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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Natal, RN – 2 a 6 de setembro de 2008 1 Ecologia da Mídia: uma perspectiva para a comunicação 1 Adriana BRAGA 2 Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ Resumo Este artigo busca explorar algumas questões teóricas pertinentes ao estudo de fenômenos comunicacionais, a partir da perspectiva da chamada “Ecologia da Mídia,” campo teórico bastante fértil e pouco explorado no universo acadêmico brasileiro. Esta perspectiva, relacionada com a teoria materialista da comunicação e caudatária dos aportes da Escola de Toronto (McLuhan, Innis, Postman), estuda os meios de comunicação como ambientes da ação humana, uma perspectiva que inclui as dimensões materiais, históricas, econômicas e interacionais dos processos comunicacionais, apresentando-se como um aporte teórico promissor para o estudo de fenômenos do campo da comunicação. Palavras-chave comunicação; materialismo; ecologia da mídia. Neste artigo, busco refletir sobre a perspectiva ecológica da mídia, a partir da discussão acerca de algumas raízes filosóficas que presidem ao surgimento do campo teórico-metodológico deste ângulo de investigação. Ponto chave nesta abordagem é a noção de processo midiático a partir de sua materialidade, posição que se relaciona com premissas da vertente filosófica denominada materialismo. 1 Trabalho apresentado no NP Teorias da Comunicação, do VIII Nupecom – Encontro dos Núcleos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Professora do Departamento de Comunicação Social da PUC/RJ. Email: [email protected]

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ecologia da mídia

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  • Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao XXXI Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Natal, RN 2 a 6 de setembro de 2008

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    Ecologia da Mdia: uma perspectiva para a comunicao1

    Adriana BRAGA2 Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, RJ

    Resumo

    Este artigo busca explorar algumas questes tericas pertinentes ao estudo de fenmenos comunicacionais, a partir da perspectiva da chamada Ecologia da Mdia, campo terico bastante frtil e pouco explorado no universo acadmico brasileiro. Esta perspectiva, relacionada com a teoria materialista da comunicao e caudatria dos aportes da Escola de Toronto (McLuhan, Innis, Postman), estuda os meios de comunicao como ambientes da ao humana, uma perspectiva que inclui as dimenses materiais, histricas, econmicas e interacionais dos processos comunicacionais, apresentando-se como um aporte terico promissor para o estudo de fenmenos do campo da comunicao.

    Palavras-chave

    comunicao; materialismo; ecologia da mdia.

    Neste artigo, busco refletir sobre a perspectiva ecolgica da mdia, a partir

    da discusso acerca de algumas razes filosficas que presidem ao surgimento do campo terico-metodolgico deste ngulo de investigao. Ponto chave nesta abordagem a noo de processo miditico a partir de sua materialidade, posio que se relaciona com premissas da vertente filosfica denominada materialismo.

    1 Trabalho apresentado no NP Teorias da Comunicao, do VIII Nupecom Encontro dos Ncleos de Pesquisas em

    Comunicao, evento componente do XXXI Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao. 2 Professora do Departamento de Comunicao Social da PUC/RJ. Email: [email protected]

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    Comunicao no concreto

    O termo materialismo foi empregado pela primeira vez em 1674, na obra The Excellence and Grounds of the Mechanical Philosophy, de Richard Boyle, e que designa, de modo geral, toda doutrina que atribua causalidade matria (ABBAGNANO, 1998, p. 649). Existem diversas perspectivas denominadas materialistas, com relativamente pouco em comum, como os materialismos

    cosmolgico (uma filosofia da natureza, prxima do atomismo), metodolgico (uma epistemologia do conhecimento), prtico (uma filosofia moral, prxima do hedonismo) e psicofsico (uma fisiologia do conhecimento), alm das vertentes autnomas e relacionadas do materialismo histrico (mtodo historiogrfico marxista por excelncia) e materialismo dialtico (filosofia oficial do comunismo).

