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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I CURSO DE PEDAGOGIA JOSENILDA DÉBORA SANTOS SILVA RAP: UMA EXPERÊNCIA PEDAGÓGICA NA REAFIRMAÇÃO DA CULTURA DA CRIANÇA NEGRA Salvador 2009

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEBDEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I

CURSO DE PEDAGOGIA

JOSENILDA DÉBORA SANTOS SILVA

RAP: UMA EXPERÊNCIA PEDAGÓGICA NA REAFIRMAÇÃO DA CULTURA DA CRIANÇA NEGRA

Salvador2009

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JOSENILDA DÉBORA SANTOS SILVA

RAP: UMA EXPERÊNCIA PEDAGÓGICA NA REAFIRMAÇÃO DA CULTURA DA CRIANÇA NEGRA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação de Licenciatura em Pedagogia com Habilitação em Anos Iniciais do Ensino Fundamental I do Departamento de Educação, Campus I, da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª. Drª. Heloísa Lopes.

Salvador2009

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JOSENILDA DÉBORA SANTOS SILVA

RAP: UMA EXPERÊNCIA PEDAGÓGICA NA REAFIRMAÇÃO DA CULTURA DA CRIANÇA NEGRA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação de Licenciatura em Pedagogia com Habilitação em Anos Iniciais do Ensino Fundamental I do Departamento de Educação, Campus I, da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª. Drª. Heloísa Lopes.

Salvador, _____de ________________ de 20___

_____________________________________________________________Prof. Drª. Heloísa Lopes

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Ao Deus todo poderoso que me deu o dom da vida;

Aos orixás e em especial, minha mãe Iansã pela força e pela garra dadas nos momentos em

que mais preciso;

Aos meus ancestrais que lutaram e resistiram contra toda e qualquer forma de opressão

manipulada pelos ideólogos do branqueamento;

Às educandas e educandos do Colégio Manoel Ribeiro os quais tive o maior prazer em

desenvolver esta pesquisa-ação;

À Direção do Colégio Manoel Ribeiro que permitiu o desenvolvimento deste trabalho com o

grupo;

A Heider pelo auxílio nos momentos conturbados durante a produção deste trabalho;

Às amigas Eneia Virginia, Luane Rodopiano e aos amigos Adriano (Drico) e Cristiano pela

mão, ombro, ouvidos e coração amigos que me ajudaram a seguir em frente;

A Alex por ter me ajudado num período em conflitos com minha identidade cultural me

resgatado para o RAP;

À Paula Azeviche, minha principal referência como mulher negra no RAP e precursora no

meu desejo de fazer esta pesquisa;

A Walter Altino, pessoa que me ajudou com referências e conversas, mostrando humildade

independente de seu currículo lattes ou dos títulos conquistados na academia. Isso é exemplo

de pensamento descolonizado;

Aos grupos de RAP que trabalham e discutem nossa identidade negra, em especial ao RBF,

Opanijé, Conceito Negro e Simples Rap’ortagem: tão importante quanto o acarajé e a gente

também tem Dendê;

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Ao Núcleo de Estudos Afrouneb Salvador, grupo que fiz parte durante maior parte de minha

graduação, que me proporcionou a conhecer mais sobre mim e meu povo através de

importantes referencias que continuarão a me ajudar nas discussões sobre as temáticas raciais

onde quer que eu esteja;

Aos professores que fizeram parte deste momento único em minha vida:

- Heloísa! Fico muito grata pelo interesse e pelo respeito com a temática que propus a

discutir;

- Patrícia Pena, valeu por ter aceitado o convite mesmo após este período de espera e pelas

indicações feitas para a evolução de meu trabalho;

- Valdélio, muito obrigada por ser este homem negro tão simples, dedicado e vencedor. Você

é uma referência para toda a vida;

- Amigo e professor Raphael Vieira. Obrigada pela paciência, pelo respeito com o RAP e com

meu trabalho, pelas palavras de incentivo, pelos conselhos e pelo método confuso que me

ajudaram a não aceitar o conhecimento dado, mas lutar pela construção do “saber pensar”.

Você é e será sempre meu eterno orientador.

Às pessoas que direta ou indiretamente me ajudaram através de palavras, materiais, torcidas e

energias positivas;

Aos críticos, curiosos, crentes e descrentes no resultado do meu trabalho, que me ajudaram ou

viraram as costas. Vocês serviram de estímulo para minha vitória.

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DEDICO ESTE TRABALHO:

Aos meus inesquecíveis educandos e educandas do grupo de 3ª e 4ª série do Colégio Manoel

Ribeiro. Vocês são resultado de uma educação plural que me incentiva a cada dia a não

desistir das coisas que acredito e que me faz continuar a querer plantar novas sementes para

colher bons frutos. Muito obrigada pela oportunidade!

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Não ha limites para aquele que quer conquista,Com pessimismo não achará saída,

Liberto e livre, ninguém aqui é incapaz,Viver bem com a consciência Plantando a semente da paz

Ajudar ao próximo mais do que você podeSei que és forte, corajoso, não mede esforços,

A força divina não vai lhe abandonar,O despertar do amanhecer é um nova conquista,

De quem não se entregou e para aquele que acredita,Injustiça não há nas mãos de Deus,

Se apegue a elePra que não seja mais um homem,

Pelo contrário, mostre ao próprio que é idôneoNão queira nada na palma da sua mão,

Buscar no pé da mais trabalho,No entanto valoriza o seu ato,

Dignidade, nem sempre assim pude viver,Uma negrinha aos olhos da sociedade,

Piedade, Senhor tende piedade,De todos aqueles espelhos de um herói com atitude

Daqueles meus irmãos desacreditados da vida,Eu digo a eles.

Se tu lutas, Tu conquistas, é tipo assimse tu lutas, Tu conquistas, é tipo essas

Se tu lutas, tu conquistas, Vai vendoPovo brasileiro, sofredor, bom exemplo.

Trecho da música “Se tu lutas, tu conquistas” do grupo de RAP SNJ

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RESUMO

Esta pesquisa propõe estudar o RAP como experiência pedagógica na reafirmação da cultura da criança negra. Para tal popus discutir o conceito de cultura e o ser humano como sujeito cultural, analisando de que forma o individuo e as sociedades estão diretamente interligados. Os autores que deram suporte a este estudo foram Cuche (2002), Arantes (1995), Monatagu (1969), Bosi (2003). Buscamos as formas que se dão a descolonização do conhecimento e identificamos a lei 10.639/03 numa prática pedagógica que resgata e valoriza as culturas negras. Os elementos do hip hop foram utilizados na educação contra o racismo. A abordagem metodológica uma pesquisa-ação realizada no Colégio Manoel Ribeiro com crianças das 3ª e 4ª séries do ensino fundamental. Como resultado, percebeu-se o potencial da pedagogia da intervenção a partir do RAP ratificando os alunos como sujeitos ativos no processo na sociedade, demarcando as matrizes etno-culturais no cotidiano escolar.

Palavras-chave: cultura, RAP, prática pedagógica, pluralidade cultural, negritude.

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RESUMEN

Esta investigación sugiere estudio rap experiencia pedagógica en reafirmación de la cultura de los niños. Para esas ventanas emergentes para discutir el concepto de cultura y los seres humanos como cultural, analizar cómo individuales y las empresas están directamente relacionadas entre sí. Autores que han Soporte para este estudio fueron Kush (2002), ARANTES Marques (1995), Monatagu (1969), Bosi (2003). Buscamos las formas en que la descolonización de conocimientos y identificar las extracciones de ley 10.639/03 una práctica pedagógica y valores de la Culturas negras. Se utilizaron en la educación contra los elementos del hip hop racismo. La investigación en acción-enfoque metodológico que se realiza en College Manoel Ribeiro con niños de la serie de tercera y cuarta de la educación fundamental. Como resultado, el potencial de la pedagogía de la intervención de la multimillonaria RAP se dio cuenta estudiantes como sujetos activos en proceso en la sociedad, la demarcación de matrices escuela étnico-cultural cotidiana.

Palabras claves: cultura, rap, práctica pedagógica, pluralidad cultural, negritude.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 12

2 PELAS CULTURAS: O SER HUMANO COMO SUJEITO CULTURAL 16

2.1 Cultura popular: a cultura do povo .............................................................. 19

2.2 Afirmações da diferença e negação da inferioridade .................................. 22

3 A DESCOLONIZAÇÃO DA PEDAGOGIA RACISTA................................ 25

3.1 A Lei 10.639/03 e a descolonização do conhecimento .................................. 31

3.2 Elementos do Hip Hop na educação contra o racismo ................................ 39

3.3 O Rap e a Lei 10.639/03, que relação é esta? ............................................... 46

4 O RAP COMO EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA NA REAFIRMAÇÃO

DA CULTURA DA CRIANÇA NEGRA NO COLÉGIO MANOEL

RIBEIRO ............................................................................................................... 50

4.1 Estrutura física e recursos didático- pedagógicos ....................................... 51

4.2 Formação étnica-racial e de gênero do grupo escolar ................................ 52

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4.3 Ação interventiva com o rap para a educação plural em sala de aula

escolar .................................................................................................................... 53

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 78

REFERÊNCIAS .................................................................................................. 82

APÊNDICES ......................................................................................................... 86

ANEXOS ...............................................................................................................89

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1 INTRODUÇÃO

No dia 29 de março de 2009 a cidade do Salvador completou 460 anos de fundada.

Mas o que há para comemorar na cidade mais negra do Brasil1? 460 anos de segregação,

desigualdades e de negação dos povos que ajudaram a construí-la?

Quando fazemos esta pergunta à maior da população que foi marginalizada

encontramos sim como resposta. Ao conhecer e analisar a história destes povos, pensamos em

não comemorar e sim repudiar esta história marcada pela aversão racista e covarde trazida

pelo sistema escravocrata através da colonização do sistema educacional na segunda cidade

mais negra do mundo.

Esta pesquisa propõe estudar o RAP como experiência pedagógica na reafirmação da

cultura da criança negra.

O interesse pelo tema surgiu da inquietação com as práticas educacionais que não

levam em consideração os indivíduos e suas culturas. O RAP foi escolhido por fazer parte da

minha trajetória no processo de construção de identidade de mulher negra, militante do

movimento hip hop soteropolitano, pela referencia de outras ativistas na luta de combate ao

racismo e pelo interesse dos educandos nas temáticas etno-raciais.

Aos quatorze anos de idade, num momento conturbado de minha adolescência e fase a

qual Piaget define como estágio das operações formais, tive a oportunidade de conhecer o

RAP.

Por conta de várias mudanças em meu comportamento, a vice-diretora da escola em

que eu estudava havia me proibido de usar calças “largadas”, um dos costumes das pessoas

que fazem parte da cultura hip hop. Ao resistir a esta determinação, fui obrigada a voltar para

casa e só retornar acompanhada de um responsável. No dia seguinte, fui à escola

acompanhada de minha mãe e até então, a aluna que era tida como referência por sempre se

destacar durante todo seu processo de escolarização estava sendo colocada sob

questionamento e observada, pois havia um grande medo por parte da direção que esta

mudança estivesse associada ao uso de drogas.

Ao saber desta conversa entre a direção e minha mãe, decidi utilizar o conhecimento

construído através do RAP para mostrar que eu não era o que pensavam. Continuei a resistir

de várias formas e mostrar que aquela visão tida ao meu respeito e a respeito àqueles que

1 Baseado em dados do CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva) no site www.cedefes.org.br

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gostam de RAP eram estereótipos construídos em nossa sociedade racista a fim de legitimar

determinados grupos sociais sobre outros.

O RAP me ajudou a ser não só uma forma de resistência ao que é imposto pelas elites

dominantes, mas também me ajudou a conhecer e valorizar minha história a partir do (re)

conhecimento de minha ancestralidade e da minha identidade negra. Mas não parei por aí. O

RAP me propiciou o interesse em entrar na universidade, espaço que até então eu ouvia dizer

que era pra “filhinhos de papai”, ou seja, que não era para mim.

Ao adentrar neste espaço, busquei referências que ajudassem como educadora a

exercer práticas pedagógicas diferente daquelas que me foram mostradas durante todo meu

processo de escolarização. Tive a oportunidade de participar durante a maior parte de meu

período na graduação de um Núcleo de Estudos que discutia as temáticas étnico-raciais, o

Neafrouneb, onde pude encontrar maiores referências negras ao que me propunha a discutir.

Ao pensar que minha vida foi ressignificada a partir do meu relacionamento com o

RAP e diante de todo o exposto, a indagação que me leva a desenvolver esta pesquisa é o

RAP pode ajudar na reafirmação da cultura da criança negra?

Temos como objetivo discutir o conceito de cultura e o ser humano como sujeito

cultural com destaque para a cultura popular; conhecer as diferenças para assim afirmá-las e

negar a inferioridade de determinados grupos sob outros, identificar a descolonização da

pedagogia racista através da aplicação da lei 10.639/03; apresentar os elementos do hip hop

contra o racismo e destacar a experiência pedagógica através do RAP no espaço escolar.

A abordagem metodológica foi pautada em revisão de literatura e uma incursão em

campo tendo como possibilidade de atuação a pesquisa-ação que para Valente (2007) decorre

da necessidade do pesquisador buscar resposta(s) para sua pesquisa a partir de sua própria

intercessão.

A pedagogia de intervenção foi trabalhada com sete crianças das 3ª e 4ª séries no

Colégio Manoel Ribeiro localizado no bairro de Marechal Rondon em Salvador na Bahia,

utilizando ações pedagógicas interventivas mediadas por letras de RAP tais como: Olha o

menino do grupo de RAP paulistano 509 E, Respeito é bom do grupo de RAP soteropolitano

RBF, A cor que falta na bandeira brasileira do grupo de RAP paulistano Z’África Brasil, Se

você ainda não notou do grupo de RAP soteropolitano Opanijé e Sou Negrão do MC Rappin’

Hood.

O trabalho está composto por três tópicos:

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O primeiro denominado Pelas Culturas: O ser humano como sujeito cultural entende

que a cultura é representação de tudo aquilo que o homem aprendeu no seu contato com a

sociedade e pode ser ressignificado de forma individual ou coletiva a partir de discussões

trazidas por Cuche, Montagu, Tylor.

O segundo tópico denominado A Descolonização da Pedagogia racista ampara-se na

lei 10.639/03 e afirma os elementos do hip hop na educação contra o racismo. Ao analisar a

história da educação brasileira ainda percebemos os resquícios racistas deixados pelo sistema

colonizador e escravocrata que por muito tempo recorreu à ideologia do branqueamento para

negar as identidades negras e mantê-los submissos afim de sustentar este sistema ideológico

os povos europeizados. O Estado brasileiro corroborou com estas práticas racistas ao não

aceitar o negro como sujeito sócio-histórico e ao impedir seu acesso mesmo após a “falsa”

abolição da escravatura, aos bens de acesso como mercado de trabalho e educação.

Quando foi permitido o acesso dos negros à escola, esta sempre buscou pedagogias

colonialistas para impor seus conhecimentos sem levar em consideração as histórias e culturas

dos povos negros. Luz (1989, 1999, 2000) nos ajuda a compreender com a educação ajudou

neste processo no qual os indivíduos que adentravam na escola estavam limitados a conhecer

a história branca e ouvir referências estereotipadas do negro como escravo e coitado. A

educação colonizadora sempre buscou negar os movimentos de luta travados pelos negros

desde o período da escravização até a contemporaneidade.

O terceiro tópico denominado O Rap como experiência pedagógica na reafirmação da

cultura da criança negra no Colégio Manoel Ribeiro onde aborda estrutura deste espaço

educativo e como o RAP viabiliza uma educação plural e que busca afirmar a sua consciência

revolucionária perante o segregacionismo presente em suas realidades e que está a serviço do

povo no processo de transformação social. Através dele nos remeteremos não apenas ao

conhecimento dos povos negros da diáspora, mas também ao conhecimento de nossos

antepassados africanos e suas contribuições na nossa sociedade na positivação da afirmação

da negritude.

Finalmente nas considerações finais analisaremos os resultados desta pesquisa e a sua

relevância no processo de reafirmação da cultura da criança negra. Observaremos de que

forma o RAP auxiliou no conhecimento sobre as culturas dos povos negros da diáspora e a

saber sobre nossos antepassados africanos e afro-brasileiros, as suas contribuições em nossa

sociedade para a positivação da negritude e em especial a afirmação feita pelas crianças do

colégio onde foi desenvolvida esta pesquisa-ação. Avaliaremos a possibilidade da aplicação

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da lei 10.639/03 a partir das letras de RAP utilizadas na pedagogia de intervenção e quais

referências históricas foram relevantes e representativos para o respeito nas relações étnico-

raciais e como a utilização do RAP na prática do cotidiano escolar contribuiu para a

reafirmação da cultura da criança negra.

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2 PELAS CULTURAS: O SER HUMANO COMO SUJEITO CULTURAL

Hip Hop criado na rua, essa é minha cultura...Rimando com a palavra certa, falando a verdade aberta Pode acreditar...

Trecho da música “Minha Cultura” do grupo de RAP Da Guedes2

A escrita, a oralidade, as festas, os costumes, as danças, literaturas, cultos religiosos, a

forma como o ser humano interage com o meio em que vive são construções feitas a partir das

relações entre os indivíduos.

Estas relações possibilitam perceber o homem como um agente ativo na sociedade. Ele

é capaz de construir, transformar e atribuir significados distintos às suas realizações e desta

forma ele ultrapassa a condição humana de “ser pensante” e na interação com o meio em que

torna-se um “ser cultural”. A cultura é a criação conjunta do individuo e a sociedade que interagem

mutua e reciprocamente para se servirem, se manterem, sustentarem e desenvolverem um ao outro.

(MONTAGU, 1969, p. 131)

Logo, a cultura é a representação de tudo aquilo que o homem aprendeu em seu

contato com a sociedade. Ambos podem ser modificados ou ressignificados de forma

individual e/ou coletiva de acordo com cada contexto em que eles estejam inseridos.

Ao observar os contatos estabelecidos entre o homem e a sociedade percebemos que

ambos podem passar por mudanças e estas mudanças são possíveis devido às

heterogeneidades entre estas relações. Além disso, diferentes significados podem ser

atribuídos às construções e às representações dadas em cada contexto inserido. Assim,

podemos perceber que a humanidade é constituída de diversidade e estas diversidade formam

culturas múltiplas a partir de suas relações sociais. Ora, na construção cultural, o que vem

primeiro é a idéia de grupo, a cultura local, a cultura que liga os indivíduos em interação imediata uns

aos outros. (CUCHE, 2002, p.107)

2 Segundo o site hiphop-rapnews.blogspot.com/.../biografia-da-guedes.html o grupo de rap brasileiro Da Guedes foi formado na cidade de Porto Alegre no ano de 1993.Na música do grupo chamada Guerrilha eles informam que este nome homenageia a rua onde eles moram, Rua Guedes da Luz

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As interações humanas permitem que os indivíduos possam construir culturas e

ressignificá-las de acordo com suas necessidades e as relações estabelecidas nos contextos

inseridos. Neste sentido compreendemos a existência de “Culturas” e não apenas “cultura”,

porem para que hoje possamos entender as representações simbólicas que esta palavra recebe,

foi necessário ultrapassar vários conceitos que definiam e delimitavam que eram capazes de

produzi-la.

