e o tempo, em uma população com habilidade de se reproduzir.

• Defi nir as noções e a importância do cálculo das freqüências gênicas e genotípicas.

• Aplicar as condições de equilíbrio das freqüências gênicas e utilizar cálculos simples (Teorema de Hardy-Weinberg) para predizer freqüências em populações naturais.

Page 277: Rb214   genética e evolução

70 C E D E R J

Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

INTRODUÇÃO Nesta aula, vamos falar um pouco mais sobre a diversidade genética dos organismos

e sobre como podemos estudar essa diversidade, não de forma isolada, mas, sim,

em um grupo de organismos. A disciplina que estuda a variabilidade genética

em um grupo de indivíduos é a Genética de Populações. Para entendermos os

conceitos e mecanismos da Genética de Populações, vamos começar revisando

alguns termos que já são nossos conhecidos.

DIVERSIDADE GENÉTICA

A Genética de Populações estuda as diferenças genéticas que

ocorrem naturalmente entre os organismos (Figura 5.1). As diferenças

genéticas comuns entre organismos da mesma espécie são chamadas

polimorfi smos genéticos. O termo divergência genética é utilizado para

defi nir essas diferenças que se acumulam entre espécies distintas. A

Genética de Populações também pode ser defi nida como o estudo de

polimorfi smos e divergências.

Figura 5.1: Exemplo de polimorfi smos que ocorrem naturalmente entre os organismos.

GENÓTIPO E FENÓTIPO

Lembrando as aulas do curso de Genética Básica, já sabemos que

o termo gene refere-se a uma entidade física transmitida dos pais para os

fi lhos durante o processo reprodutivo, e que infl uencia os traços (caracteres)

hereditários. O conjunto de genes presentes em um indivíduo constitui o seu

genótipo. O fenótipo é a expressão física ou bioquímica do genótipo.

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C E D E R J 71

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LA 5

LOCO E ALELO

Nós aprendemos, também, que os genes podem existir em diferentes

estados ou formas alternativas chamadas alelos. Assim, alelos

diferentes codifi cam cadeias polipeptídicas ligeiramente diferentes.

A posição de um gene ao longo de um cromossomo é chamada loco

do gene (Figura 5.2). Na maior parte das plantas e animais (eucariotos

superiores), como os humanos, por exemplo, cada célula contém duas

cópias de cada tipo de cromossomo, uma cópia herdada da mãe, através

do óvulo, e outra herdada do pai, através do espermatozóide. Esses

organismos, nos quais os cromossomos estão presentes em pares, são

chamados diplóides. Assim, em qualquer loco, cada indivíduo contém

dois alelos – um em cada posição correspondente (homóloga) no

cromossomo de origem materna e paterna.

Como você viu na disciplina Genética Básica, caso os dois alelos de

um loco sejam quimicamente idênticos (expressem um mesmo fenótipo),

o organismo é dito homozigoto para este loco. Caso os dois alelos de

um loco sejam quimicamente distintos (expressem fenótipos distintos),

o organismo é dito heterozigoto para este loco.

Figura 5.2: Imagem de um cromossomo indicando um determinado loco gênico.

!Relembre os experimentos de Gregor Mendel, o “pai” da Genética, aquele que formulou as leis fundamentais da herança. Releia as Aulas 4 e 5 da disciplina Genética Básica.

CROMOSSOMO

DNA

LOCOS GÊNICOS

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72 C E D E R J

Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

POPULAÇÕES

O foco do estudo da Genética de Populações é a população natural,

defi nida como a população em que os indivíduos estão em cruzamento

sexual e compartilhando um POOL de genes (Figura 5.3).

Entendemos como pool de genes a soma total dos genes existentes nos

gametas reprodutivos de todos os indivíduos da população. Nas populações,

herdam-se as freqüências dos genes, ou gênicas, em vez de genes.

Em Genética de Populações, a palavra 'população' normalmente

não se refere a uma espécie, mas a um grupo de indivíduos da mesma

espécie, vivendo em uma área geográfi ca restrita, de maneira que qualquer

membro possa acasalar com outro membro (desde que sejam de sexos

opostos...).

Figura 5.3: Modelo de população de coelhos, com vários indivíduos vivendo em uma área geográfi ca restrita.

GENES NA POPULAÇÃO

As populações são as unidades básicas da alteração evolutiva e, para

entender e explicar as forças que produzem alterações nelas, será necessário

adequar nosso conhecimento da genética mendeliana às populações.

! Lembre-se dos conceitos de seleção natural, de acordo com a teoria de Charles Darwin, que aprendemos na disciplina Diversidade dos Seres Vivos.

PO O L

É uma palavra inglesa, que traduzida literalmente signifi ca "poça" ou "charco". No texto, a palavra pool é utilizada no sentido de um conjunto de genes.

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C E D E R J 73

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LA 5

As populações ditas mendelianas ou 'demes' têm continuidade

genética tanto no tempo como no espaço; no espaço, por causa

do intercruzamento de seus membros e, no tempo, por causa das

interconexões reprodutivas entre as gerações.

Podemos imaginar uma espécie sendo composta de várias

populações mendelianas, cada uma tendo algumas conexões genéticas

com a subseqüente, formando uma série de unidades de transição inter-

relacionadas.

Estas populações genéticas têm dois atributos importantes: as

freqüências gênicas e o conjunto gênico.

No estudo das populações mendelianas, muitas descobertas básicas

ocorreram a partir do momento em que as populações de genes passaram

a ser focalizadas, no lugar de populações de indivíduos.

Os genes mantidos pelos indivíduos em uma deme são considerados,

coletivamente, um conjunto de genes (em inglês: seu pool gênico). Este

conjunto de genes torna-se temporariamente disperso pelos indivíduos da

população, na forma de um conjunto de determinados genótipos.

A composição genética da população pode ser descrita, para qualquer

loco gênico, em termos das freqüências de seus alelos ou genótipos.

FREQÜÊNCIAS GENOTÍPICAS

Para descrever a constituição genética de um grupo de indivíduos,

teremos de especifi car seus genótipos e dizer quantos eles são de cada tipo.

Examinaremos apenas um loco gênico que pode existir em dois

estados, ou alelos, chamados de A e a. Em uma população diplóide, três

genótipos seriam possíveis:

Genótipos AA Aa aa

A constituição genética desse grupo seria completamente descrita

pela proporção, ou percentagem, de indivíduos pertencentes a cada tipo

de genótipo; em outras palavras, pelas freqüências dos três genótipos

entre os indivíduos (freqüências genotípicas).

Se, por exemplo, encontrarmos um quarto dos indivíduos no

grupo sendo AA, a freqüência desse genótipo será 0,25, ¼ ou 25%.

Naturalmente, as freqüências somadas de todos os genótipos devem se

igualar à unidade (1) ou 100%.

Page 281: Rb214   genética e evolução

74 C E D E R J

Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

Uma população, no senso genético, não é somente um grupo de

indivíduos, mas um grupo de parceiros ou casais. A Genética de Populações

envolve não somente a constituição genética dos indivíduos, como, também, a

transmissão dos genes de uma geração para a seguinte. Nessa transmissão, os

genótipos dos pais são 'quebrados' (já que cada genitor passa, através de seu

gameta, somente um dos seus alelos para o fi lho) e um novo jogo de genótipos

é constituído na prole (Figura 5.4).

Assim, os genes carregados por uma população têm continuidade de uma

geração para outra, mas os genótipos onde os genes aparecem não têm.

Figura 5.4: Esquema de um cruzamento mostrando os dois indivíduos parentais (mãe 1 e pai 2) e a prole (fi lho 3, fi lho 4 e fi lha 5), com os genótipos identifi cados.

FREQÜÊNCIAS GÊNICAS

A freqüência gênica ou alélica de um determinado alelo, dentre

um grupo de indivíduos, é defi nida como a proporção (%) de todos os

alelos de um loco de determinado tipo. A soma das freqüências gênicas

em uma população deve ser igual a um (1), devido ao fato de cada

freqüência gênica ser uma proporção do total.

A freqüência gênica em um determinado loco, dentre um grupo

de indivíduos, pode ser determinada a partir do conhecimento das

freqüências genotípicas. Por exemplo, suponha que existam dois alelos,

A e B, onde A codifi ca para manchas marrons e B codifi ca para manchas

pretas, nas asas de uma espécie de borboleta, e que nós classifi camos 100

borboletas, contando os números de cada genótipo, como segue:

Aa Aa

Aa aa AA

1 2

3 4 5

Ambos os pais produzem gametas dos tipos A e a.

Genótipo AA AB BB TOTAL

Número de

borboletas 30 60 10 100 borboletas

Nº de alelos A 60 60 0 120 alelos

Nº de alelos B 0 60 20 80 alelos

Page 282: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 75

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LA 5

Cada indivíduo contém dois genes; assim, nós contamos 200 genes

representativos nesses locos. Cada indivíduo AA contém dois alelos A

(homozigoto) e cada indivíduo AB contém um alelo A (heterozigoto). Logo,

existem 120 alelos A e 80 alelos B na amostra. A freqüência do alelo A é 60%

ou 0,6 (ou seja, 120 alelos divididos pelo número total de alelos, que é 200)

e a freqüência do alelo B é 40% ou 0,4 (80 divididos por 200 alelos).

Para expressar essas relações de uma forma mais geral, vamos

considerar:

Genótipo AA AB BB TOTAL

Número de genótipos n1 n2 n3 = N

Se n1, n2 e n3 são os números dos três genótipos na população,

então, as freqüências gênicas serão:

Freqüência do alelo A = p = 2n1 + n2 = n1 + ½ n2

2N N

Freqüência do alelo B = q = 2n3 + n2 = n3 + ½ n2

2N N

Ou seja, a freqüência de um determinado alelo em uma amostra

é igual a duas vezes o número de genótipos homozigotos para o alelo

(porque cada homozigoto carrega duas cópias do alelo) mais o número

de genótipos heterozigotos para o alelo (porque cada heterozigoto carrega

uma cópia), dividido por duas vezes o número total de indivíduos na

amostra (porque cada indivíduo carrega dois alelos em cada loco).

Se representarmos a freqüência do alelo A por p e a freqüência do alelo B por q, teremos, então, p + q = 1.

As freqüências gênicas podem variar com o tempo e o espaço ou

podem manter-se estáveis. A situação na qual as freqüências permanecem

constantes é chamada equilíbrio genético. O equilíbrio genético pode

ser defi nido como a manutenção da freqüência dos alelos, em um

mesmo valor, em gerações sucessivas. Essa é uma condição na qual as

freqüências dos alelos não aumentam nem diminuem, ocorrendo, então,

a manutenção da variedade genética de uma população. Em seguida,

estudaremos em detalhes as condições de equilíbrio genético.

Page 283: Rb214   genética e evolução

76 C E D E R J

Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

ATIVIDADES

Exercício 5.1

A mariposa Panaxia dominula apresenta uma geração por ano. Na

Inglaterra, existem três formas que as diferem entre si: pela quantidade

de pintas brancas nas asas superiores, de cor preta, e na quantidade de

preto nas asas inferiores vermelhas. Sabe-se, a partir de experimentos

de cruzamentos, que as diferenças de pigmentação são causadas por

diferenças alélicas em um único loco (essa única diferença gênica com

dois efeitos fenotípicos é um exemplo de pleiotropia). O sistema é co-

dominante, ou seja, o heterozigoto é um intermediário entre ambos

os homozigotos. O genótipo A1A1 é o que apresenta muitas pintas

brancas, A1A2 é o heterozigoto e A2A2 é o genótipo com a asa superior

mais escura (menos pintas brancas). Entre os anos 1939 e 1970, foi

coletado um determinado número de mariposas de cada genótipo:

A1A1 = 17.062 A1A2= 1.295 A2A2 = 28

Calcule as freqüências genotípicas e gênicas na população de

mariposas.

______________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

________________________________________________________

RESPOSTA

Freqüências genotípicas:

Número total de mariposas = 18.385

A1A1 = 17.062/18.385 = 0.928

A1A2 = 1.295/18.385 = 0.070

A2A2 = 28/18.385 = 0.002

Note que a soma de todas as freqüências genotípicas sempre corresponde à

unidade ou 100% (0.928+0.070+0.002 = 1).

Freqüências gênicas:

Número total de cópias dos genes 18.385 x 2 = 36.770 alelos

A1 = (17.062 x 2) + (1.295 x 1) = 35.419; f A1 = 35.419/36.770 = 0.963

A2 = (28 x 2) + (1.295 x 1) = 1.351; f A2 = 1.351/36.770 = 0.037

Note que a soma das freqüências gênicas sempre corresponde à unidade ou

100% (0.963+0.037 = 1).

Page 284: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 77

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LA 5

HETEROZIGOSIDADE

O termo heterozigosidade refere-se a uma medida da variação

genética em uma população, com relação a um loco. Essa medida refl ete

a freqüência de heterozigotos para esse loco. Tal estimativa é muito útil

para avaliarmos a diversidade genética de uma população natural (Figura

5.5). No caso do exemplo da espécie de borboleta, vemos que, das 100

borboletas, 60 foram heterozigotos (AB), ou seja, sua heterozigosidade

observada (Ho) foi de 60%.

Quando se estima a heterozigosidade em mais de um loco, pode-

se calcular também a heterozigosidade média, que é a média aritmética

simples de todas as heterozigosidades.

Exercício 5.2

Considere o gene humano CCR5, que codifi ca para um co-receptor

de macrófagos para o HIV-1, agente causador da AIDS. Os genótipos

homozigotos para uma deleção de 32 aminoácidos (CCDR5-∆32) são

extremamente resistentes à infecção pelo HIV-1. Em uma amostra de

294 parisienses estudados para os alelos + (normal) e ∆32 (deleção), os

números de indivíduos com cada genótipo foram os seguintes:

+/+ = 224 pessoas +/∆32 = 64 pessoas ∆32 / ∆32 = 6 pessoas

Calcule as freqüências genotípicas e gênicas.

______________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

RESPOSTA

Freqüências genotípicas:

Número total de indivíduos: 294

+/+ = 224/294 = 0.762

+/∆32 = 64/294 = 0.218

∆32/∆32 = 6/294 = 0.020

Page 285: Rb214   genética e evolução

78 C E D E R J

Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

Além da heterozigosidade observada diretamente na amostra,

podemos também estimar qual heterozigosidade a população terá na

próxima geração, se os efeitos de outras forças evolutivas (basicamente, a

mutação ou a seleção natural) forem muito pequenos. Essa heterozigosidade,

chamada “heterozigosidade esperada” (He), é uma medida útil da

variabilidade populacional, pois depende menos do tamanho amostral,

refl etindo melhor a variabilidade real da população.

Enquanto a Ho é calculada a partir das freqüências genotípicas,

a He é calculada a partir das freqüências gênicas, da seguinte forma:

considere um loco com dois alelos A e B, com respectivas freqüências p e

q (p + q = 1). Suponha que a freqüência real de genótipos heterozigotos na

população, no presente momento, é representada por H. Se a população

estivesse em equilíbrio genético (ainda nesta aula, veremos a situação

de Equilíbrio de Hardy-Weinberg ou, abreviadamente, EHW) para este

gene, a freqüência de genótipos heterozigotos seria igual a 2pq.

Assim, He = 2pq. No caso do nosso exemplo das borboletas, a

heterozigosidade esperada seria He = 2 x 0,6 x 0,4 ou He = 0,48 ou 48%.

Observe que esse valor é inferior ao valor observado (Ho= 0,60). Existem

maneiras de se verifi car se a diferença entre os valores observados e

esperados da heterozigosidade é estatisticamente signifi cativa ou não. Uma

diferença signifi cativa entre os dois valores pode indicar que a população

está sob efeito da seleção natural ou de outros fatores evolutivos.

Dessa forma, podemos avaliar, por exemplo, se uma população de

uma área sob impacto ambiental teve sua He diminuída ou não e tomar

as devidas precauções quanto à conservação da variabilidade genética

dos organismos desta região.

De acordo com a defi nição

de heterozigosidade, essa estimativa

é feita para um determinado loco.

A variabilidade genética não é

uniforme para todos os locos;

portanto, um loco pode ser

altamente polimórfico, ou seja,

muito variável, enquanto outros,

do mesmo indivíduo, apresentem

baixa variabilidade.

POPULAÇÃO 01

POPULAÇÃO 02

Figura 5.5: Esquema apresentando duas populações: com baixa (popu-lação 01) e alta heterozigosidade (população 02), em relação a um loco que determina número de manchas na pelagem de coelhos.

Page 286: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 79

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LA 5

MODELOS

Nesta aula, defi niremos 'modelo' como simplifi cação intencional

de uma situação complexa, designada para eliminar detalhes exagerados,

de modo a focar o essencial.

Em Genética de Populações, lidamos com fatores como tamanho

de população, padrões de acasalamento, distribuição geográfica de

indivíduos, mutação, migração e seleção natural (sobrevivência diferencial

ou sucesso reprodutivo). Embora desejemos, em última instância, entender

os efeitos combinados de todos esses fatores, eles são tão numerosos e

interagem de modos tão complexos que, normalmente, não podem ser

compreendidos de uma vez. Situações mais simples então são usadas, de

forma que poucos fatores identifi cáveis possam ser analisados e, outros,

negligenciados. Isso se chama "redução" das variáveis, e essa abordagem

chama-se reducionismo.

Um modelo freqüentemente usado em Genética de Populações

é o modelo matemático, que constitui um conjunto de hipóteses

que especifi cam relações matemáticas entre medidas ou quantidades

mensuráveis (parâmetros) que caracterizam uma população.

Os modelos matemáticos podem ser extremamente úteis. Eles

expressam precisamente a quantidade hipotética de relação entre

parâmetros, revelam quais parâmetros são os mais importantes em um

sistema e sugerem experimentos críticos ou observações. Servem como

guias para a coleção, organização e interpretação dos dados observados,

além de fazerem predições quantitativas sobre o comportamento do sistema

que podem, dentro de limites, ser confi rmadas ou refutadas como falsas.

Modelos matemáticos são sempre mais simples do que as situações

reais para as quais eles foram designados como elucidativos. Várias

características do sistema real são intencionalmente deixadas fora do

modelo, já que incluir todos os aspectos do sistema pode fazer o modelo

tornar-se muito complexo e inexeqüível. A construção de um modelo

sempre envolve compromisso entre realismo e gerenciamento. Um

modelo completamente real será provavelmente complexo demais para

ser manuseado matematicamente, enquanto um modelo matematicamente

simples pode ser tão fora da realidade que se torna inútil. Idealmente, um

modelo deve incluir todos os caracteres essenciais do sistema e excluir os

não-essenciais. O quanto um modelo é bom ou útil depende do quanto

ele está próximo da situação ideal.

Page 287: Rb214   genética e evolução

80 C E D E R J

Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

Um dos mais importantes modelos matemáticos em Genética de

Populações lida com organismos que têm uma história de vida muito

simples, chamada gerações não sobrepostas. Neste modelo, os indivíduos

de cada geração morrem antes de os membros da geração seguinte se

reproduzirem. Esse modelo se aplica, literalmente, apenas a plantas

anuais e alguns invertebrados de vida curta. Nesses organismos, todos

os membros de uma geração nascem ao mesmo tempo, amadurecem e

alcançam a maturidade sexual em sincronia, cruzam simultaneamente e

morrem imediatamente após produzirem a nova geração.

A chave da simplifi cação está no fato de que, em qualquer tempo,

todos os membros da população terão a mesma idade, e nenhum

indivíduo sobrevive de uma geração para a seguinte. Esse modelo é

freqüentemente utilizado em Genética de Populações como uma primeira

aproximação para populações que possuem histórias de vida mais

complexas. Embora, à primeira vista, o modelo pareça grosseiramente

simplista, os cálculos de freqüências genotípicas esperadas com base neste

modelo são adequados para vários propósitos, e muitas vezes constituem

aproximações satisfatórias para populações com história de vida longa

e complexa, como em humanos.

O cálculo das freqüências genotípicas, a partir do conhecimento

das freqüências alélicas ou gênicas, torna-se direto quando consideramos

um modelo de gerações não sobrepostas.

As freqüências genotípicas são determinadas, em parte, pela

maneira como os parceiros sexuais são formados. A chance de um

indivíduo apresentar um dado alelo é a freqüência desse alelo na

população (assim como a chance de um indivíduo, escolhido ao

acaso, ser fl amenguista é a freqüência de fl amenguistas na população).

Assim, na condição de acasalamento ao acaso, a probabilidade de dois

genótipos formarem um par sexual é igual ao produto das suas respectivas

freqüências genotípicas.

É importante guardar na memória que o cruzamento pode ser

ao acaso (randômico) em relação a alguns traços (caracteres), mas não

randômico com respeito a outros, na mesma população. Em populações

humanas, por exemplo, os cruzamentos são ao acaso em relação à

maior parte dos polimorfi smos de DNA, fenótipos de ISOZIMAS, grupos

sangüíneos e muitas outras características, mas o cruzamento é não-

randômico com respeito a outros traços, como cor de pele e altura.

IS O Z I M A S

Formas funcionalmente similares de enzimas, codifi cadas por diferentes locos gênicos ou por diferentes alelos no mesmo loco. A eletroforese de proteínas, migração de proteínas sob infl uência de um campo elétrico, é um dos métodos mais baratos e efetivos de revelação de distintos fenótipos de isozimas. Você verá este assunto com mais detalhes na Aula 8 desta disciplina.

