quintela, pedro; guerra, paula; feixa, carles; farrajota, marcos (2014) - resistência, cenas e...

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KISMIF International Conference8-11 july 2014Porto, Portugalwww.punk.pt

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  • Resistncia, cenas e contracultura.Um olhar sociolgico a partir da anlise das redes de produo, distribuio e consumo de fanzines e e-zines.

    Pedro Quintela, Universidade de Coimbra, CESPaula Guerra, Universidade do Porto, IS-UP, CEGOT, GCCRCarles Feixa, Universidad de LleidaMarcos Farrajota, Bedeteca de Lisboa, Chili Com Carne

  • Foco e questesncora

  • Embora ainda no seja possvel partilhar convosco os resultados definitivosdeste trabalho, hoje gostaramos de discutir aqui convosco:

    Qual o papel dos fanzines e e-zines nas cenas punk em Portugal?

    De que modo estes objetos contriburam para fomentar e impulsionaro movimento punk em Portugal?

  • Punk e fanzines

  • Embora o surgimento dos primeiros

    fanzines tenha acontecido nas

    dcadas de 1920-30 associado aos

    fs de fico cientfica, a verdade

    que a produo, distribuio e

    consumo de fanzines ganhou

    relevncia global, assumindo-se

    como um espao de liberdade de

    pensamento e criao do-it-yourself,

    e de alternativa aos media

    convencionais.

  • Os fanzines assumiram-se como uma parte muito importante da construo das cenas punk a par das bandas, dos discos, dos concertos , contribuindo ativamente para a criao e consolidao de um determinado sentido de comunidade (Teal Triggs, 2006).

    Os fanzines so normalmente objetos caseiros, produzidos de forma artesanal e que tm, em geral, uma circulao limitada.

  • Os fanzines tendem a ser escritos e publicados, individual ou coletivamente, por elementos ligado ao movimento punk e so objetos dirigidos aos seus pares (isto , os contedos dos fanzines punk so dirigidos a outros aficionados punk).

    Os fanzines so construdos de um modo coletivo e voluntrio que permitem aos indivduos que participam neste processo afirmarem sua existncia social e participarem culturalmente.

  • semelhana de outrasdimenses do movimentopunk, a componente grficados fanzines desempenha umpapel to ou mais importantedo que os textos escritos.

    As componentes escritas evisuais dos fanzines estejamto profundamentemisturadas que se tornapraticamente impossvelanalisar separadamente cadaum destes dois elementos.

  • Todos estes diferentes elementos - quer aonvel das temticas abordadas nos textos,quer em termos da linguagem grficautilizada - j estavam presentes em fanzinescomo a Panache, Sniffin Clue e a Ripped &Torn.

    Estes primeiros fanzines punk deram umacontribuio decisiva para a criao de certauma "linguagem", com caratersticasespecficas quer em termos estticos, comoeditoriais, que acabou por ser determinantena criao de uma espcie de "cnonesubcultural".

  • Nas ltimas dcadas, essa"linguagem" foi-se generalizandoe globalizante, levando reproduo de uma tica do-it-youself e de uma certa maneirapunk de "fazer" fanzines que,como iremos ver, continua apersistir hoje em dia.

  • Metodologia

  • Recolha de informao

    A compra de fanzines diretamente aos editores, ou indiretamente em concertos,eventos polticos, em centros comunitrios e em okupas, etc.;

    A doao ou emprstimo de fanzines para digitalizao, geralmente atravs dosentrevistados (elementos ligados ao movimento punk);

    A disponibilizao do acesso coleo pessoa de fanzines de alguns dosinvestigadores do projeto;

    A pesquisa online de fanzines e, sempre que possvel, o download (total ouparcial) dos contedos disponveis.

    Relativamente aos e-zines, a recolha de informao tem sido essencialmenterealizada atravs do recurso a pesquisas online.

    No caso em que os e-zines estavam disponveis na Internet mas que foramentretanto removidos, temos procurado identificar os editores, de modo a entrarem contacto com eles para pedir permisso para ter acesso a esses contedos.

  • Sistematizao

    Base de dados que permite realizar uma anlise sistemtica de documentosrecolhidos.

    Criar um arquivo indito sobre punk em Portugal, que estar alojado na Bibliotecada Faculdade de Letras da Universidade do Porto e em site prprio.

    Esta base de dados, bem como todos os fanzines, registros sonoros, cartazes,flyers, fotografias e outros documentos e elementos iconogrficos recolhidos voestar disponveis para consulta de todos aqueles que queiram posteriormenteprosseguir com o estudo do movimento punk em Portugal.

