r glashan - virginia woolf - psicopatologia transtorno bipolar: biografias

79
1 Instituto de Psiquiatria e Instituto de Psiquiatria e Psicoterapia Psicoterapia da Infância e da da Infância e da Adolescência Adolescência Disciplina de Psicopatologia Disciplina de Psicopatologia Professora Dra. Marluce Muniz de Souza Professora Dra. Marluce Muniz de Souza Pedro Pedro Virgínia Woolf: Transtorno Bipolar Virgínia Woolf: Transtorno Bipolar Trabalho de conclusão de Disciplina

Upload: rglashan

Post on 14-Jun-2015

1.014 views

Category:

Documents


9 download

DESCRIPTION

A autora faz uma ligação entre a biografia de Virginia Voolf, o filme "As Horas", sobrepondo com o DMS4 no que diz respeito ao transtorno Bipolar.

TRANSCRIPT

Page 1: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

1

Instituto de Psiquiatria e PsicoterapiaInstituto de Psiquiatria e Psicoterapia

da Infância e da Adolescência da Infância e da Adolescência

Disciplina de PsicopatologiaDisciplina de Psicopatologia

Professora Dra. Marluce Muniz de SouzaProfessora Dra. Marluce Muniz de Souza

PedroPedro

Virgínia Woolf: Transtorno Bipolar Virgínia Woolf: Transtorno Bipolar

Trabalho de conclusão de Disciplina

Regiane de Quadros Glashan

Page 2: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

2

2009

Sumário

Conteúdo página

Resumo da Biografia de Adeline Virginia Woolf 1

Introdução 4

Uma volta na infância de Virgínia Woolf 5

O grupo de Bloomsbury 7

O feminismo 8

Sexualidade 9

Transtorno Bipolar ou outra perturbação esquizoafetiva – 11

Produção e Obra de Virgínia Woolf 14

Sinópse do Filme “As Horas” 26

DMS.IV – Manual de Diagnóstico e Estatística das 28Perturbações Mentais

Consonância entre a psicopatologia do transtorno bipolar e as 42manifestações mentais apresentadas por Virgínia Woolf, baseadas no estudo de sua biografia, em fragmentos do filme “As Horas” e nas características definidoras do DMS IV.

Referência bibliográfica 48

Anexo 49Depoimentos e Publicação em imprensa escrita (veículo nacional) e figuras

Page 3: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

3

Resumo da Biografia de Adeline Virginia Woolf

A escritora Adeline Virginia Woolf evoca desde logo a essência da tragédia. Sentindo-se incapaz de controlar a vida, preferiu a morte, afogando-se num rio com os bolsos repletos de pedras. No entanto, aparentemente, ela desfrutava das condições que considerava essenciais para uma mulher se afirmar como escritora, advogadas no seu ensaio “Um Quarto que seja Seu” – dispor de espaço, físico e psicológico e de dinheiro suficiente para se bastar a si própria. Inserindo-se na impressionante cadeia de mulheres inglesas, nascidas a partir de 1800, que produziram literatura, a obra desta escritora é sempre classificada como sendo das mais inovadoras e estimulantes, quer entre as mulheres autoras, quer entre o conjunto dos criadores de ambos os sexos. Reconhecida em vida, apoiada pelo seu marido, igualmente escritor, Leonard Woolf, Virginia produziu nove romances, duas biografias, sete volumes de ensaios, vinte e seis cadernos de diários e um sem número de cartas. Nasceu numa família que estimulou os seus talentos mas teria sido objeto, na infância, de abuso sexual por parte dos seus meio-irmãos mais velhos. Estas circunstâncias, aliadas a lutos familiares (a mãe morreu quando ela tinha 13 anos) e aos horrores de duas guerras mundiais, têm servido aos seus numerosos biógrafos e estudiosos para explicar as muitas depressões de que sofreu e as tentativas de suicídio que realizou até ao encontro definitivo com a morte. Os violentos tratamentos médicos a que foi submetida num hospício para “mulheres loucas”, que passavam por absoluto isolamento, proibição de qualquer atividade, incluindo a leitura e a escrita, com o conluio bem intencionado de seu marido e irmã, também teriam tido efeitos nefastos. Seu marido decidiu no início do casamento, aparentemente harmonioso, que ela não tinha resistência para ser mãe, o que Virginia Woolf sentiu como uma fragilização da sua identidade. Neste quadro se situam as suas reflexões sobre a condição feminina publicadas em 1929, onde nos conduz eruditamente de idéia em idéia, com lógica, com aparente leveza, com ironia. Inventa uma irmã para Shakespeare, a qual nunca poderia ter sido escritora pelo mero fato de ser mulher. Verbaliza com 50 anos de antecedência muitas das questões retomadas no final do século XX e até ao presente. Algumas destas angustias foram retratadas no filme “As Horas”, onde a atriz Nicole Kidman vivencia por algumas horas as inquietudes por qual passou Virgínia em seus últimos meses de vida. O filme retrata a melancolia , os períodos de anorexia e as intensas cefaléias da escritora por não superar e não suportar sua doença mental e os sintomas psíquicos que tanto a afligiram, principalmente as alucinações. Neste contexto, procuramos com este trabalho sobrepor os sintomas mentais de Virgínia referidos em sua biografia (indicativos de transtorno bipolar ) e em alguns fragmentos do filme citado a cima com a classificação do DMS IV.

Page 4: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

4

Introdução

Virgínia Woolf (Adriele Virgínia Woolf), como era mais conhecida, nasceu

em Londres em 1882. Perdeu sua mãe quando tinha 13 anos de idade. Seu pai, o

editor Leslie Stephen, erudito, filósofo e uma das figuras mais originais da

Inglaterra vitoriana, foi o responsável pela educação de Virgínia Woolf. Foi com ele

que a escritora conheceu os argumentos filosóficos de Platão, Espinoza, Montagne

e Hume.

Após a morte de seu pai em 1904, Virgínia e seus irmãos se mudaram para

Bloomsbury (bairro londrino decadente) e então formaram um grupo de

intelectuais, debatendo assuntos literários, filosóficos, políticos e sociais. O grupo

era formado por economistas, críticos, historiadores, escritores entre outros.

Com a chegada da primeira guerra mundial e após o casamento de Virgínia

(1912), o grupo se dissociou, voltando a se encontrarem anos mais tarde com o

lema: busca da verdade, liberdade de expressão, amor pela arte e respeito a

individualidade. Cinco anos após seu matrimônio, Virgínia fundou sua própria

editora – Leonard Woolf Hogarth Press.

Virginia Woolf foi considerada uma das maiores escritoras da época do

modernismo e foi marcada por desajustes familiares que a influenciaram

preponderantemente em sua saúde mental.

Neste contexto, resolvemos fazer um paralelo entre sua história de vida,

sua produção literária e partes do filme “AS Horas” e traçar um paralelo aos

aspectos psicopatológicos que fundamentaram sua doença mental, ou seja, o

transtorno bipolar.

Page 5: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

5

Uma volta na infância de Virgínia Woolf

Virgínia Woolf nasceu em 1882 no aristocrático bairro londrino de Kensington,

rodeada por uma família de classe alta, residente em uma casa muito confortável

de 5 andares. As paredes eram pintadas predominantemente de preto e de outr5as

cores escuras. O mobiliário em sua maioria era escuro e inútil, as cortinas eram

grossas e escuras – empobreciam a entrada de luz natural nos ambientes. A

fachada da casa era recoberta por espessa camada de “Hera” ,deixando o ambiente

familiar com aspecto fúnebre.

O pai de Virgínia era um conhecido intelectual vitoriano, catedrático de

Cambridge, erudito, filósofo, agnóstico e jornalista. Segundo as bibliografias da

família, o senhor Leslie permanecia dias fechado em sua biblioteca, dedicado ao

seu trabalho. Pensava, como seus contemporâneos, que o papel da mulher estava

relacionado aos cuidados com a família, da casa, e servir incondicionalmente ao

homem. Qualquer tentativa de sair deste esquema era considerado extemporâneo

e condenado ao fracasso social e pessoal.

A Senhora Júlia, mãe de Virgínia, era dedicada ao cumprimento social dos

cuidados da família e nas horas vagas cumpria ações de caridades.

Ambos os cônjuges eram casados em segundas núpcias. Leslie tinha uma

filha – Laura – que era deficiente mental e passou quase que toda sua vida

hospitalizada em hospital para doentes de patologias da mente. Júlia tinha três

filhos, George, Gerald e Stela. Da segunda união matrimonial, nasceram Vanessa,

Virgínia, Thoby e Adriam. Costumavam brincar juntos nos jardins de Kensington e

Hyde Park. No entanto, nem tudo era tão mágico assim, os rapazes foram

encaminhados para seguir seus estudos em universidades e as meninas foram

delineadas para serem boas donas de casa e tiveram apenas uma educação formal

rudimentar, baseadas no fundamento da manutenção do casamento e algumas

noções de dança e música.

Virgínia sempre admirou o pai e procurou desenvolver seu lado didata,

embora não perdoasse o pai por sua visão machista e sua forma isolada de viver.

Mesmo assim, Vanessa foi para a escola de belas artes (Royal Academy para

estudar pintura) e Virgínia foi estudar grego clássico de maneira não formal.

Page 6: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

6

Na fase da adolescência, aos 13 anos, Virgínia perde sua mãe em

decorrência de uma pneumonia. Em seu diário assim escreveu:

“Com as suas patas e antenas pegajosas etrementes, esperando um momento, junto ao casulo partido,

‘as asas úmidas e ainda coladas, os olhos deslumbrados,incapaz de voar” 1.

Ambas as irmãs sempre manifestaram a emoção de não terem sido

suficientemente amadas pela mãe e o abandono precoce proporcionado pela morte

materna, forçaram Virgínia e Vanessa a viverem como uma simbiose emocional.

A morte tornou-se presença contínua na vida das irmãs, surgindo

precocemente com o falecimento da meia irmã – Stela, a qual Virgínia sentia muita

proximidade afetiva e amorosa e depois do pai, em decorrência de doença

sexualmente transmissível, na época sem medicamentos disponíveis para o

tratamento.

Após as sucessivas mortes, as irmãs acabaram ficando sob a tutela do meio

irmão mais velho – George. George por sua vez tentou o mais rápido que pode

procurar pretendentes para Vanessa e Virgínia foi molestada e abusada muitas

vezes por esse meio irmão, causando severos traumas em sua vida.

Page 7: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

7

O grupo de Bloomsbury

Cerca de 4 anos após a tutoria de Geroge, os quatro irmãos decidem se

libertar da guarda do irmão e decidem se mudar para o bairro de Gordon Square –

um bairro boêmio. Vanessa passou a se dedicar a decoração da nova casa,

propondo ambientes claros, limpos e com poucos móveis. Enquanto isso Virgínia

se dedicava a escrever seu diário. Thoby se sentia mais avontade nesse novo lar e

passou a convidar seus colegas da universidade ‘a nova casa, formando um novo

grupo de intelectuais – Grupo de Bloomsbury. Este grupo era liberal e assumiram

uma atitude permissiva e desinibida em termos sexuais – existiam entre eles

relacionamentos homossexuais e relacionamentos triangulares. Estas relações

perduraram até o casamento de Vanessa.

Page 8: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

8

O feminismo

Virgínia nunca aceitou o regime vitoriano de empobrecimento da cultura e

dos ideais das mulheres. A sua luta pessoal para abrir espaço no mundo masculino

a impingiram a escrever livros e utilizá-los para analisar a situação da mulher na

Inglaterra de sua época – foram os primórdios do feminismo no mundo.

Page 9: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

9

Sexualidade

A sexualidade complexa e ambígua da escritora tem sido objeto de estudos

até na data atual. O abuso sexual de que foi vítima por parte de seu meio irmão –

George e Gerald durante sua infância (tema que abordou em seu diário) deixaram

feridas que não se fecharam e que interferiram de maneira definitiva nas suas

relações com os homens a deixando frígida, conforme dados de sua biografia.