GO D F RE Y HA RO L D HA RD Y (1877 - 1947)

Famoso matemático britânico que publicou mais de 300 artigos científi cos. Hardy foi chamado “o maior matemático britânico do século XX”. Suas principais contribuições foram nas áreas da Matemática Pura e Teoria dos Números. Seu artigo de 1908, que fi cou conhecido como Lei de Hardy-Weinberg, foi o único na área de Genética. Hardy nunca encontrou Weinberg e não tinha conhecimento do trabalho do alemão, quando escreveu seu artigo publicado no mesmo ano.

Page 288: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 81

AU

LA 5

As freqüências genotípicas são infl uenciadas também por várias

forças evolutivas, inclusive mutação, migração e seleção natural. Neste

ponto do nosso curso, essas forças evolutivas serão consideradas ausentes

ou de pequena magnitude, pois estamos começando com os modelos

mais simples. As freqüências genotípicas são afetadas por fl utuações

estatísticas ao acaso, que ocorrem em todas as populações pequenas,

mas, por enquanto, partiremos da suposição de que cada população

local seja sufi cientemente grande para que os efeitos das populações

pequenas sejam irrisórios.

O PRINCÍPIO DE HARDY-WEINBERG

O modelo populacional com o qual se começou, em grande

parte, a pensar em Genética de Populações é conhecido como Lei de

Hardy-Weinberg. Este nome se refere a duas pessoas, GODFREY HARDY,

matemático, e WILHELM WEINBERG, físico. Em 1908, eles publicaram artigos

independentes sobre o assunto.

Para entendermos essa Lei, imagine uma população de organismos

diplóides que possuem dois alelos A e B em um determinado loco, e que

a freqüência de A = p e a de B = q, onde p + q = 1,0. Nessa população

hipotética, vamos admitir que:

1) Os genitores se cruzam ao acaso, em relação a esses alelos (isto

é, em panmixia).

2) A população é infi nitamente grande e, portanto, erros de

amostragem ou deriva genética são desprezíveis.

3) Não ocorrem mutação, migração ou seleção.

Na população de organismos diplóides, existirão três tipos de

genótipos: AA, AB e BB. Esses indivíduos produzirão dois tipos de células

sexuais, ou gametas: aqueles com A e aqueles com B. As freqüências

desses tipos de gametas serão as mesmas que as freqüências gênicas p e

q, na geração que os produz. As freqüências dos genótipos resultantes

WI L H E L M WE I N B E R G (1862

– 1937)

Médico alemão. Na verdade, Weinberg não

era um acadêmico, mas um prático e

obstetra com grande experiência, atuando

na cidade de Stuttgart, Alemanha. Enquanto

Hardy só deixou uma contribuição na Genética, Weinberg trabalhou com esta

disciplina durante toda sua vida. Mesmo com a vida agitada da prática

médica, Weinberg publicou um número

de artigos fundamentais em diversos tópicos da

Genética: estudo de gêmeos, mutações em

humanos, estatística médica e aplicação das leis de herança

para populações. Seu trabalho mais famoso nesta última área, que fi cou conhecido como

Lei de Hardy-Weinberg, foi publicado em 1908,

alguns meses antes do artigo de Hardy.

Weinberg desconhecia o trabalho de Hardy.

O mais importante modelo populacional é conhecido como Equilíbrio de Hardy-Weinberg (EHW). Nesta disciplina, utilizamos os termos Lei, Modelo, Postulado, Princípio, Teorema e Teoria de Hardy-Weinberg como sinônimos de EHW.

Page 289: Rb214   genética e evolução

82 C E D E R J

Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

podem ser calculadas pela combinação, ao acaso (multiplicação), de

pares de gametas:

Gametas femininos

A B

p q

A AA AB

Gametas masculinos p p2 pq

B AB BB

q qp q2

A partir dos dados apresentados, vemos que as freqüências

genotípicas da geração seguinte serão:

Genótipo: AA AB BB

Freqüência: p2 2pq q2

Tais freqüências genotípicas dependem somente das freqüências gênicas

nos genitores, e não de suas freqüências genotípicas. Diz-se que tal população

está em Equilíbrio de Hardy-Weinberg, ou equilíbrio sob panmixia.

Usando a equação que diz que a freqüência gênica do alelo A (p)

mais a freqüência gênica do alelo B (q) é igual a um (p + q = 1), vemos

que a freqüência de A, nessa população, é:

Freqüência A = p2 + (2pq)/2 = p2 + p(1-p) = p

Do mesmo modo, pode-se demonstrar que a freqüência de B é

igual a q. Portanto, na geração seguinte, as freqüências genotípicas serão

ainda p2:2pq:q2. Sob esse equilíbrio, portanto, as freqüências gênicas e

genotípicas permanecem constantes de geração para geração.

Em 1908, o EHW foi uma demonstração muito importante, por

haver provado matematicamente que, na ausência de forças evolutivas,

a variação gênica não decresce. Note, também, que as proporções de

Hardy-Weinberg serão atingidas em apenas uma geração de cruzamentos

ao acaso (observando-se os três conjuntos de condições já assinalados),

independentemente das freqüências genotípicas originais.

A relação entre freqüências genotípicas e freqüências gênicas para

dois alelos, em uma população em Equilíbrio de Hardy-Weinberg, pode

ser representada grafi camente (Figura 5.6).

Page 290: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 83

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LA 5

A Genética de Populações estuda as diferenças genéticas que ocorrem naturalmente

entre os organismos de populações naturais, defi nidas como aquelas em que ocorre

cruzamento sexual e compartilhamento de um pool de genes. Tais populações têm

continuidade genética tanto no tempo como no espaço, por causa do intercruzamento

de seus membros e das interconexões reprodutivas entre as gerações.

Essas populações têm dois atributos importantes: freqüências gênicas e conjunto

gênico. A constituição genética é descrita pela proporção (%) de indivíduos

pertencentes a cada genótipo (freqüências genotípicas). A freqüência gênica ou

alélica de um determinado alelo em um grupo de indivíduos é defi nida como a

proporção (%) de todos os alelos de um loco que são de determinado tipo. As

freqüências gênicas podem variar com o tempo e com o espaço.

O equilíbrio genético pode ser defi nido como a estabilidade na freqüência dos

alelos, ao longo de sucessivas gerações, garantindo a manutenção da variabilidade

genética de uma população. O termo heterozigosidade refere-se a uma medida

da variação genética em uma população, com relação a um loco, refl etindo a

freqüência de heterozigotos para esse loco. Essa estimativa é útil na avaliação da

diversidade genética de uma população natural. A genética não é uniforme para

todos os locos. Assim, um loco pode ser altamente polimórfi co, enquanto outros,

do mesmo indivíduo, apresentam baixa variabilidade.

Freq

üên

cia

gen

otí

pic

a

Freqüência gênica de A2

Figura 5.6: Relação entre freqüências genotípicas e freqüências gênicas para dois alelos em uma população em Equilíbrio de Hardy-Weinberg.

R E S U M O

Page 291: Rb214   genética e evolução

84 C E D E R J

Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

AUTO-AVALIAÇÃO

Você conseguiu fazer os exercícios sem olhar o gabarito? Sim? Ótimo! Você está

preparado para a próxima aula. Não? Volte ao exemplo das borboletas e releia,

com calma, o processo de resolução. Aplique o mesmo procedimento para os

exercícios: é só substituir as borboletas por mariposas ou genes humanos. Caso

ainda persistam dúvidas, recorra ao seu monitor e não passe à aula seguinte sem

se sentir seguro no cálculo de freqüências gênicas e genotípicas.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, estudaremos com profundidade o Princípio de Hardy-Weinberg,

suas aplicações e implicações.

Os modelos matemáticos são simplifi cações intencionais de uma situação complexa

e podem ser extremamente úteis em Genética de Populações. O principal modelo

populacional na Genética de Populações é a Lei de Hardy-Weinberg, determinando que

as freqüências gênicas e genotípicas permanecem constantes, de geração para geração,

desde que o conjunto de três condições seja respeitado: 1) cruzamento ao acaso; 2)

população infi nitamente grande; 3) ausência de mutação, migração ou seleção.

Page 292: Rb214   genética e evolução

Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Descrever a Lei de Hardy-Weinberg, suas aplicações e implicações.

• Executar o cálculo das freqüências gênicas e genotípicas, e também do teste do qui-quadrado.

Pré-requisito

Para acompanhar esta aula, é essencial que você domine o cálculo das

freqüências gênicas e genotípicas que aprendemos na Aula 5 da disciplina

Evolução.

objetivos

Meta da aula

Apresentar as aplicações e conseqüências do Equilíbrio de Hardy-Weinberg (EHW) em

uma população.

6AULA

Page 293: Rb214   genética e evolução

86 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

Nesta aula, vamos falar sobre a aplicação do conceito do equilíbrio das

freqüências, as implicações desse princípio e como testar se determinada

população está em equilíbrio.

O Princípio de Hardy-Weinberg proveu os fundamentos para diversas teorias e

investigações experimentais em Genética de Populações. Contudo, esse teorema

não é infalível e sua aplicabilidade não é universal.

Apesar da virtude da simplicidade do Modelo de EHW, por que alguém

consideraria um modelo fundamentado nessas condições restritivas (tamanho

infi nito da população, cruzamento ao acaso e sem o efeito de ação das forças

evolutivas) e aparentemente incorretas?

Por que o EHW, um modelo tão simples, pode ser considerado fundamental?

Entre diversas razões, duas são as principais:

1) o Modelo de Hardy-Weinberg é um referencial, no qual não existem

forças evolutivas atuando, a não ser aquelas impostas pelo processo de

reprodução.

Esse modelo fornece uma linha básica de comparação com modelos mais reais,

em que as forças evolutivas atuam alterando as freqüências dos alelos.

2) o Modelo de Hardy-Weinberg separa o ciclo de vida de um organismo

em dois intervalos: 2.1) a junção dos gametas formando um zigoto, gametas

→ zigotos, e 2.2) o desenvolvimento do zigoto em adulto, expressando

determinado fenótipo, zigotos → adultos (Figura 6.1).

Na construção de modelos mais complexos e reais, podemos freqüentemente

introduzir complicações na segunda etapa do ciclo de vida (zigotos → adultos),

considerando os efeitos de migração na população ou de sobrevivência

diferenciada entre os genótipos.

Com todas as fontes de mudança nas freqüências de alelos, causadas pela

componente de transição zigotos → adultos, a componente gametas → zigotos,

partindo do princípio da união ao acaso dos gametas, acompanha e resulta na

proporção de Hardy-Weinberg entre os zigotos.

Em outras palavras, o modelo de Hardy-Weinberg é fundamental para que

abordagens de acompanhamento das freqüências de alelos e genótipos, através

do tempo, possam ser generalizadas para situações mais reais.

INTRODUÇÃO

!Lembre-se dos conceitos e das vantagens da utilização de modelos matemáticos que vimos na aula passada!!

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C E D E R J 87

AU

LA 6

Figura 6.1: Representação esquemática do ciclo de vida de um organismo, em que os gametas formarão os zigotos, que se desenvolvem nos adultos. Esses, por sua vez, apresentam determinado fenótipo e produzem os gametas da geração seguinte, fechando, assim, o ciclo.

Gametas

Zigoto

Adulto

Gametas

fenótipo

A junção de dois gametas (n) origina

o zigoto (2n)

O zigoto se desenvolve e origina um adulto com determinado fenótipo

Cada adulto ao atingir a maturidade sexual produz

milhares de gametas

n

n

2n

n

n

Page 295: Rb214   genética e evolução

88 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

IMPLICAÇÕES DO PRINCÍPIO DE HARDY-WEINBERG

Uma das implicações mais importantes do princípio de Hardy-

Weinberg surge quando calculamos a freqüência de alelos p' e q' de A

e a na geração seguinte.

Em outras palavras, a freqüência de alelos na geração seguinte é

exatamente a mesma da geração anterior: a freqüência de alelos permanece

a mesma, geração após geração, quando ocorre acasalamento ao acaso.

Da mesma forma, as freqüências genotípicas serão p2, 2pq, q2 para

os genótipos AA, Aa e aa, respectivamente, em qualquer geração.

A constância da freqüência de alelos e conseqüentemente da

composição genotípica da população signifi ca que, na ausência de

forças evolutivas específi cas para modifi car as freqüências dos alelos, o

mecanismo da herança mendeliana, por si só, mantém as freqüências dos

alelos constantes e, assim, preserva a variabilidade genética.

Freqüência de genótipos Freqüência da proleCruzamento de cruzamentos AA Aa aa

AA x AA D2 1 0 0AA x Aa 2DH ½ ½ 0AA x aa 2DR 0 1 0Aa x Aa H2 ¼ ½ ¼Aa x aa 2HR 0 ½ ½aa x aa R2 0 0 1

Totais (geração seguinte) D´ H´ R´

Onde: D´ = D2 + 2DH/2 + H2/4 = (D + H/2)2 = p2

H´ = 2DH/2 + 2DR + H2/2 + 2HR/2 = 2(D + H/2)(R + H/2) = 2pq R´= H2/4 + 2HR/2 + R2 = (R + H/2)2 = q2

p´ = (2D´ + H´)/2 = (2p2 + 2pq)/2 = p(p + q) = p q´ = (2R´ + H´)/2 = (2q2 + 2pq)/2 = q(q + p) = q

!O conceito mais importante do Equilíbrio de Hardy-Weinberg é a constância das freqüências gênicas e genotípicas, ao longo das gerações.

Page 296: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 89

AU

LA 6

APLICAÇÕES DO PRINCÍPIO DE HARDY-WEINBERG

Existem três situações em que a aplicação da Lei de Hardy-Weinberg

é muito útil.

1) Para calcular a freqüência gênica de um alelo recessivo.

2) Para calcular a freqüência de ´portadores`.

3) Para testar o Equilíbrio de Hardy-Weinberg.

A primeira situação seria para calcular a freqüência gênica de

um alelo recessivo. Essa freqüência pode ser determinada a partir da

freqüência genotípica, desde que se conheça a natureza da herança e a

seqüência dos três tipos de genótipos. No caso de herança dominante

com dominância completa, o heterozigoto não pode ser distinguido do

homozigoto dominante; portanto, não podemos calcular as freqüências

gênicas. No entanto, se os genótipos estiverem nas proporções da Lei

de Hardy-Weinberg, não há necessidade de conhecer as freqüências dos

três tipos de genótipos. Se a, por exemplo, for um alelo recessivo com

freqüência igual a q, então, a freqüência de homozigotos aa é igual

a q2, e a freqüência gênica é igual à raiz quadrada da freqüência do

homozigoto recessivo.

Exemplo 6.1

O albinismo é a expressão fenotípica de um genótipo recessivo

homozigoto. Uma fonte avalia que a freqüência de albinos na população

norte-americana é de 1 em 20.000. Que percentagem da população é de

heterozigotos para este gene?

RESOLUÇÃO

A freqüência de homozigotos recessivos é igual a q2 = 1/20.000 =

0,00005; assim, a raiz quadrada deste valor é igual a q = 0,007. Sabemos

que p + q = 1,0, de modo que, se q = 0,007, p = 1 - 0,007 = 0,993.

Tendo os valores das freqüências gênicas p e q, é fácil calcular a

freqüência de heterozigotos para o alelo do albinismo. Pela Teoria de

Hardy-Weinberg, sabemos que a freqüência de heterozigotos é igual a

2pq, então, 2pq = 2 x 0,993 x 0,007 = 0,013902 ou aproximadamente

1,4% (1 em 71 pessoas).

Page 297: Rb214   genética e evolução

90 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

Exemplo 6.2

A ALCAPTONÚRIA, que resulta da expressão do homozigoto de um

gene autossômico recessivo, ocorre em cerca de 1 em 1 milhão de pessoas.

Qual a proporção de 'portadores' heterozigotos na população?

RESOLUÇÃO

Da mesma forma que no exemplo anterior, a freqüência de

homozigotos recessivos é igual a q2 = 1/1.000.000 = 0,000001. Então,

q = √0,000001 = 0,001 e p = 1 - 0,001 = 0,999. A freqüência de

heterozigotos é igual a 2pq = 2 x 0,999 x 0,001 = 0,001998 (2%) ou

cerca de 1 em 500 pessoas.

A segunda situação seria calcular a freqüência de 'portadores'.

É muito comum o interesse em conhecer a freqüência dos

heterozigotos ou 'portadores' de anormalidades recessivas. Esse cálculo

pode ser efetuado se a freqüência do gene é conhecida e se assumirmos

o Equilíbrio de Hardy-Weinberg (EHW), em que a freqüência de

heterozigotos entre todos os indivíduos, incluindo homozigotos, será

dada pela equação: 2q(1-q). Entretanto, algumas vezes é mais relevante

conhecer a freqüência entre indivíduos normais, embora não seja muito

diferente se os homozigotos recessivos forem raros. A freqüência de

heterozigotos entre indivíduos normais (H') é a razão das freqüências

genotípicas Aa/(AA + Aa), em que a é o alelo recessivo. Assim, quando

q é a freqüência de a,

H´ = 2q(1-q) = 2q

(1-q)2 + 2q(1-q) 1 + q

ALCAPTONÚRIA

É um distúrbio hereditário, resultante de um erro inato do metabolismo (uma enzima– cujo gene sofreu mutação – que não executa mais sua função), e que se caracteriza pelo escurecimento da urina causado por acúmulo de ácido homogentísico (similar à melanina).

Page 298: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 91

AU

LA 6

Exemplo 6.3

Vamos aplicar a fórmula apresentada nos casos de albinismo e

alcaptonúria:

1) Para o albinismo, onde q = 0,007, temos que H’ = 2q/1 + q

= 2 x 0,007 / 1 + 0,007 = 0,013902 ou aproximadamente 1,4% (1 em

71 pessoas).

2) Para a alcaptonúria, onde q = 0.001, temos que H’ = 2q/1 + q =

2 x 0,001 / 1 + 0,001 = 0,001998 (2%) ou cerca de 1 em 500 pessoas.

A terceira situação seria testar o Equilíbrio de Hardy-Weinberg.

Se existem dados para um loco onde todos os genótipos são reconhecíveis,

a freqüência dos genótipos observada na população real pode ser testada

para a concordância ou não com uma população em EHW. De acordo com

a Lei de Hardy-Weinberg, a freqüência genotípica da prole é determinada

pela freqüência gênica em seus pais. Se a população estiver em equilíbrio,

a freqüência gênica é a mesma nos pais e na prole; assim, a freqüência

gênica observada na prole pode ser usada como se fosse a freqüência gênica

parental para calcular as freqüências genotípicas esperadas pela Lei de Hardy-

Weinberg.

TESTE DO QUI-QUADRADO

O mero fato de as freqüências genotípicas observadas poderem

adequar-se ao EHW não pode ser considerado evidência de que todas

as suposições do modelo sejam válidas.

O princípio não é muito sensível a certos desvios das suposições,

particularmente àqueles envolvendo um grande tamanho de população

com ausência de migração, mutação ou seleção. Por outro lado, a

relativa insensibilidade a desvios de suas suposições fornece ao princípio

alguma segurança, porque signifi ca que o EHW pode ser válido para

uma primeira aproximação, mesmo quando uma ou mais suposições

são violadas.

O teste mais utilizado para checar a adequação (validade) de

dados observados no EHW é o teste do qui-quadrado. Esse teste é

normalmente simbolizado por X2 e, sob a hipótese do EHW, o X2 possui

uma distribuição aproximada de qui-quadrados.

Page 299: Rb214   genética e evolução

92 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

Aplicações do teste do X2 podem ser ilustradas pelo exemplo dos

parisienses analisados para o polimorfi smo da deleção (∆32) no gene

CCDR5. Foram listados 224 homozigotos +/+, 64 heterozigotos +/∆32

e 6 homozigotos ∆32 / ∆32. As freqüências dos alelos p para + e q para

∆32 foram estimadas, anteriormente, como sendo <p> = 0,871 e <q>

= 0,129. Com o EHW para essas freqüências de alelos, as freqüências

genotípicas esperadas são p2 = (0,871)2 = 0,758; 2pq = 2(0,871)(0,129)

= 0,225 e q2 = (0,129)2 = 0,017. Multiplicando cada valor pelo tamanho

da amostra, 294 pessoas (224 + 64 + 6), os resultados esperados são

22,9, 66,2 e 4,9. Essa conversão é necessária porque o teste do qui-

quadrado deve ser fundamentado em números observados e não em

razões ou proporções. A comparação é entre números observados (obs)

e esperados (esp):

obs 224 64 6 Total = 294

esp 222,9 66,2 4,9 Total = 294

O valor do X2 é calculado como:

onde o símbolo Σ signifi ca a soma de todas as classes de dados, neste

caso, dos três genótipos. No nosso exemplo:

Associado a qualquer valor de X2 está outro número chamado ́ graus

de liberdade` para este X2. Em geral, o número de graus de liberdade (gl)

associado a um X2 é igual ao número de classes dos dados (nesse exemplo,

3) menos o número de parâmetros estimados (porque calculamos o p como

1 – q) menos 1 (porque a decisão fi nal entre duas variáveis não permite

liberdades). Por exemplo, em uma loja de sapatos você pode calçar vários

pares, na ordem e combinação que desejar. No entanto, ao calçar o último

par não há mais liberdade de escolha, já que, se você calçou o pé esquerdo

primeiro, será obrigado a calçar o pé direito depois. Não há escolha para o

último pé de sapato, ou seja, não há liberdade. Assim, o número de graus

de liberdade para o nosso valor de X2 é 3 – 1 – 1= 1.

A real avaliação da adequação é dada pela fi gura de interpretação

de teste de qui-quadrado (Figura 6.2).