Segundo Cuche (2002, p.20), o sentido de cultura que estamos discutindo começou a ser

utilizado na Europa por filósofos iluministas que a associavam diretamente à idéia de

civilização. Para os europeus, apenas os povos considerados como não primitivos, ou seja, os

que moravam nas cidades e faziam parte das classes abastadas eram capazes de produzir

cultura. Esta idéia toma maior amplitude a partir da visão universalista de Tylor que define

que:

Cultura e civilização, tomadas em um sentido etnológico, mais

vasto são um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as

crenças, a arte, a moral, os costumes, as outras capacidades ou

hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade

(TYLOR 1871, p.1 apud CUCHE, 2002, p.35)

Em sua definição, Tylor traz a cultura como capacidade das sociedades modernas,

onde apenas os homens civilizados eram capazes de adquiri-las. Além disso, a cultura surge

como algo universal, obtida nos contatos sociais, na qual sua representação é centralizada e

resultante daqueles que a construíram. Porém, ao analisar as próprias sociedades e ver as

diferenças entre cada indivíduo que a compõe é possível perceber como estes sujeitos podem

produzir diferentes tipos de conhecimento.

Partindo desta visão, Franz Boas (2002) contrapõe a visão universalista de Tylor a

partir de análises sobre as especificidades de cada sociedade e assim busca perceber os

diferentes significados atribuídos a estas construções

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Cada cultura é dotada de um estilo particular que exprime

através da língua, das crenças, dos costumes, também da arte,

mas não apenas desta maneira. Este estilo, este “espírito”

próprio a cada cultura influi sobre o comportamento dos

indivíduos. (CUCHE, 2002, p.45)

Ao analisar as diferenças e buscar compreender como elas surgem Boas buscou

entender as particularidades de cada sociedade e assim compreender as diferentes

representações simbólicas feitas sobre um mesmo objeto.

Apesar de alguns conhecimentos sobre cultura estarem baseados em algumas

ideologias que as defendem como capacidade de produção das classes abastadas, as diferentes

formas de interação entre os indivíduos mostram o contrário.

Segundo Brandão (1982, p.41), os homens são capazes de construir saberes e

socializá-los com outros indivíduos, atribuindo-lhes significados ou integrando-os a outros

elementos presentes nos contextos sócio-políticos e econômicos de cada época. Assim, é

possível que eles perpassem de geração à geração e façam parte da herança cultural dos

povos.

Ao analisar a letra de RAP que inicia este capitulo ao dizer “esta é a minha cultura”

podemos perceber que as culturas podem ser criadas, recriadas e ressignificadas de acordo

com as necessidades de cada individuo com o contexto que ele possa estar inserido. Logo, os

indivíduos como sujeitos históricos são também seres culturais, capazes de criar e inovar de

acordo com capacidades e suas necessidades.

Através dos diversos contatos diretos e indiretos que foram estabelecidos entre os

povos foi possível construir sociedades heterogêneas. Estas relações possibilitaram a troca de

conhecimento produções conjuntas que trouxeram vários benefícios para a sociedade. Entre

estas relações, vale ressaltar as interações entre os grupos economicamente menos

privilegiados. Apesar de sofrerem várias discriminações a cerca de suas produções culturais e

seu status social eles também fazem parte de um complexo processo de construção cultural

conhecida por “Cultura Popular”.

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2.1 Cultura Popular: a cultura do povo

Sementes de erva daninha 3no nosso jardim não à de vingar.

Somos guerreiros das ruas militantes da cultura popular

Nosso verbo é sobre o que vemos e sentimos

E o que pra nós é certo é verdade aqui quem fala é

simplesmente mais um seguidor de Bob Marley

Trecho da música “Street warrios4” – Do grupo de Rap

Da Guedes

Os jogos de tradição oral, as brincadeiras, as crendices, o samba, a feijoada, a capoeira

e o carnaval estão presentes na sociedade. Estas são criações do povo e os quatro últimos

aparecem de forma mais ressaltada na sociedade brasileira.

No entanto, mesmo a presença de elementos tão comuns à aspectos culturais na

sociedade no Brasil não impede que haja uma grande discriminação à respeito destes saberes

que não foram produzidos pelos “grandes pensadores na academia”, ou seja, saberes estes que

são produzidos pelo povo. Repudiamos, qualificando de ingênuo, de mau gosto, indigesto, ineficaz,

errado, anacrônico, ou benevolente pitoresco, tudo aquilo que identificamos como “povo”.

(ARANTES, 1995, p.15)

Este modo de pensar é recorrente devido aos valores intelectualmente enraizados em

nossa cultura que desrespeitam, subtraem e negam a cultura do povo, tratando-a como

desqualificado e incabível.

Essa prática arbitrária que não respeita as alteridades continua sendo difundida

principalmente entre as sociedades ocidentais e capitalistas. Nelas são ratificados que apenas

os conhecimentos desenvolvidos intelectualmente nas universidades são os corretos e os 3 Segundo a Wikipédia o termo erva daninha é utilizada para se referir à plantas que nascem espontaneamente em local e momento indesejado e que podem interferir negativamente na agricultura. Também pode ter termo negativo como planta invasora, planta ruim.

4 Traduzindo para o português o termo street warrios significa rua das guerras

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pensamentos construídos pelo povo é menos valioso que outros conhecimentos [...] a partir dos

lugares de onde se fala com autoridade na sociedade capitalista o que é “popular” é necessariamente

associado a “fazer” desprovido de “saber”. (ARANTES, 1995, p. 14)

As sociedades capitalistas inferiorizam os conhecimentos produzidos pelo povo,

legitimando-os como inferiores ou vulgares para assim sustentar a base de seus interesses

políticos e econômicos e manter o povo às margens da sociedade.

Mesmo sendo rico em diversidade cultural popular, o Brasil também é palco do

descaso, da discriminação, e do desrespeito a tudo que é associado ao povo. Muitas vezes

estes saberes são discutidos pela mesma e “aceitos” à medida que satisfazem interesses

políticos e econômicos dos tais.

Nas sociedades estratificadas em classes, essas esferas da

“cultura” são, na verdade, atividades especializadas que têm

como objetivo a produção de um conhecimento e de um gosto

que, partindo das universidades e das academias são difundidos

entre as diversas camadas sociais como os mais belos, os mais

corretos, os mais adequados, os mais plausíveis,

etc.(ARANTES, 1995, p. 9)

As diferenças sócio-econômicas determinam a legitimidade dos saberes produzidos

pelas elites como aceitáveis e ideais a toda sociedade. Sendo assim, os grupos que detém a

soberania econômica corroboram na difusão do conhecimento intelectualmente elitista para

ratificar o seu domínio sobre os grupos menos privilegiados.

Ao analisar a formação cultural brasileira a partir dos referidos intelectuais que vêem a

cultura como algo inerente às classes privilegiadas e dos difusores desta idéia em nosso país,

percebemos que: Da cultura brasileira, já houve quem a julgasse ou quisesse unitária, coesa,

cabalmente definida por esta ou outra mestra (BOSI, 2003, p.7)

Esta tentativa de mostrar o conhecimento e a cultura produzidos pelo brasileiro como

único, decorre da pretensão de homogeneizar a identidade brasileira. Desta forma, o

conhecimento de parte da população era inferiorizado por não ser produzido pelos

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colonizadores que afirmavam suas culturas como superiores a partir da negação das outras

culturas.

A tentativa de inferiorizarão das culturas populares é decorrente do pensamento de

dominação dos grupos hegemônicos que buscam legitimar suas culturas como superiores a

partir da idéia que:

As culturas populares seriam apenas culturas marginais. Seriam

então cópias de má qualidade da cultura legitima da qual se

distinguiriam somente pelo processo de empobrecimento. Elas

seriam a expressão da alienação social das classes populares,

desprovidas de qualquer autonomia. (CUCHE, 2002, p. 147-

148)

Logo, a elite dominante afirma de forma etnocêntrica, ou seja, tendo suas próprias

referencias como centrais, que a cultura popular é o resquício das produções intelectuais e por

isso são culturas marginais.

Apesar de ser marginalizada pela elite e algumas vezes pela cultura escolar, a cultura

popular sempre se fez presente nas diversas contextos do país e mostra autonomia e

criatividade em suas construções. Segundo Gramsci citado por Bosi (2003, p. 64-65), a

cultura popular contrapõe os saberes legitimados nas sociedades através da escola como

saberes corretos, necessários ao homem, pois, ela questiona e mostra a concepção de mundo

diferente do que é dado ou até mesmo imposto pela sociedade.

Ao analisar o trecho da música citada na introdução deste sub-capítulo que afirma

“Somos guerreiros das ruas militantes da cultura popular” e o processo histórico no qual a

cultura popular surgiu, podemos perceber seu papel relevante por questionar e não aceitar o

que é dado como correto. Ela busca através de múltiplas possibilidades a construção de novos

saberes agregando-os aos saberes já construídos nas sociedades sem precisar negá-los ou

excluí-los para assim transformar a realidade social do qual ela faz parte.

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2.2 Afirmações da diferença e negação da inferioridade

Pois é, tem gente que não bota uma fé.Não acredita que somos todos irmãos,Não acreditam que o sangue é igual.É nesse mundo que você irá viver,Você tem de aprender a se defender.Tem de saber, que não há nada erradoCom seu tom de pele, seu cabelo enrolado

Trecho da música “Us Gurreiro” de Rappin’ Hood5

As discussões sobre a capacidade humana em produzir conhecimentos não ficaram

restritas apenas às questões sócio-econômicas, mas também passaram a ser discutidas sobre

perspectivas às diferenças biológicas entre os homens. Estas diferenças geraram várias teorias

que buscavam inferiorizar determinados grupos humanos a partir de suas características

biológicas afirmando haver superioridade de alguns indivíduos sobre outros.

Às teorias e às ações que defendem diferenciadas formas de tratamento a determinados

grupos, tendo como referência suas características biológicas chamamos de racismo.

Racismo em primeiro lugar é referido como sendo uma

doutrina, quer cientifica, quer não, que prega a existência de

raças humanas, com diferentes qualidades e habilidades,

ordenadas de tal modo que às raças formem um gradiente

hierárquico de qualidades morais, psicológicas, físicas, e

intelectuais. (GUIMARÃES, 1998, p.17)

O racismo não se trata apenas de pensamentos, mas também de ações que afirmam a

superioridade de algumas raças sobre outras com base nas características biológicas dos

indivíduos.

5 Rappin’ Hood é um dos mc’s que teve sua letra de música para ser trabalhada na pesquisa-ação. Durante este trabalho, falaremos um pouco de sua história no RAP.

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Estas ações aparecem de forma camuflada, mas estão presentes na sociedade e se

manifestam através de comportamentos e atitudes que mostram a crença na submissão de

grupos raciais em relação a outros segmentos raciais. Guimarães acrescenta:

Além de doutrina, o racismo é também referido como um corpo

de atitudes, preferências, gostos instruídos pela idéia de raça e

de superioridade racial, seja no plano moral, estético, físico, ou

intelectual. (GUIMARÃES, 1998, p. 17).

O trecho da música “Us Guerreiro” nos leva a perceber as formas mais sutis que o

racismo pode ser manifestado. Sendo assim, ele também aparece na sociedade de forma

inconsciente a partir de ações que busquem afirmar a superioridade racial de um grupo em

relação ao outro tanto na questão das aptidões biológicas dos indivíduos quanto às suas

características físicas presentes mais precisamente à cor de pele ou no cabelo.

Desde as mais antigas histórias das civilizações ocidentais é eminente a dificuldade

humana em aceitar as diferenças de “outros homens”, diferenças estas que estão presentes em

suas formas de falar, vestir, alimentar, suas crenças e seus costumes. Esta rejeição foi a ponte

que ajudou os europeus a amadurecer a idéia de superioridade de alguns povos sobre outros

no século XIV. Mas desta vez estas teorias seriam baseadas na diferença de cor de pele dos

indivíduos. Estas teorias ajudariam mais tarde na expansão dos interesses mercantilistas

europeus, afirmando a necessidade de expansão e lucro através da dominação de outras terras

e outros povos a partir do processo de escravização, mostrando assim que o conceito de raça é

uma construção histórica e social.

Esses interesses levaram os europeus a explorar várias partes do mundo. Dentre os

locais que mais sofreram com esta forma de manipulação está o continente africano que teve

vários negros “arrancados” de suas terras e de suas culturas para servir de mão de obra

escrava destes colonizadores.

Segundo Munanga (1988 p. 5-6), as diferenças biológicas entre negros e brancos fizeram com

que o segundo explorasse o primeiro a partir de seu fenótipo tais como: cor de pele, textura de

cabelo e outras características físicas.

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A partir dos interesses mercantilistas que visavam à dominação do outro e a “tomada”

de suas riquezas para seu desenvolvimento sócio-político-econômico, o racismo vem sendo

proliferado e maturado entre as sociedades e utilizada para negar a história, cultura e passado

dos negros em todo o mundo.

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3 A DESCOLONIZAÇÃO DA PEDAGOGIA RACISTA 6

Durante séculos aguentamos ser tratados como animais.Apagaram história, cultura, passado, só fomos escravos e nada mais.Mãe África chora e até hoje o mundo assiste seu pranto, Nos trouxeram “na tora”, viramos Josés da Silva, dos SantosParece chato, repetitivo, mas até hoje você não entendeuQuem vai dizer do jeito que eu vivo quem faz minha história ainda sou eu...

Trecho da Música “A Cura” do grupo de RAP OPANIJÉ7

A visão sobre a África trazida pelos colonizadores foi cabalmente deturpada e

estereotipada no que tange suas questões culturais, políticas, sociais, históricas, geográficas e

econômicas. Ainda hoje vemos em livros citações que referentes a este continente como

desprovido de desenvolvimento artístico, cultural, comercial e tecnológico. Este continente

geralmente é citado como um território homogêneo, cercado de miséria, fome, doenças e

guerras.

A África era, então, como ainda hoje não é, em larga medida

uma imensa Babel de línguas. Embora mais homogênea no

plano da cultura, os africanos viviam também largamente nessa

esfera. Tudo isso fazia com que a uniformidade racial não

correspondesse a uma unidade lingüístico-cultural, que

6 Apesar do termo Colonização do Conhecimento e Descolonização do Conhecimento ser bastante utilizados por vários grupos o acesso a estas termologias passa a ser utilizado pela pesquisadora a partir de seu contato com grupos acadêmicos da UNEB que visam desenvolver eventos, projetos e discutir a temática racial sob a perspectiva de trazer para a academia os conhecimentos que não sejam dos colonizadores. Estes grupos são o CEPAIA (Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio Americanos) e o grupo de Pesquisa Firmina.

7 Grupo de RAP soteropolitano no qual uma de suas letras foi trabalhada na pesquisa-ação. Falaremos mais sobre este grupo no decorrer da escrita e um pouco sobre sua história encontra-se no apêndice da pesquisa.

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engajasse a unificação, quando os negros se encontraram

submissos todos à escravidão. (RIBEIRO, 1995, p. 114-115)

Deste modo, os colonizadores europeus levaram ao mundo uma visão de

miserabilidade e subserviência das populações africanas, negando a elas quaisquer capacidade

de produção de “saberes”.

Essa visão ainda presente na contemporaneidade devido ao duro processo de

escravização dos povos de cor oriundos destas terras, o que retrata a crueldade do sistema

racista em nossa sociedade.

Para Munanga (2004, p. 6), o tráfico negreiro foi uma das maiores atrocidades

históricas da humanidade, pois ele não só vendiam e tratava os negros como mercadoria. Ele

também surgiu como tentativa de arrancar destes povos suas raízes, suas origens, suas

histórias e suas identidades.

O sistema escravocrata colonialista tanto roubou a liberdade dos negros quanto tentou

romper os vínculos existentes entre eles e as sociedades africanas através da negação do seu

passado, das suas culturas, histórias, desrespeitando-os enquanto “sujeitos de direitos” 8

Os povos africanos foram cruelmente raptados de várias partes do continente e

deportados para as Américas e para a Ásia. Porém, o Brasil foi o país onde a colonização

baseada na exploração dos recursos naturais e do regime escravocrata teve sua forma mais

perversa e persistente contra estes povos.

Foram os portugueses naturalmente os pioneiros nessa

atividade, pois ela decorreu da expansão marítima do século

XV, na qual Portugal teve um papel preponderante.

(QUEIROZ, 1987, p.11)

8 O termo “sujeitos de direitos” aqui utilizado foi ouvido pela primeira vez pela pesquisadora no SeminárioEstadual de Promoção da Igualdade Racial em 28 de maio de 2009. O termo retrata na fala jurídica o individuo como ser social e responsabilidade do Estado.

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A partir deste pioneirismo marítimo foi iniciada uma das maiores formas de genocídio

no mundo: a escravidão dos negros africanos que não apenas violentou estes povos sob o

ponto de vista físico, como também os torturou sob o ponto de vista psicológico. A

necessidade do ser humano em conhecer “o novo”, aliado aos interesses capitalistas fizeram

os europeus buscar novos locais a serem explorados. Ao encontrar esses locais, invadí-los e

tomar suas posses, os colonizadores necessitavam de mão de obra barata para garantir o

acúmulo de riqueza que tanto desejavam. O Brasil foi alvo desses interesses devido às suas

riquezas e, para explorá-las, os portugueses foram buscar a mão de obra que tanto precisavam

na África através do tráfico negreiro. “Dessa forma, o tráfico negreiro tornou-se um dos negócios

mais lucrativos da época de total importância para a manutenção e expansão da escravidão” (Queiroz,

1987, p.11)

A escravidão adentrou no Brasil a partir de interesses econômicos mercantis que

buscavam o lucro e perdurou durante séculos em nossa sociedade através de pensamentos e

práticas racistas que visavam dominar os povos africanos jogados aqui.

O tráfico negreiro permitiu que:

À medida que o litoral negro africano ia sendo defassado, as perspectivas de comércio alargavam-se com o encontro ambicionados artigos de troca, entre os quais, o negro.(QUEIROZ, 1987, p.11-12)

O processo de escravização no Brasil foi ratificado não apenas no aspecto repressivo

da mão de obra escrava. Ela também foi introjetada a partir de questões ideológicas que

torturavam sob aspectos psicológicos através de grandes veículos sociais, dentre eles

legitimado a educação.

Ao pensar na educação brasileira, observamos um conjunto de práticas etnocêntricas

que moldavam a pedagogia a interesses colonialistas. Apesar da grande diversidade existente

no país, os pensamentos europeizados geralmente buscavam ser ratificados como as

referências do pensamento nacional e marginalizava o conhecimento das populações africanas

e indigenas aqui presentes. A escola era cenário da educação burguesa e elitista que buscava

ensinar para susbmeter os grupos marginalizados aos seus interesses politicos e econômicos,

além de mostrar a supremacia de alguns grupos raciais sobre outros. A representação do

Brasil para os colonizadores era muito diferente da representação trazida pelos povos

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colonizados, pois ela resulta numa visão de Brasil desigual e opressor, como cita o grupo de

RAP Z’África Brasil:

Verde, amarelo, azul branca e vermelhaSão as cores que compõem a bandeira brasileiraSó que o vermelho não quizeram botarÉ cor de sangue, é cor de morte, é cor de farsaÈ todo o sangue derramado nesses 500 anosÈ toda a historia maquiávelica tramada nos nossos mocambos9...

Trecho da música “A cor que falta na bandeira brasileira” do grupo de RAP Z’ÁFRICA BRASIL10

Ao analisar o trecho desta letra podemos nos deparar com a seguinte pergunta: “ Sob

qual perspetiva as cores pintadas na bandeira brasileira realmente representam nosso país?”

Esta pergunta não é difícil de responder se pararmos para analisar quem governou o

país durante estes cinco séculos. As bases etnocêntricas que servem para ratificar o modelo

eurocêntrico como padrão ideal servem para camuflar e maquiar o racismo exarcebado que

existe no Brasil. Estas bases serviram de sustentação aos nossos governos elitistas e

europeizados que tentaram embranquecer a nação através de suas ideologias de negação do

outro.