Segundo os dados biográficos, frequentemente ela referia estremecimento do

corpo e profunda vergonha ao se lembrar das investidas libidinosas dos irmãos

durante sua adolescência. Comenta em seu diário, que seu casamento com Leonard

era baseado em afeto mútuo, amizade e assexuado, pelo menos com mais evidência

no final de seus dias.

Alguns biografistas revelam seu homoerotismo sempre ávido de figuras

maternais, baseado na fascinação que sentia pela sensibilidade feminina e muito

menos pela atração sexual. Adorava escandalizar a sociedade vigente, tanto é que

em 1927, escandalizou os britânicos, quando assumiu seu relacionamento afetivo e

homossexual com uma poetisa e escritora. Este relacionamento foi importante,

pois originou o livro “Orlando”- livro sobre a mudança de sexo de um homem que

finaliza sua vida ao lado de uma mulher.

Para muitos autores, Virginia oscilava entre altos e baixos. Vivia

intensamente, dias sem dormir, insônia, sobressaltos e rompantes que lhe tiravam

o apetite e a faziam contemplar intensamente os dias, sem ter tempo para comer,

repousar, olhar para o outro, apenas escrever de forma maníaca – sem parar para

tomar banho, conversar com outras pessoas. Quando se dava conta que o outro

existia, era para destratá-lo, aniquilá-lo ou reduzi-lo a algo menor. Seus

empregados ao mesmo tempo que tinham medo de Virgínia, a desprezavam e

tinham pena de seu estado mental. Por outro lado, passava por períodos letárgicos,

morimbundos, em que não tinha volição para nada – a cama era sua melhor amiga.

Foi hospitalizada em hospitais para doentes mentais uma série de vezes e

durante sua internação era mantida em um quarto escuro, proibida de receber

visita, escrever ou ler qualquer material. Sua alimentação era baseada em

alimentos altamente gordurosos e muito leite. Quanto a medicação, era inundada

com tranqüilizantes.

Page 10: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

10

Frente este quadro, que na época não tinha nome específico – era

comumente nomeado de psicose, seu médico recomendou que ela não tivesse

filhos para evitar a piora da doença ou mesmo transmiti-la geneticamente. Ela

adorava crianças e isso se tornou um outro grande trauma em sua vida.

De seu encontro íntimo com a psiquiatria, escreveu seu livro famoso, a

respeito de um psicótico pós- guerra e sua relação com a esposa deprimida: Mrs.

Dalloway. Por outro lado, mostrava-se interessada pelas obras de Freud e chegou a

conhecê-lo durante seu exílio na Inglaterra – em Hampstead. Seu irmão Adrian

estudou medicina e junto com sua esposa se tornaram psicanalistas por influência

de Freud.

Virgínia se recusava em deitar no divã, pois afirmava que sua verdadeira

terapeuta era a maquina de escrever.

Page 11: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

11

Transtorno Bipolar ou outra perturbação esquizoafetiva – Resultado de

pesquisa biográfica

Desde a adolescência, os irmãos de Virgínia contumavam chamá-la de

“cabra-louca”, caracterizada por alterações de humor, na forma de episódios

depressivos e/ou disfóricos, associados ocasionalmente a sintomas psicóticos, não

congruentes com o humor (alucinação auditiva: vozes que comandavam coisas

desatinadas, ouvia o rei Eduardo VII, morto há mais de oito anos na época).

Durante as fases depressivas ficava acamada, mantinha-se anoréxica, com insônia,

com crises de palpitação, idéias delirantes de culpabilidade e autoreferenciais e

intensa somatização, como cefaléia,

Quentin Bell (seu sobrinho), na sua biografia, descreve com granderiqueza de detalhes os sintomas destas crises depressivas:

“Acreditava que as pessoas se riam dela, que era a causados problemas de todas as pessoas; sentia-se invadida por

um sentimento de culpa pelo qual devia ser castigada.Chegou a estar convencida de que o seu corpo, de alguma

maneira, era monstruoso, com uma sórdida boca e um sórdidointestino que pediam comida (…) a única solução era

recusar-se a comer. As coisas materiais adoptaram aspectossinistros e imprevisíveis, bestiais e horríveis.”

Dados biográficos apontam crises como essas em número aproximado de

6 episódios depressivos, dois deles após a morte da mãe e do pai. Em 1915,

relatam uma crise onde Virgínia ficou verborreica, turbulenta e incoercível,

mudava de um assunto para outro em segundos, ria e chorava simultâneamente

até cair na letargia total. Nessa época era hospitalizada e medicada com vinho

quente para relaxar, veronal, paraldeido e hidrato de cloral para as crises e para a

cefaléia. Leonard e Vanessa a assistiam de longe.

Biógrafos revelam que fora dos momentos de crise, Virgínia não alterava

sua atividade criativa. De acordo com a própria Virgínia, em seus quase 60 anos,

somente 5 anos foram atropelados pelas “crises”. Sua vida foi caracterizada por um

trabalho intenso e claridade literária.

Na carta que deixou antes de se suicidar, revela que voltara a ter

alucinações auditivas. Previamente a este fato, havia tentado se matar por duas

vezes: a primeira tentou pular da janela e na segunda ingeriu uma grande

quantidade de veronal.

Page 12: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

12

Nos estudos publicados em área médica e especificamente em psiquiatria,

os estudiosos foram unanimes em apontar a doença psiquiátrica de Virgínia Woolf

como psicose Maníaca-Depressiva (episódios recorrentes com sintomas psicóticos

não congruentes com o humor).

Por outro lado, uma minoria aponta para uma perturbação esquizoafetiva.

Os que advogam para a desordem bipolar reforçam a não deterioração cognitiva.

Existe ainda uma forte carga genética do tipo afetiva, que poderia explicar

os quadros depressivos que também sofreram os irmãos de Virgínia e que não

foram muito vistos em biografias da família Woolf. Vanessa e Adrian sofreram

repetidas e graves depressões, sendo que Adrian acabou se dedicando a

psicanálise.

Neste ponto vale ‘a pena destacar que apesar da questão genética do

transtorno bipolar, os eventos estressantes da vida são os desencadeadores das crises

que acometem as pessoas que sofrem com este transtorno.

Seguindo o modelo biopsicosocial da etiologia de toda doença, seria

inútil procurar a causa de um transtorno exclusivamente dentro do sujeito, deve-

se explorar o contexto social e familiar dentro dos quais ela surge.

Virgínia Woolf nasceu em Londres em 1882, filha do biógrafo, filósofo e

historiador, Leslie Stephen e de Julia Jackson Stephen.

Segundo os seus biógrafos, a casa onde Virginia residia era grande, espaçosa o

suficiente para abrigar todos os seus irmãos, porém era austera e escura, com um

ambiente e decoração um tanto quanto sombria.

Seu pai, Leslie Stephen, era portador de um humor bastante oscilante, Julia (mãe

de Virgínia) era quem o confortava durante suas crises depressivas, além de tentar

controlar os seus ataques de fúria do esposo para com os filhos e empregados.

Leslie afirmava que o papel de mulher deveria e restringir ao papel de mãe e dona

de casa. A mãe de Virginia cumpria muito bem esse papel, já que se dedicava aos

afazeres domésticos e aos trabalhos como dona de casa. Todavia não era uma

mulher com muito tempo para despender afeto.

Page 13: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

13

Virgínia viveu entre a euforia e a depressão e mesmo diante de um

mundo interno tão caótico e conturbado, ela foi capaz de criar obras literárias

complexas e maravilhosas.

Page 14: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

14

Produção e Obra de Virgínia Woolf

A obra ficcional da escritora modernista: romances e contos

Os dois primeiros romances de Virginia Woolf, contudo, não chegaram a ser

publicados pela Hogarth Press. O primeiro saiu em 1915 e se intitula The Voyage

Out. Apesar da inspiração auto-biográfica, ainda está muito preso às convenções

realistas, assim como o romance seguinte, Night and Day, publicado em 1919. Ou

seja, em ambos um narrador descreve os personagens em suas aparências

externas e ações, assim como em sentimentos e pensamentos. Além disso, a voz

narradora conta uma história que se passa no tempo cronológico, com começo,

meio e fim, e seguindo as estruturas de um enredo que apresenta os elementos

clássicos da narrativa, isto é, complicação, clímax e desfecho.

The Voyage Out, em termos temáticos, trata do desabrochar de Rachel

Vinrace, uma jovem vitoriana que até os 24 anos vivia nos subúrbios londrinos com

três tias solteironas e super-protetoras. A moça então viaja de navio para um

balneário imaginário na América do Sul, onde encontra uma comunidade de

ingleses, com a qual interage, e também descobre o amor. Entretanto, Rachel havia

ficado tempo demais isolada do mundo social: não dispõe de recursos que a

permitam se inserir dentro dele e acaba morrendo. O texto é volumoso, denso e um

tanto truncado, deixando, contudo, entrever inúmeras questões que Virginia

tratará nos romances futuros.

O romance seguinte, Night and Day lida também com o tema da jovem

vitoriana super-protegida, Katherine Hilbery, e sua descoberta do amor e do

intelecto em meio às restrições infligidas às moças de sua classe. Foi a partir de

1922 que os romances de Virginia Woolf passaram a ser publicados pela Hogarth

Press. Através da auto-publicação, Virginia garantiu um meio de preservar sua

independência e liberdade de criação na ficção, sem se restringir às demandas e

oscilações do mercado editorial. Até o fim da vida e mesmo quando já renomada,

ela faria questão de manter essa autonomia.

A estréia se deu com a publicação de Jacob's Room que Virginia começa a

experimentar e a aplicar aquilo que reivindica em teoria nos ensaios da época e

que seria mais tarde conhecido como fluxo da consciência. Sua intenção é enfatizar

o fluxo contínuo da experiência, a indefinição do personagem e a impressão das

Page 15: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

15

circunstâncias externas sobre a consciência, tal como elas se dão na vida cotidiana.

Sua preocupação era dar voz à mente comum, num dia comum.

Apesar de ainda empregar muito pouco "o fluxo da consciência" em Jacob's

Room, seu terceiro romance representa uma grande mudança em relação aos dois

anteriores. Há ainda uma estória, mas não há mais enredo e a ação perde sua

importância.  

Em termos temáticos, Jacob's Room consiste numa biografia ficcionalizada,

onde o biógrafo se propõe a seguir os passos de um jovem, Jacob, desde sua

infância catando conchas numa praia da Cornuália, até sua morte repentina aos 26

anos, durante a guerra. Passa por seu ingresso em Cambridge, seu primeiro

cigarro, as discussões com os amigos, os livros e paixão pelos clássicos, os amores

pela jovem Florinda e depois por Sandra, uma mulher casada, os passeios de barco

e a viagem a Grécia.

As forças que influenciaram e produziram Virginia Woolf, a modernista, serão

abordadas ao longo do presente estudo. Ainda assim, à título de contextualização,

gostaria de lembrar apenas algumas das idéias circulantes nos anos 20 na Europa e

na Inglaterra, que marcaram um "espírito da época" na literatura e nas artes e

exerceram influência sobre Virginia. Refiro-me à pintura pós-impressionista de

Cézanne e Van Gogh, ao pensamento de Henri Bergson e às traduções e montagens

das obras de Checkov. Além disso, a técnica do fluxo da consciência, já em

circulação no continente desde o início da publicação da Recherche de Proust em

1913, aparecia na Inglaterra, principalmente através das obras de James Joyce e

Dorothy Richardson.

Virginia alcança finalmente a maestria nesta inovação formal e estilística em

seu quarto romance, Mrs Dalloway (publicado em 1925) e a aprimora no romance

seguinte, To the Lighthouse (1927) e no sétimo, The Waves (1931).

Mrs Dalloway se passa durante doze horas em Londres e entrelaça o percurso

de dois personagens que circulam entre Westminster e Regent Park e quase se

encontram, Clarissa Dalloway e Septimus Warren Smith. O romance se inicia com

Clarissa, a esposa de um político, saindo de casa, a fim de providenciar os

preparativos para uma festa à noite, na qual receberá velhos amigos. Ao longo do

dia, somos apresentados a ela, Peter Walsh e Sally Setton, através de seus

pensamentos, lembranças, juízos que se estendem por sobre o passado e até o

Page 16: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

16

presente, de modo que no fim tem-se a impressão de conhecê-las intimamente.