Xobs esp

esp2

2

=−∑ ( )

X22 2 2224 222 9

222 964 66 2

66 26 4 9

4 90 32= − + − + − =( , )

,( , )

,( , )

,,

,

Page 300: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 93

AU

LA 6

Figura 6.2: Relação entre os valores de probabilidade (P) com qui-quadrado (X2), segundo o número de graus de liberdade (gl).

Para utilizar a fi gura do qui-quadrado, ache, primeiro, o valor

do X2 ao longo do eixo horizontal; então, siga verticalmente, a partir

deste valor, até achar a interseção com a linha dos graus de liberdade;

siga horizontalmente à esquerda até o eixo vertical e leia o valor

correspondente de probabilidade (P).

No nosso exemplo:

Essa probabilidade tem a seguinte interpretação: é a probabilidade de

o acaso sozinho produzir um desvio entre os valores observados e esperados,

pelo menos tão grande quanto o desvio real obtido.

Dessa forma, se a probabilidade for grande, signifi ca que o acaso pode

ser o responsável pelo desvio, aumentando nossa confi ança na validade do

modelo utilizado para obter as expectativas – nesse caso, o EHW.

Ao contrário, se a probabilidade associada com o qui-quadrado

for pequena, signifi ca que o acaso sozinho difi cilmente levou a um

desvio tão grande quanto o obtido, diminuindo nossa confi ança na

validade do modelo.

X2 = 0,32 e gl = 1 = P = 0,63

Valor de X2

Pro

bab

ilid

ade

0,0001

0,0003

0,00050,001

0,002

0,005

0,020,03

0,05

0,080,100,150,20

0,300,400,500,600,700,800,901,00

0,01

50 40 30 25 20 16 12 9 7 5 3 100,6

0,40,2

0,118 14 10 8 6 4 2

N = 1

N = 2

N = 3

N = 4

N = 5

N = 6

N = 7

N = 8

N = 10

N = 12

N = 14

N = 16

N = 18

N = 20

N = 25

N = 30

N = graus de liberdade

Page 301: Rb214   genética e evolução

94 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

Onde, exatamente, fi ca o limite entre a probabilidade 'grande' e

a probabilidade 'pequena'?

Se a probabilidade for menor do que 0,05 (P<0,05), então o

resultado é dito estatisticamente signifi cante, e a adequação é considerada

sufi cientemente pobre para o modelo ser julgado inválido para os dados.

Alternativamente, se a probabilidade for maior do que 0,05 (P>0,05), a

adequação é considerada sufi cientemente próxima e o modelo é aceito.

No nosso exemplo, P = 0,63, consideravelmente maior do que

0.05; portanto, não temos razões para rejeitar a hipótese de que essas

freqüências genotípicas estejam em EHW para esse gene.

a) as freqüências genotípicas;

b) as freqüências gênicas.

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_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

______________________________________________________________

____________________________________________________________

ATIVIDADES

RESPOSTA COMENTADA

Vimos, nesta aula, que uma das aplicações do EHW seria calcular a freqüência

gênica de um alelo recessivo. Na PKU, os heterozigotos não podem ser

distinguidos dos homozigotos para o alelo dominante; mas, se os genótipos

estiverem nas proporções da Lei de Hardy-Weinberg, não há necessidade de

conhecer as freqüências dos três tipos de genótipos. Se f, por exemplo, for o

alelo recessivo que, em homozigose, origina a fenilcetonúria, e se esse alelo tem

freqüência igual a q, então a freqüência de homozigotos ff é igual a q2. Assim,

a freqüência gênica será igual à raiz quadrada da freqüência do homozigoto

recessivo. Vamos tentar com os números do exercício:

a) a freqüência genotípica ff será: q2 = 5/55,715 = 0,000089; e

b) a freqüência gênica de f (q) será a raiz quadrada de 0,000089; q = 0,00947,

Page 302: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 95

AU

LA 6

logo a freqüência de F(p) = 1 – 0,00947 = 0,99053.

Tendo as freqüências gênicas de f(q) e F (p), podemos calcular as freqüências

genotípicas dos homozigotos FF e dos heterozigotos Ff. Assim, FF = p2 = 0,99053

x 0,99053 = 0,9811 e Ff = 2pq = 2 x 0,99053 x 0,00947 = 0,0188.

2. A capacidade de sentir o gosto do composto PTC (do inglês: phenyl-

thio-carbamate) é controlada por um alelo dominante T, enquanto que

indivíduos homozigotos para o alelo recessivo t são incapazes de sentir

o gosto desse composto. Em uma turma de 125 estudantes de Genética,

88 são capazes de sentir o gosto do PTC e 37 são incapazes. Calcule

as freqüências dos alelos T e t nessa população e as freqüências dos

genótipos.

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

__________________________________________________________

3. Proceda ao teste de qui-quadrado de adequação entre as freqüências

genotípicas observadas e as esperadas no EHW para o resultado

resumido na tabela abaixo. Existe alguma razão para rejeitar a hipótese

de proporção de HW para esse gene?

Caso da mariposa Panaxia dominula:

RESPOSTA COMENTADA

Da mesma forma que no exercício 6.1, não é possível distinguir os homozigotos

TT dos heterozigotos Tt, já que ambos são capazes de sentir o gosto do PTC. No

entanto, podemos calcular a freqüência do genótipo tt que será: q2 = 37/125

= 0,29. A freqüência gênica de t (q) será a raiz quadrada de 0,29; q = 0,54;

logo, a freqüência de T (p) = 1 – 0,54 = 0,46. Tendo as freqüências gênicas

de t (q) e T (p), podemos calcular as freqüências genotípicas dos homozigotos

TT e dos heterozigotos Tt. Assim, TT = p2 = 0,46 x 0,46 = 0,21 e Tt = 2pq =

2 x 0,46 x 0,54 = 0,50.

Genótipo Observado EsperadoA1A1 17,062 17,061A1A2 1,295 1,287A2A2 28 37

Page 303: Rb214   genética e evolução

96 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

4. No grupo sangüíneo Ss, relacionado com o sistema MN, três fenótipos

correspondentes aos genótipos SS, Ss e ss podem ser identifi cados com

reagentes apropriados. Entre 1.000 pessoas testadas, o número observado

de cada genótipo para o grupo Ss foi de: 99 SS, 418 Ss e 483 ss. Estime

a freqüência de S (p) e s (q) e proceda ao teste de qui-quadrado de

adequação entre as freqüências genotípicas observadas e as esperadas

no EHW. Existe alguma razão para rejeitar a hipótese de proporção de

HW para este gene?

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

__________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

O valor do X2 é calculado como: .

ASSIM:

. O número de graus de liberdade

para o nosso valor de X2 é: 3 classes de genótipos – 1 – 1 = 1, que corresponde

a uma probabilidade de 0,35. Como P = 0,35 é maior do que 0.05, não temos

razões para rejeitar a hipótese de que essas freqüências genotípicas estejam

em EHW para esse gene; em outras palavras: a população encontra-se em

condições de equilíbrio.

x obs esp esp2 2= −∑ ( ) /

X22 2 217 062 17 061

17 0611295 1287

12873728 37

37= − + − + −( )( , , )

,( , , )

,==

x2 0 0000586 0 049728 2 1892 2 239= + + =, , , ,

RESPOSTA COMENTADA

Freqüências genotípicas:

Número total de pessoas testadas = 1.000

SS = 99 /1.000 = 0,099

Ss = 418 /1.000 = 0,418

ss = 483 /1.000 = 0,483

Note que a soma de todas as freqüências genotípicas sempre corresponde à

unidade ou 100% (0,099 + 0,418 + 0,483 = 1).

Freqüências gênicas:

Número total de cópias dos genes 1.000 x 2 = 2.000 alelos

S = (99 x 2) + (418 x 1) = 616; fS = p = 616/2.000 = 0,308

s = (483 x 2) + (418 x 1) = 1.384; fs = q = 1.384/2.000 = 0,692

Note que a soma das freqüências gênicas sempre corresponde à unidade ou

100% (0,308 + 0,692 = 1).

,

Page 304: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 97

AU

LA 6

Também podemos calcular a freqüência gênica de s (q) como a raiz

quadrada de 0,483; q = 0,69; logo, a freqüência de S (p) = 1 – 0,69 = 0,31.

Número esperado de pessoas:

SS = p2 = 0,308 x 0,308 = 0,095 x 1000 = 95

Ss = 2pq = 2 x 0,308 x 0,692 = 0,426 x 1000 = 426

ss = q2 = 0,692 x 0,692 = 0,479 x 1000 = 479

Resumindo:

O valor do X2 é calculado como: .

O número de graus de liberdade para o nosso valor de X2 é: 3 classes de

genótipos – 1 – 1 = 1, que corresponde a uma probabilidade de 0.85 (85%).

Como P = 0.85 é muito maior do que 0.05, concluímos que esta população

encontra-se em EHW para este gene.

Genótipo Observado EsperadoSS 99 95Ss 418 426Ss 483 479

x obs esp esp2 2= −∑ ( ) /

X

X

22 2 2

2

99 9595

418 426426

483 479479

0 168 1150 0

= − + − + − =

= + +

( ) ( ) ( )

, , ,, ,033 0 351=

R E S U M O

Existem três situações em que a aplicação da Lei de Hardy-Weinberg é muito útil:

para calcular a freqüência gênica de um alelo recessivo; para calcular a freqüência

dos heterozigotos ou “portadores” de anormalidades recessivas e para testar se

as freqüências em determinada população estão ou não em equilíbrio de Hardy-

Weinberg. Esse teorema não possui aplicabilidade universal; apenas fornece uma

linha básica de comparação com modelos mais reais. Uma das implicações importantes

do Princípio de Hardy-Weinberg é a de que as freqüências dos alelos permanecem

constantes, geração após geração, quando ocorre cruzamento ao acaso.

O teste mais utilizado para checar a validade de dados observados no EHW é o

teste do qui-quadrado, simbolizado por X2. O teste do qui-quadrado trabalha com

números, e não com razões ou proporções, e é calculado pela fórmula:

x obs esp esp2 2= −∑ ( ) /

Page 305: Rb214   genética e evolução

98 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

AUTO-AVALIAÇÃO

Você entendeu como se aplica o teste do qui-quadrado? Releia a seção desta aula,

em que descrevemos como utilizamos números para calcular a probabilidade de

determinados genes de uma população estarem ou não em EHW. Faça os exercícios,

e sempre retorne aos exemplos, quando houver as dúvidas. Passe à aula seguinte

somente quando se sentir seguro no cálculo do teste do qui-quadrado.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, falaremos sobre o que acontece com as freqüências gênicas e

genotípicas quando são rompidas as condições básicas do Equilíbrio de Hardy-

Weinberg (EHW).

Page 306: Rb214   genética e evolução

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Descrever as violações da Lei de Hardy-Weinberg e suas conseqüências.

• Executar o cálculo das freqüências gênicas e genotípicas nas situações especiais de alelos múltiplos, genes ligados ao sexo e mais de um loco.

Pré-requisito

Para acompanhar esta aula, é essencial que você domine o cálculo das freqüências gênicas e genotípicas no Equilíbrio, e a aplicação do teste do qui-quadrado, que aprendemos na

Aula 6 desta disciplina.

objetivos

Meta da aula

Apresentar as conseqüências das violações do Equilíbrio de Hardy-Weinberg (EHW) em

uma população.

7AULAEquilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos

múltiplos, genes ligados ao sexo e mais de um loco

Page 307: Rb214   genética e evolução

100 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos, genes ligados ao sexo e mais de um loco

Nesta aula, vamos falar sobre o que acontece com as freqüências gênicas e genotípicas

quando são rompidas as condições básicas do Equilíbrio de Hardy-Weinberg (EHW).

INTRODUÇÃO

CAUSAS DAS MUDANÇAS –VIOLAÇÕES DOS PRESSUPOSTOS DE HARDY-WEINBERG

Para que uma população seja considerada em Equilíbrio de

Hardy-Weinberg, um conjunto de condições (pressupostos) deve ser

respeitado:

– os organismos devem ser diplóides;

– a reprodução, sexuada;

– as gerações, não sobrepostas;

– o cruzamento, ao acaso;

– o tamanho de população, grande;

– a freqüência de alelos nos sexos deve ser igual;

– a ausência de migração;

– a ausência de mutação;

– a ausência de seleção.

Até aqui, examinamos a dinâmica da alteração da freqüência gênica

em um loco gênico com dois alelos (A e a). Agora veremos o que ocorre

quando são considerados mais de dois alelos em um único loco.

ALELOS MÚLTIPLOS

Sob cruzamento ao acaso as freqüências genotípicas, sob

cruzamento ao acaso, de um gene com três alelos A1, A2 e A3, e

correspondentes freqüências gênicas p1, p2 e p3, onde p1 + p2 + p3 = 1,

serão:

Gametas masculinos

Alelos A1 A2 A3

Freqüência p1 p2 p3

Alelos Freqüência

A1 p1 A1A1 A1A2 A1A3

Gametas p12 p1p2 p1p3

femininos A2 p2 A2A1 A2A2 A2A3

p2p1 p22 p2p3

A3 p3 A3A1 A3A2 A3A3

p3p1 p3p2 p32

Page 308: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 101

AU

LA 7

Com três alelos existem seis genótipos diplóides e, sob cruzamento

ao acaso, as freqüências esperadas são a expansão da fórmula:

(p1A1 + p2A2 + p3A3)2

Em geral, se existem n alelos:

A1, A2, ... , An

Com as respectivas freqüências:

p1, p2, ... , pn

Onde:

p1 + p2 + ... + pn = 1

Então, as freqüências esperadas sob cruzamento ao acaso são:

pi2 para homozigotos AiAi

2pipj para heterozigotos AiAj

Exemplo 7.1

Em 108 moscas adultas de uma população foram analisados

polimorfi smos de isoenzimas. O gene Xdh, que codifi ca para a enzima

xantina desidrogenase, possui quatro alelos: Xdh-1, Xdh-2, Xdh-3 e Xdh-4,

com freqüências estimadas de p1 = 0,08, p2 = 0,21, p3 = 0,62 e p4 = 0,09.

(a) Quantos genótipos são possíveis e (b) quais as freqüências

esperadas desses genótipos?

RESOLUÇÃO

(a) O número de genótipos possíveis é obtido com a combinação

dos alelos de dois em dois, assim:

Xdh-1/Xdh-1, Xdh-1/Xdh-2, Xdh-1/Xdh-3, Xdh-1/Xdh-4;

Xdh-2/Xdh-2, Xdh-2/Xdh-3, Xdh-2/Xdh-4;

Xdh-3/Xdh-3, Xdh-3/Xdh-4;

Xdh-4/Xdh-4.

Total = 10 genótipos diferentes, sendo quatro homozigotos e seis

heterozigotos.

Page 309: Rb214   genética e evolução

102 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos, genes ligados ao sexo e mais de um loco

(b) As freqüências dos homozigotos são calculadas como pi2:

Xdh-1/Xdh-1 p1 = 0,08 p12 = 0,0064;

Xdh-2/Xdh-2 p2 = 0,21 p22 = 0,0441;

Xdh-3/Xdh-3 p3 = 0,62 p32 = 0,3844;

Xdh-4/Xdh-4 p4 = 0,09 p42 = 0,0081.

As freqüências dos heterozigotos são calculadas como 2pipj:

Xdh-1/Xdh-2 2p1p2 = 2 (0,08)(0,21) 2p1p2 = 0,0336;

Xdh-1/Xdh-3 2p1p3 = 2 (0,08)(0,62) 2p1p3 = 0,0992;

Xdh-1/Xdh-4 2p1p4 = 2 (0,08)(0,09) 2p1p4 = 0,0144;

Xdh-2/Xdh-3 2p2p3 = 2 (0,21)(0,62) 2p2p3 = 0,2604;

Xdh-2/Xdh-4 2p2p4 = 2 (0,21)(0,09) 2p2p4 = 0,0378;

Xdh-3/Xdh-4 2p3p4 = 2 (0,62)(0,09) 2p3p4 = 0,1116.

Exemplo 7.2

Considere as seguintes freqüências para os alelos do sistema

sangüíneo ABO: IA = p = 0,38; IB = q = 0,11 e i = r = 0,51. Complete o

quadro abaixo:

RESOLUÇÃO:

Genótipo Freq. genotípica Fenótipo Freq. fenotípicaIAIA AIAi AIBIB BIBi BIAIB ABii O

Genótipo Freq. genotípica Fenótipo Freq. fenotípicaIAIA p2 = 0,38 x 0,38 = 0,144 A 0,532 ou 53,2%IAi 2pr = 2 x 0,38 x 0,51 = 0,388 AIBIB q2 = 0,11 x 0,11 = 0,012 B 0,124 ou 12,4%IBi 2qr = 2 x 0,11 x 0,51 = 0,112 BIAIB 2pq = 2 x 0,38 x 0,11 = 0,084 AB 0,084 ou 8,4%ii r2 = 0,51 x 0,51 = 0,260 O 0,260 ou 26%

Perceba que o cálculo das freqüências genotípicas é realizado

da mesma forma do Exemplo 7.1. Já as freqüências fenotípicas foram

calculadas pela soma das freqüências genotípicas para cada tipo

sangüíneo. Por exemplo, os genótipos IAIA e IAi correspondem a um só

Page 310: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 103

AU

LA 7

fenótipo, tipo sangüíneo A, e a freqüência é a soma de 0,144 (14,4%) e

0,388 (38,8%) que corresponde a 0,532 ou 53,2%.

A, IB e i. Genótipos IAIA e IAi originam fenótipo de grupo BIB e IBi originam fenótipo de grupo sangüíneo

B origina fenótipo de grupo sangüíneo AB. Em um teste em 6313

para a freqüência dos alelos é: p1 = 0,2593 (para IA), p2 = 0,0625 (para

IB) e p3 = 0,6755 (para i).

a) calcule o número esperado de cada um dos quatro fenótipos;

b) realize o teste de qui-quadrado de adequação entre as

freqüências genotípicas observadas e as esperadas no EHW.

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

______________________________________________________________

____________________________________________________________

ATIVIDADE

RESPOSTA COMENTADA

a) Com três alelos existem seis genótipos que determinam os quatro

fenótipos, que são:

grupo sangüíneo O = ii = p32 = 0,6755 x 0,6755 = 0,4563;

grupo sangüíneo A = IAIA + IAi = p12 + 2p1p3 = 0,2593 x 0,2593 + 2 x

0,2593 x 0,6755 = 0,0672 + 0,3503 = 0,4175;

grupo sangüíneo B = IBIB + IBi = p22 + 2p2p3 = 0,0625 x 0,0625 + 2 x

0,0625 x 0,6755 = 0,0039+ 0,0844= 0,0883;

grupo sangüíneo AB = IAIB = 2p1p2 = 2 x 0,2593 x 0,0625 = 0,0324.

Note que os valores são apresentados em percentagem (freqüências de

fenótipos) e o exercício pede o número esperado de pessoas com cada

tipo sangüíneo. Para obtermos o número de pessoas, basta multiplicar

a freqüência pelo número total de indivíduos analisados, que foi 6313.

Assim:

grupo sangüíneo O = 0,4563 x 6313 = 2880,6;

grupo sangüíneo A = 0,4175 x 6313 = 2635,7;

Page 311: Rb214   genética e evolução

104 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos, genes ligados ao sexo e mais de um loco

grupo sangüíneo B = 0,0883 x 6313 = 557,4;

grupo sangüíneo AB = 0,0324 x 6313 = 204,5.

b) O teste do qui-quadrado trabalha com números, não razões ou proporções,

e é calculado pela fórmula: X2 =Σ (obs – esp)2/esp.

X2 = (obs – esp)2/esp = (2892 – 2880,6)2/2880,6 + (2625 – 2635,7)2/

2635,7 + (570 – 557,4)2/557,4 +(226 – 204,5)2/204,5 = 0,045 + 0,434

+ 0,285 + 2,260 = 3,0241. Com 3 classes – 1 – 1 = 1 grau de liberdade

corresponde a uma P = 0,25 (P>0.05), a população está em EHW para o

loco analisado.

ALELOS RECESSIVOS

A freqüência gênica pode ser determinada aplicando-se o Princípio

de HW, a partir da freqüência genotípica. No caso de um alelo recessivo,

os heterozigotos não podem ser distinguidos dos homozigotos para o

alelo dominante; portanto, não podemos calcular as freqüências gênicas.

No entanto, se os genótipos estiverem nas proporções da Lei de Hardy-

Weinberg, não há necessidade de se conhecer as freqüências dos três tipos

de genótipos. Se a, por exemplo, for um alelo recessivo com freqüência

igual a q, a freqüência de homozigotos aa é igual a q2, e a freqüência gênica

é igual à raiz quadrada da freqüência do homozigoto recessivo.

freqüência de aa = q x q = q2

freqüência de a = √q2= q

GENES LIGADOS AO SEXO

Tudo o que foi dito até agora sobre Equilíbrio de Hardy-Weinberg

só se aplica a genes autossômicos. Os genes que estão situados nos

cromossomos sexuais atingem uma situação de equilíbrio ligeiramente

diferente. No sexo que possui dois cromossomos sexuais X, isto é, SEXO

HOMOGAMÉTICO, as freqüências de Hardy-Weinberg são as mesmas que

as dos genes autossômicos. Contudo, no sexo que contém apenas um

cromossomo X, SEXO HETEROGAMÉTICO, as duas freqüências genotípicas

(p e q) são idênticas às freqüências gênicas em equilíbrio. Se, portanto,

tivermos uma população imaginária em que ocorram dois alelos A e a

em um loco ligado ao sexo, com freqüências gênicas p e q, as freqüências

do Equilíbrio de Hardy-Weinberg serão:

SEXO HOMOGAMÉTICO

É o que apresenta dois cromossomos sexuais do mesmo tipo. Por exemplo: XX em mulheres, fêmeas de drosófi las, machos de borboletas e mariposas. Do mesmo modo, SEXO HETEROGAMÉTICO é o que apresenta dois cromossomos sexuais distintos, como XY em homens.