    Dentre estas diferentes vertentes, elementos para uma teoria das materialidades da comunicao podem ser encontrados embora pouco desenvolvidos

    no materialismo psicofsico. Nesta concepo, os fenmenos psquicos so causados estritamente por fenmenos fisiolgicos: o esprito humano e seus produtos seriam epifenmeno da base neural-fisiolgica.3 Atribuindo menos nfase ao aspecto orgnico-fisiolgico desta concepo, encontraremos uma espcie de determinismo da matria, isto , um reconhecimento das condicionantes de ordem material (naquele caso, dos limites sensoriais) nas aes do esprito delas resultantes.

    O ato comunicacional est necessariamente assente em um suporte material que formata/configura a mensagem e a prpria atividade comunicativa. As atividades

    comunicativas so caracterizadas principalmente por sua natureza prtica, condies de produo que envolvem as possibilidades de participao promovidas pelo suporte tcnico, o uso do corpo, a insero da atividade dentro de um espao fsico, ou seja, circunstncias materiais de apropriao dos meios.

    Neste sentido, importante destacar o desafiador aporte terico de Hans Ulrich Gumbrecht, denominado materialidade da comunicao. Gumbrecht (2004) coloca-se em oposio tradio hermenutica da filosofia ocidental. De acordo com

    3 Esta perspectiva sustenta vrios ramos da cincia mdica at hoje, como a neuro-cincia, por exemplo, em pesquisas

    sobre a atividade mental como resultante da ao de neuro-transmissores.

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    essa vertente, a interpretao, isto , a identificao e/ou atribuio de sentido a prtica exclusiva das Humanidades e das Artes. Partindo da convergncia entre materialidade e materialismo, a perspectiva de Gumbrecht se relaciona com o materialismo histrico, embora no se filie a este. Sustentando a necessidade de ter em

    considerao, no estudo dos fenmenos comunicacionais, a base material que possibilita a veiculao do sentido, Gumbrecht define seu tpico de estudo nos seguintes termos:

    Materialidades da comunicao so todos aqueles fenmenos e condies que contribuem para a produo de sentido, que no sejam os prprios sentidos.4 (GUMBRECHT, 2004, p. 8)

    Para ele, a dominao absoluta da interpretao e identificao do sentido, denominada por ele como o paradigma metafsico, tidas como atividade acadmica por excelncia, deve-se a dois sculos de institucionalizao da hermenutica. Ou seja, desde que o cogito cartesiano tornou a ontologia da existncia humana dependente exclusivamente dos movimentos da mente humana, deixando de lado, ou mesmo

    esquecendo, os efeitos da tangibilidade emergente das materialidades da comunicao.

    O paradigma de Gumbrecht, ento, assenta na questo de como (e se) a mdia e as materialidades da comunicao podem ter um efeito nos sentidos que elas veiculam. Embora Gumbrecht no cite McLuhan entre os autores de sua afinidade,5

    pode-se perceber uma linha de continuidade entre a teoria das materialidades da comunicao e a reflexo decorrente do aforismo o meio a mensagem, que marca uma posio similar: existe uma ideologia na prpria tecnologia que permite a veiculao do contedo, que o condiciona e formata. Nesta perspectiva, a separao to facilmente aceita entre materialidade e sentido, ou entre uma tecnologia e os contedos por ela veiculados, deixa de ser bvia. Para ele, todas as culturas e objetos culturais podem ser analisados como configuraes de ambos, de efeitos de sentido (meaning effects) e efeitos de presena (presence effects), demandando uma combinao bem mais complexa entre as duas, salientando que uma maior ateno nos componentes da

    presena material poderia enriquecer o trabalho analtico no contexto das Humanidades.

    4 Traduo pessoal. No original: Materialities of communication are all those phenomena and conditions that

    contribute to the production of meaning, without being meaning themselves. 5 Um precursor de Gumbrecht reconhecido pelo prprio autor Walter Benjamin (1985), cujo famoso ensaio

    sobre a obra de arte na era da reprodutibilidade tcnica suscita a questo da aura como caracterstica imanente ao objeto artstico original, provocando efeitos fsicos sensveis materiais no espectador. Para Benjamin, desenvolvimentos tecnolgicos produzem uma reestruturao da percepo e da interao humana, antecipando em algumas dcadas a posio de Ong, Innis e McLuhan, alm, do prprio Gumbrecht.