Em contraste com a mundanismo de Clarissa, se encontra Septimus Warren

Smith, jovem herói de guerra, acompanhado pela mulher em seu passeio pelo

parque. Acometido por um distúrbio mental, em decorrência da guerra, tem

alucinações e delírios, perdeu a capacidade de organizar sua memória e de sentir.

Para não ser obrigado a voltar para o sanatório, Septimus se suicida, quando escuta

a chegada do médico que vem recolhê-lo em casa. Clarissa e Septimus nunca se

encontram, mas Clarissa recebe a notícia deste suicídio por intermédio deste

próprio médico, que se desculpa pelo atraso de sua chegada na festa, por conta

deste "desafortunado incidente".

Em Orlandoi[14] (1928), o sexto romance de Virginia Woolf, ela "descansa" da

mobilização que foi escrever To the Lighthouse, e se diverte redigindo uma fantasia

histórica. Trata-se da biografia de um poeta fictício que vive durante 400 anos e

muda de sexo algumas vezes.

Em The Waves (1931), Virginia Woolf volta mais uma vez às experiências

com o tempo e o fluxo da consciência, para tecer seu romance mais complexo. Nele

o narrador desaparece por completo e as vidas de seis amigos são conhecidas

através de seus solilóquios, isto é, de seus monólogos interiores, quando se

encontram em nove momentos ao longo dos anos, entre o berçário e a velhice, e

quando se referem a Percival, um sétimo componente, que converge os afetos do

grupo, mas morre ainda jovem.

Em The Years (1937) na pretensão de escrever um romance histórico,

Virginia Woolf acaba retomando a convenção realista e produzindo um livro

comparativamente fraco, mas que se tornou um best seller. Nele, ela descreve a

saga da família Pargiter entre 1880 e os anos 30 e as implicações da mudança dos

costumes na passagem da era vitoriana para o século XX.

Finalmente, em Between the Acts (publicado postumamente em 1941),

Virginia Woolf dá seu canto do cisne num romance que, apesar de não revisado, é

considerado por alguns críticos como sua obra mais possante. Num cenário rural,

diante de uma apresentação teatral, os personagens evocam a antiguidade da terra

inglesa, enquanto que o temor de uma guerra paira no ar. 

Page 17: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

17

Abaixo a listagem das obras ficcionais de V Woolf e sua datas de publicação.

1915 The Voyage Out romance

1919 Night and Day romance

1919 Kew Gardens conto

1921 Monday or Tuesday coleção de contos

1922 Jacob's Room romance

1925 Mrs Dalloway romance

1927 To the Lighthouse romance

1929 Orlando romance

1931 The Waves romance

1937 The Years romance

1941 Between the Acts romance

 

A prosa não-ficcional publicada em vida da autora

Ensaios e resenhas:

Virginia Woolf começou sua carreira literária escrevendo ensaios e resenhas

para jornais e revistas literárias e manteve essa atividade durante toda a vida. Sua

associação com o suplemento literário do jornal The Times, a mais duradoura de

todas, iniciou-se em 1905 e durou até 1938. Entretanto, como nenhum material

publicado no The Times Literary Suplement aparecia assinado, depois da morte de

Virginia, seus compiladores tiveram muita dificuldade para identificar seus artigos

nos arquivos do jornal.

Além da contribuição regular para o "Lit.Sup." – como ela se referia à sua

coluna no renomado jornal – "Virginia escreveu para muitas outras publicações,

semanais e mensais, inglesas e americanas, e cada vez mais, a medida que sua fama

aumentava. A maior parte das encomendas versava sobre literatura inglesa e

americana, mas com freqüência também encontrava brecha para escrever sobre

seus escritores russos e franceses preferidos, como Checkov, Turgueniev e

Montaigne.

Seus ensaios podem ser expostos em quatro grandes grupos. No primeiro

deles – e o maior – inclui os retratos de escritores e a avaliação de suas obras. Isso

poderia abranger todos os períodos da literatura inglesa, como demonstram seus

artigos sobre Chaucer, Jane Austen e James Joyce. Em segundo lugar, identifica o

Page 18: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

18

grupo dos "retratos de figuras não-literárias, mas bem conhecidas historicamente",

como ocorria quando tinha que resenhar algum livro sobre personalidades como

Jack Mytton, "um excêntrico desportista que se envolveu em chamas para curar um

acesso de soluços". No terceiro grupo, inclui os retratos que a própria Virginia

chamava de "as vidas dos obscuros", nos quais ela resgatava e dava vida a pessoas

mortas e esquecidas havia mais de cem anos. E finalmente, o quarto grupo,

"artigos sobre assuntos mais gerais",, dada a grande importância desses trabalhos,

em que ela expressa seu pensamento com mais liberdade. Encontram-se neste

grupo alguns de seus ensaios mais conhecidos, como Mr Bennet and Mrs Brown

(1924) e Modern Fiction (1925), também considerados como manifestos do

modernismo inglês.

Ainda em vida, Virginia e Leonard Woolf reuniram parte desse material e,

acrescentando-lhe alguns ensaios originais, publicaram-nos em dois volumes

intitulados The Common Reader. O primeiro saiu em 1925, mesmo ano de Mrs

Dalloway, e o segundo apareceu em 1932. Apesar dessas duas coleções reunirem

ensaios importantes e representativos, elas abarcam um total aproximado de

apenas 50 textos, quantidade já considerada pequena na época, em relação à

produção total da autora.

Logo após a morte de Virginia, Leonard Woolf conseguiu reunir mais material

jornalístico e, acrescentando-lhes alguns contos, os publicou em 4 coleções

póstumas: The Death of the Moth (1942), The Moment, Captain's Death Bed (1950)

e Granite and Rainbow. Mais tarde, separaria os ensaios dos contos inéditos e,

graças a novas descobertas, reuniu somente os ensaios numa coleção de 4

volumes, intitulada Collected Essays, publicada entre 1966 e 1967.

Hoje sabe-se que Virginia Woolf escreveu, ao todo, desde o tempo de solteira,

mais de 500 textos , dentre resenhas e ensaios, para jornais e revistas. Este

material, que levou décadas para ser coligido, veio a ser editado por Andrew

McNeille e publicado em 6 volumes entre 1986 e 1992.

Em sua prosa não-ficcional, ao contrário do que faz nos romances, Virginia

Woolf não se preocupa muito em inovar. Segue as convenções do meio

jornalístico e se adapta sem grandes problemas às exigências de concisão e leveza.

Contudo, o humor e a injeção de elementos ficcionais, com que tornava atraentes e

vivos para o leitor esses textos, não escondem o rigor argumentativo com que

Page 19: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

19

compunha estas pequenas jóias da crítica literária das primeiras décadas do século

XX. Esses ensaios e resenhas viriam assim constituir o corpus principal de sua obra

teórica e é através deles que se pode ter contato com a vertente mais racionalizada

e crítica de seu pensamento. Esta, por sua vez, chegou a experimentar espaços

mais amplos que o da coluna dos jornais em dois volumes de artigos mais longos, A

Room of One's Own (1929), Three Guineas (1938) e em sua Letter to a Young Poet

(1932).

O primeiro, considerado um "clássico" para movimento feminista, resulta de

duas conferências que Virginia deu em Cambridge. Em A Room of One's Own,

Virginia Woolf faz uma análise séria, mas mantendo o mesmo tom leve e bem-

humorado das resenhas, sobre as condições de impossibilidade da produção

literária feminina em épocas passadas. No terceiro de seus seis capítulos, esboça

seu famoso retrato hipotético de uma possível irmã de Shakespeare e de seu

trágico destino, caso tivesse tentado expressar, em sua época, o gênio literário que

compartilhava com o irmão.

Quanto a Three Guineas, que pretendia ser uma continuação de A Room of

One's Own, o resultado não foi tão bem sucedido. Num tom um tanto estridente,

Virginia Woolf se lança numa cruzada anti-machismo e anti-fascismo, que se

revela hoje um tanto ingênua.

Outros textos não-ficcionais publicados: biografias

Além de todo esse material, deve-se acrescentar duas biografias à obra não-

ficcional de Virginia Woolf publicada em vida. A bem dizer, a primeira, Flush

(1933), consiste numa fantasia biográfica, que conta de maneira divertida a vida

do cãozinho da poetiza vitoriana Elizabeth Barrett Browning que viveu no início do

século XIX. Contudo, não se enquadra na obra romanesca, como acontece com

Orlando, por ter pretensões históricas.

A segunda biografia foi a de seu grande amigo e influência, o crítico de arte

Roger Fry, publicada em 1940.

Page 20: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

20

Segue abaixo a listagem das obras ficcionais acrescida agora das obras não-

ficcionais de V Woolf.

1915 The Voyage Out romance

1919 Kew Gardens conto

1919 Night and Day romance

1921 Monday or Tuesday contos

1922 Jacob's Room romance

1925 The Common Reader coleção de ensaios

1925 Mrs Dalloway romance

1927 To the Lighthouse romance

1929 A Room of One's Own ensaio

1929 Orlando romance

1931 The Waves romance

1932 Letter to a Young Poet  

1932 The Common Reader- 2nd

series

coleção de ensaios

1933 Flush biografia

1937 The Years romance

1938 Three Guineas ensaio

1940 Roger Fry, a biography biografia

1941 Between the Acts romance

1942 The Death of the Moth ensaios editados por Leonard

Woolf

1943 A Haunted House contos editados por Leonard Woolf

1950 The Captain's Death Bed ensaios editados por Leonard

Woolf

1958 Granite and Rainbow ensaios editados por Leonard

Woolf

1966-67 Collected Essays (4 volumes) ensaios editados por Leonard

Woolf

1986-92 The Essays of Virginia Woolf

(1904-1940), 6 vols

ensaios editados por Andrew

McNeille

 

Page 21: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

21

Material de publicação póstuma

Além do grande acervo de obras ficcionais e críticas que a própria Virginia

publicou em vida, a autora legou para a posteridade uma também gigantesca obra-

paralela privada e de grande interesse. O conjunto completo comporta seus

escritos autobiográficos – cartas, diários e memórias inacabadas – e material

"abandonado", que inclui contos incompletos, novelas rejeitadas por editores,

estudos e anotações de leituras.

Cartas, diários e memorias

O material autobiográfico de publicação póstuma de Virginia Woolf consiste,

primordialmente, em cartas, diários e memorias.

A influência dos princípios humanistas da Renascença, associada à ênfase

sobre o indivíduo, preconizada pela Reforma, e aos conflitos político-sociais da

época, contribuíram para a conscientização de que a experiência pessoal poderia

interessar a um público mais amplo.

Apesar do surgimento e do predomínio das duas outras modalidades

derivadas, o interesse pela biografia e o diário se manteve vivo na Inglaterra nos

séculos seguintes. Convém, portanto, ter em vista que a prática do diário pessoal

tem pelo menos um ponto em comum com a História, que é o do interesse

documental.

Virginia Woolf cresceu na era vitoriana numa família que já cultivava a

prática da escrita e do diário pessoal, havia algumas gerações. Seu pai, seu avô e

bisavô paternos foram homens de Letras que legaram diários para os

descendentes e sua mãe escrevia quantidades de cartas diariamente. Este material

autobiográfico não só era respeitado na era vitoriana, como considerado relíquia

de família por constituir um repositório de memória de uma época passada.

Virginia Stephen se interessou por esta prática a partir dos quinze anos, isto é,

desde 1897, e manteve diários intermitentes desde então até 1909, isto é, até seus

e vinte e sete anos de idade. Esses doze anos de diários irregulares foram

interrompidos e ela só retomou o hábito depois de casada, como Virginia Woolf , já

em 1915 e aos trinta e três anos. Depois de outra interrupção mais breve, voltou a

escrever seus diários em 1918 e se manteve fiel a esta prática até o fim de seus

dias em 1941, perfazendo desta vez um total de quase trinta e cinco anos de

Page 22: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

22

registros.