Page 312: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 105

AU

LA 7

Sexo homogamético

Genótipo: AA Aa aa

Freqüência: p2 2pq q2

Sexo heterogamético

Genótipo: A a

Freqüência: p q

Isto significa que, se a for um alelo raro (a*), então ele se

manifestará, na maior parte das vezes, no sexo heterogamético. Por

exemplo, se a freqüência de a* = q = 0,01, então, em equilíbrio, teríamos

as seguintes freqüências genotípicas:

Sexo homogamético

Genótipo: AA Aa* a*a*

Freqüência: 0,9801 0,0198 0,0001

Sexo heterogamético

Genótipo: A a*

Freqüência: 0,99 0,01

O fenótipo determinado pelo alelo a* será 100 vezes mais

freqüente no sexo heterogamético.

Usando a notação que distingue os cromossomos sexuais, as

conseqüências de cruzamento ao acaso de indivíduos portadores de um

gene com dois tipos de alelos ligados ao X será:

Gametas masculinos

Alelos no X Alelos no Y

Alelos XA Xa

Freqüência p q

Alelos Freqüência

XA

p XAXA XAXa

XAY

Gametas p2 pq p

femininos Xa q XaXA XaXa XaY

qp q2 q

Page 313: Rb214   genética e evolução

106 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos, genes ligados ao sexo e mais de um loco

As freqüências gênicas nos zigotos serão:

Sexo homogamético

Genótipo: XAXA XAXa XaXa

Freqüência: p2 2pq q2

Sexo heterogamético

Genótipo: XAY XaY

Freqüência: p q

Em uma população humana, 7% dos homens são cegos para cores,

ATIVIDADE

RESPOSTA COMENTADA

Em genes ligados ao sexo, as freqüências genotípicas serão p 2, 2pq e q2 para os genótipos

XAXA, XAXa e XaXa do sexo homogamético, e serão iguais a p e q (ou seja, iguais às

freqüências gênicas) nos genótipos XAY e XaY do sexo heterogamético. Então:

Freqüência de homens cegos para cores = q = 7% = 0,07. p = 1 – q = 0,93.

a) mulheres portadoras = XAXa = 2pq = 2 x 0,93 x 0,07 = 0,13 ou 13%.

b) mulheres cegas para cores = XaXa = q2 = 0,07 x 0,07 = 0,0049 ou 4,9%.

Mais de um loco

Até aqui examinamos a dinâmica da alteração da freqüência gênica

apenas em um único loco gênico. Quando se considera mais de um loco,

aparecem dois parâmetros adicionais: a interação gênica e a ligação.

Grupos de ligação, equilíbrio de ligação e desequilíbrio de ligação

Sob cruzamento aleatório, os alelos de qualquer gene serão associados

ao acaso no genótipo, de acordo com as freqüências da Lei de Hardy-

Weinberg. Pode parecer paradoxal que cada um de dois genes, A e B,

presentes na mesma população, possa obedecer ao EHW, individualmente,

Page 314: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 107

AU

LA 7

Considere dois genes, cada qual com dois alelos, A1 e A2 com

freqüências p1 e p2, e B1 e B2, com freqüências q1 e q2, respectivamente. Em

ambos os casos aplica-se p1 + p2 = 1 e q1 + q2 = 1. Os genótipos A1A1, A1A2

e A2A2 são esperados nas proporções p12, 2p1p2 e p2

2, enquanto os genótipos

B1B1, B1B2 e B2B2 são esperados nas proporções q12, 2q1q2 e q2

2.

O alelo A1 está em associação ao acaso com o alelo A2, e o alelo

B1 está em associação ao acaso com o alelo B2. No entanto, apesar de

parecer estranho, os alelos do gene A estão em associação ao acaso com

os alelos do gene B. Quando os alelos dos genes estão em associação

Figura 7.1: Gametas apresentando, em destaque, dois locos em cromossomos distintos e suas freqüências.

enquanto os alelos de A e de B mantêm-se associados de forma não

aleatória nos gametas que formam cada geração. A Figura 7.1 mostra

que isto é possível.

P11 = p1 + q1

P12 = p1 + q2

P21 = p2 + q1

P22 = p2 + q2

P11 + P12 + P21 + P22 = 1

fA1 = p1

fA2 = p2

p1 + p

2 = 1

fB1

= p1

fB2 = p2

q1 + q2 = 1

Page 315: Rb214   genética e evolução

108 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos, genes ligados ao sexo e mais de um loco

ao acaso, a freqüência de um gameta carregando qualquer combinação

particular de alelos é igual ao produto das freqüências destes alelos.

Alelos do gene AAlelos A1 A2

Freqüência p1 p2

Alelos Freqüência

B1 q1 A1B1 A2B1

Alelos do p1q1 p2q1

gene B B2 q2 A1B2 A2B2

p1q2 p2q2

Genes que se encontram em associação ao acaso são ditos em

estado de equilíbrio de ligação; os que não estão em associação ao acaso

são ditos em estado de desequilíbrio de ligação.

Em equilíbrio de ligação, as freqüências dos gametas serão:

A1B1: p1 x q1

A1B2: p1 x q2

A2B1: p2 x q1

A2B2: p2 x q2

Exemplo 7.3

Um exemplo de desequilíbrio de ligação é encontrado nos genes

que controlam os grupos sangüíneos MN e Ss em populações humanas.

Em um grupo de 1000 ingleses, as freqüências de M, N, S e s são,

respectivamente, iguais a p1 = 0,5425, p2 = 0,4575, q1 = 0,3080 e q2 =

0,6920. A seguir é apresentado o cálculo das freqüências esperadas no

EHW e o da aplicação do teste do qui-quadrado.

RESOLUÇÃO

Se os locos estiverem em equilíbrio de ligação, as freqüências

gaméticas serão p1q1 para MS, p1q2 para Ms, p2q1 para NS e p2q2 para

Ns. Assim, entre os 1000 genótipos os números esperados de cada

genótipo serão:

Page 316: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 109

AU

LA 7

MS = 2 x 0,5425 x 0,3080 x 1000 = 334,2

Ms = 2 x 0,5425 x 0,6920 x 1000 = 750,8

NS = 2 x 0,4575 x 0,3080 x 1000 = 281,8

Ns = 2 x 0,4575 x 0,6920 x 1000 = 633,2

Considerando que o número observado para os genótipos foi de:

MS = 474

Ms = 611

NS = 142

Ns = 773

O valor de X2 calculado para esses números foi de:

No gráfi co que associa X2 com P (veja a Figura 6.2, Aula 6,

disciplina Evolução), obtemos uma probabilidade, considerando um grau

de liberdade (4 classes – 2 – 1 = 1), muito inferior a 0,0001. Esse resultado

signifi ca que o acaso sozinho pode produzir uma concordância tão pobre

quanto um evento em 10.000, e que, portanto, a hipótese de que tais locos

estejam em equilíbrio de ligação pode ser rejeitada com confi ança.

X2 = Σ (obs –esp)2

esp

X2 = (474 – 334,2)2 + (611 – 750,8)2 + (142 – 281,8)2 + (773 – 633,2)2

334,2 750,8 281,8 633,2

X2 = 58,48 + 26,03 + 69,35 + 30,87 = 184,73

Page 317: Rb214   genética e evolução

110 C E D E R J

Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos, genes ligados ao sexo e mais de um loco

R E S U M O

As freqüências genotípicas, sob cruzamento ao acaso, de um gene com múltiplos alelos

A1, A2, ... An e correspondentes freqüências gênicas p1, p2, ... pn, onde p1 + p2 + .... + pn

= 1, serão iguais a pi2 para homozigotos AiAi e 2pipj para heterozigotos AiAj.

Os genes que estão situados nos cromossomos sexuais atingem uma situação de

Equilíbrio de Hardy-Weinberg ligeiramente diferente. No sexo homogamético, as

freqüências de EHW são as mesmas que as dos genes autossômicos, enquanto no

sexo heterogamético, as freqüências genotípicas são idênticas às freqüências gênicas

em equilíbrio.

Quando se considera mais de um loco, aparecem dois parâmetros adicionais: a

interação gênica e a ligação. Sob cruzamento aleatório, os alelos de qualquer gene

serão associados ao acaso no genótipo, de acordo com as freqüências da proporção

do Equilíbrio de Hardy-Weinberg. Cada gene presente na mesma população obedece

ao EHW, individualmente, enquanto seus alelos mantêm-se associados de forma

não aleatória nos gametas que formam cada geração. Genes que se encontram em

associação ao acaso são ditos em estado de equilíbrio de ligação; os que não estão

em associação ao acaso são ditos em estado de desequilíbrio de ligação.

AUTO-AVALIAÇÃO

Parabéns por ter chegado ao fi nal desta aula; o conteúdo foi puxado e exigiu

bastante esforço de sua parte! No caso de algumas dúvidas persistirem, recomendo

procurar seu tutor no Pólo. O conceito do Equilíbrio de Hardy-Weinberg é essencial

para entendermos o destino da variabilidade genética ao longo do processo

evolutivo.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, veremos como o surgimento de técnicas de Biologia Molecular

revolucionou o estudo de polimorfismos genéticos, tornando desnecessários

os cruzamentos controlados, a análise de genes mutantes ou qualquer outro

conhecimento antecipado sobre ecologia e genética de determinado organismo.

Page 318: Rb214   genética e evolução

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Enumerar os principais tipos de marcadores moleculares.

• Dar exemplos de problemas em evolução que podem ser estudados com marcadores moleculares.

Pré-requisito

Para acompanhar bem esta aula, é importante que você domine as informações básicas de Biologia Molecular, especialmente os Módulos 1 e 2. Seria bom também que você revisse a aula sobre Filogenia na disciplina Diversidade dos Seres Vivos. Para entender por que os marcadores moleculares constituem boa ferramenta para o estudo da evolução é importante, ainda, que aulas anteriores, sobre freqüências gênicas e genotípicas e Equilíbrio de Hardy-Weinberg, estejam claras para você.

objetivos

Meta da aula

Defi nir marcadores moleculares, descrever os principais métodos moleculares e avaliar, pelas características de cada marcador, o mais adequado para o estudo de diferentes

problemas em evolução.

8AULAMarcadores moleculares no estudo da Evolução

Page 319: Rb214   genética e evolução

112 C E D E R J

Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

INTRODUÇÃO

ALOENZIMAS

As proteínas podem ser classifi cadas como estruturais (aquelas que participam como blocos constitutivos das células) ou enzimas (aquelas que participam das reações bioquímicas). Dentre as enzimas, encontramos as isoenzimas, que são aquelas que atuam sobre o mesmo substrato. Se as isoenzimas resentam padrão mendeliano de herança, dizemos que são aloenzimas, ou seja, comportam-se como diferentes alelos de um loco.

O estudo da Genética de Populações depende de técnicas efetivas para

observação e mensuração da variação gênica presente nas populações

naturais. Nas Aulas 5 (Freqüências gênicas e genotípicas e heterozigosidade),

6 (Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações, implicações) e 7 (Equilíbrio de

Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos), você estudou como essa variação

pode ser descrita.

Nos primeiros 30 anos, após a proposição da teoria sintética da Evolução

(1930-1932), a variação estudada pelos pesquisadores era, principalmente,

fenotípica com herança mendeliana clássica (como, por exemplo, diferenças

de cor ou formato dos olhos da mosca-da-fruta; diferenças de tipo de crista

em galinhas; cor da pelagem em preás; grupos sangüíneos em humanos

etc.) e cromossômica (padrão de bandas, inversões etc.). Foi na década de

1960, que RICHARD C. LEWONTIN e J. L. Hubby, para estudar a variação gênica

presente em populações naturais, introduziram uma técnica de separação

de proteínas muito utilizada em Bioquímica: a eletroforese de aloenzimas.

Começou, naquele momento, o uso de nova ferramenta para o estudo da

Evolução: os marcadores moleculares.

RICHARD C. LEWONTIN

Nasceu nos Estados Unidos da América, em 1929; trabalha atualmente na Universidade de Harvard e é um dos mais importantes evolucionistas vivos. Juntamente com J. L. Hubby, foi um dos pioneiros na utilização de métodos moleculares para estudo da Genética de Populações.

AS FERRAMENTAS

No estudo da Evolução, são chamados marcadores moleculares

aquelas moléculas que representam locos gênicos e apresentam alguma

variabilidade, de modo que possam ser usadas para inferências a respeito

dos padrões de diversidade dos organismos. As moléculas biológicas mais

utilizadas para estudo da variação gênica são as proteínas e o DNA.

As tecnologias mais utilizadas são eletroforese de aloenzimas e, mais

recentemente, várias técnicas de amostragem de DNA. Vamos entender

o que são essas técnicas e como funcionam.

Eletroforese de aloenzimas

A eletroforese pode ser defi nida, de maneira geral, como migração

de partículas sob ação de corrente elétrica. No caso da eletroforese de

ALOENZIMAS, a técnica se baseia, primeiramente, nas características físico-

químicas das proteínas; ou seja, é sabido que dos vinte aminoácidos,

cinco possuem carga elétrica, três dos quais (lisina, arginina e histidina)

positiva, e os demais (ácido glutâmico e ácido aspártico), negativa.

Page 320: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 113

AU

LA 8

Tal fato faz com que proteínas diferentes possam apresentar cargas

diferentes, movimentando-se com diferentes velocidades, sob a ação de

campo elétrico; em outras palavras: diferentes proteínas podem manifestar

diferentes mobilidades eletroforéticas.

Outro fato importante é que, pelos princípios da Biologia Molecular,

espera-se certa correspondência entre a seqüência de nucleotídeos no DNA

e a seqüência de aminoácidos na proteína por ele codifi cada, isto é, entre

o gene e seu produto (ver Aula 6 do curso Diversidade dos Seres Vivos:

Introdução às macromoléculas). Finalmente, é sabido que a atividade e,

portanto, a presença de algumas enzimas, pode ser visualizada em extratos

simples de organismos, através de coloração histoquímica.

Para se realizar uma eletroforese, algumas condições básicas são

necessárias:

1 – fonte de eletricidade que produzirá campo elétrico, em função

do qual as partículas, no caso as enzimas, estarão deslocando-se;

2 – suporte (geralmente gel de amido, agarose ou poliacrilamida)

onde serão aplicadas amostras dos organismos que se quer estudar, no

qual o campo elétrico estará agindo;

3 – extração das enzimas, que é feita a partir da homogeneização

de indivíduos inteiros (caso de pequenos insetos, por exemplo), órgãos

ou tecidos (caso de organismos maiores, como peixes, camundongos ou

o próprio homem);

4 – coloração histoquímica, que é a precipitação, oxidação ou

fl uorescência de um corante em função das reações catalisadas pelas

enzimas;

5 – interpretação dos padrões observados.

A eletroforese de aloenzimas está representada na Figura 8.1.

Observe, nesta fi gura, as condições que foram descritas acima.

Page 321: Rb214   genética e evolução

114 C E D E R J

Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

Figura 8.1: Resumo da aplicação da técnica de eletroforese de aloenzi-mas para amostragem da variação gênica em populações naturais.

Suporte

Fonte

Interpretação mendeliana

Padrão de

bandas

Populaçãonatural

Amostra de tecido dos indivíduos

Homogeneização

Eletrólise

Coloração histoquímica

Interpretação

Page 322: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 115

AU

LA 8

Como você pôde verifi car na Figura 8.1, existe entre os indivíduos

amostrados uma variação no padrão de bandas observadas. Essa variação

pode ser interpretada diretamente como variação gênica. A interpretação

é simples: indivíduos que apresentem apenas uma banda no gel são

interpretados como homozigotos (AA ou BB); indivíduos que apresentem

as duas formas da enzima, com mobilidades eletroforéticas diferentes, são

interpretados como heterozigotos (AB). Como você já deve ter deduzido,

o padrão de bandas na eletroforese de aloenzimas é co-dominante (ver

Aula 8 do curso de Genética básica: do gene ao fenótipo).

Figura

e responda:

a) Quantos alelos estão presentes nessa população?

b) Quais as freqüências genotípicas?

c) Quais as freqüências gênicas?

Respostas:

a) 2 alelos, A e B

b) f(AA) = 25%; f(AB) = 50%; f(BB) = 25% ou 1:2:1

c) f(A) = f(B) = 0,5

ATIVIDADE

RESPOSTA COMENTADA

Você acabou de realizar uma descrição sucinta da variação gênica nesta

população. Para tanto, você utilizou não só as facilidades do método de

eletroforese, mas, também, os seus conhecimentos sobre freqüências gênicas

e genotípicas.

Page 323: Rb214   genética e evolução

116 C E D E R J

Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

O uso de eletroforese como método de estudo da variação gênica

em populações incorre, no entanto, na aceitação de algumas limitações;

entre elas, aquelas que dizem respeito à quantidade de variação capaz

de ser detectada. Por eletroforese de aloenzimas, não é possível detectar

substituições de aminoácidos que não mudam a carga da proteína,

alterações silenciosas no DNA e variação em íntrons (ver Aula 22 do curso

de Biologia molecular: processamento do RNA). Como conseqüência, em

eletroforese estaremos sempre falando de quantidade de variação menor

que aquela existente de fato. Talvez, a maior limitação desse método resida

no fato de que a variação amostrada por eletroforese seja, na realidade,

variação fenotípica, e não genotípica. Duas conseqüências advêm daí:

primeiro, que conceitos como heterozigosidade e homozigosidade fi cam

relativizados, já que se trabalha com produtos dos genes; segundo, que

os chamados alelos (melhor seria a designação técnica de alelomorfos)

são afetados não só por possíveis alterações pós-transcricionais, como

também pela ação do ambiente e, ainda, por condições de estocagem do

material a ser analisado (tempo, refrigeração etc.).

Para além das suas limitações, a utilização da técnica eletroforética

oferece muitas vantagens, como, por exemplo, fácil preparação de

extratos a ser utilizados. Acima de tudo, a interpretação mendeliana

das freqüências obtidas em seus padrões de bandas (observe, de novo, a

Figura 8.1) é uma das maiores vantagens da eletroforese e também o que

faz dela não só uma técnica, mas um método de estudo dos problemas

em Genética de populações. Desse modo, a eletroforese é, até os dias

de hoje, reconhecidamente, um dos métodos mais efi cazes na detecção

e amostragem de variação genética em populações.

Técnicas de DNA: PCR

Com o desenvolvimento, na década de 1970, da TECNOLOGIA DO DNA

RECOMBINANTE, a Genética de populações pôde ter acesso à variação gênica

presente nas seqüências de DNA. Com a possibilidade de extrair, cortar

e unir DNA exógeno em vetores como fagos e plasmídeos, tornaram-se

possíveis a amplifi cação e o seqüenciamento do DNA.

Page 324: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 117

AU

LA 8

TE C N O L O G I A D O DNA RE C O M B I N A N T E

Tecnologia do DNA é o nome que se dá ao conjunto de técnicas de Engenharia genética, como a clonagem e a reação em cadeia da polimerase (PCR em inglês). Essas técnicas consistem, basicamente, na possibilidade de cortar, unir e inserir seqüências do DNA de uma espécie em outra. Isso se tornou possível com o entendimento do fenômeno da restrição, que é a impossibilidade de reprodução de certas linhagens de vírus dentro de certas linhagens de bactérias. Esse fenômeno se deve à ação das endonucleases de restrição, que são enzimas capazes de reconhecer uma seqüência específi ca de bases do ácido esoxirribonucléico (DNA) e de romper, por clivagem da molécula, a continuidade da dupla-hélice. O mecanismo de restrição cumpre o importante papel de proteger a bactéria do ataque do vírus. Uma característica importante desse fenômeno é que a clivagem é assimétrica e característica para cada tipo de enzima de restrição; por isso, os fragmentos formados pela ação das enzimas são de tamanhos variáveis, mas, fundamentalmente, com extremidades que apresentam seqüências de bases semelhantes. Assim, mesmo que se utilizem DNAs de origens diferentes (espécies diferentes, por exemplo), os fragmentos têm em comum a assimetria e a complementaridade das suas extremidades. Isso possibilita o pareamento indiscriminado dos fragmentos. A soldagem posterior é efetuada por outra enzima, a ligase; dessa forma, são obtidas moléculas híbridas de DNA. Esse é o fundamento da Tecnologia do DNA recombinante.

Para ser trabalhado, o DNA necessita primeiramente ser extraído das

células. Bem diferente do que acontece com a eletroforese de aloenzimas,

a extração do DNA não se dá simplesmente pela homogeneização de

tecidos. Esse processo de extração ocorre, geralmente, com uma primeira

etapa de tratamento dos tecidos com enzimas que degradam proteínas

e detergentes os quais destroem as membranas celulares. Numa etapa

posterior, o DNA é extraído, limpo e precipitado pela ação de algumas

substâncias, tais quais fenol, clorofórmio e álcool. Extraído o DNA, o

processo subseqüente é, geralmente, aplicação da técnica de PCR (reação

em cadeia da polimerase, do inglês Polimerase Chain Reaction), em que

dois pequenos oligonucleotídeos iniciadores são usados para amplifi car

a região de DNA por eles fl anqueadas.