A educação foi uma forte aliada na difusão deste pensamento que não somente negou

aos negros sua historicidade, mas suas capacidades cognitivas e suas contribuições na

construção de nossa sociedade.

A sociedade brasileira foi ensinado a pensar com a convenção do colonizador. Para

serem aceitos, muitos negros foram educados a refletir, agir e se portarem como brancos,

negando muitas vezes suas origens para serem aceitos pela sociedade.Uma das formas mais

sutis de educar para negar as identidades negras está nas formas de tratamento sesignados aos

tais, como mostra o trecho da letra de RAP a seguir:

9 Segundo o mini dicionário focus da língua portuguesa a palavra Mocambo significa canto de escravos na floresta; quilombo; choça (termo quimbundo prefixo um e kambu, esconderijo).

10 Grupo de RAP paulistano no qual uma de suas letras foi trabalhada na pesquisa-ação. Falaremos mais sobre este grupo no decorrer da escrita e um pouco sobre sua história encontra-se no apêndice da pesquisa.

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Analise os termos que deixaram pra gente, entre parda e

mulata qual o mais indecente?

Qual é o menos prejudicial ter a identidade de mula ou de

pardal?

Mas peraê, veja que pirraça, pardal não é aquele passarinho

que não tem raça?

Que perambula pelas praças, dizem sem valor, é um pássaro

sem vocação pra cantor.

Vira-lata, a mula é um animal de mão de obra barata, estéril,

irracional, só serve para o trabalho, mas não pra produzir e aí

cumpadi, tu se encaixa mesmo aqui?

Trecho da música “Quadro Negro” da banda de RAP

Simples Rap’ortagem.11

O processo de escravização brasileira veio acompanhado não apenas da mão de obra

escrava, mas também de uma educação colonizadora, etnocêntrica e opressora. Atribuir aos

negros características de seres irracionais e úteis apenas para a mão de obra ou que os

mostrem como composição do ecossistema brasileiro deixa isto bem nítido.

Mas ratificar isto através de uma educação baseada em valores coloniais presente nas

escolas através de práticas pedagógicas repressoras e baseadas em referenciais

exclusivamente brancos nos expõe, ainda mais, o duro processo de negação da identidade

negra para afirmar a superioridade branca.

11 Segundo o site http://bandasdegaragem.uol.com.br/hotsite/biografia.php?id_banda=15268 A Simples Rap’ortagem é uma banda de RAP baiana que surgiu em 22 de abril de 1994 e foi um dos precursores do movimento hip hop organizado em Salvador. Assim é conhecido por misturar vários ritmos nordestinos em suas canções poéticas, além da politização trazida em suas letras através de suas rimas, mostrando a qualidade da música RAP baiana.

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Para Aranha (2006, p.327), desde a invasão dos portugueses, os moldes educacionais

brasileiros sempre estiveram voltados à Educação européia seletiva e que privilegiavam os

brancos e dominadores. A escola tornou-se um dos principais espaços de segregação e

desrespeito às alteridades, pois sempre trouxe as historias a partir dos pontos de vista

eugênico e trazidos pelos brancos colonizadores através da igreja católica. A referida autora

acrescenta que:

De qualquer modo, os jesuítas estavam entre as pessoas, como

fazendeiros, advogados, médicos, que produziram a ideologia

de depreciação do negro como indivíduo semi-humano e

destinado ao trabalho servil (ARANHA, 2006, p.329)

Assim, o racismo no Brasil começou a ser legitimado a partir da negação do negro

como ser humano e como sujeito histórico e da afirmação que a raça negra era subalterna e

inferior à branca.

Estas ideologias foram sendo produzidas por grandes intelectuais e educadores durante

toda a história brasileira e reproduzidas a partir de narrativas que descaracterizavam e

reduziam o papel do negro a uma efêmera participação em nossa sociedade. Maestri, apud

Aranha (2006) destaca que:

Durante todos os momentos da escravidão imperou inconteste a

visão do castigo físico como recurso pedagógico imprescindível

ao aprendizado e à manutenção da qualidade do ato produtivo.

(MAESTRI apud ARANHA, 2006, p. 330)

A pedagogia da colonização do conhecimento foi utilizada como instrumento para

ridicularização do negro, subtração da sua imagem e reflexo de suas identidades como sendo

inferiores e subalternas a outros grupos.

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3.1 A Lei 10.639/03 e a descolonização do conhecimento

Problema com escola eu tenho mil,Mil fita.

Inacreditável, mas seu filho me imita,No meio de vocês ele é o mais esperto,

Ginga e fala gíria,Gíria na! Dialeto,

Esse não é mais seu, oh,Subiu!

Entrei pelo seu rádio, tomei,cê nem viu.Mais é isso ou aquilo?

O Que?Cê não dizia,

Seu filho quer ser Preto,HÁ!

Que ironia [..]

Trecho da música “Negro Drama” do grupo de RAP RACIONAIS MC’S 12

Ao ler o primeiro trecho desta música a primeira pergunta vinda à mente é: “por que a

maioria das crianças, especialmente as crianças negras, têm tanto problema com a

escola?” Para responder a esta questão é importante saber de qual escola estamos falando.

Certamente chegaremos à conclusão de que é aquela escola eurocêntrica que representa estas

crianças como inferiores, condicionadas ao papel de escravos e marginalizados. Pensar no

truculento processo de escravização no Brasil implica voltar à viagem pelo Atlântico negro e

analisar a forma como seus precursores a projetou. Suas ações visaram inviabilizar todo e

qualquer tipo de contato comum a estes povos escravizados, além unir grupos com rivalidades

sócio-políticas para assim não haver qualquer tipo de resistência das populações africanas

retiradas de suas terras e mostrá-las ao mundo como passíveis à escravidão.

Encontrando-se dispersos na nova terra, ao lado de outros

escravos, seus iguais na condição de core na condição servil, 12 Segundo o site http://hiphop-rapnews.blogspot.com/2007/08/biografias.html, Racionais Mc’s é um dos principais grupos de rap brasileiro. Surgido no final das década de 80, o grupo traz em suas letras denuncias contra opressão do povo pobre e preto da periferia. Racionais é um grupo bastante polêmico por se negar aparecer na mídia, mas isso não impediu o grupo de ser a principal referência do Rap em todo Brasil, alcançado todos os cantos do país.

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mas diferentes na língua e na identificação tribal e

freqüentemente hostis pelos repelidos conflitos de origem, os

negros foram compelidos a incorpora-se passivamente no

universo tribal da nova sociedade. (RIBEIRO, 1995, P.115)

Através da tentativa de segregação destes povos, os colonizadores buscaram fortalecer

a escravidão no país evitando qualquer tipo de rebelião entre os negros que já faziam parte de

grande número daquela população e assim afirmar sua superioridade aos povos africanos.

Apesar da dificuldade de convívio entre etnias, culturas e línguas diferentes a

submissão aos desejos dos colonizadores não ocorreu. Os pensamentos ligados a estas ações

não foram suficientes para legitimar a passividade e a aceitação negra em relação à

escravidão, nem todos os mecanismos utilizados na exploração negativa da identidade do

negro não os mantiveram inertes. As lutas dos negros africanos e afro-brasileiros

acompanham o mesmo processo histórico em que ele foi violentado e mostram respostas de

não aceitação ao escravismo, além do resgate ás suas identidades.

Segundo Moura (2004, p.10), as principais formas de organização contra a

escravização no Brasil estiveram presentes na Irmandade, nas religiões de matrizes africanas,

nos Levantes, nos Quilombos, na participação do negro nos Movimentos Abolicionistas e na

Organização do Movimento Negro no Brasil.

Estas organizações ajudaram no (re) conhecimento e viabilidade das várias formas de

resistências e resgate das histórias dos negros. Elas também foram marcadas por muitos

conflitos e conquistas, acompanhando a história dos negros que viveram e que vivem aqui no

Brasil.

Ao contrário do discurso da historiografia oficial as referidas entidades e organizações

mostravam que os negros sempre tiveram papel atuante na sociedade brasileira. Estas

atuações ocorreram desde a chegada dos africanos ao Brasil. Para Risério (2007, p.325) entre

os vários movimentos de luta das populações afro-brasileiras, surgem os “movimentos

negros”, no qual o primeiro bloco aparece entre o século XVI à primeira metade do século

XIX e o 2° bloco surge no inicio do século XX até a contemporaneidade. Assim, podemos

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constatar que os negros se mantiveram organizados e se estende politicamente a fim de resistir

e combater à luta contra a escravidão.

Ao pensar nestes “movimentos negros” e em suas principais formas de organização e

atuação, podemos perceber que a participação do negro na construção da sociedade brasileira

aparece de maneira significativa e representativa contrapondo a idéia de que:

A contribuição do negro foi pouco relevante na formação

daquela protocélula original da cultura brasileira. Aliciado para

incrementar a produção açucareira, comporia a contingência da

mão de obra. Apesar do seu papel como agente cultural ter sido

mais passivo que ativo, o negro teve importância crucial, tanto

por sua presença como a massa trabalhadora que produziu

quase tudo que aqui se fez, como por sua introdução sorrateira,

mas tenaz e continuada que remarcou o amalgama racial e

cultural brasileiro com suas cores mais fortes. (RIBEIRO, 1995,

p.114)

As organizações e movimentos negros ajudam a desconstruir este pensamento racista de que o

negro tem ótima serventia para mão de obra escrava e traz ressignificações veementes acerca

do seu papel potencializador e representativo para a nossa sociedade. Apesar da luta dos

negros pela liberdade, ela não veio acompanhado por formas de reparação das desigualdades

sofridas pelos mesmos.

Abolida a escravidão, o decorrer do tempo revelaria quão

profundas marcas imprimira à onipresença do negro em todas as

atividades. Acabaria por reagir sobre o conceito de trabalho,

revestindo-o sobre uma conotação pejorativa. Daí a valorização

do ócio, o desprezo das ocupações manuais, sempre associadas

à figura de cativo... [...] A este, soma-se-iam os efeitos

decorrentes do baixo nível cultural em que deliberadamente foi

mantido o escravo, esterilizando-lhe a capacidade produtiva.

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Toda essa herança geraria uma enorme defasagem histórica na

sociedade brasileira, com repercussões vistas e sentidas, mesmo

nos dias atuais. (QUEIROZ, 1987, p.79)

Findada a escravidão em 1888 o negro é jogado às margens da sociedade como

incapazes de qualquer contribuição que não fosse o trabalho de mão de obra escrava. Com a

proclamação da república em 1889, um ano depois, o Estado brasileiro tenta apagar toda a

história de desrespeito e de crueldade contra as populações negras para assim se mostrar como

nação harmônica. Porém, o racismo permanece presente em nossa sociedade, só que o mesmo

assume uma forma mais sorrateira através da Ideologia do Branqueamento que passou a ser

mais fortalecida pelo Mito da Democracia Racial.

As lutas dos movimentos negros no Brasil não ocorreram apenas no combate contra a

mão de obra escrava. Eles atuam até hoje contra o pensamento racista que foi ratificado e

difundido em nossa sociedade através de práticas discriminatórias proferidas por grandes

intelectuais através da educação colonizadora.

A força da lei 10.639/03 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das

Relações Étnico-Raciais (2003), pressiona o Estado brasileiro que após a promulgação da

Constituição de 1988, buscava mostrar a imagem de país democrático, mas que continuavam

a tratar os afro-brasileiros de forma desigual mostram um cenário muito diferente.

Ao analisar as relações raciais no Brasil sob a perspectiva do Estado e sua verdadeira

realidade percebemos o paradoxo existente entre elas. Na história oficial do país exibi-se uma

história isenta de discriminação racial, onde os negros possuem a mesma forma de tratamento

que outros grupos étnico-raciais. A este paradoxo concebido pelos movimentos negros como

inverdade, chamamos de Mito da Democracia Racial.

O grande mito que sustenta a imaginação social brasileira é o da

não-violência. Nossa auto-imagem é de um povo ordeiro,

pacifico alegre e cordial, mestiço e incapaz de discriminação

étnica, religiosa ou social, acolhedor para estrangeiros, generoso

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para os carentes, orgulhoso das diferenças regionais e destinado

a um grande futuro. (CHAUÍ, 1994, p. 36)

O mito da democracia racial mascara a realidade brasileira, pois mostra uma visão de

país aberto às alteridades e assim camufla o racismo como algo inexistente em nossa

sociedade.

Segundo Vasconcelos (2009), a educação não está isenta a esta questão, pois ela faz

parte desta complexa estruturação social do período colonial e racista. Uma das primeiras

formas de segregação racial através da educação foi utilizada para impedir o acesso e a

permanência das populações afro-descendentes nas escolas.

O decreto n° 1.331, de fevereiro de 1854, estabelecia que

nas escolas públicas do país não seriam admitidos

escravos, e a previsão de instrução para adultos negros

dependia da disponibilidade de professores. O decreto

n°7.031-A de 6 de setembro de 1878, estabelecia que os

negros só podiam estudar no período noturno e diversas

estratégias foram montadas no sentido de impedir o acesso

pleno dessa educação aos bancos escolares. (BRASIL,

2003, p. 7)

A educação escolar foi um veículo de papel incisivo na construção de uma sociedade

preconceituosa, racista e que desrespeita a diversidade. Esta estrutura europeizada utilizada

pelo Estado ainda aparece de forma bem natural nos livros didáticos e nas falas de

educadores, educadoras e educandos nos dias atuais.

Percebendo que a educação foi usada como um dos grandes difusores do racismo na

sociedade, o governo federal brasileiro pressionado por militantes e intelectuais negros propõe

através do Ministério da Educação e Cultura (MEC) que as escolas trabalhem com os

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Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) na década de 90 sobre Pluralidade Cultural e

Orientação Sexual para abordar as diversidades em sala de aula.

A temática da Pluralidade Cultural diz respeito ao

conhecimento e à valorização das características étnicas e

culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no

território nacional, às desigualdades econômicas e à critica das

relações sociais discriminatórias e excludentes que permeiam a

sociedade[...](BRASIL, 2001, p.9)

O PCN de Pluralidade Cultural foi uma das saídas mais emergente que o Estado

brasileiro encontrou para auxiliar muitos educadores a trabalhar as diversidades presentes em

sala de aula.

A diversidade explicita no contexto social a partir de observações entre professor-

aluno e aluno-aluno permitem que os mesmos possam trocar informações a partir de

narrativas que busquem (re) conhecer e respeitar as diferenças existentes dentro e fora da sala

de aula.

[...] A escola tem um papel crucial a desempenhar neste

processo. Em primeiro lugar por que é o espaço onde pode se

dar a convivência entre crianças de origem e nível

socioeconômico diferentes daqueles que cada um conhece, com

visões diferente daquelas que cada uma conhece, com visões de

mundo diversas daquela que compartilha em família. [...] A

criança na escola convive com a diversidade e poderá aprender

com ela. (BRASIL, 2001, p.23-24)

Logo, por ser um espaço onde reune estas diversidades, a escola aparece com o papel

importantíssimo de possibilitar não somente o conhecimento sobre o “outro”, como também o

respeito a este “outro”.

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O PCN de Pluralidade Cultural foi um grande passo para trabalhar a diversidade

étnico-racial no Brasil. Porém, por se tratar de um modelo de como deve ser abordada estas

diversidades, muitas vezes as especificidades de cada grupo passaram despercebidas.

Passando a ecoar gritos cada vez mais vibrantes e fortes após a escravidão (Risério,

2007) os movimentos negros continuaram lutas a fim de terem seus direitos garantidos

conforme a legislação. Pensando em resgatar as histórias que foram roubadas juntamente com

os africanos que foram tirados de suas terras, os movimentos negros da atualidade não

cessaram suas lutas por acessibilidade, reparação e afirmação de suas identidades. Seus

levantes levaram-nos a vários resultados e em 2003 uma das respostas aos seus “levantes’foi a

criação de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais

para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em 2004 que foi resultado no

sancionamento da lei 10.639/03.

Para Figueiredo (2008, p.32), o Ensino de História e cultura Afro-Brasileira aparece

como uma forma de ação afirmativa, ou seja, medidas compensatórias a curto prazo que vem

afirmar à sociedade que existem desigualdades a reparar. Através desta inserção no currículo

escolar, os negros têm a possibilidade de resgatar seu passado através da história contada pelo

seu povo.

Essas Diretrizes é o resultado da sanção da lei 10.639/03 pelo governo federal

brasileiro que busca:

A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. Com esta medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a história e cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. (BRASIL, 2003, p.10)

A lei 10.639/03 não só possibilita a oportunidade de conhecer a história que durante

cinco séculos foi negada e deturpada pelo sistema colonialista e escravagista, de forma que

venha valorizá-la, como também permite reparar as desigualdades sofridas através da

discriminação, dos preconceitos e dos estereótipos que buscaram inferiorizar os afro-

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descendentes. Logo, esta lei é importante não somente às populações negras como também

aos brancos, pois permite o acesso a verdadeira história dos negros e a relação de respeito às

alteridades para a construção da equidade.

Ao abordar temáticas das Relações Raciais sob a perspectiva de inclusão e valorização

da história e cultura africanas e afro-brasileiras a lei 10.639/03 impõe à educação uma quebra

de paradigmas de eugenia que:

Têm que desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas. (BRASIL, 2003, P.8)

Da mesma maneira que a escola foi utilizada como veículo de propagação e difusão de

idéias racistas, na contemporaneidade. ela tem a função de promover espaços de diálogos

possíveis entre negros e brancos. Assim, será possível conviver em uma sociedade onde as

relações sociais entre grupos étnico-raciais diferentes sejam reconhecidas e respeitadas.

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3.2 Elementos do Hip Hop na educação contra o racismo

Movimento cultural, político e organizado

Do nosso lado nem que fique embaçado.

Só quem tem estima, pode ficar retado,

Só quem é do axé, envolvido e articulado.

Benção e Proteção a quem corra pela paz,

Perpetuando seguidores, não morreremos jamais!

Trecho da música “Mais uma Baixa” do grupo de RAP RBF13

As histórias de lutas das populações afro-brasileiras os acompanham desde a África e

se espalham por todos os cantos onde os negros foram espalhados.

Segundo Hall (2008), muitos problemas do período colonial permaneceram no período

pós-colonial e mesmo com o fim do sistema escravagista, muitos negros foram

marginalizados em várias partes do mundo. Porém, seus sofrimentos, suas dores, suas

retaliações só fizeram com que estes povos continuassem pelo mundo a mostrar seus valores,

suas capacidades, sua resistência sem precisar negar os outros povos.

Os fatos ocorridos no século XX mostram em potencial os vestígios deixados pelas

ideologias racistas europeizadas não somente no Brasil, mas por todo Atlântico negro.

Para Pimentel (s.d), enquanto a população lutava na África do Sul contra o apartheid,

nos EUA os afro-americanos lutavam contra a política segregacionista que os impedia de o

acesso aos bens de consumo. Estas lutas foram importantes para o novo passo que seria dado

dali por diante não apenas nestes lugares, mas em todo mundo e em especial aqui no Brasil.

Na África do Sul, Mandela era um dos principais líderes contra aquele regime de

segregação, enquanto nos Estados Unidos Malcom X14 e Martim Luther King15 apesar de

13 Trabalhamos uma das músicas do RBF durante esta pesquisa-ação. Falaremos mais sobre este grupo no decorrer da escrita e um pouco sobre sua história encontra-se no apêndice da pesquisa.

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terem posicionamentos diferentes, eles se tornaram grandes referencias para os negros que

viviam oprimidos nos guetos das grandes cidades. Com a morte de Luther King em 1968, as

tentativas de pacificação entre negros e brancos tornou-se cada vez mais distante. Surge então

o Partido dos Panteras Negras que lutavam pela descentralização do poder que estavam nas

mãos dos brancos. Estas lutas geraram muitos conflitos e mortes, mas a situação dos negros

norte americanos ainda era difícil no país.