No total, foram, portanto, quase cinqüenta anos de registros de uma vida

que ficaram preservados em forma "bruta", quando ela morreu, isto é, em pilhas de

cadernos manuscritos por uma caligrafia minúscula e quase ilegível. Esse material

ficou sob a custódia de seu esposo, Leonard Woolf (1880-1969), que também

herdou os outros escritos sobreviventes não-publicados e deixados em manuscrito

ou datilografados com correções à lápis nas laterais.

Da mesma maneira como já vinha fazendo com os ensaios, Leonard dá início

ao projeto – que levaria décadas – de transcrição deste imenso material e da

compilação das cartas dispersas, com fins de publicação integral.

Em 1953, ele publica em um volume sua primeira seleção dos escritos

autobiográficos de Virginia Woolf, A Writer's Diary. Trata-se de uma seleção de

extratos dos diários, cujas passagens ele havia escolhido por revelarem os

pensamentos de Virginia sobre seus próprios escritos, o planejamento das obras, a

ansiedade em relação aos lançamentos e às crítica, enfim, por apresentarem

tópicos de interesse para estudos literários.

Nos anos 60 e já bastante idoso, Leonard incentiva seu sobrinho, Quentin Bell

(1910-1996), filho Vanessa Bell (1879-1961), irmã de Virginia, a escrever a

biografia da tia, temendo que a memória dos detalhes que circundavam sua vida se

perdesse, de vez, com a morte de seus últimos parentes vivos. Depois da morte de

Leonard em 1969, os diários vão para a Coleção Berg da Biblioteca Pública de Nova

York, conforme um acordo estabelecido previamente, e o restante do material

passa para as mãos de Quentin, que ainda redigia a biografia, e depois se torna

patrimônio da Biblioteca da Universidade de Sussex, sob o nome de Monk's House

Papers.

Em 1972, Quentin Bell finalmente publica a primeira biografia autorizada de

Virginia Woolf. Sem quaisquer pretensões crítico-literárias, Quentin redige,

contudo, uma comovente obra de homenagem, de caráter quase arqueológico, em

que relata com detalhes minuciosos os principais acontecimentos e personagens

que fizeram parte da vida de Virginia Woolf, ano por ano. Suas fontes contavam,

não só com o material original legado pelo tio, mas também com outros

documentos de família, e com sua memória viva, já que havia convivido com

Virginia, desde seu nascimento.

Page 23: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

23

O resultado deste trabalho, no início dos anos 70, surpreendeu e suscitou

grande interesse nos meios acadêmicos. O momento era propício, pois por

primeira vez, desde os anos 20 e depois da Segunda Guerra Mundial, o mundo

ocidental voltava a vivenciar uma época em que uma contra-cultura jovem atacava

o establishment burguês, de maneira ampla, incisiva e irreverente. Dentro desse

clima de contestação generalizada às regras do poder da sociedade de Estado, as

relações entre o público e o privado voltavam a ser colocadas em xeque. O

movimento feminista ganhava uma organização e ampliação até então

desconhecida, a arte ia às ruas, as instituições acadêmicas tiveram seus estatutos

centenares revisados, os homossexuais clamavam pelo direito de existir – enfim, a

diferença, depois de décadas adormecida, voltava a se afirmar.

E Virginia Woolf voltou a circular entre os "common readers". As coleções

de seus manuscritos nas Bibliotecas de Nova York e na Universidade de Sussex se

tornaram um ponto de convergência para estudiosos. Novas leituras e novas

biografias surgiam, à medida que o material ia sendo consultado por outras mãos,

e novos escritos originais iam sendo descobertos.

O interesse permitiu com que o projeto de Leonard pudesse ser continuado,

através da inclusão de novos colaboradores da segunda geração de Bloomsbury .

Entre 1977 e 1984, Anne Olivier Bell, esposa de Quentin Bell, tomou para si o

encargo de transcrever a escrita criptográfica dos 35 anos de diários de Virginia

Woolf.

E, finalmente, em 1990, o Professor Mitchel Leaska publica os diários

intermitentes de adolescência e juventude de Virginia Stephen, aqueles que vão

dos seus quinze a seus vinte e sete anos de idade. A publicação destes últimos

suscitou grande surpresa, pois confirmam o que alguns biógrafos já haviam

afirmado sobre três tópicos relevantes para o entendimento do pensamento e da

escritura woolfiana. O primeiro consiste na precocidade das idéias de Virginia e o

segundo na constatação do papel tardio e secundário das influências não-inglesas

sobre sua obra ficcional e crítica. O terceiro diz respeito à revelação de que estes

primeiros diários de juventude consistiam fontes de referências e de memórias,

que ela consultava e utilizava para deflagrar seus romances e alguns de seus

ensaios.

Outros escritos não publicados em vida

Page 24: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

24

Dentre os escritos não-autobiográficos e não publicados em vida, destacam-

se duas novelas históricas de juventude – O Diário de Joan Martyn, escrito em 1906

– e Memoirs of a Novelist, rejeitado pela revista Cornhill em 1909, e o romance-

ensaio de nome The Pargiters, escrito provavelmente em 1935, do qual se

originaria seu penúltimo romance, The Years. Nesses três textos, Virginia Woolf já

pesquisa aquilo que Roland Barthes definiria nos anos 60 como terceira forma.

É possível que a fonte do material não publicado de Virginia Woolf ainda não

tenha secado, pois, apesar de ser cada vez mais raro, ainda se descobrem cartas ou

ensaios inéditos. Também é possível que ainda restem nas principais coleções

repositórias de seus manuscritos – Berg Collection da Biblioteca Pública de Nova

York, Monks House Papers da Universidade de Sussex e Charleston Papers no King's

College da Universidade de Cambridge – alguns textos considerados de pouca

relevância para a pesquisa acadêmica. Seja como for, já se pode falar nos escritos

completos de Virginia Woolf, para abarcar toda a obra ficcional e ensaística

publicada em vida e o material autobiográfico e não-autobiográfico de publicação

póstuma.

Page 25: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

25

Principais obras de publicação póstuma de Virgínia Woolf 

1942 The Death of the Moth ensaios editados por Leonard

Woolf

1943 A Haunted House contos editados por Leonard

Woolf

1945? The Moment ensaios editados por Leonard

Woolf

1950 The Captain's Death Bed ensaios editados por Leonard

Woolf

1953 A Writer's Diary seleção de diários editada por

Leonard Woolf

1958 Granite and Rainbow ensaios editados por Leonard

Woolf

1966-67 Collected Essays (4 volumes) editados por Leonard Woolf

1975-80 The Letters of Virginia Woolf (6

volumes)

editor Nigel Nicolson e Jeanne

Trautmann

1976 Fresh Water: a comedy comédia teatral

1976 Moment s of Being coleção de memórias editada

por Jeanne Schulkind

1977-

1984

The Diary of Virginia Woolf (5

volumes)

editados por Anne Olivier Bell

1978 The Pargiters o romance-ensaio de The Years

1983 Virginia Woolf's Reading Notebooks editado por Brenda R. Silver

1985 The Complete Shorter Fiction of

Virginia Woolf

editado por Susan Dick

1986-

1992

The Essays of Virginia Woolf (1904-

1940), 6 vols

editado Andrew McNeille

1990 A Passionate Apprentice: os diários

de1897-1909

editor Mitchel Leaska

1972 Virginia Woolf: a biography Quentin Bell

1983 Virginia Woolf's Literary Source and

Allusion: A Guide of the Essays

Elizabeth Steele

  

Page 26: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

26

Sinópse do Filme “As Horas”

O filme, “As Horas”, baseia-se no livro de Michael Cunningham, que, por sua

vez, se inspirou no romance “Mrs. Dalloway” de Virginia Woolf.

O enredo, trata da história de três mulheres que carregam em suas vidas

muitos sentimentos em comum, como a insatisfação no mais amplo aspect da

palavra e o fracasso.

São retratos de vidas em épocas diferentes, que se entrelaçam através de um

livro, “Mrs. Dalloway”. É um filme de alma feminina, onde, nos artifícios da trama,

as mulheres se reconhecem no drama existencial de cada uma das personagens,

humanizando assim o lado da ficção. Uma mulher que gostaria de ser uma

personagem de um romance, uma que o escreve (a própria Virgínia Woolf) e outra

que o vive.

Acompanhamos, dessa forma, um dia (somente um dia) na vida dessas três

mulheres. São três histórias em espaços temporais distintos, mas intercaladas na

narrativa (1941, 1951 e meados dos anos 80), permeadas com profundo ar

bucolico e depressivo.

Virginia Woolf é a escritora do livro, que afastada da vida agitada de Londres

por seu marido e a conselho médico, percebe-se a cada dia, mais infeliz e

amargurada. Sabe-se da biografia de Woolf que a mesma sofria de transtorno

bipolar e que em seus últimos períodos de vida, atravessava uma profunda crise

depressiva, regada por momentos de alucinações auditivas. A mesma, é retratada

na altura em que escreve o livro em questão (“Mrs. Dalloway”), onde seus conflitos

internos são repassados para a obra, inclusive todo o preparo para seu suicídio.

A segunda mulher é Laura, dona de casa, esposa e mãe. Laura encontra-se

desesperada dentro de um casamento onde os sentimentos são artificiais, pois

embora viva num ambiente de tranqüilidade e aparente felicidade, se sente vazia.

Cogita a própria morte para escapar da realidade da sua vida “mediocre”, com

nuancias de artificialidade – um agir não real e infeliz. Ela está lendo o livro de

Virgínia Woolf, o qual reforça sua idéia de evasão e suicídio.

A terceira é Clarissa, uma bem sucedida editora, mulher cosmopolita do

século XXI. Ela vive um relacionamento lésbico de longa data e se identifica

paradoxalmente com Mrs. Dalloway. Tudo o que Clarissa deseja no momento é que

Page 27: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

27

sua festa em comemoraçaõ a atribuição de um importante prémio à obra poética

de Richard, seu melhor amigo e ex-amante, dê certo. Richard encontra-se

debilitado pela AIDS e vive fechado em um apartamento frio, escuroe sujo – numa

região decadente. No meio dos preparativos, Clarissa pressente o vazio daquela

arrumação fútil e o peso das horas.

Uma das cenas iniciais do filme mostra as três mulheres se levantando da

cama ao amanhecer. Tudo acontece nesse início de filme, enquanto Virgínia

escreve. Laura lê e Clarissa fala a mesma frase: “acho que eu mesma vou comprar

as flores”, e uma outra cena se abre onde vemos o suicídio de Virgínia, retratado

de forma simbólica, mas muito forte. Com isso, percebemos que “cria-se” logo no

início da narrativa de Wollf, um paralelismo entre Celebração e desencanto, festa e

morte.

O desespero das três mulheres vai crescendo com o passar das horas, horas

sempre iguais, horas sem nenhuma esperança de mudança, sem nenhuma

esperança, só a ansiedade provocada pelo nada. Solidão, infelicidade, crise de

identidade e desejo de realização sexual (nas três tramas as personagens beijam

outra mulher na boca), e principalmente a morte permeiam as histórias das três

mulheres do filme.

As lutas e sofrimentos vivenciados pelas três mulheres são universais. As

horas... os momentos... as decisões que tomamos. Talvez nos encontremos nas

situações extremas de cada uma das personagens; cada uma delas lutando para

dar um sentido à suas existências e serem simplesmente felizes.

Três mulheres presas no tempo e no espaço, nos seus próprios espaços,

restritas ‘as suas próprias vidas.

Ao ser levantado os temas: morte, escolhas, sexualidade, decisões; vemos que

as personagens descobrem que nem sempre a vida é aquela que se deseja e que se

vive e nem sempre as horas são sentidas ou realmente experienciadas de maneira

diferente.

No contexto final do filme, as personagens refletem sobre as horas - O que

são essas horas até perceberem que as perderam para sempre.

Page 28: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

28

DMS.IV – Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais

Características definidoras da perturbação mental em questão – transtorno

bipolar tipo I e transtorno bipolar tipo II

Transtorno bipolar (tipo I) Características DiagnósticasA característica essencial do Transtorno Bipolar I é um curso clínico caracterizado pela ocorrência de um ou mais Episódios Maníacos ou Episódios Mistos. Com freqüência, os indivíduos também tiveram um ou mais Episódios Depressivos Maior.