A reação de PCR ocorre em uma máquina chamada termociclador,

que repete vários ciclos de três temperaturas: a primeira, para desnaturar o

DNA e parar todas as reações enzimáticas; a segunda, para que os iniciadores

possam se unir à fi ta molde de DNA; e a última, para que o processo

enzimático de replicação do DNA seja levado a cabo. O ambiente químico

dessa reação contém, além dos iniciadores e da fi ta molde de DNA, a enzima

que polimeriza a reação (uma DNA polimerase que tolera temperaturas

elevadas, a Taq DNA polimerase), o material para construir as novas fi tas de

DNA (dNTPs) e um co-fator que auxilia a reação (geralmente MgCl2), tudo

isso dissolvido em água destilada, fi ltrada e estéril. A cada ciclo completo

de reação, o processo se repete com a replicação exponencial do DNA e,

ao fi nal do processo, obtém-se um grande número de cópias do segmento

de DNA fl anqueado pelos iniciadores.

Page 325: Rb214   genética e evolução

118 C E D E R J

Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

Parece complicado, mas não é! As etapas do PCR estão ilustradas

na Figura 8.2. Observe, nesta fi gura, os detalhes sobre as temperaturas

geralmente utilizadas no processo de PCR e como ele forma um ciclo que

leva à multiplicação exponencial de uma molécula molde de DNA.

Figura 8.2: Esquema resum-indo os eventos que ocor-rem com o DNA durante a Reação em Cadeia da Polim-erase (PCR).

Obtidos os segmentos de DNA produzidos pelo PCR, precisamos

fazer agora uma eletroforese para separar esses fragmentos em função

do seu tamanho e estrutura. O suporte das eletroforeses de DNA são,

geralmente, géis de agarose ou poliacrilamida. A visualização desses

Anelamento (ligação dos indicado-res às fi tas de DNA)(39 - 65ºC, 30 seg)

Denaturação (separa a fi ta dupla de DNA em dita simples)

(94º C, 5 mim)

Indicadores

Síntase da nova fi ta( 65 - 75ºC, 2-5 mim.)

Duas novas fi tas de DNA

Denaturação (separar a fi ta dupla de DNA

em fi ta simples)(94ºC, 30 seg)

Anelamento (ligação dos indicadores às fi tas de DNA)

(39 - 65ºC, 30 seg.)

Page 326: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 119

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LA 8

segmentos se dá pela coloração desses géis por substâncias como

brometo de etídio ou prata, que revelam a variação como bandas em

diferentes posições no gel. Cada banda corresponde a um grupo de

moléculas de mesmo tamanho. Um padrão diferente de bandas entre

indivíduos signifi ca diferença genética entre eles. O conjunto dessa

variação interindividual representa a variação gênica da população,

que pode ser a mesma ou variar entre as populações, em função da

ação das forças evolutivas.

Técnicas de DNA 2: Sopa de letrinhas

A variação gênica, presente no segmento de DNA obtido pelo

PCR, pode ser estudada de várias formas. Se o segmento amplifi cado

contém seqüências repetitivas que variam em número, o tamanho do

segmento irá variar entre os indivíduos da população. Esse é o tipo de

variação gênica presente em microssatélites (repetições constituídas de

dois a cinco pares de bases) e minissatélites (até 10, 20 pares de base

de repetição) de locos único. Nesses casos, a interpretação dos padrões

de bandas é equivalente àquele obtido por aloenzimas. Nos casos de

minissatélites que apresentam mais de um loco no genoma, ou seja,

locos múltiplos, o padrão de bandas é mais complexo, sendo chamado,

então, de fi ngerprints (palavra em inglês que signifi ca impressão digital).

Minissatélites de locos múltiplos são assim chamados porque apresentam

um conjunto tão grande de bandas (equivalentes aos diferentes alelos de

cada loco), que é muito difícil encontrar dois indivíduos que partilhem

do mesmo padrão. É por isso que se diz que o padrão de bandas equivale

a uma “impressão digital molecular”. Para que fi que mais claro o que

estamos descrevendo, veja o esquema da Figura 8.3, que ilustra os padrões

de minissatélites de loco único e locos múltiplos.

Page 327: Rb214   genética e evolução

120 C E D E R J

Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

Figura 8.3: Esquema representando os padrões de bandas obtidos para quatro locos de minissatélite de loco único e o padrão de fi ngerprint (minissatélite de múltiplos locos) que seria obtido pela composição deles.

A variação gênica em micro e minissatélites tem origem em

inserções e deleções dessas repetições (pequenos blocos de nucleotídeos

que são ganhos ou perdidos). Outra forma de variação gênica que

pode ser amostrada pelas técnicas de DNA é aquela que tem origem

em mutações pontuais (mutações gênicas de substituição de bases; ver

Aula 13 de Biologia molecular: mutação e reparo do DNA). Nesse caso, o

estudo pode ser feito pelo seqüenciamento total do segmento (ver Aula 6,

do curso Grandes temas em biologia: como se obtém a seqüência de uma

molécula de DNA ou de RNA) ou, ainda, pela utilização de enzimas de

restrição (polimorfi smo de tamanho dos fragmentos de restrição, RFLP,

do inglês Restriction Fragment Lenght Polymorphism).

As enzimas de restrição (ou endonucleases de restrição) são capazes

de “digerir” uma seqüência específi ca de DNA dupla-fi ta, de quatro, cinco

ou seis pares de base (bp) de comprimento. Essas enzimas foram isoladas

e purifi cadas de bactérias, nas quais agiam protegendo a célula contra

a invasão de DNA exógeno (uma infecção por vírus, por exemplo). O

DNA da bactéria é protegido da ação dessas endonucleases de restrição

por um sistema específi co de marcação do seu DNA por moléculas de

metila (processo denominado metilação).

Locos de Minissatélite

Loco 1 Loco 3 Loco 4Interpretação mendeliana

Loco 2

Padrão de bandas de minissatélites

de loco único para 3 indivíduos

Padrão de bandas de minissatélites de

multiplos locos (locos 1 a 4 acima) para os mesmos 3 indivíduos

Page 328: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 121

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LA 8

A técnica de RFLP envolve a utilização de enzimas de restrição que

irão cortar o DNA, amplifi cado pelo PCR, em função do reconhecimento

de seqüências específi cas. Por exemplo, a enzima de restrição Eco RI,

— assim chamada por ter sido extraída da bactéria Escherichia coli

— reconhece e digere a seqüência específi ca 5’-GAATTC-3’. Assim,

diferentes indivíduos, numa dada população, poderão apresentar, para

a mesma seqüência de DNA, diferentes mutações. Essas mutações podem

determinar que a enzima de restrição Eco RI não reconheça mais um sítio

de restrição (se mudar a seqüência de 5’-GAATTC-3’ para 5’-GTATTC-

3’, por exemplo) ou, alternativamente, que passe a reconhecer um novo

sítio (a operação inversa, por exemplo, mudando uma seqüência

5’-GTATTC-3’ para 5’-GAATTC-3’). Muito complicado? Então, observe

a Figura 8.4, pois ela pode auxiliar você a entender esse processo.

Figura 8.4: Mapa de restrição indicando o padrão de corte de uma determinada enzima e um esquema representando a separação dos fragmentos em um suporte (gel de agarose ou poliacrilamida) e seus respectivos tamanhos em Kb. MM é um marcador molecular que apresenta um conjunto de bandas com tamanhos conhecidos.

KILOBASE (KB)

É uma unidade de medida de peso

molecular do DNA. 1kb signifi ca um

conjunto de 1.000 nucleotídeos.

Ficou mais claro para você, agora? É interessante notar que o

padrão mostrado na Figura 8.4 é haplóide, ou seja, é para uma seqüência

única de DNA que se origina de um cromossomo apenas. Para organismos

diplóides, a seqüência tem origem de um par de cromossomos. Desse

modo, o indivíduo apresentará um padrão semelhante àqueles mostrados

na Figura 8.4 (A, B ou C) apenas se for homozigoto. No caso de

indivíduos heterozigotos, o padrão de bandas será uma composição

Seqüência sem sítio de restrição

Ganho de sítio

Ganho de novo sítio

Região na seqüência em que a enzima de restrição cliva O DNA

SEPARAÇÃO DOS FRAGMENTOS POR ELETRÓLISE E VISUALIZAÇÃO EM UM SUPORTE DE AGAROSE

REVELADO COM PRATA

Page 329: Rb214   genética e evolução

122 C E D E R J

Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

dos três padrões representados: AB, AC ou BC. Assim, para o exemplo

dado, poderemos ter seis padrões distintos de bandas, que equivalem

aos seis genótipos possíveis, se considerarmos os três padrões haplóides

como alelos: AA, BB, CC, AB, AC e BC. Entendeu? Então, tente realizar

a atividade a seguir.

Qual é o genótipo dos três indivíduos representados na Figura 8.5?

ATIVIDADE

RESPOSTA COMENTADA

Você identifi cou que os três indivíduos são heterozigotos. O primeiro indivíduo

(AB) e o segundo (AC) apresentam número de bandas que é igual à soma do

número de bandas de cada um dos alelos. O terceiro indivíduo (BC) apresenta

uma banda a menos do que a soma do número de bandas de cada um dos

alelos. Isso se dá porque os alelos B e C apresentam banda de mesmo tamanho;

logo, essas bandas apresentam a mesma mobilidade eletroforética.

Figura 8.5: Esquema representando a separação dos frag-mentos de restrição em um suporte (gel de agarose ou poliacrilamida) e seus respectivos tamanhos em kb. MM é um marcador molecular que apresenta um conjunto de bandas com tamanhos conhecidos.

Indivíduos

Page 330: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 123

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LA 8

As facilidades da técnica de PCR podem ser utilizadas para

amplifi car segmentos aleatórios de DNA ao longo de todo o genoma

dos organismos. Esse é o caso da técnica de RAPDs (DNA polimórfi co

amplifi cado aleatoriamente, do inglês Randomly Amplifi ed Polimorphic

DNAs). Nessa estratégia, iniciadores pequenos (por volta dos 10 pares

de base) e de seqüência aleatória são utilizados para o PCR com

temperaturas que permitam seu pareamento em diversas regiões do

genoma, amplifi cando, desta forma, grande número de segmentos

de DNA dos mais diversos tamanhos e origens. O padrão de bandas

observado é muito semelhante àquele obtido para minissatélites de locos

múltiplos; contudo, a diferença fundamental entre esses dois fi ngerprints

é que, no primeiro caso, sabemos que as bandas equivalem a alelos de

locos defi nidos e, no caso dos RAPDs, as bandas observadas equivalem

a regiões do genoma amplifi cadas ao acaso.

As técnicas de DNA que descrevemos são mais próximas da

variação real do genoma que a eletroforese de aloenzimas; contudo,

à exceção do seqüenciamento total, marcadores moleculares de DNA

também são uma estimativa indireta da variação gênica. Como em toda

técnica, estudos fundamentados em polimorfi smo de DNA obtidos por

PCR também possuem alguns pressupostos. Primeiramente, é preciso

assumir como verdade que o produto obtido pelo PCR é o desejado. A

reação em cadeia da polimerase é tanto mais específi ca quanto maiores

forem as temperaturas usadas, embora nada impeça que alguma outra

região do genoma, semelhante àquela com a qual acreditamos estar

trabalhando, possa ser amplifi cada juntamente com a desejada ou no

lugar da que se deseja amplifi car.

Outro pressuposto importante que assumimos é que todos os alelos

estão sendo certamente e igualmente amplifi cados. Isso signifi ca dizer

que, quando observamos um homozigoto, ele, certamente, possui apenas

aquela banda no gel, e nenhuma outra deixou de ser amplifi cada pela

reação ou foi amplifi cada de maneira que não pudéssemos observar. Em

alguns casos, seqüências diferentes podem ser mais difíceis de amplifi car

que outras, o que invalidaria nosso pressuposto.

Finalmente, assumimos que os segmentos de DNA amplifi cados

são comuns por descendência, e não por convergência (ver Aula 3

da disciplina Diversidade dos seres vivos: fi logenia); ou seja, quando

observamos os padrões de bandas de dois indivíduos diferentes e

Page 331: Rb214   genética e evolução

124 C E D E R J

Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

percebemos que eles são iguais, admitimos que aqueles indivíduos partilham

de um ancestral comum. Porém, outra possibilidade seria a de que elas, por

acaso, apresentassem a mesma mobilidade eletroforética; estaríamos, então,

inferindo que um parentesco, de fato, não existe entre esses dois indivíduos.

QUAL O MELHOR MARCADOR MOLECULAR?

Os marcadores moleculares disponíveis atualmente podem ser

classifi cados de acordo com a existência de dominância. Técnicas

como aloenzimas, microssatélites, minissatélites de loco único e

RFLPs apresentam co-dominância, sendo homozigotos e heterozigotos

facilmente identificáveis no padrão de bandas visualizado após a

eletroforese (veja, de novo, na Figura 8.1, a interpretação dos padrões

de bandas no gel). Por outro lado, técnicas como RAPDs e minissatélites

de locos múltiplos apresentam dominância. Neste caso, basta a presença

de um único genoma que possibilite a amplifi cação do fragmento, para

que a banda seja visualizada. No caso de indivíduos heterozigotos, a

banda também será observada, impossibilitando a distinção de um dos

homozigotos do heterozigoto.

Marcadores moleculares com situação de dominância tornam-se

menos úteis para análises populacionais. Nesses casos, para se estimar as

freqüências gênicas a partir da interpretação do padrão de bandas, é preciso

que se assuma um pressuposto muito importante e não necessariamente

atendido: o Equilíbrio de Hardy-Weinberg (ver Aula 7).

A escolha da técnica molecular a ser empregada depende da

avaliação, também, de alguns critérios. Primeiramente, é importante

defi nir o problema a ser investigado, uma vez que diferentes marcadores

moleculares apresentam diferentes taxas de substituição, ou seja, evoluem

em velocidades diferentes.

Marcadores que evoluem muito rápido são úteis para o estudo

de indivíduos, famílias e populações; isso se dá porque altas taxas de

substituição determinam que a taxa de mudança, para uma dada região

da molécula, seja tão rápida que indivíduos, mesmo muito aparentados,

serão diferentes, quando estudados por esse marcador. Por exemplo,

técnicas como RAPDs produzem quantidade muito grande de variação

observável, o que é útil para estudos de paternidade, modos de reprodução

ou organismos clonais.

Page 332: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 125

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LA 8

Aloenzimas, por sua vez, são adequadas para pesquisa em nível

populacional, uma vez que apresentam padrões de co-dominância e

níveis moderados de variação. Os microssatélites, que são abundantes

no genoma e exibem grande variação alélica, são especialmente indicados

para estudos de populações altamente endocruzadas (inbred), típicas em

sistemas de cultivo em massa (agricultura, aquacultura etc.).

Marcadores que evoluem mais lentamente são mais adequados

para os estudos que envolvem diferentes espécies ou táxons supra-

específi cos. Nesse caso, como a taxa de mudança é mais lenta, indivíduos

proximamente aparentados, como aqueles que pertencem à mesma família

ou população, não apresentarão diferenças, sendo todos iguais, quando

estudados por esse marcador. Técnicas como RFLPs e seqüenciamento são

bons exemplos desse tipo de marcador; daí serem indicadas para estudos

de Filogenia, por exemplo.

Outro critério importante a ser observado é o tipo de material

disponível para estudo. Trabalhos com aloenzimas demandam

quantidade razoável de material biológico (10 a 50mg por loco gênico

analisado), que deve estar obrigatoriamente fresco ou congelado. Dessa

forma, dependendo do organismo, a amostragem para os trabalhos com

aloenzimas pode ser destrutiva, impondo limitações para sua utilização

em estudos com organismos muito pequenos (ou larvas), bem como com

espécies raras. Trabalhos que utilizam as facilidades da técnica de PCR

não oferecem esse tipo de problema. Em tais casos, porém, as limitações

estão relacionadas ao custo da técnica (reagentes, equipamentos), ao

tempo e à experiência necessários para obtenção dos dados (conhecimento

especializado, equipamento sofi sticado), o que restringe, por exemplo, os

tamanhos de amostra que podem ser utilizados nestes estudos.

A escolha do marcador molecular adequado depende de análise de custo

e benefício, bem como de precisa defi nição do problema a ser investigado.

Page 333: Rb214   genética e evolução

126 C E D E R J

Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

CONCLUSÃO

Não é demais repetir, nesta disciplina de Evolução, que a perspectiva

populacional da variação interindividual foi um dos grandes méritos de

Darwin, do mesmo modo que o modelo mendeliano e sua concepção de

herança particulada foi decisivo para construção de uma explicação para as

mudanças evolutivas. Essa explicação é a teoria sintética da Evolução.

Para a teoria sintética, a primeira condição para que o processo

evolutivo ocorra é a existência de variação gênica nas populações. De

outro modo, não é possível que haja mudança na composição genética

das populações ao longo das gerações. Dessa forma, o trabalho de medir

e caracterizar a variação gênica presente em populações é condição

fundamental para se estudar Evolução.

Nas três aulas anteriores, você estudou como medir e caracterizar a

variação gênica. Nesta aula, você estudou várias técnicas de amostragem da

variação gênica em nível molecular. Os marcadores moleculares representam

locos gênicos que apresentam alguma variabilidade e, portanto, são ótima

ferramenta para estudar Evolução.

R E S U M O

Moléculas, tais como as aloenzimas e o DNA, podem ser usadas para amostrar

a variação gênica presente nas populações; para tanto, utilizam-se técnicas,

como a eletroforese de aloenzimas, PCR, microssatélites, minissatélites, RFLPs e

RAPDs. Quando usamos aloenzimas, precisamos assumir o pressuposto de que a

seqüência de aminoácidos na proteína equivale à seqüência de nucleotídeos no

DNA, e ter claro, também, que a quantidade de variação amostrada é sempre

uma subestimativa da variação total. Marcadores moleculares de DNA, por outro

lado, são mais próximos da variação real do genoma, mas também é necessário

assumir pressupostos para se trabalhar com eles: o produto obtido é o desejado;

todos os alelos estão sendo amplifi cados igual e certamente; os segmentos de DNA

amplifi cados são comuns por descendência e continuam sendo uma estimativa

indireta da variação gênica. Diferentes marcadores moleculares apresentam

diferentes taxas evolutivas, sendo úteis para o estudo de diferentes problemas

da Evolução.

Page 334: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 127

AU

LA 8

ATIVIDADES FINAIS

1. Por que a variação amostrada pelo método de eletroforese de aloenzimas é

uma subestimativa da variação total?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

2. Se duas seqüências de DNA diferentes não são amplifi cadas uniformemente

numa reação de PCR, qual a conseqüência que isto pode acarretar para uma

interpretação mendeliana do padrão de bandas obtido?

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

3. Imagine se você quisesse estudar um organismo muito pequeno ou uma espécie

ameaçada de extinção. Você optaria por utilizar marcadores de aloenzimas?

Justifi que sua resposta.

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

COMENTÁRIO

Como você já viu nesta aula, são características como a subestimativa da variação

que fazem da eletroforese um método conservador, ou seja, se tem muita segurança

em relação À variação revelada pelo método.

COMENTÁRIO

Você deve ter percebido que os métodos moleculares apresentam limitações

técnicas, e este é um exemplo desse tipo de limitação..

COMENTÁRIO

Esperamos que nesta questão tenha fi cado evidente para você que nenhum método

molecular é universal. Para escolher o melhor método molecular é preciso conhecer

todas as características de todos os métodos.

Page 335: Rb214   genética e evolução

128 C E D E R J

Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

4. O que signifi ca dizer que um marcador molecular tem evolução rápida?

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

5. Se você quisesse estudar as relações de parentesco entre táxons separados

evolutivamente há muito tempo, como diferentes ordens ou classes, escolheria

marcadores de evolução lenta ou rápida? Justifi que sua resposta.

___________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

AUTO-AVALIAÇÃO

Esta aula envolveu grande quantidade de informações e, provavelmente, exigiu de

você, também, um esforço de revisão dos conteúdos estudados em outras disciplinas.

Mas não se assuste; caso você tenha sentido muita difi culdade, leia de novo o

conteúdo da aula que, agora, já não será tão novo. Do mesmo modo, dedique um

pouco mais de tempo à observação e análise das fi guras; elas podem facilitar muito

o entendimento de todas essas técnicas.

Esperamos que você tenha conseguido realizar a atividade proposta sem problemas;

caso isso não tenha ocorrido, retorne à explicação, que as coisas devem fi car mais

claras. Quanto aos exercícios, eles seguem uma ordem crescente de difi culdade; logo,

comece pelo primeiro e siga sem medo até o fi m. A última questão é um desafi o,

aceite-a como tal e divirta-se! Confi ra suas respostas e aprenda com seus erros!

COMENTÁRIO

Se você respondeu bem esta questão, signifi ca que já está tomando decisões a

respeito do melhor marcador molecular para cada problema em Evolução. Parabéns!

Você alcançou o objetivo desta aula.

COMENTÁRIO

Além de ter de conhecer muito bem as características de todos os métodos para

você utilizar os marcadores moleculares em Evolução, deve também, ter boa

defi nição do problema biológico a ser estudado.

Page 336: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 129

AU

LA 8

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Nas primeiras quatro aulas desta Disciplina, você estudou Evolução sob uma

perspectiva histórica. Nas Aulas de 5 a 8, foi apresentado o material da

Evolução: estudou-se como medir, descrever e amostrar a variação gênica.

Nas próximas aulas, vamos estudar as forças evolutivas. A primeira delas será

a Mutação, que é a força evolutiva que deu origem a toda variação gênica.

Page 337: Rb214   genética e evolução
Page 338: Rb214   genética e evolução

Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Defi nir o conceito de mutação como força evolutiva em populações naturais.

• Executar o cálculo das freqüências gênicas e genotípicas de uma população sob efeito de eventos mutacionais recorrentes.

objetivos9AULA

Meta da aula

Apresentar o conceito de mutação como força evolutiva em populações naturais.