  • 1. Nome / designao

    2. Data de emisso

    3. Tipo (individual / coletivo)

    4. Editor do Fanzine

    5. Origem Geogrfica do Editor Fanzine

    6. Custo

    7. Preo

    8. Moeda

    9. Nmero total de pginas por fanzine

    10. Aspeto grfico (cor, preto e branco)

    11. Impresso

    12. Tipo de fanzine

    13. Assunto/ incidncia analtica

    14. Tipos de artigos

    15. Tipo de Imagens

    16. Temticas discutidas

    17. Nomes de bandas mencionadas/discutidas

    18. Cenas que so referidas/mencionadas

    Estruturao da Base de Dados

  • Corpo de Anlise

    Fanzines punk atuais datados de 2010 at agora - adquiridos peloprojeto

    Fanzines punk da dcada de 1990 adquiridos

    Fanzines punk provenientes das dcadas de 1970, 1980, 1990 e 2000provenientes de arquivos pessoais disponibilizados gratuitamente para oprojeto

    Fanzines existentes na Bedeteca de Lisboa e relevantes no espectro punk;

    Fanzines encontrados em web surveys e disponibilizados em sitesprprios e que se relacionam com o punk

  • nossa inteno continuar a catalogar e a tratar os fanzines que nosforem chegando pelos meios anteriores, reconhecendo a incompletudedo corpo de anlise atual e a necessidade de sistematizao em arquivodestes documentos.

    S uma nota: o facto de se tratarem de documentos de produoespontnea, de estratgias individuais e grupais desligados de qualquereditora, de iniciativas informais, leva a que a sua distribuio seja escassa,o seu acesso limitado e a sua periodicidade muito irregular.

    O corpo de fanzines aqui analisados em termos de entradas por ttulototaliza os 93 fanzines (N ttulos) e por edies os 177 fanzines (Nedies).

  • Fanzines punk em Portugal (1978-2013):

    uma cronotopia

  • O aparecimento dos primeiros fanzines punk em Portugal acontece a partir de finais dos anos 70, na zona de Lisboa.

    o caso do fanzine Desordem Total, editado por Nuno Esterco, Lus Bosta e Pedro Merda, com seis nmeros publicados entre 1978 e 1979, e do fanzine Estado de Stio, editado por Paulo Borges, membro dos pioneiros Minas e Armadilhas, que publicou, pelo menos, seis nmeros do fanzine ao longo do ano de 1978.

    Finais dos anos 1970

  • Orientao esttica DIY, assente numa mistura de tcnicas de cut-and-paste.

    Encontramos nestes primeiros fanzines um espao de comentrio sarcstico acerca da realidade poltico-social nacional e internacional.

    Tambm so frequentes referncias a bandas punk anglo-saxnicas (essencialmente atravs de fotos dos elementos de bandas, nem sempre identificadas).

    Finais dos anos 1970

  • Anos 1980

    Acompanhando o desenvolvimento das cenas punk no nosso pas, assiste-se a uma certa proliferao de fanzines, mantendo-se ainda uma certa concentrao nas reas de metropolitanas de Lisboa e Porto.

  • Anos 1980

    Neste perodo, identificam-se fanzines punk relevantes como a Subverso (1982), Subrbios (1985), Tosse Convulsa (1985), O Cadver Esquisito(1986), Lixo Anarquista (1986-87), Suicdio Colectivo (1987), Anarkozine (1987), Post Scriptum (1987-88), Morte Censura (1988) e Culto Urbano (1988-89).

  • Anos 1980

    Embora se mantenha presente uma dimenso fundamental de crtica poltico-social, a dimenso musical ganha uma clara relevncia a partir deste perodo, evidenciando-se a relevncia dos fanzines enquanto espao de divulgao de bandas, quer nacionais, quer internacionais.

  • Anos 1980

    Tornam-se, por isso, frequentes artigos sobre bandas punk e hardcore (subgnero que, durante este anos, irrompe em Portugal a partir de finais dos anos 1980) e tambm reportagens sobre algumas cenas internacionais (Austrlia, E.U.A., Brasil, Itlia, etc.), numa primeira fase recorrendo essencialmente a fontes secundrias (artigos de jornais, press-releases das bandas, etc.), mas progressivamente incorporando materiais originais, em geral atravs da realizao de entrevistas.

  • Anos 1980 Do ponto de vista grfico, os fanzines punkproduzidos durante os anos 80 refletem um certo amadurecimento dos seus produtores, verificando-se que em muitos casos uma apresentao formalmente mais cuidada, mantendo uma grande coerncia com a abordagem DIY que, desde os primrdios, sempre caracterizou a cultura punk.

