radial leste, brás e mooca: diretrizes para requalificação urbana

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  • Radial Leste, Brs e Mooca:diretrizes para requalificao urbana

    Maria Elizabet Paez RodriguezFAUUSP

    So Paulo2006

  • Radial Leste, Brs e Mooca:diretrizes para requalificao urbana

    Maria Elizabet Paez Rodriguez

    Dissertao de MestradoPlanejamento Urbano e Regional

    FAUUSP

    Orientadora: Prof Dr Marly Namur

    So Paulo2006

  • proibida a reproduo total ou parcial sem autorizao por escrito da autora.

    Projeto grfico: Maria Elizabet Paez Rodriguez Caroline Gabriel Pedro

    Produo grfica: Caroline Gabriel Pedro

    Tratamento de imagens: Lenita Pimentel Caroline Gabriel Pedro Gustavo Yuji Honda Computao grfica: Lenita Pimentel Gustavo Yuji Honda

    Reviso: Sarah Garcia Rodriguez Caroline Gabriel Pedro

  • Para Raphael e Isabel

  • Agradecimentos

    Professora Marly Namur e a todos os dedicados professores da Ps Graduao da

    Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulopor dividirem conosco o seu precioso conhecimento

    Aos caros Professores Adilson Macedo e Cndido Malta Campos Filhopelas valiosas sugestes durante a fase final do trabalho

    Ao Luiso,primeiro e incansvel voluntrio, sob chuva ou sol

    Caroline, Lenita, Gustavo e Aninhapelo coleguismo e pelo esmero e qualidade aplicados neste trabalho

    Sarahpela atenta reviso final

    rispela grata ajuda-surpresa

    Aos funcionrios da CDHU, da Prefeitura Municipal de So Paulo,das Subprefeituras S e Mooca, Secretaria da Sade, do IBGE,

    ao Adriano e Wayne do Primeiro Cartrio de Registro de Imveis de So Paulo,ao Marcos do Quinto Cartrio de Registro de Imveis de So Paulo e a tantos outros

    pela pronta e simptica ajuda

    Aos funcionrios da secretaria, da biblioteca e de apoio da Ps-Graduao da FAUpor toda ateno que me dedicaram durante todos os anos que com eles convivi

    minha famlia e aos amigospor esperarem pacientemente por mim.

  • Resumo

    Esta dissertao trata da problemtica que envolve a requalificao urbana de reas centrais consolidadas e industrializadas em processo de degradao urbana e ambiental que perderam parte de sua populao residente, mas que dispem de infra-estrutura urbana bsica instalada suficiente para suportar readensamento populacional controlado na reorganizao da cidade. A requalificao urbana dessas reas, aliada sua localizao estratgica prxima aos centros histricos ou novos das grandes metrpoles completos por sua diversidade de oferta de co-mrcio, servios, cultura e lazer, so um trunfo para o planejamento urbano na soluo de problemas causados pelo constante deslocamento das populaes entre seu local de moradia, local de trabalho, consumo, educao, cultura, esporte e lazer. Esta dissertao partiu da an-lise histrica do desenvolvimento urbano de dois bairros centrais e industrializados: os bairros histricos Brs e Mooca, localizados na metrpole de So Paulo, passando pela anlise do tecido urbano, por um diagnstico geral e finalizando com a proposio de um conjunto de diretrizes gerais e pontuais para a requalificao urbana da rea-objeto de estudo.

    Palavras-chave: desenvolvimento urbano, tecido urbano, requalificao urbana.

  • Abstract

    The following dissertation discusses the problems involved in the urban requalification of consolidated and industrial central areas under urban and environmental degradation proc-esses also known as brownfields. It outlines areas that have lost part of their original inhabit-ants, but which still possess the basic installed infrastructure necessary to endure controlled repopulation upon city reorganization. The urban requalification of these areas, together with their strategic placing within the city near historical and newly formed centers, which are made complete by the wide diversity of commerce, services, culture and entertainment constitutes a great advantage in the context of urban planning and problem solving regarding commuters and other shopping, education, culture, sport and leisure journeys. This paper begins with the historical analysis of the urban development of two central and industrialized neighborhoods the historical neighborhoods of Brs and Mooca, located at the city of So Paulo going through the analysis of the urban network via a general diagnosis, and summing up with the proposition of a set of general directives, both general and specific, for the urban requalification of the area under study.

    Keywords: urban development, urban tissue, urban requalification

  • Resumen

    Esta disertacin trata de la problemtica que envuelve la recalificacin urbana de reas centrales consolidadas y industrializadas en proceso de degradacin urbana y ambiental, que perdieron parte de su poblacin residente pero que disponen de infraestructura urbana bsica instalada suficiente para soportar un incremento en el nmero de habitantes de forma controlada en la reorganizacin de la ciudad. La recalificacin urbana de esas reas, aliada a su ubicacin es-tratgica prxima a los centros histricos o nuevos de las grandes metrpolis, completos por su diversidad de oferta de comercio, servicios, cultura y entretenimiento, son una solucin para la planificacin urbana en la solucin de problemas causados por la constante dislocacin de las poblaciones entre su local de morada, local de trabajo, consumo, educacin, cultura, deporte y entretenimiento. Esta disertacin parti de la anlisis histrica del desarrollo urbano de dos barrios centrales y industrializados: los barrios histricos Brs y Mooca, ubicados en la metrpoli de So Paulo, pasando por el anlisis del tejido urbano, por un diagnstico general y finalizando con la proposicin de un conjunto de directrices generales y puntuales para la recalificacin urbana de esta rea-objeto de estudio.

    Palavras-clave: desarrollo urbano, tejido urbano, recalificacin urbana

  • xv

    ndice

    Introduo 1

    Problemtica 2 rea-objeto do estudo 5 Objetivos 6 Hipteses 6 Metodologia 9 Terminologias para projetos de requalificao urbana 11

    Captulo I:referencialterico 12 1. A industrializao no Brasil 12 2. A produo do espao urbano 14 2.1. As formas de produo do espao urbano 15 3. Breve histrico do planejamento urbano em So Paulo 19 4. Metodologia para anlise do Tecido Urbano 21 4.1. As tipologias do tecido urbano 22

    Captulo II: aevoluourbanadoBrseMooca 24

    1. Breve histrico do crescimento urbano de So Paulo: do sculo 17 ao incio do sculo 20 24 2. Brs e Mooca na formao da cidade de So Paulo 33 2.1 Das Chcaras ao fim do sculo 19 33 2.2 Do fim do sculo 19 ao incio do sculo 21 36 2.3 Evoluo populacional no Brs e Mooca 49 2.4 Indicadores sociais no Brs e Mooca 51 3. As formas de produo do espao no Brs e Mooca 52 3.1 A produo capitalista do espao urbano no Brs e Mooca 61 3.2 A produo estatal do espao urbano na Mooca e Brs 63 4. A legislao urbana no Brs e Mooca 66 5. A estruturao viria no Brs e Mooca 70 5.1 As ferrovias Santos-Jundia e Estrada de Ferro Central do Brasil 70 5.2 A Avenida Radial Leste e as outras vias estruturadoras 72 5.3 A Linha Leste do Metr de So Paulo 75 5.4 O Expresso Tiradentes: VLP - Veculo Leve sobre Pneus 76 5.5 Os fluxos de pedestres e veculos 77 5.6 Transporte pblico 79 6. Equipamentos urbanos pblicos e reas verdes 81 6.1 Unidades de ensino pblico 81 6.2 Sade pblica 83 6.3 Referncias culturais 83 6.4 reas verdes 83

  • xvi

    Captulo III: otecidourbanodoBrseMooca 84 1. Delimitao da rea-objeto de estudo 84 2. Categorias de uso e ocupao do solo no Brs e Mooca 88 2.1. Anlise dos usos do solo no Brs e Mooca 89 3. A morfologia urbana 93 3.1. A topografia 93 3.2. O traado virio 93 3.3. Os vazios urbanos 101 3.4. Os marcos referenciais e o Patrimnio Histrico 103 4. As tipologias arquitetnicas predominantes 105 4.1. As vilas operrias 106 4.2. Os galpes industriais 107 4.3. As estaes Brs e Bresser da Linha Leste do Metr 107 5. Concluso do Captulo III 109

    Captulo IV: diagnstico 114

    1. Aspectos urbanos positivos 114 2. Aspectos urbanos negativos 115 3. A estruturao viria fragmentadora do espao 118 4. Educao e sade pblica 121 5. reas verdes, praas e espaos para lazer 125 6. Qualidade ambiental e urbana no Brs e Mooca 126 6.1 Incio da degradao urbana 128 6.2 O perfil scio-ambiental 132 7. Recuperao e tombamento de imveis 133

    Captulo V: experincias em requalificao urbana ocorridaspelomundo 135

    1. Battery Park City Nova Iorque 136 2. London Docklands 137 3. Vila Olmpica de Barcelona 143 4. Bairro do Chiado, Lisboa 145 5. Antguo Puerto Madero, Buenos Aires 146 6. Anlise comparativa do estudo de experincias ocorridas em relao rea-objeto deste estudo 150

    Captulo VI: Subprefeituras S e Mooca: anlisecomparativadosPlanosRegionais 152

    1. Situao poltico-administrativa da rea-objeto de estudo 152 2. Anlise comparativa dos Planos Diretores Regionais das Subprefeituras Mooca e S: diretrizes e propostas 154 2.1. Propostas e solicitaes das comunidades 155 2.2. Uso e ocupao do solo 157 2.3. Habitao 159 3. As Operaes Urbanas no Brs e Mooca 162

  • xvii

    Captulo VII: Radial Leste, Brs e Mooca: diretrizesparaarequalificaourbana 165

    1. Diretrizes gerais para a requalificao urbana do Brs e Mooca 165 2. Uso e ocupao do solo 166 2.1. Uso residencial 166 2.2. Uso comercial e uso servios 170 2.3. Uso institucional 171 2.4. Uso misto 178 2.5. Uso industrial 178 3. Reestruturao Viria no Brs e Mooca 178 3.1. Transporte pblico 179 3.2. Vias estruturais 180 4. Qualidade ambiental 181 5. O patrimnio histrico do Brs e Mooca 181 6. Concluso 182

    Bibliografia 187

    Referncias da legislao consultada 190 rgos para pesquisa de dados oficiais 191 Referncias cartogrficas 192

    Anexo 1:glossrio 197

    Anexo 2: compilao dos Planos Regionais Estratgicos dasSubprefeiturasMoocaeS 201

  • 1

    Introduo

    A leitura bsica da metrpole de So Paulo, atravs da tica urbanista, mostra uma grande mancha urbana por demais espraiada, com populaes de baixa renda alijadas de servios de qualidade e fadadas a perder horas de trabalho ou no trabalho1, a caminho dos destinos de trabalho, estudo ou consumo. Por outro lado, tm-se reas centrais esvaziadas de seus habitantes ao longo do tempo. O espraiamento ou horizontalizao do muncipio de So Paulo teve seu auge na dcada de 1960 quando se iniciou o deslocamento de populaes de baixa renda para reas mais longnquas em busca de aluguis mais baixos ou para ocupao de reas loteadas muitas vezes clandestinamente, o que perdurou at a dcada de 1990. Em 1971, quando So Paulo j alcanara seis milhes de habitantes aproximadamente, Langenbuch atri-buiu o termo macrpole cidade, resultado de um processo de crescimento catico e com vrios milhes de habitantes e de tamanho alm do ideal (1971, p.01).