Pré-requisito

Para acompanhar mais facilmente esta aula, é importante que você reveja os conceitos de estrutura de DNA (Aulas 3 e 4, disciplina Biologia molecular) e, principalmente, a aula de Mutação e reparo de DNA (Aula 13, da mesma disciplina).

Page 339: Rb214   genética e evolução

132 C E D E R J

Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

INTRODUÇÃO

PROCESSOS SISTEMÁTICOS

Incluem mutação, migração ou fl uxo gênico e seleção. Esses processos alteram as freqüências gênicas de forma mensurável na quantidade e direção, o que signifi ca que podemos estimar as alterações de forma precisa. Já os PROCESSOS DISPERSIVOS são imprevisíveis quanto à direção. Podemos fazer uma analogia entre um processo dispersivo e uma garrafa boiando no oceano. É impossível prever o trajeto que a garrafa percorrerá, já que sua mobilidade depende de eventos aleatórios (ondas causadas pelo deslocamento de grandes animais, correntes causadas por navios etc.).

Nesta aula, de forma distinta das disciplinas Genética Básica e Biologia Molecular,

vamos falar sobre mutação como fonte de nova variabilidade genética e como

força evolutiva que altera as freqüências dos genes em uma população.

MUDANÇAS NAS FREQÜÊNCIAS GÊNICAS – MUTAÇÃO

Até agora, vimos que uma grande população com cruzamento

ao acaso é estável com respeito às freqüências gênicas e genotípicas, na

ausência de processos que levem à mudança nas propriedades genéticas.

Agora, podemos prosseguir no estudo desses processos, através dos quais

ocorrem as mudanças nas freqüências gênicas e, conseqüentemente, nas

freqüências genotípicas.

Existem dois tipos de processos: PROCESSOS SISTEMÁTICOS, que tendem

a mudar as freqüências gênicas de maneira previsível, tanto na quantidade

como na direção; e PROCESSOS DISPERSIVOS, que surgem dos efeitos de

amostragem em populações pequenas, sendo previsível na quantidade,

e não na direção. Vamos estudá-los separadamente primeiro, assumindo

que cada um deles está atuando em um determinado momento para,

então, colocá-los em conjunto e ver como eles interagem. Começaremos

por um processo sistemático, o de mutação, considerando uma população

grande com cruzamento ao acaso, de forma a excluir o processo de

dispersão do cenário.

MUTAÇÃO

Constitui a origem de todas as variações genéticas em uma

população, sejam elas grandes (mutações cromossômicas, supergenes),

ou pequenas (um único nucleotídeo de um gene). Mutação, portanto, é

um conceito que se aplica desde a rearranjos cromossômicos até a troca,

perda ou adição de nucleotídeos de um gene, produzindo novos alelos.

Usada no seu sentido amplo, a mutação refere-se a qualquer mudança

imprevista e herdável no genótipo de um organismo.

Você estudou, na disciplina Diversidade dos Seres Vivos, que

mutação constitui a fonte de variabilidade genética necessária para a

evolução, um processo normalmente ao acaso e não adaptativo.

O termo mutação refere-se tanto à (1) mudança no material

genético quanto (2) ao processo pelo qual ocorre a mudança. Um

organismo que exibe um fenótipo novo, resultante de mutação, é

chamado mutante (Figura 9.1).

Page 340: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 133

AU

LA 9

Figura 9.1: Visão geral do processo de mutação e expressão de alelos selvagem e mutante.

CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA MUTAÇÃO GÊNICA

Revendo nossos conceitos genéticos do processo de mutação,

lembre-se de que uma mutação pode ocorrer de forma espontânea (erros

da enzima DNA polimerase durante a replicação) ou pode ser induzida

por agentes mutagênicos ou mutágenos.

Uma mutação pode suceder em qualquer célula e em qualquer

estágio do desenvolvimento de um organismo multicelular. Ocorre tanto

em células somáticas como em células germinativas (gametas); contudo,

somente as mutações que ocorrem nos gametas são passadas adiante de

geração em geração (são herdáveis). Assim, se uma pessoa sofre uma

mutação na pele e desenvolve um câncer, em conseqüência de exposição

excessiva aos raios ultravioleta do Sol (por isso é importante usar fi ltro

solar!!), ela não transmite essa doença a seus fi lhos (Figura 9.2). Por

outro lado, um radiologista imprudente, que recebe uma dose alta de

raios X na região pubiana, pode gerar uma criança malformada, pois

suas células germinativas foram atingidas.

Transcrição

Tradução

Códon nCódon 2Códon 1

Alelo Selvagem

Polipeptídeo aa1 . aa2...............glu............aan

Proteína Normal

Alelo Mutante

Transcrição

Tradução

aa1 . aa2...............lis............aan

MUTAÇÃO

CROMOSSOMO

Proteína Alterada

Page 341: Rb214   genética e evolução

134 C E D E R J

Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

Figura 9.2: Veja o Cláudio na praia; que imprudên-cia! Ele não sabe que sem proteção do fi ltro solar, sua pele está exposta à ação dos raios ultravio-leta do Sol, que podem causar um pareamento errado das bases do DNA e levar a um câncer de pele. Felizmente, o der-matologista do Cláudio conseguiu evitar que a lesão da pele evoluísse para câncer e ensinou-o a cuidar da sua saúde e da de seu fi lho. Agentes mutagênicos ou mutágenos

As mutações induzidas são as que resultam da exposição dos

organismos a agentes físicos e químicos, ou ainda da ação de elementos

genéticos de transposição endógenos, que causam mudanças no DNA.

Eles incluem a radiação ionizante (raios X, raios gama e raios cósmicos),

a luz ultravioleta e uma ampla variedade de substâncias químicas como,

por exemplo, análogos de bases, agentes alquilantes (nitrosaminas, gás

mostarda), desaminantes (ácido nitroso), hidroxilamina e corantes

aromáticos (acridinas).

Os organismos vivos contêm elementos marcantes no DNA que

podem pular de um sítio para outro, no genoma. Esses TRANSPOSONS,

ou elementos genéticos de transposição, podem tornar um gene não-

funcional (gerando um fenótipo mutante devido à modifi cação do

produto gênico, codifi cado pelo gene original) através da sua inserção

no genoma do hospedeiro.

Estimativas de velocidade de mutação

Operacionalmente, é impossível provar que uma mutação particular

ocorreu espontaneamente ou foi induzida por agente mutagênico.

As mutações espontâneas ocorrem raramente, embora as freqüências

observadas variam de gene a gene e de organismo a organismo.

Para vários genes de fagos e bactérias, as medidas das freqüências de

mutações espontâneas variam de aproximadamente 10-8 a 10-10 mutações

detectáveis por par de nucleotídeos, por geração. Para os eucariontes, as

estimativas de velocidades de mutação variam de aproximadamente 10-7 a

10-9 mutações detectáveis por par de nucleotídeos, por geração (considerando

apenas os genes para os quais amplos dados estão disponíveis).

TRANSPOSONS

Também chamados Elementos de Transposição ou Seqüências de Inserção (SI), são seqüências de DNA que podem se transferir de uma região para outra do genoma, deixando ou não uma cópia no local antigo onde estavam. A transposição pode ser para o mesmo cromossomo, para outro cromossomo, para um plasmídio ou para um fago. Os transposons foram descobertos, inicialmente, no milho, por Barbara McClintock, em torno de 1950; e, atualmente, sabe-se que estão presentes em todos os organismos.

Page 342: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 135

AU

LA 9

Comparando as velocidades de mutação por nucleotídeo com

as velocidades por gene, temos que a velocidade de mutação média

corresponde a 10-4 a 10-7, por geração, para um gene constituído de

cerca de 1.200 pares de bases (codifi cando para um polipeptídeo com

400 aminoácidos).

O tratamento com agentes mutagênicos pode aumentar a

freqüência de mutações em várias ordens de magnitude. A freqüência

de mutação por gene, nas bactérias e vírus, pode ser aumentada para

mais de 1% pelo tratamento com potentes mutágenos químicos.

Por defi nição, as mutações ocorrem ao acaso, ao longo do genoma

de um organismo. No entanto, existem seqüências de nucleotídeos mais

propensas a ocorrência de um evento mutacional. Tais sítios de mutação

são chamados pontos quentes (em inglês: hotspots) e apresentam número

de mutações maior do que o esperado para uma distribuição aleatória

(10 a 100 vezes a mesma mutação no mesmo sítio). Um exemplo seria

uma doença hereditária humana, a fi brose cística, em que 70% dos

alelos mutantes contêm a mesma deleção das três bases que originam a

proteína mutante.

A base molecular da mutação

O processo de mutação em nível molecular envolve diversos

mecanismos. Um exemplo de mutação espontânea em nível molecular é

a modifi cação tautomérica sofrida pelas bases nitrogenadas que compõem

os nucleotídeos durante o processo de replicação.

Watson e Crick, quando descreveram a estrutura da dupla-hélice

do DNA (veja sobre o trabalho desses cientistas na Aula 3, Grandes

Temas em Biologia, e na Aula 4, Biologia Molecular), propuseram um

mecanismo para explicar a mutação espontânea. Eles destacaram que as

estruturas químicas das bases não são estáticas. Os átomos de hidrogênio

podem mover-se de uma posição em uma purina ou pirimidina para outra

posição; por exemplo, de um grupo amino para um nitrogênio em um

anel. Tais fl utuações químicas são chamadas mudanças tautoméricas.

Embora as modifi cações tautoméricas sejam raras, elas podem ser de

considerável importância no metabolismo do DNA, porque alteram o

potencial de pareamento das bases.

Page 343: Rb214   genética e evolução

136 C E D E R J

Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

As estruturas dos nucleotídeos que conhecemos são as formas

comuns, mais estáveis, nas quais a adenina sempre se pareia com timina

e a guanina sempre se pareia com citosina. As formas cetônicas mais

estáveis de timina e guanina e as formas amínicas de adenina e citosina

podem raramente sofrer mudanças tautoméricas para formas menos

estáveis, como enol e imino, respectivamente (Figura 9.3).

Seria de se esperar que as bases existissem em suas formas tautoméricas

menos estáveis por apenas um curto período de tempo. Entretanto, se existisse

uma base na forma rara no momento em que ela estivesse sendo replicada

ou sendo incorporada em uma cadeia nascente de DNA, aconteceria uma

mutação. Quando as bases estão presentes em seus estados raros, imino

ou enol, podem formar pares anômalos de adenina-citosina ou guanina-

timina. O efeito fi nal de tal evento é uma substituição A:T por G:C ou

G:C por A:T (Figura 9.3).

Figura 9.3: Formas tautoméri-cas das quatro bases comuns no DNA.

Page 344: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 137

AU

LA 9

Embora ainda tenhamos muito de aprender sobre as causas, os

mecanismos moleculares e a freqüência das mutações que ocorrem

espontaneamente, três fatores são importantes: (1) a precisão da maquinaria

de replicação do DNA; (2) a efi ciência dos mecanismos que evoluíram para o

reparo do DNA danifi cado; e (3) o grau de exposição a agentes mutagênicos

presentes no ambiente.

A mutação como força evolutiva

Os efeitos da mutação nas propriedades genéticas de uma

população vão diferir, caso estejamos examinando um evento mutacional

tão raro que possa ser considerado virtualmente único, ou, um passo

mutacional que ocorra repetidamente. O primeiro tipo não produz

mudança permanente em populações grandes (embora, em conjunto

com deriva genética, possa ter efeito importante no destino da variação,

como veremos mais adiante), enquanto o segundo produz. Lembre-se

também de que existem mutações gaméticas e somáticas, e seus efeitos nas

Figura 9.4: Tipos de mutação de ponto que ocorrem no DNA.

TRANSCRIÇÃO

TRANSVERSÃO

PURINAS

PIRIMIDINAS

As mutações que envolvem mudanças em sítios específi cos de um gene

são chamadas mutações de ponto ou pontuais. Elas incluem a substituição

de um par de bases por outro, ou a inserção ou deleção de um ou alguns

pares de nucleotídeos em um sítio específi co de um gene.

As mutações de ponto são de três tipos: (1) transições, substituições

de purina por purina e de pirimidina por pirimidina; (2) transversões,

substituições de purina por pirimidina e de pirimidina por purina; e (3)

mudanças de matriz de leitura (frameshift), adições ou deleções de um

ou dois pares de nucleotídeos, que alteram a matriz de leitura do gene

distal ao sítio da mutação (Figura 9.4).

Page 345: Rb214   genética e evolução

138 C E D E R J

Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

propriedades genéticas de uma população diferem. Na discussão a seguir,

estaremos voltados principalmente para aquelas mutações ocorrentes na

linha germinativa que dá origem aos gametas.

Mutação não-recorrente

Considere primeiro um evento mutacional que forneça apenas

um representante do gene ou cromossomo mutado na população inteira.

Esse tipo de mutação tem pouca importância como causa da mudança na

freqüência gênica, porque o produto de uma mutação única tem somente

uma chance muito pequena de sobreviver em uma população grande. O

gene mutante original está presente em heterozigose, e sua chance de ser

perdido na próxima geração reduz-se à metade (50%). Se este sobrevive,

pode estar representado por uma ou mais cópias, mas cada cópia tem 50%

de chance de sobrevivência na terceira geração. A perda é permanente.

A chance de sobrevivência indefi nida é muito pequena, de fato, sendo

zero em uma população infi nitamente grande. Pelo motivo de populações

reais não serem infi nitas, espera-se que, ocasionalmente, mutações únicas

sobrevivam indefi nidamente e levem a uma mudança na freqüência gênica

(voltaremos a isso mais adiante, nas aulas sobre deriva gênica).

Mutação recorrente

É nesse segundo tipo de mutação que estamos principalmente

interessados aqui, como um agente (processo) causando mudanças nas

freqüências gênicas. Em uma população grande, a freqüência do gene

mutante nunca é tão pequena que a perda possa ocorrer por efeitos de

amostragem. Temos, então, de descobrir qual é o efeito dessa ´pressão`

da mutação sobre as freqüências gênicas na população.

Mutação recorrente unidirecional

Suponha que o gene A1 seja alterado (mute) para A2 com uma

freqüência u por geração (u é a proporção de todos os genes A1 que

mutam para A2 entre uma geração e a próxima).

A1 u A2

Page 346: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 139

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LA 9

Se a freqüência de A1 em uma geração é po, a freqüência dos alelos

mutantes novos A2, na próxima geração, será upo. Assim, a nova freqüência

gênica de A1 é po - upo, e a mudança na freqüência gênica é -upo.

Freqüência de A1 na geração inicial (0) = po

Freqüência de A2 na geração seguinte (1) = upo

Freqüência de A1 na geração seguinte (1) = po - upo

Na primeira geração com mutação teríamos a freqüência de A1 (p1)

igual a po - upo, ou po(1 - u). Na segunda geração teríamos p2 = p1(1 - u), mas

já que p1 = po(1 - u), substituindo, temos p2 = po(1 - u) (1 - u) ou po(1 - u)2.

Freqüência de A1 na primeira geração (p1) = po - upo = po (1 - u)

Freqüência de A1 na segunda geração (p2) = p1 (1 - u) = po(1 - u)2

Estendendo este raciocínio para diversas gerações, verifi camos

que a freqüência gênica após t gerações será:

pt = po(1 - u)t

Figura 9.5: Mudanças na freqüência sob pressão de mutação. Neste exemplo, um alelo A1 muta para A2 com uma velocidade de u = 1 x 10–4 por gera-ção; pt é a freqüência do alelo A1 na geração t. Nós assumimos que a freqüência inicial p0 = 1. Com o dado valor de u, a freqüência do alelo A1 decresce à metade a cada 6.931 gerações.

A Figura 9.5 ilustra as mudanças que ocorrem na freqüência de

um alelo A1 sob pressão de mutação.

Note que, no início, todos os alelos existiam na forma A1. Ao longo

das gerações, a força das mutações vai, gradativamente, transformando

os alelos A1 em alelos A2. A freqüência do alelo A1 (pt) será de 0,5

após 6.931 gerações e chegará a zero após, aproximadamente, 40.000

gerações. Nesse momento, todos os alelos da população serão A2. Em

Freq

üên

cia

do

Ale

lo A

1 (p

)

Gerações (t)

Freq

üên

cia

do

Ale

lo A

2 (q

t)

Page 347: Rb214   genética e evolução

140 C E D E R J

Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

resumo, mutação agindo isoladamente das outras forças evolutivas é uma

força fraca e causa alterações lentas nas freqüências gênicas.

MUTAÇÃO RECORRENTE BIDIRECIONAL

Agora considere o que acontece quando os genes mutam em ambas

as direções. Suponha, para simplifi car, que existam somente 2 alelos, A1

e A2, com freqüências iniciais po e qo. A1 muta para A2 a uma velocidade

u por geração, e A2 muta para A1 a uma velocidade v. Então, após uma

geração, existe um ganho de A2 genes igual a upo, devido à mutação em

uma direção, e uma perda igual a vqo devido à mutação na outra direção.

Colocando em símbolos, temos a seguinte situação:

Velocidade de mutação

Freqüência gênica inicial po qo

Então, a mudança na freqüência gênica em uma geração é

Essa situação leva a um equilíbrio nas freqüências gênicas; assim,

nesse equilíbrio, nenhuma outra mudança ocorre. O ponto de equilíbrio

pode ser encontrado ao igualar-se à mudança nas freqüências (∆q) a zero.

Assim, no equilíbrio:

up = vq

ou

p/q = v/u

substituindo p por 1-q, temos

u- uq = vq

que leva a

q = u / v + u

Da mesma forma

p = v / u + v

A1 u A2v

∆q = upo - vqo

Page 348: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 141

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LA 9

Exemplo 9.1

1) No modelo de mutação recorrente bidirecional, qual a

freqüência de equilíbrio p de A1 se:

a) u = 10-5 e v = 10-6 ?

b) u é aumentado 10x?

c) v é aumentado 10x?

d) ambas as velocidades de mutação são aumentadas 10x?

Resolução

Vimos que p = v / u + v. Assim, se substituirmos os valores de 10-5 e

10-6 por 0,00001 e 0,000001, respectivamente, teremos:

a) p = 0,000001/0,00001 + 0,000001 = 0,000001/0,000011 = 1/11

= 0.91;

b) p = 0,000001/0,0001 + 0,000001 = 0,000001/0,000101 = 1/101

= 0.0099;

c) p = 0,00001/0,00001 + 0,00001 = 0,00001/0,00002 = 1/2 = 0.50;

d) p = 0,00001/0,0001 + 0,00001 = 0,00001/0,00011 = 1/11 = 0.91.

Note que quando as velocidades são aumentadas proporcionalmente

(item d, aumento de 10 vezes), o resultado fi nal não sofre alteração!

Podemos buscar, do mesmo modo que para o caso das mutações

unidirecionais, uma equação que nos descreva a relação entre as velocidades

de mutação, as freqüências alélicas iniciais e a freqüência esperada em uma

geração t qualquer a partir da geração 0 (zero) inicial.

Usemos a mesma simbologia acima, u e v como velocidades de

mutação de A1 para A2 e vice-versa, e tomemos pt e qt como as freqüências

de A1 e A2, respectivamente, na geração t, tanto que pt + qt = 1. Um alelo

A1 na geração t pode se originar em qualquer um de dois caminhos

possíveis. Ele pode ter sido um alelo A1 na geração t -1 que escapou

de mutar para A2 (o que ocorre com probabilidade 1 – u), ou pode ter

sido um alelo A2 na geração t –1 que mutou para A1 (o que ocorre com

probabilidade v). Colocando isto em símbolos, temos:

pt = pt – 1(1 - u) + (1 - pt – 1) v

colocando-se pt – 1 em evidência, teremos:

pt = pt – 1 (1 - u - v) + v

Page 349: Rb214   genética e evolução

142 C E D E R J

Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

Figura 9.6: Mudanças na freqüência sob pressão de mutação recorrente bidirecional. Na curva 1, po é igual a 1 e na curva 2, po é igual a 0; em ambas as curvas u é igual a 10-5 e v é igual a 10-6. O ponto de equilíbrio em ambos os casos é igual a 0,091, sendo atingido somente em t = 50.000.

Esta expressão descreve a mudança na freqüência de A1 entre uma

geração e outra. Para generalizá-la a diversas gerações, a fi m de encontrar

a freqüência de A1 na geração t em função das velocidades de mutação

e de po, um truque útil é colocar a expressão acima na forma:

pt - A = (pt – 1 - A)B

Em que A e B são constantes dependentes somente de u e v.

Simplifi cando, temos:

pt = pt – 1B +A(1 - B)

Equacionando termos iguais, nas equações apresentadas anteriormente,

podemos deduzir que B = (1 - u - v) e que A(1 - B) = v. Conseqüentemente, A = v/

u + v. Reescrevendo algumas equações, temos:

pt - v/ u + v = [pt – 1 – (v/ u + v)](1 - u - v)

Já que a relação entre pt – 1 e pt – 2 é a mesma que entre pt e pt – 1, a

solução geral para várias gerações medidas pela equação acima é:

pt - v/ u + v = [po – (v/ u + v)](1 - u - v)t

A Figura 9.6 mostra duas situações para as mudanças das

freqüências alélicas (de A1, neste caso) sobre mutação recorrente

bidirecional.

Page 350: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 143

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LA 9

Duas conclusões podem ser tiradas para o efeito da mutação nas

freqüências gênicas. Com velocidades de mutação ´normais`, geralmente

muito baixas (10-5 ou 10-6, por geração, para a maioria dos locos e

organismos), mutação sozinha pode produzir somente mudanças muito

vagarosas nas freqüências gênicas. Apenas 1 em 100.000 ou 1 em 1.000.000

dos gametas carregariam o alelo mutante em um loco particular.