Segundo Pimentel (s.d.), todos estes conflitos vieram acompanhados de inovações

culturais do povo negro. Estas inovações buscavam não apenas elevar a auto-estima dos afro-

americanos como também buscavam despertar a consciência negra entre eles.

Inspirados pelo líder sul-africano Steve Biko, James Brown começa a cantar “Say it

loud: I’m Black and pround!” (Diga Alto: sou negro e orgulhoso!). Esta inspiração poética

seria o ponto de partida para a criação de outros ritmos como soul music, jazz, entre outros

ritmos. Mas fora dos Estados Unidos, surgiria uma nova vertente que mais tarde daria origem

a um dos ritmos mais representantes dos negros das periferias estadunidenses. Na Jamaica Kool

Herc, os DJ’s jamaicanos mandavam mensagens políticas e espirituais enquanto tocavam as músicas

prediletas dos seus grupos. (PIMENTEL, s.d.)

Estas mensagens juntamente com estas batidas formariam o novo estilo musical que

mais abalariam as estruturas do Bronx16 e assim chegariam a outros guetos e disseminar pelo

mundo: O RAP

Para Oliveira (2007), o hip (balanço dos quadris) hop (salto) surgiu para superar os

conflitos existentes entre as gangues norte americanas através da arte, da dança e da

14 Segundo a 22ª edição da revista Aventuras na História no ano de 2005, Malcom era filho de pastor protestante que foi morto pela organização racista conhecida como Ku Klux Klan. Após ficar órfão, ele mudou seu sobrenome de batismo “Litlee” que havia sido dado por designação da tradição escravocrata e passou a ser chamado deMalcom X. Ele converteu-se ao islamismo e começou a participar da Nação Islã, seita pregava que o homem branco era o mal do mundo, mas ao viajar para Meca em 1964 suas idéias passaram por mudanças e ele passou a pensar que raças distintas poderiam viver em paz. Após sua volta aos EUA, MAlcom X foi morto por radicais da seita , porém mesmo após a sua morte ele continua sendo um dos principais líderes das populações negras nos Estados Unidos e no Brasil.

15 Segundo o Livro Vermelho do Hip Hop, Martin Luther King, filho de pastor e também pastor nos Estados Unidos pregava a luta por igualdade através da não-violência. Inspirado por Mahatma Gandhi, ele ganhou o prêmio Nobel da Paz em 1964 em 1968 foi morto.

16 Segundo o site http://pt.wikipedia.org/wiki/Bronx, o Bronx é um dos cinco distritos da cidade de Nova York e também bastante conhecido nas décadas de 60 e 70 devido a sua periculosidade.

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musicalidade. Assim, os conflitos existentes entre estes grupos poderiam ser apaziguados

através de conflitos que não fossem os corporais e sim uma batalha onde aquele que mostrava

melhor habilidade, vencia.

O termo hip hop foi criado pelo Dj Lovebug Starski17 e espalhado pelo Dj Áfrika

Baambata que posteriormente seria conhecido por também dar ao hip hop a característica de

movimento através da organização Zulu Nation.

Foi à organização Zulu Nation por intermédio de Áfrika

Bambaataa que confere a Cultura Hip Hop a característica de

Movimento. Na medida que articulou artistas locais que faziam

parte de gangues para superar seus conflitos através das

batalhas artísticas, seminários, palestras, para se falar sobre a

importância de combater a violência, e da Cultura Hip Hop para

as comunidades afro-americanas. Quando, no início da década

de 70 o Bambaataa popularizou o termo hip hop ele ensaiava

novos modos de fazer música, e nova forma de pensar a

situação dos negros na sociedade norte-americana. (OLIVEIRA,

2007, p.28)

Assim, o movimento hip hop surgiu após um longo período de conflitos e disputas nos

Estados Unidos na tentativa de expelir os conflitos entre as populações negras daquelas

regiões.

Os debates a cerca da definição enquanto movimento sócio-político ou cultura é

bastante acirrado entre seus seguidores ou militantes e tanto debate faz chegar à seguinte

conclusão: o hip hop pode ser tudo isso.

Na ótica de Oliveira (2007) o Hip Hop pode ser visto enquanto movimento, a partir de

seus agrupamentos com indivíduos da sociedade que têm interesses em comum e que buscam

lutam pela cidadania, ou seja, o hip hop serve para desenvolver atividades que busquem

atender as necessidades do seu grupo.

17 Ver informação no site www.zulunation.com.

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Para Hall (2008) o Hip Hop também pode ser analisada como cultura a partir das

representações simbólicas atribuídas a esta criação e sua representatividade após a diáspora.

Ele surge como representação da consciência revolucionaria que deseja transformar a

sociedade a qual está inserida.

Sob ambas perspectivas, o Hip Hop pode ser compreendido como um movimento

sócio-cultural criado pelas populações afro-descendentes a fim de afirmar suas origens através

de construções inclusivas às populações excluídas por fatores raciais e sociais.

A cultura hip hop representa para nós, afrobrasileiros, mais umaoportunidade de diversão, ao mesmo tempo que fortalecenossos laços identitários, atualizando-os com as experiências dacontemporaneidade. Valoriza linguagens artísticas de concepções estética e temática que envolvem os elementos presentes no dia-a-dia da comunidade preta, de forma crítica,atuante e, sobretudo, bela. (MACA, 2005, P.4)

O Hip Hop surge não só como alternativa de encontro e diversão, ele também surge

como possibilidade de construção de identidade étnico racial que vislumbram valores dos

antepassados e na reconstrução de uma nova história.

Tanto no papel cultural quanto no papel de movimento social que ajudava a apaziguar

as “richas” entre gangues rivais nos guetos dos Estados Unidos o HIP HOP é composto de

quatro elementos:18

- Break: Arte rítmica através da dança onde o corpo é seu principal instrumento. Seus

movimentos relembram a Guerra do Vietnã, onde vários afro-americanos foram enviados ao

combate e tiveram que se proteger de ataques inimigos através de manobras que deixavam o

corpo como se estivessem divididos. Este elemento recebe este nome por lembrar a quebra de

movimentos feitos por seus dançarinos (b.boys) e dançarinas (b.girls).

- Graffite: Expressão artística desenvolvida através de desenhos pintados em grandes muros a

fim de representar sentimentos, pensamentos e manifestações sócio-culturais. Desenhados

pelos grafiteiros, esta arte surgiu da necessidade de delimitar território entre gangues rivais

nos guetos estadunidenses. Discriminado por ser muito confundido com a pichação, o graffite

18 Ver mais informações no site: http://www.enraizados.com.br/Conteudo/4Elementos.asp

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ainda é uma arte não legalizada no Brasil e através dela seus artistas buscam fugir da estética

convencional de arte e expressar seus sonhos, seus protestos e suas expressões a cerca do

mundo.

- RAP: Abreviação do termo em inglês “Ritm And Poetry” que significa Ritmo e Poesia. Suas

poesias ritmada pelos MC’s (Mestres de Cerimônia) ou também chamados de Rappers através

das batidas do Dj trazem informação, denúncia e resgate da memória africana através da

oralidade.

Nascido na Jamaica e emergido nos EUA, este elemento muitas vezes confundido com o

próprio HIP HOP ganhou grande destaque em todo o mundo através de mobilização social

junto ao contingente marginalizado.

-DJ: Abreviação de Disk Jóquei, o dj é o grande responsável pela sonorização das batida das

músicas. Com as famosas pick’us também conhecidas como toca-discos e o mixer, o dj

comanda as batidas, dando ritmo às letras de Rap. O Dj é um dos elementos que formam o

RAP.

Apesar da importância dos quatro elementos, o RAP foi o elemento que tomou as

maiores dimensões nos contextos sócio-políticos em vários países no mundo. Suas rimas

carregadas de denúncias e protestos mostraram às sociedades que há desigualdades a serem

reparadas.

Da sua criação na Jamaica à emerrgência nos Estados Unidos, o RAP tomou grandes

dimensões em todo o mundo. Porém, a sua força incomodou a tantos que o sistema capitalista

logo procurou uma forma de copitá-lo.

As letras cantadas nos guetos, carregadas de revolta e resignação diante à dura

realidade imposta ao povo negro nas décadas de 60 e 70 agora na contemporaneidade está

moldada por padrões sexistas, machistas que cercam o mundo globalizado.

A globalização contemporânea é associada ao surgimento de

novos mercados financeiros desregulamentados, ao capital

global e aos fluxos da moeda grandes o suficiente para

desestabilizar as economias médias, às formas transnacionais de

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produção e consumo, ao crescimento exponencial de novas

indústrias impulsionado pelas tecnologias de informação, bem

como o aparecimento da economia do conhecimento. (HALL,

2008, p. 56)

O RAP também apreendeu os interesses da indústria capitalista norte-americana que o

moldou de acordo com seus interesses buscando separá-lo de seus reais valores colonização

do conhecimento.

Apesar de o RAP ter emergido nos Estados Unidos, este conflito não abrangeu todas

as localidades. Nos locais mais vitimados pela escravização sofrida no Brasil, este elemento

mantém suas características fortes e marcantes no que diz respeito à inclusão e valorização da

maioria marginalizada que é a população negra.

Refletir sobre a história do RAP no Brasil é fazer uma viagem ao longo processo de

massificação e exclusão das populações negras no país e da tentativa da sociedade em

mascará-la através do mito da democracia racial.

O Hip Hop como uma importação, chegou aqui no país na década de 80 e começou a

ter conotação de movimento na capital paulistana. Apesar de ter sido criado por negros e

buscar discutir as desigualdades sofridas por estes povos, no Brasil vários grupos de outras

identidades étnico-raciais adentraram ao movimento. Sua aceitação foi tida primeiramente

pela juventude marginalizada através do break, depois do grafite e por último do RAP.

Para Herschman (2000) o RAP possui um maior destaque entre os quatro elementos

do Hip Hop tanto no Brasil quanto nos EUA. Isso ocorre devido à maior facilidade de acesso

às letras como também às formas de contra-atacar o sistema opressor.

O RAP enquanto cultura também possui suas particularidades, em cada local onde ele

está inserido ele é adequado às necessidades de representação às identidades locais de seus

ouvinte e seguidores.

Andrade (s.d.) afirma que no Brasil, o Rap se diferencia do Rap dos Estados Unidos

pelo fato de muitos grupos terem filiações com outros movimentos negros a fim de buscar

informações sobre suas ancestralidades no continente africano. Estas buscas fazem com que

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vários elementos das culturas africanas sejam inseridos neste elemento, remetendo a constante

necessidade de lembrar o Sankofa.19

“Hey, tradição oral africana que nos demanda neste momento e nos manda”, este

é o refrão da música Tradição oral do grupo de RAP soteropolitano RBF. Ele nos mostra a

intrínseca relação que vários grupos de RAP no cenário nacional pôde integrar vários

elementos de origens africanas às suas músicas, fortalecendo e valorizando a capacidade

cultural destes povos.

Podemos encontrar estas mesmas características na música

dos países caribenhos, como também no Brasil, onde os

batuques, os tambores, os choros, o samba são exemplos.

(TELLA, 1999, p. 55)

A representação de várias letras de RAP aqui no Brasil nos remete às nossas origens

africanas a partir da sua ressignificação cultural e identitária, ao resgate de nossas histórias

através de nossos antepassados e do registro das letras na memória de seu povo.

Ao citar Spósito, Andrade (s.d.) afirma que a forma como os MC’s rimam e os DJ’s

produzem as bases musicais, relembram a oralidade africana tida como tradição na África

Ocidental proferida pelos griots.

Através do RAP informações podem ser compartilhadas com seus ouvintes e

seguidores possibilitando a troca de conhecimentos que podem ser levados para toda a vida

através da tradição oral.

19 O acesso ao termo Sankofa foi obtido através de um recital do MC Heider Gonzaga, integrante do RBF que foi retirado do livro “Sankofa: raízes e diretrizes africanas” e organizado por Elisa Larkin Nascimento. Neste recital ele diz que Sankofa significa: Nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou atrás. Logo esta frase representa a volta dos povos afro-descendentes após as diásporas às suas histórias, às suas origens e às suas raízes africanas.

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Contrariamente ao que alguns possam pensar, a tradição

oral africana, com efeito, não se limita a histórias e lendas,

ou mesmo a relatórios mitológicos ou históricos, e os

griots estão longe de ser seus únicos guardiões e

transmissores qualificados. A tradição oral é a grande

escola da vida, e dela recupera e relaciona todos os

aspectos. [...] (BÂ, 1982, p. 183)

Deste modo, tanto os Mc’s quanto os Dj’s podem ser considerados os griots da

contemporaneidade. No mundo ocidental, esta representação ocorre não apenas pela

responsabilidade social que eles têm com seus trabalhos, mas também pelas próprias

interligações das culturas africanas com as culturas afro-brasileiras.

Considerar que os Mc’s e os Dj’s podem viabilizar o conhecimento através do RAP,

podemos vê-lo como uma possibilidade pedagógica para a construção da Educação Plural.

Deste modo, a Educação passaria a ser descentralizada das mãos dos grandes grupos

hegemônicos europeizados e passaria a considerar a diversidade presente no âmbito escolar

respeitando-as para que assim as crianças negras também possam ter suas identidades

construídas a partir de referenciais positivos de suas culturas e de seus ancestrais.

3.3 O Rap e a Lei 10.639/03, que relação é esta?

Que o nosso RAP seja um palavrão de verdade:

“INTERDISCIPLINALIDADE”

Trecho da música “Haiti” do grupo de RAP Simples

Rap’ortagem

Pensar em uma escola que respeite as alteridades é uma luta incessante dos

movimentos negros no Brasil. A criação de ações afirmativas com o intuito de apontar e

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reparar as desigualdades sofridas pelas populações negras em nosso país nos levou a uma

conquista muito importante: A lei 10.639/03. Mas apesar de sancionada pelo governo federal

em 2003, percebemos as dificuldades e resistências de alguns educadores quanto à

aplicabilidade da mesma.

A lei 10.639/03 traz a possibilidade de reverter o doloso processo de ensino

etnocêntrico que contribuía com a inferiorização dos negros em relação a outros segmentos

sociais. Ela viabiliza a construção de uma educação plural de resgate e valorização das

histórias e culturas africanas através de uma pedagogia libertadora, permitindo assim que

essas histórias possam ser contadas e ressignificadas pelos seus próprios povos.

A proposição de uma educação no contexto desse desafio é

promover uma linguagem pedagógica que estabeleça uma

relação dinâmica com valores sociocomunitários da tradição e

os códigos da sociedade oficial, exigindo e assegurando nesta

relação o direito à identidade própria. (LUZ, 2000, p. 161)

A partir de práticas pedagógicas que priorizem o trabalho com a diversidade e que

possua referências pluriculturais, a educação possibilitará a inclusão e o respeito às

particularidades de cada individuo.

Considerando que a lei 10.639/03 prioriza a educação das relações étnico-racial, o

RAP a partir de seu discurso e de suas denuncias em torno das desigualdades podem

contribuir para realização de um trabalho educacional que permita tanto ao negro quanto ao

não negro o respeito e a valorização das especificidades das populações afro-descendentes a

partir das questões étnico-raciais, de gênero, religiosidade, dentre outros.

Por essas questões acredito na proposta de inclusão da educação

multicultural no sistema de ensino, através de políticas sociais

na área de educação, ou seja, incluir o multiculturalismo como

uma prioridade nas políticas educacionais – uma das formas de

reverter o quadro de fracasso escolar da criança negra. Defender

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o multiculturalismo na educação não é enaltecer a cultura negra

para o êxito educacional da criança negra, em detrimento das

outras culturas como a branca-européia. Pelo contrário, é

conhecendo o diferente que posso respeitar, entender e,

principalmente, conviver com a diferença. (ANDRADE, s.d., p.

197)

O RAP aparece como uma possibilidade de construção da educação multicultural por

abranger não apenas as populações afro-descendentes brasileiras, mas por também estar

intrinsecamente ligada a outros grupos étnico-raciais através de suas letras que denunciam as

desigualdades sofridas por outros grupos também marginalizados, mostrando assim que

através do conhecimento é possível conviver e respeitar as diferenças dos outros.

O conhecimento permite ao ser humano entender, conviver, respeitar e aceitar as

diferenças do outro de forma democrática e aberta a alteridade. Ele também pode ajudar na

(re)construção da identidade negra que por muito tempo na história foi negada e subtraída

pelos povos europeizados.

Escolher o RAP como ponte metodológica de ligação entre o negro e sua história a

partir de letras que :

[...] não somente explora a representação de uma

identidade negra orgulhosa e desafiadora, como também

convoca a sua comunidade ou o seu público a tomarem

uma mesma posição rechaçando aqueles que sucumbem à

“ideologia do branqueamento”. (AMARAL, 2008, p.37)

Trabalhar com o RAP na educação sugere um convite à possibilidade de identificação

dos sujeitos através das letras cantadas, dos temas abordados, da pluralidade envolvida em

torno das discussões.

Então reforço este convite e convoco o leitor à leitura do capitulo quatro desta

pesquisa que mostrará o importante papel desta cultura popular na reafirmação da cultura das

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crianças negras do Colégio Manoel Ribeiro localizado no bairro periférico de Marechal

Rondon em Salvador/Ba.

Então confira!

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4 O RAP COMO EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA NA CONSTRUÇÃO

DA IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA NO COLÉGIO MANOEL

RIBEIRO

A pesquisa de campo apresentada teve como propósito analisar as ações desenvolvidas

no Colégio Manoel Ribeiro com crianças da 3ª e 4ª série do ensino fundamental I e as relações

da criança negra com sua cultura. Este trabalho teve fundamento na pesquisa-ação que

segundo Valetim (2007) ocorre em estreita associação comum à ação ou com a resolução de

um problema coletivo, o qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou

do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

O trabalho referido possibilitou analisar a interação das crianças da escola tendo como

referência as relações diretas e indiretas das identidades negras, além de possibilitar o

desenvolvimento de práticas pedagógicas que retratem as histórias de algumas populações

negras no Brasil e no mundo. Através desta intervenção, a necessidade de contextualizar a

Educação com a “Prática de Liberdade” tanto defendida por Paulo Freire foi ratificada e

mostrou-se perspicaz à medida que levou em consideração o contexto sócio-indentitário

presente, considerando as alteridades de forma ética, inclusiva e que respeita a pluralidade

presentes na sociedade.

Os pontos cruciais que determinaram a opção pela pesquisa-ação nesta escola foram a

atuação da educadora no movimento hip hop soteropolitano, afinidade e participação da

educadora nas discussões acerca das temáticas raciais, referencias de precursores ativistas no

movimento hip hop, além do fato da maioria das crianças da instituição ser negra e mostrar

interesse pelas temáticas discutidas e da atividade de estágio extra curricular que desenvolvi

pela primeira vez em âmbito escolar . Outras situações surgiam durante as aulas através de

indagações e depoimentos que demonstravam preconceitos, estereótipos e do interesse em

conhecer e entender a história do negro em nossa sociedade. Pensando em desenvolver uma

prática pedagógica que valorizasse a cultura de cada criança em sala de aula e buscando

linguagens que permitissem que os referidos fizessem sua leitura de mundo, além de ter

construído minha identidade de mulher negra através do RAP, fiz a seguinte indagação: o

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RAP pode ajudar no processo de reafirmação da cultura da criança negra? Assim, optei pela

pesquisa-ação para encontrar a resposta a este questionamento.

Apesar da diferença de faixa etária do grupo estudado devido à junção de séries

diferentes num mesmo espaço por conta do número reduzido de alunos, esta integração

enriqueceu muito as discussões, pois cada educando trazia seus relatos, experiências e pontos

de vista diferentes à cerca das populações afro-descendentes.