    Atualmente, impulsionadas pelo surgimento do Estatuto da Cidade2, instrumento sob a forma de lei federal que visa ordenar as cidades brasileiras e seu crescimento, surgem polticas pblicas voltadas requalificao urbana, tecnicamente conhecidas como Operaes Urbanas. As operaes urbanas so partes integrantes do Plano Diretor Estratgico de So Paulo e seus desdobramentos, os Planos Diretores Regionais de cada uma das trinta e uma subprefeituras dentro do municpio de So Paulo3.

    O municpio de So Paulo passa atualmente por importante momento em seu pano-rama urbanstico quando, em paridade com outras cidades pelo mundo, alguns bairros e distritos comeam a ser repensados e requalificados, como por exemplo, os distritos S e Repblica, focos da Operao Urbana Centro e os distritos abrangidos pela Operao Urba-na Diagonal Sul: Cambuci, parte do distrito do Brs, parte do distrito da Mooca, o distrito do Ipiranga at a divisa com o municpio de So Caetano, alm de distritos da zona norte como Pari e outros4.

    A requalificao urbana aqui pretendida no considera a implantao de projetos gigan-tescos, que afetam por demais a rotina de comunidades e que oneram exageradamente o oramento da administrao pblica.

    Propuseram-se aqui diretrizes que norteiem uma requalificao urbana com a criao de reas abertas e praas apesar da pouca disponibilidade de vazios urbanos pblicos, tendo sido necessrio lanar mo de algumas desapropriaes em pontos onde, a implantao des-sas reas pblicas para lazer e outros equipamentos, para educao e sade, seja estratgica para atender s demandas dos dois bairros.

    O patrimnio arquitetnico desses dois bairros vem sendo desconfigurado a cada dia com alteraes de uso inadequadas, como por exemplo, a demolio do Cotonifcio Crespi em 2005, para a instalao mais um hipermercado na cidade, localizado na Mooca e cujo lento processo de tombamento no foi concludo a tempo de evitar a sua demolio. Em vez disso, props-se nesta dissertao requalificar edificaes existentes obtendo-se delas funes que colaborem com a incluso social numa rea to desprovida de equipamentos pblicos para diversas atividades.

    O empenho pela permanncia dos atuais moradores e a preservao do patrimnio histrico e arquitetnico tem grande importncia para manter viva a memria cultural de suas populaes.

    1 No trabalho termo retirado do texto de autoria do socilogo Francisco de Oliveira: O Ornitorrinco.

    2 Estatuto da Cidade - Lei Federal n 10.257, de 10 de julho de 2001.

    3 Plano Diretor Estratgico do Municpio de So Paulo - Lei n 13.430, de 13 de setembro de 2002.

    4 Apesar do municpio de So Paulo ser oficialmente dividido em distritos, adotou-se para esta dissertao, na grande maioria das vezes, o uso do termo bairro, em virtude desta dissertao contemplar parte dos distritos do Brs e Mooca para o estudo e a criao de diretrizes e no a totalidade de sua rea.

  • 2

    Radial Leste, Brs e Mooca: diretrizes para requalificao urbana

    Problemtica

    Durante a industrializao da cidade de So Paulo, no fim do sculo 19 at meados do sculo 20, muitos bairros do municpio tiveram seu crescimento estimulado pela instalao de inds-trias ao longo de duas ferrovias existentes na cidade ou prximas a elas: A So Paulo Railway, posteriormente Santos-Jundia e a Estrada de Ferro Central do Brasil, ligando So Paulo ao Rio de Janeiro5. Bairros operrios foram se formando prximos s indstrias, com vilas operrias de casas geminadas que surgiram intercaladas com os terrenos onde se construram galpes industriais. Em 1932, no auge da industrializao, a populao do municpio de So Paulo j era de um milho de pessoas (Marcilio, 2004, p.266).

    A problemtica deste trabalho est fundamentada na reorganizao da cidade a partir do adensamento populacional em reas centrais com infra-estrutura bsica instalada suficiente para suportar esse adensamento e no combate degradao e obsolescncia urbana que ocorrem sistematicamente em bairros industrializados de grandes metrpoles que se desen-volveram e cresceram de forma catica, em maior ou menor grau, no Brasil e no mundo. Essa degradao urbana e ambiental em reas industrializadas tem vrios fatores como seus principais causadores. So exemplos disso o descaso dos governos, a queda na qualidade de vida em virtude da contaminao dos solos e da poluio do ar, a sada das indstrias e as conseqentes quedas na oferta de empregos. Esses fatores podem ser provocadores da dimi-nuio do nmero de habitantes. Um bairro com menos habitantes do que pode comportar perde tambm parte dos olhos do bairro que vigiam e podem ajudar a interromper desde o incio um dos maiores problemas dentro do processo de degradao ou deteriorao urbana: a instalao da violncia (Jacobs, 2003, p.35). reas centrais de grandes metrpoles comu-mente apresentam uso do solo misto com predominncia de comrcio e servios e poucos moradores fixos, o que os transforma em bairros-fantasma nos fins de semana, com pouca ou nenhuma vida nas ruas.

    Mooca e Brs, localizados ao leste do Centro Histrico da cidade e dentro do centro expandido, foram bairros fundamentais para a cidade de So Paulo durante o processo de industrializao, onde inmeras indstrias se instalaram nos terrenos ao longo das estradas de ferro j mencionadas: So Paulo Railway e Central do Brasil. Em conseqncia da industrializa-o do incio do sculo 20, alguns bairros predominantemente residenciais como a Mooca ou bairros com pequenas e elegantes centralidades comerciais freqentadas pela populao de alta renda da cidade, como o Brs, passaram a ser bairros operrios. Os bairros histricos do Brs e Mooca representam hoje a problemtica que se deseja aqui estudar e por isso foram escolhidos como objeto de estudo desta dissertao.

    Atualmente estes bairros esto inseridos em distritos centrais com potencial para aden-samento populacional, pois tiveram suas populaes diminudas ao longo das duas ltimas dcadas e dispem de infra-estrutura urbana bsica completa. Ambos os bairros apresentam grande potencial de estudo para o conhecimento da histria e do processo da industrializao do Municpio de So Paulo, ocorrido a partir do incio do sculo 20. Por esses motivos fazem parte da Macrozona de Estruturao e Qualificao Urbana, segundo o Plano Diretor Estra-tgico de So Paulo:

    A Macrorea de Estruturao e Qualificao Urbana inclui o centro metropolitano, a orla ferroviria, antigos distritos industriais e reas no entorno das marginais e de grandes equipamentos a serem desativados, foi urbanizada e consolidada h mais de meio sculo, perodo em que desempenhou adequadamente atividades secundrias e tercirias, e passa atualmente por processos de esvaziamento populacional e desocupao de imveis, embora seja bem dotada de infra-estrutura e acessibilidade e apresenta alta taxa de emprego (PDE de So Paulo, Captulo II, Seo II, Subseo III, Art. 155).

    5 Estradas de ferro So Paulo Railway, implantada em 1867, que passou a chamar-se Estrada de Ferro Santos Jundia (EFSJ), em 1946, hoje pertencente CPTM e, a Estrada de Ferro D. Pedro II, que em 15 de novembro de 1889 passou a denominar-se Estrada de Ferro Central do Brasil, cujo trecho paulista tambm pertencente atualmente CPTM.

  • Introduo

    3

    Os bairros histricos do Brs e Mooca no podem ainda ser plenamente classificados como bairros degradados, pois por hora, apresentam somente alguns elementos que com-pem focos de incio de degradao urbana e de forma no crnica: diminuio gradativa da populao residente, pessoas em situao de rua, violncia urbana, contaminao de solos, existncia de cortios etc.

    Um importante fato que complementa a problemtica abordada nesta dissertao o fracionamento de reas urbanas por vias de circulao de veculos de ligao regional e sistemas de transporte pblico de massa e o conseqente comprometimento da mobilidade intra-urbana6. Os dois bairros em questo sofreram a insero dos principais sistemas virios regionais ali implantados aps a consolidao do tecido urbano: a Avenida Alcntara Machado, em fins da dcada de 1960, tambm conhecida como Radial Leste e a Linha Leste do Metr, implantada a partir de 1979. Antes da consolidao do tecido urbano, em fins do sculo 19, em meio s chcaras que formavam o entorno da cidade histrica, foram implantadas na re-gio as duas ferrovias mencionadas anteriormente. Quando finalizados e em conjunto, esses sistemas virios passaram a dificultar a mobilidade de pedestres e at mesmo de veculos, criando vrios bairros dentro de um:

    ObairrodoBrsestdivididoemtrssegmentosemvirtudedasferroviasdaCPTM: a rea do Brs onde existe forte comrcio de mquinas, couros e plsticos e situa-se a oeste da ferrovia Santos-Jundia e ao norte da Radial Leste, limitada pela Rua do Gasmetro; a rea do Brs onde existe um forte comrcio de confeces e produtos alimentcios, localizada ao leste da Santos-Jundia, entre Radial Leste e a antiga Ferrovia Central do Brasil e por fim, a rea do Brs localizada entre a Ferrovia Santos-Jundia, a Rua Bresser, a Radial Leste e a Ferrovia Santos-Jundia, onde o uso residencial mais presente, mas que tambm apresenta forte comrcio local e diversificado. Obairro daMooca est dividido emduas distintas partes: aMooca baixa,entre Avenida do Estado, Radial Leste e Ferrovia Santos-Jundia e, o restante da Mooca, ao leste desta ferrovia e ao sul da Radial Leste. A Mooca baixa visivelmente o trecho menos desenvolvido de todo o distrito da Mooca, composto tambm por Alto da Mooca e Parque da Mooca.

    Poucos que circulam pela Radial Leste, via de ligao regional, vivem nesses bairros de classe mdia baixa, de cortios, de vilas antigas. A grande maioria apenas se serve dela como ligao regional para chegar a seus destinos atravs da rede de linhas de nibus metropolitanos regionais que se utilizam dessa via, principal opo de transporte em funo da pequena rede municipal de linhas de metr, aqum das necessidades da megalpole So Paulo. Esta avenida, com seu trfego intenso de automveis e a conseqente dificuldade para sua transposio, forma significativa barreira urbana aos moradores que querem ou precisam ir de um bairro a outro, seja caminhando ou de automvel7.

    Diferentemente do que ocorre nas cidades do primeiro mundo, os distritos Brs e Mooca, localizados muito prximos do centro histrico da cidade e que tm parte deles s margens do Rio Tamanduate hoje canalizado naquele trecho no so bairros valorizados por essa proximidade, a despeito da infra-estrutura urbana instalada, principalmente de trans-porte pblico e saneamento bsico, presentes na regio desde o final do sculo 19 e incio do sculo 20, respectivamente.

    Esses bairros dispem de patrimnio arquitetnico que deve ser preservado como par-te importante da memria paulistana e demandam intervenes urbansticas urgentes. Essas intervenes podem ajudar a solucionar parte de problemas urbanos crnicos como a provi-so de habitao para o mercado popular (HMP), e qualidade de vida dessa populao, j que vivendo em bairros centrais, os moradores ficaro muito prximos ao Centro Histrico da cidade, foco de emprego, lazer, cultura e servios locais e diversificados.