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    A mensagem ideolgica e os efeitos da presena dos meios de comunicao nos contextos scio-culturais tm sido objeto de reflexo de tericos de diferentes escolas, como visto acima, mesmo que no estejam explicitamente associados vertente das escolas mencionadas. O tpico de estudo denominado Human-Computer Interaction

    (HCI), por exemplo, apresenta aportes tericos de vrias disciplinas, como psicologia, sociologia, ergonomia, educao, cincia da computao, engenharia de software e inteligncia artificial, ao lidar com fatores humanos associados com as interfaces dos computadores, a considerar aspectos tais como nveis de conhecimento, ambiente de trabalho, produtividade e satisfao.

    Outra perspectiva terica, mais convergente com o materialismo histrico, pode ser identificada no argumento de Harold Innis, em The Bias of Communication, de 1951. Innis, um dos principais tericos dos estudos da comunicao moderna, precursor da chamada Escola de Toronto, discute neste livro as mudanas sociais decorrentes da introduo de uma nova tecnologia em uma cultura, referindo-se ao poder acumulado

    por aqueles/as que detm o saber especializado para controlar seu funcionamento. O poder se desloca de mos na medida em que o grupo que dominava um conhecimento

    tradicional deposto pelo grupo que tem acesso ao saber especializado disponibilizado pela nova tecnologia. Assim, monoplios do conhecimento so erguidos e derrubados, distribuindo de modo desigual os inevitveis nus e bnus da implementao de determinado recurso tecnolgico (INNIS, 1995 [1951]).6

    Proveniente da mesma escola, Marshall McLuhan, na dcada de 1960, sintetiza o impacto da estrutura tecnolgica sobre seu uso no conhecido aforismo o meio a mensagem. As idias e escritos do canadense, considerados irrelevantes e at mesmo ingnuos quando da sua morte em 1980, parecem ganhar novo flego diante dos usos e possibilidades em informao e comunicao abertas pelo suporte tcnico da Internet. As noes aldeia global e o meio a mensagem (MCLUHAN, 1994 [1964]) que tenta sobrepor o impacto social, psicolgico e sensrio provocado pela introduo de um meio de comunicao em detrimento de seu prprio contedo parecem apropriadas, esclarecedoras e premonitrias dos arranjos scio-tecnolgicos que se apresentam.

    6 Essa posio representa um importante aporte terico contemporneo na Economia Poltica da Comunicao.

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    O fato que as mudanas tecnolgicas em si no validam a re-introduo deste aporte terico como instrumento para exame dos novos ambientes de mdia. No obstante o esforo do ncleo de pesquisadores/as de Toronto em explorar correlaes entre tais conceitos e as mdias atuais, vrios/as autores/as encontram limitaes graves

    nesta transposio terica. Uma srie de argumentos demonstra a deficincia da avaliao determinista e monoltica de McLuhan em combinar averiguaes

    tecnolgicas com polticas, apontada j nos anos 1970 e reafirmada para os arranjos sociais mais recentes.

    No que respeita s limitaes histricas das idias de McLuhan, Chistopher Horrocks (2001) taxativo ao sustentar que os esforos em relacionar tais teorias com a era atual das comunicaes so minados pelos problemas estruturais do trabalho original.

    sua falta de engajamento com a economia poltica dos meios de massa e sua recusa em considerar o contedo da mdia de qualquer outra forma que no seja a irrelevncia. No h lugar em sua tese para a anlise do papel de resistncia mensagem do meio, e um cnico poderia argumentar que h apenas uma tnue possibilidade de que o mchuhanismo possa sobreviver sem passar por uma radical reorientao para fatores polticos e scio-econmicos. Uma crtica geral sobre o trabalho de McLuhan teria que considerar temas relativos ao capital global multi-corporativo, acesso a novas tecnologias, vigilncia e censura e monopolizao de software.7 (HORROCKS, 2001, p. 62)

    A perspectiva ecolgica

    As idias e conceitos do terico Marshall McLuhan tm sido revigorados e desenvolvidos por estudiosos/as da cibercultura pelo natural interesse despertado a

    partir do tema da aldeia global e sua confluncia com o atual momento tecnolgico. Em contrapartida, tm provocado uma reao negativa na forma de crticas severas

    entre aqueles/aquelas que se preocupam com as polticas que movimentam os altos dgitos da indstria da comunicao, que parecem acreditar que nada do que McLuhan disse poderia adequadamente articular a relao entre mdia, poder e comrcio.