Os Episódios de Transtorno do Humor Induzido por Substância (devido aos efeitos diretos de um medicamento, outros tratamentos somáticos para a depressão, uma droga de abuso ou exposição a uma toxina) ou de Transtorno do Humor Devido a uma Condição Médica Geral não devem ser contabilizados para um diagnóstico de Transtorno Bipolar I.

Além disso, os episódios não são melhores explicados por Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação.

O Transtorno Bipolar I é subclassificado no quarto dígito de acordo com o fato de o indivíduo estar experimentando um primeiro episódio (isto é, Episódio Maníaco Único) ou de o transtorno ser recorrente.

A recorrência é indicada por uma mudança na polaridade do episódio ou por um intervalo entre os episódios de pelo menos 2 meses sem sintomas maníacos. Uma mudança na polaridade é definida como um curso clínico no qual um Episódio Depressivo Maior evolui para um Episódio Maníaco ou um Episódio Misto ou no qual um Episódio Maníaco ou um Episódio Misto evoluem para um Episódio Depressivo Maior.

Em contrapartida, um Episódio Hipomaníaco que evolui para um Episódio Maníaco ou Episódio Misto, ou um Episódio Maníaco que evolui para um Episódio Misto (e vice-versa), é considerado apenas como um episódio único.

Para os Transtornos Bipolares recorrentes, pode-se especificar a natureza do episódio atual ou mais recente (Episódio Mais Recente Hipomaníaco, Episódio Mais Recente Maníaco, Episódio Mais Recente Misto, Episódio Mais Recente Depressivo, Episódio Mais Recente Inespecificado).

Page 29: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

29

EspecificadoresOs seguintes especificadores para Transtorno Bipolar I podem ser usados para descrever o atual Episódio Maníaco, Episódio Misto ou Episódio Depressivo Maior (ou, se no momento não são satisfeitos os critérios para um Episódio Maníaco, Episódio Misto ou Episódio Depressivo Maior, ou Episódio Maníaco, Episódio Misto ou Episódio Depressivo Maior mais recente): Leve, Moderado, Severo Sem Aspectos Psicóticos, Severo Com Aspectos Psicóticos, Em Remissão Parcial, Em Remissão Completa.Com Características Catatônicas.Com Início no Pós-Parto.

Os especificadores a seguir aplicam-se unicamente ao Episódio Depressivo Maior atual (ou mais recente), apenas se ele for o tipo mais recente de episódio de humor:Crônico.Com Características Melancólicas.Com Características Atípicas.

Os especificadores a seguir podem ser usados para indicar o padrão de episódios:Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Completa Entre Episódios).Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos Maiores).Com Ciclagem Rápida.

Procedimentos de RegistroOs códigos diagnósticos para o Transtorno Bipolar I são selecionados conforme é indicado a seguir:1. Os três primeiros dígitos são 296.2. O quarto dígito é 0 se existe um Episódio Maníaco Único. No caso de episódios recorrentes, o quarto dígito é 4 se o episódio atual ou mais recente é um Episódio Hipomaníaco ou um Episódio Maníaco, 6 se é um Episódio Misto, 5 se é um Episódio Depressivo Maior e 7 se o episódio atual ou mais recente é Inespecificado.3. O quinto dígito (exceto para o Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente Hipomaníaco e Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente Inespecificado) indica o seguinte:1 para Leve,2 para Moderado,3 para Severo Sem Aspectos Psicóticos,4 para Severo Com Aspectos Psicóticos,5 para Em Remissão Parcial,6 para Em Remissão Completa, e0 para Inespecificado.

Page 30: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

30

Outros especificadores para Transtorno Bipolar I não podem ser codificados. Para Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente Hipomaníaco, o quinto dígito é sempre 0. Para Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente Inespecificado, não existe um quinto dígito.

Ao registrar o nome de um diagnóstico, os termos devem ser relacionados na seguinte ordem: Transtorno Bipolar I, especificadores codificados no quarto dígito (por ex. Episódio Mais Recente Maníaco), especificadores codificados no quinto dígito (por ex., Leve, Severo Com Aspectos Psicóticos, Em Remissão Parcial), tantos especificadores (sem códigos) quantos se aplicarem ao episódio mais recente (por ex., Com Características Melancólicas, Com Início Pós-Parto) e tantos especificadores (sem códigos) quantos se aplicarem ao curso dos episódios (por ex., Com Características Melancólicas, Com Início Pós-Parto) e tantos especificadores (sem códigos) quantos se aplicarem ao curso dos episódios (por ex., Com Ciclagem Rápida); por exemplo, 296.54 Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente Depressivo, Severo Com Aspectos Psicóticos, Com Características Melancólicas, Com Ciclagem Rápida.

Cabe observar que, se o episódio único do Transtorno Bipolar I foi um Episódio Misto, o diagnóstico é indicado como 296.0x Transtorno Bipolar I, Episódio Maníaco Único, Misto.

Características e Transtornos AssociadosCaracterísticas descritivas e transtornos mentais associados. O suicídio completado ocorre em 10 a 15% dos indivíduos com Transtorno Bipolar I. Abuso da criança, abuso do cônjuge ou outro comportamento violento pode ocorrer durante Episódios Maníacos severos ou com aspectos psicóticos.

Outros problemas associados incluem gazeta à escola, repetência, fracasso profissional, divórcio ou comportamento anti-social episódico. Outros transtornos mentais associados incluem Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa, Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Transtorno de Pânico, Fobia Social e Transtornos Relacionados a Substâncias.

Achados laboratoriais associados Aparentemente não existem características laboratoriais que possam diferenciar os Episódios Depressivos Maiores encontrados no Transtorno Depressivo Maior daqueles existentes no Transtorno Bipolar I.

Achados ao exame físico e condições médicas gerais associadasUma idade de início para o primeiro Episódio Maníaco após os 40 anos deve alertar o clínico para a possibilidade de que os sintomas sejam devido a uma

Page 31: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

31

condição médica geral ou uso de substância. Existem algumas evidências de que uma doença da tireóide não tratada piora o prognóstico de Transtorno Bipolar I.

Características Específicas à Cultura, à Idade e ao GêneroNão existem relatos de uma incidência diferencial de Transtorno Bipolar I com base em raça ou etnia. Existem algumas evidências de que os clínicos podem tender a superdiagnosticar Esquizofrenia (ao invés de Transtorno Bipolar) em alguns grupos étnicos e em indivíduos mais jovens.

Aproximadamente 10 a 15% dos adolescentes com Episódios Depressivos Maiores recorrentes evoluem para um Transtorno Bipolar I. Episódios Mistos parecem ser mais prováveis em adolescentes e adultos jovens do que em adultos mais velhos.

Estudos epidemiológicos recentes nos Estados Unidos indicam que o Transtorno Bipolar I é quase tão comum em homens quanto em mulheres (diferentemente do Transtorno Depressivo Maior, que é mais comum em mulheres). O gênero parece estar relacionado à ordem de aparecimento dos Episódios Maníaco e Depressivo Maior.

O primeiro episódio em homens tende mais a ser um Episódio Maníaco. O primeiro episódio em mulheres tende mais a ser um Episódio Depressivo Maior. As mulheres com Transtorno Bipolar I têm um risco aumentado para o desenvolvimento de episódios subseqüentes (em geral psicóticos) no período pós-parto imediato. Algumas mulheres têm seu primeiro episódio durante este período.

O especificador Com Início no Pós-Parto pode ser usado para indicar que o início do episódio ocorre dentro de 4 semanas após o parto. O período pré-menstrual pode estar associado com a piora de um Episódio Depressivo Maior, Maníaco, Misto ou Hipomaníaco em andamento.

PrevalênciaA prevalência do Transtorno Bipolar I durante a vida em amostras comunitárias tem variado de 0,4 a 1,6%.

CursoO Transtorno Bipolar I é um transtorno recorrente — mais de 90% dos indivíduos que têm um Episódio Maníaco Único terão futuros episódios.

Aproximadamente 60 a 70% dos Episódios Maníacos freqüentemente precedem ou se seguem a Episódios Depressivos Maiores em um padrão característico para a pessoa em questão.

Page 32: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

32

O número de episódios durante a vida (tanto Depressivos quanto Maníacos) tende a ser superior para Transtorno Bipolar I, em comparação com Transtorno Depressivo Maior, Recorrente. Estudos do curso do Transtorno Bipolar I antes do tratamento de manutenção com lítio sugerem que, em média, quatro episódios ocorrem em 10 anos.

O intervalo entre os episódios tende a diminuir com a idade. Existem algumas evidências de que alterações no ciclo de sono/vigília tais como as que ocorrem durante as mudanças de fuso horário ou privação do sono, podem precipitar ou exacerbar um Episódio Maníaco, Misto ou Hipomaníaco.

Aproximadamente 5 a 15% dos indivíduos com Transtorno Bipolar I têm múltiplos (quatro ou mais) episódios de humor (Episódio Depressivo Maior, Maníaco, Misto ou Hipomaníaco), que ocorrem dentro de um determinado ano. Se este padrão está presente, ele é anotado pelo especificador Com Ciclagem Rápida. Um padrão de ciclagem rápida está associado com um pior prognóstico.

Embora a maioria dos indivíduos com Transtorno Bipolar I retorne a um nível plenamente funcional entre os episódios, alguns (20 a 30%) continuam apresentando instabilidade do humor e dificuldades interpessoais ou ocupacionais. Sintomas psicóticos podem desenvolver-se dentro de dias ou semanas em um Episódio Maníaco ou Episódio Misto anteriormente não-psicótico.

Quando um indivíduo tem Episódios Maníacos com aspectos psicóticos, os Episódios Maníacos subseqüentes tendem mais a ter aspectos psicóticos. A recuperação incompleta entre os episódios é mais comum quando o episódio atual é acompanhado por aspectos psicóticos incongruentes com o humor.

Padrão FamiliarOs parentes biológicos em primeiro grau de indivíduos com Transtorno Bipolar I têm índices elevados de Transtorno Bipolar I (4 a 24%), Transtorno Bipolar II (1 a 5%) e Transtorno Depressivo Maior (3 a 24%). Estudos de gêmeos e de adoções oferecem fortes evidências de uma influência genética para o Transtorno Bipolar I.

Diagnóstico DiferencialOs episódios Depressivos Maiores, Maníacos, Mistos e Hipomaníacos no Transtorno Bipolar I devem ser diferenciados dos episódios de Transtorno do Humor Devido a uma Condição Médica Geral.

O diagnóstico é de Transtorno do Humor Devido a uma Condição Médica Geral para episódios considerados a conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral específica (por ex., esclerose múltipla, acidente vascular encefálico, hipotiroidismo). Esta distinção fundamenta-se na história, achados laboratoriais

Page 33: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

33

ou exame físico.

Um Transtorno do Humor Induzido por Substância é diferenciado de Episódios Depressivos Maiores, Maníacos ou Mistos que ocorrem no Transtorno Bipolar I pelo fato de que uma substância (por ex., droga de abuso, medicamento ou exposição a uma toxina) está etiologicamente relacionada à perturbação do humor.

Sintomas como os que são vistos em um Episódio Maníaco, Misto ou Hipomaníaco podem fazer parte de uma intoxicação ou abstinência de uma droga de abuso e devem ser diagnosticados como Transtorno do Humor Induzido por Substância (por ex., um humor eufórico que ocorre apenas no contexto da intoxicação com cocaína é diagnosticado como Transtorno do Humor Induzido por Cocaína, Com Características Maníacas, Com Início Durante Intoxicação).

Sintomas como os que são vistos em um Episódio Maníaco ou Episódio Misto também podem ser precipitados por um tratamento antidepressivo com medicamentos, terapia eletroconvulsiva ou fototerapia. Estes episódios podem ser diagnosticados como Transtorno do Humor Induzido por Substância (por ex., Transtorno do Humor Induzido por Amitriptilina, Com Características Maníacas; Transtorno do Humor Induzido por Terapia Eletroconvulsiva, Com Características Maníacas) e não contam para um diagnóstico de Transtorno Bipolar I.

Entretanto, quando o uso de uma substância ou medicamento não explica totalmente o episódio (por ex., o episódio continua de forma autônoma por um período considerável após a substância ser descontinuada), o episódio conta para um diagnóstico de Transtorno Bipolar I.