    6 Espao intra-urbano expresso adotada por Flvio Villaa em O espao intra-urbano (1998, p.18). Apesar de considerar que a expresso espao urbano satisfatria, seu apelo regional leva utilizao da expresso espao intra-urbano nas referncias ao arranjo interno dos espaos urbanos.

    7 Apesar do municpio de So Paulo ser oficialmente dividido em distritos, adotou-se para esta dissertao, na grande maioria das vezes, o uso do termo bairro, em virtude desta dissertao contemplar parte dos distritos do Brs e Mooca para o estudo e a criao de diretrizes e no a totalidade de sua rea.

  • 4

    Radial Leste, Brs e Mooca: diretrizes para requalificao urbana

    Figura 1 Localizao da rea-objeto de estudo: trechos histricos do Brs e Mooca. Croquis da autora.

  • Introduo

    5

    Neste trabalho prope-se o adensamento de reas centrais que j possuem infra-es-trutura bsica de qualidade e a ocupao de reas subutilizadas que podem acomodar novas moradias para habitantes de baixa e mdia renda e novos equipamentos urbanos pblicos. Num movimento inverso do que foi to marcante nas dcadas de 1960 a 1990, quando um contingente de populao de baixa renda se acomodou nas periferias, pretende-se possibilitar a volta de um nmero considervel de habitantes de baixa renda hoje moradores de periferias com aluguel baixo e sem qualidade urbana, para reas mais centrais, com aluguel tambm baixo atrelado ao fcil acesso a plos de emprego, com qualidade urbana e ambiental.

    rea-objeto do estudo

    So objetos de estudo desta dissertao a Avenida Alcntara Machado, mais conhecida como Radial Leste, mais precisamente o trecho localizado entre a Avenida do Estado e o Viaduto Bresser e seu entorno prximo, as reas histricas dos bairros Brs e Mooca aqui batizada de Mooca baixa. Esse conjunto, denominado rea-objeto de estudo est localizado entre o centro histrico e o incio da Zona Leste do Municpio de So Paulo. A rea-objeto de estu-do est localizada a 2 km em mdia do Centro Histrico do municpio de So Paulo. Brs e Mooca foram escolhidos como objeto de estudo por representarem a problemtica que se pretende aqui estudar.

    A Avenida Alcntara Machado inicia seu percurso em direo ao leste da cidade a par-tir da Avenida do Estado, localizada na regio central, e faz parte do complexo virio Radial Leste-Oeste proposto no Plano de Avenidas de Francisco Prestes Maia8. Esse sistema virio atende primordialmente aos veculos automotivos, permite grande volume de trfego dirio e como todo o complexo em si, a Avenida Alcntara Machado teve um forte impacto sobre o tecido urbano consolidado existente na regio por ocasio da construo de seu primeiro trecho, entre a Avenida do Estado e a Rua Piratininga, no fim da segunda metade da dcada de 1950.

    A rea analisada limitada a oeste pelo Rio Tamanduate, cuja imagem naquele trecho de um rio canalizado de forma bruta, suportando uma linha de nibus-trem em fase de lenta implantao, o que no contribui em nada com a imagem paradisaca do desejo de qualquer cidado habitante de uma metrpole: ter um rio limpo com margens ajardinadas ladeando seu bairro, ou at mesmo um rio canalizado de forma mais coerente, aberto, com guas limpas. No cabe aqui avaliar at que ponto a municipalidade poderia investir para trazer de volta vida esse rio que, mesmo continuando a ser barreira fsica de difcil transposio pelo pedestre, poderia contribuir com a qualidade de vida do morador da regio e da cidade de forma geral. Ao leste, a rea delimitada pela Rua e Viaduto Bresser, Rua Taquari e Avenida Paes de Barros. Ao norte, a rea est delimitada pela Rua do Gasmetro e pelas ferrovias da CPTM. Ao sul est delimitada pela Rua Serra de Paracaima, Rua Guaratinguet, Canuto Saraiva e Rua Curu-pac. Mais detalhes sobre a metodologia utilizada para definio do recorte da rea-objeto deste estudo esto descritos no item 1 do Captulo III.

    8 Francisco Prestes Maia. O Estudo de um Plano de Avenidas para a Cidade de So Paulo. So Paulo: Companhia Melhoramentos, 1930.

  • 6

    Radial Leste, Brs e Mooca: diretrizes para requalificao urbana

    Objetivos

    O objetivo geral desta dissertao traar um plano de diretrizes para a requalificao urbana da Avenida Alcntara Machado ou Radial Leste e dos bairros histricos do Brs e Mooca, estes partes dos distritos do Brs e Mooca, tendo como focos principais o adensamento po-pulacional, a melhoria da qualidade de vida, a manuteno das pequenas e mdias indstrias no-poluentes existentes e a recuperao e conservao de seu patrimnio histrico e arqui-tetnico. Para atingir esse objetivo buscou-se:

    Conhecerafundoaevoluourbanahistricadaregio,estudandooprocessode produo do espao construdo da rea, determinando dentre as quatro formas de produo do espao urbano quais foram as mais predominantes, conhecendo seus problemas e os atores que intervieram nesse espao; Conhecer as dinmicas urbanas para determinar os agentes que levamao esvaziamento populacional e degradao de reas ou bairros de grandes metrpoles; Estudar e conhecer projetos de requalificao urbana ocorridos em outras cidades no exterior com o objetivo de detectar similaridades com a rea em estudo e apreender solues ou crticas aplicveis a este estudo; ConhecereanalisarosPlanosEstratgicosRegionaisdasSubprefeiturasSeMooca, adotando as diretrizes propostas por esses planos para elevar a qualidade de vida da populao da regio, particularmente no que se referem sade, educao, cultura, s condies habitacionais, infra-estrutura e aos servios pblicos e racionalizar o uso da infra-estrutura instalada, em particular a do sistema virio e de transportes, evitando sua sobrecarga ou ociosidade9.

    Hipteses

    Para melhor conhecer as demandas urbanas do Brs e Mooca na proposio de um conjunto de diretrizes que as atendam, procurou-se responder as questes abaixo:

    PorquepromoverarequalificaourbanadaRadialLeste,BrseMooca?Primeiramente, deve-se promover a requalificao urbana dessa rea para viabilizar o readen-samento de bairros centrais a partir da proviso de moradia para as classes de baixa renda, mercado popular e classe mdia, tanto pelo Estado como pela iniciativa privada. A proximida-de ao centro histrico, plo de empregos e a oferta de transporte pblico para o restante do municpio, aliados infra-estrutura urbana instalada possibilitam e justificam esse adensamento. A cidade de So Paulo contava no fim do sculo 20 com um dficit habitacional acima de 400 mil moradias ou mais de cinco milhes de pessoas10.

    Nos ltimos 20 anos esses bairros tiveram uma sensvel queda no nmero de habi-tantes, o que pode demonstrar possivelmente o processo de expulso, provocado no pela valorizao e especulao imobiliria que no ocorreram, mas sim pela queda na qualidade de vida, na qualidade ambiental e no aumento da violncia11.

    Na proposta de diretrizes para a requalificao urbana do Brs e Mooca, contida no Captulo VII, props-se o adensamento populacional que pode viabilizar a recuperao de parte de seus habitantes, aliando-se a existncia de vrios terrenos vazios e edifcios industriais desocupados, s premissas do novo Plano Diretor Estratgico para So Paulo, que reco-menda esse adensamento nas reas com infra-estrutura urbana bsica capaz de suport-lo. Para isso, incentivos fiscais municipais podem motivar a iniciativa privada a prover esse tipo de moradia12.

    9 Plano Diretor Estratgico de So Paulo, Captulo III, artigo 9, item II.

    10 Fonte: Secretaria da Habitao/PMSP, 1999 in Jornal A Folha de So Paulo, Caderno Cotidiano, 16/10/2001.

    11 Nos ltimos 20 anos, o crescimento intra-urbano ocorreu de forma diferenciada: as reas mais centrais, de ocupao j consolidada, apresentaram taxas negativas de crescimento, ou seja, contnua perda de populao residente, enquanto as regies perifricas continuaram a receber novos habitantes algumas delas com elevadas taxas de crescimento. Em outras palavras, se a aglomerao urbana continua a crescer em seu conjunto, isto se deve ao crescimento das reas perifricas do Municpio de So Paulo e ao de grande parte dos demais municpios da Regio Metropolitana. in www.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/sempla. 11.ago.2006.

    12 Lei Municipal n 13.430 de 13/09/2002, Captulo III, artigo 79, clusulas II, VIII, X; artigo 80, clusulas I, VI, X, XIX.

  • Introduo

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    A importncia dessas reas urbanas centrais no apenas cultural, mas tambm, e de forma relevante, econmica. De fato, alm da excelente qualificao de suas infra-estruturas, esse patrimnio construdo constitui um enorme capital imobilizado, sujeito a processos contnuos de valorizao e desvalorizao como ele prprio, socialmente produzidos por mecanismos normais de mercado na cidade capitalista. O binmio desvalorizao-degradao dessas reas constitui-se em desperdcio inaceitvel para as cidades, particularmente aquelas em pases em desenvolvimento, com notrias carncias urbanas (Farret in Vargas, 2006, p.IX).

    A segunda justificativa, conforme nos mostra Farret, se fundamenta no importante par-que econmico existente no Brs, na forma do forte comrcio de abrangncia regional, gera-dor de empregos locais. A terceira justificativa para a requalificao urbana do Brs e da Mooca que bairros consolidados prximos ao centro, com valor histrico e infra-estrutura urbana instalada, podem ter seus imveis que hoje se encontram desocupados ou abandonados, requalificados para outros usos como centros de convvio, centros culturais ou profissionali-zantes.

    Ainfra-estruturaurbanainstaladacomportaoadensamentopopulacional?A regio apresenta infra-estrutura bsica instalada completa. Na rea educacional pblica e na rea da sade pode haver expanses conforme a demanda. Na rea de transporte pblico, como dito anteriormente, os bairros so muito bem atendidos pelas diversas linhas de nibus e pela Linha Leste do Metr. O comrcio de mbito local, hoje existente, mas muito disperso, se expandir naturalmente conforme a expanso da demanda. O saneamento bsico existe nos dois bairros desde o incio do sculo 20 e hoje 100% de seus territrios tem fornecimen-to de gua, esgoto e iluminao pblica13.

    O Estatuto da Cidade, lei federal sancionada em 2001, estabelece novas regras para o controle da expanso urbana das cidades brasileiras e para o adensamento das grandes cida-des, com o objetivo de eliminar os chamados vazios urbanos e os imveis subutilizados ou abandonados e minimizar os custos com implantao e manuteno de infra-estrutura, com diretrizes gerais que garantem que o planejamento do desenvolvimento das cidades seja mais criterioso, estendendo os benefcios do processo de urbanizao a todos os cidados14.

    OsbairrosdoBrseMoocaapresentamfocosdedegradaourbana?Segundo Vargas, intervir em centros urbanos pressupe identificar processos claros de de-teriorao ou degradao urbana, conceitos freqentemente associados perda de sua fun-o, ao dano ou runa as estruturas fsicas, ou ao rebaixamento do nvel do valor imobili-rio desses centros. Deteriorar equivale a estragar, piorar e inferiorizar. Degradao significa aviltamento, rebaixamento e desmoronamento (Castilho in Vargas, 2006, p.3) e tambm a degradao de seus grupos sociais: empobrecimento, marginalizao e destruio das bases da solidariedade entre os indivduos e o descrdito na noo de bem comum (Gutierrez in Vargas, 2006, p.4).