Estudos de mutação reversa (do mutante para o ´tipo selvagem`)

mostram que, usualmente, esta é muito menos freqüente que as ´para

frente` (do selvagem para o tipo mutante). Se as mutações reversas são um

décimo das ´para frente`, a freqüência gênica de equilíbrio resultante da

mutação deveria ser 10% do tipo selvagem e 90% do tipo mutante. Em

outras palavras, o tipo mutante deveria ser a forma mais comum, e o tipo

selvagem, a forma rara. Como esse não é o caso nas populações naturais, é

claro que as freqüências desses genes não constituem o produto da mutação

sozinha. Veremos, nas aulas seguintes desta disciplina, que a raridade do

tipo mutante deve-se, muito provavelmente, à atuação da seleção.

Page 351: Rb214   genética e evolução

144 C E D E R J

Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

-5 e de A2 para A1 é de 10-6, sendo

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ATIVIDADE

COMENTÁRIO

Para resolver este exercício você deve aplicar a fórmula: pt - v/ u + v = [po – (v/

u + v)](1 - u - v)t, já que queremos calcular a p100, ou seja, a freqüência do alelo

A1 na centésima geração, E são fornecidos todos os parâmetros necessários

à aplicação da fórmula. Consideraremos que: a freqüência alélica p de A1 na

geração 100 é igual a p100; u = 10-5 = 0,00001; v = 10-6 = 0,000001; po = 0,5

e t = 100. Substituindo na fórmula, temos:

p100 - 0,000001/0,00001 + 0,000001 = [0,5 – (0,000001/0,00001

+ 0,000001)](1 - 0,00001 - 0,000001)100,

p100 - 0,1 + 0,000001 = [0,5 – (0,1 + 0,000001)](1 - 0,00001

- 0,000001)100,

p100 - 0,1 + 0,000001 = [0,5 – (0,100001)](0,0999989)100,

p100 - 0,1 + 0,000001 = [0,399999](0,0999989)100,

p100 - 0,100001 = [0,399999](0,0999989)100,

p100 = [0,399999](0,0999989)100 + 0,100001,

p100 = [0,399999](0,9989) + 0,100001,

p100 = 0,3996 + 0,100001,

p100 = 0,4996.

A freqüência alélica p de A1 na geração 100 será de 0,4996 ou,

aproximadamente, 0,5 (a mesma freqüência inicial!). Note que mutação é

uma força evolutiva fraca quando age sozinha, sem os efeitos da seleção,

migração ou deriva gênica.

Observe que o uso desta fórmula permite que você faça uma previsão do efeito

da mutação como força evolutiva ao longo de gerações futuras.

Page 352: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 145

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LA 9

assumindo

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ATIVIDADE

COMENTÁRIO

Assim como no exemplo 9.1, calculamos a freqüência de equilíbrio p de A

através da fórmula p = v / u + v. Se u = 1 em 10.000 = 0,0001 e v = 1 em

100.000 = 0,00001, temos:

p = 0,00001/0,0001 + 0,00001= 0,00001/0,00011 = 1/11 = 0,91;

q = 1 – p = 1 – 0,91 = 0,09.

Tendo p e q, podemos calcular as freqüências genotípicas no equilíbrio:

AA = p2 = 0,91 x 0,91 = 0,8281;

Aa = 2pq = 2 x 0,91 x 0,09 = 0,1638;

aa = q2 = 0,09 x 0,09 = 0,0081.

Quando dobramos a velocidade de mutação em ambas as direções, temos: u

= 0,0002 e v = 0,00002; assim, aplicando esses valores na fórmula p = v / u

+ v, resulta em: p = 0,00002/0,0002 + 0,00002= 0,00002/0,00022 = 1/11

= 0,91. Mais uma vez, como vimos no exemplo 9,1, nota-se que quando as

velocidades são aumentadas de maneira proporcional, o resultado fi nal não

é alterado.

Page 353: Rb214   genética e evolução

146 C E D E R J

Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

R E S U M O

O termo mutação refere-se tanto à (1) mudança no material genético quanto

(2) ao processo pelo qual ocorre a mudança. A mutação é a principal fonte de

variabilidade genética necessária para a evolução; é um processo normalmente ao

acaso e não adaptativo, que pode ocorrer de forma espontânea ou ser induzido

por agentes mutagênicos. O processo de mutação em nível molecular envolve

diversos mecanismos.

Um exemplo de mutação espontânea em nível molecular é a modificação

tautomérica sofrida pelas bases nitrogenadas que compõem os nucleotídeos

durante o processo de replicação. As mutações que envolvem mudanças em sítios

específi cos de um gene são chamadas mutações pontuais e incluem a substituição

de um par de bases por outro, ou a inserção ou deleção de um ou alguns pares

de nucleotídeos em um sítio específi co de um gene.

Os efeitos da mutação nas propriedades genéticas de uma população diferem

caso estejamos examinando um evento mutacional raro ou um evento que ocorre

repetidamente.

Duas conclusões podem ser tiradas para o efeito da mutação nas freqüências

gênicas: (1) com velocidades de mutação ´normais` geralmente muito baixas

(10-5 ou 10-6 por geração, para a maioria dos locos e organismos), mutação sozinha

pode produzir somente mudanças muito vagarosas nas freqüências gênicas, e (2)

as freqüências dos genes mutantes não são o produto da mutação sozinha.

AUTO-AVALIAÇÃO

Acredito que, ao fi nal desta aula, você tenha notado a diferença do processo de

mutação como gerador de diversidade e como força evolutiva. Caso permaneçam

dúvidas quanto aos mecanismos de mutação em nível de nucleotídeos do DNA,

vale a pena reler a Aula 13 da disciplina Biologia Molecular com bastante

atenção. Para executar os cálculos, você precisa recordar conceitos do Equilíbrio

de Hardy-Weinberg. Apesar da quantidade de variáveis nas fórmulas, as deduções

e interpretações não são complicadas. Evolua no entendimento desta disciplina!

Não se deixe abater pelos cálculos; o importante é compreender o papel da

mutação no processo evolutivo.

Page 354: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 147

AU

LA 9

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, analisaremos modelos estatísticos, que são maneiras efi cientes de

representar os fenômenos naturais. Defi niremos modelos deterministas e estocásticos e,

também, veremos os efeitos da amostragem em populações pequenas.

Page 355: Rb214   genética e evolução
Page 356: Rb214   genética e evolução

Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Discriminar modelos deterministas e estocásticos em Ciência.

• Correlacionar tamanho amostral com variância.

objetivos10A

UL

A

Meta da aula

Diferenciar determinismo e acaso na Evolução; relacionar o acaso com o destino evolutivo dos alelos em

populações pequenas.

Page 357: Rb214   genética e evolução

150 C E D E R J

Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

INTRODUÇÃO Nas próximas aulas, você aprenderá como a seleção natural pode determinar

o destino evolutivo de um alelo. Você verá que se um alelo tiver vantagem

adaptativa sobre outro (ou um menor coefi ciente seletivo), sua freqüência na

população aumentará até que atinja a freqüência na qual o nível adaptativo

médio da população será maior. A evolução das freqüências gênicas, nesses

casos, será determinada pelas forças evolutivas agindo sobre os alelos (no caso, a

seleção natural). Se o alelo A de um gene, por exemplo, tiver um valor adaptativo

(w) de 5% a mais do que o outro (se A tiver w = 1,05, enquanto que a tenha

w = 1,00), ele aumentará progressivamente até se fi xar (Figura 10.1).

Modelos assim, em que o resultado da equação é calculado como média, e é

mantido constante, são chamados modelos deterministas. Por que será que

eles têm esse nome? Pense e responda:

Eles têm esse nome porque a evolução da variável (por exemplo, a freqüência

do alelo A no caso anterior) é determinada diretamente pela equação, em

função de seus parâmetros (no nosso caso, o tempo e a vantagem adaptativa).

A maior parte dos modelos que usamos em Ciência é determinista. Alguns

exemplos bem conhecidos de modelos deterministas são aqueles de movimento

dos corpos desenvolvidos por Newton, os modelos de cinética enzimática, em

Bioquímica, e os modelos de crescimento populacional, em Ecologia.

Os modelos deterministas são extremamente úteis em Ciência, por

representarem propriedades gerais dos fenômenos estudados.

Veja, por exemplo, a relação entre o comprimento total e o número de raios

branquiais no bagre Clarias anguillaris (Figura 10.2). A partir dos dados

apresentados, observe o gráfi co e veja se pode responder: quantos rastros

branquiais terão os bagres de 300mm? (dica: use uma régua).

Evolução de freqüência de um alelo selecionado

Gerações

Freq

üên

cia

A

Figura 10.1

Page 358: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 151

AU

LA 1

0

Você deve ter visto que, como a relação apresentada é linear, você pode

extrapolar a partir da linha apresentada. Assim, o ponto em que a linha passa

pelo valor projetado, no eixo das ordenadas, a 300mm de comprimento, vai

corresponder, no eixo das abscissas, a 33 rastros branquiais.

Nos modelos deterministas, a probabilidade da mudança na variável é

mantida constante e pode ser estimada, em um determinado ponto, a

partir do comportamento daquela variável nos pontos anteriores. Ou seja,

no caso da Figura 10.1, se tivéssemos somente os pontos entre a geração

0 e a geração 10 (quando a freqüência de A aumentou de 0,30 para 0,49),

poderíamos estimar, com uma boa confi ança, os pontos futuros da geração

11 em diante. Modelos deterministas permitem facilmente que, a partir dos

dados de uma curva, sejam feitas extrapolações (previsões de pontos exteriores

a ela) e interpolações (previsões de pontos interiores a ela). Uma interpolação

seria, por exemplo, prever que bagres de 200mm teriam cerca de 29 rastros

branquiais (Figura 10.2).

Se por um lado os modelos deterministas são muito poderosos, por outro

eles não levam em conta o acaso e consideram somente as tendências

predominantes na evolução das variáveis. Considere, por exemplo, que a

probabilidade de chuva para cada dia do mês de junho, na cidade do Rio de

Janeiro, seja de 17% (www.inmet.gov.br). Considere também, para efeito de

simplifi cação, que em cada dia de chuva caiam 16mm de água. Com Base nesses

dados, qual seria sua previsão determinista para a quantidade de milímetro de

água que cairia, em média, durante os meses de junho, no Rio de Janeiro?

Rastros branquiais em C. anguillaris

Comprimento total (mm)

Ras

tro

s b

ran

qu

iais

Figura 10.2

Page 359: Rb214   genética e evolução

A cerveja e as cadeias de Markov

Entender modelos estocásticos é fundamental para compreender

uma das forças evolutivas mais importantes que existem: a deriva gênica

(que você verá na Aula 11). Então, para fi xarmos bem as diferenças entre

modelos deterministas e estocásticos, vamos falar de cerveja!

Imagine que um bêbado precise andar 200 metros do bar até sua

casa. Vamos tentar modelar essa tarefa, em função da quantidade de

cervejas ingeridas e suas conseqüências no sentido da orientação desse

bêbado. Na verdade, como somos cientistas, vamos tentar generalizar

esse modelo para o comportamento locomotor de todos os bêbados

(assumindo que não existam diferenças individuais importantes entre eles,

o que é um pressuposto grande, mas necessário para nossa modelagem).

A unidade de progresso no nosso modelo será o número de metros que

o bêbado conseguiu caminhar, em direção a sua casa, em 10 segundos.

152 C E D E R J

Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

Como o mês de junho tem 30 dias e a probabilidade de chuva é de 17% diários,

teríamos, deterministicamente, 5 dias de chuva (30 x 0,17). Como dissemos que

em cada dia de chuva caem 16mm de água, teríamos, em um mês médio, 80mm

(5 dias x 16mm) de água de chuva caindo sobre o Rio de Janeiro. Poderíamos

mesmo dizer que, em média, caem 80/30 = 2,7mm de água por dia durante o mês

de junho no Rio de Janeiro. No entanto, apesar de esses valores serem médios e

fundamentados em probabilidades, não podemos saber se em um dia específi co

(por exemplo, no dia de São João, 24 de junho) irá chover. O matemático russo

ANDREI MARKOV decidiu estudar, no século XIX, como seria a evolução dos modelos

matemáticos em que fossem consideradas as probabilidades de ocorrência dos

eventos, não como médias do período total mas, sim, como o resultado da soma,

passo a passo, desses eventos.

Os modelos em que a cada nova medida (cada dia do mês de junho, por exemplo)

são estimadas as probabilidades dos eventos (como a chance de chover ou não)

e o resultado líquido de tal probabilidade (milímetros de chuva) é computado e

somado ao do evento anterior (no nosso caso, aumentando o total de milímetros de

chuva acumulados no mês) são chamados de modelos estocásticos. Os modelos

estocásticos são, mais complexos e mais próximos da realidade. Por outro lado, os

gráfi cos resultantes da aplicação desses modelos não são bonitinhos, com linhas

lisas retas ou curvas (como as Figuras 10.1 e 10.2). Ao incorporar o acaso a cada

passo, os modelos estocásticos produzem linhas irregulares, mais difíceis de analisar.

Quando o número de repetições de amostragem de um modelo estocástico tende

ao infi nito, transforma-se em modelo determinista, como veremos a seguir.

ANDREI ANDREYEVICH MARKOV

Nasceu na Rússia em 1856 e fi cou conhecido por seus trabalhos em Matemática e Estatística. Suas pesquisas principais foram sobre o desenvolvimento de modelos matemáticos, em que a evolução dos valores das variáveis é calculada de acordo com as probabilidades associadas a cada passo. A evolução dos valores dessas variáveis é conhecida como cadeia de Markov.

Page 360: Rb214   genética e evolução

Vamos considerar, também, que exista, a cada período de

dez segundos, uma probabilidade X de que ele se dirija no

sentido correto da casa, e que exista uma probabilidade

Y (no caso, Y = 1-X) de que ele se dirija

no sentido oposto à sua casa, por estar

desorientado (Figura 10.3).

A distância que o bêbado

percorre em direção à casa, em casos

de sucesso, é de 5 metros em 10 segundos. Em caso

de desorientação, ele recua 1 metro naqueles 10 segundos. Finalmente,

vamos dizer que X e Y dependem da quantidade de álcool ingerida, de

modo que podemos criar uma tabela de probabilidades (Tabela 10.1):

Tabela 10.1: Probabilidades de avanços (A) ou retrocessos (R) em bêbados caminhando em direção às suas casas, em função do número C de garrafas de cerveja bebidas.

Cervejas (C) A R

2 0,95 0,054 0,80 0,20

6 0,60 0,408 0,30 0,70

Observe bem a tabela. Ela indica que a chance de caminhar na

direção certa (A) de nossos bêbados padrão diminui drasticamente com

o número de cervejas ingeridas. Tomar duas cervejas tem pouco efeito

no deslocamento (apenas 5% de chance de se desviar do seu caminho),

enquanto oito cervejas fazem com que os bêbados errem seu caminho 70%

das vezes. Em Estatística, existe um termo para incorporar a probabilidade

de um evento e seu resultado. Você lembra qual é esse termo?

C E D E R J 153

AU

LA 1

0

Figura10.3: Os parâmetros de nosso modelo: A é a probabilidade de o bêbado deslocar-se em direção de sua casa; R é a probabilidade de ele desorientar-se e, conseqüentemente,deslocar-se para longe de casa.

Page 361: Rb214   genética e evolução

154 C E D E R J

Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

Esse termo chama-se Esperança, e é calculado como o produto da

probabilidade e do resultado. Assim, se a chance de alguém ganhar na

loteria é de 0,02%, e o prêmio é de R$ 1.000, a Esperança dessa pessoa

ganhar é de 0,0002 (ou seja, 0,02% representado na escala de 0 a 1) vezes

R$ 1.000, ou E(ganhar) = 0,0002 x 1.000 = R$ 0,20. Ou seja, na média, se

o bilhete da loteria custa R$ 1, a pessoa terá um retorno de 20 centavos

para cada real apostado (os outros 80 centavos são o lucro das pessoas

que criaram o jogo, para cada real apostado).

No caso de pessoas que ingeriram quatro cervejas, qual a Esperança

média de deslocamento? Nesse caso, temos duas probabilidades; veja a

Tabela 10.1 e lembre-se de que ir no sentido certo corresponde a andar

cinco metros para a frente, e ir no sentido errado corresponde a 1 metro

para trás. Calcule a Esperança para cada uma e some os dois resultados.

A probabilidade A de andar no sentido certo, após a ingestão

de quatro cervejas, é de 0,80, e a de andar no sentido errado é de 0,20.

Assim,

E(A) = 0,80 x (5 metros) = 4 metros;

E(R) = 0,20 x (-1 metro) = - 0,20 metros.

O resultado líquido dessas esperanças é que, a cada 10 segundos,

uma pessoa que tomou quatro cervejas se deslocará E(A) + E(R), ou seja,

4 – 0,20 metros.

Assim, em seu cambalear, o bêbado se aproximaria da casa, em média,

em 3,80 metros a cada 10 segundos, de modo que ele precisaria de (200m/

3,80m) x 10segundos = 526 segundos (ou 8,8 minutos) para chegar a casa.

Então, vamos lá: calcule agora quantos minutos os bêbados

levariam para chegar a casa, em função das quantidades diferentes de

cerveja ingeridas. Primeiramente, vamos calcular as Esperanças para o

número de metros percorridos a cada dez segundos para cada nível de

embriaguez, ou seja, os valores de E(2 cervejas), E(6 cervejas) e E(8 cervejas). O caso

da Esperança para quatro cervejas (3,80 metros a cada 10 segundos)

nós já calculamos. Use a fórmula geral

E(C cervejas) = (AC x 5) + (RC x -1) metros.

O que é a mesma coisa que

E(C cervejas) = (AC x 5) - (RC x 1) metros, onde C é a linha

correspondente, na Tabela 10.1, à quantidade de cervejas.

Page 362: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 155

AU

LA 1

0

No nosso exemplo das quatro cervejas, A4 = 0,80 e R4 = 0,20. Assim,

a conta seria:

E(4 cervejas) = (0,80 x 5) – (0,20 x 1) = 4 – 0,2 = 3,8 metros

Agora divida a distância do bar até a casa (200 metros) pela distância

percorrida em 10 segundos para cada quantidade de cervejas (ou seja, as

Esperanças). Como essas distâncias eram as esperadas para um deslocamento

durante 10 segundos, você precisa multiplicar por 10, para ter o valor

total em segundos (no caso das quatro cervejas, como vimos, seriam 526

segundos). Vamos lá, preencha a Tabela 10.2 com seus resultados.

Tabela 10.2: A Esperança dos bêbados

Cervejas (C) A R E(C) Segundos para chegar a casa

2 0,95 0,05

4 0,80 0,20 3,80 526

6 0,60 0,40

8 0,30 0,70

Tabela 10.3: Respostas da Esperança dos bêbados

Cervejas (C) A R E(C) Segundos = Minutos

2 0,95 0,05 4,70 425 7,1

4 0,80 0,20 3,80 526 8,8

6 0,60 0,40 2,60 769 12,8

8 0,30 0,70 0,80 2.500 41,7

Esse modelo que fi zemos é determinista ou estocástico?

Como estamos trabalhando com a Esperança média dos

deslocamentos, o modelo é determinista. Assumimos que, a cada 10

segundos, um bêbado com 6 cervejas andará, em média, 2,6 metros

em direção a casa. Não estamos levando em conta quanto ele andará

nos primeiros 10 segundos ou entre os 50 e os 60 segundos desde que

começou. No modelo determinista, o que interessa é a constância da

regra ao longo do tempo. Veja, por exemplo, como fi cariam esses

deslocamentos entre bar e casa para os quatro níveis de consumo de

Page 363: Rb214   genética e evolução

156 C E D E R J

Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

cerveja (Figura 10.4). As várias linhas são lisinhas, bem comportadas. Elas são

baseadas em Esperanças, ou seja, são idealizações da relação entre consumo

de cerveja e deslocamento, e representam o que seria o movimento de bêbados

idealizados, que seguem perfeitamente o modelo que desenhamos.

Qual seria o equivalente estocástico a esse modelo?

Para um modelo estocástico, temos de considerar o resultado do

movimento de nosso bêbado a cada período de tempo (no nosso caso,

um período de 10 segundos). Como o resultado do movimento (ir para

a frente 5 metros ou ir para trás 1 metro) tem duas probabilidades

associadas (A e R no nosso modelo, que dependem da quantidade

de cerveja ingerida), precisamos sortear, a cada período, um número

aleatório entre 0 e 1, para decidir se, naquele período, o bêbado andou

para a frente (aleatório < A) ou para trás (aleatório > A). Veja a

Tabela 10.4. Nela calculamos, em períodos sucessivos de 10 segundos, os

deslocamentos de uma dada pessoa que consumiu 6 garrafas de cerveja.

2 cervejas

4 cervejas

6 cervejas

8 cervejas

Tempo (segundos)

Met

ros

Modelo determinista

Figura10.4: O bêbado e o determinista. Relações deterministas entre consumo de cerveja e o deslocamento entre o bar e casa.

Page 364: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 157

AU

LA 1

0

Tabela 10.4: Deslocamentos estocásticos de uma pessoa, de acordo com o modelo para ingestão de 6 garrafas de cerveja. Unidades de tempo = 10 segundos. Como, no modelo, a chance de andar na direção certa é de 60%, o sentido do deslocamento será considerado certo (5 metros para a frente) quando o número aleatório for menor ou igual a 0,60, e será considerado errado (1 metro para trás) quando for superior a 0,60.