  • Anos 1990

    Assiste-se a uma certa diversificao dos subgneros punk abordados, que se reflete num protagonismo crescentemente atribudo ao crust e ao hardcore straight-edge, por exemplo, mas tambm numa maior abertura incorporao de outras estticas underground (no s gneros musicais como o hip hop, o reggae-dub ou determinados subgneros de msica eletrnica so abordados, como tambm se abordam questes relacionadas com o skate).

  • Anos 1990

    Adquirem importncia nas pginas dos fanzines punk portugueses desta poca, questes tico-polticas relacionadas com a ideologia anarquista-libertria, direitos das mulheres, vegetarianismo/veganismo, direitos dos animais, homofobia, consumo de drogas, entre outras.

  • Anos 1990

    O surgimento do computador em Portugal tambm vai marcar, do ponto de vista grfico, os fanzines produzidos durante este perodo, que em alguns casos denotam um maior apuro, afastando-se de um certo purismo esttico do cut-and-paste que marcou as primeiras etapas do punk, em Portugal e no estrangeiro, com um abundante recurso manipulao artesanal de imagens, utilizao de recortes de letras com diferentes tipos, a escrita de textos mo ou dactilografados, etc.

  • Anos 1990

    Neste perodo destacam-se, entre outras, fanzines como a Mutante (1992), Grito de Revolta (1992), Crack (1992, 93 e 95), Vontade de Ferro (1994), Mesinha de Cabeceira (1994-95), Atitude Alternativa(1995), Animal Abuser (1995), Golpe Baixo(1996), Global Riot (1996), Insubmisso (1997), Kannabizine (1997), First Step (1998), Out of Step (1996-98), Hope (1998), Bakuzine(1998), Se o voto a arma do povo(1998), Zona Autnoma Provisria (1999), Convico (1999), Rebeldia (1999) e Spirit ofYouth (1999).

  • Anos 2000

    Entre outras, pode referir-se a edio dos fanzines Inhumanus (2000),San Bao (2000), Sisterly (2000), Rastilho (2000-02), Vontade de Ferro(2001), Opinion (2001), Wake up and Live (2001), Two Sides (2001), Ossoda Pilinha (2002), Suburbano (2002), Aco Directa (2004), X.cute(2005), Crise Social (2005), Mesinha de Cabeceira (fanzine que semantm em atividade desde os anos 1990, com edies pontuais em2005 e 2012), Porque Nada se Constri Sozinho (2006), Backfire (2007),Grita! (2007), Comedores de Cadveres (2008), Not Just Words (2007-09), A Culpa da Humanidade (2008-2012), Alambique (2007-2013), OAlfinete (2011-2013), Kaos Urbano (2007, 2010-11), Apuppapa (2010),Ncleo Duro (2012), The Juice (2012), Prego (2013), Mndo Brutal(2011-2013), Jubiladxs (2012), City Lights (2011), Humble: skate zine(2011-12), Overpower Overcome (2009 e 2012), Deflagra (2008, 11-13) eKarapaa (2013).

  • Anos 2000

    Apesar do surgimento, nos ltimos dozeanos, de diversos fruns, blogues e e-zinespunk que, semelhana de outros contextos,tm procurado aproveitar as potencialidadesda Internet (na suas diversas plataformas),para uma rpida, fcil e barata divulgao debandas, discos e acontecimentos relevantesdentro das cenas punk nacional (concertos,festas, lanamento de discos, etc.), constata-se que os tradicionais fanzines, publicados emformato papel e distribudas em circuitosunderground, continuam a evidenciar umaforte resilincia.

  • Anos 2000

    Esta uma tendnciaque, embora contenhaespecificidades prpriasassociadas ao universo dopunk, se insere numalgica mais abrangentede valorizao do retro,do analgico, do vintagee de uma certa memriaesttica e tica associadaa determinadosmanifestaes culturais.

  • Anos 2000

    Embora em moldes diversos do passado,os fanzines continuam hoje a assumir-secomo um espao poderoso de afirmao deum certo esprito DIY inspirado na culturapunk, integrando, de um modo singular,contedos de texto e imagem para os quaiscontinua a no haver espao noutros media.