    Os principais fatores que podem levar concluso de que existem focos de deteriora-o e degradao urbana em curso nos dois bairros em estudo so: a perda e o empobre-cimento da populao residente, o que vem ocorrendo desde a sua desindustrializao; a perda de qualidade ambiental composta principalmente pela poluio do ar, a contaminao de solos pelas indstrias locais e a proliferao de cortios moradias insalubres de baixssima qualidade atravs da subdiviso de imveis a fragmentao do espao pelos sistemas virios de ligao regional e altos ndices de violncia urbana. Pessoas em situao de rua, catadores de lixo, imveis abandonados ou subutilizados so elementos cada vez mais freqentes. Ape-sar dos fatos mencionados e do intenso comrcio especializado no Brs, tanto este como a Mooca so bairros com potencial para uso residencial com possibilidades para adensamento populacional e bem localizados em relao ao Centro Histrico da cidade.

    13 Os bairros do Brs e Mooca dispunham de uma cobertura de rea urbana com iluminao pblica de 50% em 1900 e de 100% de cobertura para gua e esgoto no Brs e de 80% para gua e esgoto na Mooca, em 1928 (Rolnik, p.131 e 147).

    14 Lei n 0.257, de 10/07/2001. Ver principalmente os artigos: Art. 2, inciso IV, V, VI, XII e XIV; Art. 25, pargrafos 1o e 2; Art. 26, incisos II,V e VI.

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    Radial Leste, Brs e Mooca: diretrizes para requalificao urbana

    Quaissooselementosqueprovocamoupermitemafragmentaodoespaodecentrosou reas urbanas nas grandesmetrpoles? Foramas barreiras urbanas formadas pelasestradas de ferro e pela Linha Leste do Metr, as principais causas da fragmentao do espaodoBrseMooca?

    Uma das hipteses que a implantao de sistemas virios para transporte urbano sobre rodas ou trilhos, como vias expressas, ferrovias e trens metropolitanos, podem tornar-se barreiras urbanas acessibilidade e mobilidade intra-urbana, pois medida que esses tipos de sistema so implantados interrompem fluxos locais de pedestres ou veculos, atuais ou anteriores sua implantao, separando bairros ou isolando-os e dificultando o deslocamento da populao e seu acesso a atividades mais diversificadas, como lazer, educao, comrcio e servios.

    Por serem os sistemas virios ali implantados entre as dcadas de 1960 e 1980 os pro-jetos urbanos mais importantes ocorridos nessa regio durante esse perodo so considerados aqui grandes projetos urbanos, com resultados finais de grande impacto na mobilidade e acessi-bilidade local: a Avenida Alcntara Machado e a Linha Leste do Metr de So Paulo.

    O primeiro grande projeto ali implantado foi a construo do trecho inicial da Avenida Alcntara Machado, mais conhecida como Radial Leste, que teve importante papel na transfor-mao de seu entorno prximo, os bairros do Brs e Mooca baixa, localizados entre o centro e o incio da Zona Leste da Cidade de So Paulo. O segundo grande projeto foi a implantao da Linha Leste do Metr, tratando-se de linha area de metr linha area elevada da Estao Dom Pedro at a Estao Brs e que passa a linha de superfcie descendo ao nvel do solo, emparelhando-se aos trilhos da ferrovia anteriormente existente Estrada de Ferro Central do Brasil (hoje pertencente CPTM). Isto aumenta a dificuldade de transposio desses sistemas virios, principalmente em relao escala humana.

    Porquea implantaode linhasdetrensmetropolitanosemalgunscasosvalorizaeemoutroscasosdesvalorizaumaregiourbanaconsolidada?

    Essa pergunta foi feita a vrios profissionais ligados s reas de transporte e urbanismo, que numa anlise superficial condicionam a no valorizao das reas urbanas em torno das esta-es de metr no bairro do Brs ao fato dessa linha do Metr de So Paulo ser de superfcie ao invs de subterrnea. Diferentemente da linha subterrnea, a populao fica mais exposta aos rudos e outros elementos que podem comprometer a qualidade ambiental e esttica de seu entorno15.

    OsbairrosdoBrsedaMooca,queatofimdadcadade1950tinhamotraadoviriocontnuopodemviraserreunificadosnovamente,comadesobstruodesuasruas?

    A requalificao urbana de uma rea ou regio deve estar vinculada a uma reestruturao viria consciente, que considere os fluxos de veculos e principalmente de pedestres, devolvendo vida s ruas, sem optar por obras faranicas que priorizem ou estimulem somente o uso do automvel. A Avenida Alcntara Machado representa uma importante ligao regional implan-tada numa cidade onde os veculos automotores tm prioridade desde a dcada de 1930 e que suporta um imenso fluxo de veculos diariamente. Uma interferncia num sistema virio desse porte representa um investimento pblico de alto valor e que por isso deve estar emba-sado em soluo tcnica de baixo risco, buscando-se o equilbrio entre as reais necessidades da populao local e a disponibilidade de verbas pblicas, evitando-se mau uso das mesmas.

    ComoviabilizararequalificaourbanadoBrseMooca?Farret responde a essa questo:

    O enfrentamento desses processos extremamente perversos implica em investimentos pblicos

    15 Aps a implantao da Linha Norte-Sul do Metr, foram comparados pela Companhia do Metr de So Paulo, dois bairros do municpio com as mesmas caractersticas antes da construo desse sistema virio: Pinheiros, que no dispunha de metr e Vila Mariana, j com a linha subterrnea implantada. A pesquisa concluiu que houvera uma valorizao imobiliria na Vila Mariana em torno de 30% em relao a Pinheiros. Andrena Nigriello. Notas de palestra apresentada como convidada na disciplina AUP5727 - Atelier de Projeto Urbano II, ministrada pelo Prof. Dr. Bruno Padovano, PG-FAUUSP, 2003.

  • Introduo

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    e privados, seja para a conservao, recuperao, reconverso-requalificao de novos usos desse valioso patrimnio construdo. Contrariamente ao movimento moderno a partir dos CIAM16, que negam as morfologias passadas e crem em comeos absolutos e sem ter como objetivo somente um processo de maquiagem, a interveno nessas reas urbanas centrais demanda a considerao de importantes instrumentos econmicos, sociais, jurdicos e institucionais, que delineiam os contornos do processo de reconverso-requalificao urbana, buscando a conciliao entre conceitos dicotmicos, por exemplo, valor de uso e valor de troca, ganhos imobilirios e recuperao da mais-valia imobiliria, parceria pblico-privada, uso para o saber/lazer/morar e consumo suprfluo, inclusive de bens e servios ditos culturais, articulao inter e intragovernamental e participao comunitria (Farret in Vargas, 2006, pp.IX-X).

    Metodologia

    A metodologia adotada para reunir todas as informaes e dados oficiais necessrios para a abordagem dos problemas que levam bairros industrializados degradao e fragmentao do espao e para a anlise, o diagnstico e a proposio de diretrizes para requalificao urbana, foi conhecer detalhadamente a rea a partir da evoluo urbana e da anlise de sua morfologia urbana, suas peculiaridades e necessidades.

    No Captulo I apresenta-se a referncia terica obtida com a bibliografia reunida e se-lecionada que orientou o desenvolvimento da dissertao, considerando os textos e as teorias de diversos autores - socilogos, economistas e urbanistas - como Bresser Pereira, Paul Singer e outros, cujos argumentos so importantes no entendimento dos processos de urbanizao de grandes cidades como So Paulo, onde a industrializao marcou definitivamente o tecido urbano e o crescimento das cidades e, no entendimento dos elementos que levaram sua degradao ambiental durante o desenvolver desta dissertao e que deram sustentao s hipteses levantadas. Com os textos de Samuel Jaramillo e Michael Ball, foi possvel entender as formas da produo do espao e as relaes sociais envolvidas nessa produo do espao urbano, principalmente na proviso de moradias operrias durante a industrializao.

    Ainda neste captulo so temas abordados o planejamento urbano e a metodologia de anlise de tecidos urbanos desenvolvida pelo urbanista Cndido Malta Campos Filho.

    O Captulo II apresenta um breve relato sobre a evoluo urbana do municpio de So Paulo a partir do sculo 17 at o incio do sculo 20 passando posteriormente anlise histrica da evoluo urbana dos distritos do Brs e Mooca, destacando-se a rea-objeto de estudo contida dentro desses dois distritos, a partir do incio do sculo 19 at a atual morfolo-gia urbana e estruturao viria.

    Para melhor analisar a evoluo urbana da rea objeto de estudo foram estudados di-versos documentos como plantas cartogrficas e mapas histricos da cidade, elaborados por engenheiros encarregados para isso pela municipalidade como J. Rufino e C.A.Bresser. Foram a base para a observao do crescimento da cidade de So Paulo e dos bairros em estudo neste trabalho - Brs e Mooca. Esses documentos tm sua elaborao datada entre incio do sculo 19 e o ano de 1972, ano da elaborao do Mapa GEGRAN, fornecido pela EMPLASA - Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A. A partir dessa data foram utilizadas fotos areas fornecidas pela Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de So Pau-lo - SEMPLA, como material de observao do desenvolvimento urbano da rea-objeto de estudo. Outros mapas e documentos histricos oficiais foram encontrados em arquivos da Prefeitura Municipal, como o CASE 3, RESOLO e nos arquivos da COHAB - Companhia de Habitao, nos arquivos da Fundao Energia e Saneamento e da Biblioteca Mrio de Andra-de. O traado virio atual foi obtido no Mapa Digital da Cidade de So Paulo.

    Com o objetivo de conseguir um encadeamento de acontecimentos na poca de pro-duo de cada documento-base da anlise histrica da evoluo urbana, foram estabelecidos

    16 Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna.

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    Radial Leste, Brs e Mooca: diretrizes para requalificao urbana

    parmetros de comparao obtendo assim uma metodologia de reunio de informaes ne-cessrias para ilustrar as circunstncias econmicas e polticas poca de cada documento uti-lizado para a leitura da evoluo urbana. So eles: o traado virio, a tipologia das construes, a topografia, as configuraes produtivas envolvidas na produo do espao, os equipamentos ur-bano, os marcos referenciais, o prefeito ou intendente, o momento econmico e o perfil dos habi-tantes e suas relaes sociais. A leitura de publicaes de autores como J. Langenbuch, Aroldo de Azevedo, Benedito Lima de Toledo, Raquel Rolnik e outros em muito contribuiu para a lo-calizao de muitas dessas informaes. Na seqncia, apresenta-se a evoluo populacional dos distritos Brs, Mooca e Cambuci a partir dos Censos Demogrficos de 1950 a 2000 at chegar-se populao efetiva, total e totais por faixa etria da rea-objeto de estudo. Para isso foram utilizados os setores censitrios do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. A produo do espao urbano tem lugar neste capitulo com o objetivo de complementar a anlise da evoluo urbana da rea-objeto de estudo e conhecer esse desenvolvimento. Durante a anlise da produo do espao urbano no Brs e Mooca foi possvel conhecer alguns dos grandes loteadores da regio e como essas reas foram sendo desmembradas. Tambm foi possvel conhecer a produo estatal de moradias, de infra-estrutura e mesmo de instrumentos urbansticos que colaboraram para o delineamento urbano da rea. Ainda neste capitulo achou-se por bem destaca a estruturao viria desses dos bairros, por consider-la o segundo mais importante elemento transformador do tecido urbano depois da histrica industrializao. P fim, faz-se um levantamento da qualidade ambiental e da disponibilidade de equipamentos pblicos para as reas de educao, sade e cultura.