O Transtorno Bipolar I é diferenciado do Transtorno Depressivo Maior e Transtorno Distímico pela história de pelo menos um Episódio Maníaco ou Episódio Misto durante a vida. O Transtorno Bipolar I é diferenciado do Transtorno Bipolar II pela presença de um ou mais Episódios Maníacos ou Episódios Mistos.

Quando um indivíduo anteriormente diagnosticado com Transtorno Bipolar II desenvolve um Episódio Maníaco ou Episódio Misto, o diagnóstico é mudado para Transtorno Bipolar I.

No Transtorno Ciclotímico, existem numerosos períodos de sintomas hipomaníacos que não satisfazem os critérios para um Episódio Maníaco e períodos de sintomas depressivos que não satisfazem os critérios sintomáticos ou de duração para Episódio Depressivo Maior.

O Transtorno Bipolar I é diferenciado do Transtorno Ciclotímico pela presença de

Page 34: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

34

um ou mais Episódios Maníacos ou Mistos. Se um Episódio Maníaco ou Episódio Misto ocorre após os 2 primeiros anos de Transtorno Ciclotímico, então Transtorno Ciclotímico e Transtorno Bipolar I podem ser diagnosticados em conjunto.

O diagnóstico diferencial entre Transtornos Psicóticos (por ex., Transtorno Esquizoafetivo, Esquizofrenia e Transtorno Delirante) e Transtorno Bipolar I pode ser difícil (especialmente em adolescentes), porque esses transtornos podem compartilhar diversos sintomas (por ex., delírios grandiosos e persecutórios, irritabilidade, agitação e sintomas catatônicos), em especial transeccionalmente e no início de seu curso.

Em comparação com o Transtorno Bipolar, a Esquizofrenia, o Transtorno Esquizoafetivo e o Transtorno Delirante caracterizam-se por períodos de sintomas psicóticos que ocorrem na ausência de sintomas proeminentes de humor.

Outras considerações úteis incluem os sintomas concomitantes, curso prévio e história familiar. Sintomas maníacos e depressivos podem estar presentes durante Esquizofrenia, Transtorno Delirante e Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação, mas raramente com número, duração e abrangência suficientes para satisfazerem os critérios para Episódio Maníaco ou Episódio Depressivo Maior.

Entretanto, quando todos os critérios são satisfeitos (ou se os sintomas têm importância clínica particular), um diagnóstico de Transtorno Bipolar Sem Outra Especificação pode ser feito em acréscimo ao diagnóstico de Esquizofrenia, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação.

Se existe uma alternância muito rápida (em questão de dias) entre sintomas maníacos e sintomas depressivos (por ex., alguns dias de sintomas puramente maníacos seguidos por alguns dias de sintomas puramente depressivos) que não satisfazem o critério de duração mínima para Episódio Maníaco ou Episódio Depressivo Maior, o diagnóstico é de Transtorno Bipolar Sem Outra Especificação.

Critérios Diagnósticos para F30.x - 296.0x para Transtorno Bipolar I, Episódio Maníaco ÚnicoA. Presença de apenas um Episódio Maníaco e ausência de qualquer Episódio Depressivo Maior no passado. Nota: A recorrência é definida como uma mudança na polaridade a partir da depressão ou um intervalo de pelo menos 2 meses sem sintomas maníacos. B. O Episódio Maníaco não é melhor explicado por Transtorno Esquizoafetivo nem está sobreposto a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação. Especificar se:

Page 35: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

35

Misto: se os sintomas satisfazem os critérios para um Episódio Misto Especificar (para episódio atual ou mais recente):Especificadores de Gravidade/Psicótico/de Remissão.Com Características Catatônicas.Com Início no Pós-Parto

Critérios Diagnósticos para F31.0 - 296.40 Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente HipomaníacoA. Atualmente (ou mais recentemente) em um Episódio Hipomaníaco B. Houve, anteriormente, pelo menos um Episódio Maníaco ou Episódio Misto C. Os sintomas de humor causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. Os episódios de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação. Especificar:Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Entre Episódios).Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos Maiores).Com Ciclagem Rápida

Critérios Diagnósticos para F31.x - 296.4x Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente ManíacoA. Atualmente (ou mais recentemente) em Episódio Maníaco B. Houve, anteriormente, pelo menos um Episódio Depressivo Maior, Episódio Maníaco ou Episódio Misto C. Os episódios de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação. Especificar (para episódio atual ou mais recente):Especificadores de Gravidade/Psicótico/de Remissão.Com Características Catatônicas.Com Início no Pós-Parto Especificar:Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Entre Episódios).Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos

Page 36: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

36

Maiores).Com Ciclagem Rápida

Critérios Diagnósticos para F31.6 - 296.6x Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente MistoA. Atualmente (ou mais recentemente) em um Episódio Misto B. Houve, anteriormente, pelo menos um Episódio Depressivo Maior, Episódio Maníaco ou Episódio Misto C. Os episódios de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação. Especificar (para episódio atual ou mais recente):Especificadores de Gravidade/Psicótico/de Remissão.Com Características Catatônicas.Com Início no Pós-Parto Especificar:Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Entre Episódios).Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos Maiores).Com Ciclagem Rápida

Critérios Diagnósticos para F31.x - 296.5x Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente DepressivoA. Atualmente (ou mais recentemente) em um Episódio Depressivo Maior B. Houve, anteriormente, pelo menos um Episódio Maníaco ou Episódio Misto C. Os episódios de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação. Especificar (para episódio atual ou mais recente):Especificadores de Gravidade/Psicótico/de Remissão.Crônico.Com Características Catatônicas.Com Características Melancólicas.Com Características Atípicas.Com Início no Pós-Parto. Especificar:Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Entre Episódios).

Page 37: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

37

Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos Maiores).Com Ciclagem Rápida.

Critérios Diagnósticos para F31.9 - 296.7 Transtorno Bipolar I, Episódio InespecificadoA. Os critérios, exceto pela duração, são atualmente (ou foram mais recentemente) satisfeitos para um Episódio Maníaco, Episódio Hipomaníaco, Episódio Misto ou Episódio Depressivo Maior. B. Houve, anteriormente, pelo menos um Episódio Maníaco ou Episódio Misto. C. Os sintomas de humor causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. Os sintomas de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por um Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação. E. Os sintomas de humor nos Critérios A e B não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por ex., droga de abuso, medicamento ou outro tratamento), ou de uma condição médica geral (por ex., hipertiroidismo). Especificar:Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Entre Episódios).Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos Maiores).Com Ciclagem Rápida.

Os Transtornos do Humor do DSM.IV são:Episódios de HumorEpisódio Depressivo MaiorEpisódio ManíacoEpisódio MistoEpisódio HipomaníacoTranstornos DepressivosF32.x - 296.xx Transtorno Depressivo MaiorF34.1 - 300.4 Transtorno DistímicoF32.9 - 311 Transtorno Depressivo Sem Outra EspecificaçãoTranstornos BipolaresF32.9 - 311 Transtorno Depressivo Sem Outra EspecificaçãoF30.x/F31.x - 296.xx Transtorno Bipolar IF31.8 - 296.89 Transtorno Bipolar IIF34.0 - 301.13 Transtorno CiclotímicoF06.xx - 296.80 Transtorno Bipolar Sem Outra Especificação

Page 38: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

38

Outros Transtornos do HumorF06.xx - 293.83 Transtorno do Humor Devido a... [Indicar a Condição Médica Geral]Transtorno do Humor Induzido por SubstânciaF39 - 296.90 Transtorno do Humor Sem Outra Especificação

Bipolar II ocorrem imediatamente antes ou após um Episódio Depressivo Maior. Os Episódios Hipomaníacos freqüentemente precedem ou se seguem aos Episódios Depressivos Maiores em um padrão característico para cada pessoa determinada.

O número de episódios durante a vida (tanto Hipomaníacos quanto Depressivos Maiores) tende a ser superior para Transtorno Bipolar II, em comparação com o Transtorno Depressivo Maior, Recorrente. O intervalo entre os episódios tende a diminuir com a idade.

Aproximadamente 5 a 15% dos indivíduos com Transtorno Bipolar II têm múltiplos (quatro ou mais) episódios de humor (Hipomaníacos ou Depressivos Maiores) que ocorrem dentro de um mesmo ano. Se este padrão está presente, ele é anotado pelo especificador Com Ciclagem Rápida. Um padrão de ciclagem rápida está associado com um pior prognóstico.

Embora a maioria dos indivíduos com Transtorno Bipolar II retorne a um nível plenamente funcional entre os episódios, aproximadamente 15% continuam apresentando humor instável e dificuldades interpessoais ou ocupacionais. Não ocorrem sintomas psicóticos nos Episódios Hipomaníacos, e estes parecem ser menos freqüentes nos Episódios Depressivos Maiores do Transtorno Bipolar II do que nos do Transtorno Bipolar I.

Algumas evidências são consistentes com a noção de que alterações acentuadas no ciclo de sono/vigília, tais como as que ocorrem durante mudanças de fuso horário ou privação do sono, podem precipitar ou exacerbar Episódios Hipomaníacos ou Episódios Depressivos Maiores. Caso um Episódio Maníaco ou um Episódio Misto se desenvolva no curso de um Transtorno Bipolar II, o diagnóstico é mudado para Transtorno Bipolar I. Em 5 anos, cerca de 5 a 15% dos indivíduos com Transtorno Bipolar II desenvolvem um Episódio Maníaco.

Padrão FamilialAlguns estudos indicam que os parentes biológicos em primeiro grau de indivíduos com Transtorno Bipolar II têm índices elevados de Transtorno Bipolar II, Transtorno Bipolar I e Transtorno Depressivo Maior, em comparação com a população geral.

Diagnóstico Diferencial

Page 39: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

39

Os episódios Hipomaníacos e Depressivos Maiores no Transtorno Bipolar II devem ser diferenciados de episódios de um Transtorno do Humor Devido a uma Condição Médica Geral.

O diagnóstico é de Transtorno do Humor Devido a uma Condição Médica Geral para episódios considerados a conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral específica (por ex., esclerose múltipla, acidente vascular encefálico, hipotireoidismo). Esta distinção fundamenta-se na história, achados laboratoriais ou exame físico.

Um Transtorno do Humor Induzido por Substância é diferenciado de Episódios Hipomaníacos ou Episódios Depressivos Maiores que ocorrem no Transtorno Bipolar II pelo fato de que uma substância (por ex., droga de abuso, medicamento ou exposição a uma toxina) está etiologicamente relacionada com a perturbação do humor.

Sintomas como os que são vistos em um Episódio Hipomaníaco podem fazer parte da intoxicação ou abstinência de uma droga de abuso e devem ser diagnosticados como Transtorno do Humor Induzido por Substância (por ex., um episódio tipo depressivo maior ocorrendo apenas no contexto da abstinência de cocaína é diagnosticado como Transtorno do Humor Induzido por Cocaína, Com Características Depressivas, Com Início Durante Intoxicação).

Sintomas como os que são vistos em um Episódio Hipomaníaco podem também ser precipitados pelo tratamento antidepressivo com medicamentos, terapia eletroconvulsiva ou fototerapia. Estes episódios devem ser diagnosticados como Transtorno do Humor Induzido por Substância (por ex., Transtorno do Humor Induzido por Amitriptilina, Com Características Maníacas; Transtorno do Humor Induzido por Terapia Eletroconvulsiva, Com Características Maníacas) e não contam para um diagnóstico de Transtorno Bipolar II.

Entretanto, quando o uso de uma substância ou medicamentos não explica completamente o episódio (por ex., o episódio continua de forma autônoma por um período considerável após a substância ser descontinuada), o episódio conta para um diagnóstico de Transtorno Bipolar II.

O Transtorno Bipolar II deve ser diferenciado de um Transtorno Depressivo Maior e Transtorno Distímico pela história de pelo menos um Episódio Hipomaníaco durante a vida. O Transtorno Bipolar II é distinguido do Transtorno Bipolar I pela presença de um ou mais Episódios Maníacos ou Mistos neste último.