  • Fanzines, contexto e evoluo

  • Evoluo do nmero de ttulos de fanzines e do nmero de edies de fanzines entre 1978 e 2013

  • Evoluo do nmero de fanzines editadas entre 1978-2013, por concelho e dcada de edio

  • Nmero total de fanzines editadas entre 1978-2013, por concelho

  • Fanzines e ncoras temticas

  • TemasN. de

    fanzines%

    Crtica social

    Crtica ao sistema, isto , ao conjunto das instituies e atores polticos e sociais

    35 19,77

    Crtica dirigida a valores, convenes ou modos de vida 56 31,64Crtica referida expressamente situao portuguesa 6 3,39Crtica, denunciando expressamente a natureza alienante do modo de vida prevalecente

    20 11,30

    Celebrao e hedonismo

    Celebrao da identidade do grupo ou comunidade musical 93 52,54Celebrao do hedonismo 43 24,29Celebrao dos afetos 4 2,26

    Revolta Apologia da revolta do Eu perante a sociedade portuguesa 1 0,56Defesa da revolta de grupos face sociedade e ao mundo 19 10,73Proclamao da revolta do Eu perante a sociedade 25 14,12

    Defesa de uma alternativa (aos sistemas ou comportamentos criticados)

    Defesa de uma alternativa em termos de valores e modos de vida

    82 46,33

    Defesa de uma alternativa em termos polticos e ideolgicos 20 11,30Defesa de uma alternativa referindo-se diretamente situao portuguesa

    20 11,30

  • TemasN. de

    fanzines%

    Encruzilhada existencial 22 12,43

    Afinidade e sociabilidade musical

    Afinidade e sociabilidade musical: bandas 124 70,06Afinidade e sociabilidade musical: Defesa da cena musical portuguesa

    1 0,56

    Afinidade e sociabilidade musical: divulgao de fanzines, rdios, espaos e concertos

    51 28,81

    Apologia da cena punk/hardcore/skinnead portuguesa 28 15,82Crticas s cenas punk/hardcore portuguesa 1 0,56Crticas de concertos, discos, livros 47 26,55Defesa da cena musical hardcore 21 11,86Defesa da cena musical punk 41 23,16Defesa da cena musical skinhead 1 0,56Divulgao de discos 4 2,26Divulgao de editoras, distribuidoras 9 5,08

    Cartas de leitores 2 1,13Outros temas 0 0,00

  • Notas Finais

  • Em primeiro lugar, parece-nosimportante ressaltar que mais de trintaanos aps o surgimento do movimentopunk no Reino Unido e, neste contexto,do aparecimento dos primeiros fanzines,o fanzine parece permanecer atual erelevante.

    Esta relevncia est profundamenterelacionada com a forma como uma certaideia de tica do-it-yourself sedisseminou e est hoje totalmenteintegrada e globalizada no interior domonvimento punk (e mesmo para almdas suas fronteiras).

  • Em segundo lugar, importante salientar que embora muitos dos fanzines punks portuguesesatuais reafirmem este "cnone" punk, eles tambm introduzem novas questes e novaspreocupaes.

    Tm sido introduzidas algumas preocupaes especficas e bastante bem situadas do ponto devista territorial isto , so abordadas questes relacionados com realidades histrica, poltica,social e culturalmente bem delimitadas, pois esto relacionadas com comunidades e cenas locaisparticulares.

    Um outro exemplo, est relacionado com a preocupao em historiografar alguns episdiosrecentes das cenas punk em Portugal, procurando reconstituir determinados perodos histricosou recolher testemunhos de bandas emblemticas nacionais que entretanto desapareceram.Um outro exemplo diferente est relacionado com a introduo do tema da maternidade.

  • Em terceiro lugar, os fanzines punkportugueses continuam hoje tal comono passado - a desempenhar um papelmuito importante na construo de umsentido de comunidade underground,fortemente enraizada localmente mas, aomesmo tempo, evidenciando uma grandecapacidade para estabelecer ligaes comoutras cenas punk locais espalhadas umpouco por todo o mundo.

  • Em quarto lugar, o assinalvel alargamentodo acesso Internet nos ltimos quinzeanos, o estabelecimento desses contatostornou-se muito mais fcil, rpido eregular. No entanto, os fanzines parecemcontinuar a desempenhar hoje em dia umpapel muito importante para a consolidaodessas relaes e redes sociais.Alm disso, devido ao modo peculiar e muito pessoal como integram as componentes de texto e os elementos grficos, os fanzines so, de alguma forma, um objecto irrepetvel num formato digitalonline (por exemplo, em blogs ou nas redes sociais).

  • Estamos, em suma, perante um retorno ao passado ou o que estamos a assistir a algo novo?

    Trata-se de um fenmeno autntico ou antes uma mera reproduo de frmulas do passado, que se globalizaram e que so hoje incessantemente repetidas, uma e outra vez?

  • Obrigado!

    [email protected]

    http://www.punk.pt/pt/