    No Captulo III, inicialmente, faz-se uma descrio do processo pelo qual se definiu a rea ideal a ser estudada e que conteria toda a problemtica a ser analisada. O principal objetivo deste captulo fazer uma anlise do tecido urbano, do conjunto de elementos que compem a morfologia e outros dados do tecido urbano, como o tipo de traado virio, a tipologia das construes, o tamanho das quadras e lotes, as reais categorias de uso e ocupa-o do solo e a topografia, caractersticas efetivamente encontrados numa determinada rea urbanizada. Como ponto de partida fez-se um levantamento in loco, lote a lote, do atual uso e ocupao do solo, do gabarito das edificaes e do parcelamento do solo existentes nesses dois bairros. Com esse levantamento foi possvel conhecer o grau de adensamento urbano e de verticalizao existentes na regio. Esse adensamento e verticalizao esto demonstrados nas imagens elaboradas por computao grfica e que tambm apresentam os usos atuais das construes. Atravs da anlise do tecido urbano foi possvel localizar reas adensveis e reas remanescentes das obras de implantao da Linha Leste do Metr, que podem receber equipamentos pblicos, principalmente para lazer, o grande dficit da regio. Neste captulo so tambm apresentados indicadores scio-econmicos e ambientais bsicos mas suficientes para traar-se o perfil dos bairros e assim conhecer e entender a problemtica urbana da rea e abordada nesta dissertao.

    O Captulo IV, na seqncia, fez-se um diagnstico geral do panorama urbano atual em que se encontra a regio, considerando-se os aspectos positivos e os negativos que devero ser considerados na proposio das diretrizes. Por ser um importante fator transformador de tecidos urbanos consolidados, a estruturao viria foi tratada parte, bem como a qualidade ambiental da rea-objeto de estudo, mostrando os focos de degradao urbana e tratando de questes como a cobertura vegetal e a temperatura locais.

    O Captulo V apresenta um estudo de experincias de requalificao urbana ocorri-das em reas degradadas ou industrializadas em outros pases e os resultados obtidos nessas requalificaes. Foram estudados os casos de Battery Park City, na cidade de Nova Iorque; London Docklands, em Londres; a Vila Olmpica de Barcelona; a recuperao da rea porturia de Puerto Madero, na cidade de Buenos Aires e finalmente, a reconstruo do bairro do Chiado

  • Introduo

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    em Lisboa. Em cada um desses casos foram encontrados elementos que compem o cenrio foco de cada uma dessas requalificaes urbanas e que apresentam alguma similaridade com o objeto de estudo desta dissertao as reas histricas do Brs e Mooca.

    No Captulo VI so comparadas e compiladas as diretrizes dos Planos Estratgicos Re-gionais das duas subprefeituras que detm a administrao da rea em estudo Subprefeitura S e Subprefeitura Mooca atravs de uma fuso dos dois planos com o objetivo de agrupar as similaridades e as particularidades das diretrizes reservadas para cada um dos dois trechos que compem a rea-objeto de estudo desta dissertao. A compilao resultante apresenta-se na ntegra no Anexo 2 desta dissertao.

    Finalmente, no Captulo VII so propostas as diretrizes para a Requalificao Urbana das reas histricas do Brs e Mooca e da Avenida Alcntara Machado. Esta dissertao adota e complementa parte das diretrizes, como no caso da preservao de edifcios histricos e a criao de reas verdes estas reivindicadas pelas comunidades locais j propostas pelas subprefeituras em seus planos estratgicos regionais, altera outras, como no caso dos perme-tros delimitados para as ZEIS 3 e prope novas diretrizes, de acordo com as necessidades e demandas levantadas durante a anlise e descritas no diagnstico geral.

    Terminologias para projetos de requalificao urbana

    Durante o desenvolvimento da pesquisa, foram encontrados vrios termos utilizados na des-crio dos resultados de um projeto urbano em reas degradadas nos textos da bibliografia analisada: reurbanizao urbana; recuperao urbana, requalificao urbana, revitalizao urba-na e renovao urbana. Com o objetivo de identificar o melhor termo a ser aplicado e de obter melhor entendimento nos textos a serem desenvolvidos para esta dissertao, comparou-se a forma de utilizao de cada um nos textos contidos na bibliografia utilizada para o seu desen-volvimento, sempre dentro do contexto do planejamento urbano na recuperao de reas degradadas ou desativadas. Verificou-se que os diversos autores utilizam um ou mais dos ter-mos citados acima, de acordo com o foco ou a escala de interveno no objeto descrito. No caso desta dissertao definiu-se por bem adotar o termo requalificao urbana, como sendo o que tem maior abrangncia e melhor define o objetivo das diretrizes a serem propostas na parte final deste trabalho: re-atribuir qualidades de modo geral a bairros consolidados e com infra-estrutura urbana bsica instalada, mas que perderam a qualidade ambiental ao longo das ltimas dcadas.

    O significado de cada um dos cinco termos acima mencionados se encontra no gloss-rio do Anexo 1 desta dissertao, bem como outros termos recorrentes tanto em textos de planejamento urbano quanto neste trabalho.

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    Captulo I Referencial terico

    O primeiro objetivo deste captulo apresentar um breve histrico sobre o processo de in-dustrializao capitalista atrelado urbanizao das cidades para que a classe operria pudesse ter nvel produtivo mais alto, morando prximo ao seu local de trabalho.

    O segundo objetivo deste captulo fundamentar as hipteses levantadas para abordar e explicar o processo de degradao urbana que pode atingir bairros industriais em metrpo-les de pases capitalistas em desenvolvimento.

    Em virtude da urbanizao das cidades em processo de industrializao estar direta-mente ligada a novas demandas por moradias nas cidades em desenvolvimento, foi necessrio conhecer como se deu e se d o processo de proviso de moradias para essa classe operria em movimento do campo para as cidades. Atravs de textos como os de Samuel Jaramillo e Michael Ball, foi possvel conhecer os tipos de produo de espao e suas principais caracte-rsticas desde o fim do sculo 18 e durante o processo de industrializao em cidades como Londres e Bogot, podendo-se estabelecer um comparativo com a produo do espao na cidade de So Paulo.

    Cndido Malta Campos Filho empresta a metodologia de anlise utilizada para conhe-cimento do crescimento do tecido urbano e as conseqentes tipologias de tecido e traado virio decorrentes das diferentes formas de produo do espao e tambm colabora com um breve histrico do Planejamento Urbano.

    A industrializao no Brasil1.

    Nos pases centrais, o capitalismo desenvolveu-se em quatro fases: capitalismo mercantil (apropriao do excedente nos quadros da acumulao primitiva), capitalismo industrial com-petitivo (com a apropriao da mais-valia), capitalismo monopolista (concentrao e centra-lizao do capital) e capitalismo monopolista estatal (Estado-produtor) (Pereira, 1998, p.61). O Brasil, por sua vez, no passou por um perodo pr-capitalista ou feudal mas sim por um perodo do capital mercantil, at 1930, e pelo perodo do capital industrial, de 1930 em diante (Pereira, 1998, p.21).

    No sculo 19, com o fim da escravido e a disseminao do trabalho livre, houve um surto industrial no Brasil, principalmente em So Paulo. No final do sculo 19, o Brasil en-contrava-se sob fortes incentivos fiscais governamentais para implementar a industrializao e a oligarquia agrrio-mercantil por questes tnicas e sociais. O pas comportava-se exter-namente como capitalista, pois entendia como mercadorias apenas os produtos destinados exportao e internamente como feudalista, produzindo apenas para consumo prprio. A partir dos anos 1930, as mercadorias comeam a se diversificar para o consumo interno, poca tambm em que se consagra o trabalho assalariado, caracterstica histrica essencial do capitalismo (Pereira, 1998, pp.41-43).

    No perodo de 1930 a 1950 deu-se a nossa revoluo industrial substitutiva das im-portaes. Suas causas gerais foram a crise do sistema capitalista internacional e a decadncia poltica da burguesia mercantil. O pacto entre o imperialismo e a oligarquia local entra em colapso, abrindo espao para o desenvolvimento do capital. A revoluo de 30 foi o primeiro captulo desse processo. Como resultado, ocorreu a transformao do Brasil em um pas no qual o modo capitalista de produo tornou-se dominante, mas a industrializao de ento

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    era inteiramente dependente de nossas importaes. Limitava-se a alguns bens de consumo e no possua qualquer grau de integrao vertical e de autonomia. A verdadeira industrializao brasileira s ocorreu a partir de 1930 (Pereira, 1998, pp.41-51).

    Nos anos 50 e 60 acelera-se esse processo no sul do pas e, na dcada de 1980, ainda h no nordeste do pas resqucios da produo para consumo prprio (Pereira, 1998, p.43).

    Na metade dos anos 40, aps a Segunda Guerra, estimulou-se a industrializao bra-sileira com o Estado intervindo cada vez mais, transferindo o capital de exportao de caf, cujo preo estava acima do seu valor-trabalho17, para a indstria (1945-1960). Atravs do confisco cambial, cobrava-se um imposto disfarado dos exportadores, alterando a cotao do dlar e transferindo a diferena para que os industriais pudessem importar mquinas e matrias primas (Pereira, 1998, p.52).

    O grande impulso industrial se deve a dois fatores: a depresso mundial e conseqente elevao dos preos no cenrio mundial - tornando vivel a produo nacional - e a manu-teno da demanda agregada interna (keynesianismo), graas s compras, pelo Estado, de caf para ser estocado e depois queimado.

    A industrializao substitutiva de importaes foi realizada exclusivamente por empres-rios locais. No perodo de 1930 at a dcada de 1940, as indstrias multinacionais e estatais eram secundrias, mudando a partir de 1950 o padro de acumulao de capital. Nos anos 50, a indstria automobilstica ainda estava por se implantar, mas j havia uma indstria leve nacional de bens de consumo (Pereira, 1998, p.54).

    As empresas multinacionais instalaram-se no Brasil nos anos 1950. Essas empresas in-ternacionais dedicavam-se ao comrcio e explorao de matrias primas minerais e algumas culturas tropicais, sempre voltadas para a exportao. Interessavam-se pelos transportes co-letivos como ferrovias e portos, servios pblicos e bancrios, com a ateno voltada para o comrcio internacional (Pereira, 1998, p.57).

    Entre as dcadas de 1960 e 1980, o Brasil viveu um quadro de desenvolvimento in-dustrial e subdesenvolvimento social, paralelamente ao regime militar, com grande concen-trao de renda e o endividamento interno, culminando numa grande crise econmica nos anos 1980. Os pases centrais desenvolvidos comeam a aplicar suas polticas neoliberais na expanso de suas cidades e na recuperao das reas desindustrializadas e subutilizadas, aco-modando o setor tercirio e habitaes para a classe mdia alta.