Quando um indivíduo com diagnóstico anterior de Transtorno Bipolar II desenvolve um Episódio Maníaco ou Episódio Misto, o diagnóstico é alterado para

Page 40: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

40

Transtorno Bipolar I.

No Transtorno Ciclotímico, existem numerosos períodos de sintomas hipomaníacos e numerosos períodos de sintomas depressivos que não satisfazem os critérios de sintomas e duração para um Episódio Depressivo Maior. O Transtorno Bipolar II é diferenciado do Transtorno Ciclotímico pela presença de um ou mais Episódios Depressivos Maiores.

Se um Episódio Depressivo Maior ocorre após os 2 primeiros anos de Transtorno Ciclotímico, aplica-se o diagnóstico adicional de Transtorno Bipolar II.

O Transtorno Bipolar II deve ser diferenciado de Transtornos Psicóticos (por ex., Transtorno Esquizoafetivo, Esquizofrenia e Transtorno Delirante). A Esquizofrenia, o Transtorno Esquizoafetivo e o Transtorno Delirante caracterizam-se por períodos de sintomas psicóticos que ocorrem na ausência de sintomas de humor proeminentes. Outras considerações úteis incluem os sintomas que acompanham os transtornos, curso prévio e história familiar.

Critérios Diagnósticos para F31.8 - 296.89 Transtorno Bipolar IIA. Presença (ou história) de um ou mais Episódios Depressivos Maiores B. Presença (ou história) de pelo menos um Episódio Hipomaníaco C. Jamais houve um Episódio Maníaco ou um Episódio Misto D. Os sintomas de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação. E. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Especificar episódio atual ou mais recente:Hipomaníaco: se atualmente (ou mais recentemente) em um Episódio Hipomaníaco.Depressivo: se atualmente (ou mais recentemente) em um Episódio Depressivo Maior Especificar (para Episódio Depressivo Maior atual ou mais recente apenas se este for o tipo mais recente de episódio de humor):Especificadores de Gravidade/Psicótico/de Remissão Nota: Os códigos do quinto dígito especificados em Critérios para Especificadores de Gravidade / Psicótico / de Remissão para Episódio Depressivo Maior atual não podem ser usados aqui, pois o código para o Transtorno Bipolar II já usa o quinto dígito.Crônico.Com Características Catatônicas.

Page 41: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

41

Com Características Melancólicas.Com Características Atípicas.Com Início no Pós-Parto Especificar:Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Entre Episódios).Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos Maiores).Com Ciclagem Rápida

Page 42: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

42

Consonância entre a psicopatologia do transtorno bipolar e as manifestações

mentais apresentadas por Virgínia Woolf, baseadas no estudo de sua

biografia, em fragmentos do filme “As Horas” e nas características

definidoras do DMS IV.

O transtorno bipolar é uma doença crônica, recorrente e se não for tratada,

pode se tornar incapacitante. Caracteriza-se pela alternância nos estados de

humor, entre fases de depressão e euforia (mania), intercaladas por períodos de

normalidade.

A fase eufórica consiste em uma exaltação do humor que ocorre sem nenhuma

relação com o momento que a pessoa está vivendo. Em geral, a mudança é súbita,

mas o indivíduo não percebe, porque o seu senso crítico também se encontra

alterado.

Nesta fase, os sintomas variam desde exaltação do humor, euforia, aceleração do

pensamento e da fala, diminuição da necessidade de sono, exacerbação da

sexualidade, comprometimento da crítica até a irritabilidade, agressividade e

dificuldade de controlar adequadamente os impulsos.

Em casos de maior gravidade, o paciente apresenta delírios de conteúdo

de grandeza, poder ou ainda de perseguição, podendo inclusive apresentar

alucinações. A fase de mania pode expor o paciente a vários riscos, como dirigir

em alta velocidade, abusar de álcool ou drogas e gastar excessivamente, tornando

por vezes, difícil o convívio social.

Na fase de depressão, é notável a diminuição do interesse ou prazer, podem

ocorrer mudanças no apetite e no peso, insônia ou em alguns casos hipersonia,

perda de energia, sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva, diminuição da

capacidade de concentração, pensamentos recorrentes de morte, podendo levar

até o suicídio.

A descrição da doença bipolar guarda íntima relação com o caso “Virgínia

Woolf”, conforme relatado até o momento nos próprios sinais e sintomas mentais e

físicos exibidos na biografia da escritora e parece ter sido assegurado não só por

possível origem genética, mas também por alterações na dinâmica ambiental e

agravada pelo fator estressante atribuído ao período de guerras.

O contexto social da época parece ter não só influenciado a obra de

Virgínia Woolf, como também ajudou a desencadear algumas de suas crises. As

Page 43: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

43

duas guerras mundiais, juntamente com a perda da mãe quando ainda púbere,

levaram-na a vários episódios de depressão e tentativas de suicídio. Foi logo após a

morte da mãe de Virgínia que ocorreu a primeira crise nervosa e consta que nessa

fase a intensa depressão melancólica e as alucinações auditivas começaram a

permear a vida da escritora.

Segundo seu sobrinho e biógrafo, Quentim Bell, relatou em seus

manuscritos que a escritora oscilava entre episódios depressivos profundos e

euforia descontrolada. No período de euforia, a verborragia parecia um “frenesi

descontrolado”, sua fala era rápida, mudava de um assunto para outro em minutos,

tinha insônia insuportável e cefaléia intensa. A incoerência mental era de tal

grandeza que chegava a afundar em plena letargia, semelhante a um coma.

A morte da mãe e da meia irmã de Virgínia a forçou a entrar no mundo

adulto rapidamente, juntamente com sua irmã Vanessa, obrigando-as a cuidar da

casa e dos irmãos mais novos. As perdas amorosas, obrigaram as irmãs a

conviverem com o desequilíbrio emocional do pai, denominando esse período

como “fase sombria de suas vidas”. Embora não seja mencionado na biografia da

escritora que o pai tivesse algum distúrbio mental, seu comportamento e

temperamento recluso, agressivo, hostil, introvertido e disfórico, falam a favor de

alteração psíquica. Sua mãe por sua vez era uma esmera dona de casa, porém

pouco afetiva, preocupara com os afazeres do lar e da caridade social.

O padrão familiar, segundo DMS IV, falam a favor da herança biológica,

onde parentes de primeiro grau de indivíduos bipolar I, tem índices elevados para

o transtorno (4 a 24%) ou para outras doenças mentais.

Nesse ínterim, ainda enquanto adolescente, a escritora sofreu diversos

episódios de abuso sexual por parte de seu meio irmão George e em algumas

biografias o abuso foi ampliado para ambos os meio-irmãos, George e Gerald,

deixando marcas indeléveis em sua sexualidade e em sua vida emocional.

A literatura científica bem como o DMS IV relatam que o abuso infantil

durante os períodos de expressão do transtorno bipolar não são infreqüentes e

que a expressão do comportamento anti-social, como resultado do abuso permeia

a doença. Estas duas situações foram bem representadas na biografia de Virgínia e

em alguns fragmentos do filme “As Horas”, onde Virgínia demonstra sua

dificuldade em se relacionar sexualmente com o marido e deixa a entender que

Page 44: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

44

sente algo libidinoso por mulheres. Em adição, tem dificuldade em se relacionar

com os empregados da casa, maltratando-os, mantendo-se reclusa e em outros

momentos, conforme dados de sua biografia, destratava as pessoas, comportava-se

de maneira arrogante e hostil, causando medo e pavor nas pessoas que a

rodeavam. Não é a toa que o comportamento anti-social de Woolf deu origem a

peça teatral de caráter caricatural “Quem tem medo do Virgínia Woolf”.

Em 1904, após completar 22 anos, Virgínia sofre a perda do pai e em

seguida tem sua segunda crise nervosa e tenta pela primeira vez o suicídio e é

internada em uma instituição.

Neste ponto vale a pena destacar que apesar da questão genética do

transtorno bipolar, os eventos estressantes da vida são desencadeadores das crises

que acometem as pessoas que sofrem deste distúrbio mental. Em se tratando de

Virgínia, as perdas, o sentimento de abandono, a opressão do pai e as guerras

parecem ter influenciado fortemente a manifestação do transtorno.

Segundo o DMS IV não existem relatos de uma incidência diferencial em

relação a raça, etnia, e sexo. Entretanto, o primeiro episódio depressivo em

mulheres tende mais a ser um episódio depressivo maior seguido por risco

aumentado para o desenvolvimento de episódios subseqüentes e em geral

psicótico, conforme pode ser observado logo no início da história clínica de

Virgínia (depressão e alucinação auditiva).

A obra de Woolf em seu percurso, expressa sua própria personalidade e

seus conflitos. Sua obra foi inovadora para a época vitoriana. Em “Um quarto só

para si” – obra de referência ao feminismo, buscou abrir espaço para as mulheres

de sua época.

Importante também lembrar que neste período que rondou o ano de 1904,

o Grupo de Bloomsbury foi constituído, constando com filósofos, pensadores,

intelectuais, escritores, artistas, entre outros. Durante esse período, o grupo

mantinha relacionamentos homossexuais e triangulares, confundindo muito a

afetividade de Virgínia.

Esta fase produtiva foi ameaçada por sua terceira crise, sendo novamente

institucionalizada, mantendo altos e baixos.

A própria literatura médica e o DMS IV relatam que a maioria dos

indivíduos com transtorno bipolar I, embora retomem a um nível funcional entre

Page 45: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

45

os episódios críticos (crises), cerca de 30 a 40%, continuam a apresentar

instabilidade de humor e dificuldades inter-pessoais. É certo que a família tentou

preservar Virgínia durante seu percurso de doença. Todavia, nem o esposo nem a

irmã, conseguiram poupá-la de relacionamentos no circulo social e familiar de

desavenças e hostilidades e seus dados biográficos confirmam esta colocação e o

filme “As Horas” mostra de forma bem clara a dificuldade de Virgínia em lidar com

as pessoas.

Em 1915, Virgínia tem sua quarta crise e segundo sua biografia, esta foi a

mais severa. Apresenta crises de alucinações e delírios. Embora, estivesse

novamente institucionalizada, pode escrever mais uma obra, “The voiage out”,

tendo sido elogiada pela crítica literária. Neste aspecto, parece que os períodos de

insanidade da escritora, foram preponderantes na influência de sua criatividade –

nesses momentos ela escrevia dia e noite, não comia, não dormia e pouco se

alimentava. Quando alguém a interrompia, seu ódio paralisava seu pensamento e

crises explosivas não eram raras.

Ao redor dos anos vinte, o casal Woolf funda sua própria editora e no final

da década de 20, Virgínia publica um de seus romances mais famosos “Mrs.

Dalloway”, “To the lighthouse, “Orlando”, “The waves”. Embora seu esposo lhe

tivesse muito afeto e desejo amoroso, Virgínia no final de 1927, assumiu seu

romance com a senhora Vita, a semelhança de sua irmã, que também mantinha

uma vida dupla, com o marido era uma boa esposa e mãe zelosa de filhos

aparentemente saudáveis e também mantinha um relacionamento amoroso com

outra mulher.

O que se sabe, é que sua obra foi baseada em personagens que existiram

na vida da autora (mulheres, familiares, amigos).

Embora, Woolf tivesse tido uma existência muito conturbada e infeliz, a

escritora obteve reconhecimento e sucesso em seu trabalho, tornando-se um

exemplo para as mulheres da época que almejavam ser escritoras. As crises

depressivas melancólicas a acometiam, principalmente quando ela estava

terminando um livro ou próximo a lançá-los.

Além dos sintomas de crise mental, Virgínia manifestava sintomas físicos

(hoje mais conhecidos como psicossomáticos), com, intensa cefaléia, insônia e

dificuldade para se alimentar.

Page 46: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

46

Infelizmente, a psiquiatria da época não dispunha de condições adequadas

de tratamento para o transtorno bipolar. Nos dias atuais, sabe-se que a prevalência

do distúrbio pode variar em amostra comunitária entre 0,4 a 1,6 %. O curso do

transtorno é recorrente, e oscilando entre 60 a 70 % dos episódios depressivos

maior. Os estudos mostram que o transtorno sem utilização do tratamento com

lítio sugere em média quatro episódios em 10 anos. O intervalo entre os episódios

tende a diminuir com a idade.