A Instituição de Ensino particular conhecida como Colégio Manoel Ribeiro fica

localizado em Marechal Rondon, bairro localizado na periferia da cidade de Salvador e que

faz limite com os bairros de Campinas de Pirajá, Lobato e Cabrito, sendo delimitado pelo

Dique do Cabrito ou Dique de Campinas, que faz parte da Bacia do Camurujipe. O bairro de

Marechal Rondon, rebatizado com esse nome em 1973, nasceu como Baixa do Dique e

destinava-se, inicialmente, a acolher dezenas de famílias desabrigadas de um bairro próximo,

devido a uma forte enchente que vitimou a cidade de Salvador em 1963. Este bairro possui

aproximadamente 13 mil habitantes, onde pudemos perceber durante toda a observação que

sua grande maioria é formada de pessoas afro-descendentes e que estão socialmente inseridos

nas classes pobres e média baixa. O bairro recebe este nome em homenagem a Marechal

Candido Rondon, militar de origem indígena que lutou pelo seu povo durante a República

Velha, criando o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e que hoje é conhecida como FUNAI

(Fundação Nacional do Índio). Marechal Rondon está diretamente ligado a outros bairros

periféricos como: Pirajá que foi um antigo quilombo na cidade de Salvador e até hoje

apresenta sua importância para as culturas afro através da cachoeira do Parque São

Bartolomeu que faz divisa entre Pirajá e a Avenida Suburbana e é referência para algumas

religiões de matriz africana no que tange os cultos negras e local onde a luta pela

Independência da Bahia foi iniciada, Campinas de Pirajá que eram pequenos campos que

davam acesso ao primeiro bairro citado, Lobato dentre outros. A escola trabalha desde 2007

com o ensino de educação infantil e em 2008 foi o primeiro ano a ser trabalhado o ensino

fundamental I.

4.1 Estrutura física e recursos didático-pedagógicos

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O Colégio funciona em um prédio alugado que possui 2 andares, sendo que a escola

funciona no térreo com 3 salas, onde pela manhã ficam as crianças do período integral e a

tarde as crianças da Educação Infantil (Maternalzinho, Maternal e Jardim II)l, além da

secretaria escolar e no primeiro andar há outras duas salas, onde durante a manhã há aulas

com as turmas do Ensino Fundamental I e durante a tarde estão os estudantes do Jardim I e da

Alfabetização.

A escola é muito pequena e sua estrutura física não proporciona espaço suficiente para

o desenvolvimento de atividades mais lúdicas como recreação, peças teatrais, dança exposição

e jogos. Porém, a mesma possui um acervo de livros satisfatórios para o pouco tempo de

funcionamento da Instituição, já que a diretora trabalha há mais de 20 anos na área da

Educação, ela pôde construir este pequeno acervo que auxilia as professoras nas atividades A

qualidade presente nestes materiais também auxilia os educandos, pois o livro didático usado

pelos alunos de 1ª à 4ª série além de ser integrado é bastante fragmentado.

A escola dispõe de recursos didáticos como: mimeografo televisor, aparelho de som,

aparelho reprodutor de DVD, mapas e atlas escolares. Para suprir a carência de materiais, as

educadoras sempre levam à sala de aula livros de literatura, música, jogos e filmes para

completar as atividades.

4.2 Formação étnica-racial20 e de gênero do grupo

Por ser o primeiro ano em que a escola trabalha com o ensino Fundamental, o número

de alunos matriculados para a 3ª e 4ª série foram poucos, por isso, a direção da escola

resolveu uni-las e formar uma turma integrada Estas crianças em sua totalidade são moradoras

do bairro onde a escola encontra-se localizada, Marechal Rondon e sua adjacência, Campinas

de Pirajá e formam no total um grupo com (7) educandos. Para manter seus nomes em sigilo,

20 Esta classificação foi feita a partir de análises sobre a cultura e os grupos étnico-raciais presentes na família de cada educando.

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durante a pesquisa ação eles serão citados com nomes que representam alguns orixás no

candomblé. A escolha pela representação dos alunos através dos nomes destas entidades

ocorreu da importância da prática pedagógica que buscou durante todo ano letivo combater e

qualquer tipo de manifestação de intolerância religiosa e que no final do trabalho apresentou

vários avanços.

QUADRO 1 – ÊRES: O FRUTO DA EDUCAÇÃO PLURAL

NOME GRUPO ÉTNICO-

RACIAL

SEXO IDADE SÉRIE

Exu Negro M 10 3ª

Xangô Negro M 11 4ª

Nanã Negro F 9 3ª

Oxum Negro F 8 3ª

Oxossi Branco *21 M 9 3ª

Iansã Negro F 9 4ª

Iemanjá Branco F 11 4ª

4.3 Ação interventiva com o rap para a educação plural em sala de aula

Apesar de ser uma escola particular, a carência da escola é muito visível no que tange

espaço físico, administrativo e financeiro. Percebendo estas dificuldades, foi necessário

buscar diversas metodologias que despertassem o interesse dos educandos pelas temáticas

discutidas. A questão racial freqüentemente aparecia presente nas falas dos alunos. Muitos

preconceitos, dúvidas, curiosidades e estereótipos evidenciados em sala de aula ratificaram a

importância e a necessidade de discutir estes assuntos de forma que estes sujeitos

21 Este aluno se auto-declara como branco, mas sua mãe é branca e seu pai é negro. Apesar desta declaração, durante a pesquisa observa-se que o aluno é afro-descendente devido a cultura que ele faz parte, dos traços físicos que ele herdou do pai e de sua ancestralidade .

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compreendessem a verdadeira história do negro em nossa sociedade e pudessem contribuir

uma auto-imagem positiva, fortalecendo sua auto-estima.

Esta história seria contada diferentemente da forma com que vêm na maioria dos

livros didáticos, que trazem o negro no papel de escravo, coitado, inferior. Elas seriam

narradas a partir da própria história de vida de negros que mostraram força, luta e resistência

em suas crenças e suas histórias, através na narrativa da própria educadora que se afirma

como mulher negra e de outros grupos sociais que fazem parte deste processo de

descolonização do conhecimento.

A pesquisa surge do primeiro contato com a música RAP na sala de aula com o

propósito de debater sobre a “invasão” do Brasil feita pelos portugueses em 1500 com a

música “Muita Treta” do grupo gospel paulistano Apocalipse 16. Ao perceber o interesse e o

bom desenvolvimento que houve nesta discussão o interesse em trabalhar com a música RAP

em sala de aula tornou-se algo eminente. Antes de ouvir esta música, foi exposto aos

educandos os objetivos em trabalhá-la em sala de aula. Daí começou as observações sobre os

conceitos prévios que eles possuíam a respeito desta cultura.

A priori, ficou notória que a percepção e o conhecimento que eles possuíam sobre o

RAP estavam muito associados à emergência desta cultura nos Estados Unidos. Após esta

aula, houve a necessidade de levar a história do surgimento do movimento sócio cultural

conhecido como HIP HOP. Este movimento sócio-cultural é composto por quatro elementos:

Grafite, Break, MC e DJ, sendo estes dois últimos os elementos que formam o RAP. Dos seus

primeiros passos na Jamaica à sua ascensão na primeira grande potência mundial da

atualidade e sua chegada ao Brasil, analisamos as relações entre passado/presente e as

diferenças culturais entre ambas.

Esta apresentação foi feita durante uma manhã de aula onde houve a apresentação do

vídeo Hip Hop e Rap Volume 1, onde os 4 elementos foram apresentados através da dança

com os b.boys e b.girls, das artes plásticas com os grafiteiros e da musicalidade nas rimas e

batidas dos disk jóqueis (DJ’s) e Mestres de Cerimônia (MC’s). Logo após, foi apresentado o

vídeo Hip Hop com Dendê, vídeo este produzido por Fabíola Aquino e Lilian Machado que

mostra a relação da Bahia com este movimento e as questões da identidade negra, além da

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entrevista seguida de atividade de arte- educação com o grafiteiro do Projeto Salvador

Grafita22 e morador do bairro de Marechal Rondon, Adriano (Drico).

O interesse pela aula foi tamanho que os alunos pediram que houvesse outros

momentos como aquele e, neste momento levamos a proposta à direção da escola e ao grupo

de trabalhar o RAP em sala de aula, e ambos aceitaram. Este trabalho processual teve duração

de 26 horas/aula e foi feito de modo que as narrativas presente durante as aulas fossem

resgatadas através da oralidade presente nas culturas africanas e afro-brasileiras através do

RAP.

A partir de então, foi iniciada a seleção das músicas que seriam trabalhadas com a

turma. Elas seriam levadas àquele ambiente para auxiliar no processo de construção da

identidade dos estudantes negros presentes e quanto aos estudantes não-negros que eles

pudessem conhecer a história do negro a partir de suas próprias narrativas. A escolha dos

grupos de RAP aconteceu de forma que as letras pudessem ser analisadas e discutidas com os

próprios educandos, de modo que eles pudessem ver suas imagens refletidas em cada letra das

músicas, e mesmo aqueles que não se identificassem enquanto negros através destas cantorias

pudessem compreender a importância de conhecer sobre as populações negras e respeitá-las,

sem deixar de levar em consideração a maturidade e o desenvolvimento cognitivo de cada um.

Durante a escolha das músicas, foi excluída qualquer possibilidade de trabalhar com

letras que representam o negro na condição de ladrões, traficantes, escravos, submissos,

fracos, vítimas, oprimidos, coitados e apenas críticos. As músicas foram escolhidas a fim de

mostrar o papel atuante do negro como sujeitos ativos em nossa sociedade, papel este de povo

lutador, guerreiro, ativo, ascendente, donos, conhecedores e narradores de suas próprias

histórias.

As músicas escolhidas são composições de sete grupos de RAP que trazem as questões

raciais de forma coerente, afirmativa e positiva no que tange afirmar suas identidades étnico-

raciais. Três grupos são do estado de São Paulo e 4 grupos são daqui de Salvador. A escolha

por um número maior de grupos em Salvador foi feita sob a perspectiva de que esta é a 2ª

22 Este projeto foi criado no inicio do governo do prefeito João Henrique em 2005 com o objetivo de melhorar o aspecto visual de Salvador através da troca das paredes pichadas por paredes exibindo a arte e seus artistas através do grafite. Mas ainda existem criticas muito grandes a respeito do projeto, pois apesar de diminuir o número de pichadores da cidade buscando em torná-los artistas das ruas, não há nenhum tipo de licença que permitam que estes jovens desenvolvam seus trabalhos com segurança.

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maior cidade negra do mundo e logo, sua cultura possui raízes muito intrínsecas e inerentes às

culturas africanas trazidas pelos negros que aqui foram escravizados. Além disso, os grupos

soteropolitanos nos remetem às nossas origens africanas através da ligação direta de suas

rimas cantadas através da oralidade e ritmada pelos toques trazidos da África. A escolha dos

grupos de São Paulo foi feita pela participação de crianças que se afirmam enquanto negras e

pela história das populações negras do Brasil e do mundo e a própria visibilidade dos grupos

no contexto nacional. Devido à rotina de sala de aula e o trabalho pedagógico que buscou

desenvolver uma prática de liberdade em uma escola tradicionalista e com dois grupos

diferentes num mesmo espaço, não foi possível trabalhar as músicas “Quadro Negro” e

“Denúncia do Negão”, pertencentes respectivamente aos grupos soteropolitanos “Simples

Rap’ortagem e “Conceito Negro”. Porém isso não impediu de desenvolver o trabalho de

pesquisa-ação onde os grupos, os temas e as ações pedagógicas desenvolvidas estão

registrados nos quadros e nas narrativas a seguir.

“RAP’SANDO A EDUCAÇÃO: A PRÁTICA PEDAGÓGICA PLURAL NA

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA ATRAVÉS DO O RAP”.

Quadro 2. Rap do 509-E

CRONOGRAMA

DE ATIVIDADES

GRUPOS

DE RAP

TEMÁTICAS

DAS LETRAS

AÇÕES

PEDAGÓGICAS

OBJETIVO RESULTADO

- 08 de agosto de

2008;

- 13 de outubro de

2008.

509-E Identidade negra,

musicalidade

- Escuta da música

“Olha o menino”;

- Discussão do

conteúdo da letra,

- Questionário.

- Afirmar a

identidade da

criança negra.

- Positivação da

cultura através da

afirmação da

identidade da

criança negra.

Após ouvirmos a música “Olha o menino23”, iniciamos um diálogo para que

pudéssemos observar e analisar a fala dos educandos relacionada às crianças que cantam e

afirmam suas identidades negras.

23 Letra de RAp disponível no anexo desta pesquisa.

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Logo de início Exu pede a fala e diz:

Comentário de Exu

- “Eu achei a música legal. Gostei da parte em que o menino diz: ‘Sou preto e pobre com muito

orgulho! ’. Eu também queria ser negão!”

No momento em que Exu disse que queria ser negão foi feita uma intervenção

pedagógica explicando que ele poderia se auto-afirmar como “negão” não apenas pela questão

da cor de pele, mas também da forma como ele se vê em sua cultura e por ser descendente de

negros. Esta intervenção pedagógica está baseada nas Diretrizes Curriculares Nacionais das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana que

diz: [...] ser negro no Brasil não se limita às características físicas. Trata-se também de escolha

política. Por isso, o é quem assim se define. (BRASIL, 2003, p.15)

Assim, a negritude pode ser afirmada a partir da ancestralidade do individuo, do grupo

social que ele se define e a qual cultura ele pertence.

Quadro 3. RAP Rapaziada da Baixa Fria

CRONOGRAMA

DE ATIVIDADES

GRUPOS

DE RAP

TEMÁTICAS

DAS LETRAS

AÇÕES

PEDAGÓGICAS

OBJETIVO RESULTADO

- 8 de setembro de

2008;

- 7 de novembro

de 2008.

Rapaziada da Baixa Fria-RBF

Identidade negra,

musicalidade

- Escuta da música

“Respeito é bom”;

- Discussão do

conteúdo da letra,

- Questionário.

- Valorizar o

negro;

- Reconhecer o

papel da mulher

negra na

sociedade.

- Positivação do

papel da mulher

negra em nossa

sociedade.

- Reconhecimento

A música “Respeito é bom” foi escolhida tanto para trabalhar a questão do respeito

entre os educandos, discutir a relação de respeito ao negro e principalmente à mulher negra

em nossa sociedade, tendo em vista que dias anteriores à escuta da música, algumas falas

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relacionadas às mulheres e seus papeis surgiram durante as aulas. As falas das crianças

reproduziam formas de pensar de outras pessoas que afirmavam que as mulheres só serviam

para ter filho, cuidar da casa e fazer comida. Assim, discutir o papel da mulher e em especial

da mulher negra na sociedade foi significativo. Iniciamos o diálogo analisando o conteúdo da

letra “Respeito é bom” no qual dois comentários dos alunos foram escolhidos para serem

analisadas nesta pesquisa-ação.

Intencionalmente foi indagado às crianças sobre suas opiniões a cerca da música

“Respeito é bom” e sobre o porquê a todo o momento haver uma mulher cantando no refrão e

pedindo respeito. A primeira fala é feita por Oxum, onde ela explicita sua indignação com a

fala de expressões machistas narradas por alguns de seus colegas dias anteriores:

Comentário1-aluna Oxum (8 anos)

- “Próó! Eu gostei dessa música sabe por quê? Por que mostra que os negros não são marginais e que

eles têm capacidade de subir na vida. As pessoas que dizem que negro não serve pra nada são racistas e

mentirosas, por que negro serve pra ser médico, advogado... Olhe aí! A senhora é negra e subiu na vida

por que é professora e tá aqui me ensinando.”

Rappaport (1981) ao analisar os estudos desenvolvidos por Piaget afirma que a criança

até os 10 anos de idade não possui juízo moral, pois ela analisa os fatos da forma como “deve

ser”, ou seja, ela analisa a ascensão do professor não como uma questão vinculada a status

social, mas diretamente ligada à importância do seu papel na sociedade. Para que ela pudesse

chegar a este pensamento foi necessário desenvolver uma prática pedagógica mediadora que

levasse em consideração a forma como a criança constrói o conhecimento garantindo-lhe

autonomia para construir “saberes”. Neste sentido é importante dizer que:

O professor que pensa certo transparece aos educandos que uma

das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o

mundo, como seres históricos, é a capacidade, intervindo no

mundo, conhecer o mundo. (FREIRE, 1996, p.28)

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Observa-se no comentário da aluna que a professora aparece como referência por ser

uma mulher negra que tem uma escuta sensível à sua fala. Esta escuta é importante na relação

com a educanda, pois a partir dela é desenvolvida a relação de respeito entre ambas.

Após a fala de Oxum, Oxossi um educando que não gostava de participar das

atividades pede a fala e comenta um episódio ocorrido com ele e seu pai.

Comentário 2- aluno Oxossi (9 anos)

“– Professora! Teve um dia que eu saí com meu pai e fui pro trabalho com ele, que ele tava trabalhando

de pedreiro, aí a gente ficou no ponto um tempão esperando um ônibus. Quando a gente tava no ponto

passou uma viatura da polícia, os policiais saiu do carro e mandou a gente encostar no ponto pra revistar

a gente. Tinha eu, um homem branco e meu pai que era negro. Meu pai é negro não é professora?”

-Sim, seu pai é negro!

“Aí os policiais veio revistar meu pai e deixou o outro homem branco lá!

Quando eu vi os policial, eu fui, peguei a sacola que tava com os materiais de meu pai e corri pra trás

dele e abracei ele. Aí quando o policial viu que ele estava comigo, falou pro outro:

- Ô vei, ô vei, deixe o cara aí, ele tá como o menino.

Depois ele perguntou meu nome, aí eu falei (verdadeiro nome do aluno), perguntou se eu estudava eu

respondi que estudava e ele disse que eu tinha continuar estudando e aí foi embora.

Se eu não tivesse com meu pai naquela hora ele podia até querer fazer alguma coisa com ele e o cara

branco ele deixou lá. O cara podia até ser um ladrão, tá armado e depois matar eles, não é? E eles não

fizeram nada com o cara só por que o cara era branco.

Ó Pró, é idéia, quando eu crescer eu vou ser policia, mas se tiver um negro e um branco, primeiro

eu vou revistar o branco!”

Quando Oxossi narrou este episódio, foi possível perceber que mesmo não

participando de forma mais ativa nas aulas, ele compreendeu a proposta do trabalho que

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estava sendo desenvolvido e que seu objetivo não era inverter o processo de discriminação

mas de possibilitar a equidade.

Foi observado neste aluno que seu ato de assumir a negritude do pai está diretamente

relacionado à posição da professora de assumir durante as aulas sua identidade negra. Apesar

da fala vir acompanhada com receio, ele busca na professora sua referência para confirmar a

negritude de seu pai e:

Percebe-se, assim, a importância do papel do educador, o

mérito da paz com que viva a certeza de que faz parte de

sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos mas

também ensinar a pensar certo. (FREIRE, 1996, p.26-27)

Pensar certo seria a construção do conhecimento a partir do entendimento da realidade

e do contexto onde o indivíduo está inserido, ou seja, neste contexto a criança analisa a fala do

educador a respeito do desrespeito com os negros e ele consegue perceber que o racismo é

algo concreto na sociedade por ter vivido isto.

A partir da experiência vívida com seu pai, Oxossi percebe a atitude racista daqueles

policiais naquele contexto e

[...] nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos

vão se transformando em reais sujeitos da construção e da

reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador,

igualmente sujeito no processo. (FREIRE, 1996, p.26)

Observou-se que o aluno denominado Oxossi atua como sujeito ativo na construção do

saber onde ele percebe que para o negro ser respeitado em nossa sociedade, precisa receber as

mesmas formas de tratamentos que as pessoas não-negras recebem.