    Tanto nos pases com industrializao precoce como tardia, a urbanizao das cidades est diretamente ligada poca de sua industrializao, quando os trabalhadores rurais passam a viver nas cidades, prximos s fbricas onde sua mo-de-obra era requisitada. No municpio de So Paulo, colonos vindos em enormes surtos migratrios, com a crise na cafeicultura, transformam-se em operrios e vo viver em cortios nas reas centrais, palco do processo de industrializao.

    A industrializao-urbanizao nos pases desenvolvidos foi to heterognea quanto nos pases subdesenvolvidos, mas acompanhada por lenta implantao de inovaes tecnolgicas e com populao integrada economia, enquanto nos subdesenvolvidos, a implantao de ramos inteiros de produo, a economia de subsistncia foi exposta a choques maiores (Campos Filho, 1989, p.29).

    Aps a urbanizao em funo da industrializao, o prximo fator importante que pas-sa a afetar a urbanizao das cidades industrializadas a desindustrializao. Uma das causas da desindustrializao de metrpoles a deseconomia de aglomerao, termo utilizado para definir um conjunto de variveis, destacando-se maiores custos de transporte de carga, de terrenos, servios e infra-estrutura urbana, poder sindical, questes ambientais e queda na produo, que levaram ao espraiamento da atividade industrial (Negri in Grillo, 1997, p.6).

    17 Valor-trabalho: quantidade de trabalho incorporado no valor do bem (Pereira, 1998, p.43).

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    Radial Leste, Brs e Mooca: diretrizes para requalificao urbana

    O processo de desindustrializao ou desconcentrao industrial do municpio de So Paulo acontece entre as dcadas de 1970 e 1990 e o governo municipal cria a Lei de Uso e Ocupao do Solo (LUOS) em 1972. O perfil da indstria dos anos 90 ditado por pequenas e mdias indstrias de planta mais enxuta, voltados a ramos mais dinmicos como a indstria alimentcia, eletrnica, grfica e txtil (Grillo, 1997, p.3). Esse processo ocorreu em inme-ras cidades industrializadas pelo mundo e pelas mesmas razes: a obsolescncia de equipa-mentos, o controle ambiental e o adensamento das cidades no entorno das reas industriais com conseqente dificuldade no escoamento de mercadorias. A cidade sufoca as indstrias que sufocam a cidade. reas porturias tiveram sua obsolescncia determinada tambm pela conteinerizao do transporte de mercadorias e geraram grandes reas abandonadas e subu-tilizadas, dependentes de projetos de requalificao urbana para serem novamente inseridas na cidade.

    A produo do espao urbano2.

    No Brasil, a Lei de Terras de 1850 ou Lei Imperial n 60 transformou os ocupantes de sesma-rias em ricos, da noite para o dia, bastando que seus ttulos de posse estivessem registrados ou que provassem ter executado bem-feitorias nas terras para conseguir registro. Foram conce-didos prazos para se buscar a legitimao de ttulos e, a partir da, todas as terras devolutas do Imprio e as sesmarias que no se enquadravam nas condies legais passariam a ser vendidas (Rolnik, 2003, pp.16-23).

    A especulao imobiliria a principal forma de lucro aqui discutida, por ter sido ele-mento de grande interferncia na urbanizao brasileira desde o seu incio, nas Capitanias He-reditrias com a usurpao das terras, at os dias de hoje, quando a cidade de So Paulo ainda palco do domnio da terra e da renda fundiria por parte de grupos investidores e outros agentes imobilirios at mesmo na conduo de reformas da legislao, quando estes tratam de defender seus interesses junto ao governo.

    Os pases latinos so os pases que mais detm a propriedade privada da terra e os pa-ses ao norte da Europa so os que mais terras pblicas tm. Na Sucia, nas reas de expanso das cidades, o Estado permanece proprietrio de terras pblicas, que so cedidas na forma de concesso por prazo determinado e prorrogvel a empresas ou construtores que queiram ali construir ou instalar suas empresas18.

    Dentre todos os segmentos de produo, a construo foi o que mais dificuldades apresentou para deixar-se dominar pelo capitalismo, sendo um dos ltimos a ser incorporado ao processo de acumulao de capital. O processo de introduo do capitalismo na produo do espao urbano est muito ligado s caractersticas de cada cidade e de sua formao social. O autor coloca como barreiras ao capitalismo apresentadas pelo segmento da construo: o grande perodo de giro de capital com comprometimento do retorno esperado para o capital investido; relao de dependncia do espao construdo com o solo urbano, que leva o pro-prietrio de terras a ter certo controle, em forma de renda, sobre essa produo; oscilaes das condies de produo e circulao de capital mais freqentes, aumentando o risco e desestimulando o investimento nesse segmento e a falta de demanda de consumo crescente que viabilize os investimentos, a longo prazo (Jaramillo, 1982, pp.153-161).

    Jaramillo apresenta o modelo de acumulao colombiano e a urbanizao na capital Bo-got, onde facilmente se reconhece a similaridade com o processo de urbanizao da cidade de So Paulo. Este tipo de urbanizao onde imperou o regime de acumulao capitalista de-pendente de substituio de importaes, tendo como conseqncias a formao de centros urbanos com diferentes atividades e grandes reservas de mo-de-obra, que deram base in-dstria, o crescimento demogrfico acelerado por causa da gerao de emprego na indstria,

    18 Cndido Malta CaMPos Filho. Notas tomadas durante aula ministrada na disciplina AUP5721 - Atelier de projeto urbano, PG-FAUUSP, 2003.

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    Captulo I: referencial terico

    crescimento vegetativo rpido e migrao do campo para a cidade e, o empobrecimento da populao e aguda segregao scio-espacial (Jaramillo, 1982, p.162).

    A produo do espao na Colmbia, mais precisamente em Bogot, acontece crono-logicamente, tecnologicamente e com formas de circulao de capital muito semelhantes s ocorridas na cidade de So Paulo. A grande diferena entre as duas cidades que em So Paulo, ao contrrio de Bogot, houve um forte desenvolvimento do parque industrial local.

    2.1. Asformasdeproduodoespaourbano

    Segundo Jaramillo, analisando-se o tecido urbano de uma cidade, encontram-se basicamente quatro formas de produo do espao urbano, que ele classifica em produo por encomen-da, autoconstruo, produo capitalista e produo estatal capitalista desvalorizada (1982, p.202). Em cada uma dessas formas de produo imobiliria podem-se encontrar caractersti-cas de outra, pois elementos de um processo podem fazer parte do processo de produo do outro. Exemplo: a autoconstruo utiliza, por vezes, mo-de-obra contratada de conhecidos ou pequenos empreiteiros assalariados, caracterstica da produo por encomenda.

    Jaramillo classifica a forma de produo estatal como produo capitalista desvalorizada por parte de estado, que representa o fornecimento de imveis pblicos para acomodar as atividades administrativas do Estado e a proviso de moradias. Ele a classificada de produo desvalorizada por que, apesar de ser esta uma produo capitalista baseada na relao capital-trabalho assalariado e por respeitar a circulao de capital, apresenta uma peculiaridade que a distingue da produo capitalista pura: as taxas de lucro so inferiores em relao s taxas mdias normais (1982, p.203).

    Para Topalov, que destaca a produo de moradias em relao aos outros tipos de pro-duto (1979, p.139), so trs os principais sistemas de produo de habitaes:

    Osistemadaproduonomercantilizada,ondeousurioconstriparasimesmoou, no mximo contrata uma empresa de construo para fazer isso por ele; neste caso no h renda do solo;

    Osistemadavalorizaodapropriedadedosolo,ondecoexistemtrsagentes:oproprietrio do solo capitalista imobilirio-proprietrio da terra, a empresa construtora e o usurio que busca sua moradia como mercadoria; neste caso h o controle da propriedade do solo;

    O sistema da promoo imobiliria, onde tambm coexistem trs agentes: oproprietrio do solo e o capitalista imobilirio so agora distintos; a prpria produo de moradias pode ser realizada pelo promotor imobilirio que passa a ser tambm o construtor ou pode ser realizada por uma empresa que faz somente o papel de construtora; por ltimo temos o usurio comprador ou arrendatrio da moradia, papel que no muda em relao ao sistema anterior; neste caso, a renda se forma sob o controle do capital de promoo.

    Ainda para ele, so quatro atividades capitalistas ou agentes imobilirios envolvidos na produo do espao: a indstria da construo, os promotores imobilirios, os rentistas imo-bilirios e o crdito imobilirio. O nascimento do crdito imobilirio contemporneo apa-rio das primeiras formas de produo capitalista de moradias e constitui, desde sua origem, um circuito financeiro especfico, especializado, o crdito hipotecrio (1979, p.109 e 126).

    Assim como Jaramillo, Topalov tambm classifica a produo estatal da moradia como desvalorizada, pois financiada por um sistema de crdito imobilirio instalado graas ao ca-pital de emprstimo pblico desvalorizado (1979, p.158). No Brasil, esse sistema pode ser comparado ao crdito imobilirio brasileiro subsidiado pelos institutos Caderneta de Poupana e FGTS, salvaguardando-se as diferenas de taxas anuais aplicadas ao usurio final entre Brasil e pases europeus, onde estas so mais baixas19.

    19 O FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Servio foi institudo pela Lei n 5.107, de 13/09/66, regulamentada pelo Decreto n 59.820, de 20/12/66. Os recursos do FGTS so distribudos em: Habitao Popular 60%; Saneamento Bsico e Infra-Estrutura Urbana 30%; Operaes Especiais 10% (operaes de crdito entre os Agentes Financeiros e entre os Agentes Financeiros e os muturios finais).

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    Radial Leste, Brs e Mooca: diretrizes para requalificao urbana

    Baseado na teoria de Topalov, o urbanista e estudioso das formas de produo do espao, Professor Cndido Malta Campos Filho, classifica as formas de produo do espao, preferindo o termo configuraes produtivas do espao urbano, como sendo:

    Rentismo: praticado por empresas ou pessoas que posteriormente do origem ao incorporador;

    Produopblicademoradias:suaexistnciajustificadapelalimitaodainiciativaprivada na produo do espao; organizou-se na forma de IAPs, COHAB e CDHU20;

    Autoconstruopopular:naformademutirodeamigos; Encomenda dos ricos: primeiramente com valor de uso, tem como aliado, o

    prestgio21.

    2.1.1. Produo por encomenda

    a encomenda feita pelas camadas da populao de alta renda, na forma de moradias, cujo resultado ou produto tem inicialmente valor de uso at o momento que passa a ter valor de troca, quando este colocado no mercado. Compra-se o terreno, contrata-se o arquiteto e o construtor. Bons exemplos de produo do espao construdo por encomenda so as manses dos bares do caf do comeo do sculo 20, em So Paulo e as atuais residncias de classe mdia. Edifcios industriais ou para servios tambm so exemplos de produo por encomenda. Como colocado por Jaramillo, a produo por encomenda da mesma forma que a autoconstruo, tambm encerra processos de produo industrial capitalistas, na forma de materiais de construo industrializados e mo-de-obra assalariada.

    Esta forma de produo caracterizada pelo fato de que quem exerce o controle econmico direto de produo o prprio usurio final, enquanto que quem detm o controle tcnico um agente distinto o qual denominaremos construtor, quem opera base de explorar o trabalho assalariado (Jaramillo, 1982, p.177).