    7 Traduo pessoal. No original: This is its lack of engagement with the political economy of mass media, and its

    refusal to consider the content of media in any way of other than as an irrelevance. There is no room in his thesis for analysis of the role of resistance to the message of the medium, and a cyinic might argue that there is only a slim possibility that McLuhanism can survive without undergoing what amounts to a radical reorientation to socio-economic and political factors. A through critique of McLuhans work would have to broach issues of multi-corporate global capital, acess to new technologies, surveillance and censorship, monopolisation of software.

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    Entretanto, apesar da consistente reao sustentada por essa vertente crtica, que argumenta contra a idia da comunicao sem fronteiras ou sem limites propalada por McLuhan que desconsidera os limites polticos e econmicos dessa comunicao ideal o mais famoso aforismo do autor canadense, o meio a mensagem, parece

    poder ser lido de modo convergente com a preocupao desses mesmos pesquisadores/as seus opositores.

    Para alm de uma discusso baseada nos contedos veiculados e prticas surgidas, em que parecem estar focadas as duas posies mencionadas, uma reflexo

    sobre a ideologia embutida na tecnologia do computador proposta na leitura de Neil Postman, que apresenta os dois lados da tecnologia, em seu bem e seu mal, numa viso muito particular, publicada em um livro que parece ter tido pouca repercusso no Brasil.

    Em tempos de grande entusiasmo no meio acadmico, motivado pelas

    possibilidades comunicacionais abertas pela tecnologia do computador no campo das mdias, o pesquisador norte-americano Neil Postman lanou, no incio dos anos 1990, o livro Tecnoplio. O autor visava a atentar para o efeito bilateral de qualquer inovao tecnolgica, que tanto fardo quanto graa, que faz e desfaz, que d e toma. Nessa

    perspectiva, no seria possvel uma tecnologia neutra, na medida em que os usos que fazem dela so condicionados, em grande parte, pela prpria estrutura da tecnologia,

    que introduz ideologia prpria, muda significados de palavras com razes profundas.

    O telgrafo e o jornal dirio mudaram o que antes chamvamos de informao. A televiso muda o que antes chamvamos de debate poltico, notcia e opinio pblica. O computador muda a informao mais uma vez. A escrita mudou o que antes chamvamos de verdade e lei; a imprensa mudou-as mais uma vez e agora a televiso e o computador tornam a mud-las. (...) a tecnologia se apodera imperiosamente de nossa terminologia mais importante. Ela redefine liberdade, verdade, inteligncia, fato, sabedoria, memria, histria todas as palavras com que vivemos. E ela no pra para nos contar. E ns no paramos para perguntar (POSTMAN, 1994, p. 18).

    Alm da alterao terminolgica, ocorrem alteraes no domnio do poder.

    Grupos de elite surgem por terem competncia no uso da tecnologia, criando paralelamente outro grupo dos incompetentes, que garantem autoridade e prestgio ao primeiro grupo. Promovidos a sbios, no inspiram a questo:

    a quem a tecnologia dar maior poder e liberdade? E o poder e a liberdade de quem sero reduzidos por ela?... As novas tecnologias mudam aquilo que entendemos como conhecimento e verdade; elas alteram hbitos de

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    pensamento profundamente enraizados, que do a uma cultura seu senso de como o mundo um senso do que a ordem natural das coisas, do que sensato, do que necessrio, do que inevitvel, do que real. (POSTMAN, 1994, p. 21-22)

    Toda ferramenta tecnolgica carrega consigo um vis ideolgico que

    predispe uma construo de idia de mundo especfica, a valorizao de certas coisas mais que outras, ainda que, dentro dessa nova ordem, outras clivagens se faam. Postman, a partir de uma surpreendente aproximao entre McLuhan, Marx e Wittgenstein, define como sendo este o sentido dado por esses autores com o aforismo

    do primeiro de que o meio a mensagem, a afirmao do segundo de que a tecnologia revela o modo como o homem lida com a natureza, criando condies de intercurso

    para as relaes interpessoais ou a afirmao do terceiro de que a linguagem, nossa tecnologia mais fundamental, no apenas o veculo do pensamento, mas tambm o motorista.