As discussões a cerca da falta de respeito com o negro em relação ao negro

continuaram na proposta de intervenção pedagógica. Para tal foi convidado o MC Heider

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Gonzaga, integrante do grupo RBF. Além de sua visita o rapper versou sobre suas

experiências como homem negro, sobre a história do grupo e o que motivou a escrita da

referida música.

Durante este bate papo entre os educandos e Heider, estive observando as falas de

ambos e registrando-as a fim de levantar dados a serem analisados e anotados na pesquisa-

ação. Mediante algumas falas estereotipadas criados na sociedade sobre as pessoas que fazem

RAP, alguns educandos começaram e reproduzi-las e incitar ainda mais o debate. Heider

mediava esta conversa, quando Oxum pede a fala a palavra e faz uma intervenção que explica

o porquê de tanta falta de respeito com os negros:

Comentário3- aluna Oxum

“- Heider! Tem gente que fala que os caras que cantam RAP são maconheiros, que não prestam, tem

pessoas que fazem Rap que usam drogas, mas também tem um monte de branco que usa e ninguém fala

nada. É, e só quer falar mal dos negros. Isso acontece por que o mundo tem um problema com os

negros e não os negros têm um problema com o mundo.”

A fala da aluna Oxum mostra sua visão de mundo em torno da história da humanidade

perante os negros e ela mesma intervem no processo de ensino-aprendizagem junto aos

colegas, com a educadora e com o MC. Esta linha histórica está carregada de descaso,

preconceito e discriminações contra estes povos, tendo suas bases alicerçadas em interesses

políticos e econômicos. Esta fala nos leva a analisar que o problema do racismo em nossa

sociedade:

[...] advém da interação entre as desigualdades e injustiças

gritantes provenientes da falta de igualdade concreta, e exclusão

e inferiorização decorrentes da falta de reconhecimento e da

sensibilidade à diferença. (HALL, 2008, p.78)

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Logo, a aluna Oxum reconhece que o racismo pode ser manifestado em vários

contextos em nossa sociedade a partir de idéias e práticas que afirmam e que permitem a

reprodução e manutenção da equivoca inferioridade no negro em relação a outras raças. Sua

fala também permite desvencilhar que o racismo existe pelo fato do negro ter problema com

ele mesmo, mas mostra que sua legitimidade ainda é presente em nossa sociedade por conta

de pensamentos e práticas que buscaram e buscam negar o diferente para assim poder se auto-

afirmar.

Quadro 4. RAP Z’África Brasil

DATAS

PLANEJADAS

GRUPOS

DE RAP

TEMÁTICAS

DAS LETRAS

AÇÕES

PEDAGÓGICAS

OBJETIVO RESULTADO

19 de

novembro de

2008

Z’ÁFRICA

BRASIL

Identidade

negra,

musicalidade e

religiosidade

- Escuta da música “A

cor que falta na

bandeira brasileira”;

- Estudo sobre os

Quilombos de

Palmares e Cabula.

- Reconhecer

os Quilombos.

- Identificar a

cultura negra

na sociedade

brasileira.

- Positivação

das culturas

afros.

- Produção de

texto.

- Atividade

artística.

No dia 19 de novembro, data em que é comemorada o dia da bandeira, foi levada à

sala de aula a música “A cor que falta na bandeira brasileira” do grupo de RAP Z’África

Brasil a fim de problematizar ainda mais as discussões sobre as questões étnico-raciais no

Brasil.

Esta música foi bastante difícil de ser trabalhada devido às misturas das batidas do DJ

com atabaques africanos, sons que os educandos não estavam muito familiarizados. Depois de

ouvirmos a letra da música os educandos questionaram alguns termos até então desconhecidos

para eles (mocambo, rubro, maquiavélica, antepassados e sádica), e juntos fomos buscá-las no

dicionário. Após esta pesquisa, discutimos sobre a relação daquela letra com a presente data e

eles trouxeram seus estudos sobre os quilombos formados em várias terras brasileiras, dando

maior ênfase aos Quilombos de Palmares em Alagoas e do Cabula na Bahia.

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Desta discussão surgiram duas atividades: questionário com três perguntas e atividade

artística no qual eles pintaram a bandeira nacional com as cores que eles achavam que

representava de fato o Brasil.24

O quadro mostrará as indagações feitas e duas das respostas que mais chamaram a

atenção:

Perguntas feitas no questionário Respostas de Oxum (8 anos) Respostas de Iemanjá (11 anos)

1. Por que o grupo de

RAP Z’África Brasil tem Zumbi

como sua referencia?

2. Por que a música tem o

nome “A cor que falta na

bandeira brasileira” e que cor é

essa? O que ela representa?

3. Essa letra de Rap

ajudou a você refletir sobre o

que?

1. - Por que ele foi um

negro de luta pela

liberdade dos negros.

2. - O negro tem a ver

com o crescimento do

Brasil. É vermelho.

Representa o sangue.

3. - Sobre a desigualdade

racial

1. - Por que ele foi um homem

africano que batalho e

ganhou muitas coisas na

vida e morreu e lutou pelo

povo.

2. - Por que falta uma cor na

bandeira. A cor é a cor

vermelha, a cor representa os

500 anos de sangue

derramado.

3- Ajuda eu saber sobre o Brasil

e minha professora me ajuda

nesta batalha.

Ambas escritas chamaram a atenção, pois mesmo com a complexidade da música elas

compreenderam a proposta da discussão e das atividades, mostrando assim que esta prática

pedagógica: [...] resgata historicamente a contribuição dos negros na construção e formação

da sociedade brasileira. (BRASIL, 2003, p.8)

24 Esta atividade não pode ser feita em sala e por isso eles levaram para fazer em casa. Alguns mantiveram as cores originais da bandeira por achar que elas representavam bem o Brasil, uma educanda quis pintar com outras cores mas o pai dela não deixou e ela mostrou o desenho bastante chateada por de mostrar sua liberdade artística e sua visão sobre as core que repreentavam o país e apenas uma desenhou conforme seu entendimento sobre a música. Passado alguns dias, comentei sobre esta atividade com uma amiga minha que também é educadora, Eneia Virginia Santos de Oliveira qual a mesma me disse que por lei era proibida qualquer mudança na bandeira nacional, pois ela é referenciada como símbolo da pátria. Mesmo explicando a ela que não sabia sobre o fato, ela compreendeu minha proposta em levar o “desconhecido” para sala de aula.

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E Iemanjá ratifica a sua compreensão sobre a importância deste trabalho pedagógico

pluriicultural que:

[...] postula o primeiro dos vários "saberes indispensáveis" do

que se constituiria, para si, em um verdadeiro processo de

ensino-aprendizagem em conjunto. [...], ensinar não é transmitir

conhecimentos, mas criar possibilidades de autonomia e

construção em uma via de mão dupla, em que "Quem ensina

aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.

(FREIRE, apud SOUZA, 2006)

Logo, a proposta plural contida nesta atividade tanto possibilita aos educandos o

acesso a outra história da atuação do negro no Brasil quanto traz a valorização de seu papel

como sujeito ativo na sociedade.

Quadro 5. RAP Opanijé

CRONOGR

A-MA DE

ATIVIDAD

ES

GRUPOS

DE RAP

TEMÁTICAS

DAS

LETRAS

AÇÕES

PEDAGÓGICAS

OBJETIVO RESULTADO

- 20 de

novembro

Opanijé Identidade

negra,

musicalidade

e religiosidade

- Audição da música “Se

você ainda não notou...”.

- Estudo sobre os orixás,

suas representações

e sobre folhas utilizadas

pelos africanos para fins

medicinais e em cultos

afros.

- Discussão sobre as

ações afirmativas e a lei

10.639/03

- Reconhecer a

importância das religiões

de matriz africana para as

populações afro-

descendentes.

- Identificar as lutas dos

negros através das ações

afirmativas.

- Compreender a

importância da lei

10.639/03 para a

educação.

- Positivação do

negro através das

suas culturas e suas

lutas.

- Produção de texto.

Dando continuidade às atividades pedagógicas, fizemos a audição da música “Se você

ainda não notou...” do grupo Opanijé. À priori, discutidos a representação do nome deste

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grupo para o Candomblé que representa a dança do orixá Omolu, dono das curas e das

doenças e a ressignificação recebida pelos componentes do grupo de Organização Popular

Africana Negros Invertendo o Jogo Excludente. A escuta desta música remeteu a uma viagem

pelo Atlântico Negro, no qual foram resgatados valores de nossos antepassados africanos e

voltamos ao Brasil com as histórias de luta das populações afro-brasileiras.

Através da discussão, foi possível compreender as histórias de resistências travadas

pelos negros contra a escravidão e contra a segregação. Dentre estas lutas foi destacada a

criação de ações afirmativas para o acesso e permanência dos negros nas universidades e no

mercado de trabalho, além da sanção da lei 10.639/03. Pudemos dialogar sobre a importância

desta lei para a educação já que a mesma inclui o ensino das histórias e culturas africanas e

afro-brasileiras no currículo escolar e está sendo utilizada na fundamentação para as

atividades feitas com o grupo.

Após as discussões, os alunos produziram um texto explicando seus entendimentos

sobre a representação do nome do grupo, da música e das histórias dos negros trazidas nela.

Um fato que chamou muito a atenção durante a análise de suas escritas foi a escolha

unânime do grupo por um trecho da música que diz: “Herança africana é muito mais que cor

da pele [...]”. Todos eles conseguiram associar que esta herança que é tratada na música é

tudo aquilo que os negros deixaram para a humanidade.

Os textos dos educandos denominados de Oxum, Iansã e Xangô foram escolhidos para

análise nesta pesquisa-ação por trazerem falas bastante pertinentes à discussão sobre estas

temáticas. Suas escritas e as análises sobre elas estão registradas no gráfico abaixo:

Comentário1- aluna Oxum (8 anos)

“- O nome do grupo que eu escolhi é OPANIJÉ. A relação dele para os negros é muito legal pois

significa de Organização Popular Africana Negros Invertendo o Jogo Excludente. Esse nome é

omenagem aos negros africanos que morreram pela sua liberdade, para voltar a ser livre. [...] Eu

respeito eu considero sou negra com muito orgulho sou negra com fé alma luta e ninguém tira

isso de mim.”

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Quando a aluna denominada Oxum ouve a música “Se você ainda não notou...” e

através da socialização de informações sobre as histórias retratadas em seu conteúdo, ela não

só percebe o papel de atuação do negro como ela também passa a querer fazer parte desta

história.

Se a pessoa acumula na sua memória as referências positivas do

seu povo, é natural que venha à tona o sentimento de

pertencimento como reforço à sua identidade racial. [...]

Positivar o lado negro de cada criança, positivar o passado

escravo, por meio de histórias de resistências [...] (ANDRADE,

2008, p.116)

As discussões sobre as temáticas trazidas nesta música foram importantes por que

trouxeram as histórias das populações africanas e afro-brasileiras a partir de suas próprias

narrativas. Esta letra de RAP ajudou no processo de identificação racial da criança que afirma

sua auto-estima em ser negra a partir do momento em que ela tem contato com histórias de

negros que atuam como sujeitos sócio-históricos na sociedade.

A aluna denominada Iansã também fez uma análise muito importante a cerca do

racismo e da representação das populações negras em sua produção de texto.

Comentário2- aluna Iansã (9 anos)

“- A relação é que o nome OPANIJÉ lembra muito o negro sabe por que quando nós falamos, nós

lembramos. Eu entendi que eles querem dizer que cada família da África tem uma Herança de seus

Atepaçados seus pais seus avós seus tios entre outras pessoas. Falam de negros e do racismo eu acho o

racismo uma coisa muito ruim e feia.

Gente presta atenção estamos no século 21 no ano de 2008. Não é pra ter lugar temos que

combater o racismo. Chega de racismo chega.”

A fala da aluna denominada Iansã expressa não somente sua compreensão sobre a

afirmação da negritude a partir da ancestralidade, ela também mostra a repugnância contra os

pensamentos e atitudes racistas que ainda se fazem presente em nossa sociedade. Sua

indignação é possível neste contexto, pois:

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O rap transforma-se num veículo de construção de

identidades, trazendo a formação da consciência da

violência praticada contra a população negra em toda a

história do Brasil – consciência da discriminação racial e

social. O rap tem a função de estimular o rompimento com

os padrões – embranquecimento, conformismo,

cordialidade – que habitam no imaginário de nossa

sociedade. (TELLA, 1999, p.61)

O RAP aparece com o papel crucial de denunciar e não aceitar as condições desiguais

imputadas às populações negras, de apontar o racismo e combatê-lo através de informações

que mostrem o descaso com os negros e de histórias que ratifiquem suas resistências e suas

lutas. Estas ações permitem o resgate de suas identidades, a este contingente majoritário no

Brasil através de práticas que resgatem o seu auto-respeito, a sua auto-estima e sua auto-

dignidade. A educação plural tem papel fundamental nesta busca, pois possibilita aos

educandos o acesso a história negada pelos colonizadores e ofuscada dos livros didáticos.

Outra produção significativa foi a do aluno denominado Xangô. A todo o momento

este educando mostrou interesse pelas discussões sobre questões étnico-raciais,

principalmente àquelas que tangem à religiosidade. Através da análise sobre a música e sua

escrita pudemos perceber o processo de identificação do educando com as temáticas levadas à

sala de aula.

Comentário3- aluno Xangô (11 anos)

“- A relação é que o nome OPANIJÉ lembra um santo chamado Omolu o santo das curas e das doenças.

Eu entendi na parte em que ele falou Herança africana é muito mais que cor da pele quando algum

parente deixa alguma coisa para gente. [...] é importante para mim por que essa música fala sobre os

negros. É importante por que ele fala de várias coisas que não tem nem como contar.

Eu sei que esse santo não tem nada haver com a música o nome dele é Ogum. Eu gosto muito dele por

que ele cuida das pessoas que trabalha com ferro com a metalúrgica. E também tem outro santo que

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cuida das águas salgadas o nome dela é Iemanjá. Ela é muito querida e ela é muito respeitada por todos

e se alguém que fosse falar mal dela quando ela entra na água ela vai ser arrastada por Iemanjá. Oxossi

quida dos animais, vários tipos de animais ele cuida de qualquer tipo de pessoa animais varias coisas

ele é um santo muito respeitado por todos os santos e ele também cuida das matas e vegetações e

qualquer tipo de planta que você imagina. Xangô ele cuida dos trovões esses trovões quando cai uma

chuva forte e fria. Iansã esse santo cuida dos ventos quando a gente fica impinando arraia o vento que

leva o balão, esse santo que faz tudo isso. Oxalá cuida da água doce ele cuida do ar que respiramos.

A fala do aluno denominado Xangô traz uma riqueza de informações no qual ele

considera importante trazer em sua escrita. Ao começar escrever sobre o orixá Omolu e

mesmo depois dele ter achado que falar sobre os outros orixás não yeria nenhuma ligação com

a música, ele consegue trazer nas entrelinhas a importância dos orixás em sua vida.

Sua escrita traz a reflexão sobre a necessidade de trabalhar a pluralidade em sala de

aula para que assim os alunos possam se perceber como sujeitos atuantes e representativos no

contexto inserido.

Ao observar a escrita do aluno denominado Xangô é notório o prazer com que ele fala

dos orixás e a familiaridade com estes elementos em sua cultura. Ao levarmos para a sala de

aula elementos que não são comuns às ações pedagógicas em sala de aula e esses subsídios

estão presentes na vida dos educandos percebemos a reação dos alunos que se sentem

inseridos e representados no contexto apresentado. Quando analisamos a atitude do aluno

denominado Xangô, percebemos o exercício da educação plural através do RAP contribuiu

mobilizar seus conhecimentos com a história e a cultura do candomblé. O desenvolvimento de

atividades como que levam e consideração a cultura que o educando faz parte é importante,

pois:

[...] fará com que o aluno, enquanto sujeito ativo, sinta orgulho

da sua ancestralidade e das suas matrizes etno-culturais,

percebendo, no cotidiano escolar e nos conteúdos pedagógicos,

aspectos relevantes de povos que tomaram parte da nossa

formação étnico-cultural. (ATAÍDE-MORAIS, 2003, p.83)

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Ao levar estes conteúdos para sala de aula e socializá-los com os educandos, o

professor contribui para a aproximação e problematização dos conhecimentos que durante

séculos foram denegados e estereotipados pelos colonizadores e intelectuais europeizados,

além de estimular a busca pelo (re) conhecimento e respeito das diferenças que existem na

sociedade.

Esta atividade possibilitou conhecimento de elementos da história dos povos africanos

e afro-brasileiros a partir de suas narrativas e suas contribuições destes povos em nossas

vidas.

Após toda a discussão, foi solicitado pela educadora que cada educando fizesse uma

pesquisa sobre algumas plantas trazidas pelos povos africanos ao Brasil e utilizadas para fins

medicinais ou em cultos religiosos de matrizes africanas. Foi orientado que estes alunos

buscassem estas informações com as pessoas mais velhas de suas famílias ou no próprio

bairro e caso não conseguissem estas informações com outra pessoa, o estudo poderia ser feito

através da internet ou de livros. Na data combinada para o encontro com a atividade, todos os

alunos levaram suas pesquisas e assim foi feita a socialização em grupo sobre as utilidades

destas plantas. Após o término da discussão, o aluno denominado Xangô chamou a professora

em particular para lhe dizer algo:

Comentário do aluno Xangô (11 anos)

“- Professora! A senhora sabe por que eu sei o nome de todas estas plantas? Porque minha avó é mãe de

santo. Foi ela quem me disse o nome das plantas. Eu falei que era pra fazer atividade no colégio, aí ela

me disse e por isso eu trouxe o nome de cinco.”

Ao trazer esta fala para a educadora, o estudante confirma a sua ligação com

elementos do candomblé. Apesar de socializar esta informação apenas com sua professora, o

aluno afirma a sua identidade a partir da relação com sua família e a partir do momento em

que ele consegue se ver representado durante as aulas través das representações dos orixás.

Levar a referência dos orixás e das plantas utilizadas nos cultos afros nos leva a perceber que

esta prática pedagógica é de suma importância para o aluno, pois:

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A proposição de uma educação no contexto desse desafio é

promover uma linguagem pedagógica que estabeleça uma

relação dinâmica entre os valores sóciocomunitários da tradição

e os códigos da sociedade oficial, exigindo e assegurando nesta

relação o direito à identidade própria. (LUZ, 2000, p.161)

Através do RAP, foi possível estabelecer contato direto com a representação que o

aluno tem com o mundo e imbricá-los com os elementos da sua cultura, ajudando no (re)

conhecimento da sua história como importante e influente no processo de construção e

afirmação da sua identidade negra. Logo, esta música remeteu a uma viagem de

conhecimentos e informações sobre a ancestralidade africana e afro-brasileira, ajudando na

valorização e no resgate das histórias e das culturas destes povos conforme orienta a lei

10.639/03.

Seguindo a sequência pedagógica apresentada no decorrer desta pesquisa com as

músicas de RAP a quinta música a ser trabalhada foi escolhida com o objetivo de positivar a

imagem do negro através das histórias de luta não só no Brasil como também em todo o

mundo. A escolha da música “Sou negrão!” foi feita pela sua exaltação ao negro como sujeito

sócio-histórico e grande lutador contra as segregações raciais e econômicas sofridas. Além

disso, vários personagens descritos na canção ainda possuem papel de destaque na mídia

permitindo que os próprios alunos descrevessem suas opiniões sobre estas pessoas. Seu ritmo

contagiante com a mistura de RAP e samba ajudariam na discussão sobre as construções dos

povos negros após a diáspora dando maior ênfase aos gêneros musicais que estão distantes de

representações que vitimam o negro como coitado e oprimido. A participação da grande dama

do samba -Leci Brandão- também incitaria o debate acerca da mulher nestes movimentos de

destaque, mostrando sua importância na contemporaneidade.