    Segundo Topalov, existe uma renda do solo determinada pelos usos capitalistas poten-ciais do solo: a produo direta da moradia como valor de uso, que est margem do siste-ma, mas que ter, no entanto, que pagar seu tributo ao mercado capitalista do solo urbano (1979, p.143).

    Pode-se observar que a produo por encomenda, enquanto valor de uso, tambm uma produo domstica, de padro mais alto. Segundo Topalov, a produo no mercan-tilizada descansa sobre a relao direta de uso pelo consumidor do produto-moradia com valor de uso e no como mercadoria. Essa produo no mercantilizada pode apresentar duas formas: a autoconstruo individual ou coletiva onde o futuro morador constri sobre o terreno de sua propriedade e, na segunda forma, quando h a contratao pelo proprietrio do terreno para que este construa a sua moradia (Topalov, 1979, p.137).

    2.1.2. A autoconstruo e a produo urbana marginal

    A autoconstruo ou produo domstica uma forma de produo do espao, principal-mente de moradias, dentro de uma economia de subsistncia, quando o proprietrio ou arrendatrio do lote constri sua casa, seja com as prprias mos, seja na forma de mutiro de amigos ou com pequenas contrataes de conhecidos na execuo de alguns servios especficos. A autoconstruo apresenta caractersticas capitalistas de produo, pois utiliza materiais produzidos industrialmente, utilizando mo-de-obra assalariada.

    20 IAP - Institutos de Aposentadorias e Penses; COHAB - Companhia Metropolitana de Habitao de So Paulo, sociedade annima de economia mista, foi criada sob a Lei n 6738 de 16/11/1965 e tem a Prefeitura do Municpio de So Paulo como scia-majoritria, com 99% das aes; CDHU - Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de So Paulo, foi fundada em 1949 com o nome de CECAP - Companhia Estadual de Casas Populares; passou a CODESPAULO - Companhia de Desenvolvimento Habitacional de So Paulo em 1981; em 1984 passa a ser chamada de CDH - Companhia de Desenvolvimento Habitacional de So Paulo e em 1989 recebe o seu atual nome. A nova estatal absorve o DOP - Departamento de Obras Pblicas e a CONESP - Companhia de Construes Escolares.

    21 Cndido Malta CaMPos Filho. Notas tomadas durante aula ministrada na disciplina AUP5721 - Atelier de projeto urbano, PG-FAUUSP, 2003.

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    Captulo I: referencial terico

    Nos pases desenvolvidos a autoconstruo atinge uma pequena camada da populao como camponeses, os trabalhadores da obra e a populao urbana mais pobre, principalmente os trabalhadores estrangeiros. No entanto pode acontecer com mais intensidade nos perodos de crescimento urbano acelerado e na falta de produo pblica ou privada (Topalov, 1979, p.142)

    Ainda segundo Topalov, no fim da dcada de 1970, alguns pases europeus dependentes de periferias apresentavam uma produo clandestina, nome dado produo urbana marginal, era tambm realizada por promotores imobilirios (1979, p.142).

    Colocando o Brasil no contexto apresentado por Topalov na dcada de 1970, a au-toconstruo da moradia teve e tem papel mais importante no panorama brasileiro que nos pases de primeiro mundo, em virtude da periferizao da cidade, a partir da dcada de 1960, quando o trabalhador de baixa renda, em virtude do encarecimento dos aluguis nas reas centrais e da omisso do Estado na proviso de moradia busca lotes mais baratos ainda que mais distantes, para construir sua moradia com as prprias mos.

    Sol-Morales diferencia a produo urbana marginal da suburbanizao:

    A urbanizao ou produo urbana marginal uma forma de crescimento urbano baseado no parcelamento ou fracionamento do solo e a venda de lotes de solo natural fora das exigncias legais, onde o comprador constri com o tempo, a sua moradia. O tipo de edificao resultante autoconstruda, econmica e adaptvel medida que a capacidade econmica de seus usurios cresce. A produo marginal diferente do crescimento suburbano, porque este ltimo est baseado na conexo direta com a infra-estrutura e a partir dela que nasce esse tipo de urbanizao. As favelas so resultantes desse tipo de crescimento, onde o elemento fundamental a prpria construo dos barracos, sem que exista praticamente nenhum plano prvio de urbanizao ou parcelamento do solo. As causas da produo marginal so: a importncia desses bairros na formao de mais-valia na cidade e o prprio processo de autoconstruo das casas e sua melhora progressiva que, apesar da ilegalidade, permite ajuste entre os recursos disponveis e o espao residencial (Sol-Morales, 1997, p.166 e 169).

    Pode-se, portanto, classificar o processo da autoconstruo no Brasil como uma forma de produo urbana marginal onde, alm da privao da qualidade ambiental e do fcil acesso a servios oferecidos pela cidade, este processo se apropria de elemento muito importante na vida do operrio e sua famlia: as suas horas de lazer ou descanso.

    2.1.3. Produo capitalista do espao urbano

    A produo imobiliria capitalista surge a partir do rentismo, quando este deixa de ser lucrativo aos investidores, dando origem aos incorporadores e promotores imobilirios. As empresas de incorporao inserem-se dentro do capitalismo competitivo, pois a competitividade entre empresas pode resultar em produtos mais baratos e de melhor qualidade. O capitalismo com-petitivo surge na Inglaterra entre o final do sculo 18 e incio do sculo 1922.

    A primeira condio da produo imobiliria capitalista a transformao da moradia em mercadoria. A promoo imobiliria o sistema capitalista mais desenvolvido, com duas condies estruturais essenciais: por um lado a transformao da moradia em mercadoria e por outro a transformao do solo em mercadoria. A promoo imobiliria pressupe a destruio ou marginalizao de sistemas anteriores de produo, porque se destruram as relaes sociais fundamentais que caracterizavam cada um deles (Topalov, 1979, p.137).

    Segundo Ball, que analisa a proviso de moradias na Inglaterra na Idade Mdia, no feudalismo os edifcios no eram mercadoria e tinham apenas valor de uso para quem os encomendava, o que no implicava na existncia de produo capitalista de moradia, para o qual seria necessrio o consumo em grande escala, o que veio com a separao entre mora-

    22 Idem.

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    Radial Leste, Brs e Mooca: diretrizes para requalificao urbana

    dia e local de trabalho (os trabalhadores urbanos inicialmente moravam nas oficinas em que trabalhavam). Os primeiros consumidores de moradias produzidas na forma capitalista foram os pobres urbanos, em funo do desemprego ou trabalhos temporrios e os nobres ricos e posteriormente, os prprios capitalistas23 (Ball, 1991, p.14).

    A produo capitalista de moradias ou produo para o mercado, para venda e rentis-mo, no Brasil, comea com a construo de moradias formais e cortios para acomodar os imigrantes, principalmente italianos, trazidos para trabalhar nas lavouras de caf e que poste-riormente se voltaram ao trabalho nas fbricas que surgiam no incio do sculo 20. Quando Jaramillo cita a superposio entre as formas de produo, ou seja, a produo por encomen-da dependente da produo capitalista de materiais, que tambm abastece a autoconstruo e que por sua vez emprega mo-de-obra de forma capitalista, pode-se considerar que a construo de cortios, apesar de ser um tipo de construo ou habitao precria, se trata de forma capitalista de proviso de moradia para o mercado de baixa renda ou para a classe trabalhadora.

    A cidade de So Paulo, por ser o principal centro industrial brasileiro no processo de industrializao, teve grande parte de sua rea urbanizada pela construo de inmeras vilas operrias formadas por casas de dois pavimentos agrupadas, em bairros como Lapa, Brs e Mooca, dentre outros. Muitos industriais vislumbraram na construo dessas moradias, di-versificao para seus investimentos, construindo-as ao lado ou prximas a suas indstrias e alugando-as aos prprios operrios.

    2.1.4. Produo do espao urbano pelo Estado

    A produo estatal ou produo pblica deve entrar em ao quando a iniciativa privada no d conta de suprir moradias a preos compatveis com os rendimentos da populao assala-riada e para produzir edifcios governamentais ou equipamentos urbanos pblicos.

    Pas de industrializao tardia, a Holanda tem seus bancos reconhecidos como insti-tuies bancrias a partir do incio do sculo 20. Em virtude das condies de vida difceis nas grandes cidades, o governo desse pas agiu como financiador e estimulador da produo privada de moradias e cria a Lei Woningwet, em 1901. Esta lei fixa o valor dos aluguis no em relao ao valor do investimento, mas em relao ao valor social da habitao. O Estado produz por vias indiretas, atravs de sociedades sem fins lucrativos criadas por industriais que constroem habitaes operrias anexas a suas fbricas. Durante 30 a 40 anos, essa lei foi um paradigma na Europa, pois teve conseqncias extremamente benficas, como o planejamen-to de longo prazo do territrio da cidade e a criao de planos diretores24.

    A partir da dcada de 20, os investidores privados se desinteressaram da construo de cidades no Brasil, seja na infra-estrutura urbana, seja em vilas operrias, em virtude da fome de capitais na industrializao em ascenso. Pouco a pouco o Estado passou a assumir parcelas dos investimentos urbanos, criando condies gerais exigidas pela industrializao, principal-mente o transporte ferrovirio, essencial para os trabalhadores pobres e o transporte urbano por nibus (dcada de 40). Essa crescente estatizao dos meios coletivos de produo e consumo foi provocada pelo interesse do capital em aumentar seus lucros e manter os sal-rios dos trabalhadores achatados, o que deixava os trabalhadores sem condies de comprar servios urbanos produzidos pela iniciativa privada, o que exigia o subsdio estatal (Campos Fillho, 1989, p.32)

    Durante a industrializao da cidade de So Paulo no houve por parte do Estado ne-nhum movimento em direo proviso de moradias para operrios ou seu subsdio. At o incio da dcada de 1930, a luta dos operrios, principalmente, era por salrio, ou seja, no havia uma discusso clara sobre a questo de habitao e sua vinculao com o Estado (Maria F. S. Farah, 1983 in Gawryszewski, 1996, p.130).

    23 Publicado originalmente na revista IJUR Internacional Journal of Urban and Reserch, n 5, 1991 in Revista Espao e Debates, 1992, n 36, p.11.

    24 Paulo BruNa. Anotaes durante aula da disciplina AUH5819 - Histria Social da Arquitetura e do Urbanismo Modernos, PG-FAUUSP, 2004.

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    Captulo I: referencial terico

    Os IAPs foram criados na dcada de 1930 para controlar as aes do Estado voltadas a setores mais organizados de funcionrios pblicos como bancrios, martimos e outros. Em funo da presso por moradias subsidiadas, o prprio Estado cria ento o IAPI Instituto de Aposentadorias e Penses dos Industririos, em 1936. At o final dos anos 50 e meados dos 60, eram os antigos IAPs (IAPC, IAPB, IAPI, IAPTEC, IAPM, Ipase) que movimentavam fabulosas somas na produo de moradias para funcionrios pblicos. (Maria F. S. Farah, 1983, in Gawryszewski, 1996, p.129).

    Foi atravs da criao do BNH Banco Nacional da Habitao, e do SFH Sistema Financeiro da Habitao, que financiavam a aquisio de imveis residenciais com capital pri-vado, que o Estado, em 1964, passa a produzir conjuntos residenciais para funcionrios pbli-cos. A produo estatal de moradias foi se organizando ao longo do tempo atravs dos IAPs, COHAB, CDHU e outros programas de atendimento s classes menos privilegiadas.