    O/a prprio/a inventor/a de uma tecnologia no tem elementos para prever

    os usos e alteraes sociais conseqentes de sua criao. Uma nova tecnologia compete com as existentes no s por tempo, ateno, dinheiro, prestgio, mas principalmente pela predominncia de sua viso de mundo, fomentando alteraes sociais, institucionais e intelectuais relevantes, que por sua vez, so redirecionadas pela

    sociedade. Sendo assim, analistas da vertente ecolgica da mdia esto menos interessados/as na eficincia do computador como ferramenta de ensino ou

    comunicao, do que na alterao que promovem no significado das coisas na medida em que as novas tecnologias alteram a estrutura de nossos interesses: as coisas sobre as quais pensamos. Alteram o carter de nossos smbolos: as coisas com que pensamos. E alteram a natureza da comunidade: a arena na qual os pensamentos se desenvolvem,

    fenmeno nomeado por Postman (1994, p. 29) como tecnoplio.

    de Neil Postman a autoria do termo ecologia da mdia, definido por ele em 1970 como o estudo das mdias como ambientes. No trecho abaixo, disponvel no site da Media Ecology Association, Postman define sinteticamente a problemtica concernente a esta perspectiva:

    A ecologia da mdia investiga a questo de como os meios de comunicao afetam a percepo, a compreenso, os sentimentos e valores humanos (...). A palavra ecologia implica no estudo de ambientes: sua estrutura, contedo e impacto sobre as pessoas. Um ambiente , afinal de contas, um sistema de

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    mensagens complexo que impe aos seres humanos certas maneiras de pensar, sentir e se comportar.

    ele estrutura o que podemos ver e dizer e, portanto, fazer; ele nos atribui papis e insiste em que os desempenhemos; ele especifica o que nos permitido fazer e o que no . s vezes, como no caso de um tribunal, ou sala de aula, ou escritrio, as especificaes so explcitas e formais.

    No caso dos ambientes de mdia (p. ex. livros, rdio, filmes, televiso etc.), as especificaes so mais freqentemente implcitas e informais, semi-ocultas por nossa premissa de que o que estamos lidando no um ambiente, mas apenas uma mquina. A ecologia da mdia busca tornar estas especificaes explcitas.8

    Nesse mesmo sentido, Robert Logan (2005), de modo a entender como o uso da informtica e da Internet tem impacto na cultura contempornea, examina os meios de comunicao prvios, como a fala, a escrita, a matemtica e a cincia, que

    juntamente com a informtica e a Internet, formam uma corrente evolutiva de seis linguagens, segundo o autor. A partir da perspectiva tecnolgica, Logan desenvolve um modelo para explicar a origem da linguagem falada e sua emergncia da comunicao mimtica, bem como a origem da cincia abstrata e da lgica dedutiva no Ocidente como efeito do alfabeto fontico.

    Anlise, codificao, decodificao e classificao so as habilidades cognitivas bsicas envolvidas na cincia abstrata e na lgica dedutiva. Quando combinadas com a noo de lei universal surgida do monotesmo e da lei codificada, tm-se todos os ingredientes para a cincia abstrata e a lgica dedutiva (LOGAN, 2005).9

    A linguagem, nessa perspectiva, definida como um mtodo humano, no-instintivo, de comunicar idias e emoes, bem como processar, armazenar e organizar informaes atravs de significados de um sistema de smbolos produzidos de modo

    voluntrio (LOGAN, 2002), ou seja, um sistema essencialmente para comunicao, produto de educao e cognio. Nesse sentido, o autor se distancia dos grandes nomes

    8 Disponvel em: www.media-ecology.org

    9 Traduo pessoal. No original: Analysis, coding, decoding and classification are the basic cognitive skills involved

    in abstract science and deductive logic. When combined with the notion of universal law emerging from monotheism and codified law one has all the ingredients for abstract science and deductive logic.