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Quadro 5. RAP Rappin’ Hood

CRONOGRAMA

DE ATIVIDADES

GRUPOS

DE RAP

TEMÁTICAS

DAS LETRAS

AÇÕES

PEDAGÓGICAS

OBJETIVO RESULTADO

- 21 de novembro Rappin’ Hood

Identidade negra,

musicalidade e

gênero.

- Audição da música

“Sou negrão”.

- Análise sobre

pessoas negras de

representatividade no

Brasil e no mundo.

- Estudo sobre

instrumentos criados

e utilizados por

músicos negros.

- Identificar a

atuação do negro

em vários

segmentos das

sociedades.

- Positivação do

negro através da

sua ascensão.

- Produção de texto.

- Atividade artística

sobre representação

do negro.

Antes de ouvir a música, foi proposta uma atividade com a letra de RAP onde eles

fariam a pesquisa sobre quem eram/são os personagens que aparecem na composição e o que

eles fizeram/fazem de importante na sociedade. Como a música é composta por três partes

além do refrão, esta pesquisa foi feita em duas duplas e um trio, sendo que cada sub-grupo

ficou responsável por fazer a investigação sobre as pessoas citadas nela para depois socializar

as informações obtidas em sala de aula.

Na data programada, os alunos levaram seus estudos para o âmbito escolar e trocaram

as informações com os outros colegas. Pudemos analisar e discutir a importância destas

pessoas na sociedade e suas trajetórias mediante as dificuldades contemporâneas no contexto

onde eles estão inseridos. Como a música apresenta a mistura de dois ritmos criados pelos

negros – o RAP e o samba- também conversamos sobre a influência destes povos na

construção de instrumentos utilizados até hoje para criação de arranjos musicais. Toda esta

discussão nos levou a uma atividade de produção de texto e artística onde os educandos

puderam expressar a suas reflexões acerca do que o negro representa para eles. Dentre estas

produções de texto, duas se destacam pela análise acerca da composição que foram as escritas

de Iemanjá e Oxum.

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Comentário1- aluna Iemanjá (11 anos)

“- O RAP é importante demais por que educa, ensina, rima e tudo mais e a música foi muito legal

por que teve uma mistura de RAP com SAMBA e ficou muito legal e animada [...] A letra da música fala

sobre os negros e ele botou muitos nomes de negros que ganharam na vida e hoje são bem importante,

são cantor, jogador de futebol, ator, tem de tudo uma mistura de quem ganhou na vida. Eu amei a

música fala de negros, consiencia negra, Zumbi e o Zumbi é uma história legal, liberdade e tudo

mais eu gostei por que fala de tudo um pouco. Eu gostei de uma frase que diz assim “vem puxando

movimento com o negro de talento, o negro é bonito quando está sorrindo.” Que ele fala que o

negro tem talento e isto ele fala a realidade por que ele citou vários nomes de negro que venceu na

vida e ele mostra que são todos vencedores que nem Nelson Mandela ele foi o 1° presidente negro

do mundo ele hoje tá com 97 anos. Pelé muito privilegiado. PARABÉNS AOS NEGROS!!!!

A aluna denominada Iemanjá compreende a importância do RAP no seu aprendizado

por não se tratar apenas de uma música, mas é também um veículo de comunicação que a

ajuda a aprender. Apesar de não ser negra ela estima a importância de Zumbi como espelho na

história de liberdade e consciência entre os negros, além de valorizar a luta pela ascensão

destas pessoas. O estudo da música possibilitou conhecer a história de vários negros de forma

positivada e com destaque social. Através desta composição:

[...] o rap passa a retratar temas que o remetem ao passado da

população negra, desde a escravidão até os problemas

enfrentados atualmente, mostra a importância da religião afro;

resgata datas históricas, heróis, movimentos de direito civil e

personalidades, como Martin Luther King Jr., o movimento

Black Power, Malcom X, Nelson Mandela, Black Panters,

Steve Biko, a atriz brasileira Zezé Mota, o reconhecimento do

herói afro-brasileiro Zumbi e da líder contemporânea Benedita

da Silva. (TELLA, 1999, p.60)

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O RAP aparece nesta pesquisa-ação como uma possibilidade de ajudar a criança negra

a construir sua identidade e reafirmar sua cultura negra a partir de referênciais históricos que

aquilatem o negro a partir da memória de sua ancestralidade até a contemporaneidade. As

referências citadas nas músicas e trazidas pela aluna Iemanjá mostram narrativas verídicas

sobre a capacidade de ascensão do negro na sociedade desde o campo artístico até o campo

político onde temos Nelson Mandela como principal referencia de homem negro que lutou

contra a segregação racial por meio do regime de apartheid na África do Sul, até se tornar

representante do seu próprio povo através do governo do seu país.

A valorização e a exaltação destes nomes na música servem não para afirmar

superioridade dos povos negros sobre os brancos. Elas vêm afirmar a capacidade de atuação

destes povos em qualquer segmento da sociedade através de seus talentos, suas competências

e através de oportunidade de inserção dos mesmos.

Outra produção que traz esta concepção é da aluna Oxum.

Comentário 2- aluna Oxum (8 anos)

“- A importância do Rap é que ele mostra a realidade da vida das pessoas e também mostra a

desigualdade que fazem com a gente negro, é todo mundo igual, todo mundo tem sangue negro

correndo nas veias. A música foi feita do RAP e do SAMBA porque é um estilo que mostra que as

pessoas são de verdade e não da vida artística e é super legal por que fala sobre a realidade, o racismo

legal. A música é muito legal por que é muito criativa por que é uma mistura e eu gosto daquela parte

que fala assim “Sou negrão, hei Sou negrão hou” por que ele fala que é negro e isso é muito legal. Ele

tenta passar que os negros são muito importantes na vida, na história do Brasil. Eu gostei da música

por que é mistura, é a realidade e fala a verdade. Gente o racismo é crime pare e pense você tem

sangue de negro na veia, você é negro querendo ou não é a sua história. Falei e repito pare e pense

racismo é crime!!! Pense, Pense e Pense!!!

Ao falar sobre a importância do RAP, a aluna Oxum traz a denúncia contra o racismo

e a necessidade de reverter esta ideologia que prega a inferioridade negra através da negação

da identidade racial dos negros. Para ela essa reversão começa a partir da auto-afirmação da

sua negritude e da necessidade de respeitar a afro descendência presente na maior parte da

população brasileira. Ela também mostra a atuação do rapper em afirmar a importância dos

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negros através de suas biografias que mostram a atuação nestas pessoas em distintos contextos

sócio-políticos. Ao frisar sua intolerância e indignação contra o racismo, a educanda faz um

convite a refletir sobre o segregacionismo de raças.

Durante sua fala em sala de aula e de sua escrita a criança afirma sua identidade negra

a partir de seu contato com as culturas presentes em seu cotidiano, mostrando que o RAP

também contribuiu culturalmente no seu processo de identificação por isso:

Examinar o lugar da música no mundo do Atlântico negro

significa observar a autocompreensão articulada pelos músicos

que a têm produzido, o uso simbólico que lhe é dado por outros

artistas e escritores negros e as relações sociais que têm

produzido e reproduzido a cultura expressiva [...] (GILROY,

2001, p.161)

Ao ouvir e analisar a música “Sou negrão” nos deparamos com a positivação da

negritude a partir da afirmação da identidade negra do sujeito. Observamos o papel de

destaque em que estes personagens são colocados e assim conseguimos compreender a

representação dada pelo MC ao trazer o negro como ator social e dono da sua história. O

próprio negro surge neste contexto como representação simbólica da negritude e como

espelho para o orgulho em assumir sua identidade racial. A partir desta alusão, os negros do

Atlântico negro que foram separados pelas diásporas podem romper com as barreiras

simbólicas e políticas que os mantém segregados e resgatar de suas identidades negras através

das diversas culturas que remetem à memória africana.

Após a produção de texto fizemos duas atividades artísticas. A primeira foi a

confecção de um cartaz com imagens de negros e negras levadas à sala pelos educandos e

pela professora no qual cada um foi explicando o que levou as escolhas pelos personagens.

Após a confecção deste cartaz que foi exposto no 1° andar do colégio, os educandos fizeram

suas próprias produções artísticas sobre a representação do negro sob seus olhares.

Observaremos algumas produções e as analisaremos a seguir:

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Produção o que o negro significa pra mim

Figura 1. Eu gosto de ser negra porque sendo negra tenho mais coragem de me defender.

Autoria de Oxum (8 anos)

Figura 2. A família está junto só falta o casamento.

Autoria de Oxossi (9 anos)

Figura 3. Arroz 80 kg, feijoada 100kg, acarajé 10000000 kg

Autoria de Iemanjá (10 anos)

Figura 4. Eles foi feito um para o outro

Autoria de Xangô (11 anos)

Figura 5. O negro pra mim é SOL E ALEGRIA!

Festa de negros bonitos e feio!

Isso é alegria e solidariedade!

Autoria da aluna Iansã (9 anos)

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Esta produção artística é resultado não apenas da discussão da música “Sou negrão”,

ela é o saldo de todas as discussões feitas em sala de aula que buscavam representar o negro

como protagonista de suas próprias histórias. Analisando estes desenhos, podemos observar

as mais diversas formas de representação que os alunos têm sobre os negros.

Nas figuras 1 e 5 as alunas Oxum e Iansã se identificam enquanto sujeitos negros, na

figura 3 Iemanjá traz a importância do negro a partir de sua contribuição cultural e nas figuras

2 e 4 os alunos Oxossi e Xangô mostram a negritude ligada à relação familiar (neste caso é

uma representação simbólica já que as pessoas apresentadas no desenho não compõem uma

família).

A aluna Oxum ao representar sua visão de negritude insere sua professora e o MC

Heider como referência para sua auto-afirmação. Além dela se incluir enquanto sujeito que

pertence a um grupo racial, ela explica em sua frase “Eu gosto de ser negra porque sendo

negra tenho mais coragem de me defender.” seu entendimento acerca da luta do negro

contra a opressão racista. Seu desenho mostra que o processo de sua identificação negra

começa ao:

[...] pontuar a existência dessa relação, destacar que os processos históricos, sociais e culturais são partes integrantes da construção da identidade negra, da conformação da subjetividade e ocorrem de maneira concomitante à emocionalidade dos sujeitos. (GOMES, 2008, p.147)

Através das discussões problematizadas durante as aulas a aluna Oxum consegue

compreender todos os artifícios de negação do negro promulgada pelos colonizadores e todas

as formas de resistências travadas pelos povos afros na afirmação de suas identidades.

Nos desenhos 2 e 4, Oxossi e Xangô mostram a relação de negritude ligada à família.

Ao citar Silva, (1987, 1996) Petronilha afirma que existem várias formas de aproximar os

educandos do ensino das africanidades brasileiras. Esta aprendizagem pode ser herdada

através de suas origens genealógicas através do ensinamento dos mais velhos para os mais

novos quanto das histórias que são passadas de geração a geração através da oralidade

presentes nos mitos.

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A prática pedagógica plural presente nas atividades permitiu que os educandos

pudessem construir um referencial positivo dos personagens do desenho e que os mesmos

fizessem a relação de afro descendência que o filho imaginário herda de seus pais.

Na figura 3 a aluna Iemanjá mostra a sua representação do negro a partir da cultura

construída pelos mesmos. Em sua interpretação ela dá significância a estes povos pelas suas

contribuições na construção do Brasil, valorizando assim sua participação em nossa

sociedade. Para Hall (2008), esta ação dá notoriedade às forças criadoras que os negros

possuem. Analisar a produção feita por Iemanjá nos leva a compreender a importante

contribuição cultural do negro que é denegada pelos sistemas racistas que aos negros toda e

qualquer capacidade de produção própria.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conviver com a diversidade e aceitá-la é algo difícil, mas possível quando temos a

possibilidade de conhecer as diferenças que nos cerca. Para viver com esta diversidade é

preciso compreender que ela existe e que o próprio homem passa mudanças no decorrer da

história de encontro às suas necessidades. Ver os indivíduos como diferentes uns dos outros

não significa afirmar que exista superioridade ou inferioridade entre eles, mas exprime que

eles possuem habilidades díspares e que elas podem ajudar no convívio e na troca de

conhecimentos em conjunto, pois a cada particularidades criada pelo homem é decorrente do

processo histórico que ele faz parte.

Pensar na educação brasileira é lembrar a história de segregação e de negação dos

povos negros e de seus movimentos de luta e de resistência para afirmar suas identidades e

suas culturas.

A educação que foi muito utilizada para difundir práticas de não aceitação das

diferenças sócio-econômicas e raciais tem o papel importantíssimo de reverter estas manobras

e possibilitar a todos os indivíduos o direito de construir saberes sobre si e sobre os outros.

Estes conhecimentos só são possíveis quando damos aos indivíduos a oportunidade de narrar

suas próprias histórias a partir de suas vivências e suas memórias. Urge a necessidade de uma

pedagogia que viabilize as relações étnico-raciais entre alunos negros e não negros para que

assim ambos possam ter acesso à história dos povos negros.

A fim de promover uma educação inclusiva no que tange o conhecimento de si e do

“outro” e o respeito às alteridades, a lei 10.639/03 foi criada no Brasil com o objetivo muito

importante de permitir o conhecimento das histórias e culturas africanas e afro-brasileiras aos

seus cidadãos. Esta lei possibilita o acesso às narrativas destes povos sob seus próprios pontos

de vista e sem os estereótipos trazidos pelo colonizador através da pedagogia colonizada.

Este estudo objetivou analisar a relação da criança negra com a sua cultura e de que

forma o RAP pode ajudar no processo de reafirmação da referida de modo a contribuir com

referenciais positivos e que incluam o negro como sujeito ativo na história que eles ajudaram

a construir.

A proposta de levar o RAP para sala de aula auxilia o entendimento de como ocorrem

as relações étnico-raciais na sociedade e mostra uma prática pedagógica que leva em

consideração as relações sociais dos educandos com a cultura. Os educandos são respeitados

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como sujeitos ativos capazes de fazer suas leituras de mundo e construir saberes com a

mediação do professor.

A forma como as rimas entoadas pelos MC’s e das batidas ritmadas pelos DJ’s foram

compostas ajudaram a despertar o interesse dos educandos nas audições das músicas, além

das falas trazidas virem repletas de palavras desconhecidas que possibilitou o maior interesse

cognoscível dos indivíduos.

O processo de reafirmação da cultura da criança negra através do RAP foi muito

significante, pois a crianças puderam interagir com o meio através de elementos culturais

construídos pelos povos negros da África e da diáspora. Os conhecimentos prévios dos alunos

foram respeitados para a construção do “novo saber” para assim estabelecer relação entre

musicalidade dos povos da diáspora negra através do RAP norte americano e afro-brasileiro

para assim compreender suas diferenças.

A aplicabilidade da lei através do RAP possibilitou um trabalho voltado às relações

étnico-raciais onde não somente os alunos negros puderam se ver nas histórias narradas em

sala de aula como também os alunos não negros também puderam ter acesso a estes

conhecimentos para assim reconhecer e valorizar estes povos.

Trabalhar com o RAP permitiu que esta pluralidade fosse trabalhada de maneira

plural, pois através das músicas levadas à sala de aula foi possível que os educandos

desconstruíssem estereótipos e preconceitos sobre os povos africanos e seus descendentes. A

intolerância religiosa presente na fala de um aluno passou a não ser mais proferida a partir do

pedido de respeito feito pelos próprios colegas, enquanto outro aluno pôde afirmar a sua

identidade religiosa no candomblé, mostrando satisfação e prazer em ver os orixás sendo

apresentados e representados na escola. Outros alunos começaram a construir o processo de

afirmação da identidade negra presentes em suas famílias e tomando a educadora, o MC

Heider e outros heróis negros como referências para si próprios.

A questão de gênero também pôde ser bastante discutida e ressignificada a partir das

referências das mulheres negras presentes nas músicas, nas histórias e da própria educadora,

mostrando então sua verdadeira importância para a sociedade.

Durante a socialização com o grupo todos tiveram participações importantes através

de suas falas, escritas, produções artísticas e suas pesquisas mostrando interesses e

curiosidades ao indagar e trazer suas experiências de vida e suas opiniões relacionadas às

questões raciais.

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A escolha do RAP como instrumento de mediação para a educação das relações

étnico-raciais foi importante como uma possibilidade para a aplicação das determinações da

lei 10.639/03, pois nos remeteu à histórias de representações africanas que desenvolveram

vários conhecimentos para o mundo e dos afro-brasileiros que ajudaram na construção da

sociedade brasileira.

Esta pesquisa-ação evidenciou a capacidade cognitiva da criança interpretar o mundo e

as relações vividas nele, mostrando-se enquanto sujeito sócio-histórico e cultural, capaz de

atribuir significados às suas próprias construções e as produções feitas e por outros

indivíduos.

Nessa experiência inicial como educadora considero essa pesquisa de suma relevância

tanto no que se refere ao processo da construção da identidade da criança negra do Colégio

Manoel Ribeiro, quanto a reafirmação da sua cultura e para minha prática pedagógica dentro e

fora da sala de aula. Este trabalho demonstra a necessidade de trabalhar com políticas de

ações afirmativas através da lei 10.639/03 com crianças não negras e negras para que seja

possível haver relação de respeito e de valoração aos povos negros. Pelo fato da criança estar

em processo de construção é necessário que a ação desta lei ocorra desde a educação infantil

até o ensino superior para que a nossa sociedade possa ter acesso às verdadeiras histórias dos

povos afros que por muito tempo foi negada e estereotipada pelos colonizadores.

Ao propor o desenvolvimento deste trabalho com este grupo nesta instituição de

ensino, penso na importância da aplicabilidade desta lei numa cidade como Salvador que

possui a maior parcela da população de afro-descendentes. O legado africano e afro-brasileiro

aparece com o papel preponderante para a identificação da criança negra e para a reafirmação

da sua cultura, de modo a fortalecer sua auto-estima, pois através delas a memória e os

valores de nossos antepassados podem ser resgatados e respeitados.

Interagir com os educandos e com os teóricos que serviram para a fundamentação para

desta pesquisa foi uma tarefa um tanto demorada, mas prazerosa e gratificante. Como

pesquisadora-militante25 do movimento Hip Hop que conheceu o RAP aos 14 anos de idade e

construiu sua identidade negra aos 16 anos, me indaguei quanto à possibilidade do RAP poder

ajudar na construção da identidade da criança negra. Mesmo assumindo minha militância aos

educandos, busquei analisar os dados que foram decorrentes da pesquisa apenas com o olhar 25 Adoto este termo tendo com referencia no trabalho de conclusão de curso (TCC) da pedagoga formada pela UFBA, Ana Paula Conceição, mais conhecida como Paula Azeviche, também pesquisadora e militante domovimento hip hop. Ela foi a minha principal referência para eu desenvolver este trabalho voltado a esta

temática.

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pedagógico para não interferir nos futuros resultados. Ao dialogar com os alunos sobre as

questões raciais através do RAP, encontrei a resposta positiva à pergunta que orienta a escrita

de minha pesquisa através da afirmação dos alunos em dizer “Sou negro(a), Gosto da

música por que fala dos negros(as), Meu pai é negro, Eu também queria ser negão,

Chega de racismo, Racismo é crime, A senhora é negra e subiu na vida por que tá aqui

me ensinando”, dentre outras. Através do RAP estas crianças tiveram acesso às histórias

omitidas nos livros didáticos e puderam ressignificar seus olhares quanto à negritude e sua

positivação.