    Jaramillo adverte que as formas de produo do espao apresentadas podem ocorrer um pouco modificadas quando se passa do plano da abstrao para o plano concreto, ou seja, as formas de produo do espao raras vezes se apresentam em seu estado puro. O autor faz uma sntese dessas formas de produo do espao e a inter-relao de seus elementos conforme o quadro a seguir.

    Breve histrico do planejamento urbano em So Paulo3.

    No final do sculo 19, o urbanismo tcnico-setorial teve viso tcnica de necessidades como saneamento, transporte e habitao e trouxe no bojo uma viso de conjunto, priorizando as obras necessrias aos sistemas de abastecimento de gua e virios, e produziram os primeiros cdigos sanitrios. Em seguida, tem lugar o urbanismo das intervenes pontuais que embe-lezava a cidade para a burguesia cafeeira, seguindo o modelo francs para o urbanismo e o modelo italiano para a arquitetura. No comeo do sculo 20 surge o urbanismo sistmico, com seu plano de avenidas e obras para grandes sistemas de distribuio de gua e transportes. Ainda na primeira metade do sculo 20, o urbanismo crescentemente politizado do modelo Padre Lebret produz os primeiros planos diretores. Tambm tem lugar o movimento socia-lizante das cidades-jardim, que preconizava o equilbrio entre natureza e espao construdo, exemplificados pelos bairros-jardim da cidade de So Paulo. O urbanismo modernista prope os sistemas de transporte elevados do cho e grandes espaos entre blocos. Braslia um exemplo disso26.

    25 Criado em 1964, o BNH era um banco de segunda linha, ou seja, no operava diretamente com o pblico. Sua funo era realizar operaes de crdito e gerir o Fundo de Garantia do Tempo de Servio, por intermdio de bancos privados ou pblicos e de agentes promotores, como as companhias habitacionais e as companhias de gua e esgoto. O BNH foi a principal instituio federal de desenvolvimento urbano da histria brasileira, na qualidade de gestor do FGTS e da formulao e implementao do Sistema Financeiro da Habitao (SFH) e do Sistema Financeiro do Saneamento (SFS). Foi extinto, por decreto presidencial, em 1986. Marta T. S. arretChe. www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/economia/saneam/planasa/bnh/).

    26 Cndido Malta CaMPos Filho. Notas tomadas nas aulas da disciplina AUP 5721 - Atelier de Projeto Urbano, PG-FAUUSP, 2003.

    Quadro 1 - Formas de produo do espao construdoFonte:Jaramillo,1982,p.211

    Formas de produo Autoconstruo

    Produo por encomenda

    Promoo capitalista

    Produo estatal capitalista desvalorizada

    Controle tcnico da produo

    Usurio finalTrabalhador assalariado

    Trabalhador assalariado Trabalhador assalariado

    Controle tcnico da produo

    Usurio final Prestador de serviosCapital ou seu agente

    subordinadoCapital estatal desvalorizado

    ou capital privado

    Valor da produo

    Autoproviso de um valor de uso

    Valorizao de fora de trabalho

    Autoproviso de um valor de uso

    Acumulao de capital

    Produo da fora trabalho-acumulao

    Acumulao de capital construtor Reproduo geral de relao social

    Controle econmico

    indireto

    Mercado do solo Mercado de trabalho

    Mercado de solo Loteador de terrenos

    Planejadores

    Mecanismos financeiros Planejamento

    Mercado de solo Loteadores de terrenos

    Mercado de terras Aparato poltico

    Formas de circulao Autoproviso Autoproviso Mercado livre Atribuio mercantil

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    Radial Leste, Brs e Mooca: diretrizes para requalificao urbana

    Em 1970, Langenbuch afirma que a administrao pblica tem rduas tarefas: melhorar o que existe, corrigindo os erros ocasionados pela falta de planejamento, e planejar para o fu-turo, evitando erros. Segundo o autor, o administrador deve conhecer muito bem a realidade presente e estar a par das tcnicas necessrias para atingir seus objetivos.

    Para Campos Filho, no simples o planejamento urbano e para os que o encaram assim, seriam necessrias para ordenar as cidades e resolver seus problemas apenas raciona-lidade e honestidade, numa abordagem tcnico-cientfica. Ainda segundo o autor, preciso tambm reforar os centros de pesquisa e os rgos tcnico-governamentais de deciso e implementao das polticas orientadoras de solues dos problemas das cidades e excluir os desonestos do processo decisrio (Campos Filho, 1989, p.5).

    A partir dos anos 1980, o chamado planejamento estratgico passou a figurar de maneira proeminente entre as polticas urbanas adotadas por municipalidades europias, tor-nando-se muitas vezes nada mais que o sinnimo de uma postura competitiva e empresarial preocupada com a atrao de investimentos, eventos e turismo, com a imagem urbana e a reinsero otimizada de cada cidade no panorama europeu e mundial (Somekh e Campos, Anpur, 2005).

    Em So Paulo, a implantao da Linha Leste do Metr foi o resultado do conjunto de diretrizes criado a partir das polticas de aspectos global dentro do planejamento desenvolvido pela Prefeitura do Municpio de So Paulo e que foram reunidas em publicaes. A srie Pol-ticas Setoriais apresenta elementos das polticas Institucionais, de Habitao e de Desenvolvi-mento da rea Central. A poltica de Controle e Uso do Solo da gesto de Olavo Egdio Se-tbal27 tinha como objetivo, alm da aplicao de forma coerente da Lei de Zoneamento do Municpio de So Paulo, aprovada em 1972 e finalmente consolidada em 1978, direcionar o desenvolvimento urbano para reas consideradas mais adequadas a receber maior contingen-te populacional e de atividades urbanas. Uma das reas consideradas foi a Zona Leste e sua valorizao, evitando o crescimento no vetor sul, fortemente acelerado a partir da implanta-o da rea industrial de Santo Amaro e seus acessos pela ferrovia FEPASA e pela Marginal do Rio Pinheiros. Para isso foram adotadas medidas de zoneamento para atingir esse objetivo e ao mesmo tempo decidiu-se pelo prolongamento de vias em direo ao leste da cidade como Avenida Alcntara Machado e Marginal do Rio Tiet, alm de outras vias (COGEP/PMSP, 1979, p.7). O projeto de prolongamento da Radial Leste foi desenvolvido pelo CODEVIN28 por um grupo de trabalho constitudo por todos os rgos municipais envolvidos, at mesmo rgos estaduais (Campos Filho, 1979, p.7).

    Alm desse projeto, outro investimento pblico para desenvolvimento da Zona Leste foi decidido, o Metr, de maior poder gerador do redirecionamento desejado, cuja influn-cia decisiva sobre os nveis de acessibilidade regio Leste. A poltica de uso e ocupao do solo praticada pela COGEP considerava o adensamento mximo do entorno da linha do metr em funo da conjugao desse sistema de transporte de massa Radial Leste e Mar-ginal do Rio Tiet, com atrao de trfego atravs de linhas de transporte pblico coletivo e transporte individual (Campos Filho, 1979, p.7).

    Apesar do forte adensamento desejado pelo governo do municpio, na prtica o Brs, que tem em seu territrio duas estaes da Linha Leste do Metr, teve um forte declnio de sua populao urbana residente, registrado entre os Censos Demogrficos de 1980 e 2000, realizados pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Tambm a pouca vertica-lizao atual de suas edificaes e o grande parque comercial instalado na quase totalidade de suas quadras de uso misto, vem confirmar que at o incio do sculo 21 essa localidade segue perdendo populao, fato que teve incio j na dcada de 195029.

    27 Olavo Egdio Setbal foi prefeito nomeado do Municpio de So Paulo no perodo de agosto de 1975 a julho de 1979.

    28 CODEVIN - Conselho de Desenvolvimento Urbano, um dos trs Conselhos Inter-secretarias criados na COGEP pelo Secretrio-Coordenador do Planejamento, Prof. Dr. Cndido Malta Campos Filho, na gesto municipal entre 1975 e 1979.

    29 O distrito do Brs passa de 67.950 habitantes em 1950 para 63.971 habitantes em 1960 e registra-se um decrscimo na populao do Brs em relao ao recenseamento anterior; em 1970, registra-se um novo processo de perda de populao, passando para 51.251habitantes; em 1980, o distrito registra uma populao de 44.886 habitantes; em 1991 a populao do Brs volta a diminuir para 33.536 e em 2000, a populao do Brs de 25.158 habitantes. Fonte: IBGE Censos Demogrficos de 1950, 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000.

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    Captulo I: referencial terico

    Metodologia para anlise do Tecido Urbano4.

    O urbanista Cndido Malta Campos Filho coloca o ambiente de moradia como a ncora do cidado no espao urbano e o considera ponto de partida para a anlise das questes urba-nas, com foco na tica do cidado comum. Considera tambm que a ausncia de quintais ou reas privativas para lazer deve ser compensada com o uso do espao coletivo das ruas ou praas. Segundo ele, devem-se conhecer os tipos de estruturao de bairros e como estes esto servidos de comrcio, servios e de equipamentos pblicos para educao, sade, lazer e cultura (2003, p.15).

    A metodologia de Campos Filho para a anlise do tecido urbano de uma regio abor-da a organizao da cidade sob o ponto de vista da relao entre a moradia e seu entorno imediato. O autor divide o uso comercial e servios em 3 nveis, usando como parmetro a freqncia de demanda (Campos Filho, 2003, p.17):

    Comrcioeserviosdeusolocal(freqnciadiriaousemanal); Comrcioeserviosdiversificados(freqnciamensalousemestral); Comrcioeserviosdeapoioaoutrasatividadesurbanas,sofisticadosemuitssimo

    diversificados (freqncia espordica, semestral, anual ou maior).Com essa classificao e abordagem, o autor considera que a qualidade de vida para o

    morador tambm est baseada nas distncias a percorrer para consumir produtos e servios, maiores ou menores, em funo da freqncia da necessidade.

    ...para o morador interessa que, quanto maior for a freqncia da demanda, mais fcil deve ser o acesso a esse comrcio ou servio. Isto , o local deve estar o mais perto possvel de sua casa; o diversificado pode estar um pouco mais longe, e o sofisticado mais longe ainda. No que tenha que ficar mais longe; t-los por perto significa, como veremos, aceitar viver em bairros centrais com certos inconvenientes e qualidades prprias (Campos Filho, 2003, p.18).

    Ainda segundo o autor, pode-se raciocinar da mesma maneira em relao a equipamentos de educao e sade de uso mais ou menos freqente, onde a distncia mxima a se per-correr a p com conforto de 800 metros (Campos Filho, 2003, pp.18-20). A figura 2 mostra o esquema de quadras de ruas locais, desenhado por Campos Filho.

    Como diretriz para o desenho ou reformulao de bairros, Cam-pos Filho introduz o conceito de Unidade Ambiental de Moradia, uni-dade territorial onde a recomposio das energias gastas no trabalho feita pela tranqilidade oferecida pelo local onde se mora, ilhas de tranqilidade com ruas internas de trfego apenas local, com pouco ou nenhum trfego de passagem, com seu aumento controlado com o espao de morar espraiado para o espao de uso coletivo da rua, da praa (...) e dos