Tempo Número aleatório Sentido MetrosPercurso em direção

a casa

1 0,601 errado -1,0 -1

2 0,431 certo 5,0 4

3 0,438 certo 5,0 9

4 0,027 certo 5,0 14

5 0,567 certo 5,0 19

6 0,387 certo 5,0 24

7 0,631 errado -1,0 23

8 0,530 certo 5,0 28

9 0,447 certo 5,0 33

10 0,992 errado -1,0 32

11 0,131 certo 5,0 37

12 0,061 certo 5,0 42

13 0,259 certo 5,0 47

14 0,017 certo 5,0 52

15 0,686 errado -1,0 51

16 0,661 errado -1,0 50

17 0,411 certo 5,0 55

18 0,172 certo 5,0 60

19 0,675 errado -1,0 59

20 0,014 certo 5,0 64

21 0,904 errado -1,0 63

22 0,327 certo 5,0 68

23 0,266 certo 5,0 73

24 0,434 certo 5,0 78

25 0,078 certo 5,0 83

26 0,447 certo 5,0 88

27 0,929 errado -1,0 87

28 0,438 certo 5,0 92

29 0,065 certo 5,0 97

30 0,800 errado -1,0 96

31 0,226 certo 5,0 101

32 0,962 errado -1,0 100

33 0,711 errado -1,0 99

34 0,186 certo 5,0 104

35 0,430 certo 5,0 109

36 0,229 certo 5,0 114

37 0,521 certo 5,0 119

38 0,399 certo 5,0 124

39 0,220 certo 5,0 129

40 0,957 errado -1,0 128

41 0,491 certo 5,0 133

42 0,684 errado -1,0 132

Page 365: Rb214   genética e evolução

158 C E D E R J

Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

43 0,434 certo 5,0 137

44 0,277 certo 5,0 142

45 0,335 certo 5,0 147

46 0,849 errado -1,0 146

47 0,782 errado -1,0 145

48 0,402 certo 5,0 150

49 0,621 errado -1,0 149

50 0,677 errado -1,0 148

51 0,51 certo 5,0 153

52 0,85 errado -1,0 152

53 0,47 certo 5,0 157

54 0,11 certo 5,0 162

55 0,96 errado -1,0 161

56 0,49 certo 5,0 166

57 0,12 certo 5,0 171

58 0,10 certo 5,0 176

59 0,39 certo 5,0 181

60 0,90 errado -1,0 180

61 0,50 certo 5,0 185

62 0,26 certo 5,0 190

63 0,84 errado -1,0 189

64 0,79 errado -1,0 188

65 0,30 certo 5,0 193

66 0,06 certo 5,0 198

67 0,83 errado -1,0 197

68 0,85 errado -1,0 196

69 0,04 certo 5,0 201

70 0,24 certo 5,0 206

71 0,57 certo 5,0 211

72 0,21 certo 5,0 216

73 0,07 certo 5,0 221

74 0,25 certo 5,0 226

75 0,29 certo 5,0 231

76 0,82 errado -1,0 230

77 0,76 errado -1,0 229

78 0,52 certo 5,0 234

79 0,34 certo 5,0 239

80 0,47 certo 5,0 244

81 0,93 errado -1,0 243

82 0,36 certo 5,0 248

83 0,41 certo 5,0 253

84 0,12 certo 5,0 258

85 0,84 errado -1,0 257

86 0,90 errado -1,0 256

87 0,30 certo 5,0 261

88 0,68 errado -1,0 260

89 0,54 certo 5,0 265

90 0,94 errado -1,0 264

91 0,80 errado -1,0 263

Page 366: Rb214   genética e evolução

C E D E R J 159

AU

LA 1

0

92 0,84 errado -1,0 262

93 0,20 certo 5,0 267

94 0,50 certo 5,0 272

95 0,38 certo 5,0 277

96 0,84 errado -1,0 276

97 0,81 errado -1,0 275

98 0,88 errado -1,0 274

99 0.05 certo 5,0 279

100 0.82 errado -1,0 278

Os números utilizados para as decisões das probabilidades foram

obtidos a partir de um gerador de números aleatórios do programa Excel®,

mas também poderiam ter sido retirados de tabelas de números aleatórios

existentes em livros de Estatística. Lembre-se de que números aleatórios são

números que variam ao acaso.

Repare que, se repetíssemos essa simulação, teríamos resultados

diferentes. Essa é uma diferença importante entre os modelos estocásticos

e os modelos deterministas: como os modelos deterministas são

fundamentados em tendências constantes, sempre dão os mesmos

resultados, desde que os parâmetros não sejam mudados. Os modelos

estocásticos dão resultados diferentes para cada cálculo, mesmo quando

os parâmetros são mantidos constantes.

Vejamos como fi ca representada, grafi camente, a evolução de

nossa pessoa entre o bar e o lar, depois das 6 cervejas, segundo o modelo

estocástico (Figura 10.5).

Estocástico 6 cervejas

tempo (segundos)

met

ros

Figura10.5: Deslocamentos estocásticos de uma pessoa entre o bar e sua casa, após seis garrafas de cerveja.

Page 367: Rb214   genética e evolução

160 C E D E R J

Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

Repare que, ao contrário das linhas dos modelos deterministas, a

linha da Figura 10.6 não é reta ou regular, apesar de mostrar tendência ao

deslocamento em direção à casa. Se refi zéssemos dez vezes os cálculos

de deslocamentos sob o efeito de 6 garrafas de cerveja, veríamos 10

trajetos diferentes, mas que oscilariam em torno de uma média, que

seria uma linha bem mais regular do que as outras (Figura 10.6).

Entendeu, então, as diferenças entre os modelos deterministas e

estocásticos?

Compare as Figuras 10.4 e 10.5. Se conhecêssemos apenas os

deslocamentos nos primeiros 400 segundos do deslocamento da pessoa

que tomou 6 cervejas, teríamos como determinar, a partir da Figura 10.4,

quantos metros ele teria percorrido após um total de 500 segundos? E

a partir da Figura 10.5?

Pois essa é a grande diferença entre os dois tipos de modelo! Como

vimos antes, no modelo determinista, o conhecimento de uma parte da

curva permite extrapolar ou interpolar outros valores de maneira bastante

exata. Nos modelos estocásticos isso é impossível (apesar de podermos

ter uma idéia geral do padrão).

Chega de cerveja!

Muito bem, usamos o nosso modelo dos deslocamentos sob o

efeito do álcool para diferenciar, de maneira simples, as propriedades dos

Figura10.6: Deslocamento de 10 pessoas, conforme nosso modelo estocástico para movimentos de pessoas sob efeito de seis garrafas de cerveja. A linha grossa representa a média dos deslocamentos das 10 pessoas.

Seis cervejas, dez bêbados

Met

ros

Tempo (segundos)

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0

dois tipos de modelo. Mas o que isso tem a ver com Evolução? Bom, a

resposta é... tudo, é claro! Os cientistas dos vários campos da Ciência se

preocupam com padrões gerais, que são bem representados por modelos

deterministas. Mas, em Evolução, o acaso é uma coisa importante demais

para ser desprezada. Mais do que um “ruído” nos gráfi cos, como seria

visto por deterministas, a variação é a fonte da Evolução.

Mesmo que o comportamento dos genes, na média, acabe seguindo

um modelo determinista, a evolução acontece a cada passo, como aquele

bêbado que queria voltar para casa. Assim, se queremos entender como

procede a evolução das espécies, devemos entender tanto dos modelos

deterministas (como quando estudamos seleção natural) como dos

estocásticos (quando estudamos deriva gênica, que será nossa próxima

aula). A grande diferença entre o exemplo do bêbado e a evolução dos

genes nas populações é que, no caso do bêbado, o que provocava a

variação em seus passos era um efeito externo (a quantidade de álcool

ingerido); no caso da evolução das populações, a maior fonte de variação

aleatória é o número de indivíduos da população.

Por que será que os genes nas populações pequenas variam

mais ao acaso do que nas populações grandes? Repare, de novo, na

Figura 10.6. Cada bêbado segue um caminho diferente, e a média dos

caminhos dos bêbados é bem mais regular que o caminho de cada um

individualmente. Se tivéssemos 100 bêbados, as linhas continuariam

bem espalhadas, mas a linha média seria ainda mais regular. Com um

número infi nito de bêbados, a linha média seria igual à linha esperada

no modelo determinista da Figura 10.4. Por que a linha média de 10

bêbados é mais irregular que a linha média de 100 bêbados?

Porque as médias amostrais se aproximam cada vez mais das

médias populacionais, quando se aumenta o tamanho da amostra.

No nosso caso, a curva média populacional é a estimada pelo modelo

determinista, e a curva média amostral é a calculada fazendo-se as médias

dos deslocamentos dos nossos bêbados a cada passo (Tabela 10.5). No

caso dos genes nas populações, a cada geração existe uma amostragem

dos genes que irão fazer parte da geração seguinte; é como se fosse um

sorteio, em que o que é sorteado são os alelos.

Imaginemos o caso de um loco com dois alelos. Vamos representar

esses dois alelos por grãos de feijão de duas cores (feijão preto, que

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Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

chamaremos de "alelo P", e feijão carioquinha, “alelo C”, por exemplo).

Vamos imaginar uma população de 50 indivíduos (ou seja, 100 alelos

– feijões – pois cada indivíduo é diplóide, ou seja, tem dois alelos para

cada loco). Vamos dizer que as freqüências dos alelos sejam fP = 0,6 e fC

= 0,4. Como seria a proporção de feijões P (pretos) e C (carioquinhas)

nos meus 100 feijões?

Se as freqüências são 0,6 e 0,4, isso signifi ca que existem 60% de P

e 40% de C na população. Como são 100 alelos, isso signifi ca que teremos

60 alelos pretos e 40 alelos carioquinhas. Então faça isso: coloque 60 alelos

P e 40 alelos C em um saco e misture bem. Essa é a nossa população.

Vamos fazer um experimento de AMOSTRAGEM COM REPOSIÇÃO.

Se pegarmos 10 alelos, qual a Esperança para cada tipo de alelo

que vamos retirar? Como a probabilidade de pegar cada tipo de alelo é

a sua freqüência (ou seja, quanto mais freqüente é o tipo de alelo, mais

provável é pegá-lo), as Esperanças são E(P) = fP x N; e E(C) = fC x N,

onde N é o número de feijões que pegamos. As Esperanças, então, são

de que peguemos 6 alelos pretos e 4 alelos carioquinhas, certo? Ou seja,

em um modelo determinista, o esperado seria que, todas as vezes que eu

retirasse 10 alelos, seis fossem P e quatro fossem C.

Vamos ver o que acontece quando incorporamos o acaso. Vamos

amostrar 10 “alelos”. Como a amostragem é com reposição, pegue os dez

feijões, anote as cores e os devolva ao saco (sacudindo bem, para misturar).

O que você encontrou? Faça isso de novo mais 9 vezes e preencha a Tabela

10.5. Faça também o total dos 10 experimentos de amostragem.

Tabela 10.5: Amostragem aleatória dos alelos P (preto) e C (carioquinha). São feitos 10 experimentos de amostragem de 10 feijões, com reposição.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 total

Alelo P

Alelo C

Qual a proporção média dos alelos P e C na sua amostragem?

AMOSTRAGEM COM REPOSIÇÃO

Em Estatística, temos dois tipos de amostragem. Quando cada amostra retirada não é colocada de volta, dizemos que a amostragem é sem reposição. Quando ela é colocada de volta, dizemos que é com reposição. Por que alguém iria se preocupar em colocar de volta alguma coisa que retirou para contar/medir/pesar etc. Na verdade, colocar de volta é uma maneira que temos de simular um tamanho infinito, se não, a cada vez que retiramos um objeto da amostragem, modifi camos a probabilidade para a retirada do próximo objeto. Por exemplo, se temos três bolas brancas e sete bolas pretas em um saco, a probabilidade de retirar uma bola branca é de 3/10 = 30%. Digamos, então, que retiramos, ao acaso, uma bola do saco, e ela foi branca. Qual a chance de que a próxima bola seja branca? Se a amostragem fosse com reposição, a chance continuaria a ser de 30%. No entanto, se não for com reposição, a proporção de bolas brancas e pretas no saco vai ter se modificado, pois agora teremos 2 bolas brancas e 7 pretas, o que dá uma proporção de bolas brancas de 2/9 = 0.222 ou 22,2%.

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A proporção média dos alelos é calculada pelo número total de

cada alelo, dividido pelo total de alelos. No nosso caso, como foram

amostrados 10 vezes 10 alelos, o total será de 100 alelos. Então fP =

(Total P) / 100.

Coloque no gráfi co da Figura 10.7 todos os pontos das suas 10

amostragens. Nas colunas “P” e “C” coloque pontos correspondentes

às freqüências dos alelos em cada repetição (se houver valores iguais,

coloque um ao lado do outro). Você terá, no fi nal, 10 pontos na coluna

C e 10 pontos na coluna P. Repare que você deve registrar, no gráfi co,

as freqüências relativas dos alelos P e C (ou seja, não coloque o número

total de alelos, e sim a proporção deles em cada amostragem. No nosso

caso, como eram 10 alelos, a proporção de cada alelo será a quantidade

de alelos dividida por 10; ou seja, se você encontrou 3 feijões pretos, a

freqüência do alelo P é 3/10, ou seja, 0,3).

Figura10.7: Freqüências dos alelos P e C em 10 amostragens sucessivas, de 10 alelos, com reposição.

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Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

Nos dez casos, você deve ter tido desvios em relação ao esperado,

que era de 6 alelos P e 4 alelos C. No entanto, é provável que a média

dos alelos tenha se aproximado mais da Esperança do que cada uma das

10 amostragens. Isso é semelhante ao que você havia observado no caso

dos bêbados da Figura 10.6. Coloque os valores das freqüências médias

de P e C na Figura 10.7, com uma outra cor para ressaltá-los.

Se você tivesse pego cinco feijões ao acaso, em vez de 10, o que

você acha que teria acontecido com a variação das freqüências de P e M

em cada experimento? Vamos experimentar! (Tabela 10.7)

Tabela 10.7. Amostragem aleatória dos alelos P (preto) e C (carioquinha). São feitos 10 experimentos de amostragem de 5 feijões, com reposição.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 totalAlelo PAlelo C

Não se esqueça de que a média, agora, é o total dos feijões

dividido por 50.

Faça a mesma coisa que você fez com a Figura 10.7 agora, na

Figura 10.8. Não se esqueça de que os valores das freqüências devem ser

calculados como número de alelos dividido pelo total (agora 5 em vez

de 10). Ou seja, se você encontrou 3 feijões-pretos, a freqüência do alelo

P é 3/5, ou 0,6. Registre também, no gráfi co, o valor correspondente às

médias. Use a mesma cor que você usou para a média na Figura 10.7.

Figura10.8: Freqüências dos alelos P e C em 10 amostragens sucessivas, cada uma de 5 alelos, com reposição.

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Compare as Figuras 10.7 e 10.8. O que aconteceu com a variação

dos pontos em torno da média em cada um? Provavelmente ela foi

maior na Figura 10.8 do que na Figura 10.7. Essa variação representa a

variância das freqüências, que vai ser tanto menor quanto maior for o

tamanho amostral (no nosso caso, o número de feijões retirados do saco).

Então, não se esqueça: quanto maior for o número de alelos amostrados

de cada vez, mais próximas serão as proporções dos alelos das proporções

originais na população. Ou, quanto mais feijões a gente amostra, maior a

chance de que a proporção de cada um seja parecida com as quantidades

dentro do saco.

Na Aula 11, sobre deriva gênica, você verá como em populações

pequenas os genes evoluem de maneira mais “bêbada”, enquanto em

populações grandes eles evoluem de maneira mais regular.

Uma maneira efi ciente de representar os fenômenos naturais é o uso de

modelos. Os modelos em que o acaso não é considerado, de modo que o

comportamento das variáveis resultantes é determinado por seus parâmetros,

são chamados deterministas. Os modelos em que os resultados de cada ponto são

estimados sem levar em conta os pontos anteriores são chamados estocásticos. Os

modelos estocásticos levam em conta o acaso, e seu comportamento depende,

fundamentalmente, do tamanho amostral a cada passo. Em outras palavras, eles

dependem da variância amostral.

R E S U M O

ATIVIDADES FINAIS

1. Qual a diferença entre modelos deterministas e estocásticos?

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

Modelos deterministas não levam em conta o acaso. Nos modelos deterministas,

é possível fazer extrapolações e interpolações. Nos modelos estocásticos, o acaso

é considerado a cada passo, e extrapolações e interpolações exatas não são

possíveis.

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166 C E D E R J

Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

2. A chance de alguém ganhar em dada loteria é de um em um milhão (esse valor

parece pequeno; na verdade, é bem próximo das chances de ganhar na maioria

das loterias federais). Se o prêmio for de trezentos mil reais e o custo da aposta

for de R$ 2, qual a Esperança de vitória, em reais, para cada real apostado?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

___________

3. Você resolveu ver a proporção de torcedores do Flamengo e do Fluminense em

um Fla x Flu. Para isso, fi cou na roleta e contou quantas pessoas entravam no estádio

com camisas rubro-negras e tricolores. Essa amostragem é com ou sem reposição?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

________-

RESPOSTA COMENTADA

É uma amostragem sem reposição: cada pessoa só passa uma vez pela roleta.

RESPOSTA COMENTADA

A Esperança é calculada como Probabilidade vezes Resultado (no nosso caso, o

prêmio em reais). Então, a Esperança, para cada aposta, é de um em um milhão

(1/1.000.000 = 0,000001) vezes o prêmio (R$ 300.000), ou seja, 300.000 x

0,000001 = R$ 0,30 por aposta. Como a aposta custa R$ 2, a Esperança, por real,

é de R$ 0,15 (os outros R$ 0,85 são os lucros do governo, da loja etc.).

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4. Vamos supor que, em uma população de índios brasileiros, tenham sido

observadas as seguintes freqüências gênicas: Rh+ = 0,45 e Rh- = 0,55 nos anos

1960. Nos anos 1990, foram amostradas as freqüências dos mesmos genes em

crianças desses índios, observando-se as freqüências: Rh+ = 0,53 e Rh- = 0,47. Um

colega seu, ao ver esses resultados, falou que isso devia ser porque o alelo Rh+ era

vantajoso na população, e aumentou por seleção natural. Que outras explicações

você poderia dar para esse aumento?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

___________

5. Em um estudo com populações de salmão, Hendry (2001) observou que, a 9º C,

eram necessários 110 dias para que eclodissem 10% dos ovos. Depois de 120 dias,

80% dos ovos haviam eclodido. No intervalo entre 5% e 95% de eclosão, o autor

observou que a relação entre tempo e porcentagem de eclosão era, na média,

linear. Considerando-se um modelo determinista, quantos ovos eclodiram em 115

dias? E seguindo um modelo estocástico?

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

O aumento da freqüência poderia ser devido à seleção, mas pode ter acontecido,

também, por acaso, principalmente se se considerar que o tamanho populacional

dos grupos indígenas é, em geral, bastante reduzido.

RESPOSTA COMENTADA

Em um modelo determinista, consideraríamos que os valores apresentados seriam

dois pontos em uma reta. Assim, se em 10 dias (entre o dia 110 e o dia 120) a

percentagem de eclosão havia aumentado 70% (de 10% para 80%), então, em

cinco dias ela iria aumentar a metade (35%). Ou seja, com 115 dias a percentagem

de eclosões seria de 10% + 35% = 45%. Em um modelo estocástico tal previsão

não seria possível, pois seria necessário levar em conta a probabilidade, a cada

dia, de haver eclosões, e essas probabilidades poderiam acontecer ou não, pois

precisaríamos considerar o acaso.

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Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

AUTO-AVALIAÇÃO

Esta aula é fundamental para que você possa entender um dos processos mais

importantes na evolução das populações naturais: a deriva gênica. Ela também

é importante na questão fi losófi ca que distingue os modelos deterministas e

estocásticos. Se você entendeu bem essa diferença, poderá compreender mais

facilmente vários modelos em Ecologia e outros ramos da Biologia. O mais

importante, nesta aula, é verifi car, com seus próprios cálculos, como a variância

dos pontos em torno da média é maior quando o tamanho amostral é menor.

Isso deve ter fi cado claro na comparação entre as Figuras 10.7 e 10.8. Pode até ter

acontecido, no seu caso, que essas variâncias não tenham sido muito diferentes

(afi nal, o acaso pode levar a muitas coisas estranhas!). Mas o mais provável é que

a nuvem de pontos em volta do valor de 0,6 para o “alelo” P (os feijões pretos)

tenha sido mais espalhada na Figura 10.8 (tamanho amostral de 5) que na Figura

10.7 (tamanho amostral de 10). Da mesma forma, a média na Figura 10.7 deve ter

fi cado mais próxima do valor populacional original (0,6) do que a média na Figura

10.8. Observar os dados que você mesmo produziu é a melhor maneira de perceber

esse fenômeno. Então, se você não preencheu as tabelas (talvez não haja feijões à

mão neste momento), procure preenchê-las depois. Não é obrigatório que sejam

feijões, podem ser pedrinhas, bolas-de-gude, botões, fi chas etc. O importante é

que sejam mais ou menos do mesmo tamanho, para que o sorteio seja ao acaso.

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Evolução

Referências

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CEDERJ170

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Maiores informações: www.santacabrini.rj.gov.br

Serviço gráfi co realizado em parceria com a Fundação Santa Cabrini por intermédio do gerenciamento laborativo e educacional da mão-de-obra de apenados do sistema prisional do Estado do Rio de Janeiro.

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