Sua biografia revela que em 1941, Woolf começou a ter crises de

desespero, retorno dos sintomas psicóticos, oscilações mais freqüentes do humor e

acabou se suicidando. Morreu afogada, embora fosse uma boa nadadora, com os

bolsos do casaco cheios de pedras. Neste aspecto, o DMS IV mostra que a chance de

um indivíduo bipolar I praticar o suicídio pode chegar a 10 a 15 %.

As últimas cenas do filme “As Horas”, mostram uma mulher sem esperança

de vida, magra, mal cuidada e sem objetivo de viver. A escritora mostra (em sua

carta de despedida) que com sua morte poupará as pessoas e garantirá a paz

mental do esposo em relação a ela, o qual sempre se demonstrou muito

companheiro e afetivo. Diz ainda que sua mente está muito inquieta e que havia

voltado a ouvir vozes e que não suportaria uma nova crise, conforme pode ser

observado no texto abaixo:

Seu bilhete final continha o seguinte texto : "Eu estou certa de que vou

ficar louca novamente; eu sinto que não posso sobreviver a outro destes terríveis

episódios. E eu não vou me recuperar desta vez… Eu começo a ouvir vozes e não

posso me concentrar....Por isto estou fazendo o que acho o melhor a fazer... Vocês

me deram os melhores momentos possíveis de felicidade... mas eu não posso mais

lutar e eu sei que estou prejudicando a vida de vocês e que sem mim vocês podem

continuar a trabalhar e a viver

“A vida é um sonho, acordar é o que nos mata”

O transtorno bipolar é uma doença crônica, recorrente e se não for tratada,

pode se tornar incapacitante. O mais interessante de tudo isso, que foi discutido

até agora, é que atualmente existem diversas modalidades de tratamento

(medicamentos, processos terapêuticos) que melhoram a qualidade de vida dos

indivíduos com transtorno bipolar, possibilitando aos mesmos uma vida o mais

Page 47: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

47

próximo possível do normal, mantendo-os produtivos e inseridos na sociedade e

sem estigmatização.

Page 48: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

48

Referencias Bibliográficas Consultadas

Virtuais

www.psicologia.com.pt/instrumentos/dms.4

http://pt.wikipedia.org/wiki/

www. virginiawoolfs ociety.co.uk/ vw_res.biography.htm

www.bbc.co.uk/bbcfour/voices/profilepages/woolf v1.shtml

www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/atu3_07.htm

Publicação informal

Revista IstoÉ, maio 2006

Publicação Formal

Kutcher S, Marton P. Affective disorders in first-degree relatives of adolescent onset bipolars, unipolars, and normal controls. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 1991;30:75-8.

Stine OC, Xu J, Koskela R, McMahon FJ, Gschwend M, Friddle C etal. Evidence for linkage of bipolar disorder to chromosome 18 witha parent-of-origin effect. Am J Hum Genet 1995;57:1384-94.

Rice J, Reich T, Andreasen NC, Endicott J, Van Eerdewegh M, Fishman R et al. The familial transmission of bipolar illness. ArchGen Psychiatry 1987;44:441-7.

Gazalle, F K et al. Polifarmácia e tentativas de suicídio no transtorno bipolar. Rev. Bras. Psiquiatr 2006; 29:11-27. 

Abreu, Lena et al. Suicidal ideation and suicide attempts in bipolar disorder type I: an update for the clinician. Rev. Bras. Psiquiatr., 2009, 1516-4446.

Machado-Vieira, Jair C Transtornos de humor refratários a tratamento. Rev. Bras. Psiquiatr. 2007;29, suppl.2, p.S48-S54.

Abreu, N C et al. Síndromes psiquiátricas: Diagnóstico e entrevista para profissionais da saúde mental. Artmed, 2006.

Page 49: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

49

Anexo

Depoimentos - Publicação em imprensa escrita (veículo nacional – Revista de circulação semanal)

Numa noite abafada de verão, a escritora Cássia Janeiro, de 43 anos,

decidiu ter uma conversa séria com a filha adolescente. Entrou no MSN, a

ferramenta de bate-papo virtual preferida da moçada, para estar mais próxima de

Fernanda, de 17. Digitava na sala e a filha respondia do quarto, a poucos passos de

distância. Cássia estava preocupada com o comportamento, ora irritado, ora

depressivo da garota.

Apesar de inteligente, ela tinha problemas na escola. Achava tudo muito

chato, e isso a deixava nervosa. Em outros momentos, a jovem tinha ataques de

alegria descontrolados, sem nenhum motivo aparente. Ria à toa e torrava todo o

dinheiro em compras. Chocou a mãe quando disse: “A gente não precisa viver

muito, precisa viver intensamente. Não quero viver muito”.

Cássia percebeu que aquilo era mais que a típica inconseqüência

adolescente. Desconfiou de transtorno bipolar, uma doença psiquiátrica

caracterizada por oscilações radicais do humor. Durante as crises, os portadores

desse distúrbio caem em depressão ou mergulham numa euforia sem limites. Nas

duas situações, a vida deles corre perigo. Um paciente deprimido pode tentar

suicídio. Um paciente eufórico se sente tão invencível que pode se atirar da janela

achando que é capaz de voar. Cássia conhece bem esses sintomas. Ela mesma é

bipolar e já tentou suicídio.

Com a intermediação do computador, lançou uma isca para conquistar a

atenção da filha. Digitou pensamentos dos escritores prediletos de Fernanda:

Edgar Allan Poe, Nietzsche e, por fim, uma frase de Virginia Woolf: “A beleza do

mundo tem duas margens, uma do riso e outra da angústia, que cortam o coração

em duas metades”.

Fernanda se identificou. Cássia revelou o que as frases tinham em comum.

Todas foram escritas por autores que sofriam de severas oscilações de humor e

Page 50: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

50

que hoje provavelmente receberiam o diagnóstico de transtorno bipolar. Só assim

Fernanda aceitou buscar tratamento. Ela é parte de um fenômeno recente: o

aumento de crianças e jovens que são considerados bipolares.

A universitária carioca Paula Sant’Anna Mahet, de 26 anos, descontava a

angústia ao volante. Nos momentos de crise, saía no meio das aulas da faculdade de

Engenharia e dirigia em alta velocidade. Está em tratamento há um ano, com

medicamentos e terapia. “Quando eu era pequena, meus pais achavam que eu fosse

hiperativa”, diz. “Hoje sei administrar minhas irritações.” Paula se deu conta de que

suas oscilações de humor eram parecidas com as do pai.

A dona de casa Ana sempre oscilou entre períodos de intensa depressão e

estados de euforia. Conta que após a separação do marido, entrou em depressão,

perdendo o desejo de viver e de realizar atividades simples do dia a dia, como,

tomar banho, escovar os dentes e pentear os cabelos. A família achou que os

sintomas eram normais em virtude da perda ocorrida com Ana (matrimônio).

Cerca de 25 dias após a separação, Ana passou a comprar roupas, a perder o

controle sobre suas finanças e a frequentar os bingos de sua cidade. Passava dias

sem dormir e comer e alegava que nenhuma máquina de bingo poderia vencê-la

sempre e que ela era uma cientista das probabilidades. Apresentava-se como uma

consultora de uma universidade interessada em máquinas de bingo e que sua

função era treinar pessoas com “dom especial” para se tornarem vencedoras em

bingos e cassinos.

Nos Estados Unidos, o diagnóstico do distúrbio em crianças e adolescentes

foi multiplicado por 40 entre 1994 e 2003, segundo um estudo da Universidade

Colúmbia, publicado no periódico Archives of General Psychiatry.

Há duas hipóteses para justificar os achados, segundo um dos autores, o

psiquiatra Mark Olfson: historicamente o transtorno não era identificado nessa

faixa etária ou hoje há um exagero nos diagnósticos. “Sem um sistema de avaliação

preciso, não podemos arriscar uma resposta.” A hipótese de exagero nos

diagnósticos não parece absurda. Crianças difíceis ou excessivamente agitadas

costumam ser consideradas hiperativas por educadores ou médicos com pouca

experiência no assunto. É possível que o mesmo esteja acontecendo em relação ao

Page 51: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

51

transtorno bipolar. “O distúrbio foi banalizado”, diz o psiquiatra brasileiro Jair

Soares, professor da Universidade da Carolina do Norte. “Mas não diagnosticá-lo

nos verdadeiros portadores é um sério problema.”

A doença, que no passado era chamada de psicose maníaco-depressiva,

atinge cerca de 3% da população mundial. É um dos distúrbios psíquicos mais

difíceis de descobrir e tratar corretamente. Até acertar o diagnóstico, o médico

pode receitar inúmeros medicamentos. Os efeitos colaterais desses remédios

podem agravar o problema.

Um terço dos portadores é tratado de forma errada porque os sintomas

(leia no quadro) se confundem com os de outros distúrbios, como depressão,

hiperatividade ou transtorno de déficit de atenção. “Há uma enorme carência de

pesquisa em psiquiatria infantil”, diz o psiquiatra Leonardo Gama Filho, do

Hospital Municipal Lourenço Jorge, no Rio de Janeiro. “Cada vez mais crianças

usam antidepressivos, mas faltam pesquisas sobre a eficácia e a segurança desses

tratamentos.” Por falta de opções específicas, os pequenos recebem doses mais

baixas dos mesmos medicamentos aprovados para uso em adultos, embora se

saiba que crianças não são adultos em miniatura.

Um novo remédio foi aprovado no Brasil, em novembro, para tratar ambas

as fases da bipolaridade – a euforia e a depressão. O Seroquel (quetiapina) está

longe de representar uma revolução no tratamento e também não está aprovado

para uso em crianças. Mas é um avanço. “Para 60% dos pacientes, a melhora é

considerada ótima”, diz o psiquiatra Teng Chei Tung, autor do livro Enigma

Bipolar. O tratamento-padrão ainda é o lítio, um estabilizador de humor. “É o único

que diminui em dez vezes o risco de suicídio entre os bipolares.”

A probabilidade desse desfecho entre os bipolares é 60 vezes maior que na

população em geral. Mesmo quando não pensam em morte, eles vivem

perigosamente – o que pode ser fatal.

Fatores genéticos estão por trás de grande parte dos casos. O distúrbio

ocorre em 20% dos filhos de pais bipolares. Por meio de exames de ressonância

magnética, a psiquiatra Sheila Caetano, do Hospital das Clínicas, em São Paulo, está

Page 52: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

52

mapeando o cérebro de 16 crianças cujas mães são bipolares. Ela quer saber se o

comportamento das crianças é determinado pela genética ou influenciado pelas

freqüentes alterações de humor sofridas pelas mães.

Estudos recentes apontam diferenças no cérebro dos bipolares. A

amígdala, responsável pelo reconhecimento de faces, é menor nas crianças e nos

adolescentes que sofrem do distúrbio. Isso pode fazer com que a criança tenha

dificuldades de perceber quando as outras pessoas estão ficando irritadas. “A

criança bipolar não percebe que os colegas não querem mais brincar. Força a barra

e acaba brigando”, diz Sheila.

Crianças assim precisam de tratamento. Muitos pais têm medo de que os

remédios interfiram na personalidade dos filhos ou limitem sua criatividade. “O

que prejudica não é o tratamento, e sim o diagnóstico errado ou o excesso de

medicamentos”, diz o psiquiatra Olavo de Campos Pinto, especialista em

transtorno bipolar formado pela Universidade da Califórnia. “Os remédios certos

ajudam a estabilizar a pessoa. Sem estabilidade, ela não termina nada daquilo que

começou e perde a capacidade de planejar.”

Muitos dos bipolares são extremamente inteligentes e inventivos. Por

causa disso, é comum encontrar jovens que dizem aos amigos que têm “um certo

grau de bipolaridade”, como se isso fosse uma vantagem. “Quem acredita nessa

imagem não sabe que um bipolar em crise chega ao fundo do poço.

Page 53: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

53

Figuras

Page 54: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

54

Page 55: R Glashan - Virginia Woolf - Psicopatologia Transtorno Bipolar: biografias

i