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    da teoria da linguagem, como Chomsky, que entende a linguagem como um sistema formal auto-contido usado mais ou menos incidentalmente para comunicao, resultado de uma estrutura humana inata.

    A considerar o aspecto ideolgico da prpria linguagem entendida como tecnologia , possvel dizer que a estrutura da linguagem caracteriza em grande parte o modo como as pessoas organizam informaes e desenvolvem idias, donde se

    conclui que a linguagem , ao mesmo tempo, meio de comunicao e ferramenta informtica (sistema de processamento de informao). Para Logan, embora essas seis linguagens fala, escrita, matemtica, cincia, informtica e Internet sejam nicas em seus prprios vocabulrios e gramticas, elas esto relacionadas por formarem uma corrente evolutiva de linguagens, isto , distintas e interdependentes. Cada nova forma de linguagem emerge pela necessidade de lidar com a quantidade de informao excedente, impossvel de ser expressa pela forma anterior. Sendo assim, a linguagem mais recente seria derivada e conteria elementos das formas anteriores.

    A evoluo tecnolgica contgua evoluo biolgica, sustenta Levinson (1998) no pretensioso livro The Soft Edge. Nesta perspectiva, a tecnologia difere-se do modo biolgico principalmente por ser um meio de alterar, transformar o ambiente buscando a adaptao da espcie ao invs da alterao da espcie para adaptar-se ao

    ambiente. O autor introduz a noo de mdia remediadora (remedial media), denominao para as tecnologias inventadas visando a solucionar problemas criados por tecnologias anteriores.

    Neil Postman argumenta que a mensagem metafrica fundamental do

    computador a de que somos mquinas, subordinando as reivindicaes da nossa natureza, nossa biologia e espiritualidade, a exigir soberania sobre todos os domnios da experincia humana, ao sustentar que pensa melhor do que ns. A partir dessa

    ideologia, acredita-se que o melhor desempenho humano quando este age como mquina, podendo assim ser satisfatoriamente substitudo por uma. Segundo Postman, quando se perde a confiana no julgamento e subjetividade humana, desvaloriza-se tambm a capacidade mpar de ter uma viso abrangente sobre as coisas em suas

    dimenses psquicas, morais e afetivas, substituda pela crena no clculo tcnico. A tecnologia do computador contribui para acreditar-se que a inovao tecnolgica

    implica em progresso humano; entretanto, ao passo que uma instituio ou evento pode

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    parecer mais imponente, mais tcnico, com a automatizao de suas operaes, por exemplo, continuaro impolutas as imperfeies de suas teorias, idias e suposies

    Consideraes finais

    O cenrio social contemporneo, no qual coexistem avanos tecnolgicos e inequalidades sociais, as atividades comunicativas so caracterizadas mais pela sua

    prtica e uso que por sua natureza terica. Assim, o acelerado avano das tecnologias de telecomunicaes demanda sofisticar o aparato terico para investigar os fenmenos que estes processos originam, uma perspectiva que inclua as dimenses materiais, histricas, econmicas e interacionais dos processos. A perspectiva ecolgica da mdia apresenta-se como aporte terico-metodolgico promissor para a compreenso e tratamento dos materiais oriundos dos meios de comunicao.

    Referncias bibliogrficas

    ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de Filosofia. So Paulo, Martins Fontes, 1998.

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    INNIS, Harold. [1951] The Bias of Communication. Toronto, University of Toronto Press, 1995.

    LEVINSON, Paul. The Soft Edge: A Natural History and Future of the Information Revolution. New York, Routledge, 1998.

    LOGAN, Robert. The Five Ages of Communication. In: Explorations in Media Ecology (1/1) pp. 13-20. New Jersey, Hampton Press, 2002.

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    McLUHAN, Marshall. [1964] Understanding Media: the Extensions of Man. London, MIT Press, 1994.

    POSTMAN, Neil. Tecnoplio: a rendio da cultura tecnologia. So Paulo, Nobel, 1994