Trabalhar com o RAP em uma escola adjacente ao bairro periférico onde eu moro e em que a

maioria das crianças com quem tive a oportunidade de ensinar e aprender são negras foi uma

experiência incomensurável, ímpar. No decorrer desta pesquisa considero que o mais

estimulador para que eu continue desenvolvendo esta prática pedagógica plural são as falas

destes educandos ao afirmarem que tem orgulho em ser negro ou que gosta da história sobre

os negros por que a professora ajudou nesta construção.

Logo, o RAP é uma possibilidade de RAP’sar (repensar) a educação e ajudar na construção da

identidade e na reafirmaçda criança negra a partir do legado deixado pela nossa

ancestralidade e que será passada de geração à geração aos nossos descendente.

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www.zulunation.com.

APÊNDICE

GRIOT´S AFRO-BRASILEIROS NO RAP

BREVE HISTÓRICO DOS GRUPOS DE RAP TRABALHADOS DURANTE A PESQUISA-AÇÃO.

GRUPO 1- 509- E26

Em 1999, no antigo maior sistema carcerário brasileiro, o Carandiru, nasce o grupo de

RAP 509 E. Formados por Dexter e Afro X, o grupo ganhou grande destaque em todo Brasil

através de suas letras que pregavam o sonho de liberdade atrás das grades. Seu primeiro

trabalho foi álbum Provérbios 13 com várias músicas em destaque tais como: “só os fortes”,

“8° anjo”, “saudades mil”, entre outras.

Lançado em 2002, pela gravadora Atração, o grupo mostra seu segundo disco da carreira,

"MMII- d.C.", álbum que contém faixas como “É Nóis”, “Mile dias” e a música presente

nesta pesquisa-ação: “Olha o menino”.

Dentro da prisão Afro X conhece a cantora Simoni, casa com ela, sai da prisão, se torna pai de dois filhos da cantora, entra em destaque na grande mídia e logo após é anunciado o fim do grupo. Ainda hoje, devido à lentidão e injustiça do nosso sistema penal, Dexter continuacumprindo pena na Penitenciária de São Vicente e lá lanço seu álbum de carreira solo “Exilado sim, preso não.”

26 Referências de pesquisa através dos sites: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u29016.shtml

http://www.rapnafita.hpg.ig.com.br/509e.html

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GRUPO 2 - RAPAZIADA DA BAIXA FRIA27

Nascido do quilombo do Cabula no final de 1999, o grupo “Rapaziada da Baixa Fria”,

mais conhecido pelas iniciais “RBF”, traz em suas letras o resgate das memórias e tradições

africanas. Através da oralidade, da auto-afirmação e mensagens de auto-estima, o grupo

desenvolve projetos voltados à população negra, além de suas articulações com o movimento

negro de Salvador. Presentes no cenário do hip hop baiano, o grupo lançará em novembro

deste ano seu 1° álbum intitulado “Reação Sankofa”, que mostra a trajetória do grupo nestes

10 anos.

Formados pelos MC’s Heider e Aspri, Dj Ivan, o percussionista Streik, o grupo ainda conta com a presença feminina de Íris que faz o vocal da música trabalhada na pesquisa-ação “Respeito é bom”

GRUPO 3- Z’ÁFRICA BRASIL28

Nascido em 1995, o nome do grupo de RAP Z’África Brasil homenageia Zumbi,

grande líder do Quilombo dos Palmares no estado de Alagoas.

Formado atualmente no estado de São Paulo pelos componentes Gaspar, Funk Buia,

Fernandinho BeatBox e Pitchô, o Z’África traz muitas influências afro-brasileiras em suas

composições devido às suas ancestralidades africanas e nordestinas.

O grupo já lançou 3 álbuns musicais: “Antigamente Quilombos, hoje Periferia”, “Quem tem

Cor Age” e o mais recente “Verdade e Traumatismo”.

A música trabalhada nesta pesquisa-ação “A COR QUE FALTA NA BANDEIRA BRASILEIRA” foi retirada do 1° álbum do grupo.

27 Referências de pesquisa através de entrevista com o MC Heider Gonzaga.

28 Referências de pesquisa através do site: http://nacao-hiphop.blogspot.com/2009/07/zafrica-brasil-bagagem-cultural-afro.html

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GRUPO 4 – OPANIJÉ29

Nascido no final de 2005 do antigo grupo Erê Jitolu, o OPANIJÉ, é a representação da dança do orixá OMOLU e recebe ressignificação pelos componentes do grupo de Organização Popular Africana Negros Invertendo o Jogo Excludente. Trazendo uma proposta diferente, o grupo reúne em suas letras inovações musicais agregadas às batidas africanas utilizadas no candomblé, além da referência às culturas negras e às suas ancestralidades. O OPANIJÉ traz não apenas a representação africana através do seu próprio nome, mas também a forte representação afro-brasileira nos movimentos de luta e emancipação das populações negras.

GRUPO 5- RAPPIN’ HOOD30

Morador da maior favela de São Paulo, Heliópolis, Rappin Hood é um dos precursores do RAP no Brasil. Participante do grupo Posse Mente Zulu desde o ínicio da década de 90, este MC lança em 2001 seu 1° álbum solo: “Sujeito Homem”. Este disco conta com várias participações do RAP nacional entre eles, APC 16, os repentistas Caju e Castanha, Péricles do grupo de pagode Exalta Samba, a sambista Leci Brandão e outros. Em 2004, Rappin Hood lança seu 2° álbum solo o “Sujeito Homem 2” com participação de vários nomes importantes na MPB como Jair Rodrigues, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Zélia Duncan, Arlindo Cruz e outros. Rappin Hood traz muitas mensagens positivas em suas letras e na música escolhida para ser trabalhada na pesquisa-ação “SOU NEGRÃO”, ele homenageia os grandes nomes de personalidades negras no Brasil e no mundo.

29 Referências de pesquisa através de entrevista com o MC Roni Dum Dum e através do my space do grupo:

www.myspace.com.br/opanije

30 Referências de pesquisa através do site: http://www.cliquemusic.com.br/artistas/rappin--hood.asp e http://pt.wikipedia.org/wiki/Rappin'_Hood

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ANEXOS

ANEXO 1 letra de RAP “A cor que falta na bandeira brasileira”

Luta, resistência, traçar a vida são batalhaA morte o salvamento deus que era suas almasEra um das matas, era um dos cantosHoje os índios são poucos mas significam tantoIsso è para quem sabe para quem tem raizPor que sou índio por que sou negroPor isso sou felizPor ter esse sangue correndo nas veiasPor ter nascido de três raças formada brasileirahabitada por índios construída por negrosAdministrada por brancos era nobreza herdeiroEra, era nada, era uma bandeira de ganguesFalta o vermelho derramado por elesO vermelho do sangue

Eu não me esqueço eu não me rendoForam muitos erros foram muitos lamentosQue não ha fortaleza de bagueador* do passado

Que não há receita que cura a dor da alma além da vidaA dor do laço que foi amarrado nos açoites dos arames farpadosNa triste dor da luta como na triste dor do partoInevitável além da selvaO sangue das crianças nascidas na senzalaA dor da épocaSe existiuO julgamento final não foi divulgadoÈ como sempre nesse pais estar certo ou erradoE se os assassinos serão julgados por deus na mesma maneiraEles afogarão nesse sangueA cor que falta na bandeira brasileira

E alí estava ela , hasteada, para quem todos pudessem ver as suas cores radiantesSimbolizando ordem e progressoE aos redores grandes quilombos periféricosUm lugar de guerreiros cujo olhar vermelhoÈ pela liberdade entre terras e maresOh pátria amada e idolatrada salves e salveE do passado que restou, è rubro terrorComo o vermelho de xangô a cor do amorQue pulsa no coração com passos de ódio e paixãoEsparramando sangue ao chãoNa eterna contradição de uma naçãoVerde amarelo azul branca e vermelhaSão as cores que compõe a bandeira brasileiraSó que o vermelho não quiseram botarÈ cor de sangue è cor de morte è cor de farsaÈ todo o sangue derramado nesses 500 anosÈ toda a historia maquiavélica tramada nos nossos mocambosA dominação de um fogo por ouroFora o sofrimento de um povoQue foram se acabando aos poucosMeus antepassados indígenas celebravam os deusesHoje me lembro que os índios são poucosE só aparecem as vezesQuando são queimados vivos em praça publicaPor uma raça sádica que faz um mal a sua cultura

O RAP E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA

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ANEXO 2 letra de RAP “Respeito é bom”

Sentados na ladeira a raciocinar,

E vendo a raça humana própria se julgar,

Em atitudes mesquinhas, segas pelo capitalismo,

Empurrando a classe pobre para a beira do abismo.

Se seguram como pode na guerra das camadas,

Olham pra nós sentem nojo subestimando as baixas.

Cada qual defende o seu, puxa a sardinha pro lado.

Levante dos favelados, agora são vários aliados.

Buscando o questionamento, ver como é diferente,

Hoje a gente sorri depois chora der repente.

Nossa realidade tem base no sofrimento,

Que será a mesma base da vitória com o tempo.

Nossa batalha realmente há de ser promissora.

Os humildes permaneceram, pois nós temos a força.

Por varias ondas passamos em um cotidiano,

Muitas drogas, violência, mulheres e homens se matando.

Vivenciamos amor e ódio em frações de segundos.

Uma boa conduta e um bom caráter nem sempre te deixam seguros.

Sempre, sempre aparece alguém pra te desrespeitar.

Pela cor, pelo status querem nos pisar.

Refletir nesse momento precisamos.

Respeito é bom. Quem não gosta? Nós gostamos.

Vidas alheias, quem é quem pra humilhar?

Se coloque no meu eu no seu lugar.

Chegou à hora de tentar compreender.

Faça por mim eu faço por você.

Uma troca humilde e sincera, sem egoísmo e vaidade.

Respeito mutuo é a chave pra uma vida sem maldades.

São dez horas da noite e a correria é geral,

Desespero no rosto policia baixando o pau.

Situações que são impostas para as periferias,

A falta de respeito com os irmãos do dia-a-dia.

Uma raça ignorante que não analisa a sociedade.

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Com farda ou gravata abusa da sua autoridade.

Pois assim o poder sobe pra cabeça,

Lhe causa amnésia e faz com que ele se esqueça,

Que sempre a parte pobre fará parte da sua vida,

Que está se tornando um assassino suicida.

Com os sintomas de uma doença chamada inconsciência,

A falta de cultura subtrai a inteligência.

Somos homens comuns contra uma tirania,

De um governo fudido dominando as mentes vazias,

Que não nos respeitam abrindo varias fronteiras.

Fazendo o que querem com nossas cabeças.

Por isso irmãos, precisamos refletir.

Adotar uma postura e dizer não é assim!

Despertar depois de se abalar.

Se inspirar pra vitórias alcançar.

Refletir nesse momento precisamos.

Respeito é bom. Quem não gosta? nós gostamos.

Vidas alheias, quem é quem pra humilhar?

Se coloque no meu eu no seu lugar.

Chegou à hora de tentar compreender.

Faça por mim eu faço por você.

Uma troca humilde e sincera, sem egoísmo e vaidade.

Respeito mutuo é a chave pra uma vida sem maldades.

São poucas alegrias na terra de encanto e magia.

Com um poder hereditário que faz cruel hierarquia.

Pais filhos e netos como reis de nosso povo.

Uma política feudalista que nos mata pouco a pouco

Não dão oportunidades, nos acomodam com migalhas.

Tratam bem os turistas com putas e belas praias.

E a maioria á mercê da desgraçada burguesia,

Que sempre ostentou privilegio e mordomias.

Donos de grandes empreiteiras utilizam o nosso dinheiro.

Constroem fontes e mansões nos deixando ao relento.

Enquanto gira o dinheiro padecemos fora do páreo.

Estamos no mesmo barco com medo do naufrágio.

Já passou a hora de nos rebelarmos.

Fazer o farol iluminar o nosso campo de guerra.

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Despertar vida a vida em uma odisséia.

Diferença ou paridades vamos venerar.

Refletir nesse momento precisamos.

Respeito é bom. Quem não gosta? nós gostamos.

Vidas alheias, quem é quem pra humilhar?

Se coloque no meu eu no seu lugar.

Chegou à hora de tentar compreender.

Faça por mim eu faço por você.

Uma troca humilde e sincera, sem egoísmo e vaidade.

Respeito mutuo é a chave pra uma vida sem maldade

ANEXO 3 letra de RAP “Olha o menino”

Lá vai o pivete descendo a ladeiraCom seu ouro na mão, a sua chuteira.Ele tem um sonho que ser campeão, serJogador de futebol e jogar na seleção.Ele vem de lá do fundão, lá da sulQuem sabe será no futuro um CafuGuerreiro nato, talento é matoAs ruas foi o seu aprendizado.Tem tudo pra brilhar na telinha de cinemaE não reprisar o pixote em DiademaQuer vencer na vida, e não quer ser um bandidoEis a questão: olha o menino.Boto fé nos guerreiros da nova geração.Vai que vai, vai na fé, mostra ai o seu domSou Jhonatans MCs, minha cara é o RAP .O som tá na veia desde pivete. Na barriga da minha mãejá fazia barulho. Sou preto, pobre com muito orgulhoTenho 11 de idade e já conheço a real. E o crime é fatal,só me leva pro mal. Estudar, praticar

esportes, ser alguémNão quero ser mais um Zé ninguémJá fiz minha presença, agora tô saindo fora. Num toque de prima “passo abola”

REFRAO: Olha o menino ui, olha o menino ui ui (2X)

Um dia eu fui criança, um dia eu fui um reiUm dia eu fui um anjo, um dia eu sonheiUm dia eu brinquei, corria atrás da bolaUm dia eu pulei o muro da escolaUm dia acreditei em papai- noelMas a vida me mostrou, qual é o meu papelDeus do céu, deixe que eu cresça e a esperança não desapareçaVejo meu filho correndo atrás da bolaAo sol do meio-dia, voltando da escola.Moleque pobre, humilde, sem ambição, vidrado pela bola,Ligado na televisão.Me vejo nele, ele se vê em mim.

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Pro meu filho eu serei um bom exemplo até o fim.Se liga só, se liga quem sou euQueira chegar mais, o microfone é todo seu" Sei que nascer pobre, não é fácilQue não posso dar ponto, tenho que ser ágilO barato é louco desse jeito assimO futura da nação só depende de mim.Tenho orgulho do meu pai, do meu tio, dos meus manosChego trincando, então vamo que vamosNão deixo o sistema me fazer de refém.Salve simpatia, salve Jorge BemCaro Muhamed nome de guerreiroÉ to lado a lado com meus parceiros"

REFRAO: Olha o menino ui, olha o menino ui ui (2X)

Já me vi no farol e até catando lataLavando a Cherokee da madame pela praçaOu cheirando cola na praça da SéNa televisão da vitrine vendo o gol do Pelé

Tomando banho no chafariz, eu e meus trutinha à pampa, felizNa igreja, as escadas, os sinos, a cruz, vejo muita gente aqui, mas ai, CadêJesusDe rolê no calçadão "Tio me dá um trocado""Agora não da, agora não dá moleque , tô atrasado"já me disseram que é melhor pedir do que roubar. Mas quando eu peço éraridade alguém me darO mais certo é não depender de ninguémAi Juninho chega mais vem que vem "Faço parte dessa luta também. Deus seja louvado e me proteja (Amém) me de saúde, me de sabedoria. Não me deixe ser alvo de patifaria. Não queroser mais um Zé da Corda com alguémR- A- P siga alinha desse trem. Não, não quero ser o neguinho, um cachimbo,um nóia que fuma de Segunda àDomingoDessas paradas to legal, obrigado 5-0-9 é nóis to lado a lado"

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ANEXO 4 letra de RAP “ Se você ainda não notou...”

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ANEXO 5 da letra de RAP “Sou negrão”

Subi o morro pra cantar (o rap ahh, o rap ahh)Que é pra malandro se ligar (o rap ahh, o rap ahh)Que malandragem é trabalhar (o rap ahh, o rap ahh)E a pivetada estudar Não tenho toda malandragem de Bezerra da SilvaNem o canto refinado de Paulinho da ViolaSou só mais um neguinho pelas ruas da vidaQue quer se divertir, fazer um som e jogar bolaRappin Hood sou, hã, sujeito homemSe eu tô com o microfone é tudo no meu nomeSou Possemente Zulu, se liga no somSou negrão, certo sangue bom20 de novembro temos que repensarA liberdade do negro, tanto teve de lutarO negro não é marginal, não é perigoNegro ser humano, só quer ter amigoNa antiga era o funk, agora é o rapVem puxando o movimento com o negro de talentoO negro é bonito quando está sorrindoComo versou Jorge Ben, o negro é lindoE é por causa disso tudo que estamos aquiSe falam mal do negro, eu não tô nem aíPois já briguei muito, já falei demaisMas o que o negro quer agora realmente é a pazAndar na rua, no maior sossego,constituir família, ter o seu emprego como Grande Othelo, João do Pulo, BB King e o BluesRaul de Souza, Milles Davis, improviso no jazz

Pixinguinha e Cartola, velha guarda do sambaLuiz Melodia e Milton Nascimento, dois bambasVieram os metralhas como rap aboliçãoFalando do negro e de sua opiniãoPois, muitos negros já percorreram a trilha do sucessoJackson do Pandeiro, Candeia e AnicetoKizomba, Festa da Raça com Martinho e a VilaNo ano do centenário, grande maravilhaE a rainha do samba, Clementina de JesusQue já partiu pra melhor mas Quelé divina luzE no futebol, temos rei PeléGarrincha de pernas tortas num perfeito balé

(REFRÃO) Sou negrão, heiSou negrão, hou

Luiz Gonzaga era preto, era o rei do baiãoJair Rodrigues disparou no festival da cançãoDener com a bola, mais que um domPreto quer trabalhar, não quer meter um oitãoFuturo, presente, passado, realmente jogadosFizemos a história, perdemos a memóriaTemos nosso valor, temos nosso valorBob Marley, paz e amorDiamante negro do gol de bicicletaLeônidas da Silva, craque da épocaO Malcolm X daqui, Zumbi temos que exaltarEm Palmares teve muito que lutarMartin Luther King com a sua teoriaEstados Unidos o movimento explodiaApartheid, um por todos e todos por umNelson Mandela sem problema nenhum

REFRÃOIlê Aiyê, Olodume ai Mano Brown

trio elétrico, Bahia, carnavalIvo Meirelles, Jamelão e aí MangueiraLuta marcial, jogar capoeiraNegra mulher, preta DandaraLeci Brandão, Jovelina, Ivone LaraCabelo rasta, dança afoxéAnastácia e Benedita, muito axéDjavan e o seu som genialO rei do balanço, mestre James BrownTambém falando de maninhos que não aceitam revideAqui vai o meu alô pra Dj Hum e ThaídeE a reunião da grande massa blackAcontece aqui, nos versos do samba-rapNa intenção de ver um dia o negro sorrindoGilberto Gil, Tim Maia, os símbolosNão esquecendo de falar de Sandra de SáCom os seus olhos coloridos fez a massa balançar

REFRÃO

DMN decretou o que todos têm medoÉ 4P, poder para o povo pretoNão o poder do dinheiro, não a corrupçãoSim o poder do som, RevolusomComo um solo de Hendrix faz você viajarCoisa de preto mano, pode chegarBrother vem dançar porque a dança começoupois isso é fundo de quintalEU SOU NEGRÃOe esse é o recado que acabamos de mandarPra toda raça negra escutar e agitarPortanto honre sua raça, honre sua corNão tenha medo de falar, fale com muito amor

REFRÃO